O Violão Audaz de Toninho Horta Um Olhar Sobre Suas Aberturas de Acordes Formadas Através Do Uso de Pestanas Com Os Dedos 2, 3 e 4 PDF
O Violão Audaz de Toninho Horta Um Olhar Sobre Suas Aberturas de Acordes Formadas Através Do Uso de Pestanas Com Os Dedos 2, 3 e 4 PDF
O Violão Audaz de Toninho Horta Um Olhar Sobre Suas Aberturas de Acordes Formadas Através Do Uso de Pestanas Com Os Dedos 2, 3 e 4 PDF
Resumo: Toninho Horta é reconhecido, em grande medida, pela maneira como aplica a harmonia em
seu instrumento. O presente artigo visa discorrer sobre um procedimento muito utilizado pelo músico;
a utilização de pestanas com os dedos 2, 3 e 4 na formação de acordes ao violão. Para tanto, foram
realizadas análises comparativas entre aberturas de acordes mais convencionais e outras em que o
músico utiliza essas pestanas, a fim de investigar o processo de ampliação que essas aberturas
sofreram ao serem construídas com esse recurso. Há também depoimentos do próprio violonista, de
outros músicos e informações a respeito de sua prática instrumental relacionada à harmonia.
Palavras-chave: Violão. Acordes. Pestanas. Toninho Horta.
The “Bold” guitar of Toninho Horta: a look at their openings of chords formed throught the use
of barrés with fingers 2, 3 and 4
Resume: Toninho Horta is recognized, largely, by the way he applies harmony on his instrument. This
article aims to discuss a procedure that is widely used by the musician: the use of barrés with the fingers
2, 3 e 4 in forming chords on guitar. For that, comparative tests were performed between more
conventional chord openings and others that the musician uses these barrés, in order to investigate the
expansion process these openings suffered for being built with this feature. There are also own
testimonials by Horta, by other musicians and information regarding his instrumental practice related to
harmony.
Key-words: Guitar. Chords. Barrés. Toninho Horta.
1. Introdução
Esse artigo tem por intenção descrever um dos resultados finais da pesquisa de
Iniciação Científica intitulada “Toninho Horta: um estudo sobre o uso de blocos de acordes
nos seus solos improvisados”. O mineiro Antônio Maurício Horta de Melo, Toninho Horta, se
destaca como um dos principais nomes da canção e da música instrumental brasileira, seja
como compositor ou instrumentista (violonista e guitarrista). Possui uma ampla discografia, 30
CD’s (ano de 2015) além de mais de 200 participações em discos de terceiros. (CAMPOS,
2010: 188)
O objetivo é analisar traços relativos ao seu perfil de instrumentista, focando em suas
particularidades harmônicas aplicadas ao violão, por meio da análise de certos acordes,
voicings1, que o músico executa em seu instrumento. Nessas aberturas é possível notar uma
característica em comum; o uso de pestanas com os dedos 2 (médio), 3 (anelar) e 4 (mínimo)
da mão esquerda, recurso que o músico utiliza constantemente em suas performances.
1
Esse termo refere-se a organização das notas dentro de um acorde, similar a expressão abertura.
Nicodemo (2009) descreve de maneira minuciosa muitas características históricas e
técnicas relacionadas à obra de Horta, incluindo alguns aspectos de sua concepção como
instrumentista, a exemplo do estudo de algumas aberturas de acordes com esse tipo de
pestanas e encaminhamentos harmônicos construídos ao violão. Entretanto, o trabalho não
teve por objetivo principal estudar suas particularidades técnicas, como o uso dessas
pestanas. Nesse sentido, este artigo pretende contribuir para o conhecimento dessa área
específica do trabalho de Horta. Há também dois trabalhos de Iniciação Científica sobre o
músico: Concepção Harmônica de Toninho Horta (FONSECA, 1999) e Aspectos Estilísticos
do Guitarrista Toninho Horta (LACERDA, 2007) que elucidam diversos aspectos de sua
prática musical.
