Ana Carolina Pereira PDF
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Resumo:
O debate sobre a geopolítica da produção Ana Carolina Barbosa Pereira
intelectual tem uma longa e respeitável tradição. Doutora em História Universidade de
Dela participam intelectuais do continente africano, Brasília (UnB). Professora Universidade
desde o contexto de libertação do jugo colonial Federal da Bahia (UFBA).
(décadas de 1950-1970), intelectuais que integram Salvador - BA - BRASIL
os paradigmas pós-colonial, decolonial e, mais [email protected]
recentemente, as chamadas teorias ou
epistemologias do Sul. Mas se a questão da
geopolítica de produção do conhecimento é
amplamente conhecida no cenário das teorias
sociais, existe um contraste em relação ao campo da
Teoria da História. Seria possível dizer que a Teoria
da História, como ela é praticada no Brasil, se
apresenta como emblema desse contraste, como
expressão do que os(as) intelectuais vinculados(as)
às tradições acima mencionadas têm denominado
“extroversão”, “imperialismo intelectual”,
“dependência acadêmica”, “mentalidade cativa”,
ou “metrocentrismo”. O objetivo desse artigo é
pensar, a partir da realidade brasileira, a geopolítica
de produção e consumo da Teoria da História. Para
tanto proponho uma particular definição da
categoria de lugar epistêmico.
DOI: 10.5965/2175180310242018088
http://dx.doi.org/10.5965/2175180310242018088
Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 24, p. 88 - 114, abr/jun. 2018. p.88
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We need to talk about the
epistemic place in Theory of
History
Abstract:
The debate on the geopolitics of intellectual production
has a long and respectable tradition. It is attended by
intellectuals from the African continent, from the context
of liberation from the colonial yoke (1950s-1970s),
intellectuals who integrate the postcolonial, decolonial,
and, more recently, so-called Southern theories or
epistemologies. But if the question of the geopolitics of
knowledge production is widely known in the context of
social theories, there is a contrast in relation to the field of
Theory of History. It would be possible to say that the
Theory of History, as it is practiced in Brazil, presents itself
as an emblem of this contrast, as an expression of what
the intellectuals linked to the above-mentioned traditions
have called "extraversion"; "Intellectual imperialism";
"Academic dependence"; "Captive mentality"; or "metro-
centrism". The objective of this article is to think, from the
Brazilian reality, the geopolitics of production and
consumption of Theory of History. To this end I propose a
definition of the category of epistemic place.
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Recentemente, no entanto, experimentei uma mudança um tanto maior na
bibliografia e nos objetivos de um plano de curso de Teoria da História para a graduação.
O objetivo principal era o de mobilizar um debate importantíssimo a respeito da
geopolítica da produção de conhecimento, especialmente em relação à formulação de
modelos teóricos. Resumidamente, propunha trazer para o domínio da Teoria da História
um debate que há décadas tem sido desenvolvido no campo das teorias sociais.
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Esse a priori epistêmico é geralmente imperceptível e contestá-lo pode soar contra
o “bom senso”, pois ao mesmo tempo em que funda, também retroalimenta um
conjunto de textos que se torna de leitura e citação obrigatórias. Esse a priori epistêmico
também funciona como critério silencioso no ranqueamento das universidades,
possibilitado por dispositivos de medição como as taxas de citação, contagem da
produtividade acadêmica ou fator de impacto das revistas (CONNELL, 2017).
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Hábito é também o ponto de partida de Syed Hussein Alatas (1972) para
caracterizar a mentalidade cativa de intelectuais do sudeste asiático, marcada pela prática
da imitação acrítica de modelos teóricos de origem europeia e estadunidense. Segundo
Alatas (1972), a dinâmica imperial forjou nos países subdesenvolvidos um hábito de
imitação que permeia praticamente toda a atividade intelectual e científica. Esse padrão
incide sobre a produção do conhecimento desde a formulação do problema de
investigação, passando pela análise, abstração, generalização, conceitualização,
descrição, explicação e interpretação dos dados.
