Introdução A Retórica PDF
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À RETÓRICA
NO SÉC. XXI
SAMUEL MATEUS
LABCOM.IFP
Comunicação, Filosofia e Humanidades
Unidade de Investigação
Universidade da Beira Interior
INTRODUÇÃO
À RETÓRICA
NO SÉC. XXI
SAMUEL MATEUS
LABCOM.IFP
Comunicação, Filosofia e Humanidades
Unidade de Investigação
Universidade da Beira Interior
Ficha Técnica Título
Introdução à Retórica no Séc.XXI
Autor
Samuel Mateus
Editora LabCom.IFP
www.labcom-ifp.ubi.pt
Coleção
Livros de Comunicação
Direção
Gisela Gonçalves
Design Gráfico
Cristina Lopes
ISBN
978-989-654-436-2 (papel)
978-989-654-438-6 (pdf)
978-989-654-437-9 (epub)
Depósito Legal
438675/18
Tiragem
Print-on-demand
Covilhã, 2018
Prefácio 11
Introdução 15
O que é a Retórica15
A Definição de Retórica 18
Porquê estudar Retórica? 24
Sobre este Livro 27
Conclusão 241
Bibliografia 247
Prefácio Se é certo que a comunicação se exerce de múltiplas for-
mas e obedecendo a diversas intencionalidades, não é
menos verdade que o acontecimento comunicacional se
inscreve sempre num ato relacional. A comunicação é
um fenómeno essencialmente relacional.
Parece claro, e é isso que a retórica antiga nos ensina, haver um grau de
distinção assaz amplo entre a evidência que acompanha uma «persuasão
didática» e a total ignorância que acompanha a falsidade.
1. Ménon, 97c: “Logo, a opinião reta não é, de modo nenhum, menos útil que o saber.” Lisboa, Colibri,
1992.
Em suma, esta introdução não só propõe ao seu leitor uma síntese histórica
da retórica, mas também uma abordagem clara do sistema e procedimen-
tos argumentativos, além de atualizar o seu campo problemático até aos
desenvolvimentos mais atuais do fenómeno comunicacional ao estudar, no-
meadamente, a «persuasão na tecnologia» e a «retórica digital.»
Tudo isto sem omitir o tratamento de uma nova questão fundamental como
seja a que se levanta perante a possibilidade de uma retórica da imagem,
com os seus prolongamentos, hoje tão omnipresentes, na publicidade.
Estamos, portanto, aqui perante uma obra muito pertinente e útil para qual-
quer estudante das ciências da comunicação, como também para o público
em geral que se possa interessar pelos fenómenos da comunicação, hoje tão
centrais e omnipresentes nas nossas sociedades.
Com efeito, se, como alguns pretendem, a meu ver com razão, vivemos hoje
inseridos na chamada «economia da atenção», podemos compreender que
são só métodos persuasivos o que melhor permite captar, fixar e manter a
atenção das audiências, esse bem tão frágil e valioso.
Samuel Mateus 13
Introdução O QUE É A RETÓRICA
Samuel Mateus 17
dor do mundo das possibilidades humanas (Bitzer 1968), daí a sua ligação
com a Política e a Sociedade.
A Definição de Retórica
Samuel Mateus 19
das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos
espíritos às esses que se apresentam ao seu assentimento”.
Isto significa que o campo da Retórica é, deste modo, muito mais ecléctico.
Não estando circunscrito a uma dissertação verbal (oral ou escrita), nem a
uma razão linguística, os discursos de persuasão envolvem um campo de
possibilidades infinito, desde a imagem publicitária, passando pelo silêncio
até aos usos de procedimentos digitais como estratégia persuasiva. Dado o
enorme campo de aplicação da persuasão, sugerimos que a Retórica é a arte
de persuadir através do discurso, seja ele verbal ou não-verbal, como por
exemplo, o discurso visual. Pode, pois, envolver elementos pictóricos mas
igualmente elementos de ordem computacional ou procedimental (como
veremos).
Assim, podemos definir a Retórica como a arte que se dedica a dirimir dis-
cursivamente uma questão tida por premente, a qual requer uma decisão
através do emprego deliberado de estratégias discursivas persuasivas dirigidas
a um conjunto particular de pessoas, visando transformar uma dada situação
– existente e problemática – por intermédio da adopção de novas formas de
pensamento e acção4.
3. Para efeitos de exposição, considera-se que persuadir comporta o fazer crer, bem como o fazer
compreender. Sem pretendermos envolvermos nesta discussão rejeitamos uma distinção dualista e
filosófica em que persuadir envolve, sobretudo, «levar a crer em alguma coisa» e convencer envolve
«fazer compreender» (Reboul, 1998: XV).
4. Inspiramo-nos em Crick (2011: ix) o qual apresenta uma elucidação que, em moldes gerais, é muito
semelhante a esta.
Samuel Mateus 21
tornar-se militante do seu partido ou a votar nesse político nas próximas
eleições.
Daí que Meyer (1998: 27) tenha proposto considerar a Retórica como a
negociação da distância entre os homens a propósito de uma questão ou
problema. O problema tanto pode uni-los como opô-los. Mas a Retórica pro-
cede sempre a uma mediação comunicativa das alternativas possíveis. Para
um exemplo prosaico, entre dois filmes que estão no cinema, qual deles
escolher?
Samuel Mateus 23
tomada de decisão. A Retórica é, desse modo, o espaço da resposta múltipla
e o lugar por excelência da argumentação. E é precisamente nessa multipli-
cidade que as distâncias entre os homens são geridas.
Não nos esqueçamos de uma importante lição retórica: a distância que se-
para é também a distância que aproxima. Como transformamos o abismo
que nos desagrega numa ponte que nos une, isso cabe a cada um de nós,
enquanto seres de comunicação decidir. E uma das formas pelas quais po-
demos decidir é colocar a arte retórica e a técnica persuasiva ao serviço do
encontro, da partilha, da comunicação.
Samuel Mateus 25
as suas relações sociais tornando-o um orador que se alinha com os outros e
capaz de ir ao encontro das suas pretensões.
Contudo, provavelmente o maior motivo para ler este livro foi-nos dado,
há mais de vinte séculos, por Aristóteles no seu tratado sobre Retórica.
Segundo o filósofo grego e professor de Alexandre, o Grande, os auditórios
podem facilmente perder o ponto essencial das discussões. Mesmo que o
orador possua um tremendo conhecimento e seja o melhor dos especialis-
tas, mesmo assim o auditório poderá não o compreender. Afinal, os debates
deixam sempre espaço para dúvidas. Mesmo perante a mais sólida das
provas, isso poderá não fazer com que o auditório se volte na direcção do
orador. Na realidade, afectar o auditório é para Aristóteles, uma questão,
não de conhecimento ou de verdade, mas de persuasão no discurso. É a
persuasão que faz com que os eleitores votam num candidato (mesmo com
um programa eleitoral pouco claro) ou que os espectadores prefiram um
programa televisivo a outro. É a confiança com que nos persuadem que faz
com que deixemos completos desconhecidos tenham o privilégio de nos to-
Aristóteles intuía que as pessoas diferem nas suas opiniões e que frequen-
temente é difícil de perceber qual é a melhor opinião (por exemplo, deve ou
não construir-se um novo aeroporto?).
A Retórica vem em nosso auxílio. Ela dá-nos um método para ajuizar que
opinião é a mais valiosa, virtuosa e útil. Num mundo onde é frequente
constatarmos a polarização de pontos de vista, em que as múltiplas teses
abundam, e onde a circulação de ideias é tão intensa que nos pode deixar
aturdidos, é imprescindível aprender Retórica. Perante o desacordo, a dis-
córdia e a falta de consenso, ela oferece-nos uma possibilidade de analisar a
melhor escolha prescindido da violência física.
Com efeito, a Retórica pode ser um exercício marcial onde diferentes pers-
petivas se digladiam. Contudo, essa luta é a luta do melhor argumento, do
orador mais eloquente e, em última análise, do discurso mais persuasivo.
Samuel Mateus 27
(Meyer, 1991), da Lógica Informal (Walton, 2008), da Tropologia (Genette,
1968), ou da Teoria da Argumentação (Blair, 2012).
Este livro está, assim, mais próximo da proposta de Breton (1998) que de-
nota um pensamento acerca da argumentação – na linha de Aristóteles e
Perelman – numa perspectiva comunicacional. Trata-se, por isso, de insistir
na argumentação enquanto “raciocínio de comunicação”. Mas, igualmente
próximo do que Grácio (1998: 108) chama de “retoricidade” e dos processos
de “interactividade comunicativa”.
