Embacadissima
Embacadissima
Embacadissima
vinculada e, de uma forma ou de outra, essa notícia está no texto. Tudo aqui é
louco e insano como a própria realidade. Os autores, os textos, as notícias
retiradas de um jornal da via-láctea, do planeta terra, da américa latina, da
europa, de dezenas de lugares do Brasil e do mundo, da cabeça de uma
caralhada de gente maluca que explode nas manhãs e nas madrugadas como
dinamites, como supernovas catalogadas com um nome legal pra dizer que essa
gente escreve e vai continuar escrevendo independente dos bico. Pra dizer que a
essa gente gosta de Manuel Bandeira. Pra dizer que essa gente lê jornal e que a
essa gente tá puta e fodida igual todo mundo. Pra dizer que essa realidade, que é
a única realidade possível pra essa gente, é mesmo belíssima e catastrófica. Pra
dizer que estamos vivos e que isso não basta. Pra dizer que a Embaçadíssima é
a ilustríssima dos loucos e que ela tá do caralho. Boa leitura – E na vitrola:
Tinham comentado sobre esse cara. Ele apareceu. Sabe quando não precisa papo,
pose, esforço nenhum? Eu bati o olho e engoli com gosto a palavra que pulsou na
minha mente: fodeu! Não tinha volta. A gente ia se acabar. Beber junto, beber o outro,
até secar a vontade, a boca, as porras todas. E deus do céu, o vidro do mundo
embaçou de um jeito que, a partir daí, não me pergunte. Eu não saberia dizer. Não
conseguiria contar quando, como. Só o porquê: a gente era foda junto. Fazia sentido
estar perto. Mesmo sem entender nada do que ele falava, mesmo sem enxergar no
meio daquele fumacê noir que invadiu minha percepção da realidade.
O que me sobrou pra contar foram lapsos de memória que insistem em segurar
minhas vontades pelas bochechas e dar aquela cuspida de malandro na boca como
quem diz, agora aguenta. Aqui é tortura, caralho.
A sensação que ficou é de ter uma flecha apontada pro peito, à la Marina Abramović.
Faz o coração disparar nervoso? Faz. Bom pra cacete. Mas uma hora pode jorrar
sangue pra todo lado. Tarantino style. To dentro. Se não for pra desgraçar a vida nem
saio de casa.
EERT
Bruno Ribeiro
D esci do carro. Andei lentamente. Sono. Escutei alguns insetos no jardim do hospital. Na
metade do caminho, pisei em um sapo cinza. Não houve escândalo, nem reflexo de defesa.
Em algum momento um humano pisaria nele, inevitável. Alguém regaçaria sua fuça.
Empurrei o sapo com o pé e continuei avançando até a entrada. As portas do hospital se abriram.
Uma luz branca surgiu. Nitidez. A recepcionista perguntou como eu estava, respondi que estava me
sentindo mal. Ela riu e disse que a sessão de neurocirurgia hoje está bombando. Eu disse que minha
sessão é do coração. Ela riu, olhou para outra recepcionista e sussurrou “é um daqueles”. Não
entendi a piada e preferi não perguntar. Abri minha carteira, tirei a identidade e entreguei em suas
mãos avermelhadas. Após alguns segundos de burocracia inútil, ela me devolveu a identidade e
perguntou: “o senhor já conhece a EERT, não é?”.
“Sim.”
Corredor x-9, porta 4, corredor yuuu-0, porta vermelha com inscrição EERT.
“Obrigado”, respondi. Fui caminhando pelo hospital com gente cabisbaixa e tão morta ou quase
morta quanto o sapo esmagado do lado de fora. O cheiro era de laranja. Laranja azeda, mau agouro,
a cidade cheirava assim, o mundo, cheiro de grude. Uma música de desenho animado irrompeu,
pianinhos fofos, vozes japonesas cantando coisas indecifráveis. Logo, irritáveis. Sons esdrúxulos de
alegria em um ambiente desses. Sorrisos de enfermeiras. Nada de sangue. Tudo branco. Hoje em
dia, doença e morte são guardadas debaixo do tapete.
Entrei na porta vermelha com detalhes árabes e com os dizeres estranhíssimos que nem tenho ideia
do que signifique: EERT.
Sentei na boa e velha cadeira de madeira. Estava ansioso, queria receber o treco o mais rápido
possível. Meu coração estava queimando. Infarto se aproximando. Idade fodida. Já estou vivo por
quantos anos mesmo? Perguntei-me. Inocente. Sim, voltando, a sala era cheia de frases e
prognósticos nas paredes e tetos. Coisas como: “beba antes de dirigir”, “faça sexo sem camisinha”,
“não faça crossfit”, “mate um amigo hoje” e “coma fritura e glúten”. Indicações de como se viver a
vida. Faltou uma dizendo: “pise em sapos”. Na minha frente, surgiu um boneco de terno azul,
gravata vermelha, rosto patético com um sorriso indiferente e olhos ocos, quase psicóticos. Um
fantoche retardado. O boneco ficou parado, analisando meu corpo, daí disse com uma voz robótica:
“detectei uma elevação nos batimentos cardíacos. Quer uma pílula X ou Y?” Respondi “X”. O
boneco tinha rodas no lugar das pernas. Ele piscou os olhos enormes de desenho animado umas sete
vezes e foi até um armário todo grafitado e detonado. O boneco ergueu seu braço falso e saiu
procurando por alguma coisa nas gavetas. Após alguns minutos, ele voltou com uma pílula.
Entregou-me. Eu tomei. A dor no coração cessou.
“Funcionou?”
“Sim.”
E dei o fora. Saí do hospital sem cumprimentar as recepcionistas, que estavam brincando de
adedonha. Na saída, observei os restos do sapo. Um cinza morto redecorando o hospital. O bicho
estava no mesmo lugar. Ajoelhei e quase encostei meu nariz no seu corpo. Percebi que ele ainda
respirava. Mesmo estripado, rasgado no meio, o pequeno anfíbio buscava seus últimos ares. Invejei-
o. Como é ser um animal mortal? Uma criatura fraca e sem pílulas, finita? Não sei. O observei por
alguns minutos, até perceber que seu fim, de fato, havia chegado. Foda-se, pensei, já vivi demais
para nutrir sentimentos de caridade. Levantei minha perna direita, senti o som dos ossos de mil anos
a emergir, e enfiei meu pé na carcaça do sapo. Entrei no carro. Olhei-me no retrovisor. Só vi olheira
e pele enrugada. Sobejo humano. Nunca morreremos, nunca. Olhei para ela, no banco de trás, sem
cabeça e sorrindo. Nunca, meu amor, nunca. Ela concordou com sua expressão de vazio. Liguei o
carro e acelerei, fomos para casa, transamos, assistimos Netflix e dormimos. Desde então, sonho
todos os dias com o sapo cinza morto.
Eneida
Texto de Rojefferson Moraes | Ilustrações de HQ Gilmal
E
u tava lá naquela rodoviária cinza num dia cinza mastigando um pão de queijo massudo
fazendo força pra engolir e uma unha de dois metros e duas pontas coçava a minha
cabeça por dentro sem rasgar nada.
A gente foi falar juntos, se estranhar juntos, comer juntos, dormir juntos durante três dias. Você é
daqueles que gostam de falar dos livros, dos autores dos livros, das mecânicas sociais, das
interpretações teóricas, mas cê soube que eu acho chato os títulos todos e olhar pras coisas bonitas e
as doídas e os mistérios e as lutas com análise clínica e referência de gente viva-morta com
importância acadêmica. Tem o que acrescentar em qualquer papo besta com uma história bem
contada e uma imagem convincente dos outros. Deixou sem querer uma aresta de descaso
disfarçada no respeito, até me cutucou explicando simpático porque é que sua amiga tava usando
palavras difíceis que nem difíceis são. O lance é que você fala com propriedade e uma confiança
controlada. Cê me olhou como um bicho novo a ser estudado sem me perceber, pontuando às vezes
minhas reações. Gostei de você.
Ainda pra mim as palavras encurtam as pessoas e os sentimentos. O olhar também trai. Sinto que
penso menos com palavras e mais com impressões e por isso as suas palavras foram menores do
que o resto. Cê se colocava mais baixo do que a altura dos meus olhos quando eu distante me
armava com escudos não tão invisíveis encolhida nos meus três espinhos. Tá mais nítido agora o
jeito de gente que usa o corpo pra carregar o cérebro por aí e até quanto disso sou eu.
Outras vezes estive com caras interessantes e seus discursos admiráveis, sem intenção de
reconhecer; um carinho superficial, um sexo mais ou menos e contar as minhas histórias como se
fossem rasas fazendo algum drama infantil reclamante sobre a vida bastava. Só perguntava o
suficiente pra não soar desinteressada e respondia com que legal que bacana que bom isso que ruim
aquilo. Não precisei perguntar tanto porque os causos foram saltando da sua boca, você perguntou
menos ainda. Confortável. Nem suas pinturas e desenhos todos, nem seu tocar violão e cantar
baixinho me marcaram tanto, foi alguma coisa nesse seu rosto quadrado quando franze uma
expressão meio arrogante meio compreensiva e cansada que dá vontade de encostar com cuidado.
Eu não quis gostar de você. Pelo menos não assim silenciosa. Quis rir da sua gemida alta pouco
antes de gozar na nossa primeira transa desajeitada. Teve uma fita de limite palpável que me
amarrou marionete na testa, nas mãos e na garganta pra não me entregar nem te encontrar ali me
bagunçando apertando estapeando puxando cabelo espremendo pescoço até a última gota. Muita
exposição. Foi o que pensei quando cê perguntou do que eu gosto no banheiro abafado e como eu
quis te chupar nessa hora. Achei um clichê fraco se o fizesse, já que cê fala de sexo sem pudor.
Ensaiei dia antes como pedir mais calor e violência que eu nem corresponderia. Chamei de
vergonha a minha trava com cara de falta de intimidade e o choque congelante ensurdecedor que foi
ler seu livro. Tava me comparando e pensando em você me comparando. Usei sua colega pra olhar
pra personagem e, ao invés dos seus braços, quem me abraçou foi uma ansiedade incerta
escapulindo num risinho esquizofrênico. Minha aura carregada da noite de segunda foi eu
segurando a postura pra não inventar paixão nem desculpar mentiras. Tava irritada comigo por ter
gostado de você e por estar convencida de que esses dias seriam início e fim, mas no íntimo quis
mais poesia e mais tempo. Eu, que não tenho coragem pra ser mais doida nem menos doida, queria
que cê me visse sendo mais implicante e exagerada pra fora, mas me quisesse assim bem covarde e
displicente.
Achei graça no seu incômodo sutil se cobrando paciência, na despedida e em como você foi se
afastando pouco antes de descer do ônibus. Olhei pra trás duas vezes pra cena ainda não se
dissolver. Achei montes de graça. Ainda mais nos seus comentários bordados de certezas duras
contrastando com o afeto que cê tava dando sem esforço. Beijo e abraço pra não soltar um cala essa
sua boca e faz outra sua cara. Quer deitar desse lado pra eu não ficar de costas pra você?
Guardei os tons-toques e a forma dos seus sorrisos nessa sua bolha. Assim mesmo: colecionar
encontros, umas friezas e cálculos sem choro nem luto, paixões que servem de durar menos que três
dias, a intensidade que é só e sua. Graças a Deus você me fez escrever. Volto pra casa e nenhum
detalhe de nenhuma lembrança me deixa em paz. Gostaria de lembrar de todos eles. Tomei que a
gente é do tamanho das contradições que suporta.
O Evangelho Segundo um Filho da Puta
Bruno Sanctus
eu a abraço e minto:
-- tudo ficará bem. eu tô aqui. já passou.
-- o que te levou a virar poeta, Mateus?
um amor não correspondido?
a perda de um ente querido?
a não aprovação no curso de engenharia?
-- essa sensibilidade da porra que possuo -- respondo --
essa ânsia absurda de ser humano
quando tudo o que me toca é metálico
& mecânico.
&
do fracasso nascem os poetas
mas não ouse passar esta receita pra ninguém.
minha amiga disse que eu venderia
15 livros por ano
que meu casamento seria uma merda
que estaria preocupado com o preço da passagem
e com a fimose dos filhos
o atraso do aluguel
o atraso da menstruação
que faria um sexo baunilha
com uma mulher que não me ama
que viveria na contramão de todo
o hedonismo que já ousei pregar.
ainda bem que não acredito em oráculos
e meu signo é o da discórdia.
que tenho sei-lá-o-quê na casa do foda-se
no meu mapa astral.
F iz uma tatuagem no peito para cutucar o coração. As agulhas perfuravam a pele e a tinta
escorria em gotas de sangue multicolorida. O vermelho dói mais, ela disse, mal sabia que a
dor era maior do lado de dentro. Outra mulher me ofereceu um chá de gengibre, é bom para
a garganta, disse, eu disse sim. Não sou de recusas. Yuri disse sim e levou dois tiros na cabeça.
Doeu quando eu soube, não o conhecia, mesmo assim zumbiu o meu ouvido o som do estampido
oco. Um policial matou o menino, por prazer, porque sim. Era uma arapuca, armadilha, um
estilingue armado para impedir voos. Sobram presas fáceis. Nessa semana, trinta e três homens
estupraram uma menor e divulgaram o vídeo como um prêmio, soube que a quantidade de
visualizações do vídeo é assustadora e eu só quero fazer a contagem regressiva até trinta e três. Até
agora, nenhum foi preso, minha contagem continua zerada. Ando desacreditado. Ando magoado.
Ando triste, mas sei disfarçar.
As Veias Abertas das Crianças Sírias
C. Sanches
Q uando abriu os olhos e se lembrou, Gerd Buckner teve certeza que seria o último dia de sua
vida. Essa sensação o acompanhava desde que chegara à Itália, mas era especialmente mais
forte ao despertar. Iria morrer, e seria naquele mesmo dia.
“Ela estava escondendo alemães”, disseram. Não lembra quem foi o primeiro, se o americano alto
ou se o gaúcho, que abaixou a calça e arrancou-lhe a saia. Um terceiro segurou a italiana pelos
braços enquanto ela era violentada por um e esmurrada pelo outro.
Sabia que aquilo estava errado. Mas não fez nada além de lamentar. Desviava o olhar do estupro
enquanto mirava a ponta da baioneta pregada no fuzil. O armamento era ruim. O treinamento era
pior. Os brasileiros só eram enviados às missões que os americanos recusavam.
Se perguntava o que os pais pensariam disso. O recriminariam? O casal emigrou pro Brasil quando
a economia da Alemanha ruiu. Não viram a ascensão de Hitler. Se não entendiam direito o motivo
daquela guerra, jamais compreenderiam porque aquele horror era necessário. Se é que era mesmo.
