Livro Interpretação Das Normas Constitucionais Tercio S Ferraz 208 (Colet. Est. Jurídicos) STM PDF
Livro Interpretação Das Normas Constitucionais Tercio S Ferraz 208 (Colet. Est. Jurídicos) STM PDF
Livro Interpretação Das Normas Constitucionais Tercio S Ferraz 208 (Colet. Est. Jurídicos) STM PDF
CDU 34
Ficha Catalográfica: DIDOC/SEBIB
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 5
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 6
APRESENTAÇÃO
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 7
Apresentação
sua competência. Encerrado esse período, a vigente Lei Maior promulgada em 1988 manteve os
Tribunais e Juízes Militares como integrantes do Poder Judiciário nacional, deslocando, para a
Justiça Federal comum, a competência para o processo e julgamento dos crimes políticos,
"excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral".
Nestes termos, ao assegurar à Justiça Castrense o processamento e julgamento "dos crimes
militares definidos em lei", autorizou a Lex Fundamental que o legislador ordinário dispusesse
sobre a organização, o funcionamento e a competência daquela Corte. 7
Por tratar-se de Justiça especializada, acoberta categoria especial de agentes, impulsionando a
aplicação da lei militar às Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica - e julga os crimes
militares definidos em lei, consoante o artigo 124 da Carta Magna, cujo agente poderá também
ser civil, se apontado pela norma legal incriminadora.
Disciplinam o conteúdo competencial, material e processual da Justiça Militar as normas
constantes dos Códigos Penal e Processual Penal Militar, instituídos pelos Decretos-Leis nº 1.001
e 1.002, ambos de 21 de outubro de 1969. Conceitua o primeiro Codex os crimes militares em
tempo de paz e em tempo de guerra; já o segundo, o processo a ser realizado naquela jurisdição.
Aludidos instrumentos apresentam-se como legislação penal especial derrogando, por
conseqüência, a lei geral, quer penal, quer processual, que com ela conflite.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 8
Ademais, cumpre mencionar a Lei federal nº 8.457, de 04 de setembro de 1992, que organiza
a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares. Ressalte-se que,
com a criação da Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal, afastam-se, de imediato, da
jurisdição da Justiça Militar da União, o processo e o julgamento dos crimes militares praticados
pelos Policiais Militares e Bombeiros Militares.
Assim, para efeito de administração da Justiça Militar da União, em tempo de paz, a vigente
regulamentação normativa que estrutura a Justiça Militar da União mantém a divisão do território
nacional em Circunscrições Judiciárias Militares, atualmente doze, fixando a abrangência
territorial de cada uma delas. Institui, outrossim, dezoito Auditorias Militares e Diretorias de Foro
que respectivamente lhes correspondem, além da Auditoria de Correição, esta com jurisdição em
todo o território nacional. Todos esses órgãos compõem a Primeira Instância, tendo como órgão
de cúpula o Superior Tribunal Militar.
A Corte Superior Castrense é constituída por quinze Ministros vitalícios, sendo requisitos
para a investidura no cargo a nomeação do Presidente da República e a posterior aprovação pelo
Senado Federal de forma a conferir legitimidade à indicação presidencial. Seus integrantes, nos
termos do artigo 123 da Constituição Pátria, são escolhidos dentre oficiais das Forças Armadas
e membros da sociedade civil – advogados de notório saber jurídico, juízes-auditores e membros
do Ministério Público da Justiça Militar –, propiciando a idoneidade e a imparcialidade
necessárias à prestação jurisdicional.
Na Auditoria de Correição, o Juiz-Auditor Corregedor é autoridade única. Já nas Auditorias
Militares, são órgãos judicantes os Conselhos de Justiça, os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores
Substitutos. Os Conselhos de Justiça são constituídos de cinco membros: quatro Oficiais - um
dos quais preside o Conselho - e um Juiz togado, sendo aqueles sorteados dentre os que se
encontrem no Serviço Ativo da Força cujo bem foi violado. Os Conselhos de Justiça podem ser:
Conselhos Permanentes de Justiça, constituídos trimestralmente para cada Força e destinados a
processar e julgar praças e graduados denunciados em processos ordinários ou especiais, com
acréscimo de dois suplentes para os Juízes militares; e Conselhos Especiais de Justiça,
constituídos para cada processo - ordinário ou especial - instaurado contra o oficial, sendo
integrado por militares de posto superior ao do acusado ou por militares de maior antiguidade
embora do mesmo posto, dissolvido após o julgamento do processo. Os Juízes-Auditores, titular
Apresentação
mera ofensa às autoridades constituídas, embora expressa em linguagem censurável, não mais
tipificava crime contra a segurança do Estado. Igualmente relevante decisão prolatada no R.C nº
5385-6 ao determinar que a greve, mesmo quando declarada ilegal pelo Executivo, se perseguir
objetivos de melhoria salarial, não configurava crime.
As decisões aqui referidas, dentre tantas outras que poderiam ser citadas, conferiram
incensurável desate e exata dimensão jurídica sobre temas que constantemente se prestavam a
interpretações dúbias. E nesse sentido, consolidou a Justiça Militar da União, no transcorrer de
dois séculos, jurisprudência dignificante, legando às gerações futuras e à memória do Poder
Judiciário grandeza e honra.
A vivência bicentenária da Justiça Militar da União, mais antiga Justiça Pátria, cuja História se
confunde com a própria História do Brasil, reflete a grandiosidade de sua dimensão institucional
e enaltece o Estado de Direito, para além de revelar aptidão necessária para enfrentar os desafios
da modernidade pelo seu célere desempenho.
Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha Zilah Maria Callado Fadul Petersen
Apresentação
SUMÁRIO
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 11
<https://dspace.stm.jus.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/172/Colet%C3%A2nea%20de%20Estudos%20Jur%C3%ADdicos.pdf>.
DA JUSTIÇA MILITAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Sumário
José Carlos Couto de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Crime Militar Próprio ou Propriamente Militar
Miguel Reale Júnior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
A prescrição do crime de deserção
Zilah Maria Callado Fadul Petersen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Sumário
La cooperación penal internacional en el Mercosur
Berta Feder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 607
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para o estabelecimento de
uma jurisdição Penal Internacional
Denise Caldas Figueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 626
Mercosul, Soberania e Constituição Brasileira de 1988
Elisa de Sousa Ribeiro e Rafael Nascimento Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 649
Actualité de la Justice Militaire dans les travaux des Organes des Nations
Unies
Emmanuel Decaux . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 663
“Nova Ordem” e crise do Direito Internacional
Francisco Rezek . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 676
Concretization and Precedent. Observations on modern continental
European Law from the perspective of “Structuring Legal Theory”
Friedrich Müller . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 680
DA JUSTIÇA MILITAR
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 17
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 18
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 19
“um fato inédito na história do habeas corpus em nosso país. Até aquele dia jamais se
concedera medida liminar para evitar a ameaça de constrangimento ilegal por parte da
autoridade. A decisão foi comunicada aos responsáveis pela arbitrariedade iminente e abortou
a violência premeditada e em andamento”.1
Ministro Evandro Lins e Silva
“uma das mais belas criações da nossa jurisprudência foi a da liminar em pedido de habeas
corpus, assegurando de maneira mais eficaz o direito de liberdade. ..., cumpre registrar que
tal providência - liminar em habeas corpus preventivo - foi concedida pelo Almirante José
Espínola, ilustre figura que perolou no STM (cf. RTJ 33/590)”.2
Fernando da Costa Tourinho Filho
1. Por mais estranho que pareça, não se concebia a concessão da medida liminar em habeas
corpus até 1964, enquanto esta se tinha consolidado, em virtude de normas legais expressas, na
legislação do mandado de segurança. Embora este tivesse sido decorrente da ampliação dada ao
habeas corpus e da idéia de se estruturar, no direito brasileiro, um habeas corpus civil, em matéria
processual3, a liminar só foi prevista pelo legislador no mandado de segurança, sem que a
jurisprudência a tivesse estendido ao remédio em defesa da liberdade de ir e vir.
2. O Ministro EVANDRO LINS E SILVA afirma que a primeira liminar em habeas corpus
teria sido concedida no Supremo Tribunal Federal, em 1964, em virtude de sua impetração por
SOBRAL PINTO, em favor de MAURO BORGES. Afirma o eminente criminalista que se
tratou de:
“um fato inédito na história do habeas corpus em nosso país. Até aquele dia jamais se concedera medida
liminar para evitar a ameaça de constrangimento ilegal por parte da autoridade”.4
Arnoldo Wald
3. Na realidade, o Ministro GONÇALVES DE OLIVEIRA concedeu a medida liminar, em
favor do paciente Governador MAURO BORGES, no Habeas Corpus nº 41.296, em 14.11.1964
e, em 23.11.1964, levou o processo ao plenário, que confirmou a medida liminar para que:
“Não possa a Justiça Comum ou Militar processar o paciente sem o prévio pronunciamento da Assembléia
Estadual, nos termos do art. 40 da Constituição do Estado de Goiás, decisão unânime”.5
4. No seu voto, o relator Ministro GONÇALVES DE OLIVEIRA fundamentou a
concessão da liminar, invocando a jurisprudência já existente em mandado de segurança e 19
lembrou a existência de decisão concessiva de liminar em habeas corpus, que acabava de ser
proferida pelo Superior Tribunal Militar. Assim justificou a concessão da medida liminar em
habeas corpus:
* Advogado em São Paulo e Brasília, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi Procurador
Geral da Justiça do Estado da Guanabara (hoje Estado do Rio de Janeiro) e Presidente da Comissão de Valores Mobiliários
1
EVANDRO SILVA E LINS, O Salão dos Passos Perdidos, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 390.
2
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, Processo Penal, 23ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 4, p. 573.
3
ARNOLDO WALD, Do Mandado de Segurança na Prática Judiciária, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 34.
4
EVANDRO LINS E SILVA, O salão dos passos perdidos, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 390.
5
RTJ, 33/616.
6
RTJ 33/597.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 21
Pede liminarmente o paciente, para não comparecer no dia marcado para o depoimento, como
se vê do documento de f. 10.
A liminar foi concedida até o pronunciamento final deste Superior Tribunal.
A petição é longa e está dividida em cinco partes, para o seu melhor entendimento.
Consta do pedido abundante prova documentária em que se fundamenta o impetrante, para
pedir a exclusão do paciente do Inquérito Policial Militar, em causa.
Alega o impetrante que se verifica pelo Doc. 1 que se trata, especificamente, de um
enquadramento no art. 227 do COM, como crime de desobediência passível pela lei penal, decorrendo
a competência do Superior Tribunal Militar, para conhecer do pedido.
O impetrante aprecia à luz de dispositivos legais a incompetência da autoridade militar para determinar,
como no caso, que se trata de ato de funcionário civil praticado em exercício de suas funções em repartição
civil, e matéria que pela sua própria natureza escapa à competência da Justiça Militar, por não configurar
a atuação do paciente crime militar, nem mesmo em tese.
Diz o impetrante que o inquérito envolvendo a administração dos Drs. Evandro Menezes, paciente, e
Manoel Franco, na Caixa Econômica Federal do Paraná, foi julgado e arquivado há cinco anos.
Ambos foram punidos e demitidos da direção da Caixa.
Talvez, jamais tenha havido no Brasil um processo que haja ensejado tantos pronunciamentos
definitivos das autoridades competentes, quer judiciais, quer administrativas.
Espera a concessão da ordem a fim de excluir do Inquérito Policial Militar, em causa, o paciente, cuja
atuação na Caixa Econômica Federal do Paraná já foi definitivamente apreciada pelos órgãos
administrativos e tribunais do país.
Solicitadas informações, foram estas prestadas pelo Tenente Coronel Paulo Domingues, Encarregado do
IPM, considerada autoridade coatora, por via telegráfica e por via postal, como se vê dos documentos de
f. 45 e 49.
Isto posto:
Considerando que da intimação feita pelo Encarregado do IPM (doc. Def. 10) verifica-se ameaça à
liberdade de locomoção do paciente;
Considerando que a abundante prova documentária do processo mostra à saciedade que o paciente foi
devidamente julgado e demitido do cargo, pelos atos praticados durante a sua gestão na Caixa Econômica
Federal do Paraná, quer administrativamente, quer judicialmente, e, posteriormente, dado como inocente;
Arnoldo Wald
Considerando que da informação prestada (f. 49) se trata de apurar os mesmos atos da improbidade
praticados pelo paciente quando Presidente da Caixa Econômica do Paraná, o que foi conhecido pelo
Supremo Tribunal Federal e considerado transitado em julgado;
Considerando que não há como estender-se aos civis o foro especial da Justiça Militar, fora dos casos
definidos em lei, acordam os Ministros deste Superior Tribunal, a unanimidade de votos, em conceder
a ordem, por incompetência da Justiça Militar, para o fim de ser o paciente excluído do IPM, por se
tratar de matéria já transitada em julgado”. (os grifos são nossos) 21
8. Anos depois, o fato foi narrado pelo advogado Dr. JURANDIR SCARCELA
PORTELA nos seguintes termos:
“Embora nunca tenha funcionado anteriormente em processos criminais, Arnoldo Wald, na fase mais
difícil da Revolução de 1964, atendeu a apelos de clientes para impetrar habeas corpus, tanto no STM
quanto no STF. Num caso do Paraná, pleiteou a concessão de medida liminar em habeas corpus,
perante o STM, o que na época ainda não era comum, e o Relator do processo, Alm. Espíndola, embora
não tendo formação jurídica específica, convenceu-se de suas razões. A medida liminar foi concedida e, dias
depois, o STF, ao apreciar o caso do Governador Mauro Borges, fundamentava-se na decisão do STM
para, por sua vez, conceder a liminar em habeas corpus (HC 41.296). Comentava-se, na ocasião, que
o STF adotava nova jurisprudência com base nas decisões da Justiça Militar”.7
9. Por longo tempo, houve dúvida quanto a ser realmente a decisão do Superior Tribunal
Militar a primeira existente na matéria; pois, embora não se encontrasse referências na doutrina
e na jurisprudência, era possível que, em determinado caso, a liminar em habeas corpus tivesse
sido concedida anteriormente e não houve a possibilidade de fazer pesquisa aprofundada na
matéria, em todos os tribunais do país.
10. O depoimento de EVANDRO LINS E SILVA, que foi, com extraordinária
competência e incontestável brilho, sucessivamente Procurador-Geral da República, Ministro do
Supremo Tribunal Federal e, anterior e posteriormente, advogou no crime, por mais de cinqüenta
anos, tendo julgado inúmeros processos criminais na Corte Suprema, parece-nos esclarecer
definitivamente a matéria.
11. Do ponto de vista histórico e em relação aos problemas da interpretação construtiva do
direito, é interessante notar que a primeira liminar em habeas corpus, no Brasil, tenha sido dada, em
pleno regime militar, por um Almirante de Esquadra, no exercício do cargo de Ministro do
Superior Tribunal Militar, cuja sensibilidade e bom senso fizeram com que, após verificar a ampla
Uma importante contribuição do Superior Tribunal Militar
12. Por outro lado, tendo o mandado de segurança se inspirado na doutrina brasileira do
habeas corpus, houve um fenômeno reflexo, argüindo-se a analogia entre os dois institutos, a fim
de conceder, para a proteção da liberdade de ir e vir, a medida liminar que constava da legislação
do mandado de segurança. Essa decisão do Superior Tribunal Militar acabou influenciando e
justificando, pela existência de um precedente, a posição do Supremo Tribunal Federal e, daí por
diante, tornou-se um procedimento banal e corriqueiro em favor da liberdade individual.
13. Comentando o assunto em artigo, a Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura e a
advogada Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo, escreveram que:
“No Código de Processo Penal não há dispositivo legal autorizador da concessão de ordem liminar em
habeas corpus, ou de qualquer forma de tutela antecipada.
...........................................................................
Os tribunais, em vanguarda, sensíveis à necessidade, em alguns casos, do adiantamento da tutela, passaram
a admitir a possibilidade de concessão da ordem liminar em habeas corpus. Lastrearam-se na lei que disciplina
o mandado de segurança, sem deslembrar que o Código de Processo Penal não a proibiu, mas a ensejou.” 8
14. Em seguida, após referir-se ao habeas corpus do Governador Mauro Borges, ao qual já
aludimos, as autoras reconhecem, que a decisão do Supremo Tribunal Federal teve como precedente
a da Justiça Militar “concedida pelo Almirante José Espínola, quando integrava o STM”.9
15. Finalmente, reconhecem que atualmente está sedimentada pela jurisprudência a viabilidade
da concessão da ordem liminar de habeas corpus, citando numerosos acórdãos, todos posteriores a
1964, além de normas regimentais dos vários tribunais e a posição mansa e pacífica da doutrina.10
22 16. Decorridas mais de quatro décadas da decisão proferida no regime militar, é importante
restabelecer a verdade histórica, utilizando o depoimento imparcial do Ministro EVANDRO
LINS E SILVA (que participou da primeira decisão proferida no Supremo Tribunal Federal no
caso de MAURO BORGES) e prestando, assim, uma justa homenagem à Justiça Militar e
especialmente ao Superior Tribunal Militar.
7
O direito na década de 1990: Novos aspectos (Estudos em homenagem ao Professor ARNOLDO WALD), obra coordenada por PAULO
DOURADO DE GUSMÃO e SEMY GLANZ, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 447-488.
8
MARIA THERESA ROCHA DE ASSIS MOURA e CLEUNICE A. VALENTIM BASTOS PITOMBO, “Habeas corpus e Advocacia
Criminal: Ordem liminar e âmbito de coguição”, in Justiça Penal – 5 Tortura, Crime Militar e Habeas Corpuss” coordenação de Jaques de Camargo
Penteado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 141 e 142.
9
Obra citada na nota anterior, p. 143, nota 37.
10
Obra citada, p. 144 e seguintes.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 23
Arnoldo Wald
23
I - Introdução
Ficou assentado também em Genebra que uma proposta de programa para próximos
encontros deveria contemplar basicamente quatro temas:
1) identificar as questões centrais enfrentadas nas cortes militares;
2) definir critérios mais claros para estabelecer limites entre infrações penais e infrações
disciplinares;
3) introduzir no currículo dos magistrados militares exigências de proficiência em direitos
humanos e direito internacional humanitário;
4) ampliar o coeficiente de independência dos juízes militares e fixar parâmetros mínimos
necessários para que os tribunais militares alcancem independência e imparcialidade.
Fui incumbido de versar esse último tópico no encontro subsequente, realizado no Brasil5.
Minha intervenção limitou-se a breve síntese das idéias e dados a seguir expostos.
5
Seminário Internacional sobre Direitos Humanos e a Administração da Justiça por Tribunais Militares, realizado no Palácio do
Itamaraty, em Brasília, entre 27 e 29 de novembro de 2007, organizado pelo Superior Tribunal Militar do Brasil e Ministério de Relações
Exteriores do Brasil, promovido pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas (OHCHR) e Comissão Internacional de
Juristas (ICJ), com apoio da Fundação Instituto Brasileiro de Direito Militar e Humanitário (IBDMH).
6
Princípio nº 17. Interposição de recursos perante os tribunais ordinários. Em todos os casos em que existam órgãos judiciais militares, sua
competência deveria estar limitada à primeira instância. Por conseguinte, os recursos, especialmente o de apelação, deveriam exercitar-se perante
tribunais ordinários. Em todos os casos, o controle de legalidade deve permanecer em mãos da suprema instância da jurisdição.
Os conflitos de competência e de jurisdição entre tribunais militares e tribunais da jurisdição ordinária deveriam ser resolvidos por um órgão
judicial superior pertencente à jurisdição ordinária, integrado por magistrados independentes, imparciais e competentes, como o tribunal
supremo ou o tribunal constitucional.
7
CF, art. 5º, XXXV.
8
CF, art. 5º, LV.
9
Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969.
10
Decreto nº 678/92, em combinação com o art. 5º, § 2º da Constituição Federal.
11
Decreto nº 592/92.
12
CF, art. 92.
13
Código Penal Militar, art. 9º.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 27
administração e o patrimônio militar, ou ainda delitos que tenham ocorrido em locais sob
administração militar. E, como órgão de segunda instância, o Superior Tribunal Militar, exercendo
função ambivalente, tanto de tribunal de apelação quanto de tribunal superior. É o único caso, na
estrutura do Poder Judiciário brasileiro, de tribunal superior com funções de órgão de segunda
instância, já que nos demais ramos do poder judiciário (trabalhista, eleitoral e jurisdição federal
comum) há tribunais regionais intermediários entre a primeira instância e os órgãos superiores.
Como regra geral, a jurisdição militar é exercida, inicialmente, na primeira instância, com o
oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Militar. A exceção é a hipótese de ação penal
originária, a ser julgada em primeira e única instância pelo Superior Tribunal Militar, quando o
agente de conduta delituosa for oficial-general das Forças Armadas.
Todas as impugnações e recursos formulados contra as decisões judiciais de primeira instância
da Justiça Militar são julgadas pelo Superior Tribunal Militar, seja em grau de recurso de apelação,
seja pela impetração de habeas corpus.
As decisões do Superior Tribunal Militar são impugnadas perante o Supremo Tribunal
Federal, de duas formas: pela via recursal, com utilização do recurso extraordinário; pela via da
ação autônoma, em especial o habeas corpus. O Supremo Tribunal Federal também julga conflito
de competência instaurado entre o Superior Tribunal Militar14 e outros órgãos judiciais da
jurisdição ordinária.
Em tempo de guerra, a composição da Justiça Militar é diferente e encontra-se regulada na
lei15. Como órgãos de primeira instância, estão previstos o Juiz-Auditor, com competência para
julgar praças e civis, e o Conselho de Justiça Militar, competente para julgamento de oficiais até
14
CF, art. 102, inciso I, alínea "o".
15
Código de Processo Penal Militar (Dec.-lei nº 1002/69) e Lei de Organização Judiciária Militar (Lei nº 8.457/92).
16
O Exército Brasileiro participou da 2ª Guerra Mundial, enviando à Itália uma Força Expedicionária Brasileira (FEB), com uma Divisão de
Infantaria (25.334 homens e 67 mulheres), A Força Aérea Brasileira combateu na Europa com um Grupo de Caça e uma Esquadrilha de Ligação
e Observação (487 homens e 6 mulheres). A Marinha do Brasil participou de operações no Atlântico Sul, sendo certo que 33 navios brasileiros
foram torpedeados por submarinos do Eixo.
17
As duas penas capitais foram comutadas pelo Presidente da República e, portanto, não executadas.
18
CPPM, art. 703.
19
CF, art. 142, § 2º.
Aqui introduzo pesquisa que desenvolvi para analisar as causas decididas pelo Superior
Tribunal Militar, entre 2000 e 2005, e que foram impugnadas perante o Supremo Tribunal
Federal, tanto pela via recursal quanto pela via autônoma. A tabela anexa21 apresenta os
resultados. A Secretaria Judiciária do Superior Tribunal Militar forneceu informações que
permitiram a coleta de dados, por exemplo, o número de decisões proferidas pelo Superior
Tribunal Militar no período, bem como a relação das que foram levadas ao Supremo Tribunal
Federal. Da Suprema Corte brasileira, foram analisadas 58 (cinqüenta e oito) decisões que,
naquele lapso de tempo, acolhendo recursos, reformaram deliberações do Superior Tribunal
Militar. Desse total, 51 (cinqüenta e uma) são decisões tomadas em habeas corpus e recurso em
habeas corpus. O restante diz respeito aos recursos extraordinários e agravos de instrumento. As
principais conclusões a que cheguei são as seguintes:
• A taxa de recorribilidade das decisões do Superior Tribunal Militar é baixíssima. Em
média, as partes recorreram em menos de 8% das decisões. Em 2000, por exemplo, a
Corte Militar proferiu 674 (seiscentas e setenta e quatro) decisões, e apenas 24 (vinte e
quatro) foram impugnadas, o que representa 3,5% do total. Em 2001, a taxa de
recorribilidade sobe para 6,5%; em 2002, 7,5%; em 2003, 3,8%; em 2004, 6,7%; e em
2005, 7,9%.
• A Defensoria Pública da União é responsável pela maior parte das impugnações bem
sucedidas perante o Supremo Tribunal Federal. Das 58 (cinqüenta e oito) decisões
reformadas, 23 (vinte e três) foram tomadas em recursos e impugnações apresentadas pela
Defensoria Pública da União. Outros 2 (dois) habeas corpus foram impetrados pelo Dr.
Mário Sérgio Marques Soares, Subprocurador-geral da Justiça Militar, também palestrante
no Seminário Internacional, implicando a cassação de decisão do Superior Tribunal Militar,
que desarquivou irregularmente inquérito policial militar e recebeu denúncia de furto.
• Nada menos que 15 (quinze) decisões do Supremo Tribunal Federal referem-se à
aplicação da Lei nº 9.099/9522 à Justiça Militar, que instituiu o sistema de processo e
julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo. Desde sua promulgação, em 26 de
28 setembro de 1995, o Superior Tribunal Militar firmou jurisprudência pela inaplicabilidade
da lei aos crimes militares. A matéria é objeto da Súmula nº 923. O Supremo Tribunal
Federal, por sua vez, estabeleceu entendimento oposto e uniforme, no sentido da
aplicação do referido diploma legal aos crimes militares. Entretanto, outra lei24 afastou a
20
Lei nº 8.457/92, art. 95, parágrafo único.
21
A tabela está no Anexo 2.
22
Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.
23
Súmula nº 9: “A Lei nº 9.099, de 26.09.1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica
à Justiça Militar da União.”
24
Lei nº 9.839, de 27 de setembro de 1999, acrescentou o artigo 90-A à Lei nº 9.099/95.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 29
razão está no artigo 8825, que exige representação do ofendido para a deflagração da ação
penal em casos de lesão corporal leve e culposa.
• Outras 6 (seis) decisões do Supremo Tribunal Federal concederam liberdade provisória
aos pacientes, reconhecendo ausência de fundamentação do decreto de prisão preventiva,
excesso de prazo de prisão processual e mera execução antecipada da pena final.
• Em 4 (quatro) decisões foram anulados alguns julgados do Superior Tribunal Militar em
matéria de deserção, por questões técnicas, como culpabilidade e nulidades processuais.
• Um único recurso extraordinário foi provido pelo Supremo Tribunal Federal para,
dirimindo questão relativa a conflito de competência, reconhecer a natureza não militar de
Direitos Humanos e a Administração da Justiça por Tribunais Militares
30
25
Lei nº 9.099/95, art. 88: “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos
crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”
26
RE nº 407.721/DF.
27
Fernando da Costa Tourinho, Processo Penal, vol. 4, 23ª edição. Saraiva, São Paulo, 2001.
28
RTJ 33/590.
29
Decreto-Lei nº 848, de 11 de outubro de 1890.
30
Acolhendo recursos em sentido estrito contra decisões de rejeição de denúncia na instância a quo, conforme art. 516, "d", do Código de
Processo Penal Militar.
31
Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/1969) e Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002/1969). Diplomas legais outorgados
em pleno período de exceção.
32
No Habeas Corpus 80.855-7/RJ, relatado pela Ministra Ellen Gracie, foi reconhecida a não-recepção do art. 417, §§ 2º e 3º, do Código de
Processo Penal Militar, por facultar à defesa a indicação de no máximo 3 (três) testemunhas, enquanto o Ministério Público Militar está
legalmente autorizado a arrolar até 6 (seis) testemunhas.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 31
33
HC 81.963/RS.
34
HC 83.125/DF.
Bibliografia
ALBUQUERQUE, Bento Costa Lima Leite de. A Justiça Militar na Campanha da Itália. Imprensa
Oficial, Fortaleza, 1958.
ANDREU-GUZMAN, Federico. Terrorism and Human Rights, nº 02. International Comission of
Jurists, Geneva, 2003.
__________________. Fuero Militar y Derecho Internacional - Los Tribunales Militares y las graves
violaciones a los Derechos Humanos. Comisión Internacional de Juristas, Bogotá, 2003.
ARAÚJO, Edmir Netto de. Responsabilidade do Estado por Ato Jurisdicional. Editora Revista dos
Tribunais, São Paulo, 1981.
Associação Juízes para a Democracia. Direitos Humanos - visões contemporâneas. São Paulo, 2001.
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos. Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2003.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed. Editora Universidade de Brasília,
Brasília, 1999.
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Jorge Zahar Editor, Rio de
32 Janeiro, 2005.
CASTRO, Celso. Os Militares e a República. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1995.
Centre for the Independence of Judges and Lawyers Bulletin. The Independence of Judges and
Lawyers: a Compilation of International Standards. Nº 25-26. Editor Reed Brody, Geneva, 1990.
Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Direitos Humanos no cotidiano
jurídico. Série Estudos, nº 14, São Paulo, 2004.
Commission Internationale de Juristes. Le Droit à un recours et à obtenir réparation en cas de violations
35
(www.cnj.gov.br).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 33
graves des Droits de l’Homme. Nº 2 - Série des guides practiques. Geneve, Suisse, 2006.
CORWIN, Edward S. A Constituição Americana e seu significado atual. Jorge Zahar Editor, Rio de
Janeiro, 1986.
DELMAS-MARTY, Mirreille; FRONZA, Emmanuela; LAMBERT-ABDELGAWAD,
Élizabeth. Les Sources du Droit International Penal. Société de Legislation Comparée,
Paris, 2004.
GOMES, Luiz Flávio. A Dimensão da Magistratura no Estado Constitucional e Democrático de Direito.
Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997.
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; e JAY, John. The Federalist Papers. Penguin Books,
New York, 1961.
HOBSBAWN, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. Companhia das Letras,
São Paulo, 2007.
International Review of the Red Cross. Communication. Cambridge University Press, Geneva,
Vol. 87, n° 860, December, 2005.
_______________________. Detention. Cambridge University Press, Geneva, Vol. 87, n° 857,
March 2006.
________________________. International criminal tribunals. Cambridge University Press,
MARKS, Susan; CLAPHAM, Andrew. International Human Rights Lexicon. Oxford University Press,
New York, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos, Editora Atlas,
São Paulo, 2003.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 4ª ed. Max Limonad, São
Paulo, 2000.
REALE Jr., Miguel. Teoria do Delito, 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000.
REBOUÇAS, Francisco de Paula Sena. Fim de Século e Justiça. Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002.
Direitos Humanos e a Administração da Justiça por Tribunais Militares
RISHMAWI, Mona A. Attacks on justice: The harassment and persecution of Judges and Lawyers. Centre
for the Independence of Judges and Lawyers, Geneva, 1995.
ROCHA, Lincoln Magalhães da. A Constituição Americana: Dois Séculos de Direito Comparado. Edições
Trabalhistas, Rio de Janeiro, 1987.
SALGADO, Eneida Desiree. Constituição e Democracia. Editora Fórum, Belo Horizonte, 2007.
SCHWARTZ, Bernard. The Great Rights of Mankind: A History of the American Bill of Rights. Oxford
University Press, New York, 1997.
SCHUBSKY, Cássio (coord). Estado de Direito Já! Os trinta anos da Carta aos Brasileiros. Lettera.doc,
São Paulo, 2007.
STERMAN, Sonia. Responsabilidade do Estado. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1992.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 4º vol., 18ª ed. Saraiva,
São Paulo, 1997.
TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. Editora Fundação
Peirópolis, São Paulo, 2002.
TELLES Jr., Goffredo. Estudos. Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2005.
ZOLO, Danilo. La justicia de los vencedores. 1ª ed., Edhasa, Buenos Aires, 2007.
Anexo 1
34 1. Criação de Tribunais Militares: Tribunais Militares, quando existirem, devem ser instituídos pela
Constituição ou pela lei, respeitando o princípio de separação de poderes.
2. Respeito às normas de direito internacional: Devem aplicar as normas e procedimentos
reconhecidos internacionalmente em favor da garantia de um julgamento imparcial.
3. Declaração de guerra: Em período de crise, a declaração de guerra ou regime de exceção não
deve afetar garantias processuais.
4. Aplicação do direito humanitário: Em período de conflito armado, os princípios da lei
humanitária, e em particular as disposições da Convenção de Genebra relativas ao tratamento
devido aos prisioneiros de guerra, são inteiramente aplicáveis a tribunais militares.
5. Incompetência dos órgãos judiciais militares para julgar civis: Os órgãos judiciais militares
devem, por princípio, ser incompetentes para julgar civis.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 35
sus varios significados, cabe atribuirle el de que entraña la existencia de una organización judicial
que monopoliza la potestad jurisdiccional de acuerdo con en principio de exclusividad y de
conformidad con unas normas competenciales y procesales previamente establecidas por las
leyes con carácter general. Se trata, pues, de que no exista ni una sola manifestación jurisdiccional
que no goce de las garantías de la jurisdicción ordinaria. De esta forma, el principio de unidad se
conecta con el principio de independencia. La garantía de independencia sólo se consigue con la
existencia de una organización judicial ordinaria cuyos integrantes estén sometidos únicamente
al imperio de la Ley, y es por lo mismo por lo que el art. 117.6 CE prohíbe con carácter absoluto
los Tribunales de excepción mientras que el inciso segundo del art. 117.5 circunscribe la
jurisdicción militar al "ámbito estrictamente castrense".
Ahora bien, el hecho de que la Constitución contemple en un mismo apartado el principio de
unidad y, a continuación, la jurisdicción militar, no deja de tener otro significado: el art. 117.5
viene a establecer una salvedad frente al principio de unidad jurisdiccional, que reside en la
previsión de una jurisdicción militar que se proyecta en una doble dirección con diferencias
notables: “el ámbito estrictamente castrense” y “los supuestos de estado de sitio”. Es evidente,
por lo mismo, que el principio de unidad jurisdiccional se ve, cuando menos, relativizado, sin que
ello suponga ignorar o devaluar el mandato constitucional de que la regulación por la ley del
36 ejercicio de la jurisdicción castrense se ha de hacer “de acuerdo con los principios de la
Constitución”, mandato que, siendo incuestionable que entraña una serie de consecuencias que
se anudan al mismo y a las que nos referiremos más adelante, no lo es menos que no puede ser
comprendido como un mandato de equiparación orgánica y funcional a la jurisdicción ordinaria;
si así se entendiera se estaría privando de todo sentido, vaciando de contenido, la mencionada
cláusula constitucional.
La reflexión nos sitúa ante la cuestión de si, en último término, lo que está haciendo al art.
117.5, inciso segundo, es acoger una garantía institucional. Así lo entendería en su Voto particular
a la STC 113/1995, de 6 de julio, el magistrado Sr. Cruz Villalón, para quien la salvedad del
precepto en cuestión es la salvedad de una institución, la jurisdicción militar, que, si bien adaptada
a la Constitución, hay que suponer que debe de seguir siendo “reconocible” en el sentido de la
STC 32/1981. Dicho de otro modo, el inciso segundo del art. 117.5 CE no estaría asegurando
un cierto ámbito competencial, sino preservando la institución de la jurisdicción militar en
términos “recognoscibles” para la imagen que de la misma tiene la conciencia social en cada
tiempo y lugar.
No terminamos de compartir tal interpretación, pues, más bien, de acuerdo con López
Ramón, pensamos que en el art. 117.5 no late la garantía institucional schmittiana. Y ello, a
nuestro juicio, así por diferentes razones. En primer término, no nos hallamos ante una
institución que pueda considerarse componente esencial del orden jurídico-político
establecido por la Constitución, cuya preservación se juzgue indispensable para asegurar los
principios constitucionales. En segundo lugar, y ello, a los efectos que nos ocupan, aún es de
mayor relevancia, es difícil dar respuesta a la cuestión de qué ve la conciencia social en la
jurisdicción militar, lo que nos sitúa ante la dificultad de predeterminar, más allá del ámbito
competencial constitucionalmente reservado a tal jurisdicción, unos rasgos caracterizadores
de la institución que deban ser inexcusablemente salvaguardados frente al legislador. Si se
atiende a lo que ha sido la jurisdicción militar en nuestra historia, es claro que ello en modo
alguno tendría cabida en la Constitución; si se atiende al Derecho comparado, tampoco
encontramos una fórmula única en la que haya de “reconocerse”, de “visualizarse”, la esencia
de esta jurisdicción. En tercer y último término, no creemos que el constituyente, al
contemplar esta jurisdicción, pretendiera tanto salvaguardar la institución, como más bien,
frente a una realidad histórica indiscutible: la macrocefalia de la jurisdicción castrense con el
franquismo, delimitarla, acotarla.
En cualquier caso, el hecho de que no veamos en el inciso segundo del art. 117.5 una garantía
atractiva debe de operar como pauta general. B) De otro lado, en un criterio hermenéutico de la
legislación de desarrollo del art. 117.5, sobre la base del propio valor interpretativo del mismo.
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
En cuanto que resulta claro el carácter eminentemente restrictivo con que se admite la
jurisdicción militar, tal carácter ha de ser tenido en cuenta, en lo necesario, para interpretar la
legislación correspondiente.
3º) La competencia de la jurisdicción militar puede verse ampliada en los supuestos de estado
de sitio, previsión que ha de ponerse en conexión con el art. 116.4 CE, que atribuye al Congreso
de los Diputados la facultad de declarar el estado de sitio con la subsiguiente determinación, entre
otros aspectos, de sus condiciones, ámbito territorial y duración, en base a todo lo cual el art. 35
de la Ley Orgánica 4/1981, de los estados de alarma, excepción y sitio, faculta al Congreso de los
Diputados para que determine, si así lo considera oportuno, los delitos que durante la vigencia
del estado de sitio quedan sometidos al conocimiento de la jurisdicción castrense.
4º Por último, el ejercicio de la jurisdicción castrense debe en todo caso acomodarse a “los
principios de la Constitución”. A tal efecto, pueden considerarse de particular interés: los
principios informadores de la función jurisdiccional (exclusividad, independencia, inamovilidad,
responsabilidad), presupuestos ya en la integración de esta jurisdicción en el Poder Judicial del
Estado, los principios procesales constitucionales y los derechos y garantías constitucionales, muy
especialmente el derecho a la tutela judicial efectiva (art. 24.1 CE) y las garantías del due process
of law del art. 24.2 CE.
38 A partir de estos principios constitucionales, de un modo notablemente evolutivo, la
legislación de desarrollo ha perfilado los principios sobre los que se vertebra la organización de
la jurisdicción militar, a los que pasamos a referirnos.
Será la ley orgánica 9/1980, de 6 de noviembre, de reforma del Código de Justicia Militar y
del Código Penal, la primera norma legal que incida, mínimamente, desde luego, sobre los
órganos jurisdiccionales castrenses en el sentido de una cierta tecnificación, como revelan, entre
otras innovaciones: la sustitución del juez instructor por el juez togado militar de instrucción y la
formalización de la institución del Ministerio Fiscal jurídico-militar.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 39
a tenor del art. 88 LOCOJM, ha de actuar en defensa de la legalidad y de los derechos e intereses
tutelados por la Ley, de oficio o a petición de los interesados.
La Ley Orgánica 9/2003, de reforma de la LOCOJM, con excelente criterio a nuestro juicio,
ha suprimido la legitimación especial de los Mandos Superiores para recurrir en casación. Tras
esta reforma legal, el párrafo tercero del art. 92 de la LOCOJM establece que las autoridades del
Ministerio de Defensa que se designen por Real Decreto podrán solicitar de los distintos órganos
de la Fiscalía Jurídico Militar las actuaciones que puedan proceder en defensa del interés público
en el ámbito militar. En desarrollo de esta previsión, el Real Decreto 492/2004, de 1 de abril, ha
procedido a designar las autoridades del Ministerio de Defensa a las que se les otorga la
mencionada facultad. Las mismas aparecen mencionadas en el Anexo de tal Real Decreto,
pudiéndose mencionar entre ellas, ejemplificativamente, las siguientes: Jefe del Estado Mayor de
la Defensa, Subsecretario de Defensa, Director General de la Guardia Civil, Jefes de los Estados
Mayores de los tres Ejércitos, Jefe de la Fuerza de Maniobra, Jefe de la Fuerza Terrestre,
Almirante de la Flota, Jefe del Mando Aéreo de Combate… En todo caso, conviene recordar la
precisión que establece el Real Decreto: la solicitud de actuación por parte de los órganos de la
Fiscalía Jurídico Militar se circunscribe a los procedimientos o asuntos que afecten al personal
que de cada autoridad dependa. En el ejercicio de esta facultad de requerimiento a la Fiscalía, las
Española en el otorgamiento del Amparo Judicial
autoridades militares serán asistidas por el respectivo asesor jurídico que tengan asignado o
destinado a sus órdenes.
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
ellos procedentes de la Carrera Judicial y los cuatro restantes del Cuerpo Jurídico Militar. Los
cuatro primeros son nombrados de igual forma que los demás Magistrados del Tribunal
Supremo, esto es, mediante Real Decreto refrendando por el Ministro de Justicia a propuesta del
Consejo General del Poder Judicial (art. 316 de la Ley Orgánica 6/1985, de 1º de julio, del Poder
Judicial), propuesta para la que el Consejo es plenamente soberano, pudiendo seleccionar a
quienes va a proponer libremente, de entre quienes cumplan las condiciones legalmente exigidas,
innecesario es decirlo. Los cuatro Magistrados que han de proceder del Cuerpo Jurídico Militar
son también propuestos por el Consejo, si bien con una limitación importante: el Consejo ha de
circunscribir su propuesta a la terna de Generales Consejeros Togados y Generales Auditores con
aptitud para el ascenso que para cada vacante que se produzca ha de presentar el Ministro de
Defensa. Si como suele ser regla general, la propuesta que efectúa el órgano de gobierno del
Poder Judicial termina recayendo sobre la persona propuesta por el Ministro en primer lugar, lo
que se ha convertido en una regla casi consuetudinaria, la realidad nos pone de relieve que, de
facto, quien propone a estos Magistrados es más bien el Ministro de Defensa, limitándose el
Consejo General a ratificar la voluntad de aquél, a darle forma legal.
No es ajena a esta realidad, a nuestro entender, la más que perniciosa “parlamentarización”
del órgano de gobierno del Poder Judicial, que en una lamentable dinámica ha venido a trasladar
a este órgano el mecánico juego partidista de mayoría y minorías de las Cámaras, con olímpico
desprecio de la sensata recomendación efectuada por el Tribunal Constitucional (en su STC
108/1986, de 29 de julio), que veinte años atrás ya advertía acerca del riesgo de frustrar la
finalidad perseguida por la Constitución con la creación del Consejo si las Cámaras, a la hora de
efectuar sus propuestas de miembros de este órgano, actuaban con criterios admisibles en otros
terrenos, pero no en éste. Como diría el Tribunal, “la 1ógica del Estado de partidos empuja a
actuaciones de este género, pero esa misma lógica obliga a mantener al margen de la lucha de
distorsiones a que puede conducir el hecho de que una misma persona pueda desempeñar,
indiferentemente, funciones jurisdiccionales y funciones meramente administrativas.
El Consejo General del Poder Judicial, que al menos queda al margen de toda relación de
proximidad personal, debiera poder decidir con plena y real independencia de criterio, no con
una autonomía puramente ritualista, quién, de entre los miembros del Cuerpo Jurídico Militar que
reúnan los requisitos legales, debe ser propuesto para su nombramiento como miembro de la Sala
Quinta.
4º) La consagración del principio de independencia, máxima garantía de una recta
administración de justicia, fue una de las mayores preocupaciones que guió la actuación del
legislador, como se hacía constar expresamente en el Preámbulo de la LOCOJM; es obvio que
los derechos al Juez ordinario predeterminado legalmente y a un proceso con todas las garantías,
en la medida en que se proyectan sobre un determinado status de los Jueces y Tribunales,
confieren un derecho fundamental a que la propia causa, por emplear la dicción del art 6º.1 del
Convenio de Roma, sea oída por un Tribunal independiente e imparcial, independencia e
imparcialidad que, como ha señalado el Tribunal Constitucional (STC 204/1994, de 11 de julio),
no requieren, para entenderse vulneradas, la producción de una resolución positivamente parcial
o positivamente carente de independencia, siendo suficiente, por el contrario, que el status
Española en el otorgamiento del Amparo Judicial
jurídico del juzgador no reúna las condiciones que, en sí mismo y como tal status, vienen exigidas
por el art 24.2 CE.
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
relevantes de la creación constitucional del Consejo General del Poder Judicial fue la sustracción
de la exigencia de responsabilidad disciplinaria al Poder Ejecutivo y la atribución a aquel órgano
de cuanto tiene que ver con el régimen disciplinario de los miembros del Poder Judicial.
Originariamente, la Ley Orgánica 4/1987, LOCOJM, regu1ó la responsabilidad disciplinaria
judicial, atribuyendo la competencia para la imposición de sanciones disciplinarias, a quienes
ejercieran funciones jurisdiccionales, a la Sala de Gobierno del Tribunal Militar Central (sanciones
correspondientes a faltas leves y graves), a la Comisión Disciplinaria del Consejo General (para
las sanciones de pérdida de destino y suspensión) y al Pleno del propio Consejo (para la sanción
de separación del servicio) (art. 138 LOCOJM).
La Ley Orgánica 16/1994, de 8 de noviembre, por la que se reforma la Ley Orgánica del
Poder Judicial, como bien señalara Rodríguez-Villasante, dio un paso importante más hacia la
homogeneización de la jurisdicción militar con la ordinaria. En el punto primero de su
Disposición Adicional lª, estableció que la responsabilidad disciplinaria de quienes, conforme a la
LOCOJM, ejercieran cargos judiciales y fiscales, sería exigida con arreglo a lo dispuesto para
Jueces y Magistrados en la LOPJ, con las adecuaciones pertinentes y algunas salvedades
contempladas por la propia Ley. Con la nueva regulación, se potenciaba la intervención del
Consejo General, que asumía la competencia para la imposición de todo tipo de sanciones, con
la sola salvedad de las que correspondieren a falta leve (para las que era competente la Sala de
Gobierno del Tribunal Militar Central).
La técnica de remisión incompleta utilizada supuso tal complejidad que fue necesaria la
elaboración de “regímenes adaptados” para facilitar el conocimiento y la utilización de la
normativa reformada. Todo ello conduciría al legislador a abandonar, en el plano formal tan sólo,
el sistema unitario, reincorporando a través de la Ley Orgánica 9/2003, de reforma de la
LOCOJM, a la Ley Orgánica 4/1987 el régimen de la responsabilidad disciplinaria judicial, con
serán sancionadas con arreglo a la citada Ley”. Dicho de otro modo, existe un doble régimen
jurídico en lo que a la responsabilidad disciplinaria de los jueces militares se refiere: la
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
responsabilidad como militares y la responsabilidad como jueces, y aunque la Ley trata de separar
una de otra, esa separación no siempre es fácil de conseguir, y el mero hecho de que exista ese
régimen dual ya casa mal con el estatuto de un Juez.
Por otro lado, la carrera profesional de los miembros del Cuerpo Jurídico Militar presupone
que éstos, más allá del estatuto jurídico que, en orden a la salvaguarda de su independencia, diseña
el Título VIII LOCOJM, y respecto del cual, el Tribunal Constitucional (STC 204/1994, de 11
de julio) ha entendido que garantiza suficientemente el ejercicio independiente de sus funciones,
van a seguir vinculados a decisiones adoptadas por las Autoridades y Mandos militares respecto
de ellos en relación a su carrera militar, y esta circunstancia es la que puede conducir a dudar de
que las normas de la Ley Orgánica 4/1987, LOCOJM, puedan realmente garantizar la
independencia material del juzgador, cuando éste, en su carrera militar y, a la postre, en su propia
promoción dentro de la jurisdicción castrense, sigue vinculado a las decisiones que, respecto de
él, adopten Autoridades y Mandos militares.
Ciertamente, como ha señalado el Juez de la Constitución (STC 204/1994), el principio de
independencia judicial no viene determinado por el origen de los llamados a ejercer funciones
jurisdiccionales, sino precisamente por el status que les otorgue la Ley en el desempeño de las
mismas. Pero también parece claro que ese status puede verse si no formal, sí materialmente
44 afectado por el futuro de la carrera profesional de los Jueces militares.
La discrecionalidad de los ascensos es un buen ejemplo del problema. Y así, un Juez Togado,
de acuerdo con la LOCOJM, puede cesar por ascenso si, conforme a la propia Ley, no
corresponde al nuevo empleo militar el destino judicial que ocupa. En cuanto que la inamovilidad
significa, a juicio una vez más del Tribunal Constitucional (STC 204/1994), que, nombrado o
designado un Juez o Magistrado, conforme a su estatuto legal no puede ser removido del cargo
sino en virtud de causas razonables tasadas o limitadas y predeterminadas legalmente, el Tribunal
ha considerado que la causa de cese en la función judicial por ascenso es lo suficientemente
precisa y predeterminada como para que no pueda considerarse que, “per se”, atenta a la garantía
de inamovilidad. Siendo admisible este razonamiento desde una óptica formal, el problema,
materialmente, no deja de estar presente a nuestro modo de ver.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 45
El art. 53.2 CE otorga a cualquier ciudadano la facultad de recabar la tutela de las libertades y
derechos reconocidos en el art. 14 y en la Sección primera del Capítulo 2º del Título I “ante los
Tribunales ordinarios por un procedimiento basado en los principios de preferencia y
sumariedad”. En desarrollo de tal previsión en el ámbito militar, el art. 453 de la Ley Procesal
Militar, en su párrafo tercero, establece que “contra las sanciones disciplinarias que afecten al
ejercicio de derechos fundamentales señalados en el art. 53.2 de la Constitución, podrá
interponerse el recurso contencioso-disciplinario militar preferente y sumario que se regula en el
Título V de este Libro” (el Libro Cuarto de la propia Ley), cuyo art. 518, apartado K/, encomienda
su conocimiento a los Tribunales militares, constituidos por tres miembros designados de entre el
Auditor Presidente y los Vocales Togados, con exclusión, por lo tanto, de los Vocales Militares, lo
que, innecesario es decirlo, refuerza el carácter técnico-jurídico del órgano.
El problema fundamental que quedaba en el aire era el de si la atribución a los mencionados
Tribunales castrenses de la competencia de tutelar los derechos del art. 53.2 CE era compatible
A partir de estas premisas, el Tribunal entiende que no cabe deducir que por la referencia a
los “Tribunales ordinarios” que se hace en el art 53.2 de la Constitución se altere de forma
sustancial la organización que del Poder Judicial hace la Constitución en su conjunto. Si el art
117.5 establece el principio de la unidad jurisdiccional como base de la organización y
funcionamiento de los Tribunales y en ese mismo precepto se prevé que “la ley regulará el
ejercicio de la jurisdicción militar en el ámbito estrictamente castrense”, no puede eliminarse esta
previsión constitucional cuando se trate de la protección de las libertades y derechos
fundamentales quebrantados en el marco de lo estrictamente castrense. “Admitida la
competencia en ese marco de la jurisdicción militar para conocer del procedimiento contencioso-
disciplinario militar ordinario, en el que, naturalmente, pueden y deben ser protegidos los
derechos fundamentales que en él se invoquen, el hecho de que al proceso de esa misma
naturaleza contenciosa se le dote, para la defensa de los derechos y libertades fundamentales, de
los principios de preferencia y sumariedad a que se refiere el art 53.2 CE, no puede conducir
como exigencia constitucional a alterar la jurisdicción competente establecida en el art 117.5 de
la propia Norma fundamental para el ámbito estrictamente castrense”.
Adicionalmente, aduce el Tribunal que es el “ámbito objetivo de los actos impugnables”, en
este caso, el ámbito estrictamente castrense, el que ha tenido en cuenta el constituyente para
Española en el otorgamiento del Amparo Judicial
establecer dentro del principio de unidad jurisdiccional, el ejercicio de la jurisdicción militar. Si los
derechos fundamentales pueden ser conculcados en el ámbito estrictamente castrense, y en ese
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
señalados por el art. 53.2 CE, la legitimidad constitucional del otorgamiento de amparo judicial
por estos Tribunales es indiscutible.
Por lo demás, es obvio que el procedimiento a que nos referimos no pretende en modo
alguno absorber la tutela especial de los derechos y libertades de los militares in genere,
tratándose únicamente de adaptar a las exigencias del art. 53.2 CE el control jurisdiccional de la
potestad sancionatoria de las Autoridades y Mandos militares. Esta adaptación tenía, por lo
demás, una traducción orgánica de cierta relevancia, a la que antes se aludió: la de integrar los
Tribunales militares competentes para otorgar el amparo judicial tan sólo con Vocales Togados,
con exclusión por tanto de los Vocales Militares, obviamente profesionales de las armas,
previsión que ha propiciado, como después se verá, un criticable error del legislador de resultas
de la Ley Orgánica 9/2003.
En definitiva, ningún obstáculo constitucional puede oponerse a que los órganos
jurisdiccionales castrenses, en el ámbito competencial que les es propio, otorguen amparo judicial.
Si ello es indiscutiblemente así, no lo es menos que algunas particularidades procesales u
orgánicas de la justicia militar han planteado, y todavía hoy, en algún caso, plantean, problemas
de encaje o acomodo con determinados derechos constitucionales, y a tales problemas vamos a
referirnos a continuación.
En íntima unión con el derecho al Juez ordinario predeterminado por la Ley, casi diríamos
que imbricado en él, cabe situar el derecho a un Juez imparcial, garantía fundamental de una recta
administración de justicia, y por lo mismo, de todo Estado de Derecho, que aun no hallándose
expresamente contemplada por el art. 24 CE, fue incluida por el Tribunal Constitucional entre
del sentenciador podía suscitar serias dudas y que los temores del demandante a este respecto
podían considerarse objetivamente justificados.
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
En el segundo caso, con claras concomitancias con el primero, iban a integrar la Sala
sentenciadora del Tribunal Militar Central dos miembros que anteriormente habían confirmado
el auto de procesamiento del encausado y la prórroga de su prisión provisional, formulando unos
razonamientos y consideraciones que el Tribunal Europeo consideró determinantes de la pérdida
de imparcialidad objetiva exigida por el art. 6º.1 del Convenio de Roma, bien que no lo hubiera
considerado de igual forma ni el Tribunal Supremo, que rechazó la casación, ni el Tribunal
Constitucional, que inadimitió el recurso de amparo.
Las dos condenas a España ponían de relieve un problema de irresoluble solución: la
inevitabilidad de que entre los miembros del Tribunal Militar Central o de un Tribunal Militar
Territorial que integrasen la Sala sentenciadora, alguno de ellos hubiese intervenido en
actuaciones procesales previas relacionadas obviamente con el caso en cuestión, intervención
que aunque “per se” no presuponía la “contaminación”, dejaba abierta la puerta para la misma,
con la subsiguiente quiebra del principio, y a la par derecho del justiciable, de imparcialidad
objetiva.
A hacer frente a este problema se iba a encaminar, primigeniamente, la ya mencionada Ley
Orgánica 9/2003, de reforma de la LOCOJM, como en su propia Exposición de Motivos se
hacía constar. La nueva Ley, con el fin de prevenir la eventual “contaminación” y garantizar la
48 imparcialidad o neutralidad de los órganos judiciales militares con carácter general, modificaba la
composición numérica de los mismos cuando se tratara de celebrar juicio oral y dictar sentencia
en procedimientos y en los recursos jurisdiccionales en materia disciplinaria militar, pasando a
constituirse la correspondiente Sala por el Auditor Presidente o quien lo sustituya, un Vocal
Togado y un Vocal Militar, es decir, por tres miembros frente a los cinco inicialmente previstos
por la Ley. De esta forma, se posibilitaba que pudieran ser distintos los componentes de la Sala
que, en su caso, hubieran adoptado resoluciones interlocutorias o previas en el mismo
procedimiento, respecto de aquellos otros que hubieran de integrar la Sala sentenciadora.
La Ley Orgánica 9/2003 ha incurrido en un lapsus que no debiera haber pasado
desapercibido al legislador. Ello tiene que ver con la integración de los Tribunales castrenses que
han de conocer del amparo judicial, por lo que haremos una alusión al error legislativo.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 49
El art 518 de la Ley Orgánica Procesal Militar (única norma integrante del Título V, relativo
al procedimiento contencioso-disciplinario militar preferente y sumario, del Libro cuarto,
referente a los procedimientos judiciales militares no penales), en su apartado k), establece que
para la tramitación y resolución del recurso contencioso-disciplinario militar preferente y
sumario, esto es, del amparo judicial en el ámbito militar (“estrictamente castrense”), “los
Tribunales Militares se constituirán en la forma que determinan los artículos 41.3 y 51.3 de la Ley
Orgánica de Competencia y Organización de la Jurisdicción Militar”. Cabe recordar que el art
41.3 de la redaccíon originaria de la LOCOJM disponía que la Sala de Justicia del Tribunal Militar
Central se constituiría por su Auditor Presidente y por dos Vocales Togados, previsión
prácticamente idéntica a la del art 51.3, bien que éste en relación con cada una de las Secciones
de los Tribunales Militares Territoriales.
La Ley Orgánica 9/2003 vino a reformar, entre otros preceptos, los artículos 41 y 51
LOCOJM, suprimiendo la estructura en apartados de ambas normas, que quedan integradas
ahora por dos párrafos innumerados. El lapsus del legislador es, pues, evidente, pues olvidó
acomodar el art. 518, apartado k), de la ley Orgánica Procesal Militar a la modificación
introducida en el texto de la LOCOJM. En cualquier caso, hay que entender que del error e
incongruencia legislativa no se deriva consecuencia alguna en lo que a la composición de los
Tribunales Militares atañe, en relación al amparo judicial. Ciertamente, el art 518, k) remite ahora
al vacío, pero la incongruencia puede ser salvada si se atiende al texto completo del art 41. En su
párrafo primero se dispone que la Sala de Justicia del Tribunal Militar Central se constituirá, tal y
como antes se dijo, por el Auditor Presidente (o quien lo sustituya), un Vocal Togado y un Vocal
Militar. Así constituida, será competente para conocer de una serie de supuestos (contemplados
en los apartados 1, 4 y 7 del art. 34 de la misma Ley) entre los que se encuentra el conocimiento
de los recursos jurisdiccionales en materia disciplinaria militar que procedan contra las sanciones
El párrafo segundo del art. 108 LOCOJM disponía en su redacción originaria: “No se podrá
ejercer, ante la jurisdicción militar, la acusación particular ni la acción civil, cuando el perjudicado
y el inculpado sean militares, si entre ellos existe relación jerárquica de subordinación, sin
perjuicio de ejercer la acción civil ante la jurisdicción ordinaria”.
A su vez, el párrafo primero del art. 127 de la Ley Orgánica 2/1989, Procesal Militar,
establecía: “Salvo el supuesto del art. 168 de 1a LOCOJM --- en tiempo de guerra ---, podrá
mostrarse parte en el procedimiento como acusador particular o como actor civil toda persona
que resulte lesionada en sus bienes o derechos por la comisión de un delito o falta de la
competencia de la jurisdicción militar, excepto cuando ofendido e inculpado sean militares y
exista entre ellos relación jerárquica de subordinación. A dicho efecto se hará el correspondiente
ofrecimiento de acciones”.
En nuestro Derecho histórico nunca se previó la posibilidad de acusación particular o de
ejercicio de la acción civil en la jurisdicción castrense. Tanto el Código de Justicia Militar de 1890
como la Ley de Enjuiciamiento Militar de Marina de 1894 partieron del principio de que la
acusación, en todos sus términos, correspondía al Ministerio Fiscal, criterio que se mantuvo con
el Código de Justicia Militar de 1945, que estableció lacónicamente que “en ningún caso se
admitirá la acción privada”.
La situación comenzó a cambiar con la Ley Orgánica 9/1980, de 6 de noviembre, de reforma
del Código de Justicia Militar, que de prohibir la acción privada, pasó a proscribir tan sólo la
querella, de forma que la acusación particular podía ejercitarse en todos los procedimientos
seguidos por delitos sólo perseguibles a instancia de parte, una vez acordado el auto de
Española en el otorgamiento del Amparo Judicial
procesamiento.
Algunos pronunciamientos del Tribunal Constitucional, particularmente la STC 97/1985, de
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
29 de julio, condicionarían de modo muy notable la futura normación por el legislador de esta
materia. Recordemos la doctrina constitucional.
El supuesto de hecho de esta sentencia, en la que el Tribunal iba a otorgar el amparo
requerido, fue la denegación por una resolución de la Capitanía General de la Segunda Región
Militar, de la solicitud de personación, en una causa seguida ante el Juzgado Togado Militar de
Instrucción núm. 1 de Sevilla, de los padres de un paisano fallecido a consecuencia de un disparo
de arma de fuego realizado por un Guardia Civil.
El Tribunal parte del razonamiento (fund. jur. 4º) de que “el derecho constitucional que
concede la acción penal directa puede soportar excepciones, como todo derecho, en virtud de
la materia o por la preferencia que deba otorgarse a intereses, también constitucionalmente
cubiertos, de condición prevalente”, y en ello justifica que no quepa tachar de inconstitucional
el precepto contenido en el art. 452, 2º del Código de Justicia Militar tras su reforma por la antes
mencionada Ley Orgánica de 1980 (norma que comenzaba disponiendo que “en ningún caso
se admitirá la querella”, admitiendo a continuación el ejercicio de la acción privada “en todos
los procedimientos seguidos por delitos sólo perseguibles a instancia de parte”). Tras la reflexión
precedente, el Tribunal precisaba algo más al señalar que aun cuando el art. 452.2 del Código de
Justicia Militar se hallaba en pugna con el derecho a la tutela judicial efectiva enlazado al derecho
50 que el art. 125 CE reconoce a todos los ciudadanos para ejercer la acción popular, encontraba
su convalidación en el hecho de que estaba pensado “para evitar disensiones y contiendas entre
miembros de las Fuerzas Armadas”, lo que a su vez se conectaba con las particularidades
estructurales de las FAS: “la imprescindible organización profundamente jerarquizada del
Ejército, en la que la unidad y disciplina desempeñan un papel crucial para afianzar aquellos
fines (los altos fines que a las FAS asigna el art. 8º 1 CE), no resultando fácil compatibilizarlas
con litigios entre quienes pertenecen a la institución militar en sus diferentes grados”. Sin
embargo, cuando tales principios y valores no se vieran comprometidos, como acontecía en el
caso en cuestión, se hacía forzoso buscar una interpretación del art. 452.2 CJM que, sin
cuestionar su naturaleza constitucional, lo cohoneste con aquel derecho del art. 24 en conexión
con el art. 125 CE.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 51
los cometidos que constitucional y legalmente tienen asignados por el art. 8º. 1 CE”. Por ello, si
bien la particular relación de sujeción especial en que se encuentran los militares no puede ser
aducida como fundamento para justificar toda limitación al ejercicio de sus derechos
fundamentales, no cabe considerar contrarias a dichos derechos, aquellas disposiciones legales
limitativas de su ejercicio que resulten estrictamente indispensables para el cumplimiento de su
misión. El problema, así planteado, se traslada a dilucidar si la limitación legal que nos ocupa es
realmente indispensable con vistas al cumplimiento de las misiones constitucionalmente
encomendadas a las FAS.
La respuesta al interrogante así planteado exige, con carácter previo, la delimitación del
ámbito al que se extiende el valor disciplina. El Tribunal, a nuestro juicio acertadamente,
considera (fund. jur. 9º) que la disciplina cumple su cometido en el ámbito que le es propio, esto
es, en los aspectos atinentes a la organización y funcionamiento de la Administración militar, pues
es ahí, diríamos, donde la disciplina incide directamente en la plena operatividad del principio de
eficacia que constitucionalmente se predica de dicha Administración, en cuanto Administración
pública que es. Siendo ello así, el Tribunal entiende que el principio de la disciplina militar no debe
extravasar su propio ámbito para proyectarse en el seno del proceso, en cuanto éste es
instrumento de enjuiciamiento y satisfacción de pretensiones. Si en la configuración
Española en el otorgamiento del Amparo Judicial
disciplina militar en su núcleo sustancial y justamente respecto de las vulneraciones más graves
de dicha disciplina, por lo que sólo poniendo en duda la condición y aptitud de la jurisdicción
militar para desempeñar su cometido, como jurisdicción sometida a los principios
constitucionales de independencia del órgano judicial y a las garantías sustanciales del proceso y
de los derechos de defensa, cabría apreciar que el enfrentamiento procesal entre militares unidos
por una relación de subordinación jerárquica es causa de potencial deterioro de la disciplina
militar”.
Por lo demás, la pretensión de evitar enfrentamientos procesales entre militares subordinados
por el riesgo de que tales contiendas jurídicas generen secuelas de animadversión, susceptibles de
mantenerse fuera del proceso en que han surgido, afectando al mantenimiento de la disciplina
como factor de cohesión de la organización militar --- justificación aducida por el Abogado del
Estado y por el Fiscal General del Estado para sostener la constitucionalidad de los preceptos
cuestionados --- se compadece mal, como viene a señalar el Tribunal, con otras previsiones
legales, como la obligación legal que pesa sobre todo militar agraviado por un presunto delito o
falta cometido por un superior (o inferior) jerárquico de formular denuncia ante el Juez Togado
Militar, el Fiscal Jurídico Militar, o la Autoridad militar que tuviere más inmediatos, hasta el punto
de que el incumplimiento del deber de denunciar constituye un delito contra la Administración
de la Justicia Militar.
Quizá quepa añadir que lo realmente incomprensible fuera que la Ley Orgánica 9/2003 no
abordara esta cuestión. Como muy bien diría Millán Garrido, resulta difícil de justificar que el
legislador, en una reforma tendente a la adecuación de la jurisdicción militar a los postulados
básicos de un Estado democrático de Derecho, no accediera a incluir en ella esta cuestión,
además ya de la que vamos a contemplar de seguido. Salvo, claro está, que ese mismo legislador,
o mejor, la mayoría parlamentaria del momento, albergara la esperanza de que un Tribunal
I. Hemos de comenzar señalando que esta cuestión no afecta al amparo judicial entendido
stricto sensu, lo que no obsta para que la abordemos en cuanto la misma presupone una
particularidad procesal de la jurisdicción militar en la que se ven afectados derechos
fundamentales.
El párrafo segundo del art. 453 de la Ley Orgánica 2/1989, Procesal Militar (en adelante
LOPM), establece como cauce procesal para el control jurisdiccional de las sanciones impuestas
por falta grave militar o de aquellas otras sanciones disciplinarias extraordinarias contempladas 53
por el art. 61 de la Ley Orgánica 12/1985, de 27 de noviembre, del Régimen Disciplinario de las
FAS, hoy derogada, tal y como ya se dijo (sanciones que, recordémoslo, eran: la pérdida de
puestos en la escalafón, la suspensión de empleo y la separación del servicio), el procedimiento
contencioso-administrativo militar ordinario. Esta norma presupone la exclusión del control en
sede judicial de las sanciones impuestas por falta leve, y aunque tal exclusión, a la vista del párrafo
tercero del mismo art. 453, se ha de matizar en el sentido de considerar que cuando la sanción
disciplinaria afecta al ejercicio de derechos fundamentales (los señalados en el art. 53.2 CE) es
indiferente que se haya impuesto por falta grave o leve, pues siempre cabrá interponer el recurso
contencioso-disciplinario militar preferente y sumario, lo cierto es que la norma en cuestión
conduce a una actuación administrativa exenta de control judicial.
que se acordaba la separación del servicio del demandante, daba pie a la STC 18/1994, de 20 de
enero, por la que el Tribunal no sólo otorgaba el amparo demandado, sino que, asimismo,
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
planteaba ante el Pleno cuestión interna de inconstitucionalidad respecto del art. 468, c/ de la Ley
Procesal Militar, por la posible vulneración de los arts. 24.1, 53.2 y 106.1 CE.
En el caso en cuestión, el Tribunal constataba cómo la separación del servicio suponía para
el sancionado quedar fuera del Cuerpo de la Guardia Civil, perdiendo los derechos profesionales
adquiridos, lo que no era una consecuencia automática ni obligada de la condena penal que al
demandante le había sido impuesta como autor de un delito de homicidio, sino derivada de
disposiciones sancionadoras contenidas en la Ley de Régimen Disciplinario de las FAS.
El Juez de la Constitución recordaba su jurisprudencia clara y terminante en relación con el
régimen disciplinario, según la cual, “para que la acción disciplinaria se mantenga dentro del
marco constitucional, es necesaria la existencia de un sistema de tutela judicial que posibilite la
revisión por órganos jurisdiccionales de las resoluciones adoptadas, a través de un procedimiento
que permita ejercer el derecho de defensa”.
Proyectando esa doctrina al caso en cuestión, el Tribunal estimaba que la aplicación del art.
468, c/ LOPM había conducido a un resultado contrario a la protección del derecho fundamental
reconocido por el art.24.1 CE, en cuanto que se había impedido al actor el acceso a la jurisdicción
y truncado su derecho a obtener una respuesta sobre el fondo de su pretensión mediante la
aplicación de una causa de inadmisión inadecuada a las exigencias constitucionales.
54 En su STC 31/2000, de 3 de febrero, el Tribunal decidía la cuestión interna de
inconstitucionalidad que se había planteado, en el sentido de declarar la inconstitucionalidad del
mencionado art. 468 c/ LOPM, al entender que “la exclusión del control judicial, por cualquier
vía, contra actos administrativos a cuyo través se impone una sanción añadida a la impuesta en
una resolución judicial firme, es claramente contraria al art. 24.1 CE”. Adicionalmente, al impedir
el acceso a la jurisdicción ordinaria, el precepto de la Ley Procesal Militar convierte al recurso de
amparo constitucional en la única vía de control jurisdiccional de las resoluciones de la
Administración militar, lo que, según el Tribunal, también vulnera el art. 53.2 CE.
III Un proceso semejante a los anteriormente descritos se ha producido respecto de las
normas (art. 468, b/ y art. 453, párrafo segundo, ambos de la LOPM) que excluyen del control
contencioso-disciplinario militar los actos de imposición de sanciones disciplinarias por falta leve,
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 55
salvo que se afectasen derechos fundamentales. El proceso se halla, sin embargo, todavía
inconcluso por cuanto el Tribunal aún no se ha pronunciado (escribimos a fecha de 30/XI/2005)
sobre la cuestión interna de inconstitucionalidad que en su STC 202/2002, de 28 de octubre, se
planteaba, tras otorgar el amparo demandado por el demandante, en relación con las dos normas
precedentemente citadas.
Conviene recordar que la exclusión del control judicial de los actos administrativos
sancionadores por falta leve se estableció a través del art. 51 de la Ley Orgánica 12/1985, de
Régimen Disciplinario de las FAS, justificándose la medida por un sector de la doctrina en base
a que las garantías individuales en materia de faltas leves habían de subordinarse a la disciplina y
a los superiores intereses de los Ejércitos, que demandan un castigo rápido y ejemplar, que quede
firme cuanto antes.
En realidad, como señalara Millán Garrido, la exclusión del control jurisdiccional de los actos
sancionadores por falta leve fue, en su momento, una concesión “política” (puede recordarse que
en los borradores del texto legal inicialmente propuestos, más aún, ni tan siquiera en el
Anteproyecto de 1982, no se preveían recursos judiciales ni tan siquiera contra las sanciones por
falta grave), denunciada durante la tramitación parlamentaria de la mencionada Ley y que
prosperó con apoyo en una discutible interpretación de la jurisprudencia del Tribunal de
Estrasburgo, según la cual, sólo sería preceptivo el control judicial cuando los actos
sancionadores implicasen privación de libertad. Como trasfondo de todo ello se hallaba la
errónea interpretación de la conocida Sentencia de dicho Tribunal de 8 de junio de 1976 (Caso
Engel y otros), a tenor de la cual, a partir de la diferenciación entre “restricción” y “privación”
de libertad, los arrestos meramente restrictivos podían imponerse en vía administrativa, sin
necesidad de ulterior control judicial.
La presentación de un recurso de amparo por un Sargento de Artillería, sancionado por su
judicial efectiva sin indefensión, así como, eventualmente, con el contenido del art. 106.1 CE, que
atribuye a los Tribunales el control de legalidad de la actuación administrativa.
El Tribunal Constitucional, con toda razón a nuestro entender, saldrá al paso frente al
argumento aducido en sede jurisdiccional militar de que la preservación de la disciplina militar
exigiría la normativa procesal militar en cuestión. Para el Juez de los derechos, el mantenimiento
de la disciplina de los Ejércitos, si es que padece por la interposición de un recurso contencioso-
disciplinario ordinario contra una sanción leve, no puede erigirse en motivo constitucionalmente
admisible para cerrar toda posibilidad de impugnación, por motivos de legalidad ordinaria, de una
sanción impuesta por falta leve.
Este pronunciamiento, que a diferencia de la ya comentada STC 115/2001, suscitó una
adhesión generalizada de los Magistrados integrantes de la Sala (mientras que la Sentencia del
2001, avocada por el Pleno, suscitaría el desacuerdo de cuatro Magistrados), debiera de haber
conducido al legislador, a poco que fuera mínimamente sensible con los derechos fundamentales,
a aprovechar la reforma llevada a cabo por la Ley Orgánica 9/2003 para, por lo menos, reconocer
legalmente el derecho a recurrir las sanciones disciplinarias militares independientemente de cual
fuera su gravedad y naturaleza, a la vista de que la imposibilidad legal del recurso frente a una
sanción por falta leve, a juicio de la Sala constitucional, violaba, entre otros preceptos
Española en el otorgamiento del Amparo Judicial
constitucionales, el derecho consagrado por el art. 24.1 CE, además ya de los arts. 106 y 117.5
CE, según se hacía constar en el fallo pronunciado en la STC 202/2002. Obviamente, no habría
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
de ser así, hallándose todavía el tema sub iudice, lo que nos parece por entero criticable.
7. Las particularidades del procedimiento preferente y sumario del art. 518 de la Ley
Orgánica Procesal Militar.
La Ley Orgánica Procesal Militar dedica un largo artículo, el art. 518, a la regulación del
procedimiento contencioso-disciplinario militar preferente y sumario, procedimiento que ha de
seguirse “contra los actos de la Administración sancionadora que afecten al ejercicio de los
derechos fundamentales de la persona, mencionados en el artículo 453 de esta Ley” (el párrafo
tercero del art. 453, como ya dijimos, alude a los derechos fundamentales señalados en el art. 53.2
de la Constitución).
El art. 518, como regla general, sigue las pautas marcadas por la Sección segunda (Garantía
contencioso-administrativa) de la Ley 62/1978, de 26 de diciembre, de protección jurisdiccional
de los derechos fundamentales de la persona, que tras remitirse a las reglas generales de la antigua
Ley de la Jurisdicción Contencioso-administrativa, establecía unas reglas procedimentales
específicas. Pues bien, el art. 518 toma como punto de referencia general las reglas de
procedimiento establecidas para el procedimiento contencioso-disciplinario militar ordinario,
56 objeto del Título inmediato anterior de la Ley (arts. 473 y sigs.), para establecer a continuación
una serie de especialidades procesales que el propio precepto enumera a lo largo de sus once
apartados.
De entre las especialidades procesales del procedimiento nos haremos eco a continuación de
las más significativas:
A) Es parte del procedimiento la Fiscalía Jurídico Militar. Ello casa, a nuestro juicio, con el
hecho de que, al igual que sucede con el recurso de amparo constitucional, no estamos en
presencia de un recurso que se limite a proteger un interés subjetivo, y la intervención de
la Fiscalía no hace sino corroborarlo, pues es claro que su intervención no puede tener
otro sentido que la defensa de la legalidad, de los derechos de los ciudadanos y del interés
público tutelado por la Ley. Como desde otra perspectiva señala Sánchez del Río, el
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 57
Ministerio Fiscal no aparece como parte material que pudiera considerarse codemandada,
sino que es una parte formal cuya intervención deriva de que en este procedimiento, por
encima del puro litigio entre sancionado y sancionador, aparece un conflicto social entre
el sancionado presunto infractor de derechos fundamentales y la propia sociedad que
exige su más escrupulosa observancia.
La norma deja abierta la duda acerca del momento procesal en que la Fiscalía ha de
intervenir. El art. 518 se remite a las previsiones del procedimiento contencioso-
disciplinario ordinario en lo que atañe a los plazos de contestación a la demanda y
recibimiento a prueba, con la única particularidad de la reducción de su duración en los
términos previstos por el apartado e) --- que al margen del plazo de interposición del
recurso, reduce los restantes plazos a tan sólo cinco días, los superiores a ese plazo, salvo
el de recibimiento a prueba que será de diez días comunes para proponer y practicar ---.
Al no ser parte la Fiscalía en el procedimiento contencioso-ordinario, no queda claro el
momento procesal en que la misma ha de intervenir en el procedimiento preferente y
sumario.
B) Nos hallamos ante un procedimiento especial de cognición limitada, dirigido a tutelar las
violaciones de los derechos contemplados por el art. 53.2 CE, lo que excluye que en él se
puedan examinar cuestiones de estricta legalidad ordinaria. La pretensión es, por lo
mismo, idéntica a la que cabe deducir en el recurso de amparo constitucional. Sólo cuando
las cuestiones de legalidad ordinaria fueren inextricablemente unidas a la violación de
derechos denunciada cabría al órgano judicial examinarlas, como es jurisprudencia
reiterada de la propia Sala Quinta del Tribunal Supremo.
En coherencia con lo dicho, el acto impugnable es el acto disciplinario sancionador,
siempre que afecte al ejercicio de los derechos fundamentales contemplados por el art.
E) La Ley 62/1978 partía del principio general de suspensión del acto impugnado, con la sola
salvedad de que se justificare la existencia o posibilidad de perjuicio grave para el interés
Las particularidades de la Jurisdicción Militar
general; frente a ello, la Ley Procesal Militar sigue una regla diferenciada: solicitada la
suspensión del acto impugnado, el Tribunal, tras oir a las otras partes, resolverá en el plazo
de tres días, ponderando la defensa del derecho fundamental alegado con los intereses de
la disciplina militar. De la redacción dada al apartado f/ del art. 518 se deriva una amplia
discrecionalidad del Tribunal a la hora de ponderar los derechos e intereses en juego con
vistas a decidir o no la suspensión. Esa discrecionalidad es patente igualmente si se
confronta el régimen jurídico del contencioso-disciplinario militar preferente y sumario
con el régimen jurídico de las medidas cautelares que entre las disposiciones comunes al
procedimiento contencioso-administrativo y a los procedimientos especiales (entre ellos,
el procedimiento para la protección de derechos fundamentales), contempla el Capítulo 2º
del Título VI de la Ley 29/1998, de 13 de julio, medidas entre las que es obvio que tiene
cabida la suspensión del acto impugnado.
F) El apartado g/ del art. 518 dispone que la resolución que ordene la resolución del
expediente se notificará de inmediato a las partes emplazándolas para que puedan
comparecer ante el Tribunal en el plazo de cinco días, tras lo que se precisa que la falta de
envío del expediente dentro del plazo previsto y la de alegaciones por parte de la
Administración sancionadora no suspenderá el curso de los autos. El contraste con el art.
58 8º.2 de la Ley 62/1978, fuente de inspiración última del apartado citado, era patente por
cuanto este último preveía el requerimiento por la Sala al órgano administrativo no sólo
para la remisión del expediente, sino también para que pudiera alegar lo que estimara
pertinente en relación al fundamento del acto impugnado. Este derecho de la
Administración a formular alegaciones no es expresamente contemplado por el
mencionado apartado g/, aunque se halle implícito en el mismo. Aunque la conexión de
tal apartado con el art. 477 LOPM (que contempla el trámite de reclamación del
expediente administrativo por parte del Tribunal en el contencioso-disciplinario militar
ordinario) tampoco conduce a vislumbrar la formulación de alegaciones por parte de la
Administración, innecesario es decir que la misma es inexcusable, si bien no sería inútil
una específica alusión a la misma en una futura reforma legal.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 59
G) Uno de los aspectos más criticables del art. 518 es la previsión que acoge su apartado c/,
a cuyo tenor: “Quien ostente la representación y defensa de la Administración
sancionadora no podrá allanarse a la demanda”. Ello entraña que la contestación a la
demanda por parte del Abogado del Estado ha de ser necesariamente de oposición, lo
que, como bien dice Sánchez del Río, constituye una singularidad reprobable. Tal
determinación ha de ponerse en conexión con el párrafo segundo del art. 464 de la propia
Ley, de acuerdo con el cual, quien ostente la representación y defensa del Estado a que se
refiere el art. 447 de la Ley Orgánica del Poder Judicial no podrá allanarse a la demanda
sin estar autorizado para ello por el Ministro de Defensa. No nos cabe duda de que
estamos ante un aspecto que habría de ser objeto de modificación en un futuro.
H) No menos afortunada es la previsión del apartado h/ del mismo artículo 518, a cuyo
tenor: “No se dará vista, que será sustituida por el trámite de conclusiones que determina
el art. 489”. El procedimiento oral, que ha de ser predominante, sobre todo en materia
criminal, lo que puede hacerse extensivo a lo disciplinario, es una exigencia constitucional
(art. 120.2 CE), y es obvio por lo demás que se trata del procedimiento que mayores
garantías otorga. Puede haber motivos que expliquen el porqué de la ausencia de oralidad,
como la conveniencia de evitar confrontaciones que podrían hacer peligrar la disciplina,
pero, como de nuevo sostiene Sánchez del Río, lo que es incomprensible es que, en contra
de la sumariedad, el procedimiento se alargue con un trámite innecesario si no se ha
practicado prueba, lo que contrasta con el texto de la Ley 62/1978, en el que no se
contemplaba tal trámite.
I) Un último aspecto ha de comentarse: la falta de toda referencia a la sentencia por parte
del art. 518. Ciertamente, ello se suple acudiendo al Capítulo 7º (De la sentencia) del Título
IV, relativo al procedimiento contencioso-disciplinario ordinario (arts. 491 a 497 de la
59
I - Militar
paz social. Esta nelas repousa pela afirmação da ordem na órbita interna e do prestígio estatal na
sociedade das nações. São, portanto, os garantes materiais da subsistência do Estado e da perfeita
realização de seus fins. Em função da consciência que tenham da sua missão está a tranqüilidade
interna pela estabilidade das instituições. É em função de seu poderio que se afirmam, nos
momentos críticos da vida internacional, o prestígio do Estado e a sua própria soberania.2
3. Dado o relevo de sua missão, nossas Constituições sempre reservaram a elas posição
especial. A do Império destacou-lhes um capítulo com seis artigos, em que se lhes traçam as
linhas mestras (arts. 145 a 150). A primeira Constituição republicana não lhes abriu capítulo
especial, mas delas cuidou em vários dispositivos esparsos, reconhecendo-lhes a mesma
destinação e relevo (arts. 14, 34, ns. 17 e 18, 48, ns. 3, 4 e 5, 73, 74, 76, 77 e 78). A Constituição
de 1934 volta a destinar-lhes título específico denominado da segurança nacional (Tít. VI) e a de
1937 desdobrou a matéria em dois capítulos: um sobre os Militares da Terra e Mar (art. 160) e
outro sobre a segurança nacional, técnica que tornou a ser adotada pelas Constituições de 1967
e 1969, que, em seções diferentes, cuidaram da segurança nacional e das Forças Armadas
(respectivamente, arts. 89-91 e 92-94, e 86-89 e 90-93), enquanto a Constituição de 1946 incluíra
60 num só título as Forças Armadas e o Conselho de Segurança Nacional (Tít. VII, arts. 176-183).
A Constituição vigente abre a elas um capítulo do Título V sobre a defesa do Estado e das
instituições democráticas com a destinação acima referida, de tal sorte que sua missão essencial
é a da defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, o que vale dizer defesa, por um
lado, contra agressões estrangeiras em caso de guerra externa e, por outro lado, defesa das
instituições democráticas, pois a isso corresponde a garantia dos poderes constitucionais, que,
1
Este texto é uma versão bastante modificada de outro de igual título, que integrou, em espanhol, o livro Jurisdição Militar y Constitución en
Iberoamérica, sob a coordenação de German J. Bidart Campos e José E. Palomino Manchego, publicado em homenagem ao constitucionalista
peruano Domingo García Belaunde.
* Prof. Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP
2
Cf. Seabra Fagundes, Miguel, As Forças Armadas na Consituição, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1955, p. 11.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 61
nos termos da Constituição, emanam do povo (art. 1º, parágrafo único). Só subsidiária e
eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência
primária das forças de segurança pública, que compreendem à polícia federal e às polícias civil e
militar dos Estados e do Distrito Federal.
4. A importância constitucional das Forças Armadas e das polícias militares, como forças
auxiliares e reserva do Exército, levou o legislador constituinte a cercar seus integrantes de
garantias e prerrogativas. Por isso, também, limita o ingresso à carreira de oficial das Forças
Armadas, aos brasileiros natos (CF, art. 12, § 3º, VI). A Constituição distingue, porém, entre
oficiais e não oficiais. Aqueles têm patente, títulos e posto, ao passo que os não oficiais, que são
as praças, só possuem o título de nomeação e graduação.
5. A patente era antigamente a carta régia de concessão de um título, posto ou privilégio militar
de nível superior. Hoje é o ato de atribuição do título e do posto a oficial militar; por isso, é que
Pontes de Miranda pode dizer que quem tem a patente tem o título, o posto e o uniforme que a
ela correspondem,3 bem como as prerrogativas, direitos e deveres a ela inerentes, diz a
Constituição (CF, art. 142, § 3º). Mas o título e o posto não se confundem, como pode dar a
entender o texto desse autor. Posto é o lugar que o oficial ocupa na hierarquia dos círculos
militares. O título é a designação da situação confiada ao titular dos postos (ex.: posto – General
de Exército; título – Comandante de Exército). Uniforme é a farda, que não é privativa dos
oficiais, mas, na forma e uso regulados em lei, o é dos militares. As patentes dos oficiais das Forças
Armadas são conferidas pelo Presidente da República, e as dos oficiais das Polícias Militares e
Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, pelos respectivos Governadores (CF, art. 42, § 1º).
Graduação é o lugar da praça na hierarquia militar, mas sem garantias especiais de posto.
6. A Constituição garante as patentes dos oficiais da ativa, da reserva e dos reformados das
Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos
3
Cf. Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969, t. III, 2ª ed., São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1970, p. 4000.
será submetido a julgamento perante tribunal militar permanente em tempo de paz ou tribunal
especial em tempo de guerra, para o fim de ser eventualmente declarado indigno do oficialato ou
com ele incompatível com a conseqüência da perda da patente e do posto (CF, art. 142, § 3º, VII).
Vê-se por aí que a condenação à pena restritiva de liberdade por mais de dois anos não implicará
perda da situação militar, mas importará no julgamento de indignidade e de incompatibilidade.
O tribunal militar não estará, contudo, obrigado a admitir estas só por causa da condenação. A
natureza do crime apenado é que levará à apreciação e ao reconhecimento da indignidade ou
incompatibilidade e, portanto, à perda da patente e do posto. Se a condenação for à pena inferior
a dois anos, não caberá o procedimento de apuração da indignidade e da incompatibilidade para
com o oficialato; por conseguinte, nem da perda da patente e do posto.
8. Pontes de Miranda observa que “as instituições militares têm leis próprias, devido à
especificidade mesma das suas funções e das tansgressões dos seus códigos e regulamentos. A
evolução opera-se em triplo sentido: a) retirar-se à legislação e à Justiça Militar, ou só a essa, o
que não é mister que lhe fique, e nela se achava por privilégio de casta ou de classe: b) precisar-
se o que é crime militar e infração disciplinar simples, de modo que a legislatura não vá até a
assuntos de regulamento militares; c) estender-se à postulação, devido ao caráter das guerras
hodiernas, tanto entre indústrias, inteligências e massas humanas quanto entre corpo de
Notícia sobre Jurisdição Militar no Brasil
organização regular, o conceito de delito militar em tempo de guerra, ou, em tempo de paz, de
delito militar e de jurisdição militar”.4
9. Cita decisão do Supremo Tribunal Federal, de 1894, segundo a qual sendo “o foro militar
uma restrição ao foro comum e cerceando as garantias que o direito comum assegura aos
cidadãos em geral, não pode ser ampliado a causas e a pessoas que as leis não tenham
expressamente sujeitado aos tribunais militares”. O que se quer realçar é que o
constitucionalismo brasileiro delimita o objeto da jurisdição militar na defesa das garantias
comuns asseguradas aos cidadãos em geral de terem seus delitos julgados pelas jurisdições
comuns, e não por uma jurisdição de casta. Mas essa regra foi quebrada pelas Constituições do
regime militar que ampliaram a jurisdição militar a civis em certas situações.
10. A referida delimitação condiciona a organização da jurisdição militar e sua competência
rationae materiae e rationae personae, que postula a definição expressa no texto constitucional do tipo
do delito (crime militar) e das pessoas a ele sujeitas.
11. Contudo, a Constituição do Império (1924-1889), embora dedicasse seis artigos à Força
Armada de Mar e Terra, não cuidara da jurisdição militar, apenas estatuiu que os Oficiais do
Exército e da Armada (Marinha de Guerra) não poderiam ser privados das suas patentes, senão
62 por sentença proferida em Juízo competente, mas não se referiu à Justiça Castrense nem
assegurou jurisdição especial para o julgamento de crimes militares. Havia, porém, desde 1908, o
Conselho Supremo Militar e o Conselho de Justiça, que julgava, em última instância, os processos
criminais dos réus sujeitos ao foro militar,5 a propósito dos quais fora explícita a Constituição
republicana de 1891, com as transformações que se lêem no seu art. 77, segundo o qual os
militares tinham foro especial nos delitos militares, foro esse composto de um “Supremo
Tribunal Militar”, cujos membros eram vitalícios, e dos “Conselhos” necessários para a formação
da culpa e julgamento dos crimes. Aí já surgia a idéia de “delitos militares”, como uma forma
4
Idem, t. IV, 2ª ed., p. 230.
5
Cf. Godinho, Gualter, Legislação de Segurança e Direito Penal Militar (votos e julgados no Superior Tribunal Militar).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 63
típica de crimes cujo conceito ainda hoje não está definitivamente fixado. Aí também estava a
idéia de que não se concebia o julgamento dos delitos militares por juiz singular, mas por um
Conselho de Justiça em primeiro grau e um Tribunal Superior em segundo grau.
Importava, pois, buscar uma clara fixação dos dois elementos delimitadores do objeto dessa
jurisdição especial: o da qualidade da pessoa e o da qualidade do delito. A esse propósito, pronunciou-
se o nosso primeiro comentador constitucional, João Babalho: “Para os crimes previstos pela lei
militar, uma jurisdição especial deve existir, não como privilégio dos indivíduos que os praticam,
mas atenta a natureza desses crimes e a necessidade, a bem da disciplina, de uma repressão pronta
e firme com formas sumárias... Sem disciplina, não há subordinação nem segurança; ela é a vida
e a força dos exércitos. E sem uma jurisdição própria, privativa, militar também, essa disciplina
seria impossível”.
“Mas esse foro” – acrescenta mais adiante – “reflita-se, não é propriamente para os crimes
dos militares, sim para os crimes militares; porque no militar há também o homem, o cidadão, e
os fatos delituosos praticados nesta qualidade caem sob a alçada da jurisdição comum a todos os
membros da comunhão civil; o foro especial ‚ só para o crime que ele praticar como soldado, ut
miles, na frase do jurisconsulto romano”.6
Por isso, Ruy Barbosa profligou, com veemência, a aplicação da jurisdição militar a civis, na
célebre defesa do habeas-corpus impetrado em favor de presos civis, em discurso perante o
Supremo Tribunal Federal (9.8.93). “Os casos meramente militares estão definidos na provisão
de 20 de outubro de 1834. A todas essas ramificações do nosso direito presidia o critério
dominante de só considerar militares os alistados ao serviço do exército. Esse direito não foi
alterado e vê-lo-eis implantado na legislação especial, sob o Governo Provisório, consultando os
trabalhos de codificação organizados pelo finado Conselheiro Amaral.
“A lei reacionária de 3 de novembro foi que veio abrir exceções, até então desconhecidas,
entregando os militares ao seu foro especial, não se atrevendo a ligar à sorte deles os paisanos
envolvidos nos mesmos delitos. Foi preciso termos chegado ao zenit da democracia e da
liberdade, para vermos sustentado o princípio cruel de que os civis devem ser submetidos aos
6
Cf. Babalho, João, Constituição Federal Brasileira, Comentários, (Edição Fac-Similar dos Comentários à Constituição Federal de 1891), Brasília,
Senado Federal/Secretaria de Documentação e Informação, 1992, p. 343.
7
Cf. Comentários à Constituição Federal Brasileira (coligidos e organizados por Homero Pires), t. 6, São Paulo, Saraiva, 1934, p. 253.
8
Cf. Acórdão do então Supremo Tribunal Militar, de 5.3.1921, julgado confirmado pelo Supremo Tribunal Federal no Conflito de Jurisdição n.
523, de 28.5.1921 (Cf. Thomaz Pará, Legislação Militar e Juriprudência, Rio de Janeiro, Imprensa Militar, 1922, p. 193.).
as instituições militares. Determinou que a lei regulasse também a jurisdição dos juízes
militares e a aplicação das penas da legislação militar, em tempo de guerra, ou na zona de
operações durante grave comoção intestina. Declarou como órgãos da Justiça Militar o
Supremo Tribunal Militar e os tribunais e juízes inferiores, criados por lei. Reconheceu
inamovibilidade aos juízes militares sem exclusão da obrigação de acompanharem as forças
junto às quais tenham de servir. Por aí se vê que se aplicou a qualidade da pessoa sujeita à
jurisdição militar: o militar, pessoa assemelhada aos militares e os civis, nos casos apontados.
Essas disposições foram mantidas nas Constituições de 1937 e 1946. Suscitou controvérsia
o conceito de pessoa assemelhada aos militares, especialmente tendo em referência os
integrantes das Polícias Militares dos Estados. Eduardo Espínola relata a divergência no
seio do Supremo Tribunal Federal, em julgado de 21.1.48:
“O relator ministro Edgard Costa assim precisou os termos da controvérsia:
“Se à justiça militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei,
os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas (Constituição, art. 108); se as polícias
militares estaduais são consideradas como forças auxiliares, reservas do Exército -
(Constituição, art. 183); se se consideram crimes militares, em tempo de paz, os previstos
no Código Penal Militar, embora o sejam na lei penal comum, quando praticados por
militares em situação de atividade, ou assemelhados, contra militar na mesma situação ou
assemelhado (Cód. Pen. Mil., art. 8º, n. II, letra a), o crime praticado por um soldado do
Exército contra outro da Polícia Militar Estadual, ou vice-versa, desde que previsto no
Notícia sobre Jurisdição Militar no Brasil
Cód. Pen. Mil., é crime militar, sujeito ao julgamento da justiça militar. Não é requisito
para se caracterizar a qualidade de militar do soldado da Polícia, o estar ele mobilizado a
serviço da União; essa circunstância só diz respeito às vantagens que, atribuídas ao pessoal
do Exército, lhes são extensivas, nos termos do parágrafo único do art. 183 da
Constituição [1946].
“O ministro Ribeiro da Costa discorda desse voto, entendendo que o soldado da polícia
só está submetido à Justiça Militar, quando de acordo com a lei, a Polícia esteja incorporada
às forças do Exército por motivo de guerra.
“O ministro Goulard de Oliveira tinha opinião idêntica ao do ministro Ribeiro da Costa.
“Os ministros Laudo de Camargo, Castro Nunes, Aníbal Freire, Orozimbo Nonato,
Barros Barreto e Hannemann Guimarães entendem que soldado de polícia é assemelhado”9.
É também o entendimento do Superior Tribunal Militar (Arquivo Judiciário, vol. 86, 1948,
págs. 316 e segs.)”.10
A controvérsia era sem base, porque, claramente, o policial militar era e é militar e não
assemelhado. Hoje, isso é fora de dúvida, porque a Constituição o tem como militar (art. 42).
64 Fora daí, o conceito de assemelhado foi estabelecido, enumerativamente, pelo Decreto
4.988, de 8.1.1926, por onde não importava a natureza das funções exercidas, mas a
subordinação à disciplina militar. Assim é que o art. 2º daquele decreto enumerava:
“São assemelhados os indivíduos que, não pertencendo à classe militar dos combatentes,
exercem funções de caráter civil, ou militar, especificadas em leis, ou regulamentos,
equiparadas, nos arsenais de guerra, fortalezas, quartéis, acampamentos, repartições, lugares e
estabelecimentos de natureza e jurisdição militar e sujeitos, por isso, a preceito de
subordinação e disciplina”.
9
Arquivo Judiciário, vol. 87, 1948, págs. 133 e segs.; 177 e segs.
10
Cf. A Constituição dos Estados Unidos do Brasil (18 de setembro de 1946), v. 2, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, pp. 477 e 478.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 65
O Código Penal Militar(Decreto-lei 1.001, de 21.10.1969) manteve essa regra numa definição
sintética de assemelhado: “Considera-se assemelhado o servidor, efetivo ou não, dos Ministérios
da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, submetido a preceito de disciplina militar, em virtude
de lei ou regulamento” (art. 21).11
13. A aplicação da jurisdição militar aos civis sempre foi fonte de controvérsia. Vimos
como Ruy Barbosa a condenou com veemência sob a Constituição de 1891, mas também
referimos ao fato de que a Constituição de 1934 a previu, assim como a de 1946, ao declarar
que esse foro especial poderia estender-se aos civis nos casos expressos em lei, para a
repressão de crimes contra a segurança externa do País ou as instituições militares (art. 108,
§ 1º), que possibilitou ao Supremo Tribunal Federal lhe dar uma interpretação restritiva, com
as decisões de 19.11.47 (conflito de jurisdição 1.692, de São Paulo) e de 29.9.1949 (conflito
de jurisdição 1.752). Neste segundo caso, alegava-se que se tratava de agitação de operários
por elementos comunistas pondo em perigo as instituições. O Supremo entendeu que a
competência era da justiça comum, porquanto não se verificava algum crime dos indiciados
civis contra a segurança externa do país, ou as instituições militares para que o caso fosse
submetido à competência da justiça militar12.
14. Mas a Constituição de 1967 ampliou a aplicação dessa jurisdição especial aos civis,
ao declarar que ela poderia estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão
de crimes contra as instituiões militares e a segurança nacional (aqui está a extensão, pois,
não apenas nos crimes contra a segurança externa do país, mas nos contra a segurança
nacional, conceito mais amplo, especialmente no regime militar). Suavisava, porém, essa
extensão prevendo recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, e previa a
competência originária do Superior Tribunal Militar para o processo e julgamento dos
Governadores de Estados e seus Secretários naqueles crimes. A Constituição de 1969
agravou, porém, a situação dos civis, ao excluir o recurso para o Supremo Tribunal Federal,
com o que eles, quando envolvidos naqueles crimes, ficavam sujeitos inteiramente à
jurisdição militar.
16. A Constituição de 1988, como as demais, contém disposições sobre a jurisdição militar
federal e a jurisdição militar nos Estados. Ambas se regem pelos Códigos Penal Militar e
Processual Militar federais, já que somente a União tem competência para legislar sobre
direito penal e direito processual comuns ou especiais.
17. Os arts. 122 a 124 dão os fundamentos da Justiça Militar federal, ou seja, da Justiça 65
Militar que tem competência para processar e julgar os crimes militares dos integrantes das
Forças Armadas, incluindo a previsão dos órgão da jurisdição militar e sua competência,
enquanto no art. 125, os § 3º e 4º, autorizam os Estados a organizar sua Justiça Militar para
processar e julgar os policiais militares nos crimes militares definidos em lei.
11
Macedo Soares, citado por Ramagem Badaró, definiu os assemelhados como aqueles que, não sendo combatentes, fazem parte do Exército e
da Armada sujeitos às leis militares gozando dos direitos, vantagens e prerrogativas dos militares, tais são os que fazem parte das classes anexas:
médicos, farmacêuticos, capelães, auditores, oficiais da fazenda Armada, empregados da contadoria de guerra, inválidos e asilados, os reformas
e os oficiais honorários, quando em serviço militar (Cf. Badaró, Ramagem, Comentários ao Código Penal Militar de 1969, vol. I, São Paulo,
Editoria Juriscédi, 1972, pp. 63 e 64).
12
f. Arquivo Judiciário, v. 89, 1949, p. 321
18. São órgãos da jurisdição militar federal o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes
Militares instituídos por lei. O Superior Tribunal Militar compõe-se de quinze juízes, dez militares
e cinco civis, todos vitalícios, com a denominação de Ministros, nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal. Os Ministros militares hão de
ser escolhidos do seguinte modo: três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-
generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais
elevado da carreira (art. 123, caput). Os Ministros civis são escolhidos pelo Presidente da
República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo: três dentre advogados de
notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional,
e dois, alternadamente, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar
(art. 123, parágrafo único). A Constituição não exige que os Ministros civis sejam brasileiros
natos, como se exigia no regime anterior. Os Ministros militares hão de ser brasileiros natos, não
porque seja isso exigido para integrar o Tribunal, mas porque a Constituição requer que os
oficiais das Forças Armadas tenham essa qualificação (art. 12, § 3º, VI). Isso, contudo, não se
estende aos civis, já que a Constituição só menciona que sejam brasileiros maiores de trinta e
cinco anos, e, como em nenhum outro lugar, ela exige que o integrante daquele Tribunal seja
brasileiro nato, por brasileiros, no art. 123, parágrafo único, há de entender-se natos ou
naturalizados, de sorte que se tornou revogado o disposto no art. 7º, § 2º, do Decreto-lei 1.003,
Notícia sobre Jurisdição Militar no Brasil
de 21.10.69, quando requer que os Ministros civis sejam brasileiros natos, por conflitar com o §
2º do art. 12 da Constituição que declara que a lei não poderá estabelecer distinção entre
brasileiros natos e naturalizados, a não ser nos casos previstos na própria Constituição.
19. Além do Superior Tribunal Militar, são também órgãos da jurisdição militar, como
dissemos, os Tribunais e Juízes Militares instituídos em lei. A própria Constituição menciona os
juízes auditores, que a lei há de incluir na institucionalização da justiça militar de primeiro grau.
Embora o texto constitucional (art. 122, II) se refira a Tribunais e Juízes Militares, em verdade
não há outros Tribunais da Justiça Militar além do já referido S. T. M. É, também, de notar-se
que a Constituição não requer que a jurisdição militar de primeiro grau seja organizada em
Conselhos de Justiça, salvo, como veremos, para a Justiça Militar estadual. Mas a lei vigente os
prevê. Então, em suma, podemos dizer que a jurisdição militar de primeiro grau compreende as
Auditorias Militares e os Conselhos de Justiça Militar.
20. Cada Auditoria terá um auditor, um auditor substituto, um procurador, um advogado de
ofício e respectivos substitutos, um escrivão, quatro técnicos de serviços judiciários, um oficial de
justiça e demais auxiliares constantes de quadro previsto em lei. A carreira da magistratura civil
da Justiça Militar compreende os Auditores Substitutos, os Auditores e os Auditores-
66 Corregedores, e se inicia no cargo de Auditor Substituto, nomeado dentre bacharéis em Direito,
com idade não inferior a vinte e cinco anos, nem superior a quarenta e cinco anos, aprovado em
concurso público de provas, e por ordem de classificação, na forma de instruções estabelecidas
pelo Superior Tribunal Militar. Os cargos de Auditor são providos por promoção de Auditores
Substitutos, pelo critério alternado de antigüidade e merecimento. A antigüidade se apura pelo
maior tempo no cargo de Auditor Substituto. O merecimento se afere pelos critérios da presteza
e segurança no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos
reconhecidos de aperfeiçoamento, e a promoção se fará, em tal caso, mediante lista tríplice
organizada pelo Superior Tribunal Militar, em sessão secreta.13 Existe ainda uma Auditoria de
13
Cf. Lei de Organização da Justiça Militar (Decreto-lei 1.003/1969, arts. 27 a 32).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 67
23. A Constituição vigente declara que compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes
militares definidos em lei. Não prevê mais a extensão dessa jurisdição aos civis, mas, ainda que
nada o diga, parece não excluir o conceito de pessoas assemelhadas aos militares, que consta da
legislação militar ordinária.
24. Seja como for, a extensão e os limites da jurisdição militar dependem do conceito do que 67
seja crime militar e de quem o possa cometer. Essa questão já foi objeto de controvérsia, que
hoje talvez mereça consideração, em face da cláusula da Constituição que fala em crime militar
definido em lei, o que pode dar margem a uma extensão inconveniente por fazer subsumir,
naquela jurisdição especial, delitos que, a rigor, deveriam estar sujeitos à jurisdição comum,
segundo insegura e perigosa doutrina que põe a definição do crime militar no critério ratione
legis, segundo o qual “crimes militares são os que a lei define como tais ou sujeitos ao julgamento
dos tribunais militares. Não existe para o legislador qualquer limite fundado na natureza da
infração. Esta, qualquer que seja, pode, em circunstâncias prefiguradas na lei, constituir um delito
militar e caber na jurisdição militar. Por isso é que o crime comum, praticado em dada ocasião
ou em certo lugar - ratione temporis aut loci - toma a feição de, ainda que acidentalmente,
militar”.14 Essa doutrina, tirada de um julgado do Supremo Tribunal Federal, não reflete um
posição exata desse Colendo Tribunal, que ainda hoje se debate em busca de um critério menos
elástico.15
Um princípio geral pode ser estabelecido, qual seja o de que, tratando-se de jurisdição especial
para julgar um tipo de crime também especial, o entendimento do que isso seja deve ser restrito.
Pontes de Miranda problematizou a questão nos seguintes termos: “Pergunta-se: possui a
Constituição conceito, seu, quer dizer – constitucional – de direito positivo de crime militar, ou
existe conceito a priori, que tenha recebido como seu? Se não possui, é a lei ordinária que tem de
definir o crime militar, como lhe aprouver, desde que se ache em causa, como sujeito, militar, ou
pessoa que lhe seja assemelhada?”16 Lembra entendimento do Superior Tribunal Militar, no
regime da Constituição de 1967, que, à vista da cláusula “crimes definidos em lei”, não existia
conceito constitucional, nem conceito a priori, que a Constituição haja adotado, para a definição
do que seja “delito militar”, mas também recorda que a antiga Corte Suprema (hoje, Supremo
Tribunal Federal), em decisão de 22.11.34, entendeu que havia conceito a priori, doutrinário, de
crime militar, que o relator do acórdão foi buscar nos comentadores da Constituição de 1891.
Pontes de Miranda, contudo, alerta que esses comentadores apenas se referiram a crimes
militares, sem dizer que o conceito preexistia ou supra-existia à legislação ordinária. Conclui assim
o pranteado constitucionalista:
“Em todo caso, tratava-se de crime que praticara, na rua, por questão de família, sargento
contra tenente; e a antiga Corte Suprema considerou competente a Justiça comum, e não a
Notícia sobre Jurisdição Militar no Brasil
excepcional. O que se pode tirar do acórdão é, portanto, o seguinte: quando o crime é praticado
por alguma questão inteiramente particular, estranha a qualquer consideração da classe, ou do
serviço, ou da ordem, ou da disciplina militar, como seja pura questão de família, o legislador
ordinário não pode reputar militar o crime, incluindo-o na lei penal militar, porque dilataria,
indevidamente, isto é, sem razão, o conceito de crime militar”.
No Conflito de jurisdição n. 1.129, a antiga Corte Suprema, a 23 de dezembro de 1936,
partindo do princípio, firmado pelo Supremo Tribunal Militar, de que, falsificando a letra e a
firma dos seus superiores, ou usando de meios semelhantes, para a obtenção de dinheiro ou de
objetos, o militar não comete crime militar, frisou que a situação muda quando se trata de negócio
para a retirada de gêneros ou dinheiro da cantina: “A cantina”, disse o juiz, e a Corte Suprema
reproduziu-o, “constitui serviço permanente dos corpos de tropa e estabelecimentos militares;
arrenda-se o respectivo serviço mediante concorrência pública, por contrato que firma
obrigações recíprocas entre a unidade (e conseqüentemente a Fazenda Pública) e o
concessionário”.17
Pontes de Miranda, diante das vacilações jurisprudenciais, ofereceu a seguinte solução: “Certo,
se recorremos aos diferentes sistemas jurídicos contemporâneos, é possível fixar-se algo de
68 comum às diferentes legislações, que nos daria o conceito comparatístico do crime militar. Mas
tal roteiro seria de lege ferenda, e não de lege lata. Sem dúvida, é o legislador ordinário que tem
de definir os crimes militares dos militares e das pessoas que lhes são assemelhadas, mas há
dados que impõem a inclusão da figura, e a falta de dados, um pelo menos, há de pré-excluir a
militarização do crime”.18
14
Cf. Castro Nunes, José, Teoria e Prática do Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Forense, 1943, p. 409.
15
Cf. José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, VI, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1992, p. 3257.
16
Cf. ob. cit., t. IV, p. 239.
17
Idem ibidem, p. 240 e 241.
18
Idem ibidem, p. 241.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 69
25. O Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001, de 21.10.1969) é a lei ordinária que define os
crimes militares em tempo de paz e em tempo de guerra, procurando dar-lhes uma conceituação
genérica, antes de sua definição típica na sua parte especial. Não cabe aqui descer a pormenores.
Apenas transcreveremos os dispositivos que contêm a definição genérica de crimes militares.
26. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz, diz o art. 9º daquele Código:
“I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal
comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei
penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou
assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração
militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora
do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou
assemelhado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou
reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a
administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço,
use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda,
fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal;
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os
do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
19
Idem ibidem, pl. 231.
constitucionais, enquanto o Ministro Paulo Brossard ainda se apegava ao critério legal, segundo
o qual crime militar é aquele que a lei define como tal.20 Fazem-se várias distinções, tais como
crime propriamente ou essencialmente militares, que são funcionais porque a qualidade de militar
é essencial à sua caracterização, e crimes impropriamente militares, que são crimes comuns
militarmente qualificados, crimes comuns cuja definição “é modificada pelo Código Penal
Militar, passando a ser havido como crime militar, independentemente da qualidade do agente e
da ação ou omissão penal, isto é, seja militar ou não o sujeito do delito”.21 Essas distinções têm
utilidade, mas não têm ajudado muito na definição do que seja crime militar. As definições que
o Código Penal Militar atual oferece devem ser tidas em confronto com o sistema constitucional
vigente, não apenas com a expressão do art. 124 da Carta Magna, ao falar em crimes militares
definidos em lei, que isoladamente pode, sim, dar a idéia de adoção do mero critério legal, quando
o princípio deve ser o de que o primado é o da justiça comum. Tendo em visto isso é que
comungamos com o pensamento de Cretella Júnior, quando, após lembrar vários critérios que
podem ser levados em conta (o do autor e vítima, o da natureza do crime, o do motivo do crime,
o legal, o da conjugação da autoria e da natureza do delito), conclui, em primeiro lugar, que
“crime não militar é toda infração penal que, cometida embora por militar, em tempo de paz,
70 contra militar, constitui crime doloso contra a vida, motivado por questões pessoais ou de família,
estranhas, pois, à vida castrense, bem como todo outro tipo de infração comum - roubo, furto,
receptação, falsificação, desvinculada da vida dos quartéis.
“Crime militar, é toda infração penal, cometida por militar ou assemelhado, contra militar, em
tempo de paz, desde que capitulada no Código Penal Militar e não constitua crime doloso contra
a vida, motivado por questões pessoais ou de família. Desse modo, se militar mata militar, em
tempo de paz, por motivo militar, ligado ao quartel ou à disciplina militar, o crime doloso contra
a vida é julgado pela Justiça castrense especializada, assim como é da competência castrense
20
Recurso Extraordinário 122.706-1, referido por Cretella Júnior, ob. cit., p. 3258 e ss.
21
Cf. Badaró, Ramagem, ob. cit., p. 52.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 71
qualquer outra infração penal – roubo, furto, receptação, falsificação -, desde que cometida por
militar e diga à vida ou disciplina do quartel”.22
Em síntese, podemos dizer que crime militar, sujeito à jurisdição militar, é toda infração penal,
cometida por militar ou assemelhado, contra as instituições militares (que faltou na concepção de
Cretella Júnior) ou contra militar, em tempo de paz, não motivada por questões pessoais,
negociais ou familiares, estranhos à vida e à disciplina castrense.
30. A Constituição, no art. 125, faculta à lei estadual criar, por proposta do Tribunal de Justiça,
a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em
segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que
o efetivo da polícia militar seja superior a vinte mil integrantes. Só o Estado de São Paulo e o
Estado do Rio Grande do Sul possuem um Tribunal de Justiça Militar de segundo grau.
31. À Justiça Militar estadual compete processar e julgar os policiais militares e bombeiros
militares nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, cabendo ao tribunal competente (ou seja, ao Tribunal Militar de segundo grau, ou, não
havendo, o Tribunal de Justiça) decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da
graduação das praças. Não há generais nas polícias militares. As patentes só vão até o posto de
Coronel.
32. Sempre foi muito questionada a competência da Justiça Militar para processar e julgar os
militares da polícia militar, quando cometessem crimes contra civis, no exercício da função
policial. O espírito de corpo contribuía para que tais julgamentos fossem excessivamente
benevolentes. A questão estava em saber se tais crimes se enquadravam no conceito de crime
militar, pois só esses podiam ser objeto de conhecimento e julgamento daquela jurisdição
especial. A amplitude com que se vinha concebendo os crimes militares desses policiais é que
provocava sério questionamento. Não raro, eles matavam civis sem motivação e assim mesmo
22
Cf; ob. cit., p. 3264.
23
Cf. RDA, 152/85.
que se postulou sempre foi que os crimes contra a vida praticados por militar sejam de
competência da Justiça Criminal Comum”.24
33. O princípio que orienta essa matéria é o de que não há jurisdição especial para os militares
ou assemelhados, mas jurisdição especial para julgar os crimes militares, o que é diferente; por
isso é que, ao cometerem crimes comuns, hão de ser submetidos a processo e julgamento perante
a justiça comum na forma do Código de Processo Penal comum, pois que não é apenas a
qualidade militar do sujeito do delito que caracteriza o crime militar.25
Demais, diante da Constituição vigente, é preciso reconhecer sem vacilações que o civil não
pode ser submetido à jurisdição militar, salvo, é claro, se ele estiver na condição de assemelhado,
valendo hoje o que Cárpenter escreveu em face da Constituição de 1891: “em tempo de paz o
civil, mesmo quando venha a cometer algum delito militar, não pode ser trazido diante dos
tribunais da classe armada. Nos termos claros da Constituição da República (art. 77), manifesta
é a incompetência do tribunal militar para julgar o paisano. São evidentemente inconstitucionais
os artigos do Código Penal do Exército e Armada que sujeitam o paisano estranho ao serviço
das forças armadas ao tribunal militar”.26 É certo que o citado art. 77 da Constituição de 1891 era
explícito, ao declarar que os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares. O
art. 124 da Constituição vigente não se exprime assim. Diz apenas que à Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei o que poderia supor a possibilidade de a lei
definir, como tal, algum delito praticado por civil. Mas se é certo que não há foro especial para
os militares e assemelhados, certo é, contudo, que ele é estabelecido em função deles e da
Notícia sobre Jurisdição Militar no Brasil
disciplina a que estão sujeitos, de sorte que sua extensão aos civis precisava estar expressamente
prevista na Constituição, como foi de regra no sistema brasileiro. Em não havendo essa extensão
expressa, a lei, ao definir o crime militar, não o pode legitimamente fazê-lo, salvo para o tempo
de guerra.
VIII - Conclusão
Alguns aspectos da legislação penal e processual militar ainda se ressentem dos defeitos de
sua origem, o regime militar, que não se compadecem com um regime democrático. A
Constituição atual teve certa prevenção contra esse passado obscuro, por isso tentou limitar a
jurisdição militar, de sorte que muitas das previsões do Código Penal Militar e do Código
Processual Militar e mesmo da Lei de Organização Judiciária Militar não se harmonizam com o
texto da Constituição. Os Tribunais, contudo, ainda não foram chamados a apreciar devidamente
a conformidade constitucional desses textos infraconstitucionais, a não ser aquele único
julgamento do Supremo Tribunal Federal em que a questão continuou controvertida, ainda que
com tendência a dar-lhe um tratamento mais restritivo em face da Constituição vigente.
72
24
Cf. Silva, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 591.
25
Cf. Badaró, Ramagem, ob. cit., p. 53.
26
Cf. Cárpenter, Luiz Frederico Sáuerbronn, Direito Penal Militar B rasileiro e o Direito Penal Militar de outros Povos Cultos (Tese), Rio de Janeiro, Edição
do Autor, 1914, p. 108.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 73
I. INTRODUCCIÓN
El tema de la Justicia Militar, no quepa duda, constituye uno de los aspectos más delicados
una vez que es encuadrado y contraído constitucionalmente. La Justicia Militar, Jurisdicción
Castrense o Jurisdicción Militar constituyó en la década de los años setenta el faro de atención en
países tales como Argentina, Brasil, Chile y Uruguay, y más de pronto Perú, debido básicamente
a la presencia de los regímenes militares, no empece que en otros Estados, tal como es el caso de
Costa Rica y Panamá, la Justicia Militar no existe.
Sin ninguna intención de estudiar el fondo jurídico-constitucional del asunto, la presente
ponencia se enmarca en la realidad peruana, sin dejar de mencionar la experiencia que ofrece el
mercado comparado. En ella se deja ver a todas luces cómo la Justicia Militar pronuncia
decisiones jacobinas que colisionan los principios rectores, denominados "Principios y derechos
de la función jurisdiccional", galvanizados en el artículo 139 de la Constitución de 1993, al igual
que en la parte dogmática del mismo Código Constitucional.
A la vez, hay que decir que el status quaestionis de la problemática reposa en la independencia
de la judicatura. En esa línea teórica, la independencia no es un privilegio personal, ni mucho
b) Sistema latino o romanista (Italia, Bélgica, Portugal, Suiza, Países Bajos, Grecia, y otros
más, tales como Luxemburgo, Túnez, Marruecos, etc.)
c) Sistema de los países comunistas (URSS, Rumania, Yugoslavia).
d) Sistema de Jurisdicción Militar excepcional (Francia, Alemania, Austria, Suecia).
e) Sistema de los países iberoamericanos (Argentina, Chile, Colombia, Venezuela, Brasil,
México, etc.) (Cfr. "Estudios de Derecho Comparado sobre la organización de la
Jurisdicción Militar en diversas países", en Revista Española de Derecho Militar, No 53,
enero-junio, Madrid, 1989, pp. 57-74).
Por su parte, Francisco Fernández Segado realiza una clasificación práctica:
a) Modelo sajón.
La unidad de jurisdicción en el Perú (a propósito de la Justicia Militar)
1993 se llega con una agenda anunciada, y que en un primer momento se implementó,
atribuyéndole al fuero militar competencia para juzgar a civiles subversivos.
En lo que respecta al tema de la pena de muerte, el excurso del debate en el seno del Congreso
Constituyente fue ciertamente conflictivo. De allí que en el primer anteproyecto, quedó pendiente
y sujeto a debate. Y en el segundo proyecto la mayoría oficialista registró la fórmula siguiente:
"La pena de muerte sólo puede aplicarse por los delitos de traición a la patria y de
terrorismo, conforme a las leyes internas y a los tratados de los que el Perú es parte".
Esta norma se mantendría en el tercer proyecto en forma íntegra. Al final, como se sabe, la
Constitución apartándose del sistema abolicionista, lo ha incorporado con la redacción siguiente:
"Artículo 140.- La pena de muerte sólo puede aplicarse por el delito de traición a la patria
La unidad de jurisdicción en el Perú (a propósito de la Justicia Militar)
en caso de guerra, y el de terrorismo, conforme a las leyes y a los tratados de los que Perú
es parte obligada".
¿Qué se colige de esta norma? En realidad, aquí hay algunos aspectos que no están del todo claro
en el marco de una futura interpretación del artículo 140 del texto constitucional. Veamos: la pena
de muerte en la Constitución de 1979 sólo podía ser aplicada en el supuesto de confrontaciones
bélicas con potencias extranjeras, pero no en los casos de insurrección interna o guerra civil. En tal
sentido, la Constitución de 1979 fue clara y afirmó en su plenitud la tesis prohibicionista en torno a
la pena capital, salvando, claro está, la existencia de una contienda internacional armada, en cuyo
marco situacional debía ocurrir la comisión del delito de traición a la patria.
Sin embargo, la actual norma constitucional de 1993, en rigor, sí permite su eventual
aplicación por su anfibológica redacción, es decir, haber utilizado la expresión "guerra" y sin
precisar que sea civil (total o parcial), una "guerra convencional" o internacional, descartándose
la guerra "psicológica". Al estar así prefigurada su regulación constitucional, no se descarta la
hipótesis de que, frente a eventuales y nuevas insurrecciones armadas de grupos terroristas o
guerrilleros (comandos o guerrillas urbanas), el gobierno declare mediante decreto supremo, la
existencia de una guerra. Y así, bajo el presupuesto de este marco jurídico, y con una aplicación
del régimen de excepción que prevé el estado de sitio ("en caso de invasión, guerra exterior,
guerra civil, o peligro inminente de que se produzcan...", artículo 137, inciso 2°), se viabilice
mediante legislación ordinaria, la tipificación de la pena de muerte en los delitos de terrorismo y
traición a la patria. Lo más correcto sería que se siga la tónica de los convenios internacionales,
en la inteligencia que para la aplicación de la pena de muerte se reconozca la previa declaración
formal de guerra y una situación fáctica de lucha armada.
Lo que sí está bien claro, y ello se desprende del texto constitucional, es que,
independientemente de que el concepto de guerra sea de difícil determinación jurídica, lo cierto
es que la actual norma prevista en el numeral 140 de la Carta Política, difiere totalmente de la
anterior Constitución de 1979. Y no sólo ello, sino que, lo más importante, la pena de muerte
76 podría imponerse sin que en los hechos exista una real confrontación interna. Pero puede ocurrir
que formal o jurídicamente se declare la existencia de una situación ficticia de "guerra" para que,
a la postre, culmine siendo ejecutadas las posibles personas involucradas en esta situación.
Si tomamos como referencia el caso cercano de España, la Constitución prevé en el artículo
15, en su parte pertinente que:
"Queda abolida la pena de muerte, salvo lo que puedan disponer las leyes penales militares
para tiempos de guerra''.
La regulación legal ordinaria de esta norma constitucional prevista en el articulo 25 del
Código Penal Militar señala:
"La pena de muerte en tiempo de guerra, sólo se podrá imponer en casos de extrema
gravedad debidamente motivados en sentencia y en los supuestos que la guerra haya sido
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 77
V. CONCLUSIONES PROVISIONALES
Una recapitulación sistemática nos lleva a unas conclusiones con significado de interés general:
1. La Justicia Militar en Perú somete inconstitucionalmente los delitos comunes -como el
asesinato- cometidos por los miembros de la milicia a su jurisdicción, así mismo procesa
La unidad de jurisdicción en el Perú (a propósito de la Justicia Militar)
Introdução
Nos dias 27, 28 e 29 de novembro de 2007, teve lugar em Brasília o “Encontro de especialistas
em direitos humanos e a administração da justiça por tribunais militares”. Organizado pelo Alto
Comissariado para Direitos Humanos das Nações Unidas e pelo Superior Tribunal Militar do
Brasil (STM), esse evento contou com o apoio das seguintes instituições: Comissão Internacional
de Juristas, Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Ministério Público Militar do Brasil e
Fundação Brasileira para o Direito Militar e Humanitário.
Inserido no Tópico 1 da agenda do conclave - Independência, competência e imparcialidade
da justiça militar --, o tema em epígrafe me foi oferecido pelo Ministro Flavio Flores da Cunha
Bierrenbach, do STM.
Este texto teve como base a apresentação que fiz, direcionada, especialmente, aos
participantes estrangeiros. Assim, ele cuidou de expor considerações fundamentais sobre a
justiça militar brasileira e alguns detalhes possivelmente desconhecidos daqueles ilustres
visitantes.
Dois pontos, contudo, parecem-me os mais relevantes. De início, ressaltarei apenas um,
Não vou estender-me sobre o histórico da nossa justiça militar. Alinharei, somente, os marcos
definidores de sua destinação.
No último mês de abril, a Justiça Militar da União (JMU) completou o segundo centenário.
Em 1807, quando as tropas de Napoleão já estavam nas cercanias de Lisboa, D. João - ainda
como príncipe regente - tomou a decisão, que vinha sendo amadurecida faz tempo, de transferir
toda a corte portuguesa para o Brasil, mais exatamente para o Rio de Janeiro, então capital da
colônia lusitana. A esquadra portuguesa era composta de dezenove embarcações e alguns
historiadores estimam a comitiva em cerca de quinze mil pessoas, aí incluída, entre outras
instituições, a Brigada Real da Marinha (embrião do Corpo de Fuzileiros Navais).
No bojo daquelas frágeis embarcações a vela, vieram, também, livros, riquezas da coroa,
intelectuais, conhecimento científico e, sobretudo, decisões a serem tomadas e planos a serem 79
executados.
No início do século XIX, o Brasil era povoado praticamente por indígenas e negros. Inexistia
qualquer avanço tecnológico. Não havia ensino superior, imprensa, indústria, serviços públicos.
Em menos de dois meses após a chegada da família real, Dom João abriu os portos brasileiros
às nações amigas, estimulou o surgimento de fábricas de tecidos, roupas, sapatos, o
beneficiamento de arroz e até, mesmo, a manufatura de ouro e prata. Foram criados o Jardim
Botânico, faculdades de medicina e engenharia, o Banco do Brasil, a Biblioteca Real, a Imprensa
Régia, o Real Teatro (o atual João Caetano) e... a Justiça Militar! Naquele tempo, chamava-se
Conselho Superior Militar e de Justiça (hoje o Superior Tribunal Militar) e era presidido pelo
próprio príncipe regente. Os imperadores Pedro I e Pedro II, filho e neto de D. João VI, também
o presidiram , assim como os marechais Deodoro e Floriano Peixoto, nos primeiros anos da
república. Com essa observação, ressalto a importância desse órgão para Portugal e para nosso
país.
Tendo sido tal conselho criado em abril de 1808, é, assim, o STM a mais antiga corte de justiça
do Brasil.
Na constituição de 1891 - que sobreveio a proclamação da República em 1889 -, apenas a
A Cadeia de Comando e como ela interage com a Justiça Militar do Brasil
justiça militar fora incluída como justiça especializada e nessa situação permaneceu nas quatro
cartas magnas seguintes. Mais tarde, inseriram-se duas outras justiças especializadas: a do trabalho
e a eleitoral.
Desde a constituição de 1934, a justiça militar passou a fazer parte do Poder Judiciário,
situação que permaneceu absolutamente inalterada nas quatro constituições seguintes, ou seja, até
a atual, promulgada em 1988, que elenca, em seu art. 92, os órgãos componentes do Poder
Judiciário, entre eles os tribunais militares.
A Justiça Militar da União cuida dos crimes militares. A conceituação de crime militar é
objeto de alentados artigos jurídicos cuja discussão foge ao escopo desse modesto trabalho. A
Constituição estabelece caber à Justiça Militar julgar os crimes militares definidos em lei. E a lei
que os define é o Código Penal Militar, promulgado em 1969, que em seus artigos 9º e 10º
estabelece os crimes militares em tempo de paz e em tempo de guerra, respectivamente. Assim,
o STM não é um tribunal para julgar militares mas, sim, para julgar crimes militares cometidos
por qualquer cidadão. A meu ver, trata-se de um dos pontos principais aos quais me referi no
início dessa apresentação, pois aí residem o fundamento, a essência, a característica e a tradição
da justiça militar, qual seja ocupar-se exclusivamente de crimes militares.
Existe um duplo sistema de organização da justiça militar: um para tempo de paz e outro
para tempo de guerra. Por esse motivo, o Código Penal Militar faz distinção ao enumerar os
crimes militares em tempo de paz ou de conflito bélico.
O Superior Tribunal Militar é composto de quinze ministros: cinco civis e dez militares.
Dentre os civis, um deve ser originário do Ministério Público Militar; um segundo tendo sido
juiz-auditor; e os três que se seguem, dentre advogados de notório saber jurídico, conduta ilibada
e com mais de dez anos de efetiva atividade profissional.
Os dez militares – obrigatoriamente – são oficiais-generais em serviço ativo e do posto mais
elevado da carreira. A Marinha e a Aeronáutica concorrem com três; o Exército, com quatro. Os
ministros militares permanecem no serviço ativo.
Para os quinze, a aposentadoria é compulsória aos setenta anos de idade.
A Cadeia de Comando e como ela interage com a Justiça Militar do Brasil
A “Cadeia de Comando”
No início dessa apresentação, mencionei a existência de outro ponto relevante que deixaria
para o final, o que faço agora.
O tema a mim proposto foi “A cadeia de comando e como ela interage com a justiça militar
do Brasil”.
Ora, o art. 2º da Constituição Federal dispõe: “São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Já foi mencionado que, desde a constituição de 1934, a Justiça Militar, subordinada até então
ao Poder Executivo, passou a fazer parte do Poder Judiciário.
Considero ser este ponto da maior importância pela total independência conferida à justiça
82 militar em relação ao Poder Executivo. A interação com ele, mais especificamente com as Forças
Armadas, resume-se na oferta dos oficiais para, uma vez sorteados, integrarem os conselhos de
justiça e na indicação - e não nomeação - de oficiais-generais para constituírem a corte do STM.
Pessoalmente, sendo ministro do Superior Tribunal Militar há mais de cinco anos, garanto
nunca haver percebido, pelo menos no que concerne à Marinha do Brasil, o mais tênue sinal de
interferência em todos os julgamentos de que tive a honra de participar.
A história construída pelo STM não deixa dúvida sobre a independência e imparcialidade com
que todos os feitos ali foram tratados. Juristas renomados e atuantes naquela corte, deixaram
contundentes registros:
“O STM é a prova viva do espírito de conciliação e entendimento do Brasil. É uma casa imune à intolerância,
ao ressentimento e ao revanchismo. Isso só exalta o espírito de justiça que norteia esta Corte. E resulta da
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 83
maturidade alcançada pelas gerações e gerações de brasileiros que aqui tiveram assento” (Ministro Aliomar
Baleeiro - Presidente do Supremo Tribunal Federal de 1971 a 1973).
“...ninguém mais que os advogados poderiam nessa hora dirigir suas homenagens ao STM, exatamente
na hora em que ele vem se juntar aos demais tribunais superiores da capital do país. São os advogados -
prosseguiu - que conhecem mais intimamente o mecanismo de realização da justiça, podendo julgar com precisão
sobre os méritos dos tribunais. O STM tem sido autêntica casa de justiça, testado nas causas mais delicadas,
que são as que se referem a crimes contra o Estado, nos quais o acusado aparece comumente como inimigo a
que facilmente se recusa o exercício dos direitos fundamentais da liberdade. O STM sempre cumpriu o seu
dever de distribuir justiça com independência e serenidade, com observância dos princípios que governam o
processo penal democrático, temperando a Lei de Segurança Nacional, que é excepcionalmente rigorosa,
apontando incriminações vagas e superpostas com penas desproporcionadas à gravidade do malefício. Essa lei
poderia transformar-se num instrumento de tirania se não fosse aplicada com inspiração fiel aos princípios da
legalidade democrática” (Dr. Heleno Fragoso, penalista e professor representando a OAB, por ocasião da
Sessão de Instalação do STM em Brasília - 1973).
Em outras palavras: não existe a “cadeia de comando” constante do tema desta apresentação,
destruída que fora, faz mais de setenta anos, com a inserção constitucional da justiça militar
brasileira no Poder Judiciário. Abro um parênteses para registrar que, a até alguns anos, o Brasil
era o único, dos 192 países da Organização das Nações Unidas, a ter a justiça militar dentro do
Poder Judiciário.Os demais funcionam de forma diversa, ou como Tribunal do Executivo ou
como Cortes Marciais. Em face disso, creio haver “desapontado” vários participantes
estrangeiros do conclave de Brasília por não terem, em seus países, a justiça militar com tal
vínculo constitucional.
1. Introdução
“O Direito não é uma teoria, mas uma força viva. Por isso a Justiça sustenta numa das mãos
a balança em que pesa o Direito e na outra, a espada de que se serve para defendê-lo. A espada
sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma não pode
avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com que a Justiça
aplica a espada seja igual à habilidade com que maneja a balança”.1
Existe uma frase muito popular que diz: “não se gosta de quem não se conhece”. Adaptando-
a para a área do presente artigo, em face da minha vivência ao longo desses quase cinqüenta anos
de serviço, diria que “quando não se conhece, e, por conseguinte não se gosta, às vezes fala-se
mal ou inventam-se histórias mirabolantes, normalmente depreciativas, sobre a instituição
desconhecida”.
Uma Justiça Especializada, muito especial
outras particularidades que lhes são próprias; assim, desconhecem a sua ímpar legislação,
composta de Leis, Decretos, Portarias, Diretrizes, Instruções Normativas, etc.
Sobre o Direito Militar, um campo específico do Direito Público, apesar de sua inquestionável
antigüidade, é um dos mais desconhecidos, não somente na comunidade jurídica, mas também fora
dela, pela ausência da obrigatoriedade da disciplina sobre o Direito Militar na graduação de Direito;
hoje, talvez com algumas poucas exceções, é inexistente o ensino do Direito Militar nas Faculdades de
Direito do país. Em razão do bem jurídico tutelado, ou seja, as instituições militares, no que tange à
disciplina e à hierarquia, ao dever e ao serviço militar, o Direito Penal Militar é especial. Desconhece-
se que o Direito Penal Militar não existe para proteger a pessoa do militar, constituindo-se em “um
privilégio de classe”, mas para proteger bens jurídicos que sustentam a integralidade das Forças
Armadas, levando em conta os sujeitos do delito e sua condição de militar. Os que desconhecem a
Justiça Militar da União, e conseqüentemente o seu funcionamento, associam essa justiça especializada
a privilégios, corporativismo e autoritarismo; trata-se de uma associação totalmente equivocada, uma
vez que ela não é foro para os delitos dos militares e sim para os delitos militares; confundem,
simplesmente, lei especial (ius singular) com lei excepcional (privilegium), daí as reações à Justiça Militar
da União. Corroborando com esse entendimento, Cesare Beccaria afirmou em sua obra, Dos delitos
e das penas (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Ed: Martins Fontes, São Paulo - 2005) que
“é utilíssima a lei que faz cada homem ser julgado pelos seus pares, pois onde entra em jogo a liberdade
e a sorte de um cidadão devem calar-se os sentimentos inspirados pela desigualdade”.
Discordando dos que admitem a possibilidade da sua extinção, o insigne Ministro José Carlos
Moreira Alves, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, quando das comemorações dos cento e
noventa e um anos de criação da Justiça Militar no Brasil, em 1999, assim se pronunciou a respeito
da matéria: “... sempre haverá uma Justiça Militar, pois o juiz singular, por mais competente que
seja, não pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas, não estando, pois, em condições
de ponderar a influência de determinados ilícitos na hierarquia e disciplina das Forças Armadas”(
2
Citação disponível no sítio http:www.prt21.mpt.gov.br/arting12.htm
3
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentário à Constituição Brasileira de 1988- nove volumes. Ed. Forense Universitária. 1991
2. Os militares
A Justiça Militar da União, uma justiça especializada, que recentemente completou duzentos anos,
existe para julgar os delitos cometidos por integrantes de uma categoria especial de servidores da Pátria
que constituem uma parcela considerável da sociedade, os membros das Forças Armadas, denominados
militares, quer estejam na ativa ou na inatividade remunerada. Em alguns casos, em situações muito
especiais previstas na lei, essa justiça julga também civis, conforme veremos mais adiante.
As Forças Armadas, essenciais à execução da política de defesa nacional, são constituídas pela
Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e da lei e da ordem.
Conforme explicitado na Constituição Federal, as Forças Armadas são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do
Presidente da República, seu comandante supremo.
“A hierarquia e a disciplina são valores sagrados da cultura militar, significando premissas
imutáveis em qualquer situação” (General-de-Exército Maynard Marques de Santa Rosa, na abertura
do Estágio de Preparação para Comandantes, Chefes e Diretores de Organizações Militares / 2007).
Os conceitos de hierarquia e de disciplina, que constam no Estatuto dos Militares (Lei 6880, de
19 de dezembro de 1980), principal documento normativo dos preceitos castrenses, são os
seguintes:
“Art 14 - A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e
Uma Justiça Especializada, muito especial
4
General-de-Exército Enzo Martins Peri, Comandante do Exército, em entrevista publicada na Revista "daCultura", ano VII - Nº 12 - Junho de 2007
serviço ou fora dele. O militar deve manter alto padrão de comportamento ético, que se refletirá
no seu desempenho perante a Instituição a que serve e no grau de respeito que lhe é devido.
Decoro da classe - refere-se aos valores morais e sociais da Instituição (Exército Brasileiro) e
à sua imagem ante a sociedade. Representa o conceito social dos militares”.
Embora esses conceitos constem em documento elaborado no Exército, evidentemente, são
válidos para todos os militares das Forças Armadas.
3. A justiça castrense
O termo “castrense” remonta à época do império romano. Castru era a designação dada aos
acampamentos das legiões romanas quando, em regiões longínquas, combatiam para expandir ou
defender as fronteiras do império. Representando a ação do Pretor, sediado em Roma, os tribunais
militares constituíam-se no instrumento de aplicação da justiça naqueles acampamentos, daí a
denominação “Justiça Castrense”, como sinônimo de Justiça Militar, utilizada até os dias de hoje.
Para uma efetiva aplicação da lei no ambiente castrense, o Estado conta com uma justiça
especializada, muito especial, a Justiça Militar da União, com a atribuição de julgar os
integrantes das Forças Armadas e os civis que pratiquem crimes militares tipificados no Código
Penal Militar e cometidos nas circunstâncias nele definidas. Conforme José Afonso Mendonça
de Azevedo, autor de Elaborando a Constituição Nacional (atas da subcomissão elaboradora do
anteprojeto 1932/1933), p.738, o General Pedro Aurélio de Góis Monteiro, em 1932, quando
Uma Justiça Especializada, muito especial
demonstrado ao longo dos anos isenção nos julgamentos e não subserviência em relação ao
Poder Executivo, foi merecedor de comentários elogiosos por parte de renomados advogados
que atuaram na defesa dos acusados, dentre os quais destaco os Doutores Sobral Pinto e Heleno
Fragoso. Esses comentários decorreram não só do posicionamento de total independência em
relação ao Poder Executivo, mas também, do exemplo de ponderação, equilíbrio e bom senso
em suas sentenças e acórdãos, particularmente na complicada e difícil missão de julgar processos
políticos, quando, exemplarmente, deu sobejas provas de que o STM, o mais antigo Tribunal de
Justiça do país e modelo inspirador para a criação de outros tribunais de justiça especializada,
nunca funcionou como um tribunal de exceção, tendo, inclusive, suspendido penas de morte
decididas em primeira instância.
Sobre a atuação do STM no período pós 1964, particularmente até o ano de 1985, merecem ser
transcritos alguns trechos do excelente artigo do ilustre e honrado coronel do Exército Jarbas
Passarinho - que também foi Ministro de Estado, Governador e Senador da República - intitulado
“Injurioso preconceito”, publicado no “STM em Revista” (Ano 3, nº 4, de julho-dezembro de 2006),
onde, dentre outras afirmações, escreveu: “...não foi por acaso, pois, que o criminalista Heleno
Fragoso declarou pela imprensa que “o STM nunca julgou como um tribunal de exceção”, e que o
Dr Sobral Pinto, emblemático por sua altivez, foi mais longe ao declarar que o STM é o melhor
tribunal do país”. Em outro trecho, ressaltou que “o saudoso ministro Rodrigo Otávio Jordão Ramos
fez conhecer publicamente uma estatística, cobrindo o período de outubro de 1965 a novembro de
1977, em que o STM julgou 6.196 casos de condenação por violação da Lei de Segurança Nacional.
Absolveu 4.208 e condenou 1.988, não poucas vezes reduzindo a pena imposta nas Auditorias”. E
por último, encerrando essas transcrições de trechos do referido artigo, destaco o que menciona o
trabalho realizado pelos jovens oficiais, juízes militares na primeira instância: “Sobre o papel justo do
STM na apreciação das causas, vale transcrever estas palavras do então presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Aliomar Baleeiro, constantes de um acórdão daquela Corte: “Não só o
recentemente, renomados juristas, dentre os quais destaco o Dr João Romeiro Neto, o Dr João
Mendes da Costa Filho e o Dr Alcides Vieira Carneiro.
A denominação, com a elaboração da Constituição de 1891, foi alterada para Supremo
Tribunal Militar, já no período republicano; e em 1934, o Tribunal passou a integrar o Poder
Judiciário, por dispositivo constitucional. Sua denominação atual – Superior Tribunal Militar
(STM) – surgiu quando da Constituição de 1946, não mais sofrendo alteração nesses últimos
sessenta e dois anos.
A Constituição Federal de 1988 contemplou a Justiça Militar com alguns artigos:
• “Art 92. São órgãos do Poder Judiciário:
VI - os Tribunais e Juízes Militares;”
• “Art 122. São órgãos da Justiça Militar:
I - o Superior Tribunal Militar:
II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.”
• “Art 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios,
nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado
Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais do Exército,
três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da
carreira, e cinco dentre civis.
Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre
brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo:
Uma Justiça Especializada, muito especial
I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos
de efetiva atividade profissional;
II - dois, por escolha paritária, dentre juizes-auditores e membros do Ministério Público da
Justiça Militar”.
• “Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da
Justiça Militar.”
Constata-se, assim, que os assuntos relacionados à Justiça Militar da União, no tocante à sua
organização, funcionamento e competência, podem ser alterados com supressões, acréscimos ou
modificações, por meio de Lei Ordinária, desde que não conflitem com matéria já definida no
texto constitucional, nos artigos acima transcritos; é o caso, por exemplo, de uma proposta já
enviada ao Congresso Nacional (PL n° 2014/2003) no sentido de alterar o Art. 9° do Código
Penal Militar (Decreto-Lei n° 1.001, de 21 de outubro de 1969) e, conseqüentemente, o art. 82
do Código de Processo Penal (Decreto-Lei n° 1002, de 21 de outubro de 1969), para redefinir a
competência do foro militar, no que se refere aos crimes dolosos contra a vida praticados contra
civil por militares das Forças Armadas.
90 Verifica-se, também, que a Constituição Federal restringe a abrangência da Justiça Militar da
União, atribuindo-lhe, apenas, competência na área penal; essa matéria vem sendo discutida no
Superior Tribunal Militar, com o objetivo de se concluir sobre a conveniência, ou não, de alteração
no texto constitucional de modo a ampliar a competência do STM, incluindo, na sua esfera de
competência, além da atribuição de exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares
aplicadas aos militares (que já consta em PEC), todas as questões cíveis e administrativas
relacionadas com os membros das Forças Armadas e as particularidades do ambiente castrense.
O Dr. Eduardo Weymar, assessor jurídico da Força Aérea Brasileira, em “Reflexão acerca da
atual competência da Justiça Militar”5, assim se pronunciou a respeito desse assunto:
5
página eletrônica: www.viajus.com.br, cujo endereço é: http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigo&id=722
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 91
• “As causas judiciais que envolvem questões militares não penais são processadas e julgadas
pela Justiça Federal. Ocorre que os juízes federais, embora seja inconteste sua aptidão para
a função, pouco sabem a respeito das peculiaridades da disciplina e da hierarquia militar,
de seus valores e, por que não, de sua ímpar legislação composta por inúmeras Instruções
Normativas, Portarias, Decretos, etc, além de leis específicas.
Ademais, nem mesmo no concurso para ingresso na carreira da Magistratura Federal
exige-se o conhecimento sobre direito militar. Por outro lado, os Juízes-Auditores, ao se
submeterem ao concurso de provimento do cargo, são amplamente questionados acerca
do direito militar como um todo, além das outras matérias relacionadas ao direito em geral,
especialmente direito público”.
Ainda naquele trabalho elaborado, e já mencionado, o Dr. Eduardo, em suas conclusões,
assim se expressou:
• “A peculiar legislação militar, de constante aplicação pelos administradores públicos
militares e pelas autoridades judiciárias, carece de um tratamento diferenciado. Nada mais
justo, portanto, do que se especializar, regulamentar e estruturar dignamente esta Justiça,
assim como o fez o legislador em relação ao Direito do Trabalho, outro braço
especialíssimo do Poder Judiciário.
Por outro lado, em atenção ao princípio da eficiência, e para agilizar o andamento dos
feitos, nota-se que não há razão plausível para que a Justiça Federal continue acumulando
processos que versem sobre matérias eminentemente de cunho militar, ante a existência
de um órgão constitucional especial apto a dar cabo destas lides com maior conhecimento
técnico”.
Entretanto, os que defendem uma posição contrária a esse aumento de competência do
Tribunal argumentam que, sem dúvida, cautelas deverão ser observadas, no que tange a essa
ampliação de competência. Dentre esses cuidados, duas preocupações destacam-se e exigem da
solicitado por meio de recurso ordinário constitucional (nos casos de Mandado de Segurança
ou de Habeas Corpus) ou recurso extraordinário (nos demais acórdãos), manifesta-se sobre as
decisões tomadas pelo STM.
Ressalte-se que o Ministério Público Militar da União e advogados de defesa (dativos ou
nomeados ou integrantes da Defensoria Pública da União), da mesma forma que ocorre nos
outros segmentos do Poder Judiciário, fazem-se presentes nas sessões públicas da Justiça
Militar da União, nas duas instâncias, legitimando as decisões dessa justiça especializada. A
presença física do Ministério Público Militar da União, que faz a acusação e atua como fiscal
da lei, é obrigatória não só nos julgamentos, mas também nas demais sessões; a do defensor
é obrigatória, nas mesmas circunstâncias, apenas no processo em curso na 1ª instância, o que
equivale a dizer que não o é em sede apelatória.
No âmbito do Poder Judiciário, somente na Justiça Militar os julgamentos são sempre
realizados por colegiados (escabinatos), nas duas instâncias, motivo pelo qual as penas
aplicadas não são decorrentes de uma decisão pessoal, ou seja, não decorrem do poder
discricionário de um Magistrado.
O objetivo da Justiça Militar é a aplicação da lei, em todo o território nacional, para inibir
ou coibir condutas nocivas aos fundamentos da instituição militar, assim como a prática de
atos que possam prejudicar os militares, a administração militar ou afetar os princípios da
disciplina e da hierarquia, como já mencionado anteriormente, as vigas mestras que sustentam
as Forças Armadas. Esses princípios são essenciais para proporcionar à Marinha, ao Exército
Uma Justiça Especializada, muito especial
6
Livro: Direito Militar - História e Doutrina - Artigos Inéditos, da Associação das Justiças Militares Estaduais, p. 178
posicionamento do Dr. Francisco de Souza Vieira Filho, quando, em seu trabalho “O Direito
Penal como “ultima ratio”, suas funções e limites”. Breve análise sob o fio condutor da sociedade,
Estado e Direito”8, assim se pronunciou:
• “No âmbito penal, pode-se facilmente pressupor uma sensível tendência a beneficiar o
réu, seja facilitando-lhe a defesa (in dúbio pro reo), seja impedindo a retroação de leis que o
prejudiquem, seja pela imensa gama de fatos atípicos, causas de exclusão de
antijuridicidade e punibilidade, entre outros meios de desqualificação do crime por ele
praticado ou meios de vedar-lhe a punição. E por que razão tal se dá? Ora, abraçando
situações excepcionais, bens que a Sociedade tem em alta conta (Direitos Fundamentais),
é patente a intenção de evitar o cometimento de injustiças. Isso se revela de maneira bem
mais acentuada no Direito Penal brasileiro, tal é o temor de cometer-se erros ou, mais
especificamente, de punir-se inocentes; ainda assim, pululam injustiças”. Esta tendência
mencionada é corroborada pelo contido no art 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e
pelo modo de pensar do Dr Joaquim Canuto Mendes de Almeida, que foi titular de
Direito Processual Penal da USP, já falecido, que dizia: “o processo penal não é formatado
para garantir a sociedade, mas, exclusivamente, o amplo direito de defesa do criminoso,
94 que, como cidadão, só deve ser condenado se solidamente comprovado seu delito”9.
A Justiça Militar da União, como não poderia deixar de ser, assegura a todos, indistintamente,
quer sejam oficiais-generais, oficiais, praças ou civis, o direito ao contraditório e à ampla defesa,
proporcionando julgamentos de acordo com a lei, imparciais e justos. Ressalte-se que,
diferentemente do que ocorre em outros segmentos do Poder Judiciário, na primeira instância,
7
artigo "A Justiça Militar da União pelo seu novo Presidente". Revista de Direito Militar da Associação dos Magistrados das Justiças Militares
Estaduais. Ano II. Número 13. Setembro/Outubro de 1998, p.4
8
"Jus Navegandi", Terezina, ano 11, n.1257, 10 Dez 2006
9
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal: a contrariedade na instrução criminal, o direito
de defesa no inquérito policial, inovações do anteprojeto de Código do Processo Penal. Preâmbulo de Mário Masagão. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1973
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 95
inclusive durante a instrução dos feitos, todas as questões essenciais são examinadas e votadas
por um colegiado (escabinato), com as participações efetivas dos representantes do Ministério
Público da União e dos advogados de defesa, com réplica e tréplica; todo processo é assim
conduzido. Quando nos processos originários no próprio STM, esse procedimento (réplica e
tréplica) é idêntico ao da primeira instância.
Por se tratar de duplo grau de jurisdição, a Justiça Militar da União assegura ao jurisdicionado,
quando inconformado com a decisão da primeira instância, o direito de ter, por meio de recurso,
o seu processo reapreciado por outro juízo, também um colegiado; essa possibilidade de recorrer,
facultada também ao Ministério Público Militar da União, limita o arbítrio, a indulgência e os
excessos por parte do Estado, uma vez que obriga o reexame da causa na segunda instância,
prevalecendo, ao final, o direito, a ordem e a justiça. Essa peculiaridade mencionada, escabinato
nas duas instâncias, é um diferencial entre a Justiça Militar da União e a Justiça Comum. Um
outro diferencial, reconhecido por, praticamente, todos que labutam na área jurídica, é a
celeridade da Justiça Castrense, que julga rápido e bem; de um modo geral, o tempo que decorre
entre o cometimento do crime e a sentença transitada em julgado na Justiça Militar da União é
muito menor do que o da Justiça Comum, mesmo com a utilização, pelos advogados de defesa,
dos mesmos instrumentos legais existentes na Justiça Comum e que, às vezes, são apenas
protelatórios (apelações, embargos, etc).
No Superior Tribunal Militar os processos são distribuídos aos ministros por meio de um
“sorteio” informatizado. Quando os processos necessitam de relator e de revisor, o software
utilizado faz com que os processos de deserção, insubmissão, representação para declaração
de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato e os de Conselho de Justificação
tenham como relator um Ministro Militar e o revisor um Ministro Civil; o relator será
Ministro civil, e conseqüentemente o revisor será Ministro Militar, nos processos relativos à
Ação Penal Originária. Nos demais casos, os relatores e revisores poderão ser civis ou
como crime permanente, quando, então, caberia aplicar a dicção da alínea “c”, do § 2º, do artigo
125, do CPM, em todos os casos de captura ou apresentação voluntária de desertores com menos
de 45 anos (se praça) ou de 60 anos (se oficial), em combinação com as regras gerais da prescrição
(em especial as contidas no artigo 125 do CPM).
Ainda em sustentação de que deserção é crime permanente, os defensores desse
entendimento citam também como argumento “irrefutável” o fato de estar o militar foragido (o
desertor) em constante estado de flagrância, o que, inclusive, coincide com o entendimento de
juristas de inquestionável saber na área do Direito Penal Militar, que escreveram sobre a matéria:
Chrysólito de Gusmão10; José Frederico Marques; Jorge Alberto Romeiro11; Célio Lobão12, além
do Prof. Damásio de Jesus13 e outros Mestres do Direito Penal, tais como Julio Fabbrini Mirabete,
Raul Machado, Jorge César de Assis, etc.
Para concluir sobre as classificações dadas ao crime de deserção, destaco um entendimento
“mais completo” defendido pelos Prof. Célio Lobão e Jorge César de Assis, e que constam nas
respectivas publicações mencionadas no parágrafo anterior, de que a deserção é “crime de mera
conduta e permanente, ensejando, por este último motivo, a prisão do desertor em flagrante”
(Célio Lobão) e “Não há dúvida entretanto, tratar-se de um crime permanente, cuja consumação
96 se prolonga no tempo. (...) Tenho por mim, atualmente, que essa é a melhor classificação; é
permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente cessa quando o desertor se
apresenta ou é capturado. E é de mera conduta (ou de simples atividade) porque se configura
com a ausência pura e simples do militar, além do prazo estabelecido em lei, sem necessidade que
da sua ausência decorra qualquer resultado naturalístico. A lei contenta-se com a simples ação
(deserção) ou omissão (insubmissão) do agente” (Jorge César de Assis).
10
Direito Penal Militar, JRS Editor, Rio de Janeiro, 1915, p. 97
11
Curso de Direito Penal Militar, Saraiva, 1994, p. 53
12
Direito Penal Militar, 2ª edição atualizada, Brasília Jurídica, 2004, p. 258 e Direito Penal Militar, Brasília Jurídica, 3ª Edição, 2006, p. 298
13
Direito Penal, Saraiva, 28ª edição, 2005, 1º Vol, p. 193/194
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 97
No que diz respeito ao crime de estelionato (artigo nº 251 do CPM), a abordagem resumir-
se-á, apenas, às práticas ilícitas cometidas em decorrência de falecimento de inativo ou de
pensionista, mediante retirada indevida, com a utilização de cartão bancário e conhecimento da
senha para o uso do cartão, de recursos financeiros depositados “irregularmente” em contas
bancárias de pessoas falecidas. O Tribunal, de um modo geral, nos diversos processos julgados,
tem se posicionado no sentido de concordar que o crime está tipificado no artigo nº 251 do CPM
(estelionato), embora com votos discordantes de Ministros, em minoria, que entendem que essa
prática ilícita deva ser enquadrada no artigo nº 248 do CPM (apropriação indébita).
Sobre o crime de tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar (Art
nº 290 do CPM), nos processos julgados no Superior Tribunal Militar, por maioria de votos, o
Tribunal tem se pronunciado pela aplicação do artigo 290 do CPM, condenando os acusados ou
mantendo a condenação da primeira instância, mesmo na hipótese da simples posse ou uso de
pouca quantidade de entorpecente, por reconhecer a gravidade dessa conduta criminosa,
particularmente no interior de uma Unidade Militar (um militar normalmente, no dia-a-dia,
manuseia, tem acesso ou porta armamento e munição).
Os resultados das votações em plenário no STM têm demonstrado que os Ministros não
concordam com o entendimento, recentemente sustentado pela Defensoria Pública da União
(DPU), de que o Art 290 do CPM teria sido revogado pelo advento da Lei nº 11.343, de 23 de
agosto de 2006, particularmente pelo contido no seu artigo 40:
• “As penas previstas nos artigos 33 a 37 desta lei são aumentadas de um sexto a dois terços,
se:
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos
prisionais, ... de unidades militares ou ....”.
Assim, argumentam, os integrantes da DPU, que está implícito que todas as demais
disposições da nova lei também se aplicam aos militares, de forma que o artigo 290 do CPM
entorpecentes para ceder ou vender para colegas de farda, selecionados pela amizade pessoal,
nada tendo a ver de semelhante com a venda de dezenas ou centenas de quilos (e até mesmo
toneladas) realizada por traficantes profissionais.
De um modo geral, o Supremo Tribunal Federal, quando solicitado a se pronunciar
sobre as decisões do STM (em pedido de “habeas corpus” impetrado em favor de militar
condenado com fulcro no Art 290 do CPM) tem se manifestado a favor das decisões do
Tribunal. Quanto ao problema da Prescrição da Pretensão Punitiva e Extinção da Punibilidade,
a prescrição desdobra-se em dois grandes ramos: a Prescrição da Pretensão Punitiva e a
Prescrição da Pretensão Executória. Como regra, a Pretensão Punitiva (normalmente em função
de pena fixada em concreto na sentença de primeiro grau) é a que rotineiramente é examinada
pelo STM, em sede de preliminar, nas Apelações interpostas pela defesa.
A questão se prende, em essência, ao exame de mérito em processo em que, preliminarmente,
tenha sido declarada a prescrição da pena. Existem duas correntes, duas posições antagônicas no
que se refere ao entendimento por parte dos Ministros, independentemente do fato de ser militar
ou civil. De um lado, o da minoria, há os que entendem que, mesmo declarada a prescrição da
pena, deve-se proceder ao exame de mérito nos casos de sentença condenatória pendente de
recurso exclusivo da defesa, da qual não cabe mais qualquer recurso por parte do Ministério
Público da União no sentido de agravar a pena, aplicada na primeira instância ou em recurso de
apelação; essa corrente considera que o não exame de mérito implica o descumprimento do § 1º
do artigo 125 do CPM, onde consta: “sobrevindo sentença condenatória, de que somente o réu
Uma Justiça Especializada, muito especial
tenha recorrido, a prescrição passa a regular-se pela pena imposta, e deve ser logo declarada, sem
prejuízo do andamento do recurso se, entre a última causa interruptiva do curso da prescrição (§
5º) e a sentença, já decorreu tempo suficiente.”
Por outro lado, a maioria dos Ministros entende que a Prescrição da Pretensão Punitiva é
considerada uma preliminar de mérito e, portanto, uma causa impeditiva da análise deste, pois, se
reconhecida, nenhum gravame restará mais para o acusado.
“A Prescrição é um instituto essencialmente jurídico-penal, constituindo a perda da pretensão
punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício”14.
Diferentemente do indulto, o reconhecimento da Prescrição da Pretensão Punitiva põe fim à
persecutio, apagando todos os efeitos da sentença condenatória de primeiro grau, como se esta
jamais tivesse sido proferida.
À evidência, na raiz desse resultado amplamente favorável ao apelante/defesa, está o próprio
princípio da presunção da inocência inserido no artigo V, inciso LVII, da Constituição Federal, o
qual estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória.
Ora, “estando impedida a ocorrência do trânsito em julgado pelo reconhecimento da
98 Prescrição Punitiva, o apelante jamais poderá ser considerado culpado no processo sub
examine, o que, obviamente, equivale ao reconhecimento implícito de sua inocência” (Dr.
Flávio Rodrigues Duarte, Assessor Jurídico/STM, em outubro de 2007, quando em despacho
com o autor).
“Esta matéria de ordem pública, de índole constitucional, torna a sentença condenatória
pendente de recurso uma sentença apenas virtual, uma sentença que padece de efeitos reais. No
mundo jurídico é uma sentença putativa, uma sentença que pode ou não vir a ser confirmada.
Mas nesse compasso, entendo que o Tribunal que já não pode condenar também não pode
absolver, por se tratar de matéria de ordem pública; porque a matéria prescricional prescinde o
14
Damásio de Jesus, in Direito Penal, vol 1, P 717, 28ª edição
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 99
exame do mérito já que tem de ser declarada de ofício em qualquer momento do processo”
(Ministro Flávio Flores da Cunha Bierrembach, em pronunciamento no Plenário do STM, em 30
Out 2007).
Por derradeiro, passemos à questão da condição de procedibilidade da ação penal no crime
de deserção.
Sobre condição de procedibilidade vale destacar a lição de Eugênio Pacelli de Oliveira15: “No
processo penal, em determinadas situações, a lei exige o preenchimento de determinadas e
específicas condições para o exercício da ação penal. Assim, por exemplo, nas ações penais
públicas condicionadas, o Ministério Público somente poderá ingressar com a ação se já oferecida
à representação ...”.
Na deserção a situação é semelhante. Há a necessidade do preenchimento de determinada e
específica condição para o exercício da ação penal, qual seja: a reinclusão do desertor, praça sem
estabilidade, nas fileiras das Forças Armadas.
Duas correntes de pensamento estão presentes atualmente no Tribunal. A minoritária, que
entende que o status de militar (estar no serviço ativo) é condição indispensável, apenas, para dar
início à ação penal; para o seu prosseguimento, após a reinclusão do desertor, a ação deveria
seguir o seu curso até o fim, independente do status do acusado (militar ou não), do mesmo
modo que ocorre em outros crimes militares. No caso de uma segunda deserção, a ação penal
referente à primeira deveria continuar até o seu fim, sendo o desertor declarado revel caso não
comparecesse aos atos processuais obrigatórios. Com relação à segunda deserção, esta, por
depender de uma condição especial de procedibilidade para o início da ação penal, ficaria
aguardando a captura ou a apresentação voluntária do desertor para, se outra vez julgado apto
em inspeção de saúde, após a sua reinclusão, ser dado início à nova ação penal.
A segunda corrente, majoritária, entende que o status de militar é condição de procedibilidade
da ação penal, não só para o seu início, como também para o seu prosseguimento e sua
6. Encerramento
Ao finalizar o presente artigo, gostaria de ressaltar que os duzentos anos da Justiça Militar da
União significam, ao mesmo tempo, duzentos anos de existência do primeiro Tribunal Superior 99
de Justiça no Brasil e o marco inicial da criação da primeira justiça especializada no nosso país;
significa que os militares, por suas peculiaridades no modo de ser e de proceder, assim como
pelas características profissionais inerentes aos que têm por missão, com o sacrifício da própria
vida se necessário, a defesa da Pátria - missão imutável ao longo dos anos e cumprida em épocas
distintas da nossa história -, tornaram-se pioneiros também na formação especializada de Juízes
Militares e de Operadores do Direito, sem que viessem a se constituir em “defensores classistas”,
pois a Judicatura não pode ser tomada, nem tomar-se como classe. Ela compõe um dos poderes
políticos da nação e sua estrutura só é legítima quando integrada no conceito de que a Judicatura
15
Curso de Processo Penal, Editora Del Rey, 6ª Ed. P 89
é o próprio povo feito função, e, para bem cumprir esta nobre missão, como se pronunciou o
Dr. Alexandre Augusto Quintas, Juiz-Auditor Substituto da 5ª CJM, em seu discurso de posse no
Superior Tribunal Militar, no dia 13 de novembro de 200616, “o Juiz deve exercer o seu mister
com independência, imparcialidade e lisura, buscando a qualidade da prestação jurisdicional, sem
descurar de que para a parte justiça é fazer atuar a lei ao caso concreto com a celeridade exigida
pelos tempos modernos”.
Uma Justiça Especializada, muito especial
100
16
publicado na Revista do STM nº 4, de Jul/Dez de 2006
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 101
Dilemas da Justiça
Sérgio Ernesto Alves Conforto*
Antes de dar desenvolvimento a este texto julgo que se impõe estabelecer um debate sobre
os significados que nele atribuo ao termo “justiça”.
1. justiça x Justiça
Estes e tantos outros exemplos ilustram o entendimento do tema “justiça” como algo
decorrente de um sentimento, uma percepção intensa do que deve ser a relação causa-efeito.
Outra forma de se entender a palavra “Justiça”, agora com J maiúsculo, é aquela
decorrente da ampliação da idéia anterior.
Instalado o conflito entre duas ou mais pessoas, organizações, nações, interesses em geral,
estabeleceu-se desde há muitos séculos os códigos comportamentais a serem seguidos,
atribuindo-se a alguém o papel de “juiz”, capaz de estabelecer o que é “justo” ou não, com
autoridade para sentenciar o que é “certo” e o que está “errado”, o que deve ser recompensado
e o que merece castigo.
Todas as sociedades humanas possuem este tipo de entendimento, ainda que as mais
primitivas.
Os caciques, os conselhos de anciãos, os reis, os juízes, a todos se lhes dá (ou eles próprios se
atribuem e impõem aos demais), o poder de julgar, de dar sentenças, de premiar e punir; são os
encarregados de praticar a “Justiça”.
É bem certo que ela (a Justiça) não é absoluta, mas função de inúmeros fatores,
evolutivos, culturais, religiosos, políticos, do momento e local.
“Ai dos vencidos” estabelece um padrão de comportamento do vitorioso em relação ao
derrotado.
Isto explica não só as decisões desde Cézar há dois mil anos, chegando até o julgamento dos
líderes nazistas em Noruemberg ou o mais moderno ainda, Tribunal Penal Internacional.
O que é “justo” passa a ser função do tempo e do espaço, e também dos grupos humanos
envolvidos. Enquanto em boa parte do mundo islâmico ainda se pune quem furta com a
amputação das mãos, ao mesmo tempo em outros pontos do globo se admite uma ampla faixa
de relativização da mesma falta através dos termos “insignificância” ou “bagatela”, substituição
de penas, ou sua progressão.
Quanto mais remotos no tempo, mais drásticos os castigos, mais rigorosa a “Justiça”.
Ainda que dotadas de leis escritas ou não, civilizações antigas julgadas como precursoras do
humanismo consideraram “justo” o trabalho escravo, fosse através da dominação de outros
Dilemas da Justiça
povos pela guerra, fosse como condenação por faltas cometidas, e de intensidade e natureza
variável. A remessa às galés, ou o trabalho forçado em condições insalubres e sem remuneração
não está tão distante assim no tempo.
A descrição das penas feita por Foucault em sua obra “VIGIAR E PUNIR”, se hoje em dia
causa espanto e horror às pessoas “civilizadas”, naquela época atraía multidões para assistir ao
suplício de seres humanos que nem sempre sequer sabiam do que tinham sido acusadas, pois os
julgamentos muitas vezes eram feitos secretamente até mesmo para os réus, que tomavam
conhecimento de seu destino no interior das masmorras em que eram encerrados por tempo
102 indefinido.
Durante quanto tempo foi esta a forma da “Justiça” se manifestar?
E o que dizer do “direito divino”, dos dogmas impostos por motivação religiosa, tudo isto
representando a luta pelo poder, pela conquista e manutenção da riqueza tendo como argumento
único o desejo de Deus, revelado por alguém a quem não se poderia jamais contestar, por ser
“infalível”.
Quantos massacres foram perpetrados sob os gritos de “Deus o quer”, quantos foram
supliciados com o argumento que assim sua alma seria salva, enquanto seus bens passaram para
os “salvadores”?
A “Justiça” decorrente das crenças religiosas até hoje se constitui em seguro refúgio para os
dominadores. Sempre foi e ainda é um excelente negócio vender terrenos no céu, pois jamais
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 103
alguém reclamou da escritura adquirida. Não é “justo” interferir na crença de alguém nos países
ocidentais, de modo geral. Ao mesmo tempo, ser “infiel” perante certas religiões dá lugar a penas
severíssimas em outros locais, e os noticiários estão plenos de exemplos aplicáveis aos dois
comportamentos.
