Infeçoes Vaginais
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José Martinez de Oliveira
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resistência à agressão. Porém, por não ser Na manutenção da sua homeostasia, po-
ceratinizado, tem necessidade de humidifica- dem sistematizar-se assim os meios de de-
ção permanente, a qual lhe é assegurada por fesa vulvovaginal contra as infecções, na
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um fluido composto por serosidade (transu- mulher adulta:
dato), muco do endocolo e, em menor grau, — Anatómicos:
secreções e líquidos dos segmentos acima u Oclusão natural do intróito vulvar pe-
dele, para além de células, de descamação las formações labiais.
epitelial e outros elementos crepusculares u Revestimento vaginal por epitélio pa-
(leucócitos, sobretudo). Numa perspectiva vimentoso estratificado de tipo malpi-
clínica consideram-se existir na vagina qua- ghiano.
tro camadas: a germinativa ou basal, a ime- u Sobreposição das paredes vaginais
diatamente adjacente, parabasal, uma outra anterior e posterior e das respectivas
intermédia, e finalmente a camada superfi- colunas rugosas.
cial. Nesta descrição, que reproduz a evolu- — Fisiológicos:
ção maturativa, as células vão aumentando u Descamação contínua das células su-
de volume ao mesmo tempo que diminuem perficiais.
as dimensões das suas estruturas nucleares. u Autólise das células vaginais esfolia-
Juntando as duas perspectivas poder-se-ão das, ricas em glicogénio, polissacárido
então descrever as células matriciais como que é cindido pelas enzimas liberta-
esféricas de núcleo volumoso e citoplasma das neste processo, originando mono
escasso (nível 1) que contrastam com as su- e dissacáridos que são fermentados
perficiais, poligonais de citoplasma abun- pelos bacilos de Doderlein com pro-
dante e núcleo picnótico (nível 4). dução de ácido láctico, estabilizando o
A panorâmica global do equilíbrio fisiológi- pH em valores inferiores a 4,7.
co do sistema ecológico vaginal na mulher u Presença de uma população micro-
adulta em idade reprodutiva é, desde há biana mista e saprófita da vagina, com
muito conhecida, e pode ser descrita es- predomínio de lactobacilos, produtora
quematicamente da seguinte forma segun- de factores inibitórios (peróxido de hi-
do Blanchard1: drogénio, bacteriocinas) de microrga-
Estrogénios => epitélio vaginal => glicogénio nismos potencialmente patogénicos.
+ fermentos celulares => glicose + bacilos de Definimos como bacilos de Doderlein a po-
Doderlein => ácido láctico = pH 4 a 4,5 pulação bacteriana sacarolítica que elabora
Os processos de indução da proliferação e da ácido láctico a partir dos produtos de de-
maturação do epitélio vaginal são diferentes gradação do glicogénio contido nas células
mas, naturalmente, interligados. Uma ade- descamadas do epitélio vaginal, o qual é li-
quada estimulação estrogénica é necessária bertado por citólise e actuado pelas enzimas
para o desenvolvimento de todas as cama- líticas da própria célula, que o convertem em
das vaginais, mas factores diversos como os monossacáridos os quais são desdobrados
mecânicos e a influência de outras hormo- em ácido pela flora saprófita do meio vaginal.
nas como os progestativos, são capazes de Assim, bacilo de Doderlein é mais do que uma
promover a troficidade da vagina embora de definição morfológica, um conceito funcional
modo menos intenso. que agrupa bactérias do género Lactobacillus
Enquanto o tracto genital superior é, ha- mas também Corynebacterium, Propionobac-
bitualmente, estéril na mulher saudável, a terium e Bifidobacterium, sendo os primeiros
vagina contém 109 CFU/g (Colony Forming os mais conhecidos e divulgados.
Units) de secreção2, e inclui microrganismos Os efeitos protectores dos lactobacilos en-
potencialmente patogénicos. volvidos são3:
198 Capítulo 12
— Acidificação da vagina. Compreende-se pois que são factores que
— Bloqueio dos receptores celulares (ou podem favorecer o aparecimento de uma
maior afinidade para este receptores vulvovaginite pela perturbação na ecologia
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deslocando microrganismos patogéni- que induzem a existência de secreção cer-
cos a eles ligados). vical abundante (ectopia, por exemplo) que
— Produção de peróxido, directamente ou alcaliniza o meio, a interferência de produtos
por meio da peroxidase. anticoncepcionais, o uso de vestuário inade-
— Secreção de bacteriocinas. quado, que impede o arejamento e aumenta
— Produção de biossurfactantes. a temperatura local, a promiscuidade sexual,
— Estimulação do sistema imunológico. a gravidez, o uso de antibióticos, corticóides
Alguns pontos estão longe de ser claramen- ou imunossupressores, o abuso de irriga-
te entendíveis3: se por um lado existe aci- ções vaginais e a utilização prolongada de
dificação na ausência de lactobacilos, o pH tampões ou pessários vaginais.
vaginal não se relaciona directamente com
o número destes; a afinidade dos lactobaci-
los para as células vaginais não parece ser 3. MEIOS DE DIAGNÓSTICO
maior do que a de alguns microrganismos
estudados (G. vaginalis e Candida spp); po- A conduta diagnóstica faz-se em dois pas-
rém, a competição dependerá da propor- sos sucessivos e complementares: o exame
ção; finalmente animais alimentados com clínico e o estudo laboratorial. Se o primei-
produtos lácteos fermentados pelos L. casei, ro é importante para a orientação para um
sobretudo, mas também pelos L. acidophilus diagnóstico, ele não é por si só suficiente
evidenciam uma resposta imunológica mais para a postura definitiva do mesmo. Assim, é
intensa, sublinhando a relevância probióti- incorrecto dispensarem-se os meios de con-
ca do factor sistémico. firmação mesmo quando em presença dum
O fluido que reveste o segmento cervico- quadro considerado «característico», uma
vaginal tem composição complexa, com- vez que não só este o não é efectivamente,
preendendo o líquido de transudação vagi- como ainda tal conduta impede a verificação
nal e as células resultantes da descamação da existência de infecções concomitantes.
