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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO

A CASA DE VIDRO

Plugando consciências no amplificador! Um projeto de Eduardo Carli de Moraes.

Arquivo da tag: lou andreas-salomé

06/09/2017 por WWW.ACASADEVIDRO.COM

O AMOR SEM RESTRIÇÕES À TOTALIDADE DA VIDA: Lou Salomé &


Nietzsche – Confluências e Dissonâncias

Lou Salomé, Paul Rée e Friedrich Nie sche em fotografia de Jules Bonnet

HINO À VIDA (1881)


de Lou Salomé [1861 – 1937] (h ps://pt.wikipedia.org/wiki/Lou_Andreas-Salom%C3%A9)

Tão certo quanto o amigo ama o amigo,


Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.

Eu te amo junto com teus pesares,


E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.

Com toda força te abraço!


Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.

Ser! Pensar milênios!


Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Muito bem: dai-me teu tormento.

Ouça a composição de Friedrich Nie sche


“Hymnus an das Leben”
Partitura da música completa: h p://bit.ly/Ra8SR0 (h p://bit.ly/Ra8SR0) | Arranjo: Peter Gast
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Assista/escute com orquestra: h p://youtu.be/FIOIUlDB5yU (h p://youtu.be/FIOIUlDB5yU)

Friedrich Nietzsche - Hymnus an das Leben

Sabemos que o poema Hino à Vida, de Lou Salomé, era profundamente venerado por Nie sche. Tanto que o filósofo compôs a música para acompanhar
os versos de sua amiga, tendo sido esta a única partitura que publicou em vida, com arranjos para orquestra e coro a cargo de Peter Gast. A celebração
da existência, o dionisíaco evoé entoado por um sujeito capaz de dizer um sagrado sim à tudo que a “vida-enigma” contêm é um elo de união entre
Nie sche e Lou Salomé, dois destinos que se entrelaçam de maneira inextricável. Nie sche, tanto adorava a filosofia de Heráclito, sua descrição da
Phýsis como um devir cósmico onde tudo flui e o “combate é o pai de todas as coisas”, deve ter encontrado uma sabedoria heraclitiana em Lou: “deixa-
me ainda no ardor da luta”, ela entoava, “sondar mais fundo seu enigma.”

Em ambos somos ensinados que a existência não precisa ser compreendida para ser amada. E que é possível um amor inclusivo, que abraça até mesmo o
que a condição de ser vivo envolve de mais trágico e doloroso – a doença, a finitude, a fragilidade dos laços humanos. A vida, com tudo o que tem
de exultação ou depressão, de delícia ou sofrimento, comovia Nie sche a ponto dele parir uma obra que é pura “estrela dançarina” que brota de um
íntimo em exuberante estado de caos. Que a loucura em que soçobrou não nos impeça de celebrar também a sabedoria deste maluco beleza que quis
conclamarmos a esta “afirmação dionisíaca em face do mundo, tal qual ele é, sem redução, sem exceção nem escolha, (…) que é o estado mais elevado
que um filósofo pode atingir: manter diante da existência uma atitude dionisíaca, e para isso eu tenho uma fórmula: amor fati. Para isso, devem-se
considerar os aspectos renegados da existência não somente como necessários, mas como desejáveis.” (Nie sche, F. Fragmentos Póstumos 13: 16 [32] verão de
1888).

Nie sche age como porta-voz de uma sabedoria plenamente fiel à terra, agressivamente críticas das ilusões em forma de esperanças supraterrenas e
deuses transcendentes. A celebração dionisíaca da existência imanente em todo seu esplendor e fúria é louvada como uma das capacidades supremas
que marca o espírito libertado. Nie sche, pois, transmite na história da ética as coordenadas e os horizontes para que pratiquemos coletivamente uma
transvaloração da axiologia hegemônica, que postula a transcendência como o lócus do valor e da redenção e exige, por isso, os mais atrozes sacrifícios:
assassinar a vida em prol da quimera de uma outra condição no além-túmulo que não passa de delírio da mente crente, alienada de sua efetiva
condição.

Em Humano Demasiado Humano – Um Livro Para Espíritos Livres, podemos aqui e acolá notar a presença do tema do amor: Nie sche faz uma
conclamação, um apelo, para que o amor tenha por meta a imanência e não a transcendência, isto é, que amemos esta vida real e concreta onde
florescemos e fenecemos, desapegados de qualquer fantasia sobre uma vida paradisíaca no além-morte, artigo de fé nefasto que arrasta-se desde o
idealismo platônico e segue marcando a ideologia de todas as doutrinas teístas. Nie sche, no livro dedicado a Voltaire no centenário de sua morte, dá
conselhos de moralista: “Eis o melhor meio de começar cada dia: perguntar-se ao despertar se nesse dia não podemos dar alegria a pelo menos uma
pessoa. Se isso pudesse valer como substituto do hábito religioso da oração, nossos semelhantes se beneficiariam com tal mudança.” (§589) O filósofo
expressa este louvor ao amor terrestre e mundano, em oposição à idolatria religiosa de ídolos sobrenaturais ou metafísicos, em frases lapidares: “Não há
no mundo amor e bondade bastantes para que tenhamos direito de dá-los a seres imaginários.” (§129)

O espírito livre nie schiano quer prestar suas homenagens à tradição Iluminista e seus combates contra o obscurantismo – este, que com tanta
frequência justifica os horrores que pratica na Terra invocando a quimera do paraíso transcendente. Se matam hereges na fogueira, se assassinam uma
Hipátia ou um Giordano Bruno, se queimam livros de Demócrito e Epicuro, se mandam calar na marra a voz dos dissidentes, é tudo para melhor
garantir que os “Homens de Bem” possam gozar das delícias de crer no Paraíso. Neste, aliás, segundo Tertuliano, uma das mais deleitosas gostosuras
que hão de gozar os bem-aventurados que forem promovidos para o Céu terão como um de seus gozos celestiais a observação das penas crudelíssimas e
ultra dolorosas de que serão vítimas os danados no Inferno. Os que Deus aceitará de volta no ninho de seu Éden, que presenteará com a concretização
da promessa messiânica do “os últimos serão os primeiros”, blessed are the meek ‘cause theirs is the Kingdom of God, poderão se deliciar no Céu com a visão
de seus adversários terrestres ardendo na câmara de torturas infernal. Eis aí uma autêntica religião para sádicos e vingativos…

Todos os horrores descritos por Dante Aleghieri no Inferno da Divina Comédia, todos os quadros apavorantes da mentalidade paranóica medieval
capturados nos quadros de Hieronymous Bosch, atordoam a consciência do crente demasiado convicto na existência de um Além, de um
prosseguimento de nossa consciência no período pós-morte, as punições e recompensas celestiais ou infernais que Epicuro e Lucrécio já denunciavam

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como algumas das principais inimigas da serenidade, da felicidade, da ataraxia humana. Tais delírios de vida supraterrena podem lançar o sujeito ao
niilismo da fé: a negação do valor à vida concreta, ao corpo presente, aos sentidos reais, aos prazeres possíveis de serem vivenciados pelos entes que
somos, isto é, consciências corporificadas e com prazo de validade neste fluxo ininterrupto do Universo que integramos: onimovente, cíclico, animado
por uma Vontade transpessoal que nos transborda por todos os lados e que é plena exuberância criativa e cosmo-poiésis infinda. Somos parte disso, e
que felicidade pode dizer Sim!

Para Nie sche, não há paraísos senão os imanentes, logo precários, como tudo que é real. Tanto sabedoria quanto amor são para aqui e para já – ou
nunca serão. No “Hino à Vida”, o poema de Lou Salomé que Nie sche tanto reverenciava, percebemos uma significativa contribuição filosófica e
estética ao tema do amor à imanência e da fidelidade à terra.

Dorian Astor, autor de duas biografias dedicadas às vidas e espíritos entrelaçados de Nie sche e Lou Salomé, relembra
alguns dos principais momentos deste convívio. Nascida em 1861, em São Petersburgo, na Rússia, a jovem Lou Salomé,
quando tinha aproximadamente 20 anos, seria “iniciada à filosofia árida e fascinante de Nie sche, que espera dela muito
mais do que ela pode dar, mas que lhe passa todas as armas do espírito livre” (ASTOR, 2015, p. 8) A jovem Lou teria sido
para Nie sche não somente uma discípula que ele fervorosamente desejava ter sob seu círculo de influência, mas também
uma das mulheres que mais conseguiu encantar e apaixonar ao filósofo – que propôs a ela casamento em duas ocasiões, e em
ambas foi rejeitado.

Motivo de inumeráveis fofocas e boatos, o ménage à trois que envolveu Lou Salomé,
Nie sche e Paul Rée possui uma imagem icônica dos três, Lou com o chicote em mãos,
Nie sche e Rée na posição de cavalos atrelados a uma charrete – fotografia que ilustra a
obra magistral O Bufão dos Deuses, de Maria Cristina Franco Ferraz, uma das mais
perspicazes e bem informadas comentadoras de Nie sche hoje em atividade. Um tema
ainda pouco comentado e difundido é a qualidade assombrosa das contribuições das
mulheres para nossa compreensão de Nie sche: além de Maria Cristina, figuras como
Scarle Marton, Rosana Suarez, Sarah Kofmann, Rosa Dias, além da própria Lou Salomé,
autora do crucial livro Nie sche Através de Suas Obras (1894), têm alargado nossos horizontes sobre o nie schianismo
com contribuições inestimáveis.

A tríade Nie sche – Lou – Rée já ganhou crônicas cinematográficas, a mais significativa delas sendo o filme Além do
Bem e do Mal, da cineasta italiana Liliana Cavani, lançado em 1977. Lou, transfigurada em uma personagem só
vagamente assemelhada à mulher real, marcou presença também em Quando Nie sche Chorou,
(h p://www.imdb.com/title/ 0760188/?ref_=nv_sr_1)romance de Irvim Yalom que fantasia sobre o convívio (que
nunca ocorreu) entre Nie sche e o Breuer, e que ganhou versão cinematográfica em 2007 na película dirigida por
Pinchas Perry. (h p://www.imdb.com/title/ 0760188/?ref_=nv_sr_1)

Em nenhuma destas duas obras a relação de Nie sche e Lou Salomé ganha um retrato devidamente aprofundado, que revelasse a densidade
psicológica e a complexidade do vínculo entre eles. Em especial, passa-se em silêncio, com frequência, sobre aquilo que mais fortemente os unia, que era
a experiência da descrença, ou seja, a vivência da perda da fé. Na apostasia, eles comungavam. Nie sche, filho de pastor protestante, que teve relações
bastante conflitivas com a beatice da mãe e da irmã, iria se tornar um dos mais radicais críticos da religião cristã instituída, proclamando-se O
Anticristo, o dinamitador de uma tradição decadente, o filósofo que a golpes de martelo vinha para pôr fim ao reinado de um deus quimérico e em seu
século já moribundo, caído no descrédito crescente, submergido por marés cada vez mais altas de ceticismo, agnosticismo, ateísmo (uma vaga histórica
de descrença militante que inclui Feuerbach, Marx, Engels, Darwin, Freud, Camus, Sartre, Comte-Sponville, Onfray, e por aí vai).

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Ilustração: Charb, do Charlie Hebdo, em Marx: Manual de Instruções, de Bensaïd (Ed. Boitempo)

“Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus
continua morto! E nós o matamos!” – Nie sche, Gaia Ciência, §125

Lou, é evidente, era muito mais serena, menos agressiva e bélica, mais tranquila e sábia, na expressão de seu pensamento às vezes profundamente
subversivo dos dogmas vigentes e fés hegemônicas. Também na vida de Lou são relatados conflitos familiares que a opõe à sua mãe: “a incredulidade
da filha, suas atividades intelectuais, sua repugnância pelo casamento, suas uniões livres, ou seja, os ventos de liberdade e independência que soprarão
sobre sua vida, foram constantes motivos de reprovação por sua mãe”, escreve Astor (p. 13).

