Anibal Costa

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METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA EM

CONSTRUÇÕES TRADICIONAIS

ANÍBAL COSTA

Junho 2010
1. INTRODUÇÃO

A metodologia a usar na avaliação da segurança de estruturas, segue a que tem sido usada pelo
Núcleo de Conservação e Reabilitação de Edifícios e Património (NCREP) da FEUP para a
verificação da segurança e reforço do património edificado, que por sua vez se baseia nos
princípios estabelecidos nas “Recomendações para a Análise, Conservação e Restauro
Estrutural do Património Arquitectónico” [1], nomeadamente tendo em conta que “a
especificidade das estruturas do património, com a sua história complexa, requer a
organização de estruturas e propostas em fases semelhantes às que são utilizadas em
medicina. Anamnese, diagnóstico, terapia e controlo correspondem, respectivamente à análise
da informação histórica, identificação das causas dos danos e degradações, selecção das
acções de consolidação e controlo da eficácia das intervenções.
A compreensão completa do comportamento estrutural e das características dos materiais é
necessária a qualquer projecto de conservação e restauro. É essencial recolher informação
sobre a estrutura no seu estado original, sobre as técnicas e métodos utilizados na sua
construção, sobre as alterações posteriores e os fenómenos que ocorreram e, finalmente, sobre
o seu estado presente.
O diagnóstico é baseado em informações históricas e em abordagens qualitativas e
quantitativas. A abordagem qualitativa é baseada na observação directa dos danos estruturais e
degradações dos materiais, como também na investigação histórica e arqueológica, enquanto
que a abordagem quantitativa requer ensaios das estruturas e dos materiais, monitorização e
análise estrutural.
Antes de se tomar uma decisão sobre a intervenção estrutural, é indispensável determinar
anteriormente as causas dos danos e degradações, e em seguida, avaliar o nível de segurança
actual da estrutura.
A avaliação da segurança, constitui a etapa seguinte ao diagnóstico, é a fase em que a decisão
sobre a possível intervenção é definida, sendo necessário conciliar a análise qualitativa com a
análise quantitativa.
Toda a informação adquirida, o diagnóstico (incluindo a avaliação da segurança) em qualquer
decisão sobre a intervenção, deve ser discutida em detalhe no Relatório de Avaliação”.
Este relatório deve conter uma análise crítica e cuidada da segurança da estrutura, de forma a
justificar as medidas de intervenção e facilitará o juízo sobre as decisões a tomar.
Essas medidas deverão ser dirigidas à raiz das causas que provocaram os danos e nenhuma
acção deverá ser empreendida sem se demonstrar que é indispensável. Todo e qualquer
projecto de intervenção deverá “ser baseado numa compreensão clara dos tipos de acções que
foram a causa dos danos ou degradações e das acções que irão actuar no futuro” [1].

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2. METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO
A metodologia de intervenção que irá ser referida procura respeitar os princípios referidos
anteriormente, começando na generalidade dos casos por uma ou várias inspecções à
construção que, frequentemente, ultrapassam bastante o foro estritamente estrutural. De facto,
a fim de respeitar a história que confere um carácter por vezes único à edificação em apreço,
as inspecções devem ser acompanhadas de um levantamento histórico que permita datar a
estrutura, analisar a sua trajectória, as alterações e outras intervenções sofridas no tempo, de
modo a melhor compreender o seu estado actual [2]. Esse levantamento inclui visitas ao local,
conversas com os proprietários e/ou pessoas ligadas à edificação, recolha de elementos
históricos escritos ou fotográficos e consultas de especialistas [3].
Naturalmente, dependendo do maior ou menor grau de actuação, quer de análise para
avaliação de segurança, quer de efectiva intervenção de reabilitação e/ou reforço estrutural,
assim a inspecção e diagnóstico deverão cobrir uma maior ou menor gama de aspectos.
Independentemente de serem (ou não) todos considerados num dado caso específico
apresentam-se os procedimentos a que têm sido adoptados em diversos trabalhos:
1. Recolha e análise histórica
2. Danos observados
3. Caracterização geométrica da construção existente
4. Caracterização mecânica
5. Identificação e estabelecimento de modelos estruturais adequados
6. Calibração do modelo numérico
7. Análise e interpretação dos resultados
8. Avaliação da Segurança
9. Técnicas de reforço a aplicar
10. Monitorização

Os aspectos mencionados, não sendo exaustivos da prática de inspecção e diagnóstico,


configuram um conjunto de etapas importantes a ter em conta e que, em larga medida,
constituem a metodologia adoptada nos diversos casos práticos tratados ao longo dos últimos
anos. De realçar que um aspecto fundamental a ter em conta neste tipo de trabalhos é o que se
refere à monitorização das construções, que deverá ser sempre implementado, se possível
logo no início do estudo, para que os resultados dessa monitorização possam ajudar na decisão
a tomar e possam no futuro aquilatar a qualidade da intervenção realizada.
A execução da obra deverá ser sempre realizada por pessoal qualificado. Este tipo de
intervenção exige empresas vocacionadas para este tipo de trabalhos, que estejam habituados
a usar tecnologias apropriadas e que possam interactuar com a equipa projectista, já que no
decorrer da obra surgem normalmente situações que obrigam a medidas especiais ou a
alterações importantes que devem ser explicadas e apreendidas de uma forma célere e
eficiente pela pessoas responsáveis pela obra.
Iremos procurar clarificar e discutir cada um dos procedimentos referidos associando-os a
casos práticos e procurando mostrar que em qualquer um desses casos o respeito e a

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preocupação pelas Recomendações do ICOMOS.

2.1 RECOLHA E ANÁLISE HISTÓRICA


O conhecimento dos critérios de projecto inicial (quando disponíveis) e de eventuais
sucessivas fases de construção ou intervenções estruturais, assim como das técnicas de
construção e características dos materiais usados, pode ser de grande utilidade para a
interpretação do comportamento estrutural e para a definição de pesquisas adicionais de maior
especificidade [4]. Nas figuras 1 e 2 apresentam-se alguns exemplos de elementos recolhidos
na pesquisa histórica. No caso da figura 1 apresentam-se fotografias relativas ao estudo
desenvolvido para a Igreja do Mosteiro da Serra do Pilar [5], e na figura 2 a) uma fotografia
alusiva à construção da Ponte Luiz I e obtida no âmbito de um estudo que teve como principal
objectivo avaliar as consequências da passagem do metro na referida ponte e ao mesmo tempo
efectuar um levantamento das anomalias que a obra apresentava, já que as últimas
intervenções de manutenção decorreram nos anos 80 [6]. Na figura 2 b) apresentam-se
pormenores de armaduras do sistema Hennebique, recolhidas no trabalho de avaliação da
segurança estrutural do edifício Palladium, sito no gaveto das ruas de Stª Catarina e de Passos
Manuel e onde foi possível verificar que na perspectiva da Engenharia Civil o edifício teve
muitos motivos de interesse, uma vez que se tratava de um dos primeiros, se não mesmo o
primeiro edifício construído no Porto inteiramente em betão armado, [7].
Ao tempo esta tecnologia, então nascente, era exclusiva de certos "engenheiros - construtores"
detentores de patente como é o caso de Coignet, Hennebique e outros.
A consulta de tratados da época (C. Berger e V. Guillerme - La Construction en Ciment Armé
- 1909; M.-A. Morel - Le Ciment Armé et ses Applications - 1913; M. G. Espitallier - Béton
Armé - 1913) que descrevem os vários sistemas então utilizados, permitem uma provável
atribuição da construção a Hennebique cuja pormenorização de armaduras é muito idêntica à
que se encontrou na pesquisa bibliográfica efectuada.
Destes pormenores refiram-se como mais característicos, a utilização de estribos em chapa de
ferro, abraçando cada um apenas um varão inferior ao seu correspondente na face superior,
quando existe, e a utilização de varões de momentos negativos que, muito próximo ainda dos
apoios, são baixados em direcção aos terços de vão, transpondo para o interior do betão o
esquema de "viga armada", ou seja com tirante exterior, figura 2 b).