Ele (Chiquito Braga) diz que, por absurdo que possa parecer, a música
mineira é muito influenciada por Debussy e Ravel, ao menos a dele é. É
preciso colocar essa afirmação em perspectiva: dentro de um cenário que era
derivado do samba canção e timidamente absorvia a bossa nova e o rock, a
música mineira dos anos 1960 adota os acordes dissonantes com uma
inflexão modal mais forte, ou seja, o que absorveu dos franceses foi mais o
uso de certos procedimentos harmônicos que aquele discurso aberto.
Chiquito Braga, portanto, é um padrinho daqueles acordes inesperados, que
exigem posições inusitadas da mão esquerda, que parecem ir sempre à
direção contrária do que o ouvido espera, que é a marca registrada tanto de
Toninho Horta quanto do mais recente Juarez Moreira. (ZANON, 2008:
14’:09”)
[...] o piano tem uma dimensão muito grande, você pode apertar um pedal e
dar as 88 notas do piano. No violão você não consegue fazer isso, a formação
dos acordes no violão fica limitada. Então naturalmente eu fui começando a
desenvolver as inversões dos acordes; eu fazia um acorde de quatro notas e
queria ouvir uma nota que estava no meio desse acorde lá na ponta ou vice
versa. Eu fui abrindo os dedos. [...] Eu ampliei o meu conhecimento musical,
em termos da parte mecânica do violão, experimentando as inversões. E
como artifício para conseguir uma sonoridade maior no violão, utilizo muitas
cordas soltas para dar uma amplitude maior, como se fosse um teclado, uma
orquestra e faço arpejos, o que já é uma influência da área erudita. (ZANON,
2007: 21’:13”)
O violonista Juarez Moreira atenta que Toninho nunca estudou técnica de maneira
formal como a maioria dos outros violonistas, mas que é muito difícil executar suas
composições e acompanhamentos, pois Horta faz uso de acordes de cinco, seis sons com
pestanas e amplas aberturas de dedos. Ele reitera que alguns acompanhamentos construídos
por Toninho apresentam complexidade técnica quase iguais a alguns solos de violão.
(MOREIRA, 2008-2009: 4)
É importante ressaltar o destaque que os acompanhamentos harmônicos, ao violão ou
à guitarra, recebem na obra do artista; sua maneira de harmonizar revela a influência do jazz,
já que ele está constantemente improvisando a sequência dos acordes, sendo que dificilmente
harmonizará, de maneira idêntica e com as mesmas aberturas, uma música caso execute-a
mais de uma vez; isso se comprova ao observarmos diferentes performances do músico. O
recurso da re-harmonização é recorrente em suas interpretações de composições de
terceiros3 e seus solos improvisados, por vezes, não se dissociam completamente de seus
acompanhamentos harmônicos, uma vez que Horta cria solos nos quais o pensamento é mais
2
Presente do disco Terra dos Pássaros (1980).
3
“Pedro Pedreiro” (Quaquer Canção, 1994), “Stella by Starlight” (Once I Loved, 1992) e
“Summertime” (Toninho in Vienna, 2007) são alguns exemplos.
harmônico do que propriamente melódico.4 Nesses casos ele faz uso de seu extenso
vocabulário de aberturas de acordes, aplicando inversões, sobreposições e re-
harmonizações. Em suma, grande parte da originalidade e singularidade da obra do músico
deve-se à maneira singular como ele aplica a harmonia em sua execução instrumental.
Todos os acordes seguintes foram transcritos, pelos autores, do DVD Ton de Minas
(2010), pois por se tratar de um registro audiovisual foi possível identificar a maneira exata
como o violonista executou as aberturas, atentando para a digitação; todas possuem o
elemento central deste artigo, o uso de pestanas com os dedos 2, 3 e 4. Além disso, a
formação instrumental desse trabalho é apenas violão, com o próprio artista cantando e se
acompanhando, o que faz com que ele realize acordes mais cheios para maior
4
Seu solo em “Stella by Starlight” (Once I Loved, 1992) talvez seja um dos exemplos que melhor
ilustre essa característica. Nesse improviso, o músico utiliza quase que exclusivamente acordes em bloco, sem a
presença de single notes; ele cria motivos rítmicos com essas aberturas, sendo que melodias soam através das
notas de ponta dos acordes (notas mais agudas). Esse procedimento é análogo à técnica de escrita em bloco para
naipes de sopro de uma big-band e é também muita utilizada por arranjadores do universo do jazz.