Tanto Nie sche quanto Lou, desde muito jovens, irão se rebelar contra uma noção sacrificial sobre a condição humana, quase sempre vinculada a uma
crença religiosa demasiado dogmática e inquestionada que conduz o sujeito a sacrificar o que ele tem de mais seguro. O ascetismo é a ética enlouquecida
pela mania da auto-mortificação, em que o sujeito alucinado de idealismo religioso volta-se contra seu corpo, sua mente, sua vida presente, sua vontade
de existir pulsando em seu seio, seu conatus ou seu élan vital (como diriam Spinoza ou Bergson), sua vontade de potência como dirá Nie sche, no altar da
esperança, muito provavelmente infundada, falaciosa, mentirosa – de ganhar através deste sacrifício o tíquete de acesso, depois da morte, a uma vida
melhor, paradisíaca, escondida em Cucolândia das Nuvens e prometida aos obedientes, aos servis, aos mansos, aos que não resistem à opressão, aos
escravos satisfeitos de sua escravidão, que contentam-se em sonhar com uma vingança do além-túmulo.

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Lou e Nie sche comungam na suspeita de que aqueles que sacrificam a vida na esperança de uma vida-após-a-morte estão na ilusão, cometem um
crime contra si mesmos e contra a energia da Vida que neles pulsa. Sem ser uma feminista militante – ela está longe de escrever um livro-manifesto
como o Vindication of the Right of Woman de Mary Wollstonecraft – Lou Salomé contribui com seu exemplo vivo para a disseminação de noções libertárias
sobre a mulher independente, autônoma, crítica, criativa, multi-talentosa, que ousa buscar o conhecimento para além das balizas tradicionais. Para
Astor, “sem dúvida ela esteve em conflito com a imagem sacrificial da mulher” (p. 14)

Anaïs Nin (1903 – 1977), em seu prefácio à biografia escrita por H. F. Peters, Lou – Minha Irmã, Minha Esposa (RJ: Zahar, 1974), escreve:

“Graças à sensibilidade, compreensão e empatia do autor, adquirimos o conhecimento íntimo de uma mulher cuja importância para a história do
desenvolvimento da condição feminina é imensa. Peters traçou com amor um retrato que nos comunica o talento e a coragem de Lou. Lou Andreas-
Salomé simboliza a luta para transcender convenções e tradições nos modos de pensar e de viver. Como é possível a uma mulher inteligente, criativa,
original, relacionar-se com homens de gênio sem ser dominada por eles? O conflito entre o desejo da mulher de se fundir com o amado e ao mesmo
tempo manter sua identidade própria é a luta da mulher moderna. Lou viveu todas as fases e evoluções do amor, da entrega à recusa, da expansão à
contração. Casou-se e levou vida de solteira, amou homens tanto mais velhos quanto mais novos. Sentia-se atraída pelo talento, mas não queria ser
apenas musa ou discípula. (…) Como era bela, o interesse masculino passava com frequência da admiração à paixão; se Lou não correspondia, era
considerada fria. Sua liberdade consistiu em dar expressão às suas necessidades inconscientes profundas. Viu a independência como a única maneira de
realizar o movimento. E, para ela, o movimento era o crescimento e a evolução constantes.” (ANAÏS NIN, 1974, pg. 9-10)

Ficamos tentados a dizer que Nie sche, que em Humano Demasiado Humano descrevia os espíritos livres como amigos imaginários, inventados pelo
filósofo para que fizessem companhia a ele em sua solidão de adoentado nômade, encontra em Lou Salomé um espírito livre em carne-e-osso, em todo o
esplendor de uma jovem mulher audaz, vivaz, perspicaz, prova viva da exuberância do lema iluminista: sapere aude – ousa saber. Como Nie sche não
sentiria, diante dela, inúmeras afinidades que a tornavam uma mente irmã, uma provável discípula, uma desejável esposa? Ele, Nie sche, encontrou
muitas similaridades na postura existencial dele e de Lou Salomé: ambos preferiam pensar livre ao invés de enterrar-se vivo no túmulo dos dogmas
rígidos, das convicções imutáveis e das fés congelantes. Como diz Peters, “Nie ssche e Lou estavam ambos em busca – e daí o segredo de sua afinidade
– de uma nova fé, que afirmasse o poder e a glória da vida, sem exigir a mortificação da carne.” (PETERS, 1974, p. 81)

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O historiador George Minois, que devotou mais de 700 páginas à A História do Ateísmo (Ed. Unesp), relembra em seu livro uma carta de Fri Nie sche à
sua irmã Elisabeth onde ele diz: “Se queres a paz da alma e a felicidade, então crê; se queres ser um discípulo da verdade, então busca.” E Minois
comenta: “A primeira posição é a mais confortável. Mas quando se perde a fé, não se pode mais voltar atrás.” (MINOIS, 2014, p. 626)

Em livro recente, Marcos de Oliveira Silva abordou com maestria o tema da Autópsia do Sagrado – Religião, Ateísmo e
Contemporaneidade em Nie sche (h p://www.martinsfontespaulista.com.br/autopsia-do-sagrado-435965.aspx/p) (2012), onde o
autor reconhece muitas semelhanças entre a crítica nie schiana da religião e outro importante pensador alemão
contemporâneo, Ludwig Feuerbach, prenunciador do “a religião é ópio do povo” de Karl Marx.

Feuerbach “acreditava que o fenômeno religioso era basicamente um meio fantasístico de compensação; assim,
diferente do pretenso altruísmo da religião, o filósofo explica que o verdadeiro teor das ideias religiosas é sempre de
fundo o egoísmo, ou de outra forma, o utilitarismo é a base central da ideação religiosa. A ideia de uma benévola
providência é uma importante arma contra a angústia, essa crença gera uma sensação de sentido para as coisas. As
injustiças e dificuldades sentidas no mundo terreno seriam hipoteticamente reparadas e superadas eternamente no
‘reino de Deus’. Este desejo de conferir à existência um sentido absoluto pode ser percebido pela frase do senso
comum que afirma que ‘Deus tarda, mas não falha’. Porém, a lógica do ateísmo de Feuerbach ensina que ‘além de
sempre tardar, Deus sempre falha’. Isso foi dito da seguinte maneira pelo filósofo:

Ludwig Feuerbach (1804-1872)

“O além chega sempre tarde com suas curas; ele cura o mal depois que ele já passou, só com, ou após a morte… O amor que o além criou, que consola o
sofredor, é o amor que cura o doente depois que ele faleceu, que dá água ao sedento que já morreu de sede, que dá alimento ao faminto depois que ele já
morreu de fome…Deixemos pois os mortos e só nos ocupemos com os vivos! Se não acreditarmos mais numa vida melhor mas quisermos, não
isoladamente, e sim com a união de forças, criaremos uma vida melhor, combateremos pelo menos as injustiças e os males crassos, gritantes, revoltantes,
pelos quais a humanidade tanto sofre.” (FEUERBACH, 1989, pp. 236-237)

De acordo com as Preleções sobre a essência da religião, segundo o “viés ateísta proposto por Feuerbach, a difusão sistemática das variadas promessas
religiosas desempenha estrategicamente um papel muito importante na perpetuação da miséria de um povo…. é um conjunto de falsas promessas…
apontam para uma solução a partir de uma intervenção sobrenatural, acreditam assim que não o homem mas sim as ‘mãos divinas’ mudarão o rumo do
nosso sofrido mundo. Criticamente, Feuerbach vê esta doce esperança como uma forma alienante de abafar nossas reais responsabilidades terrenas, um
obstáculo ideológico ao avanço de nosso ímpeto revolucionário que pede mudanças efetivas. Assim sendo, acreditando em uma grandiosa revolução

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vinda do céu, reforçamos a nossa covardia diária que nos impede de enfrentar de forma concreta aqueles que nos oprimem… Esperando usufruir a bela
paisagem lúdica de um paraíso pós-morte, para o filósofo, deixamos de construir os alicerces necessários para uma sociedade mais justa.” (OLIVEIRA,
2012, p. 123)

2. A MORTE DE DEUS: DE TENDÊNCIA HISTÓRICA A METAMORFOSE SUBJETIVA

Lou Salomé soube enxergar também o quanto havia de narcisismo infantil no apego do sujeito à crença em um Deus-Pai. Auto-psicanalisando-se,
descobriu na sua própria infância um “Deus que é o melhor aliado do narcisismo da garotinha”, o “grande instituidor de presentes”, mas também
aquela instância superior que a pequena Lou invoca quando sente-se injustamente punida pelos pais. Ou seja, quando ela apanha por ter sido
considerada pelas autoridades familiares como desobediente ou travessa, apela para o Bom Deus como uma espécie de Juiz Justiceiro que mora nas
nuvens: “eu era, com frequência, uma criança ‘má’, e por isso tive que travar doloroso contato com uma varinha de bétula, coisa que nunca deixei de
denunciar ostensivamente ao Bom Deus.” (p. 16)

Na literatura de Lou, podemos encontrar uma narrativa ficcional de 1922 chamada A hora sem Deus, onde mais uma vez entra em cena a noção infantil de
um Deus como Grande Vigia, Olho Que Tudo Vê, Guardião do Rebanho dos Homens: “Ele que vê o que está escondido, com Seus olhos onipresentes,
para os quais a coberta da cama não era um obstáculo”, escreve Lou. Ela percebe que este Deus era como uma espécie de brinquedo da menina,
manipulado em sua imaginação como o boneco de um juiz, “aliando-se com a criança perante todos os adultos com suas noções e interesses estranhos e
suas paixões pela pedagogia.” Para Astor, “Deus constitui, assim, a instância de uma relação primordial consigo mesma, e nem um pouco uma
experiência da alteridade. Deus é momento de uma dialética; é aquele que deve morrer, aquele que deve ser superado no movimento da maturação, de
uma afirmação de si que é conquistada de maneira autônoma.” (p. 17)

Ou seja, Lou Salomé parece defender que a maturidade humana só chega quando sabemos matar dentro de nós – o único lugar onde ele jamais viveu – o
Deus de nossa infância, sepultando esse narcisismo espectral e delirante de modo a conquistarmos para nós A Hora Sem Deus, momento de superação,
de auto-transfiguração, onde essa “relação fantasiosa um pouco frágil chegou ao fim”. (…) A morte de Deus, longe de autorizar o imoralismo, fundará
rigorosamente a submissão incondicional a um princípio de realidade.” (p. 17)

Utilizando-se de terminologia Freudiana – afinal de contas, Lou Salomé também terá significativa contribuição à história da Psicanálise como
movimento científico internacional no âmbito da medicina das mentes e se tornará talvez a primeira mulher a atuar na profissão de psicanalista, apoiada
pelo próprio Freud – Lou mostra as difíceis batalhas do sujeito para superar a ilusão religiosa nascida do princípio de prazer e do desejo de consolo,
rumo a uma consciência cada vez mais desperta ao real e lúcida na efetividade.

Astor percebe muito bem que “o motivo, em modo menor, é quase nie schiano, e percebemos em sua magistral obra sobre o filósofo, Friedrich Nie sche
em suas obras (1894), que Lou Andreas-Salomé reconheceu o instinto profundo que preside esta conscientização da morte de Deus: para ela, “os motivos
que incitam a maior parte dos indivíduos a se emancipar da religião são quase sempre de ordem intelectual, e essa emancipação não se efetua sem
dolorosas lutas”. De modo que, como comenta Astor, “o problema vital da infância não é, para Lou, a perda do Deus pessoal, que no fundo é apenas a
queda de uma fruta madura demais. É do lado de cá que acontece a desaparição primordial, ao mesmo tempo em que a ascensão ao real.”