Figura 1 – Recolha de informação histórica

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a) Pormenor da construção da Ponte b) Pormenores de armaduras do sistema
Luíz I Hennebique
Figura 2 – Recolha de informação histórica

2.2 DANOS OBSERVADOS

A identificação de todas as patologias (estruturais em particular) e a elaboração de um registo


fotográfico detalhado e adequadamente localizado nas peças desenhadas da construção é um
dos aspectos essenciais no desenvolvimento deste tipo de trabalhos. Em particular, o
levantamento das fendas observáveis na estrutura, a sua distribuição e abertura são elementos
importantes para uma avaliação qualitativa primária do equilíbrio e da segurança estrutural,
bem assim como o reconhecimento de possíveis causas de instabilidade [8]. Especial atenção
deve ser devotada à eventual presença de água no interior das construções, frequentemente
resultante de problemas de infiltrações ou de deficiente drenagem das águas pluviais e que
estão na origem de muitas avarias estruturais. Em regra, uma inspecção visual pode já
fornecer informações preciosas sobre o estado de conservação e sobre as medidas a adoptar na
fase de reabilitação. No caso da ocorrência de uma catástrofe natural, por exemplo um sismo,
situação mais ou menos frequente nos Açores, os danos podem ser significativos e
distribuídos pelas diversas construções históricas das ilhas, afectando de um modo muito
significativo o património português. Nas figuras 3 a) e 3 b) apresentam-se dois aspectos da
destruição causada pelo sismo de 9 de Julho de 1998 numa Igreja da Ilha do Pico, figura 3 a) e
numa moradia da Ilha do Faial, figura 3 b), (para mais informação ver [9] e [10]). Na figura
3c) apresenta-se um aspecto dos danos verificados na Igreja de St. António de Viana do
Castelo [11], atribuíveis a um assentamento na base das colunas tendo-se recomendado um
plano de monitorização, que foi efectuado e que irá permitir compreender o tipo de
movimentos que as colunas estão a sofrer e a partir da análise desses resultados a intervenção
a efectuar.

5
(a) Igreja da Ilha do Pico (b) Moradia na Ilha do Faial (c) Igreja de St. António
Figura 3 – Danos Observados

2.3 CARACTERIZAÇÃO GEOMÉTRICA DA CONSTRUÇÃO EXISTENTE


A definição geométrica da construção existente, recorrendo a elementos já existentes ou
baseada (ou complementada) em levantamentos com meios topográficos tradicionais ou com
técnicas fotogramétricas é fundamental num trabalho desta natureza. Um estudo geométrico
rigoroso permite desde logo detectar eventuais irregularidades, tais como desvios verticais e
horizontais relacionados com as avarias estruturais [8]. No caso da Igreja de Vimioso, figura 4
a) [12] esse levantamento permitiu detectar irregularidades ao nível da nave da cobertura, em
contrafortes e no arco do altar. No caso da Ponte Luiz I, figura 4 b), teve-se acesso ao projecto
original, cuja memória descritiva era assinada por Gustave Eiffel e foi possível verificar que o
projecto não correspondia ao que tinha sido efectivamente construído [13]. Os desenhos
disponíveis do projecto original, Figura 5, permitiram quase na totalidade definir a geometria
geral da obra, a menos de algumas questões levantadas, quando se depararam com desenhos
que continham correcções feitas à posteriori. Houve assim necessidade de analisar a obra real
de modo a despistar as dúvidas que surgiram no levantamento da geometria.
A confrontação da informação disponível com a obra real, permitiu concluir que a zona
central compreendida entre os dois maiores pilares metálicos é a única que se encontra em
conformidade com o projecto original.
Os restantes tramos do tabuleiro superior, quer do lado de Gaia quer do lado do Porto,
apresentam comprimentos diferentes. Verificou-se ainda que as vigas do 1º tramo do lado de
Gaia se encontram divididas em 8 aspas, em vez das 9 de projecto, e as vigas do 2º tramo
constituídas por 10 aspas em vez das 11 de projecto. Aspa é a porção de viga entre dois
montantes consecutivos [6].

6
Tramo 1 Tramo 2 Tramo 3 Tramo 4 Tramo 5 Tramo 6 Tramo 7 Tramo 8 Tramo 9 Tramo 10 Tramo 11 Tramo 12 Tramo 13
GAIA PORTO

Pilar 1
Pilar 2 Pilar 3

a) Levantamento topográfico da Igreja de b) Caracterização geométrica da Ponte Luiz I


Vimioso
Figura 4 – Caracterização Geométrica

Figura 5 – Alçado de montante, reprodução do projecto original

2.4 CARACTERIZAÇÃO MECÂNICA


No desenvolvimento do trabalho é fundamental a definição de eventuais ensaios a realizar
para caracterização dos materiais e da estrutura, incluindo os elementos das fundações. Os
ensaios sobre materiais de diversas partes da estrutura e das fundações, através da recolha de
amostras para análise em laboratório ou mediante ensaios não-destrutivos (ou até ligeiramente
destrutivos) realizados in-situ, destinam-se essencialmente à sua caracterização física e
mecânica e, eventualmente à identificação e calibração de relações constitutivas a usar nos
modelos estruturais [14]. Por seu turno, os ensaios estáticos ou dinâmicos envolvendo a
construção no seu todo ou em partes, são destinados a validar o seu comportamento estrutural
quer em termos das suas prestações em serviço (ex.: ensaios de carga) quer em termos de
resultados comparativos para calibração do modelo estrutural [6].
No caso de estruturas de alvenaria de pedra, podem-se extrair carotes de pedra e de pedra e
junta de modo a ser possível realizar uma série de ensaios, por exemplo, resistência à
compressão e tracção da pedra, ensaios de carga normal e de deslizamento em juntas, etc, por
outro lado devem ser efectuados outros ensaios in situ, por exemplo medição da velocidade de

7
ultra-sons, tomografias, etc. Na figura 6 apresenta-se os ensaios realizados na Igreja do
Mosteiro da Serra do Pilar, situada em Vila Nova de Gaia, num estudo desenvolvido no
âmbito de uma tese de mestrado [5].
A extracção das amostras a ensaiar, que foi realizada em duas paredes da fachada da igreja,
com recurso a uma máquina de corte rotativo com coroa diamantada, permitiu ter uma ideia
da disposição das pedras ao longo do interior das paredes, bem como dos vazios das mesmas.