A organização deste livro prevê, assim, duas formas de leitura: uma leitura
rápida e circunstancial, baseada nos quadros de síntese dos capítulos; e uma
leitura exaustiva, atenta e detalhada de cada capítulo, com vista a formar,
com o maior aprofundamento possível, o puzzle da Retórica.
Samuel Mateus 29
Parte I Os Fundamentos da Retórica
Capítulo Um OS ATRIBUTOS FUNDAMENTAIS DA RETÓRICA
A Boa e a Má Retórica
Samuel Mateus 35
Para tal, é imprescindível conhecer aquilo que caracteriza a Retórica.
O Carácter Retórico
Uma vez que a boa e a má Retórica, uma Retórica negra e branca fazem par-
te da nossa realidade, é primordial delinear os seus atributos fundamentais
de forma a encontrarmos, por detrás do conjunto discordante de manifesta-
ções da persuasão, a racionalidade e especificidade que funda a diversidade
da arte Retórica.
Técnica
Aprendizagem
Área Cientifica
Samuel Mateus 37
fenómenos observados são classificados (quando classicamos uma prelec-
ção como sendo baseada no pathos) e organizados (os tropos retóricos são,
neste aspecto, disso exemplificativos). Possui os seus próprios centros de
investigação, publicações científicas e associações destinadas a divulgar os
avanços no seu estudo. A sua natureza eminentemente prática e trivial faz
com que possamos desenvolver uma diversidade de abordagens de acordo
com o objecto retórico tido em consideração (ex. a imagem ou o discurso
politico que fundam respectivamente a Retórica Visual e a Retórica Politica).
Código Moral
Prática Social
Ela é praticada por todos, desde a criança inocente que pretende que o pai
lhe compre um chocolate, até ao mecânico de oficina que pretende con-
vencer o cliente que o atraso na reparação do automóvel é perfeitamente
aceitável. Em todos os domínios da nossa vida, lidamos com a Retórica: seja
na Religião, Economia, Politica ou Lazer, num dado momento seremos con-
frontados com a necessidade de ajuizar, concordar ou discordar daquilo que
é submetido ao nosso assentimento. E nessa altura avaliaremos a força da
Retórica do nosso interlocutor.
Samuel Mateus 39
Pensar a Retórica como prática social equivale a salientar como os exercí-
cios de influência e persuasão são inerentes à actividade humana. Dado que
temos permanentemente de decidir (a que vendedor compro x produto, que
autor ler, como impressionar no superior hierárquico, etc), a Retórica nunca
anda muito longe da maneira como pensamos e compreendemos o mundo.
É ela que nos orienta nas decisões permitindo-nos confirmar a existência de
argumentos válidos ou factos relevantes.
Planeamento
Persuasão
Samuel Mateus 41
Em primeiro lugar, a Retórica persuade recorrendo ao argumento, isto é, um
raciocínio que visa provar uma conclusão a partir da apresentação de propo-
sições. Dito de outra maneira, um argumento é uma declaração para a qual
são avançadas justificações de um carácter não necessariamente lógico
(lógica informal) que possam ser consideradas como plausíveis ou razoá-
veis. Trata-se de um razoamento que pretende provar uma tese através do
desenvolvimento sustentado, implícito e inferencial, de ideias. Assim, um
argumento sólido aquele considerado válido pelo facto das premissas que
sustentam a conclusão serem avaliadas como verosímeis (Tindale, 2004).
O orador baseia o seu discurso naquilo que o auditório espera dele. Deve
respeitar, por isso, os valores, crenças, costumes culturais, experiências, es-
tatuto social ou aspirações do auditório. Na verdade, a aquiescência às suas
Samuel Mateus 43
teses depende do grau de cuidado manifestado por essas particularidades.
Os argumentos são, então, adaptados, não ao orador e aos seus interes-
ses, mas ao auditório e as suas ambições. Será o auditório, como explicam
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) que avaliarão a qualidade da argumen-
tação e comportamento do orador e que, por isso, determinarão a maior ou
menor eficácia persuasiva do orador.
Bitzer (1968) refere que uma situação retórica surge sempre perante uma
exigência (um problema, uma decisão, uma interrogação) a qual implica al-
guns constrangimentos (nos exemplos referidos: existem constrangimentos
financeiros que limitem a adopção de estilos de vida saudáveis; e, a interven-
ção da Troika gerará a diminuição dos rendimentos das famílias). Cabe ao
orador incitar à tomada de acção ou à alteração da forma de pensar sobre
um assunto minorando os constrangimentos existentes e potenciando res-
postas que vão de encontro às necessidades do seu auditório.
Além disso, ao advogar uma intervenção real seja na forma de pensar, seja
no modo de agir do interlocutor (de acordo com o exemplo anterior, conven-
cendo o auditório dos benefícios da alimentação saudável levando-o a fazer
desporto), um discurso retórico é sempre um discurso aberto e envolvente.
Ele convida outras elocuções, outras intervenções, outras possibilidades de
argumentação.
Concluindo
Samuel Mateus 45
Elementos Gerais Característicos:
Quadro Síntese:
Técnico Planeamento
Ensinável Persuasão
Social
Dialéctica
Zenão, o Estóico, foi repetidamente citado nos tratados antigos por conceber
metaforicamente a Retórica como a palma da mão e a Dialéctica como um
punho fechado (Cicero, De finibus, 2.17) pretendendo sublinhar o quanto os
retores empregavam um estilo expansivo, aberto e inflamado ao contrário
do carácter mais rigoroso, comedido e filosófico da Dialéctica. É possível
que Aristóteles, ao colocar a Retórica como a outra face da Dialéctica, esti-
vesse a insistir nesta analogia: a Dialéctica está para o ataque e defesa de
uma razão ou argumento, em ambientes académicos ou privados, como a
Retórica está para a prática pública de defesa e acusação de um adversá-
rio. Cícero, o mais famoso dos grandes oradores romanos, observava, por
exemplo, que a Dialéctica engloba toda a ciência de discernir a essência de
um assunto e de julgar as qualidades desse assunto através do argumento
racional e da disputa verbal1 (Cícero, De finibus, 2.18).
1. « dialecticam [. . .] quae una continet omnem et perspiciendi quid in quaque re sit scientiam et
iudicandi quale quidque sit et ratione ac via disputandi » (Cícero, De finibus, 2.18).
Samuel Mateus 49
Percebe-se, assim, que embora Retórica e Dialéctica sejam gémeas elas to-
mam caminhos diferentes. A Retórica é uma técnica de persuasão entre
orador e auditório e que procura suscitar uma resposta pelo uso de lingua-
gem entusiástica, inflamada ou veemente. Não existe diálogo, mas apenas
uma exposição fundamentada e ininterrupta do orador. Por outras palavras,
a Retórica procura ganhar ao assentimento a um trabalho racional e rigoro-
so de pensamento que a Dialéctica realiza.
Samuel Mateus 51
argumentativo com um interlocutor na procura rigorosa da verossimilhan-
ça, a Retórica expande esse processo dialógico em direcção a um auditório
diverso e múltiplo através de um processo de persuasão que dilata o racio-
cínio dialéctico.
Assim, cada uma tem a sua autonomia e função mas isso não elimina a in-
tersecção de planos entre Retórica e Dialéctica.
Erística
Samuel Mateus 53
o património ou não vender senão aquilo que não for material?”); redução ao
absurdo (é uma refutação indirecta ao criar consequências ou distorções in-
congruentes de conceitos: perante a objecção “todos os meus amigos dizem
que estes ténis são espectaculares” responde-se “se os todos os teus amigos
te disserem para te atirares ao rio, tu atiras-te?”); ou provocar o adversário
encolerizando-o (ao ceder às emoções o raciocínio analítico é prejudicado
fazendo com que isso seja uma desvantagem ).
A Erística na Contemporaneidade
Outro exemplo recorrente na cultura popular dos nossos dias advém dos
chamados reality game shows, concursos de popularidade onde os concor-
rentes são filmados meses a fio durante 24 horas para se chegar ao vencedor.
