A Genomica Bovina - Origem e Evolucao de Taurinos e Zebuinos PDF
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Wilham Jorge1
RESUMO
ABSTRACT
The two forms of livestock, identified as taurine and zebu, are basically differentiated from
each other by the absence and presence of hump. Fetuses with a few weeks already have
hump. Cattle are now represented by about 800 races, a world population of 1.4 billion
animals. Around 480 are in Europe and are taurines. In Brazil, about 60 races, which accounts
for 7.5% of the total. Work on the sequencing and analysis of the bovine genome published
in Science in 2009, held in taurine, zebu cattle and their crosses, represent the effort of a
Consortium of three hundred researchers from 25 countries. The results are able to identify
1
Professor de Genética aposentado da UFMG (Departamento de Biologia Geral) e UNESP (Departamento de Genética)
[email protected]. Telefone 14 3882 0925.
Correspondência: Caixa Postal 079 18.603-970 - Botucatu, SP.
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the genetic variability affecting the production of milk and meat, reproduction, disease
resistance, as well as a guide for individual selection in breeding programs. Recent studies of
mitochondrial DNA from fossils and living animals indicate that populations of the extinct
aurochs (Bos primigenius) were the progenitors of European cattle (Bos taurus taurus) and
zebu cattle (Bos taurus indicus). Hence the proposed designation of two subspecies of cattle,
Bos primigenius taurus for taurines and Bos primigenius indicus for zebu. Archaeological
evidence showed that taurine and zebu cattle have arisen independently in at least two places
of domestication between 10,000 to 8,000 years ago from different groups of aurochs.
Taurines have emerged from the Near East (Fertile Crescent) and zebu from Indus Valley
(now Pakistan) with diffusion by India and more recently (3000 years) with the introduction
of males in North Africa. Molecular data suggest that zebu cattle in North Africa originated
from the crossing of local primitive lineage of taurines using the male zebu introgression.
Subsequently, cattle accompanied human migration throughout Asia, Africa, Europe and the
Americas, leading to dispersion and crosses of taurine and zebu cattle. The cattle genome
contains at least 22,000 genes and the estimated time of divergence indicates that taurus and
indicus split from 1.7 to 2.0 million years ago with 16,338 nucleotide sequence and 16,339
respectively, differing among themselves in 237 positions .
RESUMEN
Las dos formas de ganado, identificadas como taurinos y cebuinos, son básicamente
diferenciadas entre sí por la ausencia y presencia de giba. Los fetos con pocas semanas ya
poseen giba. Los bovinos son actualmente representados por cerca de 800 razas, en una
población mundial de mil cuatrocientos millones de animales. De estas, cerca de 480 son
taurinos y se encuentran en Europa. En Brasil hay alrededor de 60 razas, lo que representa
7,5% del total. Los trabajos sobre el secuenciamiento y análisis del genoma bovino
publicados en la revista Science en 2009, realizado en taurinos, cebuinos y sus cruzas,
representan el esfuerzo de una sociedad de tres centenas de investigadores de 25 países. Los
resultados son capaces de identificar la variabilidad genética que afectan la producción de
leche y carne, la reproducción y la resistencia a enfermedades, siendo también usados como
guía para la selección individual en los programas de cruzamiento. Los estudios recientes del
ADN mitocondrial de fósiles y de animales vivientes indican que poblaciones del extinto uro
(Bos primigenius) fueron los progenitores del ganado europeo (Bos taurus taurus) y del
ganado cebú (Bos taurus indicus). Por ello se considera la propuesta de denominación de las
dos subespecies de bovinos: Bos primigenius taurus para los taurinos y Bos primigenius
indicus para los cebuinos. Evidencias arqueológicas muestran que taurinos y cebuinos
surgieron independientemente en por lo menos dos sitios de domesticación entre 10.000 y
8.000 años atrás, provenientes de distintos grupos de uros. Los taurinos surgieron del Oriente
Próximo (Creciente Fértil) y los cebuinos del Valle del rio Indo (hoy Pakistán) y se
difundieron por la India y más recientemente (3.000 años), con la introducción de machos, en
el norte de África. Datos moleculares sugieren que el ganado cebú del norte de África se
originó del cruzamiento de linajes primitivas locales de taurinos utilizando la introgresión con
machos cebuinos. Posteriormente, el ganado acompañó la migración humana a través de Asia,
África, Europa y América, lo que promovió la dispersión y cruzamientos de taurinos y
cebuinos.