(a) extracção de carotes (b) amostra de material (c) interior dos orifícios

Figura 6 – Extracção de carotes na Igreja do Mosteiro da Serra do Pilar

A partir das carotes extraídas no local é possível realizar uma série de ensaios, de que se
apresentam alguns na figura 7, que permitem obter a resistência à compressão, à tracção, ao
corte e o módulo de elasticidade.

(a) compressão (b) tracção (c) corte


Figura 7 - Ensaios sobre carotes de pedra

As construções históricas são normalmente realizadas em paredes de alvenaria com juntas


secas ou com junta com argamassa, sendo importante quantificar a resistência a cargas
normais e ao deslizamento dessas juntas. Na figura 8 apresentam-se alguns ensaios realizados.

8
(a) provete de junta (b) fase inicial do ensaio (c) provete após ensaio de corte
Figura 8 - Ensaios de caracterização das junta

A partir dos ensaios de carga normal e de deslizamento [5] pode-se estimar a rigidez normal e
tangencial das juntas, o que permite definir a lei de comportamento das juntas.
Além de ensaios a provetes extraídos nas construções é possível avaliar as características de
elementos estruturais, recorrendo a outro tipo de ensaios.
No estudo já referido [5] determinou-se o módulo de elasticidade das paredes da Igreja
(referido à zona ensaiada) com recurso à utilização de um dilatómetro, que através da
aplicação de uma pressão do tipo hidrostática exercida pelo dilatómetro (nomeadamente na
zona da membrana do aparelho) sobre as paredes de furos realizados na estrutura, figura 9, e
com recurso à medição dos deslocamentos resultantes da pressão aplicada permite determinar
o módulo de elasticidade da zona em análise [5].

(a) equipamento (b) colocação do dilatómetro (c) ensaio


Figura 9 - Ensaio de dilatómetro

Também é frequente recorrer-se a ensaios experimentais, no local ou em laboratório para


caracterizar mecanicamente elementos estruturais. Na figura 10 apresenta-se dois exemplos de
ensaios, que permitiram avaliar a capacidade resistente das paredes à acção dos sismos mas
também permitem a obtenção do módulo de elasticidade das paredes [15] e [16].

9
a) Ensaios no Faial em paredes de b) Ensaio em laboratório numa parede de
alvenaria de moradias alvenaria proveniente dos Açores
Figura 10 – Ensaios em elementos estruturais

2.5 IDENTIFICAÇÃO E ESTABELECIMENTO DE MODELOS ESTRUTURAIS


ADEQUADOS

A identificação e estabelecimento de modelos estruturais adequados, baseados em premissas


coerentes com a observação da estrutura e com os resultados dos ensaios experimentais (caso
existam) é um ponto essencial na avaliação da segurança das construções existentes. Esta
avaliação da segurança é uma tarefa difícil, uma vez que os métodos de análise estrutural
utilizados para construções novas podem não ser precisos nem fiáveis para as estruturas
históricas, podendo resultar em decisões inadequadas. Isto deve-se a diversos factores, tais
como a dificuldade em entender correctamente a complexidade de uma construção antiga ou
monumento, as incertezas relativas às características dos materiais, a representação imperfeita
do comportamento estrutural, associada às simplificações adoptadas. A essência do problema
é identificar modelos numéricos que descrevam adequadamente a estrutura e os fenómenos
associados com toda a sua complexidade, tornando possível a aplicação das teorias
disponíveis. A análise estrutural é uma ferramenta indispensável mas a compreensão dos
aspectos - chave e a fixação correcta dos limites para o uso das técnicas matemáticas depende
da utilização que o especialista faz do seu conhecimento científico. Qualquer modelo deverá
ter em conta três aspectos fundamentais na avaliação da segurança: o esquema estrutural, as
características dos materiais e as acções a que a estrutura está submetida. Na definição dos
modelos estruturais convém ainda ter em conta o objectivo da modelação, já que tal poderá
influenciar a configuração dos modelos. Estes podem ser concebidos com o objectivo de
reproduzir e interpretar as avarias estruturais encontradas, ou de prever a resposta estrutural
sob condições ainda não experimentadas ou ainda de simular os efeitos resultantes de
intervenções de reabilitação e/ou reforço [4].

Nos trabalhos desenvolvidos têm sido usados diversos programa. Um dos primeiros foi o
NLDYNA, desenvolvido na FEUP [17], que permite utilizar elementos sólidos

10
tridimensionais e elementos de barra, entre outros, tendo sido adoptado para realizar as
modelações e análises de construções em alvenaria. Com os elementos sólidos tridimensionais
modelam-se as paredes de alvenaria, escadas, pilares, vigas, etc. Os elementos de barra
serviram para modelar os barrotes de madeira que constituem o pavimento e o tecto. Outro
programa bastante usado é o CASTEM2000, [18] que é uma ferramenta mais geral de
modelação e análise estrutural e está disponível na FEUP desde 1997 e na UA desde 2000,
através de um protocolo de utilização e desenvolvimento estabelecido com a sua instituição de
origem, o CEA (Centro de Energia Atómica francês) em Paris. Em estreito contacto com o
Laboratório ELSA (European Laboratory for Safety Assessment) da Comissão Europeia em
Ispra, Itália, que é uma instituição com forte experiência na utilização de CASTEM2000, este
programa tem vindo a ser usado de forma intensiva na FEUP no âmbito do estudo de
estruturas antigas de alvenaria de grandes dimensões [5], [19]. Na figura 11 apresentam-se os
modelos numéricos da Igreja do Mosteiro da Serra do Pilar sita em Vila Nova de Gaia e o da
Igreja das Bandeiras da Ilha do Pico, Açores, modeladas com recurso ao CASTEM2000, na
figura 12 a) o modelo estrutural de uma moradia da Ilha do Faial, Açores modelada com
recurso ao NLDYNA e na Figura 12 b) o modelo da Ponte Luiz I que foi modelada com
recurso ao programa FEMIX [20] desenvolvido na FEUP e que foi usado em alguns casos.

a) Igreja do mosteiro da Serra do Pilar b) Igreja dos Açores


Figura 11 – Modelos numéricos

a) Moradia dos Açores b) Ponte Luíz I


Figura 12 – Modelos Numéricos

11
2.6 CALIBRAÇÃO DO MODELO ESTRUTURAL

A calibração dos modelos numéricos e o ajuste criterioso dos parâmetros de comportamento