A desaparição, a dissolução, a superação da crença em Deus no universo subjetivo do indivíduo, as metamorfoses que isto implica, as tarefas novas que
daí decorrem, implicam que o processo da apostasia, do tornar-se ateu, do lançar-se aos mares abertos da descrença e de aventura intelectual, é vivido
praticamente como uma espécie de segundo nascimento. O parágrafo inicial da autobiografia de Lou Salomé, Minha Vida, com admirável radicalidade,
narra o nascimento humano:

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“Nossa primeira experiência, coisa notável, é a de um desaparecimento. Momentos antes, éramos um todo indivisível, todo Ser era inseparável de nós; e eis que fomos
lançados ao nascimento, nos tornamos um pequeno fragmento desse Ser e precisamos cuidar, desde então, para não sofrer outras amputações e para nos afirmarmos
em relação ao mundo exterior que se ergue a nossa frente numa amplidão crescente, e no qual, deixando nossa absoluta plenitude, caímos como num vazio – que em
primeiro lugar nos despojou.” (LOU SALOMÉ, Minha vida.)

Lou evoca uma indistinção originária entre o eu e o mundo, um período antes do nascimento do sujeito individuado, onde o bebê ainda não possui
consciência de si, encontra-se fundido no grande todo, experimentando o que Freud chamará de “sentimento oceânico”, antes da saída do mundo intra-
uterino, pontapé inicial do processo de individuação e que O o Rank tematizará em O Trauma do Nascimento e que ganhou genial expressão literária
em recente romance de Ian McEwan (Enclausurado / Nutshell) (h p://wp.me/pNVMz-3FH).

Segundo Astor, “Lou tomou de Schopenhauer a ideia de que o nascimento é uma queda no mundo das aparências, segundo um princípio de
individuação que limita o ser singular e aliena sua compreensão do grande Todo: ‘No mais profundo de si mesmo, o nosso ser rebela-se em absoluto contra
todos os limites. Os limites físicos são-nos tão insuportáveis quanto os limites do que nos é psiquicamente possível: não fazem verdadeiramente parte de nós.
Circunscrevem-nos mais estreitamente do que desejaríamos.’ Ao dizer isso, ela não clama o inconveniente de ter nascido, mas antes afirma, com o Nie sche
de O Nascimento da Tragédia, a força plástica e individuante do apolíneo, a reconquista artística da onipotência dionisíaca, que é poder de vida. Ela não
cessará de repetir, até o fim de sua vida, a seguinte alegre afirmação:

“A vida humana, ah!


A vida sobretudo – é poesia.
Inconscientes, nós a vivemos, dia a dia,
Passo a passo – mas em sua intangível
Plenitude ela vive e nos traduz em poesia.”

LOU ANDREAS-SALOMÉ

Astor atribui tais idéias à uma profunda assimilação do “amor fati” de Nie sche, esse “amor pelo destino e essa sabedoria que só podem ser adquiridos
ao preço de um esforço heróico”, que Lou caracterizará como uma identificação plenamente afirmativa e celebratória com a totalidade da vida. Lou
celebra “o encanto supremo que confere à vida seu caráter efêmero demais” e sugere que “precisamos nos sentir inexoravelmente determinados, mas
por uma força com a qual nos identificamos, uma força que nós mesmos nos tornamos.” (Astor, 21)

3. ALÉM DA CRENÇA E SEUS DOGMAS, A MATURAÇÃO DE UMA VIDA DEVOTADA AO CONHECIMENTO

Outro elo que une Lou e Nie sche está na devoção com que ambos dedicaram-se ao conhecimento após terem rompido vínculos com a fé. Ambos são
apóstatas que se desviaram dos caminhos prescritos pela família: se Nie sche, filho de pastor protestante que torna-se um luminar do ateísmo e que
nunca se reconcilia com a beatice de sua mãe e sua irmã, por seu lado Lou Salomé desde a adolescência manifesta também ímpetos rebeldes e
contestadores em relação à religião:

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“A morte de Deus marca para Lou o acesso a um rigor intelectual que logo se manifestará em seu caráter estudioso. Inúmeros textos comprovam, em Lou, o laço de
causalidade entre a perda de Deus e a sede de conhecimento. O artigo Criação de Deus analisará o desenvolvimento intelectual não apenas como compensação do
lugar vazio deixado por Deus, mas como a conquista de um autonomia e recentramento de si. Aos 17 anos, Lou assiste às aulas de catecismo preparatório para a
confirmação, etapa essencial da vida protestante russa… As aulas são ministradas pelo pastor Hermann Dalton (1833-1913), que manifesta um conservadorismo
agressivo, que lhe valerá muitos inimigos, entre os quais David Strauss e Ernest Renan. Lou não gosta do pastor, que corresponde o sentimento; Dalton se informa
junto aos Salomé sobre o espírito rebelde da jovem, desde o dia em que, ao ensinar que não existe lugar onde não se possa imaginar a presença de Deus, Liola lhe
responde em tom de provocação: ‘Existe sim, o Inferno!”

A ‘liberdade interior’ conquistada com a morte de Deus, o fortalecimento das forças intelectuais percebidas como vitais, de repente se viram confrontados com uma
ortodoxia rígida e desprovida de vida, um saber que se esgotava numa prescrição sem alternativas. Se a religião da infância havia sido uma experiência do
maravilhoso, sua justificação friamente teológica varria para longe os últimos resquícios de nostalgia, e permitia aderir alegremente ao espírito novo: ‘deixei em
definitivo o mundo dos crentes e me separei abertamente da igreja.'” (ASTOR , pg. 25)

Lou Salomé, abandonando a crença de sua infância, embarca na aventura do conhecimento: troca São Petersburgo por Zurique e, na mesma Suíça onde
Nie sche desenvolveu por 10 anos (1869-1879) seus trabalhos como professor na Universidade de Bâle (Basiléia), ela irá prosseguir seus estudos
incansáveis, que farão dela uma das intelectuais mais completas de seu tempo, com expressão na filosofia, na psicologia, na literatura. Quando Lou e
Nie sche se conhecerem em 1882, por intermédio de Paul Rée e Malwida Meysenbug, encontrarão muitos temas de conversa, mas um em especial terá
destaque: a morte de Deus e suas consequências para a vida do sujeito.

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO

Lou Salomé enquanto jovem estudante em Zurique, Suíça, após emigrar de sua Rússia natal em aventura de busca de conhecimento

O espírito livre, como Nie sche explora em Humano Demasiado Humano, é alguém que precisou emancipar-se da servil obediência a dogmas inculcados
e preconceitos recebidos, inclusive e sobretudo as noções religiosas com que somos inundados desde a primeira infância. Em seu livro sobre Nie sche,
dividido em três grandes partes, Lou dedica a segunda parte às metamorfoses de Nie sche, utilizando como epígrafe o aforismo #573 de Aurora: “a
serpente que não pode mudar de pele perece. O mesmo se dá com os espíritos que são impedidos de mudar de opinião; eles cessam de ser espíritos.” As muitas
metamorfoses de Nie sche, segundo Lou, são inauguradas por sua “ruptura com a fé cristã, ponto de partida para todas as suas transformações
ulteriores”; ela destaca que, ainda que “os motivos que incitam a maior parte dos indivíduos a se afastar da religião sejam frequentemente de ordem
intelectual, esta emancipação não se efetua sem lutas dolorosas” (p. 77).

Um dos maiores méritos da obra de Lou consiste em pintar um retrato complexo e nuançado da personalidade de Nie sche, que ela considera um
sujeito definitivamente marcado por suas difíceis relações com o abandono da fé. Um dos grandes temas que atravessaria toda a obra Nie schiana é o
modo de realizar a emancipação interior que conduz o apóstata a metamorfosear-se: de servil e obediente beato, temente aos deuses, apegado às sacras
ilusões, ele cresce e matura-se rumo a um grau sempre expandido de ceticismo, de desconfiança, de suspeita, de capacidade de enxergar o mundo por
múltiplas perspectivas.

O pensamento de Nie sche é anti-dogmático por excelência. Estabelecer-se na crença de que a verdade já está descoberta e é possuída, cessando assim
de questionar as respostas dadas, desistindo de inquirir se as perguntas não estavam mal colocadas ou eram absurdas, procurar o descanso do
pensamento na cômoda cama das convicções imutáveis: eis o que assassina o livre-pensamento e faz do filósofo um dogmático papagaio de certezas
imutáveis. Segundo o retrato que Lou-Andreas Salomé pinta de seu metamórfico e desassossegado amigo, o filósofo tinha uma personalidade
radicalmente anti-dogmática:

“A mudança de opinião, a obrigação de se transformar, encontram-se tão profundamente ancorados no coração da filosofia nie schiana e são eminentemente
característicos de seus métodos de investigação. (…) Sua estranha necessidade de metamorfose, no domínio do conhecimento filosófico, provinha do desejo insaciável
de renovar sem cessar suas emoções intelectuais. É por isso que a clareza perfeita não era, a seus olhos, senão um sintoma de saciedade e extenuação. (…) Para
Nie sche, uma solução encontrada não era jamais um fim, mas ao contrário o sinal de uma mudança de perspectiva que o obrigava a contemplar o problema sob um
ângulo novo, a fim de lhe encontrar uma nova solução. (…) Nie sche não admitia que um problema, qualquer que ele fosse, comportasse uma solução definitiva.”
(ANDREAS-SALOMÉ, L. Nie sche À Travers Ses Ouvres. Pgs. 49 e 84.)

Tradução nossa para o trecho: “Le changement d’opinion, l’obligation de se transformer se trouvent ainsi profondément ancrés au coeur de la philosophie
nie schéenne, et sont éminemment caractéristiques de ses méthodes d’investigation. (…) Son étrange besoin de métamorphose, dans le domaine de la connaissance
philosophique, provenait du désir insatiable de renouveler sans cesse ses émotions intellectuelles. C’est pourquoi la clarté parfaite n’était, à ses yeux, qu’un
symptôme de satiété et d’exténuation. (…) Pour Nie sche, une solution trouvée n’était jamais une fin, mais au contraire le signal d’un changement de point de vue
qui l’obligeait à envisager le problème sous un angle nouveau, afin de lui apporter une solution nouvelle. (…) Nie sche n’adme ait pas qu’un problème quel qu’il
fût comportât une solution définitive.”

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4. NIETZSCHE & LOU: ENCANTAMENTO, ESPERANÇA E DESILUSÃO

Tentar explorar o vínculo entre Nie sche e Lou leva-nos a um labirinto de representações, de perspectivas, de boatos e fofocas, em que por vezes é
difícil separar o que é fato do que é ficção. No cinema, por exemplo, o filme de Liliana Cavani, lançado em 1977, propiciou uma narrativa da relação em
que Nie sche é descrito como um sujeito lascivo, impetuoso, mostrado em arroubos passionais por Lou que chegam, em certas cenas, a beirar a
agressão sexual (lembrem, por exemplo, da cena em que Fri , de maneira forçada e sem consentimento, tenta tocar as partes íntimas de Lou). O filme
também retrata Nie sche contando a Lou, em um daqueles passeios idílicos que faziam pela Natureza, sobre seu passado erótico: relembra o dia em
que visitou um bordel, conta os detalhes picantes de sua transa, e depois revela ainda que foi nesta ocasião que contraiu a sífilis. Fact or fiction?