Na esteira de Syed Hussein Alatas, seu filho Syed Farid Alatas (2008) desenvolveu
uma teoria da dependência acadêmica. Segundo essa teoria, a dependência acadêmica
opera em dois níveis, um estrutural e outro intelectual. No primeiro caso, a solução para a
dependência envolve consciência, vontade e determinação de dirigentes,
administradores, burocratas e outros atores políticos, sem os quais é impossível
desmantelar essa estrutura de dominação. No segundo caso, a ruptura é uma questão de
autonomia individual.
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Ocidente. Algo como uma resistência coletiva, motivada pela autonomia intelectual e
individual, parece nutrir as expectativas de Alatas.
Não por acaso, Hountondji denuncia os chamados estudos africanos praticados nas
universidades europeias e norte americanas que, especialmente no campo filosófico, há
séculos reproduzem o pressuposto da inconsciência dos africanos nativos e consequente
incapacidade de organização de seu próprio sistema ontológico. Rebatizando-os de
estudos africanistas, Hountondji é um exemplo importantíssimo de postura combativa em
relação à prática acadêmica extrovertida, tão comum em África como em outras partes
do que tem se convencionado chamar Sul Global.
O quadro descrito parece exigir que examinemos como e por que um pequeno
conjunto de textos extrapola fronteiras continentais e se converte em leitura obrigatória
em todos os cantos do globo. Em um texto recentemente publicado, Ramón Grosfoguel
(2016) formulou algumas perguntas que seguem nessa direção e as explicações históricas
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que ele oferece para esse fenômeno, conforme a perspectiva decolonial, têm relação
com a violência da experiência da Modernidade/Colonialidade. A exemplo, o autor
pergunta:
Ou ainda:
Por que o que hoje conhecemos como teoria social, histórica, filosófica,
econômica ou crítica se baseia na experiência sócio histórica e na visão
de mundo de homens destes cinco países? (GROSFOGUEL, 2016, p. 27)
Como é que no século XXI, com tanta diversidade epistêmica existente
no mundo, estejamos ancorados em estruturas epistêmicas tão
provincianas camufladas de universais? (GROSFOGUEL, 2016, p. 27)
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Esses quatro genocídios, que são também e simultaneamente quatro
epistemicídios, formam as bases sobre as quais se constrói o privilégio epistêmico dos
homens ocidentais. A expansão colonial iniciada no emblemático 1492 é, em resumo, a
origem de uma episteme racista/sexista que opera até os dias de hoje nas universidades
ocidentalizadas, por meio dos textos canônicos fundacionais das disciplinas de ciências
sociais e humanidades, bem como a descendência direta destes textos.
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Este diagnóstico feito por Alatas (1972, 2000), Hountondji (2009), Connell (2011),
Alatas (2008) ou Grosfoguel (2016) sobre a realidade das ciências sociais praticadas nos
países do Sul também espelha a dinâmica de produção e consumo da Teoria da História
no Brasil. Também, por aqui, habituamo-nos a consumir referenciais teóricos euro-
americanos numa relação de dependência acadêmica. Também fomos formados(as) e
seguimos formando para receber instruções das instituições euro-americanas, assim
como reproduzimos agendas de pesquisa norte-globais, aplicando essas referências
teóricas à nossa realidade. Enfim, também por aqui seguimos fornecendo dados e
consumindo modelos teóricos.
Mas essa categoria, apesar do vigor, tem alcance limitado. Embora seja capaz de
desvelar “a realidade de bastidores” da produção historiográfica, isto é, as relações de
poder subjacentes à instituição histórica e ativas na fundação e perpetuação dos
institutos, faculdades, departamentos, núcleos, grupos, sociedades acadêmicas,
associações e linhas de pesquisa, a categoria de lugar social não afirma o locus
(epistêmico) de enunciação (BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016). A questão foi
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notavelmente elaborada na seguinte passagem, extraída do artigo “Decolonialidade e
perspectiva negra”, ainda que operando com outro conceito de lugar social:
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Connell (2012), respectiva à formação do cânone da teoria sociológica clássica. Esse
experimento pode ser pensado como o mais fundamental exercício de afirmação do locus
de enunciação. Ele consiste, basicamente, em remontar a linhagem dos textos
fundacionais de uma disciplina científica e seus descendentes diretos.