dos estratos superficiais da vagina, mas A semiologia vulvar é idêntica à praticada
também a secreção glandular mucosa cer- em dermatologia, e tem como base funda-
vical e os elementos celulares provenientes mental o exame clínico (abordado em capí-
do colo uterino, para além de teoricamen- tulo específico), havendo apenas a referir a
te existirem contributos de origem vulvar utilidade do recurso a sistemas de ampliação
(glândulas de Bartholin e vestibulares me- (vulvoscópio ou colposcópio) e a necessida-
nores). Até agora constituindo campo de de de confirmação do diagnóstico clínico,
difícil estudo, esperam-se rápidos desen- quer por metodologia laboratorial quer por
volvimentos a curto prazo mercê da aplica- citologia e estudo histológico.
ção de novas metodologias. Recentemente, Na investigação dos problemas vaginais, a
Zegels, et al.4 identificaram um conjunto de observação é muito útil nos casos agudos,
cerca de 130 proteínas fixas que constitui- mas com frequência ajuda pouco nas situa-
rão o proteoma nuclear a que se associam ções recorrentes e nos casos não-floridos.
muitas outras que variam de uma mulher Como auxiliares da avaliação puramente clí-
para outra. Entre os seus constituintes con- nica, e antes ainda do recurso ao estudo labo-
tam-se os péptidos antimicrobianos (PAM), ratorial especializado, algumas técnicas, ditas
de que são exemplo moléculas como a lac- de cabeceira, podem e devem ser empregues.
toferrina, a lisozima e as defensinas. Destacam-se entre elas a medição do pH do
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O pH é um marcador global do estado de 10%, que vai permitir uma alcalinização
saúde vaginal, naturalmente inespecífico. súbita da mistura que liberta aminas volá-
Utilizando equipamento de rigor Peeters, et teis (trimetilamina, putrescina, cadaverina)
al.5 verificaram que o pH vaginal tem valor características do metabolismo bacteriano
médio 4,4, oscilando entre 3,9 e 5,8 (média anaeróbico. A prova é positiva na bacterio-
4,7) nas mulheres não-grávidas e entre 3,5 e se clássica e na tricomoníase.
4,4 (média 3,9) nas grávidas. Método insubstituível da investigação vagi-
Em termos correntes a medição do pH do nal é o seu exame ao microscópio. Pode ser
fluido vaginal faz-se com recurso a indica- imediato ou directo (chamado a fresco) com
dores impregnados em papel, por exem- soro salino, por vezes com hidróxido de po-
plo nitrazina, vermelho do Congo1 ou tássio usado como diluente para lisar as célu-
tornesol. Este, igualmente referido como las vaginais e permitir identificar as resisten-
litmus, tem composição variável na versão tes fúngicas e ocasionalmente com corantes
comercializada, mas depende essencial- ditos vitais, para mais fácil visualização pelo
mente do corante azolitmina, mistura de contraste que promovem. A observação mi-
sais do ácido azolítmico, e tem uso difun- croscópica permite realizar uma avaliação
dido por cobrir o espectro de variações de global do meio, a análise da sua composição
interesse clínico. celular (registável sob forma numérica pela
A determinação do pH com papéis indicado- referência aos elementos identificados das
res tem várias causas de erro6: diferentes camadas vaginais), a importân-
— Acuidade visual e cromática do observador. cia do componente leucocitário e o tipo de
— Intensidade e tipo da luz ambiente. agentes microbianos.
— Presença de sangue. Para além de permitir a identificação do agen-
— Interferências químicas. te causal correspondente (Trichomonas, por
— Reacção das proteínas com o papel indi- exemplo), a observação dos tipos celulares
cador. descamados é muito importante, sendo ha-
A medição do pH do fluido vaginal tem apli- bitual nos processos inflamatórios vaginais a
cação como técnica básica de rastreio, por presença de elementos da camada parabasal
exemplo na grávida, e na orientação do es- (nível 2) com ou sem leucócitos, estando es-
tudo de situações infecciosas. Assim, um pH tes igualmente presentes nas infecções cervi-
normal, em termos correntes definido por cais mas com elementos celulares vaginais in-
ser inferior a 4,57, é compatível com infecção termédios (nível 3) e/ou superficiais (nível 4)
fúngica, enquanto um menos ácido (5,5 a 7) apenas, isto na mulher em idade reprodutora.
sugere outro tipo de infecções com tricomo- O exame a fresco é de execução imediata e de
níase ou vaginose bacteriana8. O princípio e baixo custo, requerendo apenas a existência
o interesse desta simples e acessível técnica de um microscópio. Podem utilizar-se diver-
foram aproveitados pela indústria para a in- sas soluções diluentes, sendo universalmente
trodução de sistemas de autodiagnóstico, mais empregues: a solução salina ou soro fi-
como o Confidence kit, mas certamente que siológico para qualquer dos tipos de fluxo, e
as causas de erro devidas aos cuidados de hi- o hidróxido de potássio a 10% indicado para
giene lhe perturbarão o perfil de eficácia. a pesquisa de fungos. A componente infla-
Para a avaliação sumária das proprieda- matória é definida de acordo com Monif pelo
des químicas do fluido vaginal, recorre-se número de leucócitos por campo de 400 X,
correntemente à chamada prova das ami- sendo referida como ausente se existirem me-
200 Capítulo 12
nos de três, e se forem mais de 10 será intensa. — Grau III: as células vaginais são raras tal
Várias técnicas de coloração foram propos- como os lactobacilos, numerosos os leu-
tas para uso nos esfregaços vaginais, sendo cócitos e abundantes as bactérias coco-
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as mais importantes as de Papanicolaou e bacilares; confere cor amarela ao fluido
a de Gram. vaginal sendo o pH superior a 4,5.