Impossível bater o martelo e julgar em definitivo se o filósofo de fato vivenciou o episódio do puteiro e ali pegou uma DST, ou se isso não passa de
intriga da oposição. Tendo mais a esta última opção, pois vários estudos biográficos revelam que a doença de Nie sche tinha raízes hereditárias e
genéticas, já que o seu pai também havia sofrido com sintomas semelhantes e havia tido uma morte precoce. Muitos biógrafos vinculam as enxaquecas e
problemas de visão de Nie sche com uma condição derivada “do sangue”, relatam que o pequeno Fri , além de perder o pai na primeira infância,
sempre temeu que morreria mais cedo do que o comum dos mortais, como ocorrera com seu pai. Além disso, biógrafos relatam que Nie sche,
enfermeiro voluntário durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, teria sido ferido em campo de batalha e que seu estado de saúde lastimável, daí em
então, decorre das sequelas deste episódio bélico.

O filme da Liliana, ao apostar no retrato de um Nie sche tarado e ao dar expressão audiovisual à suposta escapada de Nie sche no bordel, parece
referendar boatos e fofocas que muito provavelmente foram espalhados pelos detratores do filósofo, interessados em queimar seu filme e fazer a
posteridade acreditar que aquele que matou Deus acabou chafurdando na lama dos prazeres carnais perversos e pagando o preço por isso. Na história
da filosofia, temos muitos casos de campanhas de calúnia e difamação semelhantes, como aquela movida primeiro pelos platônicos e depois pelos
primeiros cristãos contra a memória de Epicuro: de sábio frugal em convivência bem-aventurada com os amigos no Jardim da Sabedoria, Epicuro foi
caluniado como um beberrão, um lascivo, entregue a orgias e banquetes nababescos, a ponto de vomitar os excessos de comida e bebida, só para
continuar a orgia depois do gorfo. Nie sche no puteiro, Epicuro na orgia: duas imagens que, suspeito, são intrigas falaciosas dos adversários destes
filósofos.

Vejamos, por exemplo, o que diz uma das biografias escritas sobre o filósofo, a de Rüdiger Safranski, sobre as relações entre Nie sche e Lou que o filme
de Liliana descreve com ênfase excessiva no aspecto erótico. Dificilmente existiu entre Nie sche e Lou uma relação amorosa propriamente carnal,
sensorial, com beijos, lambidas, penetrações – o contato físico entre os dois, ao que tudo indica, foi mínimo; o intercâmbio intelectual, os papos-cabeça, é
que foram, por um breve período, bastante intenso. Nem mesmo podemos ter certeza se rolou um beijinho na boca ou não – em Minha Vida, Lou diz que
não se lembra… Nada nos relatos biográficos sobre Nie sche nos permite pensar no filósofo como alguém que tivesse uma vida sexual ativa; muito pelo
contrário, ele foi um grande solitário e celibatário, morreu sem filhos e não se conhecem affairs românticos para além do caso com Lou.

É seguro dizer que Nie sche era um sujeito que não tinha muito traquejo no xaveco, que não tinha grande experiência na arte de cortejar uma mulher,
alguém nas antípodas do Don Juan; seus pedidos de casamento dirigidos a Lou são estranhíssimos e hoje nos parecem claramente fadados ao fracasso,
primeiro pois ele é muito afobado e propõe casório poucos dias depois do primeiro encontro, sem propiciar um tempo maior de convívio e
conhecimento mútuo, mas além disso, ao invés de fazer a proposta pessoalmente, pede a Paul Rée que faça por ele, o que é bastante absurdo,
considerando que Rée, também encantando por Lou, era parte interessada e rival direto no posto de possível marido da fascinante russa.

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FAÇA O DOWNLOAD DO FILME (TORRENT + LEGENDAS) (h p://bit.ly/2oa37r9)

Além disso, Nie sche tinha visões bastante estranhas sobre o casamento, talvez tingidas de uma certa misoginia, de uma certa visão patriarcal sobre a
posição da mulher na sociedade: “quer uma companheira que cuide de sua vida doméstica, como a irmã fez por muito tempo, seja sua secretária e talvez
até, diferentemente da irmã, seja uma parceira intelectual de conversa”, escreve o biógrafo Safranski. Além disso, revela que sua vontade de casar-se não
é lá tão intensa e que ele só concordaria com isso caso pudesse, desde o início, colocar um prazo de validade no casamento: só poderia aguentar um
matrimônio de, no máximo, 2 anos. Para minorar ainda mais as chances do casório dar certo, há a diferença de idade: quando se conhecem, Lou é uma
jovem mulher de 20 e poucos anos, Nie sche já passou dos 35 e encontra-se aposentado por invalidez de seu posto como professor na Basiléia.

Não havia modo de Lou Salomé, mulher de espírito independente, defensora convicta de sua autonomia, em ruptura com todos os dogmas a respeito da
posição da mulher na sociedade, que por muito tempo rejeitou o matrimônio tradicional, pudesse sentir-se atraída pelo modelo de esposa doméstica-
secretária que Nie sche trazia em si. Não ia dar liga. Em Biografia de uma Tragédia, Safranski pesquisou a fundo o vínculo Nie sche e Lou e descobriu

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fortes indícios de que aquilo que o filósofo procurava de fato em Lou era uma discípula e herdeira. Em uma carta a Malwida, em 13 de Julho de 1882,
manifesta o desejo de ter nela uma discípula dizendo: ‘se minha vida não for muita longa, minha herdeira e continuadora do meu pensamento’. Em uma
carta endereçada a Lou, em 27 de junho de 1882, Nie sche diz explicitamente: “Desejei muito poder ser seu mestre. Em última instância, para dizer a
verdade toda: agora procuro pessoas que possam ser meus herdeiros; trago comigo algumas coisas que não se podem ler em meus livros – e para isso
procuro a terra mais bela e fecunda.” (Safranski, p. 231)

A imagem de Lou como “terra bela e fecunda” onde Nie sche pudesse depositar suas sementes talvez possa ser lida por um psicanalista como símbolo
de uma libido arrebatada que faz referências cifradas à uma fecundação mais carnal do que intelectual. Mas nada na relação dos dois sugere de modo
explícito que Nie sche desejasse uma mulher com quem ter filhos: para o filósofo, os únicos filhos eram seus pensamentos e livros, e em sua solidão
extremada ele buscava alguém que pudesse dar sequência às suas doutrinas, ser depositária e continuadora de seu legado, tendo encontrado em Lou e
todo seu precoce brilhantismo intelectual a candidata ideal. A esperança que Nie sche nutre não parece ser propriamente erótica, mas envolve a
necessidade Nie sche de, como fará seu herói Zaratustra em um livro que está prestes a começar a ser escrito, compartilhar o mel que a abelha laboriosa
acumulou e que agora está transbordando de seus limites.

Ora, Lou Salomé, mesmo em tão tenra idade, não é uma moça de se contentar em orbitar ao redor dos homens, ela é muito mais um sol que brilha com
luz própria. Prestamos um desserviço à vida e à obra de Lou Salomé quando a descrevemos como uma mulher que se encantou com grandes homens –
Nie sche, Rilke, Freud – e os orbitou, quando na verdade o processo de orbitação, ao menos no caso de Nie sche e Rilke, é muito mais intenso no pólo
dos homens, que chegam a evocar a imagem das mariposas da canção de Adoniran Barbosa, Lou Salomé servindo como a “lâmpida” que os põe
fascinados e girando ao seu redor. Hoje é fácil perceber que Lou, com toda a sua independência de espírito, com todo o ímpeto de livre-pensadora que a
animava, jamais seria apenas uma secretária e uma obediente discípula do professor Nie sche. O que não significa que ela não tenha sim aprendido um
bocado com o filósofo, o que ela revela em minúcias nas quase 300 páginas que lhe dedica na obra de 1984.

Lou Salomé e Nie sche nunca foram propriamente um casal. O retrato minucioso do caráter psicológico de Nie sche que Lou nos forneceu, e que
constitui um dos méritos imorredouros de seu livro, fornece-nos as chaves para compreender o porquê deste fracasso. Havia em Nie sche, diz Lou,
muita solidão e muito sofrimento, uma personalidade arredia ao contato humano, um jeito-de-ser recluso e anti-social. Lou descreve suas primeiras
impressões de Nie sche destacando a estranheza de seu olhar, que parecia voltado para dentro e não para fora, como se observasse seu labirinto interior
muito mais do que os fenômenos sensíveis. “Em alguma profundeza oculta de nossa natureza, escreve Lou, estamos inteiramente distanciados um do
outro. Na sua natureza, como numa velha fortaleza, Nie sche tem muitos calabouços escuros e porões escondidos que não são percebidos num
encontro superficial, mas que podem conter o mais pessoal dele.” (Safranski, 233)

Certamente não são apenas alguns traços de personalidade de Nie sche que geram repulsa em Lou e fazem-na se afastar do filósofo – após as duas
recusas do pedido de casamento, Lou se mudará para Berlim, onde dividirá o lar com Paul Rée, enquanto Fri , re-entregue à solidão, talvez mais cruel
do que nunca pelo sopro cálido de amor possível que vivenciou, embarca na embriaguez lírica que dará à luz a primeira parte de Assim Falou Zaratustra.
Para compreender a ruptura entre Lou e Nie sche, uma peça-chave é a irmã do filósofo, Elizabeth Forster Nie sche, uma notória antisemita, casada
com um sujeito que fundou uma colônia de arianos no Paraguai. Elizabeth sempre esteve em pé de guerra contra Lou Salomé e por décadas moveu uma
campanha de difamação contra ela. Considerava Lou como uma espécie de femme fatale que punha em risco seu pobre irmãozinho Nie sche.

Hoje sabemos que Elizabeth é a responsável principal pela perversão deliberada da obra não publicada do filósofo: tendo seus próprios interesses e
filiações ideológicas em vista, ela editou os escritos nie schianos que este não deu aval para publicação e lançou postumamente o problemático livro
Vontade de Potência, tentando vender a ideia de que Nie sche era um precursor da ideologia nazista. Em 1933, no lançamento dos Arquivos Nie sche,
Elizabeth fez uma premiére que contou com ninguém menos do que o chanceler Adolf Hitler.

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Tudo indica que Elizabeth, apegada à sua beatice e à doutrinas pangermânicas racistas, perverteu a obra do irmão e prestou assim um desserviço à sua
memória, tornando-o na avaliação apressada de alguns uma espécie de precursor do pangermanismo antisemita, racista e genocida, uma visão que foi
adotada inclusive por intelectuais de importância na esquerda marxista (penso no Lukács de O Assalto à Razão). Elizabeth, que por muito tempo
propagou a noção de que Lou Salomé era uma serpente venenosa e fez todos os esforços para convencer o irmão disso, é uma espécie de sabotadora da
relação. Tempos depois, rompendo relações com a irmã e com a mãe, Nie sche dirá: “Confesso que minha objeção mais profunda ao Eterno Retorno,
meu pensamento propriamente abismal, é sempre minha mãe e minha irmã.” (Astor, p. 88) Ele não suportaria viver infinitas vezes o suplício das
relações familiares tal qual conheceu.

O melhor antídoto contra esta visão deturpada do filósofo é o estudo de suas posturas e convicções: Nie sche estava muito longe de ser um patriota, um
nacionalista, não tem nenhum apego sentimental pela Alemanha, jamais subscreveria a qualquer Deustchland Uber Allez, aliás viveu uma existência
nômade, peregrina, vivendo na Suíça, na França, na Itália, em um espírito de cosmopolitismo que evoca o exemplo de Diógenes de Sínope, o inventor do
conceito e do modo-de-vida cosmopolita. Além disso, Nie sche abominava o antisemitismo, como atestado por inúmeros escritos e cartas, e talvez
esteja aí uma das razões para sua ruptura com Wagner. Em seu magistral estudo O Bufão dos Deuses, a professora Maria Cristina Franco Ferraz produziu
uma obra perfeita para esclarecer a situação de Nie sche em sua época e desfazer todos os maus-entendidos, iluminando também a relação do filósofo
com Lou e Rée.

