Tróia e A Guerra de Tróia
Tróia e A Guerra de Tróia
Tróia e A Guerra de Tróia
A Experimentação Fílmica
Nesta última seção, buscamos relatar um pouco de nossa prática pedagógica a
partir da exibição dessas duas produções junto aos alunos dos cursos de pedagogia de
duas instituições diferentes, uma localizada no norte e outra no sudeste do país. A
disciplina de História da Educação I, em geral, tem em seu conteúdo programático a
abordagem da educação em diferentes tempos históricos, passando desde o estudo das
populações ágrafas e seguindo até o fim das civilizações antigas (Egito, Grécia e
Roma).
Para a discussão da educação no mundo grego antigo, exibimos os filmes aqui
trabalhados para fomentar os debates iniciais que deveriam ser acompanhados pela
leitura de alguns capítulos da Ilíada. Adotamos como metodologia de trabalho a
exibição de um dos filmes na íntegra e apenas trechos do outro, buscando traçar
paralelos com o texto clássico.
Como esperávamos, Troia agradou mais aos alunos especialmente, acreditamos,
por adotar linguagem audiovisual e estética mais contemporânea, além de expressar
com maior proximidade os valores atuais, com uma dose maior de cenas de violência,
além de atores que lembram cantores cabeludos de uma banda de rockix.
A Guerra de Troia, do nosso ponto de vista, parece ter despertado nos alunos a
percepção de ritmo lento da trama, as cenas de batalhas, por exemplo, não convenciam
como a produção hollywoodiana (com impressionante realismo da melhor tradição dos
filmes de ação) e para alguns ganhavam aspecto caricato. Porém, com a leitura do texto
da Ilíada, os discentes apontavam o filme Franco-italiano como o que teria sido mais
“fiel” ao texto clássico.
Dessa forma, por meio dos debates buscamos proporcionar o diálogo com os
filmes, não transferindo para eles a responsabilidade explicativa, de forma que a
tentativa foi a de desconstruir a pedagogia do herói, reflexo da necessidade de se
promover a indústria cinematográfica contemporânea, muito embora, a morte heroica
seria o caminho para a imortalidade entre os gregos. Os debates em torno dos filmes e
do texto clássico introduziram os estudos sobre a Grécia Antiga, sua cultura militar, a
relação com o mar, a substituição do matriarcado pela autoridade paterna, os primórdios
da propriedade privada, enfim, o nascimento de um Estado que estimularia um tipo de
educação voltada para as virtudes guerreiras. Assegurar a superioridade militar
garantiria às classes dominantes o controle da situação interna e a expansão externa
como fica bem representado nos filmes (CAMBI, 2001).
O importante para a disciplina de História da Educação é a compreensão dessa
cultura para guerra que tinha como base uma economia focada em conquistas e saques
aos vizinhos, característica especialmente marcante nos gregos de Esparta, mas comum
aos outros povos. Os filmes falam de honra, de lealdade e das virtudes militares, de
forma que fazer parte do exército desde a mais tenra idade era um privilégio ao mesmo
tempo uma necessidade.
Em uma das cenas de Troia, Aquiles dispensa seus soldados mirmidões (que
lutavam em troca de pagamento) e um deles se nega a abandonar seu líder dizendo: “A
honra da minha vida foi lutar ao seu lado senhor”. Em A Guerra de Troia, por sua vez,
as figuras de Ajax, Diomedes e Ulisses também são importantes e, mesmo que a
primeira cena de batalha só ocorra no meio da película, a cultura para a guerra surgia
em muitas falas, Enéas, por exemplo assim afirmou: “Cada dia arrancamos com as
armas um novo dia de esperança.” A bravura e o heroísmo eram valores ensinados pelos
mais velhos, em outra cena o Rei Príamo no Conselho dos Anciões profetiza: “Ninguém
lembrará de um povo por sua covardia, mas todos honrarão um gesto que levará a
imortalidade.”