(eventualmente sustentado por análises de sensibilidade), de forma a reproduzir o melhor
possível a resposta estrutural obtida dos ensaios experimentais assumem particular
importância na avaliação da segurança de uma construção existente. Esta calibração é
normalmente efectuada com recurso à comparação das frequências numéricas com as
experimentais, assim, numa primeira fase são calculadas as frequências próprias das estruturas
das construções, usando-se para as propriedades dos materiais os valores obtidos nos ensaios
realizados in situ [14] e numa segunda fase e sempre que possível, são medidas
experimentalmente as frequências nos locais, procedendo-se em seguida à comparação dos
valores obtidos no cálculo com os experimentais, permitindo assim realizar uma calibração
mais sustentada dos valores adoptados para essas propriedades dos materiais (basicamente, o
módulo de elasticidade da alvenaria). A medição experimental das frequências tem sido
realizada de uma forma sistemática em quase todas as construções que se tem intervido, para
calibrar as propriedades dos materiais, muitas vezes procurando obter só a primeira frequência
[15], [16], [21] e noutras procurando-se fazer uma identificação modal de modo a ser possível
a obtenção das primeiras frequências e dos respectivos modos de vibração, [19], [22], [23]. Na
figura 13 apresenta-se os registos obtidos na campanha experimental realizada na Igreja do
Mosteiro da Serra do Pilar e na figura 14 os dois primeirosmodos de vibração obtidos
numericamente.
4,0 1.E+02

4.44 Hz

6.79 Hz
3,0
1.E+01
2,0
Acceleration (mg)

Explosion
1.E+00
S ((cm/s2)2/Hz)

1,0

0,0
1.E-01

9.96 Hz
-1,0

9.52 Hz
8.64 Hz
3.08 Hz

1.E-02
0.63 Hz

Ambient vibration
3.52 Hz

-2,0

-3,0 1.E-03

-4,0
4 4,5 5 5,5 6 1.E-04
0.0 1.0 2.0 3.0 4.0 5.0 6.0 7.0 8.0 9.0 10.0 11.0 12.0
T im e (seg.)
frequência (Hz)

a) Instalação de sensores b) Registos e cálculo de correlações


Figura 13 – Calibração de modelos numéricos

a) 1º modo de vibração b) 2º modo de vibração


Figura 14 – Modos, numéricos, de vibração da Igreja da Serra do Pilar

12
2.7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

A análise estrutural é uma ferramenta indispensável. Mesmo quando os resultados do cálculo


e a análise não são exactos, é possível obter distribuições das tensões e isostáticas de tracção e
compressão que permitem identificar possíveis zonas críticas, figura 15 [10]. Os modelos
numéricos, devidamente calibrados, como se referiu no ponto anterior, permitem a
comparação dos danos teóricos produzidos pelos diferentes tipos de acções com os danos
efectivamente observados, ver figura 16 relativa ao estudo efectuado para o reforço da Igreja
das Bandeiras, na Ilha do Pico, [9]. È evidente que a compreensão do comportamento
estrutural da construção e a análise e interpretação dos resultados, bem como a correcta
definição dos limites de validação dos modelos numéricos depende da utilização que o
especialista faz do seu conhecimento científico e da sua experiência prática.

(a) Esforços normais (b) Momentos flectores


Figura 15 – Tensões máximas na fachada principal

(a) Fachada Principal e Torres (b) Torre direita e alçado lateral direito
Figura 16 – Isóstáticas de tracção e compressão e fendas verificadas no
local

13
Um programa apropriado de investigação, com vários técnicos envolvidos, a experiência de
vários casos acompanhados, ao longo dos tempos e sempre que possível, monitorizados,
podem aumentar a fiabilidade da análise e da interpretação dos resultados, sendo este um dos
aspectos em que mais se tem apostado.

2.8 AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA

A avaliação da segurança é efectuada com base na análise dos resultados obtidos na


modelação estrutural e da sua comparação com a capacidade resistente dos elementos
estruturais que compõem o edifício, com base em princípios e regras pré - definidas, serão
identificados os diversos elementos a reforçar.

A avaliação da segurança é um passo essencial na análise e interpretação dos danos


observados e na conclusão do diagnóstico, dado que permitirá tomar decisões sobre a
necessidade e extensão das medidas de intervenção. No entanto esta tarefa é extremamente
difícil uma vez que a dificuldade em entender correctamente a complexidade de uma
construção antiga ou monumento, as incertezas relativas às características dos materiais
(apesar da calibração dos modelos já referida) e o conhecimento deficiente da história correcta
da construção levanta dificuldades, que, por vezes, só a realização de ensaios de carga ajuda a
ultrapassar [24] e a monitorização e a experiência da equipa permite contornar.

A análise combinada de toda a informação obtida, em cada um dos pontos descritos


anteriormente e o estabelecimento de determinados princípios [7] podem conduzir à melhor
decisão sobre as medidas a tomar. Por exemplo, no trabalho já referido sobre a Ponte Luíz I,
elaborou-se um programa que gerava o desenho da ponte, colorindo as barras conforme a
tensão nelas instalada. Os intervalos de tensão correspondentes a cada cor, idênticos para
tracção e compressão, foram adoptados segundo o esquema seguinte:
σ instalado σ instalado σ instalado
0.5 ≥ 0.875 < ≤ 1.0 1.125 < ≤ 1.25
(preto) σ rd σ rd σ rd
(azul claro) (amarelo)

σ instalado σ instalado σ instalado


0.5 < ≤ 0.875 1.0 < ≤ 1.125 > 1.25
(azul escuro) σ rd (verde) σ rd (vermelho) σ rd

A tensão σrd, usada para tensão de referência, foi obtida por majoração da tensão que, de
acordo com a literatura especializada, é considerada como tensão admissível para aços de
obras com idade idêntica à Ponte Luiz I, ou seja, a tensão de 105 MPa. Os ensaios
experimentais efectuados com os provetes retirados da ponte confirmaram este valor.

σrd = 1.5×105 = 157.5 MPa

14
A apresentação dos resultados revelou-se muito sugestiva e a sua interpretação resulta
bastante simplificada, tornando evidentes as barras cujas tensões estão próximas ou excedem
o máximo admissível. A figura 17 exibe para uma dada combinação das acções, conforme
notação utilizada, a coloração da ponte conforme a tensão instalada nas barras, de acordo com
os intervalos anteriormente apresentados e donde é possível concluir quais as barras a
reforçar.

Figura 17 – Coloração dos elementos estruturais da Ponte Luíz I em função da tensão


instalada

2.9 TÉCNICAS DE REFORÇO A APLICAR

A decisão e a escolha das técnicas de reforço devem ser o resultado da análise global e de
investigação. Em primeiro lugar, deve-se avaliar a segurança presente e depois os níveis
esperados ou que podem ser alcançados como resultado da acção; a análise matemática,
especialmente com respeito ao comportamento sísmico de construções antigas é
frequentemente só parcialmente fidedigna e a análise teórica deveria ser sempre interpretada
em função do comportamento da estrutura ao longo do tempo e com observação no local
precisa e com muita experiência prática [1].