A Alemanha já parecia derrotada quando as simpatias de Getúlio pelo fascismo cederam à economia
e à necessidade de agradar os Estados Unidos. Gerd nunca conseguiu entender uma luta em que o
orgulho não está em primeiro lugar. A humilhação da terra natal na primeira guerra tinha causado a
falta de pão. Aquilo sim parecia motivo para lutar.
Fumava o primeiro cigarro do dia e limpava as botas, tentando esquecer do estupro da italiana. Só
na Itália entendeu o que significa a guerra, que os políticos ficam em casa enquanto homens como
ele tomam tiros. São feridos, se machucam, perdem pedaços do corpo. Igual o mineiro, que teve a
orelha arrancada por um pedaço de granada.
São homens como ele que voltam para casa num saco de pano. Que assistem seus colegas
cometerem estupros. Que contraem doenças e infecções esquisitas. Que aprendem a conviver com
excrementos, suor, comida podre, sangue, linfa e pus. Que morrem gritando enquanto um
companheiro desesperado tenta apertar a ferida para conter o sangramento que exala fedor e morte.
Desde o desembarque só houve mortes. Brasileiros, italianos, americanos, alemães, soldados, civis,
homens, mulheres, crianças, velhos. Todos mortos. Aleijados. Decepados. Mutilados. A cada dia
agradecia a Deus por continuar vivo, por ainda ter dois testículos, duas orelhas, duas pernas e dois
braços, dois olhos e dois ouvidos.
Antes de cada missão, se perguntava se não havia chegado o dia em que atiraria no irmão, o dia em
que enfrentaria a própria desgraça e sairia derrotado.
Paul fugira do Brasil para lutar pela Alemanha. Nunca mais dera notícias.
Durante um fogo cruzado, sempre que fazia mira, olhava o inimigo à procura do rosto conhecido.
Estariam se enfrentando? Combatendo, tentando e querendo a morte do outro? Depois das vitórias,
procurava o cadáver do irmão entre os mortos alemães. Entre pilhas de mortos, dois irmãos numa
guerra que não era deles.
Bobagem pensar assim. Apagou o cigarro e saiu da tenda. Foi caminhando, no automático, em
direção do lugar em que deveria estar a mesa do café da manhã. Queria pegar um pão e tomar um
café quente e sem açúcar, torcendo para nenhum superior reparar que não tinha se barbeado.
Não deu tempo. Tiros de metralhadora desceram sobre o acampamento. Esqueceu o pão e o café, só
pensou em fugir e se proteger. Viu um companheiro cair, seu sangue a empoçar a terra. Pulou para
trás do morto, usando o cadáver de escudo. Deslizou, por entre espinhos enlameados, para o fundo
de um buraco que usou como trincheira.
Os tiros cessaram. Conseguiu olhar para cima. Um soldado brasileiro havia conseguido entrar na
fortaleza e lutava contra o alemão. Outros brasileiros viram a cena e começaram a atirar.
Era fácil acertar um colega por engano. Terreno escarpado, repleto de morros muito inclinados. A
subida acontece correndo e atirando, com a preocupação de desviar dos tiros. Fácil fazer alguma
merda no meio daquele caos. Os alemães, ao contrário, estavam em posição favorável. Atiravam
tranquilos, com tempo de fazer mira e escolher o alvo, enquanto a muralha de pedra os escondia e
protegia.
Lembrou de uma vez em que ele o irmão brincavam na porta de casa. Era inverno e atiravam bolas
de neve um no outro. Paul tinha acabado de lhe acertar o rosto com uma massa nojenta de gelo e
terra. Corria atrás dele quando um outro menino, atraído pela gritaria e a excitação, chegou para
brincar com eles. Era de uma família de judeus comunistas. Foi o suficiente para o pai encerrar a
brincadeira e mandar os filhos entrarem. Gerd abaixou a cabeça, enxugou os cabelos molhados de
neve e se sentou, em silêncio, na mesa da cozinha.
Enquanto retomava a atenção, limpou o rosto sujo de terra. Verificou se a arma estava carregada,
ajeitou a alça do fuzil, apalpou o bolso em vão, à busca de uma granada. Tomou fôlego e começou a
correr em direção à fortaleza.
A subida pareceu não terminar nunca. Doía-lhe o fígado. Estava certo de que receberia o tiro fatal
ali. A cada passo ficava mais perto da morte e dos alemães. Acredite, é difícil estar no meio de um
tiroteio e segurar o impulso de fugir. Ouvia os tiros que passavam, sem tempo de ficar aliviado,
esperando o próximo.
O irmão estava no alto de uma das torres, reclinado junto a uma metralhadora silenciada. Não
atirava. Sem munição? Cansado? Gerd correu pela escada, derrubando seus companheiros, gritando
e perdendo seu último vestígio de fôlego. Ouviu uma grande explosão, vinda de cima. Não pensou
sobre ela.
Chegou. Estava no topo. Olhou em volta. Uma porta estilhaçada por granada ou morteiro. Três
corpos caídos, uniformes alemães. De longe, viu que um deles estava vivo. Correu, chamando pelo
irmão. Por entre os panos sujos de sangue e terra percebeu o reluzir de um revólver.
3. eles vão escrever sobre vc, e nem sempre vai ser legal
4. textão
6. escritores ficam quietos na maior parte das discussões. eles são horríveis se comunicando
verbalmente, mesmo quando tentam, logo: 4
7. escritores se lembram de tudo, absolutamente tudo, em mínimos detalhes. quando não lembram
eles anotam o que interessou pra eles, que serve pra lembrar
8. escritores não são aquilo que escrevem, e isso pode ser decepcionante
Matias acorda, limpa a remela do olho e coça saco. Dobra os joelhos rente a cama e fita os
raios de sol ainda tímidos entrando pela janela de vidro, perpetrando um indício de qualquer
esperança, e iluminando o quarto. Fecha os olhos:
“Senhor Jesus, abençoe este dia e me abençoe. Me livre de qualquer pessoa ruim e das balas
perdidas. Me faz desviar dos perigos das setas do inimigo. Amém”
Deixa a água do café no fogo enquanto calça a sandália para ir na padaria da esquina
comprar três pães carecas e um real de pão de queijo, que há tempos não comia – uma paixão até,
por esses pães de queijo –, voltou para casa e fez o café forte – “fortíssimo”, diria sua ex-mulher – e
enfiou o desjejum goela abaixo sem nada na cabeça. Talvez alguma canção antiquada da juventude
à perpassa-lhe os sentidos mais escondidos, ou não – acho que não. Nada além dos sabores
rotineiros dos cafés da manhã satisfatoriamente solitários, estourando uma nostalgia tediosa em sua
cabeça.
Matias põe uma calça social preta com um furo discreto na altura das coxas, pega a bíblia
(linguagem atualizada), e vai para a escola dominical aprender um pouco sobre o desencanto dos
profetas e a morte das ovelhas, proferir canções de uma harpa antiga em uníssono à sua classe.
Assimilar versículos e teológicas falas errôneas de uma sabedoria adquirida em conversas com deus
– este mesmo: mudo, incomunicável. Volta para casa e passa o dia inteiro assistindo a tv global,
satisfeito com seus trinta e poucos anos, um divórcio, um quadro de jesus na parede e uma filha à
quem paga pensão.
Quer dizer, “o dia inteiro” não chega a ser um exagero, mas ele até reservou uns trinta
minutos para ler algumas páginas do novo livro de um tal doutor augusto cury. Prefiro não cometer
injustiças e quanto a Matias, homem inclinado à idiotice e à paixão pela fé cega, desejo poupar-lhe
o intelecto e priorizar aquém a secura de seus gestos, o tom dramático/psicológico de sua metafisica
gasta – tergiverso demais, o coitado nunca deve te ouvido falar dessa tal “metafísica”, risos. Nada
disso é verdade. Metafisica é uma palavra gasta demais. Se não fosse tão preguiçoso, de certo
apagaria a grafia dessa palavra de todos os dicionários do mundo, enfim.
O rapaz, que não é rapaz e sim, homem, separa os famigerados dez por cento (do dízimo),
pouco antes de ir ao culto e agradecer pelo final de semana quieto e mórbido – abençoado.
Cumprimenta os irmãos, senta-se na quarta fileira, última cadeira, ao lado da janela de vidro que dá
para a antiga casa pastoral, esta que caí aos pedaços. E canta todos os louvores repetidos e
desafinados, e escuta atentamente a palavra final do pregador, e deixa seu dizimo com o pastor.
Amanhã, segunda feira, acordará cedo para ir ao trabalho. Dorme.
Matias sai da firma onde trabalha tecendo sonhos para senhores frívolos e de carne
decomposta. Fica meia hora na parada de ônibus e sente um calafrio estranho nas parte genitais,
inutilizadas, tocadas apenas por ele mesmo em noites as quais o tempo congela nos ponteiros de
relógios suíços, no tempo de dois minutos, o mesmo tempo que ele leva pra gozar. O ônibus chega,
ele sai de sua constante letargia monástica e passa a catraca, senta-se na quarta fileira, banco alto.
Dorme por alguns minutos.
Seu sono é interrompido apenas quando dois homens, que subiram sei lá onde, gritaram
violentamente anunciando o assalto.
Enquanto eles recolhiam as coisas dos passageiros da parte da frente do ônibus, Matias
suava frio o desespero – um ataque de pânico? – e sentia seu corpo tremer intensas vestes de medo,
o corpo inerte sem conseguir se mover tremelicava apenas.
Quando Matias finalmente conseguiu mover o corpo, percebeu a janela à seu lado aberta, o
ônibus ao quê, sessenta quilômetros por hora?
Não pensou duas vezes, deslizou seu corpo duro, que logo se tornou gelatinoso, para fora do
ônibus. E Matias nem percebeu quando sua cabeça se chocou à quina da calçada, atrito
fatal/fulminante. Matias paralisado – segundos antes – pelo medo, não teve tempo para acalmar os
sentidos e perceber que a vida ainda esperava ser rugida por ele em cantatas melodiosas e frescas
das frestas que a esperança demole.
Morreu assim: debruçado na calçada, a cabeça escorrendo sangue, sem ter tido a recompensa
dobrada do dízimo e o quadro de jesus pregado na parede de sua sala nada fez para ajuda-lo. Matias,
durante a vida, sofrera vários atritos, ignorara a todos. Mas a morte não pode ser ignorada, nem pelo
mais símio cristão dizimista.
A morte é o atrito final.
Matias é enterrado pela família num caixão barato, no cemitério do Guamá. Sem epitáfio
bonito, sem indícios de alguma existência anterior. Apenas lembranças que limitam-se à pessoas
que logo morrerão – pois todos morrem, sabia?
Personagens
Franck Santos
N uma madrugada à beira mar um príncipe negro de camisa polo, jaqueta de couro e jeans
rasgado, com um copo de vodca na mãos, perguntou no ouvido dele, o plebeu, cansado da
noite e com frio -não sabia que na orla marítima fazia tanto frio- mesmo morando desde
sempre na ilha. - Quer casar comigo? O plebeu disse sim e entrou no bar do Nelson para dançar um
último reggae, enquanto o príncipe fumava um último baseado no Jardim do Éden, do outro lado do
bar. Desde então, conta-se, que se Clarice Lispector estivesse viva e tivesse visto a cena de sua
janela, enquanto visita a cidade e fumava e tomava café nas suas noites insones, os dois seriam
personagens do seu 'A hora da Estrela".
Amor Natural
Rafael Vieira
Isso não pode ser errado. Ninguém entende. Não entendem porque não sabem
o que é amor verdadeiro. Não sabem de nada. Nós somos sangue e sangue.
Corpo e corpo. Nosso tipo de ligação, ninguém mais tem. Ninguém, entre
vocês, cagadores de regras, levou o amor às últimas consequências? Ninguém
pulou pelas janelas direto para um abismo? Ninguém levou tudo isso ao
extremo, ao limite de qualquer razão, de qualquer lei dos homens, de qualquer
coisa? Imagino que sim. Então pra todos vocês eu digo: Vão até o fim.
E digo mais: Pode baixar polícia aqui nesse quarto de hotel. Podem me bater,
me esculachar, queimar minhas digitais, me desovar na beira do rio pra
morrer. Podem nos condenar em todos os tribunais, em todas as instâncias,
por todos aqueles juízes togas e perucas ridículas. Quem são essas pessoas
pra falarem o que é amor pra gente? Eles não entendem porque não
conhecem o amor, igual eu reconheci quando te vi depois de tanto tempo. Você
deve ter seus motivos pra ter me abandonado há tanto tempo atrás. Mas isso
só fez nosso amor crescer, mais e mais e mais e mais.
Acho que tudo na vida é uma construção, e até aqueles tijolos podres que a
gente pegou pelo caminho construíram esse castelo no céu. Até meu
abandono, até a distância, até as leis, até a sociedade cuspindo na gente. Tudo
são tijolos do nosso castelo no céu. No céu. Será que Deus aprova isso que a
gente faz? Será que Deus não quer apenas que a gente se ame, se ame, até o
fim dos tempos, até o apocalipse? Eu sei que eu vou esperar. Vou esperar de
mãos dadas com você, até ouvir a trombeta, até ouvir o trote dos cavalos da
fome, da peste, até o dia em que Ele voltar e aparecer diante de todos. E
então, diante do tribunal d´Ele, vou ajoelhar sem pedir perdão e esperar que
Ele me condene ao fogo eterno, ao limbo, à puta que o pariu. E eu vou
dispensar qualquer advogado e dizer assim: mas Deus não é amor? Deus não é
amor, acima de todas as coisas? E Ele vai ter que me ouvir. Porque isso não é
errado pra mim. Isso não é errado pra você. As pessoas acham isso errado
porque elas vivem num mundo sem amor. E eu te amo tanto. Tanto. Quero
pichar seu nome nos muros. Doar um órgão pra você. E eu não me importo
mais com que os outros vão falar. Nunca me importei. E é por isso que eu
estou planejando nossa fuga amor.
Estou planejando ir pra um lugar além dos tribunais, além dos homens e da
sua sociedade idiota. Vamos comprar passagens juntos, vamos mudar de
nome. Só vamos. Se isso é pecado, vamos viver em pecado. Vamos pecar,
pecar e pecar. Vamos fugir de Deus também, se Ele achar que isso é errado.