Os monarcas absolutistas, por delegação de Deus, eram a última palavra em relação ao
entendimento do que era “justo” ou não. Interpretavam, criavam ou ignoravam leis de toda
natureza, no exercício da procuração divina. Nobres e plebeus eram julgados segundo normas e
tribunais diferentes, e isto durante muito tempo foi considerado “justo”, mesmo muito depois
do conhecimento da prática romana de que não haveria crime ou pena que não tivessem sido
estabelecidos previamente.
Era “normal” ou “justo” que as penas mais severas fossem aplicadas ao regicídio e à
contestação ao regime, fosse ele qual fosse.
O direito dos reis, as leis divinas, o poder moderador, os supremos interesses da nação, a
suspeita posse de armas de destruição em massa, tudo isto e tantas outras expressões foram e são
argumentos para a existência de algo acima da lei escrita ou consuetudinária, que seja. Em um
sincero reconhecimento disto, atribui-se a Mao Tse Tung a expressão “todo poder emana do
cano de um fuzil”.
Com isto tudo se pode inferir que o que é “justo” ou “injusto” no âmbito de uma sociedade,
será função bastante direta daquilo que concentra o poder naquele ambiente, estejam os
integrantes daquele grupo humano satisfeitos ou não. O que dizer de constituições outorgadas
ou impostas?
A concepção do equilíbrio entre os poderes dos regimes democráticos é a forma, nem sempre
vitoriosa, de se evitar a concentração do poder em um dos braços de um governo, e desta
de flexibilizar o entendimento da regra escrita de modo a adaptá-la aos fatos e pessoas sob
julgamento. Através disto cria-se uma faixa de atuação, não mais uma linha a ser seguida.
Admite-se o “erro judicandi” ainda que flagrantemente contrário ao “veredicto”
tecnicamente esperado, como algo decorrente da condição humana de quem julgou, e que não
deve ser criticado ou revisto. Dele poderá haver apelação, mas não crítica, sob a pena de inibir a
imparcialidade indispensável ao ato de julgar, pelo temor da desmoralização. Admite-se tal
conceito, pois supõem-se a retidão do juiz, o não favorecimento a uma das partes, a
incorruptibilidade, algo que felizmente apresenta poucas exceções, embora modernamente mais
encontradiças ou menos veladamente praticadas.
Em suma, o Estado moderno (ou dito civilizado) atribui a si o dever e o poder de praticar a
Justiça, coibindo o desforço pessoal como forma de obter reparação daquilo que alguém
considera “injusto”.
Para isto edifica um aparato físico (os tribunais), teórico (o conjunto de normas, direitos e leis)
a que todos estarão sujeitos e equipado pelos denominados agentes da lei, que vão desde os
policiais até o mais graduado tribunal, passando por sistemas investigatórios, notariais,
advocatícios, prisionais, de controle, etc.
Considera-se, pois, que proverá o Estado, através de tal aparato, a satisfação daqueles que se
julgam injustiçados. Esta intenção é expressa por símbolos que vão desde a imagem da deusa cega
(para que seja imparcial), armada (“O direito sem espada não passa de discurso, e a moral sem
vontade, de sonho vazio” - Rui Barbosa), de forma a fazer valer suas decisões, e empunhando ainda
a balança, que há de pender para o lado do mérito, passam pela formalística dos trajes e do
palavreado evocando a tradição, as normas aceitas, pela possibilidade de recursos aos não
conformados, a ampla divulgação e direito de defesa, e até mesmo pelo proposital afastamento no
tempo dos fatos e de seu julgamento, para arrefecimento dos ânimos e melhor entendimento do
que for verídico ou não. Abomina-se a “Justiça do Povo”, pela ampla possibilidade e facilidade de
manipulação das massas que, sem maiores freios chegam aos linchamentos físicos ou morais.
Codifica-se, sistematiza-se a Justiça, através do Direito. Ao mesmo tempo é estreitada a sua
amplitude, limitando-a ao que tiver sido estabelecido previamente pelo legislador, admitindo-o
Dilemas da Justiça
O que deixa de comparecer ao emprego civil será, no máximo, demitido por justa causa,
enquanto o que abandona a unidade militar é passível até mesmo de condenação à morte, se em
tempo de guerra.
O civil que consome drogas no dia-a-dia será no máximo repudiado como inconveniente e
considerado doente, com direito ao amparo do Estado, enquanto que, se o fizer em serviço
militar, muito provavelmente será condenado, pelo risco que constitui em alterar seu
comportamento quando armado ou quando dele se exige coesão e obediência, ainda que ínfima
a quantidade de droga absorvida ou conduzida.
E assim vai a Justiça Militar ora surpreendendo alguns que a desconhecem, mesmo que
profissionais de Direito, ora se empenhando em lembrar sua essencialidade para aqueles
que, conscientemente ou não, esquecem a finalidade de se possuir forças armadas, seja por
não se sentirem ameaçados, seja por julgar que, sendo amantes da paz, jamais serão
atacados.
Entretanto, forças armadas não se improvisam, não podem ser convocadas às pressas,
quando vierem a surgir ameaças. Isto é tão mais verdadeiro no mundo de hoje, em que as ações
têm de suceder ou até mesmo vêm de ser simultâneas às decisões, sob pena de derrota. E o preço
da derrota é extremamente alto, freqüentemente insuportável, irrecuperável. Uma nação não
pode admitir tal hipótese sob a pena de perder suas riquezas, sua cultura, seus valores, suas
crenças. Por mais que se queira a paz, faz-se necessário dela cuidar permanentemente. É mister,
pois, ter forças armadas em condições de fazer face aos desafios decorrentes daquilo que,
possuído, passa a ser objeto da cobiça de outrem.
E forças armadas não obedientes às normas da hierarquia e da disciplina não só não poderão
de nada servir para o objetivo que se pretende, como poderão vir a ser uma ameaça tão terrível
quanto a estrangeira.
É fundamental que sejam embasadas nos ideais patrióticos, que estejam convencidas das
razões por que terão que lutar, se necessário; que não admitam estar de pé no momento em que
sua bandeira vier a ser substituída por outra, que considerem um privilégio os seus integrantes
não mais estarem vivos se tal desgraça viesse a ocorrer.
Dilemas da Justiça
Que cada soldado esteja de acordo em colocar o peito à frente da bala que de outra maneira
viesse a atingir a quem lhe delegou a missão de defendê-lo.
Que concorde com a necessidade de treinamento contínuo, de canseiras sucessivas, de noites
seguidas em claro, alerta, em vigília do sono alheio, mesmo que em tempo de paz.
Que abdique de sua individualidade em proveito do grupo a que pertencer, seja ele no meio
militar, seja no âmbito nacional.
Que admita violar seus princípios, temores, formação familiar ao aceitar tirar a vida de
outrem, desconhecido, em favor da vida de outros, igualmente desconhecidos.
106 Que aceite o ferimento, a mutilação, ou mesmo a morte, em troca do reconhecimento de sua
bravura, dos cuidados que merecerá (por justiça!) ou do apoio que seus sobreviventes receberão
em troca de sua saúde ou sua vida.
Que não se revolte com as transferências sucessivas, quantas vezes para lugares inóspitos,
expondo a si e aos seus à solidão, à doença e nisto encontre uma razão para persistir e viver
cumprindo o que lhe é apontado como dever.
Que acredite quando lhe digam que é “superior ao tempo”, ainda que intensos sejam o frio
ou o calor, inclemente a chuva, e precários seus agasalhos e abrigos.
Que isto tudo e muito mais que lhe é exigido seja aceito sem que lhe cause a sensação de
injustiça, aquela atávica, decorrente do não recebimento do que é devido na relação causa-
conseqüência, intuitiva, natural, essencialmente humana.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 107
Em decorrência do conceito de que não há crime ou pena sem que previamente codificados,
desde sempre observou-se o avanço das atividades criminosas em relação às reações legais a elas.
É fértil a criatividade do crime, busca sempre as brechas da legislação para usufruir a impunidade.
Leva tempo para que, sob a democracia, os legisladores criem a reação às novas modalidades de
crimes.
comunidade miserável onde reside? Muitas vezes o policial, em idêntica situação, rende-se à
adesão, ainda que veladamente, ao crime, sendo um informante ou até mesmo cúmplice, fazendo
vistas grossas, alertando para ações ou até mesmo comungando da atividade ilegal nas horas de
folga. Caso contrário, como assegurar a vida própria e a dos seus?
Como evitar que o esforço no sentido de deter um criminoso seja quase imediatamente
frustrado por sua soltura amparado por leis e advogados que o beneficiam?
Como impedir que uma área “limpa” da liderança marginal não venha a ser imediatamente
ocupada por sucessores ou adversários, igualmente criminosos, face à ausência da autoridade e
108 manutenção das condições de miserabilidade, caldo de cultura do crime?
Como assegurar a um soldado a observação justa da complexidade de sua atuação, de modo
a não colocá-lo no banco dos réus por uma legislação que absolutamente não o ampara neste
tipo de missão?
Em outros tempos o investigador de polícia subia sozinho o morro, de terno branco, dava
voz de prisão ao “malandro” armado, no máximo de uma navalha, e o trazia para a delegacia
onde ficava à disposição do delegado “para averiguações”. Se o bandido reagisse, era conduzido
sob pescoções ou a poder de cassetete, e isto era natural, “justo”.
Este tempo passou, hoje em dia a polícia lá não vai, a não ser com forte aparato, quase sempre
não surpreendendo ninguém, face ao “vazamento” da informação. Os bandidos, se lá ainda
estiverem, (sendo raríssimo que os chefes permaneçam) reagem com meios poderosos, enquanto
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 109
buscam proibir que o blindado “caveirão” possa ser empregado, através de obstáculos físicos ou
da condenação pela mídia.
Tudo isto, e tanto mais, são paradoxos com que se debate a Justiça, ao mesmo tempo
submetida aos reclamos da sociedade e manietada pelas regras que constituem o Direito em
vigor.
É novidade isto? Certamente que não.
Jhering e Croce já descrevem o chamado “Cabo das Tormentas da Ciência Jurídica”, os
conflitos entre o homem e o cidadão, as leis escritas no coração dos homens, mas nem sempre
redigidas.
Não está à vista o momento em que se escreverá da mesma forma a justiça (sentimento
atávico, baseado na moral e na ética) e Justiça (conjunto de leis, procedimentos, direitos e deveres
devidamente codificados).
Até lá fica a esperança de que os homens da lei não busquem tão somente nela se refugiar
para poder lavar as mãos, como fez Pilatos.
109
O motivo de expor nossa discordância à decisão proferida pelo STF no HC 81.438 é o receio
da adoção da tese defendida no acórdão, que terá como conseqüência julgamento de civil na
Justiça Militar pela prática de delito que, desde Roma, passando pelo direito imperial brasileiro,
somente pode ser praticado por militar. A mesma Corte Suprema, no século XIX, já proclamava
que se entende “por crimes puramente militares aqueles que eram cometidos por militares e
ofensivos das leis militares” (Acórdão nº 406). Puramente militares, como se sabe, são os crimes
propriamente militares.
Se o acórdão entende que o civil pode praticar crime propriamente militar em co-autoria com
militar, e considerando que a Constituição autoriza a prisão nos casos de crime propriamente
militar (art. 5º, LXI), a autoridade da polícia judiciária militar pode, perfeitamente, entender que,
segundo o acórdão ora examinado, está autorizada a determinar a prisão do autor militar e do co-
autor civil, no crime propriamente militar. No entanto, ao prender o civil, em conformidade com
esse entendimento, a autoridade militar responderá na Justiça comum pelo crime de abuso de
autoridade!
A espécie tratada no acórdão era de civil denunciado na 1ª Auditoria da 1ª CJM como co-
autor de crime propriamente militar, de violência contra inferior hierárquico. O STF indeferiu o
pedido de habeas corpus, embora a decisão indicada seria trancar a ação penal militar contra o civil,
e determinar a separação de processos, com a remessa à Justiça comum do feito relativo ao civil.
A ementa do acórdão está assim redigida: “Embora não exista hierarquia entre um sargento e um
funcionário civil da Marinha, a qualidade de superior hierárquico daquele em relação à vítima, um
soldado, se estende ao civil porque, no caso, elementar do crime. Aplicação da teoria monista.
Inviável o pretendido trancamento da ação penal. Habeas indeferido” (HC 81.438, Rel. Min.
Nelson Jobim, 2ª T, julg.: 21.10.02).
Consta do acórdão: “É a aplicação da teoria monista, unitária ou igualitária, em que as
Celio Lobão
circunstâncias de caráter pessoal se comunicam, se elementares do crime (CPM art. 53, § 1º). No
caso, a qualidade de superior hierárquico do sargento co-réu, estende-se ao paciente”, isto é, ao civil!
Oportuna a crítica de Basileu Garcia a respeito da regra da comunicabilidade das
circunstâncias de caráter pessoal quando elementares do crime: “pode-se sustentar, com êxito, a
tese de que cometeria infanticídio todo aquele que, de qualquer modo, concorresse para o crime
do art. 123, embora não militando em seu favor a condição personalíssima – a qualidade de
mulher, de mãe, de parturiente, de puérpera – que justifica o regime de excepcional benignidade 113
dispensado à autora natural da infração”1
Quanto à teoria monista ou unitária, que serviu de fundamento da sujeição do civil à Justiça
Militar pela prática de crime propriamente militar, em co-autoria, lembramos que a teoria monista
como as demais teorias negativas, “conflitam com o Direito penal pátrio. Desconsideram
ademais, que cada um dos participantes deve ser punido na medida da sua culpabilidade.
Permitem, de outro lado, o uso autoritário do Direito penal. Não foi por acaso que o nazismo
adotou a teoria unitária”. Além do mais, a teoria monista ou unitária comporta exceções, as
debilitado, para o acórdão. Teoria monista ou unitária não se sobrepõe à competência penal
constitucional dos órgãos do Poder Judiciário, não se sobrepõe à competência constitucional da
Justiça Militar. Em segundo lugar, civil não responde como autor nem como co-autor de crime
propriamente militar, que tem o integrante das Forças Armadas como sujeito ativo exclusivo. No
crime propriamente militar, a lei penal castrense tutela as instituições militares, no aspecto
particular da disciplina, da hierarquia militar, que não sofrem ofensa por parte do civil. A
jurisdição especializada somente alcança o civil em caráter excepcional, subtraindo-o de seu Juiz
natural civil, nos crimes impropriamente militares.3
No entanto, segundo o acórdão, o civil pode ingressar como co-autor de crime propriamente
militar. Em rápido estudo do crime propriamente militar, desde o direito romano, sua fonte
primitiva, mas passando, antes, pelo direito penal especial e comum, concluímos pelo equívoco
da “aplicação da teoria monista” para justificar a submissão do civil à Justiça castrense pela co-
autoria de crime propriamente militar, repetimos, sobrepondo-se à competência constitucional
da Justiça Militar.
O direito penal é dividido, doutrinariamente, em especial e comum, e dentre as diversas
correntes que procuram extremá-los, citamos aquela liderada, no Brasil, por Frederico Marques
e seguida, além de outros, por Damásio de Jesus que expõe: “critério para essa diversificação está
no órgão encarregado de aplicar o direito objetivo. Como escreve José Frederico Marques, direito
comum e direito especial, dentro do nosso sistema político, são categorias que se diversificam em
razão do órgão que deve aplicá-los jurisdicionalmente. Este é o melhor critério para uma
distinção precisa, pelo menos no que tange ao direito penal: se a norma objetiva somente se aplica
por meio de órgãos especiais constitucionalmente previstos, tal norma agendi tem caráter especial;
se a sua aplicação não demanda jurisdições próprias, mas se realiza pela justiça comum, sua
qualificação será a de norma penal comum”. Prosseguindo, acrescenta Damásio que, no “Brasil,
o Direito Penal Militar pode ser indicado como Direito Penal especial, pois a sua aplicação se
realiza por meio da justiça penal militar.”4
Segundo entendemos, classificar o direito penal especial em função do órgão judiciário
114 encarregado de aplicar o direito objetivo demonstra evidente confusão entre direito penal
especial e direito processual penal especial, talvez em razão de existir, igualmente, Direito
Processual Penal comum e Direito Processual Penal especial, que se diversificam porque, como
afirma com muita propriedade Romeu de Campos Barros, o “primeiro é aquele que se aplica a
todos os sujeitos, regulamentado pela legislação geral, enquanto que o segundo resulta de uma
legislação especial, intuitu personæ ou ratione materiæ, tendo uma esfera de aplicação limitada.”5
2
Flavio Gomes e Pablos de Molina, Direito Penal, vol. 2, págs. 495, 510 e 511
3
Celio Lobão, Direito Penal Militar, 3º ed., pág. 87
4
Damásio de Jesus, Direito Penal, 1 vol., pág. 8, Saraiva, 1982.
5
Sistema do Processo Penal Brasileiro, vol. I, pág. 9
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 115
Celio Lobão
de indivíduos.” 10 No crime propriamente militar, “o círculo possível de autores é restringido”,
nele só ingressam os militares da ativa, como resulta da norma constitucional (art. 5º, LXI, in fine),
e que não pode sofrer ampliação da lei ou da jurisprudência para alcançar o civil, sob pena de
grave violação ao princípio constitucional do juiz natural.
Buscando os ensinamentos sempre valiosos do mestre maior do Direito Penal Militar,
Esmeraldino Bandeira distinguia: “Crime comum ou de direito comum é o que consiste na
violação dos deveres gerais impostos pela lei penal a todos os indivíduos indistintamente. Crime 115
especial é o que resulta da infração de certos deveres impostos pela referida lei a determinadas
pessoas em virtude de uma situação, de um cargo ou de uma profissão; deveres que assim existem
para uns e não existem para outros.” 11 No mesmo diapasão, em seu magistério, sempre atual, João
6
Romeu de Campos Barros, op. cit., vol. II, págs. 206 e 207
7
Campos Barros, op. cit, , vol. II, pág. 208
8
Tratado de Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 34, Saraiva, 1980
9
Revista do STM, nº 1, pág. 203
10
Concurso de Agentes, pág. 94, 3ª ed.
11
Direito, Justiça e Processo Militar, pág. 17
Mendes, extremava o crime comum do crime militar (especial), que denomina delito próprio: “o
termo comum tem como correlativo oposto o termo próprio. Assim, delictum commune, delictum
proprium - eram expressões usadas pelos clássicos como correlativos opostos”12.
Sem divergir, expõe Nelson Hungria: “Crimes comuns e especiais (ou próprios...): comuns são os
que podem ser praticados por qualquer pessoa; especiais os que pressupõem no agente uma
particular qualidade ou condição pessoal, que pode ser de cunho social (ex.: funcionário público,
militar, comerciante, empregador, empregado, médico) ou natural (mulher, mãe, ascendente,
descendente). Assim, são crimes especiais os funcionais, ou puramente militares, o crime falimentar
próprio, a parede (greve), o auto-aborto, o infanticídio, o crime do art. 302, o abandono de
HC 81.438 (STF). Co-Autoria. Militar e Civil. Crime Propriamente Militar.
12
O Processo Criminal Brasileiro, pág. 79, 4ª ed.
13
(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. I, t. II, págs. 53 e 54
14
Lições de Direito Penal, Parte Especial, pág. 5
15
Cfr. Pietro Vico, Dir. Pen. Mil., pág. 5
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 117
Celio Lobão
igualmente no início do século passado, que a definição romana de crimes própria e impropriamente
militares “é, certamente, a mais aceitável; poucas diferenças fazem no fundo as definições dadas
hodiernamente, dos crimes propriamente militares”. Prossegue: “o grupo específico dos crimes
propriamente militares é constituído por infrações que prejudicam os alicerces básicos e específicos
da ordem e disciplina militar, que esquecem e apagam, com o seu implemento, um conjunto de
obrigações e deveres específicos do militar, que só como tal o pode infringir”.21
Sem divergir da doutrina pátria, o voto proferido pelo Ministro José Higino, do Supremo 117
Tribunal Federal, no Acórdão nº 406, segundo o qual, “durante o período da regência entendia-
se por crimes puramente militares aqueles que eram cometidos por militares e ofensivos das leis
militares. Não era militar todo o crime cometido por militares, mas somente os que importavam
violação dos deveres que incumbem aos indivíduos alistados no exército ou na armada. Que tal
16
Esmeraldino Bandeira, Direito, Justiça e Processo Militar, 1º vol., pág. 26/27
17
Carlos Colombo, El Derecho Penal Militar y la Disciplina, págs. 114/115
18
op. cit., pág. 115
19
Pietro Vico, Diritto Penale Militare, pág. 51, 1917
20
Esmeraldino, Dir., Just. e Proc. Militar, 1º vol., págs. 30/31
21
Crysólito de Gusmão, Direito Penal Militar, págs. 43 e 45
era a inteligência daquela expressão da lei bem o mostra a provisão de 20 de outubro de 1834, a
qual reputa crimes meramente militares todos os declarados nas leis militares e que só podem ser
cometidos pelos cidadãos alistados nos corpos militares do exército e armada...”.22
Ratificando o entendimento supra, expõe João Mendes: “Todo o crime supõe um ente
humano, uma intenção dolosa, um fato punível, mas há crimes que, além desses elementos
essenciais, comuns, são caracterizados por atributos próprios do agente, atributos que os
distinguem e individualizam. Assim, por exemplo, os crimes de deserção, indisciplina e outros
puramente militares - não são crimes comuns, são próprios da classe militar, por isso que o
homem, sem a qualidade de militar, não pode cometê-los”.23
HC 81.438 (STF). Co-Autoria. Militar e Civil. Crime Propriamente Militar.
22
in João Mendes, Processo Criminal Brasileiro, vol. II, pág. 84/85
23
O Processo Criminal Brasileiro, 4ª ed., pág. 79
24
in Homero Prates, Código de Justiça Militar, pág. 8
25
Culpabilidade nos Crimes Propriamente Militares, pág. 44
26
El Derecho Penal Militar y la Disciplina, pág. 123
27
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. I, Tomo I, pág. 186
28
in Virgílio Carvalho, Código Penal Militar Brasileiro, pág. 21
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 119
induz a nulidade absoluta, é possível, mesmo após o trânsito em julgado da decisão, impetrar
‘habeas corpus’ originário perante o Supremo Tribunal Federal; o que não seria admissível, nessa
hipótese, é veicular nulidade relativa”.
Por oportuno, acrescentamos o voto do Ministro Celso de Mello, proferido no HC 81.963,
aplicável à submissão do civil às cortes castrenses pelo crime propriamente militar: “A tentativa
de o Poder Público, arbitrariamente, fora das estritas hipóteses legais, pretender sujeitar, a
Tribunais Castrenses, em tempo de paz, réus civis, fazendo instaurar, contra eles, perante órgãos
da Justiça Militar da União, procedimentos de persecução penal, por suposta prática de crime
militar, representa clara violação ao princípio constitucional do juiz natural (CF art. 5º, LIII)”.
Ainda do mesmo voto: “Não se pode deixar de reconhecer, neste ponto, o caráter anômalo da
submissão de civis, notadamente em tempo de paz, à jurisdição dos Tribunais e órgãos
integrantes da Justiça Militar da União, por suposta prática de crime militar, especialmente se se
tiver em consideração que tal situação reveste-se de excepcionalidade inquestionável”. Repetindo,
acrescentamos, por suposta prática de crime propriamente militar, com grave violação ao
princípio constitucional do juiz natural. É o que acontece com o decidido no HC 81.438.
No STM, predomina o entendimento de que somente o militar pratica o crime propriamente
militar, nunca o civil. À título de exemplo, trecho de acórdão do STM: “Não é possível processar-
se e julgar-se um civil por crime propriamente militar, ou seja, aquele cujo cometimento só se dá
por parte de militar” (HC 032966-8/1993, Rel. Min. Wilberto Luiz Lima).
Ao decidir pelo prosseguimento do feito relativo ao julgamento do civil como co-autor do
crime de violência contra inferior hierárquico, violando a Constituição, o acórdão não atentou
para mais um elemento subjetivo do delito de violência contra superior ou inferior. Como afirma
Luiz Vicente Cernicchiaro: “A infração penal não se esgota no aspecto objetivo da conduta;
impõe-se não esquecer o plano subjetivo que orienta e define a vontade na modificação do
mundo físico”. Continua: “Somente estará configurada a co-autoria, e por isso, a unidade de
crime com pluralidade eventual de agentes, se houver identificação do elemento subjetivo
daqueles que deram causa ao evento”, portanto, “a unidade de crime só ocorre havendo
homogeneidade do elemento subjetivo”29.
No crime de violência contra superior ou inferior, ao lado do elemento subjetivo, isto é, a
vontade orientada para a prática da violência, a lei exige um plus, o dolo da violência contra
Celio Lobão
sujeito passivo específico: o superior hierárquico ou o inferior hierárquico. Resulta do disposto
no inc. I, do art. 47, do CPM, segundo o qual deixa de ser elemento constitutivo do crime, a
qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente. Se era desconhecida a
qualidade de superior ou de inferior da vítima, conclui-se que o ato ilícito não se dirigia contra
militar com essa qualidade.
Logo, se houver dolo na violência e dolo na prática do ato ilícito contra superior ou inferior
hierárquico, autor e co-autor militares responderão pelo delito de violência contra superior ou 119
inferior hierárquico, conforme o caso. Mas, se o co-autor desconhece a qualidade da vítima,
portanto ausente o dolo de praticar violência contra superior ou inferior hierárquico, não há unidade
de crime. O autor será processado e julgado pelo crime do art. 157 ou 175, conforme o caso,
enquanto o co-autor responderá pelos atos praticados, se encontrarem definição em outro artigo
da lei penal militar, ou, caso contrário, estará sujeito à sanção disciplinar. Quanto ao civil, não há
como cogitar de dolo na prática de violência contra superior ou inferior. A inexistência de relação
de superioridade ou inferioridade hierárquica entre civil e militar, exclui, de forma absoluta, o dolo
de violência contra militar com uma das qualidades mencionadas: superior ou inferior hierárquico.
29
Questões Penais, pág. 45
Com efeito, embora se faça presente a “homogeneidade do elemento subjetivo”, pois autor e
co-autor praticam o evento ilícito dolosamente, ainda assim, não haverá unidade de crimes, na
ausência de mais um elemento subjetivo, integrante do tipo: o dolo da ofensa física dirigida,
especificamente, contra militar que ocupa grau hierárquico superior ou inferior, em relação ao
autor, ao co-autor, ou a ambos. Daí a impossibilidade de conceituação da conduta ilícita do civil,
como crime de violência contra inferior, como entendeu o acórdão citado no início.
Reforçando o exposto acima, utilizando, como exemplo, o feito decidido pelo STF no HC
81.438, citado, em vez de militar e civil, se autor e co-autor fossem militares. Vejamos a solução
decorrente da ausência do elemento subjetivo específico por parte do co-autor militar: dois
HC 81.438 (STF). Co-Autoria. Militar e Civil. Crime Propriamente Militar.
militares praticam violência contra inferior hierárquico, desconhecendo o co-autor que se tratava
de inferior hierárquico. Havia unidade do dolo de infligir violência contra militar, porém, ausente,
no co-autor, o dolo da violência dirigida contra militar que ocupa grau hierárquico inferior ao seu.
O autor responderá pela violência contra inferior (art. 175 do CPM), enquanto o co-autor será
penalmente responsabilizado pelos atos praticados, se encontrarem definição em outro
dispositivo da lei penal castrense, ou, em caso contrário, responderá por transgressão disciplinar.
Portanto, não há unidade de crime pela ausência da homogeneidade do elemento subjetivo: dolo
do autor de realizar violência contra determinado militar, seu inferior hierárquico e ausência de
dolo do co-autor de praticar violência contra inferior hierárquico.
Ora, se o dolo da violência contra o militar que ocupa grau hierárquico superior ou
inferior ao autor, ou ao co-autor, integra o tipo, como é possível processar o civil como co-
autor de crime de violência contra inferior? Na hipótese do acórdão ora examinado, a solução
seria a seguinte: autor militar processado e julgado pelo crime de violência contra inferior
hierárquico; co-autor civil responderia pelos atos praticados, desde que definidos em outro
artigo da lei penal militar, atendidos os pressupostos do art. 9º, III, do CPM; não se ajustando
a outro dispositivo da lei substantiva castrense, separação de processos, com a remessa do
civil para a Justiça comum.
Segundo a fundamentação do acórdão, a qualidade de superior hierárquico do autor do delito,
“em relação à vítima, um soldado, estende-se porque no caso, elementar do crime. Aplicação da
teoria monista”. Evidente o equívoco. A elementar do crime, no caso, longe de se estender ao
co-autor, ao contrário, o exclui. Com efeito, a qualidade de superior ou inferior hierárquico do
autor principal, no delito de violência contra superior ou inferior, classifica o fato como crime
propriamente militar, no qual, por vedação constitucional, o civil não ingressa como autor e nem
como co-autor.
Além do mais, deve-se atentar para o fato de que, na descrição típica do crime propriamente
militar, vem explícita ou implícita a condição de militar do agente. Nos artigos seguintes vem
expressa, integrando o tipo, a qualidade de militar do sujeito ativo: arts. 149 a 152, 166 e 167, 171,
120 187 e 188, 191 e 192, 196, 202 e 203. Em outros artigos a qualidade de militar vem implícita, mas
não comporta dúvida, utiliza denominação que indica a qualidade de militar do sujeito ativo, tais
como superior (hierárquico), uniforme, insígnia, distintivo, ou condecoração militar, comando,
comandante, requisição militar, subordinado, inferior, oficial, posto (militar): 157, 160, 298, 162
e 163, 168 a 170, 176, 194 e 195, 197 a 204.
Sem divergência do acima exposto, decidiu o STM, referindo-se ao crime de desrespeito a
superior: “Enquanto o primeiro (art. 160 do CPM), em razão da elementar superior, que envolve,
necessariamente, um vínculo hierárquico, deve ser considerado crime propriamente militar”
(Apel. 049325-5, Rel. Min. Flávio Flores da Cunha Bierrenbach).
Não se pode esquecer que o Código Penal Militar conceitua a violência contra inferior (art.
175) como crime de excesso ou abuso de autoridade (Capitulo VI, Título II, Livro I, da Parte
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 121
Especial). Abuso é “o uso ilegítimo do poder inerente ao cargo ou a função”30. Função e cargo
referem-se à autoridade militar, cujo poder decorrente do posto ou graduação é usado
ilegitimamente pelo sujeito ativo, exclusivamente superior hierárquico da vítima, dispensado
dizer, nunca o civil, mesmo em co-autoria. A violência contra superior (art. 157), classificada
como crime contra a autoridade ou a disciplina militar, igualmente, não pode ser praticada
pelo civil, mesmo como sujeito ativo.
Afirmamos mais uma vez que a doutrina, a jurisprudência e a Constituição de 1988 não
deixam dúvida de que somente o militar da ativa ingressa como sujeito ativo do crime
propriamente militar. No entanto, ilustres autores do Direito castrense denominam teoria
Romeiro, a justificativa deste último para seu entendimento equivocado de que a insubmissão
seria crime propriamente militar, exceção isolada da “teoria clássica”31.
Ao justificar a classificação de insubmissão como crime propriamente militar, Romeiro
afirma que Vico “considera como crimes propriamente militares os definidos com
exclusividade pela lei penal militar, sem correspondente na lei penal comum”, e acrescenta
que não exige “essa doutrina, no Brasil, para caracterização do crime propriamente militar, a
qualidade militar do agente”32. No entanto, segundo Carlos Colombo, não é esse o
entendimento de Vico. Para o autor italiano, a essência objetiva do delito militar compõe-se
de dois elementos: a qualidade militar do culpado e a qualidade militar do fato. A qualidade
militar é o pressuposto dos deveres militares, sem ela, algumas violações seriam inconcebíveis,
como a deserção.33 Como se vê, segundo o penalista militar argentino, Vico refere-se ao
militar como sujeito ativo exclusivo do delito militar, não dando ensejo a que se inclua o civil
nessa espécie de infração penal castrense. A denominada teoria Romeiro foi construída para
justificar o que seria exceção isolada da teoria clássica, a insubmissão como crime
propriamente militar. Perguntamos, se o serviço militar deixar de ser obrigatório, continuará
sobrevivendo a teoria da exceção única?
Segundo a denominada teoria Romeiro, “Crime propriamente militar seria aquele cuja
ação penal só pode ser proposta contra militar”34, melhor dizendo, ação penal militar em vez
de ação penal, rigor justificável, por se tratar de teoria. Acontece que há fatos delituosos
definidos no Código Penal Militar, com igual definição na lei penal comum, aos quais a lei
penal castrense acrescentou, ao tipo, a qualidade de militar do agente, logo, nesses casos, a
Celio Lobão
ação penal militar somente pode ser proposta contra integrante das Forças Armadas. São eles:
abandono de pessoas (art. 212); violação por militar de correspondência privada de militar
(art. 227, caput e §§ 1ºe 2º, c/c o § 4º e art. 9º, II, a); divulgação de segredo e violação de recato
(arts. 228 e 229, c/c os arts. 231 e 9º, II, a); receita ilegal (art. 291); omissão de notificação de
doença (art. 297); recusa de função na Justiça Militar (art. 340). Entretanto, difícil sustentar a
classificação dos fatos delituosos acima, como crimes propriamente militares, sem esquecer
mais um, o crime de pederastia ou outro ato libidinoso em lugar sujeito à administração 121
militar (art. 235), cuja ação penal militar só pode ser proposta contra militar.
Retornando ao acórdão, a exclusão do civil como autor ou co-autor do crime de violência
contra superior ou contra inferior, sobreleva o fato de que essa exclusão resulta da própria Lei
Fundamental, como já acontecia antes dela.
30
Giulio Battaglini, Direito Penal, vol. 2, pág, 472
31
Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger, Apontamentos de Direito Penal Militar, pág. 50
32
Curso de Direito Penal Militar, pág. 71.
33
in Carlos Colombo, El Derecho, pág. 124
34
Curso, pág. 7
35
Esmeraldino Bandeira, Dir., Just., Proc. Mil., 1º vol., pág. 26
36
Esmeraldino Bandeira, Direito, Justiça e Processo Militar, 1º vol., pág. 31
37
Esmeraldino Bandeira, Direito, Justiça e Processe Militar, 1º vol., págs. 19 e 20
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 123
Celio Lobão
porque constituem, além da lesão de um bem ou interesse militar, a violação de um dever militar,
isto é, as que, sendo essencialmente militares, só o militar pode cometer, porque constituem, além
da lesão de um bem e interesse militar, a violação de um dever militar que, por esses motivos,
somente pode vincular o militar.39
123
38
Cfr. Celio Lobão, Dir. Pen. Mil., 3º ed., pág. 87
39
El Derecho Penal Militar y la Disciplina, pág. 123.
Cláudio Martins
punidos com detenção não superior a 2 (dois) anos. Nesse último caso, a lei suprime a exceção,
vale dizer, restabelece a regra geral que veda a liberdade provisória, nos crimes de violência contra
superior, desrespeito a superior, desrespeito a símbolo nacional, despojamento desprezível,
recusa de obediência, abuso de requisição militar, resistência mediante ameaça ou violência, fuga
de preso ou internado, deserção, deserção por fuga ou evasão, pederastia, desacato a militar e
ingresso clandestino.
Pela disposição normativa, não é absurdo afirmar que, para a lei adjetiva especial, a simples
prática de crime militar impõe, cautelarmente, o cerceamento da liberdade do agente, admitindo- 125
se a liberdade provisória em casos excepcionais. A prisão é a regra; a liberdade, a exceção.
A lei processual penal militar e a Constituição, assim, apontam em sentidos opostos em
matéria de liberdade provisória, trazendo à tona a questão da não recepção de normas
infraconstitucionais preexistentes e incompatíveis com a Constituição.
Ao mesmo tempo, impõe-se a análise da compatibilização material de um estatuto legal
outorgado em regime autoritário completamente superado pela ordem constitucional vigente,
fundada no princípio democrático e vinculada ao império da lei.
A normatização da liberdade, no texto constitucional, confere-lhe estatuto de direito
fundamental, e o fundamento de validade de imposição de restrições à liberdade provisória de
acusado em processo penal militar está na própria Constituição. O conflito estabelecido entre a
453 do CPPM”.
Dispõe o artigo referido que, se não for julgado em até 60 (sessenta) dias, o desertor será
posto em liberdade. Ao texto legal a Corte Militar conferiu interpretação de norma proibitiva de
concessão de liberdade provisória. Trata-se, na verdade, de estabelecimento de prazo razoável de
duração do processo, garantia constitucional formalmente assegurada desde o advento da
Emenda Constitucional nº 45/2004 (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
Apenas recentemente o Supremo Tribunal Federal ocupou-se da questão da prisão do
desertor:
“(...) 3. Interpretação do STM quanto ao art. 453 do CPPM (“Art. 453. O desertor que não for
julgado dentro de sessenta dias, a contar do dia de sua apresentação voluntária ou captura, será posto
em liberdade, salvo se tiver dado causa ao retardamento do processo”). O acórdão impugnado aplicou a
tese de que o art. 453 do CPPM estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias como obrigatório para a
custódia cautelar nos crimes de deserção. 4. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a concessão
da liberdade provisória, antes de ultimados os 60 (sessenta) dias, previstos no art. 453 do CPPM, não
implica qualquer violação legal. O Parquet ressalta, também, que o decreto condenatório superveniente,
proferido pela Auditoria da 8ª CJM, concedeu ao paciente o direito de apelar em liberdade, por ser
primário e de bons antecedentes, não havendo qualquer razão para que o mesmo seja submetido a nova
126 prisão. 5. Para que a liberdade dos cidadãos seja legitimamente restringida, é necessário que o órgão
judicial competente se pronuncie de modo expresso, fundamentando e, na linha da jurisprudência deste
STF, com relação às prisões preventivas em geral, deve indicar elementos concretos aptos a justificar a
constrição cautelar desse direito fundamental (...) 6. O acórdão impugnado, entretanto, partiu da
premissa de que a prisão preventiva, nos casos em que se apure suposta prática do crime de deserção
(CPM, art. 187), deve ter duração automática de 60 (sessenta) dias. A decretação judicial da custódia
cautelar deve atender, mesmo na Justiça castrense, aos requisitos previstos para a prisão preventiva nos
termos do art. 312 do CPP. (...) Ao reformar a decisão do Conselho Permanente de Justiça do
Exército, o STM não indicou quaisquer elementos fático-jurídicos. Isto é, o acórdão impugnado limitou-
se a fixar, in abstracto, a tese de que ‘é incabível a concessão de liberdade ao réu, em processo de deserção,
antes de exaurido o prazo previsto no art. 453 do CPPM’. É dizer, o acórdão impugnado não conferiu
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 127
base empírica idônea a fundamentar, de modo concreto, a constrição provisória da liberdade do ora paciente
(CF, art. 93, IX). (...) 7. Ordem deferida para que seja expedido alvará de soltura em favor do ora
paciente.” (HC nº 89.645-6 - Rel Min. Gilmar Mendes - 2ª Turma - unânime - j. 11.09.2007 - DJ
27/09/2007).
O artigo 312, do Código de Processo Penal comum, é uma síntese dos artigos 254 e 255, do
Código de Processo Penal Militar. A prisão preventiva deve fundar-se em prova do fato e indícios
de autoria, e será decretada para a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução
criminal, a segurança da aplicação da lei penal militar e a exigência da manutenção das normas
ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a
liberdade do indiciado ou acusado. Tais fundamentos específicos merecem análise à parte, pela
complexidade do tema, pois alguns deles podem configurar juízo de mérito antecipado, sem
qualquer relação com a cautelaridade instrumental essencial à garantia da prestação jurisdicional,
e como tal não serão aprofundados aqui. Todavia, há farta jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal analisando pontuadamente cada um dos fundamentos da prisão preventiva e a
compatibilidade com a garantia constitucional da presunção de inocência.
Não é constitucionalmente viável a interpretação do artigo 452, do Código de Processo Penal
Militar, objeto da súmula do Superior Tribunal Militar, por não existir prisão legal desprovida de
fundamentação na vigente ordem constitucional.
A conclusão a que se chega é do cabimento da concessão de liberdade provisória, mesmo na
hipótese de prática dos crimes elencados no artigo 270, da lei processual penal militar, desde que
não se mostrem presentes os requisitos para a decretação de prisão preventiva.
Alberto da Siva Franco, autor de obra clássica2 em que analisa a Lei de Crimes Hediondos,
teceu as mais duras críticas ao dispositivo legal que veda a concessão de liberdade provisória nessa
modalidade de delito. Em sua análise, o artigo 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal, que
estabelece que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança, não autoriza a interpretação de que, vedada pela lei a liberdade
provisória, fica admitida automaticamente a prisão preventiva. Segundo o autor:
“A proibição da liberdade provisória, de modo global ou em relação a determinados tipos de crime, mediante
lei ordinária, traduz-se também numa lesão ao princípio do due process of law consagrado no inc. LIV
Cláudio Martins
do art. 5º da Constituição Federal. (...) Na interpretação do princípio constitucional da liberdade
provisória, em harmonia com outros princípios fundamentais conexos, não se pode também perder de vista
o inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal que estabelece, de forma imperativa, que ‘ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (...) Resta ainda enfatizar
que o princípio da presunção de inocência não está garantido apenas pela Constituição Federal de 1988,
mas, na atualidade, encontra também suporte tanto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
quanto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).”
Não subsiste mais nenhuma vedação legal à concessão de liberdade provisória, já que se trata 127
de direito fundamental minuciosamente regulado em nível constitucional, onde também se
encontra normatizada a restrição a esse direito. Nada impede que a prisão cautelar seja decretada
com estrita observância dos requisitos legais, impondo ao órgão de acusação formulação de
pedido fundado em elementos empíricos, e ao juiz a prolação de decisão devidamente
fundamentada, permitindo a aferição de seus argumentos em níveis recursais, ou pela
impugnação autônoma do habeas corpus.
O Supremo Tribunal Federal vem sistematicamente mitigando o rigor dos diplomas legais
aplicáveis na Justiça Militar. A questão da liberdade provisória aqui exposta foi acolhida em
2
Crimes Hediondos. 5a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
medida liminar concedida recentemente pela Ministra Carmen Lucia3. Na origem, o Superior
Tribunal Militar dera provimento a recurso criminal4 do Ministério Público interposto contra
decisão judicial que concedera liberdade provisória a militar preso pelo crime de recusa de
obediência (art. 163, Código Penal Militar). Na insurgência, o órgão de acusação sustentava,
essencialmente, a proibição legal de concessão de liberdade provisória a crimes dessa espécie,
com o que concordou a Corte Militar.
Para concluir, cabe afirmar a necessidade premente de reformulação do Código Penal Militar
e do Código de Processo Penal Militar, sob a égide dos valores inerentes ao princípio
democrático, no qual se inserem as Forças Armadas, com a missão que lhes atribuiu a
Constituição Federal. Novos valores e novos bens jurídicos exigem a intervenção racional do
legislador na formulação de tipos penais adequados à realidade atual das Forças Armadas,
incumbidas da defesa da Pátria e colocadas como garantia dos poderes constituídos.
Se na origem da outorga dos diplomas legais as Forças Armadas eram o próprio poder
constituído, hoje atuam como instrumento de proteção e garantia do poder civil, demandando a
reformulação, em primeiro lugar, da tipologia penal aplicável aos órgãos militares, bem como das
normas de exercício do poder jurisdicional e da organização judiciária.
O espaço destinado à discussão dessa reformulação, num regime democrático, é o poder
legislativo, entre nós atribuído ao Congresso Nacional. Isso, como é elementar, não exclui a
atuação da sociedade e dos órgãos incumbidos da aplicação da lei penal especial na discussão e
Liberdade provisória e princípio democrático
Bibliografia
AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª edição. São Paulo:
Malheiros, 2005.
3
HC nº 93.422, pendente a apreciação de mérito.
4
Recurso Criminal (FO) nº 2007.01.007472-0 PE, Rel. p/ acórdão Min. Olympio Pereira da Silva Junior.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 129
BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal Militar de 1969. Parte Especial. 2º volume.
São Paulo: Juriscredi, 1972
BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das
Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996.
BARROS, Edgard Luiz de. Os Governos Militares. O Brasil de 1964 a 1985. Os Generais e a Sociedade.
A Luta pela Democracia. São Paulo: Editora Contexto, 1998.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 2ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 1998.
.CAMARGO, Joaquim Augusto de. Direito Penal Brasileiro. 2ª edição, São Paulo: Revista dos
Tribunais,/FGV, 2005.
CASTRO, Celso. Izecksohn, Vitor. Kraay, Hendrik (organização). Nova História Militar
Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Moderna Teoria do Fato Punível. 3ª edição, Curitiba: Fórum.
CORREA, Teresa Aguado. El Principio de Proporcionalidad em Derecho Penal. Madrid: EDERSA,
1999.
CONDE, Francisco Muñoz. Edmund Mezger e o Direito Penal de seu Tempo. Estudos sobre o Direito
Penal no Nacional-Socialismo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.
FERNANDES, Antonio Scarance. A Reação Defensiva à Imputação. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002.
____________________________ Processo Penal Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2000.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002.
Cláudio Martins
FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 7ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
____________________Crimes Hediondos. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. As Ilusões Armadas. São Paulo: Companhia das Letras,
2002. 129
GIANNELLA, Berenice Maria. Assistência jurídica no processo penal. Garantia para a efetividade do
direito de defesa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2001.
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES,
Antonio Scarance. Recursos no Processo Penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1999.
GUSMÃO, Crysólito de. Direito Penal Militar. Rio de Janeiro, 1915.
KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1998.
LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar, 2ª edição, Brasília: Brasília Jurídica, 2004.
NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no Processo Penal. 2ª edição.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Doutrina e
Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.
PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. Evolução Histórica. 2ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
ZAVERUCHA, Jorge. A Justiça Militar no Estado do Pernambuco Pós-regime Militar: um Legado
Autoritário. Revista Brasileiro de Ciências Criminais n.º 29. São Paulo: Editoria Revista dos
Tribunais, 2000.
ZAFFARONI, Eugenio Raul, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro.
Parte Geral. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
Liberdade provisória e princípio democrático
130
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 131
S u m á r i o : I - Introdução. II - Estrutura do Crime Militar Culposo; Conduta Humana Involuntária; Dever de Cuidado Objetivo;
Risco Permitido/Risco Proibido; Regras do Ofício e Princípio da Confiança. Resultado Involuntário; Nexo De Causalidade - Imputação
Objetiva; Tipicidade. III - Conclusão.
I - Introdução
culposo, tendo no evento danoso seu aspecto mais saliente, a implicar o fato punível no desvalor
do resultado.
A delimitar a previsibilidade do evento estariam, no limite superior, o dolo eventual, fronteira
da culpa consciente, ou culpa com previsão – na qual a vontade passa a desenvolver-se
teleologicamente para um resultado que o agente confia poder evitar – e no limite inferior, os
casos fortuitos ou de força maior, nos quais a previsibilidade já não teria a menor relevância
em relação ao resultado. Ou os resultados seriam imprevisíveis, ainda que adotados os cuidados
exigidos pela lei ou pelo costumes para o comportamento, ou inevitáveis, ainda que previsto o
resultado, por forças superiores as do agente. É o que se extrai da fórmula casuística adotada pelo
Código Penal Comum de 1940, art. 15, II, mantida pela reforma de 1984, na dicção do art. 18:
Diz-se o crime: - II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia.
Imprudência, negligência ou imperícia constituiriam modalidades genéricas de
culpa, enunciação casuística do cuidado objetivo exigível. Em substância, através dessa
formulação, apresentar-se-iam as condutas reprováveis de quem omite a cautela, a atenção e a
diligência ordinária ou especial devidas.
O Código Penal Militar em vigor, Decreto-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969,
acompanhando as modificações introduzidas na Lei Penal Comum pelo Código Penal de 1969,
Decreto-Lei nº 1004, de 21 de outubro de 1696 - revogado antes de entrar em vigor - preferiu
conceituar tecnicamente a culpa:
especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou,
prevendo, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.
A estrutura do crime militar culposo, diversa, portanto, da do crime doloso, abarcaria uma conduta
voluntária, em cujo eixo central acha-se o dever de cuidado objetivo, informado pelos conceitos de risco
permitido e risco proibido, pelas reegras da profissão do militar e pelo princípio da confiança; o resultado
involuntário, o nexo de causalidade e a tipicidade.
A conduta culposa consiste na ação ou omissão voluntárias, da qual resulta um evento lesivo não
querido, por inobservância do dever de cuidado objetivo.
Os fins perseguidos pela conduta são irrelevantes sob o ponto de vista penal, a conduta é
dirigida para um fim lícito, o modo ou os meios empregados é que não se conformam à cautela,
atenção, ou diligência ordinária, ou especial, exigíveis nas circunstâncias.
Não será decisivo se o resultado involuntário, não querido, era ou não previsível, influindo tal
distinção apenas na caracterização da espécie de culpa: inconsciente ou consciente. Na primeira,
o resultado não é previsto pelo agente, conquanto previsível, se agisse com o cuidado devido. É
a culpa comum, que se manifesta pela imprevisão do previsível, no dizer de Nelson Hungria:
“previsível é o fato cuja possível superveniência não escapa à perspicácia comum.” (4). A
segunda, culpa consciente, também chamada culpa com previsão, é aquela em que o agente prevê
o resultado, mas confia, com honestidade de propósitos, que ele não ocorra, ou que poderá evitá-
lo com a sua atuação pessoal. É a dicção da parte final do art. 33, II do CPM:
Art. 33. Diz-se o crime:
II – culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a
que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe
levianamente que não se realizaria, ou que poderia evitá-lo.
pois só com a causação do resultado é que se poderá examinar e concluir pelo descumprimento do
dever de cuidado. A não-observância do dever de cuidado constituirá o fator determinante do
resultado. (9)
Fundamental aqui a precisa delimitação do risco permitido e do risco proibido. O limite da
permissibilidade social, ou profissional, como no caso dos militares, é o ponto de partida para
delimitar de modo geral o cuidado objetivo exigido.
Ponto de inflexão para a definição da culpa, o conceito de risco permitido delimitará de modo
genérico o cuidado objetivo exigido nas ações, potencial ou concretamente, perigosas. O
primeiro referencial, por conseguinte, será o estabelecido pela lei para o caso concreto. O
exemplo mais comum é a limitação de velocidade para veículos automotores nas zonas urbanas
e nas estradas. Ultrapassados os limites estabelecidos ocorrerá a violação do dever de cuidado
objetivo exigido, ingressando a conduta, em princípio, no risco proibido, a cuja superveniência
de um resultado danoso estará vinculada e, em conseqüência, implicar responsabilidade para o
agente.
A desobediência às regras produz um risco proibido, desaprovado, caracterizador do desvalor
da ação, limite da previsibilidade de ações perigosas.
De ressaltar, por óbvio, a insuficiência desses parâmetros. Ninguém admitirá como
socialmente permissível a conduta de quem conduz um veículo na velocidade máxima permitida
em lei, diante da probabilidade próxima e iminente de causar danos à pessoa que, desavisada ou
desatenta, incapaz ou enferma, atravesse a rua de forma descuidada. Diante da dúvida acerca da
possibilidade de lesão, haverão de ser reduzidos os limites da conduta permitida até a abstinência,
se indispensável para evitar o resultado lesivo. Este critério, preciso para a aferição da culpa no
direito penal comum, é insuficiente para a sua determinação na esfera penal militar. A
Não sendo possível eliminar todos os riscos do tráfego social, o que resultaria na paralisação
da produção e da prestação de serviços essenciais para a saúde e para a vida coletiva, os critérios
de utilidade, necessidade e inevitabilidade dos riscos serão ditados por normas jurídicas, regras
técnicas, pelo conhecimento técnico das profissões - Lex artis - e pelo dever de informar-se (2) idem Damásio,
pág. 42/43.
Exemplo de norma jurídica que delimita o risco proibido é o art. 279 do CPM. Dirigir veículo
motorizado, sob administração militar, na via pública, encontrando-se em estado de embriaguez, por bebida
alcoólica, ou qualquer outro inebriante. Pena – detenção, de três meses a um ano. Em que pese punir-se a
conduta por dolo, não sendo prevista a modalidade culposa, nada obsta a imputação pelo risco
proibido.
Regras Técnicas: As Instituições Militares possuem grande número de Regulamentos e
Instruções para a utilização de armas, instrumentos, equipamentos, instalações, ou veículos,
estabelecidas com a finalidade de reduzir ou eliminar os riscos mais comuns da atividade. São
indicadores colhidos pelo desenvolvimento científico e tecnológico, pela experiência
consolidada ao longo do tempo e pela repetição das ações, delimitadoras, no campo técnico
profissional, do cuidado exigido nas situações concretas e peculiares da profissão do militar.
São padrões objetivos que devem servir de balizamento na avaliação do cuidado objetivo
exigido.
Manuais – Lex artis: O exercício da profissão do militar, pelos riscos inerentes a atividade, em
regra, é regulado por compêndios de consulta e manuseio simples, cujo objetivo é facilitar a
execução de tarefas peculiares, a constituir verdadeiros limites a determinadas ações. A mera
desobediência aos princípios e regras por estes recomendadas leva à constatação do risco
proibido. Vinculando meios e modos de atuação, o descumprimento dos limites recomendados
conduz à responsabilização pela produção dos riscos não chancelados pela utilidade e
Do Crime Militar Culposo
necessidade da conduta. Exemplo digno de nota nesse contexto são os Manuais de Segurança da
Instrução Militar, sempre valiosos nas ações de elevados riscos.
De ressaltar-se que não bastará a simples violação das regras técnicas ou dos manuais de
exercício para conduzir à responsabilização pelo resultado lesivo. Há de verificar-se se existe o
nexo de causalidade entre a violação e o resultado danoso e se o cumprimento da norma técnica
impediria o resultado proibido. Há de se reconhecer que, na busca da otimização de meios e
modos de atuação, desfrutam os instrutores e comandantes militares de uma faixa de
discricionariedade, onde o interesse público não é regulado em sentido amplo, nem pela tutela
penal, nem pelas regras técnicas, ou pelos manuais da profissão.
Dever de informar-se: O profissional em geral e o militar em particular, pelos perigos
136 característicos da profissão, devem planejar cuidadosamente a atividade a ser realizada. A
surpresa para os militares, em regra, quando não atribuível a caso fortuito ou de força maior,
constitui falha de planejamento. Por isso, está obrigado ao exame prévio de todas as ações e
conseqüências, de forma a prever todos os resultados potencialmente lesivos. A omissão nesses
casos induz a criação de riscos juridicamente desaprovados, conduzindo à violação do dever
objetivo de cuidado. No emprego de meios e modos de combate estará obrigado ao
conhecimento pleno daquilo que emprega. Não é aceitável que o militar desconheça os efeitos
do uso de determinada arma, equipamento, ou acessórios, e os utilize sem o domínio e controle
dos efeitos. Se o curso causal de sua atuação não estiver sob seu domínio cognitivo e volitivo deve
abster-se de praticá-lo. A dúvida aqui é indutora do risco proibido, a abstinência do
comportamento obrigatório, respondendo o agente pelos resultados danosos que der causa.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 137
Princípio da confiança
2. Resultado involuntário
Nos delitos culposos, ao resultado lesivo como efeito há de estar vinculada uma conduta
humana voluntária como causa. Conduta humana voluntária que omite a cautela, a atenção ou a
diligência devida. A ilicitude nos crimes culposos surge com a discrepância entre a conduta 137
observada e as exigências do ordenamento jurídico com respeito ao cuidado objetivo necessário
em todo comportamento, de forma a evitar dano a interesses e bens de terceiros.
Os resultados nos delitos culposos militares serão sempre em detrimento da vida, da saúde,
da integridade física, ou do patrimônio, da pessoa ou da instituição militar. Quanto ao aspecto
qualitativo o resultado ou evento terá a sua configuração em dano ou perigo de dano. Em
nenhuma hipótese será admissível a tentativa, posto que nesta a vontade dirige-se a um resultado
proibido, diverso daquele que resulta da conduta culposa, que não é dirigida ao evento típico.
O resultado culposo poderá também qualificar a conduta dolosa ou culposa, nos crimes
preterdolosos e culposos qualificados pelo resultado culposo, v.g., nos crimes de perigo comum,
art. 277 do CPM, entre outros.
Eppur si muove ! (No entanto, se move) insistiria Galileo Galilei – 1564/1642 - para ver-se
punido definitivamente com a prisão domiciliar e o silêncio pelo resto dos seus dias, livrando-se
da fogueira destinada aos hereges, na qual, antes dele, Giordano Bruno viu-se consumido pelas
mesmas razões.
O movimento, ininterrupto, é a força da vida, em qualquer ponto do universo. É do
movimento, incessante, que as transformações surgem por força de energias naturais, que alguns
consideram cegas, ou pela vontade dos protagonistas principais, os homens, cujos efeitos sequer
podem evitar em grande número de casos, convertendo-os em agentes e objeto dessa energia
transformadora e eterna.
O Direito Penal ocupa-se apenas de parte dessas transformações, as engendradas pela
vontade humana, pretendendo antecipar ações e conseqüências, quando importam em
perturbações ou lesões para as relações intersubjetivas. Há ações que dispensam a eclosão do
Do Crime Militar Culposo
4. Tipicidade
Nem todo fato da vida social que causa lesão ou perigo de lesão a interesses jurídicos
relevantes é incriminado e punido por sanção penal que o condiciona à ordem jurídica. Por isso
o legislador apenas previu os comportamentos que maiores reflexos lesivos podem causar à
ordem jurídica, definindo-os como condutas proibidas. Essa definição, abstraído qualquer
conteúdo valorativo, é a tipicidade. 139
O tipo legal é a descrição abstrata que expressa os elementos da conduta lesiva.
É a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei
penal incriminadora, conceitua Damásio E. de Jesus. É a qualidade que possui o fato de encontrar
correspondência descritiva no modelo legal, conclui. (6)
Decorrência lógica do princípio da reserva legal, exige adequação do fato praticado com a
descrição abstrata da lei penal. Como sublinha Cezar Roberto Bitencourt, essa adequação,
operação intelectual de conexão entre fatos e o modelo típico, cumpre uma função fundamental na
sistemática penal. Sem ela a teoria ficaria sem base, porque a antijuridicidade deambularia sem estabilidade e a
culpabilidade perderia sustentação pelo desmoronamento do seu objeto, socorrendo-se do pensamento de
Zaffaroni. (DP, vol 1, Saraiva, 2000.)
III – Conclusão
1ª. A cláusula genérica consagrada no direito penal comum para a valoração do dever objetivo
de cuidado, através da fórmula casuística do art. 18, II do CP: Diz-se o crime: culposo, quando
o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, é insuficiente para a
delimitação da culpa, em sentido estrito, no Direito Penal Militar;
2ª. A previsibilidade do evento lesivo, adotada pela doutrina clássica como essência do crime
culposo, cede à violação do dever objetivo de cuidado como critério para a determinação da culpa
stricto sensu;
3ª. O dever objetivo de cuidado, eixo central e condutor da conduta culposa, é informado
pelos conceitos de risco permitido e risco proibido, pelas regras da profissão do militar e pelo
princípio da confiança;
4ª. A permissibilidade de condutas perigosas no âmbito do direito penal militar, advém da
estrutura, organização, atribuições, meios e modos e atuação das Instituições Militares, segundo
critérios de necessidade, utilidade, evitabilidade ou inevitabilidade do risco, vinculadas a atividades
perigosas por sua própria natureza, não se aplicando os escólios da doutrina penal comum. De
tal modo discrepam destes, que no âmbito do DP comum, antevisto o resultado lesivo, os limites
do risco permitido se estreitam até a abstinência da conduta, ao contrário da ambiência militar,
onde o risco é peculiar da própria atividade e o incremento, variação ou grau de risco permitido
subordinado a outros fins.
Bibliografia
(1) Lições de Direito Penal. Heleno Cláudio Fragoso, Forense, 6a ed. pág. 220;
(2) Johannes Wessels, cit. Por Damásio Evangelista de Jesus, DP, 1º vol. Pág. 299, 25ª ed. 2002;
Do Crime Militar Culposo
O CPM, entre outros dispositivos, trata do cumprimento das penas dos condenados pela
Justiça Militar nos artigos 59 a 62 e 84 e seguintes.
Um pequeno preâmbulo faz-se necessário para analisar os motivos que levaram o legislador
a modificar os arts. 61 e 62 do CPM, que dizem respeito ao cumprimento das penas impostas
pela Justiça Militar.
O elemento histórico é importante para a melhor interpretação, inclusive quanto à elaboração
de determinados dispositivos. Com relação à concessão do sursis, por exemplo, o art. 606 do
CPPM estabelece: “O Conselho de Justiça, o Auditor ou o Tribunal poderão suspender, por
tempo não inferior a 2 (dois) anos nem superior a 6 (seis) anos, a execução da pena privativa de
liberdade que não exceda a 2 (dois) anos, desde que ...”. A nova Lei de Organização Judiciária,
Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992, no art. 28, inciso VII, somente atribuiu competência aos
Conselhos de Justiça e ao Tribunal para conceder a suspensão condicional da pena, como bem
observaram os Doutores Jorge César de Assis e Cláudia Rocha Lamas, na obra A Execução da
Sentença na Justiça Militar, Ed. Juruá, 2ª edição, 2005, 4ª tiragem, na pág. 97. Não observou o
legislador que, se o condenado passar a ter direito ao sursis durante a execução da pena, e sendo
o Juiz-Auditor o executor da sentença, é ele quem deve adequá-la para conceder a suspensão
condicional da execução da pena. Como exemplo, podem ser citadas as hipóteses ocorridas a
* Subprocurador-Geral da Justiça Militar (AP). Membro da Câmara Editorial Geral da Escola Superior do Ministério Público da União e Professor de
Direito Penal Militar e Processo Penal Militar.
Surge uma primeira dúvida em relação ao referido dispositivo, pois, sendo o militar
condenado a mais de dois anos, se praça, estaria sujeito à exclusão das Forças Armadas, na forma
do art. 102 do CPM, e, se oficial, seria passível da perda do posto e patente, por força do que
dispõe o art. 142, inciso VII, da Constituição da República. Assim, é evidente que tal disposição
só seria aplicável enquanto o militar não fosse excluído das Forças Armadas ou se, por qualquer
motivo, mesmo condenado a pena superior a dois anos, permanecesse na Força, o que pode
ocorrer, por exemplo, se o STM não acolher a Representação da Procuradoria-Geral no sentido
da perda do posto e patente do oficial condenado a mais de 2 (dois) anos.
O art. 62 do CPM tinha a seguinte redação: “O civil cumpre a pena imposta pela Justiça
Militar em penitenciária civil ou, à falta, em seção especial de prisão comum, ficando sujeito ao
regime do estabelecimento a que seja recolhido. Parágrafo único. Por crime militar praticado
Questões controvertidas sobre a execução penal na Justiça Militar
em tempo de guerra poderá o civil ficar sujeito a cumprir a pena, no todo ou em parte, em
penitenciária militar, se, em benefício da segurança nacional, assim o determinar a sentença.”
(destacamos)
O referido artigo também foi alterado pela citada Lei nº 6.544/78, passando a prescrever: “O
civil cumpre a pena aplicada pela Justiça Militar, em estabelecimento prisional civil, ficando ele
sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões,
também, poderá gozar. Parágrafo único. Por crime militar praticado em tempo de guerra
poderá o civil ficar sujeito a cumprir a pena, no todo ou em parte em penitenciária militar, se, em
benefício da segurança nacional, assim o determinar a sentença.” (destaques nossos)
Por que os citados dispositivos do CPM foram alterados pela Lei nº 6.544, de 30 de
junho de 1978?
As referidas alterações decorreram das profundas modificações introduzidas na legislação
comum brasileira, relativamente à execução das penas, pela Lei nº 6.416, de 24 de maio de 1977,
a qual, alterando a legislação comum, instituiu a denominada prisão-albergue e novas formas do
cumprimento da pena privativa de liberdade.
Em palestra proferida em 27 de agosto de 1983, na Universidade do Distrito Federal, que foi
publicada sob o título “Prisão- Albergue”, o Ministro do Superior Tribunal Militar, Doutor
GUALTER GODINHO, na pág. 17, observa: “A oficialização da instituição da prisão- albergue
no Brasil apenas se operou com a Lei Federal nº 6.416, de 24 de maio de 1977.” Na pág. 21, o
eminente Ministro comenta as conseqüências da referida lei na legislação penal militar: “Também
a legislação especial respeitante à Justiça Militar sofreu a influência das normas comuns
estabelecidas pela Lei nº 6.416/77, referentes aos regimes carcerários. Assim, a Lei nº 6.544, de
30 de junho de 1978, prevê o estabelecimento da prisão-albergue aos condenados pela justiça
castrense. Este último diploma legal que alterou os dispositivos do Código Penal Militar (DL nº
1.001, de 21-10-69) e do Código de Processo Penal Militar (DL 1.002, de 21-10-69), imprimiu
142 nova redação aos artigos 61 e 62, caput, do Código Penal Militar, não deixando dúvida quanto
à extensão à Justiça Especial dos preceitos da legislação penal comum, relativos aos
regimes de prisão neles estabelecidos.” (destacamos)
Na época, alguns se opuseram à aplicação das disposições da lei penal comum aos
condenados pela Justiça Militar, sob o fundamento de que, apesar da alteração legislativa,
faltava regulamentação para a aplicacão dos benefícios, entre eles o da prisão-albergue.
Todavia, prevaleceu o referido posicionamento somente no caso de condenado militar
que deveria cumprir a pena em estabelecimento prisional militar.
Sobre a questão, que ainda é atual, manifestou-se o Ministro GUALTER GODINHO, na pág.
22, in verbis: “Há, por outro lado, os que, por princípio e de um modo geral se opõem à extensão
do benefício da prisão-albergue à Justiça Militar. Entendem que, dadas as peculiaridades da
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 143
militares: “A 2ª situação diz respeito aos militares condenados a penas de reclusão ou de detenção
até dois anos, convertida em prisão (art. 59 do CPM), bem como os apenados em quaisquer
outras graduações superiores, que venham a cumpri-las em estabelecimento militar. Para estes
não há falar em prisão-albergue ou qualquer outra vantagem ou benefício próprios da legislação
penal comum. Como se acentuou, é da essência da Justiça Militar que os condenados militares
cumpram suas penas nos quartéis ou estabelecimentos prisionais militares. Somente em casos
excepcionais, repetimos, como os previstos no art. 61 do CPM, transcrito, pode o militar cumprir
pena em estabelecimento prisional civil sujeitando-se às normas da legislação penal comum.
Entendemos, portanto, que, em face das peculiaridades da Justiça Castrense, dificilmente
ocorrerá a regulamentação do regime de prisão-albergue em seu âmbito, desde que haja
estabelecimento prisional militar para cumprimento das penalidades impostas. Reforça tal
Questões controvertidas sobre a execução penal na Justiça Militar
prossegue o autor: “Temos que a execução penal é de natureza jurisdicional, não obstante a
intensa atividade administrativa que a envolve. O título em que se funda a execução decorre da
atividade jurisdicional no processo de conhecimento, e, como qualquer outra execução forçada, a
decorrente de sentença penal condenatória ou absolutória imprópria só poderá ser feita pelo
Poder Judiciário, o mesmo se verificando em relação a execução de decisão homologatória de
transação penal. De tal conclusão segue que, também na execução penal, devem ser observados,
entre outros, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da legalidade e do due process of law.
Embora não se possa negar tratar-se de atividade complexa, não é pelo fato de não prescindir de
certo rol de atividades administrativas que sua natureza se transmuda; hoje prevalece a atividade
jurisdicional, não só na solução dos incidentes da execução. Envolvida intensamente no plano
administrativo, não se desnatura, até porque todo e qualquer incidente ocorrido na execução
pode ser submetido à apreciação judicial, por imperativo constitucional (art. 5º, XXXV, da CF)”.
Júlio Fabbrini Mirabete, na obra citada, na pág. 31, sobre a natureza jurídica da execução
penal, ensina: “Na doutrina, há basicamente duas posições a respeito da natureza jurídica da
execução penal. De um lado, juristas alemães, principalmente, sustentam a jurisdicionalidade da
execução penal, alicerçados no brocardo latino jurisditio sine executione esse non potest. De outro, os
processualistas italianos e franceses, de modo geral, entendem que a execução é uma atividade
prevalentemente administrativa, dotada, no entanto, de jurisdicionalidade episódica.”. Na mesma
página, aduz o autor: “Seguramente a Lei de Execução Penal seguiu a primeira orientação, como
deixa claro o seu art. 2º, caput, referindo-se à ‘jurisdição penal’ e ao ‘processo de execução’.”
Na pág. 35, observa: “No processo de execução, evidentemente, vigem as garantias
concedidas a todo processo penal, entre os quais o contraditório, o uso dos meios de prova
garantidos em geral, a presença do juiz natural, a publicidade, o duplo grau de jurisdição etc. Pelo
Tais disposições, no que for aplicável, devem ser observadas no processo de execução na
Justiça Militar, por força do que dispõe o art. 3º, alínea “a”, do CPPM, pois, se compete ao
Ministério Público Militar fiscalizar a execução, sobre a matéria, há consideráveis lacunas na
legislação processual penal militar a serem supridas.
Mirabete, na obra citada, na pág. 36, menciona os seguintes acórdãos sobre a natureza jurídica
do processo de execução, in litteris: “TJSP: ‘Execução Penal – observância às garantias da ampla
defesa e contraditório – A execução penal desenvolve-se no plano administrativo e jurisdicional.
Quando chamado a julgar na execução o juiz exerce função jurisdicional e deve fazê-lo através
do devido processo legal’. (AG nº 243.256-3/1, 5ª Câmara, em 12-3-98) TACRSP: ‘Diante de sua
inegável natureza jurisdicional, são aplicáveis ao processo de execução da pena as garantias
constitucionais do contraditório e da ampla defesa’ (RDJTACRIM 30/329).”
Questões controvertidas sobre a execução penal na Justiça Militar
Após citar a disposição constante do art. 127, caput, da Constituição da República, também
consagrada no art. 1º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, e no art. 1º da Lei nº
8.625, de 12 de fevereiro de 1993, observa o supramencionado autor, na pág. 227: “... ‘o
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis’. Para a defesa assinalada, realça-se a conclusão de que,
substancialmente, o Ministério Público tem uma atividade fiscalizadora em toda a sua atividade
funcional, quer na esfera civil, quer na esfera penal. Sempre que estiver em discussão uma relação
jurídica litigiosa, num conflito de interesses, uma norma de ordem pública ou um direito
indisponível, irrenunciável, impõe-se função fiscalizadora dessa Instituição. Para fiscalizar o
Ministério Público pode requerer e então transforma-se diretamente em parte processual,
ou pode intervir. Observa Renan Severo Teixeira da Cunha: pouco importa que para essa
fiscalização vista as roupagens de parte requerente ou de órgão interveniente; sempre
será órgão fiscalizador, com todas as conseqüências dessa atividade.” (destaques nossos)
É importante observar que a LEP (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), no seu art. 67,
dispõe: “O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando
no processo executivo e nos incidentes da execução”.
Mesmo abstraindo-se as disposições constitucionais em que se funda o entendimento de que
o Ministério Público deve ser ouvido em todo o processo de execução, a legislação processual
penal militar contém disposições expressas sobre a atuação do MPM, estabelecendo, por
exemplo, no art. 55, que cabe ao Ministério Público fiscalizar o cumprimento da lei penal militar.
Examinando-se o livro IV do CPPM, que trata da execução, verificam-se várias
disposições que consagram a participação do Ministério Público Militar na execução das
sentenças prolatadas pela Justiça Militar, como podemos observar do exame dos seguintes
dispositivos: “Art. 605. Iniciada a execução das interdições temporárias, o auditor, de ofício,
148 ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, fará as devidas comunicações
do seu termo final, em complemento às providências determinadas no artigo anterior.” Com
referência ao sursis: “Art. 608, § 4º o Conselho de Justiça poderá fixar, a qualquer tempo, de
ofício ou a requerimento do Ministério Público, outras condições além das especificadas na
sentença e das referidas no parágrafo anterior, desde que as circunstâncias o aconselhem”.
“Art. 608, § 6º A entidade fiscalizadora deverá comunicar imediatamente ao Auditor ou ao
representante do Ministério Público Militar, qualquer fato capaz de acarretar a revogação
do benefício, a prorrogação do prazo ou a modificação das condições.” Em relação ao
livramento condicional: “Art. 635. A revogação será decretada a requerimento do
Ministério Público ou mediante representação do Conselho Penitenciário, ou dos
patronatos oficiais, ou do órgão a que incumbir a vigilância, ou de ofício, podendo ser ouvido
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 149
antes o liberado e feitas diligências, permitida a produção de provas, no prazo de cinco dias,
sem prejuízo do disposto no art. 630, letra c.” “Art. 636. O auditor ou o Tribunal, a
requerimento do Ministério Público ou do Conselho Penitenciário, dos patronatos, ou
órgão de vigilância, poderá modificar as normas de conduta impostas na sentença, devendo
a respectiva decisão ser lida ao liberado por uma das autoridades ou um dos funcionários
indicados no art. 639, letra a, com a observância do disposto nas letras b e c, e §§ 1º e 2º do
mesmo artigo.” “Art. 638. O Juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, do Ministério
Público ou do Conselho Penitenciário, julgará extinta a pena privativa de liberdade, se expirar
o prazo do livramento sem revogação ou, na hipótese do artigo anterior, for o liberado
absolvido por sentença irrecorrível.” Sobre o indulto: “Art. 648. Concedido o indulto ou
comutada a pena, o juiz de ofício, ou por iniciativa do interessado ou do Ministério Público,
mandará juntar aos autos a cópia do decreto, a cujos termos ajustará a excecução da pena,
para modificá-la, ou declarar a extinção da punibilidade”. Em relação à anistia: “Art. 650.
Concedida a anistia, após transitar em julgado a sentença condenatória, o auditor, de ofício,
ou por iniciativa do interessado ou do Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.”
Relativamente à reabilitação: “Art. 658. A revogação da reabilitação será decretada pelo
auditor, de ofício ou a requerimento do interessado, ou do Ministério Público, se a pessoa
reabilitada for condenada, por decisão definitiva, ao cumprimento de pena privativa de
liberdade.” No que diz respeito à aplicação das medidas de segurança durante a
execução: “Art. 661. A aplicação da medida de segurança, nos casos previstos neste capítulo,
incumbirá ao juiz da execução e poderá ser decretada de ofício ou a requerimento do
Ministério Público.” “Art. 670. O transgressor de qualquer das medidas de segurança a que
se referem os arts. 667, 668 e 669, será responsabilizado por crime de desobediência contra a
física e moral, a presença de pessoa da família, a assistência religiosa e de advogado. No art. 666,
o CPPM dispõe: “O trabalho nos estabelecimentos referidos no art. 113 do Código Penal Militar
será educativo e remunerado, de modo a assegurar ao internado meios de subsistência, quando
cessar a internação.”
Inobstante a copiosa jurisprudência do STF e do STM no sentido de que “A Lei. 7210/84
(LEP) só se aplica aos apenados pela Justiça Militar quando recolhidos a estabelecimento prisional
sujeito à Jurisdição ordinária” (STF, HC 73.920-2-RJ, DJU de 8-11-96), independentemente de
qualquer regulamentação e com fulcro no art. 3º, alínea “a”, do CPPM, nada impede que certos
benefícios da LEP, excetuado o regime de cumprimento das penas, sejam aplicados aos
condenados pela Justiça Militar que cumpram suas penas em estabelecimentos penais militares,
como, por exemplo, podem ser citados o art. 11 da referida lei, que estabelece: “A assistência será:
I – material; II – à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa”.
Inclusive, sugere-se que, em relação aos regimes, seja providenciada uma legislação com
referência aos condenados que cumpram a pena em estabelecimentos militares, haja vista que
têm ocorrido casos de condenados pela Justiça comum, que, não sendo excluídos das Forças
Armadas, cumprem suas penas em unidades militares, fazendo jus, por exemplo, ao regime semi-
aberto, ao lado de outros presos que, porque foram condenados pela Justiça Militar, não têm
direito aos benefícios da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), sendo, então, violado o
princípio da isonomia.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Leis, decretos, etc. Alteração dos arts. 61 e 62 do CPM. Lei nº 6.544, de 30 de agosto
de 1978.
BRASIL. Leis, decretos, etc. Lei de Segurança Nacional. Lei nº 6.620, de 17 de dezembro de 1978.
BRASIL. Leis, decretos, etc. Estatuto dos Militares. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980.
BRASIL. Leis, decretos,etc. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
ASSIS, Jorge César de, LAMAS, Cláudia Rocha. A Execução da Sentença na Justiça Militar. 2 ed.
Curitiba:Juruá, 2005.
GODINHO, Gualter. Prisão Albergue. Palestra proferida em 27 de agosto de 1983, na
Universidade do Distrito Federal, Brasília, DF, 1983.
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1.
151
A Constituição Federal, em seu art. 124, estatui que compete à Justiça Militar processar e
julgar os crimes militares definidos em lei.
Esta referência nada diz quanto à natureza do crime militar, deixando à lei ordinária
estabelecer quais sejam os crimes considerados militares. A lei, por sua vez, o Código Penal
Militar, também quanto à substância pouco diz, pois se limita a, primeiramente, circunscrever por
exclusão, ao dispor no art. 9, I, que se consideram crimes militares em tempos de paz “os crimes
de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não
previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial”.
Em seguida, no inciso II do art. 9º, capitulam-se como crimes militares também os
delitos consoantes do Código Penal Militar, mas igualmente descritos na Lei Penal Comum,
mas que tenham sido praticados por militares em determinadas situações. Assim é, por
exemplo, crime militar o realizado por militar em situação de atividade contra militar na
mesma situação ou assemelhado, bem como o efetuado por militar da reserva, ou
Crime Militar Próprio ou Propriamente Militar
1
Comunicação no Seminário Internacional: Direitos Humanos e Administração Da Justiça por Tribunais Militares
* Professor Doutor Titular de Direito Penal da Universidade de São Paulo
2
A respeito vide BANDEIRA, Esmeraldino, Tratado de Direito Penal Militar, parte geral, volume primeiro, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro
dos Santos editor, 1.925, p. 115 e seguintes; SCHUCH, Lauro, Autonomia do Direito Penal Militar e da Jurisidção Castrense, in: Anais do
I Congresso de Direito Penal Militar, 3º volume, Rio de Janeiro, Imprensa do Exército, 1. 969, p. 218 e seguintes; FIGUEIREDO, Telma
Angélica, Excludentes de ilicitude no Direito Penal Militar, Tese de Doutoramento apresentada em 1.998 à Faculdade de Direito da USP,
p. 60 e seguintes; LIMA PESSOA, Rui de, Crimes militares, in: Revista do Superior Tribunal Militar, v.10, Brasília, 1.998, p. 147 e seguintes;
ASSIS, Jorge Cesar de, Direito Militar - aspectos penais, processuais, penais e administrativos, 2ª ed, Curitiba, Juruá, 2.007, p. 107 e
seguintes; SOUZA CRUZ, Ione de, e AMIN MIGUEL, Cláudio, Elementos de Direito Penal Militar, parte geral, Rio de Janeiro, Lúmen
Iuris, 2.005, p. 29 e seguintes; MANZINI, Vicenzo, Diritto Penale Militare, 2ª ed., Milão, Cedam, 1.932, p. 8 e seguintes.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 153
Sucede, então, que se torna, em face do preceituado na Constituição Federal e no Código Penal
Comum, imprescindível estabelecer não apenas o que seja crime militar, mas muito especialmente
no que consiste o crime propriamente militar3, a que se refere o Inciso LXI do art. 5º da
Constituição Federal ou o crime militar próprio, mencionado no art. 64, II, do Código Penal.
O crime militar próprio submete-se, desarte, a dois vieses: um benefício do agente do crime
e outro em seu prejuízo. O prejuízo decorre da similitude desse tipo de crime à transgressão
disciplinar a justificar, no inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal, que o agente do delito
possa ser preso sem ordem escrita da autoridade judiciária competente. De outro lado, dá-se um
benefício, pois, segundo o preceituado no art. 67, II, do Código Penal, a condenação anterior
por crime militar próprio não gera reincidência, na hipótese de condenação posterior por crime
comum.
Eventual ampliação do conceito de crime militar próprio pela Doutrina levaria a reduzir as
hipótese de reincidência, mas a aumentar os casos nos quais se pode decretar a prisão pela
autoridade administrativa, dispensada a ordem judicial.
Seria, então, suficiente e capaz para definir crime militar próprio o consoante ao art. 9º, I, do
Código Penal Militar? Seriam crimes militares próprios as figuras típicas não previstas na Lei
Penal Comum, mas presentes no Código Penal Militar?
Ora, alguns dos tipos exclusivamente integrantes do Código Penal Militar descrevem
condutas ofensivas diretamente aos interesses essenciais da vida castrense, em afronta aos valores
da disciplina, da hierarquia e da lealdade à Força, tais como o “crime de violência contra o
superior”, “deserção”, “descumprimento de missão”, “embriaguez em serviço” e “dormir em
serviço”. Seria, nas hipóteses, uma distinção fundada na qualidade do fato, no específico bem
jurídico próprio da instituição militar que se visa a tutelar.
As figuras típicas dotadas destas características seriam, por exemplo, como antes apenas
lembrado:
• Deserção
Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que
deve permanecer, por mais de oito dias.
Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada. 153
• Descumprimento de missão
Art. 196. Deixar o militar de desempenhar a missão que lhe foi confiada.
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1º Se é oficial o agente, a pena é aumentada de um terço.
§ 2º Se o agente exercia função de comando, a pena é aumentada de metade.
3
A respeito, vide especialmente ROMEIRO, Jorge Alberto, Crimes propriamente militares, in: Revista Ajuris, nº 61, ano XXI, julho de 1.994, p. 183
e seguintes, que modifica seu pensamento em face do preceituado na Constituição, art. 5º, LXI e no Código Penal, art. 64, II, deixando de entender
que o conceito de crime propriamente militar ou militar próprio decorreria do preceituado no art. 9º, I do Código Penal Militar.
• Embriaguez em serviço
Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para
prestá-lo.
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
• Dormir em serviço
Art. 203. Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em
situação equivalente, ou, não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas,
ao leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante.
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Essas figuras penais são específicas à vida militar e apenas constam do Código penal Militar,
Crime Militar Próprio ou Propriamente Militar
mesmo porque tão só podem ser praticadas por militares, além de se efetivarem em afronta aos
deveres de cunho militar, que constituem interesses jurídicos militares específicos, necessários ao
cumprimento da missão das forças militares.
Sucede, todavia, que há outras figuras penais apenas constantes do Código Penal Militar, e
não da legislação penal comum, que podem ser praticadas por civis como o crime de
insubmissão:
• Insubmissão
Art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi
marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação.
Pena - impedimento, de três meses a um ano.
Outros tipos não atingem interesses jurídicos militares específicos, como os deveres de ordem
e hierarquia, mas apenas constam do Código Penal Militar, no qual são descritos como crime,
154 apesar de não serem previstos pela legislação comum. Tais condutas tornam-se dignas de
repressão penal pelo Código Penal Militar por atingirem interesses da administração militar.
Lembram-se as seguintes figuras penais do Código Penal Militar: furto de uso (art. 240§ 2º) e
o dano culposo (art.266).
Dessa maneira, cabe perguntar: o critério para fixar a classificação de determinado crime
como militar próprio pode derivar do estabelecido no art. 9º, I, do Código Penal Militar, ou seja,
da circunstância da figura penal tão só constar do Código Penal Militar e não se encontrar na
legislação penal comum?
Igualmente, cumpre indagar: seria crime militar próprio unicamente o que exige seja o sujeito
ativo militar?
A resposta é negativa para ambas as perguntas.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 155
Como já se viu, há, exclusivamente, no Código Penal Militar figuras típicas ao constante do
Código Penal Comum, como o furto de uso e o dano culposo, que convém sejam reprimidos
penalmente em face do interesse de preservação da incolumidade do patrimônio da
administração militar. Nada justifica, no entanto, que se assemelhem tais condutas a transgressões
disciplinares, aponto de se admitir que os agentes sejam presos independentemente de ordem
escrita de autoridade judicial.
Todavia, cabe dúvidas se a condenação de um civil ou militar por crime de furto de uso ou
por dano culposo, em prejuízo do patrimônio militar, tal como previsto no Código Penal Militar
deveria gerar reincidência. Entendo que sim. A meu ver, deve ser considerada a condenação por
tais crimes, previstos tão só no Código Penal Militar, para fins de reincidência, de vez que não
se tratam de crimes militares próprios em sua substância, mas de figuras incriminadas em face do
objeto material diverso sobre o qual recaem as condutas, não se podendo classificá-las dentro do
conceito de crime militar próprio. O exemplo está na admissão do crime de dano culposo pela
Lei dos Crimes Ambientais, caso o dano atinja Unidade de Conservação Ambiental.
De outra parte, há crime previsto no Código Penal Militar, que apenas poderia no Estatuto
Especial vir a ser descrito, como o de violência contra militar de serviço4, mas que pode ser
praticado tanto por militar como por civil, e não se deve considerar como crime militar próprio,
por ter, como sujeito passivo e objeto material sobre o qual recai a ação, um militar e por estar
previsto apenas no Código Penal Militar. Ademais, a condenação por violência contra militar de
serviço não pode deixar de ser considerada para fins de reincidência, tão só em vista da
especificidade da violência, cujo sujeito passivo é o militar de serviço.
Assim, concluo: não se pode derivar da circunstância de ser a conduta apenas incriminada
pelo Código Penal Militar e não pela Legislação Penal Comum o critério para se classificar
determinada conduta como crime militar próprio.
De outra parte, há crime como o de insubmissão e o de simulação de incapacidade para ser
incorporado (arts. 183 e 184 do Código Penal Militar) que apenas pode ser praticado por civil,
malgrado a jurisprudência tenha fixado que apenas cabe a ação penal se o agente tiver sido
4
Violência contra militar de serviço
Art. 158. Praticar violência contra oficial de dia, de serviço, ou de quarto, ou contra sentinela, vigia ou plantão:
Pena - reclusão, de três a oito anos.
De modo geral, tais figuras penais apenas podem ter por sujeito ativo o militar, mas, como se
vê no crime de insubmissão, tal qualidade não é característica obrigatória do crime ofensivo à
ordem e disciplina militares.
Cabe, portanto, examinar as razões fundantes dos preceitos do inciso LXI do art. 5º da
Constituição Federal e do art. 64, II, do Código Penal para se extrair um elemento substancial
definidor do crime militar próprio, que tanto se equipara a uma transgressão disciplinar a
dispensara emissão de ordem judicial para se legitimar a prisão do agente, como por sua
intrínseca especialidade, como crime que ofende apenas o interesse nuclear da estrutura militar,
não pode a condenação por sua prática vir a gerar a reincidência no plano do Direito Penal
Comum.
A exigência da combinação de ambas as características acima enunciadas conduz a que se
entenda como crime propriamente militar ou militar próprio, a figura típica lesiva dos valores
essenciais da disciplina, da ordem e da hierarquia, próprias da estrutura militar, como condição
de garantia do cumprimento de sua missão ou pressuposto intransponível para qualquer atividade
militar.
Como infração a deveres fundamentais da organização militar, com respeito a tais crimes,
próprios da vida militar hierarquizada e disciplinada, não precisa que haja determinação judicial
para a prisão do agente, pois a detenção imediata, mesmo sem flagrante é exigência da
Crime Militar Próprio ou Propriamente Militar
manutenção da ordem e do respeito aos superiores para cumprimento da missão militar, que
compreende a defesa da pátria.
É o que ressalta, em conferência proferida em 2.002, o Ministro Flávio Flores da Cunha
Bierrenbach: “a existência de Forças Armadas como instituições, nacionais e permanentes,
configura um fato de enorme relevância para o país, em toda sua dimensão histórica, política e
jurídica, pois, segundo a Constituição da República, que é a Carta Magna, a Lei Suprema, essas
são as únicas instituições que têm por finalidade a defesa da Pátria, além da garantia dos
poderes constitucionais”5.
Só assim se pode compreender a exceção contida na Constituição para a exigência de que a
prisão decorra de ordem escrita de autoridade judicial, dado elementar do Estado de Direito, pois
só a proteção de interesses militares essenciais à missão de defesa da pátria legitimaria a exceção
de dispensa de ordem judicial escrita para a efetivação de limitação da liberdade.
De outra parte, a especificidade do dever descumprido explica a razão pela qual não se admite
a condenação por crimes dessa natureza como antecedente a ser levado em conta para o
reconhecimento da reincidência. O descumprimento desses deveres específicos da vida militar
explica que se exclua a condenação por crimes dessa natureza como antecedente no compito da
reincidência.
O vetor, portanto, definidor do crime militar próprio ou propriamente militar, está no caráter
156 específico do dever descumprido, na afronta aos valores fundamentais da disciplina, da ordem e
da hierarquia como dado exclusivamente caracterizador do delito, ao atingir o cerne da estrutura
da organização militar, que visa, entre outras missões, à defesa da pátria e não apenas à proteção
do interesse da administração militar.
5
A Justiça Militar da União e o Princípio da Igualdade.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 157
Notas introdutórias
* Doutora em Direito, pela Universidade de São Paulo, com trabalho de pesquisa em nível de pós-doutorado pela Universidade de Paris (Paris 2);
Magistrada integrante da Justiça Militar da União; Professora aposentada da Universidade Federal do Pará; Professora dos Cursos de Direito da UPIS
e de Cursos de pós-graduação do UniCEUB; Membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas.
A análise de cada sistema jurídico possibilita que nele seja visualizada a existência de direitos
e obrigações que justificam a introdução, naquele amplo campo da experiência jurídica, de
preceitos, voltados à conduta social dos jurisdicionados, cujo desrespeito configura o ilícito, com
imposição da sanção jurídica correspondente. E como, no âmbito criminal, a visualização de tal
conduta é feita à luz da Política Criminal ali vivenciada na ocasião, e não de uma postura arbitrária
do legislador, há evidente possibilidade de flutuação temporal tanto do conteúdo do dever
sancionado, quanto da pena cominada ao transgressor. Há inclusão, no âmbito penal, de
condutas tidas como ilícitas e voltadas a bens considerados de grande importância,
independentemente da aparente concomitância com outras sanções de natureza diversa da penal,
impostas ao mesmo fato, mas em graduação diversa.
Há, assim, no contexto do ordenamento jurídico, normas gerais, inclusive no âmbito penal,
voltadas a questões que interessam a toda a comunidade, e outras, especiais, concernentes a bens e
condutas específicos, relacionados a apenas uma parte, embora sensível, daquela comunidade. E
como normas especiais, diante da ocorrência dos elementos que atraem sua especialidade, aplicam-
se àqueles fatos, afastando a incidência das normas gerais também previstas para fatos com núcleos
idênticos1 em obediência ao princípio lógico que afirma: “lex specialis derogat lex generallis”.
Voltando-nos ao Sistema Jurídico brasileiro vigente verificamos que, em decorrência das
particularidades do bem jurídico penalmente protegido, dos agentes do ilícito e dos demais
A prescrição do crime de deserção
1
Diversos elementos podem ser fixados para identificar a especialidade, por exemplo, de uma norma penal, tais como o agente do ilícito ou o lugar
de ocorrência do fato.
2
Brasil. Leis, decretos etc. Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 in Legislação Penal Militar, organização e notas de Edgard de Brito Chaves
Júnior. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
3
Curso de Direito Penal Militar. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 66.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 159
das condutas proibidas, especialmente no caso de deserção ora apreciado. Ampliando-se a busca
sistemática, verifica-se que as obrigações jurídicas relacionadas ao dever militar e ao serviço
militar encontram-se previstas nos artigos 142, caput, e 143, da Constituição Federal brasileira
vigente4. Verbis:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”[...]
Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. [...]
O mencionado Capítulo II, do Diploma Penal Castrense, inicia com o tipo central do crime
de deserção, constante de seu artigo 187, em torno do qual será construída a presente reflexão,
embora alcançando todos os demais crimes ali tipificados como deserção5. In verbis:
“Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve
permanecer, por mais de 8 (oito) dias:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada”
Ao tipo previsto no artigo 187, acima transcrito, o legislador penal castrense acresceu quatro
“casos assimilados” de deserção, tipificados no artigo 188, aos quais é cominada a mesma pena
prevista no artigo 187. Após dispor sobre atenuante e agravante especiais para os crimes
tipificados nos artigos 187 e 188, o artigo 190 tipifica a “deserção especial”, com gradação da pena
de acordo com a data de apresentação do desertor, e no artigo 192, a “deserção por evasão ou fuga”.
Tipifica, ainda, nos artigos 191, 193 e 194, os crimes de “concerto para deserção”, “favorecimento a
4
Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as
alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos. 1/92 a 55/2007 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos. 1 a 6/94. Brasília: Senado
Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007.
5
Na presente investigação interessa a análise das conseqüências jurídico-penais dos atos tipificados como crime de deserção, e não dos meios através
dos quais pode tal crime ser consumado.
6
Os fundamentos doutrinariamente defendidos para a distinção entre crimes essencial ou propriamente militares e crimes acidental ou
impropriamente militares não serão aqui discutidos porque estranhos a este trabalho, sendo, contudo, importante destacar que a Constituição Federal
vigente realçou tal distinção em seu artigo 5º, inciso LXI.
processo criminal que resulta em condenação do desertor; longa duração do prazo prescricional
estabelecido no artigo 132, do CPM; efeitos administrativos, como licenciamento do Serviço
Militar; e efeitos civis, como os que envolvem a exigência do documento comprobatório do
cumprimento do Serviço Militar obrigatório.
As características próprias do crime de deserção o apresentam como crime de mera conduta,
formal e instantâneo, opondo-se ao crime permanente uma vez que, neste, a consumação se
protai no tempo7. Consuma-se a deserção tipificada no artigo 187, ao se completarem os oito dias
de ausência ali referidos, contados na forma do parágrafo 1º, do artigo 451, do CPPM8, iniciando-
se “à zero hora do dia seguinte em que foi verificada a falta injustificada do militar”. Antes da consumação,
o militar é apenas considerado ausente, permanecendo no chamado prazo de graça, e caso
retorne ao Quartel nesse período terá incorrido apenas em transgressão disciplinar e nessa esfera
o fato deverá ser examinado9.
Assim, embora formal e instantâneo, o crime de deserção apresenta um elemento permanente
pois, a partir de sua consumação, sujeita o desertor à prisão. Diz o artigo 5º, inciso LXI, in fine,
da Constituição Federal brasileira vigente:
“Art. 5º. [...]
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em
lei;”
Desse modo, enquanto se encontrar na condição de trânsfuga, a prisão do desertor pode
ocorrer em qualquer época, independendo, em geral, para sua realização, de ordem escrita de
autoridade judiciária competente, situação que suscita diversas controvérsias jurídicas, cuja
discussão, entretanto, extrapola o tema deste trabalho.
A prescrição do crime de deserção
Ao atrair, para si, a função jurisdicional, o Estado subtraiu da vítima o seu poder de reação à
ameaça ou ofensa a direito, atribuindo-se a função de garantidor dos direitos expressa ou
160 implicitamente reconhecidos em seu Sistema Jurídico.
Numa grande síntese diríamos que a reação a uma ameaça ou ofensa a direito protegido pelo
Direito Positivo não pode, entretanto, dilatar-se indefinidamente no tempo, pois a segurança das
7
Alguns autores afirmam ser a deserção um crime de mera conduta e permanente, vinculando, equivocadamente, data venia, este último elemento à
possibilidade legal de prisão do desertor em qualquer tempo, em flagrante. Se considerarmos, contudo, que a consumação do crime permanente se
prolonga no tempo a partir do momento em que seus elementos do tipo se reúnem, mantendo o bem jurídico todo o tempo submetido à ofensa
(por exemplo: o seqüestro), é possível concluir, com diversos outros estudiosos do Direito, que o crime de deserção é crime instantâneo, consumado
tão-logo realizados os elementos do tipo, trazendo, inclusive, a imediata exclusão ou afastamento do desertor do Serviço Militar ativo, mantendo,
como efeito penal permanente, apenas a submissão do agente à prisão.
8
Brasil. Leis, decretos etc. Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 in Legislação Penal Militar, organização e notas de Edgard de Brito Chaves
Júnior. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
9
De sua natureza instantânea decorre a impossibilidade jurídica da tentativa no crime de deserção.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 161
relações jurídicas, a paz social e a tranqüilidade psíquica daqueles que, um dia, violaram direito
alheio, impõem a necessidade de limitar, no tempo, um período razoável para a busca da
satisfação e restauração do direito violado, após o qual o autor do ilícito deverá ficar liberado de
qualquer chamamento judicial para responder acerca do fato.
O período de tempo fixado em cada Direito Positivo para a ocorrência da prescrição varia de
acordo com os elementos considerados relevantes em cada campo de interesse jurídico, e os fatos
que envolvem os termos inicial e final, a interrupção ou suspensão da contagem do tempo, bem
como o âmbito e a extensão da eficácia da prescrição, são fixados, nos sistemas jurídicos
romanísticos, em normas legais específicas.
Embora as legislações penais mais antigas não tenham tratado do instituto da prescrição, o
Direito Romano cuidou da prescrição da pretensão punitiva, mas sua extensão à execução da
pena ocorreu somente no Século XVIII, com o Código Penal francês de 179110.
Inegável a relevância do tempo no Sistema Jurídico, pois marca o surgimento, a modificação,
objetiva ou subjetiva, e a perda de direitos que ali se encontram abrigados. Sob o aspecto político-
criminal, várias teorias justificam e procuram explicar o instituto da prescrição, destacando-se,
dentre seus argumentos: as dificuldades, inerentes ao decurso do tempo, de reunião ou
manutenção das provas do crime; a angústia e insegurança do delinqüente diante da possibilidade
de se ver processar, a qualquer momento, pelo ilícito praticado, situação que corresponde a uma
10
ROMEIRO, Jorge Alberto. Op. cit. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 298.
Além disso, a função jurisdicional, ínsita na soberania estatal, configura a prescrição como
matéria de ordem pública, e assim deve estar expressamente regulada em lei que estabeleça as
condições de sua efetividade, possibilitando, desse modo, sua aplicação aos casos concretos,
com seus respectivos prazos, suspensões e interrupções.
Examinando-se o Código Penal Militar, verifica-se que o Título III, de sua Parte
Geral, dispõe acerca da extinção da punibilidade, destacando, no artigo 123, inciso
IV, a prescrição como uma das causas extintivas ali consagradas, disciplinando-a
nos artigos 124 a 133. E como legislação especial, diante de um crime militar tais
normas se sobrepõem às previstas no Código Penal comum.
O artigo 124, do mencionado CPM, preconiza que “a prescrição refere-se à ação penal ou à
162 execução da pena”, estando fixados, no artigo 125, os prazos para a ocorrência da prescrição da
ação penal, e no artigo 126, os correspondentes à prescrição da execução da pena ou da
medida de segurança que a substitui. No artigo 129, o legislador penal castrense previu a
redução, pela metade, dos prazos da prescrição, “quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor
de 21 (vinte e um) anos ou maior de 70 (setenta)”.
Ainda no mesmo Título, e antes de tratar de outra causa de extinção da punibilidade, o
legislador penal destacou os artigos 131 e 132, neles estabelecendo normas especiais para a
prescrição, o último para o caso de deserção. Verbis::
11
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 1º volume. 19ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, l995. pg. 631.
12
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 805.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 163
Art. 132. No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade
quando o desertor atinge a idade de 45 (quarenta e cinco) anos, e, se oficial, a de 60 (sessenta).
Ressalte-se que a pena cominada ao crime de deserção é de detenção de seis (06) meses a dois
(02) anos, com agravação para oficial, e que, ao ser aplicada, a pena pode oscilar entre o mínimo
e o máximo, estando limitado, no artigo 73, a agravação ou atenuação à pena cominada ao crime,
e no artigo 76, para os casos de majorantes ou minorantes, à espécie da pena aplicável.
Não é nova a pretensão de extinção da punibilidade de quem responde pela prática do crime
de deserção, com aplicação da regra prescricional geral prevista no CPM, e conseqüente
afastamento da regra específica estatuída no artigo 132, do referido Código. Verifica-se, assim,
que apesar da objetividade expressa no texto legal acima transcrito, diversas interpretações foram
feitas no sentido de reduzir a incidência, especialmente nos processos, do extenso prazo
prescricional ali fixado. Há, em conseqüência, vários aspectos da prescrição do crime de deserção
que permitem um exame mais minucioso do instituto, quer considerado este isoladamente em
sua disciplinação legal, quer em face das diversas situações que podem envolver o crime de
deserção após a prática ilícita.
Vejamos as questões aqui consideradas mais importantes, inicialmente com as possíveis
incidências legais da prescrição no crime de deserção:
a) Tendo em vista que a pena máxima cominada ao crime de deserção em análise, seria
aplicável, em princípio, o inciso VI do mencionado artigo 125, que estabelece a ocorrência da
prescrição da ação penal em quatro (04) anos, quando “o máximo da pena em abstrato é igual a um
1. Consumada a deserção de praça especial ou sem estabilidade, será ela imediatamente excluída
do Serviço Ativo, ou, se praça estável, será agregada. Formalizada a documentação concernente,
esta deverá ser enviada ao Juízo Militar competente, onde será autuada como Instrução Provisória
de Deserção (IPD), a qual, após manifestação ministerial, permanecerá em Cartório aguardando a
apresentação voluntária ou captura do desertor que se encontra na condição de trânsfuga;
2. Consumada a deserção de oficial, será este agregado e permanecerá nessa situação após
apresentar-se ou ser capturado, até decisão transitada em julgado. Após a deserção, com a
documentação em ordem, será formulada a denúncia. Ao recebê-la, o Juiz determinará o aguardo
da apresentação voluntária ou captura do oficial, e somente após essa ocorrência será procedido
o sorteio do Conselho Especial de Justiça que apreciará o processo, e, para respondê-lo, o
desertor será citado;
3. Ao se apresentar voluntariamente ou ser capturado, o desertor praça especial ou sem
estabilidade será submetido à inspeção de saúde e, sendo considerado apto para o Serviço Militar
é nele reincluído, ou, sendo praça com estabilidade, será para ele revertido, podendo, então, ser
denunciado, instaurando-se o processo penal, iniciado com o recebimento da denúncia e
efetivado com a citação do acusado, tudo nos termos estabelecidos no Código de Processo Penal
Militar. O desertor, então acusado, responderá a todos os atos processuais, até decisão final.
Nesse contexto processual, duas situações podem ocorrer:
3.1. Instaurado o processo de deserção, os atos processuais podem se dilatar no tempo, quer
por negligência judicial, quer para atender pleitos probatórios das Partes;
3.2. Instaurado o processo de deserção, no curso regular deste o acusado deserta novamente,
uma ou várias vezes, obrigando a suspensão do processo em curso todas as vezes em que se
encontrar na situação de desertor, tendo em vista sua exclusão do Serviço Militar Ativo, ou
A prescrição do crime de deserção
agregação quando estável, ocorrência legalmente obrigatória a cada nova deserção praticada;
4. Na situação anterior, quando considerado definitivamente incapaz para o Serviço Militar,
o desertor praça sem estabilidade será considerado isento da reinclusão e do processo, sendo os
autos arquivados após manifestação do Ministério Público Militar.
5. Após julgado, dilata-se, no tempo, a decisão final, condenatória ou absolutória, quer em
decorrência de demora na decisão do recurso interposto, quer por ter o Sentenciado novamente
desertado após seu julgamento e antes da decisão recursal;
6. Julgado e condenado, da decisão recorre apenas o Sentenciado, sendo considerado
indultado enquanto aguarda a decisão recursal, dilatando-se esta no tempo;
7. Durante a execução definitiva de pena aplicada em decisão condenatória transitada em
julgado, dilata-se, no tempo, o cumprimento do início ou da complementação da pena imposta
ao sentenciado, ou este não a cumpre porque novamente deserta.
Examinemos, de forma individualizada, os casos indicados.
164 1. No primeiro caso, não tendo sido o desertor capturado ou voluntariamente se apresentado,
o feito permanece em Cartório como Instrução Provisória de Deserção. Pelo artigo 452, do
Código de Processo Penal Militar, o termo de deserção tem o caráter de instrução provisória,
sujeitando, desde logo, o desertor à prisão. Contra a praça não pode ser instaurado o respectivo
processo judicial já que não integra o Serviço Militar ativo estando a ele apenas agregado, quando
praça estável, ou, tendo sido dele excluído após praticar a deserção, quando praça não estável, não
mais possuindo a qualidade de militar. Note-se que quando ocorre a exclusão do Serviço Militar,
a praça não estável reassume sua condição de civil, e assim ficará até que, apresentando-se ou
sendo capturado, seja, através de inspeção de saúde, considerado apto para o Serviço Militar e
em seguida reincluído naquele Serviço, enquanto os estáveis, que foram agregados após a
deserção, são apenas revertidos para o Serviço ativo.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 165
Inexiste, em princípio, qualquer expressão na regra contida no artigo 132, acima transcrito,
que indique a possibilidade de exclusão ou restrição em sua aplicação aos processos de deserção.
Aludido preceito refere que, no “crime de deserção”, “embora decorrido o prazo da prescrição”, esta, ou
seja, a prescrição, “só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de 45 (quarenta e cinco) anos,
e, se oficial, a de 60 (sessenta)”.
Não há indicação legal, expressa ou implícita, de que a expressão “crime de deserção”, ali
mencionada, envolve, apenas, o “fato” deserção enquanto não submetido ao respectivo
processo criminal, e que “desertor” corresponde apenas àquele que se encontra na situação de
trânsfuga, antes da instauração do processo penal. Tais expressões podem corresponder, a
primeira, ao crime de deserção processualmente investigado, pois a expressão “crime” é
técnica, envolvendo a tipificação legal daquele fato; e a segunda, ao autor do crime de
deserção, que responde ao respectivo processo judicial, ou ao militar que apenas consumou
aquela conduta ilícita, plurivocidade admitida no próprio texto legal, pois, ao disciplinar o
processo de deserção, o legislador processual castrense usa a expressão “crime de deserção” ao
dispor sobre o momento da consumação da deserção (exemplo: artigo 451, caput, do CPPM),
e “desertor”, tanto para indicar o acusado em processo de deserção (exemplo: artigo 453, do
referido Código), como aquele contra quem foi lavrado um Termo de Deserção (exemplo:
artigo 455, do mencionado Código).
A busca da norma aplicável, entretanto, não se exaure nesses argumentos, pois a interpretação
restritiva da norma expressa no artigo 132, citada, e extensiva das normas que fixam prazos gerais
de prescrição, decorre da postura hermenêutica do intérprete-julgador.
Com efeito, é verdade que ao juiz cabe avaliar os pedidos das Partes processuais, usando, em
vários casos, as prerrogativas que a lei permite, como por exemplo, prosseguir com a instrução
A prescrição do crime de deserção
metade os prazos da prescrição, quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos [...]”,
em se tratando de desertor menor, a prescrição da ação penal ocorreria em apenas dois (02) anos.
Desse modo, não importa a quem imputar o retardamento processual, se ao juiz ou às Partes,
ou até mesmo ao exercício da ampla defesa constitucionalmente reconhecida, pois entendemos
que, neste caso, em quatro anos, a contar da instauração do processo, ficará prescrita a pretensão
punitiva do Estado e extinta a punibilidade do acusado, nos termos do artigo 123, inciso IV,
combinado com o artigo 125, inciso VI, do Código Penal Militar, tendo em vista que o máximo
da pena cominada, embora superior a um ano, não excede a dois anos, ou ficará prescrita em dois
anos, a contar daquele mesmo fato, com redução, portanto, de metade daquele prazo, no caso de
ser o desertor menor de vinte e um (21) anos à época do crime, nos termos do artigo 129, do
citado Código Penal.
É o processo de deserção sumaríssimo. E se o desertor se apresenta e assume sua
responsabilidade para responder penalmente pelo ato praticado, qualquer que seja sua postura
processual quanto às conseqüências jurídicas de seu ato não poderá perder sua vida ou parte da
mesma apenas respondendo a um processo penal, sobretudo diante das exigências impostas para
que permaneça naquela situação: a manutenção de sua condição de militar.
Ora, se além de um Serviço Militar obrigatório, que constrange - embora em pouco menos
de um ano - a liberdade individual de escolha de uma atividade, o Direito infraconstitucional
pretender obrigar alguém, contra sua vontade, a se manter na condição de militar por um tempo
quase indeterminado, significará privar essa pessoa do seu direito fundamental mais elementar de
disposição de sua liberdade e de sua própria vida. A violência de tal imposição sobressai quando
“EMENTA: Deserção. Prescrição. O Embargante foi condenado a 06 (seis) meses de prisão, como
incurso no art. 187 c/c o art. 59, caput, ambos do CPM, cuja prescrição ocorre em 02 (dois) anos (art.
125, VII, da Lei Penal Militar). Como o ora Embargante se apresentou, voluntariamente, a 09.11.05,
passou ao regime de prescrição do art. 125, do CPM, iniciando a contagem do prazo de 01 (um) ano em
virtude de o Agente ser menor à época dos fatos e, assim, a 09.11.06, foi implementada a ocorrência da
prescrição da pretensão punitiva do Estado pela pena em concreto. Embargos a que foi dado provimento
para declarar-se a prescrição da pretensão punitiva do Estado, de acordo com o art. 123, IV c/c os arts.
125, VII e seu § 1º; 129, todos do CPM. Decisão uniforme”.
3.2. Instaurado o processo de deserção, durante sua regular tramitação o acusado é licenciado
ou novamente deserta, uma ou várias vezes. Como a cada deserção ele é afastado do Serviço
Ativo, quer em decorrência de exclusão, quer de agregação, esse fato prejudica o andamento
processual e determina a suspensão do processo em curso a cada nova deserção praticada.
O caso se apresenta como o mais complexo, exigindo um exame hermenêutico minucioso,
pois a decisão a ele aplicada orientará outras decisões em processos semelhantes, mas ocorrentes
em processos que se encontram em instância recursal ou em execução definitiva. Vincula um
desertor já considerado acusado em processo criminal, e o trânsfuga, e a questão deve ser
analisada cuidadosamente, já que dois ou mais feitos – processos e Instruções Provisórias de
Deserção – terão sido instaurados contra o então militar em decorrência das várias deserções
praticadas.
Com efeito, o novo Termo de Deserção e demais documentos são autuados como Instrução
Provisória de Deserção e esta passa a aguardar, em Cartório, a captura ou apresentação voluntária
do desertor. É certificada, nos autos do(s) processo(s) em andamento, a ocorrência da nova
deserção, com abertura de vista ao Ministério Público Militar, e posterior decisão do Conselho
A prescrição do crime de deserção
de Justiça (pois se trata de processo) acerca da suspensão de cada processo até que o acusado
retorne ao Serviço Militar Ativo, condição que jurisprudencialmente tem sido considerada não
só requisito de procedibilidade, como também de prosseguimento de um processo de deserção.
Pergunta-se, então: com o passar do tempo, como ficam os feitos em face da prescrição? Qual o
preceito legal que fundamentará a incidência do instituto da prescrição da ação penal, com
declaração da extinção da punibilidade do agente, sem apreciação do meritum causae?
Quanto à prescrição da deserção formalizada através da IPD, posterior à instauração do
processo, entende-se que, tal como referido no número 1, ao caso é aplicável a norma
excepcional do artigo 132 do Código Penal Militar: prescrição da pretensão punitiva do Estado
quando o Desertor atinge a idade de quarenta e cinco (45) anos. Tal aplicação será feita em
relação a todas as Instruções Provisórias de Deserção relacionadas ao mesmo Desertor, acusado
em um ou vários processos, em cujo curso novamente deserte, uma ou várias vezes, sem que haja
tempo suficiente para a instauração de novo ou novos processos. É o caso do trânsfuga,
168 anteriormente referido.
Mais complexa, contudo, é a situação prescricional relativa ao processo. Ressalte-se,
inicialmente que há casos de instauração de dois ou três processos contra o mesmo desertor,
além de uma ou duas Instruções Provisórias de Deserção. Na hipótese vertente, ocorre nova
deserção logo após instauração de processo relativo ao mesmo tipo de crime, e a final nos
defrontamos com um ou vários processos suspensos em decorrência de deserções intercorrentes
do Acusado, havendo também, contra o mesmo, Instrução Provisória concernente à última ou
últimas deserções.
Com relação ao(s) processo(s) de deserção suspenso(s), as respostas jurisdicionais têm sido
bifurcadas: para uns, aplicam-se as regras gerais de prescrição previstas no Diploma Penal
Castrense; para outros, mantêm-se a aplicação da regra excepcional estabelecida no artigo 132,
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 169
do aludido Código: quando o desertor completa quarenta e cinco anos de idade. Há uma
evolução nas decisões jurisprudenciais, com tendência atualmente firmada no sentido da
aplicação das regras gerais de prescrição para os casos processuais. Vejamos algumas decisões:
(Habeas Corpus nº 1999.01.033411-4/PR. Ministro Relator SÉRGIO XAVIER
FEROLLA. Decisão: 27/04/1999 in DJ de 14/06/1999).
“EMENTA. Habeas Corpus. Crime de deserção. Extinção da punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva. Trânsfuga. Inaplicabilidade da regra prevista no art. 125, do CPM. 1. Habeas
corpus. À luz da doutrina, da jurisprudência e da lei, é remédio jurídico destinado a tutelar, de
maneira eficaz e imediata, a liberdade de locomoção, o direito de ir, vir, permanecer e de se retirar do
indivíduo, desde que esteja sofrendo ou na iminência de sofrer coação ilegal e/ou com abuso de poder.
Não é o caso dos autos. Tratando-se de desertor, sua prisão decorre de imperativo legal (art. 243,
CPPM). 2. Crime de deserção. Extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva.
Trânsfuga. Conforme iterativa jurisprudência desta Corte, a regra geral de prescrição, fixada no artigo
125, do CPM, não se aplica ao trânsfuga (aquele que permanece na condição de desertor). A este,
aplica-se a prescrição regulada pela regra especial contida no artigo 132, do mesmo diploma legal.
Precedentes: Apelação nº 46.492-3/AM; Apelação nº 47.476-7/RS e Recurso Criminal nº 6.203-
2/PR. Preliminarmente, o Tribunal não conheceu do pedido, por falta de condição de admissibilidade.
Decisão unânime”.
penal, em face do previsto no art. 123,inciso IV, c/c o art. 125, inciso VII, tudo do CPM. Pretensão do
MPM, em decorrência de processo por deserção iniciado há mais de dois anos e sobrestado devido a nova
deserção do acusado.Situação de militar ‘sub judice’, em processo para se ver julgar por deserção, não guarda
similitude com situação de ex-militar desertor reincidente, em declarada condição de trânsfuga do dever militar,
destinatário especifico do prazo prescricional do art. 132 do CPM. Improvido o recurso ministerial, mantendo-
se o ‘decisum’ recorrido, por unanimidade”.
Aqueles que entendem pela aplicação, ao caso ora apreciado, das regras gerais de prescrição
estabelecidas no Código Penal Militar, seguem uma interpretação manifestada em decisões
judiciais, cuja reiteração lhe atribui conotação de jurisprudência. O Sistema Jurídico nacional,
entretanto, apesar da excepcionalidade da Súmula Vinculante, não atribui força de lei à
jurisprudência, dignificando a independência jurídica do juiz que em princípio poderá, em suas
decisões, dela divergir. O próprio Órgão Judicial, sede de origem daquelas reiteradas decisões,
pode repensar a questão e, em sua independência jurídica, manter a postura anteriormente
assumida ou alterá-la.
Ressalte-se que o completo afastamento da regra fixada no artigo 132, do CPM, para aquele
que responde ou tenha sido definitivamente condenado em processo de deserção, e sua
automática substituição pelas prazos prescricionais previstos nos artigos 125 e 126, do citado
170 Código, possibilita o surgimento de situações certamente em desacordo com a pretensão jurídica
e até mesmo com a finalidade específica do instituto da prescrição, sendo possível, ao acusado,
provocar, com reiteradas deserções seguidas de apresentações voluntárias, a extinção da
punibilidade de todos os processos, excetuada a última IPD, podendo esta ser arquivada em
decorrência de incapacidade do desertor para o Serviço Militar.
4. Quando declarado definitivamente incapaz para o Serviço Militar, o desertor praça sem
estabilidade será considerado isento da reinclusão e do processo, sendo os autos arquivados após
manifestação do Ministério Público Militar. Neste caso, não há que falar em prescrição, mas
apenas em isenção da reinclusão e do processo, sendo os autos da Instrução Provisória de
Deserção arquivados após pronunciamento do Ministério Público Militar, conforme preceitua o
§2º, do art. 457, do CPPM.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 171
Pode ocorrer, entretanto, que contra o desertor, considerado definitivamente incapaz, haja
mais de uma IPD instaurada, além de processos criminais, em tramitação, relacionados àquele
crime, todos aguardando a apresentação voluntária ou captura do trânsfuga.
Quanto às outras Instruções Provisórias, o procedimento é idêntico em todos os autos:
isenção de reinclusão e do processo, com posterior arquivamento do feito provisório.
Com relação ao(s) processo(s) de deserção instaurado(s) e em tramitação, normalmente tem
sido considerado que, assim como a perda da condição de militar em atividade impede a
instauração inicial do processo de deserção, essa mesma situação, quando considerada definitiva
porque decorrente de inspeção de saúde na pessoa do desertor, impedirá o prosseguimento do
processo, em curso ou suspenso em decorrência da nova deserção, impondo o seu arquivamento
após manifestação do Órgão Ministerial. Assim, o instituto da prescrição não é invocado para
disciplinar a questão, aplicando-se a norma contida no referido artigo 457, §2º, do Diploma
Processual Penal Militar, interpretada extensivamente.
A determinação judicial de arquivamento do processo em questão não pode ser considerada
como a única alternativa jurídica para o caso, pois, no entender de alguns estudiosos, ainda sem
o apoio jurisprudencial, a condição militar do desertor é essencial à instauração do processo, e
não ao seu prosseguimento.
5. Julgado em Primeira Instância, há recurso para a Instância Superior. Dilata-se, no tempo, a
decisão final recursal, condenatória ou absolutória, quer em decorrência de demora na decisão de
recurso interposto, quer por ter o Sentenciado novamente desertado ou ter sido licenciado após
seu julgamento no Juízo de origem e antes da decisão recursal.
artigo 125, do citado Código, afirma que “sobrevindo sentença condenatória de que somente o réu tenha
recorrido, a prescrição passa a regular-se pela pena imposta, e deve ser logo declarada, sem prejuízo do andamento
do recurso se [...]” Entende-se que o comando legal relacionado ao andamento do recurso malgrado
a ocorrência prévia de uma declaração de prescrição da ação penal, somente não se apresenta
como uma incoerência lógica se atentarmos para a evidente intenção do legislador quanto a
prevalência da absolvição em relação à prescrição. Assim, absolvido o réu na Instância recursal,
em havendo declaração anterior de prescrição da ação penal, fica esta esvaziada de qualquer valor
jurídico. Quer o legislador castrense, resguardando a inocência do réu, cristalizada na absolvição,
que o Estado-Juiz analise o mérito do apelo recursal mesmo estando prescrito o direito (jus
persequendi) desse Estado, e declarada tal prescrição como causa extintiva da punibilidade, situação
que retiraria o poder decisório do Estado quanto ao mérito do processo (salvo em grau recursal
concernente aquele ato), impedindo a este decidir a respeito daquela questão, devendo,
simplesmente, declarar a extinção da punibilidade do réu diante do reconhecimento da
ocorrência da causa prescritiva.
Há, contudo, a possibilidade de manutenção da condenação, resultado que apenas poderá ser
conhecido após exame do mérito. Logo, não é juridicamente possível declarar, em preliminar de
mérito, a prescrição da ação penal e conseqüente extinção da punibilidade. Impõe-se, nessa
situação, o exame do mérito com manutenção da condenação, seguido da declaração da
prescrição e extinção da punibilidade, ou a ratificação de declaração anteriormente feita nos
autos, cujos efeitos definitivos são ali determinados.
Se da decisão também recorreu o Ministério Público Militar, pleiteando aumento de pena,
4. Conclusão
Ressalte-se, por oportuno, que as decisões jurisprudenciais não têm sido unânimes na solução 173
de todas as questões que envolvem a prescrição do crime de deserção.
Com efeito, entendemos que a regra estampada no artigo 132, do Código Penal Militar,
foi criada e inserida naquele Código excepcionando as regras gerais ali fixadas, objetivando
ampla aplicação no sentido de abranger todas as situações concernentes ao crime de deserção,
atraindo para a idade do desertor, quer a prescrição da ação penal, quer da execução da pena.
Em um esforço hermenêutico, foi aquela regra interpretada no sentido de impedir que um
processo de deserção pudesse perdurar quase indefinidamente, atraindo para o desertor
princípios e normas idênticos aos aplicados aos casos gerais de prescrição dos crimes
militares, deixando, através de uma profunda interpretação restritiva, o rigor legal do artigo
132 exclusivamente para o trânsfuga.
as novas deserções do Acusado, noticiadas nos autos, acarretaram sua agregação ou exclusão do
Serviço Ativo do Exército, situação que subtrai aquele requisito essencial quer à propositura da
ação penal, quer ao prosseguimento do processo especial já instaurado.
Se há determinação legal acerca de certa conduta processual, seu respeito não configura
negligência do Estado, devendo, em conseqüência, ficar suspenso o prazo prescricional durante
todo o período em que o acusado desertor se encontrar na condição de trânsfuga em IPD, e com
o curso processual suspenso. Suspensão do prazo prescricional e não sua interrupção, pois neste,
o prazo começa novamente a correr do dia da interrupção, conforme preceitua o artigo 128, do
CPM, e cuja possibilidade jurídica decorre da não-exaustividade da regra contida no parágrafo 4º,
do artigo 125, do Código referido.
Embora a solução anterior seja a mais adequada e consentânea com o processo penal militar,
outra solução também possível, ainda através de um esforço hermenêutico, consistiria em
considerar que, instaurado o processo de deserção, o desertor perderia essa condição para se
174 transformar apenas em acusado e, nessa condição, mesmo perdendo a condição de militar em
decorrência de nova deserção ou de licenciamento, continuaria, como civil, a responder ao
processo penal instaurado, até seu julgamento final, certamente à revelia.
Entretanto, a afirmação acerca da possibilidade de prosseguimento de um processo de
deserção ou da execução da pena nele imposta, estando o réu ou condenado na condição de civil,
acarreta alguns problemas legais.
Inicialmente, a pena imposta ao crime de deserção não admite a suspensão condicional e é
convertida em prisão. Ora, estabelecimento prisional militar não se compara com
estabelecimento prisional civil, e como prisão militar não admite a presença, para cumprimento
de pena definitiva, de civil, enviar o desertor para executar sua pena em penitenciária civil
significará profunda violação de seus direitos individuais. A mesma situação é encontrada no
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 175
5. Bibliografia
175
DO DIREITO PENAL
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 177
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 178
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 179
Atendendo a amável convite da Dra. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, Ministra do
Superior Tribunal Militar, enviamos nossa colaboração para a “Revista Jurídica do Bicentenário da
Justiça Militar”, cujo lançamento deve coincidir com as comemorações do segundo centenário da
chegada ao Brasil da Família Real portuguesa e da instituição da Justiça Militar em nossa Pátria. A
ilustre Magistrada, que juntamente com a Juíza-Auditora Dra. Zilah Maria Callado Fadul Petersen,
coordena o projeto editorial da revista, pediu-nos que tratássemos das novas perspectivas que se
abrem, no momento presente, para o Direito Penal, na ótica dos Direitos Fundamentais da Pessoa
Humana. Com gosto o fazemos.
No momento, a visão que ainda prevalece no aparelhamento legal dos Estados modernos é a
de que o Direito Penal deve ter como principal escopo a punição do delinqüente. Embora também
se reconheça, no plano teórico, que a aplicação de penas deve ter em vista a recuperação do
delinqüente, com sua ressocialização – ou seja, com sua reintegração sem maiores traumas na
sociedade da qual ele, como também a vítima, são partes – o fato é que, na ótica dos legisladores e
dos que aplicam a legislação penal, e sobretudo na ótica do grande público, o que realmente importa
é a punição do criminoso. Trata-se da vingança do rebanho homogêneo contra a “ovelha negra”,
da retaliação da sociedade contra o membro que discrepou gravemente do procedimento e do
sentir comum daquela coletividade.
Na lógica – que adiante veremos ser simplificada e pouco efetiva – do sistema, ao agir
Damásio de Jesus
punitivamente o Direito Penal também atua nos planos de prevenção geral e especial. Ou seja,
impondo ao criminoso uma sanção penal adequadamente severa, supõe-se que não somente o
delinqüente fique desestimulado à reincidência – e, portanto, mais proclive a reintegrar-se na
sociedade como elemento útil dela – mas que também diante de terceiros a punição do delinqüente
seja formativa. Para usar a expressão do velho Direito português, entende-se que a punição deve
servir de “escarmento dos povos”, ou seja, de lição pública, de exemplo eloqüente e persuasivo,
para que outras pessoas não cometam o mesmo crime.
Nessa ótica em que o Direito Penal se aplica e se define sobretudo em sua função punitiva,
como tendo como objetivo precípuo a punição dos delinqüentes, o papel da vítima do crime é 179
secundário.
De fato, entende-se que o criminoso, mais do que prejudicar a sua vítima concreta, causou dano
à sociedade como um todo e é a sociedade, e não a vítima, que tem direito a uma reparação.
O Estado assume, assim, o papel de sujeito passivo, e a verdadeira vítima acaba figurando, no
processo punitivo do Estado, como tertia personna, deixada à margem, desprotegida, esquecida e
desprezada, muitas vezes nem sequer sendo informada acerca do andamento do processo. Isso sem
falar de outro aspecto: o próprio sistema processual impõe à vítima o tormento de depoimentos
*
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo - aposentado. Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos
de Salerno (Itália). Presidente e Professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Diretor-Geral da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jeusus.
Autor de várias obras de Direito Penal e de Direito Processual Penal.
infindáveis e altamente constrangedores, o que por vezes significa um sofrimento tão terrível
quanto aquele pelo qual já passou quando do crime. E vítima duas vezes: uma pelo autor do fato
e outra pelo Estado.
No Direito Penal dos antigos, a vítima tinha uma palavra a dizer no processo penal, e uma
palavra por vezes decisiva.
O Direito Penal brasileiro aprofunda suas raízes no velho Direito Penal português, que
vigorou durante séculos em nosso território. As Ordenações Filipinas, por exemplo, promulgadas
em 1603 por Filipe II de Portugal (Felipe III de Espanha), previam que em alguns delitos a
sentença judicial pudesse ser muito diminuída e até mesmo praticamente anulada se a vítima sponte
propria perdoasse o infrator. Era o caso, por exemplo, da mulher condenada por adultério, que
podia ser perdoada pelo marido e reintegrada ao lar 1. Em casos desses, muito mais do que punir
quem havia delinqüido, o que a lei visava era reconstituir os laços sociais e comunitários rompidos
pelo delito2.
No Direito Penal moderno, que se afirmou nos últimos séculos a partir de um processo geral
de hipertrofia do Estado e diminuição das autonomias dos grupos sociais intermediários entre o
indivíduo e o próprio Estado, as vítimas quase nada têm a dizer - exceção feita dos casos de ação
Novas perspectivas para o Direito Penal: valorização
criminal privada. Se a ação é movida pelo Ministério Público, que atua em nome da sociedade,
das vítimas, justiça restaurativa e penas alternativas
pouco importa que os sujeitos passivos perdoem os ativos, é a sociedade como um todo que foi
ofendida, e é o Estado, alçado em representante último e definitivo da sociedade, que pune
irremediavelmente e sem contemplações.
A sociedade da qual o Estado se arvora em representante, no caso, é sociedade entendida
no plano teórico e especulativo, quase à maneira de um ente de razão, pouco ou nada se
levando em conta a sociedade real, ou seja, o minúsculo tecido social e comunitário em que
ocorreu o delito e do qual participam a vítima e o delinqüente, como também muitas outras
pessoas relacionadas com ambos e indiretamente concernidas no caso: parentes, amigos,
conhecidos, colegas de trabalho, de estudo, de diversão ou de prática religiosa. Essa visão,
como mais adiante se exporá, vem sendo ultimamente objeto de crítica entre os estudiosos
do Direito.
Nós mesmo, em nossos livros e em nossa atividade como Professor de Direito Penal, não
temos poupado críticas a essa visão unilateral e simplificadora do Direito Penal. Ela é, antes de
tudo, insuficiente. Não evita o crime, não traz o criminoso ao convívio social, não satisfaz nem
indeniza as vítimas e, sobretudo, não reconstitui o tecido humano e comunitário rompido pelo
delito.
No caso concreto do Brasil, o quadro que presenciamos é um sistema penitenciário ao
mesmo tempo hipertrofiado e inoperante. Os presídios já estão superlotados - muitas vezes com
180
1
Dispõe textualmente o Livro V, Título XXV, de tais Ordenações: “E toda a mulher, que fizer adulterio a seu marido, morra por isso. (...) E postoque o marido
querele de sua mulher, e a accuse, se lhe perdoar, em qualquer tempo se seja, assi antes da accusação, como durando a accusação, como depois de ser condemnada por sentença,
mandamos a qualquer Justiça, sob cujo poder a tal mulher stiver preza, que tanto que o marido lhe perdoar ante a mesma Justiça, ante quem pender o feito (...) seja logo solta,
se por al não fôr preza, sem mais appellação 148 Dispõe textualmente o Livro V, Título XXV, de tais Ordenações: “E toda a mulher, que fizer adulterio a seu marido,
morra por isso. (...) E postoque o marido querele de sua mulher, e a accuse, se lhe perdoar, em qualquer tempo se seja, assi antes da accusação, como durando a accusação, como
depois de ser condemnada por sentença, mandamos a qualquer Justiça, sob cujo poder a tal mulher stiver preza, que tanto que o marido lhe perdoar ante a mesma Justiça, ante
quem pender o feito (...) seja logo solta, se por al não fôr preza, sem mais appellação
2
Um curioso exemplo disso pode ser verificado no clássico Auto das regateiras de Lisboa, peça teatral humorística composta por um anônimo
em fins do século XVI e inícios do século XVII, a qual retrata e satiriza de modo muito vivo alguns aspectos da sociedad e lisboeta da
época. Duas regateiras (mulheres que vendiam gêneros alimentícios no mercado popular) de Lisboa, brigam com a criada de uma delas,
produzindo um alvoroço no mercado, com grave perturbação da ordem e do decoro público. Levadas as três diante do juiz que tinha
jurisdição sobre o mercado público, este, após se informar do caso, declara inocentes as duas regateiras e condena a criada a uma pena
ridiculamente severa. Ao final, diante da consternação geral, reconhecendo que se havia excedido na sentença, mas não podendo voltar
atrás, dirige-se às ofendidas e as incita a perdoarem a condenada, pois somente elas, perdoando o delito, poderiam impedir a execução de
uma sentença já proferida. As duas regateiras perdoam então a criada e o auto tem o seu final feliz (cf. SILVEIRA BUENO. Auto das
Regateiras de Lisboa. 3ª ed., Saraiva, São Paulo, 1969).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 181
detentos cujos delitos, como adiante trataremos, não deveriam ser punidos com prisão. Acresce
que há muitas dezenas de milhares de mandados de prisão expedidos por autoridades judiciárias
não obedecidos - por várias razões, uma das quais é porque se o fossem os cárceres não seriam
suficientes. Desses mandados de prisão não cumpridos, muitos se referem a delinqüentes
perigosos que realmente representam risco para a sociedade e deveriam, a bem da tranqüilidade
pública, ser trancafiados, mas estão soltos e, mesmo que o desejassem, as autoridades nem teriam
onde colocá-los.
As delegacias policiais, que por sua própria natureza não deveriam se confundir com
estabelecimentos penitenciários, mantêm em cárceres improvisados um número excessivamente
elevado de prisioneiros com processo ainda em curso, em várias fases de andamento, ou mesmo
sem processo instaurado, por vezes durante longos meses e até anos. Em celas planejadas para
acolher provisoriamente a 6 ou 8 detentos, acumulam-se em condições subumanas 20, 30 ou até
40 prisioneiros, misturados lado a lado criminosos altamente perigosos e simples indiciados por
delitos, muitas vezes, de menor gravidade.
O resultado é que as prisões, quer no sistema policial, quer no sistema penitenciário, se
transformaram-se em verdadeiras universidades do crime. Muitos delinqüentes menores em
potencial ofensivo, pelo convívio indiscriminado com criminosos perigosos e irrecuperáveis,
aprendem o que não devem e saem, quando saem, não recuperados para a vida social e
comunitária, mas muito piores do que entraram, com vinculações perigosas que se mantêm após
a libertação e que, quase irremediavelmente, acabam arrastando de volta o infeliz para o
submundo da marginalidade social e do crime. Isso é o que se passa no sistema penal brasileiro,
mas infelizmente não é só no Brasil que tal ocorre. Em grau maior ou menor, o mesmo terrível
problema existe em numerosas outras nações.
Outro elemento complica ainda mais o quadro. É a tendência verificada em muitas legislações
modernas – de modo especial a brasileira – para exagerar desproporcionadamente a penalização
de muitos fatos que não são, razoavelmente, matéria para tanto.
O Direito Penal brasileiro de hoje – não escondemos a ninguém nosso modo de pensar a
respeito – é demasiadamente preventivo e estabelece normas cominativas e incriminadoras a um
Damásio de Jesus
sem-número de setores da atividade humana, pouco importando a natureza do fato, seja ele
ambiental, referente ao consumo, à informática, ao pagamento de tributos, ao controle do
trânsito etc. Atribui-se-lhe a tarefa de disciplinar os conflitos antes mesmo que eles sejam
regulamentados pelas disciplinas próprias dessas áreas3.
O resultado é que se multiplicam desmedidamente as leis penais, cada vez mais repressivas
e severas, aplicadas em áreas muito diversas. Teoricamente, sua finalidade é proteger a
sociedade, que se sente insegura diante do contínuo noticiário, veiculado pelos meios de
comunicação social, de crimes aterradores contra a vida, contra o Estado, contra o meio
ambiente etc. Na prática, tal sistema, à força de ser abrangente e draconiano, acaba por 181
produzir, paradoxalmente, um efeito contrário ao visado: ao invés de garantir as liberdades
individuais do cidadão honesto, limita drástica e abusivamente o exercício de tais liberdades.
Com isso, o Direito Penal perde o caráter que lhe é próprio, de intervenção mínima e última
e adquire a natureza de um conjunto de normas de atuação primária e imediata. Deixa de ser
a ultima ratio e passa a ser a prima ratio. A sanção penal passa a ser considerada pelo legislador
como indispensável para a solução de todos os conflitos sociais, a panacéia para os males do
País. O efeito, insistimos, é que em vez de garantir as liberdades sociais, cada vez mais o
3
HASSEMER, Winfried. História das idéias penais na Alemanha do pós-guerra. Trad. Carlos Eduardo Vasconcelos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, vol. 6, p. 63, n. 4.2.2, 1994.
moderna, esteja ele em que parte do mundo estiver. É o quadro que, em linhas gerais, vemos no
das vítimas, justiça restaurativa e penas alternativas
momento presente. Voltamos a dizer que falamos mais diretamente do nosso País, onde já em
1999 existia uma população carcerária de 192 mil pessoas, ocupando cárceres cuja lotação
máxima não ultrapassava 107 mil vagas, mas, com ligeiras variantes, esse é o quadro existente em
numerosos outros países.
Diante desse colapso - a palavra pode parecer demasiado forte mas não o é - do Direito Penal,
há juristas que pretendem aumentar ainda mais o número e o rigor das leis penais; há outros,
muito numerosos, que tendem a reduzir, em grau maior ou menor, a área de aplicação do Direito
Penal, propendendo para a tese do Direito Penal Mínimo. E chega a haver outros, mais radicais,
que propugnam a abolição pura e simples da legislação penal5. Obviamente, esta última pseudo-
solução de nada vale. Seria como se uma lei eliminasse o exercício da Medicina, declarando tal
ciência inútil porquanto mostra a experiência que mais cedo ou mais tarde todos os doentes
acabam por morrer...
Nós, aplicadores e estudiosos do Direito Penal, temos que procurar outras soluções, mais
efetivas e adequadas à realidade psicossocial do mundo hodierno, para garantir a aplicação de
uma Justiça mais justa e benfazeja.
Entre aqueles que militam no Direito Penal, alguns movimentos concretos têm surgido nas
182 últimas décadas em vários países do globo, visando a corrigir a visão simplificadora e falseadora
da realidade psicossociológica que em considerável medida orienta, como mostramos, a
legislação penal contemporânea.
4
Bruxelas, 1862, 10 vols.
5
Ver, a respeito, entrevista do Prof. Sebastian SCHEERER, Diretor do Instituto de Criminologia da Universidade de Hamburgo, concedida ao Prof.
Paulo QUEIROZ, Procurador da República e Professor da Universidade Católica de Salvador, em 1° de agosto de 2000, disponível em:
<http://www.ibccrim.org.br/publicacoes.php>. Nessa entrevista, reproduzida no Boletim IBCCRIM n. 95, de outubro de 2000, o professor alemão,
depois de comentar seu livro “Crítica da Razão Punitiva”, fala da tese do Direito Penal Mínimo, defendida por juristas como Alessandro BARATTA
e Wolfgang NAUCKE e, menos radicalmente, por outros como Winfried HASSEMER e Peter-Alexis ALBRECHT, os quais tendem a reduzir a
área de aplicação do Direito Penal a pouquíssimos comportamentos absolutamente inaceitáveis pela sociedade, como assassinato ou estupro. Depois,
discorre sobre a tese abolicionista, defendida entre outros por Louk HULSMAN e Nils CHRISTIE, mostrando propender claramente por esta última
posição.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 183
Trataremos a seguir, especificamente, de três deles: o movimento pela valorização das vítimas,
o da Justiça Restaurativa e o que propugna uma ampliação do papel das chamadas penas
alternativas.
2.1 Movimento pela valorização das vítimas
Damásio de Jesus
surgimento de um ramo novo da Criminologia, a Vitimologia, iniciada nos anos 60 num plano
puramente teórico e com seu âmbito ampliado na década seguinte, para a área da Psicologia, da
Medicina e das Ciências Sociais, envolvendo já pesquisas sistemáticas de tipo empírico.
Dois filões principais de temas a Vitimologia vem focalizando: de um lado, foram estudadas
cientificamente as conseqüências da interação da vítima com os vários níveis do sistema
judiciário, e de outro os efeitos das medidas legislativas novas, com repercussões criminais, sobre
as vítimas.
Quanto ao primeiro filão, cabe registrar aqui um dos estudos científicos pioneiros realizados
acerca do impacto psicológico exercido sobre as vítimas pelos mecanismos policiais e judiciários, 183
feito por HOLMSTROM e BURGESS em 1975, por meio de entrevistas das vítimas de violência
sexual registradas durante um ano no serviço de pronto-socorro de uma grande cidade norte-
americana. As entrevistas foram sistematicamente registradas em três fases distintas: a primeira,
durante a internação hospitalar das vítimas; a segunda, algumas semanas depois; a terceira, bem
mais tarde, durante o curso dos procedimentos judiciais.
A conclusão a que chegaram os autores é que as vítimas freqüentemente se sentiram
6
Seguimos em linhas gerais, em quase todo este tópico 2.1., a exposição feita por Uberto GATTI e Maria Ida MARUCO, do Instituto de Criminologia
e Psiquiatria Forense da Universidade de Gênova, em Verso una maggiore tutela dei diritti delle vittime: la Giustiza Riparativa al vaglio della ricerca empirica,
Rassegna Italiana di Criminologia, Indici 1992, Milano, pp. 487-513.
7
Veja-se também, a respeito, no que concerne à Europa: MARQUES, Frederico Moyano. Protecção e promoção dos direitos das vítimas de crimes na
Europa/Protection and promotion of victims’ rights in Europe. Lisboa : APAV, 2003.- 296 pp; e, em relação ao Brasil: LIMA, André Estefam Araújo. Lei de
proteção a vítimas e testemunhas - Lei n. 9.807/99. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, dez. 2000. Disponível em:
<www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 185
De uns anos para cá, também a chamada Justiça Restaurativa (Restorative Justice) tem marcado
presença entre os estudiosos do Direito Penal.
Fundamentalmente, a Justiça Restaurativa é uma prática alternativa e menos formal de
restabelecer a Justiça procurando restaurar, como sua própria designação exprime, a ordem
anterior à ruptura representada pelo delito. Ela não elimina o caráter punitivo do processo penal,
mas o coloca em importância bastante secundária.
Muito mais importante do que a punição, indispensável, mas que em última análise não passa de
um mal voltado contra outro mal, é a satisfação da vítima por uma justa reparação ao mal que sofreu;
é a recuperação/ressocialização do delinqüente; e acima de tudo é a recomposição das relações
sociais comunitárias rompidas pelo delito. Trata-se, portanto, propriamente de uma restauração,
realizada em três níveis: o da vítima, o do faltoso e o da comunidade em que ambos vivem.
Na sua origem, a Justiça Restaurativa parece ter sido inspirada em rituais dos aborígenes
maoris, da Nova Zelândia. Entre eles, existe o conceito de whanau, que significa família ampliada.
É no âmbito tribal da “família ampliada” que os maoris resolvem seus conflitos.
O exemplo dos maoris inspirou o sistema judicial neozelandês, que desde 1989 vem adotando
institucionalmente o modelo dos family group conferences (para infratores menores de idade ou
Damásio de Jesus
muito jovens) e também, mais recentemente, o dos community group conferences (para infratores
adultos), obtendo resultados muito animadores quanto à prevenção de reincidências8.
O modo de funcionamento da Justiça Alternativa é característico:
“Na Nova Zelândia, o modelo não substitui o Judiciário, ele o complementa. Um caso só é submetido a esse
sistema se o réu confessar a culpa e, preferencialmente, se a vítima for um indivíduo facilmente identificado. O juiz
encaminha então o caso a funcionários do Ministério da Justiça ou da Infância e do Adolescente, que sondam as
partes sobre o interesse em que o processo corra sob as regras da Justiça Restaurativa. Se as partes consentirem, é
realizada uma reunião que inclui vítima, infrator, familiares de um e de outro, representantes da comunidade e
assistentes sociais que conduzem a conferência. Se não houver consenso sobre a pena, o caso volta ao tipo comum 185
de julgamento; se houver solução consensual, ela é submetida ao juiz. Em sua sentença, ele não precisa reproduzir
a decisão da conferência, mas é obrigado a levá-la em consideração” 9 .
O exemplo maori e a experiência penal neozelandesa atraíram as atenções de numerosos
penalistas que, diante do colapso – mais uma vez usamos a expressão enérgica – do sistema penal
moderno, procuravam uma alternativa razoável para ele.
De fato, já antes de se delinear com perfeita clareza, a partir da Nova Zelândia, o conceito de
8
GOMES PINTO, Renato Sócrates, Justiça Restaurativa. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, abr. 2004. Disponível em:
<www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>.
9
Evento debate novo tipo de Justiça Penal. Porto Alegre, 27/09/2004. Disponível em: <www.pnud.ord.br/seguranca/reportagens>.
Justiça Alternativa, notava-se entre estudiosos do Direito Penal uma preocupação com o
problema e uma busca de soluções para ele, sendo algumas das hipóteses aventadas muito
parecidas àquelas que a Justiça Alternativa veio oferecer.
No citado estudo de GATTI e MARUGO, por exemplo, publicado em 1992 e focalizado,
como vimos, no papel das vítimas de delitos penais, já são feitas abordagens do problema,
algumas das quais bem anteriores ao ano da publicação, as quais parecem inegavelmente
ordenadas à Justiça Restaurativa que só mais tarde tomaria forma:
“In considerazione del fatto che le pene tradizionali, come la multa, la probation, il carcere, ecc., non
presentano alcun vantaggio per le vittime di reati, è stato ritenuto conveniente ampliare la gamma delle possibili
risposte al momento della pronuncia della sentenza; più specificatamente, in opposizione alla tendenza a rispondere
ad un male, il delitto, con un altro male, la pena, tendenza che non rappresenta altro che una sorta di ‘matematica
negativa’, è stata introdotta una nuova prospettiva, diretta a favorire una giustizia ‘riparativa’, che consente di
reagire in modo utile e positivo, in modo tale da rimediare, almeno parzialmente, ai danni provocati dal delitto,
ovvero, secondo i programmi più ambiziosi ed innovativi, da risolvere il conflitto fra l’autore e la vittima del reato.
Espressione di questa nuova prospettiva sono i sistemi di restituzione, compensazione e mediazione. ...
“Al fine di risolvere il conflitto sottostante al reato e di favorire, da parte dei due protagonisti, la comprensione
Novas perspectivas para o Direito Penal: valorização
dei fatti delittuosi, cercando così di ripristinare la pace sociale, è stato seguito un nuovo approccio, alternativo al
das vítimas, justiça restaurativa e penas alternativas
tradizionale sistema di giustizia penale, che propone articolati schemi di intervento, quali la mediazione e la
riconciliazione (Victim Offender Reconciliation Programs o, più brevemente, VORP). Tali programmi
sono stati applicati per la prima volta una ventina di anni fa a Kitchener nell’Ontario a due giovani che, dopo
essersi ubriacati, avevano commesso atti di vandalismo e che, grazie all’intervento del probation officer ed alla
collaborazione del tribunale provinciale competente del caso, potereno beneficiare dell’opportunità di incontrare le
loro vittime per spiegare a queste chi essi fossero e che cosa esattamente avvessero fatto. ...
“Sebbene le vittime godano del diritto di non partecipare al programma di mediazione proposto, la ricerca
empirica ha rivelato che solo una minoranza si avvale di tale diritto, mentre la maggior parte accetta volontieri
questa soluzione e si dichiara sodisfatta di questa peculiare modalità di risposta alla criminalità” 1 0 .
A Justiça Restaurativa, envolvendo no processo penal outros elementos além da vítima e do
infrator, quais sejam, os grupos sociais familiares ou outros (ambientes de trabalho, de lazer, de
prática religiosa etc.) , nos quais ambos se situam e em que ambos agem, em alguma medida
“terceiriza” a aplicação da justiça. É o Estado que transfere (e de certa forma devolve) parte de suas
atribuições judicativas à sociedade civil, ou mais especialmente àquela parcela da sociedade
diretamente relacionada com o delito concreto que se está tratando de punir e reparar. Tudo isso em
ordem à reconstituição do tecido social e dos vínculos comunitários, à reparação condigna da vítima
- que no processo da Justiça Restaurativa desempenha papel primordial - e à recuperação do infrator,
figurando a punição apenas como elemento complementar, se bem que necessário, do processo.
Experiências de prática da Justiça Restaurativa têm sido realizadas em vários países, sobretudo com
186 delinqüentes menores de idade: Canadá, Inglaterra e Itália. E também com adultos que cometeram delitos
de menor gravidade. Em Portugal, desde janeiro de 2005 um projeto piloto de aplicação da Justiça
Alternativa vem sendo realizado na cidade do Porto, sob a responsabilidade da Escola de Criminologia da
Faculdade de Direito do Porto, articulada com o Ministério Público local11.
É possível que seja a da Colômbia a experiência que o público internacional está acompanhando
com mais interesse12. Na cidade de Cali, realizou-se de 10 a 12 de fevereiro de 2005, o Simposio
Internacional para la Justicia Restaurativa y Paz en Colombia-2005, promovido pela Pontifícia Universidad
10
Art. cit., pp. 499-501.
11
PEIXOTO, Alberto. Vem aí uma nova justiça! Disponível em: <www.geocities.com/criminalidade/novajustica.html>.
12
Ver site <www.justicia-restaurativa.colombia.org>.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 187
Javeriana de Cali, com participação oficial do Presidente da República, Álvaro Uribe Vélez, de altas
autoridades do país e de cerca de 500 pessoas, muitas das quais provenientes de outros países - entre as
quais dois Prêmios Nobel da Paz, o arcebispo Desmond M. Tutu e José Ramos Horta.
A iniciativa do certame, além da citada Universidade, deveu-se a diversas ONGs, tais como a
Corporación Excelencia en la Justicia, a Fundación Paz y Bien e a Fundación Alvaralice, e contou com
o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional-USAID. Entre os que
falaram nesse simpósio contavam-se o Presidente da República e vários Senadores e Ministros de
Estado, além de especialistas convidados nas áreas de Direito, Sociologia, Psicologia, Antropologia etc.
O objetivo do encontro foi estudar a aplicação dos princípios da Justiça Restaurativa numa
sociedade como a colombiana, há mais de 50 anos padecendo de um conflito que, depois de um
período de baixa intensidade, ampliou-se nos anos 80 com a intensificação das guerrilhas e do
narcotráfico, chegando a um patamar em que a catástrofe humanitária foi classificada, pela ONU,
como a maior do hemisfério ocidental: 25 mil pessoas mortas por ano e milhões de pessoas
vivendo sob ameaça contínua. Nesse contexto, diante de uma sociedade fragmentada e
traumatizada, pareceu aos participantes do simpósio muito indicada a aplicação dos princípios da
Justiça Restaurativa, com vistas sobretudo a restabelecer o equilíbrio do bom convívio social, com
a cicatrização das feridas abertas por décadas de violência e intolerância.
O simpósio, que foi precedido de duas reuniões preparatórias realizadas em abril e outubro
de 2004, procurou também contribuir para a busca de mecanismos pacíficos para resolver as
diferenças profundas que desgarraram a sociedade colombiana, mediante a conscientização e a
prática da Justiça Restaurativa e da convivência comunitária, contribuindo ao mesmo tempo para
dar visibilidade a experiências realizadas no país e em outras nações sobre o tema13.
O Ministério da Justiça do Brasil vem acompanhando com interesse as experiências de Justiça
Restaurativa. Em junho de 2004, uma equipe constituída por sete juristas brasileiros (cinco juízes
e dois membros do Ministério Público) esteve na Nova Zelândia, a convite do governo local, para
examinar in loco os procedimentos restaurativos ali aplicados.
Em outubro de 2004 um dos participantes dessa equipe, Dr. Renato Campos De Vitto, Procurador
licenciado do Estado de São Paulo e assessor da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da
Damásio de Jesus
Justiça, participou, na qualidade de representante do Ministério da Justiça, de um seminário sobre Justiça
Restaurativa realizado na Universidade Federal de Porto Alegre, promovido pelo Instituto de Acesso à
Justiça, com parceria da ONG britânica Justice e do British Council. A posição de De Vitto, no caso,
diversamente da de outros participantes do encontro, pareceu-nos equilibrada e muito realista: o sistema
neozelandês pode inspirar soluções muito adequadas à realidade brasileira, mas não podemos
simplesmente copiá-lo. Foi o que destacou, respondendo a entrevista do link UK:
“Embora devamos ter cautela na análise da possibilidade de mera replicação de experiências praticadas
por países da commom law, que comporta normas e procedimentos muito mais flexíveis, não é arriscado
afirmar que a filosofia restaurativa pode ser absorvida pelo sistema brasileiro. Em parte, algumas leis 187
brasileiras, como a lei de juizados especiais criminais, incorporam os objetivos buscados pelo modelo
criminológico que inspira a Justiça Restaurativa, mas a aplicação prática desses ideais pode ser muito
aprimorada. É muito difícil afirmar nesse momento em que o conhecimento acumulado sobre o assunto no
Brasil é incipiente e a literatura nacional é quase inexistente, qual é o modelo mais adequado ao nosso sistema.
Por essa razão, o Ministério da Justiça acredita que o mais importante nessa fase é aprofundar os debates, o
que também é uma recomendação da ONU” 14 .
13
Ver site www.fides.org/por/news/2005/0502/02_3896.html
14
Marcelo MONTEIRO. Por uma justiça mais humana - ritual de solução de conflitos do povo Maori pode inspirar sistema penal brasileiro. Disponível
em: <www2.britishcouncil.org/br/brasil-linkuk-3-justice.htm>.
Como bem resumiram dois dos mais destacados próceres dessa corrente do Direito, Paul
das vítimas, justiça restaurativa e penas alternativas
Resta tratar do terceiro movimento que consideramos fruto de uma reação do bom senso,
diante do colapso do sistema penal hodierno: o movimento pela ampliação do recurso às penas
alternativas.
Esse movimento, que tem aliás encontrado guarida na legislação penal brasileira, procura
ampliar o recurso às penas alternativas para delitos de menor gravidade, com a finalidade de
impedir que aos infratores venha a ser aplicada a pena privativa de liberdade.
Penas alternativas são sanções de natureza criminal diversas da prisão, como a multa, a
prestação de serviços à comunidade, as interdições temporárias de direitos e muitas outras.
188 Durante o 7° Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento dos
Delinqüentes, foi expedida uma Resolução de n. 16, a qual enfatizava a necessidade de reduzir o
número de reclusos pela adoção de soluções alternativas à prisão. Os primeiros estudos concretos
a respeito, no âmbito das Nações Unidas, foram formulados em 1986, pelo Instituto Regional
das Nações Unidas da Ásia e do Extremo Oriente para a Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinqüente. O passo seguinte foi a reação das Regras Mínimas para a Elaboração de Medidas não
15
País testa mediação na área penal. Disponível em: <www.federasul.com.br/camara_arbitral/noticias/novas/26_10_2004_01.html>.
16
Alguns dos riscos de uma Justiça Restaurativa mal entendida foram apontados por Anna COLAFIGLI, Mario TANTALO e Carla BIANCHERA
em I Principi della Giustizia Riparativa contenuti nell’art. 28 del D.P.R. 448/88, Rassegna Italiana di Criminologia, Indici 1995, Milano,
pp. 195-208.
17
Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça Restaurativa. Disponível em: <www.realjustice.org/library/paradigm_port.html>.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 189
Privativas de Liberdade, também conhecidas como Regras de Tóquio, traduzidas por nós para o
Português a pedido do Ministério da Justiça, cuja adoção foi recomendada pelo 8° Congresso da
ONU, em 14 de dezembro de 1990, pela Resolução 45/110, da Assembléia Geral.
Em numerosos países têm sido ampliadas as espécies e as modalidades de penas alternativas.
Numa pesquisa acurada que fizemos em fontes legislativas de muitos países, conseguimos elencar
53 penas alternativas18.
No caso concreto do Brasil, o Código Penal vigente, atualizado pela Lei n. 9.714/98, prevê
as seguintes penas alternativas:
1ª) prestação pecuniária (art. 43, I): consiste no pagamento à vítima, a seus dependentes ou a
entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior
a um nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos (art. 45, § 1°);
2ª) perda de bens e valores pertencentes ao condenado em favor do Fundo Penitenciário
Nacional (art. 43, II), considerando-se o prejuízo causado pela infração penal ou o provento
obtido pelo agente ou por terceiro (art. 45, § 3°);
3ª) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (arts. 43, IV, e 46): atribuição
de tarefas gratuitas ao condenado (art. 46, § 1°) em entidades assistenciais, escolas, hospitais etc.
(art. 46, § 2°);
4ª) proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato
eletivo (art. 47, I);
5ª) proibição de exercício de profissão, atividade ou ofício que depende de habilitação oficial,
de licença ou autorização do Poder Público (art. 47. II);
6ª) suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo (art. 47, III);
7ª) proibição de freqüentar determinados lugares (art. 47, IV);
8ª) limitação de fim de semana (arts. 43, VI e 48);
9ª) multa (art. 44, § 2°);
10ª) prestação inominada (art. 45, § 2°): em que o juiz, havendo aceitação do condenado, pode
substituir a prestação pecuniária (arts. 43, I, e 45, § 1°), que se cumpre com pagamento em
dinheiro à vítima, por “prestação de outra natureza”.
Damásio de Jesus
Essas são as penas alternativas previstas desde 1998 pela legislação brasileira. Anteriormente, o
Código Penal, em sua redação de 1984, previa apenas quatro modalidades de penas alternativas19.
No Brasil atual, só podem ser aplicadas penas alternativas se:
1°) a pena privativa de liberdade imposta na sentença pela prática de crime doloso não for
superior a quatro anos (art. 44, I);
2°) cuidando-se de crime culposo, qualquer que seja a quantidade da pena detentiva, pode ser
substituída por restritiva de direitos ou multa, desde que presentes as circunstâncias pessoais
favoráveis (art. 44, I e § 2°);
3°) é necessário que o réu não seja reincidente em crime doloso (art. 44, II, observado o § 3°); 189
4°) exigência de que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indiquem a conveniência da substituição
(art. 44, III).
No Brasil, as penas alternativas são substitutivas, ou seja, o juiz, em primeiro lugar, fixa a pena
privativa de liberdade e depois a substitui por uma ou mais alternativas, se for o caso. Não podem
18
JESUS, Damásio de. Penas alternativas. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, abr, 1999. Disponível em:
<www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>.
19
Participamos ativamente, por honroso convite do Ministério da Justiça, dos estudos preparatórios da Lei n. 9.714/98, que ampliou as penas
alternativas no Código Penal Brasileiro. Nossa orientação, nas emendas que sugerimos às autoridades, seguia na linha de ampliação ainda maior da
que realmente acabou sendo aprovada pelo Congresso Nacional.
ser aplicadas diretamente, nem cumuladas com penas privativas de liberdade. A substituição é
obrigatória, desde que presentes as condições de admissibilidade, não se tratando, pois, de
simples faculdade judicial.
Nosso modo de pensar, a respeito das penas alternativas, é muito claro. Sempre fomos
favoráveis à sua ampliação judiciosa, naturalmente para delitos de menor gravidade, para evitar
aos infratores o trauma muitas vezes irremediável da prisão. Considerando-se o sistema carcerário
iníquo que existe no Brasil, com as prisões superlotadas e insuficientes, considerando-se ademais
que elas se transformaram, como dissemos, em verdadeiras universidades do crime, nossa
convicção é que para elas só devem ir os criminosos que cometeram crimes graves, ou aqueles
que, mesmo tendo cometido crimes de menor gravidade, apresentam um grau de periculosidade
que torna seu convívio danoso à sociedade.
A ressocialização dos infratores sempre foi preocupação nossa, nos longos anos que
exercemos o Ministério Público, como acusadores, assim como na nossa também extensa carreira
como Professor de Direito Penal. A detenção, seja no sistema policial das delegacias, seja nos
estabelecimentos penitenciários, quase inevitavelmente produz nos infelizes que adentram as
portas do cárcere um trauma irrecuperável. Uma vez saídos do cárcere, um ignominioso estigma
Novas perspectivas para o Direito Penal: valorização
os perseguirá até o fim de suas vidas e, por vezes, injustamente, prolongar-se-a pela vida dos seus
das vítimas, justiça restaurativa e penas alternativas
filhos e netos. Aos infelizes que têm a desgraça de pela primeira vez nas suas vidas transporem
algemados os umbrais de uma prisão, bem se poderia aplicar o verso famoso que Dante imaginou
colocado, como um dístico, nas portas do inferno: “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”...
A ampliação em toda a medida do razoável das penas alternativas, sobretudo se conjugada
com elementos da Justiça Restaurativa e utilizando como poderoso fator auxiliar a iniciativa
privada (ONGs, empresas, comunidades religiosas etc.), a nosso ver, é muito mais indicada para
ressocializar o infrator, reintegrando-o na sociedade. Muito mais do que um romântico
wishfullthinking, esse é um objetivo ao nosso alcance desde que verdadeiramente o queiramos
atingir. Convencemo-nos disso pela experiência adquirida no Patronato Damásio de Jesus,
instituição privada que atuou com sucesso na cidade de Bauru (SP), transferida agora para São
Paulo, Capital, como integrante do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, com a finalidade de
auxiliar o Estado, na aplicação das penas alternativas, e colaborar com a sociedade, contribuindo
para a ressocialização dos delinqüentes.
Resumindo: em nosso modo de entender, devemos procurar uma Justiça muito mais ágil,
simples, flexível, individualizada, efetiva, justa e também mais séria. Uma justiça que não apenas
puna o criminoso, mas que demonstre particular atenção para com a vítima e com a família desta;
que procure também, sempre que possível, recuperar o delinqüente; que seja de tolerância zero
para com o crime, mas ao mesmo tempo se preocupe em ressocializar o delinqüente; que valorize
as penas alternativas, reservando as prisões para os criminosos perigosos.
190
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 191
1. Notas introdutórias
Transcorridos já alguns anos, seguimos convictos da correção das premissas centrais da nossa
análise, assim como estamos convencidos da oportunidade e conveniência de retomarmos, agora
aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal
já à luz de novos estímulos oriundos da doutrina e jurisprudência, o debate que, no nosso sentir,
apenas está na sua fase embrionária. Acima de tudo temos a firme convicção de que a necessária
defesa de uma concepção garantidora dos direitos fundamentais, única compatível com os
pressupostos do Estado Democrático de Direito, ainda mais se este Estado for sempre também
um Estado Constitucional, somente se revela como legítima em sendo amiga do princípio da
proporcionalidade na sua dúplice acepção já referida.
Com efeito, nunca é demais relembrar que o fio condutor da nossa análise segue sendo a
necessidade de superar moral, jurídica e socialmente, a era dos extremos (que caraterizou o breve
século XX, na precisa historiografia de Hobsbawm4) de tal sorte a combater – designadamente
em matéria criminal – tanto o abolicionismo, quanto a intolerável “tolerância zero”. Assim, uma
leitura constitucionalmente adequada e genuinamente garantista (já que também a respeito do
garantismo existem várias leituras possíveis!) da proporcionalidade não se poderá fazer a não ser
no contexto de uma abordagem “mite” (portanto, de um Direito da equidade), que, tal qual
sugere Zagrebelsky, exige a capacidade de alcançar composições “em que haja espaço não só para
uma, e sim para muitas ‘razões’5.
Tal perspectiva é tanto mais imperiosa, quanto maiores são os níveis de polarização
(inevitavelmente acompanhada de uma boa dose de paranóia e até mesmo – pelo menos em
algumas situações – de um sentimento de histeria coletiva) instaurados no seio da sociedade, o
que, em matéria penal, aponta para a ilegitimidade seja de um abolicionismo irresponsável (este
transgredindo a proibição de insuficiência), seja, por outro lado, das políticas de “tolerância zero”
(melhor seria falar em “criminalidade zero”, que justamente exige políticas públicas efetivas em
matéria social, cultural e econômica e não a substituição destas por políticas criminais arbitrárias
e reprodutoras da exclusão) ou das tentativas de justificas um injustificável “direito penal do
inimigo”, que, dentre outras medidas arbitrárias, acaba, no mais das vezes, por violar a assim
chamada proibição de excesso.
A despeito destas e de outras considerações relevantes para o contexto no qual se insere
também este trabalho, o que importa nesta fase preliminar é destacar a necessidade de valorizar o
marco jurídico-constitucional que, por conta dos direitos e deveres fundamentais, impõe limites
ao Estado e à própria sociedade, e que a legislação em matéria penal e processual penal, assim
como a atuação da Administração Pública e do Poder Judiciário nesta matéria, somente será
legítima quando compatível com os parâmetros normativos da Constituição, o que inclui (por mais
que ainda alguns queiram contestar) o respeito às exigências da proporcionalidade. Neste trabalho,
192 que retoma em boa parte questões já desenvolvidas no texto anterior já referido, empreenderemos
a tentativa de, após uma breve recapitulação dos aspectos principais da dogmática constitucional
em matéria de deveres de proteção do Estado e da correlata concepção da proporcionalidade
como proibição de excesso e proibição de insuficiência (ora atualizada à luz da produção
3
Cf. Lenio Luiz Streck, “ A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção
deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais”, in: Revista da AJURIS , nº 97, março de 2005,
p. 171 e ss., assim como Luciano Feldens, A Constituição Penal. A Dupla Face da Proporcionalidade no Controle das Normas Penais, Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, especialmente p. 155 e ss.
4
Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos, 2ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
5
Gustavo Zagrebelsky. El derecho dúctil. 3ª ed. Madrid: Editorial Trotta, 1999, pp. 146-7. Para o autor, a relação de tensão entre o caso e a regra “introduz
inevitavelmente um elemento de eqüidade na vida do direito” (p. 148).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 193
Em que pese o substancial consenso a respeito da existência de uma perspectiva objetiva dos
direitos fundamentais (pelo menos no âmbito da dogmática constitucional européia continental6),
importa consignar, desde já, que, no concernente ao seu conteúdo, significado e suas diversas
implicações, ainda permanecem sérias controvérsias na doutrina e jurisprudência, dissídio este que
se manifesta até mesmo na seara terminológica, em face das diversas denominações atribuídas à
perspectiva objetiva dos direitos fundamentais.7 Sem que se possa aqui aprofundar o tema, o que
importa, para efeitos do presente texto, é a constatação de que a função dos direitos fundamentais
não se limita (notadamente no contexto do Estado Democrático de Direito) à sua condição de
direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas que, além disso,
constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em
todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e
executivos.8 Em outras palavras, de acordo com o que consignou Pérez Luño, na esteira da
doutrina e jurisprudência germânica, já recolhida por outras ordens constitucionais, os direitos
fundamentais passaram a apresentar-se no âmbito da ordem constitucional como um conjunto de
6
Como contraponto, vale destacar – sem que aqui se vá desenvolver este aspecto - a ausência de um desenvolvimento dogmático similar no direito
constitucional norte-americano, o que não significa que não exista uma profícua e influente produção versando sobre os valores constitucionais no
âmbito das discussões em torno dos limites e da legitimação da interpretação constitucional. Neste sentido, v. o contributo de Daniel Sarmento, “A
Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais: fragmentos de uma teoria”, in: Ricardo Lobo Torres e Celso Albuquerque Mello (Org), Arquivos de
Direitos Humanos, vol. 04, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 73 e ss, o qual bem aponta que a objeção de um ilegítimo ou pelo menos exagerado
ativismo judicial, especialmente por conta dos órgãos encarregados da jurisdição constitucional, assim como de uma espécie de hipertrofia dos 193
direitos fundamentais, notadamente em função dos desdobramentos de sua dimensão objetiva, também tem sido constantemente argüida na
Alemanha (basta referir aqui autores do porte de Habermas, Hesse e Böckenförde), de tal sorte que também aqui existem importantes convergências
com o direito norte-americano (op. cit., p. 75 e ss.).