As intervenções em construções, são um compromisso entre a execução de um pequeno


trabalho de conservação, tentando não interferir com o conceito original da construção e a
necessidade de uma intervenção de reforço para assegurar as exigências de segurança; assim,
o trabalho deve ser determinado e deve ser levado a cabo conforme uma análise detalhada das
técnicas específicas e tecnologias que eram originalmente usadas na construção.

As técnicas de reforço em construções podem ser essencialmente de dois tipos: preventivas ou


interventivas; referindo-se as primeiras às técnicas a usar para prevenir, evitar ou atenuar os
danos e o colapso e as segundas às técnicas de intervenção a realizar após a ocorrência dos
danos. Qualquer uma destas técnicas passa essencialmente por duas metodologias de

15
intervenção: actuação ao nível global da construção ou intervenção ao nível dos elementos
estruturais.

2.9.1 – Actuação ao Nível Global da Construção

Nas construções antigas a actuação ao nível global deverá consistir em: assegurar a
continuidade entre os diversos elementos estruturais (nestes casos paredes, pisos e
coberturas); assegurar as conexões (ligações) entre esses elementos e introduzir apoios
(ligações) entre os mesmos. Uma técnica de reforço bastante antiga (implementada na Ilha do
Faial, na sequência do sismo de 1927) e que se tem revelado bastante eficiente, consiste na
introdução de tirantes ao nível dos pisos, figura 18, que permitem ligar os panos de parede
opostos de alvenaria e que no caso das empenas soltas (paredes orientadas na direcção dos
barrotes que realizam o soalho) são fundamentais.

Figura 18 – Utilização de tirantes para ligar paredes


Esta técnica está amplamente difundida e tem vindo a ser aplicada de uma forma sistemática
ao longo dos tempos, figura 19 e também em intervenções recentes nos Açores, figura 20.

16
Figura 19 - Utilização de tirantes para ligar paredes

Figura 20 – Utilização de tirantes para ligar paredes

Muitas vezes a colocação desses tirantes poderá colocar problemas estéticos e arquitectónicos,
que terão de ser equacionados e resolvidos na altura da execução. Uma solução possível,
principalmente para monumentos (igrejas) será a utilização de uma estrutura de cobertura, que
poderá desempenhar diversas soluções estruturais: tirante a unir a cabeça dos contrafortes;
tirantes de sustentação das pedras do arco, de modo a evitar o seu desprendimento e o alívio
das cargas no arco (ver figura 21).

17
Figura 21 – Reforço dos arcos e atirantamento dos contrafortes (Igreja do Bonfim – Projecto
do Prof. Joaquim Sarmento)

Outras técnicas, com os mesmos objectivos, têm vindo a ser aplicadas em obras de reforço,
nas figuras 22 e 23, apresentam-se alguns exemplos de reforços de construções de alvenaria de
pedra, com vista a melhorar o seu comportamento global. Estas técnicas têm como finalidade
assegurar as ligações entre paredes opostas, obrigando-as a trabalhar em conjunto e
conferindo-lhes apoios ao longo da sua altura. Muitas destas intervenções poderiam ser
facilmente aplicadas na reabilitação das construções das cidades de Portugal, nomeadamente
em zonas onde a probabilidade de ocorrência de sismos de grande magnitude é maior,
principalmente na realização das denominadas obras de “Reabilitação Urbana” e outras do
mesmo tipo.

Figura 22 – Estrutura metálica para assegurar a ligação entre todas as paredes da


construção

18
Figura 23 – Cantoneira usada em toda a envolvente da construção para assegurar a
ligação entre todas as paredes [21]
Em resumo, poderemos referir que, normalmente, as técnicas de reforço a usar, consistem em
assegurar o funcionamento correcto de todas as conexões estruturais e melhorar a tensão de
tracção nas zonas críticas, sendo as acções de reforço mais frequentes as seguintes:

• As paredes devem ser ligadas umas às outras, ligando os elementos individuais, tijolos ou
pedras, ou reforçando-os, usando elementos horizontais adicionais ou outros elementos de
aço ou fibras, figura 24. A solução final deste tipo de reforço estará sempre dependente de
se conhecer a constituição e o modo construtivo das paredes da construção.
• Deve-se assegurar que a força nos cantos aos níveis de topo onde as forças de compressão
são mais baixas devido ao peso reduzido é bem absorvida, podendo em alguns casos
obrigar a amarrar a parede a outros elementos construtivos, figura 25.
• Deve-se assegurar uma boa transmissão dos esforços dos arcos e das abóbadas para os
contrafortes e paredes e a estabilidade desses contrafortes, que são muito sensíveis à
ocorrência de assentamentos. É importante tentar anular as componentes horizontais dos
impulsos que são transmitidos na cabeça das paredes ou dos contrafortes, podendo usar-se
para o efeito tirantes ou outras soluções que procurem minimizarem estes esforços, figura
26.
• Abóbadas e arcos realizadas em alvenaria radial não necessitam, normalmente, de reforço
especial. É diferente com abóbadas construídas com “reboco e argamassa pobre”. Nestes
casos, pode-se usar capas de betão em cima do extradoso ou superfície de topo para
reforçar a abóbada ou arco, mas este tipo de solução só deverá ser usado como uma
medida de emergência e só depois de perceber bem a constituição da abóbada e quando
nenhuma outra solução seja possível para estabilizar a estrutura.
• A conexão entre as paredes com os pisos e o telhado deve ser satisfatória, para prevenir a
separação completa da fachada; soluções como a que se apresenta na figura 27, pode ser
muito efectiva, especialmente ao nível de telhado mas, como sempre, o uso deles deve ser
avaliado no contexto geral da história da construção. A eficiência das conexões entre a

19
cobertura e as paredes, que estão sujeitas a forças perpendiculares horizontais é importante
para a estabilidade das paredes, já que troca o desfavorável comportamento em consola
para o "comportamento de viga" apoiada, figura 28.

Figura 24 – Ligações entre elementos estruturais [9]

Figura 25 – Esquemas de ligação entre paredes [25]

20
Figura 26 – Tirantes para absorver as componentes horizontais dos impulsos

a) Perspectiva b) Planta
Figura 27 – Amarração da parede na extremidade das paredes [10]

Figura 28 – Apoios das paredes ao longo da sua altura [10]

21
2.9.2 – Intervenção ao Nível dos Elementos Estruturais

A intervenção ao nível dos elementos estruturais, no caso das estruturas de alvenaria, está
relacionada com os materiais, que nestes casos são: a argamassa que pode ser consolidada ou
fortalecida através de diversas tecnologias, que são conhecidas; a alvenaria que pode ser
melhorada de modo a evitar-se a separação de pedras únicas e de paredes de revestimento em
alvenaria dupla, podendo para o efeito serem usadas injecções e em alguns casos usadas barras
adicionais de reforço para assegurar conexões adequadas entre as paredes e portanto nestes
casos as técnicas estão associadas ao melhoramento do comportamento da argamassa e das
paredes de alvenaria. Uma técnica que tem sido bastante usada nos Açores e testada em
laboratório, com ensaios experimentais realizados em paredes originárias do Faial, Açores,
tem sido a aplicação de redes de aço inox em ambas as faces da parede, sendo estas ligadas
por conectores metálicos, para realizar os chamados “travadouros” das paredes de alvenaria.
Nas figuras 29 e 30 apresentam-se imagens deste tipo de reforço, cuja eficácia foi comprovada
em laboratório, [16].

