Artigo Saúde
Artigo Saúde
Artigo Saúde
Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2010; 55(2):67-70
67
Rabelo GD, Queiroz CI, Santos PSS. Atendimento odontológico ao paciente em unidade de terapia intensiva.Arq Med Hosp Cienc Med Santa Casa São Paulo.
2010; 55(2): 67-70
condições serem adequadamente tratadas, faz-se ne- e posterior coma vigil. Após uma semana de inter-
cessária a presença de um cirurgião dentista em âmbito nação em UTI, a equipe da odontologia hospitalar
hospitalar como suporte no diagnóstico das alterações foi acionada para avaliação bucal. Ao exame clínico
bucais e como coadjuvante na terapêutica médica; seja intraoral notou-se lesões ulceradas de fundo fibrinoso,
na atuação em procedimentos emergenciais frente aos com halo eritematoso ao redor com suspeita de lesões
traumas, em procedimentos preventivos quanto ao traumáticas em mucosas jugais e labiais (Figuras 1 e
agravamento da condição sistêmica ou o surgimento 2) devido à presença de aparelho ortodôntico, trismo
de uma infecção hospitalar, e procedimentos curativos e espasmos musculares involuntários constantes cau-
e restauradores na adequação do meio bucal e maior sando o trauma das mucosas. Optou-se pela remoção
conforto ao paciente.(5) do aparelho ortodôntico utilizando como recurso
Complicações sistêmicas devido a patógenos loca- espátulas de madeira e manobras para relaxamento
lizados na boca já foram relatadas, sendo os principais muscular, possibilitando remover o aparelho ortodôn-
microorganismos relacionados a um foco primário na tico com alicates ortodônticos e motor de alta rotação
boca, a Pseudomonas aeruginosa, o Stafilococos aureus e com brocas diamantadas e de acabamento. Foi man-
o Streptococos coagulase.(6) tida durante o procedimento sucção da cavidade oral
Alguns pacientes internados com LMA (Leucemia com sonda de aspiração traqueal nº 14. Optou-se por
Mielocítica Aguda) que apresentaram septicemia, colher swab das ulcerações em mucosas para a reali-
tiveram a identificação do agente etiológico isolado zação de cultura e antibiograma, e foram encontradas
somente em cavidade oral.(7) Também, foi observado Klebsiela sp. e Pseudomonas aeruginosa. Diante deste
que em pacientes submetidos à quimioterapia, o pe- resultado foi instituída antibioticoterapia terapêutica
riodonto poderia representar uma porta de entrada com Cefepima, após discussão com a equipe médica
para bactérias, causando bacteremia durante a mie-
lossupressão.(8)
Estudos já comprovaram que a melhora da higiene
oral e o acompanhamento por profissional qualificado
reduzem significantemente a progressão da ocorrên-
cia de doenças respiratórias entre pacientes adultos
considerados de alto risco e mantidos em cuidados
paliativos, e principalmente, os pacientes internados
em UTI.(9)
A melhora da aparência inflamatória das gengivas,
da secura bucal, da halitose e da facilidade da remoção
de debris, após utilização de protocolo de higienização
bucal com uso de solução enzimática à base de lactope-
roxidase ocorreu após cinco dias, em pacientes hospi-
talizados sob cuidados da equipe de odontologia. Este
protocolo se mostrou eficiente na avaliação clínica para
a higiene oral de pacientes totalmente dependentes de Figura 1 - Lesões em Borda Lateral da Língua.
cuidados em ambiente hospitalar, ainda, a atuação da
equipe de enfermagem e dos cirurgiões dentistas nos
cuidados de higiene oral e redução de focos primários
de infecção na boca, seriam fundamentais na atuação
da equipe multidisciplinar de terapia intensiva.(10)
Este trabalho tem como objetivo relatar um caso
clínico de uma paciente hospitalizada que apresentou
alterações bucais que comprometeram seu quadro
sistêmico, sendo necessária a intervenção da Equipe
de Odontologia Hospitalar.
68
Rabelo GD, Queiroz CI, Santos PSS. Atendimento odontológico ao paciente em unidade de terapia intensiva.Arq Med Hosp Cienc Med Santa Casa São Paulo.
2010; 55(2): 67-70
da UTI e infectologista. Após a intervenção odontoló- evitando qualquer tipo de sangramento bucal. A
gica, houve melhora importante da febre e regressão paciente recebeu alta e encontra-se, após 1 ano do aten-
das lesões traumáticas em menos de uma semana. A dimento hospitalar, em acompanhamento domiciliar
paciente recebeu alta da UTI e foi encaminhada para por uma equipe multiprofissional, não apresentando
a unidade de internação, sendo mantida sob cuidados novas alterações bucais.
da equipe de clínica médica. Os espasmos da muscu-
latura da mastigação se mantiveram persistentes e Discussão
mais intensos, sendo orientado o acompanhamento
da fonoaudiologia. A equipe de Odontologia Hospi- A avaliação da condição bucal e necessidade de
talar foi novamente acionada para avaliação de lesão tratamento odontológico em pacientes hospitalizados
em lábio inferior, nodular, coloração eritematosa, exigem o acompanhamento por um cirurgião dentista
com consistência fibrosa, algumas áreas sugestivas habilitado em Odontologia Hospitalar. A Odontologia
de hiperceratose e outras sugestivas de úlceras trau- se faz necessária na avaliação da presença de biofilme
máticas, além de sangramento importante (Figura 3). bucal, doença periodontal, presença de cáries, lesões
Neste momento a paciente apresentava um quadro bucais precursoras de infecções virais e fúngicas sis-
de Púrpura Trombocitopênica Imunológica (PTI) com têmicas, lesões traumáticas e outras alterações bucais
pancitopenia importante, preocupando ainda mais a que representem risco ou desconforto aos pacientes
lesão labial sangrante e a persistência do trauma. Esta- hospitalizados.