7
Esta a advertência de Robert Alexy, “Grundrechte als subjektive Rechte und als objektive Normen”, in: Der Staat 29 (1990), p. 51, que, em caráter meramente
exemplificativo, refere as seguintes expressões ligadas à dimensão objetiva dos direitos fundamentais e que foram extraídas da doutrina e da
jurisprudência: ordem objetiva de valores, sistema de valores, decisões constitucionais fundamentais, direitos fundamentais como normas objetivas,
diretrizes e impulsos, etc. Em que pese a o uso habitual da terminologia “dimensão objetiva e subjetiva”, convém ressaltar que, com o objetivo de
evitar eventuais equívocos relacionados ao problema das diversas dimensões (como sucedâneo do termo “gerações”) dos direitos fundamentais,
preferimos utilizar a expressão “perspectiva objetiva e subjetiva”.
8
Cf. BVerfGE 7, 198/204 e ss., posteriormente objeto de ratificação em uma série de outras decisões (por ex., BVerfGE 49, 89/141 e ss, e, mais
recentemente, em BVerfGE 98, 365/395).
9
Cf. Antonio-Enrique Pérez Luño,, Los Derechos Fundamentales, 6ª ed., Madrid: Tecnos, 1995, pp. 20-1, que, neste contexto, aponta para a função
legitimadora do Estado de Direito decorrente desta significação axiológica objetiva dos direitos fundamentais, na medida em que constituem os
pressupostos do consenso sobre o qual se funda qualquer sociedade democrática, exercendo, neste sentido, o papel de sistematizar o conteúdo
axiológico objetivo do ordenamento democrático.
10
Cf., dentre tantos, José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de 1976, Coimbra: Almedina, 1987, p. 143.
juridicidade das normas de direitos fundamentais,12 mais-valia esta que, por sua vez, pode ser
aferida por meio das diversas categorias funcionais desenvolvidas na doutrina e na jurisprudência,
que passaram a integrar a assim denominada perspectiva objetiva da dignidade da pessoa humana
e dos direitos fundamentais e dentre as quais o reconhecimento de deveres de proteção
(imperativos de tutela) assume um lugar de destaque, inclusive no que diz com sua repercussão na
esfera jurídico-penal.
Se até agora nos estivemos movimentando no âmbito da perspectiva objetiva na sua acepção
valorativa, e não na esfera do desenvolvimento de novos conteúdos que podem integrar, de
acordo com a distinção feita por Vieira de Andrade, a perspectiva jurídico-objetiva sob o aspecto
de sua caracterização como um reforço (no sentido de complementação) da eficácia normativa
dos direitos fundamentais há que tomar posição também nesta seara. Mais propriamente, para
evitar eventual confusão com os pontos que acabamos de desenvolver, cuida-se aqui de apontar
para os desdobramentos da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais na qualidade de
efeitos potencialmente autônomos, no sentido de não necessariamente atrelados (o que não
implica refutar a conexão evidente entre a dimensão objetiva e subjetiva) aos direitos
fundamentais na sua condição de normas de direito subjetivo13. Como bem lembra Konrad
Hesse, a multiplicidade de significados inerente aos direitos fundamentais na condição de
elementos da ordem objetiva corre o risco de ser subestimada caso for reduzida à dimensão
meramente axiológica, de acordo com a qual os direitos fundamentais constituem uma ordem de
valores objetiva14 e cujos aspectos peculiares já foram objeto de breve referência.
Como primeiro desdobramento de uma força jurídica objetiva autônoma dos direitos
fundamentais costuma apontar-se para o que a doutrina alemã – de modo não imune a
importantes críticas –15 denominou de uma eficácia irradiante ou efeito de irradiação
(Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais e, por evidente, do princípio da dignidade da
pessoa humana e demais princípios fundamentais, no sentido de que estes, na sua condição de
direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito
infraconstitucional, o que, além disso, apontaria para a necessidade de uma interpretação
conforme aos direitos fundamentais, que, ademais, pode ser considerada – ainda que com
restrições – como modalidade semelhante à difundida técnica hermenêutica da interpretação
conforme a Constituição.16 A técnica da interpretação conforme, como bem sinalou Daniel
194 11
Neste sentido, por exemplo, Horst Dreier, in: JURA 1994, p. 509.
12
Cfr. leciona José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais..., p. 165.
13
A este respeito, v. a lição de José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais..., p. 161.
14
Cf. Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, Heidelberg: C.F. Muller, 1995, p. 135.
15
Cfr. Claus-Wilhelm Canaris, Grundrechte und Privatrecht, Berlin-New York: Walter de Gruyter, 1999 (existe tradução em língua portuguesa sob o título
Direitos Fundamentais e Direito Privado, Coimbra: Almedina, 2003), pp. 30-31, afirmando que a expressão eficácia irradiante não possui consistência
dogmático-jurídico, não representando mais do que uma fórmula vaga e imprecisa extraída da linguagem cotidiana.
16
V., dentre outros, as atualizadas manifestações de Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Grundrechte, S|taatsrecht II, Heildelberg: C.F. Muller, 1995, p. 23
e ss., bem como de Michael Sachs, “Vorbermerkungen zu Abschnitt I”, in: Michael Sachs (Org), Grundgesetz-Kommentar, München: C.H. Beck, 1996,
p. 79. No direito lusitano estes efeitos da dimensão objetiva encontram-se arrolados de forma clara e didática na obra de José Carlos Vieira de
Andrade, Os Direitos Fundamentais..., pp. 168-9, que, neste contexto, além da necessidade de uma interpretação conforme os direitos fundamentais,
aponta para a existência de uma obrigação geral de respeito vigente também na esfera privada e que identifica como um efeito externo deles. Neste
sentido, entendemos que este dever geral de respeito tanto diz respeito à necessidade de uma hermenêutica vinculada aos direitos fundamentais,
quanto à problemática de sua eficácia privada. Entre nós, a interpretação dos direitos fundamentais encontra-se primorosamente tratada, entre
outras tantas obras de valor, no referencial curso do Prof. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 532 e ss.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 195
17
Cfr. Daniel Sarmento, A Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais..., p. 80-81.
18
A respeito deste tema v. a obra específica de Paulo Ricardo Schier, Filtragem Constitucional. Construindo uma nova dogmática jurídica, Porto Alegre: Sergio
Fabris, 1999.
19
Nesta perspectiva v. as já clássicas contribuições em língua portuguesa de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. II, 2ª ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 1988 (ao destacar que com a promulgação de uma nova Constituição ocorre a novação da ordem jurídica e, portanto, imperiosa a
sua reinterpretação) e, entre nós, de Luís Roberto Barroso, Aplicação e Interpretação da Constituição, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 145 (falando-nos
195
de uma interpretação evolutiva), assim como Lenio Luís Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, em
linhas gerais lembrando que não se deve olhar o novo com os olhos do velho, isto é, com o olhar voltado para trás.
20
Clèmerson Merlin Clève, “Teoria Constitucional e o Direito Alternativo”, in: Uma Vida Dedicada ao Direito: Homenagem a Carlos Henrique de Carvalho,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, referindo que por meio da constitucionalização (notadamente pela via interpretativa) os valores
emancipatórios contidos na Constituição incidirão sobre a ordem jurídica infraconstitucional.
21
De modo geral, estamos a nos mover aqui em seara a respeito da qual (pelo menos no concernente à necessidade de uma interpretação conforme a
Constituição e um filtragem constitucional da normativa infraconstitucional) existe já expressiva e qualificada doutrina no direito pátrio, não sendo
o caso de desenvolver esta perspectiva.
22
Cf., por todos, Luciano Feldens, A Constituição Penal..., p. 40 e ss.
23
Cf. a fórmula proposta para o processo penal por Aury Lopes Jr., Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, vol. 1, Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2007, p. 07 e ss.
24
É nesta perspectiva que se situa, por exemplo, a afirmação de Winfried Hassemer, “Segurança Pública no Estado de Direito”, in: Três Temas de Direito
Penal, Porto Alegre: Publicações da Escola Superior do Ministério Público, 1993, p. 70, no sentido de que o direito processual penal não é outra coisa
senão direito constitucional aplicado.
25
A este respeito, v., dentre outros, Konrad Hesse, Grundzüge..., p. 155, e Michael Sachs, in: Grundgesetz..., pp. 79-80.
não de principal detrator – dos direitos fundamentais26. Esta incumbência, por sua vez,
desemboca na obrigação de o Estado adotar medidas positivas da mais diversa natureza com o
Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da
objetivo precípuo de proteger de forma efetiva o exercício dos direitos fundamentais e os bens
e interesses que constituem o objeto da tutela jusfundamental27. No âmbito da doutrina
aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal
não são imunes a críticas, não afasta a circunstância de que um dever de proteção (e, portanto,
um dever de atuação do Estado) carece de uma especial justificação para o seu reconhecimento
e reclama especial cuidado no seu controle, especialmente naquilo que diz com a aplicação dos
critérios da proporcionalidade compreendida como proibição de insuficiência, o que voltará a
ser objeto de menção, embora com especial atenção para o contexto jurídico-penal.
Deixando de lado – neste contexto – a controvérsia que grassa em torno da possibilidade de
se deduzirem, com base nos deveres de proteção do Estado (isto é, na função dos direitos
fundamentais como imperativos de tutela) certas posições jurídicas subjetivas, de modo especial
o reconhecimento de um direito individual subjetivo a medidas ativas de proteção por parte dos
poderes públicos33 – desde logo é perceptível o quanto tal dimensão assume destaque na esfera
jurídico-penal, já que um dos importantes meios pelos quais o poder público realiza o seu dever
de proteção em relação a direitos fundamentais é justamente o da proteção jurídico-penal desses.
Aliás, tomando-se o caso da Alemanha – foi justamente nesta seara (mais precisamente por
ocasião do debate em torno da proteção do direito à vida e da descriminalização do aborto) que
a teoria dos deveres de proteção acabou encontrando receptividade na jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal34. No que diz com os desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais
subseqüentes, basta atentar para a relevância da discussão a respeito do modo de implementação
dos deveres de proteção, que, de há muito, dentre outros aspectos, trava-se, por exemplo, em
torno do complexo problema dos limites e possibilidades quanto ao reconhecimento de
mandados implícitos de criminalização e suas conseqüências, assim como a respeito da
descriminalização e/ou despenalização de condutas ofensivas a direitos fundamentais ou outros
aspectos vinculados aos mandados expressos e implícitos de criminalização35, que, de resto, são
relativamente freqüentes na Constituição Federal de 1988.
Por mais que se possa discutir se a finalidade primeira do direito penal é, ou não, a proteção
de determinados bens jurídicos (e se apenas bens fundamentais – ou menos determinados bens
fundamentais! – são dignos da tutela por meio do direito penal)36, certo é que a resposta penal
para condutas ofensivas a bens jurídicos pessoais e sociais sempre tem por efeito – pelo menos
197
33
Sobre o ponto, v., dentre outros, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2ª ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 410 e ss.
34
Neste sentido, a paradigmática decisão encontrada em BVerfGE vol. 39, especialmente p. 49 e ss (houve uma segunda decisão a respeito da
descriminalização do aborto, do dia 28.05.93, {BVerfGE 88, p. 203 e ss.} que acabou chancelando a figura da assim denominada proibição de
insuficiência, que será objeto de análise um pouco mais detida neste estudo, mas que, em linhas gerais, não desbordou – naquilo que interessa aos
deveres de proteção – essencialmente da primeira). Nesta mesma linha (notadamente no concernente ao reconhecimento de deveres de proteção
estatais) situam-se importantes decisões de outros Tribunais Constitucionais, com destaque para a decisão do Tribunal Constitucional da Espanha
(Sentença nº 53, de 1985), e, mais recentemente, do Tribunal Constitucional de Portugal (Acórdão nº 288, de 18.04.98). Em todas estas decisões
assumiu papel de destaque o argumento de que o Estado tem um dever de proteção da vida mesmo contra a pessoa da mãe e que tal dever exige a
implementação de um sistema legal de proteção da vida, que, considerando a natureza do valor em causa, inclui uma proteção na esfera jurídico-
penal, de tal sorte que também a descriminalização de condutas ofensivas a bens fundamentais pode ser impugnada por inconstitucional.
35
Entre nós, v. especialmente os desenvolvimentos de Luciano Feldens, A Constituição Penal...., especialmente p. 69 a 154.
36
A respeito desta problemática, v., entre outros, Maria da Conceição Ferreira da Cunha, “Constituição e Crime”, uma perspectiva da criminalização e da
descriminalização, Porto: Universidade Católica Portuguesa Editora, 1995. Entre nós. Remetemos novamente a Luciano Feldens, idem nota 35 supra.
compreendidos no marco da Constituição e que esta, portanto, impõe limites aos poderes
constituídos, inclusive ao legislador, que dispõe apenas de uma relativa liberdade de conformação
Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da
ao definir os tipos penais, fixar sanções e estabelecer outras medidas vinculadas ao poder de punir
estatal37.
aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal
Ainda que não se pretenda aqui uma digressão a respeito do significado e conteúdo do
princípio (?)38 da proporcionalidade no âmbito da teoria constitucional, que, de resto, reclamaria
uma investigação de proporções monográficas, não poderíamos, contudo (a despeito da farta e
qualificada produção doutrinária já existente mesmo em língua portuguesa39), deixar de esboçar
– especialmente quanto a este ponto – alguns contornos que reputamos essenciais ao
enfrentamento do tema deste ensaio e que já nos podem fornecer a munição suficiente (portanto,
e em certo sentido, proporcional) para as ponderações a serem tecidas no último segmento, onde
pretendemos concretizar a problemática esboçada na introdução analisando alguns casos
extraídos da jurisprudência e da legislação.
Na seara do direito penal (e isto vale tanto para o direito penal material, quanto para o
processo penal) resulta – como já referido – inequívoca a vinculação entre os deveres de proteção
(isto é, a função dos direitos fundamentais como imperativos de tutela) e a teoria da proteção dos
bens jurídicos fundamentais, como elemento legitimador da intervenção do Estado nesta seara,
assim como não mais se questiona seriamente, apenas para referir outro aspecto, a necessária e
correlata aplicação do princípio da proporcionalidade e da interpretação conforme a
Constituição. Com efeito, para a efetivação de seu dever de proteção, o Estado – por meio de um
dos seus órgãos ou agentes – pode acabar por afetar de modo desproporcional um direito
fundamental (inclusive o direito de quem esteja sendo acusado da violação de direitos
fundamentais de terceiros). Esta hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da
proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de
direitos fundamentais que, nesta perspectiva, atuam como direitos de defesa, no sentido de
proibições de intervenção (portanto, de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim
preferirmos). O princípio da proporcionalidade atua, neste plano (o da proibição de excesso),
como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais, o que também já é de
todos conhecido e dispensa, neste contexto, maior elucidação.
Por outro lado, o Estado – também na esfera penal – poderá frustrar o seu dever de proteção
atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção
constitucionalmente exigidos) ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada
198
37
Cf. também e por todos, Carlos Bernal Pulido, El derecho de los derechos. Escritos sobre la aplicación de los derechos fundamentales, Bogotá: Universidad
Externado de Colômbia, 2005, p. 117.
38
O ponto de interrogação entre parênteses nos remete à discussão em torno da qualificação jurídico-normativa da proporcionalidade, já que se discute
a sua condição de princípio ou de regra (tomando-se aqui ambas as noções tal qual formuladas teoricamente por Robert Alexy e seus seguidores),
isto sem falar nas considerações mais recentes questionando a condição propriamente principiológica da proporcionalidade (especialmente em se
partindo dos referênciais apresentados por Alexy) que, segundo esta doutrina, notadamente quando se cuidar do controle de constitucionalidade
(proporcionalidade) de atos estatais, assume feições de postulado normativo-aplicativo, razão pela qual se faz referência a um dever de
proporcionalidade. Neste sentido, v. a contribuição crítica de Humberto Bergmann Ávila, Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos,
São Paulo: Malheiros, 2003, especialmente p. 104 e ss (no que diz com a proporcionalidade).
39
Restringindo-nos à produção monográfica nacional (brasileira) específica, que aqui vai citada em caráter não exaustivo, reportamo-nos às obras de
Raquel Denize Stumm, Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, Suzana de Toledo Barros,
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, Brasília: Brasília Jurídica, 1996, Paulo Armínio Tavares
Buechele, O princípio da proporcionalidade e a interpretação da constituição, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos
fundamentais e princípio da proporcionalidade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, Humberto Ávila, Teoria dos Princípios, São Paulo: Malheiros.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 199
(pelo menos em parte) à problemática das omissões inconstitucionais. É neste sentido que –
como contraponto da assim designada proibição de excesso – expressiva doutrina e inclusive
jurisprudência tem admitido a existência daquilo que se convencionou batizar de proibição de
insuficiência (no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e
como tradução livre do alemão Untermassverbot). Neste sentido, o princípio da proibição de
insuficiência atua como critério para aferição da violação de deveres estatais de proteção e dos
correspondentes direitos à proteção40.
Com efeito, a partir de desenvolvimentos teoréticos formulados especialmente por
Claus-Wilhelm Canaris41 e Josef Isensee,42 o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha,
por ocasião da sua segunda decisão sobre o aborto, em maio de 1993, considerou que o
legislador, ao implementar um dever de prestação que lhe foi imposto pela Constituição
(especialmente no âmbito dos deveres de proteção) encontra-se vinculado pela proibição
de insuficiência43, de tal sorte que os níveis de proteção (portanto, as medidas estabelecidas
pelo legislador) deveriam ser suficientes para assegurar um padrão mínimo (adequado e
eficaz) de proteção constitucionalmente exigido44. A violação da proibição de insuficiência,
portanto, encontra-se habitualmente representada por uma omissão (ainda que parcial) do
poder público, no que diz com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso,
um imperativo de tutela ou dever de proteção, mas não se esgota nesta dimensão (o que
bem demonstra o exemplo da descriminalização de condutas já tipificadas pela legislação
penal e onde não se trata, propriamente, duma omissão no sentido pelo menos habitual do
termo), razão pela qual não nos parece adequada a utilização da terminologia proibição de
omissão (como, entre nós, foi proposto por Gilmar Ferreira Mendes45) ou mesmo da
terminologia adotada por Joaquim José Gomes Canotilho, que – embora mais próxima do
sentido aqui adotado – fala em “proibição por defeito”, referindo-se a um “defeito de
proteção” 46.
Deixando de lado considerações de ordem terminológica – mesmo que estas não tenham
cunho meramente ornamental! – o que importa destacar no contexto é que o princípio da
40
Cf., neste sentido, a conceituação proposta por Carlos Bernal Pulido, EL principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, Madrid: Centro de
Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, especialmente p. 798 e ss.
199
41
Cfr. Claus-Wilhelm Canaris, “Grundrechte und Privatrecht”, in: AcP (Archiv für die civilistische Praxis) nº 184, 1984, p. 228 e ss., posteriormente ratificado e
desenvolvido na obra Grundrechte und Privatrecht, de 1999, já referida.
42
Cfr. Josef Isensee, in: Josef Isensee e Paul Kirchhof (Org), Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, vol. V, Heidelberg: C.F. Müller, 1992,
§ 111, onde, além de analisar a função defensiva dos direitos fundamentais, versa com profundidade sobre a função dos direitos fundamentais como
deveres de proteção.
43
No âmbito do direito brasileiro, parece-nos que o pioneirismo na utilização desta terminologia deva ser atribuído a Luís Virgílio Afonso da Silva,”O
proporcional e o razoável” in: Revista dos Tribunais, nº 798, abril de 2002, p. 23 e ss. (especialmente p. 27), anotando, com precisão, que a utilização
desta categoria já justificaria, por si só, o abandono do tratamento como sinônimos dos conceitos de proporcionalidade e proibição de excesso.
44
Cfr. BverfGE 88, pp. 203 (254).
45
Cfr. Gilmar Ferreira Mendes, “Os direitos individuais e suas limitações: breves reflexões”, in: Gilmar Ferreira Mendes; Inocêncio Mártires Coelho;
Paulo Gustavo Gonet Branco, Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 209.
46
Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 267. A terminologia adotada pelo
ilustre catedrático (a despeito da correta explanação de seu significado) de Coimbra não traduz com precisão a idéia de proteção insuficiente (já que
o defeito poderia der diverso, além do que é possível afirmar que defeito também ocorrer na incorreta aplicação do princípio da proibição de excesso)
e a noção de que se cuida de categoria contraposta à proibição de excesso.
no que diz com a proporcionalidade como proibição de excesso – da concepção de uma reserva
legal para o de uma reserva da lei proporcional47), e os limites impostos pelo sistema
Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da
constitucional aos órgãos jurisdicionais também nesta seara resulta evidente, mas convém ser
permanentemente lembrado. Da mesma forma, verifica-se a existência de substancial
aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal
convergência quanto à circunstância de que diferenciada a vinculação dos diversos órgãos estatais
(legislador, administração e judiciário) ao princípio da proporcionalidade, já que o legislador
dispõe de um espaço de conformação mais amplo e, portanto, dispõe de uma maior (mas jamais
absoluta e incontrolável) liberdade de ação do que àquela atribuída ao administrador e os órgãos
jurisdicionais48. Da mesma forma, diversa a intensidade da vinculação em se cuidando de uma
aplicação da proibição de excesso ou de insuficiência, que, especialmente quando em causa uma
omissão, obedece a parâmetros menos rigorosos, mas, de qualquer modo e em todo caso, não
permite (e importa que tal seja suficientemente sublinhado) que se fique aquém de um mínimo
de proteção constitucionalmente exigido.
Tendo em mente os desenvolvimentos posteriores, quando discutiremos a questão à luz do
problema da prisão provisória, há que relembrar a circunstância – já amplamente difundida entre
nós e, portanto, também aqui apenas sumariamente referida – de que na sua aplicação como
critério material para a aferição da legitimidade constitucional de medidas restritivas de direitos
fundamentais, o princípio (ou postulado, se assim preferirmos) da proporcionalidade (na sua
função precípua como proibição de excesso) desdobra-se em três elementos (no que parece existir
elevado grau de consenso, ainda que subsistam controvérsias no tocante a aspectos pontuais),
notadamente, a) as exigências (ou subprincípios constitutivos, como propõe Gomes Canotilho) da
adequação ou conformidade, no sentido de um controle da viabilidade (isto é, da idoneidade
técnica) de alcançar o fim almejado por aquele (s) determinado (s) meio (s), b) da necessidade ou,
em outras palavras, a exigência da opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito objeto
da restrição, para alguns designada como critério da exigibilidade, tal como prefere Gomes
Canotilho) e c) a proporcionalidade em sentido estrito (que exige a manutenção de um equilíbrio
(proporção e, portanto, de uma análise comparativa) entre os meios utilizados e os fins colimados,
no sentido do que para muitos tem sido também chamado de razoabilidade49 (ou justa medida, de
acordo novamente com a terminologia sugerida por Gomes Canotilho) da medida restritiva, já que
mesmo uma medida adequada e necessária poderá ser desproporcional50. Ao critério da
47
Cfr. Heinrich Scholler, “O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da Alemanha”, in: Re vista Inter esse Público,
nº 2, abril/junho de 1999, p. 95 e ss. Como bem demonstra o autor, a vinculação do legislador ao princípio da proporcionalidade só veio a ser
reconhecida com a vigência da Lei Fundamental de 1949, em boa parte a partir da experiência com as “leis injustas” do período nacional-socialista.
48
Cfr., entre outros, José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 266-67, assim como Heinrich Scholler, O
princípio da pr opor cionalidade..., p. 97 e ss., que, além de citar uma série de exemplos elucidativos, bem destaca – entre outros aspectos dignos
de nota - que ao legislador é concedida uma margem maior de arbítrio para tomar medidas restritivas de direitos, inclusive para fazer frente a situações
de risco meramente potenciais e hipotéticas, ao passo que a administração costuma zelar apenas pela prevenção de ameaças e repressão de violações
200 concretas a bens fundamentais.
49
Importa registrar, neste ponto, a discussão doutrinária a respeito da fungibilidade dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
especialmente a existência de fortes posições que, também entre nós, sustentam a ausência de identidade entre ambos, notadamente quanto ao fato
de que o princípio da proporcionalidade tal como desenvolvido dogmaticamente na Alemanha (embora também lá não de modo completamente
uniforme e incontroverso quanto a uma série de aspectos) não equivale pura e simplesmente à razoabilidade dos americanos (como, por exemplo,
chega a sugerir Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade...., p. 57, e que possui, portanto, um sentido e conteúdo distintos (pelo menos
parcialmente, considerando especialmente as noções de proporcionalidade em sentido amplo e em sentido estrito dos alemães. A respeito deste
ponto, remetemos especialmente aos estudos de Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de dir eitos...., p. 173 e ss., e, mais recentemente, Luís Virgílio
Afonso da Silva, Do proporcional e do razoável, p. 27 e ss.
50
A respeito destes três critérios e sua aplicação, v., dentre tantos, Heinrich Scholler, O Princípio da proporcionalidade..., p. 97 e ss. e José Joaquim Gomes
Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 264-65; Entre nós, v., entre outros, também neste sentido (pelo menos em linhas gerais e no
que diz com a adoção deste exame da proporcionalidade em três níveis, consoante o paradigma germânico) as já clássicas contribuições de Paulo
Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 360 e ss., Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis
restritivas de direitos fundamentais, Brasília: Brasília Jurídica, 1996 , Willis Santiago Guerra Filho, “Direitos fundamentais, processo e princípio da
proporcionalidade”, in:, Willis Santiago Guerra Filho (Coord), Dos direitos humanos aos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997,
p. 25 e ss., (o autor possui outros estudos importantes sobre o tema) Gilmar Ferreira Mendes, Os direitos individuais e sua limitações..., p. 246 e ss., Wilson
Antônio Steinmetz, Colisão de direitos e princípio da proporcionalidade, p. 137 e ss., e, por último, Humberto Bergmann Ávila, Teoria dos Princípios, p. 108 e
ss.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 201
proporcionalidade em sentido estrito, contudo, há quem tenha (inclusive com base na prática
jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha) atribuído significado mais
teórico do que prático, sustentando que, de modo geral, é no plano do exame da necessidade
(exigibilidade) da medida restritiva que se situa, de fato, a maior parte dos problemas e, neste
sentido, o teste decisivo da constitucionalidade da restrição51, aspecto que aqui não pretendemos
desenvolver e que reclama uma digressão calcada na análise sistemática da jurisprudência
constitucional. Por outro lado – e isto convém seja frisado – resta evidente o papel central da idéia
de necessidade como elemento legitimador da intervenção estatal, o que, em se tratando
justamente da esfera jurídico-penal, assume ainda maior relevância, como ainda teremos condições
de avaliar.
Já no que diz com a proibição de insuficiência, verifica-se a ausência (pelo menos ainda) de
uma elaboração dogmática tão sofisticada e desenvolvida quanto a registrada no âmbito do
princípio da proporcionalidade compreendido como proibição de excesso, o que encontra sua
explicação tanto no caráter mais recente da utilização – especialmente no plano jurisprudencial –
da noção de proibição de insuficiência52 (que, em termos gerais e evidentemente simplistas, pode
ser encarada como um desdobramento da idéia de proporcionalidade tomada em sentido amplo),
quanto pelas resistências encontradas em sede doutrinária, já que ainda elevado o grau de
ceticismo em relação à construção teórica da vedação de insuficiência53. De modo especial,
argumenta-se que existe uma substancial congruência (pelo menos no tocante aos resultados)
entre a proibição de excesso e a proibição de insuficiência, notadamente pelo fato de que esta se
encontra abrangida pela proibição de excesso, no sentido de que aquilo que corresponde ao
máximo exigível em termos de aplicação do critério da necessidade no plano da proibição de
excesso, equivale ao mínimo exigível reclamado pela proibição de insuficiência.54
Insistindo na autonomia dogmática da categoria da proibição de insuficiência, umbilicalmente
vinculada à função dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (deveres de proteção),
Canaris sustenta que – a despeito de uma possível (mas não necessária) equivalência no campo
dos resultados – não incidem exatamente os mesmos argumentos que são utilizados no âmbito
51
Cfr. Heinrich Scholler, O princípio da proporcionalidade…, p. 101-2.
52
Cfr. Johannes Dietlein,”Das Untermassverbot”, in: Zeitschrift für Gesetzgebung (ZG), 1995, p. 132-33, apontando que, a despeito de se tratar de um
conceito tão aberto e indeterminado quanto o da proibição de excesso (no que não se registram maiores diferenças entre ambas as noções), a
proibição de excesso está longe de encontrar o mesmo grau de concretização e desenvolvimento que a alcançada pela proibição de excesso ou
proporcionalidade no sentido tradicionalmente utilizado.
53
Neste sentido, v. o próprio Johannes Dietlein, in: ZG 1995, p. 133 e ss., assim como Karl Eberhard Hain, “Das Untermassverbot in der Kontroverse”,
in: Zeitschrift für Gesetzgebung (ZG), 1996, p. 75 e ss.
54
Cfr. a forte e original crítica de Eberhard Hain, “Der Gesetzgeber in der Klemme zwischen Übermass-und Untermassverbot?”, in: DVBL (Deutsches
Verwaltungsblatt) 1973, p. 982 e ss, aqui apresentada de modo resumido.
55
Cfr. Claus-Wilhelm Canaris, Grundrechte und Privatrecht, p. 39 e ss.
fundamentais, considerando que é esta última que diz com os deveres de proteção, de tal sorte
que no âmbito da proibição de insuficiência é assegurada uma margem significativamente maior
Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da
aos órgãos estatais, de modo especial ao legislador, a quem incumbe, em primeira linha, eleger e
definir as medidas protetivas56. Neste sentido, segue decidindo também o Tribunal Constitucional
aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal
Federal da Alemanha, ao afirmar que o legislador (e mesmo o poder regulamentar) dispõe de uma
expressiva margem de manobra no que diz com a concretização do dever de proteção, o que
inclui a possibilidade de levar em conta interesses públicos e privados concorrentes, já que o
dever constitucional de proteção não impõe a adoção de todas as possíveis e imagináveis medidas
de proteção, na medida em que uma violação do dever de proteção pode ser reconhecida quando
nenhuma medida concreta e adequada é tomada ou as medidas forem inteiramente inadequadas
ou ineficazes57.
Também Johannes Dietlein, um dos principais teóricos dos deveres de proteção na
Alemanha, acaba por rechaçar o argumento da substancial equivalência (que sugere substituir por
uma congruência parcial) entre proibição de excesso e insuficiência, ao demonstrar que, no
âmbito da primeira, o requisito da necessidade constitui uma grandeza vinculada a uma
determinada e concreta medida legislativa, de tal sorte que o seu controle limita-se ao âmbito
interno da lei, ao passo que o exame da necessidade é levado a efeito em se tratando de um dever
de proteção estatal (e, portanto, da incidência da proibição de insuficiência) diz com uma
grandeza que transcende o ato legislativo concreto e é baseada diretamente em um valor de
natureza constitucional58.
A partir das premissas lançadas, verifica-se que no concernente à metódica de aplicação da
proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente (ou deficiente, como preferem
outros) utiliza-se, em termos gerais, a mesma análise trifásica (em três níveis ou etapas) – já
de todos conhecida – aplicada no âmbito da proibição de excesso, guardadas, é claro, as
peculiaridades que decorrem da finalidade do exame do devido cumprimento dos deveres de
proteção. Com efeito, valendo-nos aqui das lições de Christian Calliess59 (que também
sustenta uma distinção dogmática e funcional entre proibição de excesso e insuficiência) uma
vez determinada a existência de um dever de proteção e o seu respectivo objeto, o que
constitui um pressuposto de toda a análise posterior, é possível descrever as três etapas da
seguinte maneira: a) no que diz com o exame da adequação ou idoneidade, é necessário
verificar se a (s) medida (s) – e a própria concepção de proteção – adotada (s) ou mesmo
prevista (s) para a tutela do direito fundamental é (são) apta (s) a proteger de modo eficaz o
bem protegido; b) em sendo afirmativa a primeira resposta, cuida-se de averiguar se existe
uma concepção de segurança (proteção) mais eficaz, sem que com isso se esteja a intervir de
modo mais rigoroso em bens fundamentais de terceiros ou interesses da coletividade? Em
202
56
Cfr. Claus-Wilhelm Canaris, Grundrechte und Privatrecht, p. 43 e ss., argumentando que a proteção acaba, em regra, ocorrendo por intermédio da
legislação ordinária, que por sua vez será passível de controle pelo Poder Judiciário quando presentes os pressupostos mínimos para tanto,
especialmente a existência de um dever constitucional de ação e sua manifesta inobservância, além dos demais aspectos já referidos anteriormente
quando discorremos sobre os deveres de proteção em geral (v. supra, 2.1)..
57
Cfr. decisão do Tribunal Constitucional Federal do dia 28.02.2002, in: DÖV (Die öffentliche Verwaltung) 2002, p. 521.
58
Cfr. Johannes Dietlein, in: ZG 1995, p, 136-7. Para Dietlein, a autonomia das duas categorias pode ser demonstrada plasticamente com base na
problemática do aborto, já que se o legislador formulasse um regramento exigindo das mulheres com intenção de abortar a aquisição e leitura de um
informativo a respeito da vida intrauterina, tal exigência dificilmente poderia ser considerada uma violação da proibição de excesso, por intervenção
na esfera de liberdade da mulher, já que justificada pela finalidade legítima da intervenção, pela adequação da medida e sua exigibilidade. Em
contrapartida, resulta igualmente evidente que o dever de proteção do estado em relação à vida intrauterina de longe não resta implementado pela
simples exigência da aquisição de um boletim informativo. Entre nós, além do nosso próprio trabalho anterior já referido, também Luciano Feldens,
A Constituição Penal..., p. 108 e ss., aderiu ao entendimento de que proibição de excesso e proibição de insuficiência não são categorias idênticas em
toda sua extensão, além de propor algumas interessantes conclusões relativas ao sistema constitucional penal brasileiro, que, no entanto, não é nosso
propósito examinar neste momento.
59
Cf. Christian Calliess, “Die grundrechliche Schutzpflicht im mehrpoligen Verfassungsrechtsverhältnis”, in: Juristen Zeitung (doravante JZ) 2006, p. 329.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 203
outras palavras, existem meios de proteção mais eficientes, mas pelo menos tão pouco
interventivos em bens de terceiros? Ainda neste contexto, anota o autor referido, que se torna
possível controlar medidas isoladas no âmbito de uma concepção mais abrangente de
proteção, por exemplo, quando esta envolve uma política pública ou um conjunto de políticas
públicas; c) afirmativa a resposta anterior, já no âmbito da terceira etapa (que corresponde ao
exame da proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade, como preferem alguns) é
preciso investigar se o impacto das ameaças e riscos remanescentes após a efetivação das
medidas de proteção é de ser tolerado em face de uma ponderação com a necessidade de
preservar outros direitos e bens fundamentais pessoais ou coletivos. É justamente aqui, aliás,
que, segundo o autor, verifica-se a confluência entre as proibições de excesso e de
insuficiência, já que no âmbito das duas primeiras etapas é necessário efetuar o controle
considerando as peculiaridades de cada instituto (embora as etapas em si, adequação ou
idoneidade e necessidade ou exigibilidade sejam as mesmas), ao passo que na terceira etapa é
que, no quadro de uma argumentação e de uma relação jurídica multipolar, é necessário
proceder a uma ponderação que leve em conta o quadro global, ou seja, tanto as exigências
do dever de proteção, quanto os níveis de intervenção em direitos de defesa de terceiros ou
outros interesses coletivos (sociais). Ainda segundo o autor referido, isto acaba por significar
a existência de uma espécie de corredor a delimitar a liberdade de ação do legislador e demais
órgãos estatais, resultando em complexa operação à luz das circunstâncias de cada caso.
Em suma, o controle argumentativo do atendimento das exigências da proibição de
excesso e de insuficiência não pode ser feito de modo completamente isolado um do outro,
especialmente quando se cuida do controle da aplicação de deveres de proteção, pois neste
caso sempre haverá potencial afetação de bens de terceiros, o que, em matéria penal, resulta
ainda mais evidente, visto que qualquer criação de tipo penal, agravamento de pena, etc.,
sempre estará significando intervenção na dimensão defensiva de direitos pessoais. Na
realidade, o que haverá de ocorrer é uma espécie de “concordância prática multipolar
orientada pela otimização recíproca de todos os bens jurídicos envolvidos na relação
60
Cf. novamente Christian Calliess, in: JZ 2006, p. 330.
61
Cfr. Juarez Freitas. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 56-57, colacionando exemplos na esfera de
atuação do administrador.
Dentre os inúmeros exemplos que poderia ser colacionados para discutir algumas das
aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal
62
Cf. julgamento proferido no Habeas Corpus nº 82959/SP, em 23.02.2006, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, onde, em virtude do pedido, a
questão restou limitada à progressão de regime, não sendo apreciada a possibilidade de concessão da liberdade provisória na hipótese de crime
considerado “hediondo”, nos termos da Lei Federal nº 8072/90.
63
A respeito do tema da prisão provisória e da inconstitucionalidade da vedação da liberdade provisória nos casos dos assim chamados crimes
hediondos, v. a pioneira contribuição de Odone Sanguiné, “Inconstitucionalidade da Proibição de Liberdade Provisória do Inciso II do Artigo 2º da
Lei 8.072, de 25 de julho de 1990”, in: Revista dos Tribunais, nº 667, pp. 252-58, maio de 1991. Dentre a produção monográfica nacional, remetemos
aqui ao excelente texto de Norberto Flach, Prisão Processual Penal: discussão à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da segurança jurídica, Rio de
Janeiro: Forense, 2000;
64
Cfr. já reconhecido, de modo irreparável, pelo TJRS, colacionando-se aqui o Acórdão prolatado no Agravo nº 698 287 661 (Cruz Alta), pela 5ª
Câmara Criminal, tendo como Relator o Des. Amilton Bueno de Carvalho, na linha do que já tem decidido, em alguns casos, o nosso Superior
Tribunal de Justiça.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 205
estabelecido uma progressão diferenciada para os crimes assim chamados de hediondos, mas
jamais a ausência de progressão, com a liberação apenas por ocasião de um livramento
condicional, este sim, corretamente viabilizado pela legislação referida, ainda que em momento
diverso e com maior rigor. Aliás, tal providência seria também compatível com o princípio
isonômico, com o qual a proporcionalidade guarda indissociável vínculo. O que sempre deveria
ter sido levado em conta é que a vedação pura e simples da progressão (pela exigência de
cumprimento da pena em regime fechado até o livramento, que, de resto, pode ser negado) é
manifestamente incompatível com o sentido mínimo da noção de proporcionalidade, o que
lamentavelmente não tem, ainda, sido reconhecido por boa parte dos nossos Tribunais65.
Seguindo a nossa análise em relação à progressão de regime, sobreveio alteração legislativa
relevante, designadamente, pelo fato de que por meio da Lei n° 11.464, de 28.03.2007, que,
modificando a Lei 8.072, de 25.07.90, estabeleceu que embora possível a progressão de regime
em caso de crimes definidos como hediondos, imprescindível o cumprimento de 2/5 da pena se
o apenado for primário e 3/5 se for reincidente. Assim, se a nova legislação acabou corrigindo a
lei anterior no que vedava a progressão e ao mesmo tempo, em consonância com o tratamento
diferenciado de situações mais graves (pelo menos em princípio) e com as exigências decorrentes
dos deveres de proteção e da correspondente proibição de insuficiência, quanto a este ponto
haveria de ser respeitada a nova opção legislativa e a liberdade de conformação do legislador, o
que, todavia, não significa a ausência de aspectos passíveis de discussão, por exemplo, se
incluirmos na pauta a controvérsia em torno da inconstitucionalidade do instituto da reincidência
ou, pelo menos (precisamente a tese por nós adotada no artigo anterior já referido), a
inconstitucionalidade da aplicação de certas conseqüências da reincidência em certas hipóteses.
Da mesma forma, aberta a discussão sobre a aplicação dos novos limites temporais aos fatos
cometidos antes da vigência da lei, aspecto sobre o qual também deixaremos de nos manifestar
nesta oportunidade66.
Priorizando os institutos da proibição de excesso e de insuficiência, verifica-se que o próprio
Supremo Tribunal Federal, quando decidiu pela inconstitucionalidade da vedação categórica da
65
Sobre este ponto, e, de modo geral, abordando várias questões polêmicas no âmbito da execução penal e do seu controle de constitucionalidade, v.,
por exemplo, a importante coletânea organizada por Salo de Carvalho, Crítica à Execução Penal. Doutrina, Jurisprudência e Projetos Legislativos, Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2003.
66
Sobre este ponto, v., por exemplo, as ponderações de Nereu José Giacomolli, “Processo de Execução Penal e a Irretroatividade da Lei n° 11.464/07:
requisitos temporais à progressão de regime nos “hediondos”, in: Revista da AJURIS n° 106, julho de 2007, p. 157-165.
67
Cf., por exemplo, na esteira da tese sustentada por Lenio Streck (que chegou, na condição de Procurador de Justiça, a propor incidente de
inconstitucionalidade no TJRS), a doutrina de Luciano Feldens, A Constituição Penal..., p. 202-203.
Situação completamente distinta e que se revela bem mais controversa, diz com a
possibilidade de o Poder Judiciário, uma vez reconhecida a inconstitucionalidade da proibição da
Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da
como se legislador fosse e justificando tal providência com base nas exigências da proibição de
insuficiência. Refere-se tal hipótese por ser precisamente esta a medida adotada por vários
Magistrados do Rio Grande do Sul, que, embora não se questione a sua intenção de, em
homenagem à proibição de insuficiência e para assegurar um tratamento isonômico a todos os
detentos, em boa parte passaram a estabelecer um prazo de 1/3 para o exame da progressão de
regime nas hipóteses de crimes hediondos. Neste particular, seguimos entendendo que a
prerrogativa de dispor de modo geral e abstrato sobre tais limites temporais, ainda mais que
implicam maior ou menor restrição da liberdade e, portanto, limitação de direitos fundamentais,
é, em princípio, do legislador, de tal sorte que ao Juiz, igualmente vinculado pelos deveres de
proteção, cabe declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato administrativo, quando for o caso,
proceder à sua interpretação conforme a Constituição ou ajuste interpretativo, quando possível,
ou, como era o caso exatamente enquanto não alterada a legislação (que, por óbvio e como já
referido, não dispensa exame mais acurado) e segue sendo mesmo agora, verificar se a despeito
de atingido o lapso temporal mínimo (na época de 1/6), as circunstâncias do caso concreto
(natureza do delito, requisitos subjetivos, entre outros) é que poderiam motivar uma negativa da
progressão. Vale recordar que a consideração de critérios subjetivos também constitui exigência
do tratamento individualizado e personalizado do próprio apenado, assim como a consideração
dos interesses e bens fundamentais de terceiros, não poderá ser tida como uma violação da
segurança jurídica e muito menos do princípio isonômico, que justamente exige a consideração
da diferença. De outra parte, cuidando-se de uma limitação ao legislador e dadas as diferenças
entre a proibição de excesso e a proibição de insuficiência, no âmbito desta, ainda mais quando
o problema for a omissão de medida legal, a intervenção judicial (embora necessária) deverá ser
em princípio mais contida do que quando se cuida de controlar medidas estatais que intervém
no âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Aliás, esta – convém lembrar – tem sido a
tendência da doutrina, mesmo dentre os que sustentam a necessidade de uma aplicação da
proibição de insuficiência, a exortação é a de uma maior dose de cautela por parte do Poder
Judiciário, respeitando, em princípio, uma margem de ponderação própria do Poder Legislativo,
especialmente quando em causa a opção pelos meios de assegurar a proteção de direitos (e bens)
fundamentais68.
Importa notar que se no Estado Democrático de Direito não há como afastar a aplicação da
proporcionalidade, em virtude na necessária compatibilização de bens e interesses, e por conta
da superação da estrita legalidade formal (a lei que fere as exigências da proporcionalidade e da
206 razoabilidade é, para além de inconstitucional, injusta), também não há como transformar a
proporcionalidade (assim como os princípios em geral) em pautas decisórias arbitrárias e que
possam justificar qualquer solução. A proporcionalidade, na sua dupla acepção, legitima-se pelo
rigor metodológico e argumentativo, traduzido pelo dever de fundamentação, na sua aplicação
concreta e ao mesmo tempo não afasta a consideração de outros critérios materiais a balizar uma
decisão sobre a legitimidade constitucional de alguma ação estatal.
Ainda com relação às proibições de excesso e de insuficiência, agora, voltando-nos
novamente ao exemplo da prisão provisória, vale enfatizar que a gravidade em si do delito,
68
Neste sentido, por todos, além das referências já feitas no capítulo 3, v. Carlos Bernal Pulido, El Derecho de los Derechos..., p. 141-143.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 207
vinculada também sempre ao peso do bem jurídico tutelado, não poderia, por exemplo, legitimar
por si só, mesmo por conta de uma aplicação da proibição de insuficiência, uma proibição
generalizada da liberdade provisória, pois tal medida (ainda que tecnicamente apta a evitar a
prática delitiva pelo acusado) além de impedir a consideração das peculiaridades do caso e com
isto de plano eliminar um espaço necessário de ponderação, implica, como já sustentado, violação
do núcleo essencial da presunção de inocência e da prevalência, especialmente nesta fase, do
princípio da liberdade, blindadas por conta da proibição de excesso. Tudo isso apenas reforça a
necessidade de termos sempre presente a dupla face da proporcionalidade e de levarmos a sério
a tarefa de, entre proibição de excesso e proibição de insuficiência, buscando a máxima eficácia
e efetividade dos direitos fundamentais como direitos a prestações e direitos de defesa, não
havendo como endossar a mera funcionalização de direitos fundamentais individuais em favor
de interesses coletivos.
Em matéria penal, salta aos olhos a necessidade de retomarmos aqui a noção de que entre o
extremo do abolicionismo desenfreado (que, aliás, não integra a pauta genuinamente garantista69)
ou mesmo um minimalismo unilateral e cego, que não faz jus a um sistema de garantias negativas
e positivas tal qual exige o Estado Democrático de Direito comprometido com os direitos
fundamentais de todas as dimensões, e um sistema de intervenção máxima na esfera penal, há
que relembrar constantemente que também o Estado Democrático de Direito (e, portanto, o
sistema jurídico estatal) haverá de atuar nos limites do necessário à consecução dos seus fins
primordiais70, dentre os quais assume destaque a proteção e promoção da dignidade da pessoa
humana71 de todos os integrantes da comunidade.
207
69
Cfr. bem lembra Salo de Carvalho, “Teoria Agnóstica da Pena: O Modelo Garantista de Limitação do Poder Punitivo”, in: Salo de Carvalho, (Org),
Crítica à Execução Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 17 e ss., criticando enfaticamente o modelo abolicionista. Também colacionando algumas
críticas em relação ao abolicionismo, v. ainda e entre tantos, Paulo de Souza Queiroz, Do caráter subsidiário do direito penal, 2ª ed., Belo Horizonte: Del
Rey, 2002, especialmente p. 49 e ss.
70
Adotando a idéia de um Estado essencial, nem mínimo nem máximo, mas necessário à realização dos seus fins ancorados na Constituição, v. Juarez
Freitas, Estudos de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 31 e ss.
71
A respeito da dignidade da pessoa humana, remetemos ao nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2ª
ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
1. Introdução
de Roma. Cuida-se de saber se os Estados que se obrigaram por esse tratado internacional
comprometeram-se, com isso, a adotar o princípio da imprescritibilidade no âmbito de seus
ordenamentos internos; e se, consequentemente, a não-internalização da regra abre espaço ao
exercício da competência complementar do Tribunal Penal Internacional, nos termos dos artigos
1º e 17 do Estatuto. Tal como redigido, o artigo 29 abre-se a duas interpretações. No primeiro
entendimento, a obrigação consiste em fazer com que tais crimes sejam imprescritíveis no âmbito
das ordens jurídicas nacionais dos Estados pactuantes. O segundo entendimento possível é o de
que os crimes que relevam da competência do TPI são imprescritíveis perante a jurisdição dessa
corte internacional, e não mais que isto.
O aparelho repressivo internacional começa a operar, concretizando um sonho comum da
humanidade. São muitos, entretanto, os percalços que enfrenta essa justiça, diante de
ambigüidades e insuficiências de variada natureza. O presente estudo tenciona integrar um salutar
e necessário debate sobre princípios e uma análise crítica da autenticidade do empenho dos
Estados em participar deste projeto.
2. Cronologia do princípio
uma prioridade, tanto à luz do novo Direito das Gentes que nascia, quanto para os direitos
nacionais que se forjavam à sombra do direito internacional emergente. A Declaração de
Moscou, de 30 de outubro de 1943, anunciava a perseguição dos criminosos de guerra “até as
extremidades da terra”, e a lei n 10 do Conselho de Controle Aliado, de 20 de dezembro de 1945,
afirmava imprescritíveis os crimes contra a humanidade” 2. Mas nem o Estatuto de Nuremberg,
anexado ao Acordo de Londres de 1945, nem a Convenção sobre o Genocídio, de 1948,
chegaram a prevê-la expressamente. Tampouco trataram do tema as Convenções de Genebra
sobre o Direito Humanitário aplicável aos Conflitos Armados (1949), ou os princípios de
Nuremberg adotados pela Comissão do Direito Internacional das Nações Unidas, em 1950.
Tudo faz crer que essa omissão resultou da certeza de que os criminosos de guerra seriam todos
julgados e punidos em curto prazo3.
Acredita-se hoje que o problema escapou à atenção dos juristas responsáveis pelos textos da
época em razão das múltiplas dificuldades inerentes ao período que se seguiu de imediato à grande
guerra4. Há quem, entretanto, afine a análise para ressaltar que os especialistas “encarregados de
assentar os fundamentos de um direito penal internacional eram majoritariamente marcados pelo
direito anglo-americano”, que somente consagra a prescrição em raras hipóteses5.
Vinte anos se passaram até que a questão do castigo das atrocidades da grande guerra fosse
relançada na ordem do dia; um lapso de tempo atribuído com freqüência à rejeição psicológica dos
dramas por suas vítimas mais diretas. Mas se aqueles que sofreram na carne com as práticas nazistas
mergulhavam no traumatismo silencioso, seus descendentes procuravam, duas décadas mais tarde,
o acerto de contas, a punição dos culpados6. A aproximação do prazo médio de vinte anos para a
prescrição dos crimes cometidos durante aquela guerra desencadeou, na expressão utilizada por
René Cassin, uma verdadeira “corrida contra o tempo” para evitar a impunidade dos nazistas.7
Em junho de 1964 a República Federal da Alemanha, em vista de sua Constituição e leis,
anunciou para 1965 o termo final da prescrição dos crimes de guerra cometidos até o ano de
2
Artigo II-5: the accused shall not be entitled to the benefits of any statute of limitation in respect to the period from 30 January 1933 to 1 July 1945.
3
M. DELMAS-MARTY. La responsabilité pénale en échec (prescription, amnistie, immunités, in A. CASSESE, M. DELMAS-MARTY (org.). Les juridictions
nationales et les crimes internationaux, Paris, PUF, 2002, pp. 613-653 ; M. FRULLI Le droit international et les obstacles, in Crimes internationaux et juridictions
internationales, in A. CASSESE et M. DELMAS-MARTY (org.), Paris, PUF, 2002, pp. 236-243.
4
Ibidem
5
A. LAQUIÈZE. Le débat de 1964 sur l’imprescriptibilité des crimes contre l’humanité in Droit. Revue française de théorie juridique, 31- 2000, p.22. V. também
J. GRAVEN, op.cit., apud A. LAQUIÈZE, op. cit., p. 22.
6
P. MERTENS, op. cit., p. 7.
7
B. STERN. De l’utilisation du temps en droit international pénal, in Le droit international et le temps, colloque de Paris. Société française pour le droit international.
Paris, Pedone, 2001, p. 261. P. MERTENS, op. cit., p. 7.
8
P. MERTENS, op. cit., pp. 19-20.
9
P.MERTENS, op.cit., p.21.
10
Ibiden
11
A. LAQUIÈZE, op. cit., p. 23.
12
Publicaram nesta ordem suas respectivas leis internas: República Democrática Alemã, (1º de setembro de 1964), Tchecoslováquia (lei de 24 de
setembro de 1964), a Hungria (decreto-lei n. 27.1964), Bélgica (lei de 3 de dezembro de 1964), França (lei de 26 de dezembro de 1964), Áustria (lei
de 31 de março de 1965) e República Federal da Alemanha (lei de 13 de abril de 1965). P. MERTENS, op.cit., pp. 25-83.
13
P. MERTENS, op. cit., p. 26.
14
P. MERTENS, op. cit., pp. 83-112.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 211
contraste com a Europa oriental, Áustria e França, a lei propunha tão somente a prorrogação
dos prazos prescricionais15.
Foi este texto, de 9 de junho de 1994, que relançou o assunto na ordem do dia20, excluindo
expressamente a prescrição das ações e das penas. Contudo, diversamente da Declaração da
Assembléia Geral das Nações Unidas de 18 de dezembro de 1992, a referida Convenção não
considera o desaparecimento forçado de pessoas como um delito contínuo e – por tal razão –
imprescritível, mas determina que a imprescritibilidade resulte da classificação desses delitos entre
os crimes contra a humanidade21.
Os estatutos dos tribunais ad hoc não contêm regra alguma determinando a imprescritibilidade
dos crimes de sua competência. Mas a jurisprudência do TPIY revelou a percepção do tribunal
15
Essa posição se traduz na exposição de motivos da referida lei, segundo a qual a aplicação do projeto de lei «se restringe às condenações pronunciadas por
fatos cometidos durante a última grande guerra, e que nenhuma imprescritibilidade absoluta é pronunciada aqui, a fim de não se prejulgar o futuro.» M. ROLLAND. La
prescription des crimes contre l’humanité. Revue de droit contemporain, 1964, n°2, p. 118.
16
Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade, Artigo 4°: « Os Estados Membros na presente Convenção
obrigam-se a adotar, em conformidade com os seus processos constitucionais, as medidas legislativas ou de outra índole que sejam necessárias 211
para assegurar a imprescritibilidade dos crimes referidos nos artigos 1º e 2º da presente Convenção, tanto no que diz respeito ao procedimento
penal como à pena; abolir-se-á a prescrição quando vigorar por força da lei ou por outro modo, nesta matéria. »
17
Os primeiros Estados a ratificar a Convenção de 1968 e a permitir, com essa iniciativa, sua entrada em vigor foram a União Soviética e os países de
seu campo de influência imediata: Bulgária, Hungria, Mongólia, Polônia, Ucrânia, Romênia, Tchecoslováquia e Iugoslávia. Até o dia de hoje, os
Estados que ratificaram a referida Convenção contam 49. É interessante observar que não figura nesta lista atual nenhum Estado da Europa
ocidental. (V.: http://untreaty.un.org/FRENCH/bible/frenchinternetbible/partI/chapterIV/treaty8.asp)
18
O artigo primeiro da referida Convenção diz que os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade « são imprescritíveis, independentemente da
data em que tenham sido cometidos. »
19
Christine VAN den WYNGAERT & John DUGARD. Non-applicability of Limitations in the Rome Statute of the International criminal Court, A Commentary.
Oxford, 2002, pp. 873-888.
20
Preâmbulo da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994): « OS ESTADOS MEMBROS DA ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS (... ) REAFIRMANDO que a prática sistemática do desaparecimento forçado de pessoas constitui um crime de lesa-
humanidade; E o Artigo VII : A ação penal decorrente do desaparecimento forçado de pessoas e a pena que for imposta judicialmente ao
responsável por ela não estarão sujeitas a prescrição. No entanto, quando existir uma norma de caráter fundamental que impeça a aplicação do
estipulado no parágrafo anterior, o prazo da prescrição deverá ser igual ao do delito mais grave na legislação interna do respectivo Estado Parte ».
21
M. DELMAS-MARTY, op. cit., p. 621; M. FRULLI, op. cit., pp. 236-240.
sobre o tema: no caso Furundzija, o acórdão afirma que “a natureza imperativa da proibição da
tortura” produz a imprescritibilidade desta infração, acrescentando que os crimes de competência
da Corte não são prescritíveis. Essa decisão estende o campo de aplicação da imprescritibilidade
às violações graves das Convenções de Genebra de 1949, à infração das leis e costumes da guerra,
ao genocídio, aos crimes contra a humanidade22.
Foi enfim o Estatuto do Tribunal Penal Internacional que deu à imprescritibilidade uma
consagração explícita, geral e definitiva. O artigo 29 prevê a imprescritibilidade dos crimes
definidos no Estatuto de Roma, tanto da ação penal quanto das penas23.
A prescrição jamais chegou, assim, a ser reconhecida como instituto e como princípio pelo
direito penal internacional. Esta disciplina, nascida apenas algumas décadas atrás, desenvolveu-se
sob o signo da imprescritibilidade, de início pela omissão de qualquer referência ao tema
prescricional, e mais tarde pela adoção convencional da regra que exclui expressamente a extinção
da punibilidade pelo decurso do tempo. Os textos internacionais, e com eles as leis internas e a
doutrina concebidas a partir das duas décadas seguintes à segunda grande guerra, forjaram os
fundamentos teóricos do princípio emergente.
A imprescritibilidade dos Crimes Internacionais
Segundo esta corrente, a prescrição não é reconhecida por todas as ordens jurídicas. Ela é
praticada em proporções bastante limitadas em países de tradição jurídica derivada da common
Law24. A prescrição não seria desse modo uma regra geral, mas uma exceção à regra segundo a
qual o crime deve ser punido. Por isso, ela não poderia ser considerada como um direito natural
22
Procurador c/ Furundzija, 10 décembre 1998, § 157, apud M. FRULLI, op. cit., p. 238.
23
Artigo 29 do Estatuto de Roma para o T.P.I. : “Os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional não prescrevem.”
24
J.-B. HERZOG, Etudes des lois concernant la prescription des crimes contre l'humanité. R.S.C. 1965 p. 364.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 213
ou como uma liberdade fundamental do ser humano. De resto, na maior parte das ordens
jurídicas nacionais a prescrição é regra processual, e não norma substantiva. Segundo certos
autores, trata-se de uma prática de oportunidade, não suscetível de constituir direito adquirido .25
Os crimes internacionais têm por vítima o ser humano enquanto tal, de modo que sua
repressão não deveria reger-se por princípios de direito interno. O direito penal internacional não
conhece a prescrição, uma vez que nenhum tratado internacional dispõe sobre a prescrição
daqueles crimes.
25
J. GRAVEN. Les crimes contre l'humanité peuvent-ils bénéficier de la prescription? Revue pénale suisse, 1965, p. 132.
26
V. M.R. TRIPPO, Imprescritibilidade Penal. São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 47: esta noção é sustentada por Vidal e Magnol, Carrara, Hélie.
27
B. STERN, op.cit., p. 262.
28
C. BECCARIA. Des délits et des peines. Paris, Flammarion, 1991, p. 139.
29
V. JANKALEVITCH. L'imprescriptible. Paris, Seuil, 1986, p. 18.
30
. GLASER. Quelques observations sur la prescription en matière de criminalité de guerre, in Revue de droit pénal et de criminologie, 1964-1965, p. 524, apud G.
LEVASSEUR, Les crimes contre l'humanité et le problème de leur prescription. JDI, 1966, p. 277.
dezembro de 1998: durante uma entrevista, Hans Munch, médico assistente de Mengele, teria se
expressado com uma “certeza tranqüila” a propósito de seus atos. Para ele, as câmaras de gás
evitavam a propagação de epidemias, as experiências com seres humanos propiciaram progresso
científico e a triagem à entrada do campo seria uma medida de salubridade31.
Stefan Glaser, a seu turno, mostra-se convencido de que “os grandes criminosos demonstram
com freqüência arrogância ou indiferença agressiva, e que apesar do tempo transcorrido desde o
cumprimento de seus maus atos, eles não sentem nenhum remorso, nenhuma reprovação de sua
consciência e até mesmo se vangloriam de seus comportamentos”.32.
e) A exemplaridade necessária
tempo para que sejam processadas. No caso dos crimes internacionais, com freqüência
cometidos, ordenados ou ao menos tolerados por agentes do Estado, o decurso do tempo agiria
em favor da impunidade, salvo na hipótese de mudança política radical no cenário do crime, em
curto prazo33.
f) A prova facilitada
31
Mesa redonda tendo por tema a prescrição. Revue française de théorie juridique, 31- 2000, p. 63.
32
S. GLASER. Quelques observations sur la prescription en matière de criminalité de guerre, in Revue de droit pénal et de criminologie, 1964-1965, p. 523, apud
A.LAQUIÈZE, op. cit., p. 27.z
33
M. DELMAS-MARTY, op. cit., Paris, PUF, 2002, p. 618.
34
Relatório de Paul-Coste-Floret, JO Debate na Assembléia Nacional, sessão de 16 de dezembro de 1964, p.
35
MARTIN-CHENUT, Kathia, ABDELGAWAD LAMBERT, Elisabeth. Prescription de l’action publique: états des lieux et perspectives de réforme. Actualité
Juridique, n. 7-8/2006, p..298. Tradução livre
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 215
que a vítima desses crimes seria não somente o conjunto dos indivíduos diretamente atingidos,
mas a humanidade como um todo. É possível que esse esteio doutrinário tenha inspirado a
aprovação da regra da imprescritibilidade no Estatuto de Roma. Afirma-se com freqüência que
tal regra veio codificar um direito costumeiro existente há algum tempo. Essa assertiva é o objeto
da análise que se segue.
36
Y. JUROVICKS, Le procès international face au temps. Revue de science criminelle et de droit pénal comparé, n. 4, oct/déc 2001, p. 795.
37
R. RATNER & J.S. ABRAMS. Accountability for Human Rights Atrocities, in International Law, Beyond the Nuremberg Legacy. Oxford, Clarendon Press, 1997,
p. 26.
38
M. FRULLI, op. cit., p. 237.
39
Christine VAN den WYNGAERT & John DUGARD, op. cit.
40
William BOURDON. La Cour pénale internationale. Paris, Seuil, 2000, p. 125.
41
United Nations Diplomatic Conference Plenipotentiaries on the Establishment of an International Criminal Court (Rome, 15-17 July 1998). A/CONF.183/13/ (Vol.
III, p. 32/33).
42
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. Curso Elementar. São Paulo, Saraiva, 2007, 10ª ed.,pp118-121.
43
A doutrina se divide sobre a idéia de que o exame direito interno dos Estados possa conduzir à conclusão sobre o caráter costumeiro de uma
determinada regra internacional ou princípio geral do direito das gentes. Paul Weis não vislumbra essa possibilidade, enquanto que Ian Brownlie
recomenda, em determinadas situações, análise de legislações nacionais. A este respeito v. REZEK, Francisco, op. cit., p. 123.
44
CHENUT, Kathia, ABDELGAWAD LAMBERT, Elisabeth. Op.cit., p.297. Tradução livre.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 217
45
M. FRULLI, op. cit., p. 238; V. aussi W. A. SCHABAS. Non-applicability of statute of limitations. In Commentary on the Rome statute of the International Criminal
Court. Otto Triffterer (ed.), Baden-Baden, 1999, p. 526, DELMAS-MARTY, Mireille. La responsabilité pénale en échec: prescription, amnistie, immunités, in
Crimes internationaux et juridictions nationales, dir. A.Cassese et M. Delmas-Marty, Paris, PUF, maio 2002.
46
W.A. SCHABAS, Non-applicability of statute of limitations, in Commentary on the Rome statute of the International Criminal Court. Otto Triffterer (ed.), Baden-
Baden, 1999, p. 525. O grifo é nosso.
47
Comissão diplomática de plenipotenciários das Nações Unidas para a criação de uma corte penal internacional. Comissão plenária, relatório de análise
da segunda sessão ocorrida na sede da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, terça-feira, 16 de junho de 1998, às 15
horas. (A/CONF.183/C.1/SR.2), pp. 6-9.
Cuida-se, neste contexto, de presumir que pesa doravante sobre os Estados-partes no Tratado
de Roma a obrigação de adaptar suas leis nacionais à regra da imprescritibilidade dos crimes
definidos pelo Estatuto. Isto impõe desde logo duas indagações de extrema seriedade. Os
delegados nacionais tinham essa intenção quando lavraram o texto? Estavam eles investidos por
seus governos do poder de decidir sobre a revisão de um tema tão sensível para bom número de
ordens jurídicas quanto o da prescrição?
Nada, no que disseram em Roma, permite concluir que estivessem movidos pelo desígnio
de arrastar seus Estados a um comprometimento desse porte48, e não há como cogitar de uma
vontade implícita. Na hipótese de que os delegados nacionais estivessem providos de
autoridade para esse fim, e houvessem ocupado a mesa de negociações com o propósito de
aceitar, em nome de seus Estados, tal inovação, restaria saber por que motivo não o teriam
anunciado expressamente. Um compromisso de dimensões tão complexas pode operar-se de
forma tácita?
218 Para Claude Lombois, “...toda convenção tendo por objetivo coordenar a repressão, pelas
ordens jurídicas internas, de uma infração determinada, enuncia, em termos claros, a obrigação
de incriminar em direito nacional” 49. À luz desse entendimento, se o artigo 29 do Estatuto de
Roma fosse de natureza a modificar as leis internas dos Estados pactuantes, esta obrigação ali
figuraria expressa, o que não ocorre. Pode-se, entretanto, interpretar o dispositivo segundo a
técnica proposta pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969. A Convenção
manda considerar (i) o contexto da regra, (ii) sua finalidade e objeto, e (iii) a prática posterior
dos Estados.
48
Nações Unidas, A/CONF.183/C.1/SR.2, pp. 6-9.
49
C.LOMBOIS. Un crime international en droit positif français, in Mélanges Vitu. Paris, Cujas, 1989, pp. 367-388.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 219
Para analisar o contexto em que a regra se insere, é preciso ter em conta os demais artigos do
Estatuto. Estes se referem unicamente à competência da Corte. O caráter recorrente da expressão
“relevando da competência da Corte” induz à conclusão de que o Estatuto não prescreve
imposições às jurisdições nacionais, que a Convenção somente visa à competência e ao
procedimento do Tribunal Penal Internacional.
Há imprecisão quanto à finalidade e ao objeto do artigo 29, onde resulta manifesta a vontade
de tornar imprescritíveis certos crimes, mas pouco claro se a regra foi concebida em caráter
exclusivo para o Tribunal Penal Internacional ou se é extensiva às jurisdições nacionais. A finalidade
e o objeto da Convenção, tais como descritos no seu preâmbulo, revelam ambigüidade, pois aí
consta que “é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por
crimes internacionais.”50.
Resta a prática posterior dos Estados, elemento chave na interpretação da regra da
imprescritibilidade. Se aceita como confirmação da prática dos Estados a análise da recepção, pelas
ordens jurídicas internas, da imprescritibilidade, pode-se concluir que, até o presente momento, a
regra não foi assimilada por grande parte dos integrantes da comunidade internacional.
É hoje difícil sustentar, ante a simples leitura do Estatuto de Roma, que tenha sido criada para
os Estados a obrigação de modificar seus conceitos nacionais sobre o tema da prescrição. O artigo
17 do mesmo texto prevê, de resto, situações justificadoras do exercício complementar da
competência do Tribunal Penal Internacional, e a declaração de prescrição do crime segundo a lei
nacional, após processo regular, não foi aí arrolada.
Somente uma interpretação extensiva do artigo 17(2), do Estatuto de Roma permitiria admitir o
exercício da jurisdição complementar do TPI quando uma jurisdição nacional prioritária tenha
declarado prescrito um dos crimes internacionais descritos no Estatuto e em seu próprio
ordenamento interno. A doutrina ensina que existe um “reconhecimento geral de que a interpretação
restritiva se impõe a respeito de cláusulas que limitem, de algum modo, a soberania dos Estados, ou
que importem, da parte destes, submissão a juízo arbitral ou permanente” 51, e que a interpretação
restritiva é aquela que se aplica “às cláusulas atributivas de competência arbitral ou jurisdicional, às
cláusulas derrogatórias a um princípio geral e às cláusulas limitativas da soberania estatal” 52.
6. Conclusão
219
O princípio da imprescritibilidade dos crimes internacionais, exceção à regra da prescrição
penal no sistema jurídico de inspiração romano-germânica, é suscetível de questionamento entre
50
Cabe aqui indagar se a declaração da prescrição significa a recusa de traduzir em justiça determinado delinqüente ou, ao contrário, seria uma afirmação
desta última, em conformidade com os princípios que regem determinado ordenamento jurídico nacional e mediante o exercício regular de jurisdição.
51
REZEK, Francisco. Op. cit. São Paulo, Saraiva, 2007, 10ª ed., p. 92.
52
C. ROUSSEAU. Droit international public. Paris, Dalloz, 1987, 11a ed., pp.64-65. Como quer que seja, estaríamos aqui, diante de um impasse. Prevalece
no domínio do direito das gentes a preferência pela interpretação restritiva. Entretanto, no âmbito das Nações Unidas, essa tendência geral foi
flexibilizada a partir do século XX em favor da organização, de seus poderes e de sua agilidade. O exemplo mais eloqüente é a exegese, patrocinada
por Hans Kelsen, do artigo 27 da Carta das Nações Unidas, no sentido de afirmar, o que ainda hoje subsiste, que o veto dos cinco Estados com
cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas exige um voto negativo de cada uma daquelas potências, a tanto não equivalendo
a abstenção ou ausência.
juristas desta formação. A tal respeito são ilustrativas as apreensões de Kathia Martin-Chenut e
Elisabeth Lambert ao descreverem aquilo que chamam de hipertrofia da repressão:
“Ao defender a imprescritibilidade, não se deve temer uma justiça absolutista? Mas entre a
punição e a impunidade, qual é o maior escândalo? A resposta é talvez: tudo depende da
gravidade dos crimes cometidos. Para os crimes que atingem a própria humanidade, pela sua
amplitude e nível de gravidade, a impunidade é certamente o maior escândalo em democracia.
Uma parte da doutrina tem se mostrado cética quanto ao fenômeno contemporâneo de expansão
da justiça na esfera espacial (e, sobretudo internacional) e na esfera temporal, histórica. Há ainda
que saber se reconhecer a imprescritibilidade dos crimes internacionais não faria, nas hipóteses
mais otimistas, simplesmente aproximar a prática dos Estados da comunidade internacional de
um justo meio termo, ou a desviaria para uma justiça perigosa”.53
Ressaltam entretanto que, em face do grande número de obstáculos de natureza diversa em
matéria de repressão dos crimes internacionais, uma imprescritibilidade absoluta, desde que
adotada por todos os Estados, talvez permitisse a melhor aproximação de uma justiça média54.
Esse consenso no seio da comunidade internacional, embora complexo, não parece inviável.
Mireille Delmas-Marty sugere um recurso de interpretação – semelhante ao que opera nas
Cortes européia e interamericana de direitos humanos – na Corte Internacional de Justiça ou
no Tribunal Penal Internacional, para facilitar o conhecimento das práticas estatais existentes.
A imprescritibilidade dos Crimes Internacionais
Delmas-Marty insiste, porém, em que essa adesão não se dê de uma só vez, mas no quadro de
uma gradual reunião das consciências jurídicas estatais em torno de princípios diretivos comuns.
Permitir-se-ia, assim, um movimento progressivo de aproximação entre as proposições da ordem
universal e os sistemas nacionais.
Para a notável autora, esta harmonização, assim como o aludido recurso, teria o mérito de
“precisar o sentido do direito convencional, das evoluções do costume internacional e de evitar
interpretações diferentes e contraditórias. Assim, sem fixar muito um sistema em plena formação,
estar-se-ia permitindo a formação de uma cultura jurídica comum, abastecida ao mesmo tempo do
direito internacional e de estudos comparativos. Desta forma, poderiam estes últimos contribuir
com a garantia de uma verdadeira complementaridade entre as jurisdições nacionais e o TPI.”55.
Essa aproximação respeitosa entre ordens jurídicas internas e a jurisdição internacional não
ocorrerá da noite para o dia. Mas, afinal, tudo parece consistir numa questão de tempo. É da
releitura, aliás, dessa noção que decorre a imprescritibilidade dos crimes internacionais: da idéia
de que o tempo não pode ser aquele do decurso das vidas humanas, mas o de movimentos
empreendidos por sociedades, por sistemas de poder, e de que é preciso esperar o lento e tantas
vezes penoso virar das páginas da história.
O tempo parece ser enfim a contingência do direito penal internacional. É provável que nesse
domínio toda precipitação prejudique o pleno alcance dos objetivos principais desse ramo da
220 justiça. É tormentoso não se saber ao certo se ao cabo desses dias ou anos sobrevirão novos
obstáculos ao percurso evolutivo da repressão da delinqüência internacional. Sabendo que o
tempo é por vezes também o senhor dos encontros perdidos, parece incontornável que se
amargue o risco de vermos envelhecer uma instituição antes mesmo de seu florescimento.
Se o caminho se prenuncia longo e árduo, parece ser este o sacrifício que se impõe pela
passagem de uma justiça penal de emergência – ou de circunstância – a uma justiça repressiva
universal e definitiva. Mais importante que ver operar sem demora o sistema, e em seu potencial
53
MARTIN-CHENUT, Kathia & ABDELGAWAD LAMBERT, Elisabeth, op. cit, p. 299. Tradução livre.
54
Idem.
55
DELMAS-MARTY, Mireille. Op. cit.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 221
máximo de coerção, é trabalhar para que esta estrutura, ainda incipiente, possa erguer-se sobre
bases, as mais sólidas e seguras.
7. Bibliografia
I. Livros
Table ronde ayant pour thème la prescription. Revue française de théorie juridique, n° 31.
Paris, 2000, pp. 40-77.
DELMAS-MARTY, M. La responsabilité pénale en échec (prescription, amnistie, immunités),
in CASSESE, Antonio & DELMAS-MARTY, Mireille (org.) : Les juridictions nationales et les
crimes internationaux, Paris, PUF, 2002, pp. 613-653.
DUPUY, P-M. Crimes et immunités, ou dans quelle mesure la nature des premiers empêche
l’exercice des secondes. Revue générale de droit international public, 1999, pp. 290-295.
FRULLI, Michaela. Les crimes internationaux, la prescription, l’amnistie, in CASSESE, A. &
DELMAS-MARTY, M. Paris, PUF, 2002. Crimes internationaux et juridictions internationales,
pp. 236-243.
GLASER, Stefan. Quelques observations sur la prescription en matière de criminalité de
guerre. Revue de droit pénal et de criminologie, 1964-1965.
GRAVEN, Jean. Les crimes contre l’humanité peuvent-ils bénéficier de la prescription? Revue
pénale suisse, 1965.
222 HENZELIN, Marc. Droit international pénal et droits pénaux étatiques. Le choc des cultures,
in M. HENZELIN, M. & ROTH, R. (org.) : Le droit pénal à l’épreuve de l’internationalisation.
Paris, L.G.D.J, 2002, pp. 69-118.
HERZOG, J.B. Etudes des lois concernant la prescription des crimes contre l’humanité.
R.S.C. 1965, pp. 337-371.
JUROVIKS, Yann. Le procès international face au temps. Revue de science criminelle et de
droit pénal comparé, n°4, out/dez., 2001, 781-797.
LAQUIÈZE, Alain. Le débat de 1964 sur l’imprescriptibilité des crimes contre l’humanité in
Droit. Revue française de théorie juridique, 31- 2000, pp. 19-40.
LOMBOIS, Claude. Crimes contre l’humanité - crimes de guerre, R.S.C., 1987, pp. 937-942.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 223
CASSESE, A. The Statute of the Intenational Criminal Court: Some Preliminary Reflections.
EJIL, 1999, pp. 108-123.
FRULLI, Micaela. Are Crimes against Humanity More Serious than War Crimes? EJIL, 2001,
pp. 329-350.
MERON, Theodor. Is international law moving towards criminalization? EJIL, 9, 1998, pp.
18-31. 223
MILLER, Robert H. The Convention On The Non-Applicability of Statutory Limitations To
War Crimes And Crimes Against Humanity. AJIL, vol. 65, 1971, pp. 477-501.
REZEK, J.F. Reciprocity as a Basis of Extradition. 52 British Yearbook of International Law,
Oxford, Clarendon Press, 1981, pp.171-203.
SCHABAS, W. A. Non-applicability of statute of limitations, in Commentary on the Rome
statute of the International Criminal Court. Otto Triffterer (ed.), Baden-Baden, 1999, pp. 523-526.
VAN DEN WYNGAERT, Christine & DUGARD, John. Non-applicabilitty of Statute of
Limitations, in CASSESE, A. (org.): The Rome Statute of the International Criminal Court: A
Comentary. Oxford, 2002, pp. 873-888.
V. Artigos (Português)
Ministério Público, Lisboa, vol. 20, n° 78, abril-junho 1999, pp. 33-36.
Documentos
224
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 225
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 226
DO DIREITO
CONSTITUCIONAL
MILITAR
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 227
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 228
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 229
1) Premissa
As missões das Forças Armadas italianas fora do território nacional assumiram no tempo uma
significativa relevância. Na prática, desde o fim do segundo conflito mundial até hoje, são 108 os
casos nos quais a Itália decidiu intervir no exterior com os seus próprios contingentes militares,
a fim de assegurar a manutenção e a imposição da paz ou a assistência internacional. Cerca de
trinta missões estavam em curso no final de 2007 e isso, principalmente, no cenário de
organizações internacionais como as Nações Unidas, a Aliança Atlântica e a União Européia.
A participação nas missões coloca delicados problemas do ponto de vista constitucional, pois
não existem previsões constitucionais explícitas que habilitem o Governo e o Parlamento às
missões militares no exterior; há também carência de uma legislação orgânica sobre o tema.
Problemas de difíceis soluções se colocam a respeito das eventuais modalidades de uso das forças
armadas, por parte dos militares italianos na medida em que existem normas, sejam
internacionais ou nacionais, que limitam seu uso e que devem ser respeitadas. É neste campo
específico que amadureceu o problema dos critérios que vêm estabelecidos para disciplinar o
comportamento dos militares que atuam nas missões. Tais critérios são formalizados naquelas
disposições que são determinadas pela entidade hierárquica superior, com específica atenção ao
uso da força, e que são relacionadas hoje com o conceito de “regras de engajamento”, retomando
a fórmula norte americana das “rules of engagement (ROE)”.
Giuseppe de Vergottini
O tema das regras de engajamento (rules of engagement, ROE) apareceu somente de forma
marginal nas considerações de quem se ocupa dos perfis constitucionais da regulamentação das
missões militares no exterior. O que foi escrito sobre o assunto é obra, sobretudo, dos
especialistas dedicados aos temas militares1.
Na realidade, o tema também é de grande interesse prático, como nos mostram os penalistas
quando se perguntam se as ROE podem concorrer para integrar determinadas hipoteses penais,
sob o perfil de sua tipicidade. Outro problema, colocado por estes penalistas, é o da individuação
de causas excludentes da antijuridicidade de fatos correspondentes a tipos criminosos legais (os
assim chamados descriminantes). Assim, pretendem verificar se as ROE podem ser definidas
como causas excludentes autônomas ou, melhor, que não sejam reconduzidas àquelas já previstas
229
na lei penal2. Na prática, a escassa jurisprudência nacional tende a não considerar as regras de
engajamento como causa autônoma de justificação, preferindo utilizar as figuras já tipificadas na
* Professor ordinário de direito constitucional da Universidade de Bolonha Presidente honorário da AICL (Associação Internacional dos
Costitucionalistas).
1
Ver, por exemplo, Cabigiosu C., Le regole di ingaggio nelle operazioni militari, in AA.VV., Difesa comune europea e spazio giudiziario penale. Ata do seminário de
estudo, Roma 26-28 de novembro de 2004 (a cura di S. Manacorda), Conselho da Magistratura Militar, Roma, 2005, 147 ss.. Para uma análise do tema,
dentre as raras contribuições que trataram do perfil jurídico, ver Fara V., Regole di ingaggio, bandi militari e costituzioni, in Diritto pubblico comparato ed europeo,
II, 2006, 525 ss.. Ver, ainda: D’Angelo L., Missioni militari all’estero, regole di ingaggio e cause di non punibilità codificate nella legislazione penale comune e militare,
in Diritto penale e processo, 9, 2005, 1162 ss.; Tondini M., Regole di ingaggio e diritto all’autodifesa. Riflessioni e suggerimenti, in Rassegna dell’Arma dei carabinieri, 1,
2005.
2
Ver, expressamente, Carlizzi G., Profili di operatività delle regole di ingaggio nell’ordinamento penale italiano, in AA.VV., Difesa comune europea e spazio giudiziario
penale, cit., 163 ss.; Manacorda S., Modelli di integrazione penale europea nelle missioni all’estero: analisi e prospettive, ivi, 282 ss.; Brunelli D. e Mazzi G., Diritto
penale militare, 4ª ed, Milão, 2007, 488.
legislação penal militar3. Resta o fato que, a possibilidade de usar as ROE como causa de
justificação diversa daquelas previstas na legislação é debatida em vários países4.
Nesses termos, a relevância das ROE diz respeito ao momento da sua aplicação concreta, nas
situações em que o sujeito destinatário final das mesmas fosse obrigado a aplicá-las em uma situação
conflituosa, que requeresse o uso das armas. As regras de engajamento, portanto, para o militar
em campo, são próximas ou equivalem à “consignação” (art. 120 código penal militar de paz) ou
à prescrição “estabelecidas para o cumprimento de um serviço particular” (art. 26 DPR
545/1986, Regulamento de disciplina militar) ou, mais geralmente, à figura da “voz de comando”
do superior, conforme a lei (art. 4º da Lei 382/1978).
Hoje, a possibilidade de individuar um uso legítimo das armas, por parte dos militares em
missão, também é vista considerando-se a exigência do respeito ao art. 2º, da Convenção
Européia dos Direitos do Homem (CEDH) – determina proteção ao direito à vida. O referido
dispositivo exclui a ilegitimidade de eventuais assassinatos derivados do “recurso da força
tornado absolutamente necessário”, somente nas hipóteses previstas na mesma disposição.
Também, seguindo as sentenças da Corte Constitucional que confirmaram que o direito da
CEDH se coloca como um vínculo ao legislador e ao juiz (sentenças 348 e 349/2007), as causas
de justificações previstas pela legislação italiana devem ser interpretadas conforme o preceito do
artigo 2º da CEDH e da jurisprudência da Corte de Estrasburgo, particularmente restritiva
quanto à individuação do requisito da necessidade do uso das armas (conforme Bankovic versus
Bélgica (2001); Behrami e Sarmati versus França e outros (2007))5.
Mas, o momento da aplicação das ROE é somente o ponto de chegada de um processo
Constituição e regras de engajamento
complexo e, em parte, não especificado. Com efeito, a transmissão das ROE ao sujeito singular
ativo em campo é precedida de uma série de passagens procedimentais que partem de áreas
políticas em nível governativo/parlamentar, que considera o trabalho de preparação,
desenvolvido pelas organizações internacionais dedicadas à segurança e, portanto, que exigem
uma instrução no plano dos órgãos militares e ministeriais, uma aprovação ou uma aceitação
implícita por parte da cúpula ministerial, uma eventual comunicação ao Parlamento, em seguida,
a transmissão ao nível operacional, por fim, à unidade militar em campo.
A situação, do ponto de vista jurídico, é, à primeira vista, complicada, conforme colocado na
premissa. Não há previsão na Constituição que habilite expressamente os órgãos constitucionais
a decidirem a missão. Isso porque não teve bom desfecho um procedimento de revisão
constitucional, aprovado em 4 de novembro de 1997 que, em seu art. 100, contemplava a adoção
de uma deliberação parlamentar, a partir de uma proposta governamental voltada para o
emprego das Forças Armadas fora das fronteiras nacionais. Ademais, nenhuma prescrição
legislativa prevê, especificamente, a figura das ROE e seu relativo procedimento de adoção. É
preciso acrescentar, além disso, que o procedimento nacional de formação das ROE vem, via de
230 regra, condicionado por dois fatores externos ao ordenamento italiano: a um, as ROE podem
ser, e são em parte, predeterminadas nas organizações internacionais de segurança coletiva e, a
dois, no caso de intervenção da Itália em operações comandadas por outro Estado, fora das
citadas organizações, as ROE estabelecidas pela potência que guia a missão são as determinantes
do resultado.
3
Conforme a sentença do GUP no Tribunal militar de Roma no caso Allocca/Stival de 9 de maio de 2007, no qual as regras de engajamento são
consideradas como premissas ao recurso da necessidade militar como causa de justificação.
4
Sobre o debate presente em vários países, dentre os quais França, Bélgica, Grã-Bretanha e Estados Unidos, conferir Ubeda-Saillard M., Línvocabillité
en droit interne des régles déngagement applicables aux opérations militaires multinationales, in Revue générale de droit international, 1, 2004, 149 e ss.
5
Viganò F., Uso legittimo delle armi e Convenzione europea per la salvaguardia dei diritti dell’uomo, in Uso delle armi nelle operazioni militari internazionali, Encontro
de estudo. Frascati 15-16 de novembro de 2007, Conselho da Magistratura Militar.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 231
Para entender qual é o enquadramento das ROE nas fontes jurídicas italianas é necessário
lembrar, qual seria a possível definição das regras em relação a sua função e, portanto, se deve ampliar
o campo da atenção, aos ordenamentos das organizações internacionais e, a outros
ordenamentos estatais com os quais, o italiano venha a se relacionar também, como participante
nas missões.
As ROE nascem da exigência em se ditar normas que determinem o comportamento dos
militares que se encontrem empenhados em campo e, portanto, na necessidade de se saber como
se comportar em relação ao eventual emprego da força. E nessa perspectiva, “traduzem a nível
operacional as diretrizes governativas acerca do uso da força e, em todos os casos, acerca da conduta a ser seguida
quando os contingentes militares estão empenhados em uma missão”6. São, portanto, consideradas “o principal
instrumento legal para a regulamentação da força durante as operações militares”7. Do ponto de vista do
conteúdo, além do perfil freqüentemente lembrado que instruem o comportamento dos
militares, elas se apresentam muito relevantes, na medida que disciplinam o uso dos poderes
coercitivos 8 , em relação aos sujeitos envolvidos nas operações (prisões, detenções, seqüestros e
várias modalidades de uso da violência, até ao uso letal de armas). Elas dizem respeito às
situações de guerra, mas também e, sobretudo, às missões decididas pela Itália, situações
intermediárias definidas MOOTW (Military Operations Other Than War), nas quais são incluídas
diversas situações que exigem a intervenção armada: operações de peace keeping, peace enforcing,
soluções de crise, intervenções humanitárias e de estabilização, com uma rica variedade de
Giuseppe de Vergottini
hipóteses e qualificações, conforme o ordenamento ao qual se referem e que podem levar a
hipóteses de “conflito armado”, diversas das da guerra tradicional. Em particular, dizem respeito
àquelas situações de conflito definidas operações de guerra “ à baixa intensidade”, que incluem
regras mais restritivas daquelas relativas a uma guerra verdadeira, mas sempre significando o uso
das armas.
A regra mais elementar poderia, em linha teórica, comportar a proibição taxativa de usar as
armas ou, em contrário, a ordem de usá-las sempre e, sem limites. Deste ponto de vista emerge
logo a presença do binômio proibição/autorização, expedida por parte do superior hierárquico. Na
realidade, entre esses dois extremos existe uma série muito articulada de disposições prescritivas
possível que proíbem ou permitem comportamentos específicos. As regras às quais um militar
pode ser submetido podem, portanto, compreender uma gama de situações muito diversificada, 231
que o legislador pode considerar e regulamentar. Em linha extrema, faz-se uma distinção entre
as regras que permitem ao militar possibilidade ampla de uso da força, nas situações de conflito
armado, próximas daquelas típicas da guerra tradicional, e, regras paulatinamente mais restritivas,
à medida que se distanciam de tais hipóteses. Geralmente, quanto mais intensa é a situação de
perigo para o militar em campo, mais permissiva são as regras. Mas depende muito da escolha
do legislador político, que é livre de avaliar e estabelecer o grau do risco imposto ao corpo
6
Ronzitti N., Le operazione multilaterale all’estero a partezipazione italiana. Profili giuridici, Senado da República, IX legislatura, dossiê n. 44, maio 2006, 11.
7
Conforme Poli V. e Tenore V., L’ordinamento militare, I, Milão, 2006, 142.
8
Oportunamente lembrado por Manacorda S., op. cit., 282.
armado enviado ao exterior, no quadro das missões, e que, portanto, para limitar o uso da força,
pode impor redução das margens de segurança para os militares engajados. Além disso, é certo
que as regras, uma vez estabelecidas, podem sofrer modificações em função da variação dos
pressupostos originários que, inicialmente as produziram. Enfim, a linha de comportamento
fixada anteriormente pode ser substituída por um comportamento concreto, decidido no
momento de quem atua no campo, em função de uma exigência necessária e não totalmente
previsível. Portanto, as regras poderiam, concretamente, ser desobedecidas demonstrando-se
assim, que nem sempre estão em condição de fazer frente a todas exigências concretas.
Em princípio, qualquer Estado é habilitado a determinar livremente as regras a serem
utilizadas pelos próprios contingentes enviados ao exterior.
Mas, conforme lembrado, também as organizações internacionais que são responsáveis por
intervenções objetivando a segurança coletiva, estabelecem regras próprias que, normalmente são
seguidas pelos Estados membros, exceto as adaptações impostas pelo próprio ordenamento.
Uma opinião difusa vê as ROE como atos de natureza não normativa. Fala-se de atos
administrativos que têm a natureza de instrução confidencial, justificada pelas exigências de proteção
das forças envolvidas9, de ordem hierárquica10 e, sobretudo, de diretivas11. Difusa e pacífica é a
opinião de que se trata de atos subordinados à lei, e que não podem, portanto, derrogar normas de
lei12, excluindo-se, por exemplo, a sua equiparação aos atos normativos como as portarias
Constituição e regras de engajamento
militares13.
A possível qualificação das regras de engajamento não é fácil, também por causa da ausência
de específicas disposições legislativas, lembradas antes, que inserem a matéria no ordenamento
italiano. Todavia, analisando comparativamente os diversos ordenamentos e, as opiniões dos que
já trataram do tema da regulamentação das regras de engajamento, é possível enfocar alguns
aspectos qualificativos dessas regras. A separação dos poderes e a subordinação dos órgãos
militares e ministeriais à lei são matérias incontroversas no ordenamento italiano. Aceita-se,
portanto, a qualificação das regras como atos sublegislativos, não havendo, porém, concordância
sobre a definição das ROE e, sobre sua recondução às figuras típicas do ordenamento. Por outro
lado, o conceito de “regras de engajamento” e a sua qualificação formal não derivam (pelo menos
na Itália, mas pelo que se sabe, também em outros ordenamentos), de fonte legislativa
responsável pela sua elaboração, mas unicamente da praxi militar acolhida posteriormente em
documento oficial que adotou a tal terminologia.
Na praxi de diversos ordenamentos, as regras são qualificadas de modos diversos; mas,
sobretudo, como “diretriz” ou “instrução”.
232 A indicação formal, segundo a qual as ROE teriam natureza de diretriz é freqüente.
Assim, nos Estados Unidos, as ROE são definidas como diretrizes adotadas pela autoridade
militar competente, que “delineiam as circunstâncias e as limitações sob as quais os Estados
Unidos iniciarão ou continuarão o combate com outras forças contrapostas” (Chairman of The
Joint Chiefs os Staff Instruction, CJCSI, 3121.01°, 15 de janeiro de 2000, Standing Rules of Engagement
9
Ver referimento feito em Mancorda S., op. cit., 282 ss..
10
Ver Fara V., op. cit., 542.
11
Ver, por exemplo, Ronzitti N., Diritto internazionale dei conflitti armati, 3ª ed., Torino, 2006, 144.
12
Mancorda V., Irak, la stretta via del diritto, in www.costituzionalismo.it,26.06.2004
13
Nesse sentido ver Fara V., op. cit.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 233
for US Forces)14. Na Bélgica, são definidas como “instruções elaboradas pela autoridade
competente (nacional ou internacional), política ou militar, a fim de definir as circunstâncias e os
limites do uso da força por parte do exército”15. Na Suíça, as ROE (règles d’engagement, Einsatzregeln,
regole di impiego), voltadas para as missões humanitárias nas quais este Estado pode participar,
devem estar em conformidade com a normativa Terminologie des règlements de conduite de l’armée, e são
definidas como diretrizes que definem o comportamento da tropa e, em particular, “o recurso à
força e às medidas coercitivas, incluído o uso de armas”, e são disciplinadas por diversos
regulamentos16.
Na Itália não existe uma definição em sede normativa e, em particular, são usadas as
definições propostas pelas regras da OTAN. No que diz respeito à prática, temos alguns
exemplos de definições oferecidas pelas comunicações do Governo por ocasião do início das
diversas missões. Assim, nas declarações feitas em 7 de novembro de 2001, no Senado, o Ministro
da Defesa Martino afirmou que as ROE “representam as diretrizes trasmitidas pelas autoridades
militares competentes, que especificam as circunstâncias e os limites dentre os quais as forças
podem iniciar ou continuar o combate com aquelas contrárias. As ROE, portanto, limitam ou
autorizam o uso da força respeitando o direito internacional, a lei relativa conflitos armados,
como também as leis e regulamentos nacionais em vigor. Naturalmente, a escolha das ROE deve
ser compatível com a missão”. Essa definição parece sintetizar bem a doutrina italiana oficial na
matéria.
Nas declarações, feitas a propósito da UNIFIL (United Nations Interim Force In Lebanon), em 4
de outubro de 2006, perante a Comissões do Exterior e da Defesa do Senado, o Ministro de
Defesa Parisi acrescentou que “regras de engajamento devem ser entendidas como aquele
instrumento procedimental que serve às forças no campo para uniformizar os comportamentos,
em particular diante de situações emergenciais e imprevistas, quando não for possível utilizar a
linha normal de comando”. Esta definição se soma à anterior, e que reitera a necessidade da
homogeneização dos comportamentos entre os contingentes de diversas nacionalidades
Giuseppe de Vergottini
envolvidos nas operações multinacionais. As definições contidas nas ROE e estabelecidas pelas
organizações internacionais têm particular importância, na medida em que, tendencialmente, os
seus estados membros delas se apropriam, no momento em que decidem participar das missões,
sob a égide das várias organizações.
No ordenamento das Nações Unidas, as ROE são emitidas pelo Department Peace Keeping
Operations com base nas resoluções do Conselho de Segurança que decidem a missão.
Para a OTAN, as ROE são “instruções a todos os comandantes, no quadro das diretrizes
políticas que definem o grau e o modo com os quais empregam a força” (MC 362 OTAN Rules
of Engagement Military Committee Memorandum). Definição extraída nas declarações ao Senado
acima mencionada, feitas em 7 de novembro de 2001. Para a União Européia, as ROE são
“diretrizes expedidas aos comandantes militares e as forças (incluídas as pessoas), que definem as 233
circunstâncias, as condições, o grau e o modo que a força, ou outras ações que poderiam ser
interpretadas como provocativas, podem ser ou menos aplicadas”.
Além disso, esclarece-se que “as ROE não são utilizadas para confiar tarefas ou dar
instruções táticas. As ROE não prejudicam o direito à legítima defesa em conformidade ao
direito nacional. A formulação e os termos utilizados na descrição das ROE são descritivos e
14
Martins M. S., Rules of Engagement for Land Forces: A matter of Training not Lawyering, in Military Review, 1994, 143, 1 ss.
15
Note documentaire sur la catégorie normative et la force exécutoire des “règles d’engagement”, in Helmons S.M. (a cura di), Dignité humaine et hiérarchie des valeurs: les
limite irréductibles, Bruxelas, 1999, 145.
16
Zen Ruffinen P., Les règles d’engagement, in Revue militaire suisse , 2006.
não interferem de nenhum modo na base jurídica do uso da força” (v. Gazeta Oficial da U.E.,
2003, C321/02, 31.12.2003).
As prescrições inseridas nas regras nacionais, dizem respeito a uma série de critérios que são
influenciados pelos princípios legais ligados ao cumprimento das missões e da própria natureza
da missão singular. Elas cobrem uma ampla gama de disponibilidade de recurso à força, extensivo
nas situações de conflito próximas a guerra e, progressivamente, sempre mais limitado, com a
redução da situação de risco para os militares nelas empenhados.
No texto aprovado na Itália os seguintes princípios, entre outros, são afirmados: o
respeito ao direito internacional e constitucional, o recurso à força mínima necessária, o
princípio da proporcionalidade – evitar danos à população civil local –, a garantia segura do
direito à legítima defesa. A colocação tem como finalidade garantir o recurso ao uso da força,
somente quando for indispensável. Na sessão de 14 de maio de 2003, o Ministro da Defesa,
perante a Comissão Exterior e de Defesa das duas câmeras, precisou, em relação às
operações no Iraque, que “o uso das forças é exercitado no nível mais baixo possível, em
função das circunstâncias e em medida proporcional à situação, em respeito ao direito
internacional, como também das leis e dos regulamentos nacionais”; confirmaria-se-ia,
portanto, que as ROE são “baseadas no conceito de uso da força mínima, necessária e
proporcional à ofensa”17. As cautelas, que são sistematicamente lembradas nos documentos
Constituição e regras de engajamento
oficiais, não excluem, todavia, uma certa flexibilidade também, com referência às missões de
peacekeeping, nas quais se pretende evitar cuidadosamente o recurso à força. Nas declarações
do Parlamento de 4 de outubro de 2006, o Ministro da Defesa não excluiu o recurso ao uso
da força também, no caso de intervenções hostis, dirigidos genericamente a dificultar o
desenvolvimento da missão.
Foi dito que as ROE são comparáveis à figura do ato administrativo e, fez-se diferenciação
entre o conteúdo da diretriz, daquele da instrução / voz de comando.
É necessário agora, aprofundar qual deve ser o fundamento jurídico das ROE, e quais os
condicionamentos normativos que incidem sobre as regras e os atos administrativos que envolvem a
atividade do Ministro da Defesa. É dado comum a todos os ordenamentos, e, portanto, também
àquele italiano, a busca do fundamento jurídico e dos relativos condicionamentos concernentes
234 às regras de engajamento.
No que diz respeito as ROE, elaboradas e adotadas pelas organizações internacionais, essas devem
ser compatíveis com os princípios do direito internacional relativo aos conflitos armados, em
particular com o direito humanitário, assim como com as normas de tratados das diversas
organizações (em particular as Nações Unidas, OTAN e União Européia), e com todos aqueles
instrumentos internacionais que, de alguma forma, influenciam as regras das missões.
Ampliando o discurso, não seria difícil demonstrar também a exigência da compatibilidade
com os princípios institucionais dos estados membros das organizações de segurança coletiva.
17
Conforme Montedoro G., op. cit.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 235
No que diz respeito ao direito interno estatal e, em particular, ao ordenamento italiano, deve ser
lembrado que, em geral, as ROE nacionais que se aplicam aos contingentes enviados ao exterior,
não são nada mais do que uma otimização daquelas elaboradas por uma organização
internacional, da qual a Itália faça parte. As ROE produzidas no exterior vêem, portanto,
recebidas através da incorporação18 no nível interno, incorporação da qual se falará na parte relativa
ao procedimento.
A propósito, deve-se admitir que, para o direito italiano, as ROE devem respeitar os princípios
contidos nas fontes internacionais – no caso, com particular referência ao direito internacional
humanitário e, portanto à Convenção de Genebra de 1949, e aos dois protocolos aditivos de
1977, como também, ao estatuto do Tribunal Penal Internacional permanente.
Cumpre lembrar, entre outras coisas, que a Corte Internacional de Justiça, no parecer de 1996,
acerca do uso das armas nucleares, e naquele de 2004, relativo à construção do muro nos
territórios palestinos, confirmou que as normas de direito humanitário se aplicam também em
casos de conflito armado. Além disso, a Corte Européia de Direitos Humanos considerou
aplicável o art. 2º da Convenção Européia dos Direitos dos Homens, relativo ao uso legítimo das
armas, também no caso daqueles comportamentos dos Estados membros mantidos à margem
dos confins nacionais dos territórios envolvidos, quando os mesmos detiverem o controle efetivo
destes territórios (que não teria sido o caso do bombardeio de Belgrado por parte da OTAN:
Bankovic versus Bélgica (2001), enquanto foi verificado no caso das ações da ONU (Kosovo Force,
KFOR e United Nations Mission in Kosovo, UNMIK) em Kosovo: Behrami e Sramati versus França,
e outros (2007)).
Ademais, as ROE podem ser influenciadas pelos vínculos derivantes das “SOFA”, acordos
entre estados que enviam as missões e estados territoriais que disciplinam o regime de força
(Status of Forces Agreement), pelos memorandum de entendimento (memorandum of understanding),
decorrentes das “SOFA” e por acordos técnicos (technical agreements) que disciplinam os aspectos
técnico-administrativos.
Giuseppe de Vergottini
As ROE são, portanto, subordinadas à constituição e à lei. Na prática, em relação às regras
de engajamento, valem aqueles vínculos constitucionais que influenciam as decisões de enviar as
missões.
Coloca-se, em primeiro lugar, respeito ao princípio da legalidade e aos princípios constitucionais no
tema de competência de decisão dos órgãos políticos competentes para determinar a política de segurança.
O art. 11, segunda parte, da Constituição, que prevê a inserção da Itália no sistema das
organizações internacionais que visam assegurar a paz, pode ser considerado a base
constitucional que legitima a assunção de deliberações dos órgãos do governo chamados a decidir
acerca das intervenções armadas fora do território nacional.
A este último propósito, as previsões dos arts. 78 e 87, parágrafo 9°, relativos à deliberação e
declaração do estado de guerra, que comporte o emprego das forças armadas no exterior, na 235
medida em que são disposições que não dizem respeito às missões de paz, mas à guerra
internacional tradicionalmente concebida, não têm nenhuma relevância. É geralmente admitido
que, o recurso à guerra, historicamente definido como desesperado recurso à violência,
objetivando a destruição da parte contrária, foge a uma definição real dos limites do atual
ordenamento e, de qualquer modo, é considerado superado pelo conceito de conflito armado,
figura mais branda nas suas diversas modalidades de desenvolvimento. Trata-se, de qualquer
maneira, de disposições inutilizadas que serviram, porém, para evidenciar a vontade do
18
Conferir Manacorda S., op. cit., 283.
preventiva, contestada por diversas partes). É também consentido o recurso à mesma nos casos
autorizados pelo Conselho de Segurança. A situação se torna problemática quando os Estados
tornam-se promotores de ações que requerem o recurso à força e que tendem a se transformar
em conflitos armados, ações estas não previamente autorizadas pelo Conselho, mas, de regra,
ratificadas a posteriori pelo mesmo (veja os EUA no Iraque) e, quando a mesma circunstância se
produz para a intervenção autônoma de uma organização de segurança coletiva (veja a OTAN
no Kosovo).
Neste contexto, assumiu uma importância significativa o tema das intervenções humanitárias, que
acontecem quando a intervenção armada, em violação ao princípio de soberania do estado
territorial, é justificada pela necessidade de proteger os sujeitos desse estado que seja objeto de
graves violações de direitos ou, até de ameaça de genocídio. Existiria uma prerrogativa ou até uma
obrigação de intervenção, que pode ser ativada mesmo sem a prévia autorização do Conselho de
Segurança, ainda que a doutrina defenda a necessidade de uma autorização prévia (no caso
mencionado do Kosovo, a intervenção, como se sabe, aconteceu posteriormente).
Não se encontra previsão explícita das ROE nas normas legais. Todavia, a legislação prevê,
236 com fórmula genérica mas freqüente, as missões entre as funções das Forças Armadas (conforme
Decreto Lei. 28 de novembro de 1997, n. 464, art. 1º, parágrafo 1; Decreto Lei. 30 de julho de
1999, n. 300, art. 20, parágrafo 2, letra a); Lei 14 novembro 2000, n. 331, art. 1º, parágrafo 1),
ainda que hoje o ordenamento italiano seja carente de uma lei específica na matéria (ver, aliás, as
recentes iniciativas legislativas atualmente em discussão na Câmara dos Deputados: A.C. 2752
“Legge quadro sulla partecipazione italiana a missioni umanitarie e internazionali”, proposta de lei
apresentada em 7 de junho de 2007).
19
Sobre o argumento consultar de Vergottini G., Guerra e Costituizione, Bolonha, 2004, 17 ss. No mesmo sentido, ver Severini G., La Costituizione italiana,
i rapporti internazionali, gli organismi sopranazionali, in AA. VV., L´equilibrio incerto. Atti dei setti seminari di politica internazionale. Roma 4-17 de junho de 2003,
I quaderni di Magna Carta, 2, Soveria Mannelli, 2004, 159 ss.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 237
Giuseppe de Vergottini
O momento determinante do procedimento de adoção das ROE em território nacional é
geralmente condicionado pelo fato de que as ROE nacionais pressuponham coerência com as
vigentes nas organizações internacionais, no âmbito das quais se ativa a missão multilateral. Pode-se
questionar se a determinação em nível organizativo governamental (ex: OTAN) comporta algum
vínculo jurídico para os órgãos nacionais. A propósito, deve-se considerar que o texto das regras,
uma vez acordado com a apropriada deliberação, condiciona sucessivas determinações para os
Estados-membros em virtude da força dos compromissos assumidos através dos tratados que
conferem competências apropriadas aos órgãos das organizações. O acordo alcançado em sede
decisional permite expressamente a faculdade do Estado-membro de pretender que as regras
possam ser derrogadas (através de cláusulas de reserva conhecidas como caveat), de modo tal a
assegurar o respeito aos princípios legais do ordenamento interno, in primis, dos princípios 237
constitucionais enunciados pelo Estado-membro. Há, também, um vínculo político, pois é evidente
que a escolha comum de promover a iniciativa, tende a fazer convergir a decisão sobre o esquema
de regras já predisposto. De qualquer forma, resta evidente que o vínculo não é absoluto, sendo
pacífica a faculdade mencionada antes, que assegura ao Estado participante a possibilidade de
pedir derroga ao esquema de referimento, permitindo o alinhamento das ROE às normativas
20
Sobre adjudicação de competências de comando que implicam o poder de direção, de adjucação e emprego de força do chefe de estado maior,
distintas dos endereçamentos que cabem ao ministro, em seguida às reformas legislativas introduzidas entre 1997 e 2001, conforme Chiti E.,
L´amministrazione militare tra ordinamento nazionale ed ordinamento globale, Milão, 2006, 112 ss.
21
Tondini M., Regole di ingaggio e diritto di autodifesa. Riflessioni e suggerimenti, in Rassegna dell’arma dei carabinieri, 2005, 1.
Conforme indicado, é possível uma fase parlamentar. Segundo qualificada opinião, tal fase
deveria ser necessária22 mas, na realidade, em muitas missões do passado não ela existiu. Com
efeito, em 78 casos houve intervenção parlamentar, enquanto em 30 casos as missões foram
determinadas sem tal intervenção. Nos casos em que o Parlamento atuou, houve 40 casos de
intervenção preventiva, 10 de intervenção contextual e 28 intervenções sucessivas23.
Para as missões mais significativas, e que comportam um provável ou determinado recurso
ao emprego da força, as regras de engajamento são lembradas quando o Governo informa as
câmeras com a finalidade de obter a resolução que autoriza a missão.
A autorização parlamentar da missão inclui também uma aprovação implícita das regras
escolhidas. Porém, trata-se freqüentemente (ou sempre) de uma aprovação meramente genérica,
que diz respeito às regras padrão (que são aquelas das organizações internacionais envolvidas no
contexto da missão), com eventuais referências às circunstâncias pelas quais o Governo assumiu
a responsabilidade de garantir o respeito aos princípios irrenunciáveis do ordenamento,
eventualmente inserindo os ditos caveat. Isto enquanto o Governo, por razões compreensíveis de
segurança, não deposita em sede parlamentar o texto exato das ROE, mas se limita a um
238 referimento genérico. Em um caso recente (United Nations Interim Force in Lebanon, UNIFIL), o
Ministro da Defesa disse claramente que as regras ainda deveriam ser estabelecidas, porque estava
em definição inclusive o objetivo da missão por parte das Nações Unidas (conforme as
declarações do Ministro de Defesa Parisi às comissões do exterior e de defesa no dia 18 de agosto
de 2006). Em face da natureza das missões na intervenção ministerial que precede a resolução
parlamentar, pode ser compreendido o conteúdo das regras a serem utilizadas, mesmo quando
22
Conferir Montedoro G., La costituzione, le nuove guerre ed il mutamento della legalità internazionale, in www. giustizia.amministrativa.it, segundo o qual, depois
do envolvimento do Parlamento, as ROE sao atos administrativos “com cobertura política”.
23
Dados trazidos na Câmara dos Deputados. XV Legislatura. Servizio Studi. Caderno n..3, 8ª edição, Partecipazione dell’Italia alle missioni militari all’estero,
Roma, 23 de ottobre de 2006.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 239
não seja feito menção às ROE. Portanto, a autorização da missão comporta uma expressa ou
implícita aceitação das ROE que o Governo, sob apresentação dos militares, considerará
necessária para caso.
A divulgação perante o Parlamento a respeito das ROE é somente genérica, até porque se
considera que o conhecimento completo por parte do público comportaria perigo para a
segurança do pessoal envolvido. Como recordou o Ministro Parisi em 4 de outubro de 2006 ao
Senado: “A codificação dos comportamentos dos militares em operação é, por sua natureza,
altamente reservada, seu conhecimento por parte de elementos hostis pode de fato constituir um
grave elemento de desvantagem a nível tático e, portanto, de perigo para a nossa trupe”.
Todavia, vale também ter presente os casos nos quais não se fale absolutamente das ROE em
sede de autorização parlamentar. E isso pode se dar porque a missão não contemple o possível
uso das forças armadas (Albânia 1997), porque a questão não venha a ser levantada ou até porque
se trate de uma missão iniciada pelo Governo sem prévia passagem parlamentar (antes da citada
Resolução Ruffino, de 2001).
A falta de tipificação das regras de engajamento coloca delicados problemas sob o perfil do
respeito ou não respeito ao princípio de legalidade24. Na verdade, não existe uma previsão
legislativa relativa às formas e aos procedimentos a serem seguidos na fase deliberativa e nem
relativa aos órgãos expressamente titulares da relativa competência. A “regra de engajamento”,
como qualificada adaptando o termo inglês, é ato administrativo, expressão do poder de decisão
do órgão militar, a fim de circunstanciar a modalidade de “emprego” do instrumento militar, no
sentido indicado na Lei 25/1997. A regra se refere ao conceito geral de “voz de comando militar”,
expressão do poder de comando. Ela se caracteriza pela sua recondução à relação hierárquica,
que implica o poder de direção do superior e a obrigação de execução por parte dos níveis
Giuseppe de Vergottini
subordinados. A voz de comando, entendida em sentido amplo, pode manifestar-se através de
atos que venham diversamente qualificados pelas normas não homogêneas que, por sua vez,
recorrem a uma terminologia não uniforme: ordem, voz de comando, disposição, instrução,
diretriz... Conforme os casos, a voz de comando pode significar uma obrigação incondicionada
de execução para o destinatário, ou pode deixar a este último um certo âmbito de
discricionariedade na escolha das modalidades de atuação. Neste caso, o conteúdo da voz de
comando se concretiza melhor no conceito de “diretriz”, amplamente avaliado em sede
doutrinária, ainda que sem uniformidade de opinião ou conclusões definitivas, enquanto não
existe uma segura tipificação do ato25.
Portanto, pressupondo que as ROE possam ser reconduzidas à figura de voz de comando,
seria preciso sempre reconhecer que, em algumas hipóteses, admiti-se também a 239
discricionariedade que, costumeiramente, é relacionada ao conceito de diretriz. Considere-se, de
qualquer forma, que esta incerteza (voz de comando em sentido estreito, que implica o
conhecimento dos atos ou, em sentido amplo, que implica em uma margem de apreciação
discricionária), ainda que aparentemente irregular, parece compor, a pleno título, um panorama
bastante familiar na tradição do ordenamento militar, caracterizado por um certo âmbito de
24
Sobre a exigência do respeito ao princípio de legalidade no ordenamento militar e sua problemática aplicação, conferir. Balduzzi R., Principio di legalità
e spirito democratico nell’ordinamento delle forze armate, , Milão, 1988, 118 ss..
25
Sobre a relação entre o poder de direção e hierarquia, e sobre diversas manifestações do poder de direção, conferir D’Albergo S., voce Direttiva, in
Enciclopedia del diritto, XII, Milão, 1964, 608.
Antes de tentar chegar a uma conclusão, cumpre destacar que o processo de determinação
das regras, provavelmente, deve ser dividido em dois momentos logicamente distinguíveis, ainda que,
de fato, nas formulações que conhecemos, os dois momentos são entre eles confusos ou, de
qualquer modo, não sempre distintos claramente.
O primeiro momento é individualizado na escolha efetuada no nível político, e deve ser
diferenciado, no caso de escolhas com finalidade de elaborar critérios gerais de intervenção,
disponíveis na maioria das missões a serem efetuadas, ou no caso da definição de critérios específicos
a serem utilizados em uma determinada missão. Tais escolhas se concretizam em atos de
endereçamento político, expressos pelos órgãos responsáveis das organizações internacionais e
da política de segurança e defesa, órgãos estes que interagem de diversas formas, segundo o tipo
de governo. Em geral, trata-se do parlamento e o poder executivo no caso de escolha no plano
nacional, órgãos representativos dos Estados-membros, perante as organizações internacionais
de segurança.
240 O segundo momento é aquele no qual se passa a uma elaboração daquelas que serão, em
sentido próprio, as regras de engajamento de uma missão específica, levando em consideração as
linhas de atuação expressas no nível político. Nesta fase, torna-se essencial a intervenção dos
órgãos militares, que elaboram o conjunto de regras que são submetidas, sob forma de proposta,
ao órgão político do qual dependerá a sua aprovação (o qual, uma vez tomado ciência, reserva-
se o direito de pronunciar-se em sentido diverso ou contrário, neste caso, haveria uma aprovação
implícita, como parece acontecer na praxi italiana). Trata-se, particularmente, do componente do
governo do qual depende diretamente o instrumento militar. E isto acontece, seja pela
26
Bachelet V., Disciplina militare e ordinamento giuridico statale, Milão, 1962, 191 ss..
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 241
Giuseppe de Vergottini
Em primeiro lugar, destaca-se o papel do Ministro da Defesa.
Referindo-se aos princípios fixados pela legislação e, em particular, à Lei 25/1997, que
confere ao Ministro a competência para decidir matérias de defesa e de segurança, poder-se-ia, à
primeira vista, entender que se espera do próprio Ministro a adoção das regras. E isso porque o
art. 1º, parágrafo 1º, letra b atribui ao Ministro a competência de adotar “diretrizes a respeito da
política militar”27. Se assim fosse, a proposta do órgão militar levaria em conta os conjuntos de
regras das Nações Unidas, da OTAN ou da União Européia, com as oportunas adequações e,
em seguida, seria o momento da decisão ministerial.
Mas esta leitura da norma parece um pouco apressada, visto que não leva em consideração a
específica e pontual reserva de competência que a lei confere a favor do Chefe de Estado Maior
da Defesa, em relação à decisão de “emprego” das Forças Armadas. O poder de diretriz de que 241
trata o art. 1º da lei refere-se, portanto, ao poder geral organizativo e funcional que cabe ao
Ministro para regulamentar a política militar, conceito este que implicaria a definição de escolhas
políticas mais amplas, e não a específica determinação ligada ao emprego do aparato militar.
Na verdade, a praxi italiana prevê a utilização da competência decisória do Chefe do Estado
Maior de Defesa e comporta, portanto, a predisposição das regras no plano dos
órgãos militares, assim como a instauração de um procedimento de colaboração entre a cúpula
27
Sobre as competências de endereçamento do Ministro e sobre a successão entre o endereçamento do conselho dos ministros/endereçamento ministerial
em matária decisional a respeito da política militar, conferir Bonetti P., Ordinamento della difesa nazionale e costituzione italiana, Milão, 2000, 54 ss..
militar e o Ministro, a apresentação de uma proposta de texto ao Ministro que não o adota
formalmente em caso de aceitação do mesmo decreto, limitando-se a acatar o ato, sendo
praticada exclusivamente a faculdade ministerial de requerer um reexame ou eventuais variações.
Caso contrário, seria uma aprovação somente implícita.
De qualquer forma, o fato que o Ministro não use a faculdade de requerer um reexame e a
relativa vontade de não interferir na discricionariedade do órgão militar não exclui sua
responsabilidade política em sede parlamentar a respeito das questões que se refiram à atuação
das regras. De fato, não seria configurável tal responsabilidade a cargo do órgão técnico,
permanecendo, inevitavelmente, inerte a do órgão político.
Ao fim do procedimento, o Chefe do Estado Maior transmite as ROE ao nível operativo e
estas se tornam imediatamente executáveis.
Quanto à passagem em sede parlamentar, a praxi é incerta, pelo fato de que nunca se traz ao
conhecimento das câmeras o texto orgânico das regras. Ao contrário, nas comunicações
governativas que precedem a resolução em comissão, às vezes é feita somente menção às regras
mais importantes, ou melhor, a alguns de seus conteúdos, a fim de assegurar às Câmeras o
respeito ao princípio da garantia da correspondência das mesmas e aos princípios do
ordenamento italiano ou internacional.
reconhecendo que, não é possível oferecer a ela uma qualificação unívoca na qual venha
conjugado o perfil da determinação política e aquele da decisão administrativa.
Na realidade, parece ser mais coerente com a natureza de instituto uma cisão entre o
momento no qual os órgãos políticos dotados de poder de endereçamento exprimem as próprias
decisões do momento no qual os órgãos técnico-militares, utilizando o poder de direção próprio do
nível hierárquico superior, transmitem as regras de engajamento aos seus subordinados. Ainda que
não seja fácil separar com precisão os diversos momentos da intervenção, manifestados em uma
sucessão de fase procedimental, que partem do nível politico, com divisões nacionais e
internacionais, para alcançar o nível militar, pareceria correto individualizar, sempre tendo
conceitualmente distinta, no instituto da ROE globalmente considerado, a dupla natureza, política
e administrativa. As escolhas de endereçamento político acabam por encontrar-se na decisão
parlamentar sob iniciativa governativa para dar prosseguimento à missão, e em base aos poderes
atribuídos ao Ministro da Defesa, de adotar como suas, as diretrizes político-administrativas, em
relação ao uso do instrumento militar, transmitindo essas diretrizes ao Chefe do Estado maior de
Defesa, conforme estabelecido na resolução Ruffino (par. 6). Em nível organizativo militar,
242 desenvolve-se a fase preparatória das regras destinadas às missões, à qual segue o entrelaçamento
de operações de colaboração, voltadas para conseguir a aprovação do Ministro e, então, a
determinação do órgão responsável pela decisão de emprego do instrumento militar, isto é, do
Chefe do Estado Maior e de Defesa. A conexão entre, as competências ministeriais e as
competências da cúpula militar, emana da clara disciplina da Lei 25/1997, já citada. Em sentido
próprio, portanto, as regras são um ato administrativo, de competência da cúpula militar. Elas são
expressão do poder de direção ligado à sua posição hierárquica, parecem reconduzíveis à
tradicional figura geral da “voz de comando”. A partir da conexão da “voz de comando” com a
esfera de decisão política e, em particular, com a tutela dos supremos interesses do estado, deriva,
entre outras coisas, a impossibilidade de submeter as ROE à sindicância do juiz administrativo,
segundo a disciplina do ato político prevista no art. 31, do TU de 26 de junho 1924, n. 1054. E, na
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 243
verdade, existem pressupostos para subtrair ao ato a sindicância do juiz, do momento que o ato
provêm de órgãos predispostos ao nível mais alto de gestão dos interesses estatais (perfil
subjetivo), e diz respeito à salvaguarda dos poderes públicos (perfil objetivo), como especificado
pela jurisprudência (Conselho de Estado, Sessão IV, 12 de março de 2001, 1397)28.
Uma vez reiterado que as ROE são vinculáveis ao poder de direção ligada à voz de comando
hierárquica, não se pode ignorar que, no seu âmbito podem-se encontrar diferenças do ponto de
vista da individualização dos conteúdos da “voz de comando” e do grau de conhecimento para
os destinatários.
Na realidade, não se pode excluir que no mesmo texto algumas prescrições tenham natureza
estreita, a exemplo da proibição de comportamentos lesivos para a população civil, enquanto
outros têm natureza mais elástica, como aqueles relativos à modalidade de reação em caso de
comportamentos hostil por parte do potencial agressor. O conteúdo da parte dispositiva do ato
articula-se, de fato, em proibição e autorização em relação aos comportamentos a serem seguidos.
Os primeiros, por definição, implicam cogência, os segundos possuem poder de ação e, portanto,
em sentido próprio, são expressão de discricionariedade permita ao sujeito chamado a cumprir o
ato. Neste último caso, as ROE expressariam uma diretriz que contém uma prescrição relativa aos
objetivos a serem perseguidos, mas, tendencialmente, pressuporiam um certo grau de
discricionariedade do sujeito chamado a segui-la. Sabendo que a situação no campo pode ser
extremamente mutável, e como seja oportuno deixar a quem opera a avaliação requerida sobre
quão critico é o momento, falar de diretriz no sentido técnico29, parece ser totalmente apropriado.
Giuseppe de Vergottini
243
28
Sobre o qual, em geral, ver Cerulli Irelli V., Corso di diritto amministrativo, Torino, 1997, 380 ss..
29
Para uma síntese sobre as diretrizes, conferir, por exemplo: Catelani E., voce Direttiva (dir. Amm.), in Dizionario di diritto pubblico, III, Milão, 2006,
1854 ss..
I - Considerações iniciais
difusão de um ideal não dependem nem de sua beleza, nem de sua grandeza, mas sim de sua
conformidade com a vida.”
Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, à época em que dirigiu a pasta o eminente
Ministro Joaquim Pedro Salgado Filho, cita sua rica experiência à frente das Comissões criadas
pelo clarividente gaúcho, compostas por empregados e empregadores, e incumbidas de elaborar
o anteprojeto da agora codificada Consolidação das Leis do Trabalho.
Procurou-se, então, nada mais que dar forma legal e sistematizada às sugestões colhidas com
base em nosso direito costumeiro.
Todavia, ao contrário do que ocorreu naquela ocasião, o mestre chama nossa atenção para a
constante tendência dos constituintes, congressistas e dirigentes pátrios em elaborarem e
promulgarem leis que seriam válidas para qualquer outro povo (suíço, alemão, inglês), menos para
o brasileiro.
Aí se manifesta o idealismo utópico, na medida em que nossos verdadeiros problemas
permanecem despercebidos ou ignorados.
No tocante à sempre presente preocupação com o correto equacionamento da problemática
crime x castigo, trazemos à colação algumas idéias do consagrado mestre Antônio Beristain, em
recente obra editada pela UnB (Nova Criminologia à Luz do Direito Penal e da Vitimologia), quando,
sob o título “Epistemologia Criminológica: Da Retaliação ao Perdão”, afirma: “A história
sociológica e a filosofia jurídica ensinam que sem sanções penais resulta impossível a convivência,
ao menos nos tempos historicamente conhecidos e na atualidade. Talvez e oxalá, as próximas
gerações possam prescindir da Sanção Penal. Nossa geração não pode evitar as penas como
resposta a certos delitos.”
244 E, mais adiante, prossegue o mestre: “Entretanto, esta necessidade de defender-nos aplicando
sanções penais não significa, ou não deve significar, que os delinqüentes tenham de ser
encarcerados entre quatro paredes para castigá-los com o intuito unicamente vingativo, sem
gastar um minuto para sua integração na sociedade.”
As idéias e citações mencionadas, mormente aquelas relativas à necessidade de se ter presente
nossa realidade, o tempo social atual e, neste caso, as particularidades inerentes à caserna,
constituem pré-requisitos indispensáveis para a correta abordagem da matéria e, sobretudo, para
a compreensão da forma como se aplica o Princípio da Insignificância nesta Justiça
Especializada.
Em razão disso e tendo em vista o pouco conhecimento a respeito da Justiça Militar, não raro
constatado entre os próprios operadores do direito e até entre os Magistrados, parece-nos
oportuno, “a priori”, efetuar uma breve incursão nesse campo.
1 - Breve histórico
Para melhor compreensão da matéria, cabe principiar sua abordagem através de um breve
histórico para, a partir das origens mais remotas, verificarmos quando e como foi criada no Brasil
e como se apresenta atualmente nossa Justiça Militar.
Os compêndios de História registram nítidas evidências de que, em passado longíquo, alguns
povos ditos civilizados possuíam noção de delitos tidos como militares que, não raro, eram
julgados pelos próprios militares. Em diferentes épocas, isso ocorreu na Índia, em Atenas, na
Pérsia, na Macedônia e em Cartago.
Certo é que, aproximadamente 2.100 anos A.C., fatos caracterizados hoje como crimes
militares eram tipificados no Código de Urnammu, a mais antiga lei escrita conhecida. Como
se recorda, Urnammu foi o fundador da III dinastia de Ur, na Mesopotâmia. Naquela época,
não havia uma jurisdição militar, cabendo ao Rei conhecer e decidir a respeito da prática
daqueles atos ilícitos.
Também o código de Hamurabi, sexto rei da Babilônia (1728/1686 A.C.), que governou por
43 (quarenta e três) anos, continha normas de caráter militar.
O mesmo acontecia em relação às antigas leis assírias e egípcias.
A primeira fase corresponde à época dos reis, período em que os monarcas absorviam tudo,
mesmo porque não havia diferenciação entre órgãos e funções. Assim, todo o Poder, inclusive o
de julgar, competia ao Rei.
Tal fato revela-se coerente com tradições de outros países, porquanto àquela época os reis
normalmente eram os comandantes de seus exércitos e, dessa forma, participavam dos combates.
A segunda fase ocorreu no período dos Cônsules, que exerciam o denominado “imperium
majus”, ou seja, enfeixavam o poder de julgar todos os cidadãos qualquer que fosse o tipo de
delito praticado. Logo abaixo dos Cônsules situavam-se os Tribunos Militares, misto de
magistrados e comandantes que exerciam o chamado “imperium militae”.
Na terceira fase, à época de Augusto, a Justiça Militar era de responsabilidade dos prefeitos
do pretório, cuja jurisdição revelava-se bastante ampla, sendo limitada apenas no tocante à
competência relativa aos eventuais delitos praticados por oficiais superiores.
A quarta fase, na qual aconteceram as maiores modificações, corresponde à época de
Constantino. Tais alterações destinaram-se a refrear a grande força política da milícia romana.
O Princípio da Insignificância na Justiça Penal Castrense
No que respeita à evolução da Justiça Militar no Brasil, vamos abordar dois aspectos: o
primeiro relativo à legislação aplicável em diferentes épocas e o segundo referente à sua
A última dessas Ordenações, as Filipinas, editada em 1603, perdurou por mais de dois séculos
em Portugal e vigorou no Brasil até 1916, pelo menos no tocante ao seu livro 4º, só revogado
com a edição do Código Civil, enquanto que na área penal vigorou até 1830, ou seja, por 227
anos.
Feitas essas considerações de caráter histórico e necessárias para melhor compreensão da
matéria, diríamos que no Brasil Colônia, no tocante à legislação Penal Militar, vigoraram dois
diplomas legais: as Ordenações Filipinas e os Artigos de Guerra do Conde Lippe.
Sobre as Ordenações não se faz necessário qualquer outro comentário nesta ocasião.
Quanto aos Artigos de Guerra do Conde Lippe, esclareça-se, por oportuno, tratar-se de
legislação inspirada nos artigos de guerra da Alemanha que, de seu turno, derivavam daqueles de
Gustavo Adolfo da Inglaterra, datados de 1721.
O Conde Lippe, na realidade um Oficial de Artilharia do Exército Alemão, foi cedido pela
Inglaterra a Portugal, atendendo a solicitação do Marquês de Pombal, com o propósito de que
aquele oficial ajudasse a reorganizar o Exército Português. Ali galgou o posto de Marechal-
O Princípio da Insignificância na Justiça Penal Castrense
General em 1762.
Num total de 29, os Artigos de Guerra do Conde Lippe previam penas bastante severas, seja
para as transgressões disciplinares, seja, principalmente, para os delitos propriamente ditos.
Entre essas penas citam-se: o arcabusamento (corresponde ao fuzilamento), o
enforcamento, pancadas com prancha de espada e outras mais brandas, como trabalhar nas
fortificações.
Embora prevendo esses tipos de penas, sendo considerados famigerados no sentido de então
(famosos) e no sentido atual do termo, compreende-se a existência de legislação tão draconiana
à luz dos problemas de toda ordem existentes à época.
No período do Império (1808 a 1889), releva destacar, entre outros, a edição de dois diplomas
legais: o Código Criminal do Império de 1830 e a Provisão de 20 de outubro de 1834. O primeiro,
em seu artigo 308, dispunha que aquele código não abrangia os crimes puramente militares,
punidos na forma da respectiva Lei, fato que, de certa forma, implicava referendar os Artigos de
Guerra do Conde Lippe e as Ordenações Filipinas.
Já a Provisão de 1834 separava os crimes militares praticados em tempo de Paz daqueles
relativos à época de Guerra.
Observe-se que a Legislação existente ao tempo do Império era abundante, porém confusa.
Com o advento da República, proclamada em 15 de novembro de 1889, ocorreram notáveis
progressos no tocante à legislação penal militar. Logo no dia imediato, em razão da edição do
Dec. Nº 03, de 16 de novembro de 1889, eliminaram-se os castigos corporais na Marinha.
Em 1891, pelo Dec. nº 18, de 07 de março, aprovou-se o Código da Armada.
Alguns anos após, a Lei nº 612, de 1899, ampliou para o Exército a aplicação dos dispositivos
248 legais contidos no Código da Armada.
Posteriormente, através do Decreto-Lei nº 2961, de 20 de janeiro de 1941, estendeu-se a
aplicação daquele Código à recém-criada Aeronáutica.
Em 24 de janeiro de 1944, por intermédio do Decreto-Lei nº 6227, aprovou-se o primeiro
Código Penal Militar Brasileiro.
Finalmente, aos 21 de outubro de 1969, através do Decreto-Lei nº 1001, foi editado o atual
Código Penal Militar, que vigora desde 1º de janeiro de 1970.
Na mesma data (21 de outubro de 1969), foi aprovado o atual Código de Processo Penal
Militar, pelo Decreto-Lei nº 1002.
Releva sublinhar que o Código Penal Militar editado em 1969 trouxe importantes inovações,
consideradas bastante avançadas para aquela época. Entre outras citam-se as seguintes:
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 249
A composição daquela Corte está prevista no art. 123 da Constituição Federal, onde se lê:
“O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre Oficiais-Generais da
Marinha, quatro dentre Oficiais-Generais do Exército, três dentre Oficiais-Generais da Aeronáutica,
todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.
Parágrafo Único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República, dentre brasileiros
maiores de trinta e cinco anos, sendo:
I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva
atividade profissional;
II - dois, por escolha paritária, dentre Juízes-Auditores e membros do Ministério Público da Justiça
Militar.”.
Essa composição constitui o chamado escabinato ou escabinado e revela-se de inequívoca
importância para apreciação e julgamento dos feitos de sua competência, pois permite aliar a
experiência de chefes militares que atingiram o ápice das respectivas carreiras, acumulando mais
O Princípio da Insignificância na Justiça Penal Castrense
de quarenta anos de vida na caserna, com o inegável conhecimento jurídico dos Ministros Civis.
O STM tem jurisdição em todo o território nacional.
No que respeita à competência, cabe ao Superior Tribunal Militar processar e julgar
originariamente Oficiais-Generais, pedidos de Habeas Corpus, Mandados de Segurança e outras
ações.
Compete-lhe, também, julgar Embargos, Apelações, Conflitos de Competência, Pedidos de
Desaforamento, Correições Parciais e outros feitos.
Em relação à primeira instância, destaque-se a existência de doze Circunscrições Judiciárias
Militares. Em cada Circunscrição Judiciária Militar funciona uma Auditoria, à exceção da
Primeira, sediada no Rio de Janeiro, que dispõe de quatro, da Segunda (São Paulo) que dispõe de
duas, e da Terceira CJM, sediada em Porto Alegre, que conta com três, sendo uma em Porto
Alegre, outra em Santa Maria e outra em Bagé.
Fazendo um paralelo, é lícito dizer que as Auditorias correspondem às Varas da Justiça Federal
e da Justiça Comum.
As áreas territoriais de jurisdição das Circunscrições Judiciárias Militares correspondem às
áreas das diversas Regiões Militares do Exército Brasileiro.
Além das Auditorias que integram as Circunscrições Judiciárias Militares, existe uma Auditoria
de Correição, sediada em Brasília, a cujo Juiz-Auditor Corregedor compete a responsabilidade de
efetuar, mediante planejamento aprovado pelo Superior Tribunal Militar, a correição das
atividades das diversas Auditorias. Sua vigilante atuação lhe permite representar ao STM para
sanar erros in procedendo, eventualmente detectados na Primeira Instância.
A cada Auditoria corresponde um Juiz-Auditor e um Juiz-Auditor Substituto, ambos, em tese,
250 com idênticas atribuições judicantes.
Além disso, contam as Auditorias com cartórios, secretarias e pessoal necessário a fornecer-
lhes o indispensável apoio na área jurídica e administrativa.
Junto às Auditorias, atuam representantes do Ministério Público Militar que exercem na
plenitude suas atribuições, funcionando como “custus legis”, ou seja, como fiscal do cumprimento
da lei, e como “dominus litis”, nesse caso como parte na relação processual, ofertando a denúncia
e praticando os demais atos processuais como autor da Ação Penal.
Ali labutam, também, Advogados e Defensores Públicos. Registre-se, por oportuno, que a
Justiça Militar detém a primazia da iniciativa da criação da Defensoria Pública e da designação de
defensores dativos para assistirem àqueles que não têm condições financeiras para constituir
Advogados.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 251
A atuação da Polícia Administrativa tem por finalidade a fiscalização da licitude dos atos
administrativos necessários à gestão do patrimônio das diversas organizações militares.
A Polícia Judiciária Militar é a que nos interessa mais diretamente, porquanto através dela os
Comandantes, Chefes e Diretores exercem as atribuições que lhes são cominadas, em razão de
dispositivos legais contidos no Código de Processo Penal, correlacionadas com a apuração dos
crimes militares e sua autoria e de outras importantes atividades.
Assim, o exercício do Poder de Polícia Judiciária implica a prática de vários atos por parte dos
Comandantes, conforme especificado na Lei Adjetiva Castrense, tais como a instauração de
Inquéritos Policiais Militares.
A eficaz atuação da Polícia Judiciária Militar, em todos os níveis de Comando, constitui um
dos fatores que permitem o célere funcionamento da Justiça Militar, seja fornecendo ao
Ministério Público Militar os elementos indispensáveis para o oferecimento da denúncia, seja
obedecendo determinações judiciais ou realizando diligências e outras atividades, como o
cumprimento de mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar.
O Princípio da Insignificância na Justiça Penal Castrense
1 - Conceito
2 - Origem
1 - Previsibilidade legal
Entre essas inovações, pontificam as constantes dos seus artigos 209, parágrafo 6º, e 240,
parágrafo 1º.
Tais dispositivos prevêem, “in verbis”:
“Art. 209 Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
§ 6º No caso de lesões levíssimas, o Juiz pode considerar a infração como disciplinar.”
“Art. 240 Subtrair, para si ou outrem, coisa alheia móvel:
1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o Juiz pode substituir a pena
de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1 a 2/3, ou considerar a infração como disciplinar.
Entende-se pequeno o valor que não exceda a 1/10 a quantia mensal do mais alto salário
mínimo do país.”
Preconizam alguns mestres do direito, entre os quais desponta o eminente professor Luiz
Flávio Gomes, que esses dispositivos constituem exceções ao não reconhecimento normativo
explícito do Princípio da Insignificância em nosso ordenamento jurídico.
À luz das sutis diferenças que distinguem o Princípio da Insignificância do Princípio da
O Princípio da Insignificância na Justiça Penal Castrense
Irrelevância Penal do Fato, “data venia”, a nosso sentir, o primeiro desses dispositivos (Art. 209, §
6º, do CPM), em alguns casos, ajusta-se como uma luva ao Princípio da Insignificância, pelo
desvalor do resultado, enquanto que o segundo (Art. 240, § 1º, do mesmo Codex) melhor se
identifica com o Princípio da Irrelevância Penal do Fato, uma vez que, além do desvalor do
resultado, exige-se, também, a primariedade do agente.
Releva sublinhar, todavia, que ambos dispositivos não permitem, a “priori”, considerar atípica
a conduta do agente, de modo a autorizar o arquivamento do IPM ou APF e o conseqüente não
recebimento da denúncia, como deveria ocorrer se reconhecida, em sua maior amplitude, a
incidência do Princípio da Insignificância.
2 - Regulamentos disciplinares
A correta aplicação dos Regulamentos Disciplinares de nossas Forças Armadas, por si só,
permite evitar que o cometimento de determinados delitos de bagatela, em muitas circunstâncias,
implique submeter o agente ao constrangimento de ser alvo de uma ação penal na Justiça Castrense.
Isto ocorre porquanto a transgressão disciplinar representa sempre um “minus” em relação à
infração penal.
Na prática, para que isto aconteça, há que se prestigiar, há que se fortalecer a autoridade e a
autonomia dos Comandantes.
A título exemplificativo, examinaremos alguns dispositivos do Regulamento Disciplinar da
Aeronáutica.
Vejamos, inicialmente, os artigos 8º e 9º:
254 “Art. 8º Transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como
tal classificada nos termos do presente Regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa
mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar.”
“Art. 9º No concurso de crime militar e transgressão disciplinar, ambos de idêntica natureza,
será aplicada somente a penalidade relativa ao crime.
Parágrafo único. A transgressão disciplinar será aplicada para efeito de punição, quando
da absolvição ou da rejeição da denúncia na Justiça.”
Vale, ainda, transcrever alguns dispositivos do Art. 10, onde se prevê:
“Art. 10 São transgressões disciplinares quando não constituem crime:
4 - deixar de observar as regras de tráfego aéreo;
21 - dirigir-se ou referir-se a superior, de modo desrespeitoso;
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 255
3 - Aplicabilidade
A – Cautelas
Devido às peculiaridades da Justiça Penal Castrense, alguns autores, como Jorge Alberto
Romeiro e Ricardo Brito de Freitas, entendem que a aplicação do Princípio da Insignificância
nesta Justiça especializada exige extrema cautela.
B - Inaplicabilidade
4 - Jurisprudência
Como se afirmou, exige-se ter cautela no que tange à aplicação do Princípio da Insignificância
na Justiça Penal Castrense. A jurisprudência que se vai consolidando no STM e no Excelso
Pretório corrobora a assertiva de que se deva fazê-lo de forma restritiva, levando-se em conta as
peculiaridades da Justiça Militar.
À guisa de exemplo, trazemos à colação alguns julgados.
256 Apelação (FO) 2004.01.049822-2 - PA
Ementa: Lesão Corporal Levíssima – Art. 209, § 6º, do CPM
Caracteriza-se como levíssima a lesão que não deixa seqüela no ofendido, devendo aplicar-se o Princípio
da Insignificância. Em se aplicando o § 6º do Art. 209 do CPM, considerar-se-á a infração como
disciplinar.
Embora o acusado não pertença mais ao serviço ativo da Aeronáutica, o tempo de nove dias que ficou
preso é suficiente para considerar reparado administrativamente o dano causado. Apelo Ministerial
improvido.
Decisão Unânime.
Ministro Relator – Dr. Olympio Pereira da Silva Júnior
Ministro Revisor – Alte Esq Marcos Augusto Leal de Azevedo
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 257
5 - Conclusão
A elaboração das leis deve fundamentar-se na realidade fática, no tempo social vivenciado
pelo povo, afastando-se o idealismo utópico, de que nos fala Oliveira Vianna.
Embora não se possa evitar a aplicação de penas como resposta a determinados delitos, isto
não equivale a encarcerar os delinqüentes com propósito meramente vingativo.
Ao buscar a melhor compreensão da matéria, incursionamos brevemente, na Justiça
Castrense da União, recordando as origens do direito penal militar, sua evolução nas civilizações
clássicas, com ênfase na antiga Roma, passando pela Idade Média e atingindo o período de
dominação da Península Ibérica pelos visigodos.
Examinamos o surgimento dos primeiros diplomas legais em Portugal por meio das Forais
e posteriormente das Ordenações, constatando que as últimas, as Filipinas, vigoraram por mais
de duzentos anos, e no Brasil, no tocante ao Direito de família, até 1916, quando se editou o
Código Civil.
O Princípio da Insignificância na Justiça Penal Castrense
Quanto à sua origem, cabe recordar que paira controvérsia. De um lado alguns autores, com
espeque na máxima “minima non curat praetor”, atestam sua existência no Direito Romano. Outros,
baseados no mesmo brocardo, atribuem-na aos humanistas.
Pondo de lado essa controvérsia, fato é que, há alguns anos, inúmeros autores vêm
preconizando sua restauração. Entre esses alinham-se Carrara, Von Liszt, Roxim, Zaffaroni e
outros.
Em que pese a validade dos argumentos dos renomados mestres, verdade é que o Princípio
da Insignificância não conta com o reconhecimento formal em nosso direito positivo.
A exceção à regra deve-se ao Código Penal Militar, como sublinha o Professor Luiz Flávio
Gomes, citando o art. 209, § 6º, e o art. 240, § 1º, desse Codex.
Não obstante, ao cogitar da aplicação do princípio em tela, há que se atentar para diversos
aspectos entre os quais sobressaem as peculiaridades da caserna, com ênfase na hierarquia e na
disciplina, valores essenciais à organização e à própria sobrevivência das Forças Armadas.
Deve-se observar, também, que, além do Código Penal Militar, existem outros dispositivos
legais aplicáveis aos militares, entre os quais sobressaem os Regulamentos Disciplinares de cada
uma das Forças Armadas.
A correta aplicação dos Regulamentos Disciplinares, de per si, permite evitar que o
cometimento de determinados atos, que poderiam ser considerados delitos de bagatela, implique
submeter o agente ao constrangimento de ser alvo de uma Denúncia em juízo, ou da instauração
de uma Ação Penal.
Devido a essas circunstâncias e sobretudo às peculiaridades da Justiça Penal Castrense, alguns
autores, como Jorge Alberto Romeiro e Ricardo Brito de Freitas, entendem que a aplicação do
Princípio Insignificância nesta Justiça Especializada exige extrema cautela.
Esse entendimento baseia-se no fato de que a hierarquia e a disciplina, bens jurídicos por ela
tutelados, não podem ser vulnerados.
Fontes Bibliográficas
1. LOUREIRO NETO, José da Silva - DIREITO PENAL MILITAR. São Paulo: Editora
Atlas, 3ª edição.
260
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 261
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
As Forças Armadas são constituídas pelas três Armas, a saber: a Marinha, o Exército e a
Aeronáutica, sendo os maiores contingentes aqueles do Exército. São instituições nacionais
permanentes e regulares, vale dizer, seus membros não são convocados nem seus órgãos
organizados apenas em momentos de comoção interna ou de conflito externo.
As características maiores das Forças Armadas são a rígida disciplina e a hierarquia rigorosa,
não cabendo a seus integrantes qualquer veleidade opinativa contra as determinações ou as
pessoas de seus superiores, mesmo após estarem na reserva. Em outras palavras, os oficiais da
reserva não podem fazer críticas aos oficiais da ativa, podendo ser punidos.
À evidência, tal extensão não atinge o serviço militar obrigatório, visto que as pessoas que
prestaram serviço militar na condição de convocados não pertencem às forças regulares e, por
essa razão, após deixarem o Exército, a Marinha ou a Aeronáutica, são livres no externar suas
críticas e seus pontos de vista.
Quem comanda as Forças Armadas é o Presidente da República. É a autoridade suprema.
Todos os comandantes das três Armas, assim como o Ministro da Defesa, são-lhe subordinados,
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e
Superior de Guerra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária - CEU.
Nesse caso, as Forças Armadas são convocadas para garantir a lei e a ordem, e não para
rompê-las, já que o risco de ruptura provém da ação de pessoas ou entidades preocupadas em
desestabilizar o Estado.
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no
emprego das Forças Armadas.
As normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e emprego das Forças
Armadas devem ser veiculadas por lei complementar.
A lei do serviço militar é de 1964 (Lei n. 4.375, de 17-8-1964) e seu regulamento data de 20-
1-1966, tendo sido veiculado pelo Decreto n. 57.684.
Por outro lado, a Lei n. 8.239/91 cuida de aspectos referentes às Forças Armadas, mas não é
a lei a que se refere o § 1 º.
A Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999, é aquela a que se refere o constituinte e
que cuida da organização, preparação e emprego das Forças Armadas.
É de se lembrar que, pela Emenda Constitucional n. 23/99, foi criado o Ministério da Defesa
para conjugar as três Armas.
Nada obstante o constituinte ter colocado o verbo estabelecer no futuro, a organização das
Forças Armadas já estava disciplinada antes da Lei Complementar n. 97, de acordo com a
legislação então em vigor.
O mesmo se diga quanto ao preparo das Forças Armadas. As Academias militares não só
As Forças Armadas na Constituição Federal
estão organizadas com um currículo de formação dos seus aspirantes como mantêm cursos
superiores, como ocorre com a Marinha (Escola de Guerra Naval), a Aeronáutica e o Exército
(Escola do Comando e Estado Maior do Exército).
É de se lembrar que toda a preparação militar até 1955 – e a Escola do Comando e Estado
Maior do Exército tem noventa anos – era copiada de países como França, Inglaterra e
Estados Unidos. A partir daquele ano, passou a Escola de Comando e Estado Maior do
Exército a desenvolver suas próprias teorias de comando e de preparo, hoje seguidas por
diversos países da América Latina, que enviam seus oficiais a assistirem a cursos pela Escola
ministrados.
Por fim, o emprego das Forças Armadas, isto é, as hipóteses em que seus contingentes devem
ser utilizados, também já estava regulado por legislação pretérita recepcionada.
É de se lembrar que o constituinte optou pela lei complementar a fim de que a maioria do
Congresso decida. Altamente influenciada pelas correntes ideológicas de esquerda e composta
por parlamentares ainda receosos da Revolução de 1964, a que se opuseram até por meio de
guerrilhas, tendo sido exilados, a constituinte preferiu adotar um veículo legislativo que exija
quorum qualificado para subordinar o perfil jurídico das Forças Armadas inteiramente à
definição do Legislativo.
262 § 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
O habeas corpus é uma das grandes conquistas do direito penal. Houve tempo em que era
utilizado para gerar, inclusive, os mesmos efeitos que o mandado de segurança. Na Constituição
de 1891, os dois remédios extremos foram criados para evitar abusos e arbitrariedades
autoridades, o primeiro garantindo o direito de ir e vir, e o segundo, quaisquer outros direitos não
garantidos pelo habeas corpus. Foram chamados “remédios heróicos”, e sua integração no
sistema jurídico é um dos sintomas da existência do regime democrático.
À evidência, o maior direito do homem depois da vida é a liberdade, razão pela qual há
doutrinadores que, reconhecendo a importância do mandado de segurança, cujos primeiros
antecessores datam da Renascença, dão maior relevância ao habeas corpus, visto que é ele que
garante o direito de ir e vir às pessoas.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 263
Não é argumento definitivo, mas relevante, que sua enunciação na Constituição Federal surja
antes daquela do mandado de segurança, estando os incs. LXVIII, LXIX e LXXII do art. 5°
assim redigidos:
“LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por
habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
LXXII conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros
ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo”.
Tendo essa importância, é de se perguntar por que, em relação às punições disciplinares
militares, não caberia habeas corpus.
De início, pela escolha da profissão. Sabem, aqueles que elegem a carreira das Armas, que a
hierarquia e a disciplina são os alicerces da organização das Forças Armadas e que tais hierarquia
e disciplina não permitem que se discutam ordens ou se interpretem, com elasticidade, as
instruções superiores. A carreira das Armas é, fundamentalmente, uma carreira da ordem e da
obediência. Só os militares poderão compreender em profundidade os militares porque têm a
mesma vocação.
Por essa razão, há tribunais próprios para os militares, não sendo, em hipótese alguma,
julgados pela justiça comum, a não ser que cometam crimes comuns fora de suas funções, pois
até estes, se cometidos no exercício da função, serão julgados pela justiça militar.
§ 2.° Aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e a seus pensionistas, aplica-se o
disposto no art. 40, § 7.° e 8°”.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem
a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
(Acrescentado pela EC n. 18, de 5-2-1998.)
O § 3º foi acrescentado pela Emenda Constitucional n. 18, de 1998. O art. 2° da referida
emenda, em seu caput, fez constar o seguinte:
“A Seção II do Capítulo VII do Título III da Constituição passa a denominar-se ‘Dos Servidores
Públicos’ e a Seção III do Capítulo VII do Título III da Constituição Federal passa a denominar-se ‘Dos
Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios’, dando- se ao art. 42 a seguinte redação:...”.
O dispositivo claramente reforça o aspecto diferencial das Forças Armadas em relação aos
participantes das forças de segurança pública, de resto, princípio que já constava do texto de
1988, visto que o “regime constitucional das crises” é dividido em quatro partes (Estado de
Defesa, de Sítio, Forças Armadas e Segurança Pública).
A denominação “militares”, que sempre foi a utilizada para as Forças Armadas, passa a ser
consagrada em virtude de norma constitucional, técnica que rechaça a possibilidade de a lei fazer
constar qualquer outra denominação para identificar os membros das Forças Armadas. São
militares e exclusivamente militares.
O dispositivo faz menção, por outro lado, a dois tipos de normas a que estão subordinados,
As Forças Armadas na Constituição Federal
lembrando-se que não a perdem os oficiais reformados e da reserva que mantêm os títulos e os
postos militares a que chegaram. A Constituição assegura, inclusive, o uso de uniformes das
Forças Armadas em cerimônias oficiais.
O texto constitucional é claro em garantir o uso do uniforme de acordo com a patente, em
tais cerimônias, mesmo aos oficiais da reserva e aposentados, pois não distingue uns e outros, não
podendo a legislação infraconstitucional restringir tal direito. Tenho para mim que a “dicção”
final do dispositivo é dedicada aos oficiais da reserva ou reformados, pois a expressão juntamente
com os demais membros admite a leitura de que tanto os oficiais da reserva ou reformados como
os da ativa podem usar suas patentes, títulos e uniformes, sem limitação.
Pode haver, entretanto, uma segunda leitura, ou seja, a de que os oficiais e os demais
membros, que seriam os soldados e as autoridades inferiores não egressas das Academias
Militares, têm a prerrogativa de usar uniformes militares.
Por fim, apesar de o Presidente da República ser o chefe das Forças Armadas e o ministro da
Defesa dirigir os comandantes militares, se não forem oficiais, não deveriam usar nem os uniformes
nem se auto-outorgarem títulos e postos que são conquistados nas Academias Militares.
II – o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido
para a reserva, nos termos da lei;
(Acrescentado pela EC n. 18, de 5-2-1998.)
O dispositivo vem tornar norma constitucional princípio que já prevalecia na carreira militar.
Essa carreira exige dedicação exclusiva, não podendo ser confundida com as dos demais
servidores públicos da União.
Eu, pessoalmente, posicionei-me contra a criação do Ministério da Defesa, pois o civil que
venha a ocupá-lo conhecerá menos de sua pasta do que qualquer um dos comandantes ou dos
oficiais superiores que galgaram os vários postos da carreira. Quem sabe menos termina
somente poderá, enquanto permanecer nessa situação ser promovido por antigüidade, contando-se-lhe o
tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de 2 (dois) anos
de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;
(Acrescentado pela EC n. 18, de 5-2-1998.)
O inciso III oferta um regime jurídico constitucional mais elástico para a carreira militar.
Se um militar da ativa tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária –
não eletiva –, mesmo que não seja da administração direta, mas sim da indireta, não passará para
a reserva.
Nesse caso, ele ficará agregado ao quadro civil a que estiver servindo, não podendo ser
promovido por merecimento.
Sua promoção dar-se-á exclusivamente por Antigüidade, sendo que o tempo de serviço na
carreira será contado somente para efeitos de promoção e reserva.
Passado o período de dois anos de afastamento, será transferido imediatamente para a reserva.
O afastamento poderá ser contínuo ou não, o que vale dizer, se o militar exercer, em três
momentos de sua carreira, função pública civil, esses períodos serão somados, e quando o
somatório ultrapassar dois anos, será automaticamente transferido para a reserva.
O dispositivo constitucional faz menção a que isso se dará nos termos da lei. Em outras
palavras, é um dispositivo de eficácia contida, na visão de José Afonso da Silva. Se não houver
lei, o dispositivo constitucional será de eficácia plena, passando a ter sua eficácia contida somente
As Forças Armadas na Constituição Federal
Quem escolhe a carreira das armas sabe, de antemão, que não poderá sindicalizar-se, até por
respeito à hierarquia, condição fundamental para que haja ordem e comando nas Forças Armadas.
A greve, em momento de crise institucional ou de ameaça externa, poderia, inclusive, colocar
em risco toda a nação, por falta de defesa.
O princípio constitucionalizado já era, todavia, vivido pelas Forças Armadas, com o que o texto
constitucional apenas o consagrou nesse nível, para eficiência da classe militar e segurança do País.
E a consagração foi útil, visto que o movimento para enfraquecimento das Forças Armadas,
que culminou com a criação do Ministério da Defesa, poderia também ser deflagrado no seio da
gente castrense e terminar em seu enfraquecimento.
A constitucionalização do princípio já vivido pelas Forças Armadas parece-me, pois, de
cautela e relevância.
V- o militar enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos
(acrescentado pela EC n. 18, de 5/2/1998).
A política e a carreira militar são incompatíveis. A missão maior do militar é a de preservar a
pátria contra o inimigo externo. A do político é a de dirigir o País, convivendo com as oposições,
nos regimes democráticos. O militar deve ser neutro em relação à política.
O dispositivo, todavia, objetiva tornar constitucional a vedação aos militares de seguir a
carreira política.
Em verdade, algum receio dos políticos, que hoje são governo, ainda existe em relação aos
militares. O governo, no momento em que redijo este artigo, é um governo de esquerda (Lula),
mas, em relação aos militares, os atuais dirigentes brasileiros, inclusive alguns ministros, foram
perseguidos durante o regime militar (1964-1985).
Esta é a razão pela qual não desejam que os militares participem da política, inclusive tirando-
lhes o “status” de ministros, com o que não participam, sequer, das reuniões ministeriais, sendo
A perda de posto e da patente é sempre uma punição. É que a reforma ou a reserva não
provoca a perda de posto e da patente, conforme determina o inciso 1 do parágrafo em comento.
A dupla perda é uma punição que poderá ocorrer em duas hipóteses, ou seja, se o
comportamento do oficial for considerado indigno com relação à corporação e à sociedade, ou
se for ele incompatível com a maneira de ser da vida militar.
Nitidamente, as duas hipóteses têm relevância diversa, mas acarretam a mesma pena.
Ser julgado indigno pela corporação é pior do que ter uma ação incompatível com a
corporação. A indignidade é comportamento que gera maior repúdio da instituição, embora a
incompatibilidade acarrete a impossibilidade de convivência, mesmo que não seja decorrente de
comportamento indigno. Todo comportamento indigno é incompatível com a corporação, mas
nem todo comportamento incompatível é indigno.
A perda do posto e da patente será decretada pelo Tribunal Militar permanente, cuja
competência constitucional está no capítulo Do Poder Judiciário (arts. 122 a 124).
O direito à ampla defesa, expresso no art. 5.°, LV, assim como ao devido processo legal
(inciso LIV), e o de não ser considerado culpado senão com o trânsito em julgado da decisão
(inciso LVII) garantem ao acusado a certeza de que terá todos os meios para demonstrar sua
inocência, se realmente inocente for.
Em tempo de guerra, não será o Tribunal Militar permanente que examinará o
comportamento do oficial acusado, mas um tribunal especial criado para enfrentar os
As Forças Armadas na Constituição Federal
imprevistos da guerra. E tais tribunais têm regras próprias para decidir, pois suas
decisões devem ser rigorosas e exemplares. Nem por isso os princípios que garantem a
ampla defesa poderão ser afastados.
VII – o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a 2 (dois)
anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior,
(Acrescentado pela EC n. 18, de 5-2-1998.)
A pena maior a que pode ser submetido o militar de carreira é aquela do inciso anterior, ou
seja, a perda da patente e do posto por condenação do tribunal militar permanente, em tempo
de paz, ou especial, em tempo de guerra.
Apenas em casos de falta gravíssima, portanto, podem os militares de carreira perder suas
patentes e postos.
A hipótese do inciso VII é de menor gravidade, se a pena privativa de liberdade for inferior
a dois anos, visto que não serão acionados os tribunais militares para a imposição da pena da
perda das insígnias militares a que se refere o inciso VI.
Pressupõe-se que a pena privativa de liberdade inferior a dois anos ou até dois anos implique
falta que, mesmo que imposta pela Justiça Militar – pode ser imposta pela justiça comum –, não
seria de tal monta e importância a ponto de levar o condenado à perda da patente ou cargo, a
268 não ser que configurando casos de incompatibilidade e indignidade para com a corporação.
No momento, entretanto, em que a pena imposta pelo tribunal militar ou civil superar dois
anos, tendo a sentença transitado em julgado, cria-se uma terceira hipótese para a possibilidade
de perda do cargo ou da patente, a ser decidida pelo tribunal permanente ou especial, sempre
com ampla defesa assegurada.
É de se ressaltar que o parágrafo não se refere às hipóteses de “compatibilidade” ou
“indignidade”, mas apenas de condenação superior a dois anos, porque a
“incompatibilidade” ou “indignidade” podem ocorrer sem qualquer condenação
anterior e sem que haja a caracterização de um crime comum ou punível com a perda de
liberdade. Não será fácil, todavia, encontrar atos de indignidade e incompatibilidade que
não impliquem, também, crimes comuns ou militares.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 269
Refere o constituinte ainda que a lei explicitará direitos, deveres, remuneração, prerrogativas
e as situações especiais da vida militar, em face da peculiaridade de suas atividades, neles incluindo
aquelas decorrentes de compromissos internacionais ou de guerra eventual.
Todos os itens referidos no dispositivo já constavam de inúmeros outros espalhados pelas
duas leis e regulamentos militares, estando, todavia, na dicção atual, como garantias e direitos a
serem regulamentados, inclusive para adaptação às Emendas Constitucionais n. 19
(administrativa) e 20 (previdência).
A constitucionalização do dispositivo tem sua razão de ser na medida em que a classe militar
difere da dos demais servidores públicos civis, mesmo daqueles vinculados a carreiras técnicas,
como magistratura e diplomacia, cujo nível de conhecimento tem de ser mais especializado e
muitas vezes superior ao da maioria das carreiras públicas.
É de se lembrar que a carreira militar exige um duplo grau de preparação (físico e intelectual),
que não é próprio das duas outras carreiras, só formadas por intelectuais.
Como professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, onde ministro
anualmente aula sobre a conjuntura política e econômica, conheço o nível dos coronéis que
participam desses cursos – ficam um ano dedicando-se a uma formação abrangente sobre
estratégia política econômica e social –, razão pela qual entendo que a conformação jurídica da
carreira deva ser diferenciada, o que parece ter representado a intenção do constituinte na
elaboração do dispositivo em comento.
As Forças Armadas na Constituição Federal
Poder-se-á, a tais pessoas que aleguem os imperativos previstos neste parágrafo, assegurar
serviços que não impliquem, de imediato, a utilização de armas, mas é de se lembrar que, se
necessário, terão de lutar, em momento de exigência máxima, como na invasão do território por
tropas estrangeiras.
Não se considera tempo de guerra a colaboração do País para com a ONU objetivando
auxiliar a manutenção da paz em outros países, nem entrou o Brasil em tempo de guerra ao
assinar a resolução daquele organismo que reconheceu o conflito com o Iraque.
§ 2º As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos,
porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.
O § 2° é dedicado às mulheres e aos eclesiásticos, que ficam isentos do serviço militar
obrigatório em tempo de paz, mas são obrigados dos a assumir outros encargos vinculados ao
conceito amplo de segurança nacional determinados pela lei.
Essa matéria é regida, atualmente, pela Lei n. 8.239, de 4 de outubro de 1991.
Hoje, o serviço militar, no mundo inteiro, não é privilégio dos homens. No passado o foi,
lembrando-se de que a lenda das amazonas vinculava-se à excepcionalidade da mulher guerreira
e de um povo composto de mulheres que se dedicava a artes marciais.
Quando o rio Amazonas começou a ser navegado, seus primeiros desbravadores pensavam
ver, nos cabelos compridos de alguns indígenas, amazonas guerreiras, no que se enganavam, pois,
na civilização indígena do País, nas terras de Norte a Sul, as mulheres guerreiras só existiam na
As Forças Armadas na Constituição Federal
literatura.
Joana D’Arc foi obrigada a vestir-se de “guerreiro” para comandar as tropas francesas, e até
mesmo mulheres excepcionais, como Hatsepsut, a rainha do Alto Império Egípcio, comandavam
o povo sem comandar o Exército.
Por outro lado, os eclesiásticos raramente lutavam. No tempo das Cruzadas, alguns pegaram
armas para combater o infiel em terras de Jerusalém, muitos se envolvendo em lutas no próprio
território europeu, quando não na Cruzada contra os albigenses para combater, dentro da França,
a heresia cátara.
Todavia, nunca foi regra, ao longo da história da humanidade, eclesiásticos ou mulheres
integrarem tropas regulares ou mercenárias. Apenas no século XX, as mulheres, tendo aberto
espaço para a igualdade de tratamento, fizeram-no, inclusive para participar das Forças Armadas.
A guerra do Golfo conheceu mulheres heroínas na aviação, tendo algumas pago com suas
vidas a coragem das missões em territórios de Saddam Hussein. Se a primeira guerra teve
justificativa no direito internacional, a segunda decorreu dos delírios de um despreparado
presidente, que até hoje não sabe a razão que o levou ao tresloucado ato.
Hoje, no mundo inteiro, as mulheres disputam vagas nas Forças Armadas, com razoável
sucesso e vencendo preconceitos sobre suas aptidões.
272 Tais atividades continuam, todavia, campo preferencial para atuação masculina, e o § 2.°
consagra essa visão, em que as mulheres e os eclesiásticos são dispensados do serviço militar em
tempo de paz, sendo obrigados a atuar em encargos substitutivos mais condizentes com sua
conformação física ou vocação confessional.
Realça, o constituinte, que tal dispensa apenas ocorre em tempo de paz, pressupondo que o
esforço de guerra é de tal ordem exigente e crucial que ninguém tem garantias, isenções ou
privilégios, todos devendo colaborar com a nação na tentativa de solucionar o momento mais
agudo nas relações internacionais de forma favorável para o País. E, nessa situação, mulheres e
eclesiásticos são iguais a qualquer homem.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 273
S u m á r i o : Explicação preliminar; 1. Destinação constitucional das Forças Armadas; 2. Emprego das Forças Armadas na garantia
da lei e da ordem; 3. Papel subsidiário das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem; 4. Gradação do princípio da subsidiariedade;
5. Procedimento de emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem; 6. Abate de aeronaves hostis; 7. Conclusão: papel atual
das Forças Armadas; Referências bibliográficas
Explicação preliminar
O presente estudo foi concebido especificamente para compor obra coletiva alusiva ao
bicentenário do Superior Tribunal Militar, a convite da Ministra Maria Elizabeth Guimarães
Teixeira Rocha, integrante daquela Corte. O autor agradece a oportunidade de participar de um
muito justo tributo ao mais antigo dos órgãos jurisdicionais brasileiros.
Seu objetivo é analisar o fundamento jurídico do emprego das Forças Armadas na garantia
da lei e da ordem, tal como previsto pela Constituição e respectiva legislação regulamentar.
Sintetiza estudos que o autor levara a efeito para colaborar com a Assessoria Militar do Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República entre 2000 e 2003.
O trabalho busca demonstrar que o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da
* Procurador da Fazenda Nacional, Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), Professor de Direito Constitucional da
Faculdade de Direito da USP e do Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília. Foi Assessor da Casa Civil da Presidência da República
(2000-2003) e Aluno do Colégio Militar de Porto Alegre (1991-1993) E-mail: [email protected].
1
A subordinação das Forças Armadas ao Poder Executivo é uma lição antiga, decorrente da natureza das coisas. Veja-se, por exemplo, a explicação
de MONTESQUIEU: “O exército, uma vez estabelecido, não deve depender, imediatamente, do corpo legislativo, mas do poder executivo; e isso
pela natureza da coisa; seu feito consiste mais na ação do que na deliberação.” (MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède
et de. O espírito das leis, tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues, Brasília: UnB, 1995, p. 124).
2
Caput do art. 142 da Constituição.
3
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 31ª edição, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 239.
a efeito contra ameaças externas ou internas (ou, como dizia o Direito constitucional brasileiro
Análise do fundamento jurídico do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem
A teor do art. 144 da Constituição, a segurança pública – cujo fim é “a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” – é exercida pela Polícia Federal, pela
Polícia Rodoviária Federal, pela Polícia Ferroviária Federal, pelas Polícias Civis estaduais, pelas
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares estaduais.
Porém, nesta seara – ou seja, na garantia da lei e da ordem – as Forças Armadas também
podem atuar. É o que decorre do art. 142, caput, in fine, da Constituição10. O critério e a disciplina
do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem é dado pela Lei Complementar
nº 97, de 9 de julho de 199911.
Assim, a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por solicitação de
qualquer um dos poderes constitucionais – solicitação essa que sempre será submetida ao juízo
do Presidente da República12 – poderá se dar a partir do esgotamento dos órgãos ou instrumentos
destinados à preservação da segurança pública, relacionados no art. 144 da Constituição13.
Importa, portanto, saber quando se configura o esgotamento. A própria Lei Complementar
nº 97, de 1999, o explica em seu art. 15, § 3º:
4
Constituição de 1891, art. 48, nº 15. No mesmo sentido, por exemplo: Constituição de 1946, art. 206, inciso I; Constituição de 1988, art. 137, inciso I.