Estudando esfregaços vaginais corados — Grau IV: não há células descamadas nem
pelo Gram, descreveram Schröder (1913) e lactobacilos, observam-se muitos piócitos
Hunter (1945) três tipos de estado ecológi- e bactérias gram-positivas e gram-nega-
co vaginal9. Estes estádios, dada a evolução tivas em grande quantidade, conferindo
tecnológica verificada e a descrição de no- cor amarela ou esverdeada ao produto va-
vos agentes, tem vindo a ser actualizada. Os ginal e pH menos ácido que os anteriores.
seus graus de pureza vaginal esquematizou- Nesta descrição, os graus I e II correspon-
os Doderlein assim: dem a exsudados vaginais sãos, e os de
— Grau I: constituído exclusivamente por grau III e IV traduzem infecção da cavidade
células vaginais e lactobacilos de Do- vaginal. Esta classificação é didáctica e útil
derlein e filamentos de muco, corres- em termos de compreensão da fisiopatolo-
ponde a um fluido de cor branca e pH gia das infecções vaginais, mas não é apli-
rondando 4. cável a alguns dos quadros que actualmen-
— Grau II: com número significativo de cé- te se descrevem.
lulas vaginais descamadas, alguns leu- Hoje, dada a necessidade de estandardização,
cócitos, lactobacilos predominantes e está enraizado o recurso à observação de es-
alguns cocos, corresponde igualmente a fregaços corados como meio de diagnóstico
um conteúdo branco sendo o pH normal e de rastreio, recorrendo a critérios atribuídos
mas próximo dos 4,5 (Fig. 1). a Nugent e col10 e a Spiegel e col11.
Figura 1. Células intermediária e superficial, neutrófilos, população microbiana pouco abundante (grau II de Doderlein).
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exames culturais, os microbiológicos clás- Lactobacilose.
sicos (para Candida spp e estreptococos u Vaginite por corpo estranho.
do grupo B, por exemplo), hoje frequente- — Víricas ou virais:
mente complementados ou mesmo subs- u Condilomatose e outros quadros
tituídos por técnicas de biologia molecular causados por human papillomavirus
(Polymerase Chain Reaction [PCR] e Ligase (HPV).
Chain Reaction LCR), eventualmente estu- u Herpes (HSV).
dos de citologia e histologia (Molluscum u Infecção por CMV.
contagiosum e condilomas, por exemplo). u Molluscum contagiosum.
O diagnóstico etiológico tem que ser feito
com precisão, de forma a permitir um trata-
4. ABORDAGEM CLÍNICA mento correcto, única forma de se evitarem
as recidivas.
A classificação dos quadros infecciosos do tra-
to genital inferior feminino pode fazer-se de 4.1. ABORDAGEM SINTOMATOLÓGICA
variadas formas, todas elas com interesse prá-
tico: etiológica, sintomatológica e sindrómica. Em clínica, a consideração do número,
Infecções: classificação etiológica tipo e intensidade dos sintomas existen-
— Parasitárias: tes é muito importante para a orientação
u Escabiose, causada pelo Sarcoptes sca- a tomar, muito embora não seja senão ra-
biei. ramente diagnóstica. Dir-se-á, então, que
u Pediculose, tendo como agente o existe clara conotação entre o sintoma/sinal
Phtirius pubis. e algumas das possíveis causas infecciosas,
u Tricomoníase, da responsabilidade do esquematicamente:
Trichomonas vaginalis (Tv). — Tumorações e tumescências: abcessos
u Oxiuríase (na criança). (das glândulas de Bartholin, mais rara-
— Fúngicas: mente das de Skene ou outras vestibu-
u Candidose (Candida spp). lares), foliculites, furúnculos e celulites
u Dermatofitoses. vulvares e condilomas acuminados.
u Malassezia furfur. — Ulceração: sífilis, HSV, cancróide (doença
— Bacterianas: de Ducreyi), infecções que em conjunto
u Sífilis (Treponema pallidum). são consideradas favorecedoras da aqui-
u Úlcera mole ou cancróide (Haemophilus sição do VIH por facilitação do acesso.
ducreyi). — Prurido: candidose e tricomoníase (não
u Síndromes bacterióticas idiopáticas, esquecendo naturalmente causas não-
outrora ditas a Gardnerella vaginalis: infecciosas).
Bacteriose vaginal anaeróbica. — Ardor: candidose, tricomoníase, disbac-
Bacteriose vaginal aeróbica. terioses, HSV não-agudo.
Disbacteriose vaginal («flora») inter- — Inflamação e edema: candidose, trico-
média. moníase.
u Quadros bacterianos isolados – raros, — Dor: HSV.
os principais são: — Algúria vulvar: dos quadros escoriados
estreptococos do grupo B EGB: (candidose, tricomoníase).
Streptococcus pyogenes do grupo B. — Dispareunia: candidose.