va também sob intubação nasogástrica para nutrição. Sabe-se que os cuidados bucais, quando realizados
Optou-se por uma biópsia excisional por se tratar de adequadamente, reduzem muito o aparecimento de
lesão com características de benignidade, com mano- pneumonia associada ao uso de ventilação artificial,
bras hemostáticas locais, administração de plaquetas nos pacientes em UTI.(11)
e antibioticoprofilaxia. O diagnóstico histopatológico Para a realização dos procedimentos odontológi-
foi compatível com hiperplasia fibrosa inflamatória, cos em ambiente hospitalar é necessária a interação
confirmando a hipótese diagnóstica de hiperplasia das equipes médica-enfermagem-odontologia e outras
fibrosa traumática. Optou-se pela confecção de um áreas afins, para que os diagnósticos e tratamentos
protetor bucal de silicone para evitar o aparecimento sejam adequadamente executados. Além disso, o pre-
de novos traumas e auxiliar a equipe de fonoaudio- paro da equipe de odontologia hospitalar deve incluir
logia no tratamento para relaxamento muscular, que equipamentos, matérias e instrumentais adequados
somente ocorreu após 15 dias de uso. Após a instalação ao atendimento, além de um preparo profissional
do protetor não houveram mais traumas de mucosa, especializado.(1,2,5)
Deve-se procurar formalizar diretrizes mais efe-
tivas de atendimento odontológico em UTI, como os
cuidados com a higiene oral dos pacientes, e outros
cuidados bucais que possam ser necessários a este
grupo de pacientes.
Neste caso específico, a remoção do aparelho
ortodôntico e a coleta de material para a cultura
contribuíram para o fim do trauma e a redução dos
focos de infecção da paciente. Devido aos espasmos
neurológicos em musculatura da mastigação, da
lesão traumática e o quadro de PTI, a instalação de
um dispositivo protetor e os cuidados hemostáticos
foram de fundamental importância para a estabiliza-
ção do quadro clínico da paciente, aliado ao trabalho
da fonoaudiologia.
Diante destes dados fica elucidado que com o aten-
dimento odontológico dos pacientes hospitalizados e
a eliminação dos fatores de risco ocorre a redução do
aparecimento de possível infecção hospitalar e/ou
agravamento à saúde dos pacientes hospitalizados.
Ainda, pesquisas são necessárias para determinar o
impacto da saúde oral frente à saúde sistêmica de
pacientes internados em unidade de terapia intensiva
Figura 3 - Lesão Nodular em Lábio Inferior. Diagnóstico con-
firmado de Hiperplasia Fibrosa Inflamatória. e que estes atendimentos devem ser preconizados.(5)
69
Rabelo GD, Queiroz CI, Santos PSS. Atendimento odontológico ao paciente em unidade de terapia intensiva.Arq Med Hosp Cienc Med Santa Casa São Paulo.
2010; 55(2): 67-70
A participação da Odontologia na equipe multi- 6. Tada A, Watanabe T, Yokoe H, Hanada N, Tanzawa H. Oral
disciplinar de saúde é de fundamental importância bacteria influenced by the functional status of the elderly people
and the type and quality of facilities for the bedridden. J Appl
para a terapêutica e a qualidade de vida dos pacientes Microbiol. 2002; 93:487-91.
hospitalizados. 7. Greenberg MS, Cohen SG, McKitrick JC, Cassileth PA. The Oral
Flora as a source of septicemia in patients with acute leukemia.
Referências Bibliográficas Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1982; 53:32-6.
8. Weikel DS, Peterson DE, Rubinstein LE, Metzger-Samuels C,
1. Morais TNM, Silva A, Avi ALRO, Souza PHR, Knobel E, Camar- Overholser CD Jr. Incidence of fever following invasive oral
go LFA. A importância da atuação odontológica em pacientes interventions in the myelosuppressed cancer patient. Cancer
internados em unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Nurs. 1989; 12:265-70.
Intensiva. 2006; 18:412-7. 9. Azarpazhooh A, Leake JL. Systematic review of the association
2. Berry AM, Davidson PM, Masters J, Rolls K. Systematic litera- between respiratory diseases and oral health. J Periodontol.
ture review of oral hygiene practices for intensive care patients 2006; 77:1465-82.
receiving mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2007; 16: 552- 10. Santos PSS, Mello WR, Wakim RCS, Paschoal MAG. Uso de
62. solução bucal com sistema enzimático em pacientes totalmente
3. Pannuti CM, Lotufo RFM, Cai S, Freitas NM, Ferraro AQ. Preva- dependentes de cuidados em unidade de terapia intensiva. Rev
lência de microrganismos superinfectantes na placa bacteriana Bras Ter Intensiva. 2008; 20:154-9.
supragengival de deficientes mentais institucionalizados. RPG 11. Mori H, Hirasawa H, Oda S, Shiga H, Matsuda K, Nakamura M.
rev. pos-grad. 2001; 8:35-9. Oral care reduces incidence of ventilator-associated pneumonia
4. Spalding M, Siqueira JTT. Avaliaçäo de uma estratégia terapêu- in ICU populations. Intensive Care Med. 2006; 32:230-6.
tica em processos infecciosos buco-dentais. RGO (Porto Alegre).
1999; 47:110-4.
5. Abidia RF. Oral care in the intensive care unit: a review. J Con- Trabalho recebido: 05/05/2010
temp Dent Pract. 2007; 8: 76-82. Trabalho aprovado: 13/07/2010
70