Agostinho III
Agostinho III
Agostinho III
A autoridade da Igreja foi bastante discutida pelos pais da Igreja e pelos escritos
do Novo Testamento. Qual a probabilidade de que eles deixassem de abordar
uma doutrina tão fundamental e simples? A ideia de que um bispo governaria
monarquicamente toda a Igreja não requer grandes refinamentos filosóficos e
poderia ter sido claramente exposta nas inúmeras controvérsias teológicas da
Igreja Antiga. Os autores cristãos, além de não mencionar esta doutrina,
desenvolveram eclesiologias incompatíveis com a ideia de papado. Há vários
artigos neste blog que atestam isso, e Agostinho não foi uma exceção.
Sobre Irineu e o primado de Roma, vou deixar que William La Due – um teólogo
católico romano formado pela Universidade Gregoriana de Roma e doutor em lei
canônica pela Pontifícia Universidade Laterana explique:
A interpretação de Karl Baus é a mais fiel ao texto e não presume ler no texto
um significado que não está lá. De fato, ele nem superestima nem subestima a
posição de Irineu. Para ele, são as Igrejas de fundação apostólica que dão
uma maior autoridade ao ensino e doutrina autêntica. Entre elas, Roma, com
sua dupla fundação apostólica, certamente ocupava um importante lugar. No
entanto, todas as Igrejas apostólicas desfrutavam do que ele chamou de
“preeminente autoridade” em questões doutrinais. (William La Due, The
Chair Of Saint Peter [Maryknoll, New York: Orbis Books, 1999], p. 28-29)
O argumento de Irineu levava em conta a tradição da Igreja de Roma, que por
ter contado com a pregação dos Apóstolos Pedro e Paulo, ocupava um lugar
especial entre as sedes apostólicas. Contudo, esta mesma tradição poderia ser
verificada nas outras igrejas apostólicas. Na mesma parte, ele cita Policarpo e a
Igreja de Éfeso. O argumento não implica em nenhuma autoridade jurídica sobre
outras Igrejas, mas numa autoridade da tradição daquela Igreja que era pública
e verificável em outras Igrejas que também compartilhavam desta autoridade.
É aqui que ocorre o erro fatal do argumento católico. Todo o argumento gira em
torno de uma tradição específica e historicamente situada no século II. É com
esta tradição que toda a Igreja deveria concordar. O problema se coloca: o que
Roma define hoje como tradição é radicalmente distinto e incompatível com o
que Irineu defendia como tradição. Irineu não estava defendendo os dogmas
marianos, infalibilidade papal ou outras doutrinas que Roma acrescentou durante
os séculos. Irineu nunca afirmou qualquer infalibilidade da Igreja Roma. Ele não
disse que o resto da Igreja deveria concordar com Roma para todo sempre
porque esta era o oráculo infalível da fé. Na verdade, ele pode ser contado como
testemunha de como as coisas mudaram, na medida em que cita Roma e Éfeso
como Igrejas que ensinavam a mesma doutrina. Todavia, estas Igrejas sequer
estão em comunhão nos dias de hoje, e se verifica que elas romperam a
comunhão justamente pela tentativa romana de impor o primado jurídico sobre
as Igrejas Orientais.
A ideia de Irineu aplica-se somente a Igreja de Roma de seus dias. A única forma
de torna-lo válido para os séculos seguintes seria provando que Roma manteve
sua tradição inalterável ao longo dos séculos, o que é uma afirmação absurda
que nenhum historiador sério da Igreja defenderia. Acredito que nem o Rogério
defenda isto, uma vez que ele abraça a tese modernista de Newman. A
implicação é que Irineu não tinha em mente as várias doutrinas que surgiriam
posteriormente como o próprio papado, a infalibilidade papal e etc. Estes
argumentos são expandidos por mim AQUI (SEÇÃO SOBRE IRINEU
http://respostascristas.blogspot.com/2016/02/os-pais-da-igreja-sobre-sucessao_17.html).
Ele então traz a citação de um apologista católico sem qualquer valor para a
discussão e prossegue:
Neste texto de Pelikan fica evidente como surge o conceito de tradição e como
ele é associado a apostolicidade e o primado Romano-Petrino, que são
indissociáveis. Portanto, o conceito de apostolicidade é referente à questão de
autoridade emanado dele.