Neste caso, o vencedor é o concorrente mais popular que conseguiu evitar
a expulsão por partes dos espectadores. Conforme se percebe, este tipo de
programas de realidade avalia, no fundo, o carisma dos participantes. Ora
como é que eles criam e desenvolvem o seu carisma? Precisamente, comuni-
cando mas comunicando de uma forma muito singular: eristicamente.
Samuel Mateus 55
falsas”, etc) mas são decisivas para a continuidade dos concorrentes no reali-
ty game show, e para vencer as altercações verbais entre si.
Expositivo,
Tipo de Processo Dialógico Unilateral
Unidireccional
Provar a
Defender uma Ideia Testar um
Propósito superioridade do seu
ou Argumento Argumento
discurso
Controvérsia:
Método Prelecção Pergunta-Resposta
Discurso Acirrado
Variante:
Samuel Mateus 57
Capítulo Três BREVE HISTÓRIA DA RETÓRICA
Do mesmo modo que o homem grego praticava a luta cultivando o seu vigor
físico, também o cidadão grego cultivava a disputa argumentativa desenvol-
vendo o seu vigor intelectual e retórico. Tendo de mover largas multidões,
o treino retórico tornou-se imprescindível para aqueles que pretendiam as-
cender politicamente e podiam pagar por lições que aperfeiçoassem a sua
oratória, condição indispensável da discussão dos assuntos judiciais e deli-
berativos de Atenas.
Samuel Mateus 61
Os Sofistas eram também pedagogos e gabavam-se orgulhosamente da sua
capacidade em ensinar os jovens a cuidarem dos seus assuntos pessoais in-
cluindo, não apenas a gestão do mundo doméstico, mas também o governo
do mundo público, dos negócios e dos assuntos de Estado. Eles prometiam
um indivíduo empenhado, não apenas enquanto cidadão, mas também en-
quanto orador, capaz de participar activamente na vida política e económica.
Perante estas propostas capazes de oferecer um futuro promissor através
de exercícios de linguagem, os Sofistas rapidamente se colocaram entre os
mais ricos e influentes intelectuais de Atenas.
Contudo, isso não significa que Retórica e Sofística coincidam. Como ve-
remos a propósito da crítica de Isócrates e de Platão, a afirmação social e
filosófica da Retórica decorre justamente da queda da Sofística. A reabilita-
ção da Retórica empreendida por Aristóteles é disso o maior exemplo.
A Emergência da Sofística
Samuel Mateus 63
ma de pleno direito associada ao uso virtuoso da palavra e à procura da
verdade.
O que lhes interessava era usar a palavra como meio. Contudo, privado de
uma referência objectiva, o logos, o discurso e a razão humana não tem outro
critério que não o do seu próprio sucesso. A capacidade de convencer está,
na Sofística, apenas limitada pela aparência logica e um estilo deleitável não
se interessando sobre aquilo que exatamente está a procurar convencer.
Assim, a Sofística não se importaria de fazer convencer que o cão fala por-
que não teria senão objectivo de fazer parecer que o cão fala (por exemplo,
estabelecendo uma analogia entre o ladrar e o falar). A sofística não é, as-
sim, uma ciência mas um método de discurso retórico. A retórica ou arte
oratória está aqui apenas ao serviço do convencimento possível e não de um
convencimento racional ou rigoroso. “Os sofistas são livres-pensadores que
não obedecem a padrões instituídos, mas que aceitam pôr tudo em causa.
São eles que derrubam as vacas sagradas do mito e abrem espaço para o
pensamento filosófico. O que conta agora não é a autoridade do que se en-
contra já estabelecido, uma tradição inquestionada, mas a adesão racional e
livre dos indivíduos” (Fidalgo, S/D).
Samuel Mateus 65
em torno das questões da linguagem, da ordem social e do relativismo, a
Sofística possui uma importância histórica assinalável.
Isócrates acusa os sofistas de prometer coisas que não podem cumprir, no-
meadamente, o ensino da virtude e da justiça. Eles não ensinam as virtudes
que afirmam preocupando-se mais em receber os pagamentos pelas aulas.
Diz Isócrates que a insistência dos sofistas em receberem dinheiro adianta-
do apenas confirma a falta de confiança naquilo que alegadamente ensinam.
Mas a mais contundente crítica é aquela em que Isócrates afirma que os so-
fistas não possuem um profundo conhecimento da arte persuasiva (retórica)
e que por isso mesmo a ensinam de modo deficitário. E conclui sublinhando
como é tão mais fácil instruir um conjunto avulso de leis universais e tru-
ques retóricos do que ensinar a aplicar a verdadeira essência de um bom
discurso: a oportunidade conveniente (kairos), propriedade e originalidade.
Isócrates está assim a trilhar o caminho que Platão1 fará ao associar o estudo
do discurso e da retórica a um potencial de desenvolvimento do indivíduo.
Embora confesse não poder instruir o carácter virtuoso (arête), Isócrates
considera que a função da Retórica é oferecer aos estudantes os fundamen-
tos oratórios e persuasivos que possibilitarão actos virtuosos.
Assim, Platão afirma que a Retórica (dos sofistas) está somente interessada
nas crenças acerca da justiça e não na própria Justiça em si. Reiterando
Isócrates, ele expressa o quanto os sofistas reivindicam ensinar a Justiça,
contudo sem terem conhecimento verdadeiro acerca da Justiça por não de-
dicarem suficiente estudo filosófico e dedicação ao assunto. O problema da
retórica e dos sofistas, de acordo com Platão, é que em vez de se dedicarem à
virtude e à verdadeira sabedoria, eles inventam definições convenientes de
1. Os especialistas concluíram que o diálogo de Platão “Górgias” é posterior ao “Contra os Sofistas” de
Isócrates e que o filósofo escreveria essa obra em resposta a Isócrates (cf. Too, 1995).
Samuel Mateus 67
justiça de acordo com aquilo que lhes for mais conveniente. A Retórica está,
deste modo, ligada à adulação e subserviência.
Como vimos, Platão procede a uma veemente crítica da Retórica. Para ele, a
Retórica é uma mera actividade ou rotina vazia porque gera, não saber, mas
apenas a crença sobre o justo e o injusto.
Porém, ao moralizar a Retórica ele está também a propor, tal como Isócrates,
uma outra definição de Retórica, uma com um carácter mais pedagógico e
educativo: “a arte de guiar a alma por meio de raciocínios, não somente nos
tribunais e nas assembleias populares, mas também nas conversações par-
ticulares” (Fedro. 26 1 a).
Platão apresenta-nos, pois, duas Retóricas: a dos Sofistas, que não é arte
mas falsa adulação. E uma segunda Retórica definida de modo muito seme-
A Reabilitação da Retórica
Nos três Livros que compõem a sua obra Retórica, Aristóteles não distingue
dois tipos de Retórica (a Sofística e a Filosófica) como Platão e por isso não se
refere a ela como sendo boa ou má. Ao afastar-se da perspectiva moralizan-
te que desde Platão vigorava, Aristóteles concebe a Retórica de forma mais
humilde mas simultaneamente mais lúcida: a Retórica enquanto técnica da
persuasão não é, em si mesma, boa ou má. São os usos que se dão à Retórica
que podem ser classificados como benéficos ou prejudiciais. Colocada ao
nível dos assuntos quotidianos, a Retórica é agora uma ferramenta com que
a razão se dota para discursar publicamente. A Retórica é, assim, uma arte
legítima, ainda que os seus usos possam ser desonestos. Esta ideia já ha-
via sido enunciada por Isócrates mas é Aristóteles que a justifica mais em
pormenor.
Com efeito, Aristóteles celebra a Retórica, não pelo seu poder – como a
Sofística – mas pela sua utilidade. É também este aspecto utilitário que a
legitima socialmente.
Samuel Mateus 69
ideia é desenvolvida quando Aristóteles descreve a Retórica em termos de
defesa pessoal: segundo ele, é absurdo que apenas ensinemos às pessoas a
defenderem-se fisicamente (as artes marciais) e não as eduquemos na de-
fesa pessoal das suas ideias e convicções através do discurso e da razão (a
arte retórica).