274 5
Título V da Constituição.
6
Incisos I a V do art. 34 da Constituição.
7
Art. 136 da Constituição.
8
Art. 137 da Constituição.
9
Inciso XIX do art. 84 da Constituição. A mobilização nacional é regulamentada pela Lei nº 11.631, de 27 de dezembro de 2007, cujo art. 2º, inciso
I, restringe sua execução a caso de agressão estrangeira.
10
“Este preceito autoriza claramente que as Forças Armadas sejam empregadas no âmbito interno, não só para garantir os poderes constitucionais
quando ameaçados, como também para restabelecer a ordem, ainda quando não houver ameaça para os poderes constituídos. Permite, portanto, que
as Forças Armadas sejam utilizadas em missão de polícia, se necessário.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira
de 1988, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1990-1994, p. 78).
11
O art. 144 da Constituição se refere à Polícia Federal, à Polícia Rodoviária Federal, à Polícia Ferroviária Federal, às Polícias Civis estaduais, às Polícias
Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares estaduais como “órgãos”. Por sua vez, o § 2º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, a eles
se refere como “instrumentos”. Nesta exposição, utilizar-se-á, preferencialmente, a fórmula genérica “órgãos ou instrumentos destinados à
preservação da segurança pública”.
12
§ 1º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999.
13
§ 2º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 275
O princípio da subsidiariedade pode ser tido como inerente às relações democráticas. Dele
14
§ 3º acrescentado pela Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004.
15
§§ do art. 211 da Constituição.
16
“Só subsidiária e eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é da competência primária das forças de segurança pública, que
compreendem a polícia federal e as polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional
positivo, 21ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 748 – grifos no original).
da segurança pública – falência essa não reconhecida pelo respectivo Governador de Estado –
ter-se-á, então, caso de intervenção federal, com eventual emprego das Forças Armadas, inclusive
na garantia da lei e da ordem.
Ademais, não se pode desprezar a hipótese de o Governador do Estado não determinar a
ação dos órgãos ou instrumentos destinados à preservação da segurança pública, ou não
mobilizá-los em quantidade suficiente para produzir os efeitos necessários para debelar a ameaça
à lei e à ordem a que se deva fazer frente. Nestas circunstâncias, o pronto emprego das Forças
Armadas fica desde logo autorizado, conforme já deixou assente o Supremo Tribunal Federal17.
17
Cf. Mandado de Segurança nº 23.766/DF, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 21-09-2000, p. 7, de que se extrai o seguinte excerto: “(...) O emprego
das Forças Armadas ‘... é da responsabilidade do Presidente da República’ (LC 97/99, art. 15). Quando a questão disser com a ‘garantia da lei e da ordem’, o emprego das
Forças Armadas dar-se-á ‘... após esgotados os instrumentos ... relacionados no art. 144 da Constituição Federal’ (LC 97/99, art. 15, § 2o). A Lei Complementar se refe-
re aos órgãos de segurança pública (Polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civil Estadual, Militar Estadual e Corpo de Bombeiros). Ter-se-á como esgotados
esses instrumentos, tanto quando a autoridade não determinar a sua utilização, como quando a sua utilização não tiver produzido efeitos. (...)”
18
Com efeito, a Lei Complementar nº 97, de 1999, em seu art. 17-A, inciso IV, acrescentado pela Lei Complementar nº 117, de 2004, dispõe que “cabe
ao Exército atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais,
isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 277
pública – não caracteriza um emprego excepcional delas. Isso porque não requer decretação de
intervenção federal, de estado de defesa ou de sítio, muito menos declaração de guerra. Ao
contrário, trata-se de emprego ordinário, conquanto esteja condicionado ao princípio da
subsidiariedade.
Enfim, as Forças Armadas possuem, por sua própria natureza, poder de polícia. Ora, dado
que os órgãos ou instrumentos a que se refere o art. 144 da Constituição possuem poder de
polícia e são “forças auxiliares e reserva do Exército”19, é evidente que o Exército em particular,
e as Forças Armadas em geral, também possuem igual poder de polícia20.
19
277
§ 6º do art. 144 da Constituição.
20
Portanto, é meramente declaratório o art. 6º da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, quando assegura poder de polícia ao Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República na “segurança pessoal do Chefe de Estado, do Vice-Presidente da República e respectivos familiares, dos titulares dos órgãos
essenciais da Presidência da República, e de outras autoridades ou personalidades quando determinado pelo Presidente da República, bem como pela segurança dos palácios pre-
sidenciais e das residências do Presidente e Vice-Presidente da República”.
21
§ 3º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, acrescentado pela Lei Complementar nº 117, de 2004.
22
Inciso XIII do art. 84 da Constituição combinado com o art. 15, § 1º, da Lei Complementar nº 97, de 1999.
23
Caput do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999.
24
§ 4º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, acrescentado pela Lei Complementar nº 117, de 2004, combinado com o caput do art. 5º do
Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001.
25
§ 5º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, acrescentado pela Lei Complementar nº 117, de 2004, combinado com o caput do art. 4º do
Decreto nº 3.897, de 2001.
26
§ 6º do art. 144 da Constituição.
27
§ 6º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, acrescentado pela Lei Complementar nº 117, de 2004.
militares praticados “por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza
Análise do fundamento jurídico do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem
militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da
reserva, ou reformado, ou civil”28.
Enfim, vale destacar que o emprego das Forças Armadas também pode se dar em atendimento de
solicitação de qualquer um dos poderes constitucionais, federais e estaduais (na garantia desses),
hipótese em que a solicitação deve ser feita por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal
Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados29. Aqui, o emprego pode ocorrer
independentemente da declaração de esgotamento das forças policiais estaduais por parte do
Governador do Estado. É o que se dá, por exemplo, no âmbito eleitoral30. No limite, poderá haver,
inclusive, decretação de intervenção federal.
Hipótese de emprego das Forças Armadas que merece menção e análise específicas é a do abate de
aeronaves hostis.
Tem-se, aqui, hipótese de defesa da Pátria em tempo de paz. Portanto, não se trata, stricto sensu, de
emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, mas, sim, de emprego delas na sua missão
primeira, a defesa da Pátria31, ainda que a hipótese tenha influxo salutar à garantia da lei e da ordem,
mormente no que toca à repressão do tráfico ilícito de entorpecentes.
O tiro de abate foi permitido pela Lei nº 9.614, de 5 de março de 1998, que incluiu a hipótese de
destruição de aeronave hostil no Código Brasileiro de Aeronáutica:
“Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à
medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou
autoridade por ele delegada.” 32
A sua regulamentação veio após seis anos de longa e bem conduzida negociação no plano
diplomático, para que o país não sofresse nenhum tipo de embargo ou restrição eventualmente
decorrente de uma má compreensão da medida por parte de personagens da comunidade
internacional33.
Não há nenhuma inconstitucionalidade na medida. Não configura uma pena de morte. Configura,
isso, sim, reação própria à defesa da Pátria, ameaçada pela invasão do respectivo espaço aéreo. Ademais,
o tiro de abate é a última medida após longo e exaustivo rol de medidas coercitivas de averiguação
(tentativa de contato34), intervenção (modificação de rota e pouso coercitivos35) e persuasão (tiro de
aviso, com munição traçante36). Dá-se como última e excepcional medida – cercada de diversas
cautelas37 – como reação contra quem, deliberadamente, coloca-se à margem do Direito brasileiro.
28
§ 7º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, acrescentado pela Lei Complementar nº 117, de 2004, combinado com o art. 9º, inciso II, alínea
278 “c”, do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar.
29
§ 1º, in fine, do art. 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999.
30
Inciso XIV do art. 23 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. Neste sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
“(...) A decisão sobre o emprego das Forças Armadas, em qualquer ponto do território nacional, é da competência do Presidente da República, como seu comandante supremo
(CF, art. 84, XIII). Tal decisão não se submete ao juízo de outras autoridades, inclusive as dos Estados Federados. Aliás, é o que se passa na Justiça Eleitoral. É da
competência do Tribunal Superior Eleitoral ‘requisitar força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos tribunais Regionais que o
solicitarem, e para garantir a votação e a apuração’ (Código Eleitoral, art. 23, XIV). A decisão sobre a requisição compete ao TSE, sem consulta necessária às autoridades
estaduais. É esse o modelo brasileiro.” (Mandado de Segurança nº 23.766/DF, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 21 de setembro de 2000, pág. 7).
31
Caput do art. 142 da Constituição.
32
§ 2º do art. 303 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica, acrescentado pela Lei nº 9.614, de 1998.
33
Decreto nº 5.144, de 16 de julho de 2004.
34
§ 1º do art. 3º do Decreto nº 5.144, de 2004.
35
§ 2º do art. 3º do Decreto nº 5.144, de 2004.
36
§ 3º do art. 3º do Decreto nº 5.144, de 2004.
37
Art. 6º do Decreto nº 5.144, de 2004.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 279
Análise do fundamento jurídico do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem
Referências bibliográficas
ACKERMAN, Bruce. The emergency constitucion in The Yale Law Journal, vol. 113, p. 1029-1091.
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua, UFMG: Belo Horizonte, 2004.
DAHL, Robert. Sobre a democracia, Brasília: UnB, 2001.
280 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988, vol. 3, São
41
AGAMBEN, Homo sacer..., p. 25.
42
AGAMBEN, Homo sacer..., p. 36.
43
AGAMBEN, Homo sacer..., p. 41.
44
A argumentação é extrema. Tanto é assim que Agamben prossegue explicando que, aquele que está fora do ordenamento vive, por isso, uma “vida
nua”, passível, inclusive, no limite, de morte, mas sem que isso configure homicídio (AGAMBEN, Homo sacer..., p. 79-81).
45
AGAMBEN, Homo sacer..., p. 44.
46
BRUCE ACKERMAN registra que o Estado de Israel, desde a sua criação, vive sob permanente estado de emergência (ACKERMAN, Bruce. The
emergency constitucion in The Yale Law Journal, vol. 113, p. 1045, nota nº 40).
47
DAHL, Robert. Sobre a democracia, Brasília: UnB, 2001, p. 165.
48
DAHL, Sobre a democracia..., p. 165.
49
MACHIAVELLI, Nicollò. O príncipe, 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 92.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 281
281
S u m á r i o : Introdução. I. Apresentação do problema. II. Plano do presente estudo. Parte I. A segurança pública no
Estado democrático. I. Serviço público e não combate bélico. II. Autonomia dos estados-membros e repartição de competências
federativas na matéria. Parte II. Forças Armadas, segurança pública e garantia da Constituição, da lei e da ordem. III.
Defesa do Estado, das instituições democráticas e da federação. 1. Intervenção federal. 2. Estado de defesa. 3. Estado de sítio.
IV. Outras hipóteses legítimas de intervenções pontuais das Forças Armadas. 1. Ações de segurança nas quais haja
predominância do interesse nacional. 2. Ações de segurança por solicitação do Governador de Estado. 3. Realização de
diligências determinadas em inquérito policial militar. Conclusões. Referência bibliográfica.
Introdução
I. Apresentação do problema
* Professor titular de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Doutor e livre-docente pela UERJ. Mestre em Direito
pela Universidade de Yale. Diretor-geral da Revista de Direito do Estado.
1
O dispositivo não faz menção à Força Nacional, que foi criada posteriormente e não será objeto do presente estudo. Sobre a matéria foi editada a
Lei 10.277/2001, posteriormente revogada pela Lei 11473/2007, e o Decreto n. 5289/2004, principal ato normativo acerca do programa de coope-
ração federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 283
pública. A seguir são identificadas seis possibilidades de atuação válida, para fins de garantia da
lei e da ordem, tendo como premissa a solicitação dos Poderes constitucionais.
5. O primeiro bloco de possibilidades compreende ações voltadas à preservação do equilíbrio
federativo ou à defesa da ordem democrática, nas seguintes situações contempladas pela Constituição:
a) Intervenção federal;
b) Estado de defesa;
c) Estado de sítio.
6. O segundo bloco de possibilidades relaciona-se a situações menos drásticas do ponto de
vista institucional, mas igualmente relevantes para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, e que incluem hipóteses como as que se seguem:
a) Segurança em eventos oficiais ou públicos, de relevância nacional, particularmente os que
contem com a participação de Chefes de Estado ou de Governo estrangeiro;
b) Policiamento ostensivo e de choque, por solicitação de governador de Estado;
c) Realização de diligências determinadas em inquérito policial militar.
7. Antes de analisar, objetivamente, cada uma das hipóteses identificadas acima, dedica-se a
Parte I do presente estudo a duas notas teóricas relevantes, acerca (a) da idéia de segurança
pública em um Estado democrático e (b) da repartição de competências federativas em matéria
de segurança pública. Tais observações são imprescindíveis à vista da centralidade dos direitos
fundamentais na ordem constitucional brasileira e à circunstância de que o princípio federativo
resguarda a autonomia dos Estados-membros.
8. Como se constatará ao final da exposição, a participação das Forças Armadas em ações de
segurança pública tem fundamento constitucional em relação a diversas situações. Sem embargo,
à luz de sua precípua destinação constitucional – que é a “defesa da Pátria”, isto é, a preservação
da soberania nacional contra agressões externas – e de inúmeras outras considerações
institucionais, inclusive as que se relacionam com a tutela dos direitos fundamentais e o respeito
à Federação, tal atuação deve ser concebida de maneira moderada e excepcional.
2
V. Carlos Magno Nazareth Cerqueira, O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia, 2001; João Ricardo Wanderley Dornelles, Violência urbana,
direitos da cidadania e políticas de segurança no contexto de consolidação das instituições democráticas e das reformas econômicas neoliberais,
Discursos Sediciosos 4 (103), 1997; Vitória Amélia de B. C. G Sulocki, Segurança pública e democracia: aspectos constitucionais das políticas públicas de
segurança, 2007; Cláudio Pereira de Souza Neto, A segurança pública na Constituição Federal de 1988: conceituação constitucionalmente adequada,
competências federativas e definição dos órgãos de execução das políticas, mimeo, 2007.
3
Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal entendeu que a segurança pública era serviço público a ser mantido através de impostos, não
através de taxas. V. STF, DJU 22 out.1999, ADI 1942/PA, Rel. Min. Moreira Alves.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 285
formado por agregação ou por desagregação, todos os Estados federais procuram produzir o
melhor equilíbrio possível entre dois elementos: a garantia da unidade nacional e a preservação da
diversidade própria das localidades4.
17. Sob a ótica do elemento diversidade local, as Constituições atribuem um espaço próprio de
competências a cada um dos entes federativos, que corresponde aos contornos de sua
autonomia. É bem de ver que os entes federativos não são dotados de soberania, mas apenas da
autonomia que lhes é demarcada pela Constituição5. Não há hierarquia entre os entes, mas todos
estão submetidos à Constituição Federal e a seus comandos6.
18. Sob a ótica da unidade nacional, as Constituições estabelecem regras obrigatórias para todos
os entes federativos, bem como um mecanismo excepcional de proteção dessas regras: a
intervenção do ente central nos entes locais7, que será examinada mais adiante. Note-se que a
idéia de que os entes federativos poderiam desenvolver suas competências sem contato uns com
os outros é ilusória e equivocada. Não fosse por outras razões, bastaria o fato de que, na realidade,
os entes federativos “existem” sobre um mesmo território. O ente central não dispõe de um
território diverso daquele dos Estados-membros, de modo que o desenvolvimento de suas
competências dar-se-á, necessariamente, nesse espaço físico comum8.
19. Esse quadro de interações entre os entes federativos acentua-se consideravelmente tendo
em conta os modelos contemporâneos de federalismo cooperativo – do qual a Constituição de 1988
é um exemplo –, em que as competências dos entes não são estanques, mas se comunicam sob
variadas formas. No caso brasileiro, como se sabe, há competências concorrentes ou comuns
tanto em matéria legislativa9, como no que diz respeito à atuação político-administrativa e à
prestação de serviços10. Nesse contexto, o relacionamento entre os entes é indispensável. O tema
do federalismo cooperativo será retomado mais adiante, quando for examinada a possibilidade
de União e Estados estabelecerem convênios no campo da segurança pública.
20. As competências federativas em matéria de segurança pública estão fixadas no art. 144 da
Constituição Federal, já referido. Ali estão assinalados os órgãos que deverão desempenhá-las e
definidas as respectivas atribuições. Tais órgãos são vinculados à União ou aos Estados-
4
Augusto Zimmermann, Teoria geral do federalismo democrático, 1999, p. 47; e Luís Roberto Barroso, Direito constitucional brasileiro: O problema da Federação,
1982, p. 27: “Como bem observou Durand, o objetivo que se procura atingir através da fórmula federativa é realizar e assegurar a unidade humana,
jurídica e econômica de toda a nação, resguardando, todavia, com essa ressalva, o livre ajuizamento e a ampla disciplina dos interesses e
particularismos locais”. Na jurisprudência, v. STF, DJU 7 mai. 1993, ADI-MC 216/PB, Rel. Min. Celso de Mello: “O Estado Federal exprime, no
plano da organização jurídica, a síntese que decorre de dois movimentos que se antagonizam: a tendência à unidade ou à centralização, que se rege
pelo princípio unitário, e a tendência à pluralidade, ou à descentralização, que se funda no princípio federativo”.
5
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 104: “(...) hoje, está definido que o Estado federal, o todo, como pessoa reconhecida
pelo Direito internacional, é o único titular da soberania, considerada poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação. Os Estados federados são 285
titulares tão-só de autonomia, compreendida como governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal”; e Quiroga Lavié, Curso
de derecho constitucional, 1987, p. 163: “(...) en la federación el sistema nace de una constitución que organiza un Estado soberano, dentro del cual las
provincias o Estados miembros son sólo autónomos y heterónomos, es decir que si bien crean su propio derecho y eligen a sus autoridades, lo hacen
en el marco de la supremacía de la Constitución federal del Estado”.
6
Luís Roberto Barroso, Direito constitucional brasileiro: O problema da Federação, 1982, p. 24: “Portanto (...), do ponto de vista teórico não há superioridade
da União em face dos Estados-membros, eis que cada um atua num âmbito próprio, determinado, exclusivo e excludente, dentro da discriminação
de competências determinada pela Constituição Federal”. No mesmo sentido, v. André Ramos Tavares, Curso de direito constitucional, 2002, p. 727-8:
“Todos os componentes do Estado federal (...) encontram-se no mesmo patamar hierárquico, ou seja, não há hierarquia entre essas diversas entidades,
ainda que alguma seja federal e outras estaduais ou municipais”.
7
CF/88, art. 34.
8
O território (entendido como espaço físico) da União abrange toda a República, isto é, o conjunto de todos os territórios dos Estados-membros.
Considerando, porém, território como âmbito de validade da ordem jurídica, o da União será menor do que o do ente global (a República Federativa).
V. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 495.
9
CF/88, art. 24.
10
CF/88, art. 23.
Trata-se de policiamento fardado, cuja função é mostrar a presença policial nas ruas, inibindo
a prática de delitos. A atividade é tipicamente preventiva, bem como de repressão imediata
Forças Armadas e Ações de Segurança Pública: possibilidades e limites à luz da Constituição
dos delitos. A polícia militar é responsável ainda pela atividade de choque, através da qual
busca conter distúrbios, preservando a ordem pública. Tais funções da polícia militar
estadual estão definidas no §5º do artigo 144: “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública”. A subordinação aos governos estaduais é instituída no §6º: “As
polícias militares (...) subordinam-se (...) aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios”11.
22. Aos governos estaduais cabe ainda a função de polícia judiciária estadual e de polícia de
investigações. Essas funções são exercidas pela polícia civil estadual, como determina o §4º do
artigo 144: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
As polícias civis estaduais devem apurar a prática de crimes e realizar as diligências
determinadas pelas autoridades judiciais. Sua atuação é predominantemente repressiva. Ao
invés da exposição pública da força policial, com o propósito de inibir a prática de delitos, a
polícia civil se caracteriza por atuar quando os crimes já foram praticados, investigando-os e
cuidando para que sejam levados a julgamento12.
23. A União também atua na área da segurança. Assim é que, por meio da polícia rodoviária
federal e da polícia ferroviária federal, realiza o patrulhamento ostensivo, respectivamente, das
rodovias e das ferrovias federais. (art. 144, §§ 2º e 3º). Embora não sejam polícias militares,
mas civis, ambas devem atuar uniformizadas, ostentando a presença policial com o
propósito de evitar que crimes sejam praticados ou de reprimi-los de maneira imediata13. A
União desempenha, igualmente, competências de polícia judiciária. Com efeito, além das
funções de “polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras”, cabe à Polícia Federal atuação
análoga à da Polícia Civil no plano estadual.14 Suas atribuições principais são apurar delitos
em que predomine o interesse nacional e realizar diligências determinadas por autoridade
judiciária federal15.
24. Tal distribuição de competências ocorre em conformidade com o princípio da predominância
do interesse 16.. Compete à União tratar das questões de interesse nacional; aos Estados, cabem as
matérias de interesse regional. No que concerne à segurança, tal divisão é observada claramente
na Constituição. Assim, por exemplo, a União realiza o policiamento ostensivo de rodovias e
ferrovias federais, que cruzam diversos Estados, e apura infrações que geram repercussão
interestadual ou internacional; os Estados cuidam do policiamento ostensivo nas cidades e nas
11
Sobre o conceito de policiamento ostensivo, v. Acácia Maduro Hagen, As classificações do trabalho policial, Revista de Estudos Criminais 6 (22): 121,
abr./jun. 2006.
286 12
V. Paula Bajer Fernandes Martins da Costa, Sobre a posição da polícia judiciária na estrutura do direito processual penal brasileiro da atualidade,
Revista Brasileira de Ciências Criminais 7 (26): 213, 1999; Carina Quito; Diogo Rudge Malan, Resolução CJF n. 507/06 e direitos fundamentais do
investigado, Boletim IBCCrim 14 (165): 18, 2006; Alberto Zacharias Toron; Maurides de Melo Ribeiro, Quem tem medo da publicidade no inquérito?
Boletim IBCCrim 7 (84): 13, 1999.
13
As competências da Polícia Rodoviária Federal estão fixadas no artigo 20 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503/97), no Decreto n. 1.655, de
03 de outubro de 1995, e no Regimento Interno da Polícia Rodoviária Federal (Portaria Ministerial n. 122, de 20 de março de 1997).
14
De acordo com o §1º do art. 144, cabe à Polícia Federal “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União
ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei”. Cabe-lhe ainda “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho”. A Polícia Federal exercerá,
com exclusividade, as funções de “polícia judiciária da União”.
15
Essas competências são regulamentadas em vários diplomas legais. V. p. ex.: Lei n. 10.446/2002; Lei n. 9.017/95; Lei n. 7.102/83.
16
V. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p. 480: “O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as
entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de
predomi- nante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos
Municípios concernem os assuntos de interesse local, tendo a Constituição vigente desprezado o velho conceito do peculiar interesse local que não lograra
conceituação satisfatória num século de vigência.”
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 287
PARTE II
FORÇAS ARMADAS, SEGURANÇA PÚBLICA E GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO,
DA LEI E DA ORDEM
17
CF/88, art. 60, § 1º: “A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.
18
V. Milton Luiz Pereira, Intervenção federal: requisição judicial, Fórum Administrativo 7:914, 2001: “Sim, o princípio é da não-intervenção. Mas, como
adiantado, o próprio sistema constitucional obriga a possibilidade de intervenção contra as reações ofensivas à repartição de competências. Proclama-
se, assim, a intervenção como antídoto constitucional aos comportamentos desagregadores, quando necessária à harmonia da unidade federativa”.
19
V. STF, DJ 16 set.1998, 591-9/BA, Rel Min. Celso de Mello,: “O instituto da intervenção federal, consagrado no texto de todas as Constituições
republicanas brasileiras, representa um elemento fundamental, tanto na construção da doutrina do Estado Federal, quanto na praxis do federalismo.
O mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial a viabilização do próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de
sua utilização - necessariamente limitada as hipóteses taxativamente definidas na Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de
ordem político-jurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do vinculo federativo, (b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades
federadas, (c) a promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a incolumidade dos princípios fundamentais proclamados pela Constituição
da República. A intervenção federal, na realidade, configura expressivo elemento de estabilização da ordem normativa plasmada na Constituição da
República. É-lhe inerente a condição de instrumento de defesa dos postulados sobre os quais se estrutura, em nosso País, a ordem republicano-fe-
derativa”.
28. A hipótese de intervenção relevante para este estudo é a do inciso III do artigo 34: por
termo a grave comprometimento da ordem pública. Para que se justifique a intervenção federal, deve
se tratar de um comprometimento da ordem pública inequívoco, concreto, objetivo22. O preceito
constitucional não se refere a qualquer desordem ou perturbação, mas somente àquela que o
Estado-membro não possa ou não esteja interessado em superar. Se esse for o caso, justificar-
se-á a intervenção federal e a respectiva utilização das Forças Armadas, que atuarão no
sentido de restabelecer a ordem. As Forças Armadas são o instrumento mais efetivo de que
dispõe a União para por termo ao grave comprometimento da ordem pública.
29. Note-se que, não é necessário que a União assuma a totalidade do governo estadual.
A intervenção pode se restringir ao setor da segurança pública. Não é tampouco necessário
que a intervenção recaia sobre a totalidade do território estadual, podendo se restringir às
áreas em que o comprometimento da ordem pública se verifique. Como determina o artigo
34, §1º, o decreto de intervenção “especificará a amplitude, o prazo e as condições de
execução” e, “se couber, nomeará o interventor”. Decretada a intervenção, o Governo federal
assumirá o controle dos órgãos estaduais de segurança, que atuarão sob as ordens do
interventor, em conjunto com as Forças Armadas. Se a intervenção se restringir apenas a
determinadas áreas do território estadual, somente os órgãos policiais que atuam nessas áreas
passarão ao comando militar federal.
30. Uma vez presentes os pressupostos de fato, o ato de intervenção deverá respeitar também
seus pressupostos formais, estabelecidos no art. 36 da Carta da República. Na hipótese de grave
comprometimento da ordem pública, a sua simples verificação autoriza a intervenção, não sendo
necessária solicitação de poderes constitucionais coactos ou impedidos, nem requisição do
Supremo Tribunal Federal. Antes de decretar a intervenção, o Presidente deve apenas consultar
o Conselho de Defesa Nacional23, cuja opinião, no entanto, não o vincula.
31. Após a decretação da intervenção, o ato é submetido à apreciação do Congresso Nacional,
no prazo de 24 horas (CF, art. 36, § 1º). A intervenção classifica-se como ato complexo, uma vez
que necessita da convergência de vontades do Presidente da República e do órgão legislativo
competente para apreciar o ato. Como se trata de ato que implica relativização da autonomia do
Estado, o controle parlamentar é fundamental, para evitar que o Executivo federal pratique
abusos. Isso não significa, porém, que o ato interventivo não possa produzir efeitos válidos
antes da aprovação parlamentar. A desaprovação apenas produzirá efeitos ex nunc 24.
288 20
CF/88, art. 34:“A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira
ou de uma unidade da Federação em outra; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício de qualquer dos
Poderes nas unidades da Federação; V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de
dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos
prazos estabelecidos em lei; VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios
constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação
de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.
21
Segundo Leila Maria Bittencourt da Silva, A defesa do Estado e a ordem pública, Revista Forense 379: 414, 2005: “Em face da impossibilidade da
Secretaria de Segurança Pública pôr fim ao caos urbano, o Presidente da República para decretar intervenção federal deverá verificar: 1) se há
perturbação de ordem pública; 2) se há ineficiência ou impossibilidade dos órgãos da Secretaria de Segurança Pública para coibirem as atividades
delituosas; 3) se é constatada a violação de direitos constitucionais fundamentais”.
22
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil, tomo II, 2002, p. 387.
23
CF/88, art. 91, § 1º: “Compete ao Conselho de Defesa Nacional: II - opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da
intervenção federal.”
24
V. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, volume 1, 2000, p. 239.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 289
2. Estado de defesa
25
Segundo Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada, 2003, p. 1633, “O Estado de Defesa é uma modalidade mais branda de Estado de sítio
e corresponde às antigas medidas de emergência do direito constitucional anterior e não exige para a sua decretação, por parte do Presidente da República,
autorização do Congresso Nacional”. Nesse sentido, v. também Humberto Pena de Moraes, Mecanismos de defesa do Estado e das instituições
democráticas no sistema constitucional de 1988. Estado de defesa e estado de sítio, Revista EMERJ 23:201, 2003: “Correspondendo ao instituto das
medidas de emergência, presente no Texto [constitucional] anterior, o estado de defesa consiste em uma forma mais branda de estado de sítio. Assim, o
mecanismo em voga pode ser decretado para preservar, ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz
social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidade de grandes proporções na natureza”.
26
V. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 1997, p. 1049: “Qualquer que seja o enunciado lingüístico e qualquer que seja a pré-
compreensão dos autores relativa ao direito de excepção, o leque de questões subjacente à constitucionalização do regime de necessidade do Estado
reconduz-se fundamentalmente ao seguinte: previsão e delimitação normativo-constitucional de instituições e medidas necessárias para a defesa da
ordem constitucional em caso de situação de anormalidade que, não podendo ser eliminadas ou combatidas pelos meios normais previstos na
289
Constituição, exigem o recurso a meios excepcionais. Trata-se, por conseguinte, de submeter as situações de crise e de emergência (guerra, tumultos,
calamidades públicas) à própria Constituição, constitucionalizando o recurso a meios excepcionais, necessários, adequados e proporcionais, para se
obter o ‘restabelecimento da normalidade constitucional’.”
27
José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, 2001, p. 739.
28
CF, art. 136, §§ 1º e 3º.
29
V. p. ex., Gustavo Binenbojm, Uma teoria do direito administrativo, 2006, p. 212: “Com efeito, as normas jurídicas podem trazer, em seu enunciado, conceitos
objetivos (idade, sexo, hora, lugar), que não geram dúvidas quanto à extensão de seu alcance; conceitos cujo conteúdo é decifrável objetivamente, com recurso à
experiência comum ou a conhecimentos científicos (chuva de granizo, morte natural, tráfego lento); e finalmente, conceitos que requerem do intérprete da norma uma
valoração (interesse público, urgência, bons antecedentes, notório saber, reputação ilibada, notória especialização). Estes últimos integram o que se
entende por conceitos jurídicos indeterminados, cujo processo de aplicação causa dúvidas e controvérsias, propugnando-se ora por um controle jurisdicional
amplo, ora um controle limitado, dependendo de sua associação ou dissociação da discricionariedade.”
30
No estado de defesa, as medidas excepcionais incidem sobre locais determinados e restritos, atingidos pela agitação social ou calamidade da natureza.
Pode ter, ainda, caráter preventivo, o que se deduz da palavra “preservar”. Dessa maneira, havendo indícios sérios ou veementes da iminência de se
verificar algum de seus pressupostos fáticos, a medida poderá ser decretada, evitando-se um mal maior. V. Roberto Barcellos de Magalhães, Comentários
à Constituição Federal de 1988, vol. II, 1997, p. 110.
se pode perder de vista a seriedade do instituto, que pode autorizar restrições a direitos
fundamentais que ocupam o cerne da normatividade subjacente ao Estado Democrático de
Forças Armadas e Ações de Segurança Pública: possibilidades e limites à luz da Constituição
31
Nos dizeres de Nagib Slaibi Filho, Direito Constitucional, 2004, p. 787, “o decreto que introduz estado de defesa é ato composto, produzindo efeitos desde
sua vigência, embora necessite de homologação congressual para sua manutenção. A rejeição pelo Congresso (art. 136, § 7º) opera ex nunc,
significando que os atos até então produzidos são válidos e eficazes”.
32
CF/88, art. 90: “Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre: I - intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio.” CF/88, art. 91,
§ 1º: “Compete ao Conselho de Defesa Nacional: II - opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal.”
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 291
3. Estado de sítio
33
De acordo com o art. 85 da Constituição Federal, “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério
Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna
do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
34
Constituição Federal, art. 139.
35
CF/88, art. 137: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso
Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem
a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Parágrafo
único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do
pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta”.
instabilidade institucional capaz de ameaçar a paz social e a ordem pública ocorre em locais
restritos e determinados. Apenas quando a crise é generalizada, gerando “repercussão nacional”,
Forças Armadas e Ações de Segurança Pública: possibilidades e limites à luz da Constituição
36
V. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil, 5º volume, 2000, p. 76.
37
Rui Barbasa, Obras completas, vol. XL, Tomo VI, 1991, p. 225.
38
Nagib Slaibi Filho, Direito Constitucional, 2004, p. 792, “a decretação de estado de sítio é ato jurídico complexo, pois só no concurso das vontades do
órgão executivo e do órgão legislativo é que há os elementos essenciais para sua existência: ato jurídico anterior é o do Poder Legislativo e ato jurídico
posterior o do Presidente da República”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 293
também sobre as medidas adotadas na vigência do estado de defesa, como antes esclarecido, ao
contrário do que ocorre com o controle prévio.
52. O controle jurisdicional concerne, sobretudo, aos limites das restrições autorizadas. Se
os executores cometerem abuso ou excesso de poder durante a vigência do estado de sítio,
seus atos ficam submetidos à apreciação judicial. Mesmo cessados os efeitos do estado de
sítio, podem os agentes ser responsabilizados por suas condutas ilícitas. O estado de sítio
implica a suspensão de diversas franquias democráticas, instaurando um contexto de
legalidade excepcional. Esta, contudo, deve ser observada, e caberá também ao Judiciário
garantir que isso se ocorra.
53. As possibilidades de atuação das Forças Armadas em ações de segurança, tratadas nesse
tópico, diferem significativamente das anteriores, por não interferirem com o exercício de direitos
fundamentais nem com a autonomia dos Estados. Embora contem, como indispensável, com
lastro constitucional, sua previsão e disciplina se dão em normas infraconstitucionais,
especialmente: a Lei Complementar nº 97, de 9.06.1999; o Decreto nº 3.897, de 24.08.2001; e o
Código de Processo Penal Militar. Examinam-se, a seguir, três situações de emprego das Forças
Armadas, a saber: (i) para realizar ações de segurança quando predomina o interesse nacional ou
internacional; (ii) por solicitação do Governados de Estado; e (iii) para cumprir diligências
determinadas no âmbito de inquérito policial militar.
39
Carmen Munari, Militares discutem segurança com governo do Rio. In: http://br.today.reuters.com/news/newsArticle.aspx. Acesso em:
12 abr. 2007.
40
Sobre o tema, o hoje Ministro Enrique Ricardo Lewandowski assim se manifestou, em trabalho doutrinário: “A utilização das Forças Armadas para com-
bater a violência urbana, em caráter permanente, é inconstitucional, embora seja lícito o seu emprego temporário e limitado, em situações de emergência,
claramente caracterizadas. (...) Não se pode esquecer que a função primordial da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, segundo o texto constitucional,
é assegurar a defesa da Pátria.A rigor, só quando os órgãos constitucionalmente responsáveis pela preservação da lei e da ordem entrarem em colapso é
que as Forças Armadas poderão incumbir-se da tarefa”. Forças Armadas no combate à violência, RT Informa 31, maio/junho de 2004, p. 4.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 295
41
Reinhold Zippelius, Teoria Geral do Estado, 1997, p. 512, define o federalismo cooperativo como “aquele que acarreta uma “obrigação ao
entendimento”, quer dizer, o dever das partes no sentido de se harmonizarem entre elas e, caso necessário, aceitarem compromissos. O envolvimento
funcional dos Estados membros (e eventualmente até dos corpos territoriais a nível autárquico) nos processos centrais de planejamento e regulação,
pode servir de exemplo a esse respeito”. V. também Paulo Bonavides, A Constituição aberta, 1996, p. 433: “Há um ‘federalismo cooperativo’? A resposta
será necessariamente afirmativa se fizermos uma prévia ressalva de valores, em nome da ideologia da liberdade. A ressalva consente estabelecer duas
distintas modalidades de federalismo: o “federalismo cooperativo” autoritário e o “federalismo cooperativo” democrático. O primeiro é um fe-de
ralismo pela força – aliás, uma contradição em termos; o outro, um federalismo pelo consentimento, único dotado de legitimidade para edificar a
sociedade aberta e pluralista a que aspiramos(...)”.
42
V. José Alfredo de Oliveira Baracho, O princípio da subsidiariedade – conceito e evolução, 2000; Sílvia Faber Torres, O principio da subsidiariedade no direito publico
contemporâneo, 2001; Mariana Souza Soares Montebello. O Princípio da subsidiariedade e a redefinição do papel do Estado no Brasil, mimeo, 2001.
43
Como esclarece Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 2003, p. 185: “O convênio é o ato administrativo complexo em que
uma entidade pública acorda com outra ou com outras entidades, públicas ou privadas, o desempenho conjunto, por cooperação ou por colaboração,
de uma atividade de competência da primeira”.
etc44. Não há partes, mas sim partícipes motivados pelas mesmas finalidades, pactuando para
atingir interesses e objetivo comuns45.
Forças Armadas e Ações de Segurança Pública: possibilidades e limites à luz da Constituição
69. A ultima hipótese de participação das Forças Armadas em operações de segurança, que
será aqui examinada, não se relaciona, como as demais, ao policiamento ostensivo. As Forças
Armadas também podem realizar investigações e atuar como polícia judiciária. Isso ocorre
quando se trata de crime militar e em cumprimento a decisões tomadas pela Justiça Militar.
Também essa hipótese se insere, como as duas anteriores, no quadro da normalidade
constitucional, não demandando nem a relativização da autonomia estadual nem a limitação da
garantia dos direitos fundamentais.
70. A Constituição define, em seu art. 12447, que a Justiça Militar tem competência para julgar
os crimes militares. É no Código Penal Militar que encontramos as descrições típicas dos crimes
militares, que podem ser crimes militares próprios (que só podem ser praticados por militar) ou
impróprios (que são crimes comuns em sua natureza, podendo ser praticados tanto por civis
296 como por militares, apenas adquirindo esta característica por serem cometidos em certas
condições)48.
44
Da mesma maneira que um contrato, os convênios também constituem acordo de vontades. O principal elemento que se costuma apontar para
distinguir o contrato e o convênio é o concernente aos interesses que, no contrato, são opostos e contraditórios, enquanto no convênio são
recíprocos. No ato coletivo, as partes desejam a mesma coisa: realizar conjuntamente uma ou várias operações comuns; seus interesses, ainda se
diferentes, cami- nham na mesma direção. Os entes conveniados possuem objetivos institucionais comuns e se reúnem de modo a alcançá-los.
45
Por isso mesmo, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Parcerias na Administração Pública, 1999, p.178: “no convênio não se cogita de preço ou
remuneração”.
46
Para dar conta especificamente desses casos de greve, foi editado o Decreto nº 3.897/2001, cujo teor é bastante próximo do constante da Lei
Complementar 117/2004, que alterou a redação da Lei Complementar nº 97/99, permitindo a participação da Forças Armadas em operações de
garantia da lei e da ordem.
47
CF/88, art. 124: “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”.
48
Antonio Scarance Fernandes, Processo penal constitucional, 2002, pp. 147-8.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 297
71. Para que tais crimes sejam investigados, há a instauração de inquérito policial militar
(IPM), art. 9º 49 do Código de Processo Penal Militar. Caberá à Polícia Judiciária Militar realizar as
diligências determinadas pela Justiça Militar. É o que estabelece o art. 8º, b, do CPPM: “Compete
à polícia judiciária militar (...) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público
as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por eles lhe
forem requisitadas”.
72. A Polícia Judiciária Militar é exercida por militares. Os comandantes desempenham essa
função em relação a seus subordinados (CPPM, art. 7º 50). Assim, por exemplo, será exercida
“pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação
às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão
oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro”. A noção de Polícia Judiciária Militar está
relacionada à atividade de investigação, não ao órgão que a executa51. Não há um órgão
encarregado de exercer exclusivamente a atividade de Polícia Judiciária Militar.
73. Uma vez instaurado o inquérito policial, haverá a possibilidade de se efetuarem buscas e
apreensões (CPPM, art. 13, h52). É especialmente na realização desse tipo de diligência que as
Forças Armadas interagirão com os cidadãos. As buscas são classificadas no CPPM53 em (i)
domiciliar, que consiste em procura realizada dentro das casas54, ou (ii) pessoal, que consiste na
procura nas vestes, pastas, malas e outros objetos que estejam com a pessoa revistada55. As
hipóteses em que essas diligências podem ser determinadas estão previstas no CPPM,
respectivamente nos artigos 172 e 181.
74. Se for necessária a emissão de mandado de busca para autorizar a diligência, devem estar
presentes seus requisitos básicos. O mandado deve indicar, o mais precisamente possível, a casa
em que será realizada a diligência e o nome de seu morador ou proprietário ou, no caso de revista,
o nome da pessoa que a sofrerá ou os sinais que a identifiquem. Além disso, deverá mencionar
os motivos e os fins da diligência, sendo subscrito pelo escrivão e assinado pelo encarregado do
inquérito, como prescreve o art. 178 do CPPM:
“O mandado de busca deverá: a) indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será
realizada a diligência e o nome do seu morador ou proprietário; ou, no caso de busca pessoal, o
Forças Armadas e Ações de Segurança Pública: possibilidades e limites à luz da Constituição
nome da pessoa que a sofrerá ou os sinais que a identifiquem; b) mencionar o motivo e os fins
da diligência; c) ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.
Parágrafo único. Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado”56.
75. Não há na lei, como se vê, abrigo para mandados genéricos, o que seria, ademais,
inconstitucional. Estes devem indicar, o mais precisamente possível, a casa em que a busca
ocorrerá. A experiência revela que mandados genéricos propiciam a ocorrência de excessos e
abusos57. A realização pelas Forças Armadas de diligências para apreender, por exemplo,
armamento militar furtado é perfeitamente compatível com a Constituição Federal de 1988. Mas
a Constituição não fornece fundamento para a ocupação de bairros inteiros, sob o argumento de
que se trata de diligência de busca e apreensão, como ocorreu recentemente no Rio de Janeiro.
CONCLUSÕES
56
Também o procedimento que deverá ser adotado quando da execução da busca está descrito no CPPM, cujo art. 179 possui o seguinte teor: “O
executor da busca domiciliar procederá da seguinte maneira: Presença do morador I – se o morador estiver presente: a) ler-lhe-á, o mandado, ou, se
298 fôr o próprio autor da ordem, identificar-se-á e dirá o que pretende; b) convidá-lo-á a franquiar a entrada, sob pena de a forçar se não fôr atendido;
c) uma vez dentro da casa, se estiver à procura de pessoa ou coisa, convidará o morador a apresentá-la ou exibi-la; d) se não fôr atendido ou se se
tratar de pessoa ou coisa incerta, procederá à busca; e) se o morador ou qualquer outra pessoa recalcitrar ou criar obstáculo usará da fôrça necessária
para vencer a resistência ou remover o empecilho e arrombará, se necessário, quaisquer móveis ou compartimentos em que, presumìvelmente,
possam estar as coisas ou pessoas procuradas; Ausência do morador II – se o morador estiver ausente: a) tentará localizá-lo para lhe dar ciência da
diligência e aguardará a sua chegada, se puder ser imediata; b) no caso de não ser encontrado o morador ou não comparecer com a necessária presteza,
convidará pessoa capaz, que identificará para que conste do respectivo auto, a fim de testemunhar a diligência; c) entrará na casa, arrombando-a, se
necessário; d) fará a busca, rompendo, se preciso, todos os obstáculos em móveis ou compartimentos onde, presumivelmente, possam estar as coisas
ou pessoas procuradas; Casa desabitada III – se a casa estiver desabitada, tentará localizar o proprietário, procedendo da mesma forma como no caso
de ausência do morador. Rompimento de obstáculo 1º O rompimento de obstáculos deve ser feito com o menor dano possível à coisa ou
compartimento passível da busca, providenciando-se, sempre que possível, a intervenção de serralheiro ou outro profissional habilitado, quando se
tratar de remover ou desmontar fechadura, ferrolho, peça de segrêdo ou qualquer outro aparelhamento que impeça a finalidade da diligência.
Reposição 2º Os livros, documentos, papéis e objetos que não tenham sido apreendidos devem ser repostos nos seus lugares. 3º Em casa habitada,
a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável ao bom êxito da diligência.”
57
V. STJ, j. 13.abril.04, Recurso ordinário em MS nº 13.101, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca: “A alegação também está vazada contra o próprio
ato que determinou a referida busca e apreensão, no sentido de que teria sido prolatado de forma genérica, oportunizando, desta feita, que o
Delegado cometesse excessos durante o ato”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 299
restrição a direitos fundamentais. Por isso, submetem-se a rígido controle político congressual e,
em regra, apenas podem vigorar durante curtos períodos de tempo e em locais estritamente
determinados, além de impossibilitarem a alteração da Constituição durante a sua vigência. São
elas: a decretação de intervenção, a decretação de estado de defesa e a decretação de estado de
sítio.
E. As outras três hipóteses não implicam a relativização da autonomia estadual ou restrição
de direitos fundamentais, não consubstanciando medidas de legalidade excepcional. Nessas três
hipóteses, a Constituição mantém-se integralmente eficaz. Por isso, o controle político sobre elas
incidente é mais brando, além de não obstarem à alteração da Constituição Federal.
F. A primeira hipótese é a realização de policiamento ostensivo em situações nas quais
predomine o interesse nacional, como é o caso da visita de chefes de Estado e de governo
estrangeiros. Aqui a competência da União se define em razão do princípio da predominância do
interesse, que é nacional. Não há, portanto, interferência do Governo Federal em competência
atribuída ao Estado.
G. A segunda hipótese é a de execução de ações de policiamento ostensivo e de choque a
pedido do Governador de Estado, nos termos da Lei Complementar 97/99. No caso, há simples
arranjo cooperativo, típico do modelo de federalismo adotado no Brasil. Se a participação federal
se prolonga no tempo, é conveniente, embora não indispensável, a elaboração de convênio, em
que sejam esclarecidos os termos segundo os quais se dará a cooperação entre os entes federados.
H. A terceira hipótese é a de realização de diligências determinadas no âmbito de inquérito
policial militar. A hipótese encontra-se expressamente prevista no texto constitucional, na parte
final do art. 144, § 4º, que atribui a função de polícia judiciária à polícia civil, com ressalva das
infrações penais militares. No que toca a essa possibilidade, deve-se atentar apenas para os requisitos
dos mandados de busca expedidos pela Justiça Militar. Tais mandados devem indicar com precisão
“a casa” em que a busca será realizada. Não podem ser mandados genéricos. As ordens que
facultam às autoridades policiais militares realizar operações amplas de busca, abrangendo, por
vezes, bairros inteiros, são incompatíveis com o que dispõe a Constituição Federal.
ALVES, Sérgio Itamar, Polícia Judiciária Militar, Revista do Superior Tribunal Militar, 11-12:124.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira, O princípio da subsidiariedade - conceito e evolução, 2000.
BARBOSA, Rui, Obras completas, vol. XL, Tomo VI, 1999.
BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, São
Paulo: Ed. Saraiva, tomo II, 2002. 299
BARROSO, Luís Roberto, Direito constitucional brasileiro: o problema da Federação, 1982.
BINENBOJM, Gustavo, Uma teoria do direito administrativo, 2006.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, Coimbra: Ed.
Almedina, 1997.
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth, O futuro de uma ilusão: o sonho de uma nova polícia, 2001.
COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da, Sobre a posição da polícia judiciária na estrutura
do direito processual penal brasileiro da atualidade, Revista Brasileira de Ciências Criminais 7 (26): 213,
1999.
“Se existe um elemento básico na nossa Constituição, é o controle civil sobre os militares.
Políticas são feitas pelos políticos eleitos, não por generais e almirantes.”
Harry S. Truman
“Penso que um conceito novo e perigoso é que os membros das nossas Forças Armadas
devem, em primeiro lugar, obediência e lealdade à autoridade que exerce temporariamente o
Poder Executivo, no lugar da Pátria e da Constituição, entes que eles juraram defender.
Nenhuma proposição poderia ser mais perigosa.”
General Douglas MacArthur 1
As relações entre civis e militares sempre foram complexas, seja em regimes autoritários, seja
em regimes democráticos. Como os governos supervisionam a violência no interior do Estado,
* Ministra do Superior Tribunal Militar. Mestra em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Católica Portuguesa. Doutora em Direito
Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Universitária.
** General de Divisão. Mestre em Engenharia de Sistemas pelo Instituto Militar de Engenharia. Doutor em Estratégia pela Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército. Professor Universitário.
1
Estas frases foram proferidas quando o Presidente Harry S. Truman dispensou, em 11 de abril de 1951, o General Douglas MacArthur do cargo de
Comandante-em-Chefe das Forças das Nações Unidas na Guerra da Coréia. TRUMAN, Harry S. Years of Trial and Hope.,Garden City, NY:
Doubleday, 1956, pp.444-45 e ROVERE, Richard H. e SCHLESINGER, Arthur Jr. General MacArthur and President Truman: The Struggle for Control of
American Foreign Policy. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 1992, p.318.
2
CARRIÇO, Manuel Alexandre Garrinhas. As Abordagens Empíricas de Análise das Relações entre “Civis e Militares”: O Caso da República
Popular da China. In: Revista Militar Portuguesa, maio de 2006, p. 24
3
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret Editora, 2002, livro II
respeito: “que o povo americano guarda a impressão hereditária do perigo para a liberdade de se manter um
exército na paz”.4
Neste ponto, cumpre averiguar o real conceito da expressão “Relações Civis-Militares –
RCM”.
Definições sobre o tema precisam-no como as interações entre as Forças Armadas e os
demais setores da sociedade, a envolver um processo mediante o qual o controle político é
avaliado sopesando a influência relativa dos oficiais e civis nas decisões de Estado concernentes
à guerra, à segurança interna e externa, e à política militar.5
Andrew Cottey, Timothy Edmunds and Anthony Forster oferecem a seguinte definição:
“(...)o termo RCM deveria envolver todos os aspectos das relações entre as Forças Armadas (como uma
instituição política, social e econômica) e a sociedade (e Estado ou movimento político/social/étnico) da
qual elas são partes. A função política e posição dos militares formam o núcleo das RCM. As RCM,
entretanto, também envolvem questões mais amplas: a atitude dos militares perante a sociedade; a
percepção da sociedade civil das atitudes dos militares; como deveria ser o ethos militar e o papel
econômico dos militares(...). Neste contexto definimos controle democrático das Forças Armadas como
o controle dos militares pelas autoridades legítima e democraticamente eleitas do Estado”. 6
À exceção dos anarquistas, todas as correntes ideológicas defendem a utilidade das Forças
Armadas; mesmo o materialismo histórico de Frederich Engels reconhece a inexorabilidade de
sua criação para servir de aparato à superestrutura dominante, conseqüência da divisão da
Uma visão das relações entre civis e militares
sociedade em classes.7
Na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os bolcheviques tornaram-se
obsessivos acerca da necessidade de manutenção de um controle civil sobre os militares. A
existência de oficiais políticos, a penetração nas Forças Armadas pela KGB e o sistema dual de
comando demonstravam, exemplarmente, tal realidade. Entretanto, o custo desta atitude foi
desastroso.
Nas democracias contemporâneas prevalece o sentimento de que a existência das Forças
Armadas requer instrumentos, instituições e mecanismos para seu controle político e democrático,
a fim de prevenir o isolamento da instituição e impedir que se tornem um imperio in imperio.8
Certo é que a existência das forças singulares deve ser entendida como um dos pressupostos
do próprio Estado. Vale lembrar as palavras do sociólogo Charles Tilly: “A guerra faz o Estado e o
Estado faz a guerra”.9
O problema agudiza-se quando, no afã de exercer o controle sobre os militares, a sociedade
perde a conexão com eles. Recorde-se ser a influência dos militares na esfera política, uma
problemática que se coloca há pouco mais de um século. Até então, a elite castrense sempre fora
recrutada no interior da elite político-econômica e, esta superposição traduziu-se num controle
absoluto da classe dirigente civil sobre a instituição armada.
302 Com o advento da profissionalização, concebida no sentido sociológico do termo, impôs-se
a necessidade da qualificação crescente dos contingentes, em particular do corpo de oficiais,
4
HAMILTON, Alexander. The federalist papers:nº26. http://www.yale.edu/lawweb/avalon/federal/fed26.htm, consultado às 19:24h, de 24/09/2007
5
http://www.usaid.gov/policy/ads/200/200sbj.pdf, consultado às 10.30h, de 12/01/2008.
6
COTTEY, Andrew, EDMUNDS, Tim e FORSTER, Anthony. Democratic Control of Armed Forces in Central and Eastern Europe; A Framework
for Understanding Civil-Military Relations in Postcommunist Europe. In: ESRC “One Europe or Several?” Working paper 1/99, University of Sussex,
Sussex, 1999.
7
BALTAZAR. Maria da Saudade. O “Estado” das relações civis-militares em democracia. IV Congresso Português de Sociologia, 2000.
htpp//www.aps.pt/ivcong-actas/Acta029.pdf, consultado em 19/04/07, às 18:05h
8
KÜMEL, Gehard. The military and its civilian environment: reflections on a theory of civil-military relations. In: The Quarterly Journal, nº 4, dezembro
2002, p.71
9
TILLY, Charles. How war made states, and vice versa. In: Coercion, Capital, and European States AD 990-199, Cambridge (Mass.): Blackwells Publishers, 1992.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 303
permitindo-se, a partir daí, a diferenciação entre esfera política e militar, bem como a separação
de suas competências e atribuições. As Forças Armadas passaram a ser formalmente
reconhecidas como instituições a serviço dos interesses nacionais, e não dos interesses político-
governamentais, ampliando sua influência na área do poder.
Ora, distinguindo-se a profissão militar de todas as outras pela especificidade de sua missão
– a administração organizada da violência armada – o controle político sob as Forças Armadas
firma-se como um pressuposto democrático imprescindível. As tentativas de implementação,
contudo, deparam-se com uma variedade de interesses controversos, posto os militares, em
particular, os altos escalões hierárquicos castrenses, influenciarem os governos na estratégia de
defesa, e a esfera governamental revelar reduzido interesse pela questão em face da acentuada
crítica sobre as despesas destinadas ao setor10. Tem-se, pois, uma complexa teia de aspirações,
conflitantes e desafiadoras, que projetam a relativização do conceito de segurança do Estado.
10
BALTAZAR, Maria da Saudade, op. cit, p.3.
11
CARRIÇO, Manuel Alexandre Garrinhas, op.cit., p.20
12
NAKAZATO, Hiroshi. Defensive discourses: a narrative theory of civil-military relations. Tese de doutorado defendida no Boston College, Graduate School
of Arts & Science, Departamento de Ciência Política, abril de 2006. pp.1-524
13
Ibid. p.3
14
Ibid. p.3
coercitivos para atingir tal objetivo. Há sempre uma tendência de os militares interferirem no
processo político e inexistem garantias para evitá-la - a menos que eles sejam enfraquecidos ou
cooptados – mormente porque a lealdade castrense tende a ser para com a nação e não, para com
o poder estatal.15
A dimensão ideológica, igualmente, enfrenta impasses semelhantes quando os valores da
sociedade não forem compatíveis com os da ética militar,16 fato recorrente quando a Política
professa a ideologia liberal. Efetivamente, o liberalismo, em decorrência de suas raízes
humanísticas, despreza a guerra. Anti-militarista por excelência, concebe a paz como a condição
natural do homem. Mais, privilegia o individualismo sobre o comunitarismo, o igualitarismo
sobre a estrutura hierárquica, e as decisões democráticas sobre as ordens de comando.17
Encontrar, pois, soluções que conciliem defesa nacional e ideologias, tem sido o ponto nodal das
análises a propósito das relações entre os civis e os militares.
Mencionou-se, anteriormente, as modernas teorias sobre a matéria estabelecidas após a
Segunda Guerra Mundial, em especial, com os trabalhos de Samuel Huntington e Morris
Janowitz.18 Suas obras, pertencentes à primeira geração das teorias, formaram a base de todos os
estudos que se seguiram posteriormente. Concebidas como conceituais, privilegiam o arcabouço
analítico sobre o processo organizacional, enfatizando a segurança nacional, o profissionalismo
e as interações entre os militares e a sociedade.19
Samuel Huntington iniciou seu trabalho defendendo que as instituições militares, em qualquer
Uma visão das relações entre civis e militares
sociedade, são moldadas por dois móbeis: um imperativo funcional, que se origina das ameaças
à segurança da comunidade, e um imperativo societário, proveniente das forças sociais, das
ideologias e das instituições dominantes.20 Segundo ele, é impossível conter instituições militares
ajustadas exclusivamente por imperativos funcionais, ao revés, é da interação entre ambas que
reside o cerne de toda a investigação que se busca empreender.21
Sua análise centra-se sobre o corpo de oficiais e o Estado. Afirma que os oficiais modernos
são profissionais e formam um particular grupo funcional com alto conhecimento,
responsabilidade e espírito de corpo. O comportamento profissional dirigido para a sociedade
funda-se na compreensão de que a expertise somente poderá ser aplicada para propósitos por ela
aprovados, por intermédio de seu agente político, o Estado. Isto porque qualquer sistema envolve
um equilíbrio complexo entre autoridade, influência e ideologia.
Indo além, Huntington identifica dois modelos das RCM: o controle civil subjetivo e
objetivo.22 O controle subjetivo é alcançado maximizando o poder de grupos particulares de civis
na relação com os militares. O objetivo envolve a minimização do poder militar pela
profissionalização de modo a garantir a neutralidade da corporação e a minoração de sua
interveniência no jogo político.
304
15
FEAVER, Peter D. Armed servants: agency, oversight, and civil-military relations. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003, p.65
16
NAKAZATO, Hiroshi, op.cit., p.6
17
Ibid, p.11
18
Samuel Phillips Huntington, nascido em 1927, é um controvertido cientista político americano conservador. Formou-se na Universidade de Yale e
obteve seu doutorado na Universidade de Harvard onde é professor de Ciências Políticas. Foi favorável à guerra do Vietnam e tem como sua principal
obra, além do estudo pioneiro das RCM, o livro O Choque de Civilizações e a recomposição da ordem mundial. Trad. de M. H. C. Côrtes. Rio de Janeiro: Ed.
Objetiva, 1997, 455 p.
Morris Janowitz, (1919 - 1988), sociólogo e cientista político americano de origem polonesa, ofereceu importante contributo ao estudo das RCM,
sendo o fundador da revista Armed Forces and Society, dedicada à sociologia militar.
19
NAKAZATO, Hiroshi, op.cit., p.31
20
HUNTINGTON, Samuel P. O Soldado e o Estado. Teoria e Política das Relações entre Civis e Militares .Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1996,
p.20
21
Ibid, p.21
22
Ibid, pp.102-103
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 305
Como se vê, está-se diante de uma antítese. O controle subjetivo, no seu núcleo, nega a
existência de uma esfera militar única e independente, tornando menores os personagens no
contexto do Estado. Por seu turno, o controle objetivo assegura o controle civil, mas amplia o
profissionalismo do corpo de oficiais, militarizando-o e enquadrando-o como essencial ao
Estado. Frise-se, pela relevância, que a teoria de Huntington defende o controle objetivo.
Acorde sua concepção, são quatro os aspectos significativos das relações civis-militares.23 No
primeiro, os oficiais e civis são identificados como grupos separados. No segundo, as relações
entre estes dois grupos são conflituosas por natureza. No terceiro, o controle é assegurado,
subordinando os militares aos civis exceto nas matérias de escopo essencialmente militar; por
último, no quarto, as alterações nas relações civis-militares no tempo, refletem o grau de eficácia
dos mecanismos de contenção.
Fato é que, o tipo de relacionamento entre civis e militares proposto por Huntington tem
sido, com freqüência, criticado, mormente pelo modo extremado como aborda a questão da
profissionalização militar.24 Dentre seus opositores teóricos cite-se Bengt Abrahamsson25 que
assevera ser incorreta a idéia de militares apolíticos e para quem, na manutenção do controle
democrático sobre as Forças Armadas, faz-se necessário o reconhecimento da natureza política
da instituição, bem como o estabelecimento de um mecanismo institucional que permita ao
governo civil uma escolha justa na sua defesa.
305
23
Ibid, pp.104-105.
24
A despeito das críticas, considerou-se útil, neste trabalho, a remissão aos elementos que formam a sistematização da proposta conceitual de
Huntington, para identificar as principais dificuldades que emergem nas novas democracias no tocante a esta problemática.
25
ABRAHMSSON, Bengt. Military professionalization and political power. London: Sage Publications, 1972, p.160
26
JANOWITZ, Morris . The professional soldier: a social and political portrait. New York: The Free Press, 1960.
27
FEAVER, Peter. The civil-military problematique: Huntington, Janowitz, and the question of civilian control. In: Armed Forces and Society 23, nº 2,
winter 1996, p.164
28
TAYLOR, Edward R. Command in 21st century: an introduction to civil-military relations. Tese de mestrado apresentada na Naval Posgraduate School,
Monterey, California: 1998, p.38.
29
JANOWITZ, Morris , op.cit., pp.vii,ix
30
“A força militar torna-se uma força policial quando está sempre preparada, comprometida ao uso mínimo da força, buscando relações internacionais
viáveis, no lugar de vitórias (...).” JANOWITZ, Morris , op.cit., p.418
31
FEAVER, Peter, op.cit. p.164
Em síntese, suas proposições enfatizam que os militares acreditam nos seus superiores civis
por considerarem-nos preparados para aceitar seus conselhos profissionais, sustentando como
tese fundamental o enfraquecimento, desde o início do século XX, das fronteiras entre militares
e civis; os primeiros obrigados a imiscuírem-se com os segmentos populacionais civis, a despeito
de preservarem relativa autonomia, competência e coesão. Janowitz, contudo, falha ao não aclarar
a maneira como os civis deveriam controlar os militares restringindo-se, apenas, a apontar alguns
mecanismos de contenção como o orçamento, a definição de papéis e as missões atribuídas às
Forças singulares.32
Para além, crítica comumente dirigida às teorias da primeira geração, versa acerca da
imprecisão dos conceitos, obsoletos porque concebidos e edificados no superado contexto da
guerra fria. Não obstante, não se pode olvidar a importância das contribuições dogmáticas
oferecidas aos estudos futuros, nos quais vários doutrinadores debruçaram-se sobre a matéria,
lançando idéias e discussões inéditas.33
Das vertentes contemporâneas a merecer apreciação detida, duas sobrelevam-se: a Teoria da
Concordância elaborada por Rebecca Schiff e a Teoria da Agência proposta por Peter Feaver.
A teoria da Concordância,34 passível de aplicação nos países em desenvolvimento, justifica as
RCM perspectivando os seguintes atores: militares, elites políticas e sociedade. Tem por
propósito explicar quais são as condições culturais e institucionais que promovem ou evitam as
intervenções militares domésticas, sustentando que a existência de um acordo geral diminui a
Uma visão das relações entre civis e militares
32
Ibid, p.165
33
Samuel Finer foi, igualmente, um dos pioneiros no estudo das RCM (FINER, Samuel. The man on horseback: the role of military in politics. London: Pall
Mall, 1962) ao analisar a natureza e o caráter da sociedade em que os militares estão inseridos. Sua tese é que o nível de intervenção militar é
inversamente proporcional ao nível da cultura e politização da sociedade. Quanto mais baixos estes níveis, mais altas as probabilidades dos militares
intervirem na vida do país. Dir-se-ia, então, que a profissionalização corresponde a uma maior militarização das Forças Armadas, não querendo
registrar tal termo, nada mais do que o fechamento da instituição sobre si própria e a sua especificidade, enquanto detentora do monopólio dos meios
organizados da violência legitimada.
Charles Moskos; (MOSKOS, Charles. Soldiers and Sociology, United States Army Research Institute for the Behavioral and Social Sciences, 1998), analisa
os enfoques estruturais e culturais das RCM como um processo de convergência que tende a aproximar a instituição militar das organizações
burocráticas civis. Ele introduz um conceito de militar pós-moderno que emergiu da Segunda Guerra Mundial como um produto do processo da
mobilização, individualização, democratização e globalização. A característica mais importante da tipologia analítica proposta por Moskos centra-se
nas transformações das sociedades, momento em que as organizações militares sinalizam a tendência de passagem de uma lógica institucional para
uma lógica ocupacional
Amos Perlmutter; (PERLMUTTER, Amos. Modern Authoritarianism. A Comparative Institutional Analysis. New Haven/London: Yale University Press,
1981) oferece uma teoria unificada das RCM válidas para todos os países do mundo. Ele rejeita a visão da existência de um corte entre as funções
civis e militares. A hipótese de que o profissionalismo remove o militar da política é baseada na teoria da administração clássica. A teoria é fusionista,
reconhecendo que a burocracia e a política estão simbioticamente ligadas. Perlmutter concorda com Huntington quando afirma que a política está
além do escopo militar, pois eles não foram eleitos, mas aceita a influência militar na formação e implementação da política de segurança nacional.
306 Por sua vez, Samuel Sarkesian (SARKESIAN, Samuel C. e CONNOR Robert E. America's Armed Forces: A Handbook of Current and Future Capabilities.
Westport, CT: Greenwood Press, 1996. ) expande o contexto de Huntington estudando três áreas das RCM como uma interação sistemática entre
as elites civis, militares e o sistema político-social.
Já Douglas Bland (BLAND, Douglas. A Unified Theory of Civil-Military Relations. Armed Forces & Society, Vol. 26, Nº 1, Fall 1999) propõe a teoria
da responsabilidade partilhada como uma tentativa de elaboração de uma teoria geral unificadora das RCM que possa responder, adequadamente, às
necessidades dos líderes políticos e militares, bem como do restante da sociedade. Efetivamente, os dirigentes civis mantêm uma direção adequada
dos militares ao reconhecer sua importância na defesa nacional, na fixação de princípios, regras, normas e procedimentos decisórios em áreas como
doutrina militar, disciplina, planejamento operacional, organização interna e diretivas táticas para unidades em operação. As autoridades civis
elaboram políticas referentes à consecução de metas nacionais, à alocação de recursos e ao uso da força.
Teoria interessante é a esposada por Deborah Avant no artigo Conflicting Indicators of Crisis in America Civil Relations, (AVANT, Deborah.
Conflicting Indicators of Crisis in America Civil Relations. In: Armed Forces & Society, vol 24, nº 3, Spring 1998, pp.375-388.) que se propõe a analisar
se as relações civis-militares nos Estados Unidos estão em crise. Ela oferece três indicadores para examinar os possíveis problemas entre eles: o nível
de influência dos militares na política, o grau de sua representatividade na sociedade e o nível de tensão entre os civis e militares. Afirma a autora que
por detrás de cada indicador existe uma teoria das RCM implícita.
34
SCHIFF, Rebecca. Civil-military relations reconsidered: a theory of concordance. In: Armed Forces & Society: An Interdisciplinary Journal, vol. 22, nº 1,
22/09/95, pp:7-24.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 307
“A teoria da concordância explica as condições específicas que determinam o papel dos militares na esfera
doméstica que inclui o governo e a sociedade. Concordância não exige uma forma particular de governo,
conjunto de instituições ou um processo de tomada de decisão(...).Em contraste com as teorias usuais, que
enfatizam a separação das instituições civis e militares, a concordância encoraja a cooperação e o
desenvolvimento entre os militares, as instituições políticas e a sociedade como um todo. Em outras palavras,
a concordância não assume que a separação entre as esferas civis e militares seja necessária para prevenir
as intervenções militares domésticas. Particularmente, isto pode ser evitado se os militares cooperarem com
a elite política e a sociedade civil.” 35
Além dos três atores ou sócios envolvidos, Schiff estabeleceu quatro indicadores de
concordância para ilustrar o grau de afetação, nas Forças Armadas, da elite política e da sociedade
civil sobre elas. São eles:
1. A composição social do corpo de oficiais;
2. O processo político de tomada de decisão;
3. O método de recrutamento
4. O estilo militar
Referidos indicadores são elementos de concordância importantes, pois determinam se as
relações entre os três sócios serão integradas, separadas ou adotarão formas híbridas.
A esta altura, cumpre detalhar mais pormenorizadamente os conceitos elencados pela autora:
Os militares:
Schiff os define como Forças Armadas e pessoal. Os militares são representados pelos oficiais e
INDICADORES: 307
35
SCHIFF, Rebecca, op.cit., p.13
36
Também para Huntington, a análise do corpo de oficiais é o fator primordial para o estudo da RCM. A propósito leia-se: "As relações sociais e
econômicas entre os militares e o restante da sociedade normalmente refletem as relações políticas entre a oficialidade e o Estado. Conseqüentemente, na análise da relação
entre civis e militares, a primeira necessidade consiste em definir a natureza do corpo de oficiais". In: O Soldado e Estado. Teoria e Política das Relações entre Civis e
Militares, op.cit., p.22
castrenses.39
Feita esta breve explanação dos atores e dos indicadores da concordância, questionamentos
remanescem: Como estes quatros indicadores funcionam juntos? Quantas concordâncias são
necessárias para evitar golpes militares? Como saber que a concordância foi alcançada?
Acorde Rebecca Schiff não há necessidade de harmonia absoluta entre os três sócios para a
obtenção da concordância, contudo, quanto maior a discórdia, maior a possibilidade de uma
intervenção militar.
A respeito, Jonh M. Anderson40 afirma que as evidências do desacordo entre os parceiros
concernentes a qualquer um dos quatro indicadores é suficiente, mas não condição necessária,
para uma tentativa de golpe.41 Sua tese discorda, em certos aspectos, da teoria da concordância,
mas reconhece que ela se comprova no caso argentino42.
Por fim, mais recentemente, foi apresentada por Peter Feaver a nova Teoria da Agência.43
Sinteticamente pode ser assim descrita: no cotidiano social existem transações onde há oferta
e demanda de serviços. Nestas situações estarão sempre presentes interesses que,
37
308 38
SCHIFF, Rebecca. Civil-military relations reconsidered: a theory of concordance, op.cit, p.15
SCHIFF, em seu trabalho, utilizou os conceitos de Samuel Finer. Neste sentido, consultar: ANDERSON, John M. Civil-military relations and
concordance theory: a case study of Argentina. Tese de mestrado apresentada na Naval Posgraduate School, Monterey, California: 1968, p.30
39
“Com respeito à simbologia do poder (...) o uniforme sempre foi um símbolo de respeitabilidade, profissionalismo, de diferença ou coesão. Outros símbolos e rituais (…)
capturam o significado de pertencer às Forças Armadas”. SCHIFF, Rebecca. Concordance theory in America. op.cit., pp.17-18
40
ANDERSON, John M. Civil-military relations and Concordance Theory: a case study of Argentina, op.cit. p.34
41
Rebecca Schiff testou sua teoria estudando as RCM em Israel e na Índia, bem como durante o período pré-revolucionário americano. Seu
trabalho sofreu severas críticas por parte de Richard S. Wells, onde ele afirma que a teoria nada tem de inovadora por deixar de apresentar
afirmações conceituais inéditas. In: WELLS, Richard, S. The theory of concordance in civil-military relations:a commentary. In: Armed Forces
& Society: An Interdisciplinary Journal, winter 96, vol 23, nº 2, pp. 269-275. As refutações aos argumentos de Wells por Schiff foram publicadas
na mesma Revista. Vide: SCHIFF, Rebecca. Concordance Theory: A Response to Recent Criticism. In: Armed Forces & Society: An Interdisciplinary
Journal, winter 96, vol 23, nº 2, pp:277-283
42
Suas discordâncias principais versam sobre os três grupos onde os “sócios” encontram-se divididos e sobre a assertiva de as Forças Armadas
não serem uma organização monolítica porque encontram-se divididas pelo serviço (Exército, Marinha e Aeronáutica) e pela hierarquia. Vide:
ANDERSON, John M, op.cit., p. 69
43
FEAVER, Peter D. Armed servants: agency, oversight, and civil-military relations. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 309
CONCLUSÕES
Extrai-se do exposto, à guisa de conclusão, ser o controle civil sobre as Forças Armadas
essencial para as sociedades, independentemente do regime adotado. A problemática é antiga e
constitui objeto de reflexão de filósofos, sociólogos e juristas.
Examinar como as Forças Armadas interagem com as autoridades civis, ou melhor, como 309
interagem com a sociedade, tem sido analisada por “gerações” de teorias que discorreram sobre
o tema.49 Contudo, a despeito dos esforços doutrinais empreendidos, remanescem sem resposta
três questões fundamentais: como as autoridades civis controlam ou devem controlar os
44
Ibid, p.56
45
Ibid, p.57
46
Ibid, 302
47
Ibid, 302
48
Ibid, 285
49
FOSTER, Anthony. New civil-military relations and its research agenda. http://www.dcaf.ch/news/past_2001
militares; quais políticas e estruturas deverão ser adotadas neste controle e qual o padrão das
relações civis-militares apresenta-se como o mais adequado para uma sociedade democrática?50
Bland afirmaria a propósito, que nas RCM subsistem uma forma anárquica de relacionamento
porquanto, nem a autoridade civil, nem a militar, subjugam uma a outra51 e, sob este enfoque,
torna-se extremamente difícil estabelecer o procedimento mais adequado para administrar a
dicotomia existente.
Paralelamente, indubitável ter o contexto mundial adquirido nova feição com o término da
Guerra Fria e, mormente, após os ataques do 11 de setembro, quando a natureza da guerra foi
alterada drasticamente e, por conseqüência, o papel dos militares, aumentando a tensão existente
entre Forças Armadas e autoridades civis.
Neste diapasão, faz-se mister revisar o trabalho dos antigos mestres com o propósito de
elaborar um novo arcabouço teórico, interdisciplinar, que conjugue os conceitos fornecidos pelas
Relações Internacionais, Sociologia e Ciência Política.
De igual modo, as interpretações empreendidas hão de ser antecedidas por opções
epistemológicas e ontológicas, com o fito de justificar os condicionamentos conjunturais das
relações civis-militares e avaliar a necessidade do deslocamento de um Estado centrista para um
Estado multifacetado.
Neste sentido, deve-se vislumbrar o controle civil como um processo dependente dos atores
envolvidos e mutável temporalmente. De fato, a fronteira entre civis e militares não possui
Uma visão das relações entre civis e militares
contornos definitivos, permeável que é à dialética histórica. O bom relacionamento entre civis e
militares envolve três fatores preponderantes: o estabelecimento de estruturas políticas
democráticas e estruturas efetivas de defesa; um Poder Legislativo consciente da importância das
Forças Armadas para o Estado, e um engajamento amplo da sociedade civil no tocante aos
problemas da segurança nacional.52
As RCM, em uma democracia liberal, reproduzem na sua essência, um mecanismo capaz
de unir as Forças Armadas e as autoridades civis ao povo, pois, na realidade, o atrito não
ocorre entre os militares e a sociedade, mas sim, entre as elites civil e armada. Do ponto de
vista organizacional, as análises temáticas narram o entrelaçamento dos dirigentes políticos
com as Forças Armadas. Da perspectiva social, retratam a relação entre os atores civis e
militares e do ponto de vista político, refletem a ligação da violência organizada com os
interesses estatais.53
A indagação centra-se na obtenção de um controle legítimo que integre as Forças Armadas,
por intermédio do ordenamento jurídico, na tessitura social sem comprometer seus valores,
tradições e, sobretudo, sem desvirtuar sua missão.
À evidência, cada Estado a responderá consoante suas condições estruturais e realidades
variantes tais como: o papel constitucional dos militares, o prestígio desfrutado junto à
310 coletividade e a postura da opinião pública acerca da defesa nacional.
Sem dúvida, trata-se de um dilema em permanente modificação, porque em permanente
modificação se encontram a sociedade civil e os militares na dinâmica construtiva do Estado de
Direito.
50
BLAND, Douglas, L. Who decides what? Civil- military relations in Canada and United States. In: Canadian-American Public Policy, nº 41, 2000,
pp1-60
51
Ibid, p.2
52
COTTEY, Andrew, EDMUNDS e FOSTER, Anthony. The Second Generation Problematic: Rethinking Democracy and Civil-Military Relations.
In: Armed Forces & Society, 2002; 31-56, p.48
53
BREDOW, Wilfried. Civil-military relations and democracies. In: Clausewitz in 21 century, Oxford: Oxford University Press, 2007.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 311
BIBLIOGRAFIA
Markus Kotzur
S U M Á R I O . 1. INTRODUCCIÓN. 2. EL CASO. 3. LAS CUESTIONES JURÍDICAS
FUNDAMENTALES. 3.1 El poder de mando militar y sus límites (jurídico-constitucionales). 3.2 La vigencia de
la libertad de conciencia del art. 4.1 de la Ley Fundamental para los soldados del ejército federal. 3.3 Los criterios
determinantes de la decisión en conciencia en el caso concreto. 3.3.a) Los fundamentos de la formación de la decisión.
b) La relevancia de la conformidad a Derecho internacional de la guerra de Irak para la decisión en conciencia. c) La
disconformidad a Derecho (internacional o constitucional) de la participación de la República Federal en la guerra de
Irak en el contexto de la concreta decisión en conciencia. d) La cuestión de la causalidad. 3.4 Límites de la libertad de
conciencia. 4. CONSIDERACIÓN FINAL SOBRE EL ESTILO DE LA SENTENCIA
1. INTRODUCCIÓN
Markus Kotzur
Derecho internacional público. Cuando el Estado constitucional abierto y cooperativo3 no puede
evitar el salto hacia la dimensión internacional, y al mismo tiempo incorpora «standards»
internacionales en el Derecho nacional y los impone mediante sus tribunales nacionales, el
Derecho internacional y el Derecho constitucional aparecen como los dos lados de una única
moneda. Entre los responsables de ello, y no en último lugar, está el tercer poder de los Estados
313
1
El texto fue publicado originalmente en Juristen Zeitung 1/2006, pp. 25-30, como comentario a la Sentencia de la Segunda Sala de lo Militar
del Tribunal Contencioso-Administrativo federal alemán de 21 de Junio de 2005 (BVerwG 2 WD 12.04), bajo el título "Gewissenfreiheit contra
Gehorsampflicht oder: der Irak-Krieg auf verwaltungsgerichtlichem Prüfstand". En el mismo número (JZ 2006, pp. 41-42) se recogen las
formulaciones generales que orientan la resolución (Leitsätze), que la propia Sala antepone a su sentencia; ésta se puede consultar íntegra en la
página web del Tribunal(http://www.bverwg.de/media/archive/3059.pdf, que ofrece, tras los Leitsätze, un resumen más extenso de los
fundamentos de la sentencia). KOTZUR, Markus. Libertad de conciencia frente al deber de obediencia a las órdenes recibidas en el Ejército, o
la Guerra De Irak bajo el control de los Tribunales Contencioso-Administrativo. Trad. Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Revista de Derecho Cons-
titucional Europeo, Granada, Espanha, a. 3, n. 6, jul./dez. 2006. Disponível em: <http://www.ugr.es/~redce/REDCE6/articulos/14markus-
kotzur.htm>.Acesso em 28.11.2007.
2
Por ejemplo BVerfGE 113, 273; sobre ella J. VOGEL, “Europäischer Haftbefehl und deutsches Verfassungsrecht”, JZ 2005, pp. 801 ss.; K. M.
BÖHM, “Das Europäische Haftbefehlsgesetz und seine rechtsstaatlichen Mängel”, NJW 2005, pp. 2588 ss.
3
P. HÄBERLE, “Der kooperative Verfassungsstaat” (1978), en P. HÄBERLE, Verfassung als öffentlicher Prozess, 3.ª ed. 1998, pp. 407 ss.; del mismo
autor Verfassungslehre als Kulturwissenschaft, 2.ª ed. 1998, pp. 177 ss.; más tarde S. HOBE, Der offene Verfassungsstaat zwischen Souveränität und
Interdependenz, 1998, y “Der kooperationsoffene Verfassungsstaat” en Der Staat 37 (1998), pp. 521 ss.; aún más amplio alcance tiene la obra hoy
ya clásica de K. VOGEL, Die Verfassungsentscheidung des Grundgesetzes für eine internationale Zusammenarbeit, 1964; más recientemente, y
atendiendo a la globalización, U. DI FABIO, Das Recht offener Staaten, 1998.
nacionales4, que tutela las garantías ofrecidas por el Derecho internacional, colabora en el proceso
de constitucionalización de este Derecho5 y, de este modo, está en condiciones de trazar los
Libertad de conciencia frente al deber de obediencia a las órdenes recibidas en el Ejército,
necesarios límites a una línea de pensamiento que, tomando como punto de partida la teoría del
estado de excepción6, vuelve a resultar popular en tiempos de amenaza terrorista global. De aquí,
en cualquier caso, surgen tanto posibilidades como riesgos: las posibilidades de una consecuente
imposición efectiva del Derecho internacional sobre la base de unas Constituciones nacionales
o la Guerra de Irak bajo el control de los Tribunales Contencioso-Administrativo
que le ofrecen colaboración; los peligros de un “judicial activism” con plena conciencia misionera
en ámbitos en los que procedería un discreto “judicial self-restraint”. La Segunda Sala de lo
Militar del Tribunal Contencioso-Administrativo Federal, en una espectacular sentencia que
comprende nada menos que 126 folios, con un despliegue argumentativo digno de una tesina,
hizo uso decidido de las posibilidades de actuar como “tribunal nacional de Derecho
internacional”. Con no menor decisión se puso la Sala a merced de (algunos de) los riesgos que
ello conlleva.
2. EL CASO
Reduzcamos el muy complejo caso a su problema central, aunque hayamos de asumir los
riesgos asociados a tales podas. Deliberadamente prescindimos de todas las cuestiones
procesales. Al recurrente, un Comandante (Major) del Ejército, militar profesional por tanto, en
activo como “Oficial de Estado Mayor de planificación, organización y procesamiento de
datos”, le correspondía el nivel salarial A13. En marzo de 2003 rechazó la orden, impartida
primero verbalmente y luego por escrito, de proseguir su tarea en el proyecto “SASPF” de
software de uso militar**. Como motivo adujo que no cabía excluir que los resultados de los
desarrollos de software dirigidos por él pudieran servir como apoyo para una “participación
ilegal de la República Federal en el ataque ilegal contra Irak”. En febrero de 2004, el Tribunal
Militar competente le consideró culpable de una falta en el servicio y le rebajó al grado de
capitán con nivel salarial A11. El tribunal valoró la conducta del militar como infracción dolosa
de los deberes de cumplimiento leal del servicio conforme al art. 7 de la Ley sobre el estatuto
jurídico de los militares (SG, «Soldatengesetz»), de vigilancia en el servicio conforme al art.10.2
de la SG, de obediencia conforme a la primera frase del art. 11.1 de la SG y de preservación de
la consideración y de la confianza que corresponde a un militar conforme a la primera frase del
4
La “relación de cooperación” entre instancias nacionales e internacionales resulta hoy intensamente debatida en el plano europeo por lo que se refiere
a la “protección cooperativa de los derechos humanos”: J. LIMBACH, “Die Kooperation der Gerichte in der künftigen europäischen
Grundrechtsarchitektur – Ein Beitrag zur Neubestimmung des Verhältnisses von BVerfG, EuGH und EGMR”, EuGRZ 2000, pp. 417 ss.; H. C.
KRÜGER/J. POLAKIEWICZ “Vorschläge für ein kohärentes System des Menschenrechtsschutzes in Europa. Europäische
314 Menschenrechtskonvention und EU-Grundrechte-Charta”, EuGRZ 2001, pp. 92 ss.; W. HOFFMANN-RIEM, “Kohärenz der Anwendung
nationaler und europäischer Grundrechte”, EuGRZ 2002, pp. 473 ss.; R. JAEGER, “Menschenrechtsschutz im Herzen Europas. Zur Kooperation
des Bundesverfassungsgerichts mit dem Europäischen Gerichtshof für Menschenrechte und dem Gerichtshof der Europäischen Gemeinschaften”,
EuGRZ 2005, pp. 193 ss.
5
Abriendo camino A. VERDROSS, Die Verfassung der Völkerrechtsgemeinschaft, 1926; también C. W. JENKS,The Common Law of Mankind,
1958, p. 169 y passim; desde una perspectiva actual W. HERTEL,Supranationalität als Verfassungsprinzip, 1998, pp. 87 ss. y también en otros pasajes;
P. M. DUPUY, “The Constitutional Dimensions of the Charter of the United Nations Revisited”, Max Planck Yearbook of International Law 1
(1997), pp. 1 ss.; B. FASSBENDER, UN Security Council Reform and the Right to Veto. A Constitutional Perspective, 1998, pp. 19 ss. (entre otras);
del mismo autor “The United Nations Charter as Constitution of the International Community”, Columbia Journal of Transnational Law 36 (1998),
pp. 529 ss.; D. THÜRER, “Modernes Völkerrecht: Ein System von Wandel und Wachstum – Gerechtigkeitsgedanke als Kraft der Veränderung”,
ZaöRV 60 (2000), pp. 557 ss.
6
E. ŠARÈEVIÆ, “Notstand und völkerrechtliches Verfassungsexperiment – Völkervertragsrechtliche Verfassungsgebung auf dem Prüfstand”, en
Gedächtnisschrift für J. Burmeister, 2005, pp. 359 ss.; M. KOTZUR, “Die Weltgemeinschaft im Ausnahmezustand”, AVR 42 (2004), pp. 353 ss.
** N. del T.: Standard-Anwendungs-Software-Produkt-Familien: La traducción podría ser “familias de productos de software de utilización
estandarizada”. Se trata de sustituir la multiplicidad de programas informáticos utilizados por los diferentes servicios del ejército federal por una única
plataforma que facilite el intercambio de datos y permita un funcionamiento en red más eficiente y rápido. Alguna información sobre este proyecto
puede obtenerse en la página web del propio Ministerio de Defensa alemán (http://www.bmvg.de/portal/a/bmvg).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 315
art. 17.2 de la SG. En una consideración de conjunto, se trata de una falta en el servicio
conforme al art. 23.1 de la SG y al art. 18.2 del Reglamento de disciplina militar (WDO,
«Wehrdisziplinarordnung»).
En los fundamentos de la sentencia se lee, entre otras cosas, que la orden impartida estaba
justificada, al margen de que el uso de la fuerza armada por parte de los Estados Unidos de
América en Irak merezca o no la calificación de guerra de agresión y de que la República
Federal de Alemania haya prestado colaboración o no. Su trabajo en el desarrollo de software
en ningún momento habría facilitado apoyo directo o indirecto a la intervención armada de
los Estados Unidos en Irak. El recurrente, un militar con años de profesión a sus espaldas y
experiencia como oficial de Estado Mayor, habría podido apreciarlo sin dificultad, y habría
debido hacerlo. Frente a la Sentencia del Tribunal Militar apeló el recurrente en marzo de
2004 ante el Tribunal Contencioso-Administrativo Federal. Alega que el Tribunal Militar
había omitido considerar los motivos de su decisión: a su juicio, la intervención militar de los
Estados Unidos contra Irak era una guerra de agresión, y consideraba como participación en
tal guerra de agresión el apoyo dado por ejemplo mediante el uso de aviones dotados de
dispositivos AWACS («Airborne Warning and Control System») y la vigilancia por el ejército
alemán de los cuarteles americanos, supliendo a los soldados americanos desplazados a la
guerra. Por eso había considerado que obedecer sin rechistar la orden recibida era
incompatible tanto con su conciencia como con la situación jurídica. Su conducta estaría
amparada por el art. 26 de la Ley Fundamental, el art. 80 del Código Penal, el art. 5 del Código
Penal Militar y el art. 11.2 de la SG. La apelación del militar ante el Tribunal Contencioso-
Administrativo Federal resultó acogida en todos sus extremos.
La sala que conoció del caso buscaba con su decisión, intensamente sustentada en citas
doctrinales, ante todo dos objetivos: en primer lugar quiere proteger la libertad de conciencia
(Art. 4.1 de la Ley Fundamental) de los soldados del ejército alemán en la mayor medida
posible, sin sacrificarla a precipitadas consideraciones de funcionalidad del servicio. Así dice
Markus Kotzur
literalmente (pág. 112)7, con evidente referencia crítica a la jurisprudencia del Tribunal
Constitucional8: “La Ley Fundamental regula (...) una vinculación de las fuerzas armadas a
los derechos fundamentales, y no por cierto una vinculación de los derechos fundamentales
a las decisiones y a las necesidades de las fuerzas armadas”. La segunda finalidad conduce
mucho más allá de los derechos fundamentales. El Tribunal utiliza las normas
correspondientes de la Ley Fundamental, del Derecho militar y del Derecho penal militar
para el control incidental, conscientemente planteado en términos fundamentales, de una
doble cuestión altamente explosiva: ¿fue la guerra de Irak conforme al Derecho 315
internacional? En caso contrario, ¿infringieron el Derecho internacional y el Derecho
constitucional (en especial los arts. 25 y 26 de la Ley Fundamental) los apoyos que prestó
Alemania a los Estados Unidos de América y al Reino Unido (garantía del derecho a
sobrevolar territorio alemán, utilización de las instalaciones situadas en Alemania, protección
de dichas instalaciones, vigilancia del espacio aéreo turco por soldados alemanes a bordo de
aviones AWACS)? Veámoslo en detalle.
7
La sentencia se cita siguiendo su publicación oficiosa en la página web del Tribunal Contencioso-Administrativo Federal.
8
BVerfGE 59, 1 ss. Existe una remisión expresa a los votos particulares de los Magistrados Mahrenholz y Böckenförde (pp. 57 ss.).
9
H. HERBELL, Staatsbürger in Uniform, 1969; U. SIMON, Die Integration der Bundeswehr in die Gesellschaft, 1980; K. KISTER/U. A. HUNDT
(ed.), Staatsbürger in Uniform – Wunschbild oder gelebte Realität, 1989; U. ULRICH, Beteiligung in der Bundeswehr, 2002; E. WIESENDAHL
(ed.), Neue Bundeswehr – neue Innere Führung, 2005; más en general W. MARTENS, Grundgesetz und Wehrverfassung, 1961; D. RAUSCHNIG,
en I. v. MÜNCH (ed.), Besonderes Verwaltungsrecht, 8.ª ed., 1988, pp. 919 ss.
10
C. ARNDT, “Bundeswehreinsatz für die UNO”, DÖV 1992, pp. 618 ss., 619; W. GRAF VITZTHUM, “Der Spannungs- und der Verteidigungsfall”,
en ISENSEE/KIRCHLOF, Handbuch des Staatsrechts, Bd. VII, 1992, parágrafo 170.
11
ALEXANDROV, Self-Defense against the Use of Force in International Law, 1996; Gardam, Proportionality, Necessity and the Use of Force by
States, 2004; más referencias en M. BOTHE, “Friedenssicherung und Kriegsrecht”, en W. GRAF VITZTHUM (ed.), Völkerrecht, 3.ª ed. 2004, 8.ª
Sección, número marginal 19, nota a pié de página 63.
12
Véase entre otros D. KHAN, en K. AMBOS et alii (ed.), Der Irak-Krieg und das Völkerrecht, 2004; G. Werle, Völkerstrafrecht, 2003.
13
R. STREINZ, en M. SACHS (ed.), GG-Kommentar, 3.ª ed. 2003, Art. 26, número marginal 18, con más referencias.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 317
de la orden impartida contradiría las normas generales del Derecho internacional14 en el sentido
del art. 25 de la Ley Fundamental (6). Finalmente, carecen igualmente de vinculatoriedad las
órdenes “inadmisibles”. Tal inadmisibilidad se produce cuando se inmiscuyen de modo
particularmente profundo y amplio en la esfera de la personalidad15. Con ello queda tendido el
puente que conduce al art. 4.1 de la Ley Fundamental, porque la libertad de conciencia y de la
decisión en conciencia están vinculadas de modo inescindible a la imagen de la personalidad
moral autónoma en la que se apoya la propia Constitución16.
3.2 La vigencia de la libertad de conciencia del art. 4.1 de la Ley Fundamental para
los soldados del ejército federal
Que los derechos fundamentales extienen su vigencia también a las llamadas relaciones
especiales de sujeción recibe hoy un reconocimiento consolidado17, y resulta especialmente
adecuado para la libertad de conciencia. Tal “derecho fundamental originario” no sólo afecta al
núcleo de la formación de la personalidad y la identidad de las personas, sino que, como derecho
fundamental, resulta además una piedra de toque para la situación del Estado y de la sociedad18
– también para la autoidentificación del ejército, radicado en la sociedad y que actúa desde su
interior19. Como parte del poder ejecutivo, el ejército federal está vinculado a los derechos
fundamentales, a la ley y al Derecho, de conformidad con los arts. 1.3 y 20.3 de la Ley
Fundamental. Además, sus fundamentos éticos20 y la libertad de conciencia de sus miembros, que
actúan y deciden bajo su propia responsabilidad ética, resultan inseparables. Con convicente
naturalidad, la Sala refiere la libertad de conciencia al ámbito de máxima sensibilidad ética del
servicio a las armas21. No queda impedido de apelar a su libertad de conciencia, por ejemplo,
quien no haya objetado al servicio militar conforme al art. 4.3 de la Ley Fundamental22.
Justamente quien se ha obligado al servicio al ejército, sea como soldado de reemplazo, sea como
militar profesional, debe someter su acción cotidiana al juicio constante de su conciencia y,
conforme a la segunda frase del art. 11.1 de la SG está expresamente constreñido a actuar “en
conciencia”. La imagen de la obediencia “reflexiva” o “pensante” resulta muy ilustrativa. Pero de
Markus Kotzur
14
Del que forma parte en cualquier caso (pero de ningún modo puede entenderse que sólo él) el “ius cogens”, que por su parte es reconocido en el
art. 53 de la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados; véanse por ejemplo S. KADELBACH, Zwingendes Völkerrecht, 1992; A.
VERDROSS/B. SIMMA,Universelles Völkerrecht, 3.ª ed. 1984, parágrafo 1263; W. GRAF VITZTHUM, “Begriff, Geschichte und Quellen des
Völkerrechts”, en la obra editada por él mismo Völkerrecht, 3.ª ed. 2004, 1.ª Sección, número marginal 13. Sobre la prohibición del uso de la fuerza
detalladamente M. BOTHE, “Friedenssicherung und Kriegsrecht”, en la misma obra, 8.ª Sección, números marginales 3 ss. Entre tales normas
generales se incluye también el Derecho internacional consuetudinario en virtud del art. 38.1 letra b del Estatuto del Tribunal de Justicia Internacional
y los principios generales del Derecho conforme a la letra c del mismo precepto. El art. 59.2 de la Ley Fundamental es lex specialis para la vigencia
interna del Derecho internacional convencional, cfr. R. STREINZ en M. SACHS, GG-Kommentar, Art. 25, números marginales 29 y ss.
15
Sobre este extremo se extiende la sentencia en pp. 38 y ss.
16
BVerwGE 12, 45 (54); R. BÄUMLIN y E.-W. BÖCKENFÖRDE, “Das Grundrecht der Gewissensfreiheit”, VVDStRL 28 (1970), pp. 3 ss. y 33 ss. 317
respectivamente; H. BETHGE, “Gewissensfreiheit”, en ISENSEE/KIRCHHOF, Handbuch des Staatsrechts, Bd. VI, 2.ª ed. 2001, parágrafo 137;
M. MORLOK en H. DREIER (ed.), GG-Kommentar, Bd. I, 2.ª ed. 2004, Art. 4, números marginales y 81 ss.; sobre la imagen de la personalidad
moral autónoma P. HÄBERLE, Das Menschenbild im Verfassungsstaat, 3.ª ed. 2005; U. BECKER, Das “Menschenbild des Grundgesetzes” in der
Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts, 1996.
17
H. BETHGE, “Gewissensfreiheit”, op. cit. en n. 15, número marginal 17, con referencias adicionales; de la literatura anterior véase A. PODLECH,
Das Grundrecht der Gewissensfreiheit und die besonderen Gewaltverhältnisse, 1969.
18
U. STEINER, “Das Grundrecht der Glaubens- und Gewissensfreiheit (Art. 4 I, II GG)”, JuS 1982, p. 156.
19
U. SIMON,Die Integration der Bundeswehr in die Gesellschaft, 1980.
20
K. EBELING/A. SEIFFERT/R. SENGER, Ethische Fundamente der inneren Führung, 2002.
21
Véanse también BVerwG 1 WDB 1/70; BVerwGE 83, 358 (360); BVerwGE 93, 323 (329); BVerwGE 103, 361 (371 s.).
22
Cfr. la exposición de las pp. 61 ss. de la sentencia. El proceder metódico de la Sala resulta modélico. Concretiza las expresiones de la Ley Fundamental
atendiendo a las reglas de las Constituciones de los Länder, reflexiona sobre la historia de su desarrollo y genera consecuentemente un comparatismo
jurídico en el interior de la Federación. Sobre el art. 4.3 de la Ley Fundamental cfr. A. ARNDT, “Das Grundrecht der Kriegsdienstverweigerung”,
en E.-W. BÖCKENFÖRDE/W. LEWALD (ed.), Gesammelte juristische Schriften von A. Arndt, 1976, pp. 171 ss.; W. BERG, “Das Grundrecht
der Kriegsdienstverweigerung in der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts”, AöR 107 (1982), pp. 585 ss.
tal obligación de “pensar” y enjuiciar crítica y autocríticamente se sigue aún otra consecuencia.
Quien libremente ha asumido una relación obligatoria debe prever las consecuencias ligadas a ella
Libertad de conciencia frente al deber de obediencia a las órdenes recibidas en el Ejército,
implicado en decisiones fundamentales de amplio calado ético sobre cuestiones muy discutidas
en Derecho internacional, como por ejemplo la participación en una intervención humanitaria.
La conciencia resulta ser un fenómeno espiritual, en último extremo metajurídico24, y por ello
las decisiones en conciencia son realmente difíciles de medir con criterios objetivos o al menos
susceptibles de ser compartidos intersubjetivamente. La concepción que de sí mismo tiene el
titular del derecho fundamental desempeña un importante papel, porque lo que realmente
pretende el derecho fundamental también se decide en lo esencial en la acción de ese mismo
sujeto25. A la vista de la “multiplicidad de formaciones personalísimas de criterio ético”26 el
Tribunal Constitucional ha optado por un principio formal de definición. Decisión en conciencia
es “aquella decisión seriamente moral (esto es, orientada conforme a las categorías de lo bueno
y lo malo) que el individuo en una situación determinada experimenta como vinculante para sí e
incondicionalmente obligatoria en su interior, de modo que no podría actuar en contra de ella sin
forzar seriamente su conciencia”27. Del mismo modo, el Tribunal contencioso-administrativo
coloca en este caso la seriedad, profundidad e imperatividad de la decisión en conciencia del
militar en el centro de su argumentación y se remite a su cuidadoso proceso de decisión, al
asesoramiento jurídico que buscó en vano, al consejo que pidió al capellán militar. Igualmente
subraya el Tribunal que nada depende de la “verdad” y “justicia” de la decisión.
23
H. BETHGE, cit. en n. 15, número marginal 17.
24
Ibidem, número marginal 3.
25
P. HÄBERLE, Die Wesensgehaltgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz, 3.ª ed. 1983, p. 362.
26
M. MORLOK, cit. en n. 15, número marginal 82.
27
BVerfGE 12, 45 (55) y jurisprudencia constante.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 319
Markus Kotzur
Después de haber asumido incidentalmente que la guerra de Irak infringe el Derecho
internacional, la sala deriva del Derecho internacional y del Derecho constitucional graves
reparos contra las medidas de apoyo prestadas por la República Federal (garantía del derecho a
sobrevolar territorio alemán, utilización de las instalaciones situadas en Alemania, protección de
dichas instalaciones, vigilancia del espacio aéreo turco por soldados alemanes a bordo de aviones
AWACS). La valoración jurídica a partir en especial de los arts. 25 y 26 de la Ley Fundamental es
de nuevo incidental, resulta por los motivos ya antes indicados tan poco necesaria como las 319
explicaciones anteriores sobre cuestiones jurídico-internacionales, y su orientación no está exenta
28
Véase al respecto, entre la abundante bibliografía, D. BLUMENWITZ, “Die völkerrechtlichen Aspekte des Irak-Konflikts”, ZfP 50 (2003), pp. 301
ss.; M. BOTHE, “Der Irak-Krieg und das Völkerrechtliche Gewaltverbot”, AVR 41 (2003), pp. 255 ss.; R. FALK, “What Future for the UN Charter
System of War Prevention”, AJIL 97 (2003), pp. 590 ss.; T. FRANCK, “What Happens Now”, AJIL 97 (2003), pp. 607 ss.; D. MURSWIEK, “Die
amerikanische Präventivkriegsstrategie und das Völkerrecht”, NJW 2003, pp. 1014 ss.; G. SEIDEL, “Quo vadis Völkerrecht?”, AVR 41 (2003), pp.
449 ss.; R. STREINZ, “Wo steht das Gewaltverbot heute?”, JöR 52 (2004), pp. 291 ss.; M. KOTZUR, “Die Weltgemeinschaft im
Ausnahmezustand?”, AVR 42 (2004), pp. 353 ss., 374 ss.; Th. BREITWIESER, “Vorweggenommene Selbstverteidigung und das Völkerrecht”,
NZWehrr (47) 2005, pp. 45 ss.
29
Cfr. por ejemplo R. STREINZ, cit. en n. 27; J. KOKOTT, “Souveräne Gleichheit und Demokratie im Völkerrecht”, ZaöRV 64 (2004), pp. 517 ss.;
sobre la prohibición del uso de la fuerza también M. HERDEGEN, Völkerrecht, 4.ª ed. 2005.
30
Una primera referencia a ella por ejemplo en M. BOTHE, “Friedenssicherung und Kriegsrecht”, en W. GRAF VITZTHUM (ed.), Völkerrecht, 3.ª
ed. 2004, 8.ª Sección, número marginal 19, notas a pie de página 63 y ss.
de objeciones. Qué obligaciones resultan para Alemania del Tratado de la OTAN, del Estatuto
de las tropas de la OTAN, etc., exigiría un análisis más diferenciado. Ciertamente no pueden
Libertad de conciencia frente al deber de obediencia a las órdenes recibidas en el Ejército,
de modo completamente irreflexivo sin haberse ocupado intensamente de las muy específicas
obligaciones jurídico-internacionales y jurídicos-constitucionales que concurren en el caso
concreto puede conducir a resultados irracionales. Sirva como ilustración un ejemplo extremo:
aceptemos que una base militar de los Estados Unidos en Alemania se usa para volar hacia el
territorio de la guerra o para fines parecidos. Si esa base está amenazada por una manifestación
violenta, ¿qué medidas estaría autorizada a tomar Alemania para garantizar la seguridad de la
instalación sin que le fuera imputada la participación en la guerra de agresión? ¿No estaría
igualmente obligada (atendiendo a la dimensión de deber de protección de los derechos
fundamentales y de los derechos humanos protegidos por el derecho internacional) a proteger
efectivamente a los soldados amercianos estacionados en Alemania?
Aún más reparos suscita que la Sala sobreentienda que podríamos estar ante una guerra de
agresión contraria al Derecho internacional. Un veredicto de tanto alcance, único hasta ahora
en la historia de la República Federal, no debe emitirse sin un completo análisis de todos los
argumentos aportados por la doctrina del Derecho internacional – ni siquera como
“simple”«obiter dictum». Acertadamente se remite el Tribunal a la definición de agresión dada
por la Asamblea General de la ONU el 14 de Diciembre de 1974 (Res. 3314 IX), entiende que
el término “guerra de agresión” está acuñado por el Derecho internacional y reconoce en la
prohibición universal del uso de la fuerza enunciado en el principio n.º 4 del art. 2 de la Carta
de las Naciones Unidas el punto de apoyo adecuado para el análisis31. Pero resulta muy
discutido, justamente a la vista de los últimos desarrollos, que toda agresión contraria al
Derecho internacional, que infrinja el art. 2 n.º 4 de la Carta de las Naciones Unidas, deba
calificarse como guerra de agresión. Cabe aludir por ejemplo a la intervención humanitaria sin
acuerdo del Consejo de Seguridad, que algunos valoran como inequívoca infracción de la
prohibición del uso de la fuerza, otros como impuesta por los derechos humanos32. Merecen
aquí consideración argumentos que, en conexión con los delitos de agresión, proceden del art.
5.1, letra d), del Estatuto de la Corte Penal Internacional. Para que se dé el supuesto de hecho
de una guerra de agresión no sería suficiente una simple infracción del n.º 4 del art. 2 de la
Carta de las Naciones Unidas, además debería concurrir un elemento agresivo adicional, por
ejemplo la intención de someter duraderamente al Estado atacado o de disponer sobre su
territorio33. Si la sala hubiera tenido que tomar posición sobre la cuestión de la guerra de
320 agresión, habría necesitado confrontarse de modo mucho más intenso con esta cuestión. Pero
ni tal toma de posición era necesaria, ni se asume la carga de argumentar sobre ello con el
detalle exigible.
31
Sobre este ámbito de problemas F. MÜLLER, Die Pönalisierung des Angriffskrieges im Grundgesetz und dem Strafgesetzbuch der Bundesrepublik
Deutschland, Dissertation en Heidelberg 1970; K. DOEHRING, “Das Friedensgebot des Grundgesetzes”, en ISENSEE/KIRCHHOF, Handbuch
des Staatsrechts, Bd. VII, 1992, parágrafo 178; para una definición de la guerra de agresión cfr. I. PERNICE en H. DREIER (ed.), GG-Kommentar,
Bd. II, 1998, Art. 26 número marginal 17; K.-A. HERNEKAMP en I. v. MÜNCJ/Ph. KUNIG (ed.), Grundgesetz, Bd. II, 5.ª ed. 2001, Art. 26
número marginal 23.
32
Sobre los criterios doctrinales tras la guerra de Kosovo véase por ejemplo M. WELLHAUSEN, Humanitäre Intervention, 2002.
33
Cfr. M. E. KURTH, “Der Angriffskrieg und seine völkerrechtliche Bewertung”, NZWehrr 2005, pp. 59 ss.; G. WERLE, Völkerstrafrecht, 2003,
número marginal 1159, con referencias adicionales.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 321
d) La cuestión de la causalidad
Con razón subraya la Sala34 que para la decisión en conciencia resulta irrelevante que el
proyecto SASPF supusiera, en realidad, una colaboración causalmente verificable con el apoyo a
la guerra de Irak; es suficiente con que exista una posibilidad digna de ser tenida en cuenta. Mas
para que tal posibilidad sea en efecto digna de ser tenida en cuenta no puede bastar con que se
trate de cualquier contribución más o menos accidental, más bien dependerá de su cualidad y su
trascendencia. En caso contrario cabría pensar en ejemplos extremos. Dado que el ejército
federal se financia con impuestos, y sin duda también las concretas medidas de apoyo a los
Estados Unidos de América y sus aliados son financiadas mediante impuestos, ¿no habrían
podido alegar cualquier ciudadana o cualquier ciudadano el derecho a negarse a pagar parte de
sus impuestos amparándose en su conciencia? Pues bien, sigue siendo dudoso que el proyecto
SASPF posibilite un crecimiento de cualidad y transcendencia suficientemente significativas de la
“interoperabilidad” del ejército federal con los Estados Unidos de América, la OTAN y la Unión
Europea.
Markus Kotzur
derechos fundamentales (entre otros, de los arts. 1.1 o 2.2 de la Ley Fundamental). Todo ello
debe ser valorado en un amplio proceso de ponderación, debe lograrse la “concordancia
práctica” (K. Hesse) de los bienes constitucionales en conflicto. Aquí subraya el Tribunal
Contencioso-Administrativo federal, de un lado, que al militar debiera habérsele ofrecido una
alternativa capaz de satisfacer a su conciencia38, pero también señala que los motivos de
conciencia no deben plantearse de modo intempestivo, puesto que la alternativa depende en
gran medida de las posibilidades que estén abiertas en las circunstancias concretas. Resultan
por ello infundados los temores de algunos críticos de la sentencia, para los que una objeción 321
de conciencia repentinamente planteada durante una acción armada podría afectar de modo
inadmisible a la capacidad de acción de la fuerza militar. De momento, la caja de Pandora
permanece cerrada.
34
P. 71 de la sentencia.
35
Así lo expresa el Tribunal Constitucional con referencia a la libertad religiosa en BVerfGE 30, 173 (pp. 191 y 193).
36
BVerfGE 69, 1 (p. 57 y ss.) en términos generales Ch. GRAMM, “Die Aufgaben der Bundeswehr in den Grenzen der Verfassung”, NZWehrr 47
(2005), pp. 133 ss.
37
Sobre los fines básicos del Estado como límites de la libertad de conciencia E.-W. BÖCKENFÖRDE, cit. en n. 15; la procura de la seguridad como
fin del Estado es considerada por K.-P. SOMMERMANN, Staatsziele und Staatszielbestimmungen, 1997.
38
En favor de ello aboga también el deber de velar por los subordinados que deriva del art 10. 3 SG, véase además p. 115 de la sentencia.
El estilo de una sentencia puede ofrecer una rica información sobre sus intenciones39. La Sala
aquí oscila, de manera ciertamente atípica para el Tribunal Contencioso-Administrativo federal,
entre la sobriedad objetiva y el pathos inflamado del apóstol. Quiere despertar emociones, por
ejemplo con el muy desarrollado y extraordinariamente positivo retrato de la personalidad del
o la Guerra de Irak bajo el control de los Tribunales Contencioso-Administrativo
militar recurrente40:
“El militar tiene una personalidad profundamente marcada por su entorno cristiano-católico,
no se decide fácilmente a dar pasos capaces de tener graves consecuencias (...). Como
repetidamente se dice también en las valoraciones oficiales que en el pasado se han emitido sobre
él, se caracteriza tanto por un fuerte sentido de la justicia como por un extraordinario sentido del
deber y de la responsabilidad, sin por ello caer en el peligro de la hipermoralización, menos aún
del fanatismo. Por ello resulta, cuando a su juicio es necesario y exigido, incómodo y perseverante
incluso frente a las más fuertes exigencias y los mayores obstáculos. Sorprende su tenaz y a todas
luces exitoso empeño en mantener una conducta veraz y recta. Rechaza abiertamente el
oportunismo y la adulación”.
También entrelíneas puede escucharse un eco más o menos sublime, incluso desde el punto
de vista político, cuando por ejemplo se dice sobre el militar41: “de este modo se enfrenta
explícitamente, entre otras cosas, a la pretensión del Presidente de los Estados Unidos, de que
Dios personalmente le había encargado a él, el Presidente de los Estados Unidos, emprender la
guerra contra Irak. Profundamente irritado por esta arrogancia – el militar lo percibía así –,
insistía en que su Dios, el del soldado, era otro distinto”. Los fundamentos jurídicos de la
sentencia recogen incluso el texto de una oración por la paz a la que el recurrente hace
referenciaia42 para cimentar la seriedad de su conflicto de conciencia. La fundamentación de la
sentencia desborda así completamente sus límites naturales. No queda libre de la sospecha de
haber mezclado la voluntad política con el deber ser jurídico, la ratio de la decisión con la emotio
de quienes decidían. Ello debilita su fuerza de convicción incluso en los aspectos que merecen
aprobación. Ciertamente debe tributarse respeto a la claridad con la que la Sala ha hecho público
su prejuicio («Vorverständnis») y ha tomado posición sobre la guerra de Irak. La virtud del
“judicial self-restraint”, sin embargo, ha quedado olvidada entre tanto fervor.
322
39
H. KÖTZ, Über den Stil höchstrichterlicher Entscheidungen, 1973; P. KIRCHHOF, Die Bestimmtheit und Offenheit der Rechtssprache, 1987; en
fechas muy recientes cfr. las intervenciones del Primer Coloquio Investigador de la “Fundación Peter Häberle de la Universidad de St. Gallen” sobre
los temas “Recht – Urteil – Sprache: Aus kulturwissenschaftlicher Sicht” (U. LANDFESTER), “Recht – Urteil – Sprache: Neue Erkenntnisse und
Entwicklungen aus sprach- und rechtswissenschaftlicher Sicht” (M.. MORLOK), “Begründungen höchstrichterlicher Grundsatzentscheidungen aus
rechtsvergleichender Perspektive” (Lord L. HOFFMANN de la Cámara de los Lores, W. WALTER por parte del Tribunal Federal Suizo, L.
WILDHABER desde el Tribunal Europeo de Derechos Humanos). La publicación de las actas de las jornadas está prevista para 2006.
40
Pp. 103 y s.
41
Pp. 102 y ss.
42
P. 103.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 323
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 324
DO DIREITO
CONSTITUCIONAL
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 325
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 326
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 327
como alcançar a mutação constitucional almejada sem ofender o pluralismo político, princípio
este norteador de todo o regramento constitucional?
A priori, faz-se necessário explanar, de forma sucinta, alguns dos princípios basilares do
sistema representativo brasileiro. A Constituição Federal consagra em seu art. 1º, parágrafo único,
que o poder provém do povo, exercendo-o ora de forma indireta, por meio de seus
Fidelidade partidária: instrumento edificador de novas perspectivas constitucionais
1
MEIRELLES TEIXEIRA, J.H. Curso de Direito Constitucional. S. Paulo: Forense Universitária, 1991. P. 487.
2
SILVA, J. Nepomuceno. A Importância do Instituto da Fidelidade Partidária na Reforma Política Brasileira, IN Revista do Instituto de
Advogados de Minas Gerais, nº.11 Jan./Dez. 2005. P. 31.
3
CONSTITUIÇÃO FRANCESA. Titulo III, cap. I, seção III, art. 7º.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 329
modificativo, anunciando o presságio que nas palavras de Paulo Bonavides se traduz no retorno
ao mandato imperativo:
As tendências contemporâneas da sociedade de massas se inclinam a cercear as faculdades do
representante, jungi-las a organizações partidárias e profissionais ou aos grupos de interesses e
fazer o mandato cada vez mais imperativo. Essas tendências têm apoio teórico nos fundamentos
da representação concebida segundo a regra da “identidade”, que em boa lógica retira ao
representante todo o poder próprio de intervenção política animada pelos estímulos de sua
vontade autônoma e o acorrenta sem remédio à vontade dos governados, escravizando-o por
inteiro a um escrúpulo de ‘fidelidade’ ao mandante. É a vontade deste que ele em primeiro lugar
se acha no dever de ‘reproduzir’, como se fora fita magnética ou simples folha de papel carbono.4
A soberania brasileira, até recente manifestação do Supremo Tribunal Federal, possuía
nitidamente como tradição político-constitucional o mandato facultativo ou livre, pois em sendo
o voto cada vez mais pessoal que partidário, torna-se fácil testemunhar além do descumprimento
das instruções do partido pelo representante, a incessante troca da agremiação partidária. Em
Portugal, entretanto, a realidade política é diversa.
Nas terras de Vera Cruz, onde a governabilidade tem ocorrido graças a coalizões devido ao
baixo índice da bancada governista, é de extrema importância, para que haja a estabilidade
institucional, que os membros alcançados por um determinado partido quando do processo
eleitoral sejam mantidos no decorrer da legislatura. Logo, a troca de partidos não somente sujeita
o candidato à censura e demissão, mas, nessa conjuntura, imobiliza-o, comprometendo o
funcionamento de todo o sistema semi-presidencialista.5
No Brasil, entretanto, até recentemente a cultura era radicalmente distinta das Terras
Lusitanas. Inúmeros foram os acórdãos proferidos pelo STF e TSE6 no sentido de que a
infidelidade partidária não era pressuposto válido para desencadear conseqüências gravosas
como a perda do mandato. Corroborando com esse raciocínio, o TSE, em 1989, proferiu a
decisão 10.998 em que sua ementa diz “Situação do filiado eleito por partido e que
4
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 218.
5
LOPES, Maurício Caldas. Algumas Reflexões sobre a fidelidade partidária. In Fórum Administrativo. Ano 7, nº. 78, 2007, P. 28.
6
No mesmo sentido, TSE processo nº. 8.535 em 3/4/1990; Recurso contra Diplomação nº. 3.090 em 20/09/1997; Mandado de Segurança nº.
356/99 em 30/11/1999.
7
O Estatuto dos Democratas, em seu art. 96, prevê que “Os filiados, especialmente os membros de órgãos partidários, mediante a apuração em
processo regular em que lhes seja garantida ampla defesa, ficarão sujeitos às medidas disciplinares, quando ficar provado que são responsáveis
por: a) infração de dispositivos do Programa, do Estatuto, do Código de Ética, ou desobediência à orientação política fixada pelo órgão
competente; b) desobediência às deliberações e às diretrizes regularmente tomadas em questões de interesse partidário, inclusive pela
Bancada a que pertencer o Senador, o Deputado Federal, o Deputado Estadual ou o Vereador; c) infidelidade partidária, nos termos da
legislação pertinente e deste Estatuto; Parágrafo único - O filiado que, eleito pela legenda do Democratas, vier a se desligar do Partido
durante o exercício do mandato, cometerá ato de infidelidade partidária e ficará sujeito ao pagamento de multa em valor que será
fixado mediante Resolução da Comissão Executiva Nacional. (grifo nosso).
Solidário a estes julgados, o STF na década de 90, ousou quando alargou essa compreensão,
abarcando também os suplentes dos detentores de mandato:
Em que pese o princípio da representação proporcional e a representação parlamentar federal
por intermédio dos partidos políticos, não perde a condição de suplente o candidato diplomado
pela Justiça Eleitoral que, posteriormente, desvincula-se do partido ou aliança partidária pelo qual
se elegeu.
A inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária aos parlamentares empossados se
estende, no silêncio da Constituição e da lei, aos respectivos suplentes.8
Do mesmo modo, já em 2004, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, asseverou-se no
Mandado de Segurança 23.405 que há impossibilidade de perda de mandato parlamentar, no que
tange à infidelidade partidária, visto que tal hipótese não está elencada entre as causas de perda
de mandato a que alude o art. 55 da Constituição. Assim, utilizando-se de uma interpretação
literal perante o arcabouço constitucional, optou-se por consolidar a tese restrita à legalidade.
Uma vez ausente dispositivo que versasse acerca da matéria de forma expressa, não caberia uma
interpretação extensiva do texto constitucional.
Essa cultura fortemente arraigada, contudo, sofreu repentinamente uma grande mutação,
pois de acordo com Cristian Klein “a palavra de ordem que nos anos 60 havia sido revolução e
nos anos 80 foi redemocratização, hoje é, cada vez mais, reforma” 9. Com fulgor e lucidez, o
Tribunal Superior Eleitoral exteriorizou em março de 2007 uma grande evolução, um movimento
vanguardista que pode ser compreendido no voto do Ministro relator Cesar Asfor Rocha quando
da Consulta nº 22.526 formulada pelo Partido da Frente Liberal10:
Ora, não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano prático, que o vínculo de
um candidato ao Partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único
elemento de sua identidade política, podendo ser afirmado que o candidato não existe fora do
Partido Político e nenhuma candidatura é possível fora de uma bandeira partidária.
Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposição de que o mandato
político eletivo pertence ao indivíduo eleito, pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato
eleito, ter-se-ia tornado senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas
transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer, à moda do
exercício de uma prerrogativa privatística, todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive
o de dele dispor.11
330 O entendimento do ministro Cesar Asfor é basicamente o de diferenciar normas de Direito
Público e Privado, isto é, apesar da nossa Constituição não abordar a matéria de forma profunda,
detalhando com precisão o instituto da fidelidade partidária, aquilo que nela não está previsto
conseqüentemente não pode ser realizado. O Estado, portanto, isso entendido também os
8
Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 20.927. Relator: Ministro Moreira Alves.
9
KLEIN, Cristian. O Desafio da Reforma Política – conseqüência dos sistemas eleitorais de lista aberta e fechada. Rio de Janeiro:
Mauad, 2007. P. 15.
10
Tal consulta indagava: “Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver
pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”. O Tribunal, por maioria,
respondeu positivamente a Consulta, na forma do voto do relator.
11
Serviram como leading case STF - MS 20927/DF; STF - MS 23405/GO; STF - ADI-MC 1063/DF.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 331
agentes políticos, deve buscar pautar todas as suas ações em consonância com as matérias
previstas no nosso regramento constitucional. Assim:
(...) o raciocínio jurídico segundo o qual o que não é proibido é permitido, somente tem
incidência no domínio do Direito Privado, onde as relações são regidas pela denominada licitude
implícita, o contrário ocorrendo no domínio do Direito Público, como bem demonstrou o
eminente Professor Geraldo Ataliba (Comentários ao CTN, Rio de Janeiro, Forense, 1982),
assinalando que, nesse campo, o que não é previsto é proibido.12
O objetivo precípuo foi buscar edificar um sistema de rígida disciplina partidária, impondo ao
parlamentar a perda do mandato caso venha a se filiar a partido diverso daquele pelo qual se
elegeu. Esse raciocínio ganhou ainda mais visibilidade e notoriedade após o recente, mas não
tímido julgamento do STF no Mandado de Segurança 26603.
A Suprema Corte, após ter sido convocada a analisar os mandados de segurança impetrados
por PSDB, DEM e PPS, buscou desconsiderar não somente todo o entendimento de outrora,
mas permitiu, por intermédio da ressurreição da fidelidade partidária, o vislumbramento de um
novo amanhã político-constitucional: o resgate da soberania popular e da legitimidade
institucional. Os referidos writs versavam sobre o mesmo objeto, isto é, buscaram os partidos
avocar para si a legitimidade do mandato, preponderando no julgamento da questão o
entendimento segundo o qual “a obrigação da filiação partidária significa que a origem da
representação popular está indissoluvelmente ligada aos partidos políticos”13.
Antes desse fato, contudo, ainda no julgamento da Adi 1351 de dezembro de 2006, acerca da
Cláusula de Barreira, o Ministro Relator Marco Aurélio sinalizou a favor da fidelidade ao partido,
asseverando que: “Surge incongruente assentar a necessidade de o candidato ter, em um primeiro
passo, o aval de certo partido e, a seguir eleito, olvidar a agremiação na vida parlamentar. O
casamento não é passível desse divórcio” 14. No mesmo sentido, o ministro Gilmar Mendes
explanou que havia “uma imperiosa necessidade de mudança na jurisprudência sobre a fidelidade
partidária, porquanto a troca de partido representa uma evidente violação à vontade do eleitor e um
12
Tribunal Superior Eleitoral, Resolução 22.526, Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha.
13
Supremo Tribunal Federal. Voto do Ministro Alberto Direito no Mandado de Segurança nº. 26603 sobre a relatoria do Ministro Celso de Melo.
14
MATSUURA, Lílian.. Punição aos infiéis. Em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/54222,1
15
MATSUURA, Lílian.. Punição aos infiéis. Em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/54222,1
partido pelos seus membros. Essa tese justifica-se, pois tendo em vista que é elemento essencial
a filiação ao partido para que haja a candidatura, não pode o agente político furtar-se à
responsabilidade de, após eleito, olvidar de todo o compromisso antes firmado perante a
agremiação política.
A posteriori, tem-se também o fato do povo buscar refletir com maior cautela e zelo a respeito
Fidelidade partidária: instrumento edificador de novas perspectivas constitucionais
16
APUD GARCIA, Maria. OS PODERES DO MANDATO E O RECALL. Revista dos Tribunais: São Paulo. Ano 13, JAN/MARC, 2005. P. 34
17
APUD GARCIA, Maria. OS PODERES DO MANDATO E O RECALL. Revista dos Tribunais: São Paulo. Ano 13, JAN/MARC, 2005.
P. 32.
18
CRUVINEL, Tereza. Artigo publicado na coluna “Panorama Político” no Jornal “O Globo”, do dia 9 de outubro de 2003.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 333
que na França perduraram até a Revolução de 1789. Quando os Deputados mostravam-se infiéis
a esse ‘mandato imperativo’, podiam ser revogados pelos eleitores. Depois de desaparecido o
mandato imperativo, com a implantação do sistema representativo moderno, a revogação
popular de mandatos reapareceu como instituto de governo semidireto, ou seja, aquele que
procura aumentar a participação e o controle do povo sobre os governantes. A primeira forma
dessa revogação é a destituição de todos os membros do Parlamento pelo eleitorado.
Representa uma dissolução popular do Parlamento, sendo conhecida sob o termo alemão de
Abberufungsrecht. Vemo-lo em alguns Cantões da Suíça, no Leichtentein, e em Estados-Membros da
Alemanha Federal, onde o instituto já era conhecido desde a República de Weimar. A forma de
eleição para destituir titulares individuais de cargos surgiu na América do Norte com o nome
de Recall onde existe em diversos dos seus Estados e em grande número de governos locais.
Usado mais freqüentemente para revogar o mandato de legisladores estaduais, governadores,
prefeitos e conselheiros municipais, o Recall, em alguns Estados-Membros da União norte-
americana, também pode ser manejado contra funcionários administrativos e até contra juízes.
Na União Soviética e em várias‘democracias populares’, ele é adotado contra membros dos
corpos legislativos. No Brasil, o Recall foi previsto na Constituição gaúcha de1891 (art. 39) para
deputados estaduais, enquanto a Constituição de Goiás de 1891 (reformada em 1898) o admitiu
para ‘conselheiros’ municipais (art. 27)” 19
Nesse contexto, determinados sistemas constitucionais, que possuem a democracia
semidireta como princípio basilar, instituíram no arcabouço constitucional local mecanismos
peculiares de ação efetiva para que o povo – titular do poder Constituinte Originário – tivesse
controle sobre as autoridades, concedendo-lhe o condão de por termo ao mandato eletivo do
parlamentar, antes, obviamente, do término do respectivo prazo legal. Esse instrumento, no
entendimento de Bonavides, vem consubstanciado no chamado direito de revogação, assumindo
duas modalidades: o Recall e o Abberufungsrecht.
O Recall, ao contrário do Abberufungsrecht, é meio de revogação pontual, específico e
19
SAMPAIO, Nelson de Sousa. Eleições e Sistemas Eleitorais. Revista Paraná Eleitoral, nº. 07 1988.
Vale salientar que inúmeros foram os países do antigo Bloco Socialista que seguiram o exemplo
da União Soviética, ainda perdurando-o na Constituição Cubana em seu Art. 8520.
No caso brasileiro, o acolhimento do Recall ocorreu com o advento da República, conferindo
aos Estados-membros, por meio do princípio federativo, a autonomia necessária para que
legislassem no âmbito e nos limites relativos à jurisdição local. Nesta esfera político-
Fidelidade partidária: instrumento edificador de novas perspectivas constitucionais
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
22
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. S. Paulo: Malheiros, 2003. P. 408
1. Introdução
1
Trabalho apresentado no II Seminário Franco-Brasileiro sobre Comércio Exterior, Brasília, 26/02/2008.
* Pesquisadores bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
2
DELMAS-MARTY, Mireille. Por um direito comum. Martins Fontes. São Paulo, 2004, p.46.
3
O presente artigo adotará, para os fins de análise e contextualização, o marco temporal do processo de internacionalização adotado por Meireille
Delmas-Marty.
4
Cf. DELMAS-MARTY, Mireille. Três desafios para um direito mundial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p.07.
5
DELMAS-MARTY, Mireille. Imaginative forces of law. In Chinese Journal of International Law. The inaugural volume, nº 01 e 02. In . Acesso
em 02/02/2008, p. 623.
6
Ibidem.
A jurisprudência, dessa forma, tornou-se fonte de direito, mesmo em países com forte
tradição legalista. É o que afirma o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem:
(…) a jurisprudência desempenha tradicionalmente um papel considerável nos segundos, de tal maneira
O papel do juiz nacional no processo de internacionalização do Direito Constitucional
que ramos inteiros do direito positivo neles resultam, em larga medida, das decisões das cortes e tribunais 7.
Nota-se, assim, o fortalecimento do Poder Judiciário. Por intermédio dos juízes, pilotos da
mundialização, que se realiza pelo meio da margem, o Poder Judiciário não necessita de uma verdadeira
reforma institucional, pois as técnicas de interpretação abrem uma nobre possibilidade para as jurisdições
nacionais 8. Allard e Garapon afirmam que o Judiciário constitui não só o mais universalizado, mas
também o mais universalizante, dos três poderes descritos por Montesquieu 9. Logo, tratar-se-á de analisar o
empréstimo de jurisprudência entre países, que contribui para desencadear um processo de
internacionalização dos juízes nacionais e do Direito Constitucional por meio das decisões
judiciais das Cortes Constitucionais.
Além da comunicação informal entre juízes pelo mundo, podem ser observados os seguintes
fenômenos10 no processo de Internacionalização do Direito Constitucional: o da competência
extraterritorial, o da emancipação dos juízes e o da emulação dos juízes, que podem acarretar uma
intensificação do processo de internacionalização do direito.
Primeiramente, no fenômeno da competência extraterritorial, o juiz nacional se confronta
com um caso previsto na lei internacional, ou seja, inserido numa competência extraterritorial.
Desse modo, Mireille Delmas-Marty entende dois movimentos, quais sejam: o unilateralismo,
presente nos Estados Unidos, em que os juízes preferem aplicar o direito nacional, evitando
integrar o direito internacional e o multilateralismo, favorecido na Europa, onde o processo de
internacionalização do Judiciário se desenvolveu mais, por meio dos processos de emancipação
e de emulação.
Assim, a emancipação é o ato de utilizar o texto normativo internacional, neutralizando a
norma nacional. Para Mireille Delmas-Marty, os juízes são como libertadores do direito interno ao proferir
um direito internacional sem precisão, reforçando a margem de interpretação.11 Já o processo de emulação visa
a derrogação da norma interna em face da norma internacional, ou seja, a norma interna é
revogada por uma norma internacional.
Dessa forma, pode-se inferir que o processo de utilização de jurisprudência internacional se
enquadra no ato de emancipação dos juízes.
Assim, para analisar o papel desempenhado pelos juízes e o processo de interação entre
338 normas e jurisdições nacionais e internacionais, o presente estudo divide tal atividade jurisdicional
em quatro situações:
1. O juiz nacional utilizando a jurisprudência das cortes de outros países;
2. O juiz nacional utilizando a jurisprudência de cortes internacionais;
7
DELMAS-MARTY, Mireille, Por um direito comum, Martins Fontes, São Paulo, 2004, p.77.
8
Ibidem, p.38.
9
Apud DELMAS-MARTY, Mirreille. Les forces imaginantes du droit (III); LA REFONDATION DES POVOIRS. Le Juges dans la
mondialisation. Éditions du Seuil, Paris, 2007, p. 42.
10
Conceitos adotados por Mirreile Delmas-Marty.
11
DELMAS-MARTY, Mirreille, Les forces imaginantes du droit (III); LA REFONDATION DES POVOIRS, Éditions du Seuil, Paris,
2007, p. 45.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 339
12
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. HC 82424 / RS. Ementa:[...]Relator(a): Min. MOREIRA ALVES; Relator(a) p/ Acórdão:
Min. MAURÍCIO CORRÊA;Brasília, DF, 17 set. 03. DJ de 28.10.03, p. 6.295.
13
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1° REGIÃO. 6° TURMA. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.01.00.041033-5/DF. Ementa:[...]. Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE; Brasília, DF, 06 DEZ. 04. DJ de 14.12.04, p. 11.
Assim, é possível concluir que a utilização de jurisprudência tanto de outros países como de
Cortes Internacionais, reforçam algumas afinidades e objetivos constitucionais comuns entre os
Estados e fortalece o entendimento, por exemplo, dos crimes contra os Direitos Humanos.
Tratam-se de práticas que visam o fortalecimento do Direito Internacional podendo, tanto
O papel do juiz nacional no processo de internacionalização do Direito Constitucional
reforçar o Direito Constitucional pátrio e promovê-lo, como buscar um objetivo maior que o
meramente nacional ampliando a margem de interpretação de determinado ato normativo ou
prática social.
Os juízes internacionais das Cortes Internacionais podem utilizar em suas decisões a norma
nacional do país em litígio, ou até mesmo de outro país, para reforçar sua margem internacional
de controle.
Nesse sentido, a Corte Interamericana de Justiça assim procedeu no julgamento em que pela
primeira vez o Brasil foi condenado por desrespeito aos direitos humanos. O caso também é
histórico por se tratar do primeiro pronunciamento da Corte sobre violações de direitos
humanos de portadores de transtornos mentais.
Em resumo, em 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil
pela morte violenta de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no dia 4 de outubro de 1999, na
Clínica de Repouso Guararapes, localizada no interior do Ceará e utilizou, para tanto,
normas nacionais na fundamentação de sua decisão, onde asseverou que o art. 196 da
Constituição Brasileira de 1988 consagra que saúde é direito de todos e dever do Estado, e deve ser
garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação14.
Ademais, utilizou o artigo 197 da Constituição Brasileira, que assevera que cabe ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser
feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado15.
Assim, a Corte concluiu que o Estado, por conseguinte, foi responsável pela conduta
pessoal da Casa de Repouso Guararapes, que exercia elementos de autoridade estatal ao
prestar o serviço público de saúde sob a direção do Sistema Único de Saúde.16
Nesse caso a Corte Interamericana decidiu, por unanimidade, admitir o
reconhecimento parcial de responsabilidade internacional efetuado pelo Brasil na violação
dos direitos à vida e à integridade pessoal de Damião Ximenes Lopes. Ressalta-se, dessa
forma, que o texto constitucional foi utilizado como margem de controle pela Corte
Interamericana de Justiça.
O último caso parece usual, pois com certeza o juiz internacional em seu labor irá aplicar a
lei internacional; mas, nesse contexto, cumpre indagar se ele aplicará somente a Lei Internacional
de sua competência ou poderá citar dispositivos ou princípios de outros tratados não ratificados
pelas partes do litígio.
14
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS; Caso Ximenes Lopes versus Brasil; Sentença de 4 de julho de 2006, Publicado no
DOU, em 12 de fevereiro de 2007, p. 312.
15
Ibidem.
16
Ibidem.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 341
17
DELMAS-MARTY, Mirreille, Les forces imaginantes du droit (III); LA REFONDATION DES POVOIRS, Éditions du Seuil, Paris, 2007, p. 256.
18
CHAVES, Arthur Pinheiro, O panorama da jurisprudência comparada das Cortes Constitucionais na interpretação e aplicação do Direito
Constitucional contemporâneo – a influência da transformação do conceito de território, Revista do Tribunal Federal da 1° Região, N° 4,
Ano 19, Abril/2007, Brasília, p. 66.
A Constituição Federal Brasileira prevê assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social
e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias
O papel do juiz nacional no processo de internacionalização do Direito Constitucional
(Preâmbulo Art. 1° CF/88). Desse modo esta previsão não deve ser desrespeitada, pois se assim
ocorrer, do ponto de vista moral, esse desrespeito não atingirá somente o cidadão brasileiro, mas
o humano. Refletindo assim, nota-se uma incongruência desses direitos universais estarem
apenas sobre as jurisdições das justiças constitucionais.
Nota-se que o mundo jurídico moderno, em muitos campos (Direitos Humanos,
Econômicos, Ambientais), vem se desvinculando da idéia de território, sendo natural que os bens
constitucionais se tornem interdependentes e indivisíveis, e que as justiças constitucionais de cada
Estado almejem uma integração. Se não de forma cosmopolita, que talvez nunca ocorra, ao
menos ao nível de troca de jurisprudência, ou seja, na formação de um contexto deliberativo
comunicante entre Cortes Constitucionais.
Cabe citar o Presidente da Suprema Corte de Israel, Aharon Barak, que ponderou certa vez:
“o direito comparado me serve de um espelho: permite-me observar-me e compreender-me melhor”19, tal afirmativa
demonstra que a prática de utilização de jurisprudências internacionais tem por fim,
principalmente, reforçar o direito interno.
Pode-se inferir que a internacionalização dos juízes nacionais pode promover tanto o
unilateralismo como o multilateralismo e esse processo pode reforçar as ilegalidades e a
hegemonia do mais forte, ou contrariamente, favorecer o pluralismo jurídico.20
O empréstimo das jurisprudências, em constantes entrelaçamentos, pode ser considerado
arbitrário em relação às constituições nacionais, porém é um processo presente de forma
multifacetado da internacionalização do direito, fenômeno característico de nosso tempo
desterritorializado.
É um processo arbitrário, no sentido de desrespeitar a ideologia e os objetivos constitucionais
próprios que preservam a identidade nacional, acarretando uma sobrecarga de ideologias.
Contudo, esse processo pode permitir o surgimento de constituições pluralistas com as
interpretações das Cortes Constitucionais de forma entrelaçada, ou seja, numa constante troca de
entendimentos constitucionais.
Numa breve síntese, cabe ressaltar que o processo estudado é presente e verifica-se arbitrário
em relação às Constituições Nacionais, pois esse processo, normalmente, visa à busca de
legitimação do direito interno na forma de aplicação da norma, sem um fim idealista.
Nota-se necessário um estudo de Direito Comparado para melhor entendimento da temática
no sentido de que as trocas não se tornem arbitrárias e gerem deformações do Direito Nacional.
342
BIBLIOGRAFIA
19
BARAK, Aharon, apud, CHAVES, Arthur Pinheiro, O panorama da jurisprudência comparada das Cortes Constitucionais na interpretação
e aplicação do Direito Constitucional contemporâneo – a influência da transformação do conceito de território, Revista do Tribunal Federal
da 1° Região, N° 4, Ano 19, Abril/2007, Brasília, p. 66.
20
DELMAS-MARTY, Mirreille, Les forces imaginantes du droit (III); LA REFONDATION DES POVOIRS, Éditions du Seuil, Paris, 2007,
p. 50.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 343
343
estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida. Daí para frente, qualquer
método artificial para destruí-la é um assassinato”.1
E prossegue o Dr. Dernival Brandão, verbis:
“A ciência demonstra insofismavelmente – com os recursos mais modernos – que o ser
humano, recém-fecundado, tem já o seu próprio patrimônio genético e o seu próprio sistema
imunológico diferente da mãe. É o mesmo ser humano – e não outro – que depois se
converterá em bebê, criança, jovem, adulto e ancião. O processo vai-se desenvolvendo
suavemente, sem saltos, sem nenhuma mudança qualitativa. Não é cientificamente admissível
que o produto da fecundação seja nos primeiros momentos somente uma “matéria
germinante”. Aceitar, portanto, que depois da fecundação existe um novo ser humano,
independente, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental.
Nunca se poderá falar de embrião como de uma “pessoa em potencial” que está em
processo de personalização e que nas primeiras semanas pode ser abortada. Porque?
Poderíamos perguntar-nos: em que momento, em que dia, em que semana começa a ter a
qualidade de um ser humano? Hoje não é; amanhã já é. Isto, obviamente, é cientificamente
absurdo.” 2
O Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos, livre-docente pela Universidade de S.Paulo, Professsor
de Bioética da USP e Membro do Núcleo Interdisciplinar de Biotética da UNIFESP acentua
que, verbis:
“Os biólogos empregam diferentes termos – como por exemplo zigoto, embrião, feto,
etc-, para caracterizar diferentes etapas da evolução do óvulo fecundo. Todavia esses
diferentes nomes não conferem diferentes dignidades a essas diversas etapas.
Mesmo não sendo possível distinguir nas fases iniciais os formatos humanos, nessa nova
vida se encontram todas as informações, que se chama “código genético”, suficientes
para que o embrião saiba como fazer para se desenvolver. Ninguém mais, mesmo a
1
BRANDÃO, Dernival da Silva, publicação: VIDA: o primeiro direito da cidadania – p. 10
2
Op. Cit., p. 11
3
publicação citada – pg. 12/13 grifei
célula, o zigoto, que por muitas divisões celulares forma os tecidos e órgãos de todo ser
vivo, em particular o humano.
Confirmando tais fatos, em 1879, Hertwig descreveu eventos visíveis na união do
óvulo ou ovócito com o espermatozóide em mamíferos. Para não se dizer que se trata
de conceitos ultrapassados verifiquei que TODOS os textos de Embriologia Humana
consultados (as últimas edições listadas na Referência Biográfica) afirmam que o
desenvolvimento humano se inicia quando o ovócito é fertilização pelo
espermatozóide. Todos afirmam que o desenvolvimento humano é a expressão
do fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo que só para com
a morte. Todos nós passamos pelas mesmas fases do desenvolvimentos intrauterino:
fomos um ovo, uma mórula, um blastocisto, um feto.”
A Dra. Elizabeth Kipman Cerqueira, perita em sexualidade humana e especialista em
logoterapia escreve, verbis:
“O zigoto, constituído por uma única célula produz imediatamente proteínas e
enzimas humanas e não de outra espécie. É biologicamente um indivíduo único e
irrepetível, um organismos vivo pertecente à espécie humana.
b) “O tipo genético – as características herdadas de um ser humano individualizado –
é estabelecido no processo da concepção e permanecerá em vigor por toda a vida
daquele indivíduo” (Shettles e Rorvik – Rites of Life, Grand Rapids (MI), Zondervan,
1983 – cf. Pastuszek: Is Fetus Human – pg. 5.”
“O desenvolvimento humano se inicia na fertilização, o processo durante o qual um
gameta masculino ou espermatozóide (...) se une a um gameta feminino ou ovócito
(...) para formar uma célula única chamada zigoto. Esta célula altamente especializada
e totipotente marca o início de cada um de nós, como indivíduo único.” 4
Importa, agora, abordar o tema das células-tronco. Diz a Dra. Alice Teixeira Ferreira,
verbis:
“As células tronco embrionárias são aquelas provenientes da massa celular
interna do embrião (blastocisto). São chamadas de células-tronco embrionárias
humanas porque provêm do embrião e porque são células-mães do ser humano.
Para se usar estas células, que constituem a massa interna do blastocisto, é destruído
o embrião.
346 As células tronco adultas são aquelas encontradas em todos os órgãos e em
maior quantidade na medula óssea (tutano do osso) e no cordão umbilical-placenta.
No tutano dos ossos tem-se a produção de milhões de células por dia, que
substituem as que morrem diariamente no sangue.” 5
O Dr. Herbert Praxedes também considera que, verbis:
“As células de um embrião humano de poucos dias são todas células-tronco (CTE), são
pluripotenciais, tendo capacidade de se auto-renovarem e de se diferenciarem em
4
Keith Moore e T.V.N Persaud – The Developing Human, Philadelphia, W.B. Saunders Company – 1998 – pg.18
5
publicação citada – pg. 33, grifei
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 347
6
publicação citada pg. 33 grifei
dogma que las células madre adultas estaban tan diferenciadas que difícilmente
serian útiles en terapia celular. Pero en julio de 2002 el grupo de investigación de
la Universidade de Minnesota (USA) dirigido por la Profesora Catherine Verfallie
publicó en la revista “Nature” (una de las mas prestigiosas de la literatura científica y
extremadamente exigente a la hora de publicar resultados) un estudio en el que
demonstraba que células madre obtenidas de la medula ósea de los adultos
podían diferenciarse en prácticamente todos los tipos celulares conocidos en el
adulto y concluía diciendo que por tanto era la fuente de células ideal para el
tratamiento de enfermidades degenerativas (Cf. Natures 2002 Jul 4;418(6893):41-49).
En diciembre de ese mismo año 2002, científicos de la Universidad de UCLA (USA)
tienen hallazgos similares utilizando células madre obtenidas por liposucción. En este
trabajo consiguen obtener incluso auténticas neuronas partiendo de estas células que
procesan de la grasa (similares a las usadas en nuestra investigaciones)7”
E concluiu o Professor García-Olmo, verbis:
“– Son más idóneas para desarrollar terapias actualmente las células madre adultas que las
embrionarias? Porque?
– Que sepamos, en España, no hay ningún estudio clínico aprobado para el uso de células
madre procedentes de embriones. Esto es actualmente inviable por los enormes
riesgos potenciales que conlleva (tumores, problemas de rechazo, necesidad de
terapia inmunosupresora, etc.). Sin embargo, en España, hay al menos tres programas
de uso clínico de células madre adultas en patología humana que estan
demonstrando que el uso de estas terapias es factble y seguro. Estos grupos van a
presentar sus resultados durante un simposio que se celebrará en el Hospital Universitário
La Paz el próximo 18 de marzo..
– Sin entrar en consideraciones éticas sino con los resultados clínicos en la mano, cree que
la presión de algunos sectores por potenciar y dotar de recursos la investigación com
embriones obedece a una real expectativa de obtener resultados o se mezclan en el tema
cuestiones diversa a las meramente científicas?
– Lo que pienso es que la comunidad científica, después de muchos años de
investigar sobre células madre embrionárias como la mejor fuente para la terapia
celular, aún no há asimilado el cambio copernicano que se há producido en el
348 conocimiento durante el año pasado. Tenga en cuenta que no hace ni un año desde la
publicación de los trabajos de Catherine Verfaillie. Ademais los médicos clínicos
tardamos bastante tiempo en asimilar lo que descubren los investigadores
básicos.” (mesma entrevista grifei).
Na Alemanha, no plano legislativo, há específica lei de proteção aos embriões, definidos
pelo artigo 8º, 1 como, verbis:
“Por embrião nos termos desta lei entende-se, já a partir do momento da fusão nuclear, o
óvulo humano fecundado e capaz de se desenvolver, assim como toda célula
7
Cf. Molecular Biology of the cell. Decembrer 2002; 13: 4279-4295
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 349
totipotente retirada de um embrião que, uma vez reunidas as condições necessárias, seja
capaz de se dividir e se desenvolver num indivíduo.”
A Dra. Claudia M. C. Batista, Professora-Adjunta da UFRJ e pós- doutorada pela University
of Toronto na área de células-tronco, afirma, verbis:
“No momento da fecundação, a partir da fusão do material genético materno e paterno,
a nova célula formada, chamada zigoto, reorganiza-se, perde proteínas inicialmente ligadas
ao DNA dos gametas, inicia um novo programa ditado por esta nova combinação de
genes, comanda de forma autônoma todas as reações que o levarão a implantar-se no
útero materno. Inicia-se uma “conversa química” entre esta célula e as células do útero
materno. Este programa é, além de autônomo, único, irrepetível, harmônico e contínuo.
A partir da primeira divisão do zigoto, quando originam-se as duas primeiras células,
estas encontram-se predestinadas. Estudos recentes da Dra. Magdalena Zernicka-
Goetz, do Departament of Experimental Embryology, Polish Academy of Science,
Jastrzebiec, Poland, (Cf. Nature. 2005 Mar 17;ai434 (7031): 391-5, Development. 2005 Feb;
132(3): 479-90; Development. 2002 Dec; 129(24): 5803-13; Nat Cell Biol. 2002 Oct; 4(10:811-
5), mostram clara e irrefutavelmente que toda e qualquer parte do embrião ou feto é
formada por células já predestinadas nas primeiras horas após a fertilização. Portanto,
todo o desenvolvimento humano tem como marco inicial a fecundação e, após este
evento, têm-se um ser humano em pleno desenvolvimento e não somente um aglomerado
de células com vida meramente “celular”. Trata-se, a partir deste evento, de um indivíduo
humano em um estágio de desenvolvimento específico e bem caracterizado
cientificamente”.
Fica, pois, assente:
• que a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação: o zigoto, gerado pelo
encontro dos 23 cromossomos masculinos com os 23 cromossomos femininos;
Están condenados a morir y nadie los llorará ni celebrará funerales por su muerte,
inevitable y autorizada por la Ley.
Pero, como demócratas, se ha de replicar que no es justo ni razonable dividir a los
seres humanos en grupos de valor diferente. Los embriones sobrantes son, ante
todo, hijos, que forman parte de una familia. Formaban parte de un grupo de
Contribuição em defesa da dignidade e da inviolabilidade da vida da pessoa humana
8
El sacrificio de prisoneros de guerra y los embriones congelados – Diário Médico – 6 nov. 2002
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 351
É de se recordar, a bem da verdade, que após a aprovação do texto, que ora se discute, os seus
defensores viram-se na obrigação de esclarecer que curas imediatas, e mesmo dentro de prazo
imaginável, não aconteceriam, visto que o emocionalismo com que a matéria foi tratada, sem
dúvida induziu vãs expectativas.
Outra correção torna-se imprescindível quando, agora meditando sobre o conceito jurídico
de vida, diz o Dr. Rafaello Abritta, verbis:
“Qual seria o conceito operacional de ‘vida’? Qual o melhor conceito para o vocábulo,
segundo as regras de Hermenêutica e os princípios gerais do Direito?
Se faz necessária a definição jurídica do termo ‘vida’ de maneira a permitir,
simultaneamente, segurança e compatibilidade sistêmica com o ordenamento positivo e
com os valores constitucionais.
É de se reconhecer que a dificuldade se encontra justamente na definição jurídica do
termo, pois as diversas definições dadas pela Medicina, Biologia, Antropologia, Religiões
são bastantes para viabilizar os objetivos e para atender às necessidades de cada uma
dessas respectivas áreas.
Assim, o cirurgião que, logo após ter amputado uma perna por algum imperativo médico,
deita fora, no lixo hospitalar, o membro decepado certamente não pratica nenhuma
conduta antiética ou censurável do ponto de vista médico. Ainda assim, jogou fora um
conjunto de células humanas e, naquele momento, ainda vivas.
O mesmo ocorrerá em qualquer outra cirurgia, onde ocorre a perda de sangue, tecido
vivos, gordura (lipoaspiração) etc.
Importa reconhecer que tais situações não ofendem a proteção à ‘vida’, sob a óptica da
medicina, ainda que eventualmente, ofendam a idéia ‘vida’ defendida por alguma religião.
Muito menos configuram ilícito penal.”
O equívoco, data venia, reside em que não atenta o Dr. Rafaello Abritta para a óbvia
Outra tese, trazida à nossa reflexão pelo Dr. Rafaello Abritta, está em que vida só se
reconhece quando há pessoa, e o nascituro não é pessoa. De se ler, verbis:
“Até o momento anterior ao do nascimento com vida, desde a concepção até o
nascimento com vida, o feto é um nascituro, gerado e concebido com existência no
ventre materno; mas nem por isto pode ser considerado como pessoa, como de fato ainda
Contribuição em defesa da dignidade e da inviolabilidade da vida da pessoa humana
não o é.
Desta forma, a lei civil protege os interesses de um ser humano em formação,
determinando o respeito pelas expectativas daqueles direitos que esse ser humano poderá
vir a adquirir, caso se torne pessoa, o que acontecerá, frise-se, somente após o seu
nascimento com vida.
Percebe-se, então, a diferença existente entre o nascituro, que foi gerado e concebido -
mas só existe no ventre materno, isto é, só possui existência intra-uterina, e a
criança, que já passou pelo nascimento com vida adquirindo o atributo de pessoa. Esta
segunda possui, conforme a legislação civilista, personalidade jurídica enquanto que o
primeiro é apenas um nascituro com expectativa de direitos.
Não se devem perquirir, neste momento, as questões religiosas, sociológicas ou filosóficas
sobre a existência de vida uterina como ser humano, como pessoa, o direito civilista não
adentra nesta seara.
O enfoque deve cingir-se ao direito material brasileiro infraconstitucional.
Como a lei civil determina que o início da personalidade humana ocorre, tão-somente,
com o parto nativivo, é importante determinar o conceito de nascituro.
Como ensina Santoro-Passarelli, em razão do nascituro, cria-se um centro autônomo de
relações jurídicas, a aguardar o nascimento do concebido ou procriado, da criança que
provenha com vida da mulher.
O mestre Washington de Barros Monteiro ministra:
‘Discute-se se o nascituro é pessoa virtual, cidadão em germe, homem in spem. Seja qual
for a conceituação, há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em
formação. A lei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos. Mas
para que estes se adquiram, preciso é que ocorra o NASCIMENTO com vida. Por
assim dizer, nascituro é pessoa condicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a
dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida. A esta situação toda
especial chama Planiol de antecipação da personalidade.’ (grifou-se e destacou-se)
O saudoso professor Caio Mário afirmava que à pessoa liga-se a idéia de personalidade,
que manifesta a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.
Por sua vez, Haroldo Valadão esclarece que a personalidade é o conceito básico da ordem
jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos
352 constitucionais de vida, liberdade e igualdade.
Desta forma, insofismável aduzir que a personalidade deriva, indubitavelmente, da pessoa,
motivo pelo qual a Professora Maria Helena Diniz ministra que, ‘primeiramente,
imprescindível se torna verificar qual é a acepção jurídica do termo ‘pessoa’.’
Na seqüência, a própria Professora Maria Helena elucida a questão com base nos
ensinamentos de Diego Espín Cánovas:
‘Para a doutrina tradicional ‘pessoa’ é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e
obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito
de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de faze
valer, através de uma ação, o não-cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de
intervir na produção da decisão judicial.’
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 353
Assim, resta claro que há muito - desde o Código civil de 1916 – a legislação civilista
brasileira adotou a corrente doutrinária natalista, que reconhece o início da personalidade
a partir do nascimento com vida, reservando para o nascituro uma expectativa de direito.
Adotam, também, a teoria natalista os Códigos Civis da Espanha, Portugal, França,
Alemanha, Suíça, Japão, Itália, entre outros.”
Portanto, por essa perspectiva, a vida só se a tem com o nascimento a bom termo.
O primeiro ponto à reflexão é este: esgota-se no campo do direito civil o conceito jurídico de
vida?
Ou, por outro modo, não se pode extrair do texto constitucional o conceito de vida humana?
Não, não se esgota no direito civil o conceito jurídico de vida.
Quando o direito civil, pelo artigo 4º do código, preceitua que “a personalidade civil do
homem começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos
do nascituro”, com coerência estabelece que no plano das relações interpessoais é
necessário que haja o nascimento, com vida, para que a bilateralidade, inerente à
interpessoalidade, possa acontecer.
Agora, situação claramente outra, e advinda do significado constitucional da inviolabilidade
do direito à vida, posta no artigo 5º, caput, é assentar que a vida humana é preservada, em
sua existência, desde a fecundação.
A reflexão constitucional, como não poderia deixar de ser, põe-se em plano diverso, em plano
fundamental, e vai responder, pontuando, o momento da existência da vida.
A reflexão civilista, particularizada no aspecto das relações interpessoais, não da existência
do ser em si, diz do nascimento com vida a que se desencadeie aspectos negociais, familiares,
sucessórios do nascido em relação a terceiros.
É por isso que o próprio Dr. Rafaello Abritta disse na sua promoção, verbis:
“No Brasil, aguarda-se a manifestação derradeira do Supremo Tribunal Federal”
sua definição desses termos com o transcurso do tempo... a única coisa que se pode exigir
é que explicitemos as razões das opções e que atuemos com suma prudência’.
Do direito brasileiro não se extrai que o embrião seja considerado forma inicial de vida
humana passível de proteção jurídica. O embrião, para o positivismo jurídica brasileiro,
não é considerado pessoa, definindo o Código Civil que a personalidade civil é dada após
o nascimento com vida. Ainda que a lei coloque a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro, faz-se necessário esclarecer que o nascituro é aquele destinado a nascer,
implantado em um útero materno.”
É certo que sou, por opção religiosa, católico, como muito provavelmente a profa. Dra. Mayana
Zatz e o advogado-geral adjunto Shalon Eintoss Granado, que a il. Professora menciona, por mais
de uma vez, devam ter tido formação judaica que, como disse a profa. Flavia Piovesan, entende a
vida só no acontecer extra-uterino, mas, data maxima venia, do que disse a profa. Flavia Piovesan no
trecho retro transcrito, o tema como aqui tratado nada, absolutamente nada, tem de religioso
e, portanto, não há qualquer pertinência na argumentação sobre a preservação do Estado laico.
O que desenvolvo é
a) o conceito jurídico do início da vida não se esgota no campo do direito civil;
b) o direito civil, parte do sistema jurídico ordenado, dado o caráter de regulação
interpessoal no plano familiar, sucessório e negocial, que lhe é próprio, com coerência
estabelece no nascimento com vida da pessoa a aptidão a que as relações
interpessoais aconteçam;
c) o direito constitucional, também ocupa-se do tema vida, em perspectiva diversa e
fundamental porque ao exigir sua proteção, como inviolável, expressamente no artigo
5º, caput, considera a vida em si e convoca o Supremo Tribunal a definir o momento do
início da vida;
d) a petição inicial dessa ação, calcada exclusivamente em fundamentos de ordem
científica sustenta que vida há, desde a fecundação, para que se preserve sua
inviolabilidade;
e) não há, pois, enfoques contraditórios: enquanto no plano do direito constitucional
considera-se a vida em si, para protegê-la desde a fecundação, no enfoque do direito civil
o nascimento com vida é que enseja aconteçam as relações interpessoais;
Quanto, por derradeiro, ao questionamento que o Dr. Rafaello Abritta apresenta sobre a
354 inconsistência da menção que fiz à inobservância do preceito constitucional, alusivo à dignidade
da pessoa humana, assim posicionou-se o il. Advogado, verbis:
“O princípio da dignidade humana protege, inquestionavelmente, o ser humano enquanto
considerado como pessoa humana, ou seja, o ser humano detentor de personalidade jurídica.
Neste sentido, o ensinamento do Professor Alexandre de Moraes, verbis:
‘A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se
manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e
que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em
um mínimo invulnerável que o estatuto jurídico deve assegurar...’ (grifou-se)
Assim, a ofensa à dignidade da pessoa humana exige a existência da pessoa humana,
hipótese que não se configura em relação ao embrião in vitro.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 355
Por fim, cumpre registrar que as premissas biológicas utilizadas pelo Requerente para
fundamentar sua tese não foram proferidas de modo isento sob o aspecto religioso
existindo inúmeras posições em sentido diverso.”
Data maxima venia é a definição do próprio prof. Alexandre de Moraes, como transcrita, que
autoriza a menção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Com efeito, se ela é, como diz o prof. Alexandre Moraes, “um valor espiritual e moral
inerente a pessoa”, a inerência é ínsita à existência, e não à personalidade civil para fins de
relações de interpessoalidade que, como aqui já apresentamos, é coisa diversa.
Por fim, apresentei, sim, fundamentos exclusivamente científicos a estabelecer, na fecundação,
a vida humana presente. Não há, nestes autos, refutar científico do que apresentado foi.
Passo, agora, a examinar a breve exposição do Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho,
Consultor-Geral da União. Destaco, no essencial, verbis:
“Ora, se o direito à inviolabilidade do direito à vida surte seus efeitos quando a pessoa
pode ser sujeito de direitos e isso corre com nascimento com vida, e se os direitos do
nascituro garantidos por lei pressupõem a condição de poder nascer objetivamente, se não
há nascimento com vida ou não há condições objetivas de nascer, não há direito à
inviolabilidade do direito à vida por falta de pressuposto lógico necessário. Em outras
palavras, não basta a existência de vida biológica para a inviolabilidade jurídica do direito
à vida, em face de que não é verdadeira a afirmação do Autor da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3510.
Não fosse isso, a Lei nº 9434, de 1997, permite a retirada de tecidos ou órgãos ou parte
do corpo humano na hipótese de morte encefálica o que pode não ser necessariamente o fim
da vida, embora a lei não a defina juridicamente (art. 6º do Código Civil). Se a morte
encefálica autoriza a morte física – por exemplo, pela retirada do coração ou outro órgão
essencial – seria possível entender que houve o encerramento de uma vida com a mesma
Pelo Ministério da Saúde, a advogada da União, Dra. Aline de Oliveira centra-se na tese já
aqui enfrentada. Disse, a propósito, verbis:
“Entretanto, não obstante a validade de tais observações, o ponto principal é a ausência
de tutela do embrião pré-implantado, seja em âmbito civil ou no penal. Conforme expõe
Heloísa Helena Barboza:
Contribuição em defesa da dignidade e da inviolabilidade da vida da pessoa humana
Pode, até traduzir incoerência do sistema jurídico, mas considero que tal quadro normativo
espelha, sem dúvida, viés hegemônico dos países desenvolvidos que, aos seus, amplamente
protege-os, até porque, ainda que se trate de comércio internacional de vidas, países há que se
sujeitam, como sempre, ao fornecimento da matéria-prima.
Em etapa de encerrar, e o faço ratificando razões já dispostas, e acrescentando outras, digo:
O Supremo Tribunal Federal, na sua missão precípua de guardião da Constituição Federal
(artigo 102), presente o direito escrito à inviolabilidade da vida humana (artigo 5º), como
expressão do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso
III), é convocado, como diz Canotilho, em “sua atividade concretizadora de densificação
dos preceitos consagradores de direitos fundamentais de forma a possibilitar a sua
aplicação imediata, designadamente nos casos de ausência de leis concretizadoras”9 a definir
o início da vida humana.
Ficam, de plano e por certo, afastadas as afirmações de que se tem diante controvérsia de
cunho moral, ou cultural, ou religioso.10.
Igualmente, o tema da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, onde se materializa
aquela convocação à Corte Suprema, em nada macula a laicidade do Estado brasileiro.
Rememorando Gomes Canotilho: “Para além dos momentos emocionais que o laicismo
republicano transporta pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios:
secularização do poder político, neutralidade do Estado perante as Igrejas e liberdade de
consciência, religião e culto”.11
Ora a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, sustenta, com fundamentos
exclusivamente científicos, que o início da vida dá-se na, e a partir da, fecundação.
Fecundado o óvulo da mulher pelo espermatozóide do homem surge célula outra, nova,
- o zigoto –, que nesse instante e a partir desse instante, por dinâmica própria, começa a
se movimentar, dinamizando-se em divisão celular (2 células do 1º ao 2º dias; 4 células
A Profa. Alice Teixeira Ferreira, na audiência pública, demonstrou que em nosso País, a
menina Alissa é embrião congelado por 6 anos. Nos Estados Unidos vivem, hoje, crianças,
embriões humanos congelados por 7, 9 e até 13 anos. A Profa. Alice Teixeira não foi refutada.
Nesse prisma – congelamento de embriões humanos – na verdade não há, no Brasil, por
absoluto menoscabo governamental, estatística confiável a que se saiba o número exato de
Contribuição em defesa da dignidade e da inviolabilidade da vida da pessoa humana
embriões congelados. O Ministério da Saúde, silente durante todo o espaço reservado pela
mídia à cobertura da audiência pública, não se sabe se tem, ou mantém, atualizado cadastro
das clínicas de reprodução assistida, com o registro diuturno dos embriões fecundados, quanto à
ascendência e destino dado a essas vidas. Abre-se, nesse grave quadro de omissão
governamental, espaço ao escabroso comércio de vidas humanas.
Os embriões congelados, que assim permanecem em nosso País – e, insistimos, não se tem
a menor idéia de quantos são, nem que idade têm –, têm o destino ético inquestionável
como fruto da adoção por casais estéreis, que os desejem, ou de implantação no útero da própria
mãe que, tempos após e superadas angústias passadas, decida desenvolver a vida presente.
Não se sustenta, portanto, a afirmação do Prof. Radovan Borojevic que, expressamente
admitindo que a vida começa no momento da fecundação, disse:
“A vida começa no momento da fecundação. E essa é uma posição biológica, não
tem nada de espiritual ou ética – sustenta –. Mas acho que as pesquisas (com células-
tronco de embriões humanos) podem ser feitas na medida em que se considera que
aquele embrião não é mais viável, ou seja, não tem potencial para gerar um novo
organismo, que é o caso dos embriões previsto na lei”.12
Quanto ao fundamento, desenvolvido pela Profa. Mayana Zatz, e também apresentado na
matéria jornalística produzida pelo jornal O Globo, segundo o qual se a vida termina com a
morte cerebral, o início da vida, então marcar-se-ia com o procedimento de formação do sistema
nervoso central – “a partir da segunda quinzena de gestação” –, tem-se diante claro sofisma.
É que a vida humana, única e irrepetível, todavia não é linear, de sorte que sejamos todos
nós, mulheres e homens, vistos como no traçado imperturbável de uma linha reta.
A vida humana não é assim.
Complexa, surpreendente, imprevisível não permite que, nos diversos momentos de sua
cronologia, seja estabelecido como verdade uniforme dado normativo posto ao reconhecimento
de seu fim como a açambarcar o seu início que, por ser complexa, surpreendente,
imprevisível, dota-se de parâmetros próprios a cada etapa do seu ser.
Por derradeiro, recente Portaria da Coordenação do Sistema Nacional de Transplante do
Ministério da Saúde, a Portaria nº 487, de 2 de março de 2007, dispondo sobre a remoção de
órgãos e/ou tecidos de neonato anencéfalo para fins de transplante ou tratamento, abandona
o critério da morte encefálica no caso da pessoa anencéfala substituindo-o pelo diagnóstico de
358 parada cardíaca irreversível (leia-se: artigo 1º, da Portaria 487/07).
Derradeira palavra sobre a liberdade de pesquisa e o direito à saúde, como valores a se
contraporem à inviolabilidade da vida e à dignidade da pessoa humana.
Na verdade, não há contraposição de valores.
A declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º, da Lei 11.105, significa, tão somente, o
impedimento de uma e única linha de pesquisa: aquela que se vale de embriões humanos.
Permanece amplíssimo o horizonte de pesquisas com as chamadas células tronco “adultas”,
nome esse, “adultas”, inadequado, visto que o cordão umbilical é fonte de pesquisa nessa
diretriz.
12
O Globo de 8.4.07. pg. 38
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 359
E mais: como assentado na audiência pública com as células tronco adultas, hoje, 75 (setenta
e cinco) moléstias degenerativas já vem sendo tratadas, e resultados positivos, ainda que
parciais, acontecem.
Recentemente, equipes de cientistas italianos, americanos e japoneses detectaram a
possibilidade real de, no líquido aminiótico, encontrarem-se células pluripotentes (Term
Amniotic Membrane is a high throughput source for multipotent Mesenchymal Stem Cells with
the ability to differentiate into endothelial cells in vitro: Alviano F. et allii: Departament of
Histology, Embriology and Applied Biology – Universitty of Bologna – Italy: alvifrane libero. it).
E bem recentemente, no mês de junho passado, pesquisadores da Universidade de Harvard
(Prof. Konrad Hochedlinger); do Instituto Whitehead em Massachussets (Prof. Rodolf Jaenish);
e da Universidade de Kyoto (Prof. Shinya Yamanaka) anunciaram a produção de estruturas
semelhantes às células-tronco embrionárias, sem o recurso ao embrião.
Portanto, o impedir-se seja desenvolvida uma e única linha de pesquisa, que sacrifica a vida
humana, mantido em aberto o amplíssimo espectro de pesquisas em vertentes várias, por
óbvio corresponde a conclusão que perfeitamente atende a ponderação de bens.