202 Capítulo 12
— Fluxo: tricomoníase, disbacterioses, vagi- situação corresponda a cada uma delas, em
nite por corpo estranho. alguns, como nas infestações fúngicas, por
— Disodia (do grego, dysodia, mau cheiro das exemplo, pode ocorrer inflamação sem flu-
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secreções): tricomoníase, disbacterioses. xo, enquanto noutros a infecção decorre sem
O prurido é sintoma de difícil definição, feita sinais inflamatórios, como quando o agente
necessariamente pela sua consequência ou etiológico é a Gardnerella vaginalis. Já será de
seja como sensação desagradável de ori- aceitar como correcta a utilização do termo
gem sensorial periférica que desencadeia infecção para designar genericamente os
o desejo de coçar12. Esta imperiosidade13 processos causados por agentes animados,
parece expressar a sua finalidade biológica, independentemente de estes serem causa
presumindo-se que se destinaria a remover de infestação ou invasão tecidular.
da superfície cutânea agentes agressores No quotidiano clínico, há que diferenciar o
do tipo parasitário. corrimento expresso como sintoma do cor-
A vulva tem um baixo limiar de sensibili- respondente sinal, variantes que na maioria
dade devido à sua extrema riqueza em dos casos se encontram associados. Certo
terminações nervosas14-16, o que explica é que são comuns descrições de sensação
que lesões que não dão sintomas noutros de humidificação exagerada dos órgãos
locais o possam dar quando nela sedia- genitais (corrimento como sintoma), sem
dos17. De facto, a «comichão», denomina- que tal seja observável, enquanto que, em
ção como é chamado popularmente, é em oposição, outras mulheres não manifestam
regra percebida a nível do vestíbulo vulvar, qualquer sintomatologia quando é evidente
raramente dentro da vagina onde se sente ao exame a existência de fluxo. Para evitar
como ardor. Resulta da estimulação dos confusão, dever-se-ão utilizar os termos cor-
nervos sensitivos quer mecânica (como na rimento para o sinal e sensação de corrimen-
tricomoníase), quer química, mediada por to para o sintoma.
álcoois ou citocinas. Define-se, então, corrimento genital como o
O ardor, queimor ou ardência é uma variante aumento objectivo, temporário ou não, nor-
atenuada de dor, que surge quando existem mal ou patológico, dos fluidos com origem
modificações do epitélio que o tornam hipe- no aparelho reprodutor.
restésico ou na presença de irritantes. A presença dissociada do sintoma «corri-
Percepções disestéticas como formigamen- mento» surge em casos de:
tos e reptações não têm em regra origem — Focalização genital em mulheres que
infecciosa, enquanto a sensação de picada tendem ao exagerado recurso à higiene
resulta nalguns casos de processos inflama- vulvar.
tórios de origem variada. — Stress.
Em português, corrimento, escorrência e flu- — Hiperestesia por maceração dos genitais
xo são descritos como sinónimos nos dicioná- externos.
rios de língua portuguesa e podem por isso — Incontinência urinária.
ser usados indistintamente. Pelo contrário, o Esta última situação, ainda que se verifique
uso do termo leucorreia, ainda defendido18, é existir uma humidade exagerada, a sua cau-
desaconselhado, já que por um lado implica sa não tem origem no aparelho reprodutor.
características que frequentemente não tem O corrimento é um sintoma inespecífico
e por outro dele não existe necessidade. comum a muitas situações do aparelho
Um foco de confusão é o que resulta da utili- genital da mulher, que pode ter origem em
zação, como se sinónimas fossem, das desig- vários sectores deste aparelho, mas que
nações vaginite, corrimento e infecção vagi- só se torna perceptível pela sensação de
nal19. Ainda que em muitos casos a mesma humidade vulvar ou pela impregnação do
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sexual, por exemplo) e sua relação com o Dum ponto de vista técnico e científico,
período menstrual, e analisar as suas carac- esta abordagem deve constituir mais a ex-
terísticas físicas que permitem suspeitar da cepção do que a regra. Mas na prática não é
sua etiologia. As mucorreias têm origem o que se verifica.
cervical, as hidrorreias (perdas serosas, Citam-se, em seguida, os principais quadros.
aquosas) raramente poderão ter proveni-
ência tubária ou endocervical e são em re- 4.2.1. CANDIDOSE
gra transudativas vaginais; os corrimentos
fétidos são habituais nas infecções secun- Descrita pela primeira vez em 1849 por
dárias por corpos estranhos, na tricomon- Wilkinson e com a etiologia confirmada ex-
íase e na bacteriose vaginal. perimentalmente por Hausmann (1871),
Existem fluxos que são fisiológicos: a mu- Plass, et al. (1931) e Hesseltine, et al. (1934)19,
correia de origem cervical que se observa a infecção atribuível a Candida spp deno-
no período periovulatório, a hidrorreia da mina-se candidose. O termo candidíase é
estimulação sexual, a transudação pré- inadequado, já que as infecções por fungos
menstrual e o corrimento característico da adoptam em geral o sufixo -ose, resultando
gravidez. Outros, como já referido, podem a incorrecção de uma persistência histórica
ser originários dos segmentos supracervi- como tantas vezes acontece em Medicina.
cais, pouco comuns, sendo pelo contrário Na sua forma típica, aguda, ocasiona como
frequentes e geradores de dificuldades os sintomas fundamentalmente o prurido, que
corrimentos provenientes do colo uterino, é intenso e se exacerba à noite e na fase
cujo diagnóstico se efectua primariamente pré-menstrual, a sensação de secura vagi-
pela história e pelo exame clínico, apenas nal, a percepção dum fluxo de odor lácteo
complementados por estudo microbioló- espesso, branco ou amarelado, grumoso, em
gico. Podem ser fisiológicos, corresponde- pequenos retalhos como «leite estragado»
rem apenas a uma exagerada produção associados a ardor, algúria vulvar, edemacia-
de muco doutra forma normal (ectopia ção e dispareunia.
ou ectrópio), ou patológicos, nos quais o Ao exame observam-se eritema moderado
muco apresenta aspecto mais ou menos a intenso, difuso, com escoriações e confir-
purulento (cervicite mucopurulenta). A sua mam-se o edema e as características do flui-
abordagem neste momento deriva do fac- do vaginal.
to de explicarem a presença de numerosos O pH é em regra normal e no exame micros-
elementos inflamatórios quando da obser- cópico identificam-se elementos isolados
vação microscópica vaginal. (blastoconídeas) e filamentares agrupados
(pseudomicélio) (Fig. 2). A cultura, usual-
4.2. ABORDAGEM SINDROMÁTICA mente em meio de Sabouraud adicionado
de antibióticos (Fig. 3), está indicada quan-
O princípio de realizar provas terapêuticas do o exame microscópico não é conclusivo
quando na presença de complexos sinto- ou sempre que há interesse em conhecer
máticos e clínicos correlacionáveis com semiquantitativamente o número de blasto-
algumas infecções é justificável em áreas conídeas presente ou se requerem testes de
de baixos recursos de apoio médico e sani- identificação de espécie e de resistência aos
tário. Curiosamente, na época da comuni- antifúngicos, o que é importante quando há
cação surgem igualmente como fontes de antecedentes de recorrência.
