01 - Tendências Contemporaneas
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Reconhecer o novo sistema cultural posterior a 30 não resulta em cortar as linhas que
articulam a sua literatura com o Modernismo. Significa apenas ver novas configurações
históricas a exigirem novas estruturas artísticas.
Mas, se desviarmos o foco da atenção da ruptura para as permanências, constataremos
o quanto ficou da linguagem reelaborada no decênio de 20. A dívida maior foi, e era de
esperar que fosse, a da poesia. Mário, Oswald e Bandeira tinham desmembrado de vez
os metros parnasianos e mostrado com exemplos vigorosos a função do coloquial, do
irônico, do prosaico na tessitura do verso. Um Drummond, um Murilo, um Jorge de Lima,
embora cada vez mais empenhados em superar a dispersão e a gratuidade lúdica daqueles,
foram os legítimos continuadores do seu roteiro de liberação estética. E, mesmo a lírica
essencial, antipitoresca e antiprosaica, de Cecília Meireles, Augusto Frederico Schmidt,
Vinicius de Morais e Henriqueta Lisboa, próxima do neo-simbolismo europeu, só foi
possível porque tinha havido uma abértura a tôdas as experiências modernas no Brasil
pós-22. A prosa de ficção encaminhada para o "realismo bruto" de Jorge Amado, de José
Lins do Rêgo, de Érico Veríssimo e, em parte, de Graciliano Ramos, beneficiou-se
amplamente da "descida" à linguagem oral, aos brasileirismos e regionalismos léxicos e
sintáticos, que a prosa modernista tinha preparado. E até mesmo em direções que
parecem espiritualmente mais afastadas de 22 (o romance intimista de Otávio de Faria,
Lúcio Cardoso, Cornélio Pena), sente-se o desrecalque psicológico "freudiano-
surrealista" ou "freudiano-expressionista" que também chegou até nós com as águas do
Modernismo.
Em suma, a melhor posição em face da história cultural é, sempre, a da análise dialética.
Não é necessário forçar o sentido das dependências: bastaria um sumário levantamento
estilístico para apontá-las profusamente; nem encarecer a extensão e a profundidade das
diferenças: estão aí as obras que de 30 a 40 e a 50 mostram à saciedade que novas
angústias e novos projetos enformavam o artista brasileiro e o obrigavam a definir-se na
trama do mundo contemporâneo.
Não é fácil separar com rigidez os momentos internos do período que vem de 1930 até
nossos dias. Poetas, narradores e ensaístas que estrearam em torno desse divisor-de-águas
continuaram a escrever até hoje, dando às vezes exemplo de admirável capacidade de
renovação. Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Joaquim Cardozo, Vinicius
de Morais, Marques Rebelo, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Otávio de Faria, José
Geraldo Vieira, Tristão de Ataíde, Gilberto Freyre e Augusto Meyer, além de outros
falecidos há pouco ( Cecília Meireles, Lúcio Cardoso, Cornélio Pena, Augusto Frederico
Schmidt ), são escritores do nosso tempo; e alguns destes ainda sabem responder às
inquietações do leitor jovem e exigente à procura de uma palavra carregada de húmus
moderno e, ao mesmo tempo, capaz de transmitir alta informação estética.
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No entanto, rumos novos foram-se delineando depois da Guerra de tal sorte que, a esta
altura, já se percebem, pelo menos, dois momentos histórico-culturais no interior dêsses
quarenta anos de vida mental brasileira.
Entre 1930 e 1945 barra 50 , grosso modo, o panorama literário apresentava, em
primeiro plano, a ficção regionalista, o ensaismo social e o aprofundamento da lírica
moderna no seu ritmo oscilante entre o fechamento e a abertura do eu à sociedade e à
natureza ( Drummond, Murilo, Jorge de Lima, Vinicius, Schmidt, Henriqueta Lisboa,
Cecília Meireles, Emílio Moura...) Afirmando-se lenta, mas seguramente, vinha o
romance introspectivo, raro em nossas letras desde Machado e Raul Pompéia (Otávio de
Faria, Lúcio Cardoso, Cornélio Pena, José Geraldo Vieira, Cyro dos Anjos (...) : todos,
hoje, "clássicos" da literatura contemporânea, tanto é verdade que já conhecem discípulos
e epígonos. E já estão situados quando não analisados até pela crítica universitária. A
sua "paisagem" nos é familiar: o Nordeste decadente, as agruras das classes médias no
começo da fase urbanizadora, os conflitos internos da burguesia entre provinciana e
cosmopolita (fontes da prosa de ficção). Para a poesia, a fase 30 barra 50 foi
universalizante, metafísica, hermética, ecoando as principais vozes da "poesia pura"
européia de entre-guerras: Lorca, Rilke, Valéry, Eliot, Ungaretti, Machado, Pessoa ...
A partir de 1950 barra 55, entram a dominar o nosso espaço mental o tema e a ideologia
do desenvolvimento (310). O nacionalismo, que antes da Guerra e por motivos
conjunturais conotara a militância de Direita, passa a bandeira esquerdizante; e do papel
subsidiário a que deveria limitar-se (para não resvalar no mito da nação, borrando assim
critérios mais objetivos), acaba virando fulcro de todo um pensamento social. Renova-
se, simultaneamente, o gosto da arte regional e popular, fenômeno paralelo a certas idéias-
força dos românticos e dos modernistas que, no afã de redescobrirem o Brasil, também
se haviam dado à pesquisa e ao tratamento estético do folclore; agora, porém, graças ao
novo contexto sócio-político, reserva-se toda atenção ao potencial revolucionário da
cultura popular.
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Tópico: A ficção
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