Concluo com trecho de belíssimo artigo de Mauro Santayana, publicado no Jornal do Brasil
de 25 de abril de 2007, intitulado: “O recomeçar do mundo”.
“Em passagem do Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa faz seu personagem maior,
Riobaldo, ajudar uma sertaneja no parto. O guerreiro descreve a tapera da mulher com
sua pobreza, e diz que tudo o que ali havia não dava para encher uma caixa de fósforo.
Alto eu disse, no meu despedir: Minha Senhora Dona: um menino nasceu – o mundo
tornou a começar!... - e saí para as luas”
APÊNDICE
A jornalista Adriana Dias Lopes, na edição da revista Veja do dia 15 de agosto passado, a
propósito da menina Marcela de Jesus Galante Ferreira, faz desfilar expressões como “a menina
sem estrela” (título da matéria); “cruel anomalia congênita”; “jamais ter sentido o toque das mãos
da mãe”; “resignação própria de católicos fervorosos”; “Marcela não viverá muito mais”; e
conclusiva: “Casos como o de Marcela certamente seriam incluídos nos protocolos de eutanásia
na Holanda, diz o pediatra alemão Roberto Wüsthof. Não faz sentido ser diferente. É como se
ela fosse um computador sem processador”.
Aí está: “É como se fosse um computador, sem processador”. 359
Esta é a frase, matriz eloqüente de setores empresariais, políticos e midiáticos, que querem
impor o stablishment mecanicista. O stablishment que reduz a vida humana a algo aferível, coletiva
e funcionalmente: “não faz sentido ser diferente”. Todos nós devemos conformarmo-nos ao
padrão ditado pela eficiência, que produz ganho quantificado.
Nessa sociedade, informatizada por tais pilares, o pobre, o deficiente, o velho não contam.
À observação de Cacilda, mãe de Marcela, a dizer: “Minha filha é muito carinhosa. As pessoas
ficam tão encantadas com ela que não ligam para o formato de sua cabecinha”, a jornalista
Adriana Dias Lopes sentencia, definitivamente: “As reações esporádicas de Marcela aos afagos da
mãe, como um meio sorriso que esboça vez por outra, são resultados de reflexos involuntários
que não precisam necessariamente passar pelo cérebro”.
A vida humana, única e irrepetível, não se mensura em economia de escala, não é linear, de
modo que sejamos todos nós, mulheres e homens, embriões, fetos, crianças, velhos, vistos como
no traçado imperturbável de uma linha reta.
A vida humana não é assim.
Complexa, surpreendente, imprevisível não permite que seja aprisionada na pura
Contribuição em defesa da dignidade e da inviolabilidade da vida da pessoa humana
sistematização racionalista.
Complexa, surpreendente, imprevisível traça na história o marco de seu ineditismo.
“Foi para a liberdade, que eu vos fiz livres”, ou seja, temos todos em nós o chamado à
transcendência – movimentar-se para o alto -, rompendo com os esquemas traçados pela
mentalidade egocêntrica, hoje tão em voga.
Ontem, dia 19 de agosto, brasileiras e brasileiros, irmãs e irmãos das Américas, atletas todos
do Parapan, encerraram uma semana de eloqüente demonstração no sentido de que a deficiência,
no ser humano, não se constitui em óbice, porque viver é ultrapassar limites: “foi para a liberdade,
que eu vos fiz livres”.
A Marcela, jornalista Adriana Dias Lopes, é mesmo uma “menina sem estrela”, porque ela, e
todos os que são, sob as mais variadas justificativas, ou estão, mutilados, deformados são, todos,
ela e eles, estrelas-guia para os que ainda conseguem admirar, conseguem comover-se, conseguem
ser livres para a liberdade.
360
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 361
“...os direitos humanos passam a se converter em autênticos direitos morais, no sentido de que encontram
na consciência moral, no imperativo categórico e na própria dignidade do homem o seu fundamento. Os
direitos humanos deixam de ser “direitos jurídicos”, ainda que a expressão possa ser considerada um
pleonasmo, para adquirir a sua dimensão ética e axiológica, pois o sistema do direito positivo não pode lhes
dar nascimento nem existe um mundo jurídico supra-sensível do qual possam derivar.”
Ricardo Lobo Torres2
DA PIRÂMIDE À REDE
Nenhuma invenção permeou tão profunda e rapidamente a vida das sociedades humanas
quanto à comunicação; desde o aparecimento da linguagem, passando pelo surgimento da escrita,
da imprensa, do rádio e televisão, até os processos eletrônicos de processamento e transmissão
de dados, foram sucessivas revoluções em todas as esferas de atividade humanas.
Embora a tecnologia não determine a sociedade, nem a sociedade determine a transformação
tecnológica, ela está incorporada à vida e à transformação da sociedade, que, por isso, “não pode
1
Publicado originariamente na obra coletiva D i r e i t o s F u n d a m e n t a i s , E s t u d o s e m H o m e n g e m a o P r o f e s s o r RICARDO LOBO TORRES (organizada
por DANIEL SARMENTO e FLÁVIO GALDINO, Rio de Janeiro, Renovar, 2006).
* Professor titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito Cândido Mendes do Rio de Janeiro, professor de Direito Administrativo da
PUC/RJ, advogado e consultor.
2
RICARDO LOBO TORRES. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Vol. III, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1999, p. 60.
3
MANUEL CASTELLS. A Sociedade em Rede, 1º volume da trilogia A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, Rio de Janeiro, Editora Paz e
Terra, 1999, ps. 24 e 25.
4
Op. cit., p. 31.
5
Op. cit., ps. 496 e 498.
6
Serve de exemplo o poder das conexões financeiras que, por sua vez, assumem o controle das conexões da mídia, que, por seu turno, vão influenciar
as conexões políticas (op. cit. p. 499).
7
MASSIMO SEVERO GIANNINI. Trattato di Diritto Amministrativo, Vol. I, Pádua, 1988, p. 81.
8
O pressagioso título atribuído ao Capítulo 15 da obra supra-referida é quase autoexplicativo: “Lo Stato come organizzazione disaggregata” (op. cit., p. 81).
9
No Brasil, no mesmo ano de 1988, a nova Constituição outorgava independência constitucional, além dos tradicionais três conglomerados funcionais dos
denominados “Poderes do Estado”, aos Tribunais e Conselhos de Contas (art. 70 a 75) e aos entes e órgãos exercentes das Funções Essenciais à
Justiça (art. 127 a 135).
10
SABINO CASSESE. Lo Spazio Giuridico Globale, Roma-Bari, Ed. Laterza, 2003, Capítulo II, os, 21 a 26, oferecendo, ao final do Capítulo, uma fornida
bibliografia sobre o fenômeno das redes nas organizações políticas e administrativas.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 363
11
A deslegalização também é referida como delegificação, para os que a preferem na tradução direta da expressão italiana.
12
Por esta razão, uma vez que na democracia tudo tem limite, inclusive o que deva ser uma decisão política, as Constituições dos Estados Democráticos
de Direito devem dar respostas de valor, com significado político, suscetível, portanto, de serem mantidas pelos processos de controle de
constitucionalidade, como se retira de conclusão de recente trabalho de ROBERT ALEXY, que veio à luz em 2003, sob o título Os Direitos
Fundamentais no Estado Constitucional Democrático, publicado na coletânea Neoconstitucionalismo(s), coordenada por MIGUEL CARBONELL (Madri, Ed
Trotta, ps. 31 a 47).
GLOBALIZAÇÃO
13
GREGORIO PECES-BARBA. Curso de Derechos Fundamentales – Teoría General, Madri, Ed. Universidad Carlos III, 1995, ps. 261 e ss.
14
THOMAS COOLEY, o clássico constitucionalista norte-americano, escrevendo em 1880, depois de afirmar que “um governo com todos os poderes
concentrados”... “tem forçosamente que ser um governo arbitrário, em que a paixão e o capricho são os que provavelmente ditam a marcha dos negócios públicos, em vez da
justiça e do direito”, mostra que a separação de poderes confere a cada ramo do governo do país “certa independência, que atua como um freio sobre a ação
dos demais quando cometam avanços sobre as liberdades do povo, tornando assim possível estabelecer e tornar efetivas as garantias contra as tentativas de tirania. Dessa maneira
Principios Generales de Derecho Constitucional en los Estados Unidos de América,
têm-se os freios e contrapesos do governo, que se supõem essenciais para as instituições livres” (P
Buenos Aires, Ed. Jacobo Peuser, 1898, traduzido para o espanhol da 2ª edição, Cap. III – Distribución de los Poderes del Gobierno, p. 39).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 365
Por isso é que, diante de sua irredutível ambivalência, por ser inteligível simultaneamente como
fato e como valor, pode-se tratar, no fenômeno da globalização, o fato como um dado objetivo, com
pouca margem para dissensos, mas mesmo o valor, embora um dado subjetivo e, assim, passível
de controvérsias, também comporta ser abordado ponderadamente, de modo a que se possa
destacar e avaliar as influências positivas sobre a evolução do Direito Público contemporâneo,
como é o caso da afortunada emergência da temática dos direitos humanos no Segundo Pós-guerra.15
Ao lado dessa preocupação com os direitos humanos, ditada pelo justo receio de novas
catástrofes bélicas, a segunda palavra-chave então introduzida foi a eficiência, uma qualidade do
exercício do poder que passou a ser demandada por sociedades que ganharam consciência
coletiva de seus problemas e se dispuseram a participar de suas soluções.
Essa eficiência, exigida das organizações dotadas de poder – políticas, econômicas ou sociais
– passou a ser vital no processo de globalização, alçada a imperativo não só de desenvolvimento
como da própria sobrevivência desses entes, inclusive dos próprios Estados, em um mundo em
que as demandas não podem deixar de ser atendidas a contento: seja pelas instituições públicas,
seja pelas instituições privadas.
É inegável, portanto, ante essa dupla temática, que a globalização atinge profundamente o
Estado e tem influenciado fortemente as suas importantes mutações, notadamente nessa linha
que poderia ser resumida como um novo humanismo, ou, dito de modo mais modesto e, quiçá, mais
apropriadamente, como um amadurecer de novos aspectos juspolíticos do humanismo, em que se destaca
a emergência da sociedade, com suas miríades de organizações secundárias, como o novo
protagonista que passa a dividir com o Estado o seu arraigado e multicentenário monopólio da
15
Os autores costumam estabelecer este marco histórico, do final da Segunda Guerra Mundial, a que se seguiu a criação da Organização das Nações
Unidas, pela Carta de São Francisco, como início simbólico da discussão a respeito dos direitos humanos, como o faz, no Brasil, VICENTE
BARRETTO, ao discorrer sobre As raízes ideológicas da Declaração das Nações Unidas:
“A experiência nazi-fascista fez com que, terminada a II Guerra Mundial, os estados que se reuniram para a constituição das Nações Unidas tivessem como ponto central
no estabelecimento da nova organização internacional a definição de direitos básicos com os quais estariam comprometidos na busca da paz mundial.” (Inn Ética e Direitos
Humanos, Aporias Preliminares, artigo inserto na coletânea Legitimação dos Direitos Humanos organizada por RICARDO LOBO TORRES, Rio de Janeiro,
Ed. Renovar, 2002, p. 511).
16
SABINO CASSESE. Lo Spazio Giuridico Globale, op. cit., p. 5)
366
17
Conforme se discorre em obra do autor, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, Legitimidade e Discricionariedade, Rio de Janeiro, Ed.
Forense, 4ª edição, 2ª tiragem, 2002, ps. 5 a 9.
18
Em linha próxima, o cientista político DAVID EASTON, seguinte passagem de seu divulgado texto de conteúdo didático:
“A legitimidade de um regime político assenta no consenso dos governados. As fontes desse consentimento são: as ideologias ou valores da sociedade (convicção moral a respeito
da validade do regime, concordância entre ele e os ideais da sociedade em que funciona), a estrutura normativa do sistema instituído (crença na validade das normas instituídas
pelo regime), a personalidade dos que exercem o poder (crença nas qualidades pessoais dos governantes).” (AA crença na legitimidade. In Curso de introdução à ciência política,
Brasília, ed. Universidade de Brasília, 1982. Vol. IV).
19
Aprofundamentos sobre os aspectos cratológicos aqui referenciados podem ser encontrados na obra do autor, DIOGO DE FIGUEIREDO
MOREIRA NETO, Teoria do Poder, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1992.
20
ALAIN PEYREFITTE. La Societé de Confiance, Paris, Ed. Odile Jacob. 1995. O autor resume sua tese na seguinte frase, posta na Introdução de sua
densa obra de 556 páginas:
“Nós nos propomos, em suma, de lançar as bases de uma etologia comparada do desenvolvimento econômico, social, cultural, político. Etologia quer dizer o estudo dos
comportamentos e mentalidades respectivas de diferentes comunidades humanas, na medida em que elas forneçam fatores de ativação ou de inibição, em matéria de trocas, de
mobilidade intelectual e geográfica, de inovação. Etologia - porque não se pode contentar aqui, nem com esquemas descritivos, mas reducionistas, da etnologia, nem das
recomendações bem-pensadas, mas sem efeito, da ética.” (p. 15, n/ tradução).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 367
quanto à escolha de poder que se fará), uma legitimação corrente (consenso quanto à escolha que se
implementa, o que inclui o como se a implementa) e uma legitimação finalística (consenso quanto à
eficiência lograda com o resultado alcançado).
Seguem-se os dois tipos de legitimação predominantemente formal, através dos quais as diferentes
culturas se satisfazem em concentrar e cristalizar o consenso sobre um determinado ritual ou
procedimento, com desistência de fazê-lo quanto ao conteúdo da proposta de poder que poderá
dele resultar, dando, portanto, como suficiente, o atingimento do consenso sobre o instrumento
a ser empregado.
A legitimação processual é a obtida pela realização de atos ou de seqüência de atos geralmente
públicos ou semipúblicos, tidos pelo grupo como expressão de suficiente consenso validatório
das decisões que deles resultarem quanto às propostas de poder que neles se contenham.
Conforme a cultura, esses atos poderão ser desde simples rituais propiciatórios, passando pela
observância de normas e princípios procedimentais, até as modalidades processuais mais
exigentes, que demandem argumentação e motivação decisionais, inclusive quanto aos processos
de subsunção e de ponderação, que devem conduzir ao resultado a ser formalmente
consensualizado.
A legitimação eleitoral, por derradeiro, é uma variedade elaborada da modalidade anterior, que se
destaca pela sofisticação e especialização dos procedimentos, de modo que através dela, pessoas
ou grupos de pessoas poderão expressar específicas escolhas quanto às propostas de poder,
notadamente quanto às pretensões de acesso (escolha de pessoas), podendo ser teoricamente
estendido a quaisquer outras propostas de poder (escolhas de decisões). Aqui se encontra o que
Por ser o direito dos povos, ele próprio, uma opção de poder, a sua expressão positiva também
poderá ser contrastada em termos de legitimidade, daí a conveniência didática de referenciá-lo aos
meios de legitimação, encontrando-se, assim, legitimações jurídicas predominantemente materiais e
legitimações jurídicas predominantemente formais. seguindo tipologia acima exposta: quanto à
legitimação predominantemente material, poderá se apresentar como um direito
predominantemente pactual, moral ou pragmático e, quanto à legitimação predominantemente
formal, poderá se legitimar tanto pela observância do processo como pelo método eleitoral. Note-se
todavia, que na órbita interna dos Estados predomina a legitimação democrática, produzindo as
modalidades de ordens jurídicas fundadas na subordinação e na imperatividade, ao passo que a órbita
externa depende fortemente da legitimação pactual e da legitimação moral, que só podem gerar
modalidades de ordens jurídicas fundadas na coordenação e na consensualidade.21 ,22 367
Como ressalva, a propósito, SABINO CASSESE, os institutos democráticos, tais como os
praticados na atualidade, “não podem ser transferidos do Estado para o ordenamento global”.23
21
Por este motivo, os autores apontam o chamado deficit democrático da ordem jurídica internacional, tema que suscita um vivo debate a respeito da
legitimação jurídica sem mediação do consenso (como em SABINO CASSESE, op. cit., p 10), um fenômeno que também se tem considerado no estudo do
que se vem denominando de non electoral accountability na literatura anglo-saxônica (como em R. O. KEOHANE, Governance in a Partially Globalized
World, artigo publicado no periódico American Political Science Review, nº 95, março de 2001, p. 2 e ss.).
22
M. S. FERRARESE (L Le istituzioni della globalizzazione. Diritto e diritti nella società transnazionale, Bolonha, Ed. Il Mulino, 2000) expõe que, à falta de
instituições democráticas de âmbito internacional que possam legitimar consensualmente as ordens jurídicas, elas se vem plasmando por formas
públicas emprestadas das leis vigentes em alguns países na vanguarda do Direito, mas, principalmente, pelas formas contratuais, o que tem, o autor,
como indicativo da primazia da economia sobre a política no plano global.
23
SABINO CASSESE, op. cit., p. 12.
FATORES DE MUDANÇA
24
EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA. La Constitución Española de 1978 como pacto social y como norma jurídica, Madri, INAP, 2003, p. 5.
25
Sobre o tema, de FRANCISCO RUBIO LLORENTE, Constitucionalismo, in Temas de Derecho Constitucional, tomo I, obra coletiva coordenada por
MANUEL ARAGÓN, Madri, Civitas, 2005, e, com abordagem monográfica, de LUIS PRIETO SANCHÍS, a obra Ciência Jurídica Positiva e
Neoconstitucionalismo, Madri, McGraw Hill, 1999, e ainda o verbete “neoconstitucionalismo”, do Diccionario de derecho constitucional, México, Ed. Porrúa –
UNAM, 2002, os 420 a 423, no qual vem o seguinte conceito:
“Com o nome de neoconstitucionalismo ou constitucionalismo contemporâneo se alude tanto a um modelo de organização jurídico-política ou de Estado de Direito,
como ao tipo da teoria do direito requerida para explicar esse modelo;” (n/ tradução e destaques).
26
Esta passagem é descrita e caracterizada em um dos estudos mais importantes produzidos no início dessas mudanças, de autoria de EDUARDO
GARCÍA DE ENTERRÍA: La Constitución como norma jurídica, artigo que incluiu em obra coletiva por ele mesmo coordenada com A. PEDRIERI,
denominada La Constitución Española de 1978, Madri, Civitas, 1980.
27
ALFONSO GARCÍA FIGUEROA, Neoconstitucionalismo(s), op. cit., p. 163.
28
LUIS PRIETO SANCHÍS, Neoconstitucionalismo(s), op. cit., p. 131.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 369
sessenta) e o ressurgimento dos princípios com força de norma, para apontá-los em conjunto
como ”fundamentos da ordem jurídica”29 e, ainda, com SANTIAGO SASTRE ARIZA, que consigna
em seu ensaio o impacto do constitucionalismo contemporâneo sobre a Ciência do Direito, que
“Sem dúvida as inovações que o neoconstitucionalismo tem causado sobre o Direito e, portanto, também na maneira
de enfrentar o seu estudo, permitem que se possa afirmar que estamos em presença de um novo paradigma (com
toda a força kantiana do termo) que se poderia denominar de o paradigma constitucionalista do Direito”.30
Em suma, os autores acima referidos, todos renomados professores de conceituadas
Universidades européias, muitos deles reunidos por MIGUEL CARBONELL, no ano de 2003,
em obra monográfica coletiva, especificamente dedicada ao fenômeno do neoconstitucionalismo e
por isso várias vezes aqui citada, convergem quanto à existência dessa tríplice relação de recíproca
causalidade no panorama juspolítico contemporâneo: o novo constitucionalismo, a nova teoria do direito
e o novo Estado.31 E é entorno dessas relações que prossegue este ensaio.
São bem conhecidas as diferenças entre as duas grandes tradições constitucionais: de um lado,
a tradição da vertente original norte-americana, que, à feição liberal, concebe a Constituição como uma
regra mínima do jogo político e um sistema de limitação aos poderes constituídos, e de outro
lado, a tradição da vertente originada com a revolução francesa, impregnada pelo conceito rousseauniano
da volonté générale, que, à feição social, em linhas gerais, a concebe como um instrumento de
governo, pois além de fixar as regras do jogo, introduz diretrizes políticas, econômica, sociais,
29
MAURO BARBERIS. Neoconstitucionalismo(s), op. cit., p. 260.
30
SANTIAGO SASTRE ARIZA. Neoconstitucionalismo(s), op. cit., p. 246, citando a M. ATIENZA (E El sentido del Derecho, Barcelona, Ariel, 2001, p. 309) e
Los derechos fundamentales en la teoria del Derecho, artigo in Los fundamentos de los derechos fundamentales, Madri, Trotta, 2001).
L. FERRAJOLI (L
31
A referência se fez genericamente a “novo constitucionalismo”, “nova teoria do direito” e a “novo Estado”, porque esses movimentos ainda não
receberam uma designação unânime, embora se sedimentem menções da literatura a, respectivamente, “neoconstitucionalismo”, “pós-positivismo
jurídico” e “Estado Democrático de Direito”, e algumas variações aproximadas.
32
LUÍS PRIETO SANCHÍS. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial, in Neocontitucionalismo(s), op. cit., ps. 126 e 127 (n/tradução).
33
PAOLO COMANDUCCI. Formas de (neo)constitucionalismo: uma análise metateórica, in Neoconstitucionalimo(s), op cit., ps. 75 e 83 (n/tradução).
28.1, aliena 1, LF).” Mas é sobre o que denomina de nova posição dos direitos fundamentais que o autor
se debruça para identificá-los juridicamente por quatro características extremas: primeiro, os
direitos fundamentais regulam com hierarquia máxima; segundo, regulam com máxima força
jurídica; terceiro, regulam objetos relevantes e quarto, regulam com o máximo grau de
indeterminação, esta última porque, nela enfeixando a dinâmica de harmonização das
características anteriores, afirma que “os direitos fundamentais são o que são, sobretudo através da
interpretação.”
Nesse quadro constitucional (ou neoconstitucional, para manter não apenas as idéias como a
nomenclatura desenvolvida pelos autores referidos) LUIGI FERRAJOLI, Professor de Filosofia
de Direito e de Teoria Geral do Direito da Universidade de Camerino, na Itália, situa o Estado
contemporâneo através da distinção entre o Estado de Direito no sentido fraco ou formal, que
“designa qualquer ordenamento constitucional em que os poderes públicos são conferidos por lei e exercitados nas
formas e com os procedimentos legalmente estabelecidos” e o Estado de Direito no sentido forte ou
substancial, que “designa, em câmbio, somente aqueles ordenamentos em que os poderes públicos estão, ademais,
sujeitos à lei (e, portanto, limitados ou vinculados por ela), não só no relativo às formas, como também nos
Direitos Humanos, Legitimidade e Constitucionalismo
34
LUIGI FERRAJOLI. Passado e futuro do Estado de Direito, Neoconstitucionalismo(s), op. cit., ps. 13 e 14 (n/tradução). O que torna o artigo sobre o Estado
de Direito na perspectiva do neoconstitucionalismo mais interessante, é que o autor, depois de apontar as duas crises do modelo atual – a
multiplicação dos centros de decisão e das fontes de direito fora dos Estados nacionais e o déficit democrático desses novos centros de decisão e
fontes de direito – prenuncia o desenvolvimento de um constitucionalismo sem Estado, que poderia estar à altura dos grandes futuros desafios políticos,
que não serão mais estatais, mas superestatais, de modo que “uma Constituição não serve para representar a vontade comum de um povo, mas para garantir o direito
de todos, mesmo contra a vontade do povo” ou seja, sua destinação última será a tutela dos direitos humanos, neles incluídos os direitos sociais vitais (p. 28).
35
Veritas, non auctoritas facit legem, sustentaria em contrário THOMAS HOBBES, no século XVII, como se encontra na tradução latina do Leviathan.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 371
36
RONALD DWORKIN toca nesse problema da ambigüidade da Constituição, ao indagar retoricamente “se ela teria sido construída sobre um erro”, por
ser ela, ao mesmo tempo, uma lei, com a aplicação integral, inclusive de suas cláusulas de interpretação, e um repositório de valores (em aberto) e, neste
Law’s Empire, Cambridge, The Belknapp Press
caso, se é dever de seus aplicadores interpretarem-na segundo esses valores e não segundo suas regras (L
of Harvard University Press, 1986, Capítulo X, passim).
37
JUÁN JOSÉ MORESO, Conflictos entre principios constitucionales, in Neoconstitucionalimo(s), op., cit., ps, 100 e 121.
por isso, evoluindo de um quase monólogo, impregnado de decisionismo e de raisons d’état, para
tornar-se um diálogo, que, diferentemente, tende à argumentação objetiva e à racionalidade. E
diz-se aqui haver uma tendência, pois o processo está em curso “o caminho se faz ao caminhar” e
desdobram-se inúmeras sendas, conforme as regiões e os países, apresentando diferentes
estádios de desenvolvimento.
Examinem-se, portanto, ao menos esquematicamente, as diferenças, entre o sistema
juspolítico com eixo no Estado e o sistema juspolítico com eixo na sociedade, a partir de três
destacados fundamentos: um fundamento sociológico, um fundamento político e um fundamento jurídico.
No fastígio da era em que o eixo estava no Estado, destacavam-se os conceitos de coletivo
estatal, de público estatal e do primado do Estado, e, hoje, com o deslocamento do eixo para a
sociedade, passaram a destacar-se os conceitos antípodas, de coletivo social, de público não-estatal e
do primado da pessoa.
O sistema juspolítico com eixo no Estado, que prevaleceu desde seu modelo renascentista,
chegando aos modelos de Estado de Bem-Estar e Socialista (que se apresentavam hegemônicos
no século passado), assim se delineava, na linha dos três fundamentos referidos.
Direitos Humanos, Legitimidade e Constitucionalismo
1. O COLETIVO ESTATAL
Quanto ao fundamento sociológico, toda a referência ao coletivo se imputava ao Estado, de modo
que, ao reverso do que hoje se concebe a partir do princípio da subsidiariedade, os interesses
coletivos eram primária e predominantemente pensados e equacionados em termos estatais.
2. O PÚBLICO ESTATAL
Quanto ao fundamento político, tudo o que fosse público era por conseqüência estatal, cabendo
aos governos tomar as decisões correspondentes, em uma esfera de atuação inconfundível
e irredutível em relação à esfera privada reservada à sociedade.
3. O PRIMADO DO ESTADO
Quanto ao fundamento jurídico, os valores que deveriam prevalecer seriam aqueles adotados
pelo Estado em sua ordem jurídica e por ele ditada através de seus órgãos da soberania,
que era então concebida como absoluta.
Ora, o sistema juspolítico com eixo na sociedade, resultante do deslocamento operado a partir
do Segundo Pós-guerra e dos fenômenos renovadores acima descritos, assim fez variarem esses
três fundamentos:
1. O COLETIVO SOCIAL
372 Quanto ao fundamento sociológico, toda a referência ao coletivo passou a se imputar
primariamente à sociedade e só subsidiariamente ao Estado, de modo que os interesses
coletivos passam a ser primária e predominantemente pensados e equacionados em
termos privados.
2. O PÚBLICO NÃO-ESTATAL
Quanto ao fundamento político, com a recuperação de espaços privados para as decisões da
sociedade, indevidamente absorvido nos dois antigos modelos hegemônicos, criou-se,
simultaneamente, um espaço compartilhado, do público não-estatal, de modo que nele,
conforme o caso, as decisões ora caberiam prioritariamente à sociedade ora ao Estado,
abrindo-se, ainda, e este é o dado mais importante, extensas áreas coordenação da atuação
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 373
3. O PRIMADO DA PESSOA
Quanto ao fundamento jurídico, os valores que devem prevalecer são os vigentes na sociedade,
tanto os finalísticos e permanentes, em que incluem os universais e. por isso, inalteráveis
pela ordem jurídica interna dos Estados, quanto os instrumentais e conjunturais, estes,
sim, a serem recolhidos e adotados pelos Estados através dos métodos democráticos.
Os debates que se terçam sobre direitos humanos e legitimidade têm apresentado algumas
tônicas: a fundamentação dos direitos humanos, sua universalidade (ou universalização), sua
utilidade e seu futuro.
1. FUNDAMENTAÇÃO
2. UNIVERSALIDADE
Em seu precioso testemunho sobre a redação da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Européia, que se deu no ano de 2000, eliminando a grave lacuna de não se ter cogitado dessa
declaração nem em Roma, nem em Nice, nem em Maastricht e nem em Amsterdam, GUY
BRAIBANT,40 que tomou parte extremamente ativa, como representante da França e como
ilustre jurista, aborda a questão da universalização à luz das discussões que tiveram lugar na
Comissão.
Depois de afirmar que certos direitos declarados naquele Diploma devem ser considerados
realmente universais, constituindo um núcleo inderrogável, sob quaisquer circunstâncias e não
importa onde, reconhece que existem direitos sociais com o valor de princípios na Carta 373
Européia, mas que variam em função das circunstâncias locais, do nível de riqueza e do
desenvolvimento de cada país.
A conclusão que retira BRAIBANT é sábia: de nada serviria pretender uniformizar a todo
custo o nosso planeta quando a diversidade é um fator de equilíbrio e de paz, ainda porque essa
diversidade é um valor reconhecido e protegido pela própria Carta.41
38
RICARDO LOBO TORRES consigna a propósito que até os positivistas procuram dar respostas ao problema da fundamentação dos direitos
A legitimação dos Direitos Humanos e os Princípios da Ponderação e da Razoabilidade, in Legitimação dos Direitos Humanos, op. cit .p. 402);
humanos (A
39
NORBERTO BOBBIO. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Ed Campus, p. 24.
40
GUY BRAIBANT. La Charte des droits fondamentales de l’Union Européenne, Paris, Ed du Seuil, 2001.
41
Op. cit., p. 68.
3. UTILIDADE
Este é o debate, como resulta da menção acima à crítica de BOBBIO, que mais possibilidades
apresenta, pois é o tema político de nosso tempo. Numa era de riscos de toda a ordem, as
sociedades de todos os quadrantes, sem importar qual a cultura e qual o grau de desenvolvimento
atingido, sentem ingente necessidade das âncoras de certeza proporcionadas pelos direitos humanos
e anseiam por um Estado de Segurança habermasiano para protegê-las (Sicherkeitstaat).
Mas há mais: nessa Era das Comunicações o efeito demonstração é muito poderoso e só pelo
fato de existirem e de proliferarem as declarações de direitos humanos pelo planeta, desenvolve-
se e robustece-se a consciência de que eles são inderrogáveis e invioláveis pelos governos. E como
desde os romanos se reconhece, a consciência da necessidade (oppinio necessitatis) sempre esteve e
sempre estará por trás de qualquer mudança.
4. FUTURO
Direitos Humanos, Legitimidade e Constitucionalismo
Por existir hoje um consenso de que as Constituições servem mais para garantir os direitos
fundamentais das pessoas que para atribuir e organizar poderes no Estado, pois este conteúdo será
cada vez mais função daquele, pode-se ter uma atitude otimista quanto ao devir dos direitos
humanos, por estar sustentado na permanente busca do progresso firmemente empreendida pelo
constitucionalismo, e não apenas, note-se, dos constitucionalismos nacionais, pois estes continuarão a
conter o que GUY BRAIBANT caracterizou como as diferenças que são um fator de equilíbrio, ao que
se pode ajuntar, e de enriquecimento cultural das sociedades, mas, também, dos constitucionalismos
supranacionais, como auspiciosamente inaugurado com a apresentação da proposta de Constituição
para a Europa ao Conselho Europeu, reunido em Salônica, na Grécia, berço da democracia, em
20 de junho de 2003.
E é, exatamente, essa consciência da necessidade que se invoca, abrindo o Preâmbulo dessa Carta
supranacional, protótipo, exemplo e esperança: a de desenvolver os valores que sustentam o humanismo.42
O extenso e árduo caminho já percorrido na teoria e prática dos direitos humanos é incentivo
suficiente para nos alentar a prosseguir. Muito embora haja muito a avançar, por certo não há
porque temer o futuro, se existe determinação. É a afirmação que nos deixou CICERO, com a
imagem do malho, capaz de modelar o ferro (Eandem incudem diu noctuque tundendo), batendo dia e
noite sobre a mesma bigorna.43
374
42
Preâmbulo, primeiro parágrafo, Constituição para a Europa, Luxemburgo, Publicações Oficiais, 2003, p. 5.
43
CICERO, De oratore, 2, 39, 162.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 375
Flávia Piovesan
decorrência da Segunda Guerra Mundial e seu desenvolvimento pode ser atribuído às
monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte dessas violações
poderiam ser prevenidas, se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos
existisse.2
* Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora de Direitos
Humanos dos Programas de Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da
Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha); visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visiting fellow 375
do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), visiting fellow do Max Planck Institute for Comparative Public Law and International
Law (Heidelberg - 2007), procuradora do Estado de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro
da SUR - Human Rights University Network. O presente artigo é baseado no livro de minha autoria Temas de Direitos Humanos, capítulo 1, 3ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2008.
1
Como explica Louis Henkin: “Subsequentemente à Segunda Guerra Mundial, os acordos internacionais de direitos humanos têm criado obrigações
e responsabilidades para os Estados, com respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição, e um direito costumeiro internacional tem se desenvolvido. O
emergente Direito Internacional dos Direitos Humanos institui obrigações aos Estados para com todas as pessoas humanas e não apenas para com
estrangeiros. Este Direito reflete a aceitação geral de que todo indivíduo deve ter direitos, os quais todos os Estados devem respeitar e proteger. Logo,
a observância dos direitos humanos é não apenas um assunto de interesse particular do Estado (e relacionado à jurisdição doméstica), mas é matéria
de interesse internacional e objeto próprio de regulação do Direito Internacional”. (HENKIN, Louis et al. International law: cases and materials. 3. ed.
Minnesota: West Publishing, 1993. p. 375-376).
2
Na lição de Thomas Buergenthal: “Este código, como já observei em outros escritos, tem humanizado o direito internacional contemporâneo e
internacionalizado os direitos humanos, ao reconhecer que os seres humanos têm direitos protegidos pelo direito internacional e que a denegação
desses direitos engaja a responsabilidade internacional dos Estados independentemente da nacionalidade das vítimas de tais violações”.
(BUERGENTHAL, Thomas. Prólogo. In: CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos
e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. XXXI).
cumprir suas obrigações. O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de
normas internacionais, procedimentos e instituições desenvolvidas para implementar esta concepção
e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial. (...) Embora a
idéia de que os seres humanos têm direitos e liberdades fundamentais que lhe são inerentes tenha há
muito tempo surgido no pensamento humano, a concepção de que os direitos humanos são objeto
próprio de uma regulação internacional, por sua vez, é bastante recente. (...) Muitos dos direitos que
hoje constam do “Direito Internacional dos Direitos Humanos” surgiram apenas em 1945, quando,
com as implicações do holocausto e de outras violações de direitos humanos cometidas pelo
nazismo, as nações do mundo decidiram que a promoção de direitos humanos e liberdades
fundamentais deve ser um dos principais propósitos da Organizações das Nações Unidas”.3
Neste cenário, fortalece-se a idéia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir
ao domínio reservado do Estado, isto é, não deve se restringir à competência nacional exclusiva
ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Por
sua vez, esta concepção inovadora aponta para duas importantes conseqüências:
1) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um
processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional,
em prol da proteção dos direitos humanos; isto é, permitem-se formas de monitoramento
e responsabilização internacional, quando os direitos humanos forem violados;4
2) a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera
internacional, na condição de sujeito de Direito.
Prenuncia-se, deste modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais
era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania.
Inspirada por estas concepções, surge, a partir do pós-guerra, em 1945, a Organização das
Nações Unidas. Em 1948 é adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela
aprovação unânime de 48 Estados, com 8 abstenções.5 A inexistência de qualquer
questionamento ou reserva feita pelos Estados aos princípios da Declaração e a inexistência de
Humanos
3
BILDER, Richard B. An overview of international human rights law. In: HANNUM, Hurst (Editor). Guide to international human rights practice. 2. ed.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1992. p. 3-5.
4
A respeito, destaque-se a afirmação do Secretário Geral das Nações Unidas, no final de 1992: “Ainda que o respeito pela soberania e integridade do
Estado seja uma questão central, é inegável que a antiga doutrina da soberania exclusiva e absoluta não mais se aplica e que esta soberania jamais foi
absoluta, como era então concebida teoricamente. Uma das maiores exigências intelectuais de nosso tempo é a de repensar a questão da soberania
(...). Enfatizar os direitos dos indivíduos e os direitos dos povos é uma dimensão da soberania universal, que reside em toda a humanidade e que
permite aos povos um envolvimento legítimo em questões que afetam o mundo como um todo. É um movimento que, cada vez mais, encontra
expressão na gradual expansão do Direito Internacional”. (BOUTROS-GHALI, Boutros. Empowering the United Nations. Foreign Affairs, v. 89, p.
376 98-99, 1992/1993, apud HENKIN, Louis, et al, International law: cases and materials, op. cit., p. 18). Transita-se, assim, de uma concepção “hobbesiana”
de soberania, centrada no Estado, para uma concepção “kantiana” de soberania, centrada na cidadania universal. Para Celso Lafer, de uma visão ex
parte príncipe, fundada nos deveres dos súditos com relação ao Estado, passa-se a uma visão ex parte populi, fundada na promoção da noção de direitos
do cidadão. (LAFER, Celso. Comércio, Desarmamento, Direitos Humanos: reflexões sobre uma experiência diplomática, São Paulo, Paz e Terra, 1999, p.145).
5
A Declaração Universal foi aprovada pela Resolução 217 A (III), da Assembléia Geral, em 10 de dezembro de 1948, por 48 votos a zero e oito
abstenções. Os oito Estados que se abstiveram foram: Bielorússia, Checoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, União Soviética, África do Sul
e Iugoslávia. Observe-se que em Helsinki, em 1975, no Ato Final da Conferência sobre Seguridade e Cooperação na Europa, os Estados comunistas
da Europa expressamente aderiram à Declaração Universal. Sobre o caráter universal da Declaração, observa René Cassin: “Séame permitido, antes de
concluir, resumir a grandes rasgos los caracteres de la declaración surgida de nuestros debates de 1947 a 1948. Esta declaración se caracteriza, por una parte, por su amplitud.
Comprende el conjunto de derechos y facultades sin los cuales un ser humano no puede desarrolar su personalidad física, moral y intelectual. Su segunda característica es la
universalidad: es aplicable a todos los hombres de todos los países, razas, religiones y sexos, sea cual fuere el régimen político de los territorios donde rija. De ahí que al finalizar
los trabajos, pese a que hasta entonces se había hablado siempre de declaración “internacional”, la Asamblea General, gracias a mi proposición, proclamó la declaración
“Universal”. Al hacerlo conscientemente, subrayó que el individuo es miembro directo de la sociedad humana y que es sujeto directo del derecho de gentes. Naturalmente, es
ciudadano de su país, pero también lo es del mundo, por el hecho mismo de la protección que el mundo debe brindarle. Tales son los caracteres esenciales de la declaración.(...)
La Declaración, por el hecho de haber sido, como fue el caso, adoptada por unanimidad (pues sólo hubo 8 abstenciones, frente a 48 votos favorables), tuvo inmediatamente una
gran repercusión en la moral de las naciones. Los pueblos empezaron a darse cuenta de que el conjunto de la comunidad humana se interesaba por su destino”. (CASSIN,
René. El problema de la realización de los derechos humanos en la sociedad universal. In: Viente años de evolucion de los derechos humanos. México: Instituto
de Investigaciones Jurídicas, 1974. p. 397).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 377
6
Cf. Eduardo Muylaert Antunes: “A Declaração Universal dos Direitos Humanos se impõe com “o valor da afirmação de uma ética universal” e
conservará sempre seu lugar de símbolo e de ideal”. (Natureza jurídica da Declaração Universal de Direitos Humanos. Revista dos Tribunais, São Paulo,
n. 446, p. 35, dez. 1972).
7
Quanto à classificação dos direitos constantes da Declaração, adverte Antonio Cassesse: “Mas vamos examinar o conteúdo da Declaração de forma
mais aprofundada. Para este propósito, é melhor nos deixarmos orientar, ao menos em determinado sentido, por um dos pais da Declaração, o
francês René Cassin, que descreveu seu escopo do modo a seguir. Primeiramente, trata a Declaração dos direitos pessoais (os direitos à igualdade, à
vida, à liberdade e à segurança, etc. - arts. 3º a 11). Posteriormente, são previstos direitos que dizem respeito ao indivíduo em sua relação com grupos
Flávia Piovesan
sociais no qual ele participa (o direito à privacidade da vida familiar e o direito ao casamento; o direito à liberdade de movimento no âmbito nacional
ou fora dele; o direito à nacionalidade; o direito ao asilo, na hipótese de perseguição; direitos de propriedade e de praticar a religião - arts. 12 a 17).
O terceiro grupo de direitos se refere às liberdades civis e aos direitos políticos exercidos no sentido de contribuir para a formação de órgãos governa-
mentais e participar do processo de decisão (liberdade de consciência, pensamento e expressão; liberdade de associação e assembléia; direito de votar
e ser eleito; direito ao acesso ao governo e à administração pública - arts. 18 a 21). A quarta categoria de direitos se refere aos direitos exercidos nos
campos econômicos e sociais (ex: aqueles direitos que se operam nas esferas do trabalho e das relações de produção, o direito à educação, o direito
ao trabalho e à assistência social e à livre escolha de emprego, a justas condições de trabalho, ao igual pagamento para igual trabalho, o direito de
fundar sindicatos e deles participar; o direito ao descanso e ao lazer; o direito à saúde, à educação e o direito de participar livremente na vida cultural
da comunidade - arts. 22 a 27)”. (CASSESSE, Antonio. Human rights in a changing world. Philadelphia: Temple University Press, 1990. p. 38-39). Sobre
o tema, observa José Augusto Lindgren Alves que mais acurada é a classificação feita por Jack Donnelly, quando sustenta que a Declaração de 1948
enuncia as seguintes categorias de direitos: 1) direitos pessoais, incluindo os direitos à vida, à nacionalidade, ao reconhecimento perante a lei, à
proteção contra tratamentos ou punições cruéis, degradantes ou desumanas e à proteção contra a discriminação racial, étnica, sexual ou religiosa (arts.
2º a 7º e 15); 2) direitos judiciais, incluindo o acesso a remédios por violação dos direitos básicos, a presunção de inocência, a garantia de processo
377
público justo e imparcial, a irretroatividade das leis penais, a proteção contra a prisão, detenção ou exílio arbitrários, e contra a interferência na família,
no lar e na reputação (arts. 8º a 12); 3) liberdades civis, especialmente as liberdades de pensamento, consciência e religião, de opinião e expressão, de
movimento e resistência, e de reunião e de associação pacífica (arts. 13 e de 18 a 20); 4) direitos de subsistência, particularmente os direitos à
alimentação e a um padrão de vida adequado à saúde e ao bem-estar próprio e da família (art. 25); 5) direitos econômicos, incluindo principalmente
os direitos ao trabalho, ao repouso e ao lazer, e à segurança social (arts. 22 a 26); 6) direitos sociais e culturais, especialmente os direitos à instrução
e à participação na vida cultural da comunidade (arts. 26 e 28); 7) direitos políticos, principalmente os direitos a tomar parte no governo e a eleições
legítimas com sufrágio universal e igual (art. 21), acrescido dos aspectos políticos de muitas liberdades civis”. (DONNELLY, Jack. International
human rights: a regime analysis. In: International organization. Massachussetts Institute of Technology, Summer 1986. p. 599-642, apud LINDGREN
ALVES, José Augusto. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos e o Brasil. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, v. 46, n. 182, p.
89, jul./dez.1993). Na lição de Celso D. de Albuquerque Mello, a Declaração Universal “tem sido dividida pelos autores em quatro partes: a) normas
gerais (arts. 1º e 2º, 28, 29 e 30); b) direitos e liberdades fundamentais (arts. 3º a 20); c) direitos políticos (art. 21); d) direitos econômicos e sociais
(arts. 22 e 27)”. (Curso de direito internacional público. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979. p. 531).
8
International protection of human rights. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Company, 1973. p. 516.
9
A partir desse critério, os direitos de primeira geração correspondem aos direitos civis e políticos, que traduzem o valor da liberdade; os direitos
de segunda geração correspondem aos direitos sociais, econômicos e culturais, que traduzem, por sua vez, o valor da igualdade; já os direitos
de terceira geração correspondem ao direito ao desenvolvimento, direito à paz, à livre determinação, que traduzem o valor da solidariedade.
constante dinâmica de interação. Logo, apresentando os direitos humanos uma unidade indivisível,
revela-se esvaziado o direito à liberdade, quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez,
esvaziado revela-se o direito à igualdade, quando não assegurada a liberdade.10
Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e
A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos
políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a realização dos direitos civis
e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os
direitos econômicos e sociais carecem de verdadeira significação. Não há mais como cogitar da
liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada
da liberdade. Em suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e
indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e
interdependentes entre si.
Como estabeleceu a Resolução n. 32/130 da Assembléia Geral das Nações Unidas: “todos os
direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente
entre si, e são indivisíveis e interdependentes”.11 Esta concepção foi reiterada na Declaração de
Viena de 1993, quando afirma, em seu § 5º, que os direitos humanos são universais, indivisíveis,
interdependentes e inter-relacionados.
Seja por fixar a idéia de que os direitos humanos são universais, inerentes à condição de
pessoa e não relativos às peculiaridades sociais e culturais de determinada sociedade, seja por
incluir em seu elenco não só direitos civis e políticos, mas também direitos sociais,
econômicos e culturais, a Declaração de 1948 demarca a concepção contemporânea dos
direitos humanos.
Uma das principais qualidades da Declaração é constituir-se em parâmetro e código de atuação
para os Estados integrantes da comunidade internacional. Ao consagrar o reconhecimento
universal dos direitos humanos pelos Estados, a Declaração consolida um parâmetro internacional
para a proteção desses direitos. Neste sentido, a Declaração é um dos parâmetros fundamentais
pelos quais a comunidade internacional “deslegitima” os Estados. Um Estado que sistematicamente
viola a Declaração não é merecedor de aprovação por parte da comunidade mundial.12
Sobre a matéria, ver Hector Gross Espiell, Estudios sobre derechos humanos, Madrid, Civitas, 1988, p. 328-332. Do mesmo autor, Los derechos
economicos sociales y culturales en el sistema interamericano, San José, Libro libre, 1986. Ainda sobre a idéia de gerações de direitos humanos, explica
Burns H. Weston: “A este respeito, particularmente útil é a noção de “três gerações de direitos humanos” elaborada pelo jurista francês Karel
Vasak. Sob a inspiração dos três temas da Revolução francesa, estas três gerações de direitos são as seguintes: a primeira geração se refere aos
Humanos
direitos civis e políticos (liberté); a segunda geração aos direitos econômicos, sociais e culturais (égalité); e a terceira geração se refere aos novos
direitos de solidariedade (fraternité)”. (WESTON, Burns H. Human rights, In: CLAUDE, Richard Pierre, WESTON, Burns H (Editores). Human
rights in the world community, p. 16-17). Sobre a matéria consultar ainda A. E. P. Luño (Los derechos fundamentales. Madrid: Tecnos, 1988) e T. H.
Marshall (Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967).
10
Sobre a indivisibilidade dos direitos humanos, afirma Louis Henkin: “Os direitos considerados fundamentais incluem não apenas limitações que
inibem a interferência dos governos nos direitos civis e políticos, mas envolvem obrigações governamentais de cunho positivo em prol da promoção
do bem-estar econômico e social, pressupondo um Governo que seja ativo, interventor, planejador e comprometido com os programas econômico-
378 sociais da sociedade que, por sua vez, os transforma em direitos econômicos e sociais para os indivíduos”. (The age of rights. New York: Columbia
University Press, 1990. p. 6-7). No entanto, difícil é a conjugação destes valores, e em particular difícil é a conjugação dos valores da igualdade e
liberdade. Como pondera Norberto Bobbio: “As sociedades são mais livres na medida em que são menos justas e mais justas na medida em que são
menos livres” (A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 43).
11
Sobre a Resolução n. 32/130 afirma Antonio Augusto Cançado Trindade: “Aquela resolução (32/130), ao endossar a asserção da Proclamação de Teerã
de 1968, reafirmou a indivisibilidade a partir de uma perspectiva globalista, e deu prioridade à busca de soluções para as violações maciças e flagrantes
dos direitos humanos. Para a formação deste novo ethos, fixando parâmetros de conduta em torno de valores básicos universais, também contribuiu o
reconhecimento da interação entre os direitos humanos e a paz consignado na Ata Final de Helsinque de 1975”. (A proteção internacional dos direitos
humanos no limiar do novo século e as perspectivas brasileiras. In: Temas de Política Externa Brasileira, II, v. 1, 1994. p. 169).
12
Cf. CASSESSE, Antonio, Human rights in a changing world, op. cit., p. 46-47. Na afirmação de Louis B. Sohn e Thomas Buergenthal: “A Declaração
Universal de Direitos Humanos tem, desde sua adoção, exercido poderosa influência na ordem mundial, tanto internacional como nacionalmente.
Suas previsões têm sido citadas como justificativa para várias ações adotadas pelas Nações Unidas e têm inspirado um grande número de Convenções
internacionais no âmbito das Nações Unidas ou fora dele. Estas previsões também exercem uma significativa influência nas Constituições nacionais
e nas legislações locais e, em diversos casos, nas decisões das Cortes. Em algumas instâncias, o texto das previsões da Declaração tem sido
incorporado em instrumentos internacionais ou na legislação nacional e há inúmeras instâncias que adotam a Declaração como um código de
conduta e um parâmetro capaz de medir o grau de respeito e de observância relativamente aos parâmetros internacionais de direitos humanos”.
(SOHN, Louis B. e BUERGENTHAL, Thomas, op. cit., p. 516).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 379
Flávia Piovesan
América e África. Consolida-se, assim, a convivência do sistema global – integrado pelos
instrumentos das Nações Unidas, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais e as demais Convenções internacionais – com instrumentos do sistema
regional, por sua vez integrado pelos sistemas interamericano, europeu e africano de proteção aos
direitos humanos.
Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementares. Inspirados pelos
valores e princípios da Declaração Universal, compõem o universo instrumental de proteção dos 379
direitos humanos no plano internacional. Em face desse complexo universo de instrumentos
internacionais, cabe ao indivíduo que sofreu violação de direito a escolha do aparato mais
favorável, tendo em vista que, eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais
instrumentos de alcance global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou especial. Nesta ótica, os
diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos
protegidos. Na visão de Antônio Augusto Cançado Trindade: “O critério da primazia da norma
mais favorável às pessoas protegidas, consagrado expressamente em tantos tratados de direitos
13
Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas, Status of Ratifications of the Principal International Human Rights Treaties,
http://www.unhchr.ch/pdf/report.pdf
(...) Contribui, em terceiro lugar, para demonstrar que a tendência e o propósito da coexistência
de distintos instrumentos jurídicos – garantindo os mesmos direitos – são no sentido de ampliar
e fortalecer a proteção”.14
Feitas essas breves considerações a respeito dos tratados internacionais de direitos humanos,
passa-se à análise do modo pelo qual o Brasil se relaciona com o aparato internacional de
proteção dos direitos humanos.
14
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. In:
Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, v. 46, n. 182, p. 52-53, jul./dez. 1993.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 381
Flávia Piovesan
O valor da dignidade humana – ineditamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos
termos do art. 1º, III – impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico
brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do
sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm
a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores
éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de 1988,
esses valores passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo
universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do 381
ordenamento jurídico nacional.
É nesse contexto que há de se interpretar o disposto no art. 5º, § 2º do texto, que, de
forma inédita, tece a interação entre o Direito brasileiro e os tratados internacionais de
direitos humanos. Ao fim da extensa Declaração de Direitos enunciada pelo art. 5º, a Carta
15
Para J. A. Lindgren Alves: “Com a adesão aos dois Pactos Internacionais da ONU, assim como ao Pacto de São José, no âmbito da OEA, em 1992,
e havendo anteriormente ratificado todos os instrumentos jurídicos internacionais significativos sobre a matéria, o Brasil já cumpriu praticamente
todas as formalidades externas necessárias à sua integração ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Internamente, por outro lado,
as garantias aos amplos direitos entronizados na Constituição de 1988, não passíveis de emendas e, ainda, extensivas a outros decorrentes de tratados
de que o país seja parte, asseguram a disposição do Estado democrático brasileiro de conformar-se plenamente às obrigações internacionais por ele
contraídas”. (Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva/Fundação Alexandre de Gusmão, 1994. p. 108).
Essa opção do constituinte de 1988 se justifica em face do caráter especial dos tratados de direitos
humanos e, no entender de parte da doutrina, da superioridade desses tratados no plano
internacional, tendo em vista que integrariam o chamado jus cogens (direito cogente e inderrogável).
Enfatize-se que, enquanto os demais tratados internacionais têm força hierárquica
382
16
Para José Joaquim Gomes Canotilho: “A legitimidade material da Constituição não se basta com um “dar forma” ou “constituir” de órgãos; exige
uma fundamentação substantiva para os actos dos poderes públicos e daí que ela tenha de ser um parâmetro material, directivo e inspirador desses
actos. A fundamentação material é hoje essencialmente fornecida pelo catálogo de direitos fundamentais (direitos, liberdades e garantias e direitos
econômicos, sociais e culturais)”. (Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 74).
17
Sobre o tema, afirma José Joaquim Gomes Canotilho: “Ao apontar para a dimensão material, o critério em análise coloca-nos perante um dos
temas mais polêmicos do direito constitucional: qual é o conteúdo ou matéria da Constituição? O conteúdo da Constituição varia de época para
época e de país para país e, por isso, é tendencialmente correcto afirmar que não há reserva de Constituição no sentido de que certas matérias
têm necessariamente de ser incorporadas na Constituição pelo Poder Constituinte. Registre-se, porém, que, historicamente (na experiência
constitucional), foram consideradas matérias constitucionais, par excellence, a organização do poder político (informada pelo princípio da divisão
de poderes) e o catálogo dos direitos, liberdades e garantias. Posteriormente, verificou-se o “enriquecimento” da matéria constitucional através
da inserção de novos conteúdos, até então considerados de valor jurídico-constitucional irrelevante, de valor administrativo ou de natureza sub-
constitucional (direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de participação e dos trabalhadores e constituição econômica)”. (Direito
constitucional, op. cit., p. 68). Prossegue o mesmo autor: “Um topos caracterizador da modernidade e do constitucionalismo foi sempre o da
consideração dos “direitos do homem” como ratio essendi do Estado Constitucional. Quer fossem considerados como “direitos naturais”,
“direitos inalienáveis” ou “direitos racionais” do indivíduo, os direitos do homem, constitucionalmente reconhecidos, possuíam uma dimensão
projectiva de comensuração universal”. (idem, p. 18).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 383
infraconstitucional18, nos termos do art. 102, III, “b” do texto (que admite o cabimento de
recurso extraordinário de decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado), os direitos
enunciados em tratados internacionais de proteção dos direitos humanos detêm natureza de
norma constitucional. Esse tratamento jurídico diferenciado se justifica, na medida em que os
tratados internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos
tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações
entre Estados-partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados
pactuantes, tendo em vista que objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não das
prerrogativas dos Estados. No mesmo sentido, argumenta Juan Antonio Travieso: “Los tratados
modernos sobre derechos humanos en general, y, en particular la Convención Americana no son tratados
multilaterales del tipo tradicional concluidos en función de un intercambio recíproco de derechos para el beneficio
mutuo de los Estados contratantes. Su objeto y fin son la protección de los derechos fundamentales de los seres
humanos independientemente de su nacionalidad, tanto frente a su proprio Estado como frente a los otros Estados
contratantes. Al aprobar estos tratados sobre derechos humanos, los Estados se someten a un orden legal dentro
del cual ellos, por el bién común, asumen varias obligaciones, no en relación con otros Estados, sino hacia los
individuos bajo su jurisdicción. Por tanto, la Convención no sólo vincula a los Estados partes, sino que otorga
garantías a las personas. Por ese motivo, justificadamente, no puede interpretarse como cualquier otro tratado”.19
Esse caráter especial vem a justificar o status constitucional atribuído aos tratados internacionais
de proteção dos direitos humanos.
Conclui-se, portanto, que o Direito brasileiro faz opção por um sistema misto, que combina
regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e um outro
aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos
humanos – por força do art. 5º, §§ 1º e 2º – apresentam hierarquia de norma constitucional e
aplicação imediata, os demais tratados internacionais apresentam hierarquia infraconstitucional e
se submetem à sistemática da incorporação legislativa. No que se refere à incorporação
automática, diversamente dos tratados tradicionais, os tratados internacionais de direitos
humanos irradiam efeitos concomitantemente na ordem jurídica internacional e nacional, a partir
do ato da ratificação. Não é necessária a produção de um ato normativo que reproduza no
ordenamento jurídico nacional o conteúdo do tratado, pois sua incorporação é automática, nos
Flávia Piovesan
termos do art. 5º, § 1º, que consagra o princípio da aplicabilidade imediata das normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais.
Observe-se, contudo, que há quatro correntes doutrinárias acerca da hierarquia dos tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos, que sustentam: a) a hierarquia supra-
constitucional destes tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquia infra-constitucional,
mas supra-legal e d) a paridade hierárquica entre tratado e lei federal20.
No sentido de responder à polêmica doutrinária e jurisprudencial concernente à hierarquia
dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, a Emenda Constitucional n. 45, 383
de 8 dezembro de 2004, introduziu um § 3º no art. 5º, dispondo: “Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
18
Sustenta-se que os tratados tradicionais têm hierarquia infraconstitucional, mas supralegal. Esse posicionamento se coaduna com o princípio da boa-
fé, vigente no direito internacional (o pacta sunt servanda), que tem como reflexo o art. 27 da Convenção de Viena, segundo o qual não cabe ao Estado
invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento de tratado.
19
TRAVIESO, Juan Antonio. Derechos humanos y derecho internacional. Buenos Aires: Heliasta, 1990. p. 90. Compartilhando do mesmo entendimento,
leciona Jorge Reinaldo Vanossi: “La declaración de la Constitución argentina es concordante con as Declaraciones que han adoptado los organismos internacionales, y se
refuerza con la ratificación argentina a las convenciones o pactos internacionales de derechos humanos destinados a hacerlos efectivos y brindar protección concreta a las personas
a través de instituciones internacionales”. (La Constitución Nacional y los derechos humanos. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 1988. p. 35).
20
A respeito, ver PIOVESAN, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 8a edição revista, ampliada e atualizada, São Paulo, ed. Saraiva,
2007, p.51-81.
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas à Constituição”.
Em face de todos argumentos já expostos, sustenta-se que hierarquia constitucional já se
extrai de interpretação conferida ao próprio art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988. Vale dizer, seria
A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos
21
Defendi essa posição em parecer sobre o tema, aprovado em sessão do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em março
de 2004.
22
Celso de Albuquerque Mello, O parágrafo 2º do art. 5º da Constituição Federal, in Teoria dos direitos fundamentais, p. 25.
23
A título de exemplo, cite-se o Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966), que, embora seja lei ordinária, foi recepcionado
como lei complementar, nos termos do artigo 146 da Constituição Federal.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 385
suscitadas pelo parágrafo 2º do art. 5º. De acordo com a opinião doutrinária tradicional, uma lei
interpretativa nada mais faz do que declarar o que pré-existe, ao clarificar a lei existente”24.
Uma vez mais, corrobora-se o entendimento de que os tratados internacionais de direitos
humanos ratificados anteriormente ao mencionado parágrafo, ou seja, anteriormente à Emenda
Constitucional n. 45/2004, têm hierarquia constitucional, situando-se como normas material e
formalmente constitucionais. Esse entendimento decorre de quatro argumentos: a) a
interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º, já que o
último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do sistema
constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem orientar a hermenêutica dos
direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos
da ordem jurídica; e d) a teoria geral da recepção do Direito brasileiro.
A respeito do impacto art. 5º, § 3º, destaca-se decisão do Superior Tribunal de Justiça, quando
do julgamento do RHC 18799, tendo como relator o Ministro José Delgado, em maio de 2006:
“(...) o §3º do art. 5º da CF/88, acrescido pela EC n.45, é taxativo ao enunciar que “os tratados
e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais”. Ora, apesar de à época o referido Pacto ter sido
aprovado com quórum de lei ordinária, é de se ressaltar que ele nunca foi revogado ou retirado
do mundo jurídico, não obstante a sua rejeição decantada por decisões judiciais. De acordo com
o citado §3º, a Convenção continua em vigor, desta feita com força de emenda constitucional.
A regra emanada pelo dispositivo em apreço é clara no sentido de que os tratados internacionais
concernentes a direitos humanos nos quais o Brasil seja parte devem ser assimilados pela ordem
jurídica do país como normas de hierarquia constitucional. Não se pode escantear que o §1º
supra determina, peremptoriamente, que “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”. Na espécie, devem ser aplicados, imediatamente, os
tratados internacionais em que o Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica foi
resgatado pela nova disposição (§3º do art. 5º ), a qual possui eficácia retroativa. A tramitação de
lei ordinária conferida à aprovação da mencionada Convenção (...) não constituirá óbice formal
de relevância superior ao conteúdo material do novo direito aclamado, não impedindo a sua
Flávia Piovesan
retroatividade, por se tratar de acordo internacional pertinente a direitos humanos”25.
Este julgado revela a hermenêutica adequada a ser aplicada aos direitos humanos, inspirada
por uma lógica e racionalidade material, ao afirmar o primado da substância sob a forma26.
O impacto da inovação introduzida pelo art. 5º, § 3º e a necessidade de evolução e atualização
jurisprudencial foram também realçadas no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento
do RE 466.34327, em 22 de novembro de 2006, em emblemático voto proferido pelo Ministro
Gilmar Ferreira Mendes, ao destacar: “(...) a reforma acabou por ressaltar o caráter especial dos
tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre Estados 385
24
Celso Lafer, A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações internacionais, p. 16.
25
RHC 18799, Recurso Ordinário em Habeas Corpus, data do julgamento: 09/05/2006, DJ 08.06.2006.
26
Em sentido contrário, destaca-se o RHC 19087, Recurso Ordinário em Habeas Corpus, data do julgamento: 18/05/2006, DJ 29.05.2006, julgado
proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo como relator o Ministro Albino Zavascki. A argumentação do referido julgado, ao revés, inspirou-
se por uma lógica e racionalidade formal, afirmando o primado da forma sob a substância. A respeito, destaca-se o seguinte trecho: “Quanto aos
tratados de direitos humanos preexistentes à EC 45/2004, a transformação de sua força normativa – de lei ordinária para constitucional – também
supõe a observância do requisito formal de ratificação pelas Casas do Congresso, por quórum qualificado de três quintos. Tal requisito não foi
atendido, até a presente data, em relação ao Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)”.
27
Ver Recurso Extraordinário 466.343-1, São Paulo, relator Ministro Cezar Peluso, recorrente Banco Bradesco S/A e recorrido Luciano Cardoso
Santos. Note-se que o julgamento envolvia a temática da prisão civil por dívida e a aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos. Até
novembro de 2006, oito dos onze Ministros haviam votado pela inconstitucionalidade da prisão para o devedor em alienação fiduciária, tendo sido
pedida vista dos autos pelo Ministro Celso de Mello para maior reflexão sobre a revisão do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a
matéria. Em 1995, diversamente, no julgamento do HC 72.131-RJ, o Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar a mesma temática, sustentou a paridade
hierárquica entre tratado e lei federal, admitindo a possibilidade da prisão civil por dívida, pelo voto de oito dos onze Ministros.
28
Celso Lafer, A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações internacionais, p. 17.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 387
Vale dizer, com o advento do § 3º do art. 5º surgem duas categorias de tratados internacionais
de proteção de direitos humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e
formalmente constitucionais. Frise-se: todos os tratados internacionais de direitos humanos são
29
materialmente constitucionais, por força do § 2º do art. 5º . Para além de serem materialmente
constitucionais, poderão, a partir do § 3º do mesmo dispositivo, acrescer a qualidade de
formalmente constitucionais, equiparando-se às emendas à Constituição, no âmbito formal.
Flávia Piovesan
dos Direitos Humanos.
A reprodução de disposições de tratados internacionais de direitos humanos na ordem
jurídica brasileira reflete não apenas o fato do legislador nacional buscar orientação e inspiração
nesse instrumental, mas ainda revela a preocupação do legislador em equacionar o Direito
interno, de modo a que se ajuste, com harmonia e consonância, às obrigações internacionalmente
assumidas pelo Estado brasileiro. Nesse caso, os tratados internacionais de direitos humanos
estarão a reforçar o valor jurídico de direitos constitucionalmente assegurados, de forma que
eventual violação do direito importará não apenas em responsabilização nacional, mas também 387
em responsabilização internacional.
Já na segunda hipótese, os tratados internacionais de direitos humanos estarão a integrar,
complementar e estender a declaração constitucional de direitos. Com efeito, a partir dos
instrumentos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, é possível elencar inúmeros
direitos que, embora não previstos no âmbito nacional, encontram-se enunciados nesses tratados
29
Como leciona Ingo Wolfgang Sarlet: “Inobstante não necessariamente ligada à fundamentalidade formal, é por intermédio do direito constitucional
positivo (art. 5º, parágrafo 2º da CF) que a noção de fundamentalidade material permite a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais
não constantes de seu texto, e, portanto, apenas materialmente fundamentais, assim como há direitos fundamentais situados fora do catálogo, mas
integrantes da Constituição formal” (A eficácia dos direitos fundamentais, p. 81).
e, assim, passam a se incorporar ao Direito brasileiro. A título de ilustração, cabe menção aos
seguintes direitos: a) direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua
família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia, nos termos do art. 11 do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; b) proibição de qualquer propaganda
A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos
em favor da guerra e proibição de qualquer apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que
constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência, em conformidade com o
art. 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e art. 13 (5) da Convenção
Americana; c) direito das minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas de ter sua própria vida cultu-
ral, professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua, nos termos do art. 27 do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e art. 30 da Convenção sobre os Direitos da
Criança; d) proibição do reestabelecimento da pena de morte nos Estados que a hajam abolido,
de acordo com o art. 4º (3) da Convenção Americana; e) possibilidade de adoção pelos Estados
de medidas, no âmbito social, econômico e cultural, que assegurem a adequada proteção de
certos grupos raciais, no sentido de que a eles seja garantido o pleno exercício dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, em conformidade com o art. 1º (4) da Convenção sobre
a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial; f) possibilidade de adoção pelos
Estados de medidas temporárias e especiais que objetivem acelerar a igualdade de fato entre
homens e mulheres, nos termos do art. 4º da Convenção sobre a Eliminação de todas as
formas de Discriminação contra a Mulher; g) vedação da utilização de meios destinados a
obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões, nos termos do art. 13 da Convenção
Americana30; h) direito ao duplo grau de jurisdição como garantia judicial mínima, nos termos
dos arts. 8, “h” e 25, parágrafo 1o da Convenção Americana31; i) direito do acusado ser
ouvido, nos termos do art. 8, parágrafo 1 da Convenção Americana32; j) direito de toda pessoa
detida ou retida de ser julgada em prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de
que prossiga o processo, nos termos do art. 7, (5) da Convenção Americana33 e k) proibição
da extradição ou expulsão de pessoa a outro Estado quando houver fundadas razões que
poderá ser submetida à tortura ou a outro tratamento cruel, desumado ou degradante, nos
termos do art. 3o da Convenção contra a Tortura e do artigo 22, VIII da Convenção
Americana34.
Esse elenco de direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil é parte
inova e amplia o universo de direitos nacionalmente assegurados, na medida em que não se
Humanos
encontram previstos no Direito interno. Observe-se que esse elenco não é exaustivo, mas
tem como finalidade apenas apontar, exemplificativamente, direitos que são consagrados
nos instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil e que se incorporaram à ordem
jurídica interna brasileira. Desse modo, percebe-se como o Direito Internacional dos
Direitos Humanos inova, estende e amplia o universo dos direitos constitucionalmente
388 assegurados.
30
A respeito, ver julgamento TRF 3a R – RHC 96.03.060213-2-SP- 2a T, Relatora para o Acódão Juíza Sylvia Steiner, DJU 19.-03.1997.
31
Com fundamento nestes preceitos, há julgados que afirmam o direito de apelar em liberdade, determinando seja afastada a incidência do artigo 594
do Código de Processo Penal, que estabelece a exigência do recolhimento do réu à prisão para apelar. Neste sentido, ver Apelação n. 1.011.673/4,
julgada em 29.05.1996, 5a Câmara, Relator designado Dr. Walter Swensson, RJTACRIM 31/120.
32
A este respeito, ver RHC 7463/DF, recurso ordinário em habeas-corpus (98/0022262-6), de 23.06.1998, tendo como relator o Ministro Luiz Vicente
Cernicchiaro.
33
Sobre a matéria, ver STJ, RHC n. 5.239-BA, relator Ministro Edson Vidigal, 5a Turma, v.u., j. 07.05.1996, DJU 29.09.1997. Note-se que esse direito
acabou por ser formalmente constitucionalizado em virtude da inclusão do inciso LXXVIII no art. 5º, fruto da Emenda Constitucional n.45/2004.
34
A respeito, ver Extradição 633, setembro/1998, relator Ministro Celso de Mello, em que foi negada a extradição à República Popular da China de
pessoa acusada de crime de estelionato, lá punível com a pena de morte.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 389
Flávia Piovesan
revoga lei anterior com ela incompatível”, considerando a hierarquia constitucional dos
tratados internacionais de direitos humanos. Todavia, um exame mais cauteloso da matéria
aponta a um critério de solução diferenciado, absolutamente peculiar ao conflito em tela,
que se situa no plano dos direitos fundamentais. E o critério a ser adotado se orienta pela
escolha da norma mais favorável à vítima. Vale dizer, prevalece a norma mais benéfica ao
indivíduo, titular do direito. O critério ou princípio da aplicação do dispositivo mais
favorável às vítimas é não apenas consagrado pelos próprios tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos, mas também encontra apoio na prática ou jurisprudência 389
dos órgãos de supervisão internacionais. Isto é, no plano de proteção dos direitos humanos
interagem o Direito internacional e o Direito interno, movidos pelas mesmas necessidades
de proteção, prevalecendo as normas que melhor protejam o ser humano, tendo em vista
que a primazia é da pessoa humana. Os direitos internacionais constantes dos tratados de
direitos humanos apenas vêm a aprimorar e fortalecer, nunca a restringir ou debilitar, o grau
de proteção dos direitos consagrados no plano normativo constitucional. Na lição lapidar
de Antonio Augusto Cançado Trindade: “(...) desvencilhamo-nos das amarras da velha e
ociosa polêmica entre monistas e dualistas; neste campo de proteção, não se trata de
primazia do direito internacional ou do direito interno, aqui em constante interação: a
primazia é, no presente domínio, da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos
consagrados da pessoa humana, seja ela uma norma de direito internacional ou de direito
interno”.35
Logo, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos
e o Direito interno, adota-se o critério da norma mais favorável à vítima. Em outras palavras, a
A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos
primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana. A escolha
da norma mais benéfica ao indivíduo é tarefa que caberá fundamentalmente aos Tribunais
nacionais e a outros órgãos aplicadores do direito, no sentido de assegurar a melhor proteção
possível ao ser humano.
A título de exemplo, um caso a merecer enfoque refere-se à previsão do art. 11 do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ao dispor que “ninguém poderá ser preso apenas por
não poder cumprir com uma obrigação contratual”. Enunciado semelhante é previsto pelo art.
7º (7) da Convenção Americana, ao estabelecer que ninguém deve ser detido por dívidas,
acrescentando que este princípio não limita os mandados judiciais expedidos em virtude de
inadimplemento de obrigação alimentar.
Novamente, há que se lembrar que o Brasil ratificou ambos os instrumentos internacionais
em 1992, sem efetuar qualquer reserva sobre a matéria.
Ora, a Carta constitucional de 1988, no art. 5º, inciso LXVII, determina que “não haverá
prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de
obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Assim, a Constituição brasileira consagra o
princípio da proibição da prisão civil por dívidas, admitindo, todavia, duas exceções – a hipótese
do inadimplemento de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
Observe-se que, enquanto o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos não prevê
qualquer exceção ao princípio da proibição da prisão civil por dívidas, a Convenção Americana
excepciona o caso de inadimplemento de obrigação alimentar. Ora, se o Brasil ratificou esses
instrumentos sem qualquer reserva no que tange à matéria, há que se questionar a possibilidade
jurídica da prisão civil do depositário infiel.
Mais uma vez, atendo-se ao critério da norma mais favorável à vítima no plano da proteção
dos direitos humanos, conclui-se que merece ser afastado o cabimento da possibilidade de prisão
do depositário infiel,36 conferindo-se prevalência à norma do tratado. Isto é, no conflito entre os
valores da liberdade e da propriedade, o primeiro há de prevalecer. Ressalte-se que se a situação
fosse inversa – se a norma constitucional fosse mais benéfica que a normatividade internacional
Humanos
35
CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A proteção dos direitos humanos nos planos nacional e internacional: perspectivas brasileiras. San José de Costa
Rica/Brasília: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 1992. p. 317-318. No mesmo sentido, afirma Arnaldo Sussekind: “No campo do
Direito do Trabalho e no da Seguridade Social, todavia, a solução dos conflitos entre normas internacionais é facilitada pela aplicação do princípio
390 da norma mais favorável aos trabalhadores.(...) mas também é certo que os tratados multilaterais, sejam universais (p. ex: Pacto da ONU sobre direitos
econômicos, sociais e culturais e Convenções da OIT), sejam regionais (p. ex: Carta Social Européia), adotam a mesma concepção quanto aos
institutos jurídicos de proteção do trabalhador, sobretudo no âmbito dos direitos humanos, o que facilita a aplicação do princípio da norma mais
favorável”. (Direito internacional do trabalho, São Paulo: LTR, 1983. p. 57). A respeito, elucidativo é o disposto no art. 29 da Convenção Americana de
Direitos Humanos que, ao estabelecer regras interpretativas, determina: “Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no
sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na
Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser
reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados (...)”.
36
Neste sentido, merece destaque o louvável voto do Juiz Antonio Carlos Malheiros, do Primeiro Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, na
Apelação n. 613.053-8. Ver também Apelação n. 601.880-4, São Paulo, 1ª Câmara, 16.9.1996, relator Juiz Elliot Akel, v.u., e Habeas Corpus n. 3.545-
3 (95.028458-8), Distrito Federal, 10.10.1995, Rel. Min. Adhemar Maciel. Note-se não ser esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ainda
que vencidos à época os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e Sepulveda Pertence. A respeito, ver HC 72.131-RJ, 22.11.1995; RE 206.482-SP;
HC 76-561-SP, Plenário, 27.5.1998, e RE 243613, 27.4.1999. Acrescente-se que para o então Ministro Carlos Velloso “a prisão do devedor-fiduciante
é uma violência à Constituição e ao Pacto de São José da Costa Rica, que está incorporado ao direito interno” (RE-243613, Rel. Min. Carlos Velloso,
19.2.1999). Verifica-se uma tendência de mudança na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do já citado Recurso
Extraordinário 466.343-1, em que, ineditamente, oito dos onze Ministros já haviam se manifestado pela inconstitucionalidade da prisão para o
devedor em alienação fiduciária, em novembro de 2006.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 391
constitucional e tivessem sido ratificados após o advento da Constituição. Vale dizer, as próprias
regras interpretativas dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos apontam a
essa direção, quando afirmam que os tratados internacionais só se aplicam se ampliarem e
estenderem o alcance da proteção nacional dos direitos humanos. Note-se que, no caso da
prestação alimentícia, o conflito de valores envolve os termos liberdade e solidariedade (que
assegura muitas vezes a sobrevivência humana), merecendo prevalência o valor da solidariedade,
como assinalam a Constituição brasileira de 1988 e a Convenção Americana de Direitos
Humanos.
Em síntese, os tratados internacionais de direitos humanos inovam significativamente o
universo dos direitos nacionalmente consagrados – ora reforçando sua imperatividade jurídica,
ora adicionando novos direitos, ora suspendendo preceitos que sejam menos favoráveis à
proteção dos direitos humanos. Em todas essas três hipóteses, os direitos internacionais
constantes dos tratados de direitos humanos apenas vêm a aprimorar e fortalecer, nunca a
restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo constitu-
cional.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como demonstrado por este estudo, os tratados internacionais de direitos humanos podem
contribuir de forma decisiva para o reforço da promoção dos direitos humanos no Brasil. No
entanto, o sucesso da aplicação deste instrumental internacional de direitos humanos requer a
ampla sensibilização dos agentes operadores do Direito, no que se atém à relevância e à utilidade
de advogar esses tratados perante as instâncias nacionais e internacionais, o que pode viabilizar
avanços concretos na defesa do exercício dos direitos da cidadania.
A partir da Constituição de 1988 intensifica-se a interação e conjugação do Direito
internacional e do Direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos funda-
mentais, com uma principiologia e lógica próprias, fundadas no princípio da primazia dos direitos
humanos. Testemunha-se o processo de internacionalização do Direito Constitucional somado
ao processo de constitucionalização do Direito Internacional.
Flávia Piovesan
A Carta de 1988 e os tratados de direitos humanos lançam um projeto democratizante e
humanista, cabendo aos operadores do direito introjetar e incorporar os seus valores inovadores.
Os agentes jurídicos hão de se converter em agentes propagadores de uma ordem renovada,
democrática e respeitadora dos direitos humanos, impedindo que se perpetuem os antigos
valores do regime autoritário, juridicamente repudiado e abolido.
Hoje, mais do que nunca, os operadores do Direito estão à frente do desafio de resgatar e
recuperar no aparato jurídico seu potencial ético e transformador, aplicando a Constituição e os
instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos por ela incorporados. Estão, 391
portanto, à frente do desafio de reinventar, reimaginar e recriar seu exercício profissional, a partir
deste novo paradigma e referência: a prevalência dos direitos humanos.
A liberdade de expressão no
Direito Constitucional português
Jorge Miranda*
S u m á r i o : I - Introdução. II - A liberdade de expressão em geral. III - Aspectos particulares: a) comunicação social; b) direito de
manifestação; c) liberdade de propaganda (eleitoral e referendária); d) direito de petição; e) irresponsabilidade dos membros do Parlamento
por votos e opiniões no exercício do mandato. IV - Liberdade de expressão religiosa. V - Liberdade de investigação e de expressão
universitária e científica.
I. Introdução
1. A Constituição de 1976 (desde a origem e com o seu desenvolvimento pela prática e por
A liberdade de expressão no Direito Constitucional português
sucessivas revisões constitucionais) distingue-se, antes de mais, pela salvaguarda que pretende dar
aos direitos fundamentais. Fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º), a eles consagra toda
a sua primeira parte, ao longo de 68 artigos ricos e complexos.
Tal não resulta do acaso. À semelhança da Itália, em 1947 e da Alemanha em 1949 e do que
viria a verificar-se, mais tarde, na Espanha em 1978 e, após 1989, na Europa centro-oriental, o
legislador constituinte – agindo num contexto histórico conhecido – decidiu criar (e conseguiu
criar) um Estado de Direito democrático, cujo elemento essencial é o respeito dos direitos e
liberdades fundamentais (art. 2º).
2. Daí decorrem:
• A formulação de princípios gerais sobre atribuição, exercício e protecção de direitos (arts.
12º e segs.);
• A consagração tanto de direitos, liberdades e garantias, como de direitos económicos,
sociais e culturais, como pontes de comunicação entre ele (art. 17º);
• A inclusão no âmbito dos direitos, liberdades e garantias não só dos direitos clássicos
vindos da era liberal como de direitos novos – as garantias relativas à utilização da
informática (art. 35º), o direito de antena (art. 40º), objecção de consciência (arts. 41º e
276º) e, a seguir a 1997, o direito ao desenvolvimento da personalidade e o direito à
identidade genética (art. 26º);
• O tratamento da propriedade (art. 62º) e da iniciativa económica privada e cooperativa
(art. 61º) em sede de direitos económicos, e não de direitos pessoais – o que pode traduzir
tanto uma perspectiva socializante quanto uma perspectiva personalista;
• O relevo dado aos direitos dos trabalhadores e das suas organizações (arts. 53º e segs.);
• A consagração do direito ao ambiente (art. 66º), com garantia de indemnização em caso
392 de lesão (art. 52º, nº 3);
• Não apenas a declaração dos direitos mas também a fixação das suas faculdades primárias
e das incumbências do Estado e da sociedade para a sua efectivação;
• Uma visão universalista, com extensão dos direitos aos não portugueses – inclusive,
verificados certos pressupostos, direitos políticos (art. 15º);
• A proibição de extradição por razões políticas e em caso de pena de morte (art. 33º, nº 6)
e a consagração do direito de asilo (art. 33º, nºs 7 e 8);
• Na mesma linha, a interpretação e a integração dos preceitos constitucionais e legais de
harmonia com a Declaração Universal (art. 16º, nº 2).
Jorge Miranda
por força das “justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade
democrática” (art. 29º, nº 2 da Declaração Universal).
E, mais especificamente, quanto à liberdade de expressão:
a) Às restrições inerentes à necessária concordância prática com outros direitos,
designadamente com os direitos pessoais, estabelecendo a lei garantias efectivas contra a
utilização abusiva ou contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas e às
famílias (art. 26°, n° 2) bem como a presunção de inocência dos arguidos (art. 32°, n° 2);
b) Às restrições que afectam os militares e agentes militarizados dos quadros permanentes 393
em serviço efectivo, bem como os agentes dos serviços e das forças de segurança (art.
270º) e, em razão de fins institucionais específicos, os juízes, magistrados do Ministério
Público e os diplomatas cm serviço efectivo;
c) Às restrições que afectam os condenados, a quem sejam aplicadas pena ou medida de
segurança privativas de liberdade, inerentes ao sentido da condenação ou às exigências
próprias da respectiva execução (art. 30°, nº 5);
1
Com múltiplas consequências: eles são em si mesmos limites materiais de revisão constitucional, valem sem dependência de quaisquer restrições
quanto aos estrangeiros em Portugal e quanto aos portugueses no estrangeiro, os órgãos administrativos podem recusar-se a aplicar lei com eles
desconforme, não pode haver sentenças restritivas de inconstitucionalidade de lei que os atinja.
d) Às restrições e aos condicionamentos impostos pelo segredo de justiça (art. 20°, n° 3),
pela investigação criminal (art. 268°, n° 2) e pelo segredo de Estado [art. 156°, alínea d),
in fine, e 164°, alínea q)];
e) Às restrições à expressão dos titulares de cargos políticos, em períodos eleitorais, para
efeito de imparcialidade perante os candidatos [art. 113°, n° 3, alínea c)];
f) Aos condicionamentos em lugares públicos (relativamente à afixação de cartazes e às
manifestações).
Em plano completamente diverso fica a regulamentação, porque regulamentar não é
restringir.
6. A extensão do catálogo de direitos fundamentais, o rigor e o cuidado postos no seu regime
de protecção, a reacção contra qualquer tipo de censura à expressão política, a vigência na ordem
interna portuguesa da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos grandes textos
internacionais, a existência do Provedor de Justiça (Ombudsman) explicam que, desde 1976, não
A liberdade de expressão no Direito Constitucional português
São múltiplas as projecções destes direitos. Elas encontram-se no direito à informação jurídica
(art. 20º, nºs 1 e 2), no direito de acesso dos cidadãos aos dados informatizados que lhes digam
respeito (art. 35º, nº 1), no direito de serem esclarecidos objectivamente e de serem informados
acerca da gestão dos assuntos públicos (art. 48º, nº 2), no direito de os peticionários serem
informados, em prazo razoável, sobre o resultado da apreciação das suas petições (art. 52º, nº ,
2ª parte), no direito das comissões de trabalhadores nas empresas de receberem todas as
informações necessárias ao exercício da sua actividade [art. 54º, nº 5, alínea a)], no direito de
informação dos consumidores (art. 60º, nº 1), no direito dos cidadãos de serem informados pela
Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento de processos em que sejam
directamente interessados, bem como de conhecerem as resoluções definitivas que sobre elas
sejam tomadas (art. 268º, nº 1).
Enquanto que a liberdade geral de informação não tem (salvo no âmbito da comunicação
social) destinatários ou sujeitos passivos predeterminados ou particulares, os direitos especiais de
informação postulam relações bilaterais e têm como contrapartida deveres de prestação de facto.
9. No campo político, a liberdade de expressão tem incidências imediatas na comunicação
social, no direito de manifestação, na propaganda política, no direito de petição e na
irresponsabilidade dos membros do Parlamento pelos votos e opiniões no exercício dos
mandatos.
Em plano algo diferente, por respeitarem a bens jurídicos autónomos, ficam a liberdade de
expressão religiosa e a liberdade universitária e científica.
Jorge Miranda
cibernética.
A liberdade de expressão e os direitos de se informar e de ser informado são individuais, ainda
quando exercidos colectiva ou institucionalmente. Já o direito de informar tanto pode ser
individual quanto institucional. Mas a liberdade de comunicação social, essa apresenta-se,
necessariamente, institucional, visto que pressupõe organização (e organização de empresa),
ainda que dependa sempre de actividade de pessoas individualmente consideradas (os jornalistas,
os colaboradores, e até os leitores, os ouvintes, os telespectadores, os cibernautas).
A liberdade de expressão e a liberdade de informação, na sua tríplice face, situam-se de pleno 395
no campo dos direitos fundamentais. A liberdade de comunicação social é ambivalente: envolve
um feixe de direitos e traduz-se, ao mesmo tempo, num fenómeno de poder, de poder de facto.
11. Perante a informação, na perspectiva da comunicação social, ressaltam nítidas as
diferenças de posições dos cidadãos em geral e dos jornalistas em particular.
Quanto aos cidadãos em geral, aquilo que sobretudo importa é o direito de se informarem e
o direito de serem informados. Diversamente, nos jornalistas, que são os profissionais da
informação, não se afigura possível dissociar esses direitos e o direito de informar: verifica-se uma
conjugação, uma interpenetração, ou, de certa maneira, uma tensão dialéctica entre esses três
aspectos.
Nos cidadãos em geral, o direito de se informar surge, antes de mais, como um direito
negativo, o direito de não terem impedimentos, ou de não sofrerem sanções por procurarem
informação. Para os jornalistas, não é apenas um direito negativo; é também um direito positivo,
e nesta dupla vertente justamente vai encontrar-se o direito de acesso às fontes de informação
(como antecedente do direito de se informar) para depois poderem informar.
O direito de informar manifesta-se outrossim de modo diferente nos cidadãos e nos
jornalistas. Naqueles vai a par, ou manifesta-se em conjunto com a liberdade de expressão. Nos
jornalistas é muito mais do que isso: é um direito de expressão e um direito de criação (como
assinala o art. 38º); e é um direito oponível não só ao Estado mas ainda à empresa de
comunicação social em que os jornalistas trabalhem (e, por esta banda, pode ser qualificado como
um dos segmentos da liberdade interna de comunicação social).
12. O sentido básico da Constituição portuguesa é o seguinte:
a) Tratamento privilegiado da comunicação social em sede de liberdade de expressão e de
informação;
A liberdade de expressão no Direito Constitucional português
b) Tratamento tanto da imprensa escrita como dos demais meios de comunicação social;
c) Separação, no entanto, entre o regime geral da liberdade de expressão e de informação –
em que prevalece, até certo ponto, uma postura liberal clássica – e os regimes dos vários
meios de comunicação social (mais na rádio do que na imprensa e mais na televisão do
que na rádio) – em que se adoptam medidas intervencionistas, para garantia do pluralismo;
d) Complexidade do tratamento, com regras gerais e regras especiais, de direitos
fundamentais e de garantias institucionais, de direitos individuais e institucionais, de
direitos comuns e particulares, de direitos positivos, negativos e de participação, de direitos
e garantias, de deveres e de imposições ao Estado;
e) Como notas mais originais a relevância constitucional dos direitos dos jornalistas (não
como direitos corporativos, mas como direitos instrumentais da liberdade de imprensa), a
garantia institucional de um sector e de um serviço público de comunicação social e a
conjugação com os direitos culturais (art. 73º e, após 1982, também art. 78º);
f) Constitucionalização de um órgão de regulação, para garantia das liberdades e do
pluralismo (art. 39º).
13. Os direitos individuais atinentes à comunicação social podem ser assim enunciados:
a) Direitos individuais comuns (de todos os cidadãos):
• Direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento (art. 37° nº 1, 1ª parte);
• Direito de informar, de se informar e de ser informado sem impedimentos, nem
discriminações (art. 37º, 11º 1, 2ª parte);
• Direito de resposta e de rectificação (art. 37º, nº 4, 1ª parte);
• Direito de indemnização por danos sofridos (art. 37º, nº 4 2ª parte);
• Liberdade de imprensa como liberdade de expressão e de informação através da
396 imprensa (art. 38º, nº 1);
• Direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente
de autorização administrativa, caução ou habilitação prévia [art. 38º, nº 2, alínea c)].
b) Direitos individuais particulares:
• Liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários [art. 38º, nº
2, alínea a), 1ª parte)];
• Direito de intervenção dos jornalistas na orientação ideológica dos órgãos de
comunicação sem natureza doutrinária ou confessional [art. 38º, nº 2, alínea a), 2ª parte];
• Direito dos jornalistas de acesso às fontes de informação [art. 38º, nº 2, alínea b), 1ª
parte];
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 397
Jorge Miranda
• Proibição de censura (art. 37º, nº 2);
• Sujeição das infracções aos princípios gerais de direito criminal ou de ilícito de mera
ordenação social (art. 37º, nº 3, 1ª parte);
• Apreciação das infracções pelos tribunais judiciais ou, quando se trate de ilícito de mera
ordenação social, por entidade administrativa independente (art. 37º, nº 3, 2ª parte)2;
• Protecção da independência e do sigilo profissionais dos jornalistas [art. 38º, nº 2, alínea
b), 2ª parte];
• Não dependência da fundação de jornais e de quaisquer outras publicações de autorização 397
administrativa, caução ou habilitação prévia [art. 38º, nº 2, alínea c), 2ª parte].
16. À luz destes direitos e garantias, a Constituição enuncia ainda os princípios ancilares de
existência e funcionamento dos órgãos (ou empresas) de comunicação social:
• O princípio da transparência, por a lei dever assegurar, com carácter genérico, a divulgação
da titularidade e dos meios de financiamento (art. 38º, nº 3);
• O princípio da liberdade e da independência perante o poder político e o poder
económico (art. 38º, nº 4, 1ª parte);
2
Cfr. acórdãos nºs 447/87 e 67/99 do Tribunal Constitucional sobre abuso da liberdade de informação.
3
Uma manifestação é sempre colectiva. Qualquer manifestação de uma única pessoa na praça pública reconduz-se à liberdade de expressão, só.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 399
Jorge Miranda
• Tratamento jornalístico não discriminatório nas publicações noticiosas diárias ou não
diárias de periodicidade inferior a quinze dias que pretendam inserir matéria respeitante à
campanha eleitoral (por todos, art. 64° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio);
• Acesso por igual a salas de espectáculos ou a outros recintos que reúnam condições para
serem utilizados na campanha eleitoral (art. 65°);
• Cedência, por igual, de edificios públicos (art. 68°);
• Estabelecimento pelas juntas de freguesia de espaços especiais, em locais certos, para
propaganda eleitoral (art. 66°). 399
22. O que se diz das campanhas eleitorais vale mutatis mutandis para os partidos e os grupos
de cidadãos que participem nas campanhas referendárias.
4
Assim, não é permitida a afixação de cartazes, nem a realização de inscrições ou pinturas murais em monumentos nacionais, nos edifícios religiosos,
nos edifícios de sede de órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, nos sinais de trânsito ou placas de sinalização rodoviária, no
interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo os estabelecimentos (por todos, v. art. 66º da Lei nº
14/79, de 16 de Maio). Quanto à protecção das paisagens, v. a Lei nº 97/88, de 17 de Agosto.
Mas estas restrições estão subordinadas ao princípio da proporcionalidade e sob reserva de lei do Estado (v. art. 18º, nº 2) e, por isso, mais de uma
vez o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais restrições provenientes de órgãos das autarquias locais ou das regiões autónomas: assim,
acórdãos nºs 248/86, 631/95 e 258/2006.
5
Fora dos períodos eleitorais, só as estações públicas estão obrigadas a assegurar o direito de antena. E, ao passo que então ele depende de critérios
de relevância e representatividade, nos períodos eleitorais o princípio é o da igualdade entre os concorrentes.
d) O direito de petição
23. O direito de petição (art. 52º da Constituição) possui uma dupla vertente. Enquanto direito de
reclamação ou de queixa, é uma garantia não contenciosa de outros direitos. Enquanto direito de
representação, é um direito autónomo, um direito de participação política a par de quaisquer outros.
Nesta segunda vertente, ele traduz-se numa forma de defesa da Constituição, da lei e de interesse
geral, seja para criticar ou contestar os órgãos de poder público, seja para alvitrar soluções ou
providências tidas como mais adequadas. As suas finalidades são correctivas e prospectivas.
24. Os cidadãos podem formular petições sobre qualquer assunto da competência dos órgãos a
que se dirigem, livremente, sem impedimentos e sem quaisquer consequências desfavoráveis. Mas,
além desta estrutura de direito de liberdade, ele assume estrutura de direito positivo: os cidadãos têm,
pelo menos, direito a que as suas representações sejam admitidas, a que sejam apreciadas e a serem
informados sobre tal apreciação em prazo razoável; mas não têm direito a uma decisão, como no
direito de reclamação ou de queixa.
A liberdade de expressão no Direito Constitucional português
6
A Lei nº 43/90, de 10 de Agosto (alterada pelas Leis nºs 6/93 e 15/2003, de 1 de Março e 4 de Junho, respectivamente), regulamenta o direito de
petição em geral e o direito de petição perante a Assembleia da República em particular. Deste também se ocupa o respectivo Regimento (arts. 245º
e segs.).
7
Dos Deputados à Assembleia da República – Parlamento nacional unicameral – e às Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e das Madeira.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 401
Jorge Miranda
contraditórios, pode revelar-se bem mais pesada que a responsabilidade criminal. Bem mais
pesada, mas bem mais adequada à natureza dos votos e opiniões.
f) Embora, em algumas circunstâncias – muito raras, felizmente, porque o decoro parlamentar
ajudará a evitar excessos – possa encontrar-se uma colisão com o direito fundamental à
integridade moral dos cidadãos e ao bom nome e reputação (art. 26° da Constituição),
prevalece ainda a regra da irresponsabilidade dos Deputados pelas suas opiniões, como
corolário e garantia da democracia pluralista. De jure condendo, poderia, porém, encarar-se a
hipótese de responsabilidade civil nessas circunstâncias. 401
8
No sector público (funcionários, alunos ou professores de escolas públicas) nada impede a expressão das crenças religiosas pela palavra, pelo uso de
símbolos ou por outra forma. Nenhum problema surgiu até agora em Portugal que justificasse uma intervenção legislativa (cuja constitucionalidade,
de resto, teria de ser apreciada).
Assim como:
A liberdade de expressão no Direito Constitucional português
9
Lei nº 16/2001, de 22 de Junho.
10
O beneplácito régio (ou exigência do poder civil de que os documentos papais e, por vezes, também episcopais, fossem submetidos todos a apreciação
do Estado para poderem ser divulgados e produzir efeito no País) foi há muito tempo abolido. A Concordata entre Portugal e a Santa Sé, de 18 de
Maio de 2004, assegura à Santa Sé o direito de publicar livremente qualquer norma, disposição ou documento relativo à actividade da Igreja Católica
e comunicar sem impedimentos com os bispos, o clero e os fiéis, tal como estes o podem fazer com a Santa Sé.
11
Constituída por representantes da Igreja Católica e das igrejas e comunidades religiosas radicadas no País ou das federações em que as mesmas se
integrem.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 403
Jorge Miranda
• a autonomia científica confere às universidades a capacidade de livremente definir,
programar e executar a investigação e demais actividades científicas e culturais (art. 6º, nº 1);
• no exercício da autonomia pedagógica, e em harmonia com o planeamento das políticas
nacionais de educação, ciência e cultura, as universidades gozam da faculdade de criação,
suspensão e extinção de cursos. As universidades têm autonomia na elaboração dos
planos de estudo e programas das disciplinas, definição dos métodos de ensino, escolha
dos processos de avaliação de conhecimentos e ensaio de novas experiências pedagógicas.
No uso da autonomia pedagógica, devem as universidades assegurar a pluralidade de 403
doutrinas e métodos que garanta a liberdade de ensinar e aprender (art. 7º).
Por seu turno, o Estatuto da Carreira Docente Universitária14 reconhece ao pessoal docente
liberdade de orientação e de opinião científica na leccionação das matérias ensinadas (art. 64º). E
esta regra aplica-se quer aos professores quer aos investigadores não docentes.
12
O que não significa a impossibilidade de ensino de religião e moral nas escolas públicas, desde que ministrada pelas próprias confissões religiosas,
em igualdade, e sem carácter obrigatório, como reconheceu o Tribunal Constitucional pelo acórdão nº 423/87. Nem se compreenderia que, numa
sociedade pluralista, o pluralismo não entrasse também nas escolas.
13
Lei nº 108/88, de 24 de Setembro.
14
Decreto-Lei nº 448/79, de 13 de Novembro e Lei nº 19/80, de 16 de Julho.
“Uma vez que nosso amor próprio é inseparável de nossa necessidade de também sermos amados pelos
outros, tornamos a nós mesmos um fim para os outros, e a única forma de esta máxima ser obrigatória é
através de sua qualificação como uma lei universal. Daí, através de nossa vontade, também tornar os
outros, nossos fins. A felicidade dos outros é, portanto, um fim que também é um dever”.
1
Memorial apresentado pelo Advogado Geral da União no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510 no Supremo Tribunal Federal.
* Advogado-Geral da União.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 405
“Artigo 121 do Código Penal: matar alguém, pena de reclusão de seis a vinte anos. O aborto
provocado pela gestante: pena de detenção de um a quatro anos.”
Se todos têm o mesmo valor do ponto de vista de ser humano, qual a razão ou o porquê de
o Código Penal tratar de maneira diferenciada a pena para aquele que, em tese, abrem-se aspas
“cometeu um homicídio”, no caso de um aborto. A pena é muito diferente, é muito distinta, ou
seja, a legislação brasileira não trata o feto que está dentro do útero de uma mulher como ser
humano. Ela protege aquela expectativa de vida, mas não o trata como sendo uma pessoa
humana, porque se tratasse, a pena teria que ser a mesma para o homicídio.
E mesmo para o aborto provocado por terceiros, sem o consentimento da gestante, a pena,
que é maior do que para o provocado pela gestante, ainda assim é menor do que aquela para o
homicídio, quando um terceiro provoca um aborto em uma gestante sem o consentimento desta.
Não estamos dentro da mesma hierarquia, não se trata da mesma forma entes que são
juridicamente diferentes.
O que, então, se falar do embrião congelado que sequer feto é? Sequer está dentro do útero
de uma mulher? Ele está congelado. E aqui entra uma questão que acho fundamental, senhoras
e senhores ministros, se esta Suprema Corte reconhecer que um embrião congelado tem direito
à vida, há de ser assegurado esse direito, há de se assegurar que esse direito possa vir a ser
exercido. E qual é a tutela que o Estado tem para garantir esse exercício? Poderá o Estado obrigar
A constitucionalidade da Lei de Biossegurança
a mulher que doou o óvulo a conceber aquele embrião? Poderá o Estado fazer uma ação
mandamental para uma pessoa que doou o óvulo e obrigá-la a que o embrião venha a se tornar
um ser humano efetivamente? Ou então, poderá o Estado obrigar que uma terceira mulher
receba aquele embrião e transforme aquela expectativa de vida numa vida realmente? O Estado
não tem essa tutela. O Estado não tem esse poder.
Ora, reconhecer um direito que o próprio Estado não pode assegurar a sua execução é a
negativa do próprio Estado. É a negativa da própria existência do Estado, que se funda na sua
autoridade e na sua coerção. Se for reconhecido um direito que é inexeqüível, evidentemente que
o Estado se autonega. Foi dito na tribuna que os Estados Unidos encontraram uma solução que
é uma campanha de adoção, mas vejamos a seguinte hipótese: se os doadores dos gametas não
anuírem na adoção? No Brasil é permitido isso.
Poderia sim, em tese, fazer isso, porque a lei não veda. O que a lei não veda, no mundo
privado está permitido. Só que pela legislação brasileira, evidentemente, seria necessário o
consentimento daquele homem e daquela mulher que doou aqueles gametas. Se eles não
consentirem nessa adoção por terceiros, como obrigar a mulher que doou o óvulo a gerar aquele
embrião? O Estado não tem essa tutela e isso é juridicamente irrespondível. Seria a autonegação
o Estado reconhecer um direito que ele não tem autoridade para fazer a sua execução, para fazer
o seu cumprimento.
406 Foi dito pelo excelentíssimo Procurador-Geral da República que nenhum direito é absoluto
na jurisprudência deste Supremo. E os princípios constitucionais? Se muito menos os direitos,
que são regras, muito menos os princípios constitucionais, que são regramentos de ordem
genérica e geral, podem ser levados a sua aplicação absoluta ao caso concreto. Jamais, disse Fábio
Konder Comparato em seu livro A Ética, os princípios constitucionais podem ser levados ao
absolutismo do ponto de vista de sua aplicação concreta, prática e de efetividade.
A questão relativa à responsabilidade do Estado deve ser também colocada sob a ótica de que
outros países permitem essas pesquisas. Se o Brasil proíbe essas pesquisas e, por ventura, os
outros países descobrirem situações de cura para determinadas doenças, como que vai ser o
comportamento do Estado brasileiro, ou mesmo do Judiciário do qual Vossas Excelências são a
cúpula, quando algum cidadão que tenha algum mal cuja cura possa estar no exterior, porque no
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 407
Brasil se proibiu as pesquisas, bater às portas da Justiça pedindo ao Sistema Único de Saúde (SUS)
o pagamento daquele tratamento?
Daí, que o Estado tem que agir não única e exclusivamente sob a ótica dos princípios do
ponto de vista ético, mas também sob a ótica prática. E porque não dizer, num país de
desigualdades sociais, que aqueles que têm dinheiro, que aqueles que têm recursos, que aqueles
que tenham uma situação financeira avantajada, irão ao exterior se tratar. E aqueles remediados,
de classe média e classe pobre, não encontrarão outra solução a não ser bater à porta da Justiça,
que proibiu as pesquisas aqui, para que ela determine ao Estado brasileiro que pague o
tratamento lá fora.
E aí entraremos em uma esquizofrenia, porque a Justiça que negou as pesquisas aqui,
provavelmente, estará concedendo futuramente o exercício do direito para proteger o quê? A
vida humana! A premissa é a mesma, o princípio é o mesmo de defesa da vida humana. Mas,
senhora presidente, gostaria aqui de concluir dizendo que, do ponto de vista da responsabilidade
do Estado, evidentemente que as pesquisas são necessárias e os embriões não teriam como ter o
seu direito tutelado, mesmo que se reconhecesse a eles o direito à vida, pois o Estado não tem
instrumento para fazer esse direito ser exercido.
Diante disso, e diante de todos os outros argumentos já apresentados nas manifestações
escritas e em memoriais, espera e aguarda a Advocacia-Geral da União, e também o
excelentíssimo senhor Presidente da República, que seja julgada pelo Supremo Tribunal Federal
improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.510.
Para concluir, existe um dado que eu gostaria de trazer, que é o que diz respeito ao artigo 5º,
inciso 1º; ele fala em embriões inservíveis. Eu entendo que, do ponto de vista das premissas
colocadas na inicial, elas não podem atingir esse dispositivo, porque que o inciso primeiro já fala
em embriões inservíveis. Se eles são inservíveis é porque não podem virar um ser humano,
mesmo que colocados no útero de uma mulher. Então, do ponto de vista da discussão, está
407
O direito ao Direito
Maria de Fátima Mata-Mouros*
Dois anos depois de os portugueses terem assistido a uma greve dos magistrados judiciais,
que foi publicamente censurada, em especial pela classe política, a Assembleia da República
aprovou uma proposta de lei do governo de Portugal que integra os juízes na função pública. É
esta a última novidade de uma governação votada à proclamação da reforma da Justiça. E apesar
de o governo e a maioria parlamentar que o sustenta se multiplicarem em esforços para
disfarçarem as consequências da inesperada inversão na tradição legislativa nacional, são inegáveis
as consequências directas dela decorrentes para o Estatuto dos Magistrados Judicias: de uma
aplicação meramente subsidiária do estatuto da função pública, até agora vigente, passa-se para
uma aplicação directa do regime da função pública. Como se um tal regime tendencialmente
indiferenciado estivesse à altura de respeitar a dignidade constitucional do Estatuto dos Juízes,
contemplada no art. 215º da Constituição da República Portuguesa.
Como observa Juan Montero Aroca1, as proclamações de independência são em si mesmas
insuficientes para que esta se considere existente. O passo seguinte é estabelecer toda uma série
de normas que hão-de servir para garanti-la efectivamente, das quais as mais importantes são as
que integram o estatuto pessoal dos juízes. Todo o estatuto está ao serviço desse fim, sendo um
meio de garantia da independência. Ora a garantia formal atende à qualidade da norma
reguladora do estatuto dos juízes, o que supõe, em primeiro lugar a necessidade de lei formal,
depois a necessidade de lei orgânica e, por fim, que essa lei seja precisamente a do Poder Judicial.
Mas em Espanha, a Constituição estabelece a reserva de lei orgânica e de que a mesma seja
necessariamente do Poder Judicial, o que exclui qualquer remissão para outra lei, seja ela qual for,
para configurar o estatuto jurídico dos juízes.
O texto da Constituição portuguesa não vai tão longe, nesta matéria. De resto, são
significativas as palavras de há muito dedicadas por alguns dos nossos constitucionalistas ao seu
O direito ao Direito
teor: «Não deixa de causar alguma perplexidade o facto de a Constituição ser tão sumária quanto
ao estatuto dos juízes, tratando-se, como se trata, de titulares de órgãos de soberania. Nem sequer
define os requisitos para o cargo de juiz, bem como o modo de designação (exceptuados os juízes
dos tribunais judiciais e dos do TC), o que é caso único no conjunto dos titulares de órgãos de
soberania.»2. E – prosseguem os mesmos autores –, a Constituição «remete expressamente para
a lei a definição dos requisitos e regras de recrutamento (…) A competência legal para a definição
do estatuto dos juízes pertence à Assembleia da República, embora não seja evidente se lhe cabe
a forma exclusiva ou apenas a título de reserva relativa». Trinta anos volvidos, a proposta de lei
408 do governo veio dar razão à sua apreensão.
Mas a referida proposta de lei do governo não se limita a menosprezar a dignidade
constitucional do Estatuto dos Juízes, ao incluí-los na lei geral que rege o regime das carreiras da
função pública. Ela quebra também a paridade dos titulares de órgãos de soberania, uma vez que
apenas os juízes são abrangidos pela lei, em cujo âmbito são integrados como “trabalhadores da
função pública”. E, apesar da negação por parte do governo de qualquer intenção de beliscar a
separação de poderes, a verdade é que a simples contemplação da documentação da discussão e
votação da lei no Parlamento não permite tranquilizar ninguém. A declaração de voto expressa
por um deputado pertencente ao grupo parlamentar com maior expressão na Assembleia da
República evidencia a dúvida de que a inclusão dos serviços de apoio aos órgãos de soberania
como o Presidente da República e a Assembleia da República no referido regime da função
pública possa comprometer a separação de poderes. Isto é, existe preocupação pela aplicação da
referida lei aos assessores dos senhores deputados, mas pouco importa a inclusão dos juízes no
seu âmbito.
Em contraste com a preocupação dos deputados e a proposta do Governo, o Procurador-
geral da República teme que a colocação dos magistrados ao nível dos funcionários comprometa
a sua independência ao que o Ministro da Justiça se apressa a responder com a proclamação do
respeito pela autonomia do Ministério Público, não deixando, todavia, de atribuir a “atrevimento”
ou “desconhecimento” a preocupação exteriorizada pelo Procurador.
Neste momento aguarda-se pela apreciação da conformidade constitucional do diploma,
remetido ao Tribunal Constitucional pelo Presidente da República. Independentemente daquela
decisão, e para além da questão constitucional colocada, o certo é que mais uma vez o intuito
reformador da Justiça se queda pelos servidores, esquecendo que o que interessava era melhorar
o serviço. O problema é que, ao introduzir uma novidade aparentemente dirigida contra os juízes,
o poder político acabará, porém, por atingir essencialmente o cidadão. E, desta vez, atingi-lo-á na
mais preciosa expressão do seu estatuto de cidadania: o direito ao direito.
Nas democracias consolidadas as áreas em que se concretizam as violações ao direito
ultrapassaram em muito o campo de actuação do cidadão comum. Elas abrangem também, e
cada vez mais, os domínios dos detentores do poder. Significa isto que no Estado de Direito o
legislador não é omnipotente e o direito não pode ser concebido como instrumento da política.
3
Luigi Ferrajoli, «Jurisdição e Democracia», Revista do Ministério Público, ano 18, n.º 72, p. 18.
4
Luigi Ferrajoli, Derechos y garantías, la ley del más débil, editorial Trotta 1999, p. 26-27.
ele; disposto a absolver por falta de provas mesmo quando a opinião pública reclama a
condenação, ou a condenar, existindo provas, mesmo que aquela mesma opinião pede a
absolvição». (…) Nenhuma maioria pode tornar verdadeiro o que é falso, ou falso o que é
verdadeiro, nem, portanto, legitimar com o seu consenso uma condenação infundada por haver
sido decidida sem provas.».
O curioso é que, ao mesmo tempo que era conhecida a referida proposta de lei do
governo, a desconfiança de que o telefone do Procurador-geral da República poderia estar a
ser alvo de devassa levou o representante máximo do Ministério Público ao Parlamento. As
primeiras perguntas dirigidas pelos deputados ao procurador foram para saber quantas
escutas se fazem anualmente em Portugal, quantos escutados chegam a ser acusados e
quantos sofrem condenação. E, todavia, eram decorridos apenas dois meses sobre a
aprovação de um novo regime de escutas no Código de Processo Penal pelo poder legislativo.
Não houve novidades nas declarações produzidas no Parlamento pelo Procurador-geral da
República. Mas um aspecto não deixou de ser sublinhado: escutas, só com autorização e
controlo de um juiz.
Acontece que o principal problema que interessava resolver no regime das escutas, como de
resto em qualquer medida de ingerência nos direitos fundamentais no nosso inquérito criminal,
era precisamente o da adequação da reserva judicial para exercer um efectivo controlo da sua
legalidade e assegurar a sua correcta utilização, como tem vindo a ser denunciado pelos próprios
juízes.
A resposta que obtiveram foi a sua reclassificação como funcionários públicos. Ignorarão os
Senhores Deputados os ensinamentos da história e que nos dizem que a equiparação do juiz a
funcionário teve sempre como último objectivo negar a independência daquele?
De resto há muitas formas de garantir obediência.
Na França de 41 foi alterada a fórmula de juramento dos magistrados. «Juro fidelidade à pessoa
do chefe de Estado», passou a constar. Só um magistrado, o presidente Didier, recusou prestá-lo. Mas
os seus escrúpulos não foram compreendidos. Nem mesmo pelos seus colegas. Muitos
magistrados pensaram que era tão ridículo recusar, como prestar aquele juramento, e que não
O direito ao Direito
5
Jean-Marc Varaut, Le Droit au juge, Quai Voltaire, 1991, p. 140.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 411
alterarem a melodia. Para usar a feliz imagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal alemão,
Günter Hirsch6, as características apontadas por Horowitz para um bom pianista, servem na
perfeição também ao juiz: «para tocar piano é preciso razão, coração e meios técnicos, a
desenvolver de forma harmoniosa. Sem razão, temos um fiasco, sem técnica, um amador, sem
coração, uma máquina».
Em sede de proclamação de princípios ninguém se atreve a negar a independência dos juízes.
É assim, no continente europeu, desde a revolução francesa. Toda a sociedade que não garanta
os direitos e não assegure a separação dos poderes não tem constituição, afirmou a Declaração
dos Direitos do Homem de 1789. Não deixa de ser engraçado perceber como a Constituição,
saída da mesma revolução, proclamando bem alto a separação de poderes e dedicando todo um
capítulo ao poder judicial, não pouparia, afinal, esforços para impedir que a justiça se
transformasse num verdadeiro poder.
Volvem-se os anos, esbatem-se as fronteiras, mas a história repete-se.
O poder político protesta respeito incondicional pela independência dos juízes, mas na hora
de votar o orçamento os discursos revelam a tradicional desconfiança pela Justiça e esta é
colocado ao nível de qualquer outro serviço. Ao quantificarem-se os montantes disponíveis para
os tribunais é ainda da sua independência que se trata. Não admira que haja a tentação de resolver
os seus problemas através da Lei do Orçamento.
Acontece que a função judicial tem por missão responder à obrigação do Estado de fazer
justiça. Isto é, restituí-la àqueles em cujo nome é exercida. E é a própria necessidade da existência
de poder na sociedade que nos coloca perante a inevitabilidade da existência de juízes que o
exerçam. É por isto que os ofícios da justiça são diferentes de todos os outros e a função de julgar
não se contém nos limites de um serviço público. Ela constitui também um contra-poder. Um
6
Günter Hirsch, «Auf dem Weg zum Richterstaat?», Juristen Zeitung, 21 de Setempbro de 2007, p. 858 (tradução nossa).
7
Messias José Caldeira Bento, «Reflectindo sobre o Poder dos Juízes», in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra
Editora, 2003, pp. 299-300.
mais difícil quando se sucede a publicação incessante de leis que logo no primeiro dia de vigência
suscitam interpretações opostas.
Entre nós, Castanheira Neves8 não poderia ter sido mais claro quando referiu que para realizar
o verdadeiro e decisivo direito do homem – o tal direito ao direito – é indispensável o juiz. «Negar-
se-á nesse seu sentido se for mero funcionário, funcionalmente enquadrado e nisso comprazido,
servidor passivo de qualquer legislador, simples burocrata legitimante da coacção».
É por tudo isto que o juiz não pode ser um órgão do Estado-aparelho. Não, por o estatuto
de funcionário público lhe acarretar qualquer tipo de menoridade, mas por lhe impor uma
subalternidade incompatível com as suas funções. A proclamação da independência judicial na
Constituição não dispensa a conformidade estatutária a concretizar na lei. Em todas as
instituições existem especificidades próprias que não podem ser alteradas sem que seja
desvirtuada a sua essência. É por isso que as reformas do Estado não podem ignorar séculos de
história.
É que, em Democracia, os governos mudam mas as instituições permanecem.
Dentro de dias ficaremos a conhecer qual a decisão do Tribunal Constitucional português
sobre a proposta de lei do governo aprovada na Assembleia da República9. Veremos então
também se Portugal continuará a ser uma referência para os juristas brasileiros que nos procuram
para aprofundar as raízes da organização judiciária brasileira, ou se, pelo contrário, será ao Brasil
que nós, juristas portugueses, teremos que ir reencontrar o rumo da história da independência
dos juízes que servem nos nossos tribunais.
O direito ao Direito
412
8
A. Castanheira Neves, «Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”, “função” e “problema” – os modelos actualmente
alternativos da realização jurisdicional do Direito», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 130.º, 1998, n.º 3886, p. 14.
9
Dias depois de terminado este texto, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o diploma na parte em que incluía os juízes no regime geral
das carreiras da função pública. Não houve, porém, unanimidade entre os conselheiros. O texto do Ac. n.º 620/07, de 20 de Dezembro, está
disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 413
SUMÁRIO: I. Introdução – II. O Sindicato como fenômeno político - III. O Sindicato como fenômeno jurídico – IV. Estado e
Sindicato na História - V. O Estado brasileiro e o Sindicato – VI. O Modelo Sindical brasileiro anterior e posterior a Constituição de
1998 – VII. Conclusão
I. Introdução
A relação Estado e Sindicato é por demais complexa. Não basta simplismente “conhecer as
leis e sistemas que o regem, mas também os homens que o compõem, suas motivaçoes, suas
ideologias, seus fins e seus objetivos”1.
Para efetivamente captar-se a essência e extensão desse instigante e desafiante fenômeno, há
que se levar em conta, sua dimensão social, econômica, política e jurídica, à luz da cronodinâmica
da história e das condições subjetivas e objetivas de cada país. Somente assim poder-se-á melhor
identificar sua gênese, suas diversas fases ou ciclos históricos, suas implicações e os tipos de
modelos de Estado e Sindicato envolvidos na relação.
Embora atributo da pessoa humana, o poder tem vocação coletiva. O meio social é o seu
universo natural. Qualquer que seja a forma ou modalidade com que se apresente, é nele que o
poder tende a se ampliar, pois é de sua essência expandir-se e não deixar vácuo2.
Precisamente por essa expansão é que se produzem variações e mutações em sua natureza,
passando de poder individual a poder coletivo e de personalizado a institucionalizado.
Certos interesses, porque tem natureza coletiva, não podem ser satisfeitos individualmente.
Da consciência dessa contingência, surge a necessidade derivada da concentração do poder, que
adquire, assim, condições de alcançar níveis de energia suficientes para mover a sociedade em
busca de satisfação desses mesmos interesses.
É concentrado que o poder transcende da condição de instrumento de realização pessoal e
Ney Prado
passa a servir a idéias sociais e a valores convivências.
Ao lado das manifestações individuais surgem então, em permanente convivência, as grupais,
de todos os tipos.
Cumpre, pois, na análise política da ação dos sindicatos distinguir os dois componentes do
poder: o individual e o institucional.
O primeiro expressa a influência da dimensão humana do poder, ou seja, a capacidade 413
catalizadora de certas personalidades para utilizar a concentração de poder de modo a
alterar, num dado momento, o curso e o fim de determinado ciclo da história; o segundo
retrata a influência social do poder. São agora as instituições as forças catalizadoras e
concentradoras de poder, que surgem com características inovadoras e insopitadas, e
que pela concentração estável e impessoal do poder coletivo, constituem-se na grande
chave identificadora de determinado ciclo.
Embora estáveis e impessoais, as instituições não são imutáveis. Por refletirem as condições
subjetivas e objetivas de cada sociedade podem tornar-se obsoletas e peremptas.
Geralmente se transformam, paulatinamente, pela evolução. Outras vezes, abruptamente,
pela via revolucionária. Neste caso, caracteriza-se o fim de um ciclo histórico e o surgimento de
outro ciclo, adaptado às novas contingências políticas.
Nem todos os fenômenos sociais e econômicos se politizam e, mais ainda, nem todos os
fenômenos políticos se juridicizam.
O ingresso do sindicato no mundo jurídico foi uma conseqüência do positivismo jurídico, de
um lado, preocupado em tudo regrar, e, de outro, do movimento sindical, preocupado em
substituir-se ao poder do Estado.
Seu início, na Inglaterra, bem demonstra essa dúplice força condicionante, expandindo-se, o
exemplo, a quase todos os países, embora existam os que não levaram ao direito as prescrições
sindicais.
A relação Estado e Sindicato e a Constituição de 1988
A evolução do reconhecimento jurídico dos sindicatos atingiu sua plenitude quando os textos
constitucionais passaram a contemplar os denominados direitos sindicais.
Assim ocorreu com a Constituição do México, de 1917 e com a Constituição alemã de Weimar,
de 1919, seguindo-se, ainda, a da República Federal da Alemanha, de 1949; a da França, de 1958,
que confirma a declaração do preâmbulo da Constituição de 1946, a da Itália, de 1947 etc.”3.
A Convenção nº. 87, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho, realizada pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT), em julho de 1948, versando sobre
“Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização”, em seus 21 artigos, consagra
o princípio da liberdade sindical, como fica claramente demonstrado em seu art. 2.1: verbis:
“Os trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de
constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se
filiar a essas organizações, sob a única condicão de se conformar com os estatutos das
mesmas”.
E no art. 3.1, garante a plena autonomia das entidades profissionais, sendo-lhes facultado o direito
de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, além da possibilidade de eleição livre de seus
representantes, da organização e gestão de suas atividades e da escolha de seu plano de ação4.
3
Ari Possidonio Beltran, Autotutela nas Relações do Trabalho, Editora LTr, São Paulo, 1996, p. 118-122
4
A liberdade e autonomia sindical é o poder que têm as sociedades intermediárias, como as organizações sindicais e as empresas, de se adjudicar um
ordenamento jurídico (Mazzoni), de exercer uma capacidade normativa que se situa entre a do Estado e a das unidades e entes a que ele a atribui
(autonomia pública) e a atividade dispositiva dos particulares, exercida no espaço que lhes deixa o ordenamento estatal, através de contratos e
negócios jurídicos (autonomia privada).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 415
Ney Prado
contra o modo de produção do capitalismo primitivo e contra a agressão burguesa. Como
o Estado não se imiscuía nas relações privadas, mantidas no domínio da autonomia da
vontade, os sindicatos nascentes não tinham com ele qualquer relação e, muito menos,
expressão política. O associacionismo cooperativo, de natureza privada, foi, com efeito, a
semente dos primeiros sindicatos – sindicatos de profissões – como o de R. OWEN, na
Inglaterra, os Cavaleiros do Trabalho, nos Estados Unidos, as Boures du Travail, na 415
França e, mais tarde, inspirando-se nesses modelos, as já adiantadas Camere del Lavoro,
na Itália.
Amadureceu, então, a consciência do poder e do papel que poderiam desempenhar os
sindicatos no âmbito político e nas relações produtivas.
Estava completada a transição do sindicato de profissões para o sindicato de
indústria. As forças revolucionárias pregavam, radicalmente, o uso extremo desse poder
emergente para subverter o Estado e, através dele, eliminar a espoliação capitalista. Nasce, à
época, a greve, como instituto de pressão não apenas sobre o patronato mas sobre o Estado
5
Alfredo Montoya Melgar, Derecho del Trabajo, Madrid, Editorial Tecnos, 1993, p. 111
e, até, sobre a sociedade, dentro do conceito corrente da luta de classes. O Estado, visto como
expressão da classe dominante, a burguesia capitalista, é tomado como inimigo.
Nessa fase, diante do surgimento de associações de fato, o Estado viu-se obrigado a rever a
legislação restritiva e primitiva vigentes. Passou, então a adotar uma atitude de maior tolerância,
em grau variável, de país para país.
Primeiramente, na Inglaterra. Em 1824 e 1825 foram revogadas as leis sobre coalizões
(Combination Acts). Em 1871 pela Trade Union Act, os sindicatos deixaram de ser considerados
como organizações criminosas. Em seguida, na França. Uma lei de 25 de março de 1864
modificou artigos do Código Penal que tipificavam o crime de coalizão. Nem toda ação sindical
seria, a partir de então, delituosa, mas apenas aquelas que implicassem violências, ações diretas ou
fraudulentas, com o intuito de forçar a alta ou a baixa dos salários, ou de atentar contra o livre
exercício da indústria e do comércio6. E finalmente, em 1884, a lei Waldek-Ronsseau revogou a
lei Chapelier e o art. 416 do Código Penal.
Giuliano Mazzoni escreve que, depois de 1860, em quase todas as legislações, desaparece com
certa rapidez, de acordo com o progresso industrial de cada país e os movimentos sindicais, o
delito de coalizão, restaurando-se, então, a liberdade de associação, quer para entidades de
A relação Estado e Sindicato e a Constituição de 1988
6
Alfredo Montoya Melgar, op. cit., p. 112
7
José Augusto Chaves Guimarães, Os Sindicatos no Estado Contemporâneo, Editora LTr, nº. 11, nov. 1991, p. 1.361
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 417
A atual e quinta fase da relação Estado e sindicato é, ao que tudo indica, de transição.
Embora prossigam vigentes algumas das tendências econômicas e sociais surgidas ou ressurgidas
na fase anterior, como, por exemplo, o pluralismo, novos fenômenos tais como a articulação da
produção do comércio e das finanças mundiais, a globalização do poder, a robotização, a
emergência da economia informal, entre tantos outros, que ainda pendem de maior reflexão
sobre seu impacto no mercado do trabalho, já indicam uma crise do trabalho organizado e o
declínio do unionismo principalmente visível nos Estados Unidos da América. Reside, talvez,
com maior impacto, nos desdobramentos do pluralismo social, as mais poderosas influências que
atuarão no remodelamento dos futuros sindicatos. Com efeito, ao robustecimento e à expansão
do pluralismo correspondem a definição e a tutela jurídica de novos direitos subjetivos, como os
coletivos e os difusos. As entidades sociais secundárias tornam-se protagonistas legitimadas para
atuar judicial e extrajudicialmente na tutela desses interesses e, cada vez mais, os sindicatos
passam a assumir o papel de interlocutores dos interesses coletivos trabalhistas face aos demais
agentes da sociedade, desfazendo-se todos os laços que os relacionavam ao Estado.
Em suma, o pluralismo associativo vem se tornando, cada vez mais, um pluralismo de
poder, produzindo uma constelação de pólos entre os quais, como sintetizou brilhantemente
MASSIMO SEVERO GIANNINI, o Estado não é mais que um deles, central, ainda o maior e
especializado na vis absoluta, mas, indubitavelmente - e isso é o que importa - um entre vários8.
Ney Prado
variou sob o impulso da vida política, econômica e social do País, embora fundamentalmente
orientada por uma visão estatizante, nacionalista e xenófoba, adequada ao sentido cepalino da
teoria de substituição de importações e fechamento protecionista de mercados, que predominou
durante um longo período.
Pode-se vislumbrar cinco grandes fases durante toda a vida do sindicalismo brasileiro: o
anarco-sindicalismo, o corporativismo ortodoxo, o populismo, o da sobrevivência e o 417
novo sindicalismo.
A fase do anarco-sindicalismo se prende às primeiras tentativas não organizadas do
movimento operário no País. Ainda em pleno regime escravagista, registra EVARISTO DE
MORAIS FILHO, foram fundados no Rio de Janeiro a “Liga Operária” (l870) e a “União
Operária dos Trabalhadores do Arsenal de Marinha” (1880), como associações pioneiras de
reivindicação laboral9. Mas não foi senão depois da Abolição, com a entrada maciça da mão-de-
obra imigrante proveniente da Europa, que se desenvolveu a consciência das vantagens e da
8
Massimo Severo Giannini, Trattato di Diritto Amministrativo, Ed. Cedam, Padova, 1988, V. I, p. 17
9
Evaristo de Moraes Filho, Introdução ao Direito do Trabalho, Edição Revista Forense, Rio de Janeiro, 1956, p. 166
garantia do sindicato único para manter mais controle sobre a representação; f) intervencionismo
detalhista sobre a vida interior dos sindicatos11.
A fase do populismo (1945 a 1964) chegou no crepúsculo da Era Vargas, já desfeita a estrutura
geral do corporativismo da Constituição de 1937 e retomada a escolha democrática dos dirigentes
políticos. As novas realidades políticas proporcionavam maior autonomia sindical e a ruptura da
rígida estrutura piramidal mas, nem por isso, divorciaram o sindicalismo do Estado. Talvez, ao
contrário, o movimento sindical, revestindo-se da pressão do populismo nacionalista e estatista em
plena ascenção, se tenha tornado mais que um agente autônomo para desempenhar um papel cada
vez mais politizado no embate ideológico reinante, como um sócio dos candidatos e dos governos
populistas. O importante não era, portanto, o controle dos sindicatos, mas a sua utilização como
massa de manobra e instrumento de pressão política. A análise dos movimentos grevistas no
começo da década de sessenta nos revela a primazia dada às questões político-ideológicas sobre as
reivindicações tipicamente laborais. Com o apoio de JOÃO GOULART, alguns sindicatos “haviam
se transformado em autênticos partidos políticos, com enorme poder de chantagem, no caso dos
sindicatos de atividades essenciais”12.
A fase de sobrevivência (1964 a 1978) corresponde à desmobilização política dos sindicatos
realizada pelo regime militar vitorioso em 1964. Além da despolitização sindical, encetada na
primeira hora, disciplinaram-se severamente as paralisações na Lei de Greve (Lei n1 4.330, de 11
de junho de 1964). As intervenções nos sindicatos foram o instrumento de desmobilização:
levaram seis anos, durante os quais várias precauções foram tomadas para evitar uma recidiva da
418 manipulação política dessas agremiações – revogaram-se os mecanismos corporativos de
entrosamento político e instituiram-se sanções repressivas através da Lei de Segurança Nacional.
No final desta fase, obtidos os resultados desejados, iniciou-se a descompressão dos sindicatos,
coincidindo com a abertura política geral dos governos GEISEL e FIGUEIREDO.
A fase do novo sindicalismo nasce com a retomada do dinamismo do sindicalismo
brasileiro, a partir da segunda metade da década de setenta, mobilizando um grande número de
trabalhadores jovens, em sua maioria operários de setores mais modernos da economia e, em
especial, das regiões industrializadas do ABC paulista. MARCO ANTONIO DE OLIVEIRA,
10
Victor Russomano Júnior, Representatividade do Sindicato Brasileiro, Rev. TRT, 8º. Região, Belém, 21 (40), ps. 39-43, 1988
11
Antônio Álvares da Silva, Marcos Legais do Corporativismo no Brasil, in Mundo do Trabalho, Editora Página Aberta, São Paulo, 1994, ps. 121-123
12
Roberto Campos, O Poder Sindical Reconsiderado, A Lanterna na Popa, Ed. Topbooks, 1994, Cap. XII, p. 721
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 419
Ney Prado
corporativo e substituí-lo por outro, ainda que indefinido14; a co-responsabilização das bases, quanto
às possibilidades e aos rumos dos movimentos sindicais; a intensa atividade grevista15; a extensão
do associativismo sindical ao funcionalismo público; a criação das centrais sindicais” 16; o
surgimento de lideranças sindicais independentes do Estado e do empresariado e com notoriedade
e prestígio junto à sociedade civil17; a proliferação de outras formas de representação dos pequenos
produtores no campo;a modificação do discurso e da agenda sindical; a ativa participação sindical 419
no debate e na apresentação de propostas durante os trabalhos constituintes; o esforço na formação
de quadros, através de processos e práticas educativas intencionalmente programadas18, etc.
13
Marco Antonio de Oliveira, op. cit, p. 497
14
Francisco Luiz Salles Gonçalves, A Evolução dos Acordos e Conflitos Coletivos no Período Recente do Sindicalismo Brasileiro (1977-93),
in O Mundo do Trabalho, Editora Página Aberta, São Paulo, 1994, p. 275
15
Álvaro Augusto Comin, A Experiência de Organização das Centrais Sindicais no Brasil, in O Mundo do Trabalho, Editora Página Aberta, São
Paulo, 1994, p. 386
16
Augusto Comin, op. cit, p. 363
17
Francisco Luiz Salles Gonçalves, op. cit, p. 269
18
Silvia Maria Manfredi, Educação Sindical no Brasil nas Décadas de Setenta e Oitenta, in O Mundo do Trabalho, Editora Página Berta, São
Paulo, 1994, p. 289
Todos esses aspectos revelam que o novo sindicalismo, em que pese a persistência de vícios
da velha estrutura corporativista, apresentou, nesse período (1979 a 1989), características e
impulsos inovadores no plano da ação e da organização sindical, quando comparados às outras
fases históricas do sindicalismo brasileiro.
A partir de 1990, fatos novos internos e externos, conjunturais e estruturais viriam a abalar o
movimento sindical.
No plano ideológico, a crise mundial do Estado intervencionista provocou uma quádrupla
rebelião contra o Estado regulador, exator, empresário e previdenciário. O movimento alcançou
o Brasil e fez ressurgir e difundir novas idéias e propostas de inspiração liberal.
A queda do muro de Berlim e o malogro dos regimes intervencionistas, de feições comunistas
e socialistas, principalmente no Leste Europeu, provocaram sérias repercussões no curso do
sindicalismo brasileiro.
No plano da política interna, a quebra do processo pendular e cíclico, entre autoritarismo e
populismo, sempre presente na História brasileira, levou o Brasil a se defrontar com a ingente
tarefa de tornar efetiva, a democracia que havia sido formalmente estabelecida na Constituição
de 88. No período do combate ao autoritarismo, havia um consenso entre os sindicalistas, mas a
A relação Estado e Sindicato e a Constituição de 1988
Pode-se tomar o referido Decreto nº. 19.770, de 1931, como a certidão de nascimento do
intervencionismo sindical no Brasil. Desde então, as sucessivas legislações, que culminaram
com a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, seguiram este modelo por mais de meio
século. O regime criado na era Vargas e sedimentado na CLT sobreviveu à democracia
420 reinstalada pela Constituição de 1946 e permaneceu inalterado até o movimento de 1964.
Conviveu com a legislação arbitrária da época e não foi revogado por nenhum ato
institucional ou decreto-lei. Permaneceu intangido até a Constituição de 1988, quando, para
surpresa de todos, ainda sobreviveu20. Os ventos liberalizantes, democratizantes e
desestatizantes que varreram o mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial só nos
alcançaram nos últimos anos da década de oitenta. Ainda assim, a Constituição de 1988 ficou
muito aquém do que dela se poderia esperar como um grande marco de modernização do
País. Não obstante, ela pode ser considerada como um importante avanço na evolução do
19
Marco Antonio de Oliveira, op. cit, p. 510
20
Antônio Álvares da Silva, op. cit, ps. 121-123
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 421
Ney Prado
Nas judiciosas palavras de João de Lima Teixeira Filho, “até o advento, da Constituição de
1988, o sindicato brasileiro era tributário do Estado, escassamente democrático, marcadamente
cupular e sem legitimidade representativa, numa fase que se caracterizou pelo empobrecimento
e desvirtuamento de seu papel, como instrumento privilegiado da negociação coletiva”.
Em termos democráticos, no que tange a vida sindical, obstantes algumas contradições, a
Constituição de 88 inegavelmente avançou. 421
21
João de Lima Teixeira Filho e Luiz Inácio Barbosa Carvalho, Intervenção Sindical e Autonomia nas Relações Coletivas de Trabalho no Brasil, Ed. ,
19 , p. 63
22
Roberto Barreto Prado, Curso de Direito Sindical, São Paulo, 1984, p. 140
23
José Ajuricaba da Costa e Silva, in Unidade e Pluralidade Sindical, Rev. TRT, 8º Região, Belém, 21(40) 1988, p. 47
24
V. arts. 57 e 140 da Constituição de 1937.
25
V. CLT, art. 578 e ss.
26
V. CLT, art. 592 e ss.
27
V. CLT, arts. 511, 512, 516, 518 e 570
28
V. CLT, arts. 513, “d” e 514
29
V. CLT, arts. 579 e 593
De fato, o modelo sindical vigente, quando comparado aos anteriores (34, 37, 46 e 67)
tornou-se, inquestionavelmente, menos interventivo. Sob muitos aspectos, reconhece os
princípios constantes da Convenção 87 da OIT.
Assim:
a) proclamou, como um dos direitos fundamentais dos trabalhadores e empregadores, o livre
direito de associação profissional e sindical; (art. 81);
b) assegurou a plena autonomia sindical, vedando qualquer interferência ou intervenção do
Estado na fundação, organização e dissolução do órgão de classe (art. 81, inciso I);
c) conferiu ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas; (art. 81, inciso III);
d) atribuiu ao sindicato poder tributário, condicionando a fixação da contribuição à
deliberação da assembléia geral; (art. 81, inciso IV)
e) investiu o sindicato de novos instrumentos processuais, tais como: legitimidade ativa para
propor a ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo perante o Supremo Tribunal
Federal (art. 103), assim como de impetrar mandado de segurança coletivo (art. 51, LXX).
Todavia, os avanços da autonomia sindical, incontestavelmente logrados, inclusive com os
A relação Estado e Sindicato e a Constituição de 1988
novos elementos processuais de legitimação ativa coletiva, perderam muito de seu vigor e
autenticidade pela sobrevivência teimosa dos velhos regramentos interventivos, frutos de toda
uma velha deformação política da qual o País ainda não conseguiu se desvencilhar.
Assim, embora houvesse consagrado o princípio da liberdade sindical30 nossa Constituição foi
incoerente ao manter o regime da unidade representativa, não por imposição da vontade dos
representados, o que a Resolução nº. 87 da OIT aceita, mas por imposição do Estado, através
dos conceitos de categorias e de bases territoriais respectivas, impossibilitando assim a criação de
sindicatos por empresa.
Também, embora conferisse aos Sindicatos o poder de recolher tributos, manteve a
contribuição sindical criada pela CLT como instrumento de intervenção31.
Além disso, não obstante admitisse a livre fundação do sindicato, exigiu paradoxalmente o
seu registro em órgão competente32.
Em resumo: o Sindicalismo de Estado no Brasil manteve-se quase intacto, alterando-se
apenas a forma autoritária de gestão do modelo. No mais, manteve seus vícios de origem, forma
e conteúdo: autoritário, por ser fascista; inautêntico, por estar calcado na Carta del Lavoro;
incoerente, porque inadequado a nova ordem democrática e capitalista vigente; monopolizador,
porque detém sozinho o direito de representação; dependente, porque sobrevive às custas do
imposto sindical e centralizador, porque impede a criação do pluralismo sindical.
Conclusão
422
Nos dias atuais, percebe-se claramente, mesmo em países com regimes trabalhistas
tradicionalmente intervencionistas, um forte apelo no sentido de diminuir ao máximo a
presença do Estado no âmbito das relações sindicais. A tendência universal é no sentido de
assegurar aos trabalhadores e aos empregadores a liberdade e o direito de filiação, permanência e
desligamento do Sindicato bem como de garantir a autonomia organizativa e o exercício da
atividade grupal.
30
V. CF, art. 81, caput.
31
V. CF, art. 81, IV
32
Art. 81, I, CF
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 423
O modelo sindical brasileiro não deveria fugir a essa tendência. Tanto mais porque o país,
após um longo período alternado de populismo e autoritarismo, fez a opção pela democracia.
O desejável seria o Brasil adotar um modelo não intervencionista puro, ou seja, com liberdade
e autonomia sindical ampla e irrestrita.
Mas, esse desiderato, mesmo nos países democráticos, é de impossível materialização. Isso
porque como nos lembra o notável jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “o aparecimento
dos grupos institucionalizados e, portanto, concentradores de poder coletivo, e, posteriormente,
das instituições políticas, dotadas de poder ainda maior, multiplicou as possibilidades de agravo
às liberdades individuais”.
Graves distorções, aberrações e desequilíbrio de poder, decorrentes do exercício de uma
liberdade sindical absoluta, geram injustiças flagrantes. Daí a necessidade de o Estado, por meio
de regulamentação, fixar certas limitações às atribuições e aos meios de atuação dos atores
envolvidos, direta ou indiretamente, na relação.
Enquanto direito, a liberdade sindical deve ser amplamente assegurada pela lei. Mas, para que
a garantia sindical seja realmente efetiva, não basta reconhecer esse direito. É preciso cercá-lo de
medidas de proteção. A falta ou insuficiência dessas torna ilusórias a declaração da liberdade
sindical e todas as garantias que se propõem assegurar seu cumprimento.
Desse modo, no universo da Política e do Direito, a par das preocupações e das ações voltadas ao
interesse fundamental de afirmar a liberdade, aquelas dedicadas ao interesse de construir a igualdade,
através da correção dos erros, dos excessos e distorções do sistema de liberdades, incorporou-se a
necessidade de garantias legais face as possíveis violações ao direito de liberdade sindical, praticados
pelo empregador, pelo sindicato, pelo Estado e pelos próprios empregados.
Os Sindicatos, por concentrarem parcelas de poder, podem praticar violações ao direito de
liberdade sindical. Há inúmeras situações arbitrárias que geram a conveniência e a necessidade de
se estabelecerem certas limitações das suas atribuições e dos meios de ação:
a) quando os sindicatos, na defesa de seus interesses, transformam sua ação sindical em
instrumento orientado para conseguir fins ilícitos ou para prejudicar terceiros;
(consumidor);
b) quando o poder sindical se converte em verdadeira tirania e chega a extremos
desafiadores da moral e das leis33;
c) quando os sindicatos desrespeitam certas formalidades que pela sua relevância
Ney Prado
necessitam estar submetidas a lei geral;
d) quando alguns poucos dirigentes impõem à quase totalidade da massa dos trabalhadores
suas diretrizes em matéria de grande relevância;
e) quando os sindicatos, através de cláusulas inseridas nas convenções coletivas, impedem o
ingresso dos empregados “não filiados” no mercado de trabalho (Closed shop);
f) quando os sindicatos pressionam o empregador a despedir os trabalhadores que se 423
desligam da entidade associativa (maintenance of memberships clauses);
g) quando os sindicatos concedem benefícios especiais aos trabalhadores filiados
(preferencial shop);
h) quando os sindicatos obrigam a empresa a recrutar novos trabalhadores apenas por seu
intermédio (hiringhall).
Para garantir os Sindicatos contra a ação abusiva e arbitrária do Estado, cada país, com suas
características, produz o seu Direito Público, fixando-lhe competência, a finalidade, a forma, o
33
Alfredo Ruprecht, Relações Coletivas de Trabalho, op. cit., p. 96
motivo e o objeto de sua ação, da mesma forma que no caso da proteção individual contra o
Estado.
Por todas essas razões, nos países democraticamente avançados, em nome da afirmação do
direito de liberdade sindical, o Estado pode prever e estabelecer determinadas garantias
protetoras contra certos excessos em que podem incorrer os empregadores, sindicatos, os
empregados e até ele próprio.
No nosso modo de ver, o princípio norteador de uma boa relação Sindicato-Estado é a busca
do mínimo de intervencionismo do Estado e do grau máximo possível de autonomia sindical. A
intervenção do Estado deve ser de apoio e estímulo à ação sindical e nunca uma intromissão
limitadora da autonomia coletiva.
No caso brasileiro, para atingir esse desiderato há que se reformar a Constituição atual em
dois pontos: abolir o sistema de unicidade sindical obrigatório (art. 8º, II) e extinguir as
contribuições compulsórias (art. 8º, IV).
É recomendável, ainda,que o Parlamento ratifique a Convenção 87 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) que trata do pluralismo sindical. Por derradeiro, é de
fundamental importância criar-se uma legislação básica de apoio e de proteção (garantia) à ação
A relação Estado e Sindicato e a Constituição de 1988
424
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 425
Estado e Constituição 1
Paulo Bonavides*
Paulo Bonavides
Direito, vazada numa ordem constitucional que regula o princípio das relações entre governantes
e governados, dentro de estruturas políticas e sociais supostamente estabelecidas com toda a
liberdade pela soberania da Nação.
Chegamos assim à formulação do Estado constitucional, que é o mesmo Estado de Direito,
nascido da filosofia racionalista e revolucionária do contrato social e base de todas as concepções
políticas geradoras do liberalismo constituinte do século XVIII, do qual derivam também os
códigos constitucionais do Estado liberal.
Estado e Constituição não ficaram porém estratificados pela rigidez do pensamento 425
individualista da burguesia, um pensamento que foi revolucionário no século XVIII, conservador
no século XIX e reacionário no século XX.
A economia mudou a face da sociedade, de sorte que as novas relações de produção
estabelecidas criaram um quadro extremamente complexo cujos reflexos políticos fizeram
insustentável o modelo constitucional do liberalismo burguês.
1
O presente trabalho, que ora reestampamos, é uma conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará pelo Professor
Paulo Bonavides, ao ensejo da abertura dos Encontros Culturais de 1988, celebrados por aquela instituição com o co-patrocínio da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seção do Ceará e do sobredito Jornal que a publicou em 23 de março de 1988.
* É Doutor honoris causa da Universidade de Lisboa, Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará, Membro do Comitê de Iniciativa que fundou
a Associação Internacional de Direito Constitucional, Presidente Emérito do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Diretor da Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais.
Afigura-se-nos necessário fazer perante os senhores uma ligeira análise crítica às origens e à
evolução do Estado constitucional brasileiro, tanto mais irrecusável quanto temos sido até hoje
um povo infeliz em relação ao Estado e à Constituição.
Esse juízo negativo e pessimista configura um drama de cinco séculos. Emerge da opressão
do sistema colonial, passa pelos vícios da sociedade servil do Império e derruba cinco repúblicas
que alienaram a participação popular desde 15 de novembro de 1889.
Não nos atrai o debate acadêmico e erudito para determinar se no Brasil o Estado vem antes
ou depois da Nação, se foi esta que fez o Estado ou, ao contrário, se foi o Estado que fez a
Nação. Pelo ângulo que até aqui se colocou o tema, esta questão é irrelevante. Mas não tanto se
426 a fizermos vinculada ao processo constitucional na formação de nossas instituições políticas.
A partir daí então se faz mister mostrar que o Estado e a Constituição, em relação à sociedade
nacional, são elementos de uma mesma crise: a crise de formação do povo brasileiro, ou, em
termos mais precisos, a crise da nação independente e soberana.
Antônio Carlos e Frei Caneca foram nossos primeiros constitucionalistas. O Andrada
preparou o esboço primitivo das bases de um projeto de Constituição para os revolucionários
pernambucanos de 1817, com os quais ele também conspirou. O carmelita-mártir, por sua vez,
proferiu o célebre voto da reunião popular do Recife para deliberar sobre o juramento do Projeto
de Constituição, ocasião em que disse que “uma Constituição não é outra coisa que a ata do pacto
social, que fazem entre os homens, quando se ajuntam e associam para viver em reunião ou
sociedade”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 427
Por esse prisma de consenso, que toda Constituição deve de necessidade significar, o Brasil,
há mais de cento e cinqüenta anos, intenta, em vão, escrever a ata desse pacto social, fundamento
de uma sociedade livre, justa e soberana, sem a alienação dos direitos da cidadania no arbítrio de
quem governa.
O nosso primeiro compromisso constitucional com a forma representativa de governo
proveio de uma crise constituinte, que é sempre uma crise de legitimidade.
Com efeito, a Carta Imperial de 1824, outorgada por D. Pedro I, foi a expressão de um ato
unilateral de vontade, cujos pressupostos resumem a grave turbulência das instituições estreantes.
O princípio absolutista e dinástico se personificava na coroa do Imperador, mas um laço
democrático de legitimação de seu poder resultara da aclamação popular que lhe conferiu o título
de Defensor Perpétuo do Brasil.
Do outro lado, estava porém a Nação, colegiada numa Constituinte de poderes soberanos,
portadora de incontroversa legitimidade para fazer a Constituição, ou seja, para redigir a ata
do pacto social, a que tão bem se reportara Frei Caneca. Mas os canhões e as baionetas
imperiais sitiaram a Constituinte, dissolvida pelo golpe de Estado de 12 de novembro de
1823.
A Constituinte era a nação, a legitimidade, a soberania dos governados, a representação dos
cidadãos, ao passo que o monarca figurava o arbítrio, a vocação do absolutismo, a prepotência
das armas, o golpe de Estado, a amnésia dos compromissos tomados com a Sociedade brasileira,
a usurpação de poderes.
A Carta Imperial de 1824, por mais diligente que haja sido a dissimulação, foi ato de outorga
do Imperador absoluto, concessão do trono à liberdade dos súditos; mas concessão, de princípio,
tão tênue que o que avultou na realidade foi a mais feroz soma de poderes congregados por uma
carta fundamental na pessoa de um só governante, titular irresponsável de dois poderes cuja
concentração de prerrogativas atropelava, por inteiro, o pensamento de dois filósofos-pontífices
do liberalismo, a saber, Montesquieu e Benjamim Constant.
Não era pois a Carta das liberdades do povo brasileiro, nem tampouco a lei de alforria de uma
sociedade que nascera escrava, mas o código de menoridade da nação, o ato de sua tutela por um
Paulo Bonavides
poder singularmente intitulado de moderador.
A Nação vencida em 1823 contraatacou porém em 1831, consumando a Abdicação. O
Estado se nacionalizou, a Constituição em parte se legitimou e as armas, naquele episódio,
exprimiram a vontade nacional e puseram termo ao Primeiro Reinado.
Mas a história da Regência foi um confronto constituinte entre conservadores e liberais, os
primeiros procurando anular as conquistas dos segundos, tão duramente alcançadas na jornada
de 7 de abril.
Que distância, pois, entre o projeto de monarquia federativa introduzido na Câmara dos
Deputados em outubro de 1831 e renovado cinqüenta e quatro anos depois, ao ocaso do 427
Segundo Reinado, e a Lei de Interpretação de 1840, liquidando os adiantamentos liberais do Ato
Adicional, eles mesmos já deveras apagados pela extinção da chama reformista que ardera nos
primeiros meses subseqüentes à renúncia imperial!
Invalidado o projeto dos liberais em suas bases mais profundas, seguiu-se um período
constitucional de cerca de trinta anos de relativo equilíbrio, de armistício institucional entre
liberais e conservadores até que a dissolução legislativa de 1868, com a queda do Gabinete
Zacarias provocou no ano seguinte o célebre Manifesto do Centro Liberal. O Manifesto colocou
o Império na ponta deste dilema: “Ou a reforma ou a revolução. A reforma para conjurar a
revolução. A revolução como conseqüência necessária da natureza das coisas, da ausência do
sistema representativo, do exclusivismo e oligarquia de um partido”.
No ano seguinte, em 1870, publicava-se o não menos célebre Manifesto Republicano de 1870.
Estava deflagrada a segunda crise constituinte - a crise da Constituição do Império. A primeira
fora a da constitucionalização, com o golpe de Estado de 1823 que dissolveu a Constituinte.
A alternativa da reforma não foi aceita pelas correntes conservadoras. O eixo da revisão
constitucional era na época a adoção do sistema federativo, que a percuciência de Ruy e Nabuco
fazia a chave da crise, ou seja, a solução política para legitimar o sistema e por cobro à asfixia
centralizadora do regime monárquico.
Dizia Nabuco no momento em que o recinto do parlamento fora ocupado pelas forças do
governo pessoal, que seu partido tomava uma resolução – a de deixar uma grande bandeira
nacional como a da federação plantada nas ameias daquele edifício. Depois de afirmar que “a
federação é um fenômeno do nosso passado todo”, acrescentava mais adiante: “A nossa atual
forma de governo centralizado é uma forma grosseira de sociedade política, uma falsa
democracia dando em resultado uma falsa independência”.
A crise constituinte do Segundo Reinado se alimentou da questão militar, da questão religiosa,
da questão abolicionista e, acima de tudo e de todas, da questão federativa. Teve seu epílogo com
a Proclamação da República, isto é, com o advento sucessivo de dois poderes constituintes de
primeiro grau; um, fático, que produziu o Decreto nº 1 do Governo Provisório e a seguir a
outorga de duas Constituições de vigência parcial e temporária, no espaço de quatro meses e uma
semana, como foram os textos publicados em 22 de junho de 1890 e 23 de outubro do mesmo
ano pelos decretos da ditadura, de números 510 a 914, respectivamente, e outro, um poder
constituinte de direito, em nome da legitimidade republicana. Este último representava o
desdobramento político da nova realidade produzida no País, em que se elegeu o Congresso
Nacional como colégio constituinte – aliás, a primeira Constituinte Congressual de nossa história,
autora da Carta Republicana de 1891.
Mas o modelo de república federativa adotado trazia em circulação nas veias de seu
organismo o germe daquela que seria a enfermidade fatal de cinco repúblicas já sepultadas pela
história no cemitério político da nossa forma de governo: o presidencialismo.
Estado e Constituição
Era o princípio de uma tragédia que ainda não chegou ao seu fim. O mesmo presidencialismo
das intervenções militares, das oligarquias, das falsificações eleitorais, anteriores a 1930, da
deposição dos governos estaduais pelo Poder Central, do estado de sítio; o presidencialismo que
perdeu com a Revolução de 30 a oportunidade de regenerar-se porque é absolutamente
irregenerável, e deu, a seguir, por frutos, o Estado Novo, o suicídio de Vargas, o “impeachment”
de Café Filho e Carlos Luz, dois Presidentes depostos em menos de um mês, a renúncia de Jânio,
que por pouco não arremessou o País ao abismo da guerra civil, a ditadura de 64, o AI-5, a
república dos Atos Institucionais, a Emenda Constitucional dos três usurpadores, a eleição
indireta do Presidente da República, a tortura, os recessos do Congresso, a desnacionalização da
economia, os acordos do Fundo Monetário Internacional, a cassação de mandatos, o reinado do
decreto-lei revogando até matéria constitucional, a hegemonia dos tecnocratas, a desorganização
sistemática dos partidos, o declínio da autoridade civil e, de último sua mais recente criação, a
Nova República, com a presidência biônica e a Constituinte Congressual.
A Constituinte de 1987 e 1988 instalou-se com uma privação de legitimidade que só é inferior
à do titular da Presidência da República. Os vícios formais que a descaracterizam e que sempre
apontamos, derivam do casuísmo de seu ato convocatório. O poder presidencial biônico queria
de certo uma Constituinte dócil, passiva aos seus desígnios, em harmonia com aquele pavor que
os nossos governantes sempre tiveram do povo e de seus legítimos representantes.
O casuísmo porém não foi bem sucedido na execução desse objetivo. Nada mais fácil então
que imprimir um novo casuísmo, em que o criador se dispunha a destruir sua criatura, o que vem
acontecendo desde que, das regiões oficiais se procura abater a soberania do corpo constituinte,
ainda que para tanto se atropelem todas as noções básicas do direito constitucional.
Perdida a legitimidade formal, a Constituinte Congressual tem ainda uma oportunidade única
de sanar os vícios de sua origem, ou seja, a de fazê-lo pelas vias materiais, por meio do conteúdo
elaborando uma boa Constituição, à altura dos anseios sociais da Nação. Sem embargo das
pressões conservadoras, da lentidão de seus trabalhos, da formação em seu interior de forças
extremamente retrógradas, como as do Centrão, a Constituinte Congressual, desde que se
instalou, busca a legitimidade pela legitimação.
Paulo Bonavides
É processo político fundamental, sobre o qual recaem todavia as suspeitas ou os presságios
de um recuo. O que até agora se fez é positivo, em seu conjunto. A Sociedade brasileira avança
com o projeto em tramitação constituinte. Faz-se mister porém não interromper essa abertura da
vontade nacional soberana. Foram tantos já os crimes republicanos do executivo presidencialista,
que há razões sólidas para temer a aventura de um novo golpe de Estado.
A história constitucional do Brasil comprova que todas as Constituintes que estiveram
debaixo da pressão política do Executivo ou não puderam concluir a sua tarefa ou a concluíram
muito mal. Assim se deu com a Constituinte de 1823 que D. Pedro I dissolveu, desferindo um
golpe de Estado; com a Constituinte de 1934, cujos debates a imprensa, sob o flagelo da censura, 429
não pode livremente seguir e , afinal, com a de 1967 que, mutilada, deliberou sob a égide dos Atos
Institucionais e da cassação de mandatos.
O resultado foi em 1823 a impossibilidade de formular a Lei Maior; em 1934, uma
Constituição que durou apenas três anos e em 1967 a promulgação da mais efêmera de todas as
nossas Constituições, que pereceu em 1969 com a outorga da Emenda Constitucional nº 1. Em
suma, depois de 1823, uma Carta outorgada; depois de 34, o Estado Novo; depois de 1967, o
AI-5 e a Emenda subversiva dos três Ministros da Junta Militar. Haverá ainda um novo depois
em 1988?
Essa a inquirição angustiante que o País faz ao Governo e aos constituintes e com mais razão
a partir do reconhecimento desta verdade elementar, sobejamente constatável: a transição para o
regime constitucional excedeu em duração os dez anos da ditadura militar completa, pois
principiou em 1974 e perdura ainda em 1988; não podendo, portanto, chamar-se de transição,
mas de forma já acabada de continuísmo dissimulado, de covardia governante perante o povo,
ou, em outras palavras, de ludíbrio da Nação e desrespeito à soberania popular.
Se a verdade representativa não for restabelecida neste país, ao menos nos termos da
Constituição de 1946, esta Nação explodirá. Digo Constituição de 1946 por render-lhe um preito
de admiração em razão de haver sido, na relatividade da época, a melhor das nossas
Constituições; idêntico preito se deve à Constituinte de 1946 que a promulgou, sem dúvida a
mais livre, a mais legítima, a menos sujeita a interferências indevidas ou a ameaças disfarçadas da
parte do Executivo.
A legitimidade perdida com a queda da Constituição de 1946 nunca mais o povo brasileiro a
restaurou e os riscos de vê-la cada vez mais distante, nós os atravessamos dentro da atual crise
constituinte, debaixo do pesadelo de um retrocesso, o último que a irresponsabilidade
governativa, quanto ao nosso futuro, dar-se-á o luxo de padecer.
A lição de todas as reflexões já feitas aponta para o seguinte: ou o Governo se faz neste país
legitimamente representativo, ou a integridade desta Nação há de soçobrar na desunião social e
no separatismo das Regiões.
Se esta última alternativa impatriótica caísse como um raio da fatalidade sobre as nossas
cabeças e traçasse o nosso destino, estaria então escrito o epitáfio de todas as esperanças
federativas e constitucionais que no Brasil contemporâneo se dirigem para uma sociedade livre e
democrática, regida efetivamente pelas regras da soberania popular. (1988)
Estado e Constituição
430
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 431
Roberto Rosas
de 40, e algo clamava por soluções, na verdade, crise do Recurso Extraordinário do que da
Corte Suprema. Em 1946, quando da edição da Constituição, o Supremo recebeu menos de
2.000 processos, por isso, a Carta Magna criou o Tribunal Federal de Recursos, com 9
ministros, principalmente para julgar os recursos nas causas de interesse da União, antes
apreciadas pelo STF.
De 1947 a 1987, 40 anos, verificou-se que o STF não saiu da crise, e o TFR entrou em crise.
Novamente, soluções, e a mais contundente foi a criação do Superior Tribunal de Justiça, para 431
conciliar as crises do STF e do TFR. Não bastava a criação de um tribunal, e sim lhe dar ossatura,
feição própria, e mensagem de otimismo aos militantes no Judiciário. Abriu-se a grande
oportunidade do acesso das demandas a Brasília, na conciliação do poder local, com o
federalismo e a isenção de uma Corte longe dos embates locais. O cidadão acredita na Justiça, e
quer acesso, mas também quer a saída, no dilema entre a prestação jurisdicional – segura e rápida,
e isso não é resolvido nas eternas reformas do Judiciário, porque sem reforma estrutural da
Justiça, a desburocratização processual, e reforma do Judiciário com objetividade, estaremos
enganando a sociedade, os juízes, os advogados e os jurisdicionados.
* Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Ex-Membro do Conselho Federal da OAB (20 anos); Presidente do Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas
Que é o precedente? É uma decisão anterior persuasiva para decisões futuras. Não é
compulsória; apenas norteará o futuro julgador a seguir aquela decisão. Serve de informação, de
simplificação de trabalho. Não é obrigatório.
Que é jurisprudência? Significa mais do que o precedente. Pode, até, ser formada com um
precedente. Se o Supremo Tribunal em sessão plenária, ou o Superior Tribunal de Justiça em
sessão da Corte Especial decidem num julgamento, em um processo sobre determinada tese, ali
estará, a jurisprudência. É claro, que o prestígio dessa jurisprudência será maior com a ratificação
de outros julgados. Não sendo julgamento de órgão plenário, somente pode entender-se a
jurisprudência com a consolidação de julgados reiterados.
Que é a súmula? Esta reflete a jurisprudência de um tribunal ou de uma seção especializada
autorizada a emitir a consolidação (v. voto do Min. Carlos Mário Velloso sobre conceito de
súmula, na ADIn 594 (RTJ 151/20).
Que é direito sumular? É o reflexo do direito emanado de súmulas de um tribunal.
Concluímos, então, que não importa o nome quando o tribunal fixa entendimento e diretriz. É
chamada força vinculante da decisão, pouco importa o nome – orientação precedente,
jurisprudência, súmula. Como afirma Calmon de Passos – seja o que for, obriga (Revista do TRF
da 1ª Região, v. 9, n.º 1, pg. 163), porque repugnam decisões diversas, baseadas em interpretações
diversas, sobre a mesma regra jurídica. Como observa a Ministra Ellen Gracie Northfleet, a
maioria das questões trazidas ao foro, especialmente ao foro federal, são causas repetitivas, onde,
embora diversas as partes e seus patronos, a lide jurídica é sempre a mesma (“Ainda sobre o efeito
vinculante”, Revista de Informação Legislativa, n.º 131, pg. 133). Há conteúdo compulsório em
tudo isso e, portanto, a obediência a essas decisões, por todos os níveis.
Dirão: mas há liberdade do juiz em decidir! Mas o verbete de uma súmula, somente será
decisivo, depois de muito debate – por isso foi sumulado. A liberdade judicial, apanágio do
Estado Democrático, dirige-se às novas questões, a novas leis, aos temas em aberto. Aí, sim, o
juiz, com sua livre decisão, prestará notável serviço à Justiça.
Quais os percalços da súmula?
A súmula pode ser perigosa, se elaborada com defeito. A lei também, e há leis
inconstitucionais, e decretos ilegais. A súmula pode ser mal redigida? A lei também.
Roberto Rosas
O que é sumulado? Somente questões controvertidas, e não de textos legais eventuais (por
exemplo, tributação anual). A súmula pode não adotar a melhor tese, mas oferece norte e
segurança, ao contrário da vacilação de julgados, ora numa corrente, ora noutra direção.
A súmula sofre o mesmo processo da legislação, isto é, alteração por nova interpretação e,
principalmente, nova legislação, alterando aquele enunciado. Hoje notamos essa influência com
o novo Código Civil (de 2002) que altera várias súmulas do STF (Súmula 165: compra pelo
mandante, alterada pelo art. 497; Súmula 494: venda do ascendente ao descendente, art. 496;
Súmula 377: comunhão de aquestos, art. 1.672, todos do CC -2002). 433
A importância da súmula está consagrada.
A Lei 8.038/90 (art. 38) permitiu ao Relator negar seguimento a recurso contrário à súmula
do respectivo tribunal (CPC, art. 557). No art. 475, § 3º, do CPC (redação de Lei 10.352, de
26.12.2001) não há sujeição ao duplo grau de jurisdição, nas sentenças de interesse da União,
Estado, Município, se a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em
súmula do STF ou do tribunal superior competente.
Questão muito debatida, e extremada de opiniões, é a da súmula vinculante. O que significa?
O processo de elaboração de uma súmula é exaustivo, depende da existência de
pronunciamento único (mas expressivo) ou então da reiteração. O debate sempre é longo, até a
edição. Para a vinculação dessa súmula a julgados futuros há necessidade de processo especial, de
maior debate, porque aquele verbete será aplicado automaticamente. Então, a chamada súmula
vinculante não pode ser, e, acredito, não será fruto de uma decisão aligeirada, rápida, e muito
menos, será a vinculação de qualquer decisão de um tribunal. Não basta o Supremo Tribunal
reunir-se, decidir, que automaticamente todas essas decisões serão vinculantes. Se as súmulas
atuais decorrem de um lento e burocrático procedimento, imagina-se mais ainda para a súmula
vinculante.
Ao lado dessa expressão, outra aparece – a súmula impeditiva de recursos, isto é, impossibilidade
de interposição de recurso se a decisão recorrida estiver apoiada em Súmula do Supremo
Tribunal. Esta hipótese minora a recorribilidade contra orientação assentada do STF; no entanto,
permite ao juiz discordar da súmula do STF. O juiz pode não aplicá-la, ao pretexto de não se
adequar à hipótese, de ser outra a matéria; no entanto, parece total inversão hierárquica e não-
vinculação.
9. O efeito vinculante já foi consagrado na Emenda Constitucional n.º 3/1993, ao estabelecê-
la, quanto às decisões definitivas de mérito, nas ações declaratórias de constitucionalidade (nova
redação do art. 102 da CF, acrescentando o § 2º).
O art. 103-A da EC 45 contempla a edição de súmula após reiteradas decisões sobre a matéria
constitucional, com efeito vinculante. Para a sua edição, ainda exigem-se: a finalidade do texto
(validade, interpretação e eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia
atual), conseqüência da controvérsia (insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos
Reforma do Judiciário: acertos e desacertos
semelhança das carreiras militares, polícia militar e diplomacia. O interessado faz admissão ao
curso, talvez em um ano intensivo, remunerado, com o subsídio de juiz substituto, ao final desse
curso haverá a nomeação de juiz substituto. Lá, o aluno falará com antigos magistrados,
experientes advogados, membros do Ministério Público, tratará de temas especiais da sociedade,
de economia. Terá matérias propedêuticas especiais para futuras tarefas. Um conjunto de
informações necessários à formação do futuro magistrado.
Roberto Rosas
435
O Direito Constitucional se destaca como um dos ramos do Direito que mais diretamente
sofre o fenômeno da internacionalização1. Nesse sentido, são plenamente verificáveis dois
fenômenos distintos, quais sejam, a internacionalização do Direito Constitucional e a
constitucionalização do Direito Internacional2
Não há negar-se que a internacionalização do direito acaba por fazer com que as normas
jurídicas que regulam as atividades dos cidadãos não sejam mais unicamente produzidas pelo
legislador nacional, o que resulta, em alguns aspectos, em um problema de legitimidade quanto
aos órgãos normatizadores. Isso decorre do fato de que o órgão constitucionalmente competente
para elaborar as leis, no caso, o Poder Legislativo, que é composto pelos legítimos representantes
do povo, não será o único responsável pela elaboração das leis que irão reger aquela sociedade.
Os tratados e acordos também criarão normas para esses cidadãos, só que elas não foram
diretamente elaboradas pelos representantes eleitos para tal desiderato, mas conferem direitos e
impõem obrigações para o indivíduo. Há o que se denomina de um “déficit de legitimidade”,
A internacionalização do Direito Constitucional
principalmente quando se tem em vista que o responsável pela celebração dos tratados e sua
internalização, na maioria dos sistemas, é o Poder Executivo. Quer parecer que a superação deste
“déficit de legitimidade” ficará a cargo de cada Estado que poderá criar mecanismos que venham
a suprir essa deficiência, como a aprovação do tratado pelo Parlamento.