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de José D’Assunção Barros, que oferece uma perspectiva abrangente sobre o ofício do(a)
historiador(a) e a história da ciência da História em numerosas publicações.
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Em geral, o que ensinam os manuais de introdução à história da ciência da história,
é que destacados autores como Leopold von Ranke, Wilhelm von Humboldt, Johann
Gustav Droysen, Wilhelm Dilthey, Langlois e Seignobos elaboraram um programa teórico-
metodológico e uma sistematização do conhecimento histórico que resultou na
disciplinarização da história, no final do século XIX. Não raro, esse momento fundacional é
genericamente qualificado de “positivista”, em função de um suposto excesso de
confiança metódica e busca por objetividade e imparcialidade no trato das fontes,
embora muitos sejam os esforços para contestar essa interpretação, recriminada pelo
simplismo.
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Os lugares onde a disciplina foi criada foram os centros urbanos e
culturais dos principais poderes imperiais na grande onda do
imperialismo moderno. Eles eram a “metrópole”, no termo corrente
francês, para o abrangente mundo colonial. Os intelectuais que criaram a
sociologia eram muito conscientes disto (CONNELL, 2012, p. 315).
Ao ter tais evidências em mente, a leitura que se pode fazer sobre a fundação e
sistematização da disciplina histórica muda consideravelmente. Diante disso, fica difícil
ignorar que, no contexto de institucionalização de disciplinas como a história e a
sociologia, a procura por provas irrefutáveis do progresso/desenvolvimento se
alimentava do contraste entre as sociedades metropolitanas e as sociedades colonizadas,
ditas primitivas ou “mais primitivas”. (CONNELL, 2012) O olhar dos historiadores
fundacionais era, portanto, um olhar imperial.
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Assim como outros, Rüsen (2001) parte de uma constante antropológica, de uma
(suposta) experiência humana universal como pressuposto teórico. Pelo caráter de
pressuposto estamos diante de uma assertiva que nos é apresentada sem qualquer
contraste e sem qualquer preocupação com a verificabilidade de sua pertinência
(empírica e teórica). Somos apenas apresentados(as) a um pequeno conjunto de
pressupostos que pouco a pouco vai se dissolvendo até tornar-se quase imperceptível.
Só? Como foi que Rüsen chegou a tal conclusão? Está implícita uma longa tradição
do pensamento filosófico, restrito à experiência sócio histórica do Ocidente europeu, que
oculta outras metafísicas e ignora, sem cerimônia, outras epistemologias não ocidentais.
Numa única passagem, Rüsen silencia quaisquer formas de vivência e de pensamento,
que contrastem com essa experiência particular. É a mera presunção de universalidade a
partir da projeção da própria experiência como se fosse toda a experiência humana
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possível. Esse é um dos efeitos da subjetividade solipsista problematizada por Dussel
(2009), essa metafísica do ego individual moderno que presume a existência de si
eclipsando a existência de outros. Continuemos.
Dito isso, podemos entender porque não se deve ao acaso a apresentação deste
conceito vir sempre acompanhada de informações adicionais. É por meio delas que Rüsen
descreve o lugar que a consciência histórica ocupa na interpretação da dinâmica do agir e
sofrer humano no tempo e, consequentemente, no contexto geral de sua Historik.
Testemunhos disso, as passagens a seguir nos servem de indício desta dimensão ativa
própria à consciência histórica. Nas palavras do autor:
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A consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem
para tornar suas intenções de agir conformes com a experiência do
tempo. Esse trabalho é efetuado na forma de interpretações das
experiências do tempo. Estas são interpretadas em função do que se
tenciona para além das condições e circunstâncias dadas da vida (RÜSEN,
2001, p. 59).
Entendo por construção histórica de sentido a suma dos procedimentos
mentais e atividades mediante as quais a experiência do passado é
interpretada e apresentada como “história”. Com esta categoria
descrevo, portanto, o que é a atividade da consciência histórica (RÜSEN,
2006, p. 135).