Com efeito, aquilo que para ele a distingue é uma argumentação austera e
muito coesa que procede por intermédios de silogismos retóricos a que dá
o nome de “entimemas”. O entimema é uma espécie de silogismo caracte-
rizado pelo provável no âmbito das provas retóricas as quais se aplicam a
“questões sobre as quais deliberamos e para as quais não possuímos artes
específicas” (Retórica, I. 1357a). As provas retóricas opõem-se às provas lógi-
cas pois estas regem-se sobre operações inferenciais de carácter necessário
e demonstrativo. O entimema é um silogismo no qual uma das premissas se
encontra omitida. Ele respeita situações práticas de comunicação persuasi-
va tratando de temas “sobre os quais devemos deliberar e sobre os quais não
possuímos técnicas” (Retórica, I. 1357a) ou formas lógicas válidas que guiem
Samuel Mateus 71
Em síntese, entre o poder absoluto reclamado pelos Sofistas e a condena-
ção platónica da Retórica, passando pela configuração moral que Platão lhe
atribui, Aristóteles irá fornecer uma perspectiva acerca da Retórica mais
plausível. Ela não possui a capacidade de inevitavelmente nos convencer que
o céu é verde; mas disso não resulta que ela não possa ser fundamental en-
quanto método de persuasão.
Samuel Mateus 73
como um artificio, floreamento do discurso ou ornamento de estilo que a
escrita literária deveria adquirir com vista a ser bela.
Samuel Mateus 75
Quadrivium como o sistema educativo dominante a partir da Idade Clássica
até à Idade Média e compreendia a Gramática, a Lógica e a Retórica; por
outro lado, a Retórica encontra-se moribunda, reduzida que está ao mero es-
tilo literário e a abordagem tropológica (ex: figuras de linguagem metáfora,
hipálage, anacoluto, etc). Com efeito, obras como Des Tropes ou des diffé-
rents sens (Paris, 1730) do Enciclopedista Chesneau Du Marsais ou Manuel
Classique pour l’étude des tropes (Paris, 1821) de Pierre Fontanier, confir-
mam esta abordagem puramente figural em que a retórica não é tanto a
arte de persuadir quanto a arte da exposição agradável e do deleite estético
(Robrieux, 2005: 26).
Por outro lado, é também evidente que a Retórica foi central no Cristianismo:
São Paulo (5-67 DC) nasceu cidadão romano e as suas Cartas demonstram
uma elevada competência no domínio das técnicas retóricas e argumenta-
tivas. O mesmo sucede com Sto. Agostinho (354-430 DC), por exemplo, no
qual o Pathos aparece com uma força e justificação novas: porque transcen-
de a comunidade humana cristã, ele anula o Ethos do orador. Como explica
Meyer et ali (2002: 76): “o orador cristão desaparece na plena comunhão en-
tre o Logos e o Pathos, com relevo para este último, já que é essa comunhão
que assegura o acesso à Verdade”.
Samuel Mateus 77
O próprio Locke, considerado o pai do Liberalismo e o primeiro dos
Empiristas britânicos, foi professor de Retórica em 1663. Contudo, no Essay
Concerning Human Understanding ele escarnece da Retórica ao valorizar
apenas a experiência sensível. Locke escreve que a Retórica consiste ape-
nas em artifícios verbais: engenhosos e possivelmente agradáveis, mas que
servem sobretudo para insinuar falsas ideias no espírito e despertar insidio-
samente as paixões.
Teve necessariamente de adoptar novas configurações mas isso não fez com
que no séc. XX ela não voltasse em força e se espalhasse um pouco por
todos os programas curriculares desde os de Filosofia, Lógica, Ciências da
Comunicação, Linguística ou Estudos Clássicos.
Além disso, a partir do séc. XX, regista-se uma viragem politica em direc-
ção à República e à Democracia baseada no sufrágio universal que irá ser
fundamental no renascimento da Retórica e no aumento da sua importância
na sociedade. Ao promover o livre exercício da razão e da autodeterminação
política, a Democracia moderna re-estabelece os pilares fundamentais para
que a Retórica floresça novamente. Tal como havia sido determinante na
Democracia Ateniense, a Retórica é agora uma actividade revalorizada por-
que dela depende a capacidade de encontrar consensos, influenciar o voto
nas assembleias ou encontrar a melhor solução para um problema a partir
participação igualitária dos cidadãos.
Assim, e ainda nesse ano, Perelman proporá uma “Nova Retórica”. Isto não
significa cortar com a Retórica Antiga ou que a Nova Retórica consista na
emancipação da Retórica Clássica. A Nova Retórica não rejeita os ensina-
mentos da sua tradição antiga ou clássica: pelo contrário, a Nova Retórica
integra esses conhecimentos mas, sobretudo, alarga, revaloriza e revitali-
za esses conhecimentos a partir de uma perspectiva assente nas Ciências
Sociais e Humanas.
Samuel Mateus 79
rigor das ciências formais nem os recursos experimentais, que ela traba-
lha, portanto, com noções confusas submetidas incessantemente ao jogo
social do debate contraditório” (Meyer, 1984: 2032). A Nova Retórica adopta
uma reflexão não-formalistica e não-logocêntrica, de pendor intersubjectivo
(Perelman e Olbrechts-Tyteca). Ela preocupa-se, em última análise, com o
modo como os indivíduos coordenam o seu pensamento e acção.
Samuel Mateus 81
fornecer o quadro de interacção argumentativa onde os interlocutores esta-
belecem aquilo que é razoável ou crível.
Samuel Mateus 83
renovação da argumentação que, à semelhança da Nova Retórica de Perelman
e Olbrechts-Tyteca, enfatiza um raciocínio justificativo da argumentação.
Samuel Mateus 85
Quadro Sumário da Evolução Histórica da Retórica
Retórica Reabilitação da Retórica
Critérios Nova Retórica
Sofística Retórica Medieval
Método de
O Critério Poética e
Tipo de observação Racionalidade
Retórico é o seu Estilística
Processo dos meios de Argumentativa
próprio sucesso Literária
Persuasão
Forma de
Raciocínio Sofisma Entimema Tropos Retóricos Argumento
Predominante
Exercício 2
A Dinâmica Retórica
Como escreve Lewis Caroll em « Alice no País das Maravilhas », há que co-
meçar pelo início e continuar até chegarmos ao fim. Aí, paramos.
Samuel Mateus 91
de interlocutores (o auditório) através da apresentação e defesa de boas e
consistentes razões para partilharem uma opinião.
··Seleciona uma opinião, de entre as várias que possui, para se dirigir a con-
junto de indivíduos
Tendo em conta que o cliente passa muito tempo online devido à sua vida
profissional como gestor, o vendedor Aristides chega, assim, a uma opinião
de que provavelmente o cliente Anacleto quererá não um simples telemóvel,
mas um smartphone de última geração. Isto é, o vendedor Aristides decide
Aristides: “O telemóvel ideal para o seu caso é, sem dúvida, este smartphone
acabado de sair (salienta a novidade) e a preço especial de lançamento (salien-
ta a urgência de comprar já). É o que todos os gestores compram!” (apelo à
identificação)
Aristides: “Ah, mas o outro modelo não o identifica como legítimo proprie-
tário. Este smartphone vem equipado com ID, uma funcionalidade permite
apenas a si utilizá-lo ao identificar-se através da sua própria impressão digital”
(argumento que enfatiza uma relação individualizada com o smartphone,
concordante com a actividade profissional de Anacleto)
Opinião
Um ponto de vista sobre um determinado tópico (seja um electrodomésti-
co, teoria, ideologia, decisão política ou causa humanitária) que pode ser
transformado em argumento. Nem todas as opiniões são sujeitas a esta
Samuel Mateus 93
reformulação argumentativa. Há opiniões que, naturalmente, reservamos
para nós próprios.
A opinião ou ponto de vista versa um assunto sobre o qual não existe uma
resposta cabal ou evidente. Trata-se de uma opinião situada no domínio do
verosímil e da plausibilidade, e que, por esse mesmo motivo, é objecto de dis-
puta. Como Perelman e Olbrechts- Tyteca comentavam: contra aquilo que é
necessário e evidente não é necessário argumentar. Retomando o exemplo
anterior, se fosse uma certeza que o Anacleto comprasse aquele modelo de
smartphone, Aristides não precisava nem falar, muito menos argumentar
que essa seria a escolha mais razoável para um gestor como Anacleto.
Orador
O orador é aquele que, através da sua subjectividade, procede à adequação
entre a sua opinião e o argumento a defender com vista a persuadir o seu
auditório. A sua principal tarefa é criar uma argumentação válida e submetê-
-la à apreciação dos outros indivíduos. Isto é, a sua função é a de criação e
transmissão de um argumento. O seu objectivo é fazer com que o auditório
adira e partilhe a sua tese através do seu exercício retórico.