A crise de legitimidade também se apresenta quando se está diante de um conflito entre as
normas internas de um País, elaboradas pelos representantes do povo, e as normas decorrentes
dos tratados. Nesse sentido acentua Heléné Tourard que tal situação acaba “correspondendo a um
grau cada vez mais elevado de penetração do Direito Constitucional pelo Direito Internacional.”3
No Brasil esse fenômeno de internacionalização pode ser visualizado com a criação do
Parlamento do Mercosul. Apesar de num primeiro momento não caber expressamente a ele a
elaboração de normas, nada impede que com o transcorrer dos tempos esses parlamentares do
Mercosul, eleitos pelo voto direto, passem a elaborar normas que irão reger essa comunidade
internacional.
No âmbito do Direito Constitucional se pode vislumbrar inclusive a internacionalização do
próprio poder constituinte, como ocorreu inicialmente na União Européia com a criação da
Constituição Européia. Giuseppe de Vergottini denomina esse poder constituinte
internacionalizado como “potere costituente guidato o asistitto” . Todavia, a internacionalização do
poder constituinte ainda é algo distante para a realidade brasileira tendo em vista as características
436 do nosso sistema constitucional e o estágio de evolução do Mercosul.
* Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-doutoranda em Direito Constitucional pela
Universidade Clássica de Lisboa. Professora de Direito Constitucional do UNICEUB e do IESB. Chefe de Gabinete da Ministra do Superior
Tribunal Militar Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha. Membro do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de
São Paulo.
1
Mireille Delmas-Marty afirma sobre a internacionalização: “É decerto o movimento mais amplo e mais profundamente perturbador na paisagem do
direito francês, principalmente marcado pela dominação crescente de fontes européias de direito, já evocada várias vezes.
Cumpre ainda especificar logo de saída que não existe uma entidade jurídica nomeada Europa, nem sequer uma visão única e prestabelecida da
Europa.” (Por um direito comum, São Paulo: Ed. Martins fontes, 2004, p. 47, tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão)
2
Segundo Héléne Tourard: “A internacionalização das Constituições ultrapassa o contexto das relações entre o Estado e o Direito Internacional.
Ela se projeta para além da problemática relação entre Direito Internacional e Direito Interno. Trata-se, na verdade, de abordar a questão das
relações entre o Direito constitucional e o Direito internacional em uma perspectiva menos abstrata (...) considerada a realidade dos fenômenos
políticos e das relações internacionais.” (TOURARD, Héléne. L´internationalisation dês Constitutions Nationales. Paris: L.G.D.J., 200, p.11)
(tradução livre).
3
TOURARD, Héléne. Op. cit., p.11.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 437
4
Luís Maria Diéz-Picazo anota que: “(...) daí que um Estado não pode estar convencionalmente vinculado contra a sua vontade (ex consensu advenit
vinculum). Isso é conseqüência da confluência do direito internacional: primeiro, o caráter inorgânico e descentralizado da sociedade internacional,
que carece de uma autoridade legislativa central; segundo, o princípio da isonomia dos Estados, pelo qual a vontade de um não é juridicamente
superior a vontade do outro.” (Constitucionalismo da União Européia, Madrid: Cuadernos Civitas, 2002, p.88, tradução livre)
5
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit.,p. 81.
6
Peter Häberle afirma: “(….) A ‘criação do Estado Constitucional’ é atualmente um projeto universal, apesar da diversidade tipológica dos países e
das diferenças entre suas culturas nacionais.” (KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. De la soberania al derecho constitucional común:
pálabras clave para um diálogo europeu-latinoamericano. trad: Héctor Fix-Fierro. Universidad Nacional Autônoma de México, México, 2003,
p. 3). (tradução livre)
7
TOURARD, Héléne. Op. cit., p.6.
8
CF. CONI, Luís Cláudio. A internacionalização do poder constituinte. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 32.
9
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit., p 70.
e a criação de instrumentos jurídicos internacionais e instituições cuja finalidade não é outra senão
a de promovê-los e protegê-los.10
Podem-se identificar alguns reflexos da internacionalização do Direito Constitucional na
América Latina.
O primeiro deles é a “regionalização”11 que nada mais é do que a união de estados soberanos
visando uma harmonização dos sistemas; é o que ocorre, por exemplo, com a criação do Mercosul.
A previsão dessa integração é plenamente verificável nas Constituições dos Estados soberanos da
América Latina. A maioria das Constituições latino-americanas possui dispositivos que
expressamente prevêem a possibilidade da criação de uma integração com outros Estados, ou seja,
o alargamento de suas fronteiras. São cláusulas constitucionais abertas ao direito internacional e até
ao direito supranacional
Há previsão expressa de uma integração da América Latina em diversos textos constitucionais,
dentre eles, destacam-se: Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua,
Panamá, Republica Dominicana, Uruguai, Peru, Venezuela e Argentina. Do ponto de vista
estritamente dos Textos Constitucionais é possível afirmar que a integração da América Latina é
plenamente viável.12
Tendo em vista os Estados partes do Mercosul tem-se que a Constituição brasileira de 1.988 no
parágrafo único do art. 4º reza: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política,
A internacionalização do Direito Constitucional
social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino americana de nações.”Já
a Constituição do Paraguai em seu art. 9º estabelece que: “A República do Paraguai, em condições de
igualdade com outros Estados, admite uma ordem jurídica supranacional que garanta a vigência dos direitos humanos,
da paz, da justiça, da cooperação e do desenvolvimento político, econômico, social e cultural.”
A Constituição da Argentina em seu art. 75, inc. 24 dispõe que: “Corresponde ao Congresso: aprovar
tratados de integração que deleguem competências e jurisdição a organizações supraestatais em condições de reciprocidade
e igualdade, e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos. As normas ditadas em sua conseqüência tem
hierarquia superior às leis.” Por fim, a Constituição do Uruguai foi mais tímida ao dispor em seu art.
6º que: “a República procurará a integração social e econômica dos estados latinoamericanos, especialmente, no que
se refere à defesa comum de seus produtos e matérias-primas.”
O segundo fenômeno é a “busca de valores comuns” que consiste na criação de um sistema
universal de direitos humanos, que se dá tanto na criação de sistemas internacionais de proteção de
direitos humanos, como ocorre com o Sistema Americano de direitos humanos (Pacto de São José
da Costa Rica), como na incorporação de tratados de direitos humanos pela Constituição dos
Estados.
Note-se que a adoção do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica que é de 1969, só se deu
em 1992 e a submissão à Corte Interamericana de Direitos Humanos apenas em 2002. Essa
submissão implica a determinação da responsabilidade internacional do Brasil por violações aos
438 direitos humanos. A adoção de valores comuns não implica a renúncia da identidade cultural de
cada Estado, pois se deve igualmente garantir uma margem de interpretação (“margem nacional”13)
aos juízes nacionais na aplicação do Direito Internacional ao ordenamento jurídico interno.14
10
CF. CONI, Luís Cláudio. Op. cit., p. 32.
11
CF. VIEIRA, Oscar Vilhena. “A globalização e o Direito: realinhamento constitucional” in Direito Global. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1999, p.
20. organizado por VIEIRA, Oscar Vilhena, e SUNDFELD, Carlos Ari.
12
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit., p.28.
13
CF. DELMAS-MARTY, Mireile Op. Cit., p. 162
14
Peter Häberle comentando a integração da União Européia acentua que: “(...) todas as culturas jurídicas nacionais devem esforçar-se por fazer
contribuições à ‘identidade européia’ através de suas diversas vozes e aprendendo umas de outras, mas sem renunciar as suas identidades nacionais.”
(CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit., p.21.)
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 439
É possível identificar, ainda, que as Constituições da América Latina estão cada vez mais
semelhantes entre si, é uma espécie de “mimetismo15 constitucional”, pois contêm uma série de
normas e valores em comum. No Brasil observa-se uma nítida tendência de harmonização de
conceitos do Direito Constitucional em relação ao Direito Internacional. O Direito Internacional
tem um efeito irradiador sobre o sistema constitucional pátrio.
O terceiro fenômeno é a “globalização econômica”,16 que consiste na imposição de um
sistema econômico comum aos Estados e que é mais facilmente perceptível nos sistemas
constitucionais que reconhecem expressamente um amplo rol de direitos sociais, pois esses Países
são os que mais sofrem a influência direta de qualquer modificação no setor econômico,
precipuamente, quando essas alterações implicam na manutenção de um estado mínimo.
Na América Latina grande parte das Constituições contempla um amplo rol de direitos
sociais, portanto, qualquer modificação na seara econômica, implica uma alteração na
interpretação e aplicação desses direitos. No Brasil, por exemplo, o art. 6º do Texto
Constitucional contempla uma série de direitos sociais, como educação, saúde, desporto,
previdência e assistência social.
Os Estados latino-americanos se esforçam para criar um direito comum, através de adoção
de valores comuns. Já existem valores comuns presentes nos ordenamentos jurídicos dos Países
da América Latina, o que possibilita uma maior harmonização entre esses sistemas jurídicos, sem,
contudo que isso venha a significar uma unificação deles, como parece ocorrer na União
Européia. Deve-se preservar, no processo de internacionalização, o que Peter Häberle denomina
de “identidade latino-americana.”17
Os preâmbulos das Constituições latino-americanas são em forma de tarefas, metas a serem
desenvolvidas pelo Estado possuindo princípios comuns, tais como, a busca da justiça e a
15
CF. VIEIRA, Oscar Vilhena. “A globalização e o Direito: realinhamento constitucional” in Direito Global. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1999, p.
20. organizado por VIEIRA, Oscar Vilhena, e SUNDFELD, Carlos Ari.
16
Para Heléné Tourard “é um processo de mão dupla, pois as constituições nacionais passam a levar em consideração as relações do Estado Nacional com o direito internacional
e este a sofrer uma crescente influência dos dispositivos constitucionais relevantes”.(TOURARD, Héléne. Op. cit., p. 12.)
17
CF. VIEIRA, Oscar Vilhena. “A globalização e o Direito: realinhamento constitucional” in Direito Global. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1999, p.
20. organizado por VIEIRA, Oscar Vilhena, e SUNDFELD, Carlos Ari.
18
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit., p.66.
19
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit., p. 23.
§4ºO Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional e cuja a criação tenha manifestado
adesão.”
Note-se, ainda, que reformas recentes levadas a efeito no Texto Constitucional pátrio, como
a promulgação da Emenda n. 45/04 (Reforma do Judiciário), foram sensíveis à realidade da
internacionalização do Direito, na medida em que submeteu o Brasil expressamente à jurisdição
de Tribunal Penal Internacional e trouxe a possibilidade de equiparação dos tratados sobre
direitos humanos às emendas constitucionais.26 Note-se que o Texto Constitucional menciona
que esses tratados serão equiparados à emenda constitucional o que significa dizer que serão um
gênero diferenciado de norma, pois não serão uma norma constitucional. Será conferido,
portanto, um status constitucional a esses tratados.
O Brasil possui ainda em seu texto uma cláusula de extraterritoritarialidade, qual seja, o art.
4º, inc. VIII, que estabelece nos princípios que regem o Brasil nas relações internacionais o
repúdio ao terrorismo.
A doutrina demonstra a preocupação com esse fenômeno e fornece elementos para sua
concretização no âmbito do direito brasileiro, bem como detecta os setores mais suscetíveis e
discute as suas conseqüências para a sociedade. A constitucionalização do Direito Internacional,
bem como a formação de políticas internacionais depende tanto dos atores institucionais
(poderes públicos), como também de atores privados, bem como de uma sociedade civil
participativa.
Não há negar-se que a internacionalização também se dá por meio da atuação de experts,
doutrinadores e pesquisadores do direito que contribuem por meio da apresentação de teorias,
na elaboração de tratados e compromissos, no importante papel de reconstrução do Estado.27
Peter Häberle afirma que o desenvolvimento de um direito constitucional comum na América
26
Nesse sentido Sylvie Torcol acentua que: “a internacionalização das constituições afeta o equilíbrio institucional estatal: o Poder Executivo em sua qualidade de principal
ator em matéria de relações internacionais; o Poder Legislativo na qualidade de poder normativo e de controle dos órgãos de governo; e o Poder Judiciário, em sua função de
aplicação das fontes de direito às situações concretas.”(Apud Luis Cláudio Coni Op. Cit. p.85) TORCOL, Silvie.Les mutations du constitucionnalisme à
l´épreuve de la construction européenne. Tese de doutorado defendida em 12/12/2002 perante a Faculdade de Direito da Universidade de
Toulon et du Var, Lille, A.N.R.T, P.4
27
CF. CONI, Luís Cláudio. Op. cit., p. 77.
28
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit., p. 82.
29
CF. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007.
cruzada, ou seja, decisão dos tribunais de outros Estados sendo adotado pelo Brasil. Exemplo
desse fenômeno são as técnicas de decisão utilizadas pelo Tribunal Constitucional Alemão, como
a interpretação conforme a Constituição, a declaração de inconstitucionalidade parcial sem
redução de texto, o apelo ao legislador e a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de
nulidade.
Em razão dos efeitos das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional em controle de
constitucionalidade concentrado serem erga omnes e vinculante acabam por repercutir no direito
como um todo. Tanto é que essas técnicas foram previstas, posteriormente, em lei, qual seja, a
Lei n.º 9.868/99, que expressamente faz referência à interpretação conforme a Constituição, à
declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e a possibilidade de modulação
dos efeitos da decisão
O próprio princípio da proporcionalidade que foi incorporado ao sistema constitucional
pátrio teve a sua origem no direito comparado, principalmente, pela influência do direito alemão.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n.
82.424/RS que versava sobre o tema do Discurso do Ódio, no qual um escritor e dono de uma
editora no Rio Grande de Sul foi acusado de pratica de racismo, em razão de suas obras
questionarem a existência do Holocausto e denegrirem a imagem e a honra do povo judeu. O
Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico, definiu que judeu é considerado raça, pois
A internacionalização do Direito Constitucional
30
TOURARD, Héléne. Op. cit.,, p. 252.
31
Héléne Tourard sustenta que o que se: “pede ao juiz constitucional é a adoção de uma interpretação evolutiva em função do que os poderes públicos
entendem ser a própria evolução da comunidade internacional.”TOURARD, Héléne. Op. cit.,, p. 276.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 443
37
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit., p. 14
38
CF. KOTZUR, Markus e HÄBERLE, Peter. Op. cit.,p. 15.
39
CF. CONI, Luís Cláudio. Op. cit., p.160.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 445
40
CF. CONI, Luís Cláudio. Op. cit., p.84.
41
Explica Luis Maria Díez-Picazo que: “(...) a principal conseqüência prática que o Tribunal Constitucional alemão extraiu da idéia de os Estados
membros como senhores dos tratados constitutivos é a possibilidade de submeter ao controle de constitucionalidade nacional e, em seu caso, declarar
inaplicáveis na Alemanha qualquer norma da União Européia que excedam as competências atribuídas a esta. (Op. cit., p. 114)
um controle de constitucionalidade preventivo exercido pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez
que o tratado só gera efeitos após a edição do decreto. Essa parece ser uma solução possível para
possibilitar um maior desenvolvimento da internacionalização do direito constitucional brasileiro,
sem, contudo realizar-se uma revisão da Constituição.
Em síntese, tem-se que a constante necessidade de se conferir efetividade à proteção dos
direitos humanos no âmbito interno e internacional exige uma mudança na posição dos tratados
sobre direitos na ordem jurídica brasileira, faz-se imprescindível uma jurisprudência mais
adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas principalmente à
proteção da dignidade da pessoa humana e preservação de valores comuns aos Estados.
BIBLIOGRAFIA
446
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 447
Diga-se desde logo que não apenas a nossa, mas as constituições contemporâneas de um
modo geral sofreram um processo de transformação que nos atinge hoje de uma forma peculiar.
O fato de que a estrutura institucional das leis básicas enquanto constitutivas do Estado de
Direito provém do século XIX e se aplica a uma realidade que não mais existe na atualidade, não
nos permite ater-nos a certas fórmulas de rigor formalista, sem que nos obriguemos a abrir
inúmeras exceções. O caráter de suas normas não exclui hoje muitas normas de caráter específico.
Mesmo as normas que consagram direitos fundamentais não fogem a esta característica. Isto
afeta, obviamente, a lógica interna do Estado de Direito e deve ser considerado como um dado
relevante quando se discute a aplicabilidade das normas constitucionais e sua interpretação.
Para se compreender estas transformações, temos de partir do caráter positivado das normas
das constituições modernas. Esta positivação foi uma das idéias que corporificaram o movimento
constitucionalista a partir do século XIX. Um dos traços centrais do Estado de Direito foi, assim,
a fixação de uma ordem estatal livre, na forma de normas positivas, sujeitas às formalidades
garantidoras da certeza e da segurança. Desta forma protegia-se a liberdade conforme a lei. Isto
exigiu, portanto, uma formalidade constitucional. Esta formalidade conferia à constituição uma
transparência e uma estabilidade indispensáveis. Graças a ela, as constituições puderam submeter-
unidade orgânica, em que a esfera do indivíduo tem por limites inevitáveis, de todos os lados, a
coletividade. O direito vai cedendo à moral, o indivíduo à associação, o egoísmo à solidariedade
humana”.
Estas palavras de Ruy Barbosa apontam já para uma espécie de “desformalização” da
constituição, que ele certamente não encampava, mas que iria agudizar-se posteriormente. Mais
ou menos a mesma época, Max Weber (Wirtschaft und Gesellschaft, 1976: 503 e ss.), um dos
mais brilhantes sociólogos da formalização do direito como expressão da racionalidade, já
apontava para as tendências que iriam “favorecer uma dissolução do formalismo jurídico”. Ele
previa não só certa disparidade entre legalidades lógicas próprias do pensamento formal jurídico
e os efeitos econômicos visados como também a respectiva expectativa”. Surgiam, dizia ele,
exigências materiais dos modernos problemas de classe, de um lado, acompanhadas, de outro, de
propostas de ideologias jurídicas que se guiavam por critérios valorativos contidos na expressão
social do direito.
Atente-se, assim, para essa passagem, na vida constitucional brasileira, de um Estado liberal
burguês e sua expressão tradicional num Estado de Direito abstrato, para o chamado Estado
Social. Tal passagem, porém, não deve significar a exclusão do primeiro pelo segundo, mas a sua
transformação naquilo que a Constituição brasileira de 1988 chama de “Estado Democrático de
Direito” (v. Preâmbulo e art. 1º). Com esta noção não se exprime obviamente apenas a sujeição
do Estado a procedimentos jurídicos e à realização de não importa qual a idéia de direito, mas a
sua subordinação a critérios materiais próprios.
3. A interpretação de legitimação
qualificados devem estar na dependência dos meios disponíveis e identificáveis, ou, da regra de
exigibilidade: o Estado Social está vinculado à realização de seus objetivos, cabendo ao
intérprete considerá-los sob o ponto de vista da sua viabilidade.
A título de exemplo do que estamos dizendo, veja-se o disposto no artigo 182, § 2º, da
Constituição Federal. Depois de, no artigo 5º, XXIII e no artigo 170, III, estabelecer a “função
social da propriedade”, conceito obviamente valorativo, determina no mencionado artigo 182, §
2º que “a propriedade cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor”. A co-participação politicamente legitimadora
do intérprete, neste caso, resulta evidente.
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (art.
182 da Constituição) corresponde a uma competência de qualificação legislativa negativamente
vinculada.
Por fim, a interpretação por legitimação tem uma especial conseqüência para a questão da
aplicabilidade das normas constitucionais
O termo aplicabilidade tem origem, etimologicamente, no verbo applicare que, por sua vez,
resulta de ad-plicare. Plicare significa dobrar e o sufixo ad é uma preposição de acusativo que
acompanha as circunstâncias de lugar, proximidade, tanto no sentido espacial (onde) quanto no
sentido temporal (quando). Dai o sentido original de applicare reportar-se a idéia de enroscar, juntar
numa certa direção, envolvendo, em conseqüência, uma finalidade. Na linguagem jurídica, por
isso, aplicar a norma vai significar pô-la em contato com um referente objetivo (fatos e atos). A
aplicabilidade exige assim interpretação. Além disso exige condições de possibilidade que no
direito estão referidas a aspectos técnicos inerentes a estrutura das normas e da realidade
normanda. Na teoria jurídica, estas condições reportam-se à noção de eficácia.
A noção de eficácia, para o senso comum jurídico, tem, porém, um sentido que nos pode
conduzir a uma circularidade infecunda. Diz-se, por vezes, que uma norma é eficaz na medida
em que é observada, entendendo-se por observância o seu efetivo cumprimento tanto da parte
Interpretação das Normas Constitucionais
da autoridade competente quanto dos sujeitos passivos de modo geral. Ora, se uma norma é
eficaz quando “obedecida e aplicada”, segue-se que a eficácia passa a denotar uma situação e a
conotar um conceito, situação e conceito que estão pospostos a própria eficácia: verificada a
aplicação, diz-se que a norma é eficaz. No entanto, na medida em que o senso comum também
admite que, para aplicar-se a norma, se requer a sua eficácia, está formado o círculo mencionado.
Para deslindar a questão convém, pois, distinguir o significado de eficácia e efetividade. Por
efetividade deve-se entender a observância verificada, a aplicação e a obediência ocorridas. A
norma efetiva é a norma observada em larga extensão. Já eficácia deve ser termo relacionado com
as condições de aplicação e obediência, portanto aquelas condições que tornam a norma aplicável
e obedecível. Pode-se, assim, dizer, de uma norma, já no momento inicial de sua vigência, se ela
é eficaz, ainda que não tenha ocorrido de fato o fenômeno da sua aplicação e obediência.
Definir a eficácia significa correlacionar condições técnicas e condições sociais de
possibilidade com objetivos postos expressamente ou encobertos (ideologicamente). Assim, para
identificarem-se as condições técnicas, levem-se em conta as noções de eficácia plena, contida e
limitada (Cf. Jose Afonso da Silva, 1968). Para as condições sociais, devemos levar em conta as
noções de eficácia global e parcial bem como as de desuso (uso) e de costume negativo
452 (costume). Para a identificação dos objetivos, distinguimos o que chamaremos de funções
eficaciais da norma, nomeadamente, a função de bloqueio, de programa e de resguardo. A
correlação destes diversos termos nos permitirá distinguir graus de aplicabilidade.
Comecemos com as funções eficaciais, que serão examinadas tendo em vista a questão
constitucional. Podemos agrupá-las em dois grupos, conforme se fala em interpretação de bloqueio
ou em interpretação de legitimação. A função eficacial de bloqueio tem a ver com a forma típica do
Estado de Direito. A norma posta com esta função visa, portanto, a impor limites a atividade
normativa do Estado. O seu sucesso em termos de obediência diz respeito a uma abstenção ou a
uma ação restrita de legislador ordinário, cujo parâmetro já está presumido como cabalmente
delineado pela norma constitucional. Deve-se dizer, assim, que a competência do legislador é
plenamente vinculada, ou seja, os interesses e objetivos protegidos e visados já estão, ex tunc,
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 453
necessariamente solidária com os meios atualmente existentes. Como não se postula, nesse caso,
uma solidariedade entre meios e fins, a responsabilidade legislativa pela emanação de normas
capazes de dar concreção aos programas instituídos tem caráter condicional. Isto é, por mais
imperiosos que sejam os fins estabelecidos na norma programática, o legislador se sente
autorizado a aguardar o momento oportuno para sua ação legislativa. Ele não pode, é verdade,
atuar no sentido oposto ao programa (vinculação negativa) mas não pode ser forçado a atuar em
caso de omissão.
Do ângulo das condições técnicas devemos falar então em eficácia limitada (cf. José Afonso
da Silva, 1968) e do lado das condições sociais, de uma eficácia parcial que, para ser realizada, está
a mercê de transformações sociais, políticas, econômicas, culturais dependentes da própria
evolução social, dentro da qual o Estado é um agente ao lado de outros.
Muitas das normas constitucionais que disciplinam o chamado Direito Econômico devem ser
aqui mencionadas a titulo de exemplo. Por estas razões, tais normas têm um grau ainda menor de
aplicabilidade. podendo-se falar, então, de aplicabilidade dependente. Por fim, em virtude deste
grau de aplicabilidade, deve-se reconhecer que o sucesso das normas programáticas, mais do que
nos casos da função de bloqueio e da função de programa, admite uma alta probabilidade de
encobrimento ideológico, funcionando a norma muitas vezes na extensão da sua não concreção.
6. Conclusão
Interpretação das Normas Constitucionais
Em síntese, e resumindo em poucas palavras o que foi exposto, diríamos que o crescimento
da forma típica do Estado Social no seio da forma típica do Estado de Direito fez surgir, ao lado
da interpretação de bloqueio, o que se chamou de interpretação de legitimação. É também neste
quadro que a questão da aplicabilidade recrudesce. Aplicabilidade tem a ver com eficácia, quer no
sentido técnico, quer no sentido social. Para dar conta do entrelaçamento destas duas noções de
eficácia, distinguimos entre três funções eficaciais: de bloqueio, de resguardo e de programa.
Nessa distinção reside a possibilidade de se separar eficácia de efetividade, ao mesmo tempo em
que ambas se correlacionam em termos de sucesso. Se a função é de bloqueio, postula o
intérprete que o interesse qualificado já vem perfeitamente articulado na própria norma
constitucional. Em conseqüência, deve-se atribuir à norma uma eficácia técnica plena e presumir-
se uma acabada eficácia social em termos de uma aceitação global do estatuído. Daí resulta uma
aplicabilidade imediata.
Se a função é de resguardo, postula o intérprete que o interesse, como fim posto, já vem
perfeitamente articulado, mas não o correspondente meio. Deve-se falar, então, em competência
legislativa de qualificação positivamente vinculada. Cabe ao intérprete apontar a solidariedade
entre meios e fins, de tal sorte que, posto o fim, o meio deve obrigatoriamente ser encontrado.
454 Uma eventual ineficácia social deve por isso ser suplementada, não podendo ser presumida para
evitar a emanação da legislação requerida. A eficácia técnica é contida e, sendo necessária a
norma regulamentadora, cabe mandado de injunção para o caso singular e argüição de
inconstitucionalidade por omissão para o caso geral. Daí resulta uma aplicabilidade restrita.
Se a função, por fim, é de programa, postula o intérprete que cabe ao legislador articular,
legitimamente, o interesse previsto (programaticamente) na norma constitucional. Não se
postula, porém, solidariedade entre meios e fins. A competência legislativa de qualificação é
negativamente vinculada. Cabe ao intérprete avaliar o juízo de oportunidade e da extensão do
programa que incumbe ao legislador. A eficácia técnica, neste caso, é limitada. E a eficácia social
depende da própria evolução das situações de fato. Daí resulta uma aplicabilidade dependente.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 455
1. A Constituição do Brasil não é flexível, mas rígida. Não que seja imutável, intocável,
eterna, que Constituição assim não existe e nem pode existir. É rígida porque carrega a
pretensão de permanência e estabilidade, sem que por isso tenha de ser estática, intangível, mas
deve se colocar em sintonia com a evolução social, com as aspirações do povo a que se dirige,
adaptando-se, evoluindo. As emendas constitucionais são necessárias, para manter presente e
vivo o ideário que inspirou a formulação da Carta Fundamental. Mas são desnecessárias – e
abomináveis – as emendas constitucionais casuísticas, oportunistas, para atender aos desígnios
dos chefes de plantão, e que desvirtuam, banalizam, desestruturam a Lei Fundamental. As
palavras de advertência de Konrad Hesse (A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, Trad. Gilmar Ferreira Mendes, 1991, p. 22) devem estar
presentes no espírito de quem tem a responsabilidade de emendar a Lei Fundamental:
“Igualmente perigosa para força normativa da Constituição afigura-se a tendência para a
freqüente revisão constitucional sob a alegação de suposta e inarredável necessidade política.
Cada reforma constitucional expressa a idéia de que, efetiva ou aparentemente, atribui-se maior
valor às exigências de índole fática do que à ordem normativa vigente. Os precedentes aqui são,
por isso, particularmente preocupantes. A freqüência das reformas constitucionais abala a
confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa. A estabilidade
constitui condição fundamental da eficácia da Constituição”. No ordenamento jurídico
brasileiro multiplicam-se as emendas à Carta de 1988, até parecendo que há um deliberado
intuito de desfazer o que foi feito, de destruir e apagar a obra do Constituinte originário. A
pretexto de emendar, rever, atualizar, não se pode, deslealmente, promover a ruptura da
Zeno Veloso
Constituição, sobretudo quando a alteração desfigura a identidade da Lei Maior e sua
vinculação com o Estado Democrático de Direito. Um autor da importância de José Afonso
da Silva diz que sempre procurou adequar o seu livro às alterações do texto constitucional, mas,
confessa, desalentado: “Devemos, no entanto, ponderar que a multiplicidade de Emendas
agem retalhando a Constituição, com dificuldade para uma atualização impecável. Só após
terminar esse processo de retalhação, chamado reforma constitucional, é que teremos a 455
oportunidade de reelaborar o texto a fim de lhe dar coerência em face do que sobrar da
Constituição” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 23a ed., São Paulo: Malheiros, 2004,
Informação Ao Leitor).
Rígida é a Constituição que só pode ser alterada por um procedimento especial, dificultado e
solene, distinto do que é estabelecido para a elaboração das leis ordinárias. O Congresso Nacional
– Câmara dos Deputados e Senado – representa um poder constituinte. Não o originário,
obviamente, nem com a independência e ilimitação do originário, mas um poder constituinte de
* Professor de Direito Civil na Universidade Federal do Pará e na Universidade da Amazônia; professor de Direito Constitucional Aplicado nesta
última; Doutor honoris causa da Universidade da Amazônia; Notório Saber pela Universidade Federal do Pará; Membro da Academia Brasileira de
Letras Jurídicas.
segundo grau, instituído, derivado, subordinado, de revisão ou reformador. Para que se possa
fazer validamente uma emenda à Constituição, é necessário seguir-se, rigorosamente, o estatuído
no art. 60 de nossa Carta, observando, particularmente, os limites impostos pelo § 4o do aludido
artigo, que representam o núcleo duro e irreformável do Texto Magno, as chamadas cláusulas
pétreas. A assertiva de que não há direito adquirido contra a Constituição só é verdadeira com
relação à obra do poder constituinte originário, que é fundante, que inaugura a ordem jurídica; as
emendas constitucionais, entretanto, feitas por um poder reformador, limitado, balizado, têm de
respeitar o direito adquirido. Se isto não ocorrer, a emenda constitucional é perdidamente
inconstitucional. É a Constituição, acrescente-se, que confere o fundamento de validade das leis
e atos normativos que integram a ordem jurídica (norma normarum).
Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade
Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2004, ns. 142 e ss., pp. 300 e ss.), em páginas memoráveis, disserta sobre os limites
ao poder de emendar a Constituição, enunciando que o traço de similitude das emendas
constitucionais em relação à Constituição é o de que as disposições das emendas são
hierarquicamente superiores às leis ou a qualquer produção normativa alocada em disposição
subseqüente na pirâmide jurídica, pois se parificam nisto, integralmente, às disposições
constitucionais, tanto que, se nelas validamente integradas, comporão o corpo da Lei Magna, “à
moda de quaisquer outras ali residentes e no mesmo pé de igualdade com as demais”. Já seu
traço de dessemelhança visceral, diz o mestre, e que as faz qualitativamente distintas da
produção constituinte, reside em que, ao contrário do fruto do labor constituinte, as emendas
não são originárias, não são inaugurais em sentido absoluto, não são a fonte primeira da
juridicidade, não são o primeiro e incontendível termo de referência de toda a ordem jurídica.
Sofrem as limitações que lhes advêm da própria Constituição: “é porque a Constituição permite
ser tocada, mexida, que as emendas constitucionais podem ser validamente produzidas”.
Considera o autor ser infeliz a terminologia “poder constituinte originário” e “poder
constituinte derivado”, por induzir a equívocos, provocando a suposição de que são poderes da
mesma natureza, isto é, espécies de um mesmo gênero, o que não é verdade: “Deveras, todo
poder constituinte é, por definição, originário. Assim, não há poder constituinte derivado, pois
o que se rotula por tal nome é o poder de produzir emendas, com base em autorização
constitucional e nos limites dela. Logo, coisa diversa da força inaugural e incontrastável,
características indissociáveis do poder constituinte”.
Por ser rígida, a Constituição está colocada no ápice do ordenamento jurídico, no topo da
pirâmide, numa posição hierárquica superior, com relação às demais normas, sendo dotada,
assim, de supremacia. A Constituição é soberana; a Lei das leis.
De nada adiantaria uma Constituição ser rígida e de as demais leis e atos normativos terem
de se adequar a ela, obedecer aos seus princípios e fundamentos, se não houvesse um mecanismo
456 para resguardar e manter essa hierarquia, para garantir a supremacia da Carta Magna. Esse
mecanismo é o controle de constitucionalidade, e seu exercício pode ser feito de várias formas,
sendo a principal e mais eficiente a jurisdicional.
2. O controle jurisdicional de constitucionalidade tem dois sistemas principais: o difuso e o
concentrado.
O controle difuso, historicamente, tem origem nos Estados Unidos da América do Norte, em
1803, no famoso caso Marbury versus Madison, sentenciado pelo Chief Justice John Marshall. Os
fundamentos desse judicial control não são encontrados, explicitamente, no texto da Constituição
de 1787, mas foram revelados através de uma interpretação sistemática e teleológica da Lex Mater
norte-americana, concluindo-se que nenhum ato legislativo contrário à mesma pode ser válido e,
havendo discrepância entre a norma constitucional e a legal, deve ser preferida a Constituição,
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 457
Zeno Veloso
inconstitucionalidade é feita abstratamente, sem nenhuma vinculação com qualquer caso
concreto.
Em síntese apertada, pois o tema não é o objeto principal deste artigo, e para efeito
comparativo, falemos do controle concentrado. Os legitimados para propor a ação direta de
inconstitucionalidade, impulsionando o controle direto, em abstrato, ou concentrado, estão
designados no art. 103, caput, da Constituição, e no art. 2o da Lei nº 9.868/99. A ADIn, contra
lei ou ato normativo federal ou estadual, só pode ser manejada perante o Supremo Tribunal 457
Federal – STF, a quem cabe processar e julgar, originariamente (vale dizer, exclusivamente,
privativamente), esta ação. O Pretório Excelso, então, exerce o monopólio da jurisdição quando
se trata de declarar, no controle concentrado, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual (CF, art. 102, I, a).
Salvo no período de recesso, a medida cautelar (liminar) na ADIn será concedida pela maioria
absoluta dos membros do Tribunal, observadas as regras dos arts. 10 a 12 da citada Lei no
9.868/99. A medida cautelar tem eficácia erga omnes (contra todos), será concedida com efeito ex
nunc (prospectivo), salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa (ex tunc).
Há, ainda, efeito repristinatório: a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação
anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
Pode ocorrer, no entanto, de a norma anterior, que havia sido revogada pela lei
inconstitucional, ser, por sua vez, inconstitucional, e, inclusive, afrontar a Carta Magna com mais
virulência. Entendo, para prestigiar o dogma da supremacia da Constituição, em nome do
postulado da segurança jurídica, para não falar em economia processual, que o STF pode – e deve
– proclamar a inconstitucionalidade, se for o caso, de norma anterior, que havia sido revogada
pela lei cuja inconstitucionalidade foi reconhecida; isto, se não preferir negar efeito repristinatório
à legislação antiga pelo mais poderoso dos fundamentos, que é a inconstitucionalidade da mesma.
O princípio do pedido, neste caso, não deve ficar acima da necessidade de defender a
Constituição, que sem essa proteção a Constituição acaba, e tudo o mais acaba. J. J. Gomes
Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3a ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 909)
enuncia que o princípio da congruência é bem conhecido da doutrina processual civil: entre a
sentença proferida pelo tribunal e as pretensões deduzidas pelas partes existe uma relação de
congruência que consiste fundamentalmente em o tribunal apreciar apenas o pedido, mas sem
deixar de apreciar e resolver todo o pedido (correlação entre a pretensão e a decisão); advertindo
o autor que este princípio, intimamente ligado ao princípio dispositivo, sofre algumas
importantes correções em direito processual constitucional, enunciando: “Em todo o seu rigor,
ele postularia a inadmissibilidade de apreciação jurisdicional relativamente a questões não
debatidas e conseqüente exclusão de declaração de inconstitucionalidade de normas que não
tivessem sido impugnadas no processo. Se isto é assim em processos de fiscalização concreta (e
mesmo aqui há problemas), já o mesmo não acontece nos processos de fiscalização abstracta
onde podem existir inconstitucionalidades conseqüenciais ou por arrastamento, justificadas pela
conexão ou interdependência de certos preceitos com os preceitos especificamente
impugnados”, e até aqui adiro plenamente à lição do mestre lusitano, que, em seguida, apresenta
uma restrição, da qual não compartilho, de que as chamadas inconstitucionalidades
conseqüenciais ou por arrastamento apresentam um limite material inequívoco: “só podem
admitir-se relativamente a preceitos contidos no acto normativo impugnado, não devendo
458 alargar-se a preceitos situados fora do acto normativo sujeito a fiscalização jurisdicional”.
Não se pode olvidar que a ação direta de inconstitucionalidade é um processo objetivo, em
que se analisa a questão abstratamente. Apura-se a matéria em tese, verificando-se, basicamente,
a controvérsia constitucional, ou seja, o antagonismo ou a pertinência, a desarmonia ou a
adequação da lei ou do ato normativo federal ou estadual com a Lei Suprema. O que se quer
garantir, preservar e resguardar é a ordem jurídica como um todo, fazendo triunfar o princípio
capital que é o da supremacia da Constituição. Se o pedido menciona a lei “A”, cuja
inconstitucionalidade é flagrante, e vem a ser declarada, existindo no ordenamento, todavia, a lei
“B”, que se relaciona com a outra, e que, sozinha, ficará regulando a matéria, violando, do mesmo
modo – e quiçá, de modo mais furioso – a Carta Magna, é óbvio que esta lei “B” tem de ser
atacada e, “por arrastamento” ser declarada inconstitucional. Fora disto, é prestigiar o formalismo
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 459
Zeno Veloso
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público”). A declaração de
inconstitucionalidade – inclusive, as variantes: interpretação conforme a Constituição e a
declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto – tem eficácia contra todos e
efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal,
estadual e municipal (Lei n° 9.868/99, art. 28, parágrafo único; CF, art. 102, § 2°). O próprio
Supremo Tribunal Federal não fica vinculado e pode rever no futuro a sua decisão; o Poder
Legislativo, quando no exercício de sua atividade-fim, não fica adstrito à decisão e, portanto, pode 459
voltar a regular o assunto e editar norma de idêntico conteúdo à da que foi declarada
inconstitucional, não sendo cabível Reclamação perante o STF, mas é possível que se apresente
nova ação direta de inconstitucionalidade.
Continua prevalecente no Brasil o entendimento de que a lei inconstitucional é nula, e a decisão
que pronuncia essa inconstitucionalidade tem caráter declaratório e não constitutivo, atingindo ab
initio a norma eivada do vício, que afronta e viola a Constituição desde que nasceu e não desde
agora, daí a natural eficácia ex tunc (retroativa) da sentença de inconstitucionalidade. Sob a égide da
Carta revogada, já era a doutrina exposta por José Celso de Mello Filho (Constituição Federal Anotada,
2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1986, p. 344), afirmando que no controle por via de ação a decisão de
inconstitucionalidade do STF faz coisa julgada, formal e material, vinculando os agentes estatais
Zeno Veloso
de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de
cautelar, constituem elemento explicativo de tal tendência”. E Mendes escreveu essas reflexões
antes da edição da Lei nº 9.868/99, que expandiu, enormemente, as perspectivas do controle por
via de ação direta! Mas não temos uma ação popular de inconstitucionalidade e o controle difuso
não perde a sua grande importância e utilidade porque é um veículo para que o cidadão questione
a validade de uma norma, alegue a desconformidade que ela apresenta com a Constituição. Não
se pode deixar de apontar que os direitos fundamentais recebem através da jurisdição 461
constitucional um meio eficaz de defesa e garantia.
Através do controle difuso, o cidadão tem acesso direto, fácil e rápido à Constituição. Luís
Roberto Barroso (O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2 a edição, São Paulo: Saraiva,
2007, p.77) expõe que, sem embargo da expansão do controle por via de ação direta, nos últimos
anos, o controle incidental ainda é a única via acessível ao cidadão comum para a tutela de seus
direitos subjetivos constitucionais.
O controle difuso (também chamado, com alguma impropriedade, por via de exceção) é um
controle concreto, no curso de uma ação, por via incidental (incidenter tantum). A
inconstitucionalidade surge como questão prévia, a ser dirimida. E pode ser suscitada pela parte,
pelo Ministério Público e, até, pelo juiz, ex officio. Qualquer juiz – mesmo o de primeira instância
– e qualquer tribunal pode exercer esse controle, afastando a aplicação, no caso concreto, sub
judice, da norma tida por inconstitucional. No Brasil, todos os tribunais e todos os juízes exercem
a jurisdição constitucional, o que é uma característica do controle incidental, já adotado, entre
nós, pela Constituição de 1891, como vimos, seguindo o modelo norte-americano e as
concepções de Ruy Barbosa, que não foi só o autor principal, intelectual e espiritual, da
Constituição de 24 de fevereiro de 1891, mas a presença do gênio estelar deste apóstolo do
Direito encontramos nas Constituições de 1934, 1946 e, inclusive, na Carta vigente, de 1988.
5. A declaração de inconstitucionalidade afasta a incidência do preceito impugnado no caso,
para o caso e entre as partes. Não há invalidação da lei, de modo geral, perante todos. A decisão
não opera erga omnes. A lei, teoricamente, continua em vigor, não perde a sua força obrigatória
Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade
apenas para ele, pois a norma geral enquanto tal – a lei, o decreto – continua válida e pode,
portanto, ser aplicada em outros casos concretos, acentuando: “A desvantagem dessa solução
consiste no fato de que os diferentes órgãos aplicadores da lei podem ter opiniões diferentes com
respeito à constitucionalidade de uma lei e que, portanto, um órgão pode aplicar a lei por
considerá-la constitucional, enquanto outro lhe negará aplicação com base na sua alegada
inconstitucionalidade. A ausência de uma decisão uniforme sobre a questão da
constitucionalidade de uma lei, ou seja, sobre a Constituição estar sendo violada ou não, é uma
grande ameaça à autoridade da própria Constituição” (Jurisdição Constitucional, introdução e revisão
técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 303).
É preciso ressaltar, todavia, que no controle difuso de constitucionalidade, adotado nos
Estados Unidos, o sistema convive com o stare decisis, o que diminui, sensivelmente, os ditos
riscos, dificuldades e embaraços deste modelo. O stare decisis (“manter-se fiel às decisões”) é
instituto de origem inglesa, que prestigia a jurisprudência, os precedentes dos tribunais, princípio
básico da common law, e, por ele, os juízes e órgãos judiciais inferiores devem sentenciar de acordo
com as decisões dos tribunais superiores, especialmente da Corte Suprema.
Já sabemos que qualquer juiz – o juiz singular, na mais afastada ou humilde comarca do país
– pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei – seja federal, estadual ou municipal –,
afastando a sua aplicação no caso submetido a seu julgamento. Mas a controvérsia de
inconstitucionalidade pode se apresentar num tribunal, e o Código de Processo Civil dedica ao
assunto os arts. 480 a 482.
A inconstitucionalidade da lei ou de ato normativo do poder público, em julgamento nos
tribunais, só pode ser declarada pela maioria absoluta de seus membros – ou dos membros do
órgão especial, onde houver. Diz-se que maioria absoluta é “metade mais um dos membros”, o
que às vezes é verdade e às vezes não é, pelo que devemos preferir uma fórmula que abrange
todos os casos – quando o número de juízes for par, ou ímpar-: maioria absoluta é o primeiro
número inteiro superior à metade da totalidade dos membros que compõem o órgão.
O preceito é constitucional, adveio da Carta de 1934, art. 179, passando, exceto na
Constituição de 1937, por todas as posteriores, estando consagrado no art. 97 da Constituição de
1988. É a regra do full bench, o princípio da reserva do plenário. A necessidade de um número
expressivo de julgadores, para que seja feita a declaração de inconstitucionalidade, tem
Zeno Veloso
fundamento na presunção de constitucionalidade da lei e homenageia, também, a segurança
jurídica.
Quando esse princípio da reserva do plenário foi introduzido em nosso ordenamento, alguns
doutrinadores acharam que ele estava afirmando que, no controle difuso, só aos tribunais se
conferia a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade da lei, afastando a sua aplicação ao
caso concreto (cf. Vicente Chermont de Miranda, Inconstitucionalidade e Incompetência do juiz singular,
in Revista Forense, 92/586). Mas firmou-se o entendimento de que a norma constitucional a 463
respeito da matéria (na Constituição de 1988, o art. 97) não é regra de competência, mas,
simplesmente, estabelece uma forma de julgamento. No controle difuso, o juiz singular está
autorizado, igualmente, a pronunciar a inconstitucionalidade de lei, e esse poder é inerente ao
exercício da função jurisdicional, como afirma Lúcio Bittencourt, no seu clássico livro (O Controle
Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1968, atualizada por José
de Aguiar Dias, pp. 36 e 46).
Os órgãos fracionários dos tribunais (salvo o órgão especial, que fracionário também é, mas
exerce atribuições do plenário) não têm competência, em regra, por princípio, para deliberar a
respeito do incidente de inconstitucionalidade. Se surgir a controvérsia a respeito da
constitucionalidade num órgão colegiado, mas fracionário – turma, câmara, grupos de câmaras,
câmaras reunidas – ocorre cisão de competência do ponto de vista funcional. A matéria é elevada
(catapultada, dizem alguns) para o plenário (ou para o órgão especial), a quem incumbe definir a
questão de inconstitucionalidade. Dá-se o per saltum, para que se obedeça à regra do full bench.
Solucionado o incidente de constitucionalidade, resolvida esta questão prejudicial, o processo é
devolvido, e o órgão fracionário, à luz desta decisão, julga, depois, a matéria restante.
Aproveitando a expressão de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 1975, t. VI, p. 52): “Salta-se: há a decisão, e volta-se. Continua o julgamento”.
Luís Roberto Barroso (O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, cit, p. 85) enuncia que
a câmara, turma, seção ou outro órgão fracionário do Tribunal não pode declarar a
inconstitucionalidade, mas pode reconhecer a constitucionalidade da norma, hipótese na qual
Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade
Zeno Veloso
Foi se cristalizando jurisprudência no STF de que a declaração de inconstitucionalidade por
este emitida sobre uma norma, posto que incidente, sendo pressuposto necessário e suficiente a
que o Senado lhe confira efeitos erga omnes, elide a presunção de sua constitucionalidade e, a partir
daí, podem os órgãos parciais dos outros tribunais acolhê-la para fundar a decisão de casos
concretos ulteriores, prescindindo de submeter a questão de constitucionalidade ao seu próprio
plenário. Segue a mesma orientação o STJ. Esse entendimento, segundo Gilmar Ferreira Mendes
(Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, cit., p. 364), marca uma evolução no sistema 465
de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, ainda que de forma tímida,
os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto.
Passou-se a permitir, assim, que o órgão fracionário julgue de plano a questão, evitando o
deslocamento previsto no art. 97 da Constituição. Sem dúvida, é uma exceção à regra do full bench.
Inspirada nesses precedentes, a Lei n° 9.756, de 17 de dezembro de 1998, regulando o
processamento de recursos no âmbito dos tribunais, inseriu parágrafo único no art. 481 do CPC,
com a redação seguinte:
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a
argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo
Tribunal Federal sobre a questão.
Por mais que se pretenda “tapar o sol com peneira”, não se pode deixar de concluir que se
trata de introdução de efeito vinculante, quanto ao tema, em nosso controle incidental. Veja-se o
tom peremptório da norma acima transcrita: “os órgãos fracionários dos tribunais não
submeterão...” A decisão anterior do plenário ou do órgão especial, pela constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo impõe-se ao órgão fracionário. A fortiori, se o
Supremo Tribunal já tiver decidido sobre a matéria. E assim ocorrerá, ressalte-se, mesmo que o
STF já tenha enviado a decisão para o Senado e este não tenha, ainda, promovido a suspensão
da execução da lei (CF, art. 52, X). Em suma, o órgão fracionário, neste caso, deve resolver, logo,
o incidente de inconstitucionalidade, obviamente, no sentido do que já foi apreciado e decidido
pelo respectivo Plenário (ou órgão especial) ou pelo Excelso Pretório. Se não é o stare decisis,
Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade
a decisão vai ser aplicada, o que não significa, obviamente, que a lei é inconstitucional somente
naquele caso, ou em função ou por causa dele. Neste aspecto, a decisão de inconstitucionalidade
é, também, em tese, e, apenas, vai repercutir na lide em que foi suscitada. A atividade mental, o
esforço interpretativo, a verificação da compatibilidade vertical, enfim, o convencimento do
julgador é o mesmo, seja o juiz monocrático, os juízes dos tribunais ou os Ministros do Supremo
Tribunal, quando estes decidem a argüição de inconstitucionalidade no controle abstrato.
Há uma tendência de aproximar o controle difuso e o controle concentrado, até pela
consideração de que ambos se inspiram nos mesmos motivos e perseguem objetivos idênticos,
estando na base dos dois o princípio da supremacia da Constituição; tanto um como o outro, o
que mais pretendem é expulsar do ordenamento jurídico as normas que conflitam com a Carta
Magna. A distinção quanto aos efeitos das respectivas decisões, na prática, é coisa ultrapassada.
6. Afirma o art. 52, X, da Constituição que compete privativamente ao Senado Federal
suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por declaração
definitiva do Supremo Tribunal Federal.
A natureza deste ato do Senado, o conteúdo e eficácia dele divide opiniões, tem sido objeto
de viva controvérsia, que, até o momento, não está pacificada e resolvida.
Não tem o Senado, nesta matéria, posição passiva e amorfa, para, apenas, dar publicidade à
decisão do Pretório Excelso, e nem tem poder discricionário, entrando no mérito da questão,
emitindo novo juízo sobre a inconstitucionalidade. Não se pode admitir que a Câmara Alta, Casa
do Poder Legislativo, fazendo uma consideração eminentemente política, sobreponha-se a uma
verificação jurídica (e também política) de quem é o guardião-mor da Carta Magna – o STF.
Quanto a esta expressão, “guarda da Constituição”, constante no art. 102 da Carta Magna, ela é
inspirada no livro de Carl Schmit, Der Hüter der Verfassung – que quer dizer o guardião, o
defensor da Constituição –, escrito em 1931, quando já se prenunciava a grave crise da República
de Weimar, afinal destruída sob o reinado de Hitler. Para Schmitt, um crítico feroz do Estado
Liberal de Direito, nenhum tribunal judicial pode ser o guardião da Constituição, papel que devia
ser destinado ao Chefe de Estado, ao Presidente do Reich, ao Führer. Hans Kelsen, em 1931,
publica a obra denominada Wer soll der Hüter der Verfassung sein? (Quem deve ser o defensor
da Constituição?), em que combate as idéias schmittianas, apontando que ninguém pode ser juiz
em sua própria causa e reafirma as suas propostas, já vigorando na Constituição austríaca, de
Zeno Veloso
1920, de que o controle da Constituição deve ser jurisdicional, feito por um tribunal
independente, especializado. O guardião da Constituição, não o único, mas o principal, tinha de
ser o Tribunal Constitucional. Considerando o contexto histórico alemão, Kelsen se preocupou
em defender a Constituição contra o “guardião” proposto por Schmitt.
A meu ver, diante da legislação em vigor, de jure constituto, a atribuição conferida ao Senado é
significativa, obedece a critérios de oportunidade e conveniência, mas seu conteúdo é meramente
formal, examinando se ocorreram os pressupostos constitucionais para a declaração de 467
inconstitucionalidade. E não há prazo marcado para que ele se manifeste e nem sanção alguma
se não se manifestar. Embora seja esta a doutrina dominante, abraçada, inclusive, em decisões do
STF, registre-se a opinião do douto Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Curso de Direito
Constitucional. 27a ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 42) de que a suspensão prevista no art. 52, X,
da CF não é posta ao critério do Senado, mas lhe é imposta como obrigatória: “Quer dizer, o
Senado, à vista da decisão do Supremo Tribunal Federal, tem de efetuar a suspensão da execução
do ato inconstitucional. Do contrário, o Senado teria o poder de convalidar ato inconstitucional,
mantendo-o eficaz, o que repugna ao nosso sistema jurídico”.
O Senado deve suspender a execução, no todo ou parte, da lei declarada inconstitucional – e
a lei pode ser federal, estadual, distrital e municipal –, conforme tenha sido a decisão do STF. Não
está autorizado a suspender a execução de parte da lei, se toda ela foi julgada inconstitucional,
nem pode suspender a execução de toda a lei, cuja inconstitucionalidade somente em parte foi
declarada. A atuação senatorial deve ser balizada pela extensão da decisão que foi proferida; não
pode ampliar, nem restringir.
Muitos autores defendem que a resolução do Senado, suspendendo a eficácia da lei (ou do
ato normativo) que tenha sido declarada inconstitucional, no controle difuso, pelo Supremo
Tribunal, tem efeito ex nunc, semelhante à da revogação, produzindo conseqüência, portanto,
após a publicação do ato senatorial, não prejudicando situações jurídicas constituídas
anteriormente, com base na lei (ou no ato normativo) julgado inconstitucional.
Mantenho o entendimento de que a suspensão da eficácia da norma impugnada tem eficácia
Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade
ex tunc. Nem haveria bom senso ou lógica para conferir efeito ex tunc, no controle concentrado,
e efeito ex nunc no controle difuso, só porque um modelo é diferente do outro, como se ambos
não integrassem a jurisdição constitucional, devendo ser considerado, ademais, que, no controle
incidental, a filtragem por que passou a lei ou ato normativo foi bem mais demorada, minuciosa,
saliente, envolvendo um número muito maior de operadores do Direito, percorrendo todas as
instâncias, na maioria dos casos.
A revogação da lei, todos sabem, tem efeito ex nunc, a cessação da vigência da norma ocorre
daí em diante, sem voltar-se para o passado, sem atingir situações legitimamente constituídas no
tempo em que vigeu a lei revogada. Se a suspensão da eficácia da lei, por aplicação do art. 52, X,
da CF tivesse efeito apenas paralisante, prospectivo, equivaleria à revogação, e nem teria
competência o Senado para, sozinho, promovê-la. O art. 2o da Lei de Introdução ao Código Civil
proclama o princípio de que, não tendo vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue. A cessação da obrigatoriedade da lei dá-se pela força revocatória (expressa
ou tácita) de outra lei. A revogação da lei, portanto, só pode ser feita pelos que receberam
constitucionalmente competência para elaborar a lei, aos que têm atribuição de legislar, o que, em
nosso país, exige a participação de ambas as Casas do Congresso Nacional e a sanção do
Presidente da República.
Se a declaração de inconstitucionalidade de uma lei, no controle difuso, tivesse o mesmo
efeito da revogação da lei inconstitucional, o sistema estaria dando menos proteção à
Constituição Federal do que às pessoas que realizam negócios jurídicos. Os interesses privados
ficariam mais amparados ou resguardados do que o próprio princípio da supremacia da Carta
Magna, porque, se o negócio jurídico é invalidado, diz o art. 182 do Código Civil, restituir-se-ão
as partes ao estado em quem antes dele se achavam. Como disse no livro Invalidade do Negócio
Jurídico (Belo Horizonte: Del Rey, 2002, no 68, p. 288), tanto a sentença de nulidade quanto a que
anula o negócio têm eficácia retrooperante (ex tunc), restaurando o estado anterior. Desfazem-se
as obrigações e os direitos fundados no negócio anulado; as partes restituem-se, mútua e
468 reciprocamente. Tudo se passa, afinal, como se o negócio invalidado jamais tivesse existido.
Depois de anulado, o negócio anulável assemelha-se ao nulo, quanto aos efeitos.
Tomara que os “adoradores do Direito Público”, os que ainda acham que as doutrinas do
Direito Privado não podem ser aplicadas (com as devidas ressalvas e temperamentos, é óbvio) ao
Direito Público (e vice-versa), não me venham acusar de estar tentando introduzir soluções
civilísticas em matéria constitucional. Além de rejeitar esse maniqueísmo, que tantos danos e
atrasos causa, alerto que a similitude das situações admite as mesmas conseqüências. A lei
inconstitucional é nula, nula de pleno direito, e, como efeito de toda nulidade, nula desde que
ingressou no mundo jurídico, nula ab origine, ex tunc; e não sou eu quem está afirmando, mas o
que dizem os mais renomados jurisconsultos brasileiros, e cito, por todos, o inexcedível Ruy
Barbosa (Os Actos Inconstitucionaes do Congresso e do Executivo. Rio de Janeiro: Companhia
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 469
Impressora, 1893, p. 47): “Toda medida legislativa, ou executiva, que desrespeitar preceitos
constitucionais, é, de sua essência, nula”.
Vale repisar que, seja qual for o tipo de controle jurisdicional, a declaração de
inconstitucionalidade não fere de morte a norma; proclama que ela é natimorta, que é nula, e o
que é nulo não o é a partir de agora, mas é nulo desde que ingressou no mundo jurídico, ab initio,
portanto, sobretudo quando a razão da invalidade capital é a violação à Carta Magna. O que se
convencionou chamar de suspensão da execução de lei declarada inconstitucional é a retirada, a
expulsão do ordenamento jurídico, pelo mais grave e alarmante dos vícios, não podendo esta
providência deixar de ter efeito retroativo, pelo menos, em regra, e admito, de lege ferenda, que se
estenda ao controle difuso a solução do art. 27 da Lei nº 9.868/99, ou seja, ao julgar
definitivamente o incidente de inconstitucionalidade, o STF poderá limitar os efeitos da decisão,
ponderando as conseqüências do acórdão, observando o princípio da proporcionalidade,
eliminando fatores de incerteza e insegurança. Para tal, invoco a prática norte-americana da
prospective overruling, utilizada no caso em que é introduzida uma modificação na jurisprudência, e
a Supreme Court tem limitado os efeitos da decisão de inconstitucionalidade no caso concreto,
afirmando que ela só tem efeito para o futuro. Aponte-se que o nosso Supremo Tribunal Federal,
em mais de um caso, já aplicou o art. 27 da Lei n°. 9.868/99 no controle difuso de
inconstitucionalidade (RE 197.917; Rcl. 2.391; ADIn 3.022).
A respeito da ordem constitucional portuguesa, Carlos Blanco de Moraes (Justiça Constitucional.
Coimbra: Coimbra Editora, 2005, t. II, p. 281) enuncia que as sentenças manipulativas são as que
têm como objetivo principal restringir temporalmente, na totalidade ou em parte, os seus efeitos
sancionatórios com caráter retroativo, de modo a preservar situações jurídicas constituídas no
decurso da vigência da norma inconstitucional: “A prática jurisprudencial revela que a segurança
jurídica tem constituído o pressuposto mais convocado pelo Tribunal Constitucional para
restringir os efeitos absolutos das suas declarações de inconstitucionalidade e para imunizar do
regime da nulidade situações jurídicas passadas merecedoras de consolidação”.
Nem precisava advertir que essa atuação construtiva do tribunal constitucional, ou, como diz
Canotilho, a “possibilidade de exercer poderes tendencialmente normativos”, restringindo,
modificando, limitando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, deve ser exercida com
extrema cautela, e no espaço europeu têm sido denunciados e criticados pela doutrina de ponta
Zeno Veloso
alguns exageros na manipulação dessas sentenças. Nosso Supremo Tribunal é um órgão
controlador de normas, funcionando, na concepção kelseniana, como legislador negativo; não é,
pois, um produtor de normas. Ao exercer a sua função de intérprete máximo e maior protetor
da Constituição, não pode deixar de obedecer a certos balizamentos. A politização da Justiça é
um mal terrível, e não pode haver pior ditadura do que a ditadura de juízes.
Enfim, não consigo entender a razão pela qual o mesmo vício, a incompatibilidade vertical de
normas, a afronta ao princípio da supremacia da Constituição, possa ter efeitos diversos 469
conforme o meio processual utilizado para atacar a lei ou ato normativo, como se a natureza da
inconstitucionalidade não fosse a mesma, sem olvidar que pode haver situações em que a norma
impugnada pela via do controle incidental pratica uma agressão muito mais violenta, deletéria e
alarmante à Carta Magna, do que o conflito hierárquico que se verifica em outra norma, atacada
no controle concentrado. Será razoável e prático o raciocínio de que o veneno da norma
inconstitucional seja tido como mais ou menos peçonhento e letal, mereça um ataque mais ou
menos profundo, expedito e eficiente, dependendo do tipo, da marca ou da origem do antídoto
utilizado para combatê-lo, e salvar o organismo da degeneração e do aviltamento?
Cabe acentuar, também, que o Senado, após expedir a resolução suspensiva, dando eficácia
erga omnes à decisão definitiva do STF, não pode deliberar em sentido contrário, cassando a
resolução ou alterando o seu conteúdo, como que ressuscitando a regra impugnada, o que
representaria, por sinal, atentado grave à segurança jurídica. Exaure-se a sua competência com a
edição da resolução, que, portanto, é imutável, irrevogável, e merece ser transcrita a lição de
Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 – com a Emenda no 1 de 1969. 2a ed., São
Paulo: RT, 1973, t. III, p. 89), ainda atual e pertinente: “Suspensa a lei, não mais pode o Supremo
Tribunal Federal, ou qualquer tribunal, ou juízo, aplicá-la: não é eficaz; portanto, não incide. Se
nova lei se faz e o Supremo Tribunal Federal não na tem como contrária à Constituição, é essa
lei – e não a outra, a que sofreu a suspensão – que se aplica. Não há suspensão de suspensão, se
bem que, ao primeiro exame, nos tivesse parecido admissível a volta atrás do Supremo Tribunal
Federal e do Senado Federal”.
Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade
Em meu livro Controle Jurisdicional de Constitucionalidade (cit., n. 59, p. 63), já defini que não há
razão para manter em nosso Direito Constitucional legislado a norma do art. 52, X, da
Constituição Federal, originária da Carta de 1934, quando só havia o controle incidental, e o
princípio da separação dos poderes se baseava em critérios ultrapassados, ancorados numa velha
e rígida concepção oitocentista.
Em Portugal, como no Brasil, convivem os sistemas de controle jurisdicional de
constitucionalidade abstrato e concreto. No controle abstrato, a declaração de
inconstitucionalidade, emitida pelo Tribunal Constitucional, tem força obrigatória geral e opera
retroativamente (ex tunc). No controle concreto, a declaração de inconstitucionalidade,
proferida pelo Tribunal Constitucional, tem eficácia inter partes. Verificou-se, porém, que havia
o risco de se multiplicarem ao infinito as decisões do Tribunal Constitucional, daí estar
previsto, no direito português, quando já tenha havido um certo número de decisões concretas
de inconstitucionalidade, que seja aberta a possibilidade de ser generalizado o efeito da
declaração de inconstitucionalidade, no controle difuso. O art. 281.3 da Constituição de
Portugal prevê: “O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória
geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele
julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”. A Lei do Tribunal Constitucional
regula este caso no art. 82. Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra
Editora, 2001, t. VI, no 76, p. 248) observa que ocorre, então, a passagem da fiscalização
concreta à fiscalização abstrata, tendo a Constituição lançado uma ponte, mediante a
possibilidade (em determinados termos) de declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral (como dizemos aqui: com eficácia erga omnes), quando tenha havido certo
número de decisões concretas nesse sentido, e o mestre chama a atenção para a circunstância
de que os três casos concretos tanto podem ter sido decididos em instância de recurso como
em incidente suscitado no próprio Tribunal, ao abrigo do art. 204 da Constituição, que diz:
“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o
470 disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
No Brasil, uma reforma é necessária, insisto, para que se estabeleça, de uma vez por todas,
que as decisões do Supremo Tribunal Federal, no controle de constitucionalidade, por qualquer
de suas vias, sejam finais e definitivas, tenham eficácia erga omnes e efeito vinculante, admitindo-
se a possibilidade de o Excelso Pretório promover a flexibilização ou modulação da eficácia geral
ou do efeito temporal das decisões de inconstitucionalidade, com moderação e ponderação, é
claro, levando em conta relevantes interesses sociais e as circunstâncias, até para evitar o mal
maior, uma situação jurídica insuportável, que imponha o caos, a insegurança.
Causa estranheza que um órgão eminentemente político, do Poder Legislativo, integre o
processo jurisdicional de controle de constitucionalidade das leis, e logo para expandir, conferir
efeito erga omnes a uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Por causa desta
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 471
Zeno Veloso
Saindo um pouco das considerações puramente teóricas, acadêmicas, e deitando os olhos na
realidade social, política e jurídica, o quadro que se apresenta, no que tange ao tema abordado, é,
no mínimo, desolador. Lamentavelmente, o próprio Senado não tem dado a importância que
devia merecer a competência a ele atribuída para suspender a execução de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal.
No livro Controle Jurisdicional de Constitucionalidade (cit. n. 61, p. 59) apresentei o levantamento
feito no banco de dados da Consultoria Legislativa do Senado Federal, em que foi verificado que, 471
até o dia 28 de outubro de 1997, estavam pendentes 69 processos remetidos pelo STF, para efeito
de suspensão de normas declaradas inconstitucionais, alguns da década de 70 do século passado,
outros da década de 80, e os restantes, mais recentes. O campeão de longevidade, aguardando
pronunciamento há mais de 25 anos (!), era o referente ao RE 60.302, que tinha por objeto a Lei
nº 8.478/64, de São Paulo, comunicado ao Senado em 26 de maio de 1970. Lenio Luiz Streck
atualizou este levantamento, a partir das bases de dados MATE e NJUR do Senado, verificando
que estavam em tramitação 51 processos aguardando o devido andamento, para suspender a
execução das leis (federais, estaduais e municipais). Tais questões, segundo o autor, suscitam
profundas reflexões: “De pronto, cabe observar que a não suspensão pelo Senado da lei
declarada inconstitucional acarreta seriíssimos problemas no sistema, na medida em que citadas
leis podem, e continuam a ser aplicadas, pelos demais tribunais, acarretando mais e mais Recursos
Extraordinários, que vão entulhando as prateleiras do Supremo Tribunal Federal” (Jurisdição
Constitucional e Hermenêutica, cit., p. 379). Verifiquei que em 18 de novembro de 2004 estavam
pendentes na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal 129 processos,
enviados pelo STF, para efeito de suspensão da execução de leis que o Excelso Pretório, por
decisão definitiva, declarou inconstitucionais. Fui em busca de informações mais recentes,
pesquisei via internet, e constatei que no dia 18 de setembro de 2007, na aludida Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, existiam 89 ofícios enviados pelo STF, com
vistas à suspensão da execução de leis declaradas inconstitucionais; os dois ofícios mais antigos
datam de 21.08.62 e 14.03.83 e os dois ofícios mais recentes datam de 03.09.07 e 06.09.07.
Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade
Ratifico e reitero meu parecer, emitido desde a 1a ed. do livro Controle Jurisdicional de
Constitucionalidade (cit., n. 59, p. 63), de que a participação do Senado neste processo complica,
retarda, burocratiza nosso controle difuso de constitucionalidade. Nada justifica, nada, que essa
formalidade seja mantida em nosso ordenamento, e esta não é só dispensável, mas a sua dispensa
é urgente, necessária, acarretará simplificações e enormes vantagens.
Sabemos que a fonte do art. 52, X, da Carta de 1988 se encontra na Constituição de 1934,
cujo art. 90 indicava as atribuições privativas do Senado Federal, e no inciso IV previa:
“suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer ato, deliberação ou regulamento,
quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”.
A Constituição de 1934 modificou substancialmente a natureza e competência do Senado
com relação à Carta de 1891, e ele deixou de ser um órgão do Poder Legislativo, exercendo,
principalmente, a função de coordenação dos poderes federais. No art. 22, a Constituição de
1934 afirmava que o Poder Legislativo é exercido pela Câmara dos Deputados, com a
colaboração do Senado Federal. No art. 88, dizia que ao Senado Federal incumbe promover a
coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela
Constituição, colaborar na feitura das leis e praticar atos de sua competência.
Recorde-se que não tínhamos, naquela época, em nossa jurisdição constitucional o controle
concentrado, in abstracto, via ação direta, o que somente foi introduzido em 1965. O controle de
constitucionalidade, então existente, era o difuso, as decisões nele tomadas não tinham efeito erga
omnes, e aqui um ponto fundamental da diferença entre o nosso sistema e o da common law, em
que existe o respeito ao precedente, o stare decisis.
Foi a Constituição de 1934 que procurou resolver esta questão, esta deficiência do controle
incidental – já denunciada por Hans Kelsen –, com vistas a dar expansão à declaração de
inconstitucionalidade. E nada mais lógico e curial, no sistema de 1934, do que dar a competência
privativa para suspender a execução de normas declaradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário,
ao Senado Federal, um órgão que não fazia parte de nenhum dos três Poderes, mas ao qual foi
472 conferida a função de coordenação entre eles, algo como um Poder Moderador da Constituição
Imperial.
Para não falar na Constituição de 1937, a respeito da qual não se deve perder tempo, até
porque a “polaca” foi uma Carta apenas nominal, jamais vigorou, efetivamente, e a própria
ditadura tratou de mantê-la no limbo, as Constituições que se seguiram não observaram o
modelo da de 1934, no que pertine ao Senado, voltando este a ser composto de representantes
dos Estados (e do Distrito Federal), integrante do Poder Legislativo (v. arts. 44 e 46 da
Constituição de 1988).
Em suma, o Senado de 1891, de 1946, de 1967, de 1969 e de 1988 não é o Senado da
Constituição de 1934. Entretanto, Constituições posteriores a 1934 – exceto a de 1937 –
continuaram a conferir ao Senado (que, segundo elas mesmas, é um órgão do Poder Legislativo)
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 473
Zeno Veloso
inconstitucionalidade foi reconhecida já não pode mais ser aplicada, como ocorreria se se tratasse
de declaração de inconstitucionalidade em ação direta, conforme o previsto no art. 102, § 2º, da
C.F. e no art. 28 da Lei nº 9.868/99. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo
Gustavo Gonet Branco, em livro recentemente publicado - Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva/IDP, 2007, p.1037 -, que apresenta uma lição sugestivamente chamada “A
suspensão de execução da lei pelo Senado e mutação constitucional”, ressaltam que a adoção da
súmula vinculante reforça a idéia de superação do art. 52, X, da CF, na medida em que permite 473
aferir a inconstitucionalidade de determinada orientação pelo próprio Tribunal sem qualquer
interferência do Senado Federal. Os autores ponderam: “Não resta dúvida de que a adoção de
súmula vinculante em situação que envolva a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo enfraquecerá ainda mais o já debilitado instituto da suspensão de execução pelo
Senado. É que essa súmula conferirá interpretação vinculante à decisão que declara a
inconstitucionalidade sem que a lei declarada inconstitucional tenha sido eliminada formalmente
do ordenamento jurídico (falta de eficácia geral da decisão declaratória de inconstitucionalidade).
Tem-se efeito vinculante da súmula, que obrigará a Administração a não mais aplicar a lei objeto
da declaração de inconstitucionalidade (nem a orientação que dela se dessume), sem eficácia erga
omnes da declaração de inconstitucionalidade”.
muito das que eu havia defendido. Felizmente, no debate jurídico, ninguém é dono da verdade e
as idéias são expostas para que a luz se acenda e trilhemos o melhor caminho.
Por último, mas principalmente, não posso deixar de registrar que num livro que se escreve
para enaltecer um dos maiores constitucionalistas de Portugal e do mundo, os verdadeiros
homenageados são os autores que tiveram o privilégio de se reunir para prestar reverência ao
grande Jorge Miranda.
474
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 475
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 476
DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 477
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 478
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 479
Sumário: Introdução I - Aspectos constitucionais do princípio do acesso à justiça: 1. Acesso à justiça, direito fundamental
e Estado de Direito 2 O acesso à justiça na Constituição de 05 de outubro de 1988 3. O conteúdo e o alcance do direito
fundamental ao acesso à Justiça II - A projeção do princípio do acesso à justiça no exercício do controle de constitucionalidade
no Brasil: 1. Considerações gerais 2. O acesso à justiça no controle difuso de constitucionalidade 3. O acesso à justiça no
controle concentrado de constitucionalidade: 3.1 - O controle concentrado e o processo constitucional autônomo pelo qual atua
3.2 - O surgimento do controle concentrado e a legitimação para seu exercício 3.3 - O direito de propositura do controle
concentrado no Brasil 3.4 - A disciplina do acesso à justiça no controle concentrado na Constituição de 1988 3.5 - O acesso
à justiça na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade 3.6 - O acesso à justiça na ação
direta de inconstitucionalidade por omissão 3.7 - O acesso à justiça e a argüição de descumprimento de preceito fundamental
3.8 - O acesso à justiça na ação interventiva federal Conclusões. Bibliografia.
Resumo: Este texto examina, em breves linhas, a relevância do princípio do acesso à jurisdição
constitucional como caminho para a democratização dessa jurisdição. De início cuida do
princípio e do direito fundamental do acesso à justiça, e, a seguir, de sua projeção no controle
jurisdicional de constitucionalidade no Brasil. O tema é examinado nas duas modalidades de
controle de constitucionalidade adotadas: o controle difuso e concreto e o controle abstrato e
concentrado.
Introdução
A esse propósito cabe, a seguir, transcrever lúcidas observações de Roger Stiefelmann Leal4:
“A expansão institucional da jurisdição constitucional e a sua conseqüente politização são
realidades incontestáveis dos sistemas políticos atuais. A autoridade de suas decisões
perante os demais poderes e a sociedade atrai, por essa razão, a pretensão de organizações
não governamentais, partidos políticos, sindicatos e especialistas no sentido de tomarem
parte nos processos que correm perante os órgãos de jurisdição constitucional. O direito
O acesso à Jurisdição Constitucional como caminho para a sua democratização
processual adotado vem, assim, admitindo cada vez mais a participação de atores sociais
e políticos dos mais diversos matizes nas questões suscitadas em sede de controle de
constitucionalidade. Aos poucos, constrói-se um ambiente de legitimação política de algum modo
semelhante ao processo legislativo. Politizam-se as práticas e os procedimentos. A abertura do processo
constitucional atual é, segundo Häberle, exatamente onde o Parlamento falhou (grifos. do
autor e nossos).”
Este texto se propõe a examinar alguns aspectos do acesso à jurisdição constitucional, com
ênfase para o controle concentrado (porquanto é neste que a “ausência” de democratização se
faz sentir e é mais preocupante no sistema constitucional brasileiro).
Assim, examinar-se-á, sucintamente, o princípio e o direito fundamental do acesso à justiça
e sua projeção no controle jurisdicional de constitucionalidade, em suas duas modalidades: no
controle difuso e concreto e no controle abstrato e concentrado, para, a seguir, enfatizar a
temática do acesso à jurisdição constitucional no controle concentrado perante o Supremo
Tribunal Federal.
8
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988 (Volume I – arts. 1º a 43). São Paulo: Saraiva, 1990, p.
55.
9
Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988 1990, p. 55; também PINTO FERREIRA, Luís.
Comentários à Constituição Brasileira (1º volume, arts. 1º a 21), São Paulo: Saraiva, 1989, p. 140-142.
10
COSTA MACHADO, Antonio Cláudio da. Código de Processo Civil interpretado e anotado. Normas processuais civis da Constituição
interpretadas e anotadas. Barueri, São Paulo: Manole, 2006, p. 11
11
CARREIRA ALVIM, J. E., Justiça: acesso e descesso, , p. 1
12
Idem ibidem
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 483
Cabe a seguir, a partir das considerações acima, examinar a projeção do princípio do acesso
à justiça no controle de constitucionalidade no Brasil, ou mais especificamente no processo
constitucional, via instrumental pela qual se realiza o controle de constitucionalidade.
1. Considerações Gerais
17
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de e FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Os princípios fundamentais do processo constitucional.
Comunicação apresentada no XV ENCONTRO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, citada.
18
A referência ao direito fundamental, aquele que é positivado no texto constitucional, se faz tendo em vista que estamos a tratar da democratização
do processo constitucional ou da jurisdição constitucional que alcança, por óbvio, o modelo difuso de controle de constitucionalidade na sua versão
de proteção jurisdicional das liberdades, acima indicada.
19
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Os princípios do processo constitucional, conferência proferida na Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa em fevereiro de 2006.
20
ALMEIDA e FERRAZ, Princípios fundamentais do processo constitucional, 2006, citado.
21
Cf. art. 5º, incisos LXVIII a LXXIII: Mandado de segurança, mandado de segurança coletivo, habeas corpus, habeas data, mandado de injunção, ação
popular. Ver, dentre outros: CASTRO, Carlos Siqueira. A Constituição aberta e os Direitos Fundamentais – ensaio sobre a Constituição pós-
moderna e comunitária. Rio de Janeiro: Forense; STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Uma nova crítica ao direi-
to. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
22
Ver. ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes e FERRAZ, Anna Candida da Cunha, Os princípios fundamentais do processo, 2006, citado.
inconstitucionalidade de ato do poder público. Isto significa dizer que, no caso do controle
difuso, três são os requisitos para o exercício do direito de ação: a titularidade do direito, a ofensa
ou ameaça de ofensa desse direito pelo vício da inconstitucionalidade e ato do Poder Público (ou
assemelhado), violador do direito. Disso tudo resulta claro que não cabe o exercício do controle
de constitucionalidade, pelo método difuso, contra particulares, salvo se particulares no exercício
de função pública conforme tem admitido a legislação e a jurisprudência.
Desta forma, qualquer lei e ato, normativo ou não, federal, estadual ou municipal lesivo a
direito individual ou coletivo pode ser objeto do controle difuso.
Em suma, ao controle difuso se aplica o princípio do acesso à justiça, com as peculiaridades
apontadas. Ante isto se pode afirmar que a defesa da Constituição contra atos inconstitucionais
praticados pelo Poder Público, lesivos a direitos, pode ser provocada por qualquer pessoa, titular de
direitos, ou que tenha outorgada, pela Constituição, competência para tal defesa em nome de outrem.
Deve-se ressaltar que, em tese24, pela natureza do controle difuso, as ações que veiculam a
proteção de direitos fundamentais e que têm como argumento de defesa ou exceção a questão
da inconstitucionalidade do ato violador de direito têm, constitucionalmente, condições de
chegar ao Supremo Tribunal Federal, guardião por excelência da Constituição (art. 102, caput),
pela via do recurso extraordinário previsto no mesmo artigo 102, Inciso III, verbis:
Art. 102. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...]
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local em face desta Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.25
Por conseguinte, por força de expresso dispositivo constitucional, uma ação que veicule o
controle difuso de constitucionalidade, que visa à proteção de um direito lesado com fundamento
nas alíneas acima, tem, em princípio, porque satisfeito o requisito que o texto constitucional
estabelece – violação de norma da Constituição Federal - “direito” de ser julgada pelo Supremo
Tribunal Federal pela via do recurso extraordinário.
486 Tem-se, pois, que o controle difuso, constitui método que qualifica, inegavelmente, a
“democratização” da jurisdição constitucional exercida pela mais alta Corte do País, porquanto
leva para a mais alta Corte, guardiã da Constituição, ação movida por quisque de populo, desde que
tenha, para defender, direito próprio assegurado na Constituição Federal.
23
Ver FERRAZ, Anna Candida da Cunha. “Anotações sobre o controle de constitucionalidade e a proteção dos direitos individuais” In Revista
Mestrado em Direito/UNIFIEO, Osasco: EDIFIEO, Ano 4. n. 4, 2002
24
A afirmação passa a ser minimizada diante da alteração introduzida ao Recurso Extraordinário pela EC 45/2004. No §3º introduzido ao inciso III
do art.102, criou-se o chamado “instituto da repercussão geral das questões constitucionais”, a ser demonstrada pelo recorrente, o que pode reduzir,
drasticamente, a avaliação de direito individual subjetivo e o número de RE no exame e conhecimento pelo STF, como se verá adiante.
25
Alínea acrescentada pela EC 45/2004.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 487
Cabe, todavia, acentuar que a EC 45/2004 trouxe relevante inovação com relação ao assunto,
inovação que sob, o ângulo objeto da análise, parece tendente a reduzir significativamente tal assertiva.
É que a EC 45/2004, modificando a Constituição de 1988, introduziu na competência do
Supremo Tribunal Federal o instituto da “repercussão geral das questões constitucionais” (§3º ao
art. 102). Tal instituto certamente irá influir no amplo espectro do controle difuso e de sua subida
ao Supremo Tribunal Federal e, por via de conseqüência, na “democratização” da jurisdição
constitucional.
Transcreva-se, para maior compreensão, o texto do citado instituto da “repercussão geral das
questões constitucionais”:
Art. 102 [...]
§3º No recurso extraordinário o recorrente terá de demonstrar a repercussão geral das
questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal
examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois
terços de seus membros.
O Artigo 102, §3º acima foi regulamentado pela Lei nº. 11.418, de 19/12/2996. O Supremo
Tribunal Federal, no uso de suas competências, pela Emenda Regimental n. 21, de março de
2007, disciplinou o chamado “filtro recursal” do recurso extraordinário, a ser aplicado em “casos
sem relevância social, econômica, política ou jurídica”.
Ficam claras, diante das normas legais e regimentais, a conceituação e a extensão da
“repercussão geral” na órbita jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal26. Transcrevam-se
algumas normas da Emenda Regimental n. 21:
Art. 13 [...]
[...]
Não cabe, dentro dos limites circunscritos a que se destina este texto, entrar no exame
alargado da “constitucionalidade” da limitação, por Emenda Constitucional, do cabimento do
recurso extraordinário, que, ao que parece, afeta diretamente o princípio do universal acesso à
justiça constitucional abrigado pela cláusula pétrea do artigo 60, inciso IV, CF, e do evidente
conflito que se estabelece entre a letra do artigo 102, inciso III, em sua redação originária, e o §3º
do mesmo artigo, introduzido pela EC 45/2004 à Constituição de 1988.
O acesso à Jurisdição Constitucional como caminho para a sua democratização
Para o que interessa ao presente estudo, todavia, parece indiscutível que a chamada
“repercussão geral das questões constitucionais”, se aplicada na extensão com que foi
regulamentada, afetará, diretamente, a possibilidade de qualquer pessoa - quisque de populo - ver o caso
em que discute lesão a direito seu - próprio, individual e subjetivo -, lesão provocada por ato inconstitucional
perante a Constituição Federal, ser examinado pelo Supremo Tribunal Federal. Por evidente, a
legitimação universal, princípio do controle difuso, sai fortemente atingida pela aplicação deste
instituto, já que o interessado deverá comprovar não apenas que seu direito foi violado, mas que tal
violação também atinge, de modo significativo, o povo em geral, nas vertentes estabelecidas pela
regulamentação acima transcrita.
Assim, independentemente de outras considerações, cumpre ao Supremo Tribunal
Federal ser extremamente rigoroso ao afastar o exame de recurso extraordinário fundamentado
neste princípio de repercussão geral das questões constitucionais27. Cabe-lhe evitar, que por
questão de redução de processos, ou de ordem econômica e política, verifique-se um retroceder
ou um andar na contramão da história do processo constitucional, hoje amplamente tendente a
sua maior democratização. A prevalência de questões de ordem econômica, política e social sobre
o direito fundamental da pessoa coloca-se em colisão com o princípio da dignidade da pessoa
humana. Se o princípio da dignidade da pessoa humana informa, necessariamente, a
interpretação dos direitos fundamentais positivados na Constituição de 1988, até que ponto é
possível anular ou ao menos minimizar o alcance deste princípio e, por conseqüência, atingir um
direito constitucional com fundamento em questões dessa ordem?
A súmula vinculante, também veiculada pela EC 45/2004 (art. 103-A) à primeira vista poderia
ter alguma ingerência no princípio universal do acesso à jurisdição constitucional. Todavia, a
súmula vinculante incide sobre casos idênticos a outros, casos que já seguiram toda uma
tramitação perante o Poder Judiciário e obtiveram, sempre, a mesma decisão na mais alta Corte
do País. Por tal razão parece razoável afastar-se a afirmativa de que a súmula vinculante possa
sinalizar para uma redução da “democratização” do acesso à jurisdição constitucional, no
controle difuso.
488 3.1 O controle concentrado e o processo constitucional autônomo pelo qual atua
O controle concentrado tem por objeto precípuo a defesa da supremacia da Constituição, não
se destinando, em princípio e diretamente, à proteção de direitos fundamentais.
Assim na hipótese do controle concentrado, a questão da constitucionalidade levada à
apreciação do Judiciário é o objeto central da ação, desvinculada do deslinde de qualquer conflito
de interesses concretos, não tendo outro propósito que o de preservar a supremacia e a higidez
da Constituição.
27
A despeito de o instituto existir em outros sistemas constitucionais, não se conforma ele, inteiramente, com a disciplina constitucional do recurso
extraordinário posta pela Constituição de 1988. Daí, a cautela na sua aplicação, exigível na atuação do guardião dos direitos fundamentais no País,
vale dizer, do Supremo Tribunal Federal.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 489
28
FERREIRA FILHO, idem, ibidem.
29
Ver FERRAZ, Anna Candida da Cunha “Anotações sobre o controle de constitucionalidade no Brasil e a proteção dos direitos fundamentais”.
Revista Mestrado em Direito/UNIFIEO. Osasco: EDIFIEO, 2004, p. 21-46
30
FAVOREU, Louis et JOLOWICZ, John Anthony. Le controle jurisdictionnel des lois (Légitimité, effectivité et développements récents)
Paris: Economica- - Presses Universitaires D´Aix Marseille, 1986, p. 42
31
Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva. 1996, p. 87
Aliás, o autor32, invocando doutrinador alemão, entende justificar-se a legitimação restrita, que
dispensa a demonstração de interesse próprio e especifico, já que: “o processo de controle abstrato
de normas destina-se, fundamentalmente, à defesa da ordem jurídica contra leis inconstitucionais e,
portanto, à segurança jurídica, sendo instaurado no interesse de toda a coletividade”, sendo que o
proponente da ação atua, nesse processo, como autêntico “advogado da Constituição”.
Tal prática se espalhou pelos sistemas ocidentais europeus de controle de constitucionalidade.
O acesso à Jurisdição Constitucional como caminho para a sua democratização
.
35
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade (Aspectos jurídicos e políticos), 1990, 249
36
Muitos nada viram de desconforme nesta legislação exclusiva, sob o ponto de vista jurídico. Ver, dentre outros, MENDES, idem supra, p. 248-249
37
In PALU, Oswaldo Luis. Controle de constitucionalidade (conceitos, sistemas e efeitos). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 170
38
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes e FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Princípios Fundamentais do Processo Constitucional, citado.
39
Idem ibidem
492 No ordenamento constitucional brasileiro em vigor cinco são as ações que atualmente
integram o sistema de controle concentrado: a ação direta de inconstitucionalidade; ação direta
de inconstitucionalidade por omissão; a ação declaratória de constitucionalidade; a argüição de
descumprimento de preceito fundamental e a ação interventiva.
Cabe mencionar que, originariamente, a Constituição de 1988 contemplava, para cada
modalidade de ação referida, um rol próprio de legitimados. Assim, para exemplo, o rol dos
legitimados para a ação declaratória, introduzida pela Emenda Constitucional nº 3/93, era mais
40
Isto mesmo previa Kelsen, ao definir que o titulado para o exercício dessa função seria um custus constitutionis e que, nas democracias, o controle de
constitucionalidade seria meio eficaz de proteção das minorias contra as maiorias (in MENDES, Controle de Constitucionalidade, p. 248) ao regis-
trar: “Per ciò che concerne i ricorsi contro le leggi, sarebbe di estrema importanza il diritto de proporli anche ad una minoranza qualificata del
parlamento, tanto più che la giustizia constituzionale (...) deve necessariamente servire nelle democrazie parlamentari, alla protezione delle minoranze”
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 493
41
Ver §4º do artigo 103, na redação dada pela EC 3/93, que atribuía competência para a propositura da ação declaratória ao Presidente da República,
à Mesa do Senado, à Mesa da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República. Já o artigo 103 da CF fixava um rol de 9 legitimados para
a ação direta de inconstitucionalidade, alcançando dentre estes os Partidos Políticos, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados e confederação
sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
42
LEONCY, Léo Ferreira, Controle de Constitucionalidade da Constituição Estadual, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56 e CANOTILHO, José
Joaquim Gomes, Direito Constitucional, ob. cit., p. 194
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 495
43
ADIn 79-DF, RTJ 147/3, apud PALU, citado, p. 173
44
Ver ADIn 77. 138 e 159 e ADIn 913-3-DF, citadas por PALU, ob. cit., p. 174/175, nota de rodapé n. 55.
45
Ver ADIn 902-SP, citada por PALU, ob. cit. p. 175
46
Cf. posição do Ministro Sepúlveda Pertence, apud PALU, ob. cit., p. 175
47
Controle de Constitucionalidade (conceito, sistemas e efeitos). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 176-178. Cita o autor várias decisões do
STF relativas à configuração do entendimento do que seja entidade de classe e confederação sindical.
legitimação constitucional restrita e concorrente, atribuída a nove agentes titulados por força de
dispositivo constitucional ou legal.
Não obstante restrita, tal legitimação não é de todo avessa à democratização do exercício
do controle concentrado no Brasil, graças à sua atribuição a entidades significativas na
proteção de direitos do povo em geral e de direitos fundamentais positivados na Lei Maior 48
às quais o acesso popular, de modo geral, é facilitado. Mas, com certeza pode, sob este ângulo,
O acesso à Jurisdição Constitucional como caminho para a sua democratização
A ação interventiva, no plano federal, vem disciplinada nos artigos 34, 35 e 36 da Constituição 497
Federal, sendo que a legitimação para propô-la é deferida exclusivamente ao Procurador-Geral
da República52 conforme dispõe o inciso II do artigo 36. Justifica-se tal legitimação restrita em
consideração à finalidade da ação, embora, também nesta modalidade se pudesse estender a
legitimação a outros entes públicos competentes.
50
“Argüição de descumprimento de preceito fundamental: aspectos essenciais do instituto na Constituição e na Lei”, in Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei nº. 9.882/99. TAVARES André Ramos. e ROTHENBURG, Walter
Claudius (coordenadores). São Paulo: Atlas, 2001, p. 61 e p. 66 e seguintes.
51
Cf. FERRAZ, Anna Candida da Cunha. “Anotações sobre o controle de constitucionalidade e a proteção dos direitos individuais” In Revista
Mestrado em Direito/UNIFIEO, Osasco: EDIFIEO,n. 4, 2002, p.21-46.
52
Ver observações de MENDES, Gilmar Ferreira, In Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, cit. p. 217 e seguintes.
Entende o autor que, no caso, o Procurador-Geral da República não defende a ordem constitucional em abstrato, mas propugna pela defesa da União
e de princípios federativos (p. 224)., o que justificaria tal restrição.
4. CONCLUSÕES
O princípio constitucional do acesso à justiça visto em seu caráter amplo e universal se aplica
ao sistema de controle de constitucionalidade pelo método difuso, que é veiculado pelo direito
de ação em geral e pelas ações constitucionais especiais. Isto significa dizer que a supremacia
constitucional, nessa modalidade de controle, pode ser objeto de defesa por qualquer pessoa
O acesso à Jurisdição Constitucional como caminho para a sua democratização
lesada em seus direitos por ato inconstitucional do poder público, não obstante ter tal defesa
caráter incidental, sendo invocada como argumento de defesa ou de exceção ao cumprimento de
um ato que viola a Constituição.
No controle concentrado, o princípio do acesso à justiça não é aplicado em sua concepção
tradicional. A legitimidade ativa para o exercício do controle concentrado e abstrato contra leis e
atos normativos em tese e contrários à Constituição Federal é restrita a um numerus clausus de
agentes, expressamente designados pela Constituição, que podem atuar no controle de modo
concorrente. Cabe observar que, por interpretação jurisdicional, dentro do rol de agentes, há os
que têm legitimação ampla e irrestrita para propor a declaração de inconstitucionalidade de
qualquer lei ou ato normativo federal ou estadual; de outro lado há os que a têm vinculada a
interesses específicos, em razão da exigência da pertinência temática adotada, como critério
limitativo para certos agentes, pelo Supremo Tribunal Federal.
Diante do exposto, embora o rol dos legitimados pela Constituição Federal seja amplo,
parece necessário nele acrescentar outros agentes, particularmente novas minorias
representativas da sociedade, com vistas à maior democratização, à maior legitimidade e à maior
representatividade da jurisdição constitucional. De outro lado, impõe-se restringir algumas das
limitações postas por via interpretativa, pelo Supremo Tribunal Federal, para alargá-las, sempre
com rigor e critério, para que se atinja a eficiência e a democratização da justiça constitucional,
objetivos maiores da jurisdição constitucional.
5. Bibliografia
500
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 501
Nas sociedades primitivas, a vingança privada é a regra pela qual se vingam as ofensas
sofridas. Vingança que pode ser exercida sem regras estabelecidas, sem o desenrolar de um
processo justo em que o acusado se pudesse defender da acusação e em que um tribunal
imparcial decidisse os litígios.
Na Europa ocidental, deveu-se sobretudo ao direito comum medieval o início de um longo
caminho para proibir estes costumes e impor a racionalização do exercício do poder punitivo.
Baseados nos direitos romano e canónico, os juristas e os legisladores medievais inventaram os
tribunais, os juízes e o processo.
A formação histórica do Estado pretendeu responder aos problemas da violência, do medo
e do abuso do poder na sociedade. A proibição da vingança privada foi acompanhada do
monopólio estadual do exercício da violência. Para este efeito, foi necessária a criação de um
aparelho judicial e policial que respondesse às necessidades sociais de prevenção da criminalidade,
julgamento e punição dos delinquentes e ao incumprimento dos contratos e das promessas.
Noutros continentes este processo é mais tardio. Em África, a reacção das autoridades
tradicionais, especialmente das tribais, ainda hoje constitui um forte obstáculo à racionalização do
As pretensões para continuar a furtar este tipo de situações ao conhecimento dos tribunais e,
portanto, a uma verdadeira garantia judiciária, existentes no interior do Estado e da vida política
contrasta com o que podemos designar por direito ao juiz.
Existem garantias jurídicas para a violação das regras legais, assentes na tutela jurisdicional dos
direitos e no facto de as decisões dos tribunais serem obrigatórias para todas as entidades,
públicas e privadas.
Nenhuma destas regras faria sentido se não fosse complementada pelo princípio geral dos
Estados de Direito de proibição do recurso à força com o fim de realizar ou assegurar os seus
direitos, a não ser nos casos excepcionais previstos e dentro dos limites declarados na lei.
Existe um monopólio estadual da justiça que não podemos separar da regra do mundo
civilizado de proibição da justiça privada. Embora seja uma exigência substantiva do Estado de
Direito, é apenas na legislação processual que este princípio se encontra vertido. Veja-se o que
dispõe o Código de Processo Civil, no seu artigo 1.º (Proibição de autodefesa): «A ninguém é
lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e
dentro dos limites declarados na lei.»
Apenas em casos excepcionais, portanto, é lícita a auto-tutela dos direitos. Esses casos
excepcionais em que a ordem jurídica dispensa o recurso prévio aos tribunais para a efectivação
dos direitos são a legítima defesa, a acção directa e o estado de necessidade.
Estas normas, que são por todos conhecidas, são o reflexo de uma concepção antropológica
que vale a pena rever. Não se trata aqui de evocar a instituição imaginária da sociedade (CASTORIADIS)
ou um Estado imaginário (PIETRO COSTA), mas de reconstituir brevemente a relação entre o Estado
e a sociedade.
A família continua a ser reconhecida pelo Direito como a primeira célula da vida social. Esta
visão está reflectida nos grandes textos internacionais dos direitos do homem. A Declaração
Universal dos Direitos do Homem consagra a família como elemento natural e fundamental da
502 sociedade, com direito à protecção por parte da sociedade e do Estado (art. 16.º/3). A autonomia
da família perante o Estado decorre da própria natureza das coisas. Recorde-se que o Código
Civil só admite o recurso ao tribunal das decisões proferidas pelos pais ou pelos esposos em
questões de «particular importância» ou ainda ilícitas ou imorais (cf. artigos 128.º e 1901.º do
Código Civil). Em regra, portanto, cabe a cada família auto-determinar-se e escolher de modo
soberano o seu projecto de vida.
Estamos perante as situações que JEAN CARBONNIER designa de sono do direito, para que a vida
afectiva, como a vida espiritual e a vida interna em família, possam ser livres e autónomas. Para
este professor de Direito francês, por não direito designa-se a existência de espaços não regidos
pelo direito, os quais constituem redutos de liberdade dos grupos sociais não estatizados. O
pluralismo jurídico assenta, de modo paradoxal, na limitação estrutural do direito pelo não direito.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 503
Também as empresas estabelecem as suas próprias ordens, tal como as escolas, o exército e
outras instituições, como os tribunais.
Presente em vários dos textos jurídicos ainda em vigor, a doutrina corporativa do Estado
Novo foi clara no sentido de sustentar que a autonomia das instituições sociais é necessária para
a defesa da própria sociedade, evitando o risco da sua dissolução sob o peso da conflitualidade
social. A disciplina imposta pelos pais, pelos professores e pelos empresários, o dirigismo do
Estado na economia e o centralismo da administração reforçavam o laço social e foram pensados
intencionalmente para evitar os litígios e manter a autonomia das sociedades perante o Estado.
No mesmo sentido foi a legislação processual dos Estados autoritários, assente na disciplina
do juiz sobre os funcionários e nos seus poderes na condução do processo e na aquisição de
prova e ainda em institutos como a arbitragem necessária.
económica, já não garante que a justiça seja gratuita. A gratuitidade da justiça já foi sustentada
em diversos momentos históricos desde a revolução francesa. Em Portugal, foi especialmente
discutido com a república e a primeira legislação do Estado Novo. A legislação actual em
matéria de custas caracteriza-se por um excessivo empirismo, ignorando as questões teóricas
e doutrinárias sobre a natureza do Estado. Como ensina a sociologia do direito, a
expropriação do direito de acesso à justiça, quando as custas são excessivas, é um outro modo
de levar a disputa dos direitos, dos tribunais para instâncias informais. Nestas situações,
triunfam a rua, a violência e o direito do mais forte.
De outro lado, fala-se hoje em desinstituição para caracterizar a sociedade dos nossos dias,
crescentemente marcada pela crise das instituições sociais, como a família. De um lado, a
família vive marcada pela privatização do laço conjugal e mesmo do laço de filiação. Os
Considerações acerca da Função Jurisdicional e do Sistema Judicial
críticos do paradigma criado pela Convenção sobre os Direitos das Crianças denunciam que
ele nos vai levar ao direito das crianças adoptarem a sua própria família. O esquecimento
do mundo comum (HANNAH ARENDT), assente na memória e nos símbolos, está a
conduzir-nos para o que o sociólogo inglês ANTHONY GIDDENS designa por individualismo
estrutural.
No plano económico, o regresso da competição pelo mercado acarreta a precariedade do
laço laboral e salarial, com a flexibilidade das prestações e precariedade do emprego. O
mercado chega a ser visto como o regresso ao estado de natureza (ALAIN MINC) onde vigora
a lei do mais forte.
Estas transformações sociais têm consequências na organização e no funcionamento do
Estado. Também aqui nos deparamos com alguns paradoxos: o crescimento das tarefas do
Estado vai de par com a sua incapacidade de satisfação das pretensões dos indivíduos e dos
grupos. NORBERTO BOBBIO tem denunciado que o incumprimento das promessas dos políticos
constitui um problema estrutural das democracias contemporâneas.
De outro lado, a cada aumento das funções do Estado segue-se um aumento da intervenção
dos tribunais. E cada aumento desta intervenção gera novos problemas de legitimidade judiciária,
precisamente porque contende com a autonomia das instituições sociais, designadamente, da
família, da escola e das forças armadas. O conflito de legitimidades torna-se inevitável e só de
modo ingénuo se podem interpretar estas questões como reacções corporativas. Efectivamente,
o problema é bem mais complexo. Para a doutrina corporativa, designadamente para aquela que
está na base do Estado Novo, estes litígios devem ser resolvidos antes do tribunal, porque o
tribunal representa o poder intrusivo do Estado na esfera social.
A autonomia da família, da escola e da empresa, se são postas em causa pelo avanço sempre
crescente do Estado, colocam-nos perante o problema político da litigiosidade na sociedade.
HABERMAS formulou o seguinte teorema: a cada aumento das funções do Estado acresce um
504 novo problema de legitimidade. Este é também um problema dos modernos sistemas judiciais
nas sociedades avançadas.
A cada aumento da função do Estado, acresce a necessidade de uma nova tutela jurisdicional.
E cada aumento da tutela jurisdicional implica novas pressões sobre um sistema já
sobrecarregado de tarefas e de exigências.
Não surpreende, por isso, a denúncia do crescente paternalismo dos tribunais e dos seus
juízes – por exemplo na justiça de menores –, chamados a desempenhar em nome do Estado
tarefas e papéis sociais que não lhes pertenciam e, deve dizer-se, são contraditórias com o
formalismo da regra de direito.
A chamada justiça informal e a desformalização do processo, não seria necessário dizê-lo, vão
neste mesmo sentido de reforço do paternalismo dos tribunais e da actividade jurisdicional.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 505
O juiz legal
Reserva de juiz
Da Constituição decorre, não apenas a existência de tribunais, mas também a exigência de que
certos tipos de questões apenas em Tribunal possam ser dirimidas (reserva de juiz ou reserva de
função jurisdicional). São aquelas questões que correspondam a administrar justiça em nome do
povo.
As constituições não definem com rigor um elenco dessas situações. No entanto, a partir das
normas da Lei Constitucional, do direito internacional e da teorização doutrinária, podemos
apontar algumas das situações reservadas à decisão judicial.
506 O conteúdo da reserva de jurisdição tem vários níveis de profundidade. O primeiro é
constituído por aquelas matérias expressa e solenemente reservadas pelo próprio texto
constitucional a uma decisão judicial, como é o caso da prisão preventiva e do habeas corpus contra
as detenções ilegais.
O segundo nível é constituído por aquelas matérias que se devam também considerar próprias
da função judicial, de tal modo que sobre elas só pode recair uma decisão judicial. Sobre estas
questões não pode haver delegação de competências (por exemplo, em funcionários judiciais),
nem decisão de órgãos da administração.
Não se trata unicamente de garantir que estas questões sejam decididas por um juiz (reserva
de juiz), mas que o sejam igualmente de acordo com um procedimento jurisdicionalizado (reserva
de jurisdição). Efectivamente, tem-se verificado que o legislador atribui competências avulsas aos
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 507
juízes, por exemplo no domínio da autorização para a intercepção de comunicações, mas esta
competência não se insere num processo estruturalmente jurisdicional.
actuações que no plano dos factos não impliquem a desconfiança das partes na imparcialidade
do juiz e na objectividade da jurisdição.
Para dar exemplos que também são relevantes para o direito português, a presença do
procurador geral nas deliberações do Tribunal Superior belga foi considerada uma violação do
princípio da imparcialidade, como também se considerou violar a equidade do processo que o
ministério público possa depositar o seu parecer sem prévia notificação às partes (acórdão
Brandstretter). Fundamental, neste juízo sobre a aparência, é que o juiz não tenha um
preconceito em relação à culpabilidade do réu antes do julgamento (acórdão Fey)
De acordo com a gramática jurídica contemporânea, pode identificar-se o direito a um
tribunal independente e imparcial. Para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, a existência de juízes profissionais é um bom índice desta independência, no sentido da
não dependência perante o governo e os partidos políticos e os grupos de pressão (acórdão Le
Compte). Em qualquer caso, aos auxiliares dos juízes – penso nos juízes sociais – há-de aplicar-
se o mesmo conjunto de garantias que assegurem a independência (acórdão Piersack).
Daí a importância de se delimitar o conceito de independência num sentido essencialmente
negativo: o que a Constituição não permite é a existência de laços de dependência, quer de
natureza funcional, quer particular e psicológica. Assim, a independência não é um direito dos
juízes: é um dever seu e um direito das partes processuais.
Algumas aplicações destas ideias gerais dever-nos-iam fazer pensar na necessidade do voto de
vencido nas questões de facto e nas questões de direito como uma manifestação, não apenas da
independência de cada juiz e da sua imparcialidade, como da singularidade de cada julgamento.
Na história judiciária portuguesa já conhecemos diversos sistemas, nenhum isento de virtudes
e de defeitos.
Publicidade
Por esta razão, mais do que preocupados com a existência de apenas uma resposta correcta
às questões práticas que são colocadas pelos examinadores, a preparação dos futuros magistrados
tem de alertar para a importância da convicção, para a realização dos direitos humanos: a função
de julgar não é uma matemática, mas na fundamentação das decisões são fundamentais
elementos retóricos e de persuasão – como se, para recordar uma imagem de DWORKIN – cada
decisão judicial não fosse mais do que um capítulo no vasto livro que é a jurisprudência.
De outro lado, também tem de alertar-se para o facto de publicidade das audiências e acesso
irrestrito aos processos não significa boa comunicação social e informação isenta e esclarecida
sobre julgamentos e outros temas judiciários. Existe de modo demasiado frequente informação
não isenta. A criação dos chamados Gabinetes de Comunicação Social, junto do Conselho
Superior da Magistratura e talvez de certos tribunais não vai resolver estes problemas.
Finalmente também são dimensão essencial da publicidade do direito de acordo com as
condições técnicas da sociedade do conhecimento, a criação, o livre acesso e a livre utilização de
bases de dados de jurisprudência.
Como acima sublinhámos, o direito realiza-se no espaço público e este opõe-se ao secreto.
O conteúdo da publicidade do direito abarca, portanto, o livre acesso do público às audiências
judiciais, a publicidade das decisões judiciais, que têm de ser comunicadas aos interessados e
podem ser divulgadas pela comunicação social e a livre crítica e comentário às decisões judiciais,
nomeadamente pela comunidade jurídica.
Colegialidade
De acordo com a Constituição, os tribunais são em regra colegiais e integrados por juízes
profissionais, com os mesmos direitos e deveres quanto ao julgamento da causa. A preferência
pela deliberação colegial – de 3, 5 ou mais juízes – em relação à decisão de um juiz singular tem
510 tido a seu favor diversos argumentos. Assim, pelo facto de ser necessário o acordo entre vários
intervenientes, considera-se que os juízes decidem melhor em colectivo, são neutralizados
eventuais pré-juízos, reforça-se a imparcialidade dos juízes e fortalece-se a força da decisão, que
aparece aos olhos dos destinatários como a expressão de toda a jurisdição. Como escreveu PIERO
CALAMANDREI, «A independência dos juízes, isto é: aquele princípio institucional por força do
qual, ao julgarem, se devem sentir desligados de qualquer subordinação hierárquica, é um
privilégio duro, que impõe, a quem dele goza, a coragem de ficar só consigo mesmo, sem que se
possa comodamente arranjar um esconderijo por detrás de uma ordem superior. Talvez tenha
sido esta a razão por que o juízo colectivo, que se considera como uma garantia de justiça para
as partes, foi inventado a favor dos juízes, a fim de lhes permitir uma certa companhia na
solicitude da sua independência.»
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 511
Devo advertir que esta não é apenas uma exigência legal, mas uma questão ética. Em
Espanha, um recente Manual de Ética Judicial editado pelo Conselho Superior do Poder Judicial
salienta os problemas éticos e deontológicos da deliberação colegial e da valoração da prova. Pelo
contrário, sabemos que em Portugal existe como que um compromisso informal dos juízes no
sentido de não porem em causa a minuta de deliberação proposta pelo juiz relator. Isto é
especialmente claro nos tribunais superiores e é, entre outras consequências negativas, uma das
causas para a existência de jurisprudência contraditória. Portanto, o cumprimento da norma legal
de efectiva deliberação colegial dos juízes constitui também uma exigência ética no sentido da
verdade e da justiça das decisões judiciais.
Vias alternativas
pouco feliz. Neste sentido, esta teoria da justiça coloca no centro das atenções o dano provocado
pelo comportamento criminoso e as respectivas vítimas, não apenas a vingança sobre o
delinquente, dano que pode e deve ser reparado através de diversas vias: mediação penal;
assistência às vítimas; envolvimento da comunidade; reparação; trabalho a favor da comunidade.
Deste modo, é oferecida às vítimas a possibilidade de se envolverem directamente na
reconstituição da ordem violada com o acto ilícito.
Os fundamentos políticos não devem ser ignorados, quer naquilo que revela de desconfiança
no Estado quer no apelo a novas formas de enriquecimento da democracia participativa: o papel
das instituições do Estado é o de preservarem uma paz social justa e a comunidade deve
igualmente ser chamada a participar.
Considerações acerca da Função Jurisdicional e do Sistema Judicial
Importa, ainda que de novo de modo sumário, fazer um breve balanço das novas orientações
da metodologia da ciência do direito das últimas décadas, pela visão renovada que trazem acerca
do papel da função de julgar.
(i) A abertura da argumentação jurídica aos princípios constitui um dos pontos de
convergência de diversas correntes metodológicas.
Os princípios gerais de direito exercem uma função estrutural nos Estados de Direito,
traduzida em dois aspectos distintos: por um lado, asseguram uma função ideológica dentro do
Estado democrático. Por isso mesmo, eles constituem um limite ao poder do Estado e ao poder
do Estado democrático: asseguram a vinculação do Estado ao direito. A este respeito, encontra-
se consolidada a expressão «princípios gerais do direito» para identificar estes preceitos que
caracterizam o ordenamento jurídico e que estruturam e permitem caracterizar e dar sentido ao
sistema.
Já se escreveu que os princípios de direito são «bússolas para os juristas» (FABREGUETTES).
Deste modo, têm por função unificar o sentido da ordem jurídica ou de uma das suas partes –
por exemplo, o direito da família ou o direito das obrigações – e dirigir a aplicação prática. Todos
os actos jurídicos devem assim estar em conformidade com os princípios de direito. Por exemplo,
a norma do art. 2.º da Constituição tem vindo a ser entendida como consagrando o princípio do
Estado de Direito. Este, por sua vez, tem vindo a ser entendido como integrando conteúdos
diversos, nomeadamente, a protecção da confiança dos cidadãos e a proibição de leis retroactivas
arbitrárias. Ora, estes sub-princípios não têm expressa consagração constitucional e tem sido a
jurisprudência dos tribunais superiores, começando pelo Tribunal Constitucional, a identificar a
existência de princípios constitucionais não escritos que podem ser utilizados para sindicar a
conformidade das leis e dos regulamentos à Constituição. Contudo, embora a expressão remonte
512 ao século XIX, deve recordar-se que foi a crítica ao activismo judiciário do Supremo Tribunal
norte-americano que fez surgir a expressão «governo dos juízes» para sublinhar que a actividade
de controlo da constitucionalidade das leis é essencialmente política.
De outro lado, esta abertura aos princípios tem expressão na organização e no funcionamento
da administração, já que, de acordo com a Constituição e o Código de Procedimento
Administrativo, os órgãos administrativos devem actuar, entre outros, de acordo com o princípio
da justiça.
(ii) O problema metodológico da interpretação e da aplicação de conceitos indeterminados e
de cláusulas gerais constitui uma outra temática de grande importância prática.
Em Portugal, os tribunais têm entendido este tipo de poderes como do foro discricionário,
transformando a interpretação das cláusulas gerais, standards e pautas de valoração num puro
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 513
É tempo de terminar.
Ao longo destas páginas procurei chamar a atenção para as questões que actualmente se
colocam à caracterização da justiça, no plano da sociologia, da teoria e da filosofia do direito.
A avaliação da qualidade das democracias tem vindo a ser proposta pela moderna ciência
513
1
O presente artigo foi antes publicado em Julgar, Revista da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, 2/2007.
* Professor Titular Livre Docente em Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Direito público. Doutor em Direito. Professor do Centro
Universitário de Barra Mansa - UMB - OPEP - Coordenadoria de Pós-Graduação e Pesquisa
1
DOMINGUEZ, Francisco Caamaño. MONTORO, A´ngel J. Gómez. GUERRERO, Manuel Media, PAGÈS, Juan Luis Requejo. Jurisdicción y
procesos constitucionales, Actualizada con las ultimas reformas de la Ley Orgánica sel Tribunal. Inclusive formularios, Elementos. Constitucional.
Mc Graw Hill. Madrid, 2000, 2ª edição revista e ampliada
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 515
2
MARTÍN-RETORTILLO, Lorenzo. De la jusrisprudencia del Tribunal Constitucional. Institución Fernando el Católico, Zaragoza, 1985;
DOGLIANI, Mario. Interpretazioni della Costituzione. > Fanco Angeli?istituto di Scienze Politiche “g. Solari”. Università di Torino, Milano, 1982.
3
ROBERT, Jacqes. Droits de L´Homme et libertes Fondamentales, com a colaboração de Jean Duffar. Montchrestien, Paris, 1996, 6ª Edição, Domat
Public.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 517
4
Travaux de la délegation française au Congrès internacional de Droit Constitutionnel, Paris – Aix-en-Provence, 1987, Econômica; FINES, F.
L´autorité judiciaire gardienne de la liberte individuelle dans la jurieprudence constitutionelle, Travaux du congrès, AFC, Bordeaux, 1993;
PACTEAUX, B. Lê Controle sur lês lois au nom dês libertes. Travaux du Congrès AFC, Bordeaux, 1993; DUBORG-LAVROFF S., La
constitutionnalisation dês droits et libertes em Grande-Bretagne, Travaux di Congrès AFC, Bordeaux, 1993.
5
LECLERCQ, Claude. TRINKA, Hervé. Droit Constitutionnel, Collection Dirigée par J. – L. Cuvelier et C. Leclercq. CFP Concoursdes Fonctions
Publiques, Paris, Litec, Librairie de la Coir de Cassation, Paris, 1997, 2ª Edição.
6
ACKERMAN, Bruce. The New Separation of Powres, em Harvard Law Review, vol. 113, January, 2.000.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 519
Um tema geral que tem sido proposto é a compreensão dos direitos humanos como direito
constitucional, tendo em vista a experiência do constitucionalismo europeu.7
Os direitos elencados na Constituição podem ampliar, de modo que a juridicidade, a
efetividade e a justiciabilidade possa tornar concreto os direitos da cidadania. A jurisprudência
constitucional propiciou ampliação dos conceitos básicos de direitos e liberdades fundamentais.8
A Jurisdição Constitucional das Liberdades adquire amplitude, com relevo para o princípio da
igualdade. Ela assume uma alta função de equilíbrio no reconhecimento dos interesses
constitucionais relevantes. A igualdade e tutela da diversidade existente na Constituição, figuram
como um dos princípios essenciais ligados à igualdade substancial e as diversas formas de atuação
do ser humano, no exercício de seus direitos constitucionais. A custódia da Constituição,
transformou-se também em um centro de averiguações constitucionais, no que diz respeito a sua
aplicabilidade. Os direitos e liberdades fundamentais constituem uma rubrica especial nos temas
essenciais do constitucionalismo. A antiga controvérsia sobre a expressão direitos e liberdades
vem sendo objeto de diversas compreensões. De um lado encontramos as controvérsias da
doutrina tradicional, que passa a ter amplitude de conteúdo, quando procuramos analisar os
textos do direito positivo nacional e internacional. A Convenção Européia de salvaguarda dos
direitos do homem e das liberdades fundamentais de 1950 foi um passo essencial para a proteção
das liberdades.9
Na teoria geral da jurisdição constitucional das liberdades, vamos encontrar diversas reflexões
sobre as liberdades, inclusive as consagradas pelo preâmbulo da Constituição Francesa,
determinando-se como são elas impostas as diversas autoridades públicas. O valor, em termos de
direito positivo das declarações de direitos de 1789 e de 1946, de há muito, vêm sendo discutido,
7
Relazione al Convegno “Il Diritti umani come diritti costituzionali”, Perugia, 10.11.1989; BARILE, Paulo. Liberta, Guistizia, costituzione, Cedam,
Casa Editrice Dott, Antonio Milani, Padova, 1993.
8
GIORGIANNI, M. Lê norme sull´affitto com cânone in cereali. Controllo di constituzionalità o “ragionevolezza” delle norme speciali? Em Giur.
Cost., 1962; ESPOSITO, C. La Corte costituzionale come giudice della “non arbitrarietà” delle leggi, em Giur. Const. 1962; PALADIN, L. Corte
costituzionale e principio generali d´eguaglianza: aprile 1979-diciembre 1983, em Scritti su “la giustizia costituzionale”, em onore di V. Crisafulli, 1985,
I. FERRARA, G. em La Corte costituzionale tra norma giuridica e realtà sociale. Bolancio di vent´anni di attività, a cura di Nicola Occhiocupo,
Bologna, 1978.
9
RIVERO, J. Lês Libertes publiques, t. 1, Lês Droits de l´homme, PUF, coll. Thémis, 7ª ed., 1995. ROBERT J. e DUFFAR, J. Droits de l´homme et
libertes fondamentales, 5ª ed., Montchrestien, 1994. SUDRE, F. Droit international et européen dês droits de l´homme, 3ª ed., PUF, coll. Droit
fondamental, 1997.
tradicional da liberdade individual, agia com certa prudência na contribuição à construção desse
edifício constitucional.
Os princípios jurisprudenciais estão livres das circunstâncias de direito e das de fato. As
situação de direito configuram a forma do controle do juiz que é exercida a partir da afirmação
da dependência do direito positivo e das declarações de direito. O controle da legalidade ocorre
com a presença de uma vontade expressa pelo legislador, sendo que a submissão aos princípios
gerais do direito, com a ausência de toda norma que não seja as declarações de direito. A
aplicação jurisprudencial desta regra permitiu a adaptação dos direitos e liberdades à evolução da
vida social, em ocasiões em que surgem os conflitos entre liberdade individual e direitos sociais.
O controle da regulamentação administrativa geral intervém no domínio das liberdades, no caso
de ausência da legislação (arrêt Dehaene, Droit de greve dans Ia fonction publique). As
circunstâncias de fato configuram-se pelo respeito das liberdades pela ação administrativa,
mesmo quando a Constituição ou a lei permite à administração agir de maneira excepcional, além
das regras habituais em casos de: o direito em tempo de crise; jurisprudência relativa ao artigo 16
da Constituição (arrêts Rubin de Servens et d’Oriano); jurisprudência relativa aos poderes
delegados (art. 38, arrêt Canal).
520 Os limites da ação do juiz, apesar da amplitude de sua importância, no que concerne à
Constituição Jurisprudencial, provoca limites: no que se refere a questões de prazo, que pode
privar as decisões de entrarem em fase de execução; a resistência do poder executivo e
administrativo em obedecer a injunção do juiz. Destaca-se a validação pelo poder legislativo das
medidas anuladas pelo Tribunal, em conseqüência do I’arrêt Canal.
Apesar desses limites, a Jurisprudência administrativa e judiciária construíram um verdadeiro
corpo de direito positivo, assegurando o respeito dos direitos e liberdades contidas nas
declarações. Esta construção conclui-se pela intervenção do Conselho Constitucional.
10
CAPITANT, H. La countume constitutionelle: Ver. Dr. Publ. 1979.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 521
11
AJA, Eliseo. Lãs tensionesentre el Tribunal Constitucional y el legislador em la Europa Actual, Madrid, Ariel, 1998; ESTEBAN, Jorge de. &
GONZÀLEZ, Trevijano. Curso de Derecho Constitucional Español, Madris, Complutense, 1994, 3 tomos; GONZÁLEZ-TREVIJANO, El
Tribunal Constitucional, Elcano (Navarra), Ed. Aranzadi, 2001; JUTTA, Limbach. Papel y poder del Tribunal Constitucional, Madrid, Ariel, 19998,
PEREZ ROYO, Javier. Tribunal Constitucional y División de Poderes, Madrid, Tecnos, 1998; RAQUEJO PAGÉS, J. L. Comentários a la Ley
Orgânica del Tribunal Constitucional, Ed. TC, Madris, 2001; VILLAVON, Pedro Cruz. La Formación del Sistema Europeo de Control de
Constitucionaliada, Madrid, centro de Estúdios Constitucionales, Madrid, 1987.
12
REDENTI, Enrico. Legittimità delle Liegittimità delle Leggi e Corte Costituzionale, Quaderni dell´Associazione Fra Gli Studiosi del Processo Civile,
XII, Milano, Dott. A. Giuffrè – Editore, 1957.
13
CARBONIER, J. em Flexible droit, Paris, 8ª edição, LGDJ, 1995; DABIN, J. Lê Droit subjectif, ed. Dalloz, 1952.
14
SÉRIAUX, V. A. Lê Droit naturel, PUF, “Que sais-je”, nº 2806, 1993; VILLEY, M. Lê Droit et lês droits de l´homme, PUF, coll. “Question”, 1983;
MADIOT, Y. Droits de l´homme, 2ª ed., Masson, 1991, MORANGE, J. Droits de l´homme et libertés publiques, PUF, “Droit fondamental”, 4ª ed.,
1997, n. 25; BRAUD, Ph. La natios de liberte publique em droit français, Bibl. Dr. Pub., t. 76, LGDJ, 1968, pref. G Dupuis; BURDEAU, V. G. Lês
libertés publiques, 4ª ed., LGDJ, 1972; BONNAR, R. Lês droits subjectifs dês administres, RPD, 1932; PAIVA, M. –L. Élements de réflexion sur la
notion de droit fondamental, Petites Affiches, 1994, n. 54; PERRET, A. La personne humaine dans l´ordre du droit, em Mélanges B. de la Gressaye;
SÉRIAUX, A. La dignité humaine, príncipe universel du droit? em Acta Philosophica, Revista internazionale di filosofia, 1997-2.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 523
15
Sous la direction de Guillaume Drago. Bestien François. Nicolas Molfessis. Obra Coletiva. La Légitimité de la Jurisprudence di Conseil
Constitutionnel. Droit Public. Droit prive- Secience Politique. Prefácio de Georges Vedel. Études Juridiques, Paris, 1999; FOILLARD, Philippe. Droit
Constitutionnel et Institutions Politiques. Centre de Publications. Aunée Universitaire 1999-2000, Paris, p. 346 e ss.
intimidade, convicções. A Convenção Européia não faz menção do direito de propriedade entre
os direitos e as liberdades fundamentais. Os direitos e liberdades fundamentais têm caráter
constitucional, dotados por princípios de valor constitucional. É constitucional aquilo que
participa da confecção das estruturas essenciais de uma determinada sociedade, isto é, tudo
aquilo que é constitutivo. A Convenção européia de salvaguarda dos direitos do homem e das
liberdades fundamentais afirma em seu preâmbulo que a manutenção das liberdades
fundamentais repousa sobre um regime político verdadeiramente democrático.
A concretização das regras jurídicas realiza equilíbrios entre a diversidade dos direitos,
conforme a jurisdição constitucional contemporânea, que, através de seu dinamismo, renova as
avaliações em torno da compreensão dos direitos e liberdades individuais, em uma pluralidade de
regimes políticos contemporâneos, que muitas vezes apresentam características ideológicas
diferenciadas.16
As dimensões referentes aos direitos e liberdades fundamentais estão vinculadas às noções de
pessoa humana e dignidade humana. Devido a elas, os direitos e liberdades são reconhecidos e
proclamados, sendo que também, em grande parte por elas são denominadas ou qualificadas de
fundamentais. Devem ser precisados, a propósito de todas as pessoas humanas, sejam elas
tomadas individual ou coletivamente. O homem, no singular, isto é, tomado individualmente,
decorre, historicamente, da consagração de direitos e liberdades que aparecem nas disposições
nacionais e internacionais em benefício das pessoas humanas concretas e singulares. As primeiras
declarações dos direitos do homem visavam a todos, mas sonhavam além de suas perspectivas
Jurisdição constitucional das Liberdades
16
KOUÉVI, A. Le déclarations non occidentales dês droits de l´homme, RRJ 1995, 629; ROULAND, N. La doctrine juridique chinoise et lês droits
de l´homme: une perspective anthropologique, RUDH, março, 1998.
17
SÉRIAUX, A. Lês Personnes, PUP, Paris, 2ª edição, “Que sais-je?”, nº 2680; idem, L ´octroi de la personnalité juridique à dês groupments de
personnes est d´ordinaire la meilleuse garante de certaindes libertés: de se syndiqués ou de s´associer, por exemplo; Ast. 16 C. Civil francês: “lei
garante o respeito do ser humano desde o começo de sua vida; art. L. 152-7 CSP – O embrião humano não pode ser concebido, nem utilizado para
fins comerciais ou industriais; art. 152-8 CSP: a concepção in vitro de embriões humanos, com a finalidade de estudos, de pesquisa ou experimentação
é proibida (al. 1); Toda experimentação sobre o embrião é interditada (al. 2); em certas condições, teoricamente limitadas, a interrupção voluntária da
gravidez é expressamente permitida; SÉRIAUX, A. Infans conceptus, em Lê Droit, la médicine et l´être humain, PUAM, 1996; CABALLERO, F.
Essai sur la notion juridique de nuissance, Bibl. Dr. Prive, t. 163, LGDJ, 1981.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 525
18
SÉRIAUX, Alain. SERMET, Laurent. VIRIOT-BARRIAL, Dominique. Droit set libertés fondamentaux, Ellipses, Paris, 1998, CRFPA-ENM.
19
DOMINIQUE, Chagnollaud. Droit Constitutionnel contemporain, Sirey, Paris, 1999.
20
CAPPELLETTI, Mauro. La giurisdizione costituzionale delle libertá, Milano, Giuffrè, Editore, 1974; CASTRO, José Luis Cascajo. La jurisdicción
Constitucional de la Libertad, separata nº 199 da Revista de Estidios Políticos, Madrid; SEGADO, Francisco Fernandez. La teoria jurídica de los
derechos fundamentales em la doctrina española”, El Derecho, 10/II/94; CAMPOS, German J. Bidart. Constitución y Derechos Humanos, Ed.
Ediar, Buenos Aires, 1991; idem, La interpretación del sistema de Derechos Humanos, Ed. Ediar, Buenos Aires, 1994.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 527
período vários países como a Croácia, a Eslovênia, a Eslováquia, a República Checa, a Hungria,
a Bulgária e a Romênia passaram a inscrever em suas novas constituições o controle de
constitucionalidade das leis e a criação de cortes constitucionais.
Com aprofundamento das temáticas essenciais relacionadas com a Jurisdição Constitucional
e o Processo Constitucional, que passou a dar grande relevo às liberdades, surgiram diversos
estudos que tiveram como objetivo apresentar as categorias das decisões constitucionais, bem
como os efeitos dessas manifestações e o significado protetor das jurisprudências constitucionais.
A recepção do modelo americano e do modelo europeu, gerou o aparecimento de novas
técnicas, inclusive na questão da justa posição dos procedimentos concretos e dos procedimentos
abstratos. Os procedimentos concretos da justiça constitucional geraria diversas situações,
destacando-se entre elas o recurso individual por violação de um direito constitucionalmente
garantido. Os procedimentos concretos perante as Cortes constitucionais, também geraram
teorias e jurisprudência sobre o recurso individual, como proteção de um direito
constitucionalmente garantido. Nesses estudos examina-se a posição dos sistemas dos países da
common law e os países do direito romanista, inclusive no que se refere ao nível de uma proteção
internacional.
Os procedimentos abstratos da justiça constitucional perante as Cortes passaram a destacar
aspectos como: os conflitos entre poderes públicos; os conflitos entre órgãos constitucionais; os
conflitos entre coletividades públicas; os conflitos entre regras de direito (controle abstrato
anterior às regras do direito e controle abstrato entre regras de direito posteriores) .
A influência crescente da justiça constitucional elevou os índices da teorização e da prática
dessas com exame de questões como: a influência sobre o legislador (intensidade do controle,
21
ROUSSEAU, Dominique. La justice constitutionelle em Europe, Politique Clefs, 2[ edição, Montchrestien, Paris, 1996; FROMONT, Michel. La
justice constitucionnelle dans lê monde, connaissance du Droit, Droit Publique, Dalloz, Paris, 1996; SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição
Reinventada. Pela Jurisdição Constitucional.Del Rey, Belo Horizonte, 2002.
22
HESSE, K. Grundzüge dês Verfassungsrechts Bundesrepublic Duetschland, ed. Heidelberg, 1988, 16ª edição; KRUMPHOLZ, U. DerGleichhitssatz
in französichen Recht, Frankfurt/ Main, Bern, New York, Paris, 1989; LEBEN, Ch. Le Conseil Constitutionnel et lê príncipe d´égalité devant la loi,
RDP, 1982; RIVERO, J. Rapport sur lês notions d´égalité et de discrimination em droit public français, Travaux de l´Association Henri Capitant, t.
XIV, Paris, 1965.
23
RERELMAN, Ch. Egalité eu justice, em Lê Raisonnable et lê déraisonnable em droit, Paris, 1984; LEBEN, Ch. Lê Conseil Constitutionnel et lê
príncipe d´égalité devant la loi, RDP, 1982; VILLIERS, M. de. Lê príncipe d´égalité dans la jurisprudence du Conseil Constitutionnel, Rev. Adm.,
1983; JONANJAN, Oliver. Lê Príncipe D´Égalité Devant la Loi em Droit Allemand, Prefácio de Michel Fromont, Econômica, Paris, 1992.
24
MORANGE, Jean. Lês Libertés Publiques Presses Universitaires de France, Paris, 1979, 6ª edição; TURPIN, Dominique. Lês Libertés publiques.
Théorie générale de slibertés publiques. Regime juridique de chacune dês libertés publiques. Mementos. Gualino éditeur, Paris, 1996, 3ª edição;
COLLIARD, caude-Albert. Libertés publiques. Dalloz, Paris, 1975, 5ª edição, Précis Dalloz.
25
Sous la direction de Rémy Cabrillac, Marie-Anne, Roche, Thierry Revet. Droit set libertés fondamentaux. Obra Coletiva. Dalloz, Paris, 1996, 3ª edição.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 529
El control de constitucionalidad de lãs omisiones legislativas, Revista del Centro de Estúdios Constitucionales, 1991, n. 8; MORTATI, Costantino.
Appunti per uno studio sui rimedi giurisdizionali contro comportamenti omissivi dek legislatore, em Problemi di Diritto Pubblico nell´attuale
esperienza constituzionale reppublicana, Ed. Giuffrè, vol. III, Milão, 1972; SEGADO, Francisco fernandes. Los Nuevos retos del estado social para
la protección de los derechos fundamentales, El Derecho, 22 y 25 de julio de 1994; FIX-ZAMUDIO, Héctor. La protección procesal de los derechos
humanos ante lãs jurisdiciones nacionales, Ed. Cívitas, Madrid, 1982.
30
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias. La Ley del Más Débil, Editorial Frotta, Madrid, 1999; ROSENFELD, Michel. Constitucionalism, Identity,
Difference, and Legitimacy. Theoretical Perspectives, Duke University Press, Durham and London, 1994; MIRANDA, Jorge. Manual de Direito
Constitucional. Tomo IV, Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2.000, 3ª edição.
31
DANTAS, Ivo. O valor da Constituição. Do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. Renovar, Rio de Janeiro,
2001, 2ª edição, revista e aumentada.
32
LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt, Suhrkamp, 1993; idem, Grunrechte als Instition , Berlim, Duncker & Humbolt, 1974;
idem, Precedimenti Giuridici e Legitimazione Social, a cura de Alberto Febbrajo, Giuffrè Editore, 1995.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 531
531
33
HÄRBELE, Peter. La libertad fundamental en el Estado constitucional, Lima, Pontifícia Universidad del Peru, Maestría em Derecho Constitucional,
Fondo Editorial, 1997; ZAGREBELSKYK, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid, Trotta, 1995; FIORAVANTI, Maurizio. Los
derechos fundamentales, Madrid, Universidad Carlos III de Madrid-Trotta, 1996; BÖCKENFORDE, Ernst- Wolfgang. Staat, Verfassung
Demokratie. Studien zur Verfassungstheorie und zum Verfassungsrecht, Frankfurt, Suh Kamp, 1991; ALEXY, Robert. Teoria de los derechos
fundamentales, Madrid, CEC, 1997; PÉREZ LUÑO, Antonio. Derechos humanos, Estado de derechoy constituición, Madrid, Cívitas, 1997;
COLAUTTI, carlos E. derechos humanos, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1995; LÓPEZ PINA, Antobio. La garantia constitucional de los
derechos fundamentales. Alemania, Espana, Francia e Itália, Madrid, Cívitas, 1992.
34
VALLE, Rubén Hernández. Derecho Procesal Constitucional, Editorial Juricentro, Costa Rica, San José, 1995; GOZAÍNI, Osvaldo A. La Justicia
Constitucional. Garantias, Processo y Tribunal Constitucional, Depalma, Buenos Aires, 1994.
35
A cura di Roberto Romboli.La tutela dei diritto fondamentali devanti alle Corte costituzionalli, G. Giappichelli editore, Torino.
36
COSTA, José Manuel cardoso del. La hiérarchie des normes constitutionnels as fonction dans la protection des droits fondamentaux, em RUDH, 1990;
BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade Civil por Danos ao meio Ambiente, del rey, belo Horizonte, 2000, pp. 24 e ss.
37
SEGADO, Francisco Fernandes. La Jusrisdiccion Constitucional en América Latina. Evolucion y Problemática Desde la Independência Hasta 1979,
CEDECU, Serie de Conferencias n. 1, Ingranusi Ltda., Montevideo, 2000; obra coletiva. Uma mirada a los tribunales Constitucionales. Lãs
Experiências Recientes. Comisión Andina de Juristas. Konrad Adenauer – Stiftung. Serie Lectuas Constitucionales Andinas, n. 4. Peru, 1995.
No plano nacional, provém dos direitos escritos consagrados nas Constituições, dos direitos
descobertos pelo juiz constitucional, onde são examinados os conteúdos dos direitos
fundamentais. Estes são reforçados pela garantia jurisdicional que trata dos direitos e liberdades
no direito internacional e da garantia jurisdicional dos direitos e liberdades no direito interno,
destacando-se a proteção proveniente do juiz constitucional e a do juiz ordinário.38
O constitucionalismo norte-americano coloca no prelúdio de suas reflexões sobre “Bill of
Rights”, uma pergunta sobre a natureza desses, como fundamento das liberdades do povo. Os
Bill of Rights incluem as provisões da Constituição original e as Emendas que visam proteger a
liberdade individual, com limites à atuação do governo, tema que desde o início levou a grandes
debates (Hamilton’s View - Jefferson’s View), com o triunfo dos direitos ali lançados, inclusive no
que toca a sua aplicabilidade pelos Estados, com destaque para o papel do judiciário e as formas
de concretização das liberdades.39
O desenvolvimento e a estrutura do sistema judicial federal irão elaborar profunda
consolidação dos direitos individuais, através da mais minuciosa e profunda análise constitucional
de direitos, que ressalta o papel da interpretação de uma Constituição, considerando-se as várias
funções que exerce no Estado moderno. O exame do contexto constitucional, por intermédio da
interpretação, leva à compreensão dos “approaches”, modos e técnicas da interpretação
constitucional, com destaque para os direitos fundamentais.
Vamos encontrar na sistemática norte-americana a complementação dos pontos essenciais de
uma Jurisdição Constitucional das Liberdades, de maneira concreta, com regras sobre o
Jurisdição constitucional das Liberdades
interpretativismo, a liberdade de expressão e a igual proteção. São estes alguns dos aspectos da
lúcida compreensão e prática de uma jurisdição constitucional das liberdades.
532
38
CHAGNOLLAUD, Dominique. Droit constitutionnel contemporain, Sirey, Paris, 1999; CANOTILHO, J. J. Gomes. MOREIRA, Vital.
Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991.
39
COHEN, William. DANIELIKI, David J. Constitutional Law. Civil Liberty and Individual Rights. Westburry, New York, The Foundation Press, inc,
1994, 3ª edição; FALLON, Jr. Richard H. MELTZER, Daniel J. SCHAPIRO, David L. The Federal Courts and The Federal System, Westburry, New
York, The Foundation Press, Inc., 1996; MURPHY, Walter F. Fleming, Esq James E. Harris, II 1986; PERRY, Michael J. The Constitution, the cOurts
and Human Rights, An Inquiry into the Legitimacy of constitutional Policymaking by the Judiciary, Yale University Press. New Haven and London,
1982.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 533
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 534
DO DIREITO INTERNACIONAL
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 535
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 536
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 537
Sumário: I. Las opiniones consultivas en MERCOSUR. II. El estreno del "mecanismo". 1. Los hechos. 2. La solicitud propiamente
dicha. III. ¿Qué es la OC? IV. El TPR y la competencia para emitir OCs. 1. La integración del TPR ¿Por qué en pleno para emitir
Ocs.? 2. El TPR frente a la solicitud de OC. A. ¿Mayoría argumentativa o suma aleatoria de razones? B. El tema argumentativo en la
primera OC. 3. La competencia del TPR en materia consultiva. V. Más sobre la respuesta. 1. Acerca de las Ocs. 2. Prevalencia del
derecho de la integración sobre el derecho interno de los Estados Partes. A. La calidad del derecho del MERCOSUR. B. Orden público
internacional. VI. Algunas reflexiones.
Ahora bien, en función de las disposiciones del Reglamento del Protocolo de Olivos (RPO)
referidas a la facultad de los tribunales nacionales para solicitar OCs., y la necesidad de prever una
reglamentación expresa, el CMC aprobó el 17 de enero de 2007 dicha regulación normativa que
deja claramente establecida la posibilidad de que tribunales de instancias inferiores eleven al TPR
por vía de los Supremos Tribunales de Justicia (STJ) la solicitud de opinión consultiva13.
Previo a la reglamentación del mecanismo para solicitar OCs. provenientes de los TSJ, se
plantea en Asunción del Paraguay un pedido a la Cancillería de ese país a través de la Corte
Suprema de Justicia a efectos de que sea remitido al TPR.
El cuerpo colegiado se pronuncia el pasado 3 de abril de 2007 emitiendo su parecer en
ejercicio de la competencia que le reconoce el PO14 y el RPO15.
La OC surge como resultado de la solicitud efectuada por una jueza de primera instancia en
lo civil y comercial de la ciudad de Asunción, la magistrada María Angélica Calvo.
1. Los hechos
Se trataba de un contrato de naturaleza comercial firmado entre una sociedad argentina y una
sociedad paraguaya, que las partes someten en todos sus términos a la ley sustantiva argentina,
acordando plena vigencia a las normas incorporadas por el MERCOSUR reguladoras de la
contratación internacional. Los contratantes quedan sujetos al Protocolo de Buenos Aires sobre
Jurisdicción Internacional en Materia Contractual (PBA)16 pactando expresamente el
sometimiento de cualquier conflicto a la competencia de los tribunales de la República Argentina.
En efecto, expresan en el acuerdo que “cualquier controversia o petición que surja del contrato o esté
13
Esta cuestión fue objeto de intensos debates cuando se aprueba el PO y luego su Reglamento al no estar expresamente admitida la posibilidad de
que sean todos los jueces del MERCOSUR habilitados para pedir dicha opinión. El RPO establece que para determinar el procedimiento a seguir
en la solicitud de OCs. por los TSJ, deberán ser consultados estos altos cuerpos de justicia de cada Estado parte. Adelantándose a la consulta del
CMC, las Cortes Supremas del MERCOSUR y Estados Asociados (CSM) tomaron la iniciativa de dialogar entre sí, sobre el modo en que los
tribunales nacionales podrían solicitarlas. Una vez que consensuaron el texto de un anteproyecto decidieron elevarlo al CMC. En esta labor mucho
ha tenido que ver el Foro Permanente de las Cortes Supremas de Mercosur institucionalizado en Brasilia. La Declaración del IV Encuentro de CSM,
firmada el 24 de noviembre de 2006, y el Anteproyecto de Reglamento de la Tramitación de Solicitud de Opiniones Consultivas encaminadas por
Tribunales Superiores de Justicia de los Estados Partes, están disponibles en la página web del STF, en la siguiente dirección:
http://www.stf.gov.br/encontro4/documentos.htm. Véase una reseña del IV Encuentro en M. A. J. DE SANTA CRUZ OLIVERA, “La diplomacia
judicial”, DeCITA 7/8, Florianópolis/Buenos Aires, Fundación Boiteux/Zavalía, 2007 (en prensa). Asimismo, es de tener presente que esta reunión
es considerada relevante aunque el Foro de las CSM no funciona como un órgano institucionalizado en la estructura del MERCOSUR habiéndose
adoptado en su seno trascendentes iniciativas. Así,en palabras de un eximio jurista, la referida al “[f]uturo de la integración latinoamericana: por vez
primera, y sin parangón siquiera en el modelo europeo de integración, los Presidentes de los Tribunales Supremos de Brasil, Paraguay y Uruguay, más 539
la representantes del Presidente de la Suprema Corte de la Nación Argentina, así como el Presidente del Tribunal Constitucional de Chile y los
Presidentes de las Cortes Supremas de Bolivia y de Chile, asumieron el compromiso formal de respaldar el proceso de integración continental, con
especial énfasis en el MERCOSUR”. Ver R. ALONSO GARCÍA, “Hacia una Corte Suprema Latinoamericana”, en Progreso sostenible e integración regional
en América Latina, (J. Vidal-Beneyto, coord.) Fundación Amela, Valencia, España, 2006, p. 137. Siendo en el marco del IV Encuentro que se aprueba
el anteproyecto señalado a fin de cumplimentar lo dispuesto en el RPO es ilustrativo traer a colación la reflexión efectuada por ALONSO GARCÍA al
ponderar la institucionalización de los Encuentros de las Cortes Supremas de los Estados partes y Asociados por sus enriquecedores resultados, a la
vez que sugiriendo la formalización en el mismo sentido de los encuentros de los Tribunales Constitucionales Europeos. Aut. cit., Justicia constitucional
y Unión Europea, Thomson/Civitas, Cizur Menor, España, 2005, p. 49. El II Encuentro de Brasilia fue marco para que se manifestaran las Cortes en
el sentido de cumplir el compromiso asumido para “contribuir decisivamente con la evolución institucional del proceso de integración, especialmente
en relación con el fortalecimiento y perfeccionamiento jurídico del bloque”.
El 18 de enero de 2007 el CMC aprobó el Reglamento de Procedimiento para Solicitud de Opiniones Consultivas al Tribunal Permanente de Revisión
por los Tribunales Superiores de Justicia de los Estados Partes del MERCOSUR (RPOC / TSJ), a través de MERCOSUR/CMC/DEC. Nº 02/07.
14
Art. 3.
15
Arts.2, 4.
16
Este Protocolo fue aprobado el 5/8/94 en la ciudad de Buenos Aires por el CMC bajo Decisión N° 1/94. Se encuentra vigente entre los cuatro
Estados partes del MERCOSUR.
al entender que prevalece la aplicación del PBA sobre el derecho paraguayo de fuente interna
receptado en la Ley 194/93, invocada por la actora para justificar la jurisdicción paraguaya.
La demandante contesta la excepción rechazando los términos de la misma; alega el carácter
irrenunciable de la legislación paraguaya y agrega que siendo un contrato de consumidores
quedaría excluida la aplicación del PBA debiendo acudir en cambio al Protocolo de Santa María
sobre Jurisdicción Internacional en Materia de Relaciones de Consumo (PSM)18.
Cabe consignar que es a solicitud de la parte actora que el tribunal de primera instancia solicita
la OC. En la demanda se incluyó expresamente un apartado por el cual se establece que frente a
cualquier duda sobre la interpretación de la norma de derecho MERCOSUR deberá elevarse un
pedido de OC al TPR. Es importante destacar el punto en tanto refleja que son el particular y el
operador jurídico quienes toman la iniciativa de valerse de este mecanismo con las consecuencias
que conlleva, al enfocar las herramientas institucionales mercosureñas como parte del acervo
jurídico común cuando, según adelantáramos, no se había reglamentado aún su operatoria.
La jueza de primera instancia, según parece surgir de la respuesta del TPR, solicita la opinión
consultiva acerca de la normativa mercosureña invocada en autos, esto es el PBA y el PSM.
Se plantea un problema de interpretación de la ley mercosureña a partir de una cuestión de
prevalencia de aplicación de fuentes acotada a la primacía entre derecho derivado de
MERCOSUR – PBA – y derecho interno – Ley Paraguaya 194/93 – en la que cobra fuerte
incidencia el carácter de las cláusulas de la ley nacional en tanto considerarlas o no de orden
público internacional19.
De ser este el cuestionamiento ¿respondería al que el PO y su Reglamento habilitan a plantear
como opinión consultiva?
A efectos de estar en condiciones de proporcionar una respuesta es menester calificar la OC.
17
El art. 4 reza: “En los conflictos que surjan en los contratos internacionales en materia civil o comercial serán competentes los tribunales del Estado
Parte a cuya jurisdicción los contratantes hayan acordado someterse por escrito, siempre que tal acuerdo no haya sido obtenido en forma abusiva.
Asimismo puede acordarse la prórroga a favor de tribunales arbitrales.”
18
El Protocolo de Santa María fue signado por el CMC como Decisión N° 10/96. No esta vigente por la falta de ratificaciones necesarias.
19
Acerca de la noción de orden público internacional puede verse: T. B. DE MAEKELT, Teoría General del Derecho Internacional Privado, Academia de
Ciencias Políticas y Sociales, Caracas, 2005, pp. 315-319; D. FERNÁNDEZ ARROYO (coord.), Derecho internacional privado de los Estados Partes del
MERCOSUR, Buenos Aires, Zavalía, 2003,
20
Acerca de las reformas introducidas al Protocolo de Brasilia sobre el sistema de solución de controversias del MERCOSUR, puede verse A. DREYZIN
DE KLOR pp. 576 y ss.; R. PUCEIRO RIPOLL, “El Protocolo de Olivos: Sus reformas esenciales y su significado en el régimen de solución de
controversias del MERCOSUR”, en: Solução de Controvérsias no MERCOSUL, (AA.VV.), Brasilia, Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL,
2003, pp. 189-208.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 541
los instrumentos fundamentales del proceso de integración y del conjunto normativo del
MERCOSUR, de forma consistente y sistemática”21.
Aunque reconoce antecedentes en tribunales internacionales, al ser diferente el marco en que
se desarrolla, deviene distinto el mecanismo y sus efectos teniendo en común con su historial
solamente la denominación22.
EL TPR es el órgano con competencia para emitir OCs. las que pueden ser solicitadas tanto
por los Estados partes en conjunto, como por los órganos con capacidad decisoria, esto es el
CMC, el Grupo Mercado Común (GMC) y la Comisión de Comercio del MERCOSUR (CCM).
Muy acertadamente el legislador mercosureño incluyó a los TSJ de los Estados partes (TSJ) con
jurisdicción nacional entre los legitimados23. Nuestro desarrollo es sobre esta alternativa por ser
la que da lugar a la primera OC.
Respetada doctrina ha tratado la cuestión de la naturaleza jurídica de la OC. A fin de encontrar
una categoría legal que la comprenda se ha efectuado un recorrido por las posibilidades de
encuadrarla, descartando su asimilación a una sentencia o a un dictamen de expertos solicitado
como prueba del derecho o pericia. Tampoco puede asimilarse a una “interpretación auténtica”
ya que no emana del mismo órgano del que proviene la norma ni es interpretación obligatoria
dado su carácter no vinculante aunque se le reconozcan efectos que exceden el caso para el cual
se dicta, al pasar a integrar el acervo del derecho de la integración24.
A partir de lo que “no es” sobreviene como lógica la pregunta: ¿qué es la OC?
Cuando no se conoce a ciencia cierta la enfermedad que afecta al paciente suele decirse que
padece un “virus”; parafraseando a los médicos en ese diagnóstico incierto, aunque descartando
toda connotación negativa de los “virus”, diríamos que la OC es un instrumento “sui generis”
no pasible de ser encasillado en un modelo jurídico conocido.
De todos modos, más que definirla o encuadrar a la OC en una categoría jurídica conocida,
resulta esencial avanzar hacia una respuesta a interrogantes tales como para qué se crea, qué
21
Así reza el PO en su único considerando.
22
En esta línea, por ejemplo, la Corte Internacional de Justicia (CIJ) cuya competencia consultiva surge del art. 96 de la Carta de las Naciones Unidas;
la Corte Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) que conforme dispone el art. 14 de la Convención Interamericana esta facultada para emitir
opiniones sobre la interpretación de la Convención y otros tratados referidos a la protección de los Derechos Humanos aplicables en los Estados
Americanos; la Corte Europea de Derechos Humanos (CEDH) con competencia para emitir opiniones a partir de lo dispuesto en el Protocolo 2
de la Convención Europea para la Salvaguarda de los Derechos del Hombre y de las Libertades Fundamentales. Ver F. NOVAK TALAVERA / L.
GARCÍA – CORROCHANO MOYANO, Derecho Internacional Público, t° 2, Sujetos del Derecho internacional, vol. 2, Perú, Pontificia Universidad Católica, 2002,
pp. 96 y ss.
23
Art. 2. RPO.
24
J.C.RIVERA, “La opinión consultiva en el sistema de solución de controversias del MERCOSUR”, en Estudios en homenaje a la doctora Berta Kaller
Orchansky, Poder Judicial de la Provincia de Córdoba, Tribunal Superior de Justicia, Córdoba, 2004, p.211.
Pareciera entonces, que para analizar a la OC mercosureña hay que hacer especial hincapié en
las particularidades del tribunal que la emite y las exigencias normativas establecidas en torno al
cuerpo colegiado, circunstancia que implica introducirnos en aspectos un tanto inextricables
como son la razonabilidad de las argumentaciones vertidas en relación con el pronunciamiento
que deviene en declaración para la jueza y la autoridad que invisten los miembros del TPR26 en
función del efecto no vinculante de las OCs.
Se han manifestado dudas acerca de cual es la regla más conveniente para determinar la
integración del tribunal en función de la competencia que ejerza. Se dice que tal vez, a fin de
avanzar hacia la interpretación uniforme del derecho del MERCOSUR, más conveniente hubiera
sido que en todos los casos el tribunal funcione integrado por todos los miembros. La idea se
basa en las aparentes dificultades para lograr aquel objetivo mediante el sistema preceptuado pues
la experiencia en los conflictos llevados ante el TAHM demuestra que las controversias se han
venido planteando entre dos Estados y consecuentemente, la integración por sólo tres de sus
542 miembros – diferentes según las partes en la disputa – podría suscitar eventualmente distintas
interpretaciones31. Por nuestra parte preferimos pensar que aunque sus miembros actúen según
25
OC 12007.Voto de R. OLIVEIRA
26
J.C.RIVERA, (nota 884) p.221.
27
La doctrina no es conteste en considerar que el TPR asume función jurisdiccional al emitir OCs. Véase J.C. RIVERA, (nota ), pp. 210.
28
Art. 19 PO. Sobre este Tribunal, un estudio pormenorizado y completo puede verse en A. PEROTTI, Tribunal Permanente de Revisión y Estado de Derecho
en el MERCOSUR, Madrid, Marcial Pons, 2007, (en prensa).
29
Por CMC/DEC Nº 26/04 se designaron miembros del TPR a los siguientes juristas: Nicolás Eduardo Becerra (Argentina), João Grandino Rodas
(Brasil), Wilfrido Fernández de Brix (Paraguay) y Roberto Puceiro Ripoll (Uruguay).
30
Como quinto árbitro del TPR, se designó por unanimidad a José Antonio Moreno Ruffinelli (Paraguay). Durante la Reunión Cumbre celebrada en
Río de Janeiro el 17/1/2007 se aprobó el Protocolo de Río de Janeiro que modifica a Olivos. Aún no se encuentra vigente entre los Estados partes.
31
E. REY CARO, p. 36.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 543
este sistema de reparto, el TPR es uno y las contradicciones en su seno no tendrían que encontrar
mucho espacio para producirse32. Más bien parece que la norma se hizo (con bastante optimismo)
pensando en un TPR que tenga considerable trabajo y que exija, en consecuencia, algún tipo de
división de la tarea.
Mientras que cuando ejerce su función consultiva, al tratarse de la interpretación jurídica que
se dará al derecho del MERCOSUR en todo el territorio integrado se consideró conveniente la
intervención del pleno quedando representados los Estados partes al igual que lo están a la hora
de la elaboración de las fuentes jurídicas del proceso.
Concierne en este trabajo, la competencia para emitir OCs a fin de lograr la interpretación
uniforme del ordenamiento jurídico mercosureño. Se exige como acabamos de señalar, que el
cuerpo intervenga en pleno. Interesa particularmente la integración plenaria ateniéndonos a los
razonamientos plasmados, muy diversos entre sí, aunque la suma alcanza una mayoría en algunos 543
puntos, aunque no se trate de una mayoría argumentativa.
32
No es sin embargo lo que refleja la actuación del TPR hasta la actual instancia. Ha dictado tres laudos, el primero: “Laudo del Tribunal Permanente
de Revisión constituido para entender en el Recurso de Revisión presentado por la República Oriental del Uruguay contra el Laudo Arbitral del
Tribunal Arbitral Ad Hoc de fecha 25 de octubre de 2005 en la controversia ‘Prohibición de importación de neumáticos remoldeados procedentes
del Uruguay’, Asunto TPR-1/05”, al que siguió la “Aclaratoria del Tribunal Permanente de Revisión de 13 de enero de 2006, Laudo de Revisión
‘Prohibición de importación de neumáticos remoldeados”; el segundo: “Laudo del Tribunal Permanente de Revisión de 6 de julio de 2006,
Impedimentos a la libre circulación derivado de los cortes en territorio argentino de vías de acceso a los puentes internacionales Gral. San Martín y
Gral. Artigas, Asunto TPR-1/06” y el tercero: Laudo N° 1/2007 del 8 de junio de 2007, “Laudo del Tribunal Permanente de Revisión constituido
para entender en solicitud de pronunciamiento sobre exceso en la aplicación de medidas compensatorias – Controversia entre Uruguay y Argentina
sobre prohibición de importación de neumáticos remoldeados procedentes de Uruguay”. En ninguno de los pronunciamientos referidos se dio la
unanimidad. Recordemos que el TPR en estos casos se integró solamente por tres de sus miembros.
33
RPO, art. 6 inc.3.
Uno de los posibles sustentos en favor de la opción asumida por el legislador mercosureño
en relación a la obligatoriedad de fundar los votos en disidencia en las OCs., – a diferencia de lo
que acontece con los laudos – se vincula estrechamente con la propia idiosincrasia de la
comunidad jurídica latinoamericana. Así, se ha sostenido que para los juristas de esta parte del
mundo – a diferencia de lo que sucede en el TJCE donde las mismas no se fundan -, la
La primera Opinión Consultiva en MERCOSUR ¿Germen de cuestión prejudicial?
fundamentación de la opinión disidente es una exigencia para la validez del dictamen34. Piénsese
en “la perplejidad del juez y de las partes en un proceso llevado a cabo en cualquiera de los países
miembros, si los integrantes del TPR que estuvieran en desacuerdo con la interpretación jurídica
que la mayoría hace de una norma del acervo legislativo del MERCOSUR, no pudieran dar las
razones de su desacuerdo y de su propia interpretación”35. Se trae a colación la situación planteada
por las opiniones consultivas solicitadas por STJ, que deben necesariamente formularse en el
marco de un proceso judicial en trámite36, en las que sería eventualmente cuestionable –a la luz
de la garantía del debido proceso- la constitucionalidad de una pieza de convicción que
contuviera tal limitación. Según esta posición, el RPO no ha hecho más que brindar una solución
acorde con la práctica judicial de los países que componen el bloque, que de manera alguna
significará un obstáculo a la eficacia uniformadora de las opiniones consultivas, haciéndolas, por
el contrario, plenamente ponderables a partir de su validez constitucional.
34
J.C.RIVERA, “La Opinión Consultiva en el Sistema de Solución de Controversias del Mercosur”, en Estudios en homenaje a la doctora Berta Kaller Orchansky,
Poder Judicial de la Provincia de Córdoba, Tribunal Superior de Justicia, Córdoba, 2004, pp.203 y ss.
35
J.C.RIVERA (nota 17), pp. 209.
36
Art. 4 RPO.
37
M. FARREL, “La argumentación de las decisiones en los tribunales colectivos”, La Ley, Argentina, 2003-F, 1161.
38
M. FARREL, (nota ), pp. 1161 y ss.
39
Véase Informe del que participamos juristas de la región bajo la dirección de R. ALONSO GARCIA, en el marco del proyecto de la UE publicado bajo
el título “Contribución al perfeccionamiento del sistema de solución de controversias del MERCOSUR”, Revista de Derecho Internacional y del
MERCOSUR, La Ley año 8, n° 5, 2004, pp. 135-140.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 545
De manera sintética, podría señalarse que la visión crítica que surgirá a consecuencia de esta
OC puede llegar a traducirse en resoluciones de jueces nacionales que se muestren indiferentes
frente al mecanismo adoptado por Olivos y a futuras OCs., o bien que efectúen una apropiación
antojadiza y/o discrecional (arbitraria) de uno o varios votos que forman parte de esta
Declaración (en razón de los argumentos allí contenidos); o -en versiones más extremas- de una
o varias motivaciones aisladas, como fuente de justificación de sus decisiones,
independientemente del sentido de la decisión final (parte resolutiva). Esta dualidad de actitudes
no resulta conveniente ni adecuada para la interpretación uniforme que es esencial a la hora de
garantizar la seguridad jurídica requerida en MERCOSUR. Más aún, entre los efectos que puede
provocar el pronunciamiento reciente – totalmente refractario al buscado a la hora de introducir
este mecanismo – nos preocupa la “tacha de irrelevante” al TPR en el razonamiento práctico de
los jueces nacionales, con el consiguiente impacto en el rol del Tribunal como intérprete último
de las normas del MERCOSUR y garantizador de su aplicación uniforme.
Conforme las competencias que le fueran asignadas, en los supuestos en que son los TSJ de
los Estados partes quienes las solicitan, como se ha visto ya, el TPR debe pronunciarse
exclusivamente sobre la interpretación jurídica de la normativa del MERCOSUR exigiéndose
asimismo que verse sobre la que es de aplicación en una causa en trámite ante el Poder Judicial
del Estado parte que la solicita40.
Al limitar la OC a la interpretación jurídica, pareciera que se excluye expresamente la
posibilidad de pronunciarse sobre la cuestión de validez de la normativa MERCOSUR – que sin
embargo queda comprendida cuando quienes plantean la solicitud son los Estados partes
conjuntamente o los órganos con facultades decisorias41.
40
RPO, art. 4.1.
41
Cfr. A. PEROTTI, “El control de legalidad de las normas del MERCOSUR por el juez nacional”, DeCITA 3, Buenos Aires, Zavalía, 2005, pp. 558-560.
haber previsto el control de legalidad en el supuesto de que se active la opinión consultiva a través
de los Estados partes y los órganos decisorios. Pensando principalmente que el MERCOSUR
depende de la voluntad política – motor del proceso – se pretende que las opiniones consultivas
sean cumplidas aún cuando no son vinculantes. Si se establece una competencia que excede la
porción de atribuciones que los Estados partes están dispuestos a ceder facultando las consultas
La primera Opinión Consultiva en MERCOSUR ¿Germen de cuestión prejudicial?
del TSJ o ampliando el ámbito material previsto en el art. 1 del PO (interpretación, aplicación o
incumplimiento), se corre el riesgo de disminuir el grado de cumplimiento de los dictámenes que
se emitan, con la grave consecuencia de debilitar mucho más el bloque que transando al aprobar
normas concesivas.
Este punto dio lugar al planteo de inaplicabilidad del RPOC/STJ – particularmente en cuanto
se refiere al pago de los gastos y costas que derivan de la OC.
El árbitro coordinador efectúa un extenso alegato de las razones que a su juicio conducen a
la inaplicabilidad de las normas de derecho derivado por inconformidad con el Derecho
originario del MERCOSUR42. Argumenta asimismo – extra petita – que como la inaplicabilidad
que sustenta hace a una cuestión interna del MERCOSUR, “es decir, una cuestión que afecta al
TPR con el Consejo Mercado Común, el Grupo Mercado Común y la Secretaría del
MERCOSUR”, debe ser “vinculante”. A nuestro juicio, su posición excede ampliamente las
competencias del TPR.
El tema no es abordado por los Dres. Moreno Rufinelli y J. G. Rodas, quienes se expiden
conjuntamente en la fundamentación aunque se separan a la hora de votar sobre este ítem. El
Dr. Rodas, conjuntamente con el Dr. Olivera y el Dr. Becerra consideran que resulta aplicable el
RPOC/STJ. En tanto que el Dr. Moreno Rufinelli vota en solitario sin descartar expresamente
ni fundamentar la no aplicación del RPOC/STJ, empero apoyando su decisión en una posición
unánime (acápite 5 de la Declaración) por la cual el TPR recomienda al CMC la revisión de dicho
Reglamento en cuanto a la normativa sobre el pago de gastos y honorarios.
La disquisición expuesta no hace sino reafirmar lo dicho en cuanto a la razonabilidad de los
desarrollos y la falta de ilación entre las argumentaciones fundantes de los votos y lo dispuesto
en éstos.
Respaldando la posición que sostenemos, cabe traer a colación el pensamiento volcado en un
Informe sobre el “Perfeccionamiento del sistema de solución de controversias”43 del cual
participamos, señalando:
“El propio TPR debe ser consciente de la responsabilidad que asume a través de
pronunciamientos cuyos potenciales destinatarios son todos los operadores jurídicos de los
Estados Partes, en última instancia sus respectivos jueces y tribunales. Ello trae como
consecuencia la conveniencia de mostrarse particularmente generoso y sólido en la motivación
de sus decisiones, evitando en lo posible opiniones disidentes (ajenas en el contexto arbitral stricto
546 sensu, en el que los laudos lo más que admiten es manifestar la disconformidad sin exteriorizar el
fundamento de la misma), que si bien pueden aportar riqueza al debate jurídico, pueden traer
consigo inconvenientes de peso. Así, la posibilidad de que la auctoritas del TPR, no precisamente
respaldada por la fuerza jurídica vinculante de sus decisiones, ausente como hemos venido viendo
en el marco de las opiniones consultivas, pueda verse cercenada ante una opción por los jueces
nacionales en favor de la opinión minoritaria (opinión que, además, les facilitaría la necesidad de
fundamentar su pronunciamiento al margen o en contra del pronunciamiento del TPR, al hacer
suya la fundamentación de la minoría en cuestión)”.
42
Ver OC N° 1 / 2007, G.2, voto del Dr. W. Fernández de Brix.
43
Ver (nota ), p. 137.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 547
Las decisiones del TPR – tanto las contenciosas como las consultivas – se adoptan sobre la
base de ordenamiento vigente del MERCOSUR, el cual, además de comprender el derecho
mercosureño originario y derivado, está integrado por las normas y principios del derecho
internacional44. De hecho, se observa que pese a no ser mencionadas otras fuentes que puedan
ayudar al TPR a lograr la interpretación más adecuada en los laudos dictados así como en la
OC emitida se hacen repetidas alusiones a reglas y a decisiones del ámbito comunitario
europeo.
Estimamos que el derecho de la UE – así como el de otros bloques o Estados – no es apto
para fundar per se las decisiones del TPR, aunque puede servir de parámetro comparativo en
algunos casos, dado el carácter paradigmático de la integración comunitaria europea.
Hemos adelantado que en las OC se registra tanto la opinión mayoritaria como las disidencias
si las hubiere, posición que ha llevado a señalar el carácter no jurisdiccional y la naturaleza no
adjudicativa de la OC. Esta circunstancia estaría diferenciando el procedimiento de las
actuaciones destinadas a solucionar una controversia45. Recuérdese que cuando el TPR emite un
fallo, los árbitros no pueden fundar su disidencia debiendo mantener la confidencialidad de la
votación46. En tanto que en la vía consultiva, al exigir que las opiniones en disidencia estén
expresamente consignadas47, se pretende asegurar la transparencia del procedimiento, además de
posibilitar a las partes un acercamiento en función de una interpretación legal. Las diferencias de
interpretación que se infieren de una norma, podrían derivar en una negociación mediante la cual
se arribe a una solución.
A lo largo de diez acápites, en la Opinión en análisis, el TPR declaró su parecer acerca de los
tópicos – no en todos los casos – en los votos individuales, consignando en cada acápite, si la
44
Si bien el artículo 9.1 del RPO que reglamenta esta cuestión se refiere textualmente a “la normativa mencionada en el artículo 34 del Protocolo de
Olivos”, entendemos que no puede realizarse una interpretación tan estricta que lleve a obviar la posibilidad de que sean respondidas con base en
los principios de derecho internacional, que figuran también en la norma de Olivos.
45
S. CZAR DE ZALDUENDO, “La competencia consultiva en el MERCOSUR”, en La Ley, Argentina, 2005-F, 68.
46
Así se establece en el art. 25 PO.
47
Art. 9.1.c RPO.
Las OCs. peticionadas por los órganos judiciales nacionales deben ser consideradas como
“interpretaciones prejudiciales consultivas”, agregando seguidamente que “aún” no se les
reconoce carácter vinculante.
De esta aseveración deviene que hace a su competencia “interpretar el derecho de integración
mercosureño” en tanto que “la aplicación de tal interpretación así como la interpretación y
La primera Opinión Consultiva en MERCOSUR ¿Germen de cuestión prejudicial?
aplicación del derecho nacional” compete en forma exclusiva a los órganos judiciales nacionales
que elevan la consulta.
El adverbio “aún” que informa el voto emitido por el TPR en orden a la falta de efecto
vinculante, denota el interés de promover una reforma del sistema hacia el reconocimiento del
mismo a las OCs.
Frente al tenor del primer apartado surgen de inmediato una serie de interrogantes que
pueden conjugarse con las nociones expuestas en la primera parte de este trabajo. Así:
¿Es conveniente la caracterización efectuada por el TPR en esta primera OC?
En realidad, la calificación realizada no agrega ni desagrega a lo ya dicho sobre este
instrumento. En todo caso, manifiesta cierta inconsistencia con las afirmaciones que
unilateralmente realizan en sus respectivos pareceres además de dejar asentado las diferencias
conceptuales que existen en el seno del Tribunal. Mientras uno de los árbitros insiste en la calidad
prejudicial de la OC48, otro de los miembros se enrola de forma terminante en desconocer dicha
calidad prejudicial del instrumento en razón de descartar que “[l]as normas de MERCOSUR
constituyan Derecho comunitario”49.