A ruptura de Lou com Nie sche, causada também pela impossibilidade de uma convivência civilizada entre Lou e Elizabeth, será uma profunda ferida
para o filósofo. Ele havia alimentado sublimes esperanças de que tinha encontrado enfim a discípula perfeita. Sua amarga decepção e seu sentimento de
abandono, quando Lou seguir seu caminho sem ele, lançarão o filósofo em um estado de espírito lastimável, doloroso, atormentado. Diz Safranski:

Safranski

“Ele lhe revelou sua existência espiritual como a ninguém antes disso. Sentia que havia entre eles um entendimento profundo e único. Ela tocara o
centro de seus talentos e intenções. Ele se sentia quase inteiramente compreendido por ela: ‘Algumas grandes perspectivas do horizonte espiritual e ético são
minha mais poderosa fonte de vida, e sinto-me tão contente porque exatamente nesse chão nossa amizade tem suas raízes e esperanças’ (18 de Junho de 1882).

(…) Que ela o tenha compreendido tão bem e depois prosseguisse seu caminho com sua incontrolável curiosidade pelas pessoas, em vez de permanecer
sob o fascínio dele, que o tivesse largado de novo, como a um mero estágio de sua formação, deixando-o para trás – isso é uma ideia insuportável para
Nie sche. Ele não mostrou a soberana serenidade de um Zaratustra, que estimulava seus discípulos que o deixassem depois de o terem encontrado.
Exatamente isso, que Lou se libertasse dele seguindo seus caminhos, foi o que o feriu profundamente. Sentiu-se usado, desperdiçado. Uma discípula lhe
dá a entender que o compreende, e depois vai procurar outros mestres. Nie sche sofreu isso como uma ofensa inaudita. Agora, no inverno de 82/83, ele
se sente lançado de volta a si mesmo como nunca antes. Em dezembro de 82, escreve a Overbeck: Agora estou inteiramente só diante da minha tarefa. Preciso
de um baluarte contra o mais insuportável de tudo.” (SAFRANSKI, p. 235)

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Neste contexto emocional, Nie sche inicia a escritura de Assim Falou Zaratustra, uma das obras-primas da filosofia e da literatura nos últimos séculos,
um livro que nasce sob o impacto do contato e da ruptura com Lou Salomé. Em Zaratustra, Nie sche projeta muitas de suas próprias lutas e angústias,
sua busca por ser compreendido, sua peregrinação em busca de espíritos livres que possam compreendê-lo. As noções de “fidelidade à terra”, de
“sagrado sim” à vida, eram temas constantes de conversa com Lou Salomé e não é absurdo supor que ela seja uma das musas inspiradoras da noção de
Übermensch. Em uma de suas cartas ao pastor Gillot, Lou diz:

“Não posso viver obedecendo a modelos, nem jamais poderia representar, para quem quer que seja, um modelo. Mas é inteiramente certo que
construirei minha vida segundo aquilo que sou, aconteça o que acontecer. Fazendo isso, não defendo nenhum princípio, mas sim alguma coisa bem
mais maravilhosa, alguma coisa que está em nós, que arde no fogo da vida, que exulta e quer brotar… Quero permanecer sempre em estado de
transição.” (Astor, p. 63)

Lou Salomé permanece uma peça-chave para a compreensão do quebra-cabeça nie schiano. É a responsável por um dos livros mais brilhantes sobre o
filósofo, Nie sche Através De Suas Obras, publicado ao fim do século 19, em 1894, quando Nie sche ainda vivia, embora em estado de semi-paralisia
cerebral e já tendo encerrado sua vida criativa. Muitos dos trechos da obra foram lidos por Lou para Nie sche e aprovados pelo próprio. Trata-se de
uma obra tremendamente reveladora, que honra toda a complexidade do pensamento do filósofo, além de oferecer uma pintura psicológica complexa e
nuançada de sua personalidade, de seu caráter, de seu jeito-de-ser. Lou lança uma luz sobre

“o sentido profundo de sua obra, de seus sofrimentos e de sua autobeatificação. Toda sua evolução resulta, em certa medida, do fato de muito cedo ele
ter perdido a fé; ela tem sua origem na emoção causada pela morte de Deus, emoção inaudita cujos últimos rugidos repercutem pela última obra, a que
Nie sche redigiu no limiar da loucura, a 4a parte do Zaratustra. A possibilidade de encontrar um sucedâneo para o deus morto através das formas mais
diversas da divinização de si: esta é a história de seu espírito, de sua obra, de sua doença. É a história da sequela do instinto religioso no pensador,
instinto que continua muito poderoso, mesmo depois da queda do deus ao qual ele se dirigia.” (LOU SALOMÉ, apud Astor, p. 93)

O problema crucial da vida e da obra de Nie sche, sustenta Salomé, é a superação da crença em Deus e do universo de valores conectado à fé. A morte
de Deus, vivida como aventura existencial demandando muito heroísmo da parte do espírito livre transvalorador, envolve épicas batalhas contra o
niilismo, o desânimo, a apatia, mas envolve também o perigo no qual Nie sche soçobrou: o da auto-beatificação. Após o colapso da instância de valor
transcendente, aquele que não quer soçobrar no niilismo precisa encontrar novos valores. Nie sche mostra o quanto a maturação intelectual e a
aventura da filosofia dependem da emancipação humana em relação às quimeras religiosas, mas seu destino também nos alerta sobre os perigos do
individualismo excessivo, da postura aristocrática, do pathos da distância que pode atingir extremos deveras patológicos.

Para Lou Salomé, Nie sche – e posteriormente Rilke – permanecerão como existências humanas singulares, irrepetíveis, que mostram a capacidade rara
de utilizar todo o sofrimento da vida como combustível para o ímpeto criador. Em outro poema de Lou que Nie sche adorava, “À Dor”, ela faz um
hino ao espírito capaz de não naufragar com suas dores: “o combate engrandece os maiores” e o “sofrimento é o alicerce para a grandeza de espírito”
(Astor, p. 95). Aí está a raiz da profunda empatia e amor que Nie sche pôde sentir por Lou Salomé: ela expressava algo que sua obra também visa
expressar, ou seja, que o sofrimento não é um argumento contra a vida, que deve ser acolhido também através daquele sagrado sim, fundamento da
visão trágico-dionisíaca de mundo. Trata-se de um esforço heróico para amar a vida com tudo o que ela inclui de doloroso, de problemático, de
insolúvel, de contraditório. Após a morte de Deus, sabedoria é aprender a amar a vida como ela é, sem exclusão de seus aspectos aflitivos e intragáveis.

“Esta paixão pelo sim é sem dúvida o ponto comum mais marcante entre Lou e Nie sche, que será fundamental o suficiente para perdurar para além da
incompreensão e da decepção. É a constância dessa afinidade que permite a Nie sche, em Ecce Homo, celebrar a grandeza de sua antiga amiga; é ela
também que permite a Lou, 10 anos após a ruptura entre eles, escrever o primeiro estudo sistemático sobre a filosofia nie schiana… Esses dois
indivíduos sempre atribuíram mais importância à vida em sua totalidade do que às pessoas em particular… cada indivíduo nunca passa de uma
‘parcela de destino’, e é por isso que os fracassos pessoais sempre são considerados, no fim das contas, num gesto mais amplo de gratidão para com a
vida como um todo.” (Astor, p. 97)

A gratidão pela vida necessariamente inclui não só a aceitação resignada do sofrimento, mas uma espécie de acolhimento entusiástico, que não se
confunde com o masoquismo, mas é sabedoria trágica que reconhece que a dor não é um argumento contra a existência, muito pelo contrário: na dor
podemos amadurecer e nos fortalecer, na dor podemos criar e transvalorar. Em suma: a dor vale a pena ser vivida pois “engrandece os maiores” e é “o
alicerce da grandeza de espírito”, como Lou Salomé expressa muito bem em seu poema:

À Dor

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
Quem pode fugir-te, quando o agarraste,
Se pousas sobre ele teu sombrio olhar?
Não fugirei se me pegares,
– Nunca acreditarei que apenas destruas.

Eu sei, deves atravessar cada vida


E nada permanece intocado por ti sobre a terra,
A vida sem ti – seria bela!
E no entanto – vales ser vivido.

Certo, não és um fantasma da noite,


Vens lembrar ao espírito a sua força,
É o combate que engrandece os maiores.
– O combate pelo objetivo, por impraticáveis caminhos.

E se só podes me dar em troca da felicidade e do prazer


Uma única coisa, ó Dor: a verdadeira grandeza,
Então vem, e lutemos, peito contra peito,
Então vem, haja morte ou vida.
Então mergulha no fundo do coração,
E vasculha no mais íntimo da vida,
Leva o sonho da ilusão e da liberdade,
Leva o que não vale um esforço infinito.

Não continuas a última vitória do homem,


Mesmo que ele ofereça seu peito desnudo a teus golpes,
Mesmo que ele se desfaça na morte
– És o alicerce para a grandeza de espírito.

Lou Salomé
“Combate por Deus” (1885)
Via Claudio Ulpiano (h ps://acervoclaudioulpiano.com/2017/09/11/a-dor-poema-de-lou-andreas-salome/)

Em carta a seu amigo Peter Gast, Nie sche dirá: “O poema ‘À Dor’ não é meu. Ele faz parte das coisas que têm um poder absoluto sobre mim; nunca
consegui lê-lo sem derramar algumas lágrimas: ele ecoa como uma voz que nunca deixei de aguardar desde minha infância.” Os ecos deste poema
aparecem em frases célebres de Nie sche e de seu Zaratustra, como “o que não me mata me fortalece” e nas celebrações que faz do artista que sofre em
suas dores de parto e que, de seu caos interior, dá à luz uma estrela bailarina.

Em Lou Salomé expressa-se uma sabedoria que comoveu profundamente a Nie sche, que pôde encontrar inúmeras afinidades entre sua própria visão
de mundo, sua afirmação da existência através do amor fati dionisíaco do espírito libertado, como fica claro no seguinte trecho que Lou escreve em
Nie sche Através de Suas Obras (1894):

“Apanhados de maneira inextricável na rede da vida, acorrentados sem esperança a seu círculo fatal, precisamos aprender a dizer ‘sim’ a todas as formas
que assume, para podermos suportá-la: somente a alegria e o vigor com os quais proclamamos esse sim nos reconciliam com a vida, porque nos
identificam com ela. Sentimo-nos, então, um elemento criador de seu ser; melhor: tornamo-nos seu próprio ser, com toda sua superabundância de
plenitude e forças. O amor sem restrições pela vida, essa é a lei moral única e sagrada do novo legislador.” (LOU SALOMÉ, apud Astor, p. 183)

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SOBRE O AUTOR – Eduardo Carli de Moraes (h ps://www.facebook.com/eduardo.carlidemoraes) atua como professor de filosofia do Instituto Federal
de Goiás (IFG); tem mestrado em Ética e Filosofia Política pela UFG – Universidade Federal de Goiás, além graduações em filosofia pela USP –
Universidade de São Paulo e comunicação social pela UNESP – Universidade Estadual Paulista. Este texto serviu de base para comunicação que
apresentada no II Colóquio Internacional Nie sche no Cerrado (h ps://www.facebook.com/events/1884101071837657/?
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ocorrido na UFG , entre 04 e 06 de Setembro de 2017 (programação abaixo).

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDREAS-SALOMÉ, Lou. Nie sche À Travers Ses Ouevres. Paris: Grasset, 1992.
———————————-. Minha Vida. São Paulo: Brasiliense, 1985.

ASTOR, Dorian. Lou Andreas-Salomé. Porto Alegre: L&PM, 2015.

FERRAZ, Maria Cristina Franco. O Bufão dos Deuses. Relume Dumará.

FEUERBACH, Ludwig. Preleções sobre a essência da religião. Campinas, SP: Papirus, 1989.