Contudo, a bravura apresentada pelos filmes passou pela censura
contemporânea, de forma que os laços de companheirismo entre os soldados que muitas
vezes eram estimulados pela prática do homossexualismo, não surgem em nenhuma das
películas por meio de referências explícitas a essas práticas, obviamente, por não se
tratar de um valor próprio as sociedades contemporâneas. Mesmo as inferências
presentes no texto clássico são dissimuladas no filme de Hollywood, que apresenta
Aquiles e Pátroclo como primos, buscando-se afastar qualquer dúvida sobre a virilidade
do semideus capaz de dar a própria vida pelo parente, reforçando-se estereótipos
hegemônicos modernos.
Outro dado importante para a compreensão dessa cultura da guerra é a
religiosidade desses povos politeístas e circundados cotidianamente por presságios,
intuições, rituais e sacrifícios aos deuses. Homens e mulheres adoravam e temiam seus
deuses e semideuses além de outras figuras mitológicas. Muito embora, a representação
fílmica da religiosidade de gregos e troianos é bem diferente, os primeiros seriam muito
menos religiosos do que os outros, de maneira que Hollywood coloca a astúcia e
bravura grega derrotando a religiosidade troiana.
Para se reforçar a compreensão dessa educação para a guerra entre os alunos,
também destacamos os rituais de cremação de guerreiros mortos nas batalhas que eram
bastante valorizados, depositavam-se duas moedas nos olhos do morto que
representavam o pagamento a Caronte, o barqueiro com cara de caveira responsável por
atravessar os mortos para o outro lado do Estige, o rio dos mortos, como se pode ver
após a morte de Pátroclo, de Heitor e de Aquiles em Troia. Aliás, a navegação para a
cultura clássica era um ponto central em suas estratégias militares e comerciais, o
Mediterrâneo era a principal via de integração e rivalidade entre os povos que o
circundavam. Por isso, a representação de Poseidon, o deus do mar, era envolta de poder
que conferia respeito e medo.
Esses filmes não apresentam em detalhes os hábitos e costumes de gregos e
troianos, pouco vão além de seus rituais militares, mas em Troia a pesquisa realizada
pelos seus diretores no Museu Britânico permitiu reproduzir parte das peças feitas em
bronze, como lanças, espadas, escudos, utensílios utilizados no cotidiano desses povos,
muito embora, as informações sobre a arquitetura daquela cidade não condiziam com o
cenário construído para o filme, muito maior e grandiosa, como pode-se observar a
partir das muralhas. Nesse ponto, o filme A Guerra de Troia aproxima-se mais da
realidade da época, com figurinos bastante modestos, montarias sem selas e uma Troia
com muralhas menores.
Quando encerradas as atividades da disciplina, pelas avaliações notamos que
cerca de 50% dos alunos solicitavam a ampliação dos filmes exibidos, em muitas
dessas, salientou-se o papel importante do cinema para a reflexão sobre aquela época
(“de nossos antepassados”), enriquecendo-se as aulas. Vejamos algumas falas sobre o
uso do cinema em sala de aula:
As diferentes abordagens com vídeos e transparências contribuíram
bastante para uma melhor interpretação. (Aluno, 2o. sem/2003) A
utilização de recursos como filmes, dinâmica para interação entre os
alunos, foi de grande valia, na minha opinião realmente houve o
aprendizado. (Aluna, 1o. sem/2004) Uma boa maneira de termos uma
visão melhor do que está sendo exposto. (Aluno, 1o. sem/2005) Foram
muito bem colocados, auxiliando o entendimento dos conteúdos.
(Aluna, 1o. sem/2006)
Mesmo assim, o problema da cultura visual dos alunos calcada na TV aberta, fez
com que surgissem comentários do tipo “Só não gostei pois eram legendados, ou agente
lia ou olhava as cenas, mas é importante (...)”, demonstrando também a massificação
autoritária que a grande mídia promove junto ao seu público e é exatamente aí que o
trabalho com o cinema em sala de aula deve atuar.