Não quero nunca mais estar certo, amor. Não quero. Quero viver e morrer do
seu lado. Querem que me enterrem do seu lado. Se for o caso, troquem nosso
nome na lápide. Troque minha vida, troque minhas roupas, minha cor, meu
sexo. Só me deixem só. Eu e meu amor. Pra sempre. Mas não quero falar de
morte. Eu quero vida. Quero viver, respirar, chorar pelo filme triste da
televisão do seu lado.
O velho parou e,
Fixando seu olhar opaco,
Embaçado pela catarata,
Ele ainda podia ouvir a voz da moça
Dizendo-lhe:
“Reencontrei o sentido da vida em ti!”
O velho sorriu.
Expulsão
Rennan Sama
Eu sou a insegurança,
descaso e desafeto.
Sou uma criança com arma e sem teto.
A dentro a noite eterna. O sono que fecha as pálpebras das lamparinas das estrelas e dos
vaga-lumes. A escuridão absoluta da caverna que dilui as sombras, a extinção da forma, o
exílio das cores. O túnel onde me perco num corredor de trevas.
Uma serpente me fez adormecer no último abraço que recebi. Ao menos foi esta a derradeira
lembrança: envolvido num abraço inescapável, um nó sobre o peito, esmagando-me as costelas, e
meu último grito de dor.
Estava eu lá, morto em sua fome desmedida. Logo eu, mal acostumado de até me dar ao luxo de
desprezar a fome. Tinha um emprego, poderia viver no aperto, empréstimos e quitações a pagar,
mas nunca sofri de fome. Sim, já senti fome. Mas nada que acendesse a urgência quando tinha a
certeza de que em breve poderia encontrar em casa uma lasanha de carne moída descongelada ou
um pão de queijo na próxima padaria. Ainda poderia escolher o que comer e o que não comer.
Detestava estrogonofe e bolo de milho, adorava frango à parmegiana e pizza caprese. Poderia eleger
para o meu prato qualquer animal abatido sem sofrimento, ou segundo as regras que o legitimasse
alimento halal ou kosher. Poderia optar por não ingerir nenhum bicho e encomendasse de países
distantes grãos que nunca crescem na terra onde vivo. Enfim, tornar meu alimento um requinte, uma
purgação do corpo, um ato político. Mas minha ética é um pobre argumento contra a fome da
serpente. Jamais poderia imaginar o quanto eu poderia ser palatável à fome de uma cobra. Ainda por
cima me devorando com as roupas que eu estava, nada de terno ou cabelo arrumado no último
retrato do cadáver. Fui enterrado em seu estômago com tênis, calça jeans e a velha camiseta de
Angra dos Reis.
Nunca me vi tão necessário a alguém como neste encontro. Servi à sua continuidade que em breve
trocará de pele, mais revigorada pelos nutrientes de meu corpo. O que, afinal, estava fazendo ali?
Sim, estava perto. Cada vez mais afugentando cobras para que não se zanguem. A encomenda a um
fornecedor de polietileno, a natação de quarta à noite, o preço da arroba do boi gordo que abaixou, o
sapato de camurça que compraram para mim de aniversário num shopping, o jornal que assinei, a
ponte que inaugurou, tudo conspirava para que houvesse este encontro, a serpente sendo chutada
para minha direção. Mentira. Eu também fui ao seu encontro quando resolvi justamente neste dia
pescar sozinho. Por que agora me espanto com o que aconteceu se era justamente o que era para
acontecer?
Diversos tipos de morte à disposição, mas tinha que ser assim. Já aventei ser morto num acidente de
automóvel, num infarto fulminante aos 98 anos e cercado de amigos e parentes saudosos, numa
dolorosa doença incapacitante, num ato de bravura. Alternava conclusões heroicas e apavorantes à
minha biografia. O suicídio, quando a vida parecesse mais absurda que a morte. Ou o apego
ferrenho ao que pudesse tudo gozar, degustar e consumir, minha fome de viver comparável somente
à fome da serpente. Incapaz de me saciar e aceitar que a morte sempre vem uma hora, até mesmo de
chamá-la quando o corpo e alma desistirem de viver de tão enfraquecidos.
Chegou a minha vez. Mas assim? Engolido pela serpente? Sim, seria para mim inconcebível morrer
num escorregão da escada, na explosão do gás, num assalto. Não tinha escolha de como iria morrer,
no máximo poderia deixar em testamento o que deveriam fazer com meu corpo: enterrado,
cremado, ou que me enviassem a um taxidermista para me empalhar. Mas nem isso pude escolher.
Veio a boca absurda da serpente, absurda como sua fome, me cobrindo por inteiro.
Eu, que já comi rabo de jacaré, poderia ter sido o consumidor da serpente. Sentado na mesa,
levando à boca um pedaço de ofídio salteado, previamente marinado com especiarias.
Compartilhando esta exótica refeição com outros comensais.
Não fui triturado, mas engolido. Não fui arrancado aos pedaços e deglutido a cada mordida. Era
como eu dormisse minha morte vestindo o ventre da serpente, ancorada no meu corpo inerte até
completar sua digestão. Enquanto isso, ela faz a sesta no meu último sonho. Não sei o que sobrará
de mim. Talvez nunca encontrem meu corpo. Ouroboros que devora a si e se consome até não restar
mais nada. Virar merda de cobra. Se teve que ser assim, bom apetite.
Inércia
Alanna Fernandes
U m ponto final que desfigura todos os sonhos que nutrira para Tysen. O menino que lhe
sorrira assim que nascera esmorecera num ponto final definido e dele pendurara o corpo
de onze anos. Onze anos bateram na trave e foram devolvidos à origem sem que ela, mãe,
tivesse uma palavra a dizer sobre isso.
Ela caíra. Perdera-se do próprio sentido e, em consequência, o seu nome era agora uma sílaba
embaçadíssima da luz que outrora a contaminara a partir de dentro quando a cabeça de Tysen
dobrara o cabo da boa esperança existente entre as pernas que se abriam para o expulsar para um
mundo desinteressado em relação a mais um nascimento. O acorde perfeito que ouvira então,
quando Tysen nascera pela primeira vez, deixara para trás toda a existência que até então conhecera.
Ainda sentia o timbre dele, puro, pairando sobre a secretária onde fazia os deveres da escola. Era
apenas uma ténue sugestão de que ele existira por mais do que um breve trejeito de júbilo nos
braços daquela que o transportara durante nove meses a partir de uma fusão casual de corpos. Fora
Tysen que lhe ensinara que a vida é, no ínterim de todas as outras sensações, sagrada pelo seu
caráter de unicidade.
Morrera longe desses braços, que agora se estendiam inúteis e vazios em direção ao corpo
dependurado de uma trave qualquer tecida em torno de uma dor de amor. Amor? Aquilo que as
pessoas conheciam como amor sustentava a perpetuação das maiores barbaridades: agressões e até
o parar do relógio aos onze anos da vida de um rapaz.
Procurar vingança, sabia-o, de nada adiantaria; seria apenas uma diversão para não lidar com o
irreparável dom da perda. Qual o valor a ressarcir por um filho? Quanto valia, afinal, uma vida
humana? A literatura ensinara-lhe a conceção dos limites. Por isso, não partira atrás de Tysen para o
reino dos mortos. Afinal, não era Gilgamesh nem a busca de uma mulher poderia, perante os
imortais e eternos vórtices do universo, reproduzir ou ultrapassar o prestígio que um herói em busca
da sua amada poderia apresentar para os anais de uma obra-prima que acompanhasse os passos de
Cronos. A mãe de Tysen sabia que, na literatura, tudo era competição. A história que tinha para
contar jamais sobreviveria às primeiras vinte e quatro horas de uma página de jornal.
La Yegua
Diogo Cão
H emingway não somente estava em Idaho como também se encontrava, naquele verão, in
his own private idaho, como diz a canção; não só seu corpo se encontrava naquele estado
da federação, naquela varanda em frente às montanhas, como sua cabeça estava afogada
no pejorativo estado de espírito que ele batiza, mergulhada no fundo da piscina vazia. de chinelos e
pijama, cachimbo no canto da boca, trazendo algo nos braços, ele subia as escadas do porão para o
piso térreo da moderna casa de concreto armado, enquanto uma luz amarelada já abandonava a
timidez acima do horizonte e prometia uma manhã iluminada. sentou-se no salão de entrada, de
frente para o bosque e o ar fresco de Ketchum, enquanto a névoa do cachimbo encobria seu olhar
ensimesmado. e uma fagulha da luz do dia refletiu-se no metal da espingarda.
ora, um homem tem o direito e a liberdade de decidir quando é hora de encerrar a peça, de deixar o
palco da vida, ainda mais ele, tendo já vivido tantas; o front na Itália, a Paris dos vinte (este sim, um
tempo satisfatório, e por quê a vida não era sempre assim?), a Flórida, outra guerra na Espanha,
Cuba, outra guerra na Europa (nenhuma surpresa), sua morte na África (pois já não estava morto?
não, não estava, a dor era a prova de que ainda estava vivo), o Nobel, Idaho... já tendo essa história
por legado, um legado não perfeito, o que se há de fazer, mas, enfim, todos sabem que a vida é o
campo do possível, não do ideal, quem o impediria, homem livre, de decidir o melhor momento pra
baixar o pano, sair de cena, pendurar as armas e as canetas?
o dilema já estava resolvido, e Hemingway, com uma de suas favoritas nas mãos, apontada justo
acima dos seus olhos, fazia sua reflexão final, aquela que nunca deixaria escrita. que ninguém
ousasse pensar em fotografá-lo. restassem à posteridade apenas as imagens do escritor bonachão,
orgulhosamente ébrio. puxar aquele gatilho, extinguir o sofrimento, era um ato de força, um
manifesto do vigor de sua consciência; a doença não havia lhe roubado a sanidade. já havia tomado
decisões mais graves a vida toda e não era naquele momento que seria privado de definir o próprio
destino. matar-se era seguir vivo.
cai o pano.
mal seu corpo baixava à terra fria, uma famosa loja de departamentos espalhou o boato, ou melhor,
promoveu uma campanha de marketing viral disseminando a história de que a espingarda utilizada
pelo escritor no minuto final havia sido comprada em uma de suas lojas. era, pelo visto, uma grande
honra, ou um perfeito atrativo aos amantes das polêmicas e das armas. mas amigos mais próximos,
de bourbons e caçadas, estavam seguros de que aquela era uma companhia muito mais antiga, mais
especial. ela já o tinha acompanhado a tantas sessões de tiro no clube de cazadores del cerro,
naquela Cuba ainda pré-revolucionária, naquele Caribe onde ele jamais pensaria em dizer adeus às
armas, aguçando seu foco nos alvos lançados pelos seus ajudantes. La Yegua era como Hemingway
a chamava, quase carinhosamente.
compartilhando as manhãs mais quentes do mar do Caribe, no mesmo clube, forjavam também sua
pontaria os futuros revolucionários que levariam o país a mais uma batalha pela independência.
eram liderados por um jovem advogado, de nome Castro, ainda um ilustre desconhecido, cuja
ambição em aperfeiçoar o tiro logo ficaria evidente. durante os meses em que atirou, provavelmente
imaginando bustos mortos a cair e um país novo a se levantar, era justamente com La Yegua que
praticava, emprestada, sem que Hemingway soubesse, por um dos garotos que cuidavam de suas
armas. Castro gostava da empunhadura daquela calibre doze. a arma tinha personalidade, algo de
etéreo, além da firmeza com que se moldava aos braços do atirador e a presteza com que realizava
seu serviço. Castro sorria; aquela espingarda, com certeza, era sua favorita. ao contrário dos demais
atiradores do clube, nunca atirava em pombas. sentia por elas alguma espécie de compaixão. àquela
altura não poderia saber, mas momento futuro, vitorioso, amparado pela comoção popular, lançaria
de suas mãos uma outra pomba, branca, a que seria a prova viva da sua consagração. ainda longe
desse futuro, naquele momento era La Yegua quem se entregava em suas mãos, a respiração
suspendida, numa fração de segundo, o tiro certeiro.
na manhã seguinte, sentado no banco de trás do Ford, lendo sobre os recentes acontecimentos,
Hemingway chegava ao clube e uma vez mais tocava sua favorita, que dormia e sonhava em seu
berço, sem dar notícia do pesadelo da noite anterior. muitas pombas ainda seriam abatidas naquele
dia por seu olhar apurado. no entanto, o próprio Hemingway se espantou ao se perceber
desconcentrado, fora do usual. errou muito mais que de costume. as três pombas perdidas em uma
aposta estúpida renderam 15 dólares aos garotos do clube. e La Yegua parecia diferente, o mesmo
metal reluzente, o mesmo cano fumegante, mas de alguma forma sensibilizada. o escritor percebeu
essa sutileza, sentiu que aquele vapor transmitia algo estranho, incomum, que ficaria gravado na sua
lembrança, mesmo tantos anos depois, depois da saída de Cuba, da saúde debilitada, das internações
e torturantes sessões de eletrochoque ao qual fora submetido, e das quais se livraria de qualquer
forma.
naquela silenciosa manhã de verão em Idaho, deslizando os dedos sobre os canos ainda frios,
Hemingway era apenas nostalgia. anos depois lá estava ele, náufrago às avessas, impossibilitado de
regressar a Cuba, reviver sua beleza e seus mistérios. já haviam se passado semanas de angústia e
indecisão, e cada vez mais era patente sua impressão de estar cativo em sua terra natal. la bodeguita
del medio não poderia estar em outro lugar que não Havana. o kir royale não tinha o mesmo sabor
em Ketchum. aquela casa era agora o seu lar, sem dúvida, mas quem era ele? a espingarda, sem
dúvida, estava mais próxima dele que aquelas montanhas, impassíveis ao seu sofrimento ou ao de
qualquer outro ser humano, tão intocáveis quanto o horizonte. La Yegua, ao contrário, apegada aos
seus braços, ela que já esteve com ele em tantos outros momentos de introspecção, o entendia
melhor, não julgava, prescindia de gestos e palavras. não havia mais dúvidas de que havia chegado
a hora. o escritor, assim como a espingarda em seu momento, estava diferente, sensibilizado. La
Yegua, exilada como ele, percebia essa sutileza, sentia sua mensagem no toque delicado com que
ele a afagava. ela o compreendia. e mais uma vez, se entregou em suas mãos.
Hemingway jamais saberia de Castro, que jamais saberia de Hemingway. La Yegua ainda guarda o
segredo.
Favor
Texto e Fotografia de Joelma Félix Brandão
taaaaardee
Sério
mano, tô no trampo
já respondo
No bilhets, no nada :/
Bicho...
Eu caí?
caiu.