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
MINOIS, George. A História do Ateísmo. São Paulo, Unesp, 2014.

NIETZSCHE. Humano Demasiado Humano. Companhia das Letras de Bolso, 2005.


————————. Aurora.
————————. Assim Falava Zaratustra.
————————. O Nascimento da Tragédia.
————————. Ecce Homo.
———————–. A Gaia Ciência.
———————–. O Viajante e sua Sombra.

OLIVEIRA, Marcos Silva. Autópsia do Sagrado. Salto, SP: Schoba, 2012.

PETERS, H. F., Lou – Minha Irmã, Minha Esposa. RJ: Zahar, 1974.

SAFRANSKI, Rüdiger. Nie sche – Biografia de uma Tragédia. Trad. Lya Luft. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

REFERÊNCIAS FÍLMICAS

Além do Bem e do Mal, de Liliana Cavani (1977)


Quando Nie sche Chorou, da obra de Yalom
Human, All Too Human: Nie sche, Sartre, Heidegger, uma minisérie da BBC

DO MESMO AUTOR, LEIA TAMBÉM

Os relâmpagos da fatalidade: reflexões sobre o trágico a partir de Nie sche e Shakespeare


(h ps://www.academia.edu/9599334/Os_rel%C3%A2mpagos_da_fatalidade_reflex%C3%B5es_sobre_o_tr%C3%A1gico_a_partir_de_Nie sche_e_Sha
Inquietude/UFG)
Tese de mestrado em filosofia/UFG: ALÉM DA METAFÍSICA E DO NIILISMO: A cosmovisão trágica de Nie sche
(h ps://www.academia.edu/11379487/TESE_DE_MESTRADO_-
_AL%C3%89M_DA_METAF%C3%8DSICA_E_DO_NIILISMO_A_cosmovis%C3%A3o_tr%C3%A1gica_de_Nie sche)
Dancing Near the Abyss – Nie sche’s dangerous life as portrayed by Stefan Zweig (h ps://www.academia.edu/5956858/Dancing_Near_the_Abyss_-
_Nie sches_dangerous_life_as_portrayed_by_Stefan_Zweig)

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31/08/2017 por WWW.ACASADEVIDRO.COM

Rainer Maria Rilke – Primeira Elegia de Duíno

PRIMEIRA ELEGIA DE DUÍNO

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. Pois o que é o Belo
senão o grau do Terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destruir-nos? Todo Anjo é terrível.
E eu contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, que nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe,
a árvore de alguma colina, que podemos rever
cada dia; resta-nos a rua de ontem
e o apego cotidiano de algum hábito
que se afeiçoou a nós e permaneceu.
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços
do mundo desgasta-nos a face – a quem se furtaria ela,
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o
coração solitário? Será mais leve para os que se amam?
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.
Não o sabias? Arroja o vácuo aprisionado em teus braços
para os espaços que respiramos – talvez os pássaros
sentirão o ar mais dilatado, num vôo mais comovido.

Sim, as primaveras precisavam de ti.


Muitas estrelas queriam ser percebidas.
Do passado profundo afluía uma vaga, ou
quando passavas sob uma janela aberta,
uma viola d’amore se abandonava. Tudo isto era missão.
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre
distraído, à espera, como se tudo
anunciasse a amada? (Onde queres abrigá-la,
se grandes e estranhos pensamentos vão e vêm
dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)
Se a nostalgia vier, porém, canta às amantes;
ainda não é bastante imortal sua celebrada ternura.
Tu quase as invejas – essas abandonadas
que te pareceram tão mais ardentes que as
apaziguadas. Retoma indefinidamente o inesgotável
louvor. Lembra-te: o herói permanece, sua queda
mesma foi um pretexto para ser – nascimento supremo.
Mas às amantes, retoma-as a natureza no seio
esgotado, como se as forças lhe faltassem
para realizar duas vezes a mesma obra.
Com que fervor lembraste Gaspara Stampa,
cujo exemplo sublime faça enfim pensar uma jovem
qualquer, abandonada pelo amante: por que não sou
como ela? Frutificarão afinal esses longínquos
sofrimentos? Não é tempo daqueles que amam libertar-se
do objeto amado e superá-lo, frementes?
Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo
mais do que ela mesma. Pois em parte alguma se detêm.

Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas


os santos ouviam, quando o imenso chamado
os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados,
os prodigiosos, e nada percebiam,
tão absortos ouviam. Não que possas suportar
a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,
a incessante mensagem que gera o silêncio.
Ergue-se agora, para que ouças, o rumor
dos jovens mortos. Onde quer que fôsses,
nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz
de seu destino tranquilo? Ou inscrições não se ofereciam,
sublimes? A estela funerária em Santa Maria Formosa…
O que pede essa voz? A ansiada libertação
da aparência de injustiça que às vezes perturba
a agilidade pura de suas almas.

É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,


abandonar os hábitos apenas aprendidos,
às rosas e a outras coisas singularmente promissoras
não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;
o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas,
não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome
como se abandona um brinquedo partido.
Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,
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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,
desligado. E o estar-morto é penoso
e quantas tentativas até encontrar em seu seio
um vestígio de eternidade. – Os vivos cometem
o grande erro de distinguir demasiado
bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem
se caminham entre vivos ou mortos.
Através das duas esferas, todas as idades a corrente
eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.

Os mortos precoces não precisam de nós, eles


que se desabituam do terrestre, docemente,
como de suave seio maternal. Mas nós,
ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes
só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles
poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira
música para lamentar Linos (h ps://mitologiahelenica.wordpress.com/tag/lino/) violentou a rigidez da
matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,
quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu
em vibrações – que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.

Rainer Maria Rilke

P.S. – “Contam que Rilke, depois dos primeiros versos que o vento lhe ditou nas altas penedias de Duíno, viveu doze anos com aquele germe, em
viagens, em mudanças, em desperdícios, em guerras, até o momento de realizar, em quatro dias, como quem morre, as suas elegias perfeitas. Não será
sempre assim? Não será a própria vida uma longa e desarrumada atividade dos bastidores para uma fugaz apoteose?” In: GUSTAVO CORÇÃO, Lições
de Abismo.

Rilke, 1906. Foto: George Bernard Shaw.

SIGA VIAGEM:
Correspondência Rilke e Lou von Salomé – Audiobook

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CORRESPONDENCIA (Entre Rainer María Rilke Y…


Y…

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19/11/2016 por WWW.ACASADEVIDRO.COM

“FILÓSOFAS – A PRESENÇA DAS MULHERES NA FILOSOFIA” – Juliana


Pacheco (Org.) – Ed. Fi, 2016: Baixe o ebook ou compre o livro

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
“FILÓSOFAS – A PRESENÇA DAS MULHERES NA FILOSOFIA” – Juliana Pacheco (Org.) – Ed. Fi, 2016.
Baixe o ebook ou compre impresso em h p://www.editorafi.org/filosofas (h p://l.facebook.com/l.php?
u=h p%3A%2F%2Fwww.editorafi.org%2Ffilosofas&h=iAQFE_iaYAQF85l3EIFcFmeIh0hmbWtI3wrf5r7o8oP7kxg&enc=AZPUoxrpC_Ho2Ee5m6Wu4pnsj
kS3Krgd3UyHESGFL09ANZiu5nMN-ujEvFDuS3z_uDMy6gjzjrt4NO8V96Y1xzQC2u0A3Q-rFxepYjaLrCEPinLziZIYMP&s=1).

Existiram filósofas? Existem filósofas? As mulheres participaram da história da filosofia? Estas são questões que ainda se mostram presentes dentro do
campo filosófico, gerando surpresa e espanto – em certos casos resistência – quando alguma pensadora é mencionada. Portanto, o livro Filósofas: a
presença das mulheres na filosofia busca evidenciar e mostrar a participação das mulheres na filosofia, desde a Idade Antiga até a Idade Contemporânea.
Neste livro estão reunidos diversos textos, cada qual abordando uma respectiva filósofa. As leitoras e os leitores irão encontrar a vida, obra e
pensamento de filósofas como: Hipátia, Aspásia, Safo de Lesbos, Hildegarda de Bingen, Olympe de Gouges, Lou Andreas-Salomé, Rosa Luxemburgo,
Hannah Arendt (h ps://www.facebook.com/Hannah-Arendt-276330175898470/), Simone de Beauvoir
(h ps://www.facebook.com/SimonedeBeauvoirAuthor/), Susan Sontag (h ps://www.facebook.com/justsontag/), Graciela Hierro, Angela Davis
(h ps://www.facebook.com/Angela-Davis-15716024787/), Judith Butler e tantas outras.

ISBN: 978-85-5696-050-4
Nº de pág.: 395

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03/08/2015 por WWW.ACASADEVIDRO.COM

Composições Musicais de Friedrich W. Nietzsche — “Lieder, Piano Works &


Melodrama” (Álbum Completo)

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO

Composições Musicais de Friedrich W. Nie sche


“Lieder, Piano Works & Melodrama” (Álbum Completo)

As seguintes peças foram interpretadas pelo cantor alemão Dietrich Fischer Dieskau — canto (1-6, 8-17), e piano (7, 18) — e pelos pianistas também
alemães Aribert Reimann — piano (1-6, 8-17) — e Elmar Budde — piano (7, 18).

Faixas:

01. “Mein Pla vor der Tür” (Klaus Groth) for voice and piano (0:00 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
02. “Aus der Jugendzeit” (Friedrich Rückert) for voice and piano (1:46 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
03. “Da geht ein Bach” (Klaus Groth) for voice and piano (4:34 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
04. “Das zerbrochene Ringlein” (Joseph von Eichendorff). Melodrama for speaker and piano (6:04 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
05. “Wie sich Rebenranken schwingen” (August Hoffmann von Fallersleben) for voice and piano (9:53 (h ps://www.youtube.com/watch?
v=Kg90nGQAqiI#))
06. “Beschwörung” (Alexander Puschkin / Theodor Opi ) for voice and piano (11:10 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
07. “Nachklang einer Sylvesternacht mit Prozessionslied, Bauerntanz und Glockengeläut” for piano duet (13:58 (h ps://www.youtube.com/watch?
v=Kg90nGQAqiI#))
08. “Nachspiel”(Sándor Petöfi / Karl Maria Hertbeny) for voice and piano (29:05 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
09. “Ständchen” (Sándor Petöfi / Karl Maria Hertbeny) for voice and piano (31:10 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
10. “Unendlich” (Sándor Petöfi / Karl Maria Hertbeny) for voice and piano (33:07 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
11. “Verwelkt” (Sándor Petöfi / Karl Maria Hertbeny) for voice and piano (35:30 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
12. “Ungewi er” (Adalbert von Chamisso) for voice and piano (36:50 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
13. “Gern und gerner” (Adalbert von Chamisso) for voice and piano. First version (38:55 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
14. “Das Kind an die erloschene Kerze” (Adalbert von Chamisso) for voice and piano (40:07 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
15. “Es winkt und neigt sich” (Friedrich Nie sche?) for voice and piano (42:02 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
16. “Junge Fischerin” (Friedrich Nie sche) for voice and piano. Second version (43:47 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
17. “Gebet an das Leben” (Lou Andreas-Salome) for voice and piano (47:07 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))
18. “Manfred-Meditation” for piano duet (49:18 (h ps://www.youtube.com/watch?v=Kg90nGQAqiI#))

*****

(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2012/09/nie sche-e-lou.jpg)

HINO À VIDA (1881)


de Lou Salomé

Tão certo quanto o amigo ama o amigo,


Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
Eu te amo junto com teus pesares,
E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.

Com toda força te abraço!


Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.

Ser! Pensar milênios!


Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Muito bem: dai-me teu tormento.