5
“A pestana de falange permite que, com apenas um dedo, duas ou três cordas intermediárias sejam
pressionadas sem que isto afete as cordas mais agudas, que podem estar soltas.” (Idem, 2011: 6). As pestanas
de falange são comumente utilizadas por Toninho.
preenchimento. Esses acordes também podem ser tocados omitindo algumas notas, como
faz o próprio, às vezes.
Abaixo seguem, à esquerda, aberturas de acordes sem o recurso das pestanas com
os dedos 2, 3 e 4 (normalmente mais convencionais) e, à direita, os voicings ampliados que
Toninho utiliza. É possível notar que as aberturas da direita derivam das da esquerda.
A utilização da pestana com o dedo 2 permitiu o acréscimo da 9ª maior (nota Lá), pois
tornou o dedo 4 livre para alcançar essa nota.
6
P.d. 2: pestana com o dedo 2.
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Figura 5 – Gm7(b5) Figura 6 – Gm7(b5)(9) – p.d. 2
→
Figura 7 - G7M(6) Figura 8 – G7M(6)(9) – p.d. 2
Outros exemplos análogos; uso da pestana com o dedo 2 para acréscimo da 9ª maior
com a utilização do dedo 4. Nessa última abertura, figura 8, é possível fazer uso da pestana
com o dedo 4 nas 2ª e 1ª cordas, no entanto Toninho utiliza a pestana com o dedo 2 nas 4ª e
3ª cordas. Para decisão de escolha entre uma pestana ou outra, voltamos ao artigo de
Madeira e Scarduelli (2011: 10), no qual os autores ressaltam que cada intérprete deve
escolher a mecânica do movimento que lhe seja mais conveniente, atentando para os pontos
de vista técnico e musical.
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Figura 11 – Cº(7M) Figura 12 – Cº(7M) – p.d. 2
Nas aberturas acima, figuras 9 a 12, a pestana com o dedo 2 também tornou livre o
dedo 4 para realizar a dobra da 3ª maior (Figura 10) e da 7ª maior (figura 12). Embora o dedo
3 também esteja livre, é mecanicamente muito difícil utilizá-lo tanto para construir a pestana
quanto em substituição ao dedo 4.
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Figura 13 – C7M(#5) Figura 14 – C7M(#11)(#5) – p.d. 2
→
Figura 17 – Cm7(b5)(9) Figura 18 – Cm7(b5)(9)(11) – p.d. 2
Na abertura da figura 15 também pode ser utilizada a pestana convencional (dedo 1).
Observa-se que a pestana com o dedo 2 liberou o dedo 1 para alcançar outras notas; dobra
da 6ª maior (figura 16) e 11ª justa (figura 18).
Seguem mais dois exemplos comparativos de aberturas utilizadas por Horta que
derivam de outras mais convencionais:
Pestanas com o dedo 3 para tornarem livre o dedo 4 e acrescentar a 9ª maior e a 13ª
maior, respectivamente (Figuras 20 e 22). A pestana com o dedo 3 gera a posição mais
confortável para realizar a ampliação.
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Figura 23 – G7(b9)(#11) – p.d. 3 Figura 24 – G7(b9)(#11) – p.d. 3
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Figura 25 – G7(11)(13) – p.d. 3 Figura 26 – G7(11)(13) – p.d. 3
Nas figuras 24 e 26 observa-se que o uso da pestana com o dedo 3 possibilitou o
acréscimo da 5ª justa através do dedo sobressalente (2). Nas figuras 23 e 24, a meia pestana
poderia ser formada com o dedo 4.