Ou trinquei
ô se trincou
Sério
sério, já respondo. OK
Ok
COMO ASSIM
vejamos: os três elementos saem tarde da noite de uma reunião de negócios no centro de São Paulo
acerca da produção de um futuro musical. Saem muito alegres pois, apesar de pouco produtiva a
reunião, e talvez por causa disto, o encontro foi regado a dezenas de garrafas do lícuo de molhar
palavras, ou de fluir melhor as cosa. Eis que vossa senhoria (doravante denominada “Vc”) queria
porque queria se entupir de pó; proposta indeferida pelos presentes, visto que os mesmos tinham
logo de trabalhar na manhã do dia seguinte (i.e. HOJE); no caso, em algumas horas.
não
Mesmo mesmo???
Nunca :D
Eu tentei ir no banheiro
Tava trancado
tô ligado.
kkk
e chegou um cara pra cantar com a gente. viu como não precisa explicar nada?
e o maluco que chegou começou a girar um pino vazio na mão “do nada”, depois dos papos de noia
entre um grande clássico e outro
eu e o Rico com cara de cu com sono, sem saber o que fazer, fomos atrás. e como fissurado tem
outro ritmo, encontramos porra alguma e ficamos ali na Rego Freitas esperando em uma esquina.
claro. e foi ali que os michês vieram e cercaram a gente. territorial pissings, brother
botaram a mão no bolso do Ricardo e afanaram o celular porque ele gaguejou ao falar onde morava.
da minha parte só saiu um “aqui”.
qndo falaram pra ele dar a mochila, com o Mac e a porra toda, ele saiu correndo e me deixou lá com
os caras \o/
fiquei tentando explicar que ele é músico e provavelmente mais fodido que todo mundo ali hehe
mas acho que eles viram o Ric trocando ideia com o segurança do estacionamento da frente e
resolveram fazer uma boa ação
Eu vi
Sim
baixada a poeira - cof cof, o teu novo amiguinho deu a, quicadíssima, bola dentro da noite:
se a gente não queria dar um teco do que ele tinha, aquela sobra da noite...
a gente foi pro Largo, batemos três carreiras gordas no teu cel e vrááá
nessas horas o amigão já tinha virado a esquina, e o amiguinho, não mais novo, dizia que tava
empapuçado, já tinha dado o suficiente
a gente atravessou a rua em direção ao meu prédio e só escuto o Rico falar “acho q não tô bem”
daí um estouro
é Vc estatelado no meio-fio
olho meio assim pro Ricardo e ele tá tentando se manter em pé apoiado na porta do prédio
QQQQQQQQ
sério
os meeesmos caras
eu tinha recém-falado pro Rico que achava q aquilo era ketamina, a gente tinha tomado um boa
noite cinderela
KKK
eles foram secos no Rico, ele tava desesperado apertando o interfone, coitado
qndo vi já tinha ido embora. foi todo torto perguntar pro Ricardo o que a gente ia fazer com Vc
de novo???
“de novo”
o q não é a obsessão...
juro que tudo que eu queria era te deixar ali e ir pra casa.
:/
a gente deve ter demorado uns dez minutos, mais até, pra te arrastar prédio adentro. te deixamos no
hall, braços abertos, crucificado. tentamos pateticamente te reanimar, não estávamos lá muito
melhor, e depois do terceiro dia sentamos pra chorar.
K-hole
só paramos quando ouvimos a mina do dois gritar com a gente. descartada a ideia de te jogar no
lixo, enfiamos Vc no elevador, sei lá como. sabe um pretzel?!
deve ter sido o mais prematuro e mais inesquecível bom dia que a Mi já viu.
Mals, cara...
ela achou que Vc tava morrendo. queria ligar pra Dara. se livrar do presunto, saca?
Ela ligou?
eis q Vc levanta, um morto muito louco, como se tivessem te dado a injeção de adrenalina do Pulp
Fiction. procura no bolso, afasta os livros da mesa de centro e vira AQUELE pino que Vc tanto
batalhou pra conseguir
foi a primeira vez que a gente tentou te explicar que o Rico tinha sido reassaltado.
acho que a mensagem não foi bem transmitida, não rolou A conexão, teu interesse era outro.
àquela altura eu e a Mi já estávamos resignados, teríamos visita para o café colombiano e acho que
ela realmente foi pra cozinha preparar um chá a começar aquela/esta beleza de dia
disse que já tinha acordado por motivos de interfone no meio da madrugada, tava susse
foooooi
:)
boi, eu realmente tenho que terminar esse (blow)job até as seis. toma teu café aí. eu já derrubei uma
garrafa aqui e tô de boa de vexame por hj
derrubei no chão
Ela ligou?
Quando Fui Bento
Fernanda Walmer
Antes silêncio
O que era inteiro se ruiu
Barulho
Sem fim
Contudo, anoiteceu
O céu não havia deixado de ser pleno
Só parecia de um outro tom
Num silêncio cantarolado
De uma presença nova
Estava ali, sob a escuridão, a poesia da grandiosidade e insignificância humana
Provou-se água de todo canto
Vestiu-se as roupas de toda gente
Alimentaram não só o corpo mas nutriram, com empatia e bondade, corações fatigados e existências
exauridas
Foi toque, humildade e esperança
Foi um filete de luz no colo de Deus
Emanuely era a luz
Feito a vida a sua volta quando ela corria
Tudo era diferente mas parecia estar junto
Deu as mãos a mais dezoito almas luminosas que traziam nos braços cada presença de Bento, cada
vivência e história
Esperando que toda lembrança, quando curada, faça uma visita ao que sempre será sua casa.
A Lei do Silêncio
Eric Moreira
Osvaldo ganhou um prêmio de xadrez na escola aos quinze anos. Não que isso faça diferença
em seu futuro, mas fazia diferença pra ele. Tinha um complexo de ser inteligente, achava que
era ótimo. Ou talvez fosse apenas medíocre como eu era e todos nós fôssemos ruins no
xadrez. Osvaldo e Vanderlei eram amigos desde pequenos, desde os quatro anos de idade. As
mães trabalhavam e os filhos ficavam na rua. Rua de gente boa, os vizinhos cuidavam dos
meninos. Eu conheci os dois, que eram mais velhos, quando eu tinha meus quatro também.
Quatro é um número de grande mudança na periferia de San Pedro. Depois dos quatro anos,
todo mundo confia em deixar os filhos sozinhos sob os cuidados das vizinhas, ou sob os olhos.
A maioria de nós ficava mesmo na rua, brincávamos de futebol com bola de meia, ou de bete.
Bete é um jogo estranho, não sei como conhecíamos aquilo, mas era quase uma tradição dos
meninos mais velhos, que aprenderam com os que eram mais velhos que eles. Em outros
lugares, alguém me contou que também é chamado de bets, tacobol ou taco. Sempre achei
bete o melhor jeito. Era como chamávamos naquela época.
Mas não quero me alongar em contar nossa infância, nem como conheci Osvaldo, nem
como conheci Vanderlei. Nem como conheci o jogo. A história começa com Osvaldo e seu
prêmio de xadrez e termina com o assalto do ônibus de Alto San Pedro, dez anos depois.
Osvaldo sempre se gabou daquele prêmio e de como aquele prêmio assegurava sua
inteligência superior contra nós. Era quase um mantra e assim foi a vida toda. Aos vinte e dois
eu era ainda mecânico no setor de laminação da usina, Osvaldo era o um-sete-um do bairro e
vivia de pequenos furtos e golpes no centro da cidade.
Éramos uma turma de rapazes que cresceram juntos e todos nos conhecíamos e nos
respeitávamos mais do que respeitávamos aos outros. Era como um código de conduta.
Osvaldo e Vanderlei, que praticava pequenos assaltos às residências de condomínios granfinos,
eram da mesma turma que eu e eram os meninos mais velhos. Eu conhecia tudo o que eles
fizeram e sabia de tudo o que eles faziam. Eles, por outro lado, também sabiam tudo sobre
mim. Então, se nós sabíamos tudo o que fazíamos de errado, o melhor éramos ficar de bico
fechado. Era a lei do silêncio. Nenhum de nós era santo, eu só não estava cometendo os
mesmos ilícitos que eles. Fazíamos cada qual o seu jogo e, assim, levávamos a vida.
Eu, aos vinte e dois. Osvaldo e Vanderlei aos vinte e cinco. Aquele foi um dia comum
do começo ao quase fim do dia. Acordei, tomei um café preto com um cigarro. Dei um beijo na
minha velha mãe Alcinda, mãe de criação que me pegou depois que minha mãe foi embora.
Sempre senti um respeito imenso por ela. Guerreira, mãe de santo, me cuidou a vida toda
como se fosse cria dela. Eu não tinha irmãos e Alcinda não tinha filhos, fui criado como único
num lugar onde único só se fosse o bilhete do coletivo. Depois daquele beijo carinhoso saí pela
porta e peguei o ônibus pro Distrito Industrial de San Pedro. Onde a usina existia como um
palácio, com seus dois alto-fornos gigantes que pareciam torres, e vários complexos
espalhados por uma área quase impossível de imaginar. A usina, em questão de espaço, tinha
um terreno que cobria mais espaço que o bairro onde eu vivia. Era um colosso.
Eu exagero as vezes, eu sei. É que sempre tive paixões por aquelas máquinas imensas,
que faziam calor e barulho e produziam aço, às toneladas, no final. Aquilo era sinfonia. Faziamais
barulho que minha cabeça e, por resultado, abafava o excesso de complicações que eu
criava dentro de mim.
Desmontei peças, apertei parafusos, troquei peças e suei como porco. Tirei quatro ou
cinco pausas pra fumar um cigarro, pausas pequenas. E uma grande pra almoçar como um rei
no restaurante da usina. Escrevi um pouco também.
Xadrez era pra Osvaldo o que a literatura era pra mim. Uma esperança infalível de
sucesso.
Eu acredito que Osvaldo, naquele mesmo dia tenha acordado, tomado um café e
também fumado um cigarro. A mãe de Osvaldo é mais nova que Alcinda, então acredito que já
tinha ido trabalhar quando ele acordou. E ele não deve ter dado nenhum beijo na testa de sua
mãe naquele dia. Ele e Vanderlei já vinham pensando naquele esquema, assaltar o ônibus mais
cobiçado da cidade. O ônibus que, como nós diziamos, era o Expresso Cidade-Toda. Todo
mundo, praticamente, podia pegar aquele ônibus. Ele percorria a cidade toda e quase todo
mundo usava o Alto San Pedro em algum momento do dia. A passagem custava dois e setenta
e cinco; e se calculássemos que pelo menos vinte mil pessoas andavam naquela coisa por dia,
à tarde ele teria milhares de passagens pagas ali.
Mas Osvaldo tomou um café ralo e fumou um último cigarro da noite anterior antes de
sair. Ele não viu sua mãe, não se despediu dela, nem deixou um bilhete dizendo que ia
demorar.
Vanderlei, eu acho, deve ter acordado numa ressaca, como sempre acordava e
contado o dinheiro que ainda tinha na carteira. Não tinha mãe, que morreu cedo num
desabamento quando eu era pequeno demais pra lembrar. O pai, que era dos melhores
pedreiros e alcoólatras que San Pedro já viu, morreu quando ele era adolescente. Viveu com os
irmãos mais velhos até conseguir se sustentar sozinho no velho barraco do pai com os
pequenos roubos que fazia.
Eu trabalhei. Suei e trabalhei. Eu não julgo os rapazes porque também não fui santo
nessa vida e acredito que uma hora vou pagar os meus pecados também. Deus deve estar me
vendo lá de cima e julgando qual a minha pena, é assim que imagino Deus, como um velho juiz
cansado demais pra cobrar tudo na hora. Os meus pecados ele deixou pro final, pro sofrimento
prolongado. Vanderlei e Osvaldo ele cobrou rápido, num corte seco de guilhotina. Depois do
trabalho peguei o Alto San Pedro, como sempre fazia. Naquele horário não andava muito cheio
como de costume, mas já havia rodado o dia inteiro, desde que eu havia acordado e agora ia
para a última viagem, até trocar o motorista e cobrador. Era o ponto alto da grana no ônibus.
Atravessamos a cidade do Distrito Industrial à velha Pedreira. Que era onde eu descia,
havia uma trilha no mato e um escadão logo à frente onde subíamos para nosso recanto
sagrado e isolado das benesses de San Pedro Velha, onde moravam os granfinos.
Senti uma freiada brusca. O ônibus estancou numa violência bruta de motor e pneus
fedendo a queimado. Ouvi uma gritaria lá fora e uma agitação dentro do ônibus. Eu sentava
sempre no fundo. Como sempre fui na escola. O fundo é o meu lugar, assim as pessoas não me
olham, eu pensava. Dois homens subiram na parte da frente, pararam no cobrador e roubaramo
dinheiro do caixa. Rapidamente pularam a catraca e foram recolhendo todos os objetos de
valor dos passageiros do ônibus, como filme de hollywood em que os ladrões contam os
segundos pra roubar tudo o que dá e fugirem num carro importado. Roubaram todo mundo.
Quando se deram por mim, no fundo do ônibus, ouvi a voz de Osvaldo e ele engasgou falando.
- Deu sorte, Zé.
Eles desceram rápido pela porta de trás e saíram correndo pela trilha do mato. Fiquei
constrangido, sabia que eram eles e sabia que eles não me roubaram porque nos conhecíamos
há muito tempo. Senti vergonha das outras pessoas que me olharam com raiva e sabiam que
eu não tinha sido roubado. Me colocaram no mesmo lugar que eles e eu me senti pela
primeira vez, desde que éramos moleques, como um membro da “gangue”. Abaixei a cabeça,
ri um pouco, mais de nervoso do que por qualquer outro motivo. E desci do ônibus. Acendi um
cigarro enquanto andava.
Subi um caminho três vezes maior porque o assalto foi ainda longe do escadão onde
eu subia.
Pensei em mim. Pensei em roubar também. Pensei que talvez fossem atrás de mim
como cúmplice do assalto. Não sabia o que pensar, então, pensei em várias coisas, inclusive
pensei que Vanderlei e Osvaldo talvez viessem atrás de mim, pra que eu não dedurasse
ninguém. Fiquei com um misto de nervoso e ansiedade. Mas cheguei em casa. Dei outro beijo
na mãe Alcinda e tomei um café morno que ela passou à tarde. Senti o cheiro do cabelo dela
lavado e senti aquele prazer de ter sido criado por aquela mulher maravilhosa. Senti medo,
lembrei das brincadeiras de criança, do polícia-bandido que brincávamos com pedaços de pau
fingindo de armas e me dei conta de que não existia aquela dualidade. Éramos um degradê de
pretos. Ninguém tinha virado polícia, mas alguns viraram bandidos. O resto... como eu e
outros amigos nossos, tinhamos apenas aceitado a condição de trabalhar forçado, mas sem
chicote.