*****

PRIÈRE À LA VIE
(Trad. Dominique Miermont e Brigi e Verne)

“Certes, comme on aime un ami


Je t’aime, vie énigmatique
Que tu m’aies fait exulter ou pleurer,
Que tu m’aies apporté bonheur ou souffrance.

Je t’aime avec toute ta cruauté,


Et si tu dois m’anéantir,
Je m’arracherai de tes bras
Comme on s’arrache au sein d’un ami.

De toutes mes forces je t’étreins!


Que les flammes me dévorent,
Dans le feu du combat permets-moi
De sonder plus loin ton mystère.

Être, penser durant des millénaires!


Enserre-moi dans tes deus bras:
Si tu n’as plus de bonheur à m’offir
Eh bien – il te reste tes tourments.”

(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2012/09/hymnus-1-bg.jpg)
Este poema “impressionou profundamente” a Nie sche, que compôs uma música para acompanhar o “Hino à Vida” de Lou Salomé: “por sinal, é a
única composição musical que ele decide imprimir e publicar”, como aponta Maria Cristina Franco Ferraz em seu excelente “O Bufão dos Deuses”
[h p://bit.ly/TipJC2 (h p://www.facebook.com/l.php?u=h p%3A%2F%2Fbit.ly%2FTipJC2&h=rAQFk3Sil&s=1)]. Ouça abaixo:

*****
Friedrich Nie sche – “Hino à Vida”
[“Hymnus an das Leben”]

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
Partitura da música completa: h p://bit.ly/Ra8SR0 (h p://bit.ly/Ra8SR0)
Assista/escute com orquestra: h p://youtu.be/FIOIUlDB5yU (h p://youtu.be/FIOIUlDB5yU)

Friedrich Nietzsche - Hymnus an das Leben

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Piano Works & Melodrama" (Álbum Completo)
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03/08/2015 por WWW.ACASADEVIDRO.COM

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO – “Além da Metafísica e do Niilismo: a


Cosmovisão Trágica de Nietzsche” [Eduardo Carli de Moraes, UFG, 2013]

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO

Além da Metafísica e do Niilismo:


a Cosmovisão Trágica de Friedrich Nietzsche (1844-1900)

CLICK PARA ACESSAR A DISSERTAÇÃO NA ÍNTEGRA OU BAIXAR O EBOOK EM PDF


(h ps://www.academia.edu/11379487/TESE_DE_MESTRADO_-
_AL%C3%89M_DA_METAF%C3%8DSICA_E_DO_NIILISMO_A_cosmovis%C3%A3o_tr%C3%A1gica_de_Nie sche)

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PREFÁCIO DO AUTOR

Nie sche: eis um pensador que – nas palavras de um de seus comentadores, Gianni Va imo – “é decisivo para o nosso presente e ainda repleto de
futuro.”

Uma das frases mais célebres de Nie sche está em Ecce Homo: “Eu não sou um homem, eu sou dinamite” [1]. Já o sub-título de Crepúsculo dos Ídolos traz
outra imagem de impacto: “Como filosofar com o martelo”. Estes dois retratos que Nie sche pinta de si mesmo mostram que o filósofo sabe do potencial
explosivo de suas críticas e demolições. Mas não nos esqueçamos que a dinamite não serve apenas para destruir e arruinar, mas também para abrir
terreno para novas construções [2]. E também que um martelo, nas mãos de um escultor, serve para transformar um bloco de pedra em uma obra-de-arte, e
que um médico, por sua vez, utiliza o martelo como instrumento para um diagnóstico clínico.

Na minha investigação, procurei compreender a filosofia nie schiana como um empreendimento em que as facetas crítica e a criativa são indissociáveis,
em que o destruidor e o criador estão reunidos. Uma máxima de A Gaia Ciência expressa isso muito bem: “Somente enquanto criadores temos o direito
de destruir!” [3] Não considero, portanto, que o pensamento de Nie sche seja motivado por um ímpeto apenas iconoclasta, polêmico e aniquilador. Mas
sim que procura contribuir para libertar-nos do jugo de morais autoritárias, valores anti-naturais, superstições daninhas, dogmas inquestionados etc. A
sabedoria nie schiana nos convida à afirmação e à celebração da existência, em prol do desabrochar de potencialidades ainda não efetivadas, em favor de
uma vitalidade ascendente e transbordante.

https://acasadevidro.com/tag/lou-andreas-salome/ 27/34
20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
Neste trabalho, procurei mostrar que Nie sche realiza não apenas uma crítica devastadora dos sistemas filosóficos metafísicos, das religiões instituídas
e dos valores morais sacrossantos. Mas que há também um esforço, por parte do filósofo, em compartilhar uma sabedoria cujas características procurei
explorar e que inclui uma revalorização do corpo, da sensorialidade, do devir, da multiplicidade, da alteridade, da pluralidade de perspectivas etc.

Apesar de muitas vezes referir-se a si mesmo como


um “imoralista”, isto não significa, como procurei
argumentar, que Nie sche faça apologia de um vale-
tudo moral, onde é abolida toda e qualquer
responsabilidade e dever. Seria simplista e
falsificador atribuir a Nie sche a célebre idéia do
personagem de Dostoiévski, Ivan Karamázov, que
sustenta que “Se Deus não existisse, tudo seria
permitido”. Procurei mostrar que a morte de Deus, em
Nie sche, é vista como acontecimento
potencialmente libertador, como ocasião para a
emergência de novos valores e estilos-de-vida.

“As consequências mais próximas [da morte de Deus], suas


consequências para nós, não são, ao inverso do que talvez
(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2013/11/karamazov.jpg)
se poderia esperar, nada tristes e ensombrecedoras, mas
“Se Deus não existisse, tudo seria permitido.” – Ivan Karamázov, personagem de Dostoiévski (1821-1881)
antes são como uma nova espécie, difícil de descrever, de
luz, felicidade, facilidade, serenidade, encorajamento,
aurora… De fato, nós filósofos e ‘espíritos livres’ sentimo-nos, à notícia de que ‘o velho Deus está morto’, como que iluminados pelos raios de uma nova aurora;
nosso coração transborda de gratidão, assombro, pressentimento, expectativa – eis que enfim o horizonte nos aparece livre outra vez, posto mesmo que não esteja
claro, enfim podemos lançar outra vez ao largo nossos navios, navegar a todo perigo, toda ousadia do conhecedor é outra vez permitida, o mar, o nosso mar, está
outra vez aberto, talvez nunca dantes houve tanto ‘mar aberto’…” (A Gaia Ciência, 343)

Procurei destacar a ruptura que Nie sche realiza com uma das correntes hegemônicas da filosofia ocidental, o platonismo, em especial a cisão do real
em dois “mundos” (o Sensível e o Inteligível), o que Nie sche considera uma “fábula”. A ideia de um mundo metafísico, sobrenatural, suposta morada
do absoluto e do imutável, seria, segundo o pensamento nie schiano, um dos mais duradouros equívocos da história da filosofia. Procurei argumentar
que, em Nie sche, todos os conceitos abstratos da razão, forjados a partir da experiência empírica, permanecem tendo uma existência derivada, como
produção de cérebros humanos necessariamente vinculados a corpos animados pela vontade. Procuramos elucidar, portanto, o quanto a filosofia de
Nie sche procura refletir sobre a base fisiológica e psico-somática de onde emergem os conceitos abstratos, os valores morais, as doutrinas religiosas etc.
Trata-se, como indica Patrick Wotling, de “denunciar as interpretações falíveis que desde Platão triunfam na tradição filosófica, interpretações idealistas,
que esquecem seu estatuto e sua fonte produtora, o corpo.” [4]

Procurei elucidar que Nie sche se mostra contrário a todas as moralidades baseadas no ideal ascético, ou seja, que negam valor ao corpo, ao desejo, às
paixões, ao tempo, à esfera dita “mundana”. A ascese, isto é, o esforço auto-mortificante de purificação, baseia-se em geral na crença em uma alma imortal,
que supõe-se destinada a um destino glorioso no além-túmulo. Nie sche diagnostica neste ideal ascético uma hostilidade contra a vida, uma “calúnia”
contra a realidade terrena, um anátema lançado contra o corpo e seus instintos, uma incapacidade de afirmação da existência em sua real finitude e em
seus incontornáveis tormentos. Como diz Oswaldo Giacóia, o ideal ascético, como se manifesta por exemplo no platonismo e no cristianismo, “leva a
efeito um movimento de completa desvalorização da imanência em proveito da transcendência. (…) Representa, assim, a desvalorização absoluta do
‘mundo’ e da ‘vida’ em proveito de uma vida imaginária, de um ‘além-do-mundo’.”[5]

O esforço de crítica da moral que Nie sche empreende, portanto, tem como intenção possibilitar uma libertação das energias vitais que foram
sufocadas, reprimidas e culpabilizadas por doutrinas morais ascéticas que oprimem os corpos, condenam os prazeres e pregam a hipertrofia de uma
razão tirânica contra as paixões. Como diz Tongeren, “mediante uma crítica à moral, Nie sche pretende abandonar intencionalmente o caminho
aplainado e descobrir a abertura para aquilo que é possível para além desse horizonte, a abertura para ‘muitas auroras que ainda não brilharam’.” [6]

****

(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2013/11/nie sche-2.jpg)
Em meu trabalho destaco também que Nie sche confere muita importância ao senso histórico, isto é, a um pensamento filosófico sempre atento ao
ininterrupto fluir do tempo. Nie sche forjou seu método genealógico no intento de compreender como vieram-a-ser as instituições, legislações, valores
morais, costumes e crenças com que hoje nos deparamos. Compreender a origem histórica dos valores morais e relacionar seu surgimento a conflitos
sociais de classe e jogos de dominação equivale a mostrar quão infundada e ilegítima é a pretensão das morais e das religiões de possuírem uma
verdade eterna de fonte divina. Em Humano, Demasiado Humano, por exemplo, Nie sche critica um defeito de muitos filósofos, que:

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO
“Involuntariamente imaginam o homem como uma verdade eterna, como uma constante em todo o redemoinho, uma medida segura das coisas. Muitos chegam a
tomar a configuração mais recente do homem, tal como surgiu sob a pressão de certas religiões e de certos eventos políticos, como a forma fixa de que se deve partir.
Não querem aprender que o homem veio a ser, e que mesmo a faculdade de cognição veio a ser… Tudo veio a ser, não existem fatos eternos, assim como não existem
verdades absolutas. – Portanto, o filosofar histórico é doravante necessário, e com ele a virtude da modéstia.” [7]

Quis mostrar que a filosofia de Nie sche combate, portanto,


a idéia de que existem valores morais, sistemas filosóficos
ou doutrinas religiosas de validade eterna, verdade absoluta
ou universalidade legítima. A própria Humanidade é
concebida como um fenômeno histórico, re-inserida na
Natureza que lhe deu origem, de modo que Nie sche
rompe também com a noção criacionista de uma origem
sobrenatural para o homem. Por estar “embarcado” na
correnteza da história, e por ser uma espécie animal dentre
milhões de outras que co-existem no seio da Natureza em
fluxo, o homem é inescapavelmente um ser mutante, que
integra um cosmos eternamente movediço. Quer aceite este
seu destino, quer lute contra ele, cada um de nós, para usar
a expressão da canção de Raul Seixas, é uma “metamorfose (h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2013/11/heraclito.jpg)
ambulante”. Procuro compreender o pensamento de “Tudo flui. Não se entra duas vezes no mesmo rio.” – Heráclito de Éfeso (535 a.C. – 475 a.C.)
Nie sche, portanto, como fiel ao preceito do filósofo grego
Heráclito, que sustentava que “tudo flui” e que “é
impossível entrar duas vezes no mesmo rio”.