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El genoma de los bovinos contiene, por lo menos, 22.000 genes y el tiempo estimado de
divergencia indica que taurus e indicus se separaron hace 1,7 a 2,0 millones de años, con
secuencia de nucleótidos 16.338 y 16.339 respectivamente, que difieren entre si en 237
posiciones.
INTRODUÇÃO
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Nos últimos 10.000 anos a criação de gado tem sustentado os seres humanos em suas
necessidades de alimentação com carne e leite, de agasalho com couro e pele e como animais
de transporte e companhia. No último século, a origem e evolução dos bovinos tem sido tema
para os pesquisadores e mais recentemente é assunto predominante para geneticistas e
arqueologistas. Nas duas últimas décadas, os estudos de filogenética molecular permitiram
comparar a diversidade genética dentro e entre as raças levando à construção das filogenias
moleculares, história das raças e de suas origens.
Uma das descobertas mais importantes do século XX foi a de que as moléculas
evoluem da mesma forma que as estruturas macroscópicas. Quanto mais próximo o
parentesco entre dois organismos, mais semelhantes são as suas moléculas. Quando as
evidências morfológicas são ambíguas, as semelhanças das moléculas podem revelar o grau
de parentesco entre as espécies. A estrutura das moléculas sofrem mudanças da mesma forma
que as estruturas macroscópicas. A maioria das moléculas sofrem mutações constantes ao
longo do tempo e podem servir como um “relógio molecular” definido como a “regularidade
observada nas mudanças de uma molécula, semelhante a um relógio, ao longo do tempo
geológico”(1). O relógio molecular foi utilizado, por exemplo, para demonstrar que a
bifurcação entre o homem e o chimpanzé aconteceu entre cinco e oito milhões de anos e não
entre 14 e 16 milhões de anos como se pensava antes.
Elsik et al. (2) mostraram que o genoma bovino possui aproximadamente 3 bilhões de
unidades de informação ou pares de bases do DNA e pelo menos 22 mil genes.
Especificamente estes resultados são capazes de identificar as variações genéticas que afetam
a produção e representam também um guia para seleção individual nos programas de
cruzamentos.
Com base nas informações do genoma, o processo de seleção pode ser mais preciso,
com descarte de animais inferiores e otimização do melhoramento genético. Com ele será
possível dispor antecipadamente de informações sobre as características individuais de
produtividade e na identificação de portadores de doenças genéticas recessivas.
O genoma mitocondrial das duas formas de gado, taurinos e zebuínos, contem 16.338 e
16.339 nucleotídeos respectivamente, e diferem em 237 posições. O tempo estimado de
divergência indica que os dois táxons se separaram há 1,7 a 2,0 milhões de anos atrás (3).
Os taurinos e zebuínos compreendem a maior parte do gado do mundo, entretanto a sua
origem, classificação sistemática e domesticação ainda geram controvérsia: o próprio Lineu
os considerou como duas espécies separadas, designando-as Bos taurus e Bos indicus,
animais sem e com cupim, respectivamente. A classificação de Lineu e seus seguidores deu
ênfase à morfologia do crânio e o comprimento e morfologia dos chifres.
Os estudos recentes de DNAmt de fósseis e de animais viventes indicam que
populações do extinto auroque (Bos primigenius) foram os progenitores do gado europeu (Bos
taurus) e do gado zebu (Bos indicus), daí a proposta de uma nova denominação para as duas
subespécies: Bos primigenius taurus e Bos primigenius indicus, para taurinos e zebuínos,
respectivamente (3).
Nesta revisão, os enfoques são os cromossomos e a genômica bovina, com os recentes
avanços na pesquisa, visando o entendimento sobre a origem e o processo evolutivo de
taurinos e zebuínos.
Para estudar a história genética dos bovinos bem como a análise filogenética e
demográfica, inúmeras pesquisas foram realizadas nas duas últimas décadas.
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A1 transmite o seu DNAmt para a sua filha A2 e para o seu filho B2. O DNAmt de A2 e B2
é o mesmo da sua avó, ou seja, da mãe A. A transmissão foi portanto: fêmea A > fêmea A1
> fêmea A2.
A taxa de mutação do DNAmt é cerca de 10 vezes maior que no DNA nuclear o que o
torna ideal para a diferenciação de espécies e estudos de evolução.