204 Capítulo 12
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Figura 2. Células superficiais aglutinadas, pseudo-hifas aderentes escassa resposta inflamatória e reduzida popula-
ção microbiana (grau II de Doderlein, candidose).
duas vezes de 100 mg de itraconazol pode ser Situações bem diferentes da descrita são
alternativa, mas a administração sistémica é a as representadas pelas ditas crónicas, fre-
preferencial apenas nos casos recorrentes. quentemente recorrentes. Com Burnhill22,
Dois aspectos particulares desta infecção são assim considerados como reinfecção os
merecem ser referidos: quadros que surgem de novo após um mês
— A vulvite candidótica deve ser diferen- sem queixas e persistentes as situações em
ciada de intertrigo, dermite de contacto, que se não chega a verificar total regressão
dermatoses, distrofias e doença de Paget, sintomatológica ou microbiológica com um
com as quais se confunde. tratamento correcto realizado. A cronicidade
— A candidose do casal, em que ambos estão é então definida pela existência de pelo me-
sintomáticos e apresentam quadros carac- nos três episódios num ano, com diagnósti-
terísticos na qual o recurso a tópicos per- co confirmado e após terapêutica suposta-
mite o tratamento simultâneo dos dois. A mente adequada.
transmissão sexual ao parceiro masculino Do ponto de vista microbiológico sabe-se
é conhecida mas a importância da mesma que a antibioterapia, tantas vezes desneces-
em sentido inverso é motivo de debate. sária, pode explicar algumas das recidivas
206 Capítulo 12
pois ao faltar a habitual população microbia- da por produção excessiva de prostaglandina
na da cavidade vaginal, proliferam os fungos E2 (PgE2) e bloqueio da interleucina 2 (IL-2)
desde que exista substrato nutricional. A ac- resultando a sintomatologia duma reacção de
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ção promotora dos antibióticos é geralmente hipersensibilidade com a intervenção de eosi-
atribuída à inibição da competição bacteriana nófilos e libertação de histamina25.
para os nutrientes vaginais, presunção, que A recorrência pode ainda ser o resultado de
embora lógica, parece não ser verdadeira já um tratamento inadequado, o que pode ser
que Dukes e Tettenbaum19 em 1955 mostra- consequência da opção por fármaco inapro-
ram que ratos injectados subperitonealmen- priado (avaliável através de provas de sensi-
te com C. albicans sobreviviam, enquanto que bilidade aos antifúngicos26) ou pela existência
se o inóculo fosse misturado com tetraciclina de uma farmacocinética perturbada por inac-
os ratos morriam de candidose. Talvez, então, tivação enzimática do fármaco ou por dimi-
o efeito resulte do antibiótico destruir bacté- nuição significativa da relação entre a capta-
rias que segregam factores antifúngicos ou ção (diminuída) e a expulsão (aumentada) do
de que eles mesmos estimulem directamente quimioterápico pelas células fúngicas27.
o crescimento dos fungos21. Assim, nas situações ditas crónicas é imprescin-
Também a riqueza em hidratos de carbono dível que por um lado se recorra a exames cul-
nos fluidos da diabética, mas também de turais, com o cuidado de, antes de se proceder
origem alimentar, e a imunossupressão são à colheita da amostra, confirmar que a doente
considerados importantes no estabelecimen- não se encontra submetida a terapêutica anti-
to das candidoses ditas complicadas23. Aqui fúngica, o que obriga à interrupção do seu uso
o exame cultural é fundamental não só para pelo período mínimo de 48 horas, melhor ain-
possibilitar os estudos atrás indicados como da seis dias28. E por outro, se realizar um esque-
para confirmar a cura, uma vez que tendo a ma de tratamento a longo prazo, denominado
doença como base a existência de sintomas supressivo, com vários esquemas possíveis, em
e sinais atribuíveis à presença de fungos do regra por via oral e em tomas semanais, quin-
género Candida ambos deverão regredir com zenais ou mensais, durante alguns meses.
a destruição do agente. Assim, a resposta à
terapêutica faz parte da definição, até porque 4.2.2. TRICOMONÍASE
nem sempre a persistência de queixas se rela-
ciona com a presença de microrganismos. Causada pelo flagelado Tv, identificado e
Outros factores serão igualmente importantes. pela primeira vez descrito por Alfred Don-
Assim, a prevalência da chamada colonização né em 1836, a tricomoníase é uma infecção
vaginal em 1.004 mulheres saudáveis que foi transmissível sexualmente (ITS), ou seja é
em média de 10,4% estava diminuída (6,8%) propagável por esta via, mas admite-se que
nas que tomavam contraceptivos orais com- possa não o ser exclusivamente.
binados e aumentada (13%) nas portadoras Parasita sensível às condições ambientais,
de dispositivo intra-uterino (DIU) com cobre24. sobrevive em meios com pH entre 4,8 e 8,5,
Também não existe consenso sobre a impor- preferencialmente entre 5,5 e 6,4, e tem me-
tância da estirpe que motiva a recidiva, já que tabolismo essencialmente anaeróbio, de-
a Candida albicans é a causa da maioria delas, compondo os glícidos, para originar dióxido
embora outras espécies se mostrem mais de carbono e ácidos láctico e, em menor
resistentes à terapêutica. Crê-se que sejam quantidade, pirúvico e succínico. Favorecem
factores locais os que justificarão a receptivi- assim o aparecimento da infecção os estádios
dade à colonização e a relativa permissividade vaginais nos quais se encontram alterados o
imunológica, existindo uma falta de resposta pH (> 5) e a população microbiana vaginal.