As notícias correram a cidade. Eles ficaram escondidos num esconderijo muito velho
no mato que brincávamos de selva. Como se fôssemos desbravadores das florestas africanas.
Pensávamos em leões, rinocerontes e gorilas gigantes. Éramos crianças. E eu percebi que eles
não cresceram tanto, se esconderam no lugar onde nos escondíamos quando éramos meninos.
Foram brincar de selva. Dois dias depois encontraram os dois mortos lá. Munições de pistola
calibre 40, a mesma usada pelos policiais. Senti vontade de chorar, de contar ao mundo o meu
sofrimento que era o sofrimento dos meus irmãos.
Mas é a velha lei... aquela que só o silêncio garante o que vive.
Orgasmos Múltiplos
Andri Carvão
L ogo que entraram no ônibus anunciaram o assalto. Os dois estavam armados. O maior
dominava a situação. Bateu com o berro na tampa da gaveta do cobrador e segurou-o pelo
queixo espremendo seus lábios, fazendo-o fazer boca de peixinho.
“Vamu zuá!”
“Segue reto e pisa, piloto! Parece uma lesma manca! Até minha vó dirige mais rápido que você!”
“Seu cu é peludo? Sua bunda é branca? Eu vou comer seu cuzinho, grandão. Como você chama,
mané? Eu gosto de falar o nome quando tô trepando. [pausa.] Comé o seu nome, viado?!”
“Dimas.”
“Ô Dimas, você é dimaisss! Ô Diminha, baixa a calça e olha pra lá porque você é feio pa caraio,
meurmão. Não tem uma bandeira do Brasil aí não, Pivete?”
“Chupa e assopra porque esse dente de égua vai acabar machucando o cogumelo do meu pau. E ele
é sensível, viu, querida. Agora vem cá, putona! Chupa com gosto, viu. Se morder te dou uns
pipoco.”
Ajoelhou tem que rezar. Paralisado, em estado catatônico, não tinha boca pra nada o coitado. Sua
alma subiu. Acompanhava o discurso sarrista do Chefinho, humilhado e ofendido, batendo na altura
da cintura do delinqüente exibicionista, mas que até então não tinha sacado pra fora seu
brinquedinho.
“Ei, você aí! Isso, você mesmo, piranha. Filma a bagaça aí, ô baranga! Filma e joga no YouTube!
Filma eu, Galvão! Istrupa, mais num mata. Quem falava assim, Pivete?”
“Eu não falei com você, sua bicha! Você chama Pivete por acauso?!”
De repente o ônibus começou a sacudir, a chacoalhar pra cá e pra lá, o que fez com que o Chefinho
mudasse de idéia.
Mantinha a arma apontada pra cabeça do passageiro. O ônibus descontrolado subiu com a roda
dianteira na calçada. O cobrador fez menção de sair da catraca, mas foi interpelado pelo Pivete.
“O motorista tá passando mal, o cara é cardíaco, tá ligado?!”
O Chefinho bateu com a cabeça no balaústre, lesionando a testa e ocasionando um pequeno corte,
mas que foi o suficiente para cegá-lo com o sangue escorrido.
Se aproveitando da situação, o jovem ajoelhado levantou num salto e acertou um soco em cheio na
boca do estômago do Chefinho, tomando a arma de sua mão. O sangue subiu e as veias do pescoço
até a cabeça pareciam que iam estourar, pois seu cérebro inchou. Enfim, enfiou o cano da arma na
boca do trombadinha e sapecou o dedo no gatilho uma duas três vezes sem dó. Seu cérebro explodiu
de tanta raiva: a arma era de brinquedo.
Pivete ninja saltou da janela, parecia que nunca tinha feito outra coisa na vida, um profissional, e
saiu em desabalada carreira, catando cavaco e largando seu parceiro do crime.
“Que cuzão!”
Eu não conseguia raciocinar. Eu podia ter fingido, ter segurado o celular sem acionar o rec. Mas
não. O pânico tomou conta de mim de tal forma, que obedeci feito um cachorrinho: filmei a
humilhação do rapaz, após a limpa do caixa e de alguns passageiros, e o motorista infartado. Por
causa da freada brusca, perdi o celular, que caiu da minha mão, mas logo o recuperei e continuei
filmando: o revide do rapaz, a fuga do menor pela janela e, por fim, o linchamento.
Acontece que, depois disso, a curiosidade mórbida despertada por filmar a desgraça alheia se tornou
uma constante para mim. Não posto no YouTube ou nas redes sociais como o assaltante disse pra eu
fazer, mas virou uma espécie de fetiche. Na hora, sinto um misto de excitação e prazer e depois
repulsa. Tremo todo, fico todo ouriçado. Por isso fiquei viciado em fazer esses vídeos e assisti-los a
exaustão, em casa, sozinho. Não tenho idéia da quantidade de vídeos que produzi; repletos de
acidentes de trânsito com vítimas fatais, suicídios, trocas de tiros entre bandidos e policiais,
tumultos em manifestações, velórios e enterros, animais atropelados, matadouros clandestinos
[parece Faces da Morte] e também bêbados e mendigos, travestis e prostitutas, troladas em geral.
Eu não consigo evitar, é mais forte do que eu. Se eu estiver no lugar certo e na hora certa, não tem
jeito: saco meu celular e filmo. Depois descarrego tudo no micro e assisto centenas de vezes todos
os dias, altas horas da noite, madrugada adentro, até gozar.
Amnésia
Alessandra Barcelar
“
Não, não há exagero nisso, e não recorrerei à filosofia nem à psicologia para corroborar o que estou
dizendo. Não há exagero nisso. De acordo com o mito judaico da criação, havia no mundo menos
pessoas que os dedos das minhas mãos, e um deles era homicida." . ( Francisco de Morais Mendes,
no conto A Confraria)
Fere a alma
A tesoura estéril
Pica sonhos em pó
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Estalos metálicos
palpitam
Fora das telas
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
A mão
Que amola
A lâmina
É tão
Humana
Quanto a mãe
Que alimenta
Pesadelo nas
Panelas
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Nunca vi tesoura
Que triturasse gente
Lançada à sorte
Dos cortes
E das mordaças.
Quando se Transpõe a Ilusão da Grandeza
Caroline Fortunato
D ivina nasceu em uma família pobre, de dez irmãos vivos, na zona rural, em uma época um
pouco mais estratificada, onde a classe C ainda não era tão presente.
Embora os tapas da forte desigualdade social que afetava sua família, a mulher até hoje sente uma
saudade feroz de sua infância, que fora para si a melhor fase; a mais riquíssima – em todos os
aspectos viscerais.
Aos treze anos, todavia, parte para a cidade de São Paulo, sob orientação de uma de suas irmãs mais
velhas, trabalhar de babá e empregada doméstica em uma família de intelectuais, onde o homem,
por exemplo, era escritor e trabalhava em um canal de TV cultural.
Embora fosse uma família rica, eles costumavam contratar garotas de fazenda – que não tinham
nenhuma experiência como babá – a fim de aplicarem mão de obra barata, ou seja, a fim de pagar
pouquinho a elas.
Divina sente-se, ao chegar a São Paulo, como Macabéa chegando ao Rio de Janeiro. E vai morar na
casa dos patrões, no famoso “quartinho dos fundos.”
A questão da segregação entre patrão e empregado era muito forte: além de não poder estar nunca
sem uniforme, a senhora da residência, ao oferecer suco a Divina, por exemplo, sempre lhe dava um
copo de plástico, diferente do seu, de vidro (quando não importado). E, ao perguntar àquela se ela
gostaria de assistir televisão na sala, pegava-lhe então uma cadeira, pois não poderia se sentar no
sofá.
Essa senhora, entretanto, em dada altura de sua vida fica doente, afetada por problemas
psicológicos. Enfermeiras eram contratadas para cuidarem dela, porém lhe maltratavam: batiam-lhe,
gritavam com ela... Divina, ainda hoje, ao se lembrar daqueles tempos, sente com veemência todo o
sabor amargo da pena com a qual era preenchida ao presenciar tais maus tratos.
E, nessas condições, a senhora passa a ir ao quarto de Divina, a dormir junto dela, buscando por
abraços ou qualquer réstia de carinho. E tudo isso lá mesmo, no quartinho dos fundos.
Cruzamento
Claudio Comendini
P ietra não se deu conta do Onix em alta velocidade que virava a esquina. Não
associou o cantar de pneus a um perigo iminente. O cruzamento da Toledo
com a Genoveva Freire era sempre barulhento mesmo. O vendedor de
acessórios para celular, parado a poucos metros dali, sentiu apenas a maçã a
baquear-lhe a cabeça.
Atrasado para a prova do vestibular, Diego dirigia em ziguezague, desviando de
carros e ônibus, invadindo vez ou outra as ciclovias. Ele queria fazer Cinema, mas,
por insistência do tio Valfrido – renomado advogado criminalista – inclinara-se ao
Direito. Os amigos lhe prepararam uma festa na noite anterior. Tinham certeza que
passaria na prova. “Futuro Dr. Diego Colassanti. Advogado, sim senhor!” -
bradavam aos quatro ventos enquanto o abraçavam e degustavam cervejas
importadas e aperitivos finos. Da cerveja para o uísque e dali para uma cheirada
sem compromisso foi um pulo. Os olhos agora tremiam ao mirar as mãos ao
volante. A vista lhe embaçava o entendimento, a noção de distância e dimensão. A
mulher apressada, vinda da consulta médica, apenas sentiu ter pisado em algo
mole. Tratava-se de uma banana.
O pequeno Felipe Júnior, único herdeiro do casal Adriana e Felipe César, já ganhara
o seu. Voltava pra casa radiante, com o boneco de brinquedo. O pai lhe dissera que
era o seu presente de natal, mas Felipe sabia que ganharia mais alguma coisa, esta
sim, presente de Papai Noel. Sempre, todo ano, ganhava dois presentes. Por um
instante desviaria a atenção do boneco, herói de seriado japonês em miniatura;
roupa de plástico pintado em vermelho, exoesqueleto prateado. Já vinha olhando
para baixo, sendo seguro na mão direita pela mão de Adriana, a outra, agarrando o
boneco com entusiasmo. Agora pendia atenção à faixa de pedestres. Asfalto preto,
listras brancas. A alternância monocromática sendo invadida por uvas e tangerinas.
O pé direito de Diego pareceu que colara ao acelerador. Não fazia ideia, mas,
quando precisasse, talvez não conseguisse achar o freio. Menos de dez minutos
tinha pra chegar à faculdade, atravessar o campus, apresentar o cartão de
identificação e por à prova os anos de estudo, as noites em claro com a companhia
silenciosa dos livros, comprimidos e xícaras de café. Agora não achava mais os
pedais certos. Faltava-lhe a coordenação. Nervosismo, cobrança dos pais e do tio,
faculdade longe, cerveja, uísque, cocaína. Por último, o semáforo fechando e a
certeza de que daria tempo de cruzar a Toledo.
O motorista do ônibus desceu correndo para ver se o Onix lhe acertara a lataria.
Atraso seria ruim, batida muito pior. A mulher, antes apressada, parou na calçada.
Acabara de se dar conta que o sapato caro agora estava com o salto sujo por conta
de uma banana amassada que viera não se sabia de onde.
Diego foi recobrando a consciência aos poucos. A vista embaçada pelo torpor agora
se agregara à vertigem pela batida da cabeça ao volante e ao sangue jorrando do
supercílio direito. Confuso, não sabia se era efeito da tontura ou o para-brisa estava
mesmo todo trincado. Desceu do carro enquanto as pessoas, curiosas, iam
tomando-lhe o redor. E o barulho, esse sim, o barulho era um pesadelo à parte.
Vozes e mais vozes se acumulando, de gente que não parava de chegar cada vez
mais perto. Mas a primeira coisa que entendeu ali, a primeira frase ouvida a fazer
conexão em seu cérebro ele carregaria para o resto da vida. Foi o dono da quitanda
de onde Pietra acabara de sair, Himeneu, que gritava a plenos pulmões:
—Meu Deus! Mataram a cega! Mataram a cega!
Jornal de Ontem
Norma de Souza Lopes
jornal de ontem
o edifício joelma incendeia-se
um shopping desaba sobre inúmeras pessoas
e uma criança
um homem salta nu do décimo primeiro andar
na rua Timbiras
um tsunami é mau ou bom?
a abertura da Copa mais feia da história
mais de vinte poetas morrem
em dois mil e dezessete
(ops, isto ainda não é notícia)
Assim
Michele Santos
[a letra trêmula,
Meu dengo,
do seu, prasempre,
J.
Às vezes viver
é um grande [SIC]
Sabedoria
Manuel Veronez
– É justamente isso! Quando eu te disse que a intransitividade universal dos objetos aspirais
circulam infinitamente em um tempo escasso e finito, era isso, exatamente isso que eu pensava,
analisava e deixei de lado na semana seguinte. Mas surge outra questão ainda mais polêmica e
complexa e creio que de mais valor e importâncias para nós: onde iremos guardar o nosso dinheiro
não-transviado do governo não-federal de um país não-problemático? Essas indagações são
importantes e requer um pensamento analítico, crítico e um pouco leviano. Tenho certeza que
debaixo do colchão da minha cama e no meu guarda roupa não são bons lugares para se guardar as
verdinhas, há neles muitos cupins. Às vezes acordo com eles em cima de mim e penso: “será que
me pareço com uma madeira, ou tenho gosto de uma?”. Na tua casa é impossível, sua família nunca
entenderia, muito menos a família de tua mulher, aqueles judeus que roubam de forma legal, eles
até possuem proteção da lei! Talvez, se anistiássemos o caixa dois? Daí, seria daqui pra Pasárgada!!