A análise do DNAmt de taurinos e zebuínos permitiu identificar 237 polimorfismos e
estimar o tempo de divergência entre taurus e indicus em 1,7 a 2,0 milhões de anos (3). A
sequência completa do DNAmt da raça Brahman foi analisada mostrando que haplótipos
taurinos de gado de corte europeu estavam presentes em 90% do genoma desta raça (17).
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Estudos de DNA antigo de bovinos por meio de haplótipos de Y são mais raros porque
o Y é exclusivo dos machos. Alem disso, a preservação do DNA nuclear é mais difícil do que
o DNAmt (13).
Sondas Y-específicas permitiram a discriminação entre taurinos e zebuínos (19). A
utilização de marcadores micros satélites localizados no Y que apresentam alelos de zebus,
permitiu verificar a introgressão mediada por machos no gado africano (15, 20, 21) o que
foi observado também na formação de raças japonesas, coreanas e mongólicas (22).
Götherström et al. (23) identificaram três tipos de haplótipos de Y: Y1 e Y2 de várias
raças taurinas européias e Y3 dos zebuínos. Esses últimos originaram-se de eventos de
domesticação separados dos taurinos, no que se refere ao tempo e a área geográfica. Na
formação do haplótipo Y1 houve introgressão de machos selvagens com o gado domesticado.
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Todo o processo de diferenciação dos bovinos surgiu a partir deste artiodáctilo basal
que sobreviveu até o Oligoceno (34 ma) na América do Norte, Europa e Asia. No Oligoceno
(34 ma) surgem os artiodáctilos Selenodontes cujo principal grupo é constituído pelos
Ruminantes que são os bois, antílopes, cervos e cervos-camundongos (29). O Hypertragulus,
uma das primeiras formas de Ruminantes, um animal do tamanho de um coelho, surgiu no
Eoceno / Oligoceno.
Hoje os ruminantes constituem um grupo de mamíferos com 192 espécies distribuídas
em todo mundo com exceção da Austrália e Antártica (30). Na classificação atual dos
bovinos (a seguir), a subOrdem Ruminantia está subdividida nas InfraOrdens Tragulina e
Pecora. Tragulina é representado por uma única família vivente: Tragulidae (com três gêneros
de trágulos ou cervos-camundongo (mouse-deer). Na InfraOrdem Pecora, alem da família
Bovidae (boi, carneiro e antílope), outras quatro famílias viventes são atualmente
reconhecidas como pertencentes a esta InfraOrdem: Cervidae (cervídeos) Antilocapridae
(Antilocapra americana) Giraffidae (girafas e ocapis da África) e Moschidae (musk deer ou
“boi” almiscarado da Ásia).
Os representantes da família Bovidae são encontrados em todos os continentes exceto
na América do Sul, Australia e Antartica. Nos registros fósseis, esta família é facilmente
identificada pela presença de chifres. Na tribo Bovini, alem do gênero Bos estão também
outros gêneros: Bison (bisão); Bubalus (búfalos); Sincerus (búfalo africano) . Segundo alguns
autores, a Anoa ou búfalo anão, pertence a uma única espécie do gênero Anoa.
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Ordem Artiodactila
SubOrdem Ruminantia
InfraOrdem Pecora
Família Bovidae
Tribo Bovini
Gênero Bos
A origem dos bovinos deixou os arqueologistas perplexos durante quase todo século
XX quando existiram várias teorias controversas. Um dos pontos de maior discussão foi a de
que os bovinos teriam uma única origem (teoria monofilética) ou várias origens (teoria
polifilética) (32).
A teoria polifilética abrange várias hipóteses confluentes em duas grandes tendências,
a difilética e a polifilética propriamente dita.
A difilética defende que os bovinos domésticos descenderam paralelamente de duas
formas pré-históricas: o uro europeu (Bos taurus primigenius) de chifres longos e o uro de
chifres curtos (Bos taurus brachycherus).
A polifilética propriamente dita defende a evolução da espécie a partir de várias formas
primitivas, que diferiam entre si pela estatura, peso, local de domesticação, dimorfismo sexual
e pelas exuberantes diferenças entre os chifres (tamanho, morfologia e direção). Essas formas
primitivas são as seguintes: Bos taurus primigenius; Bos t. brachycherus (de chifres curtos);
Bos t. frontosus (considerado também como o resultado do cruzamento entre B. t. primigenius
e B. t. brachycerus); Bos t. aqueratus (considerado como a forma sem chifre), Bos t.
brachycephalus (de chifres curtos); Bos t. orthoceros e Bos t. hamiticus. Para os defensores
da teoria polifilética, a domesticação teria acontecido simultaneamente em vários lugares, a
partir de formas locais.