Así, el miembro coordinador de la redacción luego de una pormenorizado relato acerca de la
naturaleza de la OC y una exposición comparativa con otros sistemas – que podría considerarse
una extralimitación en el ejercicio de su función – señala su disconformidad con el nombre de
“opinión consultiva” que recibe esta herramienta en el sistema MERCOSUR, destacando que el
hecho de no ser obligatoria y su falta de efecto vinculante, contrarían la característica de
imperatividad que todo tribunal detenta. Considera asimismo que al no cumplir con esos
recaudos “se desnaturaliza por completo el concepto, naturaleza y el objetivo de lo que debe ser
un correcto sistema de interpretación judicial”50.
Además de reiterar a lo largo de su voto la posición que asume con respecto a las falencias de
que adolece la OC en el sistema MERCOSUR avanza instando, por una parte, a las autoridades
orgánicas a fin de que mejoren las características establecidas en las normas actuales en un lapso
corto de tiempo; en tanto que por otra, se dirige a los órganos nacionales – las Cortes Supremas
de Justicia de los Estados partes – llamándoles la atención sobre la importancia de elaborar
mecanismos de solicitud de OCs. que permitan el contacto más directo y expedito posible entre
el TPR y los jueces nacionales consultantes. Sostiene el árbitro, que de seguir esta línea se
respetará y observará la naturaleza y objetivo de las consultas.
548 Otro detalle a tener en cuenta es que en uno de los razonamientos se considera que la
“[c]onsulta planteada no refiere estrictamente a la interpretación de las normas contenidas en el
PBA, sino a la dilucidación del aparente conflicto de fuentes normativas aplicables”. De todos
modos el árbitro encuentra en el “principio de colaboración con la justicia” fundamento para
evacuar la consulta51.
48
W. Fernández de Brix, OC: B.1. Concepto, naturaleza y objetivo de las OC.
49
Señala R. Olivera que siendo así se explica que “[l]os dictámenes de opinión consultiva no sean aún prejudiciales respecto del fuero nacional, en el
sentido que no son vinculantes para el juez consultante”.
50
W. Fernández de Brix, ap. 4.
51
R. Olivera, OC: B) Competencia del TPR para emitir la opinión consultiva.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 549
En tanto que los dos árbitros que emiten conjuntamente sus argumentaciones – antes citados
– entienden a la OC como “un formidable instrumento de armonización” que si bien no tiene
efecto vinculante contribuye a reconocer cierta esfera de supranacionalidad en el proceso.
No obstante las disquisiciones enunciadas la definición de la OC, es emitida mediante voto
unánime.
Ni en punto a la definición de la OC ni en los que siguen advertimos entre las posiciones
mentadas, una sucesión argumentativa en el razonamiento legal, plasmado luego en la
Declaración, a los fines de alcanzar la necesaria armonización en aras de la interpretación
uniforme que se requiere52.
El debate sobre este tema existe desde los albores del proceso subregional preocupando in
extenso no tan sólo a la doctrina, a la jurisprudencia y al operador en general, sino que fue
abordado por los tribunales ad-hoc de MERCOSUR (TAHM) de cara al modelo de integración
regional53.
Un esquema supranacional54 genera un derecho impregnado de los principios que el TJCE
fue sentando con relación al acervo jurídico de la Unión, esto es la primacía del derecho
comunitario por sobre el derecho interno de los Estados miembros, la aplicación inmediata de
ese ordenamiento normativo y su efecto directo55. En tanto en MERCOSUR, dada su naturaleza
netamente intergubernamental y el procedimiento de incorporación de las normas aprobadas, así
como el modo de su entrada en vigor, no autorizan – bajo nuestra óptica – a reconocerle ab initio
52
Acerca del esquema del razonamiento judicial resulta insoslayable la lectura de la obra de R. L. LORENZETTI, Teoría de la decisión judicial: fundamentos de
derecho, Argentina, Rubinzal Culzoni, 2006, pp.183 y ss.
53
Es muy ilustrativa la visión sobre los laudos arbitrales en orden a estos factores que brinda D. OPERTTI BADÁN, en “Solución de controversias en el
MERCOSUR y la experiencia uruguaya”, Congreso sobre las Inversiones en el Atlántico Sur: Uruguay, puerta al MERCOSUR, Instituto Suizo de Derecho
Comparado, ALADI, 2007. Los laudos de los TAHM y los del TPR pueden consultarse en: www.mercosur.org.uy
54
Téngase presente que cuando afirmamos este carácter no señalamos que la supranacionalidad del modelo sea el único carácter de un proceso de
integración. No existe un esquema solamente supranacional, sino combinado con adecuadas dosis de intergubernamentalidad.
55
Muy interesante estudio sobre los principios en la jurisprudencia comunitaria realiza D. SARMIENTO, Poder judicial e integración europea. La construcción de
un modelo jurisdiccional para la Unión, Madrid, Civitas, 2004. También en la CAN se encuentran los caracteres mencionados acordes con la naturaleza
del derecho, todo reflejado en las sentencias del Tribunal de ese sistema de integración. Ver A. PEROTTI, Los principios del derecho comunitario y el derecho
interno en Europa y la Comunidad Andina. Aplicabilidad en el derecho del MERCOSUR, Córdoba, Jurídica, (en prensa), 2007.
56
Aunque no se lo califica así en el voto, si en cambio en el razonamiento en el cual se funda W. Fernández de Brix.
57
Del voto de R. Olivera.
En nuestra comprensión, las diferencias con el derecho comunitario por un lado y con el
ordenamiento convencional por otro, radican principalmente en los factores que seguidamente
enunciamos.
La fuente de producción: el derecho de la integración se genera en el ámbito de los órganos con
facultades decisorias del MERCOSUR.
La primera Opinión Consultiva en MERCOSUR ¿Germen de cuestión prejudicial?
El ámbito subjetivo: las normas jurídicas de MERCOSUR están acotadas en cuanto a su vigencia
a los Estados partes y en su caso, a los Estados asociados.
La finalidad: el acervo normativo del proceso de integración en formación se elabora con las
miras puestas en la conformación de un mercado común, aunque lejos esté MERCOSUR aún
de poder considerarse como tal.
Factores propios:
Por no contar con órganos legisferantes en los cuales se haya delegado legítimamente
competencia para elaborar normas pasibles de aplicación inmediata y efecto directo, las mismas
requieren incorporación legislativa. No pueden entrar en vigencia hasta tanto se dicte la ley
pertinente y se cumplan los recaudos establecidos expresamente en el Protocolo de Ouro Preto
sobre Estructura Institucional.
Una importante cantidad de fuentes elaboradas por los órganos referidos no deben someterse al
procedimiento señalado aunque deban efectuarse otros procedimientos a través de órganos
administrativos de los Estados partes para su internalización por tratarse de cuestiones que hacen en el
ámbito interno de los países a las facultades de regulación en dichos ámbitos. Luego, existen también
normas que entran directamente en vigor sin más referidas por ejemplo, a la estructura orgánica.
Es particular de este ordenamiento normativo distinguir entre un derecho originario (los
tratados fundacionales y su sistema de solución de controversias) y un derecho derivado que nace
al amparo de ese conjunto legal que lo respalda.
El instituto del orden público internacional no es objeto de un voto particularizado sino que
el problema se condensa en los votos (en mayoría y concurrente) que se pronuncian sobre la
cuestión de la primacía. Sin embargo no podemos pasar por alto el tratamiento que recibe dado
el relevante papel que le concierne cuando en las situaciones internacionales corresponde aplicar
una vertiente jurídica distinta a la del foro, sea de fuente nacional, convencional o institucional58.
Las posturas tan diferentes que aparecen en esta OC y que derivan en igual decisión – esto es la
aplicación del Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdicción internacional en materia contractual
– merecen un párrafo especial.
¿Qué es el orden público internacional?
550 Elaborar un concepto que contenga el orden público internacional ha provocado en los
juristas y doctrinarios del mundo entero – especialmente de Derecho internacional privado- más
enigmas que certezas59. No pretendemos en esta oportunidad abarcar el instituto en su vasta
problemática sino dejar en claro algunos aspectos que pueden servir de orientadores a la hora de
analizar lo dispuesto en esta OC. Nos limitaremos a exponer algunos puntos que se vinculan de
modo directo con la figura en la integración regional.
58
Sobre el tema, A. DREYZIN DE KLOR, El MERCOSUR: Generador de una nueva fuente de derecho internacional privado, Buenos Aires, Zavalía, 1997.
59
La noción de orden público internacional puede consultarse además en: G. PARRA ARANGUREN, Curso General de Derecho internacional privado. Problemas
Selectos y otros Estudios. Caracas, Fundación Fernando Parra Aranguren, 1992 ps.117-136; J. FERNANDEZ ROZAS / S. SANCHEZ LORENZO. Curso de
Derecho internacional privado, Madrid, pp. 482 y ss.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 551
Con el afán de situar el problema digamos que en ciertos casos una regla jurídica extranjera
normalmente aplicable es excluida por motivos especiales. Esta actitud es fruto de considerar que
su aplicación devendría en un resultado contradictorio o inconsistente con algún principio
fundamental de la ley del foro.
Los ordenamientos jurídicos nacionales contienen principios propios que son precisamente
los que le dan solidez y autonomía. Actúan como fuente supletoria en caso de ausencia de
normas e integran el derecho; informan e inspiran al legislador, orientan al juez y al intérprete y
fundamentan el orden jurídico. En suma, son la esencia de los respectivos derechos.
El orden público actúa como correctivo funcional que obra como una acción de defensa de
todos los elementos e intereses que están involucrados en el tráfico jurídico internacional y, con
especial intensidad, como una defensa de la comunidad nacional, de su orden social y jurídico.60
El carácter excepcional y funcional de la institución es ampliamente aceptado por lo que
consideramos un acierto que actualmente no se discute si consiste en disposiciones o si se trata de
principios; la calidad restrictiva de la defensa nos dirige derechamente a la consideración del orden
público internacional como “conjunto de principios”61.
En el ámbito del derecho privado ha cobrado una dimensión cada vez mayor la autonomía
de la voluntad desplazando normas imperativas de los ordenamientos internos que pasan a tener
vigencia subsidiaria. En consecuencia, se achica el espacio para la aplicación de esta defensa; la
misma regulación del instituto lo demuestra desde que las últimas convenciones y protocolos de
la integración han previsto su empleo ante la manifiesta contraposición con los principios en que
se sustenta la legislación interna.
En el caso concreto, en que corresponde la aplicación del PBA existe específicamente la
posibilidad de oponer la excepción de orden público internacional.
Tanto los protocolos que conforman la fuente de Derecho internacional privado institucional,
como los diferentes tratados o convenios que vinculan a los Estados, así como los respectivos
60
Conf. M. AGUILAR NAVARRO, Derecho internacional privado, vol.I, t° II, Parte 2°, Madrid, Universitas, 1982, p.196.
61
La excepción de orden público internacional, puede funcionar de dos modos distintos: a priori, esto es cuando antes de consultar el derecho
extranjero que la norma del foro declara aplicable, éste es descartado por el derecho propio, o a posteriori. En este caso, se procede a consultar el
derecho extranjero, quedando descartado sólo en la medida que su aplicación fuere incompatible con el espíritu de la legislación.
órdenes jurídicos, sobre el derecho interno63. Ratifica la postura que el Derecho de la integración
no goza de los principios reconocidos al derecho comunitario.
Es dable destacar que bajo este acápite y suscripto también en mayoría por los mismos
árbitros, se considera que la evaluación sobre la afectación del orden público internacional en el
caso concreto compete al juez nacional.
Es coherente al instituto que sea el tribunal nacional quien efectúe la valoración del derecho
derivado del MERCOSUR y que en la medida que no sea manifiestamente contrario a la
legislación nacional, proceda su aplicación.
V. Algunas reflexiones
62
2.1 (Voto concurrente del miembro coordinador Doctor Wilfredo Fernández y Doctor Nicolás Becerra).
63
Así se pronunciaron los árbitros José A. Moreno Ruffinelli, Joao Grandino Rodas y Ricardo Olivera García, quienes suscribieron que “las normas
del MERCOSUR internalizadas prevalecen sobre las normas del derecho interno de los Estados Partes”. Acápite 2 de la Declaración.
64
El art. 10.2 RPO ordena la notificación a todos los Estados partes y el art. 13 RPO su publicación en el BOM. El art. 10 ROC, por su parte, ordena
la notificación a todos los Estados partes, con copia a la SM, y a todos los tribunales superiores (no sólo al que solicitó la opinión consultiva).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 553
pronunciamientos. Una respuesta sólida e inequívoca tendrá menos posibilidad de ser descartada,
aunque la OC no sea vinculante.
El TPR no puede ser considerado un órgano jurisdiccional que cubre las necesidades que el
esquema de integración amerita. Sin embargo, es una pieza relevante del entramado existente,
germen de un Tribunal de Justicia que contará – en función de su desenvolvimiento y del que
muestre el sistema – con plenas competencias para velar por el debido respeto del esquema de
integración a la vez que garante de todo el acervo normativo que requiere de interpretación
común cualquiera sea el territorio de aplicación dentro del bloque.
Tomando como punto de partida que los particulares, por principio, deben intentar combatir
las deficiencias de tipo estructural que plantea el modelo ante sus propios tribunales y siendo de
la esencia de la integración el ámbito de la arquitectura judicial, se plantea la imperiosa necesidad
de una visión de conjunto nucleando al TPR y a los tribunales de los Estados partes. En este
orden de ideas, el principio de cooperación leal entre ambas instancias – la nacional y la
mercosureña – requieren que como centro de atracción en torno al cual gire el desarrollo del
modelo, se considere la importancia de dinamizar la opinión consultiva solicitada por las
judicaturas nacionales por un lado, y la emisión de la misma por el TPR conforme a principios
de coherencia, congruencia y secuencia argumental entre los fundamentos y las declaraciones que
resulten del pedido.
La cuestión prejudicial es un valioso instrumento que el MERCOSUR debe mirar con
especial atención siendo la opinión consultiva una suerte de esbozo o primer estadio hacia la
adopción de un mecanismo que se acerque más a los caracteres de la figura europea. Será
necesario a tal efecto, que las condiciones estructurales se desarrollen avanzando hacia un sistema
de solución de conflictos que reemplace el actual modelo provisorio conforme se deja
expresamente plasmado en el Protocolo de Olivos para la solución de controversias65. Ello, a la
luz de los objetivos consignados – principalmente la uniformidad hermenéutica – sin dejar de
553
65
Artículo 53: “Revisión del sistema. Antes de finalizar el proceso de convergencia del arancel externo común, los Estados Partes efectuarán una
revisión del actual sistema de solución de controversias, a fin de adoptar el Sistema Permanente de Solución de Controversias para el Mercado Común
a que se refiere el numeral 3 del Anexo III del Tratado de Asunción”.
El Mercosur y el Derecho
Constitucional de los Estados Partes
Alejandro Daniel Perotti*
Sumário: 1. Introducción - 2. Las Constituciones nacionales y el MERCOSUR - 3. Conclusiones particulares - 3.1. Brasil -
3.1.1. Etapas de la celebración de los tratados - 3.1.2. Atribuciones de los Poderes - 3.1.3. Jerarquía - 3.1.4. Cláusula de habilitación
constitucional - 3.1.5. El Derecho comunitario en el ordenamiento normativo brasileño (MERCOSUR) - 3.1.5.1. Jerarquía - 3.1.5.2.
Vigencia - 3.1.6. El Derecho del MERCOSUR y la jurisprudencia nacional - 3.2. Paraguay - 3.2.1. Etapas de la celebración de los
tratados - 3.2.2. Atribuciones de los Poderes - 3.2.3. Jerarquía - 3.2.4. Cláusula de habilitación constitucional - 3.2.5. El Derecho
comunitario en el ordenamiento normativo paraguayo (MERCOSUR) - 3.2.5.1. Jerarquía - 3.2.5.2. Vigencia - 3.2.6. El Derecho
del MERCOSUR y la jurisprudencia nacional - 3.3. Uruguay - 3.3.1. Etapas de la celebración de los tratados - 3.3.2. Atribuciones
de los Poderes - 3.3.3. Jerarquía - 3.3.4. Cláusula de habilitación constitucional - 3.3.5. El Derecho comunitario en el ordenamiento
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
normativo uruguayo (MERCOSUR) - 3.3.5.1. Jerarquía y vigencia - 3.3.6. El Derecho del MERCOSUR y la jurisprudencia
nacional - 3.4. Argentina - 3.4.1. Etapas de la celebración de los tratados - 3.4.2. Atribuciones de los Poderes - 3.4.3. Jerarquía -
3.4.4. Cláusula de habilitación constitucional - 3.4.5. El Derecho comunitario en el ordenamiento normativo argentino
(MERCOSUR) - 3.4.5.1. Constitución nacional y Derecho comunitario: jerarquía - 3.4.5.2. Derecho comunitario: jerarquía frente
a la legislación infraconstitucional y vigencia: - Principio de primacía - Efectos directo e inmediato del Derecho del MERCOSUR
originario y derivado - 4. Conclusiones generales
1. INTRODUCCIÓN
Por lo demás, la inclusión de trabajos de autores de los países vecinos demuestra no sólo
hermandad que, bienvenido sea, impera entre nuestros Estados, sino también la visión de
integración regional que desde un principio defendió y llevó a la práctica la Ministra Rocha.
La investigación a la cual se introduce – que cabe mencionar responde a una sugerencia
de la Ministra Rocha – refleja las conclusiones generales que extraemos de nuestra tesis
doctoral “Habilitación constitucional para la integración comunitaria. Estudio sobre los
Estados del MERCOSUR” 1,2, la cual tuvo por fin ofrecer una respuesta a dos interrogantes:
el primero, en torno a saber si la profundización del MERCOSUR, mediante la modificación
de su estructura institucional de modo de combinar órganos intergubernamentales con otros
de carácter supranacional3, requiere en todos y cada uno de los Estados Partes (en especial,
en Brasil y Uruguay), de manera ineludible, de la previa reforma constitucional o, por el
contrario, ello es jurídicamente factible en el marco de los textos fundamentales hoy vigentes.
La segunda cuestión hizo relación a la pregunta de si la misma exigencia de revisión
constitucional se impone a los fines de la aceptación de un ordenamiento jurídico de
554
* Abogado (Universidad Nacional del Litoral, Santa Fe), Master en Derecho Comunitario (Universidad Complutense de Madrid, España), Doctor en
Derecho (Universidad Austral, Buenos Aires). Profesor Adjunto a cargo de Derecho en la Integración de la Universidad Austral. Ex Consultor
Jurídico de la Secretaría del MERCOSUR, por concurso público internacional. Encargado de la Sección de Comercio Exterior del Estudio "Mansueti,
Gallo, Sallette & Perotti - Abogados", Buenos Aires, http://www.estudiomansueti.com/ - [email protected], [email protected]
1
Editada – bajo el mismo título – en Uruguay por la Fundación Konrad Adenauer, Montevideo, 2004, y en Brasil, posteriormente, por Juruá
editora, Curitiba, Paraná, 2007. La defensa de esta tesis doctoral – cuyo Director fue el Prof. Dr. Julio Barberis (Universidad de Buenos Aires,
Universidad Austral y Ministerio de Relaciones Exteriores, Argentina) – fue realizada en la Universidad Austral, Buenos Aires (23/11/2003),
ante el tribunal formado por los Profs. Dres. Ricardo Alonso García (Universidad Complutense de Madrid, España), presidente, Antônio
Cachapuz de Medeiros (Universidad Católica de Brasilia y Ministerio de Relaciones Exteriores, Brasil) y Adriana Dreyzin de Klor (Universidad
Nacional de Córdoba, Argentina).
2
Dado que el presente artículo condensa las conclusiones principales, se anticipa que no se realizarán citas específicas sobre normas,
jurisprudencia y doctrina, salvo casos muy puntuales; por ello, para mayor fundamentación, nos remitimos in totum a la mencionada obra
doctoral.
3
V.gr. una institución jurisdiccional de carácter permanente al estilo de los Tribunales de Justicia andino y europeo; o un órgano que represente y
actúe (con poder normativo) en interés de la Comunidad del MERCOSUR, según los modelos de la Comisión de las Comunidades Europeas, o
de la Secretaría General de la Comunidad Andina.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 555
naturaleza comunitaria4, o si ello es posible, respetando las normas de las cartas magnas, con
prescindencia de una modificación de los textos5. Dicho objetivo requirió la interpretación de
la cláusula de habilitación constitucional para la integración económica incluida en los
derechos constitucionales respectivos.
La cláusula de habilitación constitucional, en clave de integración regional, constituye, en
pocas palabras, la base normativa que el derecho constitucional ofrece para la participación del
Estado en los mecanismos de integración económica, lo cual incluye la temática de los efectos
del ordenamiento jurídico resultante de tales acuerdos regionales. Conforma así, el límite primero
y, a la vez, último de la actuación del Estado. Primero, en tanto autoriza a las autoridades
competentes para incorporar al Estado en un modelo particular de relacionamiento
internacional, por un lado, y permite la recepción del fenómeno integrativo y su incidencia en el
marco nacional, por el otro. Último, pues constituye el respaldo definitivo y definitorio para la
vigencia plena del sistema regional en el interior del territorio estatal; todas las acciones y medidas
adoptadas por la Comunidad, en base a las previsiones del tratado fundacional, que hallen
cobertura en la cláusula habilitante deberán tener absoluta observancia en el Estado, tanto por
los órganos públicos como por los particulares (personas físicas y jurídicas).
Evidentemente, no escapa a la percepción del jurista – en particular del constitucionalista
– que la participación del Estado en un proceso de integración económica, cuando éste tenga
por finalidad superar la etapa de una zona de libre comercio e intente configurar un mercado
común, presenta uno de los mayores desafíos para el derecho interno. Ello se explica, entre
otros aspectos, por la creación de un nuevo ordenamiento propio – diferente del derecho
nacional y del derecho internacional – que pasará a integrar el cuadro de fuentes
obligatoriamente aplicables en el Estado y las consecuencias que el mismo está llamado a
tener sobre todas las ramas del derecho interno; por las modificaciones competenciales que
deberán tener lugar a nivel de las autoridades del Estado; por la capacidad que tienen las
4
Es decir, un ordenamiento normativo, nacido al amparo de un tratado de integración económica entre Estados (lo que incluye el derecho
derivado, producto de la actividad legislativa y de administración de los órganos regionales que se instituyan), dotado – en virtud de su propia
naturaleza – de efecto directo, primacía y efecto inmediato.
5
Estos planteos no desestiman, en absoluto, la opción por una adecuación de las Constituciones nacionales, cuando ello corresponda. Sin
embargo, se ha pretendido ofrecer una hermenéutica, no “alternativa” a la reforma, sino respaldatoria de su innecesariedad.
6
Cfr. GROS ESPIELL, “La Integración Económica Latinoamericana y la Constitución Uruguaya”, en Temas Jurídicos Nº 1 “La Constitución
de 1967”, ed. Fundación de Cultura Universitaria, Montevideo, 1968, pág. 38; Instituto Interamericano de Estudios Jurídicos Internacionales,
“Derecho de la integración Latinoamericana”, ed. Depalma, Buenos Aires, 1969, págs. 1105 ss. En el ámbito Latinoamericano, el encuentro
académico más conocido sobre esta temática lo constituye la recordada “Mesa Redonda sobre la Integración de América Latina y la Cuestión
Constitucional”, Universidad Nacional de Bogotá, 6 a 8 de febrero de 1967, ed. Instituto Interamericano de Estudios Jurídicos Internacionales,
Washington, 1968.
bases del MERCOSUR –, requiere tener una apoyatura concreta en la Constitución nacional,
en tanto norma suprema que regula la actividad normativa de las autoridades nacionales y
permite, según sus términos, la apertura del sistema jurídico interno a las disposiciones
provenientes de terceros ordenamientos.
3. CONCLUSIONES PARTICULARES
3.1 BRASIL
1. Las etapas de concertación de los tratados y acuerdos internaciones (que deban seguir
el mecanismo clásico) se estructuran a partir de la concurrencia de actos de los Poderes
Ejecutivo, negociación y firma, del Legislativo, aprobación y nuevamente del Ejecutivo,
ratificación (lo que incluye su canje o depósito).
2. La práctica interna ha sumado como formalidad adicional, no exigida por la Constitución
(Rezek7 y Rodas8), pero avalada, en innumerables oportunidades, por la jurisprudencia del
Supremo Tribunal Federal (STF) y del Superior Tribunal de Justicia (STJ), la “promulgación” del
tratado a los fines de su aplicabilidad doméstica. El alcance asignado a este último acto practicado
por el Ejecutivo, que podría plantear el interrogante de su ajuste con el principio de división de
los poderes, además de no reparar en el artículo 4 de la Convención de La Habana sobre Tratados
de 1928 (vigente para Brasil), tampoco resulta justificable constitucionalmente si se apela – como
suele alegarse – a su finalidad publicitaria, puesto que para ello bastaría con la publicación del
Decreto Legislativo9 de aprobación conjuntamente con el texto del tratado en el Diário Oficial
da União (DOU)10, encargándose, al mismo tiempo, al Ministerio de Relaciones Exteriores el
aviso oficial – en su momento – de la entrada en vigencia internacional de dicho tratado; para tal
objetivo sería suficiente una reforma legislativa o, aún sólo de normas administrativas. La
jurisprudencia, no obstante haber desestimado la posición dualista extrema (exigencia de una ley
del Congreso, distinta del acto de aprobación, que reproduzca el texto del tratado), ha
7
REZEK, José F., “Direito Internacional Público”, 2ª edição, ed. Saraiva, São Paulo, 1991, pág. 84. Así también, BORJA, Sérgio, “A incorporação
de tratados no sistema constitucional brasileiro”, RDM (Revista Derecho del MERCOSUR, ed. La Ley, Buenos Aires) 2001-4, pág. 93; del mismo
autor, “Teoría Geral dos Tratados - Mercosul: a luta pela união Latino-Americana”, ed. Ricardo Lenz, Porto Alegre, 2001, pág. 39; KANDLER,
Lise de Almeida, “O efeitos das normas do Mercosul no ordem jurídica Brasileira”, tesis doctoral presentada en el Departamento de Derecho del
Estado de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo, São Paulo, 1998, pág. 217. La misma opinión, respecto a las Decisiones del
Consejo del Mercado Común (CMC), es defendida por OLIVAR JIMENEZ, Martha Lucía, “La comprensión del concepto de Derecho
comunitario para una verdadera integración en el Cono Sur”, Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas Nº 16,
serie internacional VI, julio - diciembre 1996, ed. Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, pág. 135.
8
RODAS, João Grandino, “Tratados internacionais, sua executoriedade no direito interno brasileiro”, Revista do Curso de Direito da
Universidade Federal de Uberlândia Nº 1/2, vol. 21, dezembro 1992, Brasil, pág. 323. Igualmente, BASTOS, Carlos E. Caputo, “O proceso de 557
integração do Mercosul e a questão da hierarquia constitucional dos tratados”, en Estudos da Integração vol. 12, ed. Senado Federal, Porto
Alegre, 1997, pág. 66. Según informa Câmara, el primer acuerdo internacional que fue objeto de un acto de promulgación fue el Tratado de
Reconocimiento de la Independencia del Imperio, firmado en Portugal, el 29 de agosto de 1825 y promulgado por Decreto de 4 de abril de
1826 (CÂMARA, José Sette, “A Conclução dos Tratados Internacionais e o Direito Constitucional Brasileiro”, Boletim da Sociedade Brasileira
de Direito Internacional N° 69-71, anos XXXIX a XLI, 1987/1989, pág. 69). Cachapuz de Medeiros, no obstante reconocerle a la promulgación
los mismos orígenes, alega que la base constitucional puede hallarse en los artículos 5, II (principio de legalidad), y 84, IV (competencia privativa
del Presidente para sancionar, promulgar y hacer publicar las leyes) de la Constitución (CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio P., “O Poder
Legislativo e os Tratados Internacionais”, ed. Instituto dos Advogados de Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1983, pág. 470). M. Reis, luego de
reparar también en la falta de exigencia del acto promulgativo de acuerdo al texto de la constitución formal, mantiene que el fundamento
normativo se encuentra, sin embargo, en la constitución material, es decir en una costumbre que data desde la época del Imperio; de esta manera
el requisito de la promulgación encontraría respaldo en el texto de la Carta Fundamental y éste, a su vez, es la fuente de valides de la LICC (Ley
de Introducción al Código Civil, Decreto-lei 4.657, 04/09/1942, DOU 09/09/42) y del Decreto 96.671/88, que mencionan el acto de la
promulgación presidencial (REIS, Márcio Monteiro, “Mercosul, União Européia e Constituição: a integração dos Estados e os Ordenamentos
Jurídicos nacionais”, ed. Renovar, Río de Janeiro, 2001, págs. 94 a 97).
9
Que es el sucedáneo de la Ley Aprobatoria que encontramos en los derechos argentino, paraguayo y uruguayo.
10
Tal como ocurre con el Proyecto de Decreto Legislativo, que se publica en el Diario del Senado Federal.
Asimismo, cabe destacar que las normas de la Constitución Federal que regulan el
procedimiento de celebración de los tratados nada establecen acerca de la promulgación; por
lo demás, la competencia presidencial para dictar actos promulgativos sólo se extiende a las
“leyes”. En materia de tratados sobre derechos humanos la Constitución parecería habilitar
su aplicación inmediata, a partir de su entrada en vigor internacional, con prescindencia del
decreto de promulgación.
3. La orientación monista del ordenamiento brasileño puede sustentarse en lo previsto en
las disposiciones de la Carta política, principalmente aquellas que establecen las competencias
de los órganos del Poder Judicial que permiten la aplicación de los tratados y acuerdos
propiamente dichos, lo que significa considerarlos parte integrante de la legislación interna,
sin necesidad de intermediación normativa. La Constitución establece claramente que las
fuentes jurídicas a ser aplicadas por el juez son las disposiciones internacionales y no las reglas
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
11
V.gr., Tratado de Montevideo 1980 constitutivo de la Asociación Latinoamericana de Integración – Asociación Latinoamericana de Integración
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 559
efectos propios del ordenamiento jurídico que surge a partir de los mismos; tal formalidad12
no constituye un eximente suficiente para no aplicar un compromiso así concertado13.
En materia de tributos aduaneros, el principio de legalidad exige la participación del
Parlamento en la aprobación de la norma de base (ley o tratado), quedando facultado el Poder
Ejecutivo, en el marco del derecho vigente, para aumentar y disminuir las alícuotas
correspondientes, sin que sea necesario requerir un nuevo acto del Congreso. Mediante los
mismos tipos de actos, el Parlamento, como titular de la potestad para fijar aranceles
aduaneros (condiciones y límites), puede delegar el ejercicio de esta atribución a
organizaciones internacionales14.
3. Una cuestión ampliamente debatida en la doctrina brasileña dice relación a la permisión
constitucional de los acuerdos en forma simplificada. En cuanto a la Constitución Federal,
interpretada literalmente, puede argumentarse que ciertos tipos de convenios no requerirían
de su paso por el Congreso, tales como aquellos que no repercuten gravosamente sobre el
patrimonio estatal.
En apoyo de la legitimidad de este tipo de acuerdos obran, además de la práctica seguida
por el Estado brasileño, los principios sobre zona de reserva de la Administración – antes
mencionado – en concordancia con el de división de los poderes y los supuestos en los que
estos convenios constituyan un acto de ejecución de un tratado que ha obtenido en su
momento la aprobación del Congreso15.
4. Los jueces internos también pueden intervenir en asuntos regidos por tratados y actos
internacionales. Según la regulación constitucional de las atribuciones del Poder Judicial, en
particular del STF, el control de constitucionalidad de los acuerdos internacionales constituye
un expediente jurídicamente posible.
En los hechos la Suprema Corte brasileña no ha renunciado a fiscalizar los tratados en
cuanto a su compatibilidad con la Carta política; aún más, reiteradamente ha puesto de
12
Que consta, entre otros, en el Decreto Legislativo 188/95, 15/12/1995, DOU 18/12/95, que aprobó el Protocolo de Ouro Preto.
13
No obstante así lo interpretó el STF en el conocido fallo en el cual rehusó aplicar el Protocolos de Medidas Cautelares del MERCOSUR,
alegando la ausencia de promulgación presidencial y a pesar de encontrarse dicho instrumento vigente en el MERCOSUR, al momento de la
sentencia [STF, CR (AgRg) 8.279/AT, ver infra].
14
Según la jurisprudencia del STF, habría que hacer excepción aquí a las cuestiones objeto de reserva de ley complementaria, las cuales no pueden
ser materia de regulación por tratados o actos internacionales.
15
Ver sentencia STJ, 2ª turma, REsp 104.944/SP, rel. min. Adhemar Maciel, 14/04/1998, Diário Judicial da União (DJU) 11/05/98; voto min. rel.
párr. 3º.
16 559
Cabe tener presente que el artículo 1 de la Enmienda Constitucional Nº 45/04 (EC 45/04) – 30/12/2004, DOU 31/12/04 – agregó un nuevo
párrafo al artículo 5 de la Constitución, a cuyo tenor “§3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
17
El asunto paradigmático ha girado en torno a la constitucionalidad de las disposiciones del derecho interno que permiten la prisión por depósito
infiel – que según el STF han sido “receptadas” por la CF 1988 –, frente a la prohibición de prisión civil por deudas contenida en el Pacto de
San José de Costa Rica. El STF ha consolidado una línea jurisprudencial que mantiene la validez de la prisión en estos casos (ver, sentencias
pleno, HC 72.131/RJ, rel. min. Marco Aurélio, rel. p/acordão min. Moreira Alves, 23/11/1995, DJU 01/08/2003, pág. 103; pleno, RE
206.482/SP, rel. min. Maurício Corrêa, 27/05/1998, DJU 05/09/2003, pág. 32; pleno, HC 81.319/GO, rel. min. Celso de Mello, 24/04/2002,
DJU 19/08/2005, pág. 5, entre muchas); no obstante, en tiempos recientes, y dado el contenido de la citada EC 45/04, se encuentra pendiente
ante el plenario de la Suprema Corte brasileña, la posible revisión de esta posición (ver, pleno, RE 349.703/RS, rel. min. Ilmar Galvão,
Informativo del STF Nº 449, y pleno, HC 87.585/TO, rel. min. Marco Aurélio, Informativo del STF Nº 477; asimismo, pleno, RE 466.343/SP,
rel. min. Cezar Peluso, Informativo del STF Nº 450 y voto-vogal del min. Gilmar Mendez de 22/11/2006, expediente en el cual siete ministros
del STF han votado por la inconstitucionalidad de la prisión para el depositario infiel; HC 90.354/RJ, rel. min. Cezar Peluso, decisão monocrática
del min. Gilmar Mendez en ejercicio de la Presidencia, de 04/01/2007, por la cual hizo lugar al auto de soltura de un particular contra quien
se había decretado la prisión por depósito infiel, basándose en que, visto la discusión y la votación que venía realizándose en el RE 466.343
citado, existía cierta plausibilidad jurídica de que los argumentos del peticionante se impongan en la jurisprudencia del STF, Noticias del STF
de 05/01/07; en la misma orientación que el caso último mencionado, HC 92.613/MG, rel. min. Cezar Peluso, decisão monocrática de 17/10/2007,
Noticias del STF de 19/10/07).
2.1.3 Jerarquía
18
Sentencia STF, pleno, REP 803/DF, rel. min. Djaci Falcão, 15/09/1977, RTJ (Revista Trimestral de Jurisprudencia) 84/724. Otro ejemplo que
debe citarse es la ADIn MC (Acción Directa de Inconstitucionalidad con pedido de Medida Cautelar) 1.480/DF, rel. min. Celso de Mello,
04/09/1997, DJU 18/05/2001, dirigida contra la Convenio Nº 158 de la OIT. Si bien el tribunal no declaró expresamente la
inconstitucionalidad, si hizo lugar a la pretensión preliminar, resolviendo que hasta tanto sea dictada la resolución sobre el fondo, los artículos
impugnados del Convenio deberían ser interpretados por las jurisdicciones inferiores de manera compatible con la Constitución. El proceso de
la ADIn 1.480 fue luego declarado extinto por el relator frente a la aprobación del Decreto 2.100/96, por el cual el Presidente procedió a
denunciar la Convención 158 (decisão monocrática de 26/06/2001, DJU 08/08/01).
19
CF 1988, artículo 102 “Es competencia del Supremo Tribunal Federal, principalmente, la garantía de la Constitución, correspondiéndole:… III.
Juzgar, mediante recurso extraordinario, las causas decididas en única o última instancia, cuando la decisión recurrida:… b) declárese la
inconstitucionalidad de un tratado o una ley federal”.
20
Sentencia STF, pleno, RE 80.004/SE, rel. min. Xavier de Albuquerque, rel. p/acordão min. Cunha Peixoto, 01/06/1977, RTJ 83/809.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 561
21
Tal como ha ocurrido en la práctica, por ejemplo, en la serie de fallos en los que se analizó si el Código de Defensa del Consumidor (1990) tenía
virtualidad suficiente para tornar inaplicable a la Convención de Varsovia sobre Transporte Aéreo (1925). En un principio, el STJ se inclinó por
interpretar que dicha Convención constituía una norma especial por lo cual tenía aplicación prevalente en relación al citado Código, que tenía
carácter general (4ª turma, REsp 57.529/DF, rel. min. Ruy Rosado de Aguirar, rel. p/acordão min. Fontes de Alencar, 07/11/1995, DJU
23/06/1997; 3ª turma, REsp 58.736/MG, rel. min. Eduardo Ribeiro, 13/12/1995, DJU 29/04/1996, y 2ª turma, REsp 156.238/RJ, rel. min.
Waldemar Zveiter, 07/06/1999, RSTJ (Revista del STJ) 123/236). Sin embargo, posteriormente, el tribunal cambió su orientación, considerando
que la legislación codificada constituía una norma especial, que al ser posterior al mencionado acuerdo internacional podía desplazarlo (4ª turma,
REsp 235.678/SP, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, 02/12/1999, DJU 14/02/2000, pág. 43; 3ª turma, REsp 169.000/RJ, rel. min. Paulo Costa
Leite, 04/04/2000, DJU 14/08/2000; 3ª turma, REsp 154.943/DF, rel. min. Nilson Naves, 04/04/2000, DJU 28/08/00, y 2ª turma, EDcl
REsp 243.972/SP, rel. min. Carlos A. Menezes Direito, 06/09/2001, DJU 29/10/01, pág. 201, entre muchos).
22
La aprobación de la citada Convención tramita en el Parlamento a través del Proyecto de Decreto Legislativo Nº 214/92.
23
CF 1988, artículo 4, parágrafo único “La República Federativa del Brasil buscará la integración económica, política, social y cultural de los
pueblos de América Latina, con vistas a la formación de una comunidad latinoamericana de naciones”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 563
24
Ver, por ejemplo, para el caso de la CIDH, la aceptación de su jurisdicción obligatoria por Brasil: Decreto Legislativo 89/98, 03/12/1998, Diário
do Senado Federal 04/12/98, pág. 17.667, y su promulgación por Decreto 4.463/02, 08/11/2002, DOU 11/11/02.
parte Brasil, se incorporen al orden jurídico interno sin necesidad de un acto de las autoridades
públicas que las internalice.
La disposición proyectada nada establece acerca de los tratados de integración que instituyan
órganos de naturaleza supranacional, lo cual podría entenderse como confirmación de que tal
alternativa se encuentra ya habilitada en el texto vigente, más aún cuando se observa que el
documento reitera, con una modificación no sustancial, el párrafo único del artículo 4 que hoy rige.
Tampoco se regula la cuestión atinente a la jerarquía de las normas derivadas de los tratados
de integración, lo cual resulta positivo atento a que tal prerrogativa, como lo han señalado el
TJCE y el TJCA, surge no de una previsión del ordenamiento doméstico sino de la propia
naturaleza de las normas regionales.
(MERCOSUR)
3.1.5.1 Jerarquía
1. El rango supremo asignado a la Constitución, tanto por la jurisprudencia como por la
doctrina, parecería susceptible de ser alegado aún frente a normas comunitarias las que, en
principio, serían pasibles de ser examinadas en su constitucionalidad.
De cualquier modo, cabe hacer aquí algunas precisiones: por un lado la ubicación y el alcance
de la cláusula de habilitación, tal como se la ha interpretado, restringen sustancialmente las
hipótesis de contraste de una norma comunitaria con el texto de la Carta política. Deberá
analizarse preliminarmente si la disposición comunitaria ha sido dictada en ámbitos delegados al
poder de actuación regional o, al menos, respecto de los cuales el Estado ha reconocido la
imposibilidad de ejercerlos de manera unilateral, en beneficio de los órganos del tratado; de ser
así, en principio, la norma no podrá ser declarada contraria a la Constitución porque ella misma
define la integración como uno de sus principios nucleares.
En segundo lugar, la cautela que impone cualquier intento de fiscalización constitucional –
última ratio de la función judicial – debe ser especialmente calificada en el caso presente en virtud
del suficiente respaldo jurídico con que el que cuentan los proceso de integración.
En tercer término, la declaración de inconstitucionalidad de una norma comunitaria requerirá,
atento al fundamento normativo de la integración, que el contraste sea manifiesto y evidente,
además de afectar una norma también esencial del orden constitucional, debiendo agotarse
previamente las vías para hallar una interpretación conforme.
2. Para la posición ampliamente mayoritaria en la doctrina nacional, el sistema de derecho
vigente en el MERCOSUR no puede ser calificado de “comunitario”, por lo cual se impone
hallar, en el seno del propio derecho brasileño, bases normativas para reconocer los atributos de
564 un tal ordenamiento en relación al bloque.
a) Nuevamente el pilar de la argumentación no puede partir sino del dispositivo
constitucional que permite la intervención del Estado en los procesos de integración (artículo 4,
párrafo único)25. Para comenzar, el amparo que la CF 1988 ofrece no distingue entre normas de
rango originario (tratados y protocolos) y derivado (Decisiones del CMC, Resoluciones del GMC
25
Ver también las opiniones de ASSIS DE ALMEIDA, José Gabriel, “As normas do Mercosul e a ordem jurídica brasileira”, en “Derecho vigente
del Mercosur” (Luis A. Estoup y Jorge Fernández Reyes, coords.), ed. La Ley, Buenos Aires, 2001, págs. 119 a 124; del mismo autor, “O Mercosul
e a Constituição da República”, RDM 2001-3, 59; ídem, “A posição das normas do Mercosul no ordem jurídica brasileira: Dez anos após”, en
“Direito da Integração e Relações Internacionais: ALCA, MERCOSUR, e UE” (Luiz O. Pimentel, coord.), Libro de Ponencias del X Encontro
Internacional de Direito da América do Sul, ed. Fundação Boiteux, Florianópolis, 2001, págs. 325 a 328; y de REIS, Márcio Monteiro, op. cit.,
págs. 949 a 952; del mismo autor, “Mercosul, União Européia e Constituição: a integração dos Estados e os Ordenamentos Jurídicos nacionais”,
ed. Renovar, Río de Janeiro, 2001, págs. 267 a 270 y 281 a 284.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 565
26
Sentencia STF, pleno, CR (AgRg) 8.279/AT, rel. min. Celso de Mello, 17/06/1998, DJU 10/08/2000, pág. 6.
expresa internalización al ordenamiento doméstico, según los casos, por una ley cuando la
materia es propia de ésta, o por un acto administrativo (decreto, portaria, resolución, etc.) si la
norma cabe dentro del área de competencia de la Administración. Asimismo, para algunos
comentaristas, la disposición regional se “contamina” de la jerarquía que a nivel interno tiene el
acto estatal de transposición.
b) Para una orientación minoritaria (Lise de Almeida28), la interpretación concordante de
varias disposiciones de Ley Fundamental permiten reconocer efecto inmediato a las normas
mercosureñas.
c) En particular debe señalarse que la orientación mayoritaria, atento a la capacidad normativa
de las instituciones regionales, conduce a un resultado – si bien posible – incompatible con la
finalidad del artículo 4, párrafo único, de la Constitución, cuyo articulado, por lo demás, no
prohíbe ni se muestra reñido con la aceptación de la incorporación automática de las
disposiciones mercosureñas.
3.1.6. El Derecho del MERCOSUR y la jurisprudencia nacional
En cuanto a la revisión de la jurisprudencia interna en materia de Derecho del MERCOSUR,
puede argumentarse que ella ha sido altamente satisfactoria, con excepción (entre otras) de la
sentencia del STF relativa al Protocolo sobre Medidas Cautelares [1998, CR (AgRg) 8.279/AT].
La orientación pro MERCOSUR de la jurisprudencia (STF, STJ y Tribunal Regional Federal
de la 4ª Región, principalmente) ha sido acompañada también por la opinión del Ministerio de
Relaciones Exteriores (cf. asunto importaciones de arroz).
3.2 PARAGUAY
La Constitución del Paraguay de 1992 es una de las Cartas fundamentales con mayor cantidad
566 de referencias al derecho internacional y a las relaciones internacionales del Estado, al punto de
haber incluido un capítulo completo dedicado al tratamiento de estas cuestiones.
27
Cf. sentencia STF, pleno, RE 71.154/PR, rel. min. Oswaldo Trigueiro, 04/08/1971, RTJ 58/70.
28
KANDLER, Lise de Almeida, op. cit., págs. 203, 234 a 235 y 240 a 241.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 567
alterar los alcances de las disposiciones constitucionales. En tal sentido, atento a la posición
monista a la que adhiere la Carta política, en los supuestos en que no sea dictado el
correspondiente decreto dentro del plazo fijado por el propio acuerdo para su entrada en vigor
– hipótesis que se reitera más de la cuenta –, ello no impedirá que pueda ser invocado por los
particulares antes las autoridades públicas (v.gr. la Aduana) y en especial ante los tribunales
internos, quienes deberán otorgarle debida aplicabilidad.
5. El control de constitucionalidad en el derecho paraguayo descansa en la Corte Suprema de
Justicia (CSJ), y en su seno puede ser materia de la sala Constitucional (regla) o del Pleno.
A tenor de las disposiciones de la Carta magna (artículos 132, 137, 141, 247, 259, inciso 5 y
260), puede considerarse que los tratados internacionales eventualmente pueden ser objeto de
fiscalización constitucional por parte de la Corte Suprema de Justicia. De cualquier modo se
desconoce un caso concreto en el cual la Corte Suprema haya declarado la inconstitucionalidad
de un tratado.
3.2.3 Jerarquía
29
Sólo en casos muy excepcionales el Poder Ejecutivo ha elevado los acuerdos de la ALADI al Congreso para su aprobación.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 569
constitucional le corresponde; en tal sentido, puede mantenerse que también revisten aquel rango
jerárquico los acuerdos concertados en forma simplificada dictados en ejecución de un convenio
que contó en su oportunidad con aprobación parlamentaria.
1. Paraguay conjuntamente con Uruguay han sido los primeros Estados Partes en plasmar en
sus respectivas constituciones el fenómeno de la integración económica del Estado (1967).
En la actualidad la cláusula de habilitación paraguaya – con una redacción original – se halla
inscripta en el artículo 145 de la Carta política30.
2. La Constitución establece requisitos de fondo y forma para la aprobación de los tratados
de integración a los que se refiere el artículo 145.
Los segundos deben ser completados, subsidiariamente, con las normas que regulan el
procedimiento general de celebración de los tratados clásicos, salvo lo estipulado respecto a la
mayoría especial que se exige para el tratamiento de los tratados de integración (supranacionales).
Los primeros (v.gr. igualdad, justicia, etc.) deben ser interpretados en el contexto de un
proceso de integración.
3. La disposición permite la celebración de tratados de integración en materia económica,
social, cultural, etc., que instituyan órganos de carácter supranacional (incluido un Tribunal de
Justicia).
Por tales tratados el Estado paraguayo podrá delegar o transferir el ejercicio de ciertos
atributos a instituciones conformadas por miembros independientes y autónomos de la voluntad
de los gobiernos de los países socios. Al mismo tiempo, el citado artículo habilita el
reconocimiento de un sistema jurídico de naturaleza comunitaria, siempre en el marco de un
mecanismo de integración.
3.2.5.1 Jerarquía
30
Constitución, artículo 145 “Del orden jurídico supranacional. La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un
orden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarrollo, en
lo político, económico, social y cultural.
Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoría absoluta de cada Cámara del Congreso”.
Sin embargo, siendo mayoritaria la posición doctrinaria paraguaya que rechaza cualquier rasgo
comunitario del Derecho del MERCOSUR, se impone el auxilio del plexo normativo
constitucional a los fines de investigar el alcance de las disposiciones nacidas al amparo del TA.
a) En relación al derecho mercosureño originario, la primacía sobre la legislación
infraconstitucional, anterior y posterior, viene garantizada por los artículos 137 y 141, en
concordancia con el artículo 145, todos de la Constitución.
b) Los mismos artículos, interpretados concordantemente con el artículo 202, inciso 9
(atribuciones del Congreso en materia de aprobación de tratados internacionales), de la Carta
política, permiten sostener, en relación al Derecho del MERCOSUR derivado, que en los
supuestos en los que se halla conferido a las instituciones regionales potestad normativa
(decisoria), v.gr. TA, POP y PO, los actos emitidos en virtud de tales disposiciones revisten –
por amparo constitucional – valor superior a las leyes y demás legislación inferior, tal como
acontece con los tratados constitutivos que han contado en su momento con el
consentimiento legislativo.
3.2.5.2 Vigencia
31
Obviamente, en relación al ordenamiento originario, será siempre necesario – tal como ocurre en cualquier proceso de integración – la
intervención del Legislativo (aprobación) y del Ejecutivo (ratificación).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 571
3.3 URUGUAY
La Carta política de Uruguay de 1967 constituye el documento de mayor data de los Estados
Partes, al tiempo que forma parte del grupo de países sudamericanos que iniciaron el tratamiento
de la integración económica a nivel constitucional, a través de la inclusión de una cláusula específica.
1. De forma similar a las constituciones que se han mencionado previamente, la Carta política
uruguaya sigue en materia de celebración de los tratados y acuerdos internacionales un iter
procedimental que principia con la intervención del Poder Ejecutivo en lo que hace a las
negociaciones y la firma, continúa con la aprobación por ambas cámaras de la Asamblea General
y culmina con la ratificación y su depósito (o canje) por el primero.
Una vez adoptada la ley aprobatoria de un tratado por el Congreso, el Presidente – de no tener
reparos al respecto – debe promulgarla dentro del plazo establecido, existiendo la posibilidad de
que tal acto tenga lugar de forma tácita.
La ley aprobatoria – que contiene como anexo el texto íntegro del tratado – y su
promulgación deben publicarse inmediatamente en el Diario Oficial (DO).
2. La cuestión de la identificación del derecho uruguayo como adherido al monismo o al
dualismo ha sido uno de los puntos más ambiguos de la jurisprudencia, lo cual contrasta con la
posición asumida tanto por la legislación especial como así también por el Poder Ejecutivo.
a) La inicial aceptación de los postulados monistas por parte de la Suprema Corte de Justicia
32
V.gr. CSJ, Acuerdo y Sentencia Nº 268/2001, sala Constitucional, “acción de inconstitucionalidad en el juicio: Souza Cruz S.A. c/La Vencedora
S.A. s/nulidad de la marca Hollywood”, Nº 326/1999, 30/05/2001, ministro preopinante, Sapena Brugada.
33
SCJ “A. Ledoux y M. Timsit – Exposición (Banco Francés)”, 17/01/1941, LJU (La Justicia Uruguaya) caso 523, tomo II, 1941, págs. 312 a 318,
párrs. 5º, 6º a 12º y 17º del dictamen del Fiscal de Estado que la Corte hace suyo.
34
SCJ “Daimler Benz”, sentencia Nº 400/85, 23/12/1985 (inédito); “González/Aceiteras del Uruguay”, ficha 357/89, sentencia Nº 25/90,
20/06/1990, LJU caso 11.631, tomo CII, 1990, pág. 109, y “Colina/C.U.T.C.S.A”, ficha 643/93, sentencia Nº 737/95, 25/09/1995 (inédito),
entre otras.
35
Ver respecto de éstos últimos, sentencia del Tribunal de lo Contencioso Administrativo, “Aliança da Bahía Compañía de Seguros”, ficha Nº
179/96, sentencia Nº 1.016/78, 09/11/1998, RDM 1999-3, 304 a 322.
1. Las relaciones exteriores han sido delegadas por la Constitución uruguaya, privativamente,
en el departamento ejecutivo.
En materia de celebración de tratados, las fases iniciales (a diferencia de la Carta política de
1830) son desarrolladas exclusivamente por el Ejecutivo, esto es la negociación y firma; asimismo,
luego de obtenido el consentimiento legislativo – que puede ser solicitado según el procedimiento
de urgencia –, aquel poder interviene nuevamente, de manera discrecional, a los fines de ratificar
el acuerdo y adoptar los actos siguientes necesarios (depósito o canje).
2. Los diferentes estatutos fundamentales han procurado asegurar, en la mayor medida
posible, la participación del Congreso en el proceso de concertación de los tratados
prescindiendo, en principio, de la materia a la cual éstos se refieran.
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
a) Se discute en el derecho uruguayo si el Parlamento, ante la falta de remisión por parte del
Ejecutivo, puede abocarse a la elaboración y presentación de un proyecto de ley aprobatoria de
un tratado. La interpretación constitucional y las particularidades propias del procedimiento de
celebración de los acuerdos, inclinaría a pensar en una respuesta negativa.
b) El Poder Legislativo, al tiempo de aprobar un tratado, no tiene potestad para reformar su
texto, sin perjuicio de la posibilidad de sugerir al Ejecutivo la anexión de reservas, cuando ello sea
posible.
c) Según una opinión ya consolidada, la ley aprobatoria no se confunde con el contenido del
tratado que aprueba, y ha de ser interpretada como una etapa previa e ineludible para la
ratificación, siendo este último acto el que perfecciona el tratado y le otorga carácter obligatorio.
d) El principio de legalidad establecido en la Carta fundamental (artículo 10) exige el origen
legislativo de los tributos (artículo 85 y concordantes), entre ellos los aplicables al comercio exterior.
Ello no impide que el ejercicio de las facultades reglamentarias en la materia puedan ser
cedidas al poder Administrador u otro ente con capacidad decisoria, a través de una ley (v.gr.
Código Aduanero y legislación especial) o de un tratado aprobado por el Parlamento.
3. Acuerdos en forma simplificada.
a) Tal como lo ha reconocido el Gobierno uruguayo en el ámbito del MERCOSUR, el
derecho nacional permite identificar determinadas materias que hacen parte de la zona de reserva
de la Administración. En este ámbito, en concordancia con el principio de la división tripartita
de los poderes y las facultades asignadas por la Constitución al Presidente en cuestiones de
relaciones exteriores, puede sustentarse la viabilidad de acuerdos internacionales concertados por
el Ejecutivo que no necesitan para su validez interna de la aprobación legislativa. Ello, a su vez,
ha sido ratificado en supuestos particulares por algunas leyes y códigos.
572 b) Al caso precedente pueden adicionarse las hipótesis en las que el propio legislador habilita al
Poder Ejecutivo, mediante la sanción de una ley propiamente dicha o de la aprobación de un tratado,
para la adopción de actos o acuerdos que desarrollan o ejecutan las disposiciones de un tratado marco.
Ello ha ocurrido desde antiguo en Uruguay, en particular con los acuerdos derivados de la
ALALC y de la ALADI, en relación a los cuales el Ejecutivo emitió sendos decretos que
establecían/en los detalles de su entrada en vigencia inmediata en el seno del ordenamiento
jurídico nacional (Decretos 634/973 y 663/985, respectivamente)36. Tal mecanismo ha sido
aceptado, dentro de ciertos límites, por la jurisprudencia contencioso administrativa.
36
Decretos 634/973, por el que se establece la fecha de vigencia de las modificaciones que se operen en la Lista Nacional de Uruguay,
07/08/1973, Registro Nacional de Leyes y Decretos, 1973, págs. 689 a 691, y 663/985, por el que se establece la vigencia de los compromisos
internacionales suscritos en el marco jurídico de ALADI en materia de Acuerdos de Alcance Regional y Acuerdos de Alcance Parcial,
27/11/1985, DO (Diario Oficial) 29/01/1986, pág. 466. Sin embargo, en casos muy excepcionales el Poder Ejecutivo ha solicitado la
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 573
3.3.3 Jerarquía
1. Constitución y tratados. Una de las diferencias que resulta del tenor literal de la Carta
política del Uruguay con relación a las del resto de los Estados Partes, se refiere a la ausencia de
una disposición específica sobre la supremacía constitucional. Aún así, este principio puede
resultar implícito de su articulado, con más el aditamento de la legislación adjetiva. Ello surge
también de la jurisprudencia y de la opinión mayoritaria de los autores.
2. Uno de los aspectos más difíciles que plantea el derecho uruguayo es la definición de la
jerarquía de los tratados frente a las leyes posteriores37; lo cual viene potenciado por la falta de
una norma a nivel constitucional que regule la cuestión, las diferentes posiciones mantenidas por
la doctrina y la oscilante jurisprudencia de los tribunales, en particular de la SCJ.
a) No obstante, las normas de la propia Ley Fundamental permiten sustentar la imposibilidad
de que una ley posterior contraríe un tratado. En este sentido, pueden mencionarse, entre otras,
las disposiciones constitucionales que regulan el procedimiento de celebración de los tratados (v.gr.
distintas mayorías de aprobación en cuanto a las leyes y a los tratados, teoría del acto complejo y
división de poderes); las que distinguen entre los tratados o convenciones y las leyes; y aquellas que
fijan las atribuciones del Poder Judicial (que diferencian los tratados de las leyes). También varias
integración distinguiéndolos del asignado a los tratados en general (sin perjuicio de que, en ambos
casos, el proceso de celebración es el mismo).
a) La fisonomía programática de esta norma no impide considerarla como un mandato del
constituyente en torno a la integración regional del Estado, que por ello deberá ser un criterio de
acción, o en su caso de omisión, según se trate, para los poderes constituidos, que los interesados
podrán invocar ante las autoridades (incluido el Poder Judicial).
b) El tipo de integración que el artículo 6 persigue (“social y económica”, en beneficio de la
“defensa común” de la producción nacional), determina que no cualquier acuerdo internacional
pueda encontrar amparo en sus prescripciones, sino sólo aquellos que tengan por objeto la
conformación de un bloque regional, dotado de capacidad normativa (propia) para armonizar las
políticas nacionales en materia económica y social, y, al mismo tiempo, de atribuciones para
administrar el proceso de integración (en concordancia con el artículo 50).
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
c) El párrafo primero del artículo 6 constitucional, cuya lectura debe hacerse conjuntamente
con el espíritu y la finalidad del párrafo segundo, permite sustentar que en el marco de un tratado
de integración resulta constitucionalmente posible que se instituya un Tribunal de Justicia de
carácter supranacional, lo cual se erige en un elemento adicional, de singular importancia, en
procura de un verdadero proceso de integración económica y social (tal como el procurado por
la norma).
d) Siendo la integración “social y económica”, por voluntad propia del constituyente, uno de
los fines de la “República”, lo previsto en las normas que conforman la cláusula de habilitación
debe ser completado con la disposición contenida en el artículo 72 de la Carta política40.
2. La aceptación de un ordenamiento jurídico comunitario, derivado de un tratado de
integración, puede fundarse en los argumentos reseñados ut supra, sin olvidar, en particular, la
distinción que el legislador constituyente ha efectuado entre los convenios internacionales
tradicionales y aquellos constitutivos de un esquema de integración.
a) En primer lugar, en lo que hace al principio de primacía, resultan de aplicación
(adicionalmente) los fundamentos antes mencionados acerca de la superioridad jerárquica de los
tratados sobre las leyes internas (anteriores y posteriores).
b) En segundo término, cabe destacar en relación a los efectos inmediato y directo, que dicha
cuestión se ha prestado a varias discusiones.
Algunas opiniones rechazan la posibilidad de reconocer como constitucionalmente
aceptables estas características normativas, aún cuando se invoque la aplicación del sistema de
vigencia de los acuerdos de la ALADI.
Entre los autores que mantiene la orientación contraria – la cual no implica renunciar a la
conveniencia de una revisión constitucional –, se encuentran algunos que se apoyan precisamente
en la observancia del mecanismo previsto en el Decreto 663/985 (acuerdos de la ALADI), y
574 otros que se basan en los términos del propio Derecho del MERCOSUR (POP) y la estructura
de la norma regional en consideración (operatividad).
c) Salvo los casos en los que ha decidido someter al Parlamento la aprobación de normas de
carácter originario, la práctica del Poder Ejecutivo ha sido internalizar las disposiciones
mercosureñas derivadas (Decisiones, Resoluciones y Directivas) a través de decretos,
resoluciones, disposiciones y órdenes del día aduaneras, según los casos. Cuando la norma del
MERCOSUR, además, debe protocolizarse en la ALADI, suele utilizarse también el mecanismo
estipulado en el citado Decreto 663/985.
40
Constitución, artículo 72 “La enumeración de derechos, deberes y garantías hecha por la Constitución, no excluye los otros que son inherentes
a la personalidad humana o se derivan de la forma republicana de gobierno”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 575
d) Resta destacar que el sistema de vigencia inmediata de las normas amparadas por los
tratados de integración ha regido en el derecho uruguayo desde la ALALC (Decreto 634/973) y
ha continuado durante los años que lleva la ALADI (Decreto 663/985), por lo que tal
procedimiento no parecería ser reñido con la Constitución nacional, al menos según la práctica
desarrollada desde comienzo de los años ’70 por el Poder Ejecutivo.
A su vez, la interpretación armónica y concordante de los artículos 332, 72 y 6 de la Carta
política ofrece una base constitucional adicional a los fines de permitir los efectos arriba
mencionados.
3. La cláusula de habilitación ha sido objeto de diferentes interpretaciones, desde aquellas que
rechazan que tal dispositivo autorice la ratificación de tratados de integración dotados de órganos
supranacionales y/o institutivos de un ordenamiento comunitario, hasta la orientación que
mantiene la posición radicalmente inversa.
a) Entre los autores que se ubican en el primer grupo, el obstáculo reiteradamente invocado
se relaciona con el principio de la soberanía nacional (artículo 4, Constitución) y la imposibilidad
consiguiente de su transferencia o delegación en órganos externos al Estado uruguayo.
Por el contrario, para los comentaristas citados en segundo lugar, la posibilidad de aceptar
tratados con instituciones supranacionales puede sustentarse en la ausencia de distinción entre los
tipos de integración a los alude el artículo 6, lo cual habilita la posibilidad de elección de los
poderes constituidos; en el imperativo establecido por el constituyente en orden a procurar la
integración del Estado; en el hecho de que estos tratados no afectan la soberanía, a la inversa, la
potencian en su proyección internacional; y en la aplicación concordante de otras normas
constitucionales (artículos 50 y 332).
Entre ambas posiciones doctrinarias, existe una tercera alternativa que acepta acuerdos de
integración de tipo supranacional, aunque con ciertas reservas vinculadas a los asuntos de
naturaleza interna.
41
Proyecto de Ley de Reforma Constitucional, Asunto Nº 93.253, Carpeta Nº 1300/1993, Repartido Nº 739/1994 (Diario de Sesiones de la
Cámara de Senadores Nº 286, tomo 358, 28/10/1993, págs. 74 ss.).
1. Bien se acepte como válida la interpretación intentada42, bien se reforme el texto de la Ley
Fundamental siguiendo los lineamientos trazados por el proyecto de 1993, ello – en los términos
del sistema jurídico uruguayo – no tendría por efecto otorgar ascendencia jerárquica al derecho
de la integración por sobre la Constitución, que continuaría siendo en lo interno la norma de
mayor rango.
De cualquier manera, sí debería revisarse la interpretación de los principios constitucionales,
en tanto los tratados de integración regional disponen de un claro asiento legal en el artículo 6 de
la Constitución. Manteniéndose la actividad jurídica de la Comunidad en los límites
competenciales del Tratado fundacional, y al ser éste amparado por la cláusula de habilitación, los
casos de incompatibilidades entre el orden normativo comunitario y el de rango constitucional
interno serían casi inexistentes.
2. La corriente mayoritaria en la doctrina oriental niega también que el sistema de derecho que
rige en el MERCOSUR pueda calificarse de “comunitario”.
3. En lo que hace a las normas mercosureñas originarias, en tanto han seguido la tramitación
prevista en los artículos 168, inciso 20 y 85, inciso 7, de la Ley mayor, tienen vigencia inmediata
para las autoridades públicas y para los particulares; por tal motivo, su observancia y aplicación
constituye una obligación que se impone a los poderes del Estado uruguayo, en particular al
Judicial (artículo 6), pudiendo aplicarse mutatis mutandi los criterios barajados para sustentar la
superioridad jerárquica de los tratados sobre las leyes.
4. Derecho del MERCOSUR derivado. Para algunos doctrinarios orientales este derecho no
está revestido del principio de primacía; para otros, tal característica surge por aplicación de la
regla de la especialidad que revestiría el derecho regional; para una tercera posición, la jerarquía
576 interna del ordenamiento mercosureño depende de la norma doméstica que lleve a cabo su
transposición al sistema jurídico nacional; finalmente, para otros comentaristas, la primacía surge
de la cláusula de habilitación, por lo que, una vez iniciado el proceso de integración (TA), los
actos internos que contraríen el derecho regional, originario o derivado, devienen
inconstitucionales.
5. Debe recordarse que el mandato de impulsar la “integración social y económica” de la
República está dirigido a todas las autoridades públicas (artículo 6), por lo que los poderes
constituidos (incluido el Parlamento) le deben estricta ejecución.
42
Sobre la viabilidad constitucional de un proceso de integración dotado de órganos supranacionales y/o un sistema de derecho comunitario.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 577
Cabe a tales poderes, en consecuencia, no adoptar ninguna medida incompatible con el fin
constitucional y, llegado el caso de ocurrir, negar su aplicación en los supuestos abarcados por el
derecho de la integración43.
6. Esto último podrá ser alegado directamente por los particulares, sobre la base del artículo
6, ante los tribunales nacionales, conjuntamente con la disposición mercosureña de que se trate,
la cual, siendo precisa y no estando sujeta a condición alguna, deberá ser observada por los jueces
internos, garantizando así los derechos por ella conferidos.
De esta manera, la cláusula constitucional se erige en fuente primera y fundamental para que
los particulares puedan hacer valer las normas del MERCOSUR ante las autoridades uruguayas,
especialmente ante los magistrados.
3.4 ARGENTINA
43
Garantizar la inmunidad legal del Derecho del MERCOSUR (originario y derivado) es una de las formas más concretas de "procurar" la integración
económica y social requerida por la Ley Fundamental.
44
"Acuerdo de Alcance Parcial para la Facilitación del Transporte Multimodal de Mercancías" Nº 8 (bajo los términos del artículo 13 del Tratado de la
ALADI), suscripto el 30 de diciembre de 1994.
convencionales.
a) En este último ámbito, la lectura de las sentencias de la Corte Suprema de Justicia de la
Nación (CSJN) parecería demostrar que ella no ha comulgado – en términos precisos – con los
principios dualistas, puesto que siempre consideró a los tratados como vigentes en el derecho
interno luego de su aprobación y ratificación, coincidiendo temporalmente la entrada en vigor
internacional con la ocurrida en el orden nacional.
b) En un primer momento, la aplicabilidad de un acuerd – ha sido el acotar de manera
sustancial las hipótesis que llevaban a la inaplicabilidad de los tratados en función de la
programaticidad de sus normas, atendiendo para ello a criterios adicionales, tales como la
naturaleza del acuerdo (sobre derechos humanos, que luego se extendió a otras materias), el plazo
de la inacción del legislador en dictar normas que los vuelvan operativos, la eventual
responsabilidad del Estado, entre otros.
d) No puede dejar de mencionarse que la propia Ley Fundamental garantiza en varias de sus
disposiciones un respaldo constitucional a la concepción monista del derecho.
Igual predicamento puede realizarse respecto de la legislación derivada.
45
Ley 24.080, por la que se establece la publicación en el Boletín Oficial de los actos referidos a tratados o convenciones internacionales en los
que la Nación Argentina sea parte, 20/05/1992, BO (Boletín Oficial) 18/06/92.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 579
46
Decreto 415/91, por el que se reemplaza el procedimiento de entrada en vigencia de los tratamientos preferenciales convenidos en el marco
jurídico de la Asociación Latinoamericana de Integración (ALADI), 18/03/1991, BO 20/03/91.
d) El alcance de los temas que pueden ser objeto de regulación mediante acuerdos derivados
de la ALADI no surge, obviamente, del Decreto 415/91 sino de los propios artículos del Tratado,
en cuanto delimitan los fines que justificaron su concertación, así como también los medios a
través de los cuales ha de proveerse su ejecución.
e) Cabe destacar asimismo que en Argentina, los tribunales aplican de forma inmediata y
directa no sólo los acuerdos celebrados entre los Estados en el marco de la ALADI, sino también
las normas (resoluciones y acuerdos) emitidas por los órganos de dicha Asociación – muchos de
los cuales nunca han sido objeto de incorporación alguna al derecho interno.
5. El sistema de control de constitucionalidad que rige en el derecho federal argentino es de
tipo difuso, por lo que todo juez o tribunal tiene la potestad de inaplicar una norma (cualquiera
sea ella) en virtud de su desajuste con lo previsto en la Ley Fundamental, llegando el caso, en
última y definitiva instancia, a la decisión de la CSJN.
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
a) Con carácter previo debe resaltarse que la Corte Suprema, alterando su jurisprudencia de
antaño, considera actualmente que la invocación de un tratado o de una norma internacional,
cuando éstos tengan relación directa con el caso planteado, constituye “cuestión federal” de
entidad suficiente a los fines de la procedencia del recurso extraordinario.
b) A la luz de las disposiciones de la Ley mayor que reconocen el principio de supremacía
constitucional, todas las normas aplicables en el derecho interno resultan formalmente
controlables.
Ello viene confirmado por la jurisprudencia del Máximo tribunal, que no ha renunciado a
efectuar dicho contralor bajo el argumento de que la disposición en causa constituye un tratado
internacional.
c) A manera de principio, la CSJN ha señalado en varios expedientes, algunas veces de forma
explícita y otras de modo implícito, que la supremacía de la Constitución es invocable frente a
todas las disposiciones susceptibles de ser aplicadas en el ordenamiento nacional, incluyendo los
tratados y normas de derecho internacionales.
Al mismo tiempo debe observarse que el Alto tribunal siempre ha intentado lograr una
interpretación conforme, a fin de lograr la aplicación concurrente de ambos órdenes jurídicos
(Constitución y tratado).
De cualquier manera – hasta lo que se ha podido investigar –, en más de 150 años de
jurisprudencia, la Corte Suprema declaró en una oportunidad la inconstitucionalidad de un
acuerdo internacional (in re “Washington Cabrera”, 198347).
Al interpretar el artículo 75, inciso 22, párrafo segundo, de la Constitución (que otorgó
jerarquía constitucional a varios instrumentos internacionales sobre derechos humanos), la Corte
Suprema ha destacado que su tenor demuestra que «los constituyentes han efectuado un juicio
de comprobación, en virtud del cual han cotejado los tratados y los artículos constitucionales y
580 han verificado que no se produce derogación alguna, juicio que no pueden los poderes
constituidos desconocer o contradecir» y que «de ello se desprende que la armonía o
concordancia entre los tratados y la Constitución es un juicio constituyente», y «por consiguiente,
[los tratados] no pueden ni han podido derogar la Constitución pues esto sería un contrasentido
insusceptible de ser atribuido al constituyente, cuya imprevisión no cabe presumir»48. Y
47
Sentencia CSJN, “Washington Cabrera”, 05/12/1983, Fallos 305:2150.
48
Sentencias CSJN, “Monges”, 26/12/1996, Fallos 319:3148, considerandos 20 a 22 del voto de la mayoría; “Chocobar”, 27/12/1996, Fallos
319:3241, considerandos 12, párrs. 1º y 2º y 13 del voto de la mayoría; “Cancela”, 29/09/1998, Fallos 321:2637, considerando 10, párr. 2º, del
voto de la mayoría; “Ministerio de Cultura y Educación de la Nación”, 27/05/1999, Fallos 322:875, considerandos 22 y 23 del voto de la
mayoría; “Menem/Editorial Perfil”, 25/09/2001, Fallos 324:2895, considerando 10, párr. 2º, del voto de la mayoría, y “Guazzoni”, 18/12/2001,
Fallos 324:4433, considerandos 11, párrs. 1º y 2º, del voto de la mayoría, entre muchos.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 581
finalmente, «[q]ue, de tal modo, los tratados complementan las normas constitucionales
sobre derechos y garantías [parte dogmática], y lo mismo cabe predicar respecto de las
disposiciones contenidas en la parte orgánica de la Constitución – … – aunque el
constituyente no haya hecho expresa alusión a aquélla, pues no cabe sostener que las normas
contenidas en los tratados se hallen por encima de la segunda. parte de la Constitución. Por
el contrario, debe interpretarse que las cláusulas constitucionales y las de los tratados tienen
la misma jerarquía, son complementarias y, por lo tanto, no pueden desplazarse o destruirse
recíprocamente»49.
3.4.3 Jerarquía
1. Desde el punto de vista del sistema jurídico argentino, la Constitución ocupa la máxima
grada normativa.
a) Ello surge, precisamente, del propio articulado de la Ley Fundamental que establece el
principio de la supremacía constitucional (en lo que aquí interesa, artículos 27, 30, 31 y 75,
incisos 22 y 24), el cual garantiza la obligatoria observancia de las disposiciones de la Carta
magna ubicadas tanto en la Parte dogmática como en la Parte orgánica.
b) El principio mencionado no ha sido alterado, en su esencia, por la modificación
introducida por el constituyente en 1994 sino, por el contrario, reafirmado tanto por la
revisión operada, como por los límites establecidos en la norma habilitante de la reforma50
– los cuales, llegado el caso, resultan invocables judicialmente –.
c) Ello ha sido confirmado invariablemente por la jurisprudencia de la CSJN51, cualquiera
sea la materia sobre la que versen los convenios internacionales52.
En el ámbito internacional ello podría argumentarse sobre la base de una interpretación
global de la Convención de Viena de 1969, y también de la actuación del Gobierno nacional
49
Sentencias CSJN “Monges”, cit., considerando 22 del voto de la mayoría, y “Ministerio de Cultura y Educación de la Nación”, cit., considerando
23, párrs. 2º y 3º, del voto de la mayoría, entre otras.
50
Ley 24.309, sobre Declaración de la necesidad de reforma de la Constitución nacional, 29/12/1993, BO 31/12/93. 581
51
Es de destacar que el precedente “Merck” – CSJN, “Merck Química”, 09/06/1948, Fallos 211:162 –, tal como fue interpretado en la tesis
doctoral a la cual se hizo referencia al comienzo de este trabajo, no tiene la entidad suficiente para invalidar tal afirmación.
52
Sin perjuicio de ello, es oportuno señalar también que muy recientemente, la CSJN ha parecido flexibilizar el alcance de la discrecionalidad
judicial que impone el principio de supremacía constitucional, en supuestos en los que se invocaron determinados tratados sobre derechos
humanos y su impacto en el texto de la Ley Fundamental, a la luz del párrafo segundo del inciso 22 del artículo 75 (tratados de derechos
humanos con jerarquía constitucional), como así también del párrafo tercero de la misma disposición (posibilidad del Congreso de otorgar
jerarquía constitucional a los tratados de derechos humanos; cf. Ley 24.820, por la que se aprueba la jerarquía constitucional de la Convención
Interamericana sobre Desaparición Forzada, 30/04/1997, BO 29/05/97). Cfr. sentencias CSJN, “Arancibia Clavel“, 24/08/2004, Fallos
327:3294; “Simón“, 14/06/2005, Fallos 328:2056, y “Mazzeo”, M.2333.XLII y otros, 13/07/2007, Fallos 330: pendiente de publicación: en todos
comparar votos de la mayoría y la concurrencia y voto en disidencia del juez Fayt. Este último ministro reiteró su posición – sobre la supremacía
absoluta de la Constitución nacional sobre cualquier norma foránea, de cualquier naturaleza y aún aquellas sobre derechos humanos con
jerarquía constitucional – en sus votos concurrentes en las sentencias, “Casal”, 20/09/2005, Fallos 328:3399, y “Marcelo Gramajo“, G.560.XL,
05/09/2006, Fallos 329: pendiente de publicación. De cualquier manera, paralelamente a la mencionada flexibilidad, la Corte Suprema no ha dejado
de mencionar «[q]ue los tratados internacionales promueven el desarrollo progresivo de los derechos humanos y sus cláusulas no pueden ser entendidas como una
modificación o restricción de derecho alguno establecido por la primera parte de la Constitución Nacional (art. 75, inc. 22)» (sentencia, “María del Carmen
Sánchez/ANSeS”, 17/05/2005, Fallos 328:1602, considerando 6 del voto de la mayoría. La negrita no es del original).
53
Entre los primeros casos, ver sentencia CSJN “Dionisio Pietracaprina”, 14/02/1889, Fallos 35:207
b) Dicha orientación fue mantenida por el Alto tribunal hasta los años ’60. A partir de esta
nueva etapa, la Corte Suprema alteró su jurisprudencia, considerando que ante la ausencia de
previsión constitucional en contrario, los tratados y las leyes debían entenderse en paridad de
rango, rigiendo en las hipótesis de conflicto la regla de la lex posterior, aún cuando ello
significara la inaplicabilidad de un pacto internacional54. Ello provocó un amplio debate en la
doctrina.
c) Finalmente, a partir de 1992 – sin perjuicio de algunos votos disidentes anteriores – la
CSJN retomó a su antigua orientación en torno a la posición prevalente que debe reconocerse a
las normas internacionales respecto de la legislación interna infraconstitucional55, la cual
constituye en la actualidad jurisprudencia consolidada ampliamente.
Entre los ejes principales barajados por el Alto tribunal para fundar su posición (pos 1992)
pueden mencionarse: la naturaleza de acto complejo federal que revisten los tratados (en tanto
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
54
Ver en especial, sentencias CSJN, “Martin & Cía.”, 06/11/1963, Fallos 257:99, y “Esso”, 05/06/1968, Fallos 271:7.
55
Sentencias CSJN, “Ekmekdjian/Sofovich”, 07/07/1992, Fallos 315:1492; “Fibraca”, 07/07/1993, Fallos 316:1669, y, en el voto concurrente del
juez Boggiano, in re “Cafés La Virginia”, 13/10/1994, Fallos 317:1282.
56
Constitución nacional, artículo 75, inciso 24, “Corresponde al Congreso:… Aprobar tratados de integración que deleguen competencias y
jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el orden democrático y los derechos
humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquía superior a las leyes.
La aprobación de estos tratados con Estados de Latinoamérica requerirá la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara.
En el caso de tratados con otros Estados, el Congreso de la Nación, con la mayoría absoluta de los miembros presentes de cada Cámara,
declarara la conveniencia de la aprobación del tratado y solo podrá ser aprobado con el voto de la mayoría absoluta de la totalidad de los
miembros de cada Cámara, después de ciento veinte días del acto declarativo.
La denuncia de los tratados referidos a este inciso, exigirá la previa aprobación de la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada
Cámara”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 583
judicialmente revisable, siempre atendiendo a los términos del ordenamiento que surja del
tratado constitutivo y a las particularidades que distinguen a cada uno de los recaudos fijados en
esta disposición.
f) En el caso concreto del MERCOSUR, la inexistencia de una jurisdicción permanente, de
carácter judicial, que facilite un adecuado acceso a la justicia en el bloque, tanto para los Estados
Partes como para los particulares, amplía sustancialmente las posibilidades de que sean los
jueces nacionales quienes actúen como sucedáneos de un Tribunal de Justicia comunitario, con
las peligrosas (pero inevitables) consecuencias para la vigencia uniforme del derecho
mercosureño que tal situación puede provocar57.
5. Bien es cierto que la norma en cuestión (inciso 24) no menciona específicamente la
manera en que deberá regir, en el ordenamiento interno, el derecho que se origine a partir de
esta clase particular de tratados.
No obstante, atento a los principios que rigen en la materia, los antecedentes
constitucionales que se desprenden de los debates parlamentarios ocurridos en la Convención
de Reforma Constitucional, la jurisprudencia de la CSJN y la opinión de la doctrina, puede
concluirse que las disposiciones nacidas bajo el paraguas normativo de los tratados de
integración tendrán efecto inmediato (es decir, que podrán regir directamente en el derecho
interno, sin necesidad de un acto nacional que las internalice) y efecto directo (esto es, que
podrán ser invocadas en forma directa y sin intermediación por los particulares) en el interior
del derecho argentino.
6. Cláusula de habilitación y Derecho del MERCOSUR.
Se ha debatido en el derecho argentino la aplicabilidad, o no, del inciso 24 en relación al
Derecho del MERCOSUR. La importancia principal del interrogante viene dado en tanto dicha
norma otorga jerarquía superior a las leyes a las disposiciones adoptadas al amparo de los
584 tratados de integración que se benefician con este régimen.
a) Para una corriente de la doctrina, las prescripciones del inciso 24 no resultan de aplicación
al ordenamiento regional, en tanto no puede interpretarse que el TA y sus protocolos
complementarios constituyan tratados por medio de los cuales se otorguen competencias a las
instituciones creadas, puesto que éstas son de carácter intergubernamentales (cf. artículo 2 del
POP).
57
Ello puede ser reducido, en parte y sólo en parte, por el mecanismo de las Opiniones Consultivas previsto en el PO y en las normas reglamentarias
(cfs. Decisiones CMC Nº 37/03, Reglamento del Protocolo de Olivos, y 02/07, Reglamento del Procedimiento para la solicitud de Opiniones
Consultivas al Tribunal Permanente de Revisión por los Tribunales Superiores de Justicia de los Estados Partes del MERCOSUR). Ver, del autor,
“El control de legalidad de las normas del MERCOSUR por el juez nacional”, revista DeCitas Nº 3, 2005, ed. Zavalía, Buenos Aires, Argentina,
págs. 551 a 560, y “Tribunal Permanente de Revisión y Estado de Derecho en el MERCOSUR”, 14/03/2007, pendiente de publicación por Marcial
Pons, Madrid, España – Buenos Aires, Argentina, 298 páginas.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 585
Por el contrario, existen autores que extienden las previsiones de la norma constitucional en
cuestión al derecho mercosureño.
b) El análisis del régimen institucional y jurídico establecido en el bloque, a la luz de los tratados
fundacionales y de las disposiciones dictadas en su consecuencia, demuestra que existen ámbitos de
actuación que han sido delegados por cada uno de los Estados Partes al ámbito regional, a los fines
de su administración y normación por los “órganos del MERCOSUR”.
Tales atribuciones, otrora desarrolladas en forma exclusiva y unilateral por cada Gobierno
nacional, constituyen en la actualidad patrimonio común y exclusivo del poder de decisión
cuatripartita en el marco regional, siendo incompatible con el Tratado y demás actos derivados la
adopción por los Estados Partes, individualmente considerados, de medidas sobre tales sectores
competenciales, salvo autorización expresa del órgano del MERCOSUR que corresponda, y
siempre que ello sea otorgado respetando el derecho originario58.
c) La jurisprudencia nacional no ha dudado en remitirse – reiteradamente – al inciso 24 del
artículo 75.
En tal sentido, la CSJN ha basado su doctrina sobre la vigencia inmediata de los acuerdos de
la ALADI y su carácter superior a las leyes, entre otros, en el artículo 75, inciso 24, de la
Constitución (in re “Mercedes Benz”, 1999; y “Autolatina”, 2002 y 2003; así también in re
“Compañía Azucarera Los Balcanes”, 2001, voto en disidencia59). También las jurisdicciones
inferiores han seguido la misma orientación (entre otros, Cámara Nacional de Apelaciones en lo
Contencioso Administrativo Federal; y, principalmente, sala 6ª de la Cámara Nacional de
Apelaciones del Trabajo, con referencia a la Declaración Sociolaboral del MERCOSUR (DSLM)
y su rango prevalente sobre las leyes).
1. La recepción del fenómeno de la integración a partir del artículo 75, inciso 24, de la Carta
política otorga asiento constitucional a mecanismos que incluyan instituciones de corte
supranacional, como así también establezcan un sistema de Derecho comunitario.
2. Bien entendido, ello no significa que la Ley Fundamental haya abandonado la cúspide de
la escala jerárquica que rige en el derecho doméstico, garantizable a través del contralor de
constitucionalidad, tal como se desprende de la combinación de varias disposiciones de la Ley
mayor. En efecto, ello resulta del propio tenor literal del inciso 24 y además de las disposiciones
que enuncian el principio de supremacía constitucional (artículos 27, 30 y 31), las que en tanto
afincadas en la Parte dogmática resultaron inmunes a la actividad del legislador de la Reforma 585
Constitucional (so pena de nulidad insalvable de las modificaciones que no respetaran tales
58
«… este Tribunal considera que en el contexto de los procesos de integración y de las respectivas normativas que los rige, son incompatibles las medidas unilaterales de
los Estados Partes en las materias en las que la normativa requiere procedimientos multilaterales» [Tribunal ad hoc del MERCOSUR (TAHM), laudo de 28 de
abril de 1999, Comunicados Nº 37/1997 y Nº 7/1998 del Departamento de Operaciones de Comercio Exterior (DECEX) de la Secretaria de
Comercio Exterior (SECEX): Aplicación de Medidas Restrictivas al comercio recíproco, asunto 1/99, BOM (Boletín Oficial del MERCOSUR)
Nº 9, junio, 1999, pág. 227, considerando 62; en sentido coincidente, TAHM, laudo de 10 de marzo de 2000, Aplicación de Medidas de
Salvaguardia sobre productos Textiles (Res. 861/99) del Ministerio de Economía y Obras y Servicios Públicos (MEOySP), asunto 1/00, BOM
Nº 13, junio, 2000, pág. 115, considerando III.H-3, párr. 4º].
59
Sentencias CSJN, “Mercedes Benz”, 21/12/1999, Fallos 322:3193, considerando 4, párr. 3º; “CIADEA”, C.918.XXXIII, 21/12/1999 (inédito);
“Autolatina”, 12/02/2002, Fallos: 325:113, considerando 4, párr. 2º, y “Autolatina”, A.71.XXXV, 20/03/2003, inédito; y “Compañía Azucarera
Los Balcanes”, 18/12/2001, Fallos 324:4414, considerando 6 del voto en disidencia del juez Boggiano.
límites60), a lo que habría que agregar disposiciones incluidas por el propio proceso de revisión
(artículo 75, inciso 22, párrafo segundo). Por ello algunos autores han aconsejado como vía de
solución crear para esta clase particular de tratados el control previo (y definitivo) de
constitucionalidad, a efectuarse antes del acto de ratificación.
3. Sin que ello implique una alteración del artículo 27 de la Constitución prohibida por la ley
de necesidad de reforma, puede interpretarse que la integración económica y regional del Estado,
en base a la historia y práctica del Gobierno argentino como así también a su intervención en el
MERCOSUR, puede incluirse dentro de los principios de derecho público constitucionales que
aquel artículo salvaguarda en relación a la vigencia de los tratados en general.
4. A ello cabe adicionar que, tal como lo establece el inciso 24, los tratados de integración
provocan la cesión del ejercicio de competencias estatales a los órganos que ellos crean, por lo
que el Legislador o la Administración ya no tendrán bajo sus prerrogativas regular los ámbitos
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
60
Al respecto, cabe recordar que en el asunto “Fayt”, la CSJN reconoció – con base en varios de sus precedentes – que la reforma constitucional
es un acto judicialmente revisable, bajo los parámetros trazados por el Congreso nacional en la ley que declara la ley de necesidad de reforma
(sentencia “Fayt”, 19/08/1999, Fallos 322:1616, considerandos 4 a 8 y 16, párr. 2º, del voto de la mayoría, 4, 5 y 14 del voto concurrente del
juez Vázquez y 14 del voto en disidencia parcial del juez Bossert). Más aún, en la citada sentencia la Corte Suprema «[hizo] lugar a la demanda...
declara[ndo] la nulidad de la reforma introducida por la convención reformadora de 1994 en el art. 99, inc 4, párrafo tercero – y en la disposición transitoria undécima
– al art. 110 de la Constitución Nacional» (último párrafo de la decisión de la mayoría, ver también considerandos 15 y 16, párr. 3º, de la misma
972
formación y 17 y 20 del voto concurrente del juez Vázquez). Sentencias CSJN, “Mercedes Benz”, 21/12/1999, Fallos 322:3193,
considerando 4, párr. 3º; “CIADEA”, C.918.XXXIII, 21/12/1999 (inédito); “Autolatina”, 12/02/2002, Fallos: 325:113, considerando 4, párr. 2º,
y “Autolatina”, A.71.XXXV, 20/03/2003, inédito; y “Compañía Azucarera Los Balcanes”, 18/12/2001, Fallos 324:4414, considerando 6 del voto
en disidencia del juez Boggiano.
61
Sentencia CSJN “Cocchia”, 02/12/1993, Fallos 316:2624, considerando 12, párrs. 1º y 2º, del voto de la mayoría.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 587
199466); de la Cámara Nacional de Apelaciones del Trabajo (sala 6ª), seguida también – entre
muchos – por la Cámara de Apelaciones del Trabajo de Resistencia y por el Juzgado Laboral de
Corrientes, sobre la DSLM; y del Juzgado Federal de Concepción del Uruguay (importación de
pollos de Brasil, 199967); como así también la aplicación por la Administración Pública de normas
del MERCOSUR no internalizadas, en el marco de expedientes que involucraban a particulares68.
6. Cabe destacar que la doctrina argentina se halla sustancialmente diversificada en cuanto a
la definición de la naturaleza jurídica del Derecho del MERCOSUR.
La primera división se produce entre la mayoría de la doctrina que sustenta que el
ordenamiento regional carece de los tres caracteres propios de un Derecho comunitario y
aquellos que, en minoría, mantienen la posición contraria.
A su vez, entre los primeros, los disensos aparecen a la hora de establecer la calificación propia
que debe asignarse el régimen jurídico mercosureño.
El Mercosur y el Derecho Constitucional de los Estados Partes
4. CONCLUSIONES GENERALES
588
66
Sentencia CSJN, “Cafés La Virginia”, 13/10/1994, Fallos 317:1282, en particular voto concurrente del juez Boggiano, y en éste, especialmente
los considerandos 28 y 29.
67
Juzgado Federal de Concepción del Uruguay, Entre Ríos, “F.E.P.A.S.A y otros s/medida cautelar”, expte. Nº 774/99, 18/11/1999, registro L.S.
122, Tº 1999, Fº 1532/40, inédito, considerandos, párr. 9º.
68
Sólo para mencionar un ejemplo, entre varios, Resoluciones 77/2003 SE (Secretaría de Energía), expte. Nº 01:0296959/2002, y 78/2003 SE,
expte. Nº 01:0296953/2002, ambas del 24/01/03 y en BO 30/01/03, págs. 12 a 13, por las que se da aplicación al “Memorandum de
Entendimiento relativo a los Intercambios Eléctricos e Integración Eléctrica en el MERCOSUR”, aprobado a través de la Decisión Nº 10/98
del Consejo del Mercado Común, a pesar de que el mismo, según la posición oficial de los Gobiernos de los Estados Partes – plasmada en
varias Actas del GMC –, no se encontraba vigente.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 589
“Não se ouça, pois, entre vós outro grito que não seja união de
Amazonas ao Prata, não retumbe outro eco que não seja independência.”
1
José Bonifácio - Manifiesto ao Povo Brasileiro del 1 de agosto de 1822 .
Sumário: I.- Marco Teórico. Orden Público y Poder de Policía-Hacia la construcción de una visión geopolítica
regional. II.- Algunos puntos de partida. III.- Prospectivas. IV.- Prognosis conclusiva.
En una de las definiciones más conocidas, dice el civilista argentino Llambías que “orden
público” es el “conjunto de principios eminentes – religiosos, morales, políticos y económicos,
a los cuales se vincula la digna subsistencia de la organización social establecida”, vale decir, se
trata del conjunto de principios fundamentales en que se cimenta la organización social2.
Por su parte, las denominadas “leyes de orden público” son las que interpretan ese
conjunto de principios eminentes. Son las que constituyen el derecho público de un país o
constituciones políticas; las que organizan las instituciones fundamentales del derecho privado,
relativas a la personalidad (nombre, domicilio, capacidad etc.), familia (matrimonio, patria
potestad, tutela, curatela); herencia, régimen de bienes; aquéllas cuya observancia interesa a la
moral y a las buenas costumbres .3
La implicancia práctica de la noción reside, como se dijo, en su incidencia (limitativa, por
cierto) respecto del funcionamiento de la autonomía de la voluntad de los particulares y de la
Ahora bien, guarda alguna relación el concepto de “orden público” con el denominado
“derecho natural”, de aplicación en el orden social, impreso en la naturaleza humana…?
Parecería más bien que el “orden público” consiste en un concepto jurídico - positivo, y aún
sociológico, mientras que el “derecho natural” alcanza un contenido más amplio, requiere de la
formulación del derecho positivo, sólo marca los primeros principios generales del a priori jurídico
y moral, por ejemplo, “dar a cada uno lo suyo”, “el suumm cuique”; no se trataría en suma de un
concepto positivo.
Sin plantearse aquel interrogante, que no es superfluo, a nuestro modo de ver, y que
recibirá distintas respuestas según la concepción antropológica o filosófica a que se
adscriba, los autores en general son contestes en remarcar la imposibilidad de reducir el
orden público a un común denominador válido para todos los países, puesto que se trata
de una noción que expresa el particularismo de cada país, gravitado por sus peculiares
antecedentes históricos y culturales y por las condiciones políticas, económicas,
geográficas y hasta religiosas del respectivo ambiente social.
Observaba en este sentido Savigny, que esta noción rompía la comunidad de derecho
existente entre las naciones y hacía por tanto excepción a la aplicabilidad de la ley extranjera
indicada por la ciencia jurídica.
Puede mencionarse como ejemplos de “orden público comparado”, la llamada propiedad
colectiva de los países comunistas; en China, los cupos para tener hijos, cuya transgresión apareja
terribles sanciones; en Argentina: el matrimonio de base monogámica, y de distinto sexo; antes
el matrimonio indisoluble, etc.
El llamado “poder de policía del Estado”, como actividad restrictiva o más bien de regulación
¿Hacia un Mercosur de la Defensa?
de derechos, y su brazo ejecutor, la “policía del Estado”, tarea administrativa que viene a
implementar aquella regulación, parecen revestir carácter instrumental –propedéutico-, con
respecto a la materialización del “orden público”. En tal sentido, el poder de policía actúa
íntimamente ligado con el poder popular que deviene de la democracia. Por lo tanto debe estar
controlado siempre por el poder que delega el pueblo a sus representantes a través del voto
universal, popular, individual y obligatorio. Esto parece superfluo pero a la hora de definir roles,
es muy importante para evitar excesos.
El advenimiento de la democracia en los distintos países del cono sur, ha jugado un
importante papel moderador en el uso del poder de policía, tanto como ya dijimos para
evitar excesos en el orden interno como en el orden internacional ( incluido el
comunitario).
Una perspectiva global nos hace pensar que durante la guerra fría se vislumbraba con
mayor claridad la existencia de un poder de policía mundial administrado básicamente por las
grandes potencias (especialmente la ex-Unión Soviética y los Estados Unidos). Pero con la
590 caida del muro de Berlín, surgieron nuevos actores a nivel internacional y el papel de las
grandes potencias, aunque presentes, no quedó establecido el límite entre ambos
contendientes como lo fue durante la guerra fría y por lo tanto surgieron nuevos conflictos
en el orden interno de los Estados con proyección internacional (Vgr. Ex Yugoslavia,
Chechenia, Afganistán y el más reciente de Irak). Ya la llamada Mutua Destrucción Asegurada
(MAD) quedó latente al menos ante la aparición de estos nuevos conflictos ya que había que
resolverlos, a “la manera tradicional ” vale decir que, sin tirar ningún tipo de armas de
destrucción masiva.
Es que el desmoronamiento de la ex Unión Soviética ha provocado una revolución
“polibana” es decir que ha dejado sin enemigo definido a su contraparte, los Estados Unidos de
América. Aunque, si bien es cierto lo expuesto precedentemente, no menos cierto es que
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 591
actualmente han aparecido nuevos pueblos que reclaman su nacionalidad en todo el mundo los
que han llegado a denominarse, “los nuevos bárbaros”6.
Así, compartiendo la idea general de Rufin, el conflicto este/oeste dejo de existir pero esto
no significó la pacificación del mundo en el sentido de Francis Fukuyama, sino que el eje ha
cambiado al Norte y al Sur. Según este autor, sólo al Norte (Europa occidental, Federación Rusa
y Estados Unidos) le interesa el Sur cuando tiene que defender sus fronteras sean éstas
territoriales o económicas.
En efecto, de ser necesario, el norte intervendrá militarmente en el sur o le proveerá ayuda
internacional según sus intereses (por ejemplo, Estados Unidos no deja de ayudar a un país de
sur como México, con el objetivo de evitar las migraciones clandestinas, o bien cooperará con
china en el control de la natalidad aunque por otro lado cuestionará la política de Derechos
Humanos de aquel país sin dejar de hacer buenos negocios con el gigante asiático).7
Con los atentados a las torres gemelas y sus similares en Madrid y Londres , hay autores que se
preguntan si Estados Unidos es hegemónico8 o no, en relación a su influencia en el terreno militar
o económico o bien desde la debilidad, incluso técnica, de no poder influir sobre los demás estados
o actores (empresas, organismos no gubernamentales, etc.) en el plano internacional.
Entre los supuestos que abonan la idea de que Estados Unidos no es hegemónico, destácase
la conducta autónoma adoptada por Francia, Rusia y China, en el Consejo de Seguridad de las
Naciones Unidas, alejándose de las demandas de la Casa Blanca, invalida el atributo de hegemón:
conseguir transformar su demanda específica en demanda general de todos los actores, creando
a tal efecto una visión del mundo capaz de legitimar sus pretensiones de las demás unidades.9
Es que los debates en torno a la jerarquía estadounidense no disminuyen sino que parecen
incrementarse, lo que implica según un sector de la doctrina efectuar dos reflexiones, una que aún
no se haya solidificado un orden estable y previsible, lo que nos condenaría a apelar los adjetivos
de “emergente” o “transicional” y la otra, quizás la más importante desde nuestro punto de vista,
que tal vez haya que precisar el alcance que le asignamos a los atributos de hegemónicos,
14
El propósito central de los acuerdos de seguridad cooperativa es el de prevenir la guerra y al menos primariamente los medios para una agresión
exitosa, estableciendo lazos estrechos entre las partes como para evitar una amenaza mutua. En estos casos el dilema de la seguridad –es decir yo me
armo por temor a otro- se minimiza bastante. A través de estos acuerdos los cuales tienen que tener una base en otro de seguridad colectiva residual
–que actúa como paraguas del anterior- se asegura que toda agresión organizada no pueda comenzar al menos en gran escala.Cfr. CARTER, Ashton,
PERRY, William, STEINBRUNER J., “A New Concept of Cooperative Security, The Brooking Inst.”, Washington D.C. pág.7.- (La interpretación
del inglés me pertenece).
15
En tal sentido el General Juan Domingo Perón en un discurso efectuado en la Escuela de Guerra Nacional – actual Escuela de Defensa ha señalado
ya en 1953 que en un mundo superpoblado una cosa primordial para la humanidad es la comida y las materias primas. Y nuestra América Latina
era una zona poco poblada con reservas de alimentos y reservas de materias primas y por ello había que impulsar la unión regional a través de un
Pacto que en ese entonces se lo denominaba (ABC) por Argentina, Brasil y Chile (Cfr. Discurso del ex presidente General Juan Domingo Perón
en la Escuela de Defensa del 11 de noviembre de 1953, Biblioteca de la Escuela de Defensa de la República Argentina, Buenos Aires, 2007.
16
Cfr. MARTINS, María Helena (organizadora), Fronteras Culturais, Ateliê editorial, Porto Alegre, 2002, pág. 167.
17
Cfr. MARTINS, op.cit., pàg.230.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 593
del que nos habla Zygmunt Bauman, en el que la desintegración de la trama social y el
desmoronamiento de las agencias de acción colectiva se justifican como un efecto colateral de la
nueva levedad y fluidez de un poder cada vez más móvil, escurridizo y cambiante18 , sino lo que
se pretende es desarrollar redes cooperativas generadas desde el gobierno y la sociedad civil para
evitar esta especie de modernidad líquida en la que vivimos, donde todo se evade, nada se
enfrenta y si fuera posible se destruye desde el caber espacio para no ver la sangre o para que los
combatientes no combatan cuerpo a cuerpo. Cualquiera de los conflictos internacionales actuales
son un fenómeno palpable de ello.
En efecto, la historia común del cono sur nos muestra que ha habido siempre fronteras
móviles o vivas desde la época del Tratado de Tordesillas hasta muy entrado el siglo XX con las
respectivas delimitaciones del territorio en el escenario regional y los tratados celebrados al “ad-
hoc”. Por ejemplo se destacan las disputas por la “vaquería del mar”, como se la denominaba en
ese entonces a la Banda Oriental del Uruguay, junto a la mítica Colonia del Sacramento desde la
época de los reinos de España y Portugal, la guerra de la triple alianza, sin contar la problemática
de las misiones o más recientemente el tema de las represas hidroeléctricas, donde la cuestión de
los ríos y su aprovechamiento geoestratégico marcaron los escenarios comunes de la política
regional.
La construcción de redes cooperativas a nivel regional pueden minimizar cualquier intento de
generar un conflicto internacional en este sector del planeta por parte de cualquier actor
internacional sea éste estatal o no.
Una visión geopolítica regional nos llevaría a intentar fortalecer distintas líneas estratégicas
de acción que incluyan, desde articular la amazonia con la patagonia argentina para su
protección y desarrollo sustentable, hasta unir ejes de desarrollo como el de San Pablo – Porto
Alegre-Montevideo- Buenos Aires y Santiago de Chile. En tal sentido, intentar construir un
concepto uniforme de orden público comunitario – es decir un concepto que sirva de base y
de freno para cualquier intento de flexibilización jurídica – puede servir de punto de partida
Mucho se ha escrito en materia comercial en el ámbito regional del Mercado Común del Sur
(MERCOSUR) como fuera pensado originariamente en el célebre Tratado de Asunción de 1991
que le diera entidad jurídica, pero lo cierto es que no se han articulado esquemas de participación
institucionalizados de los Ministros de Defensa en las reuniones de Ministros de los países
integrantes del aludido espacio regional de personas y bienes en general .
18
Cfr. BAUMAN Zygmunt, Modernidad Líquida, Efe, México, 2002, página 19. En tal sentido también se recomienda ver “La Sociedad Sitiada” del
mismo autor.
19
COSTA FREITAS Jorde Manuel do, A Escola Geopolítica Brasileira, Biblioteca do Exército, ed. Primeira, Río de Janeiro, 2004, pág.65.
20
Ver página web del mercosur: www.mercosur.org.uy.
21
Cfr.ALBERTI, Giorgio, LLENDOROZAS, Elsa y Julio Pinto (Comp.), Instituciones, Democracia e Integración Regional en el MERCOSUR, Prometeo
Libros, Buenos Aires, 2006, pág, 220.
22
Cfr.ALBERTI, Giorgio, LLENDOROZAS, Elsa y Julio Pinto (Comp.), Op.Cit., pág.221.
23
Cfr.ALBERTI, Giorgio, LLENDOROZAS, Elsa y Julio Pinto (Comp.), Op.Cit., pág.225.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 595
Armas de Fuego, Municiones, Explosivos y otros Materiales relacionados entre los Estados
Miembros del MERCOSUR (Decisión CMC 15/04) .
El presente Memorandum se enmarca en el Tratado de Asunción que diera origen al
MERCOSUR así como el Protocolo de Ouro Preto y la Decisión Nº. 7/98 del Consejo del
Mercado Común.
El aludido instrumento jurídico, establece que los Estados Partes se prestarán cooperación
para investigar, prevenir y/o controlar, a través del intercambio de información, la fabricación y
el tráfico ilícitos de armas de fuego, municiones, explosivos y otros materiales relacionados entre
los Estados Partes para lo cual cita la Decisión Nº. 07/98 que aprueba el “Mecanismo Conjunto
de Registro de Compradores y Vendedores de Armas de Fuego, Municiones, Explosivos y otros
Materiales Relacionados para el MERCOSUR.” (Cfr. Art.2 MERCOSUR/CMC/DEC. Nº.
15/04) .
Además, destaca en el artículo 6, cuáles serán las autoridades de aplicación por cada país
miembro del MERCOSUR.
Por ejemplo, en el caso de nuestro país nombra como tales conforme el área de competencia
a: la Secretaría de Seguridad Interior, actualmente dependiente del Ministerio del Interior, el
Registro Nacional de Armas respecto de las solicitudes de información referidas a datos
registrales y sobre licencias de importación y exportación de armas de uso civil; la Secretaría
Ejecutiva de la Comisión Nacional de Control de Exportaciones Sensitivas y Material Bélico sita
actualmente en el Ministerio de Defensa respecto de las solicitudes de información referidas a
datos sobre licencias de importación y exportación de armas de uso militar y la Dirección
Nacional de Inteligencia Estratégica (Secretaría de Inteligencia) respecto de solicitudes de
información de inteligencia estratégica referida a la identificación de grupos responsables por el
tráfico ilícito de armas de fuego, municiones, explosivos y otros materiales relacionados y de su
modus operandi.24
Asimismo, los Estados Partes establecen un mecanismo permanente de intercambio de
24
Cfr. Art.6.
25
Cfr. Ibidem Art.3.
26
Nótese que los países del MERCOSUR son parte de la Convención para la Prohibición de las Armas Químicas de 1993, así como también de su
par, en el área biológica.
plantearse cuestiones políticas comunes para tener mayor implicancia a escala multilateral.
Dichas problemáticas comunes conllevan a la necesidad de crear un foro regional
multidisciplinario en el área de DEFENSA para tratar todas estas cuestiones, las cuales podrían
culminar en la reunión de Ministros de DEFENSA del Mercosur y países asociados.-
Se destacan a la sazón, los proyectos conjuntos de producción para la defensa, como el proyecto
de vehículo todo terreno multifunción denominado gaucho entre los ejércitos brasileños y
argentinos, la posible construcción de Patruleros Oceánicos Multipropósito (POM)27, los ejercicios
combinados en distintas regiones del escenario MERCOSUR, entre otras medidas de cooperación
conjunta pueden servir de puntapié para la generación de este tipo de mecanismos.
Es que, consideramos la necesidad de crear un proyecto regional – desarrollista que articule
cuestiones políticas, económicas y jurídicas para un mejor aprovechamiento de los recursos de
esta región del planeta. De esta manera, algunos autores sostienen que el “...Mercosur representa
el sistema mínimo de integración capaz de permitir a sus miembros un desarrollo autónomo, es
decir, capaz de impedir que se transformen en simples segmentos del mercado internacional y
596 provincias del Imperio. La Comunidad Sudamericana de Naciones, convertida en un efectivo
sistema de integración económica y de cooperación política, constituye la meta de integración
deseable, capaz de proporcionar a sus miembros, en este siglo, el estatus de grande interlocutor
internacional independiente.” 28
27
“Proyecto de origen subregional que le permitirá contar a sus miembros con capacidades comunes e interoperables en materia de control y vigilancia
de los mares territoriales circundantes”. Cfr. Ministerio de Defensa de la República Argentina, “La Modernización del Sector Defensa, Caracteres
y fundamentos del Modelo Argentino, 2007” pàg.15.
28
JAGUARIBE, Helio, AFAN DE SUMAR, XV CUMBRE IBEROAMERICANA DE JEFES DE ESTADO Y DE GOBIERNO, Salamanca,
2005, España, Suplemento Diario Clarín, Buenos Aires, Argentina, pág.16.- Conforme la visiòn de este autor, casi dos millones de jóvenes aptos
para ingresar al mercado de trabajo por año y que no encuentran empleo acaban formando parte del “ejército de reserva del narcotráfico”. Enviados
a los presidios, que el PCC llama “facultades”, muchos de estos jóvenes pasan a ser referentes del crimen organizado. Cfr. asimismo, BORGES, A.
“as causas da violência urbana”, mayo de 2006, www.lainsignia.org, pàgina visitada el 31/5/06. (La traducción me pertenece).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 597
III. Prospectivas
Durante la década de los años 1970, las políticas de defensa de la República Argentina en
relación con los demás estados sudamericanos, eran de tipo secretas y tendían a mantener la
597
29
Ibídem.
30
ALFONSIN, Raúl “EL MERCOSUR NACIO PARA PROVECHO DE NUESTROS PUEBLOS Y DE LA REGION,.” Diario Clarín, 30
noviembre de 2005, pág. 31.
31
Cfr. PARADISO José, “ Sobre Integración, equilibrio de poder y la relación entre Brasil y Argentina”, en ALBERTI, Giorgio, LLENDOROZAS,
Elsa y Julio Pinto (Comp.), Op.Cit., pág.125. El autor destaca las palabras del expresidente Frondizi en ese entonces, las cuales articulan en un todo
con el espíritu de este trabajo: “Podemos llegar a un mercado común. La prosperidad de cada una de nuestras naciones será prenda de la prosperidad
de las demás. Sepamos que detrás de nuestras fronteras no hay un enemigo que nos va a atacar sino un hermano que nos cuida las espaldas.
Liberados de esa preocupación, procuremos aplicar todos nuestros recursos a inversiones fructíferas.” Op.Cit. ibídem.
32
Ibidem. El ex presidente también señala que debemos: “...crecer juntos, Producir juntos, Encarar juntos la globalización, responder juntos a los
desafíos científico-tecnológicos, buscar juntos la mayor eficiencia y el incremento de la competitividad, Poner juntos los necesarios y racionales
límites a la intromisión de los capitales golondrinas, el narcotráfico, el lavado de dinero, a la dictadura de los oligopolios,..” entre otras. (Cfr.ibidem)
33
Cfr. DOMINGUEZ, Jorge I., “Conflictos Territoriales y limítrofes en América Latina y el Caribe” en Conflictos Territoriales y Democracia en América
Latina, Buenos Aires, Siglo XXI Editores, pág.37.
autonomía en áreas consideradas sensibles a los intereses nacionales. Demás está recordar, las
políticas de contención en relación al Brasil que se desarrollaron en esa época, por ejemplo con la
idea de trasladar unidades militares a la mesopotamia argentina, los recelos que existían en relación
a la construcción de la represa de Itaipú, sin mencionar lo que ocurría del otro lado de la cordillera
en materia de despliegue militar. Un ejemplo de cuán distanciados estábamos en materia de
integración regional, lo es la Ley Secreta Nº. 19248, del 21/9/1971 publicada en el Boletín Oficial
del 21 de setiembre de 2006, la cual fijaba como “Objetivo Político Secreto”: “ Mantener una
situación de preeminencia en el ámbito de América Latina a fin de lograr una gravitación
significativa en el sistema internacional”, además de promover la creación de un “ámbito de
influencia propio” en relación a los países limítrofes, entre otras cuestiones conexas34.
Los acuerdos entre los presidentes Alfonsín y Sarney del Brasil de 1985, y los tratados de
cooperación en materia nuclear con dicho país, dieron el puntapié inicial para la creación del
MERCADO COMUN DEL SUR (MERCOSUR).
Si bien es cierto que en la actualidad no existe un mecanismo institucionalizado de tratamiento
de las cuestiones de la DEFENSA en el ámbito del MERCOSUR, no menos cierto es que son
crecientes las manifestaciones tanto políticas como jurídicas en torno a viabilizar proyectos
conjuntos entre los países del MERCOSUR.
Desde una perspectiva realista se podría sostener que la integración regional en el área de
DEFENSA resulta poco probable, ya que dichas cuestiones se encuentran excluidas del Tratado
de Asunción de 1991, que diera origen al MERCOSUR y a la sazón, cada Estado debe tener su
propio Sistema de Defensa sin compartir ninguna de sus capacidades con el vecino, debido a
varias cuestiones que surgen del análisis de la realidad misma, la cual es compleja y contradictoria.
¿Hacia un Mercosur de la Defensa?
Sin embargo, esta materia podría entenderse incluida, al menos de un modo implícito em otros
instrumentos del MERCOSUR como el Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso Democrático
en el MERCOSUR y en las declaraciones presidenciales y en los comunicados semestrales35.
Asimismo, cada estado tiene su propia percepción de la amenaza y lo que para unos puede
ser la criminalidad, para otros será el terrorismo, la explotación irrestricta de los recursos
naturales, o el valor del kilo de novillo36.
De la mano de esta escuela, se podrían trazar algunos mecanismos de cooperación pero
siempre manteniendo las capacidades de la defensa intactas y casi “en secreto” para mantener una
actitud ofensiva en caso de ser necesario.
Desde el liberalismo o institucionalismo, se privilegian los acuerdos entre países para evitar la
guerra o el conflicto “lato-sensu” y cuanto más uno participa de mecanismos de integración
menos existen posibilidades de conflicto.
Según otras escuelas de pensamiento como podrían ser el constructivismo, la doctrina social de
la iglesia e incluso el marxismo, deberán analizarse las fortalezas y las debilidades de los Estados
598 miembros de una posible mecanismo de integración y trabajar sobre sus causas estructurales que
irían desde el analfabetismo hasta el hambre las diferencias sociales y el desarrollo económico.
En tal caso, se abordarán las referidas cuestiones desde una perspectiva integral, sin descuidar
que la región en general es una zona de paz, sin conflictos interestatales a la vista pero con
profundas diferencias sociales y conflictos de índole intra estatal.
34
Cfr. Ley Nº.19248 del 21/9/1971, B.O. 21/9/06.
35
Por ejemplo en la Declaración Política del MERCOSUR, Bolivia y Chile como Zona de Paz, CMC/1998/Acta Nro.1. También en los Comunicados
Conjuntos de los Presidentes de los países miembros del MERCOSUR, Bolivia y Chile, CMC/2001, donde expresan la necesidad de tomar medidas
concretas en materia de comercio ilegal de armas, delitos conexos, etc, la Declaración de Florianópolis de junio de 2000, sobre tecnologías de la
información, entre otras (Cfr. www.mercosur.org.uy).
36
Cfr. La Declaración política del MERCOSUR, Bolivia y Chile como zona de paz, el Comunicado de los presidentes de los Estados Partes del
MERCOSUR a los 10 años del Tratado de Asunción, entre otros.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 599
Por ejemplo, cumplen un papel negativo la inestabilidad de la región andina subtropical que
fomenta un incipiente armamentismo, el peligro de irradiación de los conflictos internos y el
efecto transfronterizo de una eventual contaminación ambiental (Por ejemplo el tratamiento
de las contradicciones ambientales en la cuenca del Plata).
También se observa, una debilidad en la estructura de los mecanismos de defensa colectiva
de la región debido a la ineficacia del Tratado Interamericano de Asistencia Recíproca (TIAR)
, las descoordinaciones en el área de la Organización de Estados Americanos (OEA) y un
incipiente relanzamiento político del MERCOSUR a pesar de su desaceleración económica. En
efecto, un indicio de dicho relanzamiento podría ser la constitución del parlamento regional
con sede en la ciudad de Montevideo y el ingreso de otros Estados como ser Venezuela y de
otros con el carácter de asociados como son los casos de Bolivia y de Chile.
Por otro lado, se vislumbra que la región latinoamericana en general posee importantes
recursos naturales inexplorados, aunque las diferencias económicas de desarrollo regionales
son muy grandes (Nos vasta comparar la ciudad de San Pablo con cualquier otra ciudad del
cono sur). En consecuencia, la falta de homogeneidad económica e integración social, deja
enormes espacios vacíos hacia el centro del continente y por ende desprotegidos como ser: la
cuenca del Orinoco, la Amazonia, el Pantanal, el Acuífero Guaraní, la Cordillera de los Andes,
la Patagonia y el Mar Austral.
Asimismo, y pese a las contradicciones antes mencionadas, la creación de un mecanismo
regional institucionalizado, tanto para resolver cuanto para proteger dichos recursos vitales,
puede ser muy provechoso.
Siguiendo a Jaguaribe en este punto, no debe soslayarse que: “…La integración regional
tiene al MERCOSUR como núcleo duro y, a la vez, la integración dentro del MERCOSUR
depende de dos condiciones básicas: que se consolide operacionalmente la alianza argentino-
brasileña (que está más verbal que operacional) a través de establecer un programa industrial
común; y que se tengan en cuenta las necesidades de Paraguay, que es el sector débil del
37
Cfr. JAGUARIBE, H. "América Latina Principal portadora de un mensaje humanista", www.mercosurabc.org. Página visitada el 13/9/07. Sostuvo
el referido pensador en una conferencia realizada en el palacio San Martín de Buenos Aires, que América Latina es el sitio donde la descartabilidad
humana es más reducida y que la integración es la salida a la desintegración social, incluso para Brasil.
38
Cfr. En tal sentido KOUTOUDJIAN, Adolfo, propone entre otras cosas la creación de un Pacto de Defensa y Seguridad en el cono sur americano
(Cfr. KOUTOUDJIAN, Adolfo, Pacto de Defensa y Seguridad del Cono Sur, en STANGANELLI Isabel, Comp., Seguridad y Defensa en el Cono
Sur, Editora Andina Sur, Mendoza, 2004, pàg.191).
Ya desde una perspectiva geopolítica, resulta necesario resaltar, la creciente demanda de materias
primas en el mundo actual y la escasez de recursos que se vislumbra en este siglo puede incrementar
conflictos39 tanto sea para adquirir o simplemente “controlar” los Recursos Naturales “lato–sensu”,
como puede ser la selva virgen del Amazonas, la cuenca de los ríos más importantes del mundo
entre los que también hay que contar al acuífero guaraní en relación al recurso agua potable, la
Cordillera de los Andes en torno a la explotación de minerales, el sector antártico, etc.
Porque como decía un estratega argentino muy conocido, “… Son los intereses y no las armas
los que desencadenan las guerras.”40 Entonces, la idea de comunidad con intereses compartidos que
campea en esta región del cono sur, puede asimismo contribuir a generar este tipo de mecanismos
conjuntos de cooperación fortaleciendo la tesis de seguridad cooperativa que se sustenta en el
presente trabajo.
Sin mengua de lo hasta aquí dicho, esto no significa que los Estados nacionales no tengan que
mantener una respuesta militar y de defensa en general ante cualquier agresión externa como señala
nuestra sabia Ley de Defensa Nacional, lo que se pretende es sumar a la tésis de defensa tradicional
este nuevo concepto cooperativo, que desde ya no es nuevo en el terreno de las relaciones
internacionales, lo cual simplemente puede contribuir como trabajo doctrinario, al desarrollo de una
conciencia regional en la materia.
Sobre el particular, cabe citar la actual reglamentación de la Ley de Defensa Nacional41 que
establece expresamente en sus considerandos: “…la necesidad de proyectar, junto a los países
vecinos, un Sistema de Defensa Subregional que fomente y consolide la interdependencia, la
interoperabilidad entre sus integrantes, la confianza mutua y, por ende, las condiciones políticas que
aseguren el mantenimiento futuro de la paz.”
¿Hacia un Mercosur de la Defensa?
Es que, la integración regional vista como preservación de los recursos naturales, no deja de ser
la preservación de la integridad territorial de los países integrantes de una comunidad, esta última
entendida como mancomunión de intereses, aspiraciones, objetivos y si se quiere, “sueños
compartidos”. Por ejemplo, se detectarán espacios geopolíticos a resguardar como ser la amazonia
brasileña, la mata atlántica, el pantanal – que cubre parte de Brasil, Bolivia y Paraguay -, los sistemas
hídricos de los Ríos: Paraná, Paraguay, San francisco y Uruguay, así como la Cordillera de los Andes,
la Patagonia y Antártida e Islas del Atlántico Sur.
De esta manera, lo cultural como principal manifestación de poder, nos dará el sustento a la idea
de preservar un bien en un área determinada. De nada nos servirá preservar algo que no queremos
o estimamos y para ello, hay que promover la idea de difundir la cultura de una región para que la
gente de un país conozca lo que sucede en el vecino. En tal sentido, el conocimiento del idioma
como herramienta geopolítica, es fundamental para explorar en esta área.
Asimismo, es de destacar en este punto, el rol de la opinión pública internacional que viene a
jugar un límite y un control de alguna manera a las atribuciones de los Estados y también a los
600 organismos internacionales. Podría decirse que la misma integra actualmente, junto con los medios
de comunicación, los poderes blandos o “soft power”42 que sostiene el accionar internacional de los
Estados. Los individuos actualmente requieren de mayor interrelación entre sí para lo cual se están
generando permanentemente organizaciones para articular dichas aspiraciones (El ciberespacio, los
39
KLARE, Michael, Guerra por los Recursos, edit. Urano, Edic. 2003, Barcelona, pàg. 37.
40
FRISCHKNECHT, F., LANZARINI, M, y otros, ESTRATEGIA, Lògica, Teoría y Pràctica, Escuela de Guerra Naval, 1994. pàg.10
41
Cfr. Considerandos del Decreto Nº.727/2006 (www.infoleg.gov.ar, pàg visitada el 14/6/2006).
42
Por ejemplo, “…el caso de Brasil que se ha lanzado a la introducción de estándares abiertos en diferentes ámbitos económicos y culturales. Brasil
es en estos momentos “el país de código abierto”…En este objetivo están siendo claves el papel del Ministro de Cultura Gilberto Gil y diferentes
iniciativas del gobierno para la implantación de software de código abierto y el uso de licencias Creative Commons…”, entre otras cosas, Cfr.
FREIRE, Juan, Op.Cit. pàg.1.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 601
nuevos medios de transporte, los mecanismos de derecho comunitario como ser la Unión
Europea y actualmente El MERCOSUR son un ejemplo en tal sentido).
En el ámbito local, por ejemplo, y más allá de cualquier tipo de acuerdo de tipo la idea de crear
una red de mercociudades43, puede contribuir al mantenimiento de la paz a nivel macro regional.
Es que no necesariamente con instrumentos militares similares se puede construir un sistema de
seguridad colectivo eficaz, es necesaria la participación ciudadana en todos los planos, inclusive
el cultural, para establecer líneas de contención a nivel macro, siendo poco factible el uso de la
fuerza, al menos a nivel limítrofe .
Por ello es que algunos autores sostienen que durante la segunda mitad del siglo diecinueve y
el primer tercio del siglo veinte se desarrolló en América del Sur un sistema de “equilibrio de
poder” asegurado por una exitosa disuasión. Su consolidación es una importante explicación de
la escasa incidencia de la guerra en los Estados sudamericanos44.
Sin embargo, si bien los Estados sudamericanos no tienen problemas limítrofes graves que
puedan llevar al uso de la fuerza interestatal, han proliferado una serie de conflictos internos
vinculados con la miseria, el desarrollo inequitativo de distintas regiones en deterioro de otras, el
crimen organizado, el narcotráfico, las migraciones masivas, la proliferación de armamento
convencional y de destrucción masiva en general, etc. Este tipo de amenazas, que para algunos
son nuevas – por la virulencia en que se manifiestan en el escenario social – y que para otros son
trasnacionales, ya que al menos uno de los actores involucrados no es el Estado formalmente
hablando, han generado lo que una parte de la doctrina internacionalista vinculan dichas
amenazas con la aparición de nuevas guerras que desdibujan el concepto tradicional,
definiéndolas incluso como de tipo informal o privatizadas.45
Asimismo, con el fenómeno de la globalización y su consecuente “Revolución en los Asuntos
Militares” y las tecnologías informáticas han provocado profundas repercusiones en el arte
bélico46, tanto como lo fue el uso del tanque o el avión en su momento, modificando incluso el
término de “frontera como límite fijo” ya que por ejemplo con el Internet y el ciberespacio, la
43
Cfr. MARTINS, Marìa Elena, Fronteiras Culturais, Brasil, Uruguay, Argentina, Ateliè editorial e à Secretaría de Cultura de Porto Alegre, São Paulo,
2002, pàg.230 y ss.
44
DOMINGUEZ, Jorge I., Conflictos territoriales y limítrofes en América Latina y El Caribe, Siglo XXI Editores, 2000, pág.21.
45
Cfr. KALDOR, M., Las Nuevas Guerras, La violencia organizada en la era global, Tusquets ,Editores, Madrid, 2001, pág.16.
46
Cfr.KALDOR, M., Op.Cit., pág.17.
47
Cfr. MESSNER, Johannes, Ëtica Social, Política y Económica a la Luz del Derecho Natural, Rialp Ed., Madrid, 1967, pág.771. - El referido autor también
destaca que “…no hay más que una sola garantía segura de la efectividad de un control internacional de armamentos: la general existencia de una
opinión pública libre, tanto en el orden interior como en el internacional.” Ibidem.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 602
Por ello, reflotar la tesis de que los Estados sólos no pueden resolver los nuevos conflictos,
necesitando la creación de sistemas de seguridad tanto colectivas como cooperativas para el uso
de la fuerza, resulta casi imprescindible. En tal sentido, como sostuvimos supra, la aparición de
países por fuera del tradicional eje este-oeste como ser China, Brasil48, India y según un
reconocido pensador brasileño, también Sudáfrica49, pueden darnos alguna esperanza alentadora
en cuanto al mantenimiento de un orden público internacional más justo.
Como contrapartida, si no se generan sistemas eficaces de control y destrucción de
armamento equitativos, la esperanza de construir un mundo más justo se desdibuja día a día;
nótese el misil que ha sido probado recientemente por los rusos puede ser visto tanto como un
límite a la hegemonía de Washington cuanto una interminable carrera armamentista en el
futuro50.
En relación al referido ensayo de misiles por parte de Rusia, algunos estrategas sostienen que
ha sido interpretado como un desafío directo al controvertido plan de los Estados Unidos de
despliegue del escudo norteamericano en Europa, convirtiendo al viejo continente – según el
actual presidente ruso Vladimir Putin- en un verdadero polvorín51 .
Es que la Rusia de Putin se re-articula con la economía mundial utilizando –además de los
métodos arriba descriptos- su arma principal que es su gran reserva petrolífera y gasífera.
Al respecto, un sector de la doctrina económica sostiene que el actual presidente Putin,
prepara una suerte de (OPEP) del gas al aliarse con los productores de gas de la región
geopolítica de la antigua Unión Soviética que Rusia busca reorganizar bajo su hegemonía52.
Resulta interesante hacer referencia a este punto para observar cómo estos fenómenos
forman parte de un reordenamiento estratégico mundial en el cual pesa mucho la ampliación de
¿Hacia un Mercosur de la Defensa?
Si bien entendemos, que así como el derecho debe apuntar siempre a reafirmar el valor
justicia, estos sistemas de defensa regionales basados en los principios de la Carta de las Naciones
Unidas, deben apuntar a brindar mayor seguridad a sus ciudadanos como ideal de toda sociedad
organizada que se asiente en principios fundamentales de derecho.
En tal sentido, los sistemas de seguridad colectiva como techo o “garantía residual”54 de los
de tipo cooperativo vienen a jugar un papel importantísimo desde el punto de vista estratégico,
602
48
Brasil estaría cerca de ser socio estratégico de la Unión Europea, lo cual sería un acuerdo por fuera del MERCOSUR, esto indica – de concretarse-
la importancia a escala global del referido país. Cfr.Diario La Naciòn, “Brasil, cerca de ser socio estratégico de la UE”, jueves 31 de Mayo de 2007,
pág. 2.
49
Cfr. DOS SANTOS, Theotonio, “¿ A dónde va el Capitalismo?”, www.clacso.org.ar/difusion/institucional/asuntos-institucionales-y-
jurìdicos/opiniòn.html, pàg. 3, 6/7/06. El autor de referencia sostiene que Sudáfrica debe estar dentro de los BRICS ya que tendrá que liderar un
continente que tendrá más de mil millones de habitantes en los próximos 30 años. Ibídem.
50
Cfr. “Un Nuevo Misil Ruso desafìa a Estados Unidos”, Diario La Nación, 30/5/07, pág. 2.
51
“Un Nuevo Misil ruso desafìa Estados Unidos”, op.cit. ibìdem.
52
Cfr. DOS SANTOS, Theotonio, op. cit. pàg. 2.
53
Cfr. DOS SANTOS, Theotonio, Op.Cit., passim. De las clases de geopolítica en la Maestría de Defensa Nacional de la Escuela de Defensa de la
República Argentina, el profesor Lic. Koutoudjian sostenía la estrategia “anaconda” desarrollada básicamente por Estados Unidos para contener a
Rusia, con lo cual la contención soviética inaugurada por la Guerra Fría aún continúa ya que la misma - según el profesor Dos Santos de la
Universidad Fluminense de Río de Janeiro - no era una estrategia ideológica sino geopolítica. Cfr. DOS SANTOS, T., Op.Cit.,ibídem.
54
Cfr. CARTER a., PERRY W. y STEINBRUNER, J., Op.Cit., pág.8
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 603
máxime teniendo en cuenta los juegos geopolíticos de las grandes potencias en el tablero mundial
ut-supra expuestos.
Así como hemos expuesto posibles escenarios de integración regional en las áreas de
producción para la defensa, no proliferación y ejercicios militares combinados, no debemos
descontar la posible integración en materia de justicia y derechos humanos.
En efecto, sin desmerecer la idea de la creación de tribunales comunitarios como la Corte
Europea de Derechos Humanos, no menos cierto es que se podrían intercambiar experiencias
entre los distintos tribunales nacionales que abarcan la problemática cívico-militar de los
derechos humanos y del derecho internacional humanitario en general. Un primer avance podría
ser a través de la organización de seminarios donde se exponga las experiencias y la perspectiva
internacional en la materia. Un punto de interés compartido podría ser la promoción de los
derechos humanos y el derecho internacional humanitario en todos los organismos del estado
vinculados a la seguridad y la defensa en general55.
Una cuestión a considerar es el intercambio en materia de organismos de contralor como ser
auditorías, sindicaturas, observatorios de la cuestión, etc. Podría crearse la figura del ombudsman de
la defensa o “defensor del pueblo” para canalizar los posibles reclamos de la población, en temas
de transparencia, aplicación de normas internacionales o nacionales, o cualquier otro tema
relacionado con lo que actualmente se denomina “accountability social” es decir, generar
mecanismos de control y acceso ciudadano a cuestiones públicas tan sensibles como las de
defensa.
Y ya en el aspecto estrictamente jurídico – legislativo a nivel comunitario, a los efectos de
consolidar el proceso de integración, deberá tenerse en cuenta que las normas generadas por los
órganos del MERCOSUR deben ser obligatorias para los Estados Partes.
En efecto, un tema no menor es tener en cuenta la fecha exacta de entrada en vigencia de las
normas regionales y su correcta incorporación al derecho nacional, ya que constituyen dos pilares
fundamentales para la construcción de un espacio integrado donde la regla de derecho logre
55
Se destaca el Proyecto de reforma del Sistema de Justicia Militar cuyo proyecto de Ley se encuentra a consideración del Poder Legislativo Nacional
como Ley de la Nación, por el cual “…en términos generales implica: a) Eliminación del fuero militar para el juzgamiento de delitos cometidos
por integrantes de las Fuerzas Armadas, los que en adelante serán juzgados en condiciones de igualdad a las de los demás ciudadanos; b) Eliminación
de los delitos que no afectan a terceros por tratarse de conductas propias de la esfera íntima y de la autonomía individual; c) la previsión de conductas
tales como el acoso sexual y el hostigamiento disciplinario como faltas graves; d) Eliminación de la pena de muerte del ordenamiento jurídico
argentino; e) Rediseño completo del sistema disciplinario equilibrando necesidades, limitando oportunidades para la arbitrariedad y fortaleciendo la
vigencia del debido proceso.” (Sic.) Ministerio de Defensa, Presidencia de la Nación, “La Modernización del Sector Defensa - Caracteres y
Fundamentos del Modelo Argentino-2007”, pág. 19.
56
Cfr. PEROTTI, Alejandro Daniel, “MERCOSUR: proceso legislativo. Sobre algunos inconvenientes que presenta el mecanismo de internalización”,
(Pendiente de publicación en Revista de Derecho Privado y Comunitario, ed. Rubinzal Culzoni, Santa Fe, Argentina, 2007 y por la Organización de
Estados Americanos) pág. 28
57
Cfr. PEROTTI, A.D., Op. Cit., ibídem
mientras Brasil dispone de una Política de Defensa Nacional, en Venezuela las principales
referencias se encuentran en su ley fundamental, lo que no es el caso de México, donde la
costumbre y prácticas articuladas en su cultura política viene a suplir algunas herramientas
normativas58.
Sin embargo, consideramos que aún pueden vertebrarse políticas conjuntas en materia de
defensa a nivel regional, entendiéndola a ésta como in instrumento al servicio de la paz.
Y es con una gran marcha hacia el oeste59 como decía Cassiano Ricardo y le agregamos, hacia
el sur para unir las dos escuelas geopolíticas, que nos vamos a encontrar brasileños, paraguayos,
venezolanos, uruguayos, chilenos, bolivianos y argentinos para articular políticas conjuntas hacia
el futuro. En materia geopolítica sería como la “evolución de la continuidad” es decir, conjugar
los principales enfoques desde temáticas tradicionales (Vgr. Amazonia, Atlántico sur, Brasil y
Argentina, polìtica y estrategia de ordenamiento territorial y la nueva temática del binomio
“globalización/mundialización”).60
En suma, una de las propuestas es crear, dentro de la estructura del MERCOSUR, la Reunión
Especializada de Defensa, que consideramos viable y muy sencillo de implementar en la práctica,
ya que no se requiere ni de ley del parlamento ni de Decreto del Poder Ejecutivo Nacional, ya
que es un simple trámite administrativo hacia la interna del MERCOSUR.
Imaginamos, en sustento de lo anteriormente expuesto, que este mecanismo integrado
facilitará la articulación de temas que atañen a la defensa que se irían ampliando a otros de
acuerdo a las necesidades de cada país. Por ejemplo una cuestión puede ser tratada y compartida
por todos los miembros del MERCOSUR o no, de acuerdo a su política nacional en la materia.
Incluso podrán existir temas que se acuerden entre dos países miembros o más, todos los
¿Hacia un Mercosur de la Defensa?
58
Cfr. LAIÑO, A., “El Intercambio entre diversas escuelas doctrinarias. Una Aproximación al Debate Teórico de la Defensa”, Revista de la Defensa
Nacional, Publicación del Ministerio de Defensa - República Argentina - Nº. 1, Buenos Aires, 2007, pág.74.
59
“Marcha para el oeste” significaba en ese entonces, todo aquello que revelaba la primacía de las políticas de transportes y de comunicaciones de
cariz continental. Cfr. COSTA FREITAS, Op.Cit., pág. 65.
60
Cfr. COSTA FREITAS, J., Op.Cit., pág.128. En relación a la globalización actual el teólogo Frei Betto sostiene que la circunstancia de que el planeta
se haya transformado en una aldea, no significa que debamos aceptar una globalización que signifique la imposición de un modelo culturalizado,
con un único paradigma de comportamiento, lo que denomina como globocolonización. Cfr. BETTO, frei, O Desafìo Etico, garamond , 1ra. ed, Río
de Janeiro, 2001, pág. 39 (la interpretación del portugués me pertenece)
61
Cfr. CARTER a., PERRY W. y STEINBRUNER, J., Op.Cit., pàg.8
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 605
Fuentes consultadas
62
Decimos que el término Defensa es transversal porque relaciona a todas las cuestiones del Poder Nacional, incluso las de índole cultural. Un trabajo
interesante en tal sentido es el realizado por el Lic. Sebastián Fernández “La Cultura como Factor de Poder de un Estado” Programa de estudios
en Defensa & Seguridad, www.caei.com.ar, página visitada el 1/6/07.
MESSNER, Johannes, Ëtica Social, Política y Económica a la Luz del Derecho Natural, Rialp Ed.,
Madrid, 1967.
MINISTERIO DE DEFENSA DE LA REPÚBLICA ARGENTINA, “La Modernización
del Sector Defensa, Caracteres y fundamentos del Modelo Argentino” , Buenos Aires, 2007.
PERÓN, Juan Domingo, Discurso efectuado en la Escuela de Guerra Nacional - actual
Escuela de Defensa, en 1953, Biblioteca de la Escuela de Defensa de la República Argentina,
Buenos Aires, 2007.
PEROTTI, Alejandro Daniel, “MERCOSUR: proceso legislativo. Sobre algunos
inconvenientes que presenta el mecanismo de internalización”, (Pendiente de publicación en
Revista de Derecho Privado y Comunitario, ed. Rubinzal Culzoni, Santa Fe, Argentina, 2007 y
por la Organización de Estados Americanos).
RAPOPORT, Mario, CERVO AMADO, Luiz, El Cono Sur, Una historia común, Fondo de
606 Cultura Económica, Buenos Aires, 2001.
RIBEIRO, Darcy, As Américas e a Civilização, Editora Vozes Ltda., Petrópolis (RJ), 1977.
RIBEIRO OLIVEIRA, Fábio, “O Imperio e os Novos Bàrbaros” Um analise sobre o livro
do Jean-Christophe Rufin, http/br.geocities.com/revistacriacao2001/barbaros.htm, pàgina
visitada el 16/5/2007.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 607
Sumário: I. INTRODUCCIÓN. I.A. El enfoque en el MERCOSUR. I.B. La Reunión de Ministros de Justicia del
MERCOSUR y el contexto normativo: cooperación judicial, Determinación de jurisdicción, responsabilidad, solución de controversias
entre particulares I.C. Régimen de la extradición. I.C.1. MERCOSUR y ámbito internacional, en especial la UE. I.C.2.
Disposiciones sobre extradición en tratados con otro objeto específico. II. EL ACUERDO DE EXTRADICIÓN
DEL MERCOSUR. II.A. Antecedentes. II.B. Las principales soluciones. II.B.1. El preámbulo II.B.2. Una esmerada
estructura formal: el tríptico esencial (procedencia, improcedencia y denegación facultativa). II.B.2.a. Los
fundamentos de la procedencia: jurisdicción, doble incriminación y pena. II.B.2.b. La improcedencia .II.B.2.b.i.
Excepciones, delitos políticos y terrorismo. La influencia europea de las últimas décadas. Las soluciones del Acuerdo
II.B.2.b.ii. Cosa juzgada, tribunales ad hoc, amnistía. II.B.2.b.iii. Los menores. II.B.2.c. La denegación facultativa:
La nacionalidad y las actuaciones en curso por los mismos hechos. II.B.2.c.i. La nacionalidad: se prevé una carga
adicional cuando no se extradita. II.B.2.c.ii. Actuaciones en curso por los mismos hechos. II.B.3. Los límites a la
extradición: pena de muerte o privativa de libertad a perpetuidad, la especialidad, reextradición a un tercer Estado.
II.B.3.a. La pena de muerte y la prisión perpetua: el Acuerdo establece una doble garantía. II.B.3.b. El principio de
la especialidad. II.B.3.c. La reextradición. II.B.4. El procedimiento.II.B.4.a. La decisión. II.B.4.b. Aplazamiento
de la entrega por un proceso local y su excepción. II.B.4.c. Extradición simplificada o voluntaria. II.B.4.d.
Detención preventiva. II.B.5. Otras previsiones. Orden público.III. LA ASISTENCIA JURÍDICA
INTERNACIONAL EN ASUNTOS PENALES EN EL MERCOSUR; IV. CONSIDERACIONES FINALES.
I. INTRODUCCIÓN
Berta Feder
los textos aprobados en los países del MERCOSUR, en algunos casos junto a sus asociados.
En especial en relación a la extradición, se hará hincapié, cuando parezca pertinente,
además del propio texto, en antecedentes vinculados a la filosofía de este tipo de tratados, así
como a la ratio de algunas disposiciones. De donde surgirá un implícito cotejo con los
enfoques europeos más recientes, desconocidos en nuestra regulación. Unos y otros, los de
los Estados partes del MERCOSUR y los de la Unión Europea (UE), cada uno a su modo, 607
implican un exponente del desarrollo progresivo del derecho internacional de la cooperación
penal internacional en la respectiva región.
* Directora de la Dirección de Asuntos de Derecho Internacional del Ministerio de Relaciones Exteriores de Uruguay. Profesora de Derecho
Internacional Privado y de Derecho Internacional Público de la Facultad de Derecho de la Universidad de la República de Montevideo, Uruguay.
Asesora de la Dirección General de Integración y Mercosur del Ministerio de Relaciones Exteriores. Coordinadora nacional del SGT2 (subgrupo de
Asuntos Institucionales) y de la Reunión Técnica de la Normativa del Mercosur. Negociadora de los tratados de cooperación penal que aquí se
comentan en calidad de integrante de la Comisión Técnica de la Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur. Integrante del Grupo de Alto Nivel
negociador del Protocolo de Olivos y de su reglamentación sobre Solución de Controversias entre los Estados Partes del Mercosur.
[email protected]
1
Durante la negociación y en el momento de la suscripción de los Acuerdos que se comentan en este trabajo, el Mercosur estaba integrado por
Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay y sus Estados asociados eran Bolivia y Chile. En el presente, los Estados Partes del Mercosur son los
mismos, Venezuela se encuentra en proceso de adhesión y ha aumentado el número de Estados asociados.
El área objeto del presente se vincula a la labor de las Reuniones de Ministros del
MERCOSUR, en especial la de Ministros de Justicia, que se creó por Decisión Nº 8 del
Consejo del Mercado Común (CMC) en la cumbre de Brasilia en diciembre de 1991, con el
objeto de propiciar el estudio y la armonización de políticas o, en su caso, la formulación de
normas tendientes a facilitar y agilizar la prestación de justicia –en equilibrio con la certeza
que caracteriza a los sistemas jurídicos de los Estados Partes– mediante la proyección de un
marco jurídico que estructure e incentive la cooperación interestatal en sus distintas facetas.s.
Una Comisión Técnica especializada efectuó los estudios y los trabajos y elaboró los
proyectos de instrumentos jurídicos, en cumplimiento de la agenda dispuesta por los Ministros.
Numerosos acuerdos fueron aprobados hasta el presente en este ámbito de negociación,
en cuatro sectores que se estimaron prioritarios:
a) la cooperación judicial interestatal,
b) la determinación de jurisdicción internacional,
608 c) la responsabilidad extracontractual en materia de accidentes de tránsito y
d) la solución de controversias privadas mediante el arbitraje.
a) En el área de la cooperación judicial interestatal, se celebraron el Protocolo de
Cooperación y Asistencia Jurisdiccional en Materia Civil, Comercial Laboral y
Administrativa2; el Protocolo de Medidas Cautelares3; el Protocolo4 de Asistencia Jurídica Mutua en
2
Firmado en la II Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Puerto Iguazú, República Argentina, el 22-5-92; aprobado por Decisión CMC Nº 5/92, en la
Reunión de las Leñas, República Argentina (27-7-92); aprobado por Ley Nº 16.971, de 15-6-98; en vigor desde el 17-3-96.
3
Firmado en la IV Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Brasilia, República Federativa del Brasil, el 7-12-94.; aprobado por Decisión CMC Nº 27/94,
en la Reunión de Ouro Preto, Brasil(16-12-94); aprobado por Ley Nº 16.930 (20-4-98); en vigor desde el 13-4-96.
4
Destacado nuestro de los dos tratados a los que refiere este trabajo, con en especial acento en el acuerdo de extradición.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 609
Sin perjuicio de los acuerdos regionales, las relaciones de extradición entre los Estados se
contempla a nivel mundial en un marco primordial de tratados bilaterales – las relaciones de
extradición son bilaterales – algunos de ellos considerablemente antiguos, en los que era
común la inclusión de listas de delitos.
Berta Feder
5
Firmado en la V Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Buenos Aires, República Argentina, el 12-6-96; aprobado por Decisión CMC Nº 02/96, Reunión
de San Luis, República Argentina (25-696).
6
Firmado en la VII Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Asunción, Paraguay, el 14-6-97; aprobado por Decisión del CMC nº 05/97, Reunión de
Asunción, Paraguay (9-6-97).
7
Firmado en la VIII Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Montevideo, Uruguay, el 28-11-97. Aprobado por Decisión del CMC Nº 09/97, Reunión de
Montevideo (15-12-97).
8
Firmado en la X Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Brasilia, República Federativa del Brasil, el 20-11-98; aprobado por Decisión CMC Nº 14-98 609
, Reunión de Río de Janeiro, Brasil (10-12-98).
9
Firmado en la XI Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Buenos Aires, República Argentina, el 5-07-02.
10
Aprobadas en la XI Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Buenos Aires, República Argentina, el 5-07-02.
11
Aprobado en Belo Horizonte, Brasil, por Decisión CMC Nº 34-03
12
Aprobado en Asunción, Paraguay, por Decisión CMC Nº 13/0519/VI/05
13
Firmado en la III Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Buenos Aires, República Argentina, el 6-4-94; aprobado por Decisión CMC Nº 1/94, Reunión
de Buenos Aires, Argentina (5-8-94). En vigor desde el 6-6-96.
14
Firmado en la VI Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Santa María, República Federativa del Brasil, el 22-11-96; aprobado por Decisión del CMC
Nº 10/96, Reunión de Fortaleza, Brasil (16-12-96).
15
Firmado en la XI Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Buenos Aires, República Argentina, el 5-07-02
16
Firmado en la V Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Buenos Aires, República Argentina, el 12-6-96; aprobado por Ley Nº 17.050, de 14-12-98;
aprobado por Decisión CMC Nº 01/96, Reunión de San Luis, República Argentina (25-6-96 ).
17
Firmado en la IX Reunión de Ministros de Justicia del Mercosur, Buenos Aires, República Argentina, el 12-6-98; aprobado por Decisión CMC Nº 3/98, Reunión
de Buenos Aires-Ushuaia, República Argentina (23-7-98).
En los países del MERCOSUR se tendió a obtener textos armónicos con la moderna
evolución del instituto, teniendo en cuenta las nuevas modalidades de la criminalidad nacional
e internacional al momento de su celebración. De esta filosofía se nutre el Acuerdo del
MERCOSUR, en el que se advierte una adecuada sistematización técnico normativa, de modo
de facilitar la interpretación y la aplicación de las normas por parte de las autoridades
competentes.
Esta concepción implica un avance en relación a los tratados más antiguos los que, con la
pretensión de dotar de mayor certeza a la relación bilateral, por lo general admitían la
extradición en relación a delitos contenidos en una lista dada y no de otros. Nóminas
limitadas que se tornan obsoletas por la evolución, pues se tipifican nuevas figuras delictivas
y algunas conductas penalizadas caen en correlativo desuso.
Los nuevos convenios se apartan acertadamente de este mecanismo y adoptan el criterio
de la gravedad de la pena. En consecuencia, conductas o modalidades imprevisibles en el
momento de la negociación quedarán incorporadas ipso jure, siempre que se cumpla con los
demás requisitos exigidos. Ello determina que el tratado jamás “envejezca”. Los delitos
supervinientes, pues – como el narcotráfico o los delitos informáticos desde la perspectiva de
décadas pasadas – quedarían tácita pero ciertamente comprendidos.
La cooperación penal internacional en el Mercosur
18
Son Parte de la Convención Antigua y Barbuda, Costa Rica, Ecuador, Panamá, Santa Lucía y Venezuela.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 611
el primer paso para la creación de un espacio judicial europeo al suscribir un acuerdo que
eliminó los procedimientos de extradición para los delitos más graves: terrorismo, crimen
organizado, tráfico de estupefacientes, tráfico de seres humanos, abuso sexual contra menores
y contrabando de armas. Una declaración tendiente a generalizar esta solución en relación al
terrorismo fue realizada por el Consejo de Europa como consecuencia de los atentados del
11 de setiembre de 2001.
Posteriormente, la aprobación por la UE de la Decisión marco 2002/584/JAI del Consejo
de 13 de junio de 2002 relativa a la orden de detención europea constituyó un hito
copernicano. El nuevo régimen sustituiría los procedimientos de extradición precedentes,
basado en la confianza recíproca entre los Estados de la Unión y en la necesidad de simplificar
y agilizar los procedimientos. Ello implica que las autoridades nacionales reconocerán ipso
facto, mediante controles mínimos, la solicitud de entrega de los demás países de la UE19, con
los consiguientes resultados de celeridad y eficacia.
Cabe aclarar que las referencias al régimen europeo en el presente trabajo implican una
referencia al régimen previo a esta última decisión y a sus mecanismos. No sólo porque
no pudo ser fuente de inspiración del Acuerdo del MERCOSUR, dado que esa norma no
existía en la época de su gestación, sino porque hasta el presente no se ha considerado ese
grado de profundización en la cooperación penal de los Estados de la región. Debe tenerse
presente que ya lo constituyó considerablemente la fuente de los tratados europeos y de otros
ámbitos en la adopción de los más modernos criterios.
Desde otro ángulo, y como es obvio, desconocemos los términos de probables futuros
desarrollos en el ámbito geográfico del MERCOSUR a la luz de esa evolución, así como sus
términos o eventuales acercamientos a aquella regulación.
Berta Feder
Como exponente de esta tendencia, diversas convenciones, en las que la trascendencia
del bien jurídico tutelado justifica la más estrecha entreayuda entre los Estados –cuyo ámbito
material refiere fundamentalmente a los actos de terrorismo, a los de corrupción, al
narcotráfico, al tráfico de armamento o a la perpetración de crímenes gravísimos– contienen
preceptos en los que, con diversos matices, se establece que esos tratados pueden
considerarse base jurídica de extradición cuando no exista un tratado en vigor entre el
eventual país requirente y el requerido. 611
Más aún, se ha entendido que estas disposiciones obvian el requisito de la doble
incriminación cuando las conductas que fundan el pedido no están tipificadas como delito en
ambos Estados, condición que se estimará cumplida si el Estado requirente y el requerido son
Parte de los señalados tratados.
Entre otros, contienen normas con el alcance indicado:
19
Se dispuso que la decisión marco sustituyera a partir del 1 de enero de 2004 los textos existentes en materia de extradición o las cláusulas de
extradición en tratados sobre otras materias, entre ellos el Convenio europeo de extradición de 1957, el Convenio europeo para la represión
del terrorismo de 1978, el Convenio sobre la extradición simplificada de 1995 y el de 1999 sobre simplificación de la transmisión de las
solicitudes de extradición, el Convenio de 1996; No obstante, los Estados tienen la facultad de continuar aplicando y celebrar acuerdos que
les resulten conveniente a efectos de la celeridad de los procedimientos.
artículo 6; el Convenio internacional para la represión de los atentados terroristas cometidos con bombas
(Nueva York, 12-1-98) art. 9.; el Estatuto para la creación de una Corte Penal Internacional (Roma,
17-7-98), artículos 89 a10220; la Convención para la lucha contra la Corrupción de los Funcionarios
Públicos extranjeros en sus transacciones comerciales internacionales, aprobada en el ámbito de la
OCDE (21-11- 97), artículo 10; la Convención sobre el derecho penal de la corrupción (Estrasburgo,
27-1-99), artículo 27; la Convención de las Naciones Unidas contra la delincuencia organizada
transnacional, (Palermo, Italia, 2000) artículos 13 y 16; la Convención de las Naciones Unidas contra la
corrupción, (Mérida, 2003) artículo 44.
II.A Antecedentes
20
En este caso, dada la singular relación entre los Estados y la Corte, trátase de entrega y no de extradición en el sentido tradicional. Ambos mecanismos guardan,
empero, simetría en lo sustancial, dado que tanto en uno como en otro se entrega al reclamado para permitir su juzgamiento en otro foro con jurisdicción en el caso.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 613
II.B.1. El preámbulo
Berta Feder
–Tratado de Asunción y Protocolo de Ouro Preto– recordando que establecen el
compromiso para los Estados Partes de armonizar sus legislaciones.
En este caso, la referencia a la “armonización” se realiza con el parámetro de lo que hemos
dado en denominar “interpretación MERCOSUR” de la alocución, con la que con frecuencia
se alude en las negociaciones a las soluciones recogidas en tratados o en instrumentos
comunes de otra naturaleza. Cuando en sentido estricto armonizar significa compatibilizar, 613
sincronizar, mitigar diferencias fundamentales, lo que sólo puede suceder en el plano de las
legislaciones internas entre sí y no en un tratado, a menos que se pretenda armonizar un
tratado respecto de otro.
En puridad, el acuerdo que se examina no tiene por finalidad armonizar sino, como todo
tratado, establecer un régimen común y uniforme para las Partes, como acertadamente se
señala en el párrafo cuarto del Preámbulo.
21
La primera de las citadas, denominada “Participación de terceros países asociados en Reuniones del Mercosur” establece, en el numeral 3º, que cuando se llegue a
acuerdos en los foros de negociación, éstos deberán ser celebrados, en primera instancia, entre los países del Mercosur. Seguidamente, el mismo texto será suscrito entre
el Mercosur y los demás países negociadores. La Decisión señalada en segundo término establece específicamente para Chile, en el artículo 5, un procedimiento
equivalente al que se viene de describir.
Tres son los supuestos por los que se puede solicitar válidamente la extradición: para iniciar
el proceso, para responder a un proceso en curso o para la ejecución de una condena (artículo 1).
Los dos primeros tienen especial significación para los Estados cuya constitución prohibe, como
el caso de Uruguay, procesar en ausencia o rebeldía.
De conformidad con el artículo 2 se requiere la doble incriminación, sin perjuicio de la
diversa denominación de los delitos en el Estado requirente y en el requerido, así como una pena
privativa de libertad cuya duración máxima no sea inferior a dos años.
El párrafo 3 contempla la extradición accesoria en el supuesto de delitos diversos y conexos.
Deberá respetarse la doble incriminación, aunque podrá procesarse aún por los delitos castigados
con una pena menor a la dispuesta en el párrafo 1. De este modo no podrá el extraditado evadir
las acciones penales por delitos menores y podrá ser procesado por todas las conductas por los
tribunales del Estado requirente.
El artículo 3 establece uno de los requisitos esenciales para la procedencia de la extradición:
que el Estado requirente tenga jurisdicción para conocer en los hechos que fundan la solicitud.
No obstante, las reglas para asumir jurisdicción son ajenas a los tratados de extradición. La
determinación o la distribución internacional de la jurisdicción penal se prevé por lo general en
el derecho interno o en normas internacionales. Como se indicara supra, cierta categoría de
tratados contempla modalidades de asunción de competencia cuando disponen que podrán ser
considerados como base de extradición en los supuestos en los que no exista un convenio en la
materia entre el Estado requirente y requerido involucrados en el caso.
II.B.2.b La improcedencia
Berta Feder
II.B.2.b.i Excepciones, delitos políticos y terrorismo.
La delimitación del delito político como excepción constituye uno de los sectores cruciales
del Acuerdo. Se tuvo en cuenta la evolución en este dominio en el plano regional y bilateral,
habiéndose operado empero una razonable adaptación del avance universal a la historia de la
región, respetando su régimen jurídico y la idiosincrasia de sus países. 615
La preocupación de la comunidad internacional por la notoria evolución de la delincuencia
transnacional organizada, que entre otras formas de criminalidad adopta modalidades terroristas,
ha determinado la singular incidencia de este núcleo de conductas en la evaluación y la consiguiente
determinación de las causales de procedencia – o improcedencia – de la extradiciónón
“básico”, pues estableció su carácter de complementario de otros, entre los que se encontraban
el Convenio Europeo de Extradición (13-12-57), el Tratado Benelux (27-6-62 y 11-5-74), el citado para
la Represión del Terrorismo (27-1-77) y el Convenio de aplicación del Acuerdo de Schengen (19-6-90). No
obstante, la prealudida disposición en materia de delito político sustituyó la previsión de estos
tratados, en tanto estableció una causal de improcedencia o inadmisibilidad no prevista en
aquéllos.
La finalidad del Convenio se describió con claridad en la exposición de motivos del Consejo
de Europa, que expresó la necesidad de perfeccionar la cooperación judicial con el objeto de
impedir que las prealudidas conductas permanezcan impunes, destacándose el contexto
homogéneo configurado por la similitud de conceptos políticos y la confianza en el
funcionamiento de los sistemas de justicia penal de los Estados de la UE.
La valoración de este sólido marco determinó el reexamen de la vocación del delito político
de constituir, con el alcance clásico, uno de los obstáculos fundamentales a la extradición.
Este Convenio, mediante el aporte de una perspectiva radical en un ámbito que siempre ha
constituído motivo de preocupación de los negociadores de los tratados de extradición, se nutrió
de la filosofía del Convenio Europeo para la Represión del Terrorismo, en cuyos artículos 1 y 2 se
advierte la raíz del fundamento histórico normativo de numerosos tratados bilaterales, cuando
imponen a los Estados la obligación de no continuar considerando los delitos gravísimos que se
enumeran como delitos políticos, conexos con un delito político o inspirados por móviles
616 políticos; y le conceden la facultad de decidir que cualquier acto grave de violencia no señalado
específicamente y que esté dirigido contra la vida, la integridad física o la libertad de las personas
o contra los bienes cuando dicho acto haya creado un peligro colectivo para las personas, no se
considerará como tal tipo de delito, incluyéndose la tentativa o la participación como cómplice.
Esta referencia al dominio europeo es sólo ilustrativa de una tendencia que se acompaña
en otros ámbitos geográficos y que fue incorporada en las relaciones de derecho positivo
bilateral y regional. Ello sin perjuicio de las nuevas soluciones europeas a las que ya hemos
aludido.
La histórica excepción se enfrenta, pues, a su vez, a otra excepción, por lo que la regla se
resquebraja en su fórmula tradicional y un sector de los delitos políticos pasa a integrar las
contingencias que fundan la admisibilidad de la extradición.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 617
En el Acuerdo del MERCOSUR, pese a que fueron tenidas en cuenta las soluciones
normativas que se vienen de exponer, se opta por una fórmula mitigada en relación a la señalada,
conforme a matices de adaptación que permitan mantener una coherencia global con la cultura
jurídico-política de los países de la región. En ésta, a la vez que se incriminan y rechazan
profundamente ciertas conductas antisociales, se preserva la histórica posición ante los
perseguidos por motivos políticos, conforme a la legislación internacional en vigor.
No obstante, es menester tener presente que la facultad establecida en el texto europeo
precitado de acotar –mediante una declaración– la señalada disposición innovadora sólo a los
delitos políticos perpetrados por medios terroristas, determina que, como se verá, las normas
aprobadas en el l MERCOSUR guarden en esencia una razonable simetría histórica y filosófica
con la aquella norma.
El artículo 5, numeral 1 del Acuerdo establece el principio generalmente admitido por el cual
no procederá la extradición por delitos que el Estado requerido considere políticos o conexos
con delitos de esta naturaleza.
Una detallada enumeración de conductas reduce sensiblemente la posibilidad de invocar la
excepción, identificando las que “bajo ninguna circunstancia” podrán calificarse como delitos
políticos. Son ellos la tradicional cláusula belga, ampliada a texto expreso en el sentido de la
interpretación ya dada por la doctrina, que incluye a “otras autoridades nacionales o locales o sus
familiares”, el genocidio, los crímenes de guerra o los delitos contra la humanidad, así como los
actos de naturaleza terrorista, aún en grado de tentativa. En relación a éstos se describen posibles
conductas “a título ilustrativo” y se enuncia una cláusula residual, conforme a la cual se
considerará de naturaleza terrorista “en general”, cualquier acto no comprendido en los
supuestos anteriores cometido con el propósito de atemorizar a la población, a clases o sectores,
atentar contra la economía de un país, su patrimonio cultural o ecológico, o cometer represalias
de carácter político, racial o religioso (artículo 5, numeral 2, literal v).
Berta Feder
Junto a la cosa juzgada como causal de improcedencia, se prevé el indulto, la amnistía y la
gracia (artículo 7). Con una inflexión algo diversa aunque de similar alcance, entre otros
antecedentes, se tuvo en cuenta el Segundo Protocolo Adicional al Convenio Europeo de Extradición
(Estrasburgo, 17-3-78, Título IV) y el Convenio de Extradición de la Unión Europea antes citado,
artículo 9.
De conformidad con los principios generales, no se concederá la extradición cuando los
tribunales que deban juzgar sean ad hoc (artículo 8) ni cuando la acción o la pena estuvieren 617
prescriptos según la legislación del Estado requerido (artículo 9).
22
Esta inclusión adquiere especial relevancia para algunos países, como Uruguay, que no han previsto este supuesto con anterioridad en ningún
tratado.
el reclamado es mayor en tanto es menor para el Estado requerido –en cuyo caso no habría doble
incriminación – así como en los casos en los que se le reclama para aplicarle medidas correctivas.
Diversas fórmulas normativas son posibles a efectos de establecer quién es menor, entre ellas,
una regla de conflicto indicando la ley interna del país que debe regular la cuestión. El Estado
del domicilio o de la residencia habitual del menor parece ser el que tiene mayor vocación para
regular el caso. No obstante, esta hipótesis de trabajo presenta inconvenientes.
En efecto, puede el menor cometer un delito donde se encuentra en forma transitoria
– por vacaciones, estudios u otros – siendo éste el país al que habría que solicitar la
extradición, pues allí se encuentra de hecho. Este Estado, sin otra vinculación con el menor
que el puro azar, podría transformarse en requerido, cuya legislación carecería, obviamente,
de los “vínculos más estrechos o significativos” que tradicionalmente fundan y justifican la
selección de una ley o de una jurisdicción, con la consecuente prescindencia de otras. .
Es factible que el reclamado sea mayor para ambos, el Estado requirente y el requerido
(lugar de paso) pero menor para el Estado de residencia habitual. El país requerido
seguramente entregará al menor, violentando el derecho positivo y los principios esenciales
del orden jurídico del Estado de residencia habitual del menor.
Por añadidura, las legislaciones penales internas de los países signatarios presentan
La cooperación penal internacional en el Mercosur
A pesar de las dispares posiciones de los negociadores, fue necesario tener en cuenta una
realidad insoslayable, la prohibición constitucional brasileña de entregar a sus nacionales. La
cuestión giró, pues, en torno a los matices de la fórmula específica a adoptar, considerando esa
618 situación particular.
Se procuró un mecanismo que impusiera la extradición como principio, sin desmedro del
respeto por la jerarquía constitucional de la norma prohibitiva. Dispone el artículo 11 que “la
nacionalidad de la persona reclamada no podrá ser invocada para denegar la extradición, salvo que una disposición
constitucional establezca lo contrario”.
Se quiso enfatizar que el principio es la extradición.
La fórmula se inspiró en la acertada solución del Tratado de Montevideo de Derecho Penal
Internacional de 1940 (artículo 19), cuyo principio general también se recoge en los tratados
europeos antes citados.
Pese a la posición de algunos Estados negociadores en favor de la no discriminación en base
a la nacionalidad, no es habitual la concertación de tratados –en especial bilaterales– que acojan
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 619
Dos son los posibles enfoques desde la perspectiva de los Estados que proscriben la pena de
Berta Feder
muerte o la privativa de libertad a perpetuidad en su derecho interno, ante la solicitud de un
Estado que sí las contempla: denegar la extradición o bien concederla con la garantía de que no
se aplicarán dichas penas.
El artículo 13, párrafo 1, establece como principio general que no se aplicará al extraditado
en ningún caso la pena de muerte o la privativa de libertad a perpetuidad.
Dado el alcance inequívoco del párrafo 2, al que se hará referencia seguidamente, el primero
puede parecer superfluo. No es así no obstante, dado que al momento de la negociación Chile 619
no prohibía la pena de muerte en su legislación interna, aunque en los hechos no se aplicaba.
Aunque indudablemente no es deseable, esa situación podría eventualmente reiterarse para algún
Estado Parte del Acuerdo por efecto de una legislación superviniente e imprevisible al momento
de negociar. Por ello, pareció pertinente el contundente principio general prohibitivo señalado.
El párrafo 2 dispone que la extradición sólo será admisible si el Estado Parte requirente
aplicare la pena máxima admitida en la ley penal del Estado Parte requerido.
Una doble garantía. El alcance real de esta disposición surge de la interpretación armónica
de esta norma y del artículo 18, numeral 5 –en el sector procesal– que establece las
características de la solicitud. Dispone que en los supuestos bajo examen se adjuntará al pedido
de extradición una declaración mediante la cual el Estado requirente se obliga a aplicar la pena
mayor admitida por la legislación penal del Estado requerido. Esta obligación del tratado,
ratificada en la propia solicitud de extradición, constituye una innovación que tuvo por finalidad
conculcar cualquier ambivalencia o duplicidad en torno a la comprensión real de la norma y
al compromiso efectivo del Estado requirente en cada caso concreto.
II.B.3.c La reextradición
El derecho positivo y la práctica procuran que el Estado requerido original no quede excluído
de la relación.
En efecto, por diversas razones – desde la inexistencia de doble incriminación hasta
fundamentos de orden público o la aplicabilidad de penas inadmisibles – pudo el Estado en el que
originariamente se encontraba el reclamado no haber consentido la entrega al actual nuevo
requirente. Por ello dispone el artículo 15 que debe recabarse su consentimiento en debida forma,
exceptuándose el supuesto de que la persona extraditada, habiendo tenido la posibilidad de
abandonar el territorio del Estado al que se entregó, no lo hubiere hecho por su voluntad, en el
plazo que se establece.e.
II.B.4 El procedimiento
Se contemplan los requisitos usuales para la solicitud, los documentos adjuntos y las vías de
transmisión (artículo 18).
El pedido deberá transmitirse por vía diplomática y su diligenciamiento será regulado por la
legislación del Estado requerido.
La solicitud y los documentos estarán exentos de legalización o formalidad análoga
(artículo 19), previsión coherente con la calidad de países integrados de las Partes, así
como con la vía diplomática de transmisión, tradicionalmente exenta del señalado
620 requisito. Deberá acompañarse, no obstante, una traducción al idioma del Estado
requerido (artículo 20).
Se detallan los documentos que deben adjuntarse, los que varían en función de la calidad del
reclamado, según se trate de un condenado, de quien se encuentre en una etapa procesal previa o
si el juicio no se hubiere iniciado. En todos los casos se acompañarán los textos legales que tipifican
y sancionan el delito, identificando la pena a aplicar, así como los textos que establecen la
jurisdicción del Estado requirente y una declaración de que la acción ni la pena se encuentran
prescriptos.
El artículo 21 contempla la información complementaria – cuando los datos o documentos
remitidos fueren insuficientes o defectuosos – la que podrá remitirse en un plazo de 45 días corridos
a partir de la fecha en que el requirente fue informado de dicha necesidad, plazo que podrá ser
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 621
II.B.4.a La decisión.