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Figura 31 – C7M Figura 32 – C7M(6) – p.d. 4
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Figura 33 – G7(9)(13)s.3ª Figura 34 – G7(9)(13)s.3ª – p.d. 4
A pestana com o dedo 4 nas figuras 28, 30 e 32 é anatômica, pois requer pouco esforço
para realizá-la e não gera uma ampla abertura de dedos; ela também permitiu o acréscimo da
13ª menor (figuras 28 e 30), 6ª maior (figura 32) e dobra da 9ª maior (figura 34).
5. Considerações Finais
Pela análise comparativa entre aberturas mais convencionais e outras utilizadas por
Horta, é possível inferir que o uso das pestanas com os dedos 2, 3 e 4, principalmente a
pestana de falange, é uma estratégia efetiva para ampliação de acordes, a qual Toninho
explora com bastante profundidade. Nota-se que a utilização das pestanas facilita a execução
de intervalos de 4ª justa e 3ª maior entre cordas adjacentes, de 7ª menor, ao pular uma corda,
6ª maior entre as 4ª e 2ª cordas e também entre as 3ª e 1ª cordas. Ressaltamos que essa
ampliação dos acordes só é possível porque um dos dedos da mão esquerda executa mais
de uma nota.
O emprego dessas pestanas também pode ser útil caso gere uma posição mais
anatômica e confortável, a depender do músico. Todos os acordes sem cordas soltas
presentes nesse artigo podem ser transpostos para outros tons, a fim de ampliar o vocabulário
harmônico do violonista; o mesmo pode buscar mais alternativas de expansão de acordes
utilizando essas pestanas. Entretanto, vale ressaltar novamente que para alguns
instrumentistas a utilização desse procedimento pode ser de difícil execução, devido a
facilidades e dificuldades intrínsecas ao seu biótipo.
Referências Bibliográficas
A Música Audaz de Toninho Horta. Dir.: Fernando Libânio. Brasil. Arcanga Filmes e Minas
Records. 2011. (Documentário).
CAMPOS, Maria Tereza R. Arruda. Toninho Horta – Harmonia Compartilhada. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2010.
NICODEMO, Thais Lima. Terra dos Pássaros: Uma Abordagem Sobre as Composições de
Toninho Horta. 2009. 214 p. Dissertação (Mestrado em Música). Instituto de Artes, Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), Campinas, 2009.
Pedro Pedreiro. Toninho Horta/Carlos Fernando. Chico Buarque. Qualquer Canção. Faixa 4.
Warner Music Brasil. Rio de Janeiro, 1994.
POLO, Victor Rocha. Toninho Horta: Um Estudo Sobre o Uso de Blocos de Acordes nos
Seus Solos Improvisados. 2014. Iniciação Científica (Pibic/CNPq). Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), Campinas, 2014.
Stella by Starlight. Toninho Horta. Victor Young/Ned Washington. Once I Loved. Faixa 3.
PolyGram Records USA. Nova Iorque, 1992.
Summertime. Toninho Horta. George Gershwin. Toninho in Vienna. Faixa 3. Pao Records.
Vienna, 2007.
Terra dos pássaros/Beijo Partido. Toninho Horta. Terra dos Pássaros. Faixa 9. EMI-Odeon.
Rio de Janeiro, 1980.
Ton de Minas - Solo ao Vivo. Prod. Paulo Nicolsky. Brasil. Minas Records. 2010. (Show e
Entrevista).
Violões de Minas. Dir. Geraldo Vianna. Brasil. Gvianna Produções Culturais. 2007.
(Documentário).
ZANON, Fábio. O Violão em Minas Gerais - Juarez Moreira e Chiquito Braga, 23/01/2008,
57’17’’. Programa da série “O Violão Brasileiro”, Rádio Cultura FM de São Paulo.
<http://vcfz.blogspot.com/> Acesso em 4 de outubro de 2013.