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bovinos teriam surgido a partir da forma dominante escura do auroque, por mutação genética
e seleção.
O auroque era um animal possivelmente agressivo, de grande porte, de cor negra ou
castanha escura, pesando até 1.000 kg e medindo de 1,80 a 2,00 e 1,50 a 1,70 metros de
altura, para machos e fêmeas, respectivamente (33). Cabeça grande, pescoço forte, perfil
retilíneo, fronte plana e pernas longas. Chifres grossos com mais de um metro de
comprimento saindo lateralmente em linha reta para depois se dirigirem para frente e em
seguida para cima (Figura 2).
O dimorfismo sexual no Auroque é evidente com as fêmeas pesando e medindo bem
menos que os machos. Observa-se também que o gado doméstico atual é significantemente
menor do que o seu progenitor selvagem.
A sua vasta distribuição geográfica, do Atlântico ao Pacífico, foi documentada por meio
dos seus fósseis localizados em toda a Eurásia e norte da África e em locais tão distantes
como as Ilhas Britânicas e a China, o que deve ter propiciado a formação de três subespécies
ou raças geográficas denominadas: Bos primigenius primigenius do norte da Eurásia, B. p.
opisthonomus do norte da África e B. p. nanadicus do sul da Ásia (34).
As espécies de auroque africanas e da Ásia foram extintas há cerca de 2.000 anos porem
a espécie da Europa Central sobreviveu até 1627 (34). Na Europa o auroque alcançou a maior
densidade populacional no começo do Holoceno (0,01mA). As razões do seu declínio foram
as caçadas, a perda de habitats e a competição com o gado doméstico o que resultou na sua
não-sobrevivência. Acredita-se que o auroque foi extinto no Egito no começo do século XIV
porem sobreviveu mais tempo em outras regiões inclusive na Europa: a última fêmea foi
abatida em 1627 numa reserva florestal, próxima a Varsóvia na Polônia. Lamentavelmente o
uru não pode ser visto em nossas Exposições, entretanto o seu genoma mitocondrial sobrevive
no nosso gado.
A análise do DNA do Bos primigenius da Europa mostrou que as sequências são
filogeneticamente mais próximas dos atuais taurinos do que dos zebuínos. A similaridade
entre o B. primigenius e o Bos taurus sugerem que poderiam ser membros de uma única
espécie (35). Segundo MacHugh et a. (20), a subespécie de auroque Bos primigenius
nanadicus, do sul da Ásia, seria o mais provável ancestral dos zebuínos.
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AS SUBESPÉCIES DE AUROQUE
Epstein e Mason (34) reconhecem ao menos três subespécies de auroque que são
diferenciadas pelo tamanho do corpo e a forma do chifre em: B. p. primigenius do norte da
Eurásia, B. p. opisthomonus do norte da África e B. p. namadicus do sul da Ásia. Esta última
é, provavelmente, a progenitora do gado zebu domesticado. Bailley et al. (35) relatam que a
sequencia do DNAmt do Bos primigenius das cavernas da Inglaterra é filogeneticamente mais
próxima dos atuais taurinos, a ponto de os considerarem como membros de uma mesma
espécie.
A taxonomia das raças ou variedades de auroque é bastante controversa. Com base na
análise do crânio, Grigson (36) propõe que B. p. nanadicus e B. p. primigenius sejam
classificadas como espécies separadas. Segundo Felius, Koolmees e Theunissen (37) do Bos
primigenius existem apenas duas subespécies: o B. p. primigenius que deu origem ao gado
europeu sem cupim (Bos taurus) e o B. p. nanadicus, das regiões tropicais que deu origem ao
gado de cupim (Bos indicus)
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Beja-Pereira et al. (9) com base na sequência de DNAmt de auroques italianos relatam
que os seus dados são compatíveis com vários eventos de domesticação local na Europa e a
favor da hipótese da origem múltipla do gado europeu. Algumas raças domesticadas do
Oriente Próximo teriam sido introduzidas na Europa e provavelmente intercruzadas com
raças silvestres locais e também com o gado africano introduzido, formando uma importante
fonte de recursos genéticos. Entretanto as sequências de SNPs de cromossomo Y não indicam
hibridização entre o auroque europeu e o gado doméstico (13).