Figura 29 – Reforço de paredes de alvenaria com malhas de aço inox [16]

22
Figura 30 – Reforço de paredes de alvenaria com malha de aço inox [16]

Uma outra técnica consiste na injecção do interior da parede, de modo a haver um


preenchimento dos vazios internos da parede e uma homogeneização do material, figura 31.

Figura 31 – Injecção em paredes de alvenaria de pedra

23
2.10 MONITORIZAÇÃO

A possibilidade de monitorizar e analisar o comportamento estrutural real de uma construção,


constitui uma importante mais-valia para o conhecimento do comportamento e aferição dos
modelos numéricos das construções.

De modo a dar uma visão do tipo de trabalho que se pode realizar na monitorização de uma
construção, vamos apresentar o caso de uma ponte de alvenaria de pedra sobre o Rio Vizela,
em Vila Fria, que foi construída para substituir uma antiga passagem (figura 32) com graves
condições de segurança estrutural, [26].

Este trabalho insere-se numa iniciativa, aproveitada para fins científicos, realizada pelo
Instituto da Construção (IC) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)
em colaboração com a Câmara Municipal de Felgueiras e pode ser consultado nas páginas do
Núcleo da Conservação e Reabilitação de Edifícios e Património (NCREP) da FEUP.

Figura 32 - Vista geral da antiga passagem existente


O trabalho relativo ao projecto, construção e estudo do comportamento da ponte assume
carácter pluridisciplinar, abarcando diversas componentes, tais como: modelação e análise
estrutural; experimentação local e em laboratório para calibração de modelos numéricos;
instrumentação e medição de parâmetros estruturais e dos materiais; aquisição remota de
dados e monitorização de comportamento à distância.

Iremos procurar, de uma forma resumida, descrever a instrumentação usada para registar a
resposta estrutural da ponte, com referência ao sistema de aquisição de dados adoptado. Pelas
dificuldades e particularidades da obra, as fases essenciais da instalação dos sensores são
também abordadas sumariamente.

2.10.1 A NOVA PONTE DE VILA FRIA


Em face de requisitos arquitectónicos específicos, foi proposto o projecto que se ilustra na
figura 33 [27], onde se pode observar que se trata de uma ponte materializada por cinco arcos,
com vãos de 4.8 a 6.0 m, apoiados em quatro pilares e dois encontros, dando apoio a um
tabuleiro com um vão total de 60 m e 6 m de largura.

24
Figura 33 - Perspectiva do projecto da nova ponte
A estrutura foi fundada em grupos de micro-estacas encabeçadas por maciços de betão armado
em que assentam os pilares.
Tal como os arcos e os muros-tímpano, os pilares foram realizados em alvenaria de pedra
aparelhada de granito, assente com uma fina camada de argamassa de cal especificamente
estudada e produzida para o efeito [28].
Sobre o extradorso dos arcos e entre muros-tímpano, foi colocado enchimento de tout-venant
que, na zona mais superficial, incluiu também uma pequena percentagem de cimento Portland.
Após o enchimento foi realizada uma camada de regularização destinada a receber o
revestimento de telas asfálticas de impermeabilização, sobre o qual foi colocada uma camada
de traço-seco (areia e cimento em reduzida percentagem, sem adição de água) destinada ao
assentamento do pavimento final em lajeado de granito.
A construção da ponte começou no início de 2002 e terminou em Abril de 2005, com o
aspecto ilustrado na figura 34.

Figura 34 - Aspecto final geral da nova ponte (montante)

2.10.2 OBJECTIVOS DA MONITORIZAÇÃO


A monitorização desta obra surge na sequência de um anterior trabalho de modelação e
análise estrutural de um caso similar [19], durante o qual foram sentidas grandes dificuldades
na calibração de parâmetros materiais e estruturais, assim como na confirmação dos resultados

25
numéricos obtidos; nesse trabalho foram ainda identificados alguns aspectos carecendo de
melhor estudo, nomeadamente a influência da rigidez do enchimento e dos muros-tímpano
nos esforços dos arcos.
A possibilidade de acompanhar e monitorizar uma obra deste tipo desde a sua construção,
constituiu assim uma excelente oportunidade para estabelecer e calibrar técnicas de
modelação analítica adequadas para a simulação numérica de outras construções semelhantes
existentes. A monitorização em contínuo da ponte por um largo período de tempo materializa
um laboratório vivo que permite avaliar e sistematizar os principais aspectos do
comportamento estrutural deste tipo de pontes e sua relação com as patologias estruturais
frequentemente observadas.
Neste contexto procurou-se dotar a nova ponte de uma instrumentação capaz de fornecer
medições relativas a:
• deslocamentos globais da estrutura, em especial no coroamento dos arcos;
• deslocamentos relativos das juntas entre blocos de pedra, nomeadamente
abertura/fecho e escorregamento;
• deslocamentos relativos entre muros-tímpano opostos;
• deformações e tensões em alguns blocos dos arcos;
• pressões verticais no material de enchimento;
• temperatura.
Através de registos resultantes da referida instrumentação, pretende-se aferir a deformada da
estrutura (global e local, nas juntas) obtida de simulações numéricas por comparação com a
observada sob a acção de cargas reais controladas.
As medidas de deformações e tensões elásticas que lhe estão associadas nos blocos de pedra,
bem como as pressões no enchimento, deverão permitir esclarecer o encaminhamento e
distribuição de tensões entre arcos, enchimento e pilares, e aferir os correspondentes
resultados numéricos.
Por fim, a medição de temperatura em diversos locais da ponte, em particular próximo de
alguns sensores, destina-se essencialmente a permitir fazer correcções aos registos por forma a
entrar em linha de conta com os efeitos da temperatura.

2.10.3 MONITORIZAÇÃO
A instrumentação adoptada para a monitorização consiste num vasto número de sensores do
tipo a seguir descritos, conforme o género e medida em causa.

2.10.3.1 Deslocamentos globais


A dimensão da obra e a inexistência de pontos ou estruturas físicas de referência permanentes,
limitou a escolha de sensores apropriados para medir deslocamentos globais ao longo da
ponte. Porém, durante certas fases da obra, como por exemplo as operações de descimbre dos
arcos, foi possível instalar transdutores de deslocamento clássicos (LVDT’s) e comparadores
digitais, sobre um pórtico de referência exterior à ponte, e assim acompanhar os seus
movimentos principais (figuras 35a e 35b).

26
Figura 35a- Descimbre de um arco. Pórtico Figura 35b- Descimbre de um arco. Compa-
de referência para comparadores e LVDT’s. rador digital e LVDT no coroamento do arco.