das células mononucleadas linfóides traduzi- Uma vez que aquela condição se verifica na
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teristicamente a seguir à menstruação29. vez que este flagelado atinge não apenas a
Nas situações agudas, observam-se rube- cavidade vaginal mas também outras estru-
facção da vulva e edema dos pequenos turas da vizinhança (tracto urinário baixo), o
e grandes lábios e a vagina apresenta-se tratamento local não resolve o problema. Os
difusamente avermelhada, com manchas agentes tricomonicidas hoje empregues são
petequiais dispersas (a chamada cervico- derivados do imidazol (metronidazol: dois
vaginite em framboesa) e abundante cor- comprimidos de 250 mg por via oral durante
rimento fluido, amarelado ou esverdeado, 10 dias), preferencialmente ministrados em
arejado (espumoso), com cheiro fétido. O dose única (2 g). Os comprimidos devem
pH é superior a 4,5 e o teste das aminas ser tomados após as refeições e a ingestão
positivo, já que a perturbação ecológica concomitante de bebidas alcoólicas agrava
que o parasita induz favorece a população substancialmente a intensidade dos efeitos
microbiana anaeróbica. O diagnóstico tem secundários. Outros fármacos do mesmo
necessariamente de ser confirmado com a grupo já estiveram ou existem ainda no mer-
identificação do flagelado, observável em cado português (ornidazol, tinidazol, secni-
exame a fresco pelos seus característicos dazol), sendo os resultados com eles obtidos
movimentos (Fig. 4). sobreponíveis.
Figura 4. Trichomonas vaginalis (no centro): de configuração ovóide e frequentemente ancorada nas células pelo seu
axóstilo é dificilmente identificada se se não observarem os seus diversos tipos de movimentos.
208 Capítulo 12
É obrigatória a identificação dos parceiros etiologia: as que resultam da redução dos
sexuais envolvidos já que todos terão de ser meios de defesa vaginal em presença de ino-
tratados, princípio que a não ser cumprido culo significativo (vaginite atrófica) e as que
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explica a fácil disseminação do agente e o compreendem resposta à existência de factor
aparecimento de recidivas. irritativo, particularmente corpo estranho in-
O restabelecimento das condições de defesa travaginal. O diagnóstico duma e doutra são
biológica da vagina é feito fundamentalmen- fundamentalmente clínicos, complementa-
te de forma indirecta pela estrogenoterapia dos com avaliação do pH (que está elevado)
local ou sistémica, cuja finalidade é aumen- e da confirmação microscópica (grau III/IV de
tar a quantidade de glicogénio no epitélio pureza). O seu tratamento primário consiste
vaginal e assim auxiliar à recolonização por na estimulação do crescimento epitelial com
agentes comensais. estrogenoterapia, em princípio tópica, even-
Quando o Tv não provoca sintomas (o que tualmente associada a anti-sépticos para a
pode ocorrer em até 50% das mulheres in- obtenção de mais rápida recuperação, tera-
fectadas), ou os que surgem são pouco tí- pêutica que poderá ser igualmente aplicada
picos (ardor persistente, por exemplo), o às vaginites por corpo estranho da mulher
diagnóstico é frequentemente difícil. Nestes adulto, após remoção do factor causal, em
casos o escasso número de parasitas, pou- regra tampões ou preservativos retidos.
co móveis, dificulta muito a sua identifica- Outras síndromes bacterióticas são idiopáti-
ção no exame microscópico a fresco. A sua cas, no sentido em que se não sabe se o que
visualização em esfregaços corados (Gram inicia o processo é a diminuição das bactérias
ou Papanicolaou) ou o seu isolamento em protectoras, se a proliferação das associadas
cultura (meio de Diamond, por exemplo) à doença, se a subida do pH30. Não sendo
podem e devem ser realizados. doença degenerativa da vagina (que o ter-
Tratando-se de uma infecção transmissível mo vaginose faz crer), mas distúrbio caracte-
sexualmente, a sua identificação implica a rizado principalmente pela presença de um
busca das outras deste mesmo grupo. número exagerado de bactérias (bacteriose)
predominantemente anaeróbias, sem sinais
4.2.3. SÍNDROMES BACTERIÓTICAS VAGINAIS inflamatórios da parede vaginal (portanto
não sendo vaginite), a designação correcta
Outrora os quadros infecciosos vulvova- será bacteriose vaginal31,32,e não vaginose
ginais que não eram identificados como bacteriana como é usualmente conhecida.
parasitários ou fúngicos agrupavam-se na Os sintomas que motivam a consulta, quan-
definição de «vaginite inespecífica». Hoje do presentes, são fundamentalmente o fluxo,
estaremos num segundo patamar de indefi- abundante, cremoso, associado a forte odor
nição, já que a introdução de critérios para a desagradável e tipicamente agravado ao la-
caracterização da bacteriose vaginal se apre- var com sabonetes alcalinos ou na presença
senta claramente insuficiente. de fluxo menstrual ou esperma. O pH alcalino
Neste sentido, chamaremos síndromes bac- que estes produtos induzem promove a vola-
terióticas vaginais a um conjunto de quadros tilização de aminas resultantes do metabolis-
infecciosos caracterizados pelo aumento mo bacteriano, as quais são responsáveis por
exagerado e polimórfico da população bac- «cheiro a peixe podre» que é quase um mar-
teriana potencialmente patogénica com cador desta infecção. Não existe prurido, mas
redução da lactobacilar, com ou sem sinais o ardor e/ou queimor são frequentes.