Até o final do século II, a literatura Cristã mencionava tanto Pedro como
Paulo como fundadores e organizadores da igreja em Roma. Depois, o foco
e a ênfase se voltaram para Pedro. Assim, Tertuliano de Cartago (AD.150-230)
mencionou que algumas ‘igrejas apostólicas’ possuíam registros de sucessão
episcopal e a igreja romana possuía registros provando que Clemente tinha sido
ordenado por Pedro para ser seu sucessor como bispo de Roma. Escritores
posteriores honram de forma especial por ter sido o fundador das congregações
e da sucessão episcopal de Roma. […] (Denis Kaiser, Leo the Great on the
Supremacy of the Bishop of Rome. Andrews University Seminary Student
Journal, Volume 1, Number 2 Fall 2015).
Para defender minha tese uso bibliografia e fontes variadas. Começo com Denis
Kaiser, PhD; que escreve para o artigo de uma faculdade adventista americana,
portanto, nenhum pouco filocatólica.
Além de colocar Paulo e Pedro em pé de igualdade, afirma que Lino foi o primeiro
bispo de Roma e não Pedro. Ele sempre coloca os bispos de Roma como
sucessores dos apóstolos no plural e nunca como sucessores de Pedro
exclusivamente. O renomado eclesiologista católico romano – Francis Sullivan -
comenta:
De acordo com Irineu, Pedro e Paulo, não somente Pedro nomeou Lino como o
primeiro na sucessão dos bispos de Roma. Isso sugere que Irineu não
pensava em Pedro e Paulo como bispos ou de Lino e aqueles que o
seguiram como sucessores de Pedro mais do que de Paulo. Irineu viu uma
distinção clara entre apóstolos e bispos, embora ele entendesse bispos como os
"sucessores" a quem os apóstolos entregaram o seu ofício de ensino. (Sullivan
F.A. From Apostles to Bishops: the development of the episcopacy in the early
church. Newman Press, Mahwah (NJ), 2001, p. 149)
Irineu provavelmente derivou sua lista de um autor mais antigo chamado
Hegésipo. Sullivan diz:
O que eu disse sobre a lista de Hegésipo também se aplica à de Irineu, a saber,
dado o fato desses homens como os principais líderes e professores entre
os presbíteros romanos. Em que momento os principais presbíteros em
Roma começaram a ser chamado de "bispos" permanece desconhecido.
(Sullivan, p. 150)
Hegésipo foi um autor cristão que viajou a Roma e lá compilou uma lista de
bispos. Infelizmente não temos a íntegra das obras de Hegésipo, mas alguns
extratos constam da História da Igreja de Eusébio. Sullivan atesta, em
consonância com a historiografia padrão, a lista de Hegésipo não era de bispos
monárquicos, mas de presbíteros destacados. Peter Lampe, autor da obra mais
reconhecida na academia sobre o cristianismo em Roma nos primeiros séculos,
afirma sobre Hegésipo:
Que tipo de primado? Novamente, ele usa as palavras sem defini-las. O Rogério
é adepto da filosofia de Orkut “quem se define se limita”. Os autores protestantes
e outros acadêmicos em geral afirmam que a primazia de Pedro era apenas de
honra e não dava ao apóstolo qualquer autoridade singular sobre os outros
apóstolos. E não há nenhuma complementaridade com a primazia de Roma aqui.
Como já visto, Irineu não atribuiu a Pedro primazia (mesmo de honra) sobre
Paulo. Nem todos autores cristãos antigos atribuíram sequer a primazia de honra
a Roma. A primazia de Pedro foi inclusive utilizada para estabelecer a autoridade
da Igreja de Antioquia. Dessa forma, não existe complementariedade dessas
duas ideias, e ainda que houvesse, o máximo que se conseguiria é uma primazia
de honra e não a autoridade jurídica que a doutrina papal requer.
Sobre o imprimatur gostaria de mostrar uma tabela ao leitor sobre a falácia usada
pelo apologeta: de que a validação de um bispo é algo que encerra o caso sobre
terminada opinião.
Como isto seria possível, se Irineu nasceu por volta do ano 130, quando todos
os apóstolos já haviam morrido? Irineu afirma ter conhecido Policarpo, a qual
teria conhecido o Apóstolo João. Embora esta afirmação histórica provavelmente
não seja verdadeira, o máximo que se poderia dizer é que Irineu conheceu
alguém que conheceu um apóstolo. Como isto o tornaria um discípulo direto,
somente o apologista com seus conhecimentos históricos secretos poderia dizer.
Outra pérola que apenas alguém com pouco conhecimento afirmaria:
É neste ponto que precisamos salvar a Igreja Romana dos seus próprios
apologistas. Pais da Igreja como Atanásio (o campeão da fé nicena) e a própria
Igreja de Roma afirmara
m que estes conceitos são bíblicos, embora o termo em si não pudesse ser
achado na Escritura. Mesmo em relação ao termo, a afirmação é absurda, pois
Tertuliano, no início do séc. III, já utilizara o termo trindade. A cristologia trinitária
foi afirmada em Niceia (325). A primeira geração cristã viveu até o fim do séc. I.