Considero ainda que Nie sche jamais sugeriu “fazer tábula rasa do passado”, nunca elogiou o esquecimento da História ou o aniquilamento de seus
legados, mas sim uma relação dinâmica e fecunda com o passado: como escreve Karl Jaspers, “em nenhuma parte Nie sche estima o ato de esquecer o
que foi transmitido pela história e recomeçar a partir do nada… Toda sua obra é penetrada por seu intercâmbio com a grandeza do passado, mesmo
daquele que ele rejeitou.”[8]

Prova desta relação frutífera com o passado é o modo como Nie sche reativa a potência do mundo grego pré-socrático, como por exemplo os ritos
dionisíacos e a obra dos poetas trágicos (em especial Ésquilo e Sófloces). Nie sche formulou assim uma sabedoria, que encarna em seu Zaratustra ou
nos espíritos livres, cujas características procuramos explorar nessa pesquisa: trata-se de um sujeito afirmador de sua vontade e de seu corpo, criativo e
questionador, capaz de superar todo ressentimento através do amor fati, que jamais se acomoda em seu estado atual e procura sempre superar-se, e que
age no mundo mais como sátiro do que como santo, mais como dançarino do que como estátua. Em A Gaia Ciência, por exemplo, Nie sche pinta o
retrato do espírito livre, que seria dotado de “uma alegria e uma força de soberania (…) em que o espírito recusaria toda fé, todo desejo de certeza,
tendo prática em manter-se sobre as cordas leves de todas as possibilidades e até mesmo em dançar à beira do abismo. Esse seria o espírito livre por
excelência.” [9]

Para Nie sche, as convicções e os dogmas são inimigos do filósofo e prejudicam-nos em nossa aventura de conhecimento. Quem quer de fato tornar-se
amigo da sabedoria tem de ousar libertar-se de certezas apaziguadoras, crenças reconfortantes e tomadas-de-partido inquestionadas. Como diz em
Aurora: “A serpente que não pode mudar de pele perece. O mesmo ocorre com os espíritos que se impedem de mudar de opinião; cessam de ser
espíritos.” [10] O filósofo autêntico, de acordo com Nie sche, é uma figura em que se encarna um certo ímpeto heroico de busca pelo saber.
Relembremos as palavras de Aurora:

“Nosso impulso ao conhecimento é demasiado forte para que ainda possamos estimar a felicidade sem conhecimento ou a felicidade de uma forte e firme ilusão. (…)
A inquietude de descobrir e solucionar tornou-se tão atraente e imprescindível para nós (…) que o conhecimento transformou-se em paixão que não vacila ante
nenhum sacrifício e nada teme, no fundo, senão sua própria extinção…” [11]

A filosofia, afinal, não é uma busca interesseira por ideias


apaziguadoras ou convicções agradáveis, nem por um cômodo
repouso no colo de verdades imutáveis, mas um heróico
navegar, em mares perigosos, em busca de um saber sobre o
real que nada garante que terá um sabor doce ou que vá nos
tornar felizes. O filósofo autêntico, para Nie sche, segundo
nossa interpretação, é aquele que ousa ir à conquista de um
saber, ainda que este possa ter um gosto amargo e ainda que
acarrete consequências trágicas; é aquele que, como diz Karl
Jaspers, tem a coragem de entrar no labirinto, como fez Teseu,
mesmo sabendo que terá que defrontar-se com o Senhor
Minotauro. [12]

Consideramos que o efeito do convívio com a obra Nie sche é


(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2013/11/jaspers.png) a de um tônico para a vontade-de-viver. Eis uma filosofia, enfim,
Um clássico comentário do pensamento de Nie sche escrito por Karl Jaspers onde há muita sabedoria a assimilar, em especial por aqueles
que, como diz Giacóia, “não temem fazer dos abismos do
sofrimento uma fonte inestimável de conhecimento.” [13]

Em suma: procuramos mostrar o pensamento de Nie sche como superação tanto da metafísica quanto do niilismo, culminando numa cosmovisão
trágica que, longe de ser pessimista, significa uma celebração dionisíaca da existência como ela é, sem exclusão de seus aspectos mais dolorosos e
problemáticos. Arqui-inimigo da apatia da vontade, do niilismo desalentador, do ascetismo auto-mortificante, Nie sche, através de sua obra, canta um
hino à vida que inclui um louvor à alegria, aquele afeto que, segundo Spinoza, aumenta nossa potência de existir. Como diz Zaratustra: “Desde que
existem homens, o homem se alegrou muito pouco: apenas isso, meus irmãos, é nosso pecado original!” [14] Já em Humano, Demasiado Humano,
Nie sche escreve: “Eis o melhor meio de começar cada dia: perguntar-se ao despertar se nesse dia não podemos dar alegria a pelo menos uma pessoa.
Se isso pudesse valer como substituto do hábito religioso da oração, nossos semelhantes se beneficiariam com tal mudança.” [15]

Para concluir este prelúdio, cito mais uma instigante idéia de Nie sche, que me parece um belo emblema de sua “fidelidade à Terra”, em oposição à
idolatria religiosa de ídolos sobrenaturais ou metafísicos: “Não há no mundo amor e bondade suficientes para que tenhamos direito de dá-los a seres
imaginários.” [16]

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Eduardo Carli de Moraes,
Goiânia – 08/11/2013
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*****

REFERÊNCIAS:

[1] NIETZSCHE, Ecce Homo. Por Que Sou um Destino, §01.

[2] É o que aponta Martha Nussbaum: “Indeed, this was the whole purpose of genealogy as Nie sche, Foucault’s precursor here, introduced it: to
destroy idols once deemed necessary, and to clear the way for new possibilities of creation.” Citada por Brobjer, Nie sche’s Ethics of Character, Pg. 49.

[3] NIETZSCHE. A Gaia Ciência, §58.

[4] Ibid. Pg. 155.

[5] GIACOIA, O. Labirintos da Alma: Nie sche e a Auto-Supressão da Moral. Pg. 13-38.

[6] TONGEREN, P.V. A Moral da Crítica de Nie sche à moral. Pg. 43-44.

[7] NIETZSCHE. Humano, Demasiado Humano. Capítulo 1, §2.

[8] JASPERS. Nie sche: Introduction à sa Philosophie. Pg. 445.

[9] NIETZSCHE. A Gaia Ciência. §347.

[10] NIETZSCHE. Aurora. §573.

[11] Ibid, §429.

[12] JASPERS. Op Cit. Pg. 231.

[13] GIACOIA. O Humano Como Memória e Como Promessa. Pg. 183.

[14] NIETZSCHE. Assim Falou Zaratustra. Op cit. Livro II, Dos Compassivos. Pg. 84.

[15] NIETZSCHE. Humano Demasiado Humano, §589.

[16] Humano, Demasiado Humano, § 129. Citado a partir de Lou Andreas-Salomé, op cit, Pg. 139: “Il n’y a pas assez d’amour et de bonté dans le monde
pour avoir licence d’en rien prodiguer à des êtres imaginaires.”

(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2013/11/banca-2.jpg)
Um souvenir fotográfico da banca – com Adriana Delbó, Maria Cristina Franco Ferraz e Adriano Correia.

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(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2015/07/ata0001.jpg)

P.S. – nos próximos meses, tentarei desmembrar este mestrado em 3 ou 4 artigos, a serem publicados em revistas de filosofia, se possível, ou aqui no
blog mesmo, pra “socializar” a pesquisa e “pôr na roda” o conhecimento. Em breve!

Siga viagem…

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(1844-1900), gilles deleuze, Karl Jaspers, Karl Löwith, lou andreas-salomé, maria cristina franco ferraz, maria rita kehl, metafísica, nie sche,

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Potência, Zaratustra
1 comentário
12/03/2015 por WWW.ACASADEVIDRO.COM

“Além da metafísica e do niilismo: a cosmovisão trágica de Nietzsche”


(Mestrado // Eduardo Carli de Moraes)

(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2015/03/mestrado.png)

Pessoal, disponibilizei na íntegra no portal Academia.edu a dissertação que nasceu como fruto dos meus 2 anos de Mestrado (h p://bit.ly/1wvIY0b), na
faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás – UFG (h ps://www.facebook.com/pages/Universidade-Federal-de-Goi%C3%A1s-
UFG/126019960761593): (voilà!) >>> h p://bit.ly/1wvIY0b (h p://bit.ly/1wvIY0b). Evoé, Friedrich Nie sche
(h ps://www.facebook.com/FriedrichNie scheAuthor)!!! Este mestrado foi defendido em Novembro de 2013 diante da banca ilustre composta por
Adriano Correia (h ps://www.facebook.com/adriano.correia.silva), Adriana Delbó (h ps://www.facebook.com/adriana.delbo.7) e Maria Cristina Franco
Ferraz. Agora, o arquivo está aí, compartilhado e liberado pra ser lido na Internet, baixado de graça e “pirateado” livremente (é filosofia copyleft…);
todo e qualquer feedback será bem-vindo! Eis o link para download em PDF (menos de 2 megabytes)
(h ps://www.academia.edu/a achments/36943344/download_file).

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20/06/2019 lou andreas-salomé | A CASA DE VIDRO

(h ps://acasadevidro.files.wordpress.com/2015/03/photo.jpg)
MORAES, E. C. Além da metafísica e do niilismo: a cosmovisão trágica de Nie sche. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Universidade Federal de Goiás.
2013.

Esta dissertação de mestrado tem por objetivo refletir sobre a filosofia de Friedrich Nie sche (1844-1900), compreendida como tentativa de superação
tanto da metafísica quanto do niilismo. Destaca-se a valorização nie schiana de um pensamento dotado de senso histórico, fiel ao devir ininterrupto do
real, o que implica em uma cosmovisão semelhante à de Heráclito. Defende-se que a posição peculiar de Nie sche na história da filosofia moral consiste
na análise crítica da multiplicidade de diferentes valorações morais, sempre remetidas a suas fontes humanas (demasiado humanas). Através da atenção
às circunstâncias e condições de surgimento, desenvolvimento e ocaso dos diversos ideais, valores morais e doutrinas religiosas, procuramos mostrar
como Nie sche constitui uma filosofia que rompe com a noção de valores divinos e imutáveis, além de des-estabilizar crenças em verdades absolutas.
De modo a ilustrar o método genealógico nie schiano em operação, investigam-se fenômenos como o ressentimento e o ascetismo, re-inseridos no fluxo
histórico e compreendidos a partir de seus pressupostos psicológicos, fisiológicos e sócio-políticos. Com base em ampla pesquisa bibliográfica da obra
de Nie sche e comentadores (como Jaspers, Wotling, Rosset, Giacoiua, Moura, Ferraz, dentre outros), argumenta-se que a filosofia nie schiana realiza
uma ultrapassagem da cisão platônico-cristã entre dois mundos, além de uma superação do dualismo entre corpo e espírito. Procura-se descrever como
a filosofia anti-idealista de Nie sche, avessa ao absolutismo e ao sobrenaturalismo, age como uma “escola da suspeita”, convidando-nos a um filosofar
liberto de subserviência, credulidade e obediência acrítica à tradição. Explora-se também a temática da “morte de Deus” e da derrocada dos valores
judaico-cristãos, além da concomitante escalada do niilismo, no contexto de uma filosofia que busca sugerir e abrir novas vias para a aventura humana
ao mobilizar conceitos como amor fati, além-do-homem e “fidelidade à terra”. Nie sche é compreendido não somente em seu potencial crítico,
demolidor da tradição idealista e metafísica, mas também como criador de uma sabedoria trágica e dionisíaca que se posiciona nas antípodas tanto dos
ideais ascéticos quanto dos ideários niilistas.

PALAVRAS-CHAVE: Friedrich Nie sche, Sabedoria Trágica, Crítica à Metafísica, Niilismo, Ética.

LEIA / BAIXE: h p://bit.ly/1wvIY0b (h p://bit.ly/1wvIY0b)

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