Negrini, Nijman e Milanesi (44) utilizando resultados de AFLP, enfatizando a
divergência entre raças taurinas européias, indicando uma grande influência do gado Oriente
nas raças italianas e húngaras.
A domesticação dos zebuínos, segundo os estudos, teria ocorrido no Vale do Rio Indo
(hoje Paquistão) com difusão pela Índia e só mais recentemente (há menos de 3.000 anos)
teria sido introduzido na África pelos machos.
Como já foi assinalado, a análise do DNAmt tem demonstrado que taurinos e zebuínos
e taurinos europeus e africanos tiveram domesticações independentes. Os auroques do sul da
Europa aparentemente foram os que mais contribuíram na domesticação dos bovinos.
O evento de domesticação que deu origem aos zebuínos ocorreu no Sul da Ásia
conhecido como Subcontinente indiano (hoje representado pela Índia, Paquistão, Bangladesh,
Nepal, Butão, Maldívias e Sri Lanka). Provavelmente o Vale do Rio Indo, localizado nesta
região, foi o centro de domesticação dos zebuínos na mesma época dos taurinos (4).
Entretanto a domesticação dos zebuínos aconteceu também no norte da África e na Europa,
atestada pelos esqueletos e pinturas das cavernas do Paleolítico.
A partir da utilização de dados moleculares várias raças bovinas da Ásia e da África
começaram a ser analisadas, com o intuito de descobrir os progenitores do gado zebuíno.
Todas as raças asiáticas e africanas foram consideradas como zebuínos Bos indicus, com
exceção da N´Dama, morfologicamente considerada como Bos taurus, existente em alguns
países do Oeste da África como Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Nigéria e Senegal.
Segundo alguns autores a população de zebu desenvolveu-se independentemente em
grupo separado no Neolítico (8 a 10 mil anos) no Baluquistão (hoje Paquistão). A subespécie
de Auroque do sul da Ásia (Bos primigenius nanadicus) seria a mais provável progenitora
desse gado (39).
Outras evidências arqueológicas e genéticas sugerem que os zebuínos são resultantes de
um evento de domesticação do auroque (Bos primigenius) no sudoeste asiático. Entretanto
uma domesticação independente pode ter ocorrido no norte da África e no leste da Ásia com
possibilidade de introgressão local com o auroque silvestre. Embora as evidências
arqueológicas apontam com segurança que a domesticação do zebu tenha sido no
subcontinente indiano, a origem geográfica exata e a história filogenética do zebu
permanecem incertas (45). Estes pesquisadores, analisando o DNAmt, identificaram dois
diferentes haplogrupos (I1 e I2) no Subcontinente indiano (1) consistente com a hipótese de
que todo gado zebu teve origem nesta região. Para o haplogrupo I1 foi sugerido que o Vale
do rio Indo (Indus Valley) que é uma sub-região do Subcontinente indiano (2). Este local teria
sido o mais provável centro de domesticação dos zebuínos indicado também pelas evidências
arqueológicas. Outros apóiam que a subespécie Bos primigenius nanadicus habitou o sul da
Ásia dando origem aos zebuínos (36).
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A revisão sobre o cariótipo dos bovinos por raça é uma tarefa complicada, pois as
dezenas de trabalhos sobre a descrição do cariótipo não especificam a raça ou identificam a
origem da cultura de fibroblastos. Muitos são provenientes de animais taurinos europeus de
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Marcadores de DNA mitocondrial foram utilizados por Meirelles et al. (55) para
verificar a influência das raças taurinas na formação dos zebuínos na América do Sul e
também na raça Brahman nos Estados Unidos. Estes últimos apresentaram DNAmt
exclusivamente de taurinos (e em menor escala, o nelore e o gir). Isso indica que na formação
do Brahman houve cruzamento absorvente de machos zebuínos com fêmeas de origem
taurina. A sequência completa do DNAmt da raça Brahman foi analisada por Qu et al. (17)
mostrando que haplótipos taurinos de gado de corte europeu estavam presentes em 90% do
genoma desta raça.
Com isso podemos afirmar: nem sempre é perfeita a associação: presença de cupim =
DNAmt zebuíno + Y zebuíno ou ausência de cupim = mtDNA taurino + Y taurino.
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