Em se tratando de alunos de primeiro ano, o esforço para a mudança dessa visão
alienada frente ao mundo das imagens é muito maior e os resultados são naturalmente,
processuais, de forma que alguns alunos se referiram ao trabalho com cinema na sala de
aula de forma distorcida, como vemos nessas falas: “apenas um filme foi bastante
interessante com ação” ou ainda “gosto muito de aprender em tele aulas”. As limitações
dos equipamentos de projeção ou a qualidade dos vídeos também geraram queixas,
sugerindo-se a melhoria dos mesmos, algo considerável, em função de que a qualidade
ruim da imagem prejudica a essência do cinema.
Considerações Finais
Nesse espaço conclusivo, ressaltamos mais uma vez, que essas películas são
ficções históricas ou adaptações literárias para o cinema dado não apenas ao caráter de
releitura dos textos clássicos carregada de valores e moral do presente, mas também
pela peculiar forma de escrita (poesia) desse episódio do mundo Antigo.
Da mesma forma em que os deuses gregos interviram na narrativa de Homero,
os diretores de cinema apelaram para a estética contemporânea na produção e criação de
cenários, figurinos, personagens, muitas vezes pagas pelos patrocinadores dos filmes.
Nesse sentido, sobretudo em relação a Hollywood, poder-ia-se dizer que existe um
esforço de “colonização cultural” que seria:
Ao projetar um filme dessa natureza, torna-se essencial destacar esse olhar junto
aos alunos, reforçando-se a ideia de que toda filmagem de textos literários no cinema
não passam de adaptações, e que os filmes mesmo que reportem a um período histórico
distante, fala muito mais da época em que foram produzidos do que do contexto
pretérito que enfoca.
Certamente, existem muitos outros aspectos envolvidos na experimentação de
alunos que são expostos aos filmes no interior das universidades decorrentes desse novo
contexto social atrelado as mídias. O professor não deve se distanciar desse novo
cenário, é uma necessidade histórica o entendimento dos processos de modernização das
sociedades e sua integração com os novos recursos da comunicação e, no nosso caso
específico, com o cinema.
A guerra de Troia presente nos textos clássicos e nos filmes revela mais do que o
cotidiano militar, é, sobretudo, um evento político que mostra do que a natureza humana
é capaz. Não representa apenas a rivalidade entre gregos e troianos, mas anos de agonia,
morte e sofrimento colocando situações em que era necessário atravessá-las, por isso
não é algo para se celebrar no presente, do contrário estaríamos esquecendo-se das
lições do passado.
Seria perdoável o fato dos roteiristas e diretores matarem personagens nos filmes
diferindo do texto clássico? Seriam simplificações do belo poema em nome da
audiência massiva, desprezando-se a rica e fascinante cultura grega antiga? Ou seriam
apenas ficções históricas e, portanto, os seus criadores teriam ampla liberdade criativa?
Em Troia o narcisismo de Aquiles se assemelha ao de atores contemporâneos
que lutam pela fama, ele não estava interessado em servir aos deuses ou a glória grega,
tampouco ao seu rei corrupto, sua lealdade era consigo próprio, não amava Briseida era
apenas uma motivação para a batalha, esse romance pareceu deslocado, representando
um clichê onde o homem apaixonado por uma mulher abandonaria a guerra.
Finalizando, esse tipo de atividade fomenta não apenas o interesse por
determinada temática, mas também a diversificação da aprendizagem histórica por meio
do cinema, de forma que promover a crítica as películas é fundamental para se opor a
essa modernização que a indústria cinematrográfica estimula que ameaça a diversidade
cultural em favor de um monólogo hollywoodiano.
Esperamos ter despertado o interesse por essas produções fílmicas, mas que
estão longe do espírito da tradição clássica. Por isso, o convite é também pelas leituras
da Odisseia e da Ilíada!
Referências Bibliográficas:
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 3 ed. Trad. Wolfgang Leo Maar. São
Paulo: Paz e Terra, 2003.
PONCE, Aníbal. Educação e Luta de Classes. 20a. ed., São Paulo: Cortez, 2003.