inflamatórios associados. Alguns deles repre- O diagnóstico é sindromático e faz-se pela
sentam infecções vaginais polimicrobianas presença de pelo menos três dos seguintes
secundárias que se individualizam pela sua quatro elementos:
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— Valor aumentado do pH vaginal (pH > 4,5). responsabilidade etiológica nunca foi con-
— Teste para aminas no fluido vaginal po- firmada e entretanto outros microrganismos
sitivo (adição de hidróxido de potássio têm vindo a ser apontados como dominantes,
[KOH] a 10%, revelado pelo odor a peixe Atopobium spp, Megasphaera spp e Leptotri-
podre). chia spp34. Por esta razão os exames culturais
— presença de clue cells (células-chave). não têm interesse clínico. Fácil é, porém, en-
Quando em trabalhos de pesquisa, considera- tender-se porque é que a presença de tantos
se positivo para células-chave a observação microrganismos potencialmente patogénicos
dum número destas células (que se mostram explica a incidência aumentada de complica-
crivadas de bactérias de tal forma que não se ções infecciosas na gravidez (rotura prematu-
consegue visualizar o seu bordo) em quantida- ra de membranas, por exemplo) e fora dela
de superior a 20% do total, em exame a fresco (endometrite, por exemplo), cujo tratamento
em soro salino em pelo menos 10 campos de preventivo, contudo, nem sempre tem dado
400x, ou em esfregaço corado pelo Gram33. os resultados que seriam de esperar.
Usando estes critérios quando apenas alguns O perfil da população lactobacilar é, claramen-
deles estão presentes cria-se uma situação te relevante, mas não se sabe se é na bacterio-
algo indefinida, o que motivou que, princi- se causa ou consequência. De facto a quase
palmente quando em investigação clínica se totalidade das amostras vaginais de mulheres
tenham adoptado índices variados, os quais normais contêm lactobacilos produtores de
se baseiam sobretudo na observação micros- peróxido mas na bacteriose estes apenas se
cópica de esfregaços vaginais corados pelo identificam num terço delas e só em uma de
Gram. O de Nugent, por exemplo, de longe cada 10 são produtores de peróxido.
de momento ainda o mais utilizado, permite O tratamento pretende em primeira instân-
classificar a amostra pelo somatório da pon- cia reduzir o número de bactérias presente,
tuação, de 0 a 10, do quantitativo de obser- em particular das anaeróbias, recorrendo
vado de células bacterianas de Lactobacillus em regra ao metronidazol (500 mg por via
spp, Mobiluncus spp e G. vaginalis (0-3 pon- oral duas vezes por dia durante sete dias ou
tos – predominância lactobacilar normal; 4-6 óvulos vaginais numa aplicação diária pelo
pontos – flora intermediária; mais de 7 pontos mesmo período) ou à clindamicina (creme
– diagnóstico positivo de bacteriose vaginal). a 2%, uma aplicação diária [5 g] intravaginal
Para além de constituir em si mesmo um exa- durante sete dias) e depois tentar restabele-
me especializado, a necessidade de coloração cer o equilíbrio ecológico vaginal, já que a
e o tempo que requer afastam o seu uso da população lactobacilar foi, por assim dizer,
clínica, mas transformaram-no na técnica dir- totalmente destruída. Resultados de cerca
se-ia de referência para rastreio. Por isso, têm de 90% com tratamentos tópicos tornam
surgindo «testes de cabeceira» que preten- desnecessário o recurso à via sistémica até
dem identificar através de reacções rápidas pelo menor número de efeitos acessórios.
a presença de produtos específicos da bacte- Não se tratando de doença transmissível sexu-
riose vaginal, como as aminas ou os níveis de almente, não há necessidade de investigar ou
succinato e lactato. tratar os contactos sexuais, embora este último
Outrora adimitiu-se que a bacteriose vaginal e o uso de preservativos possam ter interesse
tivessem agentes primários responsáveis, ten- quando de recidivas, que são frequentes.
do sido apontados como tal a Gardnerella va- Até há pouco a vaginose bacteriana era enti-
ginalis, anteriormente chamada Haemophilus dade hegemónica dentro deste grupo, mas
210 Capítulo 12
já não é mais assim. Outras entidades foram atribuída à presença de Tv ou de estreptococos
entretanto definidas por Donders, et al.32 na do grupo A ou B, situações em que tratamen-
sequência da dificuldade sentida em classi- tos idênticos aos da bacteriose dão pelo me-
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ficar casos em que os critérios da bacteriose nos algum resultado, terá causa não infecciosa
não eram satisfeitos. Assim, a vaginite aeró- noutras em que apenas a corticoterapia tópica
bica define-se pela redução ou ausência de promove algum alívio36.
elementos lactobacilares e pela presença de A vaginite citolítica definir-se-á pela exis-
cocos, células vaginais dos estratos basais tência de sintomatologia (ardor) resultan-
e leucócitos alguns dos quais ditos tóxicos, te dum exagero dum fenómeno normal. A
com aspecto granular. Em cerca de um quinto descamação vaginal fisiológica não deter-
tem cheiro fétido, diferente do da bacteriose mina fluxo patológico mas ocasionalmente,
e não é agravado ou desencadeado pelo hi- se intenso, estabelece-se um fluido pastoso,
dróxido de potássio. Os esfregaços corados esbranquiçado, aderente ao epitélio mais
pelo Gram correspondem ao grau IV de pure- abundante no terço superior da vagina, de
za com uma flora microbiana polimorfa. odor lácteo. Carece em regra de significado
A sensibilidade aos quimioterápicos dos mi- patológico, mas pode requerer, se sintomá-
crorganismos presentes, estreptococos do tica, a aplicação de formulações alcalinizan-
grupo B e a E. coli por exemplo, é diferen- tes vulvovaginais.