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Além dos resultados produzidos pela consciência histórica, há outra questão, tão
fundamental quanto a primeira. Trata-se do processo de desenvolvimento de suas
competências. E aqui parece residir a ambiguidade entre os conceitos de pensamento
histórico e consciência histórica. Como o processo de formação da consciência histórica é
gradativo, não existindo um “marco zero” a partir do qual se desenvolve, ele se dá
sempre a partir de um quadro prévio de sentido. Isso significa que ela enforma um tipo,
ou manifestação específica do pensamento histórico.
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se nos atermos às “origens da consciência histórica” apresentadas por Rüsen em Razão
Histórica (2001), veremos que o que a diferencia, fundamentalmente, do pensamento
histórico é a tensão entre insciência do tempo e consciência do tempo.
Com isso, quero dizer que a consciência histórica, em Rüsen, só admite uma
tipologia em quatro modos por ser concebida como uma potência em contínuo e
ininterrupto desenvolvimento. Com outras palavras, não há propriamente uma
consciência histórica de tipo tradicional ou exemplar, senão uma pré-história do agir que,
em algum momento, tende a ser submetida à crítica. Nas palavras de Rüsen:
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síntese originária das três dimensões temporais, nessa pré-história dos
feitos, todos os resultados interpretativos da consciência histórica, de
forma que não lhe sobrasse espaço algum para realizar uma apropriação
consciente do passado, reflexiva, interpretativa, pois, no âmbito das
referências de orientação da vida pratica contemporânea (RÜSEN, 2010,
p. 74-75).
Para simplificar, é possível dizer que a consciência histórica tem duas dimensões: a)
uma dimensão ativa (potência), relacionada àquilo que ela realiza, portanto, à construção
histórica de sentido; b) e uma dimensão processual (estrutura), correspondente ao
desenvolvimento de suas competências, portanto, pertencente ao domínio da formação
(Bildung). Em conjunto, o que ambas as dimensões revelam é a realização plena desta
potência que é a razão histórica.
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Se, como afirmou Pedro Caldas (2004, p. 44.), “sempre se pode falar em teleologia
quando se verifica um descompasso entre o desenvolvimento e a consciência deste
mesmo desenvolvimento”, temos o direito de chamar teleologia mesmo quando esta
admite a liberdade de ação. Com outras palavras, ainda que presuma conteúdos variáveis,
a teoria da história de Rüsen permanece teleológica porque reafirma a necessidade de
um sentido para o devir histórico, ainda que este não seja predeterminado e sofra a
exigência de constante reelaboração.
Esse processo pode ser percebido pelo reencontro entre “tempo natural” e
consciência histórica, cujo primeiro passo é o reconhecimento da ação da contingência
sobre o sujeito, e o segundo o domínio da imprevisibilidade do tempo pela projeção
utópica do futuro. O reencontro se processa pela identificação desta “segunda natureza”
(consciência histórica) como coincidente ao processo de tomada de consciência da
realidade do tempo “em si mesmo”. Por esse motivo, história se confunde com o
continuum temporal, ou se preferir, confunde-se com a descoberta e conscientização de
uma realidade que é pressuposta desde o princípio.
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enfim, interromper o circuito de perpetuação desta estrutura geopolítica que opõe o
Centro como proeminente lugar de elaboração das teorias e a Periferia como lugar de
coleta de dados e aplicação de resultados (CONNELL, 2011).
Considerações Finais:
Depois desse excurso sobre a geopolítica da produção intelectual, é importante
perguntar sobre as possibilidades de superar os limites da dependência. Algumas
sugestões podem ser encontradas nos trabalhos já mencionados na primeira parte deste
texto, respectivos às teorias sociais. No mesmo campo também podemos encontrar
caminhos promissores na abordagem de Marcelo Rosa (2015), especialmente a proposta
de elaboração de uma “sociologia não-exemplar”.
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pedagógicas formuladas no interior do Movimento Negro Brasileiro, como é o caso da
Pedagogia Interétnica de Salvador (1978), estudada por Ivan Costa Lima (2004)?
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Recebido em 15/12/2017
Aprovado em 19/05/2018
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