Quatro séculos depois daria algo em torno do ano 500. Se tomarmos como
referência o início do ministério de Jesus, daria algo em torno do ano 433. Isto é
o básico do básico. Neste período, os conceitos em questão já haviam sido
amplamente defendidos pelo pais da Igreja com base na Escritura e definidos
pelos Concílio de Niceia (325) e Constantinopla I (381) como critério da
ortodoxia. No entanto, deveríamos desprezar toda a historiografia sobre o
papado e levar em conta opiniões de pessoas que demonstram este nível de
conhecimento sobre a história. É como dizer para o doente procurar um
curandeiro para ser benzido com folhas de arruada ao invés de ouvir a opinião
de um médico e tomar os remédios.
E também:
Dulles demonstra que nem o magistério tem conclusões exatas sobre o exercício
do próprio magistério:
Como vemos na tabela, o Imprimatur não diz que a obra é infalível e nem que os
textos na obra não são objetos de debates e estudos, mas é apenas uma licença
da Igreja para publicação.
Já o Nihil Obstat afirma que a obra não tem erro doutrinal ou moral, logo, as
acusações do apologista a autores como Raymond Brown se mostram
infundadas diante da autoridade de sua própria Igreja. Além disso, como já visto,
os católicos não tem obrigação de seguir apenas o magistério infalível, pois se
assim fosse, a Igreja Romana não exerceria uma autoridade de fato, haja vista
que o magistério falível é o que está sendo exercido na maior parte do tempo.
Sem contar que a própria distinção entre falível e infalível já é um problema.
Alguns protestantes acham que tudo que teólogo católico diz é dogmático ou que
no catolicismo não pode haver discordâncias na unidade.
No meu entender como historiador, Newman não percebeu que havia bispos e
presbíteros pois não lidou com a análise de Fontes Primárias (talvez, pelo fato
de a epistemologia histórica no século XIX não ser muito desenvolvida); mas, de
qualquer modo, a divisão e diferenciação do trabalho evangelístico já ocorre no
Novo Testamento.
Terei que defender Newman desta vez, pois ele é mais uma vítima da
incapacidade do apologista de entender textos claros. Primeiramente, a única
fonte trazida pelo apologista é baseada na citação já trazida da coleção patrística
da Paulus, na qual se diz que no período em que Irineu escreveu, já havia a
divisão tripartite (bispo monárquico, presbíteros, diáconos). No entanto, Newman
se referiu ao período apostólico, quando escreveu:
Ele ainda afirma que Newman não “lidou com a análise das fontes primárias”, o
que simplesmente não é verdade. A obra pode ser vista AQUI
(http://www.newmanreader.org/works/development/). Aliás, todos os autores por mim
citados fazem o mesmo. Ocorre que o apologista não leu nenhum dos livros que
ele critica. Há diversas notas de rodapé nos quais as fontes dos autores
patrísticos são citadas. Historiadores nem sempre usam a citação direta. Eles
citam a fonte e fazem comentários sobre elas. Vejamos o contexto:
Enquanto os apóstolos estavam na terra, não havia nem bispo nem papa; seu
poder não tinha proeminência, como sendo exercido pelos apóstolos. Com
o passar do tempo, primeiro o poder do bispo se mostrou e depois o poder
do papa. Quando os apóstolos foram levados, o cristianismo não se quebrou em
partes. No entanto, localidades separadas poderiam começar a ser o cenário de
dissensões internas, e um árbitro local, em consequência, seria desejado.
(FONTE http://www.newmanreader.org/works/development/chapter4.html)
Newman está se referindo ao bispo monárquico e não a liderança colegiada de
bispos/presbíteros verificada no N.T. O apologista disse que “Newman não
percebeu que havia bispos e presbíteros”. Newman não diz nada sobre a
ausência de bispos ou presbíteros como liderança colegiada. No N.T os termos
gregos para bispos e presbíteros são intercambiáveis. Isto fica claro quando
Newman diz: “e um árbitro local, em consequência, seria desejado”. O
Cardeal apenas considerando a ideia amplamente defendida pelos historiadores
de que o bispo monárquico surgiu no âmbito da Igreja local por conta de divisões
internas. Isto fica mais evidente no trecho seguinte:
Quando a Igreja, então, foi lançada sobre seus próprios recursos, os primeiros
distúrbios locais deram exercício aos Bispos, e os distúrbios ecumênicos
seguintes deram força aos Papas.