te da da bacteriose e acredita-se que este Horowitz, et al.37 descreveram a lactobacilo-
facto possa explicar a divergência de resul- se como entidade caracterizada por quadro
tados clínicos obtida com os tratamentos a citolítico associada a lactobacilos anormal-
esta dirigida. mente longos, supostamente interferidos
Às situações mal definidas que não cum- metabolicamente em particular por algum
prem os critérios nem de bacteriose vaginal tipo de antibióticos. Dada a possibilidade
nem de vaginite aeróbica chamam Donders, desta situação fazer persistir ardor após tra-
et al.32 flora intermédia, sendo de preferir tamento de infecções, fúngicas, por exem-
disbacteriose. plo, pode haver necessidade de tratamento
Sendo de algum modo próximos, quando com associação de amoxicilina e ácido cla-
não típicos, os quadros da tricomoníase e da vulâmico. Os alcalinizantes em gel, porém,
bacteriose vaginal, o diagnóstico desta resul- são suficientes na maioria dos casos.
ta necessariamente da exclusão da primeira. O uso por períodos de tempo demasiado
prolongados de tampões, particularmente
4.2.4. OUTROS QUADROS se muito absorventes, que acabam por ab-
sorver não apenas o sangue mas também
Haverá que referir a possibilidade de surgi- o fluido cervico-vaginal protector, provo-
rem infecções combinadas, sendo curioso cam exsicação e descamação do epitélio no
notar, porém, que parece existir algum anta- qual surgem micro-ulceraçöes e fissurações.
gonismo já que as aminas associadas à bac- Nestas circunstâncias, na presença de Sta-
teriose vaginal parecem inibir o crescimento phylococcus aureus pode estabelecer-se no
de fungos do género Candida35. término do período menstrual uma síndro-
Um outro quadro de difícil caracterização e me de choque tóxico que inclui hipertermia,
manejo é a chamada vaginite inflamatória des- cefalalgias, mialgias, vómitos, diarreia e flu-
camativa, na qual se observa elevado número xo purulento encontrando-se à observação
de células dos estratos parabasal e basal (níveis a vagina avermelhada com micro-ulcerações
2 e 1), num fluido purulento proveniente de va- visíveis por colposcopia, quadro que se deve
gina de epitélio hiperémico, fragilizado e exul- à absorção, facilitada pela quebra da barreira
cerado. De etiologia ignorada, ocasionalmente vaginal protectora, de exotoxinas.
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lomas, as lesões de Molluscum contagiosum e te umbilicadas que as caracterizam (Fig. 6).
as que se apresentam sob a forma ulcerativa. Porém, como se propagam por auto-inocu-
Sobre a escabiose e a pediculose púbica, será lação, a sua remoção por curetagem deve
importante sublinhar a necessidade de ter ser considerada obrigatória.
sobretudo elevado nível de suspeição e o As lesões ulcerosas do tracto genital inferior
cuidado de realizar uma observação porme- podem ter variadas causas e dentre estas
norizada das áreas focais de prurido, sendo algumas, como a tuberculose, são extrema-
recomendado o uso de algum tipo de am- mente raras. Três agentes devem ser siste-
pliação (lupa, colposcópio). A confirmação do maticamente considerados.
diagnóstico faz-se por observação directa ao A sífilis primária, traduzida por uma ulcera-
microscópio do parasita colocado entre lâmi- ção indolor de bordos duros («cancro duro»
na e lamela e o tratamento com soluções der- em regra única, que pode ser confirmada
matológicas de piretrinas e lindanos. por microscopia de fundo escuro, a qual se
Os condilomas acuminados (Fig. 5) repre- refere mas praticamente se não usa, obriga
sentam uma das doenças venéreas clássicas à avaliação serológica (usualmente VDRL ou
e ainda que assumindo gravidade clínica se- RPR, TPHA ou FTA-ABS) e se trata no estádio
não quando localizadas na árvore respirató- inicial com dose única de 2,4 milhões de pe-
ria, têm relevância clínica pela morbilidade nicilina benzatínica.
associada. São causados por variantes ditas
«benignas» do HPV, nomeadamente 6 e 11,
e para o seu tratamento podem utilizar-se
tratamentos destrutivos com meios físicos
(electrofulguração, criocoagulação ou laser),
químicos (ácido tricloroacético), quimioterá-
picos (derivados do Podophyllum) ou imuno-
estimulantes (imiquimod). A opção terapêu-
tica vai depender do número de lesões e da
sua localização.
Capítulo 12
212
to preferencial faz-se hoje com azitromicina exemplo) sendo de crer que a ineficácia desta
(1 g por via oral em dose única). modalidade terapêutica possa estar relacio-
Por último, as infecções herpéticas (Fig. 7) nada com a opção por estirpes que não terão
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muito esquecidas e sempre relembradas sido as mais indicadas para o efeito, uma vez
para as quais a confirmação do diagnóstico que ao contrário do divulgado não é L. acido-
por meios laboratoriais (hoje fundamental- philus a espécie mais prevalente na vagina da
mente por técnicas de biologia molecular) mulher normal, onde L. jensenii e L. crispatus,
está longe de estar acessível. Felizmente entre outras, assumem a primazia38.
que a inocuidade dos agentes terapêuticos Mas também as formulações até há pou-
utilizados (aciclovir, valaciclovir, por exem- co utilizadas não estão adequadas às exi-
plo) explica que à falta dum diagnóstico de gências dos microrganismos empregues,
certeza e suas consequências, nada mais se problema que poderá ser resolvido a curto
adicione como risco do largamente utilizado prazo graças às técnicas de particulação.
tratamento empírico. Objectivamente, porém, são ainda muitas as
dificuldades colocadas à recolonização pro-
biótica do meio vaginal39.
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