Surrealmente sussa! Mas de imediato, temos que doar um pouco para as casas de amparo, fizemos
aquela promessa, se lembra? Maldita hora em que bebemos antes de adquirir o cascalho transviado
e embriagados prometemos a santíssima que daríamos a ela também, pois afinal, ela estava conosco
na hora, como em todos os lugares que vamos... Tirando isso, acho que vamos nos dar bem, estou
pensando em comprar uma casa na praia, uma esposa, um cachorro, alguns imóveis e até uma
amante. Ah! Irei criar também alguns cargos de importância e confiança em nossa empresa e tentar
um investimento na bolsa Norte Americana, porque a nossa só fica em queda. Contratarei também
algumas secretárias mais apresentáveis, mais firmes do que essas nossas pelancudas milenares que
esqueceram o caminho para a morte. Comprarei meu modesto e pequeno avião que sempre sonhei
em ter, desde menino, quando tinha meus três anos de idade. Aparentemente, está tudo sob controle,
não somos suspeitos e nem seremos, somos brancos, e aqueles amigos nossos policiais,
principalmente o Coronel Fortunato Divino, disseram que se depender deles e de sua polícia nós
vamos dormir de pés espalhados, na maior paz e tranquilidade, tranquilidade essa encontrada nos
justos, honestos e trabalhadores como a gente e o restante do pessoal da firma. Bom, é certo que
temos que tirar o Modesto Justo de Almeida dessa lista, primeiramente por ser um comunista, ou
socialista, sei lá, ele gosta de dividir tudo e sempre pensa em favor dos oprimidos, mas acho que é
balela, um truque, um macete para continuar no emprego. Mas tenho certeza que acharemos um
bom lugar, um lugar seguro, garantido, um mocozinho que nem mesmo Deus irá achar e muito
menos suspeitará, e além do mais, como o sistema judicial brasileiro é lento e privilegia os
poderosos, temos pelo menos uns 10 anos para pensar onde colocaremos o nosso abençoado
dinheiro.
– É, eu sei...
A Culpa é do Nome
Mt. Lannes
Everardo era um nordestino alto, forte e embora já tivesse beirando seus cinquenta anos,
mantinha o porte físico de um campeão dos pesos pesados do boxe.
Era assustador ver aquele homem nervoso. Até porque, Everardo sempre se mostrou um
homem tranquilo, amigo de todos; excelente pai e esposo para Lindalva, primeira e única mulher de
sua vida.
Os sinos cessaram, mas, os gritos dele, não. Os vizinhos abriram suas portas e janelas para
tentar descobrir o motivo de tamanha fúria, vinda de um homem tão calmo.
__ Será que é por traição de Lindalva? Indagava a si mesma a vizinha solteirona, de meia
idade, que adorava passar seu tempo, debruçada na janela, torcendo pela desgraça alheia, para
amenizar o peso de suas próprias desgraças.
__ Estazinha nunca me enganou, com aquela carinha pálida de santa de gesso mal pintada.
E continuava cuspindo todo seu veneno contra o vento, a vizinha mal amada e amargurada.
Alguns paravam em frente à casa de Everardo e só faltavam armar uma tenda, espalhar
bancos, distribuir pipocas entre si, para curtir aquele grandioso espetáculo, até então, inédito dentro
daqueles cômodos de tijolos e concreto que nem mesmo os anfiteatros da Roma antiga conseguiram
atrair com tamanha quantidade de espectadores.
Lindalva chorava. Apenas chorava incessantemente, como se seus olhos fossem a queda das
cataratas do Niaga. Maria Imaculada Souza Santos, filha única do casal, permanecia em silêncio.
Quando uma lágrima tentava cair de suas pálpebras, ela apertava forte seus olhos e com a pontinha
do dedo mínimo, retirava a umidade de suas retinas.
__ Quem foi o responsável? Quem foi o desgraçado que lhe roubou a pureza e ainda por cima
lhe deixou buchuda ?
No fundo, Everardo esperava ouvir de sua filha, que acabara de completar quinze anos
festejados durante três dias seguidos com a presença de toda vizinhança e dos parentes que vieram
em peso da Paraíba, qualquer coisa até que sofrera um ato violência, menos que sua filhinha,
houvesse concedido que um qualquer lhe tirasse a virgindade.
Os vizinhos começaram a se dispersar. Não haveria sangue ali pelo visto. Saíram com ar
decepcionado cada um para sua casa.
Os gritos e ameaças apenas cessaram às 22he30min, quando de tanto berrar, a voz de Everardo
começou a falhar e sua garganta doer.
O cansaço abateu a todos. Durante toda noite, Everardo acordava com pesadelos terríveis,
tendo a imagem da vagina de sua filha sendo penetrada por cobras venenosas de várias espécies que
lhe possuíam e arrancavam de Maria imaculada suspiros e gemidos. Noutro pesadelo, viu sair do
ventre de sua filha um bebê com a cara do Vicente, drogado do bairro, pessoa que ele odiava.
Amanheceu um novo dia sem que na verdade tivesse acabado o anterior.
Maria Imaculada, se arrumava para ir ao colégio e naquele momento, talvez, por ainda estar
viva, de pé e sem nenhuma marca em seu corpo, ela se sentia mais tranquila e até arriscava assobiar
uma canção enquanto penteava os fios longos e cacheados dos seus negros cabelos.
Aquele assobio, aquela calma, até meio debochada de Maria Imaculada foi fazendo o sangue
de Everardo ferver, suas veias saltavam do pescoço, suas mãos tremiam descontroladamente e…
__ Quenga! Vagabundaaaaaa!
__ Eu te dei nome de Santa e você se porta como uma puta. Puta! Puta! Puta!
Implorava aos prantos sua esposa, fiel e amiga. Mas a fúria dele era incontrolável. Mostrava as
mãos calejadas a poucos centímetros do rosto da filha e berrava.
__ Olhe estas mãos! Olhe estas mãos! Eu me mato de trabalhar para te dar o melhor e olha
oque você me fez.
Maria Imaculada permanecia em silêncio. Sua confiança havia se acabado novamente. Era
estranho ver o pai que só lhe dera amor, até então, lhe chamando de tantos nomes feios, vulgares.
Nomes jamais pronunciados dentro daquela casa e nem ouvidos por ela, nem pelos lábios do pai,
nem da mãe.
__ Veja lá o filho de Terezinha. Ela deu ao filho mais novo o nome de Jesus. Nenhum outro
dos cinco filhos seguiram pelo caminho errado. Mas, Jesus, Jesus começou por se viciar em drogas,
roubava tudo de casa para comprar aquelas porcarias, até que virou traficante e hoje é chefe do
tráfico daquele morro com nome de bicho, lá na Zona Norte.
__ E a filha do João, padeiro lá da padaria do Sr Crispim? Como a mulher teve uma gravidez
complicada, ele apelou a Santa Margarida, nem conheço essa santa. Mas ele pediu , pediu e a
mulher pariu uma menina linda e saudável que ganhou o nome de Margarida em homenagem a
Santa. Resultado: a menina começou a cortar os cabelos cada vez mais curtos, vivia entre os
moleques jogando futebol, bola de gude, soltando pipa, até cair na porrada com os meninos ela caia
e pior, vencia todas as brigas. Agora, vive lá na Zona Sul, com uma mulher de deixar qualquer
homem maluco e que ainda dizem ser atriz famosa de televisão…
__ Então você quer dizer que sua filha deu a boceta porque tem nome de santa? E que isso é
uma espécie de maldição, de castigo dos santos por homenagearmos nossos filhos com seus nomes?
Ouvindo aquela conclusão do marido a respeito do nome dos santos e o efeito ruim que eles
causavam na vida das pessoas,percebeu que o que acabara de dizer parecia ridículo, até mesmo um
sacrilégio de sua parte.
Então, preferiu calar-se para não parecer ainda mais ridícula. Nesse momento, os olhos de Maria
Imaculada demonstraram certo ar de decepção diante da falha da mãe ao tentar defendê-la. Agora
sabia que não teria mais advogada, nem juiz, nem nada. Seria o pai contra ela e em seu íntimo já
sabia ter perdido esta batalha.
Everardo respirou fundo... Olhou para o teto e sussurrou algumas palavras como se sua voz
pudesse varar o concreto e alcançar a Deus. Mas a fama de melhor pedreiro da cidade havia sido
comprovada naquele momento, pois Deus não lhe respondeu, não lhe deu solução alguma,
permaneceu em silêncio como nas imagens, nas estátuas das igrejas. EVerardo entendeu que Deus
não se metia em negócios de família. Então, caminhou em direção de Maria, retirou o cinto e
começou a surrá-la.
Batia com força, batia nela sem pena, embora seus olhos não parassem de transbordar.
Maria Imaculada resistia, sabia que dizer a verdade ia machucá-lo mais que a omissão. Mas as
cintadas não cessavam e cada vez mais a mão de Everardo pesava a cinta. Então, não suportando
mais de tanta dor, soltou um nome que saiu gritado por entre seus lábios.
__ Pedrinhoooo!
Everardo parou de bater nela. Esperou sua respiração aliviar para poder dizer alguma coisa.
__ Não.
__ Miltinho…
__ O quê?
Miltinho era um menino que estudava com ela e que morava num bairro vizinho. Everardo não
sabia muito sobre ele, apenas que os pais se sustentavam catando coisas no lixão e que o menino
sempre estava la, com eles.
__ Bené.
__ Sim pai, e antes que o senhor fale mais alguma coisa, teve também o Rodrigo.
Nesse momento, por mais forte que Everardo fosse, não resistiu e desmaiou…
Os quatro garotos se encontravam na sala da casa de Everardo. Deu trabalho reunir todos de
uma só vez em sua casa. Teve que ordenar a sua filha que os enganasse, que inventasse qualquer
história para levá-los até lá.
Muito embora eu esteja furioso com tudo isso, alguém aqui terá que assumir essa criança e casar
com Maria Imaculada.
Rodrigo com seu jeito malandrão foi logo se retirando, mas a mão imensa e pesada de Everardo o
bloqueou, o que despertou o desespero do garoto de apenas quinze anos que começou a chorar.
__ Eu não fiz nada, não fiz nada! Eu só toquei punheta e gozei na boca dela. Não joguei nada
em buraco que pudesse engravidá-la.
__ Eu também não.
Miltinho tratou de se pronunciar de imediato para tirar seu corpo fora, assim que percebeu do que se
tratava aquela reunião.
__ Eu nem na boca gozei. Joguei tudo nos peitinhos dela. Disse Miltinho.
Everardo estava sem entender nada. Esperava com aquele interrogatório descobrir uma data
precisa em que ela se relacionou sexualmente com cada um deles, para assim saber qual dos
moleques seria o pai de seu futuro neto.
__ Não estou entendendo nada. Como vocês falam que não fizeram nada com minha filha, se
ela estava namorando com vocês e agora está grávida?
Rodrigo com seu jeito folgado fora logo dizendo que nunca foi namorado dela e classificou o
que tiveram como um lance.
Cada explicação vinda daqueles garotos fazia ferver de ódio o sangue de Everardo.
Lindalva num canto apenas chorava e perguntava a Deus o porquê de estar passando por aquilo
e mais uma vez a fama de melhor pedreiro da Baixada Fluminense era confirmava. Nenhuma
oração ultrapassa aquela laje, que por mais de vinte anos nunca tivera nem uma goteira sequer.
Everardo, olhando para Maria Imaculada, confirmou que aqueles dois realmente não chegaram
a penetrar sua filha.
Então mandou que os dois saíssem de sua casa. Bené ficou desesperado e começou a gritar…
__ Nãoooo! Eles também estavam na orgia, somos todos pais então. Só porque sou preto vocês
não vão jogar essa carga em mim sozinho, não. Estávamos os quatro juntos com sua filha e todos
fizemos...
Everardo não aguentou saber que sua filha havia participado de uma orgia e seu coração
acelerou, acelerou, e... Parou pra sempre…
Lindalva ajudava Maria Imaculada a arrumar seus netinhos. Bené e Pedrinho chegariam logo.
Dizendo isto, Maria ergueu do berço o bebezinho mais moreninho, chamado Sebastião e entregara a
Bené, que beijou o bebezinho cheio de carinho e o jogava pro alto arrancando-lhe gargalhadas.
Em seguida pegou do berço o pequeno Pedro Junior e entregou ao Pedrinho, que mais sério,
apenas se sentou num canto e ficou a admirar seu filho…
C achorros não podem simplesmente morrer e depois aparecerem com o seu sangue
completamente chupado com dois caninos marcados em seus pescoços sarnentos – disse
Emanuel a Júlio, não sei exatamente em que circunstância. E estão dizendo por aí que o
autor de tudo isso é uma besta, de carne e osso e pelos, estão o chamando de vampiro, mas ao que
vejo parece um lobisomem. Essas criaturas são diferentes de nós, sabe, elas não podem sair no meio
da rua quando o sol está derretendo até nós mortais não aguentamos imagina os imortais.
Você já assistiu Nosferatu né? Então, ao invés dele se mudar para Bremen e causar o terror ele veio
para Osasco. Eu nunca conheci um vampiro que chupasse sangue de animais, creio que isso deveria
ser uma afronta a todos os verdadeiros vampiros, aqueles que vagam entre as sombras como Mack
na canção Mack The Knife interpretada por Louis Armstrong entre outros cantores, um vampiro
além de todos esses defeitos, ele deve ser charmoso, seduzir a vítima mesmo com aqueles dentes
horríveis e um rosto pálido.
Já apareceu até no jornal, em destaque: ‘’VAMPIRO DE OSASCO ATACOU NOVAMENTE’’, as
pessoas não estão preocupadas com os seus cachorros e sim por terem as presas sanguinolentas
fincadas em seus pescoços e se tornarem aquela criatura peluda que desenharam no jornal, sim, eles
fizeram até uma caricatura do infeliz. Que se danem os pobres animais, eles que se defendam, os
humanos já estão colocando cruzes nas portas de suas casas como se isso fosse impedir que ele
pulasse e chupasse o sangue da mulher do prefeito e de todas as suas filhas.
Eu pessoalmente não acredito que seja um ser sobrenatural, mas também não descarto essa
possibilidade, acredito que seja um maluco, essa cidade é cheia de malucos e você sabe que existe
pessoas loucas para tudo. Lembra da minha tia e amante Judite que tentou cortar o meu pinto com a
faca depois de descobrir que estava tendo um caso com a sua filha ou aquele velho que sempre está
com as mãos entre as calças nos bares mais populosos da cidade, sempre bebendo o seu vinho e
com sua aparência de mendigo. Você está me acompanhando aqui né? A questão é que pode ser
qualquer um, posso estar olhando para o vampiro nesse exato momento e você o mesmo e é isto que
é foda nessas paranoias coletivas e jornalísticas. Uma hora é a porra de um serial killer e a outra é
um vampiro chupador de cachorros. Talvez esse cara seja um zoófilo de primeira qualidade, aposto
que eles não checaram o cu dos animais...
Hoje quando eu saí de casa para comprar pão encontrei aquele teu amigo, Miguel, maior gente boa,
e para você ver que as pessoas estão tão loucas foi a primeira coisa que ele comentou, disse até que
viu o tal do vampiro e que é exatamente a caricatura do jornal, grande, peludo e tal, possuía até um
pinto de elefante e também comentou que um cara que se intitulava Zé do Caixão estava indo de
cova em cova e de cemitério em cemitério dizendo que só existia um vampiro na cidade, ele, nem
doido de beber sangue apenas vinho. Aê Júlio, vamo aproveitar essa onda e tomar aquela cerveja
naquele bar que ta sempre cheio?