Argumento
Os argumentos consistem na apresentação encadeada e rigorosa de ra-
zões destinadas a fazer convencer. Pode ser apresentado por escrito (ex: os
acórdãos dos tribunais) ou oralmente (ex: o discurso de um general às suas
tropas), de forma directa (presencial) ou indirecta (através dos meios de co-
municação de massa). O argumento pode igualmente assumir uma forma
não-verbal como por exemplo sob a forma de uma imagem (ex: um cartoon
satírico) (Mateus, 2016).
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da Retórica Mediatizada. Por motivos de simplificação e apresentação su-
mária, iremos utilizar genericamente a palavra “auditório”, mesmo nos
casos em que rigorosamente, seria mais adequado falar-se em “audiências”.
O auditório poderá ser formado por apenas uma ou por milhares de pessoas.
Cada auditório é considerado de forma particular tendo em conta o contexto
comunicativo em que a relação com o orador ocorre. Assim, o orador terá
de adaptar os argumentos que melhor sirvam as expectativas, necessidades
ou desejos do auditório.
Percepção e Comportamento
De acordo com os valores, juízos e conhecimentos mobilizados durante a
argumentação, assim o auditório tenderá a aceitar ou rejeitar as propostas
argumentativas do orador. Tendo este sucesso, então, a adesão do auditório
irá manifestar-se de forma passiva (reconhecendo a força da argumentação)
ou de forma activa (o reconhecimento intelectual transformado em disposi-
ção para agir).
Alguns discursos políticos são uma boa ilustração: eles podem ter alterado
ou confirmado determinada percepção (ex: um partido apresentado como
último baluarte dos trabalhadores); contudo, por vezes, esses discursos são
incapazes de transformar a adesão do auditório em disposição deste para
agir (ex: o cidadão votar nesse partido nas próximas eleições).
Os Géneros Retóricos
Alguns objectam que se trata de uma distinção obsoleta que não corres-
ponde à realidade contemporânea. Como se o género deliberativo ocorresse
somente nas assembleias e nos Senados; o género epidíctico em cerimónias
fúnebres ou o género judicial estivesse restrito aos tribunais. Porém, esta
crítica não tem razão de ser.
Samuel Mateus 97
estes géneros somente nas assembleias, espaço público ou tribunal: obser-
vamos discursos deliberativos quando os pais discutem com os seus filhos,
por exemplo, qual o curso universitário escolher, ou quando se debate, em
conferências e tertúlias, o que fazer para diminuir a taxa de criminalidade.
Tal como não é difícil encontrar exemplos de discursos judiciários fora dos
tribunais: pense-se na retórica acusatória que alguns deputados praticam
em entrevistas televisivas quando atribuem a responsabilidade do actual es-
tado de coisas ao Governo anterior.
A maioria dos discursos pode ser perspectivado de acordo com estes géne-
ros, com os quais agimos, reconhecemos ou avaliamos.
Género Deliberativo
Género Epidíctico
Samuel Mateus 99
cede nos encómios proferidos por altura da visita do Prémio Nobel à cidade
que o viu nascer, por exemplo.
Género Judiciário
··“Sendo um casal com tantos filhos será que o Brad Pitt e a Angelina Jolie de-
viam ter-se separado?”
··“Quem é o responsável pelo atraso no relatório?”
··“Será que devemos construir um aeroporto no Montijo?”
Mãe: “A questão não é quem é que mexeu na tua consola de videojogos mas o
que nós vamos fazer com ela”.
Aqui temos o uso das emoções para serenar os ânimos em que Nixon surge
como um homem que, não apenas lida com a tristeza e mágoa dos ame-
ricanos, como também deseja acabar com o seu sofrimento e terminar
com a guerra. Todavia, a continuidade do esforço de guerra – não obstan-
te a crescente oposição da opinião publica americana – é aqui justificada
com a necessidade de prevenir o mesmo destino às próximas gerações de
americanos.
O logos também pode ser usado, não como arguir alguma coisa, mas para
refutá-la.
Paulo: Tu? Tu não és capaz de correr a maratona. Não acredito. Talvez acredite
quando os porcos andarem de bicicleta.
Josefina: Bem, neste caso vais ter de acreditar. Teoricamente isso não é im-
possível. Já vimos animais bem maiores como os ursos a andarem de mota. Vê
este vídeo.
Pathos
Mais do que mostrar ou fazer ver que a sua proposta é lógica e racional, o
orador vai fazer sentir ao auditório determinada comoção. Não se trata aqui
de afectar directamente o juízo do auditório mas sim estimular as emoções:
que irão influenciar a forma como determinado tópico será apreciado e jul-
gado. No pathos, o orador explora as conexões entre o discernimento e as
emoções.
Se o orador souber tanger as cordas certas ele terá na sua mão a forma como
o auditório sente as suas palavras. Ao mudar o humor do auditório, o orador
está a transformar a intensidade com que ele responde às suas invocações.
Por isso, Cícero dedica muita atenção à forma como os discursos podem
agradar, deleitar e comover instando o orador a transmutar-se de acordo
com as emoções que ele visa suscitar.
Ethos
É por isso que as três provas artísticas são técnicas que atingem os melhores
efeitos quando são utilizadas de forma complementar e interdependente. À
credibilidade (ethos) que “obriga” o auditório a ponderar as palavras do ora-
dor, segue-se a capacidade, por parte do orador, de gerir as emoções (pathos)
e assim cativar o auditório; por fim, é necessário que a presença e o interes-
se do auditório sejam transformados em adesão “lógica” às teses propostas
(logos).
Deliberativo Logos
Epidíctico Ethos
Judiciário Pathos
Os Cânones Retóricos
Os cânones ou divisões retóricas não são apenas um dos mais úteis instru-
mentos no ensino desta arte. São, igualmente, um instrumento prático que,
Em cada uma destas situações, são as mesmas tarefas que precisam de ser
executadas com vista ao seu sucesso: primeiro, reunir os factos e elementos
relevantes; segundo, decidir de que forma serão apresentados e com que
encadeamento; terceiro, dotar o texto de uma escrita correcta e simultanea-
mente graciosa; quarto, conhecer em profundidade o assunto sobre que se
fala e dominar o seu discurso; e, quinto, fazer uma proferição efectiva do
discurso (audível, claro, uso de gestos, linguagem corporal, etc).
Cada uma das divisões retóricas constituem tarefas que devem ser cumpri-
das pelo orador sob pena do seu discurso ser irrelevante, confuso, pobre e
mal-escrito, interrompido ou inaudível. Estas divisões são, pois, elementos
centrais da técnica retórica e delas dependem o sucesso que, na prática, os
discursos possuirão. Um discurso cujo orador seja muito bom a colocar a
voz e a entoá-la mas que, todavia, apresente ideias frágeis, mal desenvolvi-
das e inconsequentes não terá o mesmo sucesso do orador que for capaz de
conjugar todas estas tarefas de acordo com os cânones retóricos.
Assim, um bom discurso irá sucessivamente passar por cada uma destas
cinco divisões: compreender o assunto mobilizando todos os argumen-
tos e provas que o possam servir (Invenção); articulá-los e relacioná-los
(Disposição); redigi-los e enunciá-los da melhor forma possível incluindo
todas as figuras estilísticas que os possam adornar e realçar (Elocução);
estudá-los em pormenor e decorá-los (Memória); e finalmente dar voz e cor-
po a esses argumentos através de um desempenho oratório memorável para
o auditório (Acção).
Invenção (inventio)
A invenção significa também aquilo que o orador vai dizer num sentido figu-
rado porque o orador deve achar o fio do discurso e a sua essência. Isto é, ao
procurar aquilo que irá dizer, o orador terá de encontrar a tese que deverá
estar em tudo aquilo que ele invoque.
Disposição (dispositio)
Elocução (elocutio)
Uma boa Elocução é aquele que conjuga língua e estilo como adjuvantes da
argumentação. Os argumentos podem ser bons mas se são proferidos de
forma pouco exacta ou erradamente, o auditório dificilmente aceitá-los-á.
Não esqueçamos que o orador não é somente uma voz (como quando lê em
voz alta num púlpito). O orador é o mestre de cerimónias do exercício re-
tórico: voz, mas também corpo. É ele que torna viva a palavra morta do
discursa. Por isso, a memória é a parte essencial do discurso que alimenta-
rá a espontaneidade e improviso do orador perante a reacção do auditório.