No entanto, em permanência torna-se impossível dispor dessa estrutura de referência, pelo que
se optou por instalar uma rede de sensores de pressão piezoresistivos de grande sensibilidade
que medem a variação de pressão de um fluído existente num tubo com uma das extremidades
ligada à pressão atmosférica e outra ligada a uma porta do sensor (figura 36). A variação de
posição altimétrica da extremidade livre ou do sensor, ambas ligadas rigidamente aos pontos
cuja variação de nível se pretende medir, origina uma alteração de pressão que é captada pelo
sensor e transformada num sinal eléctrico proporcional à variação de nível ocorrida. Pelo facto
de serem usados para medir variações de nível, são designados por sensores de nível.

Figura 36 - Sensor de pressão, respectivo tubo e reservatório para medição de desníveis.

Não tendo sido possível dispôr de um ponto fixo na margem que servisse de referência para
deslocamentos verticais, e dado que, os esforços mais significativos na estrutura deverão
ocorrer por movimentos diferenciais entre o vão dos arcos e os seus pilares de apoio, optou-se
então por colocar uma série de sensores que permitissem obter aqueles deslocamentos
verticais relativos ao longo da ponte.

27
Para tal, foram adoptados quinze sensores que serão colocados no interior da ponte e sobre os
pilares (figuras 37a e 37b), mais propriamente sobre colunas rígidas circulares de betão
encastradas na face superior dos pilares junto à nascença dos arcos e no lado interior jusante
dos muros-tímpano.

Figura 37a- Posicionamento dos sensores Figura 37b- Posicionamento dos sensores
de pressão (corte longitudinal parcial de de pressão (planta parcial de meia-ponte).
meia-ponte).

Pretendeu-se assim criar plataformas para a colocação dos sensores a cotas compatíveis com o
seu intervalo de medição e as cotas do coroamento dos arcos. Essas colunas estão no entanto
isoladas do enchimento da ponte através de tubos de maior diâmetro (figuras 38a e 38b) a fim
de evitar movimentos daquelas devido às cargas actuantes na estrutura.

Figura 38a- Colunas de apoio aos sensores Figura 38b - Colunas de apoio aos sensores
de pressão (vista superior). de pressão (vista geral na fase de construção).

As extremidades livres do tubos de fluído associados a cada sensor encontram-se no meio-vão


dos arcos (figuras 37b), quer junto aos tímpanos da face jusante, quer ao longo do eixo
longitudinal da ponte, a fim de se avaliar a diferença de deformações dos arcos na direcção
transversal que resulta da influência da rigidez dos muros-tímpano.
Complementarmente à rede de sensores de nível, procurar-se-á captar o campo de
deslocamentos das faces jusante e montante através do tratamento de fotografias digitais de
elevada resolução, tiradas a partir de pontos fixos externos à ponte sobre maciços
especialmente construídos para o efeito. Para o tratamento fotográfico serão adoptadas
técnicas de correlação de imagens digitais [29] entre estados deformacionais distintos,
técnicas estas já aplicadas com sucesso em laboratório num ensaio de um arco de alvenaria de

28
pedra.

2.10.3.2 Deslocamentos relativos das juntas


A fim de captar movimentos de abertura/fecho e escorregamento entre blocos de pedra em
fase de serviço, uma das juntas adjacentes às pedras de fecho de cada arco foram
instrumentadas com transdutores de deslocamento numa configuração em Z. Adicionalmente,
foram também instrumentadas juntas aos quartos de vão, mas apenas no arco central e nos
dois arcos de um dos lados da ponte. Na figura 39a ilustra-se a configuração de transdutores
em Z numa junta enquanto que a figura 39b evidencia o posicionamento geral dos
transdutores num dos arcos.

Figura 39a - Instrumentação de juntas. Figura 39b - Instrumentação de juntas. Posi-


Configuração em Z dos transdutores de cões dos transdutores de deslocamento num
deslocamento. arco.

Na fase construtiva, nomeadamente para monitorização das operações de descimbre, foram


usados transdutores lineares de deslocamento clássicos do tipo LVDT’s de pequeno curso (+/-
10mm e +/-12.5mm), tal como os ilustrados na figura 8a
No entanto, para a fase definitiva de monitorização, e em alternativa aos LVDT’s, foi
adoptado outro tipo de transdutor baseado em redes de Bragg em fibra óptica, que se apresenta
na figura 40, já devidamente posicionado numa das cavidades abertas na face jusante da ponte
para albergar esses sensores. Este tipo de transdutor, projectado, produzido e comercializado
pela FiberSensing [30], foi especificamente concebido para esta aplicação, justificando-se a
opção essencialmente pela conhecida capacidade de multiplexagem e pela imunidade ao ruído
associadas às medições com base na tecnologia de sensores de fibra óptica.

29
Figura 40 - Instrumentação de juntas. Transdutor de deslocamento de fibra óptica.

No total foram instalados 44 transdutores de deslocamentos deste tipo, distribuídos por juntas
da face jusante e no intradorso de alguns arcos. Estes últimos destinam-se a medir eventuais
movimentos de expansão transversal dos arcos e de abertura de juntas na direcção longitudinal
nas proximidades do eixo da ponte onde a estrutura se apresenta mais flexível na direcção
vertical. A figura 41 ilustra esquematicamente a posição de alguns desses sensores colocados
no intradorso de um dos arcos.

Figura 41 - Posicionamento de transdutores de deslocamento de fibra óptica em juntas do


intradorso de um dos arcos.

2.10.3.3 Deslocamentos relativos entre muros – tímpano opostos


Com vista à monitorização dos efeitos da pressão lateral do enchimento sobre os muros-
tímpano, foram também instalados sensores de deslocamento transversal entre zonas opostas
daqueles muros: um sensor sobre um dos encontros e outros três sensores sobre pilares. Na
figura 42 está também indicada a posição esquemática de um destes sensores sobre os pilares
P4 e P5.
Tal como os transdutores de deslocamento adoptados, também estes sensores, aqui designados

30
de transdutores longos, foram feitos com base em sensores de Bragg em fibra óptica pela
FiberSensing [30]. Basicamente, o deslocamento é obtido através da medição da deformação
num fio de invar amarrado a cada um dos muros-tímpano com uma dada tensão inicial.

Figura 42 - Sensores longos transversais. Zona de amarração no muro-tímpano.