Fragmento do Romance Horses
Gui Nascimento
A
dentrar falocêntricamente o corpo quente da feira. Fogueira de vozes e pregões; arrasto
os pés manhosos, como quem está indo da sala pro quarto. Óculos escuros, bolsa de
pano no ombro à tira colo a dialogar com outras bolsas de pano com Frida Kahlo
estampada; hipsters barbudos por trás dos Wayfarer, trânsito de carrinhos cheios atravancando o
caminho, analisar a curva rebolatória das empregadinhas. As senhoras da vizinhança na posse
completa de sua sabedoria, não é assim que se escolhe tomate, meu filho, um tapa discreto nas
costas da mão, largue isso, sim? As conversas saindo da fumaça quente da boca, um verbo quase
sólido se chocando contra os ouvidos, transversal diálogo; sim, exatamente como as coisas que me
vão por dentro, discurso sem horizontalidade, tampouco propenso à queda vertical da mudez. Uma
colcha de retalhos, cânticos, hinos, profecias, apostas, palavrões, sexo oral no refrão, vem chupar
meu abacaxiii.
Uma pilha de corpos ardendo na pira dos dias, inflamado coração convulso. Viver é consumir-se,
alcoólico, colecionar pequenos cânceres nos cantos da boca. Uma pilha de corpos, uma escada pro
céu de outono jazendo ali, na pilha de jornais velhos embrulhando peixes e legumes. Morto Garcia
Márquez, mas isso já faz algum tempo. Morto David Bowie, Leonard Cohen, Prince. Como
alicerçar o chão de um novo dia por cima de tantas mortes? Mortos na França, Charlie Hebdo, show
em Paris. Mortos em Orlando, maior atentado desde 11 de setembro. Tantos mortos em meio a
tantos vegetais e frutas e bafo de mãe terra, o útero quente e terroso açoitando a minha cara nua
nessa manhã. O sangue dos jornais embrulha os frutos da terra. O estardalhaço das moedas na caixa
de madeira. Os gritos dos feirantes estremecem o meu peito. Senda viva pulsante enquanto me
engolfo em morte, fedendo a putrefatos destroços. Como conseguem seguir vivendo? Porra. Como
consigo escolher os abacates maduros com essa pilha de mortos sobre os ombros? Como consigo
pensar em abacates? Um carrinho de feira passa por cima dos meus dedos. Se eu pudesse ao menos
gritar...
50 Tons de Azul | Desafios da Baleia
Marcella Wolkers
1. Filipa pegou a navalha que o pai costuma a fazer a barba e escreveu a sigla “F57” na palma
da mão. Em seguida enviou uma foto do seu telemóvel para um homem de codinome DJ.
Acho que o pai de Filipa até chegou a ver a sigla nas mãos da adolescente, mas não se
impressionou. Pareceu-lhe ser as iniciais do jogador preferido da filha escritas à canetinha
vermelho-sangue: “CR7”
2. Assistiu a uma dezena de filmes psicodélicos e de terror com muitos requintes de crueldade
e abuso de sexo e drogas. DJ quem indicou tudo o que ela deveria assistir. Confessou a si mesma
que sempre detestara filmes de terror. Sentia sempre um medo grande e um frio na barriga quando
via estas películas terroríficas e cheias de carnificina. Gostava mais dos filmes de romance ou de
dança. Mas passadas tantas horas vendo sangue, sexo, mortes, sentia que merecia fazer parte
daquele quadro que se instalava agora nas paredes de sua mente.
Olhou no seu pulso: já eram 16 horas e 25 minutos. A maratona de filmes começara às 4:20 da
manhã.
3. Ainda deu tempo de executar a terceira tarefa: fez 3 cortes grandes sobre as veias do seu
braço magro. Não era um corte profundo como as suas olheiras e nem precisava de ser. Antes de ir
se deitar enviou uma foto ao DJ.
Qual seria o próximo nível? Estava desejosa por acordar e ver uma nova mensagem no seu
telemóvel do DJ. Analisou a foto do perfil dele. Eram as duas mãos a fazerem freestyle num vinil
como um Dj comum faz nas festas das baladas em que costumava a ir e deixara de lado. A foto
antiga dele era uma bola de espelhos dos anos 80. Gostava mais da outra foto retroactiva do que
esta de agora.
Adormeceu...
4. “Desenhe uma baleia azul no braço e envie-me”. Filipa pegou nas dezenas de aguarelas que
tinha e fez uma linda baleia azul rodeada de corais de várias cores. Lembrou-se da Menina do Mar
de Sophia de Mello Breynner. Sabia que tinha um grande dom para as belas artes. Poderia ser uma
grande profissional se fosse empenhada. Mas sentia-se uma inútil. Não focava em nada em sua vida.
Até os óculos de graus abandonara por preguiça de ver.
5. Estava pronta para tornar-se numa Baleia. E então escreveu SIM em sua perna. Sentia-se
orgulhosa de si enquanto escutava os seus pais discutirem na sala de jantar na qual ela não estava
presente para comer com eles. A mãe bem que a chamara, mas Filipa inventou a desculpa de que
tinha que estudar para uma prova difícil de amanhã.
6. A sexta tarefa é totalmente sigilosa. O curador DJ mandou uma tarefa em código. Só os dois
poderiam saber e nem mais um membro do Baleia Azul. Ela gemia enquanto se filmava e se
masturbava. Enviou o video para ele. Essa poderia ser a sua primeira e última vez de prazer.
7. Escreveu “F40” em sua mão e enviou uma foto ao curador nomeado de DJ. Não fazia ideia
do que isso queria dizer.
Comentários e gostos:
“- Está
“- Baleia onde?”
“- Tu és uma sereia!”
10. Às 4 e 20 da manhã subiu no telhado mais alto que conseguia. Era o telhado do sotão de sua
casa. Nunca tivera medo de alturas. E depois de muito tempo, ao ver Alfama acordar assim tão
cedinho e já bonita, lembrou-se da sua infância.
11. Desenhou com uma navalha a foto de uma baleia na palma da mão e enviou-a ao curador.
Dessa vez custou-lhe mais, pois o corte das siglas que fizera da vez passada ainda nem tinha
cicatrizado.
12. “- A nossa filha tem me preocupado. Tem assistido todas as tardes a muitos filmes de terror.
Achas normal?” O pai acrescentou que era normal sim na idade em que a rapariga se encontrava.
Entao a mãe de Filipa sentiu-se mais descansada.
13. Passou a ouvir músicas psicodélicas e robóticas com gemidos e gritos enviadas por DJ.
15. Essa tarefa seria bastante fácil. A mãe é costureira. Era só se furar várias vezes com as
agulhas da mãe, como se as suas mãos fossem um porta alfinetes de dama ou um vôdu.
Marcella
e doente. Apenas ficou o dia inteiro deitada no quarto escuro a chorar e a chorar. Não sentia
nenhuma energia. Sentia-se depressiva e vazia, com uma vontade enorme de morrer. Filipa achava
que morrer valeria muito a pena. Sentia que os pais sempre brigaram por sua causa. Merda de vida!
Não vale mesmo a pena viver. Só agora reparara no quanto seu coração batia fraco e no quanto
estava magra e infeliz. Será que os seus pais não percebiam isso?
16. O próximo passo era machucar-se. Ficar doente. Já se sentia bastante machucada e doente.
Apenas ficou o dia inteiro deitada no quarto escuro a chorar e a chorar. Não sentia nenhuma energia.
Sentia-se depressiva e vazia, com uma vontade enorme de morrer. Filipa achava que morrer valeria
muito a pena. Sentia que os pais sempre brigaram por sua causa. Merda de vida! Não vale mesmo a
pena viver. Só agora reparara no quanto seu coração batia fraco e no quanto estava magra e infeliz.
Será que os seus pais não percebiam isso?
17. Procurou um telhado mais alto do que o de costume e ficou nele por bastante tempo.
18. Tinha de subir numa ponte. Voltou para a borda do telhado e ficou em cima dele por mais
um longo tempo. Alfama estava com bandeirolas coloridas. Era Junho e o cheiro das sardinhas e do
vinho tinto das festarolas diziam olá às suas narinas. Mas nada disso era importante. Queria ganhar
o jogo. Zerá-lo. Nunca conseguira acabar nada nessa vida. Dessa vez conseguiria fazer tudo até ao
fim! Tomou o comboio. Desceu em Sintra.
Foi para cima de uma pontezita que havia por lá e observou os patinhos. A sua vontade era de ir
para cima da ponte 25 de Abril. A tarefa era ficar na borda de uma ponte. Mas era mesmo uma
cobardolas.
19. Lembrou-se que na rua dos Fanqueiros, em Lisboa, havia umas obras e de que tinha um
guindaste lá. Tentou subir nele mas foi em vão pois sentia-se sem energias até para respirar e
suspirar...
20. DJ mando uma nova mensagem a confirmar se Filipa era de confiança. A adolescente apesar
do pouco empenho, parecia estar totalmente absorvida pelo jogo de morte.
21. O curador indicou à miúda um outro participante baleia azul. O nome dele era Carlos. Foram
mantendo contacto pelo facebook e whatsApp. Pareciam ter em comum a ausência da atenção dos
pais.
22. Os dois Baleias Azul encontraram-se pessoalmene e decidiram fazerem a próxima tarefa
juntos. Penduraram-se num telhado alto apoiando as pernas penduradas. Uma adrenalina invadiu o
coração de ambos e apesar do risco de morte, sentiram-se mais vivos do que nunca. Após o
experimento perigoso, beijaram-se com paixão. Compaixão. Choraram soluçando um nos braços do
outro.
23. Esta tarefa era em código. Ambos tinham que fazer a mesma coisa. Encher uma banheira
com água e suster a respiração o máximo que conseguissem. E foi o que fizeram na casa de Carlos.
Os pais não estavam. Aliás... Os pais nunca estavam lá. Filipa não sabia se estava apaixonada pelo
rapaz ou pela morte que ambos perseguiam juntos.
24. Outra tarefa secreta foi indicada. Tinha de beber uma garrafa de tequila. Filipa sempre tivera
medo do álcool. Muito receiosa, teve de fingir que bebera pelo menos metade da garrafa que
comprara às escondidas. O curador DJ aceitou como concluído este desafio. Na verdade, Filipa
jogara a bebida sanita abaixo. Como estaria Carlos? Estava preocupada com ele. Teria tido a mesma
tarefa secreta que ela? Logo soube por alguns membros do Baleia Azul que o rapaz entrara em
coma alcólico e fora enternado, mas que já se encontrava bem.
25. O curador indicou que ela teria um encontro com um Baleia Azul. Não era Carlos. Era uma
mulher de nome Fausta. Tinha os olhos grandes e baços lodeados de uma tristeza escorregadia.
Conversaram pouco. Pegaram-se nas mãos e choraram compulsivamente. Depois fumaram uma
carteira de cigarro juntas.
26. O curador mandou-lhe uma mensagem: “Vais morrer no dia 07/05/2017. Terás de aceitar”.
Ela sabia que se não morresse até lá ou neste dia, familiares e amigos dela estariam em perigo e
então era morrer ou morrer!
27. Acordou às 4:20 da manhã e caminhou numa estrada de ferro que dava para a Praia das
Maçãs. Desejou que um comboio passasse acelerado por cima dela, cheio de turistas desocupados e
de bem com a vida.
28. A tarefa era ficar muda, trancada no quarto e não falar com ninguém o dia todo. Havia várias
chamadas da mãe, do pai... Chamadas de Carlos. Que vontade ela tinha de falar com ele. Será que a
data da morte dele seria no mesmo dia em que a data da morte dela? Porque os pais não se
importavam? Porque os pais dela brigavam tanto entre eles, por causa dela e nunca com ela.
“Briguem comigo, por favor!” Era o que ela pensava o tempo todo. Mas ela achava que eles não se
importavam.
Marcella
29. Aproveitou que mais uma vez não estava mais ninguém em casa e fez um voto em como ela
era realmente uma Baleia Azul. Enquanto ela fazia o voto em total silêncio, cortando mais uma vez
a sua pele, a porta do seu quarto foi derrubada e aberta à força. Ainda com a navalha do seu pai nas
mãos e de olhar assustado, viu o seu pai e a sua mãe acompanhados por três GNRs, dois PSPs, um
bombeiro e uma enfermeira.
“ – Acabou agora este jogo de Baleia Azul, minha filha, acabou!” Disse a mãe correndo em direção
a filha cheia de sangue nos braços, abraçando-a desesperada.
“- O que foi que te deu, Filipa? Responda!” – Perguntava o pai com olhar desesperado saculejando-
a
“- Foi o seu amigo Carlos que os denunciou à PSP e deu-nos a lista dos Baleias com os quais ele
estava a contactar. Ele está muito preocupado com você. Com todos, com ele mesmo.”
“- Mas vocês não entendem! Eles vão vos matar! Vão me encontrar de qualquer maneira. Tenho de
acabar com a minha vida!”
Lembrou-se que tinha ainda a navalha do pai nas mãos, mas o reflexo de um dos policias foi mais
rápido e conseguiu arrancar-lhe o objecto cortante. A enfermeira amparou-a e disse-lhe:
“- O codinome DJ com quem você conversava, que na verdade era uma mulher de nome Susana,
já está detido e todos os outros arguidos que curavam esse grupo suicida também. A polícia está a
investigar tudo muito bem! Agora acalma-te” – disse-lhe dando a ela um calmante. Os pais sentiam-
se culpados. Abraçaram-se sem discutir uma palavra, pela primeira vez.
Faltariam apenas mais 20 desafios para chegar no derradeiro dia em que ela se suicidaria. Sentiu um
alívio muito grande por não ter que ter a obrigação de morrer de se desafiar mais com essas
loucuras.
Desses 20 desafios azuis que faltavam antes do 50º, todos consistiriam em fazer o mesmo ritual
todos os dias:
“De 30-49 ela deveria acordar às 4:20 da manhã, assistir videos de terror, ouvir as músicas que os
curadores lhe enviassem, fazer um corte em seu corpo por dia, falar com um membro da baleia e
depois...
Pensava que graças à Deus isso não havia acontecido com ela, com Carlos e com outros
adolescentes e pessoas que faziam parte do seu grupo.
“- Nós amamos-te, filha. E agora queremos brigar mais por ti... Nós amamos-te e vamos dizer-te
isso todos os dias de nossas vidads, sejam com palavras ou com atitudes. Mas tu tens de se amar
também.