Percebendo o entusiasmo, ele irá desenvolver determinado tópico. Mas para
isso acontecer é necessário que ele tenha memorizado a prelecção para, du-
rante a sua elocução, discursar com autenticidade.
Por isso, a Memória é ainda uma parte essencial dos cânones retóricos e
um elemento que todo o orador moderno não deve negligenciar. Mesmo
dispondo de apontamentos, conhecer e recordar-se em pormenor desses
apontamentos confere ao orador fluência, naturalidade e loquacidade.
Acção (pronuntiatio)
No fundo, a Acção é relevante para o orador porque lhe permitirá ser coe-
rente entre aquilo que afirma e o modo como se comporta acerca daquilo
que declara. Assim, se relatar um episódio histórico horripilante e trágico
como quem conta uma vulgar história irá possivelmente fazer com que o
auditório repare na contradição entre a maneira como o orador pretende
que o auditório se sinta e a maneira como ele efetivamente se sente. Pelo
contrário, o orador tem de ser aquilo que quer do auditório. A variedade do
tom de voz, o ritmo da respiração e a rigidez da sua linguagem corporal,
tudo tem de estar de acordo com o momento da argumentação e de acordo
com o efeito pretendido no auditório.
O séc. XXI trouxe consigo um novo tipo de ameaça à segurança e paz mun-
dial, o terrorismo. Esta forma de violência intermitente destinada a instalar
o medo permanente é tido como sendo um elemento do real. E hoje, qualquer
forma de discurso sobre segurança global, independentemente do auditório
a que se dirija, tem de pressupor o terrorismo como uma ameaça internacio-
nal. Dito por outras palavras, o terrorismo integrará o Acordo sobre o Real
formando uma premissa incontornável a partir da qual um orador poderá
propor politicas de combate a esta forma de guerrilha.
Um facto é uma imposição geral cuja verificação pode ser realizada por to-
dos, e que se impõe ao auditório pela sua universalidade. Trata-se de uma
circunstância que o auditório entende como facto. Que hoje amanheceu
parece ser um facto que verificamos já que não precisamos de iluminação
artificial para realizarmos as nossas actividades diárias. Por outro lado, os
auditórios podem estabelecer outro tipo de “factos” que não sejam empi-
ricamente verificáveis mas que advenham de uma construção mental do
auditório: suponha que se dirige a um grupo de pessoas que assumem como
facto que acordar um sonâmbulo é perigoso. O orador terá de partir daí para
Estes lugares são os elementos relativamente aos quais o orador pode mais
facilmente assegurar o acordo do auditório porque se baseiam em aspetos
partilhados. Os lugares comuns do preferível são formas argumentativas
pré-existentes nas quais se regista uma grande pré-disposição de aceitação
por parte do auditório. São, assim, elementos generalizáveis e facilmente
reconhecidos como importantes.
Factos Valores
Elementos
Verdades Hierarquias de Valor
do Acordo Prévio
Presunções Lugares do Preferível
Tendo obtido o Acordo Prévio, o orador tem, nesse momento, de reflectir so-
bre o tipo de argumentos a utilizar. De seguida, apresenta-se uma lista das
formas argumentativas mais utilizadas, tendo em conta as quatro catego-
rias propostas por Perelman (1993): Argumentos Quase Lógicos, Argumentos
Fundados na Estrutura do Real, Argumentos que Fundam a Estrutura do Real
e Argumentos por Dissociação.
Argumentos Quase-Lógicos
Os argumentos quase lógicos, como o próprio nome indica, são aqueles ra-
ciocínios que se aparentam com os raciocínios demonstrativos da Lógica
Formal. Eles inspiram-se na dedução lógica, retirando da matemática e da
sua estrutura formal e universal os seus princípios de funcionamento.
Querer que um analfabeto (alguém que não sabe ler ou escrever), não
apenas leia como também assine uma inscrição acaba por resultar numa
auto-refutação.
Ainda um terceiro caso: “Se somos iguais perante a lei, então, somos todos
iguais”.
Nos argumentos por inclusão, salienta-se alguma coisa que é parte de uma
categoria maior e que, por isso, dela será dependente. A maior parte dos
argumentos sobre patriotismo, ou qualquer tipo de identidade comunitária
assenta neste princípio. Assim, sendo uma nação será mais do que a soma
das suas partes, para que ela sobreviva alguns indivíduos terão de se sacri-
ficar pela nação. É justamente assim que muitos soldados justificam o seu
sacrífico em cenário de guerra: eles são pequenas peças de um todo maior
pelo qual se devem oferecer. Thomas Jefferson é apontado como tendo dito
que “de tempos a tempos, a árvore da liberdade tem de ser revigorada com o
sangue de patriotas e tiranos”.
Argumentos de Desperdício
Por fim, o argumento ad hominem pode adquirir a seguinte forma: “Um trei-
nador de futebol, como ele, queixar-se que ganha mal quando existem tantas
pessoas a ganhar o salário mínimo; só pode vir de um homem insensível”.
Exemplo
Tal como o exemplo, o modelo serve de norma. Pede-se aos jovens enge-
nheiros informáticos que olhem para Bill Gates (fundador da Microsoft) ou
que os jovens jogadores adoptem a postura de vida de Cristiano Ronaldo
(conhecido por ser o primeiro a chegar aos treinos e o último a abandonar
o campo). “Mário Soares esteve vários anos preso e nunca desistiu de lutar por
um Portugal democrático. E não apenas conseguiu realizar o seu sonho como
ainda se tornou Presidente da República”.
Ilustração
A ilustração pode ser uma expressão “A cavalo dado não se olha o dente”,
ou um título de um livro “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. As
parábolas podem ser ilustrações muito vívidas e eficazes ao tornarem re-
conhecíveis um conjunto de valores abstratos (ex: altruísmo). Eis uma
ilustração frequente: “Lembram-se daquela tarde onde foram à praia e não
conseguiam encontrar lugar para a toalha?”.
Analogia e Metáfora
Argumentos de Argumentos de
Modelo
Identidade Desperdício
Argumentos de
Argumentos de
Autoridade e Ad Ilustração
Transitividade
Hominem
As falácias são raciocínios falsos ou errados ainda que aparentem ser ver-
dadeiros. O termo “falácia” deriva da palavra latina fallere que significa
enganar. Na Retórica, a falácia é um raciocínio argumentativo fraco e podem
ser facilmente confundidas com argumentos fortes. A falácia é um argu-
mento, porém, é um argumento logicamente inconsistente (ex: “Podemos ir
embora. Se até agora ninguém apareceu não é agora que vai chegar”), sem fun-
damento (ex: “Os últimos ataques terroristas foram perpetrados por radicais
islâmicos. Logo, todos os muçulmanos são terroristas”) ou inválidos (ex: “Se é
verdade para ti, para mim tem de ser mentira. Somos pessoas tão diferentes”).
Do ponto de vista lógico, as falácias provam conclusões independentes da
verdade das premissas.
Assim:
Ou:
Evidentemente posso ter dores de cabeça por motivos que não estão relacio-
nados com a constipação (por exemplo, posso ter bebido em excesso). Assim
como existem anéis vermelhos que não possuem uma pedra de rubi. Nos
exemplos anteriores, estamos perante falácias nas quais se provam conclu-
sões que não decorrem da verdade das premissas.
“Até agora, ninguém provou que Deus existe. Por isso, no que me diz respei-
to, para mim, Deus não existe”
“Não te preocupes e fica onde estás. Um raio nunca atinge o mesmo lugar
duas vezes”
Apelo ao Medo
“Se não se fizer nada, qualquer dia não há comida nos supermercados”
“Se achas que o teu trabalho anterior foi duro, então espera para ver o que
é a dureza deste trabalho”
Apelo ao Ridículo
Apelo à Misericórdia
“Este pobre homem, moribundo e perdido, ele nunca faria uma coisa dessas”
Generalização Generalizada
“É muito claro que os tumultos causados por esses jovens se devem à falta
de uma educação moral por parte das suas famílias”
Lógica Circular
Apelo à Ignorância
Apelo ao Medo
Apelo ao Ridículo
Apelo à Misericórdia
Generalização Generalizada
Lógica Circular
Exercício 4
O quadrado retórico traduz, em termos gráficos, o facto dos Media não se-
rem mais um elemento mas o elemento crucial das relações de persuasão
·· Natureza tangível que pode ser medida e quantificada – Por fim, chega-
mos à dimensão tangível das audiências. A palavra é igualmente utilizada
para definir os indivíduos (ouvintes ou espectadores, sobretudo) que, por
Como vimos na parte II, os géneros retóricos podem ser vistos enquanto
moldes argumentativos. É precisamente à luz da argumentatividade (orien-
tada para o passado, presente ou futuro) que eles devem ser compreendidos.