2.10.3.4 Deslocamentos em blocos dos arcos

As extensões lineares em alguns blocos dos arcos são obtidas através de extensómetros
colados em faces dos blocos no intradorso e no extradorso de dois arcos.
Conhecendo previamente o módulo de deformabilidade e o coeficiente de Poisson da pedra
usada, e dado que neste tipo de construções as tensões são muito baixas e em regime linear
elástico do material, é possível obter as tensões instaladas a partir das extensões registadas. A
medição de deformações no extradorso e no intradorso dos arcos destina-se assim a avaliar a
distribuição de extensões e tensões na espessura do mesmo.
Foram então colocados pares de extensómetros nas direcções longitudinal e transversal da
ponte, em blocos de pedra de dois meios-arcos (A3 e A4) adjacentes ao pilar P4 (ver figura
43a), em dois alinhamentos longitudinais (um central segundo o eixo da ponte – figura 43b - e
outro junto à face jusante – figura 43c) e segundo três secções transversais dos arcos (uma
central passando pelo coroamento, outra num meridiano a cerca de 45º e outra ainda junto à
nascença dos arcos A3 e A4)

(a) (b) (c)


Figura 43 - Posicionamento de extensómetros. Planta parcial, alinhamentos central e lateral

31
Na figura 44 apresenta-se uma vista geral de quatro zonas do extradorso já instrumentadas
com extensómetros e em fase de recobrimento com blocos de pedra.

Figura 44 - Colocação de extensómetros. Vista geral em fase de recobrimento com pedra do


tímpano.
Além dos extensómetros de base eléctrica, surgiu também no decorrer da instrumentação a
possibilidade de instalar alguns extensómentros de base óptica, aproveitando a rede de fibras
ópticas já instalada para os outros sensores. Estes sensores foram também produzidos e
instalados pela FiberSensing, e baseiam-se essencialmente num sensor de Bragg em fibra
óptica embutido numa matriz de material compósito. Na figura 45 apresenta-se dois desses
extensómetros em fase de instalação.

Figura 45 - Extensómetros de base óptica. Instalação.

2.10.3.5 Pressões no material de enchimento e tensões nos arcos

A monitorização das pressões verticais no material de enchimento é conseguida com células


de pressão total por vezes usadas em obras geotécnicas.
Foi escolhida a zona de enchimento sobre o pilar P4, onde foram colocadas duas células de
pressão, uma directamente sobre a face superior do pilar junto à nascença dos arcos e outra

32
mais próximo da superfície. Na figura 46 ilustra-se o posicionamento das referidas células,
designadas por C1 e C2. Na mesma figura é possível observar ainda a posição de outras cinco
células (C3 a C7) do mesmo tipo embora com geometria diferente e que foram instaladas em
rasgos abertos em pedras dos arcos a fim de avaliar as tensões neles introduzidas.

Figura 46 - Posicionamento de células de pressão.

Na figura 47 pode ver-se duas células aplicadas, uma na base do pilar e outra no intradorso do
arco, numa das juntas da pedra.

C1 C3

Figura 47 - Células de pressão total: C1 (circular) e C3 (meia-lua)

2.10.3.5 Temperatura

O registo da temperatura em diversos locais da ponte destina-se essencialmente a permitir


efectuar as correcções necessárias nas leituras dos restantes sensores para atender aos efeitos
de variação térmica.
Exceptuando os termistores que vêm incorporados de fábrica com as células de pressão, os
sensores de temperatura adoptados são baseados em fibra óptica, também fornecidos e

33
instalados pela FiberSensing.
A opção por este tipo de sensores de temperatura de base óptica surgiu de forma natural pelo
facto de ser possível integrá-los sem dificuldade na rede de fibras ópticas instalada para os
transdutores de deslocamento. Estes sensores de temperatura foram colocados em conjunto
com alguns transdutores e também, como já referido, junto com tubos de fluído dos sensores
de nível. Na figura 48 pode-se observar um destes sensores com um daqueles tubos em fase de
colocação.

Figura 48 - Sensor de temperatura de base óptica.

2.10.3.6 Tarefas acessórias

Tal como porventura já terá ficado patente através dos parágrafos e imagens anteriores, a
instalação dos sensores descritos exigiu a execução de um conjunto apreciável de tarefas e de
infra-estruturas específicas que vale a pena salientar e que importa prever desde o início do
planeamento da instrumentação.
Para além de intervenções locais para cada sensor, tais como execução de furos, rasgos,
cavidades, colocação de tubagens de protecção aos cabos, etc, foi necessário realizar:
• uma calha técnica para reunir e conduzir os cabos de todos os sensores a um armário
técnico;
• caixas de visita ao longo da calha técnica em locais devidamente escolhidos;
• um local fechado para albergar o armário técnico.
A calha técnica foi realizada no local em chapa de zinco, por forma a se conseguir as exíguas
dimensões exigidas. Estende-se ao longo da face jusante da ponte, junto à guarda lateral e
revestida totalmente por pedra de granito. Na figura 49 pode-se observar o aspecto da calha já
com alguns tubos ligados para condução de cabos eléctricos e ópticos, e uma das aberturas
para as caixas de visita ilustradas na figura 50.

34
Figura 49 - Aspecto da calha técnica

Figura 50 - Caixa de visita e de acesso à calha técnica

O armário técnico fica situado numa das extremidades da ponte, ao lado do encontro e
imediatamente abaixo da cota do pavimento conforme se pode observar na figura 51.

35
Figura 51 - Armário técnico
Nessa figura é visível o Prof. António Arêde o grande responsável de toda esta instalação e a
quem se deve grande parte deste trabalho. No armário fica o quadro das fichas de sinais de
todos os cabos eléctricos e ópticos para ligação ao sistema de aquisição, assim como o quadro
électrico de alimentação de todos os equipamentos. O sistema de aquisição fica também
alojado no mesmo armário fechado para monitorização em contínuo durante períodos longos.

2.10.3.7 Sistema de aquisição

A aquisição e registo de sinais dos sensores instalados é feita com recurso a dois sistemas
diferentes conforme os tipos de sensores, tanto durante a sua instalação como na fase de
serviço.
Para os sensores de base óptica (extensómetros, sensores de temperatura e transdutores de
deslocamento) a aquisição é feita usando uma unidade de medição produzida pela
FiberSensing com capacidade para condicionamento e aquisição de 16 ramos independentes
de fibra óptica, contendo cada um até 12 sensores multiplexados em série. A instalação de
todos os sensores ópticos foi devidamente acompanhada com recurso a uma destas unidades,
que pode ser observada na figura 52.

36
Figura 52 - Sistema de interrogação para sensores de fibras ópticas.

Para os sensores eléctricos, tais como extensómetros, sensores de nível, células de pressão e
termistores, as leituras e registos foram e são feitas com sistemas de aquisição da National
Instruments. Na fase de instalação foi usado o sistema de aquisição do Laboratório de
Engenharia Sísmica e Estrutural (LESE) da FEUP, que tem conduzido e executado todos os
trabalhos de instrumentação da ponte.
Para a fase definitiva de monitorização em serviço, a aquisição será feita com sistema de
aquisição FieldPoint da National Instruments (figura 53).

Figura 53 - Sistema de aquisição NI-FieldPoint para sensores de base eléctrica em fase


definitiva.

REFERÊNCIAS
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Património Arquitectónico, Lisboa, Junho, 2002.
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editado por: Aníbal Costa, João Miranda Guedes, Paula Silva e Esmeralda Paupério,
ISBN 972-99101-0-3, pág. 375-383, Porto, 2002.
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