Filipa está agora sendo acompanhada por uma equipa de psicólogos e fazendo tratamento anti-
depressão. Tem pintado mais, saído com as amigas que havia deixado de lado para se enfiar no
mundo cibernético. E não deixa de pensar no rapaz Carlos com o qual criara um grande laço e que
ao fim e ao cabo, foi quem lhe salvara de algum modo a vida.
O seu desafio agora era dormir uma noite inteira muito bem, tomar um pequeno almoço reforçado,
fazer uma caminhada ao ar livre todas as manhãs e depois pintar tudo o que os seus olhos vissem de
bonito.
O que ela sabia era que ela e todos os jovens que estavam metidos com ela nisso, iriam se curar. No
dia 07/05 de 2017, no 50º, no dia que seria o último desafio azul, a sua morte, ela deciciu que iria
viver e que encontraria Carlos na praia onde ela superou o seu maior medo: o medo das águas, o
medo do mar,
Torcia para que esta Baleia Azul, que viera da Rússia e que foi parar nos mares do Brasil e chegou
até os mares de Portugal, fosse extinta com o arpão da força e a vontade de viver!
A Corja
Antologia Embaçadíssima
Alanna Fernandes Estudante de Relações Internacionais com foco de pesquisa no
por quê de ainda existir racismo na sociedade brasileira. Jovem escritora com livro
selecionado para lançamento pelo programa municipal de incentivo à cultura da cidade de
UberlândiaMG. Fotógrafa que tenta retirar fragmentos da realidade que ilustrem a
existência latente do racismo no cotidiano.
Mia Lopes Escritora, cronista e compositora. Cosplayer de comoumadeusa.
Alessanda Barcelar é Historiadora, vive em São Paulo,onde nasceu e atua na área
da Saúde. Colaborou para revistas de literatura como Amálgama e Revistas LusoBrasileira.
Participou do laboratório de escrita criativa com Evandro Affonso Ferreira e do projeto
contextos literários do Sesc Consolação. Atualmente integra o projeto de leitores
voluntários no Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
André Mellagi é psicólogo, colaborou em blogs dedicados à literatura e participou da
primeira edição da revista Pulp Fiction do site Homo Literatus. Bricabraque é seu primeiro
livro (Editora Patuá, 2017), coletânea de contos que recebeu menção honrosa pelo
Programa Nascente da USP em 2014 na categoria Texto, e foi obra préselecionada ao
Prêmio Sesc de Literatura em 2016.
André Nogueira é jornalista, poeta e saudosista. Possui uma lista de livros para
colocar em dia, não leu tudo que precisava e nem tudo que gostaria. Amante de São Paulo,
de seu caos e poesia. Boêmio moderno, romântico clássico e pai de menina.
Andri Carvão cursou Artes Plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na
Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na EPA – Escola Panamericana de Arte.
Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, publica poemas regularmente na
revista online Labirinto Literário, é colunista do site Educa2 e participou da antologia
Gengibre: Diálogos para o Coração das Putas e dos Homens Mortos.
Bruno Ribeiro nasceu em 1989, um mineiro radicado na Paraíba. Escritor, tradutor e
roteirista. Já publicou em diversos jornais, revistas, blogues e antologias. Autor do livro de
contos Arranhando Paredes (Bartlebee, 2014) traduzido para o espanhol pela editora
argentina Outsider e dos romances Febre de Enxofre (Penalux, 2016) e Glitter (Amazon,
2017). Mestre em Escrita Criativa pela Universidad Nacional de Tres de Febrero, editor da
Revista Sexus, foi um dos vencedores do concurso Brasil em Prosa, promovido pelo jornal O
Globo e pela Amazon, também foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2016 e do Prêmio
Kindle de Literatura. Edita o blogue: brunoribeiroblog.wordpress.com
Bruno Sanctus nasceu no mesmo dia que Kurt Cobain e tem ascendente em
sagitário. Falta dois anos para que atinja a idade em que alguns de seus ídolos se
suicidaram e desde já, está encarando a précrise dos vinte e sete. É autor do livro de
poesias Escrevi Para Esquecer: Palavrões (editora nota terapia) e está escrevendo mais uns
quatro livros aleatórios. Alguns dizem que ele é o alterego da escritora Yulia Martins.
Segundo o mesmo, sua vida é um filme sueco ruim, cheio de palavras impronunciáveis e
sem moral alguma. Bruno gosta de vídeogames, teoria da conspiração, quadrinhos e só se
permite ser manipulado pela própria cadelinha, Mel. A única coisa que ele teme é que
esteja vivenciando uma simulação de computador dentro do basilisco de roko.
Claudio Comendini nasceu em Fortaleza. Na adolescência e começo da fase adulta
se apaixonou pela literatura e pelo rock, chegando a tocar bateria em bandas
independentes. Adoeceu dessas duas paixões e delas contraiu ídolos como se fossem vírus.
Ama tanto a arte do deus Apolo que costuma dizer que não possui pulmões, mas
captadores. Seu lema pessoal se baseia no título de uma canção da banda britânica Oasis,
que é “Cigarettes & Alcohol”. E por falar em britânicos, uma de suas maiores paixões é o
futebol É torcedor fanático do Newcastle United, clube inglês que há décadas não ganha
sequer um título de expressão. O que, por si só, diz muito a seu respeito.
Daniel Viana mineiro, poeta de rua, ator e diretor teatral. Criador do projeto
Guardanapos Poéticos que une literatura com intervenções urbanas e da Biblioteca
Ambulante [CUBO] primeira biblioteca de micronarrativas brasileiras. Autor dos livros
100 contos por 10 contos trocados (2013); Baseado em causos reais (2014).
Diogo Cão trabalha em cartório mas é escritor. é mestre em política pública e vive em
Brasília, de onde tira inspiração para viver a ficção e a realidade. amante do samba, de
filmes de Tarkovski e dos paraísos artificiais.
Franck Santos é um homem comum, ilhado em São Luís, cidade esta que tem mar,
porto, muitas histórias, sol e céu azul o ano inteiro, mas prefere dias nublados e chuvosos,
uma casa no campo, vinho e blues. Publicou os livros Fogo Fátuo (2011) e Quando o azul
não desbotava (Editora Penalux, 2014), ambos de prosa poética. Agora, Poemas para dias de
chuva, pela Editora Patuá.
Em 2011 seu conto “Amo SP” ganhou traduções em inglês e espanhol pelo projeto
“Contemporary Brazilian Short Stories”, site que procura divulgar a nova produção literária
brasileira pelo mundo. Participou de oficinas literárias orientadas por Cláudio Willer, João
Silvério Trevisan, Edson Bueno de Camargo e recentemente participou do Estúdio de
Criação Literária da escritora Márcia Denser. Atualmente está redigindo o romance Horses.
Jackeline Valentim Três Lagoas – MS. Professora e leitora. Publicada em algumas
antologias. Mais textos em zumbiliterario.blogspot.com.br
Jaflety Pedro 28 anos, filho de Dona Claudete e José Pedro, Sergipano, habitante do
município de Lagarto. Cofundador do sarau da Caixa D’água. Começou escrever poesia
ainda no começo da adolescência. Ganhou alguns concursos de poesia falada e já participou
de algumas antologias poéticas por ai. Faz tempo que prepara seu primeiro livro e ainda
acha que falta muito pra lançalo. Fim.
João Gabriel nasceu em São Paulo (SP) é estudante de psicologia e escritor e cineasta
amador.
Joelma Félix Mestra em Artes Visuais pelo PPGAV EBA/UFBA, Salvador BA.
Especialista em Fundamentos do Ensino da Arte, Instituto Segmento, FAP Faculdade de
Arte do Paraná, 2007. Licenciatura Plena em Artes Visuais pelo Centro Universitário de
Belas Artes de São Paulo, 1996. Artista visual dedicase a pesquisa artísticoacadêmica,
tendo como poética a representação e simulação do corpo no campo do erotismo e
pornografia, atuando nas linguagens visuais da pintura, fotografia, instalação, ação
artística, literatura e intervenção urbana.
Marcella Reis é mãe e coautora do seu maior poema: a sua filha Vallentina. Nasceu
em 1984, em Goiânia (Goiás), Brasil, e reside em Portugal há 18 anos, na zona de Sintra.
Tem três obras editadas: «Era Uma Vez a Poesia...» (Chiado Editora, 2012) e «O Dia Em
Que Pari Minha Mãe» (Edições Vieira da Silva, 2013) e Lágrima Artificial (AlmaLusa,
2016).
Matheus Peleteiro Nascido em Salvador – BA em 1995, escritor, poeta e contista,
Matheus Peleteiro publicou em 2015 o seu primeiro romance, Mundo Cão, pela editora
Novo Século. Em 2016, lançou a novela intitulada "Notas de um Megalomaníaco
Minimalista", pela editora Giostri, o livro de poemas "Tudo Que Arde Em Minha Garganta
Sem Voz", pela editora Penalux e teve também um conto selecionado para a coletânea
"Artistas Liberais", publicada pela editora Dalle Piage, e outro para a Antologia Gengibre
Diálogos para o Corações das Putas.
Matheus iniciou seus escritos na internet, utilizando o pseudônimo “Espirituoso e Trágico”,
e busca retratar a sua geração abordando aflições contemporâneas.
Mt. Lannes é o pseudônimo de Marcos Vinícius. O Lannes é uma homenagem ao pai já
falecido e Mt. entrou por falta de criatividade mesmo. Mt. Lannes é um Poeta e contista.
Seus escritos são uma viagem louca onde mescla as memórias do seu passado com o seu
presente. Escreve nas páginas: PulsarPoemas e Alucinações Noturnas de forma preguiçosa e
nada constante, mas la pode se encontrar muitos dos seus escritos. Diz ele que seu maior
dom é o de ser preguiçoso e nisso se sai muito bem. Prova disso é essa mini bio, totalmente
sem sentido.
Norma de Souza Lopes nasceu ano de 1971, na periferia de Belo Horizonte onde
vive até hoje. Filha de mãe gari e pai pedreiro, foi doméstica até que um milagre atribuído
a bons professores levou a tornarse professora e escritora. Publica em
http://normadaeducacao.blogspot.com.br/ desde 2008. Em 2014 lançou seu primeiro livro
de poesia chamado "Borda" pela editora Patuá. É escritora Efetiva da Revista Escritoras
Suicidas. Participou das antologias "Versos da Violência" da Editora Patuá, "Entre lagartas e
Borboletas" da Editora Tubac Book (ebook) e Scenarium Livros Artesanais (versão
impressa), Senhora Obscenas da Editora Benfazeja e de diversas publicações virtuais
(Germina, Escritoras Suicidas, Mallarmagens, InComunidades, Vida Secreta (artigo "Clarice
e o outro em si em dois contos").
Rafael Vieira Desde que enfiou na cabeça que queria ser escritor, Rafael Vieira
ganhou um divórcio, um retorno à casa dos pais na periferia de São Paulo, uma justa causa
e uma dívida astronômica no Banco do Brasil. Ganhou três faculdades nunca terminadas,
algumas crises de ansiedade e ressacas monstruosas às terçasfeiras. Ganhou a possibilidade
de transformar todo esse inferno em poesia e contos sobre o cotidiano. A única coisa que
ele perdeu foi a sanidade rotineira de uma vida sem poesia. Podese dizer que ele não
perdeu nada. Rafael tem 31 anos e mora no extremo leste de São Paulo sem se arrepender
de nada.
Rennan Sama mora no Rio de Janeiro, zona oeste. Membro do coletivo Sapiens
Marginalis. Integrante de duas páginas maravilhosas, (Derivantes Delirantes, & Que tal
cultura?) na qual publica fragmentos de suas obras. Autor do livro de poemas reflexivos,
"Ancorado", publicado pela editora Autografia. Abraçou a poesia como o sol abraça a terra,
e hoje leva preso aos pulsos toda dor e o amor que encontrou em escrever.
Roge Weslen é estudante e escritor. Residente de Belém/Pará.
Sara Timóteo publicou Deixaime cantar a floresta e Chama fria ou lucidez em 2011
pela Papiro Editora na sequência da atribuição, respetivamente, do 1.º e do 2.º lugar no 2.º
Concurso de Poesia Aníbal Faustino em 2009. Publicou em 2012 Refúgio Misterioso; em
2014 publicou Os Passos de Sólon (prémio Mensagem Notável atribuído pela Lua de
Marfim Editora), Elixir Vitae e Os quatro ventos da alma (menção especial no Prémio
Literário Glória Marreiros 2014), todos através da Lua de Marfim Editora. Em 2015,
publicou O Telejornal (peça de teatro infantil) através dos Cadernos de Santa Maria. Em
2016, publicou O Corolário das Palavras (Rui M. Publishing, ebook) e o livro de poesia
Refracções Zero pela Orquídea Edições. Tem dois livros de nãoficção e um livro de poesia
bilingue publicados nos E.U.A.
Thais Oliveira mora em Jacareí, é estudante de pedagogia e escreve.
Vagner Vainer Teixeira Braz nasceu brasileiro e Poeta em julho de 1992, no
município de Pontes e Lacerda, Mato Grosso. É Letrólogo (habilitação em Língua
Portuguesa, Língua Inglesa e Respectivas Literaturas) pela Faculdade de Linguagem e
Zootecnia da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), do Campus Universitário
de Pontes e Lacerda, e pósgraduado em Educação de Jovens e Adultos para a Juventude
pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Literatura e Artes, atuando principalmente nos seguintes temas: a Tragédia, o
Trágico, Poesia Livre, Leitura, Autoria, Homem, Morte, Coletividade e Subjetividade.
Participou de concursos de poesias e antologias nacionais e internacionais, tendo seu
trabalho consagrado na Europa.
Considerações
Antologia Embaçadíssima
O Copyright de cada texto aqui presente é de responsabilidade individual dos autores que,
gentilmente, cederam seus textos e os direitos de uso para esta publicação. O editor não recebe
nenhum ônus e não possui controle editorial sobre a exposição desse conjunto. É terminantemente
proibida a desassociação de informação do conjunto dessa obra ou veiculação parcial da mesma
sem os devidos créditos, comprometendo-se ao máximo em informar e certificar-se do
consentimento dos autores responsáveis, ou autor, a depender. Os textos aqui presentes foram
publicados integralmente da forma que foram cedidos pelos autores, mantendo a estética e a
linguagem, estando assim fora da responsabilidade da edição quaisquer eventuais erros ou uso
indevido de informação. As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade dos autores e
não refletem necessariamente as do editor ou dos colegas presentes na mesma antologia.