Aristóteles afirma também que existem tantos géneros retóricos quantos
os tipos de auditório. Tendo em conta que o filósofo grego distinguiu como
auditórios principais os juízes, os espectadores e a assembleia então tería-
mos apenas três géneros retóricos: o judiciário, epidíctico e deliberativo.
Os critérios que Aristóteles avança para autonomizar cada um dos géneros
são, assim, a temporalidade mas também os fins sobre os quais versam (cf.
quadro-síntese do capítulo quatro).
Num mundo pautado pelos Media, onde os discursos são complexos e quase
ininterruptos torna-se ainda mais evidente as aproximações de género da
Retórica hodierna.
É hoje frequente que os fins do género colidam entre si, e que o útil, o jus-
to e o verosímil se misturem num discurso retórico independentemente de
um deles se assumir como molde predominante. Américo de Sousa refere
mesmo que a Retórica Mediatizada procedeu à “erosão dos géneros retóri-
cos” (Sousa, 2009: 40). As consequências dos Media sobre a Retórica não se
prendem somente em reduzir as distâncias ou acelerarem o ritmo de trans-
missão. Dizem respeito, antes de mais, às transformações das condições do
Por outro lado, a própria natureza audiovisual dos Media contribui para que
a imagem do orador, de longa duração, se sobreponha à prestação retóri-
ca, de curta duração. Perante a força das imagens, o orador é recordado
não tanto por aquilo que disse ou pela força da sua argumentação (como
na Retórica Clássica) mas pela forma como disse, como se apresentou e o
modo como exibiu o seu ponto de vista. Face à imediatez da imagem visual
Auditório Audiência
Audição Visão
Explicação Mostração
Quantificável
Retórica Visual
A Cultura Visual é uma área recente de estudos sobre o papel das imagens
na organização das sociedades e no modo como os hábitos visuais e o modo
de percecionar a realidade afecta a transmissão cultural. Contudo, isto não
quer dizer que apenas na idade moderna as imagens sejam primordiais.
Basta pensar no papel da estatuária grega, da arquitectura romana ou dos
totens dos povos aborígenes para perceber que as sociedades humanas são
inerentemente sociedades visuais.
Ao contrário do que por vezes se conclui, a Retórica das Imagens não pode
ser considerada como um estudo da persuasão alternativo à persuasão
discursiva. Nem a Retórica das Imagens é exactamente um sinónimo da
Retórica Visual. A Retórica das Imagens foi o primeiro passo fundador para
as análises subsequentes que nos permitiram distinguir o campo de estudos
da Retórica Visual.
Retórica da Publicidade
Por isso, encontramos mensagens sonoras (ex: jingles), verbais (ex: slogans)
ou visuais (ex: o bem de consumo em causa). Limitada no tempo e no espaço
e sem hipótese de atender às objecções das audiências, a publicidade pro-
cura convencer condensando a sua mensagem principal. Os argumentos a
favor da venda ou da notoriedade não dispõem de uma segunda oportunida-
de. A ambiguidade existe mas de forma controlada, isto é, procura-se eximir
a incerteza, todavia, emprega-se a ambiguidade como efeito de sentido para
provar um ponto. Por exemplo, o detergente para a roupa X lava mais bran-
co. Mas lava mais branco o quê (camisolas de lã, calças de sarja, etc)? E mais
branco do que o quê? Qual é a base da comparação? E em que circunstâncias
se registaram esses resultados? Que evidências apresenta para comprovar
essa alegação? A publicidade é geralmente parca em justificações mas, nes-
te caso, é justamente esta condensação da mensagem – o detergente X é
melhor que a concorrência – que melhor funciona.
Com este breve elencar de características de cada uma das Retóricas procu-
ramos fornecer as pistas orientadoras para que o leitor descubra, por si, a
riqueza e diversidade dos estudos retóricos no tempo da sua mediatização.
Disposição Acção
Apelos Emocionais
Ethos
Repetitiva
Nesta secção, apresentamos alguns passos que devem ser percebidos ape-
nas como um dos vários métodos possíveis para conduzir a análise das
estratégias persuasivas. A sua grande vantagem é que permitem tornar
mais concreta a nossa investigação, consagrando-se como uma espécie de
marcações que assinalam o trilho que pretendemos seguir no caminho em
direção à descoberta do funcionamento da persuasão num discurso em
particular. O terreno pode ser difícil de desbravar. Contudo, se utilizarmos
estes passos metodológicos ou marcações, obtemos facilmente um rumo
capaz de conduzir a análise.
1. Quem fala, A Quem fala, Quando fala, Com que Objectivo fala, o Tema e
o Tom do discurso
É claro que estes são exemplos extremos que dificilmente ocorrem na rea-
lidade. Porém, na Análise Retórica lidamos frequentemente com pequenas
nuances e será a identificação do tom discursivo que nos ajudará a descobrir
o porquê de certas estratégias persuasivas terem – ou não – sido usadas.
O famoso discurso “I Have a Dream” de Martin Luther King faz um uso ex-
celente da Anáfora repetindo o inicio da frase sucessivamente como meio de
enfatizar as suas teses levando o auditório a antecipar o desfecho. Atente-se
neste excerto do discurso de Martin Luther King:
Tenho um sonho que um dia nas montanhas rubras da Geórgia os filhos de an-
tigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos poderão sentar-se
à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa na-
ção onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu
carácter.
Todos os homens livres, onde quer que vivam, são cidadãos de Berlim, e, por
isso, enquanto homem livre, tenho orgulhoso em dizer: Ich Bin ein Berliner”.
Há, pois, uma componente descritiva mas esta não deixa de ser crítica ao
justificar constantemente as afirmações que argui, e ao demonstrar e expli-
car como as operações persuasivas de realizam progressivamente em cada
nível da análise.
Exercício 7
Se alguém ainda duvida que a América é o lugar onde todos os sonhos são pos-
síveis, se ainda questiona se os sonhos dos nossos fundadores ainda estão vivos,
se ainda questiona o poder da nossa democracia, teve esta noite a resposta.
Foi a resposta dada pelas filas que se estendiam à volta das escolas, das igrejas
em números que a nossa nação nunca viu antes, feitas de pessoas que espe-
raram três a quatro horas, muitas pela primeira vez nas suas vidas, porque
acreditavam que desta vez tinha de ser diferente, que as suas vozes podiam
fazer a diferença.
Foi a resposta que levou aqueles a quem foi dito durante tanto tempo para
serem cínicos e receosos e duvidarem do que somos capazes de fazer e para
colocar as mãos na arca da história e vergá-la mais uma vez em direcção à
esperança num dia melhor.
Levou muto tempo, mas esta noite, por causa do que fizemos hoje nesta eleição
e neste momento decisivo, a mudança chegou à América.
O senador McCain lutou muito durante esta campanha. E lutou ainda mais e
durante mais tempo pelo país que ama. Ele fez sacrifícios pela América que a
maior parte de nós não consegue sequer imaginar. Estamos bem pelo serviço
que ele prestou, pela sua bravura e abnegação.
E não estaria aqui esta noite sem o apoio incondicional da minha melhor amiga
nos últimos 16 anos, o pilar da nossa família, o amor da minha vida, a próxima
primeira dama dos Estados Unidos, Michelle Obama.
E, apesar de já não estar entre nós, sei que a minha avó nos está a ver, com o
resto da família que fez de mim quem sou. Sinto a vossa falta. Sei que a minha
dívida para com eles não é mensurável.
(…)
O caminho que nos espera é longo. A nossa subida difícil. Podemos não chegar
lá num ano, ou mesmo num mandato. Mas, América, nunca tive tanta esperan-
ça como a que tenho hoje de que chegaremos lá.
Mas serei sempre honesto convosco em relação aos desafios que enfrentamos.
Vou ouvir-vos, em especial quando discordarmos. E, acima de tudo, vou pedir-
‑vos para que se juntem a mim no trabalho de reconstrução desta nação, da
única forma que sempre foi feito na América nos últimos 221 anos – bloco a
bloco, mão calosa em mão calosa.
Não acontece sem vós, sem o novo espírito de serviço, o novo espírito de
sacrifício.
(…)
(…)
América, chegamos até aqui. Já vimos muito. Mas ainda há muito para fazer.
Por isso, esta noite, perguntemos a nós mesmos: se as nossas crianças viverem
para chegar ao próximo século; se as nossas filhas tiverem a sorte de viver tanto
como Ann Nixon Cooper, que mudanças vão poder ver? Quer progressos tere-
mos feito?
Este é o nosso tempo, de voltar a dar trabalho à nossa gente, de abrir as portas
da oportunidade aos nossos filhos; de restaurar a prosperidade e promover a
paz; de reclamar o sonho americano e de reafirmas a verdade fundamental
de que, no meio de muitos, somos um; que enquanto respiramos, mantemos
a esperança. E aqui estamos nós, frente a frente com o cinismo e as dúvidas
daqueles que nos dizem que não somos capazes, e a quem respondemos com o
credo intemporal que representa o espírito de um povo: Sim, somos capazes.
Exercício 8
Num primeiro nível, ela preocupa-se como o valor ético da persuasão em si,
interrogando o seu significado geral ao nível das sociedades e da interacção
Enquanto Meio, o site pode permitir à pessoa que simule, num contexto
hipotético e virtual, os efeitos de ingerir determinados alimentos saudáveis
e de prever o número de calorias da sua próxima refeição. Poderá, inclusiva-
mente, experimentar combinar diferentes dietas e exercícios para ajudar a
decidir qual a melhor combinação com vista a perder peso. Estaria, assim,
a trabalhar relações de causa e efeito na sua saúde: comer melhor igual a
perder peso.
Enquanto Actor Social, este site pode ser concebido para assumir um papel
de conselheiro de hábitos de vida saudáveis. Poderá registar, encorajar e
congratular, de forma regular e consistente, os esforços do utilizador à me-
dida que os seus esforços se traduzem num estilo de vida mais saudável.
A Captologia possui, assim, uma vertente prática que nos auxilia a identifi-
car os processos persuasivos quotidianos. Fogg sugere que a sua utilidade
ultrapassa, em muito, a simples concepção de sistemas informáticos e que
pode, inclusivamente, ajudar os estudantes a melhorar os seus métodos de
estudo, motivar os trabalhadores para a realização de determinadas metas,
ou ainda sensibilizar e prevenir a condução sob o efeito do álcool (ex: Drunk
Driving Simulator).
Esta mesma vertente prática pode ser discernida na Retórica, a qual, como
temos visto ao longo deste livro, é bem mais do que a sua dimensão filosófi-
ca, liderada pela relação entre Retórica e Dialéctica.
Quer Bogost, quer Frasca utilizam conceitos distintos. Porém, ambos pro-
põem que se considere a realização persuasiva mediatizada. Os videojogos,
argumentam estes autores, podem exprimir mensagens de maneiras que
a narrativa simplesmente não consegue. Mais, são os procedimentos e re-
gras de conduta que os jogos induzem aos jogadores que abrem espaços de
compreensão renovados, e explorados através da experiência lúdica. Bogost
(2007: 5) alega mesmo a necessidade de expandirmos a Retórica de forma a
incluir, não apenas os discursos verbais e visuais, mas também o discurso
procedimental, o discurso que argumenta um determinado estado de coisas
acerca do mundo, não através do que afirma (por escrito ou oralmente) mas
através da sua competência em condicionar a execução de determinadas
acções tendo em conta um conjunto de regras instituídas. A representação
procedimental é uma forma de expressão simbólica que, em vez de utilizar
a linguagem verbal, usa os processos (Bogost, 2007: 9). Ela supõe a inscrição
Assim, o que faz um bom jogador em “America’s Army” é, por exemplo, ele
cuidar dos feridos, resgatar prisioneiros ou capturar as instalações inimi-
gas. A reiterada violação destas normas implica a expulsão permanente do
jogo. No fim de contas, “America’s Army” persuade procedimentalmente os
seus jogadores a um código de honra entre jogadores, e reivindica um papel
de herói que nada tem a ver com os índices de violência e agressividade mas
com os padrões de disciplina e moral do jogador. Como explica Bogost, em
The Rhetoric of Videogames (2008: 130), o videojogo está programado segun-
do procedimentos que inspiram a total observância da cadeia de comando
(em que o jogador começa como recruta e, ao longo do tempo, vai avançan-
do na hierarquia militar). Mais, o mecanismo de honra procedimentaliza
um sistema de valores e representa o exército norte-americano como uma
organização altamente disciplinada, obediente e subordinante onde cada
jogador é apenas parte de um todo que o transcende e ao qual ele deve obe-
decer. Através de America’s Army e daquilo que é ou não possível executar,
é representado um sistema de valores baseados na disciplina, cooperação e
honra. Deste modo, o videojogo é um importante elemento de inculcação e
persuasão das regras militares representando-as, não através de palavras
ou imagens, mas em procedimentos antecipadamente programados no
videojogo. De forma subtil, os jogadores vão incorporando essas regras e
imperceptivelmente persuadidos a ter um comportamento honroso.
Kenneth Burke (1969) recordava que onde quer que haja persuasão en-
contramos a retórica. Os seres humanos são criadores e consumidores de
sistemas simbólicos. Onde estiver o sentido, estará também a persuasão.
Daí que a Retórica seja tão central para examinarmos a influência das tec-
nologias, em geral, e dos sistemas computacionais, em particular.
O estudo dos
A prática de usar os
Definição computadores como
procedimentos persuasivamente
tecnologias persuasivas
Tríade Funcional
Alargamento da Retórica em
Aspectos Originais (Ferramenta, Meio,
direcção aos Procedimentos
Actor Social)
Cada uma destas áreas conserva a sua autonomia. A sua única relação, para
além das preocupações retóricas com a persuasão, é que são propostas que
surgem no contexto da enorme mediatização dos finais do séc. XX e inícios
do séc. XXI.
Retórica Digital
Nesta nova ecologia dos media, a Retórica não está em risco de desaparecer.
Pelo contrário, a retórica expande-se, enriquece-se e apetrecha-se se ferra-
mentas renovadas, quer no estudo retórico, quer na prática retórica. Como
James Zappen (2005) – o qual releva a necessidade de criar uma teoria inte-
grada da Retórica Digital – sintetiza, em quatro áreas, os trabalhos até agora
realizados:
Rhetoric Online: Persuasion and Politics on the World Wide Web da autoria de
Barbara Warnick (2007) foi uma das primeiras obras a aplicar directamente
Retórica do Silêncio
Em Górgias, Platão caracteriza a Retórica como uma arte que atua pela pa-
lavra em contraste com as artes que actuam em silêncio como a pintura ou
a escultura. Assim, tradicionalmente, a Retórica está associada à actividade
discursiva e, desde logo, se demarca do silêncio. “Retórica do Silêncio” pa-
rece, então, assumir a forma de um oxímoro (um paradoxo de expressão):
uma retórica, isto é, uma acção nas e pelas palavras acerca de uma acção
sem palavras (o silêncio).
Retórica e Pragma-Dialéctica
·· Estrutura Múltipla- “Tu não podes ter estado em Roma, como afirmas,
porque essa rua não existe e os aeroportos encontravam-se fechados nes-
sa altura”
Este livro pretende ser uma modesta contribuição para melhorar a comuni-
cação nas nossas sociedades através do esclarecimento de alguns princípios
persuasivos. Partimos do pressuposto que dominar os princípios retóricos
nos coloca, a todos sem exceção, numa melhor posição para sermos melho-
res académicos, melhores estudantes, melhores profissionais mas também
melhores cidadãos.
Incentivamo-lo, caro leitor, a passar da leitura à prática. Foi com esse objec-
tivo que incluímos, em cada capítulo, alguns exercícios. Falta agora olhar
atentamente à sua volta e, com um olhar questionador, observar o modo
Passe da Teoria à Imitação, e quando reparar, vai notar que incorporou mui-
tos destes ensinamentos retóricos.
Introdução à Retórica no Séc. XXI irá despertar o interesse nos estudantes de Retórica
das mais diversas áreas (Ciências da Comunicação, Filosofia, Estudos Clássicos) mas
também dos investigadores em Retórica, Filosofia da Linguagem, Teoria da
Argumentação, Comunicação Política, Publicidade, Crítica Literária, Comunicação
Digital ou Design de Jogos.