Berta Feder
cualquier proceso civil no impedirán la entrega.
23
Artículo 23. 1. Cuando la persona cuya extradición se solicita esté sujeta a proceso o cumpliendo una condena en el Estado Parte requerido
por un delito diferente del que motiva la extradición, éste deberá igualmente resolver sobre la solicitud de extradición y notificar su decisión
al Estado Parte requirente.
2. Si la decisión fuere favorable, el Estado Parte requerido podrá aplazar la entrega hasta la conclusión del proceso penal o hasta que se haya
cumplido la pena. No obstante, si el Estado Parte requerido sancionare el delito que funda el aplazamiento con una pena cuya duración sea
inferior a la establecida en el párrafo 1 del artículo 2 de este Acuerdo, procederá a la entrega sin demora.
3. Las responsabilidades civiles derivadas del delito o cualquier proceso civil al que se encuentre sujeta la persona reclamada no podrán impedir
o demorar la entrega.
4. El aplazamiento de la entrega suspenderá el computo del plazo de la prescripción en las actuaciones judiciales que tuvieren lugar en el Estado
Parte requirente por los hechos que motivan la solicitud de extradición.
de beneficiar tanto al Estado requirente como al requerido y al propio reclamado. En efecto, este
último, por diversas razones, familiares, de radicación, sistema carcelario o preferencia personal,
puede estar interesado en su traslado.
Al momento de la negociación y suscripción del Acuerdo, en la UE esta materia se regulaba
en un convenio específico, el Convenio relativo al Procedimiento Simplificado de Extradición entre los
Estados miembros de la Unión Europea (10-3-95), sin perjuicio de que se incluye una previsión al
respecto en los diversos tratados europeos comentados.
Berta Feder
intereses esenciales del Estado requerido.
La solicitud. Se establecen la forma y el contenido de la solicitud del modo usual. Entre
otras, se dispone que debe ser escrita y contener las indicaciones fundamentales, tales como la
identificación de la autoridad competente requirente; la descripción del asunto y la naturaleza
del procedimiento judicial, incluyendo los delitos; la descripción y los motivos de las medidas
solicitadas; el texto de las normas penales aplicables; la identidad y domicilio de las personas
cuyo testimonio se desea obtener o, en su caso, de las personas a ser notificadas, la descripción 623
del lugar a inspeccionar, la identificación de los bienes que hayan de ser cautelados; el texto del
interrogatorio a ser formulado para la recepción de la prueba testimonial en el Estado
requerido; así como cualquier otra información que pueda ser de utilidad al Estado requerido
para facilitar el cumplimiento de la solicitud.
Información. El Estado requerido informará acerca del trámite de cumplimiento del
pedido de cooperación; cumplimiento que podrá aplazarse o ser condicional si interfiera con
un procedimiento penal en curso en el Estado requerido.
Se contempla, asimismo, el testimonio en el Estado requirente, así como el traslado de
personas sujetas a procedimiento penal, mediando el consentimiento de la persona y del
Estado requerido
en vigor. Cuando esté vigente será éste el régimen que se aplicará a estas controversias,
como dispone el artículo 8 de esta reglamentación.
cualesquiera de los Estados del escenario integrado, posibilitando la creación, con el transcurso
del tiempo, de una jurisprudencia. apreciable
La regulación en este sector adquiere singular importancia para los países cuyo régimen
impide procesar en ausencia o rebeldía. La consagración de este principio implica que la falta de
cooperación – y la consiguiente no entrega – derive en una imposibilidad absoluta de juzgar por
los tribunales de los Estados que adoptan esa solución.n.
Del punto de vista de la armonía legislativa interna, el Acuerdo guarda coherencia con los
modernos principios que se recogen en los tratados bilaterales suscritos o de los que son Parte
los Estados del MERCOSUR.
Desde otro ángulo, la aprobación de normas en este ámbito de relaciones conlleva la nada
despreciable función preventiva de evitar colisiones internacionales derivadas de una cooperación
internacional escasa, en cuyo marco los Estados tienden a defender, con imprecisas
consecuencias, su propia soberanía. La historia nos ilustra acerca de cuestiones que se suscitan
por la no entrega de los reclamados o por su puesta en libertad no convenientemente acordada.
En este plano, pues, el tratado regional coadyuva a la obtención del delicado equilibrio entre
la potestad de juzgar del Estado y los derechos y las garantías de las personas – así como los del
país de residencia o estadía temporal de éstas –. Se sortearán, por ende, hipótesis que conlleven
inequitativamente, por insuficiencia de los textos jurídicos que las sustentan, situaciones que
impliquen denegación de justicia o descuido de los derechos individuales, por cierto no deseados
por ninguno de los Estados que ya son Parte del Acuerdo o están en vías de serlo.o.
Berta Feder
625
TPI. 3.2. Análise da atuação dos Estados Unidos da América. 3.3. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
o estabelecimento de uma jurisdição Penal Internacional
INTRODUÇÃO
Em 1º de julho de 2002, entrou em vigor o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal
Internacional.
O estabelecimento do Tribunal Penal Internacional significou valioso avanço na defesa dos
Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário, seja porque o Tribunal possui
personalidade jurídica internacional, seja pela competência para julgar os crimes de genocídio,
contra a humanidade, de guerra e os de agressão, conforme previsão no art. 5º do Estatuto, ou,
ainda, porque instituiu a responsabilidade criminal individual dos dirigentes.
Assim, este artigo, que é o primeiro de uma série de três, ressalta a evolução na defesa dos
Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário, com enfoque na jurisdição penal
internacional. O segundo ensaio refere-se à análise da incorporação desses crimes ao
ordenamento jurídico brasileiro, seu julgamento, a entrega de nacionais, dentre outras previsões,
bem como a cooperação com o Tribunal Penal Internacional. Este segundo texto é de especial
relevância para a Justiça Militar que, em algumas hipóteses, deterá a competência para o
julgamento desses crimes, daí, pois, a importância de pontuar neste estudo o contexto histórico
e as relações travadas no cenário internacional que permitiram a criação do Tribunal. Por fim, o
último texto analisa a atuação da Corte Internacional desde sua criação até os dias atuais.
Neste estudo, dimensionamos, de maneira sucinta, as dificuldades encontradas até que se
tornasse possível a instalação de um Tribunal com jurisdição internacional. Destacamos, por fim,
os pontos relevantes da criação da Corte Penal Internacional, tais como, o âmbito de sua
626
competência e a responsabilidade criminal individual.
Muitos obstáculos ainda estão por ser superados. Salientamos, neste sentido, de maneira
exemplar, o comportamento norte-americano no tocante ao estabelecimento do Tribunal Penal
Internacional, com leve referência à teoria realista, ou neorealista das relações internacionais,
como preferem alguns autores. Os Estados Unidos da América, juntamente com alguns outros
países, não ratificaram o Estatuto de Roma e vêm se posicionando contra sua implementação. A
* Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília-UNB. Asessora da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da
Presidência da República. Advogada da União.
1
O texto deste ensaio tem por base a monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Especialista em Relações
Internacionais pelo Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília - UNB.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 627
atuação dos EUA, ainda a maior potência mundial, é exemplificariva e demonstra que o caminho
para o estabelecimento ainda é longo e repleto de percalços.
2
Um Tribunal ad hoc tem limitações temporais e espaciais, por exemplo, no caso de Ruanda, centenas de refugiados dos conflitos étnicos foram
assassinados após a criação do Tribunal em 1994 e estas violações não estavam previstas na competência de um Tribunal que foi criado para julgar
eventos específicos.
3
Os EUA e a França retiraram sua autorização facultativa de subordinação à Corte após sofrerem decisões desfavoráveis aos seus interesses.
4
Estados Unidos e União Européia e os Regimes de Proteção dos Direitos Humanos. TOSTES, Ana Paula B..Resenha apresentada no 3 Encontro Nacional da
ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política, Área: Relações Internacionais – Painel 4 – Regimes Internacionais, Instituições e Política Externa
– 2º sessão 28 – 31 julho 2.002 – UFF/RJ, Niterói.
5
Texto baseado e em parte transcrito do documento: www.un.org/law/icc. Publicado em abril de 2002.
Já em 1977, Cançado Trindade7 registrava a “tarefa urgente que era identificar os meios pelos
quais se assegure que a aproximação ou convergência verificável nos últimos anos entre o Direito
Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos nos planos
normativo, hermenêutico e operacional se reverta efetiva e crescentemente em uma extensão e
fortalecimento do grau de proteção dos direitos consagrados.”
O autor ressaltava, ainda, que há “alguns anos se vem contemplando a idéia de elaboração de
um instrumento internacional (e.g., um protocolo) voltado à proteção das vítimas em situações
de conflito (distúrbios e tensões) internos”, bem como chamava a atenção para o propósito de
uma aproximação ou convergência ainda maior entre o Direito Internacional Humanitário e o
Direito Internacional dos Direitos Humanos. “....Outra idéia avançada nos últimos anos diz
respeito à convergência dos próprios mecanismos de implementação: dadas as “carências
institucionais” do Direito Internacional Humanitário, quando comparado este com o Direito
Internacional dos Direitos Humanos em que coexistem múltiplos procedimentos e órgãos
permanentes de supervisão internacional, há que se considerar a possibilidade de permitir que
estes órgãos complementem cada vez mais as possibilidades de ações próprias do Direito
Internacional Humanitário. A esse respeito os trabalhos desenvolvidos, no seio das Nações
Unidas, pelo Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários (a partir de
1980), e pelos Rapporteurs Especiais sobre Execuções Sumárias ou Arbitrárias (desde 1982) e
sobre Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (de 1984),
dão testemunho da complementariedade já existente entre o Direito Internacional dos Direitos
Humanos e o Direito Internacional Humanitário também no plano operacional – e em relação
628 aos conflitos (distúrbios e tensões) internos, – e que poderá intensificar-se ainda mais no futuro.”
Continua o autor a frisar que ‘há algum tempo as Nações Unidas têm voltado sua atenção à
proteção dos direitos humanos conjuntamente com o Direito Internacional Humanitário; a
Resolução 2444 (XXIII) de 1969 da Assembléia Geral, por exemplo, abordou o direito internacional
consuetudinário aplicável aos conflitos internos, reconhecendo expressamente “o princípio
consuetudinário da imunidade civil e seu princípio complementar que requer às partes combatentes
6
MORE, Rodrigo Fernandes. A Prevenção e Solução de Litígios Internacionais no Direito Penal Internacional: fundamentos, histórico e estabelecimento de uma Corte
Penal Internacional (Tratado de Roma, 1998) in MERCADANTE, Araminta de Azevedo e MAGALHÃES, José Carlos (org). Solução e Prevenção de Litígios
Internacionais V. 2 Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.317 e segts, ou, in www.jus.com.br/doutrina
7
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1977 P. 302-318
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 629
distinguir sempre entre civis e outros combatentes.” A exemplo do ocorrido em relação aos pontos
de contato entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos
Refugiados, a preparação e realização da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993)
contribuíram para aprofundar as aproximações ou convergências também entre o Direito
Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário. Na etapa final dos
trabalhos do Comitê Preparatório da Conferência Mundial (Genebra, 4ª Sessão, abril-maio de 1993),
o CICV8 apresentou uma contribuição ressaltando as relações entre o Direito Internacional
Humanitário e os Direitos Humanos. Se, por um lado, reafirmou o CICV o ‘caráter específico’ do
Direito Humanitário (voltado a situações de conflito armado internacional ou não-internacional – e
suas conseqüências diretas, - nas quais o ser humano se encontra extremamente vulnerável), por
outro lado sustentou serem as duas vertentes complementares, ao perseguirem o mesmo fim, i.e., o
‘respeito pelos seres humanos e seus direitos fundamentais, tais como o direito à vida’.
Queremos enfatizar do texto acima transcrito, portanto, que o Tribunal Penal Internacional,
além de significar verdadeiro avanço quanto ao estabelecimento de uma jurisdição penal de
abrangência internacional, representa a concertação pelo respeito aos seres humanos e seus direitos
fundamentais, com a convergência dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário.
Neste sentido, o Tribunal Penal Internacional supre, em alguma medida (pois serão
necessárias outras), a carência institucional do Direito Humanitário apontada pelo professor
Cançado Trindade, isto é, a premência de procedimentos e órgãos permanentes de supervisão
internacional que assegurem o respeito ao Direito Humanitário.
Isto porque o Tribunal Penal Internacional significa que, independentemente da vontade de
cada Estado, hão de se punidos os perpetradores dos core crimes, isto é, dos crimes de agressão, de
genocídio, de guerra e contra a humanidade. Se, a punição dos mandantes desses crimes estava
antes condicionada à decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, hoje, o Tribunal
Penal Internacional detém, para os países signatários do Tratado de Roma, autonomia para fazer
valer a estrita obediência ao Direito Internacional Humanitário e aos Direitos Humanos. Eis,
8
CICV- Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
9
MAIA, Marrielle. Tribunal Penal Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001 p. 37.
10
STRON, Jacques. Jurisdicción penal internacional, derecho internacional humanitario y acción humanitaria. Revista Internacional de la Cruz Roja n.º 144, p. 664-
675 in www.icrc.org/icrcspa.nsf ou www.iccnow.org/espanol
Seguindo o raciocínio acima, o Tribunal atuará nas ações punitivas que visam reprimir e apenar
os perpetradores dos crimes previstos no artigo 5 º do Estatuto.
O Tribunal Penal Internacional consagra, de um lado, longo período de elaboração teórica e defesa
dos Direitos Humanos e Humanitário, conforme brevemente demonstrado acima, e, de outro chama a
atenção para tema correlato e recorrente, qual seja, a possibilidade de decisão advinda de jurisdição
alienígena produzir efeitos em território nacional ou sobre nacionais. Este é um debate acalorado que, há
tempos, ocupa os doutrinadores do direito internacional. É tema que tergiversa sobre a afluência entre
os países. Esta é também uma das razões que, aparentemente, fundamentaram as decisões dos países
que não apoiaram e não apóiam, nos dias atuais, a implementação do Tribunal Penal Internacional.
Esta questão diz respeito a elaboração teórica, fruto de circunstâncias históricas, e que
resultaram no conceito que hoje conhecemos como soberania11, e sobre qual nos deteremos em
capítulo específico.
Neste momento, entretanto, cabe frisar que no “plano internacional, os Estados não estão
subordinados num ordenamento horizontal, não há hierarquia, portanto não há “poder”. Há, sim,
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
nenhum Estado deixa de ser mais ou menos soberano ao permitir que decisões estrangeiras
produzam efeitos em seus territórios, já que o próprio ato permissivo é um exercício de soberania.
Tem-se, portanto, um arranjo horizontal que possibilita ao Estado exercer seu poder jurisdicional
além de suas fronteiras, sem ferir prerrogativas de outros Estados.” 12
É preciso fixarmos a premissa de que o relacionamento entre os países se dá mediante a
‘realização de um “pacto de soberanias”, isto é, ‘dá-se através de técnicas que visam delimitar os
contornos da competência legal internacional dos Estados. Estas técnicas, na visão de Falk,
denominam-se jurisdição internacional ’. 13
“Ao nosso ver, jurisdição internacional é uma prerrogativa estatal atribuída pelo ordenamento
internacional que permite aos Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos
ocorridos fora de seu território. Depreende-se do “conceito” que as regras de exercício de
jurisdição internacional do Estado, embora ditadas pelo seu ordenamento interno, são limitadas
pela ordem internacional.” 14
Assim, o Tribunal Penal Internacional vai exercer sua jurisdição penal em âmbito mundial
prioritariamente15 para seus signatários, no tocante aos crimes universalmente repudiados pela
sociedade internacional, conforme veremos em seguida.
Após a I Grande Guerra Mundial houve tentativas frustadas de criar instituições para trazer
630
à justiça os responsáveis pelas ações desumanas e intoleráveis cometidas durante e antes do
11
Treaty of Westphalia. Tufts University. http://www.tufts.edu/departments/fletcher/multi/texts/historical/westphalia.txt
12
MORE, Rodrigo Fernandes. Idem.
13
FALK, Richard Anderson. International jurisdiction: horizontal and vertical conceptions of legal order, Temple Law Quaterly, 1959. O Professor FALK
apresenta em seu artigo um debate sobre o conceito horizontal e vertical da ordem legal internacional. No entender de Falk, a ordem internacional
é essencialmente horizontal, de coordenação entre Estados, diferentemente da ordem interna, onde prevalece a hierarquia entre instituições, com o
poder verticalizado e centralizado na figura do Estado, apud MORE, Rodrigo Fernandes, idem, ibidem.
14
E assim foi reconhecido, em 1927, pela Corte Permanente de Justiça Internacional, no julgamento do caso Lotus, no qual foi assinalado que ...”tudo
o que pode ser exigido de um Estado é que não ultrapasse os limites que o direito internacional impõe à sua jurisdição; dentro destes limites, seu título para exercer sua jurisdição
repousa em sua soberania” (caso Lotus, in BRIGGS, Richard W., “The Law of Nations, Cases Documents and Notes”, F. S. Crofts & Co., NY, 1944, p. 287),
apud MORE, Rodrigo Fernandes, idem, ibidem.
15
O Estatuto de Roma prevê a possibilidade de iniciativa do Conselho de Segurança requerer a atuação do TPI para os países que não sejam
signatários do Estatuto.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 631
16
SABOIA, Gilberto Vergne. A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Palestra ministrada no Seminário sobre o “Tribunal
Penal Internacional”, na qualidade de Secretário de Estado dos Direitos Humanos, Revista da Procuradoria Geral do Estado, ou in
www.mj.gov.br/sedh/tpi. (g.n.)
17
SABÓIA, Gilberto V. Idem. Ibidem.
18
MORE, Rodrigo Fernandes, idem, ibidem; www.un.org/icc
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 633
O Tribunal Penal Internacional tem competência para julgar os crimes considerados abjetos
pela comunidade internacional, conforme previsão no artigo 5º do Estatuto de Roma:
“A jurisdição do Tribunal se limitará aos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional
em seu conjunto. O Tribunal terá jurisdição, em conformidade com o presente Estatuto, sobre os seguintes
crimes: 633
a) crime de genocídio;
b) crimes contra a humanidade;
c) crimes de guerra; e
d) crime de agressão” (tradução livre)
Anote-se, inicialmente, que pende de definição o crime de agressão, nos termos do artigo 5º,
2, do Estatuto de Roma. À época da discussão de seus termos, o crime de agressão foi objeto de
intensos debates nas comissões de estudos da ONU:
19
MORE, Rodrigo Fernandes. Idem. Ibidem.
20
SABÓIA, Gilberto V. idem. Ibidem.
“A agressão foi incluída como um crime que é da competência do Tribunal. Mas, primeiro, os Estados têm
de aprovar um acordo que esclareça duas coisas: uma definição de agressão, algo que até agora se tem
revelado uma tarefa difícil, e as condições em que o Tribunal poderia exercer a sua competência. Estão a
ser apreciadas diversas propostas. Alguns países entendem que, de acordo com a Carta da ONU e o
mandato que atribui ao Conselho de Segurança, só este órgão tem autoridade para concluir se se registou
um ato de agressão. Se se chegasse a um acordo em relação a este ponto, seria necessário que o Conselho
concluísse que tal ato se verificara, para que o Tribunal pudesse agir. Outros países acham que essa
autoridade não deveria ser restringida ao Conselho de Segurança. Estão para ser apreciadas propostas que
atribuem esse papel à Assembléia Geral ou ao Tribunal Penal Internacional, no caso de ser feita uma
acusação de agressão e o Conselho de Segurança não agir dentro de um determinado prazo. A Comissão
Preparatória continuará a trabalhar sobre a questão da agressão.” 21
Desta forma, deixaremos de comentar sobre o crime de agressão e nos deteremos nos demais
crimes previstos no Estatuto.
Assim sendo, mister distinguir os crimes contra a humanidade dos crimes de guerra. Segundo
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
“nascer concretamente o crime de genocídio, tendo os aliados aprovado, em Londres, aos 8 de agosto de
1945, os estatutos do que viria ser o Tribunal Militar Internacional, que funcionou em Nuremberg, com
a participação dos EUA, França, Inglaterra e URSS, para julgar os crimes contra a paz (o planejamento,
a preparação, a iniciação ou a execução de guerra de agressão ou que violasse acordos, tratados
internacionais, seguranças ou a participação em plano comum ou a conspiração para executar quaisquer
de tais atos); contra a humanidade (assassinatos, exterminação, escravidão, deportação e outros atos
desumanos cometidos contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições por
motivos políticos, raciais ou religiosos, em execução ou em conexão com qualquer crime da jurisdição do
tribunal, constituíssem ou não violação da legislação interna do país onde os fatos se tivessem realizado);
e, finalmente, os crimes de guerra (violação das leis ou dos costumes da guerra, como os assassinatos, maus
tratos, deportação para trabalhos forçados ou para qualquer outro fim, de populações civis dos territórios
ocupados ou que neles se encontrassem, assassinatos ou maus tratos de prisioneiros de guerras ou de pessoas
nos mares, execução de reféns, despojamento da propriedade pública ou privada, injustificável destruição de
cidades, povos, aldeias e devastação não justificadas por necessidades militares).” 22
O Estatuto de Roma prevê em seu artigo 7º os crimes contra a humanidade e em seu artigo
8º, os crimes de guerra. Sugerimos a leitura do Estatuto de Roma, de forma a verificar as
definições desses crimes, longamente tipificados, tornando desnecessária sua transcrição.
O crime de genocídio, por sua vez, teve sua expressão cunhada pelo advogado judeu polonês
Raphael Lemkim23 e foi declarado crime contra o Direito Internacional, contrário ao espírito e
aos fins das Nações Unidas.
As resoluções 95 e 96 da ONU, de 11 de dezembro de 1946, condenaram o genocídio como
634 crime nas leis internacionais, definindo-o:
“O genocídio é a denegação do direito à existência de grupos humanos inteiros, assim como o homicídio é
a denegação do direito à vida de indivíduos humanos ...”(tradução livre)
O texto foi acatado pela Assembléia Geral da ONU e resultou na “Convenção para a
Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio” aprovada em Paris, em 9 de dezembro de
1948, para entrar em vigor em 12 de janeiro de 1951, após a ratificação de 22 países.
21
V. doc: www.un.org/law/icc. Publicado em abril de 2002
22
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Tribunal Penal Internacional. in www.jusnavegandi.com.br
23
O termo foi utilizado em livro de sua autoria, “Axis in Europe”, 1946.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 635
Vale anotar que o Brasil ratificou, em 15 de abril do ano seguinte, promulgando-o através do
Decreto n.º 30.822, de 6 de maio de 1952. Inspirada nessa Convenção foi editada, no Brasil, a
Lei n.º 2.889, de 1º de outubro de 1956, que pune o crime de genocídio e o define como o
comportamento cuja intenção é destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou
religioso. Está assim definido o crime de genocídio:
“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física
total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;”
Sob a égide da Constituição Federal Brasileira, de 1988, baseado em seu artigo 5º, inciso
XLIII, editou-se a Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990, qualificando o genocídio como crime
hediondo, ainda que apenas tentado, sendo, pois, insuscetível de anistia, graça ou indulto,
cumprindo o réu a pena integralmente em regime fechado.
O artigo 7º do Código Penal e o art. 208 do Código Penal Militar também dispõem sobre o
crime de genocídio. No Estatuto de Roma o crime de genocídio está previsto em seu artigo 6º.
Os princípios que devem pautar a atuação do Tribunal Penal Internacional estão previstos na
parte III do Estatuto de Roma. Interessa-nos, entretanto, ressaltar os debates sobre o conceito
de soberania por ocasião da criação do Tribunal, bem como o princípio da responsabilidade penal
individual, inscrito no artigo 25 do Estatuto, e, ainda, a qualidade de órgão jurisdicional
subsidiário outorgado ao Tribunal. Estas questões simbolizam, ao nosso entender, o significativo
24
LEWANDOWSKI, Ricardo Enrique. Globalização, Regionalização e Soberania. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2004. p. 235.
25
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21 ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000, apud LEWANDOWSKI, Ricado Enrique, idem.
É possível perceber, em vista dos conceitos acima, as inúmeras discussões sobre o princípio
da soberania quando do estabelecimento de um Tribunal Penal com jurisdição internacional, vale
dizer, sobre estabelecimento de Tribunal cuja decisão possui poderes de coação legal no plano
internacional, isto é, sobre território nacional e sobre nacionais dos países signatários de seu
Estatuto, e, ainda mais, que decidirá sobre crimes tormentosos para a comunidade internacional,
quais sejam, os crimes de agressão, de guerra, de genocídio e contra a humanidade.
Já há algum tempo, alguns doutrinadores têm revitalizado o conceito de soberania, seja por
conta dos efeitos da II Guerra Mundial, que fomentou inúmeros acordos internacionais, tais
como A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), os Pactos Internacionais dos
Direitos Civis e Políticos (1966) e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), ou, ainda,
mais recentemente, considerando as relações entre os países em um mundo globalizado, isto é,
um mundo que sofre principalmente os efeitos das incontroláveis repercussões econômicas
ocorridas fora do território do Estado e que atingem toda a sua população.
Assim, diferentemente do momento histórico e político em que se construiu o conceito de
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
também por isso, observamos uma gama de blocos econômicos formados ou em formação que,
em alguma medida, alteram o antigo significado de soberania.
No caso do Tribunal Penal Internacional o debate aflora com mais veemência, uma vez que
não se trata de questões econômicas e seus efeitos, que obviamente são relevantes, mas do
julgamento de dirigentes em situações beligerantes. Trata-se de dispor da liberdade de mandantes
por atos decididos em época de guerra, e, por isso, o tema da soberania se torna ainda mais
sensível.
Neste caso, o país signatário do Estatuto de Roma e que participa de atos de guerra poderá
ter seus dirigentes julgados por uma Corte Penal Internacional, se o seu sistema judiciário não
atuar ou atuar de forma deficitária.
Neste ponto, carece de atenção o denominado princípio da complementariedade ou da
subsidiariedade previsto no art. 1º e disciplinado no artigo 17, ambos do Estatuto de Roma.
O Estatuto define rigorosamente a competência do TPI. Este Tribunal foi instituído com
base no princípio da complementaridade, o que significa que só pode exercer a sua jurisdição
quando um tribunal nacional não puder ou não estiver – de fato - disposto a fazê-lo. Este
princípio determina sejam submetidos a julgamento perante o Tribunal Penal Internacional os
casos em que o tribunal nacional afastou sua jurisdição ou o julgamento não obedeceu aos
princípios de independência e imparcialidade.
Neste sentido, segundo o princípio da complementaridade, os casos serão apreciados em
primeiro lugar pelos tribunais nacionais. “O Tribunal Penal Internacional não foi de modo algum
criado para substituir a autoridade dos tribunais nacionais. Mas pode haver situações em que o
636 sistema judicial de um Estado entre em ruptura ou deixe de funcionar. Também pode dar-se o
caso de haver governos que tolerem uma atrocidade ou participem dela ou de existir funcionários
que se mostrem relutantes em instaurar processo judicial contra alguém que esteja em posição de
grande poder ou autoridade”26. Nestes casos, a competência será deslocada para o Tribunal Penal
Internacional.
Pode-se concluir, portanto, que o princípio da subsidiariedade é o contraponto à observância
da soberania entre os Estados integrantes de um sistema internacional que condena os crimes de
agressão, de guerra, de genocídio e contra a humanidade.
26
V. doc: www.un.org/law/icc. Publicado em abril de 2002
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 637
Outro dispositivo que merece aplauso quando da elaboração do Estatuto que deu origem ao
Tribunal Penal Internacional são as normas referentes à responsabilidade penal individual,
prevista nos artigos 25, 28 e 30 do Estatuto.
Estes dispositivos determinam claramente que a jurisdição do Tribunal recai sobre as pessoas
naturais, assim como dispõe que estas serão individualmente responsáveis e passíveis de pena em
conformidade com o Estatuto e, no mesmo sentido, dispõe sobre regra semelhante aos
comandantes militares.
O avanço nesta questão diz respeito justamente à responsabilização do indivíduo ou do
comandante militar que comete os crimes previstos no Estatuto, ao invés de responsabilizar o
Estado pelas violações ao Direito Internacional Humanitário.
“O Tribunal Penal Internacional é concebido para julgar e punir indivíduos, não Estados.27
`Crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não por entidades abstratas, e
apenas punindo os indivíduos que cometeram tais crimes poderão as leis internacionais serem
respeitadas’, escreveu-se no Tribunal de Nuremberg em 1946.” 28
Conforme visto, esta questão já era discutida à época dos Tribunais Militares
27
SCHABAS, William A. Princípios Gerais de Direito Penal. In CHOUKR, Fauzi Hassan e AMBOS, Kai (org.). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Ed.
RT, 2000. P.163 e segts.
28
U.N. Doc. A/CONF.183/C.1/L.76/Add.3, p. 2 in SCHABAS, op. Cit. , p. 163.
29
SABÓIA, Gilberto V. Idem, Ibidem.
única via para a superação de conflitos e ódios históricos entre comunidades e condição da
própria esperança da reconciliação e da tolerância.”30
Ou seja, significa que a responsabilização dos tomadores de decisões em tempo de guerra,
poderá, após o término do conflito, amparar a superação de intolerância entre comunidades e,
quiçá, contribuir para a permanência da paz.
De outro lado, notamos outra externalidade positiva quanto ao estabelecimento da
responsabilidade penal individual, na medida em que a destruição e apropriação de bens em
situações belicosas vêm contrariando as normas das Convenções de Genebra, sem que seus
perpetradores sofram as conseqüências de seus atos ilícitos. Michel Deyra comenta:
“A destruição e a apropriação de bens não justificadas por necessidades militares são incriminadas pelas
Convenções de Genebra. Falamos da destruição de bens mobiliários e imobiliários ou da apropriação de
bens (proibição de pilhagem) em poder do inimigo, em território ocupado.
‘Esta interdição acresce à proibição de atacar bens de carácter civil e, quanto a este aspecto, o interesse
militar deveria coincidir com os imperativos humanitários, uma vez que existe perda de tempo e de material
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
A idéia intrínseca é, enfim, punir os mentores, aqueles que organizam, planejam e incitam o
genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e/ou que violem as disposições contidas
nas Convenções e Tratados sobre Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário.
30
COSTA, Alberto. Tribunal Penal Internacional. Para o fim da impunidade dos poderosos. Portugal: Editorial Inquérito, 2002, p. 8/9
31
Deyra, Michel. Droit International Humanitaire. Editor: Comissão Nacional para as Comemorações do 50ª Aniversário da Declaração Universal dos
Direitos do Homem e Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de Direitos Humanos. Lisboa. 1999, P. 86 .
32
SABÓIA, Gilberto V. Idem, ibidem.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 639
3.1 Breve relato sobre a atuação dos EUA no tocante à criação do TPI35
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
o estabelecimento de uma jurisdição Penal Internacional
38
V. no site www.iccnow.org a relação completa dos países que firmaram os acordos bilaterais com os EUA
39
v. o cronológico sobre a aprovação da ASPA no Congresso Americano.
‘No caso da relação com os Estados Unidos, uma esquerda mundial que se deixe
guiar pela lógica do pensamento complexo saberá distinguir entre o governo Bush
e os segmentos crescentes da população americana que se opõem à política belicista
da atual administração.” 40
O que queremos destacar, humildemente, é que seguiremos, em nossa análise, a
lógica pelo pensamento complexo, e como tal admitir - de início - a existência de
argumentos e opiniões divergentes àquelas que serão aqui apresentadas. Vale
destacar também que este trabalho não se propõe a responder, de forma definitiva,
os motivos que levaram os EUA a repelirem o Tribunal Penal Internacional e a
analisar as conseqüências desse ato no cenário internacional. Gostaríamos de
destacar que, dada a importância mundial desse ator, suas ações repercurtem
sobremaneira nas relações com os demais países e na efetiva implementação do
Tribunal. Queremos apontar dados e opiniões de expertos, a fim de aflorar o
questionamento do leitor. E, de outro lado, julgamos interessante explicitar que não
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
40
ROUANET, Sérgio Paulo. Os Terríveis Simplificadores. Caderno Mais! FSP, 4 de janeiro de 2004.
41
ROUANET, Sérgio Paulo. Idem.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 643
42
Por exemplo: EUA assinaram a Convenção de Genebra
“Mas nem todos os países estão satisfeitos com a criação do TPI. Na semana passada, o governo dos Estados Unidos ameaçou se retirar do Tratado
de Roma em protesto contra sua ratificação. A Casa Branca argumenta que a corte não tem mecanismos suficientes para evitar que os processos
contra funcionários americanos se tornem perseguições políticas contra os Estados Unidos.
Na segunda-feira, a Comissão Internacional de Juristas enviou uma carta ao presidente George W. Bush alertando que o argumento de que os EUA
serão alvos de perseguições políticas não é válido e o TPI tem mecanismos para evitar que isso ocorra. A verdade é que a tentativa dos EUA de
evitar a entrada em vigor da corte se baseia no fato de que, mesmo não tendo ratificado o acordo, americanos poderão ser processados por crime 643
de guerra caso tenham perpetrado um ato ilegal no território de um país-membro do TPI.
Com isso, a Casa Branca acredita que o TPI poderá limitar a habilidade dos Estados Unidos de explorar o uso da força onde os interesses do país
estiverem em jogo. Para militares americanos, a capacidade dos EUA de responderem às crises mundiais também poderá estar em jogo com a criação
do TPI. Dados do Pentágono mostram que, só na última década, o governo dos EUA usou seu aparato militar em 20 ocasiões, para apenas 7 durante
toda a guerra fria. “Diante dessa realidade, a Casa Branca tenta, de todas as formas, conseguir legitimidade política e legal para continuar usando a
força”, afirma o funcionário da ONU.
Durante as negociações para a criação do Tribunal Internacional, os Estados Unidos chegaram a propor que o Conselho de Segurança da ONU
tivesse a palavra final sobre quem poderia ser processado pela corte. O motivo: o governo dos Estados Unidos é um dos cinco países que têm poder
de veto no Conselho e poderia evitar que um líder americano fosse levado ao Tribunal.
Enquanto a Casa Branca pressiona para evitar a entrada em vigor da nova corte, o Congresso americano aprova leis que deixam claro que o país
não aceitará ser julgado internacionalmente. No ano passado, congressistas republicanos como Jesse Helms conseguiram convencer o legislativo a
aprovar leis que proíbem a cooperação dos Estados Unidos com o Tribunal Penal Internacional.
Uma outra lei também permite que a Casa Branca interrompa ajuda militar a países que tenham aderido à corte e ainda prevê que, se um funcionário
americano chegar a ser preso pelo TPI, o governo poderá usar “todas as formas necessárias” para libertá-lo.” FSP, Domingo, 07 de abril de 2002
- 23h23 Jamil Chade
43
COSTA, Alberto. Idem, p. 9/10 (g.n.)
recurso”, como era normalmente consagrada. E o que prevalece na execução dessa política é a
vontade unilateral de Washington, independentemente de alianças ou da autorização da ONU.
Com Bush, os Estados Unidos se outorgam, portanto, o direito de se colocarem acima da ordem
internacional e de suas instituições reguladoras. É o que se chama de naked power.”44
Infere-se, portanto, que a política exterior atual dos EUA não é condizente om as expectativas
de um mundo globalizado e democrático. Isto porque, o ‘mundo do século XXI não é mais o da
diplomacia do equilíbrio de poder, no qual grandes potências, geralmente vizinhas, ameaçavam-
se com guerra. ... Em síntese, o século XX foi o século da constituição do sistema global de
relações internacionais. No plano econômico foi o século da globalização, e no plano político, o
século da democracia e das instituições internacionais. .... O sistema global não tem mais
interesses em guerra.”45
Há, por isso, os expertos que acreditam que esta política não tenha continuidade a longo
prazo.
Martins46 acredita que a exacerbação desse uso do poder pelos Estados Unidos não pode se
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
converter numa tendência estrutural e permanente, mas cingir-se a ascensão episódica da extrema
o estabelecimento de uma jurisdição Penal Internacional
44
MARTINS, Luciano. O Fundamentalismo de Bush e a Ordem Mundial. In Revista Política Externa, Vol. 12 n.º 1 – junho/julho/agosto de 2003, p. 31-41
45
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O Gigante fora do tempo: a guerra do Iraque e o sistema global. In Revista Política Externa vol. 12 n.º 1
junho/julho/agosto 2003 p. 43/62.
46
MARTINS, Luciano. Idem
47
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Idem.
48
COSTA, Alberto. Idem, p. 11.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 645
resultados fatais. Em contraste, os estados fortes podem estar desatentos; podem dar-se ao luxo
de não aprender; podem fazer as mesmas coisas estúpidas vezes sem conta. Podem ser
indiferentes à maioria das ameaças porque apenas algumas ameaças, se forem levadas a cabo, os
podem prejudicar gravemente. Podem conter-se até a ambiguidade dos eventos ser resolvida sem
terem medo que o momento para a acção efectiva seja perdido..... Quarto, muito poder dá aos
seus possuidores uma grande participação no seu sistema e a capacidade de agir pelo seu bem.
Para eles a gestão torna-se, ao mesmo tempo, valiosa e possível.’ 49
Em resumo o autor estabelece quatro diretrizes sobre as relações entre Estado e poder.
1. Os fortes têm maior autonomia;
2. Os fortes têm maior raio de ação;
3. O estados fracos não podem errar, os fortes podem; e,
4. Quanto mais poder o Estado tem, mais ele pode influenciar o sistema.
No caso específico do Tribunal, os EUA não estariam exercendo todo o seu poder, isto é,
influenciando o sistema para assegurar os interesses norte-americanos? Acreditamos em uma
resposta afirmativa, pois, seria no mínimo contraditório, os EUA anunciarem política externa
agressiva e militarista e, ao mesmo tempo, acordarem com a criação de um Tribunal Penal
Internacional, com as particularidades explicitadas.
Conclui-se, portanto, os EUA atuam com coerência e pragmatismo na condução de sua
política externa ao não aceitarem o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional. A atuação
norte-americana no campo das relações internacionais é, desta forma, uma atuação realista, que
visa alcançar êxito em seus objetivos, utilidade em suas ações e a satisfação dos interesses norte-
americanos.
Por óbvio, não se está afirmando que esta política perdurará indefinidamente. Porém, ainda
que habitemos um mundo globalizado e democrático, há de se ponderar: porque qualquer
potência hegemônica desistiria de sua vantajosa posição no cenário internacional?
somente este não atuar ou atuar de forma deficitária; ou, ainda, a previsão da responsabilidade
individual dos dirigentes, isto é, a possibilidade de o Tribunal julgar nacionais, sejam titulares ou
não de cargos oficiais, por crimes cometidos em território nacional, que, na hipótese de
condenação, poderão cumprir pena em outro Estado-parte, são grandes avanços na defesa pelos
Direitos Humanos e Humanitários advindos com a criação do Tribunal Penal Internacional.
Não obstante os evidentes avanços alcançados, os Estados Unidos da América se posicionam
contra a Corte Internacional, seja porque a característica atual de sua política externa seja
militarista e unilateral, seja porque “baseiam-se num argumento retirado da situação de seus
militares em operações em países terceiros. Não vale a pena aprofundar o argumento, que não
tem sequer a lógica que aparenta, porque o Estatuto incorpora uma solução semelhante àquela
que vigora no âmbito do Tratado do Atlântico Norte. Não é o fundamento específico que está
em discussão. Conhecida a oposição de fundo entre a posição da União Européia nesta matéria
de justiça penal internacional e a posição dos Estados Unidos da América, devemos reconhecer
que estamos perante uma questão mais ampla e uma interrogação decisiva para os próximos anos
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, José Augusto Undgren. Direitos humanos, cidadania e globalização. Lua Nova, n. 50, p.
185-206, 2000.
AMBOS, Kai. e CHOUKR, Fauzi Hassan (orgs.) Tribunal Penal Internacional. Revista dos
Tribunais: São Paulo, 2000. 484 p.
_______, Kai e MALARINO, Ezequiel (orgs.). Persecução Penal Internacional na América Latina
e Espanha. São Paulo: IBCCRIM, 2003 271 p.
AMARAL JÚNIOR, Alberto de e PERRONE-MOISÉS, Cláudia (orgs.) O Brasil e o Sistema
Internacional de Proteção dos Direitos Humanos. In: O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. São Paulo: Edusp, 1999, p. 233.
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. Direito internacional e globalização. Revista Cidadania e Justiça,
v. 4, n. 8, p. 27-42, jan/jun. 2000.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O Gigante fora do tempo: a guerra do Iraque e o sistema global.
Revista Política Externa, vol. 12, n.º 1 junho a agosto de 2003. P. 43-62.
CRETELLA Jr., José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense
646 Universitária, 1988, p. 463-466.
_____________, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Vol. II. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1988, p. 728-734.
COSTA, Alberto. Tribunal Penal Internacional. Para o fim da impunidade dos poderosos. Lisboa:
Editora Inquérito,2002. 168 p.
FALCÃO, Alcino Pinto et al.. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990,
p.:258-263.
51
COSTA, Alberto. Intervenção proferida na reunião plenária da Assembléia da República Portuguesa em 20.12.2001. Tribunal Penal Internacional
.... op. Cit. p. 50 (g.n.)
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 647
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p.152.
FONSECA, J.R. Franco da. Estrutura e funções da Corte Internacional de Justiça. In: BATISTA, Luiz
Olavo e FONSECA, José Roberto Franco da (coord.). O Direito Internacional no terceiro milênio. São
Paulo: LTr, 1998. p. 750-762.
Imunidade Soberana. Brasília: CJF, 2001, 52p. (Série Cadernos do CEJ; 19)
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Globalização, Regionalização e Soberania. São Paulo: Juarez
de Oliveira Editora, 2004, 197-301.
MAIA, Marrielle. Tribunal Penal Internacional. Aspectos Institucionais, Jurisdição e Princípio da
Complementariedade. Del Rey: Belo Horizonte, 2001. 262 p.
MARTINS, Luciano. O Fundamentalismo de Bush e a Ordem Mundial. In Revista Política Externa,
vol. 12, n.º 1 junho a agosto de 2003. P. 31-41
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998, p. 19-53 e
204-211.
_________, Alexandre de. Direito Constitucional. 11 ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.108-109.
MORE, Rodrigo Fernandes. A Prevenção e Solução de Litígios Internacionais no Direito Penal
Internacional: fundamentos, histórico e estabelecimento de uma Corte Penal Internacional (Tratado de Roma,
1998) in MERCADANTE, Araminta de Azevedo e MAGALHÃES, José Carlos (org) Solução e
Prevenção de Litígios Internacionais v.2 Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.317 e segts, ou in
www.jus.com.br/doutrina
NEVES, Sólon D'Eça. A globalização e a justiça. Revista da ESMESC: Escola Superior da
Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 5, n. 7, p.123-127, 1999.
SABÓIA, Gilberto Vergne. União Européia, Mercosul e a proteção dos Direitos Humanos. Revista da
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n.º 54. p. 209-220, dez. 2000, ou in
www.mj.gov.br/sedh
SCHWARTZ, Bernard. El Federalismo norteamerico actual. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1986. 357 p.
____________, Bernard. Os Grandes Direitos da Humanidade. “The Bill of Rights” Tradução de
A. B. Pinheiro Lemos. Rio de Janeiro: Forense - Universitária, 1997, 254 p.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros,
418 p.
SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Algumas reflexões sobre Estado, Nação, sistemas jurídicos,
internacionalização do Direito, Direito Comunitário e internacionalização da Justiça. Notícia do Direito
Brasileiro, n. 2, p.113-133, jul/dez 1996.
O Tribunal Penal Internacional: avanços e retrocessos para
o estabelecimento de uma jurisdição Penal Internacional
STRON, Jacques. Jurisdicción penal internacional, derecho internacional humanitario y acción humanitária.
Revista Internacional de la Cruz Roja n.º 144, p. 644-675 ou in www.icrc.org/icrcspa.nsf ou
www.iccnow.org/espanol
TAQUARY, Eneida Orbage de Britto. Corte Interamericana de Direitos Humanos: uma exposição
prática sobre como funciona a Corte Internamericana de Direitos Humanos, com detalhamento da tramitação de
um processo. Consulex: Revista Jurídica, v. 6, n. 122, p. 50-52, fev. 2002.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Vol. 1 Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1997. P.302-318.
WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Gradiva, 2002. 339 p.
648
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 649
Sumário: 1. Introdução 2. Mercosul 2.1 Princípios dos movimentos integracionistas 2.2 Criação e
desenvolvimento do Mercosul 3. Soberania e o Direito Internacional 4. Soberania e a norma constitucional
integracionista 4.1 Assembléia Nacional Constituinte 4.2 Revisão Constitucional de 1993-1994 4.3 Discussão
doutrinária 5. Mercosul, Soberania e a Constituição de 1988
Introdução
* Pesquisadora do PIBIC do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e membro do Grupo de Estudos do Mercosul,
vinculado ao Mestrado em Direito das Relações Internacionais do UniCEUB.
** Secretário de Relações Institucionais e Comunicação Social do Parlamento do Mercosul e Mestrando em Direito Internacional Privado pela
Universidad de Buenos Aires.
2. Mercosul
1
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Carta Rogatória nº8.279-4. In: DJ, 10.08.2000
2
JÚNIOR, Alberto do Amaral .Mercosul: características e perspectivas. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 37 n. 146 abr./jun. 2000.
3
HARGAIN, Daniel; MIHALI, Gabriel. Circulación de Bienes en Mercosur. Montevidéu: Julio Faira Editor, 1998. p. 123.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 651
Por não haver atingido os objetivos previstos no Tratado de Montevidéu, uma vez que muitos
de seus membros passavam por momentos de instabilidade política4 e devido à resistência à
concessão de preferências a todos os membros5, A Associação Latino-Americana de Livre
Comércio foi substituída no ano de 1980 pela Associação Latino-americana de Integração.
Este novo modelo de integração tinha como objetivo a formação de um mercado comum e,
tendo em vista a experiência de sua antecessora, buscou dirimir os problemas relacionados ao
regime de preferências por meio da classificação dos países membros em grupos, dentro dos
quais seria possível firmar acordos sem a necessidade da participação de todos os membros da
Associação.
Influenciados pelos bons ventos que levavam ao intercâmbio econômico, bem como a
necessidade de incrementar suas economias Brasil e Argentina iniciaram uma série de acordos
bilaterais, tais como o Tratado de Cooperação Econômica, assinado em 1986, a Declaração de
Foz do Iguaçu, de 1985 e o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, datado de
1988.
Apesar das iniciativas bilaterais, somente com a assinatura da Ata de Buenos Aires, firmada
em 06 de julho de 1990, que se decide estabelecer um mercado. Não se pode olvidar que o
Acordo de Complementação Econômica nº 14, acordado no âmbito da ALADI entre Brasil e
Argentina, para a melhor doutrina6, também foi de grande valia para a conformação do Mercosul,
inspirando o Tratado de Assunção.
4
FLORÊNCIO, Sérgio Abreu e Lima, ARAÚJO, Ernesto Henrique Fraga. MERCOSUR, proyecto, realidad y perspectivas. Trad. Maria del
Carmen Hernández Gonçalves. Brasilia:Vest-Con, 1997. p. 31
5
HARGAIN, Daniel; MIHALI, Gabriel. Circulación de Bienes en Mercosur. Montevidéu: Julio Faira Editor, 1998.. p. 124.
6
DREYZIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur. Generador de una nueva fuente de derecho internacional privado. Buenos Aires: Zavalia,
1997. p 48.
7
Disponível em: <www.mercosur.int> Acesso em 16/10/2006.
A soberania passou por uma necessária e irreversível evolução conceitual irreversível nos
últimos séculos, face às constantes transformações do Estado Contemporâneo.
O conceito de soberania teve papel importante na evolução do Estado moderno, sobretudo
na consolidação do Direito Internacional Público como instrumento eficaz para a defesa da paz.
Inicialmente, vale destacar as primeiras concepções acerca do tema para delinearmos a sua
evolução ao longo do tempo e chegarmos à situação atual frente aos sistemas regionais de
integração.
O nascedouro da palavra soberania parece ser um tanto controvertido. Para alguns, sua
origem vem de “superanus”, forma do médio latim e o sufixo “anus” demonstra a sua origem
popular, tendo o seu berço na França e na Inglaterra, consolidando-se ao longo do século XII.
Para outra corrente, a sua gênese encontra-se no Baixo Latim “superanitas”. Destaca-se a
importância da soberania para as relações internacionais e para o Estado moderno, como
elemento limitador do campo de atuação desse último ente nas relações inter-estatais.9
Entre os romanos a soberania era denominada suprema potestas, imperium. Seria uma espécie de
supremacia do poder dentro de um mesmo território, e na época, coincidiu que este poder era
exercido pelo rei. Essa supremacia pode ser entendida de duas formas: uma exercida nas suas
relações intra-estatais, segundo o princípio da subordinação; e outra consagrada na ordem
externa, de acordo com o princípio da coordenação.10
No início do século XVI, Jean Bodin, em sua obra os Seis Livros da República, previa a
652 possibilidade de concessão, ainda que precária, de parcela do poder soberano à alguém ou algum
ente.11
Assim, entende-se que o ato de transferência de parte do poder soberano é possibilitado por
mútuo consentimento do órgão concedente e do concedido, “porque o titular do poder deliberou por
transferi-lo sem, contudo, perder sua titularidade e livre disposição”12.
8
Preâmbulo da Decisão MERCOSUL/CMC/DEC Nº 23/05
9
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional da Integração. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 120-121.
10
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 112.
11
BODIN, Jean. Los seis libros de la republica: seleccion, estudio preliminar y traduccion de PedroBravo Gala. Madrid: Tecnos, 1986.
12
FURLAN, Fernando de Magalhães. Integração e soberania: o Brasil e o Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 2004. p. 6.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 653
Celso D. Albuquerque Mello salienta que para o Direito Internacional, a noção de soberania
possui as suas origens em Vattel, no século XVIII, entretanto, o seu desenvolvimento é
impulsionado pelos doutrinadores alemães durante o século XIX, influenciados pelo
hegelianismo.13
Certamente, presenciamos um período de transição acerca dos delineamentos do conceito
de soberania. Aquela soberania esquematizada por Jean Bodin, qual seja, “La soberanía no es
limitada, ni en poder ni en responsabilidad, ni em tiempo”14 parece não mais encontrar amparo nos
dias atuais.
A partir do desenvolvimento das organizações internacionais, do surgimento das
comunidades européias e da internalização das atividades econômicas, políticas, sociais e
culturais, o conceito de soberania perdeu muito da sua natureza material, passando a ser
meramente formal, haja vista as necessidades de ajuda mútua entre os Estados, e, por
conseguinte, a transferência ou delegação de parcelas da soberania para aquelas entidades.15
Como bem assevera Kerber, “a transferência de parcelas soberanas à instituição de
supranacionalidade, constitui ponto fundamental à integração plena do Cone Sul (...)”16. Com efeito,
esta delegação, não diminui a respeitabilidade e nem danifica a imagem do Estado perante
a comunidade internacional, pelo contrário, demonstra sensibilidade política para
unificação de forças econômicas, a fim de integrar-se competitivamente no fenômeno da
globalização.
Nesse sentido, parece falho o argumento de que a concessão de parcelas de soberania
acarretaria abusos e insegurança do Estado. Ora, para evitar esses abusos é que existem
organismos supranacionais, dotados de autonomia e independência para efetuar o controle da
legalidade e do poder soberano concedido. Desta forma, o Estado que julgar alienado de seu
poder soberano por órgão delegado, receptor de parcela da soberania, deverá ter imediatamente
restituída aquela, pelas vias cabíveis. Uma via, v.g., seria por meio da denúncia de um tratado que
13
MELLO, Celso D. de Albuquerque. op. cit., p. 122.
14
BODIN, Jean. Los seis libros de la republica: seleccion, estudio preliminar y traduccion de PedroBravo Gala. Madrid: Tecnos, 1986. p. 49.
15
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional da Integração. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 122.
16
KERBER, Gilberto. Mercosul e a Supranacionalidade. São Paulo: LTr, 2001. p. 79.
Constituinte. Quanto ao art. 4°, parágrafo único, foi sugerida apenas uma emenda, da lavra do
Deputado Nelson Aguiar, do Espírito Santo. O nobre deputado propôs uma emenda cujo o
objeto era substituir a expressão “A República Federativa do Brasil buscará a integração (...)” pelo texto
“É dever da República Federativa do Brasil buscar (...)”, sob o fundamento de que a substituição poderia
vir a oferecer uma maior força normativa ao preceito constitucional, passando de uma mera
declaração à um dever constitucional.19
Não logrando êxito a proposta de emenda, o texto final, sob o nome de Projeto de
Constituição (D), foi levado ao Plenário e submetido à votação, sendo promulgado o texto
definitivo em 8 de outubro de 1988. O art. 4° da Constituição, norteador dos princípios
constitucionais acerca das relações exteriores, ficou assim redigido:
“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
654
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica,
política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma
comunidade latino-americana de nações”.20
17
DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 144.
18
Ibidem. p. 144-145.
19
Ibidem. p. 146.
20
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 48/2005. Disponível em
http://www.planalto.gov.br , acesso em 25/11/2005.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 655
21
DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 192.
22
Ibidem. p. 192-193.
23
REVISÃO CONSTITUCIONAL. Parecer do relator ás propostas revisionais e respectivas emenda, apresentadas aos arts. 1º a 4º, da
Constituição Federal (Parecer nº 1, de 1994 – RCF). Brasília: Congresso Nacional, 1994. p. 5-18.
24
DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 195.
25
Ibidem. p. 195-196.
26
Vale destacar aqui, a posição contrária do professor Ricardo Alonso Gárcia, segundo o qual, rejeita a idéia de instituição de organismos
supranacionais no atual momento do Mercosul, por exemplo. Ademais, o renomado catedrático da Universidade Complutense de Madrid entende
que a implementação de organismos supranacionais deve vir aliada a sustentabilidade do bloco regional, não devendo ser utilizada para antecipar o
processo de integração jurídica em face do processo de integração econômico. IN: I Seminário de Direito da Integração do Mercosul, out. 2005, Superior
Tribunal da Justiça, Brasília (DF).
27
REVISÃO CONSTITUCIONAL. Proposta de Revisão Constitucional nº 1079-1, de autoria do Sr. Deputado Adroaldo Streck. Brasília:
Congresso Nacional, 1994.
28
DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 197-198.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 657
29
PEROTTI, Alejandro Daniel. Habilitación Constitucional para la Integración Comunitaria. 2ª ed. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung,
2004. p. 192-193.
30
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 147.
a ratificação de tratados sobre essa matéria. Denota, ainda, que uma reforma constitucional, sem
dúvida alguma, lesaria o princípio da separação dos poderes, cláusula pétrea da Constituição.
No mesmo sentido, o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho explicita em sua
obra “Comentários à Constituição brasileira de 1988”, que a leitura que deve ser feita do art. 4º,
parágrafo único é de “um objetivo prefixado para a política internacional do Brasil” 32. Essa interpretação
restrita do preceito constitucional parece ter origem no fato de que no âmbito da Assembléia
Constitucional de 1988, houve quem entendesse que o preceito integracionista deveria ser
alocado nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, vez que a norma
consubstanciava-se em um objetivo a ser alcançado no tempo, não justificando a sua inclusão no
texto constitucional permanente. Assim, entendem aqueles que a norma integracionista é ausente
de mecanismos que lhe dêem aplicação imediata, resultando em uma simples regra programática.
Em contraposição a tese do Professor Olavo, há aqueles que defendem a aplicação imediata
do preceito constitucional integracionista e acreditam que esse dispositivo confere autorização
para o Brasil buscar a integração latino-americana, inclusive, com a participação em órgãos
supranacionais.33
BASTOS afirma que “o presente dispositivo deixa certo que o País conta com a autorização constitucional
para buscar a sua integração em uma comunidade latino-americana de nações”34. Essa parece ser a
interpretação mais adequada, vez que concretiza a constituição diante dos fatores reais atuais na
ordem mundial, já que como dito anteriormente, inconcebível seria a interpretação restritiva da
norma constitucional, tendo em vista que à época de sua construção, o Brasil já participava de
658 processos de integração, v.g., ALADI. Sendo assim, não haveria porque o legislador conceber a
referida norma no texto constitucional, se não o fosse para permitir que o país avançasse nos
processos de integração supranacionais.
Na mesma direção, PEROTTI ressalta que o legislador constitucional foi categórico e deixou
de maneira expressa a vontade e auto-aplicabilidade do preceito constitucional do art. 4º,
31
BAPTISTA, Luiz Olavo. As instituições do Mercosul Comparações e Prospectiva. IN: O Mercosul em movimento. Deisy de Freitas (coord.).
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 58-59.
32
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 21.
33
BASTOS, Celso Ribeiro & MARTIS, Ives Granda apud DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 184.
34
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. 1º vol. São Paulo: Saraiva, 1988. P. 414.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 659
parágrafo único.35 Destaca ainda, que as normas programáticas possuem um caráter imperativo,
resultando em normas-fim ou normas-tarefa, juridicamente vinculantes, conforme ensina
Canotilho acerca desse tipo de norma que “têm uma estrutura própria mas isso não significa que sejam
desprovidas de juridicidade, vinculatividade e aplicabilidade”.36
35
PEROTTI, Alejandro Daniel. Habilitación Constitucional para la Integración Comunitaria. 2ª ed. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung,
2004. p. 194.
36
CANOTILHO, José Joaquim Gómez apud PEROTTI, Alejandro Daniel. Habilitación Constitucional para la Integración Comunitaria. 2ª ed.
Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2004. p. 195.
37
MÜLLER, Friedrich. Metódos de trabalho do Direito Constitucional. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 75.
38
MÜLLER, p. 77.
seus âmbitos normativos. Ora, tendo em vista a colisão de normas constitucionais, a melhor
solução é aquela que conformar os âmbitos normativos, otimizando todas as normas, sem,
contudo, positivar ou negar nenhuma delas. MÜLLER ressalta que “a concretização não deve atribuir
globalmente, no sentido da ‘ponderação’, o ‘primado’ a uma norma e fazer a outra ‘recuar para o segundo plano’,
de forma igualmente global” 40. Assim, não devemos negar inteiramente nenhuma das duas normas e
nem ao menos positivar integralmente ambas, mas concordar os dois âmbitos normativos, a
ponto de minimizarmos a colisão em favor de uma política constitucional.
Nesse sentido, a solução que se vislumbra é aquela que permita a interpretação da norma
constitucional integracionista sem lesionar integralmente o princípio da soberania. Mas qual seria
essa interpretação? É aquela que permite ao Estado brasileiro participar dos processos de
integração, inclusive com organismos supranacionais, no entanto, com liberalidade de ratificar ou
não reformas aos tratados constitutivos desses mesmos processos de integração, quando
entender que os limites mínimos de sua soberania nacional foram atingidos. Essa interpretação
parece solucionar o problema, dando preferência a um ponto de vista que oferece efetividade ao
parágrafo único do art. 4º da Carta Política, em consonância com a força normativa da
constituição.
Outrossim, a concretização da norma constitucional integracionista deve passar à luz dos
elementos de concretização do âmbito da norma e do caso. A análise das ciências sociais e
humanas demonstra um campo de visão favorável a essa interpretação constitucional defendida
no texto. As cinco liberdades comunitárias, sobretudo as trocas de bens de consumo,
660 trabalhadores e serviços nos processos de integração estão cada vez mais sedentas de segurança
jurídica para progredirem, no entanto, a falta de organismos supranacionais, v.g., um tribunal de
justiça comunitário no Mercosul, acarreta numa diminuição de investimentos estrangeiros e, por
conseguinte, numa diminuição de volume nas transações comerciais.
Ademais, a freqüente instabilidade política na região do cone sul demonstra a necessidade de
se deslocar o eixo de decisões do Mercosul, retirando das instâncias executivas nacionais e
transferindo em parte para instâncias extraordinárias ou supranacionais. Nesse sentido, a criação
39
MÜLLER, p. 77.
40
MÜLLER, p. 77.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 661
do Parlamento do Mercosul foi um firme passo rumo a um modelo de integração mais robusto,
que poderia culminar em um sistema supranacional, devido ao caráter democrático que a
representação cidadã leva às decisões emanadas do bloco. No entanto, conforme supra
demonstrado, é necessária uma releitura do texto constitucional para dar a este órgão e aos outros
que porventura venham a ser criados, embasamento constitucional para sua atuação.
BIBLIOGRAFIA
662
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 663
C’est pour moi un grand honneur de participer à ce volume publié pour marquer le
bicentenaire de l’institution de la justice militaire au Brésil. Tout débat de fond sur l’existence,
voire la légitimité d’une justice militaire, doit prendre en compte l’extrême diversité des
expériences dans le temps comme dans l’espace. Sans nul doute la justice militaire brésilienne a-
t-elle beaucoup évoluée elle aussi entre la période impériale et la Constitution fédérale de 1988.
Tout comme le superbe Palacio do Itamaraty de Brasilia où s’est tenu en novembre 2007 un
séminaire d’experts sur les droits de l’homme et l’administration de la justice par les tribunaux militaires n’a que
le nom de commun avec le noble Palacio Itamaraty de Rio où officiait comme ministre des
affaires étrangères un Barao do Rio Branco1. Mais cette continuité est un atout précieux pour une
jeune nation qui mêle le meilleur de la vieille Europe et du nouveau monde.
De même chaque expérience historique est singulière. Ainsi dans la tradition française, la
justice militaire est associée à des épisodes particulièrement sombres. L’affaire Dreyfus marque
un tournant 2. Ce n’est pas un hasard si la Ligue des droits de l’homme, créée en 1898, lance dès
1904 une pétition pour l’abolition des Conseils de guerre, considérant que leur « abolition immédiate
[est la] seule réforme efficace ». Après l’arrêt de la Cour de cassation qui proclame enfin l’innocence
du capitaine Dreyfus le 12 juillet 1906, la question est relancée. Le président de la Ligue, Francis
de Pressensé s’enflamme : « L’heure a sonné de faire disparaître ce scandale des scandales, cette juridiction de
classe, de caste, de coterie, de secte, de parti »3. La grande guerre comme les campagnes coloniales ne font
qu’aviver le débat, malgré la censure. En 1920, la Ligue dénonce ce qu’elle appelle « les crimes de la
guerre » en demandant la révision de certains procès et la réhabilitation des victimes, mais surtout
elle lance une réflexion de fond. C’est le général Sarrail qui présente en 1921 un rapport
Emmanuel Decaux
particulièrement critique à l’égard de la nouvelle législation, en souhaitant « qu’il n’y eut même pas
de magistrats militaires en temps de paix ; qu’on se contenta d’une justice unique, et qu’on admit, seulement en
temps de guerre, des tribunaux militarisés ».
Mais il faut également souligner qu’en France, au début du XIXème siècle, après les crimes
des tribunaux révolutionnaires et les bassesses de la justice politique, la justice militaire a pu
parfois se montrer exemplaire. Pour s’en tenir à un exemple aujourd’hui bien oublié, il faut
évoquer le souvenir d’Armand Carrel, jeune Saint-Cyrien démissionnaire, qui avait participé en
1823 à la « légion libérale étrangère » mobilisée lors de la campagne d’Espagne entreprise par les
Bourbons au nom de la Sainte Alliance.». Comme l’écrit Emile Littré, « les périls de la justice militaire
attendaient Carrel échappé aux périls de la guerre ». Condamné à mort par un premier conseil de guerre 663
à Perpignan, il multiplia les recours en révision, avant d’être acquitté par ses pairs lors d’un
nouveau procès à Toulouse en 1824. Armand Carrel avait pourtant pratiqué une défense de
rupture, invoquant « l’incompétence du conseil, d’abord comme tribunal, puisque je suis sous la sauvegarde du
droit des gens, ensuite comme tribunal militaire, puisqu’il était de mon honneur de décliner cette juridiction »4.
Les débats actuels autour de la justice militaire viennent de loin, et on pourrait multiplier les
exemples les plus divers à ce sujet à travers le monde, des Etats-Unis à la Chine, de la Russie à
l’Australie, du Royaume-Uni à l’Inde, de la Belgique à l’Egypte, du Canada à la Turquie... Notre
propos sera beaucoup plus modeste et visera à évoquer la dynamique qui a marqué les travaux
récents de la Sous-Commission des droits de l’homme des Nations Unies. Il est significatif que
le séminaire organisé en novembre 2007 par le Haut-Commissariat aux droits de l’homme des
Actualité de la Justice Militaire dans les travaux des Organes des Nations Unies
Nations Unies, le Ministère brésilien des relations extérieures et le Tribunal supérieur militaire,
avec le concours de la Commission internationale des juristes, fasse écho dans son titre au thème
de l’étude qui m’avait été confiée par la Sous-Commission des droits de l’homme5.
Ce faisant, la Sous-Commission a montré une fois de plus qu’elle savait faire preuve
d’imagination et d’empirisme pour surmonter des obstacles qui semblaient a priori
insurmontables6. L’étude sur la justice militaire a en effet trouvé son point de départ en 2001 au
sein du groupe de travail sur l’administration de la justice, avec un document de travail préparé
par Louis Joinet - qui était à l’époque Premier avocat général à la Cour de cassation - sur « les défis
et enjeux de l’administration de la justice par les tribunaux militaires ». D’autres tentatives avaient été faites
en vain dans le passé, notamment en 1985 où la Sous-Commission avait échoué à obtenir de la
part de la Commission des droits de l’homme un rapporteur spécial sur « l’abolition des tribunaux
militaires » dans une tactique frontale. L’étude pionnière de Louis Joinet esquissait la
problématique et la structure du sujet, à travers notamment un questionnaire
(E/CN.4/Sub.2/2001/WG.1/CRP.3 et annexe). L’année suivante, il présentait à la Sous-
Commission un « rapport » qui précisait sa philosophie générale, en distinguant deux horizons :
une finalité politique ultime consistant dans l’abolition complète de la justice militaire, mais
également un objectif technique transitoire s’attachant à « civiliser » la justice militaire
(E/CN.4/Sub.2/2002/4). La même année, la Sous-Commission décidait de poursuivre le travail
ainsi entamé, en confiant au nouvel expert français élu en 20002 le soin de présenter une mise à
jour de l’étude en cours sur la « question de l’administration de la justice par les tribunaux
militaires». Ce passage de relais, savamment organisé par Louis Joinet lui-même, rendait
irréversible le travail entamé, en l’absence de tout feu vert en bonne et due forme de la
Commission des droits de l’homme.
C’est dans cet esprit que j’ai présenté une série de rapports annuels, comportant la
formulation de principes de plus en plus détaillés et précis : d’abord 13 principes
(E/CN.4/Sub.2/2003/4) ensuite 17 (E/CN.4/Sub.2/2004/7), puis 19 (E/CN.4/Sub.2/2005/9)
et enfin 20 dans la dernière version transmise à la Commission des droits de l’homme
(E/CN.4/2006/58). Ce travail de lente maturation n’aurait pu avoir lieu sans l’appui général de
la Sous-Commission, qui a chaque étape a adopté au consensus des résolutions substantielles
pour encourager et orienter le travail en cours. Qu’il me soit permis de rendre à cette occasion
664 un hommage appuyé au rôle de Paulo Sergio Pinheiro qui, comme président de la Sous-
Commission, a été un collègue et un ami éloquent et chaleureux, sur qui l’on pouvait toujours
compter, même dans les moments les plus difficiles pour la Sous-Commission. La Sous-
5
Cette étude est une mise à jour de la présentation faite sous le titre « La dynamique des travaux de la Sous-Commission des droits de l’homme et l’évolution de
la position des Etats » à l’occasion d’une publication de référence Juridictions militaires et tribunaux d’exception en mutation, perspectives comparées et internationales,
Elisabeth Lambert Abdelgawad (ed), édition des archives contemporaines, 2007 ; Cf. également notre contribution « Current challenges to military
criminal justice systems », in Implementing Human Rights Essays in Honour of Morten Kjaerum, Danish Institute for Human Rights, 2007 et l’excellente
étude de Claire Callejon sur les principes de la Sous-Commission des droits de l’homme, dans le n°6 de la revue Droits fondamentaux, www.droits-
fondamentaux.org
6
Pour un premier bilan, notre communication sur « la Sous-Commission des droits de l’homme de 1947 à nos jours », in Relations internationales n°132
« Droits de l’homme et relations internationales-2 », (automne 2007), PUF. Cf. aussi Emmanuel Decaux (ed), Les Nations Unies et les droits de l’homme,
enjeux et défis d’une réforme, Pedone, 2006.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 665
Commission a ainsi donné son accord initial « pour développer des principes », avec la résolution
2003/8, avant d’apporter chaque année son soutien constant, lors des discussions de fond.
Mais le soutien des ONG a été tout aussi essentiel, notamment celui de la Commission
internationale de juristes qui a accompagné le travail du rapporteur, contribuant à la réflexion
collective en organisant à Genève deux séminaires particulièrement utiles, avec des juristes
militaires venus de tous les horizons, le premier en janvier 2004, à une étape décisive de la
maturation du rapport, et second en novembre 2006, marquant l’achèvement du mandat, avec
l’appui officiel du Haut-Commissariat. Le séminaire de Brasilia en novembre 2007 marquait ainsi
un troisième rendez-vous, avec des interlocuteurs qui avaient appris à se connaître et à s’apprécier.
Le travail de fond mené à bien par Federico Andreu a été bien sûr décisif pour faire l’inventaire
systématique des législations, des pratiques et des jurisprudences7. Parallèlement des initiatives
universitaires comme celle de l’Unité mixte de recherche (UMR) de l’Université Paris I, fondée
par Mireille Delmas-Marty et dirigée par Hélène Ruiz Fabri prolongeaient cette réflexion
collective, avec des travaux de droit comparé cordonnés par Elisabeth Lambert 8. Enfin, il faut
mentionner les journées organisées chaque année à Oxford par le Directorate of Legal Army Services,
pour favoriser des échanges confidentiels entre responsables de la justice militaire, notamment
dans les pays du Commonwealth9.
Mais en fin de compte, le travail de la Sous-Commission n’aurait pas pu déboucher sur des
résultats tangibles, sans l’appui ultime de la Commission des droits de l’homme. L’étude a en effet
acquis peu à peu, à mesure de son bon déroulement, une nouvelle visibilité à l’égard de la
Commission. Celle-ci consacrait traditionnellement deux séries des résolutions, avec des parrains
et des votes différents, d’une part à « l’intégrité de l’appareil judiciaire », d’autre part à « l’indépendance et
impartialité du pouvoir judiciaire ». Avec le temps ces deux résolutions étaient devenues largement
complémentaires, tout en se chevauchant, sans pouvoir être fusionnées pour des raisons politiques
assez obscures. La résolution 2004/32 de 2004 et résolution 2005/30 (intégrité) – adoptées par 52
voix contre zéro, avec une abstention américaine – avaient marqué un premier recadrage de l’étude
sur la justice militaire, en parlant assez curieusement de « rapporteur spécial », mais surtout elles
Emmanuel Decaux
apportaient des éléments de fond, servant de « fil conducteur » à l’étude, dans le droit fil des
principes fondamentaux relatifs à l’indépendance de la magistrature. De son côté, la résolution
2005/33 (indépendance) – adoptée sans vote – comportait pour la première fois la demande
officielle d’une « version mise à jour des projets de principes ». Ce faisant, elle tranchait un double enjeu
pour la Sous-Commission, en lui demandant officiellement de transmettre le fruit des travaux en
cours, ce qui validait rétrospectivement tout l’exercice, mais surtout en parlant de « principes »,
alors même qu’à la suite de la levée de bouclier au sein de la Commission des droits de l’homme
contre les principes sur la responsabilité des entreprises multinationales, la compétence de la Sous-
Commission pour élaborer de telles standards avait fortement été remise en question. En l’espèce,
la Commission des droits de l’homme non seulement acceptait formellement le principe de 665
principes, mais, sur le fond, elle entérinait également le principe des principes, à savoir l’idée que
la justice militaire devait faire partie intégrante de l’appareil de la justice.
C’est ainsi que, après une dernière discussion générale sur la base du rapport
(E/CN.4/Sub.2/2005/9) lors de la 57ème session de la Sous-Commission, une version révisée
7
Federico Andreu-Guzman, Fuero military y dercho internacional, Comision internacional de Juristas & Comision Colombiana de Juristas, Bogota, 2003.
8
Juridictions militaires et tribunaux d’exception en mutation, perspectives comparées et internationales, Elisabeth Lambert Abdelgawad (ed), édition des archives
contemporaines, 2007
9
Pour l’expérience indienne, cf. l’ouvrage du Major General Nilendra Kumar, Miltary Law, then, now & beyond, Judge Advocate General’s Department,
2005.
– avec un nouveau principe sur la loi martiale, introduit à la suggestion de Françoise Hampson,
l’expert britannique, ce qui a entraîné une renumérotation de l’ensemble des vingt principes – a
été transmise directement à la Commission en janvier 2006 (E/CN.4/2006/58). En l’absence de
toute session substantielle de la Commission, il figure désormais sur l’agenda du Conseil des
droits de l’homme. Celui-ci occupée depuis plus d’un an par la phase de construction
institutionnelle n’a pas encore examiné les suites à donner à l’étude. Il sera intéressant de voir si
Actualité de la Justice Militaire dans les travaux des Organes des Nations Unies
l’année 2008 sera plus propice pour aborder le vif du sujet, même si il est sans doute nécessaire
de laisser du temps au temps et de permettre aux principes de vivre leur vie, en faisant l’objet de
débats et d’études, sans chercher une cristallisation prématurée.
A ce stade, sans anticiper sur ces discussions politiques de la part des Etats, il semble utile de
revenir sur les options fondamentales de l’étude (I) avant d’évoquer les enjeux en matière de
compétences (II) et d’organisation des juridictions militaires (III).
Deux options avaient été laissées ouvertes par Louis Joinet dans son étude. Une certaine
tradition politique, marquée en France par les juridictions d’exception au moment de la guerre
d’Algérie, et plus encore par l’expérience latino-américaine visait à la suppression radicale des
juridictions militaires. Pour nombre de militants des droits de l’homme, justice militaire et
dictature militaire allaient la main dans la main. C’était seulement à titre de compromis que le
rapport Joinet préconisait de procéder par étapes, en ayant pour objectif des réformes
permettant de restreindre les compétences des juridictions militaires, dans un premier temps, tout
en gardant à l’esprit comme but ultime leur suppression complète. Ce faisant, il retrouvait la
dialectique entre réforme et révolution, en soulignant que la banalisation progressive de la justice
militaire aboutirait en fin ce compte à sa disparition.
Mais, même en laissant à l’arrière-plan cet objectif ultime, il fallait également tenir compte
de certaines hésitations juridiques. D’abord parce que le droit international humanitaire fait
de la justice militaire une sorte de garde-fou face aux tentations du non-droit. C’est le cas de
l’article 84 de la Convention de Genève sur les prisonniers de guerre, dont l’importance pour
la détermination du statut des prisonniers de guerre a encore été soulignée par les débats sur
les « ennemis combattants »). C’est également le cas de l’article 65, lui aussi essentiel en
situation d’occupation militaire, comme le montre là aussi une actualité particulièrement
chargée.
Bien plus, à s’en tenir à l’expérience de pays qui comme la France ont supprimé les juridictions
d’exception en 1981, la suppression de la justice militaire est soumise à une double limitation,
temporelle et territoriale, dans la mesure où elle ne concerne que le territoire national en temps
666 de paix. De fait, le tribunal aux armées de Paris reste compétent pour juger les personnels basés
en Allemagne ou participant à des opérations de maintien de la paix. En cas de « guerre », le
rétablissement de la justice militaire serait nécessaire, même si l’on voit mal comment la
généralisation d’un tel dispositif pourrait être improvisé à travers tout le territoire, en période de
crise. En pratique, ce sont les juges ordinaires mobilisés qui seraient sans doute appelés à
appliquer le « code de justice militaire », le régime de l’état de siège de la loi de 1849 conférant les
pouvoirs civils aux autorités militaires étant à l’évidence inadaptée aux exigences élémentaires de
la conception contemporaine de l’Etat de droit. Il n’en est que plus curieux de constater que lors
de la refonte du code de justice militaire qui a fait l’objet de la loi du 5 mars 2007, l’exposé des
motifs faisait état de la possibilité de rétablir la justice militaire, non seulement en cas de guerre
– au sens du droit international – mais également en situation de crise interne, avec le régime de
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 667
l’état d’urgence ou même de l’état de siège10. Mais en dehors même de considérations évidentes
de prudence politique, l’expérience du système belge, où la suppression de la justice militaire,
motivée par des arguments de principe plus que considérations techniques, a été radicale, montre
bien qu’il serait difficile de revenir en arrière. Sauf à « militariser » les juges ordinaires, pour
reprendre l’expression du général Sarrail qui se trouve ainsi aux antipodes de l’inspiration de notre
rapport qui sera au contraire à « civiliser » la justice militaire.
Dans le même temps, la multiplication récente des opérations extérieures, opérations de
maintien de la paix dans le cadre des Nations Unies ou dans le cadre régional, opérations
multilatérales au sein de l’OTAN ou de coalitions ad hoc, voire opérations nationales dans le cadre
d’accords de défense, montre l’importance de disposer sur le terrain d’enquêteurs et de juges
compétents et spécialisés. En l’absence de compétence extraterritoriale du juge national, les
systèmes de common law sur le modèle britannique, rendent d’ailleurs indispensable l’existence
d’une justice exportable, déployée sur le terrain, si l’on veut éviter la compétence territoriale du
pays où se déroulent – bon gré, malgré – les opérations militaires. Mais au-delà de cet argument
spécifique, il faut bien prendre en compte la nécessité d’un appareil judiciaire spécialisé. Non pour
des raisons de corporatisme ou même d’esprit de corps, même si l’on peut penser qu’une enquête
menée sur le terrain par un juge militaire sera plus efficace qu’une instruction menée à distance
par un juge civil. Mais plutôt pour des motifs de spécialisation. Pour autant cette spécialisation
n’est pas le monopole des « militaires » et tout juge, détaché dans des conditions qui garantissent
son indépendance ou appartenant à la justice militaire, doit pouvoir acquérir cette expérience des
obligations, des nécessités et des responsabilités propres de la vie militaire, au regard notamment
du droit des conflits armés et du droit international pénal.
Dès lors, le choix du fil conducteur de l’étude s’est imposé avec de plus en plus de force. Il
s’agit de « civiliser », de « banaliser » les juridictions militaires, en leur imposant les mêmes
exigences de compétence, d’indépendance et d’impartialité que la justice ordinaire. Les
juridictions militaires ne sont pas un monde à part, expédiente et expéditive, au dessus des lois,
hors du droit commun, une justice d’exception, sans contrôle ni contrepoids, ouvrant la porte à
Emmanuel Decaux
tous les abus et n’ayant plus de « justice » que le nom…Elles doivent constituer une « partie
intégrante de l’appareil judiciaire normal », comme le répète la Commission des droits de
l’homme. Il s’agit, en un mot, d’en faire une justice digne de ce nom. La voie choisie est donc une
voie moyenne qui refuse la « sacralisation » d’une justice militaire, appartenant à un autre ordre
que la justice ordinaire, mais qui écarte également la « diabolisation » de la justice militaire, chargé
d’un péché originel que rien ne saurait effacer.
Sur la base de cette option fondamentale, plusieurs questions de méthodologie se posaient.
D’abord des questions concernant le contenu des principes. Si comme le dit encore la
Commission des droits de l’homme « l’intégrité de l’appareil judiciaire doit être respecté en toutes
circonstances », il convenait de sérier les composantes de ce principe, et d’énumérer les idées dans 667
un ordre aussi logique que possible, malgré les contraintes formelles de toute étude des Nations
Unies, à la fois quant à la longueur des documents et quant à leur contenu. Ainsi les principes et
les commentaires sont inséparables pour bien comprendre les enjeux de l’étude. Malgré leur
caractère général et abstrait, en l’absence de tout exemple concret, les principes répondent à une
conception fonctionnelle de la justice militaire, soulignant son rôle résiduel mais sans doute aussi
irréductible, même s’il importe de démontrer leur utilité marginale, par le biais d’évaluation
périodique. Ils doivent s’imposer d’eux-mêmes par leur force logique, leur caractère « objectif »
10
Sur cette problématique des circonstances exceptionnelles, Cf. notre rapport introductif au colloque organisé en 2007 par l’Université de Caen, à
paraître.
dans le droit fil des principes généraux en matière de bonne administration de la justice.
Autrement dit, les dérogations au droit commun devraient être strictement justifiées, notamment
en matière de secret défense ou de procès à huis clos.
Ce faisant, le contenu des principes correspond à une codification à droit constant. Certains
ont été tentés d’aller plus loin, qu’il s’agisse de l’abolition de la peine de mort (principe 19) ou de
la question de l’objection de conscience (principe 6). A défaut de préconiser une abolition
Actualité de la Justice Militaire dans les travaux des Organes des Nations Unies
parler des différentes formes de corporatisme professionnel et de « jugement par les pairs », qui
relèvent aussi d’une conception « dérogatoire» de la justice, face au « juge naturel » de droit
commun, mais il était de bonne méthode ne pas charger la barque.
Il n’est pas possible d’examiner ici en détail l’ensemble des vingt principes dégagés par la
Sous-Commission, ils concernent aussi bien la détermination de leurs principales compétences,
notamment leurs compétences matérielles et personnelles que l’organisation et le
fonctionnement des juridictions militaires. Les principes forment ainsi une « grille de lecture »
pour les Etats, visant à déterminer le champ de la justice militaire et partant, puisque dualité il y
a, la « coexistence » entre juridictions militaires et juridictions ordinaires.
Le premier principe vise la «Création des juridictions militaires par la constitution ou la loi » : « Les
juridictions militaires, lorsqu’elles existent, ne peuvent être créées que par la constitution ou la loi,
dans le respect du principe de la séparation des pouvoirs. Elles doivent faire partie intégrante de
l’appareil judiciaire normal ». Les Principes fondamentaux relatifs à l’indépendance de la
magistrature, adoptés par l’Assemblée générale en 1985, précisent que «l’indépendance de la
magistrature est garantie par l’État et énoncée dans la Constitution ou la législation nationales. Il
incombe à toutes les institutions, gouvernementales et autres, de respecter l’indépendance de la
magistrature» (par. 1). Le principe de la séparation des pouvoirs va de pair avec l’exigence de
garanties statutaires prévues au plus haut niveau de la hiérarchie des normes, par la constitution
ou par la loi, en évitant toute immixtion du pouvoir exécutif ou de l’autorité militaire dans le
fonctionnement de la justice. Ceci vaut, à l’évidence, pour les « commissions militaires » mises en
place par le Président Bush, ainsi que l’a tout récemment constaté la Cour suprême des Etats-
Unis.
À cet égard, la «constitutionnalisation» des tribunaux militaires qui existe dans plusieurs pays
ne doit pas les mettre hors du droit commun, au-dessus de la loi, mais bien au contraire les
Emmanuel Decaux
inscrire dans les principes de l’État de droit, à commencer par ceux de la séparation des pouvoirs
et de la hiérarchie des normes. En ce sens, ce premier principe est inséparable de l’ensemble des
principes qui suivent. Il est important de mettre l’accent sur l’unité de la justice. Comme le
soulignaient MM. Stanislas Chernichenko et William Treat dans leur rapport final à la Sous-
Commission sur le droit à un procès équitable présenté en 1994: «Il n’est pas créé de juridiction
n’employant pas les procédures dûment établies conformément à la loi afin de priver les
juridictions ordinaires de leur compétence.». Ou encore: «Les tribunaux sont indépendants du
pouvoir exécutif. Le pouvoir exécutif ne doit pas s’immiscer dans les procédures judiciaires et les
tribunaux ne peuvent jouer le rôle d’agents du pouvoir exécutif contre des particuliers».
Le principe 5 découle logiquement de cette protection des « particuliers » qui ne sauraient être 669
soustraits à leur « juge naturel ». Il souligne en ces termes l’ «Incompétence des juridictions militaires pour
juger des civils » : « Les juridictions militaires doivent, par principe, être incompétentes pour juger
des civils. En toutes circonstances, l’État veille à ce que les civils accusés d’une infraction pénale,
quelle qu’en soit la nature, soient jugés par les tribunaux civils ». Dans son Observation générale
n° 13 (par. 4), portant sur l’article 14 du Pacte international relatif aux droits civils et politiques,
le Comité des droits de l’homme notait «l’existence, dans de nombreux pays, de tribunaux
militaires ou d’exception qui jugent des civils, ce qui risque de poser de sérieux problèmes en ce
qui concerne l’administration équitable, impartiale et indépendante de la justice. Très souvent,
lorsque de tels tribunaux sont constitués, c’est pour permettre l’application de procédures
exceptionnelles qui ne sont pas conformes aux normes ordinaires de la justice. S’il est vrai que le
Pacte n’interdit pas la constitution de tribunaux de ce genre, les conditions qu’il énonce n’en
indiquent pas moins clairement que le jugement de civils par ces tribunaux devrait être très
exceptionnel et se dérouler dans des conditions qui respectent véritablement toutes les garanties
stipulées à l’article 14». La pratique du Comité des droits de l’homme depuis 20 ans, notamment
dans ses constatations sur des communications individuelles ou ses observations finales sur les
rapports nationaux, n’a fait que renforcer sa vigilance, en vue de restreindre la compétence des
Actualité de la Justice Militaire dans les travaux des Organes des Nations Unies
tribunaux militaires aux crimes et délits de nature strictement militaire, commis par des
personnels militaires. De nombreux rapporteurs thématiques ou par pays ont également pris une
position très ferme en faveur d’une incompétence de principe à l’égard des civils. De même, la
jurisprudence de la Cour européenne des droits de l’homme, de la Cour et de la Commission
interaméricaine des droits de l’homme et de la Commission africaine des droits de l’homme et
des peuples est unanime à ce sujet. Comme le rappellent les Principes fondamentaux relatifs à
l’indépendance de la magistrature, «chacun a le droit d’être jugé par les juridictions ordinaires
selon les procédures légales établies. Il n’est pas créé de juridictions n’employant pas les
procédures dûment établies conformément à la loi afin de priver les juridictions ordinaires de leur
compétence» (par. 5).
De manière symétrique, le principe 8 précise la portée de la « Compétence fonctionnelle des juridictions
militaires » : « La compétence des juridictions militaires doit être limitée aux infractions d’ordre
strictement militaire commises par le personnel militaire. Les juridictions militaires peuvent juger
des personnes assimilées au statut de militaire pour des infractions strictement liées à l’exercice de
leur fonction assimilée ». La compétence des tribunaux militaires pour juger les personnels
militaires ou assimilés ne doit pas constituer une dérogation de principe au droit commun,
correspondant à un privilège de juridiction ou à une forme de justice par les pairs. Elle doit rester
exceptionnelle et répondre aux seules exigences de la fonction militaire. Cette notion est le «nexus»
de la juridiction militaire, s’agissant notamment d’opérations sur le terrain, lorsque le juge territorial
ne peut exercer sa compétence. Seule une telle nécessité fonctionnelle peut justifier l’existence
limitée mais irréductible d’une justice militaire. Le juge national se trouve en effet empêché
d’exercer sa compétence personnelle active ou passive pour des raisons pratiques tenant à
l’éloignement de l’action, tandis que le juge local qui serait compétent territorialement se voit
opposer des immunités de juridiction. Une attention particulière doit être portée à la distinction
entre combattants et non-combattants et à la protection des personnes civiles en temps de guerre,
au sens des Conventions de Genève du 12 août 1949 et des deux Protocoles additionnels de1977.
Restent certaines situations limites, d’abord dans les hypothèses de « complicité » impliquant
des militaires et des civils, avec la nécessité de ne pas créer une justice à deux vitesses pour les
mêmes faits. Il y a également de plus en plus de personnels civilo-militaires de police, de
contractants privés ou de para-militaires, voire de « mercenaires », liés aux opérations extérieures,
670 qu’il s’agisse d’opération de maintien de la paix dans le cadre des Nations Unies ou de régimes
d’occupation. Il serait paradoxal d’assurer une forme d’impunité à ces personnels, parce qu’ils
échapperaient aux poursuites de la justice militaire. De même les cas de réservistes et des
« retraités » devraient être pris en compte, pour éviter là aussi qu’une sanction disciplinaire
comme la mise à la retraite d’office aboutisse à l’extinction des poursuites, par défaut de
compétence de la justice militaire à l’égard d’un « civil ». Enfin la chaîne de responsabilité,
notamment en matière de droit international pénal, peut aboutir à la mise en cause des chefs
politiques des armées, ministre de la défense, voire chef de l’Etat. Mais pour l’essentiel le principe
est clair, logique et cohérent. Il interdit à la justice militaire de poursuivre des civils, transformés
en « ennemis intérieur » au nom de la raison d’Etat ou de la défense de l’ordre public, comme on
l’a trop dans le passé, notamment sous les dictatures militaires.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 671
C’est également l’expérience des régimes militaires qui est à l’origine du principe 9 sur le
« Jugement des auteurs de violations graves des droits de l’homme » : « En toutes circonstances, la compétence
des juridictions militaires doit être écartée au profit de celle des juridictions ordinaires pour mener
à bien les enquêtes sur les violations graves des droits de l’homme, telles que les exécutions
extrajudiciaires, les disparitions forcées, la torture, et poursuivre et juger les auteurs de ces crimes ».
Face à la conception fonctionnelle de la compétence des tribunaux militaires, s’impose aujourd’hui
de plus en plus clairement l’idée selon laquelle le procès d’auteurs de violations graves des droits de
l’homme ne peut se faire devant des tribunaux militaires, dans la mesure où de tels actes seraient,
par leur nature même, détachables des fonctions exercées. Qui plus est, les autorités militaires
peuvent être tentées d’étouffer ces affaires, en invoquant l’opportunité des poursuites, en favorisant
le classement sans suite ou en faisant jouer le «plaider coupable», au détriment des victimes. Il
importe que les juridictions civiles soient dès le départ à même d’enquêter, de poursuivre et de juger
les auteurs de ces violations. Le déclenchement d’office de l’enquête préliminaire par le juge civil
constitue une étape décisive pour éviter toute forme d’impunité. La compétence du juge civil doit
également permettre de prendre pleinement en compte les droits des victimes, à tous les stades de
la procédure. La portée du principe a été étendue par l’Ensemble de principes actualisé pour la
protection et la promotion des droits de l’homme par la lutte contre l’impunité: «La compétence
des tribunaux militaires doit être limitée aux seules infractions spécifiquement militaires commises
par des militaires, à l’exclusion des violations des droits de l’homme qui relèvent de la compétence
des juridictions ordinaires internes ou, le cas échéant, s’agissant de crimes graves selon le droit
international, d’une juridiction pénale internationale ou internationalisée ». Il faut surtout constater
que la jurisprudence et la doctrine du Comité des droits de l’homme, du Comité contre la torture,
du Comité des droits de l’enfant, de la Commission africaine des droits de l’homme et des peuples
et de la Cour et de la Commission interaméricaine des droits de l’homme ainsi que les procédures
thématiques et par pays de la Commission des droits de l’homme sont unanimes à ce sujet: les
tribunaux militaires ne sont pas compétents pour juger les militaires responsables de graves
violations de droits de l’homme commises contre des civils.
Emmanuel Decaux
III. LES ENJEUX EN MATIERE D’ORGANISATION ET DE
FONCTIONNEMENT
l’indépendance et de l’impartialité. L’accent a notamment été mis sur la théorie des apparences,
conformément à l’adage anglais selon lequel «justice should not only be done, but should be seen to be done».
Il est également important de souligner que le Comité des droits de l’homme a rappelé que «le
droit d’être jugé par un tribunal indépendant et impartial est un droit absolu qui ne souffre aucune
exception».
L’indépendance statutaire des juges par rapport à la hiérarchie militaire doit être strictement
Actualité de la Justice Militaire dans les travaux des Organes des Nations Unies
principe que le droit d’introduire un recours devant un tribunal, dans le but de permettre au
tribunal de statuer sans délai sur la légalité d’une détention, ne peut être affecté par la décision
d’un État partie de déroger au Pacte». Le caractère non dérogeable de l’habeas corpus est également
reconnu dans plusieurs normes internationales à vocation déclarative. La Commission des droits
de l’homme, dans sa résolution 1992/35 intitulée «Habeas corpus», a exhorté les États à maintenir
le recours d’habeas corpus même lors de l’état d’exception. La Cour interaméricaine des droits de
l’homme a considéré que les recours judiciaires de nature à protéger des droits intangibles,
comme l’habeas corpus, sont indérogeables.
De manière symétrique, en aval, le principe 17 préconise l’ « Exercice des voies de recours devant
les juridictions ordinaires » :« Dans tous les cas où les juridictions militaires subsistent, leur
compétence devrait être limitée au premier degré de juridiction. Par conséquent, les voies de
recours, notamment l’appel, devraient être exercées devant les juridictions civiles. En toute
hypothèse, le contentieux de la légalité doit être assuré par la juridiction civile suprême. Les
conflits de compétence et de juridiction entre tribunaux militaires et tribunaux de droit commun
doivent être tranchés par un organe judiciaire de plus haut niveau appartenant à la juridiction
ordinaire, composé de magistrats indépendants, impartiaux et compétents, notamment par une
cour suprême ou une cour constitutionnelle ».
Dans sa résolution 2005/30 sur l’intégrité de l’appareil judiciaire, la Commission des droits de
l’homme a mis en relief cette question en évoquant in fine «les procédures régulières qui sont
reconnues par le droit international comme garantissant un procès équitable, notamment le
droit de former appel d’un verdict de culpabilité et d’une condamnation» (par. 8). Si leurs
compétences fonctionnelles peuvent expliquer le maintien de juridictions militaires de premier
degré, de manière résiduelle, rien ne paraît justifier l’existence d’une hiérarchie parallèle de
tribunaux militaires, hors du droit commun. Les impératifs d’une bonne administration de la
justice par les tribunaux militaires impliquent au contraire que les voies de recours, et notamment
le contentieux de la légalité, soient exercées devant les juridictions civiles. Ainsi, au stade de l’appel
ou à tout le moins de la cassation, les juridictions militaires feraient «partie intégrante de l’appareil
Emmanuel Decaux
judiciaire normal». Ces voies de recours devant les juridictions civiles supérieures devraient être
ouvertes à l’accusé comme aux victimes, ce qui suppose que ces dernières soient admises dans la
procédure, notamment lors de la phase de jugement. De la même manière, un mécanisme
judiciaire impartial de résolution des conflits de juridiction ou de compétence doit être mis en
place. Ce principe est essentiel car il assure que les tribunaux militaires ne constituent pas un
système de justice parallèle, hors du contrôle du pouvoir judiciaire. Il est intéressant de relever
que le Rapporteur spécial sur la question de la torture et le Rapporteur spécial sur les exécutions
extrajudiciaires, sommaires ou arbitraires ont formulé cette recommandation.
Enfin, dans le même esprit, un dernier principe vise la «Révision des codes de justice militaire » : «
Les codes de justice militaire devraient faire périodiquement l’objet d’une révision systématique, 673
de manière indépendante et transparente, afin de veiller à ce que les compétences des tribunaux
militaires répondent à une stricte nécessité fonctionnelle, sans empiéter sur les compétences qui
peuvent et doivent revenir aux juridictions civiles de droit commun ».
La seule justification de l’existence des juridictions militaires étant liée à des contingences
pratiques, relatives notamment à des opérations de maintien de la paix ou des situations
extraterritoriales, il conviendrait de vérifier périodiquement que cette nécessité fonctionnelle
continue à s’imposer. Une telle révision des codes de justice militaire devrait être menée à bien
par une instance indépendante, qui recommanderait les réformes législatives à effectuer pour
limiter les compétences résiduelles qui ne seraient pas justifiées et revenir ainsi, dans toute la
mesure possible, aux compétences de droit commun des juridictions civiles, en veillant à
supprimer toute double incrimination. Plus généralement, cette révision périodique devrait
garantir l’adéquation et l’effectivité de la justice militaire au regard de ses justifications pratiques.
Elle traduirait également le caractère pleinement démocratique d’une institution appelée à rendre
compte de son fonctionnement devant les pouvoirs publics et l’ensemble des citoyens. C’est ainsi,
enfin, que le débat de principe sur l’existence en tant que telle d’une justice militaire pourrait être
posé en toute transparence dans une société démocratique.
Actualité de la Justice Militaire dans les travaux des Organes des Nations Unies
Ce dernier principe montre assez que le système n’est pas clos sur lui-même. Les principes
traduisent eux-mêmes une dynamique, née des travaux antérieurs de la Sous-Commission et des
rapporteurs spéciaux ou des observations générales des différents comités conventionnels. Ils ne
sont pas « à prendre ou à laisser », ils sont plutôt une invitation à la réflexion collective. Au
moment où se développe le droit international pénal, avec l’entrée en vigueur du Statut de Rome,
mais aussi le développement de la compétence universelle, pour controversé qu’il soit, les Etats
ont à faire face à une exigence d’exemplarité. S’ils veulent sauvegarder la justice militaire, ils
doivent l’adapter. C’est le sens de nombreuses réformes en cours dans le cadre national et de
l’intérêt affiché par les responsables de la justice militaire dans les grandes démocratie, comme
tout récemment en Argentine, le message du président de la République à la Nation se référant
expressément aux travaux de la Sous-Commission.
Encore plus significatif, peut-être, est la prise en compte des principes dès maintenant par
plusieurs instances internationales, alors que leur statut juridique, en tant qu’instrument de « droit
secondaire », reste particulièrement incertain faute de l’aval formel du Conseil des droits de
l’homme11. Ainsi, deux arrêts récents de la Cour européenne des droits de l’homme, provenant
l’un de la quatrième section, l’arrêt Ergin c.Turquie du 4 mai 2006, l’autre de la première section
l’arrêt Maszni c.Roumanie du 21 septembre 2006, se référent expressément aux travaux de la
Sous-Commission en utilisant une présentation identique du « système des Nations Unies» pour
leur donner une valeur objective12.
Cela est d’autant plus curieux que l’arrêt Ergin se référe à l’avant-dernière version des
principes, avant même sa présentation en août 2005 devant la Sous-Commission et a fortiori son
hypothétique prise en compte par la Commission des droits de l’homme en mars 2006 : « Enfin
l’on peut citer le rapport sur les questions de l’administration de la justice par les tribunaux
militaires soumis à la Commission des droits de l’homme qui va en débattre lors de la
62èmesession en 2006 (Doc. E/CN.4/Sub.2/9 du 16 juin 2005). Au Principe n°1 du document
on peut lire :
« Les juridictions militaires, lorsqu’elles existent, ne peuvent être créées que par la constitution
ou la loi, dans le respect du principe de la séparation des pouvoirs. Elles doivent faire partie
intégrante de l’appareil judiciaire normal ».
Le rapporteur précise toutefois que « (…) la « constitutionnalisation » des tribunaux militaires
674 qui existe dans plusieurs pays ne doit pas les mettre hors du droit commun, au dessus de la loi,
mais bien au contraire les inscrire dans les principes de l’Etat de droit, à commencer par ceux de
la séparation des pouvoirs et de la hiérarchie des normes ».
Le Principe n° 2 souligne le respect des normes du droit international dans les termes
suivants :
11
Sur la problématique du droit déclaratoire, Cf . notre rapport « De la promotion à la protection des droits de l’homme, droit déclaratoire et droit
programmatoire » au colloque de Strasbourg de la Société française pour le droit international, La protection des droits de l’homme et l’évolution du droit
international, Pedone, 1998.
12
A contrario, on ne peut que regretter que le Comité des droits de l’homme dans l’affaire Salim Abbassi c. Algérie du 28 mars 2007 néglige de
mentionner les travaux de la Sous-Commission. Les opinions dissidentes de certains membres éminents du Comité MM. Amor et Khalil traduisent
d’ailleurs une prudence évidente au sujet de la question de principe de l’application de la justice militaire à des civils dans un contexte de crise
politique.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 675
« Les tribunaux militaires doivent appliquer les normes et les procédures reconnues au plan
international comme garantissant un procès équitable, en toutes circonstances,y compris les
règles du droit international humanitaire ».
Par ailleurs le Principe n°5 qui traite de la compétence fonctionnelle des juridictions militaires
énonce :
« Les juridictions militaires doivent, par principe, être incompétentes pour juger des civils. En
toutes circonstances, l’Etat veille à ce que les civils accusés d’une infraction pénale, quelle qu’en soit la
nature, soient jugés par les tribunaux civils » » 13.
L’arrêt Maszni actualise la référence en mentionnant « le rapport du 13 janvier 2006 du Rapporteur
spécial de la Sous-Commission de la promotion et de la protection des droits de l’homme sur «la
question de l’administration de la justice par les tribunaux militaires », sans modifier la citation des trois
principes14. On relèvera cum grano salis que la Cour attribue à l‘auteur de l’étude la qualité de « rapporteur
spécial » qui ne lui appartiendrait que si son mandat avait été formellement avalisé par la Commission,
mais celle-ci se trompe elle-même parfois dans la qualification de l’étude…
Parallèlement à ces références jurisprudentielles, il faut mentionner les travaux en cours au sein du
Comité directeur des droits de l’homme du Conseil de l’Europe, avec le groupe de travail du comité
d’experts pour le développement des droits de l’homme qui est chargé des « droits de l’homme des
membres des forces armées ». Le point de départ de cet exercice particulièrement ambitieux est la
recommandation 1742 (2006) de l’Assemblée parlementaire du Conseil de l’Europe. Le groupe de
travail qui s’est réuni en décembre 2007 a élaboré des « éléments préliminaires révisés pour une recommandation
du Conseil des Ministres aux Etats membres sur les droits de l’homme des membres des forces armées » qui intègrent
plusieurs renvois aux principes de la Sous-Commission15. La structure du projet décline la
numérotation de la Convention européenne des droits de l’homme. C’est donc au regard de l’article
6 de la Convention qu’il est fait état des questions relatives à la « compétence des tribunaux militaires et [aux]
garanties procédurales », avec une référence expresse aux principes n° 13 et 14 du « rapport présenté par le
Rapporteur spécial de la Sous-Commission de la promotion et de la protection des droits de l’homme des Nations Unies,
Emmanuel Decaux », sans toutefois préciser l’intitulé et la cote de ce document…
Emmanuel Decaux
Quoi qu’il en soit, l’écho de plus en plus large donné aux principes élaborés dans le cadre de
la Sous-Commission est très prometteur. Ce test est d’autant plus important que la Sous-
Commission n’est plus là pour veiller au devenir de ses travaux, comme elle l’a fait avec
continuité, voire obstination, au fil des ans. La Convention internationale sur les disparitions
forcées ouverte à la signature le 6 février 2007 est née de travaux entrepris il y a près de trente
ans par la Sous-Commission à l’initiative de Louis Joinet. Il appartiendra au Conseil des droits de
l’homme de décider le moment venu, dans sa sagesse, du sort politique des principes. Mais en
l’attente d’une consécration officielle par les Etats, d’une méthode et d’un suivi, ils ont dès
maintenant un caractère objectif répondant à des nécessités profondes, non seulement sur le
terrain éthique, mais aussi sur le terrain pratique. C’est assez dire combien un ouvrage collectif 675
comme celui-ci est important pour un bilan tourné vers l’avenir.
13
CEDH, arrêt Ergin c. Turquie, §.24 .
14
CEDH, arrêt Maszni c. Roumanie, §.31.
15
DH-DEV-FA (2007)008, §§.42 et sq.
principais, que sem dúvida eram corretas. Primeiro, não se justifica em nome de nenhum
interesse social a montagem do Estado policial que sacrifica as liberdades públicas. Nenhum
desenvolvimento econômico, nenhum ideal igualitário justifica o sacrifício da liberdade de
manifestação de pensamento, das liberdades muitas que o ser humano deve experimentar ao
longo de sua existência. É simplório imaginar viável um esquema estatal essencialmente
preocupado com o ser humano, mas disposto a sacrificar, em nome dessa prioridade, aquilo que
é também um valor humano elementar: o exercício da liberdade.
Aprenderam-se ao mesmo tempo – além da rejeição do Estado autoritário, que ninguém mais
suportava a partir do início dos anos 90 – algumas lições no estrito plano econômico. Aquilo que
o socialismo real havia sacrificado era algo indispensável para as sociedades livres, mas aquilo em
nome de quê se sacrificaram as liberdades públicas não foi tão brilhantemente alcançado quanto
se imaginara que seria. Não se construíram economias florescentes na Europa oriental, não se
garantiu sequer uma elementar igualdade que evitasse o privilégio burocrático e o surgimento da
nomenclatura das elites do regime socialista. O Estado, ficou provado na época, não é o melhor
administrador da economia. É preciso dar força à competição e à liberdade de iniciativa do setor
privado.
Sim, não há dúvida de que as lições do final do século XX convergiram no sentido de que
certas teses ocidentais estavam corretas. Mas muitos cometeram na época o erro clamoroso de
676 supor que isso significava que todas as teses ocidentais estavam corretas, entre elas a proposta
ultra-ocidental do abastardamento do Estado, da eliminação das responsabilidades sociais do
Estado, que deveria então resumir-se na sua simbologia e nas suas funções elementares de
manutenção da ordem pública e relacionamento internacional, deixando o restante por conta do
mercado. A idéia da deserção, pelo Estado, de alguns de seus deveres, é tanto mais impalatável
quanto se considera a situação daqueles países onde as forças do setor privado são muito
* Francisco Rezek (1944), graduado em Direito pela UFMG (1966); doutor da Universidade de Paris em Direito Internacional Público (1970);
Diploma in Law da Universidade de Oxford (1979). Professor de Direito Internacional e Direito Constitucional na Universidade de Brasília, Diretor
do Departamento de Direito (1974-1976) e da Faculdade de Estudos Sociais (1978-1979). Professor de Direito Internacional no Instituto Rio Branco
(1976-1996). Professor na Academia de Direito Internacional da Haia. Procurador e Subprocurador-Geral da República (1972-1983), Ministro do
Supremo Tribunal Federal (1983-1990, 1992-1997); Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (1989-1990); Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil (1990-1992). De 1997 a 2006, eleito pelas Nações Unidas, foi Juiz da Corte Internacional de Justiça.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 677
Francisco Rezek
Há hoje uma crise do direito internacional? Ortega y Gasset definia a crise como sendo
aquele vazio, aquele espaço inocupado que se produz quando perdemos as referências e os
valores do passado e ainda não encontramos outros para tomarem seu lugar. O que acontece
hoje na cena internacional não é bem isso, porque não estamos vendo um espaço vazio. Estamos
vendo um espaço ocupado pelo que poderia existir de pior em matéria de idéias e de propostas,
e na liderança dos grandes centros de poder.
Isto conduz ao colapso dos sistema das Nações Unidas. Em 1945 todos conviviam com a
lembrança amarga de que no espaço de uma vida humana ocorreram duas grandes guerras. 677
Criou-se, à sombra dessa lembrança, uma organização para, em nome do direito, garantir a paz
e a segurança coletivas. Inventava-se então um mecanismo para prevenir e resolver conflitos na
conformidade do direito estabelecido pela Carta e pelos seus antecedentes, entre eles os relativos
ao direito humanitário, ao direito da guerra, ao direito das relações internacionais.
Mas o que a Organização revelou nos últimos anos foi sua incapacidade, segundo as regras
de procedimento que regem seus órgãos sobretudo as que disciplinam a dinâmica do Conselho
de Segurança , para atender à sua finalidade principal. Neste momento presenciamos também
uma crise do próprio princípio democrático. As sociedades humanas se deixam dificilmente
seduzir por propostas não condizentes com a idéia de justiça e do primado do direito. Mas
aconteceu, e fomos testemunhas disso, em diversos países, velhas ou recentes democracias, mas
em todo caso democracias. Presenciamos nos últimos tempos um divórcio entre decisões de
governo e a voz das ruas. Vimos que em algumas nações a tomada da decisão de ir à guerra pelos
respectivos governos fez-se à revelia de 60, 80 ou 90% da opinião coletiva, tendo-se ouvido
barbaridades do gênero: o verdadeiro estadista não se conduz pela opinião pública, assertiva afinal punida
nas urnas.
Enfrentamos hoje um penoso contraste no domínio da recomposição do direito e dos valores
humanos, daquilo que Celso Lafer chamava “a reconstrução dos direitos humanos” após a
ruptura totalitária. Temos, neste princípio do século XXI, o que enaltecer e celebrar no destino
histórico das nações, da maioria delas. Entretanto, no plano da convivência entre as nações, da
busca do ideal de paz internacional e de segurança coletiva, não há como afirmar que as coisas
tenham evoluído da melhor maneira. As respostas estatais a problemas de extrema gravidade,
como o terrorismo, têm sido as menos inteligentes. Não se investigam as causas do fenômeno.
Faz-se uma deliberada abstração de tudo aquilo que conduz pessoas ou comunidades a
determinadas formas de terrorismo. Se algumas são absolutamente irracionais, há outras
manifestações do fenômeno terrorista cujas causas poderiam ser investigadas e neutralizadas, não
se adotando uma atitude de mera represália com os mesmos métodos.
Quando as pessoas se convencem de que os estadistas têm pouco apreço pelo direito e
preferem desenvolver a política da violência, os escrúpulos se quebram também no setor privado,
"Nova Ordem" e crise do Direito Internacional
a sociedade tende a habituar-se ao desprezo pelo direito e à idéia de que outros métodos podem
funcionar melhor. Este é o risco maior do momento que vivemos, o de que o péssimo exemplo
de determinadas lideranças do plano internacional frutifique no seio das respectivas sociedades,
e até mesmo no âmbito de outras sociedades.
Não é possível admitir que devemos nos contentar com o sucesso do direito internacional
naquilo que ele tem de periférico, no sentido de não essencial. O direito internacional tem
realizado prodígios fazendo evoluir normas do direito do trabalho, do direito penal, ou do direito
relacionado com vários aspectos da atividade econômica e da integração. Mas nada disso é
central. A parte central é aquela que garante a paz entre os membros da comunidade e sua
segurança coletiva à luz do direito e em nome do ideal de justiça. Foi para isso que se criou a
Organização das Nações Unidas, não foi para atividades periféricas. Quando terminou a guerra
do Iraque, entre outros disparates que todos ouvimos, esteve a afirmação de que a ONU não se
encontrava alijada, humilhada, desprezada nas suas prerrogativas, nas suas funções. Não. Ela
tinha seu papel, ela teria, sim, algo que fazer, e que consistiria em administrar o resíduo da guerra,
de modo a socorrer as pessoas com ajuda humanitária e hospitalar. O Brasil lembrou na época
(e esse foi um dos grandes momentos da diplomacia brasileira) que a Organização não foi criada
para administrar as ruínas de uma guerra que ela não conseguiu evitar. Não, não foi para isso. Não foi
para dar assistência humanitária às vítimas da invasão e da ocupação militar estrangeira que a
678 ONU foi criada. Até porque no momento em que a Organização realizar seu fundamental
objetivo de prover paz e segurança para todos, em nome do direito, e com justiça, não haverá
mais espaço para assistências humanitárias e outras caridades. Tudo isso é hoje subproduto de
uma injúria fundamental representada pelo fracasso da organização no cumprimento dos seus
objetivos básicos. Não se pode redimir a organização nem sublimar o seu essencial colapso
dando-lhe funções beneméritas, distantes da sua destinação principal.
É preciso não perder de vista nosso peso no plano internacional. Vivemos num mundo cheio
de remorsos, e este é um país sem remorsos no plano externo. Todas as nossas mazelas, tudo
aquilo que nos atormenta a cada dia, tem a ver com nossa problemática interna, mas no plano
externo este é um país sem mancha. Construímos nossa história sem nunca ter lesado ninguém,
sem nunca ter agredido ninguém, sem que nenhum outro país, nenhuma outra comunidade
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 679
possa afirmar ter sido um dia vítima de uma violência, de uma lesão, de uma injustiça imputável
ao Brasil. Somos uma bandeira imaculada num mundo de bandeiras ensaguentadas. Temos
autoridade para dar determinadas lições num momento como este, em que tais lições são
importantes.
Se tentamos, de modo sumário, estabelecer uma distinção entre categorias de países na
atualidade da vida internacional, teremos uma primeira categoria, a dos detentores de um poder
econômico, militar, político, que faz com que se situem acima do bem e do mal e que se
entreguem ao requinte de sacrificar o direito em nome de seus interesses e instintos. Teremos
uma segunda categoria, a dos países emergentes na prática da democracia, países que, saídos de
um longo período de sombras, deslumbraram-se um tanto em excesso com a proposta ocidental,
perderam o sentido crítico, e aderem com facilidade às injunções do núcleo de poder. Teremos
uma terceira categoria, a das muitas nações que foram reduzidas à miséria na segunda metade do
século XX e que hoje, naufragadas em prioridades tão dramáticas e pungentes, não têm energia
para pensar soluções para o dilema da sociedade internacional ou para a crise do direito
internacional. Desses deserdados, desses tantos que foram reduzidos à ruína, não se pode
esperar que priorizem outra preocupação que não aquela das suas mais primárias necessidades.
Teremos uma derradeira categoria, aquela a que pertencemos. Sem compromisso com os
núcleos de poder e sua pretensão hegemônica, sem dívidas de ordem moral, sem nenhuma
espécie de alumbramento diante de algo que para nós nem é novo nem prima pela
exemplaridade, e sem termos sido reduzidos à impossibilidade de agir. Com toda a vitalidade,
com toda a fortaleza que ainda representamos, nós e os outros países com características
semelhantes, com iguais sentimentos e iguais propostas: é de nações assim que pode vir a palavra
que conduza a melhores dias a sociedade internacional.
O dia virá em que, lembrando as coisas que aconteceram nestes primeiros anos do século
XXI, todos, mas sobretudo os operadores do direito, teremos dificuldade em acreditar que tudo
isto realmente aconteceu, que as palavras que ouvimos realmente foram ditas, que as cenas que
acompanhamos à distância não eram a encenação de uma ópera de horror. O dia virá em que,
superado este fosso de sombras para o direito internacional e a sociedade das nações, hesitaremos
em dar crédito à memória quando ela nos insinuar que isso não foi um delírio. Nossa esperança
Francisco Rezek
é que esse novo tempo não demore a chegar.
679
1. Introduction
Let me first explain the formulation of the theme. My explanatory observations are not
Concretization and Precedent. Observations on modern continental
intended only as preliminary remarks, but already form an integral part of the actual discussion
European Law from the perspective of "Structuring Legal Theory
of the issue.
“Continental European law” distinguishes itself as a system with legislation at its centre, from
Anglo-Saxon law, which is based on judge- made, customary law. In this latter (case law) system
unwritten law prevails in principle. Unwritten law had already played an important role in ancient
Roman law, and was governed by the opinio iuris, the opinio necessitatis as well as tacitus
consensus – with major problems regarding politics, power and the role of the people inherent
in the notion of ”tacitus”.
This is not the subject matter of the present discussion, however, and ancient Rome certainly does not
need justification in terms of any modern-day conception of democracy. Save for some exceptions, like
Great Britain, the democratic concept nowadays derives from written constitutions. There is thus an
intimation of the law of the developed constitutional state premised on the rule of law in the “modern”
law of the European Continent mentioned in the title.
Structuring Legal Theory (SLT – in Portuguese: Teoria Estruturante do Direito, TED)
maintains that, on closer inspection, customary law is by no means “unwritten”. It has merely
not been written into a binding codification or, to put it differently, it lacks an authoritatively
formulated text. However, customary law depends for its very existence on some kind of text.
Its norms are linguistically (and thus textually) expressed in, for example, (oral and/or
written) “books of law”, medieval collections of law as well as in contemporary textbooks
and judicial decisions. This variety of formulations is not uniformly determined by any
explicit action on the part of state authorities.
The case law and statute law paradigms have moved closer to each other – increasingly so
during the course of the twentieth century. On the one hand, in the world of Anglo-Saxon
law 1, an expanding measureof statute law has emerged to cater for practical necessities, called
forth by novel functions assigned to the state, and especially by the exigencies of the social
680 (welfare) state. The "interpretation" of statutes has in actual fact come to play an increasingly
important practical role, along with the "interpretation" of earlier court decisions. What
previously seemed to be clear-cut paradigmatic divisions are now crumbling.
*
Translated by Prof Dr. Welz, University of Fort Hare and Prof LM du Plessis, University of Stellenbosch.
Friedrich Müller is Professor Emeritus of University of Heidelberg, Germany, Research Fellow at the
Department of Public Law, University of Stellenbosch (Republic of South Africa) and Visiting Professor at
UNIFOR (Fortaleza).
**
Professor Catedrático Emérito da Universidade de Heidelberg (Alemanha), onde lecionou Teoria Geral do Direito,
Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Administrativo e Canônico. Livros e artigos em numerosas línguas.
Autor da teoria Estrututante do Direito (vol. I, São Paulo, 2008).
1
The world of Anglo-Saxon law includes the legal systems that English law helped shape, for instance, the South
African one. The Brazilian legal system, on the other hand, belongs to the same type as continental European
law.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 681
And on the other hand, as the SLT also recognizes, customary law has, alongside statute law,
retained its restricted position on the Continent (clearly so under the German Basic Law). It is
nonetheless clear that especially the normativity of codified law can in no way be completely
derived from provisions in statute books (or “norm-texts” as the SLT calls them). In reality— that
is to say in view of the question: “What really and in actual fact happens when judicial decisions are
made?” – and in everyday practice, court decisions are arrived at as a result of a textual
engagement with enacted law-texts (this is genetic concretization that draws on expressions
deriving from the precedence of statute law) as well as with texts from textbooks, commentaries
and monographic research (these are the dogmatic and theoretical elements of the concretization)
and finally with material from precedents and international comparative law. SLT thus sharply and
systematically distinguishes stipulations in the codification (the “norm-texts”) from stipulations by
which the court decides the individual, concrete case (that is to say from the text of the actual legal
norm). Cases can never be decided exclusively and finally on the basis of norm-texts applicable to
individual cases, but, as I have just intimated, are always decided with the assistance of numerous
texts of various origins. On this point, and primarily in opposition to legal positivism, SLT
corresponds with the so-called “topic” approach, though in other respects SLT also goes well
beyond Topik. For the present, however, this aspect needs no further elaboration.
2. Precedent (Präjudiz)
At this point the development of the position just discussed is of central significance,
precisely because of what the word “precedent” (Präjudiz) has to tell us. Except for “Structuring
legal theory”, “precedent” is the only other component in the title of this article that remains to
be clarified.
“Precedent” (Prä-Judiz) conveys the notion “pre-judgment” (Vor-Judiz), that is to say the
“pre-decision” (Vor-Entscheidung) of a judge or a judicial body. The crux here is “pre-” (vor).
Chronologically it simply means “before” and thus refers to earlier decisions in comparable cases
of which a judge may or may not take cognizance, and which may or may not be used. At the
same time a “pre-” like the one in “pre-cept” (Vorschrift) or also “pre-condition”
Friedrich Müller
(Vorbedingung) connotes the notion of a “pre-decision” (Vorentscheidung) functioning as a
prerequisite for making a judgment acceptably “accurate”, “just” and “correct”. That is the axiom
of the case law system: the essential, legitimating “pre-cepts” (Vor-Schriften) are not legislative
but judicial texts. To witness this axiom in action is quite an experience. As a student I attended
the spectacular “Podola trial” in London’s Old Bailey. Circumstantial evidence was going to be
decisive in that case. I shall never forget the dragging in, piling up and reciting of well-worn
leather and parchment volumes from the eighteenth, seventeenth, sixteenth and even from the
fifteenth century. “Precedents” here are not only earlier (“previously” made) decisions, but also 681
binding judgments decisive for the judge’s own (later) decision — these are “precedents” in the
narrower and systematically significant sense of the word. In contrast, the axiom of a statute law
system is that the lex is the ratio scripta: the binding pre-cept (Vor-Schrift) is the text of the codified
law officially in force — the enacted, decisive, anticipatory solution of “future cases of this kind”
by the proverbial “stroke of the legislator’s pen”. A previous decision of a similar case either by
the same or by another court is not binding. Such a decision may be interesting, may ease my
argumentative burden, may reassure me and may even induce me to disagree or give a dissenting
judgment. An earlier judgment can, however, not bind me or tell me what, in terms of the code,
is “right or wrong”, “legal or illegal”. The earlier decision provides me with food for thought, but
it does not “pre-decide” for me.
Here SLT comes into the picture again. It was the first and has for decades been the only
position that advocated the inclusion of norms related and relevant to methods of decision-
making (and especially norms relating to democracy and the constitutional state) in the immediate,
concrete, everyday methodical work of the courts and other judicial decision-making bodies.
Today this view has, at least in the German legal world, become the prevailing opinion — as a
number of neutral, disinterested commentators in the scholarly community have observed.
For present purposes (and quite practically) this means that I as a judge can judge
independently from the “pre-judgment” of another court, however impressive and/or eminent
that judgment maybe. And I am indeed duty-bound to do so, to the extent that my view of the
current law’s solution for the particular case, differs from that in a previous judgment. There are
two kinds of methodologically active norms in this instance. First, there is the horizontal
Concretization and Precedent. Observations on modern continental
European Law from the perspective of "Structuring Legal Theory
separation of powers typical of the modern constitutional state. Second, there is the normative
inference that the German Basic Law draws from the separation of powers, so as to answer the
question: “Are we, in this instance, dealing with merely a previous decision or a binding
precedent?” Article 97(1) of the Basic Law states: “The judges shall be independent and subject
only to the law.”
The Federal Constitutional Court2 uses the following phrases when, in accordance with the
tenets of SLT, it recognizes that (and how) constitutional norms previously referred to influence
the concrete work of judges3:
“Judges are independent and subject only to the law (article 97(1) of the Basic Law). A court
therefore, in the interpretation and application of norms, needs not adhere to a prevailing
opinion. It is even then not precluded from upholding its own interpretation of the law and from
basing its decision upon it when all the other courts — including those of a higher instance —
espouse an opposite point of view. By reason of the independence of judges, the administration
of justice is constitutionally inconsistent.”
In short, in the modern continental European law typical of the democratic and legally
structured constitutional state binding precedents have no place.
The only exception follows precisely from this point of departure in the legislative state: it is not
for judges to lay down binding precepts applicable beyond the case in question, but only for the
legislature to do so for defined types of cases. In accordance with the priority of the lex specialis over
the lex generalis, however, the legislator may break this rule on certain given grounds. This is the case
in German law with section 31(1) of the Federal Constitutional Court Act4, which provides that
decisions of the Federal Constitutional Court are “binding upon constitutional organs at federal
and state level as well as on all courts and government officials”. In certain exceptional
circumstances, mentioned in subsection 2, these decisions even have the “force of law”. These
exceptions confirm the rule. They cannot interfere with our basic discussion of the role of
682 precedent in modern continental European law and I mention them merely informandi causa.
Attempts to apply the precedent-centredness of the Anglo-Saxon case law system to the
German legal system have in Civil law [with Esser5] not proceeded beyond the status of a
2
BVerfGE 87, 273 278.
3
278.
4
Of 1993-08-il (BGB1 I 1473) as amended by an act of 1998-07-16 (BGB1 I 1823) with
special provisions for the former GDR (BGB1 1111104-1).
5
Esser Grundsatz und Norm in der Richterlichen Fortbildung des Privatrechts 2 ed (1964).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 683
respected minority position. In constitutional law and other areas of public law [with Kriele6] they
have come to nothing, due to the inherent inconsistency of such attempts.
Kriele7, somewhat naively, called for “trust” in the judiciary, who will surely, in a “legally
rational manner”, set matters straight. “Trust”, as a general attitude towards texts merely because
they come from the courts, has nothing to do with the legal questions as to the position of the
judiciary in a constitutional state based on the rule of law. What one might call “trust” must
rather – in the absence of democratic legitimatization of the judiciary — be acquired anew in
each case of decision-making through honest work. And in so doing judges do not bear witness
to legally rational generosity, but they simply live up to their official duty.
In modern continental European law judges thereby indeed do not set precedents, yet they
can quite possibly influence, beyond their case, both other judgments and the legal debate. Their
judgments can be accepted without becoming binding; they can be read “against the grain” when
necessary; they can be analysed and conceptualized; and they can be criticized when necessary.
When they are approved of it is not because this or that court has passed the judgment giving these
or those reasons. If the court’s matter-of-fact arguments are responsible and meet the
methodological demands of the constitutional state, they have authority because they elucidate
binding norm-texts (and not precedents!). They play an exemplary as opposed to a prescriptive
(normative, binding or obligating) role.
Paradigmatically, things thus seem to fall into place. In the English system, customary and
judge-made law — and therefore precedents — seem to prevail. In the continental systems,
statute law and its application to the individual case — and therefore not precedent — seem to
prevail. And yet this reassuringly clear facade cannot survive penetrating analysis. I have already
indicated that empirically statute law has permeated the case law system to an increasing extent
and, furthermore, that methodologically SLT has been able to show that norm-texts in a
codification are not just put to use “logically” (or “syllogistically”) — as both classical and later
legal positivism (since the middle of the nineteenth century and with their offshoots in legal
education) have desperately maintained. On the contrary, employing norm-texts is a much more
intricate and above all a much more creative process which deals not with the application of a
given norm, but with the generation of a concrete norm that determines the actual, individual case.
Friedrich Müller
The process starts off with the norm-text which, at most, provides the judge with an
inconclusive, antecedent version of the legal norm still to be produced. The norm-text provides
initial data, opening the way to an eventual concretization of the norm. It is a (non-absolute)
standard for the legal feasibility of the eventual result. It functions as a negative framework
(posing the question: “Is this or that still compatible with the legislated norm-text?”), but it is not
the active, determining factor that, in an anticipatory manner, already encompasses the said result.
This concept then represents the first step towards the realization of a future paradigm: from
a theory of justification towards a realistic reflection on the generation of law. It no longer allows outdated 683
assumptions of legal positivism, discredited in day-to-day practice, to be forced upon it —
assumptions on the strength of which legal precepts and their application, norm and reality, as
well as language and meta-linguistic referents (or referential objects) are separated and even
placed in opposition. The provisions in a legal codification only have the value of signs. They
provide linguistic data as elements towards the concrete work of solving the particular case. They
must still be worked through in a methodologically transparent manner so as to ascertain their
6
Kriele Theorie der Rechtsgewinnung, entwickelt am Problem der Verfassungsinterpretation 2 ed (1976) eg 185
Ct seq; cf also Müller Juristische Methodik 7 ed (1997) 350 et seq.
7
Theorie der Rechtsgewinnung 238, 243 et seq.
actual usefulness. Speech and semantics are exposed as action. The decision-making endeavors
of, for instance, judges are a language game previously determined by norms and methodological
standards. No norm-text can provide a firm rule beforehand for eventual application in future cases.
The signs of such a text also do not, as tradition has it, refer to a reality “outside of ” language.
Real data can only become part of the work of jurists through linguistic mediation (it is a matter
of primary versus secondary linguistic data). “Meaning” is not something clear or unequivocal
that can be “found”. It stands in a differential relationship to all other signs: in itself it is
significant (merely) for further signifiers.
This nevertheless needs not result in the judicial arbitrariness that tradition has constantly
feared and against which it has sought reassurance from behind rhetorical facades. Language
itself as an “organ of repetitiveness” or, rather, “iterability”8, is not arbitrary.
Concretization and Precedent. Observations on modern continental
European Law from the perspective of "Structuring Legal Theory
Meaning and reference (that is “the meaning of the enactment” and the “objects of the
external world” it covers) must be determined anew in each case. This is not done arbitrarily,
however, but for plausible reasons — within the framework of a culture of argumentation. This
culture is scientifically controllable as well as normatively controlled (mainly by the tenets of
democracy and the constitutional state, such as clarity and comprehensibility, constitutionality, the
duty to show cause, the binding force of law, equality before the law, no bias in a concrete case,
and so forth). Clarity in the sense of “certainty regarding the content” of legal concepts,
meanings and references is not possible. What is possible, however, and acts as a safeguard
against arbitrariness is a relative [(in the words of Niklas Luhmann9 “local”] rationality. This
rationality correctly and completely specifies the individual methodical steps, operates with them
in a manner that allows for generalization and states the reasons for preferences where individual
arguments might be contradicting one another.
Certainly there are standard cases that are dealt with routinely, and there are others where
the concepts and references present no problems (this is so mainly in the case of numerically
determined norm-texts, typical for rules as to form, time limits and specific procedures). But
then each of these instances can become problematic, for example, where the legal action
and/or the speech of those involved deviate from the typical. And the majority of practical
law cases are highly complex right from the start. The jurists who have to resolve these cases
are not reactive “interpreters”, but quite active text producers. The binding force of the law to
which those working with it are subject by virtue of the Constitution is — finally and
realistically understood — not the force of the tradition and cannot refer to “the norm” as
something existing prior to the case or given a priori. It refers to the judicial and scientific
requirements of an active process of semanticization. And the modus operandi during this
684 process in statute law is significantly similar to that of the law of precedent.
It therefore is not surprising that, in progressive scholarly statements from an Anglo-
saxon perspective, SLT is seen as a future bridge between, and perhaps even as a synthesis
of, the two paradigms10.
8
Derrida Signatur, Ereignis, Kontext in Derrida (ed) Randgänge der Philosophie (1976) 124 et seq and. 134 et
seq. The term "iterability" captures best what Derrida has in mind.
9
Luhmann Das Recht der Gesellschaft (1993) 401 et seq.
10
So for example: "It would certainly be a challenging task to contrast it with American legal realism and its aftermath"
- Engel "Juristische Methodik by Friedrich Müller" 1990 International Journal of Legal Information 266 268. Or:
"This departure from the abstract-logical towards the empirical-pragmatical brings this method closer to that of
Anglo-American common law" - Bolgar "Legal Methodology", 1978 Modern Law and Society 160 161.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 685
What then can this future synthesis entail? Here I am anticipating future developments in
legal scholarship, including the development of my own concepts, thereby trying to detect some
routes.
Typical of the profession of judges (and other jurists called upon to make decisions) is that
they face up to a case calling for a solution. In responding to this case, they take up assertions of
law and trace them back to “established” (codified) or recognized texts (commentaries,
monographs and previous judicial dicta). They draw the justification for this from the forms of
argumentation. Through the individual reasons they provide, they make their own dicta fit into
the network of the legal order, thereby creating contexts. These contexts can be historical
(previously established norm-texts), genetic (genesis of the norm-text) or systematic
(comparison with other prevailing rules of law), but also — as I have noted before —
comparative beyond their own legal order (legal and constitutional comparison). This is
reminiscent of the procedure of the modern “topic” approach. SLT and the “topic” approach
indeed proceed in a parallel manner at least up to a point. On the whole, however, SLT’s
approach is essentially dissimilar and in many respects it goes far beyond the “topic” approach.
But this again is not part of the theme of our present discussion.
The procedure which I have just sketched guarantees the relative (that is contextual) truth of
the individual assertions of law by virtue of their arguments only for as long as the reasons, in
turn, do not become controversial. Legal practice, however, constantly has to deal with the latter
situation. Law can only have meaning in language. Legal language (interspersed with technical
terms) is natural language. Not only is its meaning constantly in flux, but also ever and again in
conflict – especially so with law that has to regulate massive and mostly antagonistic conflicts.
Legal practice consists of a struggle for the law. This is not a problem of linguistic
communication. All the participants in the struggle in, for example, a lawsuit have already
understood their own interpretation as well as that of the other side and also the respective
backgrounds (or interests) for preferring one or the other variant of the interpretation. The
problem is rather how to decide. The question is no longer how to understand the enactment,
Friedrich Müller
but rather which of the conflicting interpretations to prefer. But then again natural language does
not provide a hierarchy of preferential meanings, in the same way that it is not an inherent
characteristic of words or expressions to carry fixed boundaries for their usability with them. The
function of language is fulfilled once it makes communication possible; but then language as
such cannot choose between the antagonistic versions of communication. Mechanisms for an
“order of discourse” [to use Foucault’s11 expression] must be constructed, not to proliferate
“understandings”, but to restrict them. Of all the possible ways of reading the text-piece
(especially the norm-text as a law — in case law it is the text of the precedent) only one reading 685
shall and will have to be the lawful and thus legitimate one. What the settled law for this case is,
cannot be established by “finding” any pre-existent “meaning” of a law, as the positivist tradition
has it; it can only be decided upon. A non liquet like that of the ancient Roman law of procedure
no longer exists. Modern law proceeds from a prohibition of denying access to the law as well
as from a duty to give reasons — both of which are in conformity with the concept of the
democratic constitutional state as outlined above. Thus, essentially, law can (re-)create itself only
in terms of (a) practice. This is not an arbitrary process, however, and it is not a matter of
“anything goes” in all the individual decisions which constitute day to day law in action. The
11
Foucault Die Ordnung des Diskurses (Deutsche Ausgabe) (1974).
prevails? The authority of the binding previous judgments of a “higher” court seems to bear out
this reality. But then only at first glance. At second glance, a nagging question arises in statute law:
is the norm-text X indeed “a case in point” for my actual case or, if not (as one of the litigants
or some or other scholar or expert witness or part of the case law maintains), is it norm-text Y
or even Z? So much for statute law. In the case law system, the controversies have for centuries
been about what is structurally analogous. The only difference here is that one asks: is my case
indeed sufficiently similar to precedent A so that this precedent must be followed? Or does it
rather answer to the facts on which precedent B is based? And the structural similarities go
further. Once this question has somehow been answered in the affirmative (and this answer is
most certainly open to manifold contestation!), the next question inevitably follows: why did the
former court formulate precedent A for its specific case A in this specific way and not in any
other? This raises the traditionally thorny question about the ratio decidendi. It may be that we, the
judges at present, will have to opt for another ratio — and this will call the binding force of
“apparently fitting” precedents in question. In a system where codified law prevails, the parallel
question is: What precisely is the ratio legis, the telos or the legislated purpose of a precept which
“as such” seems to be “to the point”, but which, in the end, should rather not be invoked
because, in the particular instance, a coherence of purpose is wanting?
The authority of (binding) precedents, just as the authority of a law, in no way relieves us
from work and reasoning. All that judges and other juridical decision-makers can do is read,
listen, speak, write, sign: always spoken or written linguistic acts; always text, text and text;
communicating without exception. Jurists/judges receive texts (evidence in a case, ex parte
applications, commentaries, earlier case law and, above all, the norm-texts — and in the case law
system, above all, binding precedents). They consider texts (state of the litigation, judicial options,
preference for conflicting arguments) and they finally produce texts, new text(s), these being their
observations in the course of the proceedings and above all their judgments — including the
686 wording (tenor) and the reasons for their judgments.
They do all of this faced with the inevitability of a fundamental ambiguity and the uncertainty
of natural language. The certainty or verity of legal concepts and meanings, which legal
positivism elevated to a credo, overtaxes natural language and is, so it appears on closer
inspection of practice, simply illusory. What honest jurists/judges can and must achieve instead
(they have taken an oath of office after all!) is a “certainty” marked by understandable,
methodical working steps in the process of decision-making. And this understandability to others
(the litigants, the public, other courts, legal scholars) presupposes methodical honesty, which
12
Cf Müller Juristische Methodik 7 ed (1997); 9 ed ( 2004 ). For a succinct discussion of this theory in English,
cf Müller "Basic Questions of Constitutional Concretization" 1999 Stell LR 269.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 687
means that reasons for a judgment should not just be tactical, rhetorical facades that hide the
“true reasons” for the decision.
5. Final Remarks
These professional, judicial and ethical demands are of equal pertinence both in statute and
case law systems. SLT has long since made theoretically plausible what a neutral observer of the
practice in both systems might have suspected intuitively: jurists’ labours do not at all centre on
understanding in the same sense in which we try to “understand” a philosophical treatise or a
poème en prose. Judges/jurists themselves, in the course of their work, necessarily generate text
– this, of course, lies at the heart of their duty. In doing so they do not only work with concepts,
but, in the final analysis, on concepts too. They do not simply “apply” nor do they merely
“interpret”. Of course, they also interpret to come to an initial “understanding”, but beyond this
they also make others understand. In performing their duty they are bound by substantive law,
the law of procedure as well as the methodological norms and standards of the culture of
argumentation. In short, they are bound in many ways and are altogether challenged and
controlled in performing especially their duty of working with and on texts within an official
institution backed by state authority, for example, within the framework of a court of law.
They perform extremely complex semantic work in the absence of unquestionably reliable points
of reference (be they precedents or statutes) and with only the occasional assistance of
controllable and operational guidelines. Within the domain of natural language there is no
magical language with an objective meaning-content or any unquestionable propositions that are
in safekeeping and on standby. Meaning itself is thoroughly language-like. An
interpretation/decision never arrives at the one and only or the pure meaning. It always just
substitutes new text for preceding text – with all the factual and linguistic onuses of justification
this entails. These onuses must always be borne, on the rubble of the tower of Babel, and
together with the responsibility for judicial doing they can neither be shirked nor delegated to
either legislative labour (expounded in legislated norm-texts) or to the antecedent labour of
judicial forums (expounded in precedent).
Friedrich Müller
This – SLT has made me realize – may broaden our perspective far beyond that which was
possible in terms of traditional concepts. We can also become more open to historical inquiry
into previous practice, previous uncertainty, the previous creativity of judges and, last but not
least, to an assessment of the system of precedent where it has its origin: in the legal orders of
case law which herald the way to something new for us, continental European jurists, as well as
for common law jurists themselves.
687
Kathia Martin-Chenut*
interaméricaine des droits de l'homme en matière de lutte contre l'impunité
L’évolution des moyens de lutte contre l’impunité pour des actes réprouvés par la conscience
universelle a conduit les organes de contrôle du système interaméricain de protection des droits
de l’homme (la Commission2 et la Cour3 interaméricaines des droits de l’homme) à rejeter
l’application de certains instruments juridiques tels la prescription, les amnisties, voire les grâces,
lorsqu’elles font obstacle à la responsabilité ou à la sanction des auteurs de graves violations des
droits de l’homme. Cette chronique de jurisprudence, consacrée au système interaméricain de
protection des droits de l’homme, a l’ambition de tracer brièvement le chemin parcouru par la
Cour interaméricaine (Cour IDH), en insistant sur certaines de ses décisions emblématiques qui
écartent l’application de ces instruments juridiques, regroupés parfois sous l’expression
«institutions de clémence»4.
L’évolution de la jurisprudence interaméricaine est marquée, tout d’abord, par l’affirmation
Amnistie, prescription, grâce: la jurisprudence
de l’importance de la lutte contre l’impunité; ensuite, par la consécration du droit à la vérité; enfin,
par l’affirmation expresse de l’incompatibilité des instruments juridiques faisant obstacle à la
responsabilisation et à la sanction des auteurs des graves violations des droits de l’homme avec
la Convention américaine des droits de l’homme (CADH)5.
Les organes de contrôle du système interaméricain ont exercé un rôle pionnier dans la lutte
contre l’impunité. Celle-ci est définie par la Cour comme le défaut, dans son ensemble, d’en
quête, de poursuite, d’arrestation, de jugement et de condamnation des responsables de
violations aux droits protégés par la CADH6.
Les deux textes généraux de protection des droits de l’homme dans le système interaméricain,
la Déclaration et la Convention américaines des droits de l’homme, ne contiennent pas de
1
Artigo publicado na Revue de Science Criminelle et de Droit Pénal Comparé, Chronique internationale, Droits de l'homme, n° 3 de 2007, pp. 628-
688 640.
* Doutora em Direito pela Universidade de Paris I, Pesquisadora e Coordenadora da Rede ID (Internacionalização do Direito) Franco-Brasileira do
Collège de France (http://www.college-de-france.fr/default/EN/all/int_dro/laboratoire.htm).
2
Pour les décisions de la CIDH, V. http://www.cidh.oas.org.
3
Pour les décisions de la Cour IDH, V. http://www.corteidh.or.cr.
4
V. H. Ruiz Fabri, G. Della Morte, E. Lambert-Abdelgawad, K. Martin-Chenut, Les institutions de clémence (amnistie, grâce, prescription) en droit
international et droit constitutionnel comparé, Arch. po. crim., n° 28, 2006, pp. 237-253 ; H. Ruiz Fabri, G. Della Morte, E. Lambert-Abdelgawad,
K. Martin-Chenut (dir.), La clémence saisie par le droit. Amnistie, grâce, prescription en droit international et comparé. Paris, Société de Législation comparée,
Coll. de l’UMR de droit comparé, vol. 14, 2007.
5
Pour le texte de la CADH en langue française, V. http://www.cidh.org/Basicos/frbas3.htm.
6
V., par ex., Cour IDH, Paniagua Morales et autres c/ Guatemala, 8 mars 1998, Arrêt sur le fond, Série C, n° 37,§ 173; Cour IDH, Bámaca Velásquez c/
Guatemala, 25 nov. 2000, Arrêt sur le fond, Série C, n° 70,§ 211; Cour IDH, Bámaca Velásquez c/ Guatemala, 22 févr. 2002, décision relative aux
réparations, Série C, n° 91,§ 64; Cour IDH, Bulacio c/ Argentine, Arrêt sur le fond, 9 sept. 2003, Série C, n° 100,§ 120; Cour IDH, Maritza c/ Guatemala,
27 nov. 2003, Série C, n° 103,§ 126; Cour IDH, Las Hermanas Serrano Cruz c/ El Salvador, 1er mars 2005, Série C, n° 120,§ 60 et 170. Cour IDH,
Caso Huilca Tecse c/ Pérou, 3 mars 2005, Série C, n° 121,§ 82.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 689
disposition spécifique concernant le devoir d’enquêter ou de punir les éventuelles violations des
droits de l’homme. Toutefois, de la jurisprudence interaméricaine ressort que l’État ne peut pas
renoncer à son ius puniendi en matière de violation grave des droits de l’homme. Son devoir
d’enquêter sur les faits qui sont à l’origine de violations de la Convention américaine, d’identifier
et de punir leurs responsables, a été affirmé dès les premières décisions de la Cour en 1988. C’est
le cas de l’affaire Velásquez Rodrigues c/ Honduras7.
Lors de cette première décision, la Cour a effectuée une interprétation large de l’obligation
contenue à l’article 1(1) de la CADH, affirmant l’obligation de l’État de mettre en place toutes
les structures par lesquelles le pouvoir public se manifeste de manière à ce qu’elles soient capables
de garantir juridiquement l’exercice des droits de l’homme. De cette obligation, résulte le devoir
de l’État de prévenir, enquêter et punir toute violation des droits de l’homme8. L’État a le devoir
de déclencher des enquêtes ex officio, avec célérité et de manière sérieuse, impartiale et effective9.
Aucune disposition ou institution de droit interne ne peut s’opposer à l’exécution des
décisions de la Cour relatives à l’obligation d’enquête et à celle de sanction des responsables des
violations des droits de l’homme10. Pour que cette obligation d’enquête et de sanction soit
respectée, l’État doit écarter tout obstacle de facto et de jure maintenant l’impunité11.
Cette dernière est en effet considérée comme néfaste, car elle favorise la répétition chronique
des violations des droits de l’homme et l’incapacité des victimes et de leur famille à défendre leurs
droits12.
Kathia Martin-Chenut
des victimes et de leur famille, droit qui ressort de la lecture des articles 1.1, 8 et 25 de la CADH.
La Commission a insisté sur l’importance de ce «droit à la vérité» lors de certaines de ses
décisions14, affirmant qu’il est un droit à caractère collectif 15 qui permet à la société d’accéder à
7
V. Cour IDH, Velásquez Rodríguez c/ Honduras, 29 juill. 1988, Série C, n° 4,§ 174.
8
V. Cour IDH, Velásquez Rodríguez c/ Honduras, supra,§ 166. Cette interprétation sera constamment reprise par la Commission interaméricaine. V., par
ex., CIDH, rapport n° 28/92 du 2 oct. 1992, affaires 10.147, 10.181, 10.240, 10.262, 10.309 et 10.311 (Argentine) ; rapport n° 1/99 du 27 janv. 1999,
affaire 10.480 (El Salvador).
9
V. Cour IDH, Velásquez Rodríguez c/ Honduras, supra,§ 176 et 177. Cette position de la Cour a souvent été reprise. V., par ex., Cour IDH, Godínez Cruz
c/ Honduras, 29 janv. 1989, Arrêt sur le fond, Série C, n° 5,§ 187 et 188; Cour IDH, Durand et Ugarte c/ Pérou, 16 août 2000, Arrêt sur le fond, Série
C, n° 68,§ 123; Cour IDH, Caso de la Comunidad Moiwana c/ Suriname, Série C, n° 124, du 15 juin 2005,§ 146. 689
10
V. Cour IDH, Bulacio c/ Argentine, du 18 sept. 2003, Série C, n° 100,§ 116 et 117.
11
Cour IDH, Caso de la Comunidad Moiwana c/ Suriname, supra,§ 207. V., également, l’arrêt récent de la Cour IDH, Caso La Cantuta c/ Pérou, décision sur
le fond du 29 nov. 2006, série C, n° 162,§ 226.
12
V., par ex., Cour IDH, Paniagua Morales et autres c/ Guatemala, supra,§ 173; Cour IDH, Villagrán Morales y otros c/ Guatemala, décision de réparations,
26 mai 2001, série C, n° 77§ 100; Cour IDH, Cesti Hurtado c/ Pérou, décision relative aux réparations, 31 mai 2001, série C, n° 78,§ 63; Cour IDH,
Trujillo Oroza c/ Bolivie, décision relative aux réparations, 27 févr. 2002, Série C, n° 92,§ 101; Cour IDH, Maritza c/ Guatemala, 27 nov. 2003, Série C,
n° 103,§ 126; Cour IDH, Caso Huilca Tecse c/ Pérou, supra,§ 82.
13
En ce qui concerne la consécration de ce droit dans le cadre onusien, V. les travaux de la Commission dês droits de l’homme et du nouveau Conseil
des droits de l’homme. Pour la première, V. not., L’administration de la justice et les droits de l’homme des détenus, Question de l’impunité des auteurs des violations
des droits de l’homme (civils et politiques), Rapport final de M. Louis Joinet, Commission des Droits de l’Homme, Sous-Commission de la lutte contre les
mesures discriminatoires et de la protection des minorités, E/CN.4/Sub.2/1997/20/Rev.1, 2.10.1997, rapport final en application de la décision
1996/119,§ 31, Annexe 2: Ensemble de principes pour la protection et la promotion des droits de l’homme par la lutte contre l’impunité: Principe
3. Pour le deuxième, V. le projet de résolution A/HRC/2/L.6/Rev.1, présenté par l’Argentine le 27 nov. 2006.
14
V., par ex., CIDH, 1/99, El Salvador, affaire 10.480, 27 janv. 1999.
15
Idem,§ 152.
nouvelle dimension dans la jurisprudence de la Cour qui en vient à lui consacrer un titre à
part dans certains de ses arrêts18. Pourtant, la Cour n’admet pas l’autonomie de ce droit.
Elle le considère comme étant absorbé par les obligations contenues dans les articles 8 et
2519. La Cour considère le droit à la vérité comme une condition de l’effectivité du droit à
un process équitable et à un recours judiciaire efficace.20
Le rejet de ces instruments se fait dans le but d’éviter l’impunité des auteurs de l’acte et
d’assurer la réparation aux victimes, tout en permettant l’accès à la vérité. C’est surtout les lois
d’amnistie qui ont été mises en cause dans la jurisprudence de la Cour. Cela s’explique du fait
de la prolifération de régimes autoritaires en Amérique Latine pendant la seconde moitié du
XXe siècle et des diverses lois d’amnistie adoptées. De telles lois peuvent jouer un rôle
important dans les processus d’ouverture démocratique. Dans certaines hypothèses, elles
permettent des transitions «en douceur», placées sous le signe du compromis et sans rupture.
Ces lois peuvent avoir un rôle de protection des démocraties nouvellement établies — et de
ce fait faibles — des menaces d’intervention ou d’obstruction à la transition du régime21. Il
faut pourtant noter que les formes d’amnistie sont variées.
Une étude récente met en exergue le caractère polysémique du terme «amnistie»22. Ce
terme couvre diverses situations, des amnisties unilatérales à celles adoptées d’un commun
accord; des autoamnisties à celles adoptées par le gouvernement qui succède à celui dans
lequel les faits ont été commis; des amnisties conditionnelles, dont le champ d’application est
limité, aux amnisties inconditionnelles.
L’Amérique Latine est représentative de cette diversité et les organes de contrôle du
système interaméricain ont dû se prononcer.
690
16
Idem,§ 150.
17
V. l’affaire Castillo Páez, 3 nov. 1997, Série C, n° 34,§ 86 et 90.
18
V. Cour IDH, Bámaca Velásquez c/ Guatemala, 25 nov. 2000, Série C, n° 70, titre XVI, V., également, Cour IDH, Barrios Altos c/ Pérou, 14 mars 2001,
Série C, n° 75, titre VIII.
19
V. Cour IDH, Bámaca Velásquez c/ Guatemala, supra,§ 201. V., également, Cour IDH, Barrios Altos c/ Pérou, Arrêt sur le fond, supra,§ 48. V., pour les
décisions plus récentes, Cour IDH, Blanco Romero y otros c/ Venezuela, 28 nov. 2005, Série C, n° 138,§ 62; Cour IDH, Caso de la Masacre de Pueblo Bello
c/ Colombie, 31 janv. 2006, Série C, n° 140,§ 219; Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, décision de fond du 26 sept. 2006, série C 154,§ 148.
20
V. Cour IDH, affaire Bámaca Velásquez c/ Guatemala, supra,§ 197 à 201.
21
V., à ce propos, S. Lefranc, Protéger la démocratie de ses protecteurs attitrés. Le dilemme des démocraties nouvelles, Cah. sécurité intérieure, n° 51,
2003, pp. 89-111.
22
V. G. Della Morte, rapport sur les amnisties in H. Ruiz Fabri, G. Della Morte, E. Lambert-Abdelgawad, K. Martin-Chenut (dir.), La clémence saisie par
le droit. Amnistie, grâce, prescription en droit international et comparé, op. cit. ; H. Ruiz Fabri, G. Della Morte, E. Lambert- Abdelgawad, K. Martin-Chenut,
Les institutions de clémence (amnistie, grâce, prescription) en droit international et droit constitutionnel comparé, op. cit., pp. 239 et 240.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 691
La CIDH s’est manifestée en 1992 lorsqu’en Argentine des lois d’amnistie ont été adoptées
et les poursuites à l’encontre de militaires arrêtées. La Commission a alors soutenu
l’incompatibilité des lois d’amnistie avec l’article 8 CADH (droit à un procès équitable) car elles
ont empêché les victimes d’exercer leur droit à demander devant une juridiction la
determination des responsabilités pénales dans le cadre de violations graves des droits de
l’homme23. La CIDH a repris cette position lors de décisions concernant l’Uruguay24, le
Salvador25 et le Chili26. La Cour IDH a été appelée à se prononcer pour la première fois sur des
lois d’amnistie em 1997, lors d’une affaire relative à des disparitions forcées mettant en cause le
Pérou: affaire Castillo Paéz 27. Il s’agissait d’une loi d’autoamnistie. Lors de sa décision concernant
les reparations28, la Cour a précisé que les lois d’autoamnisties appliquées au niveau national
avaient empêché l’identification des responsables de la disparition de la victime faisant obstacle
tant au droit des membres de sa famille de connaître le sort de la dépouille de celle-ci, qu’à leur
droit à réparation.
Mais la décision emblématique de la Cour en la matière n’a été adoptée que quelques années
plus tard, dans l’affaire Barrios Altos mettant également en cause le Pérou29. Cette décision a été
qualifiée d’«historique» par le juge brésilien siégeant à la Cour dans son opinion individuelle.
Pour la première fois un tribunal international déclarait qu’une loi d’amnistie était dépourvue
d’effet. Même si l’affaire, à l’origine, ne concernait que les amnisties, la Cour a aussi condamné
dans cette décision la prescription ou toute autre mesure excluant la responsabilité, empêchant
les enquêtes et la sanction des auteurs de graves violations des droits de l’homme.
Kathia Martin-Chenut
Le contexte de cette affaire est celui de violences politiques infligées à la population
péruvienne pendant le gouvernement d’Alberto Fujimori.
Dès 1989, le Service national d’intelligence péruvien a entrepris un plan de surveillance
d’activistes «pro subversifs» dans le quartier «Barrios Altos», au centre de Lima. Le 3 novembre
1991, des agents du Service d’intelligence de l’Armée de terre, agents de l’État agissant de
manière clandestine au sein d’un «escadron d’élimination» dénommé groupe «Colina», ont fait
irruption lors d’une fête, exécuté quinze personnes et blessé quatre autres. Des procédures ont
été déclenchées devant la justice ordinaire en avril 1995, toutefois, une loi amnistiant les
membres de forces de sécurité (militaires, policiers et civils) mis en cause dans des affaires
relatives à des violations des droits de l’homme commises entre 1980 et 1995 a été adoptée en
urgence (loi n° 26479). Par conséquent, les procédures déclenchées ont été classées. 691
En se fondant sur une disposition constitutionnelle selon laquelle les juges sont tenus de ne
pas appliquer les lois qu’ils considèrent contraires à la Constitution, la magistrate en charge des
affaires en question a décidé que la loi d’amnistie ne s’appliquait pas aux affaires sous sa
23
V. CIDH, rapport n° 28/92, 2 oct. 1992.
24
V. CIDH, rapport n° 29/92, 2 oct. 1992.
25
V. CIDH, rapport n° 1/99, 27 janv. 1999.
26
V. CIDH, rapport 133/99, 19 nov. 1999.
27
Castillo Páez c/ Pérou, 3 nov. 1997, Série C, n° 34.
28
Castillo Páez c/ Pérou, décision relative aux réparations, 27 nov. 1998, Série C, n° 43,§ 105 et 106.
29
V. l’Affaire Barrios Altos, 14 mars 2001, Série C, n° 75.
responsabilité, parce qu’une telle loi violait les garanties constitutionnelles et les obligations
internationales que la CADH imposait au Pérou.
La réponse du gouvernement à la résistance de l’institution judiciaire a été l’adoption d’une
nouvelle loi (loi n° 26492), élargissant le champ de l’amnistie, mais surtout déclarant que celle-ci n’était
pas susceptible d’être révisée en justice et était d’application obligatoire. Le but de cette deuxième loi
était d’empêcher l’autorité judiciaire de se prononcer sur la légalite ou l’applicabilité de la première loi
d’amnistie. L’adoption de cette deuxième loi a impliqué le classement de l’affaire Barrios Altos au niveau
national.
interaméricaine des droits de l'homme en matière de lutte contre l'impunité
Face aux obstacles dressés au niveau interne, des organisations de protection des droits de
l’homme se sont tournées vers le système interaméricain. Des plaintes ont été présentées devant la
CIDH en 1995 et 1996 (affaires n° 11.528 et 11.601) invoquant la violation de la CADH30 du fait de
l’adoption des lois d’amnistie en question.
La CIDH, en mars 2000, a adopté le rapport n° 28/00 recommandant à l’État de supprimer les
effets des lois d’amnistie du fait qu’elles empêchaient l’enquête, la poursuite et la sanction des
responsables des meurtres et atteintes à l’intégrité physique commises dans le cadre de l’affaire «Barrios
Amnistie, prescription, grâce: la jurisprudence
Altos». Le Pérou a, à ce stade, répondu que l’adoption et l’application de telles lois constituaient des
mesures exceptionnelles adoptées en réponse à la violence terroriste.
À la suite de la procédure devant la CIDH, celle-ci a saisi la Cour en juin 2000. Parmi les articles
invoqués par la Commission, se trouvaient les articles 8 (garanties judiciaires, plus exactement, procès
équitable), 25 (protection judiciaire, plus précisément, droit à un recours effectif) et 13 (libertés de
pensée et d’expression), mais également des articles 1.1 (obligation générale de garantir et de respecter
les droits contenus dans la CADH) et 2 (devoir d’adopter des dispositions en droit interne), dont la
violation ressort de l’adoption et l’application des lois d’amnistie n° 26479 et n° 26492.
Dans un titre consacré à «l’incompatibilité des lois d’amnistie avec la Convention» (TitreVII) la
Cour a considéré comme «inadmissibles les dispositions d’amnistie, de prescription et l’établissement
de mesures excluant la responsabilité prétendant empêcher les enquêtes et la sanction des responsables
des graves violations de droits de l’homme comme la torture, les exécutions sommaires, extralégales
ou arbitraires et les disparitions forcées; elles sont toutes interdites car elles contreviennent aux droits
inabrogeables reconnus par le droit international des droits de l’homme»31.
La Cour retient, dans cette affaire, la violation des articles 8 et 25 de la CADH. Les lois en question
692 ont empêché les proches des victimes et les victimes survivantes d’être entendues par un juge (art. 8.1)
et ont violé le droit à la protection judiciaire (art. 25). Ces articles sont intimement liés et souvent traités
ensemble dans la jurisprudence interaméricaine. Du fait d’avoir empêché l’enquête, l’arrestation, le
jugement et la sanction des responsables, ces lois ont violé l’article 1.1 CADH. Enfin, par l’adoption
de telles lois incompatibles avec la CADH, l’État n’a pas respecté l’obligation d’adapter son droit
interne violant, de ce fait, l’article 2 de la CADH32.
30
Ratifiée par le Pérou le 7 juill. 1978.
31
V. Cour IDH, Barrios Altos c/ Pérou, supra§ 41 ; traduction de l’espagnol faite par l’auteur.
32
V. Cour IDH, Barrios Altos c/ Pérou, supra§ 42.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 693
La Cour a qualifié ces textes péruviens de «lois d’autoamnistie33». Ils perpétuent l’impunité et de
ce fait sont manifestement incompatibles avec le texte et l’esprit de la CADH. Ces lois empêchent
l’identification des individus responsables de violations des droits de l’homme dès lors qu’elles
constituent un obstacle à l’enquête et à l’accès à la justice, empêchant les victimes et leurs proches
de connaître la vérité, ainsi que de bénéficier de la réparation correspondante34.
Par conséquent, les lois en question n’ont pas d’effet juridique et ne peuvent pas représenter un
obstacle ni à l’enquête sur les faits, ni à l’identification et au châtiment des responsables. Enfin, ces
lois ne peuvent pas avoir d’impact sur d’autres affaires de violation des droits de l’homme ayant eu
lieu au Pérou35.
Il faut noter que la Cour n’a pas retenu la violation de l’article 13.1 (libertés de pensée et
d’expression, plus spécifiquement, droit de rechercher et de recevoir des informations) comme
fondement du droit à la vérité. Elle a, comme il a déjà été noté, considéré ce droit comme absorbé
par le droit de la victime et de ses proches à obtenir des organes compétents de l’État
l’éclaircissement des faits et des responsabilités correspondantes, à travers l’enquête et le jugement
prévues par les articles 8 et 25 de la CADH36.
Dans l’affaire Barrios Altos, même si la Cour ne devait se prononcer que sur les lois d’amnistie
péruviennes, elle a considéré également comme inadmissibles la prescription, ainsi que l’établissement
de mesures excluant la responsabilité prétendant empêcher les enquêtes et la sanction des responsables
des violations graves aux droits de l’homme37. La jurisprudence interaméricaine adopte ainsi une
approche commune des instruments juridiques objet de cette étude, malgré leur diversité, en les
mettant tous les trois en accusation dans la lutte contre l’impunité des graves violations des droits de
l’homme38. Dans la formule utilisée dans le paragraphe 41 de l’arrêt Barrios Altos et réutilisée à plusieurs
Kathia Martin-Chenut
reprises, la prescription et l’amnistie font expressément l’objet d’un traitement commun, tandis que la
grace est associée de manière indirecte, notamment dans une formule légèrement modifiée39, ou la
Cour condamne les «mesures prétendant empêcher [...] les effets de la condamnation». Cette approche
commune peut être notée également dans la jurisprudence européenne de protection des droits de
l’homme40.
Trois mois après la décision de la Cour IDH, la CIDH, en conformité avec l’article 67 de la
CADH, a présenté devant la Cour un recours en interprétation. La CIDH demandait alors si cette
693
34
V. Cour IDH, Barrios Altos c/ Pérou, supra§ 43.
35
V. Cour IDH, Barrios Altos c/ Pérou, supra§ 44.
36
V. Cour IDH, Barrios Altos c/ Pérou, arrêt sur le fond, supra§ 48.
37
V. l’affaire Barrios Altos, arrêt sur le fond, supra§ 41.
38
Pour plus d’informations sur ce que les auteurs ont dénommé d’approche globalisante, V. E. Lambert-Abdelgawad et K. Martin-Chenut, rapport
sur la prescription in H. Ruiz Fabri, G. Della Morte, E. Lambert-Abdelgawad, K. Martin-Chenut (dir.), La clémence saisie par le droit. Amnistie, grâce,
prescription en droit international et comparé, op. cit.
39
V., par ex., Molina Theissen c/ Guatemala, décision relative aux réparations, 3 juill. 2004, Série C 108,§ 83; 19 comerciantes, 5 juill. 2004, Série C 109,§ 263;
Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri, 8 juill. 2004, Série C 110,§ 232; Tibi c/ Ecuador, 7 sept. 2004, Série C 114,§ 259; Caso Masacre Plan de Sánchez c/
Guatemala, réparations, Série C116, 19 nov. 2004,§ 99; Caso de las hermanas Serrano Cruz c/ El Salvador, 1er mars 2005 , Série C 121,§ 172; Caso Huilca
Tecse c/ Pérou, 3 mars 2005, Série C 121,§ 108; Gutiérrez Soler c/ Colombie, 12 sept. 2005, Série C 132,§ 97; Gómez Palomino c/ Perou, 22 nov. 2005. Série
C 136,§ 140.
40
V. CEDH, Abdülsamet Yaman c/ Turquie, 2 nov. 2004, n° 32446/96, 2° section,§ 55.
décision s’appliquait seulement au cas concret analysé par la Cour ou si elle avait un effet général
et était applicable à tous les cas de violations des droits de l’homme où les lois d’amnistie
péruviennes avaient été appliquées.
sur le fond Barrios Altos, la Cour considère que l’adoption d’une loi manifestement contraire aux
obligations d’un État partie constitue per se une violation de la Convention. Par conséquent, étant
donné la nature de la violation des droits de l’homme représentée par les lois péruviennes, la
décision de fond a des effets juridiques généraux41.
seulement le pays condamné par la Cour, mais également d’autres pays du continent.
Au Pérou, des affaires ont été rouvertes à la suite de la dénégation d’effets juridiques aux lois
d’amnistie par les juridictions nationales en application de la décision interaméricaine. Il faut
également noter que des exceptions de prescription et de chose jugée ont aussi été écartées par
les juridictions nationales à la suite de la décision en question. Dans un de ses derniers arrêts
contre le Pérou (Caso La Cantuta c/ Pérou)42, la Cour reconnaît que sa décision de 2001 a eu des
effets immédiats et contraignants en droit interne et que celle-ci se trouve pleinement incorporée
au plan normatif interne43. Dans cet arrêt de 2006 plusieurs exemples de mesures prises par le
Pérou en application de la décision Barrios Altos peuvent être remarqués44.
Mais les impacts de la décision de 2001 dans d’autres pays d’Amérique du Sud, tels le Chili45
et l’Argentine46, sont non négligeables47. Dans ce dernier pays, la décision de la Cour
interaméricaine a joué un rôle important dans l’annulation des lois n° 23492 de 1986 («Loi du
Point final»48) et n° 23521 de 1987 («Loi de l’obéissance due»49) qui empêchaient les poursuites
des militaires pour des infractions commises pendant la dictature des années 70 et 8050. Plus
récemment, elle a été invoquée par la Cour suprême argentine qui en revenant sur sa position des
années quatre-vingt-dix a déclaré inconstitutionnelles les grâces prévues par le décret n°
1002/8951.
41
V. Barrios Altos, Recours en interprétation, 3 sept. 2001, Série C, n° 83,§ 18.
42
694 Cour IDH, Caso La Cantuta c/ Pérou, décision sur le fond du 29 nov. 2006, série C, n° 162.
43
Cour IDH, Caso La Cantuta c/ Pérou, supra,§ 186.
44
Cour IDH, Caso La Cantuta c/ Pérou, supra,§ 164 et 180.
45
Pour une liste des décisions chiliennes rejetant l’application des amnisties, V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, Arrêt sur le fond du 26 sept. 2006,
Série C, n° 154,§ 82.25, note de bas de page n° 85.
46
V., La Corte Suprema pidió el fallo de la Corte Interamericana, http://www.aprodeh.org.pe/barrios_altos/29mar2001.htm (consulté le 4 juill. 2005).
Selon ce document, la Cour suprême argentine aurait demandé à la Cour interaméricaine une copie de sa décision contre le Pérou.
47
V., à ce sujet, Pablo Saavedra Alessandri, La respuesta de la jurisprudencia de la Corte interamericana a las diversas formas de impunidad y sus
consecuencias, in S. Garcia Ramirez (dir.), Derecho penal - Memoria del Congreso internacional de culturas y sistemas jurídicos comparados, Instituto de investigaciones
jurídicas, Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, pp. 453-478.
48
Punto final.
49
Obediencia debida.
50
V., not., la décision de la Chambre d’appel du 9 nov. 2001 (CFCyC, affaire 17.889, Incidente de apelación de Simón, Julio) et la décision de la Cour suprême
du 14 juin 2005 (CSJN, Simon, Julio Héctor y Otros, § 90).
51
V., Mazzeo, Julio Lilo y otros, 13 juill. 2007, § 23.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 695
Certes l’application de la jurisprudence interaméricaine en droit interne n’est pas toujours aisée.
Avant l’annulation des lois argentines, il a fallu diverses tentatives de contournement de ces textes,
comme le déclenchement de procédures fondées sur des infractions non couvertes par l’amnistie
ou par les grâces présidentielles de 1989-199052. Quant à la prescription, écartée au même titre que
l’amnistie par l’arrêt Barrios Altos et par d’autres décisions qui l’ont suivi53, une certaine résistance à
admettre l’imprescriptibilité d’ infractions considérées comme de graves violations des droits de
l’homme peut être relevée. À titre d’exemple, dans l’affaire Trujillo Oroza c/ Bolivie 54, la Bolivie s’était
engagée à poursuive les responsables des violations des droits de l’homme; pourtant, malgré les
efforts des autorités boliviennes, la justice nationale a déclaré la prescription de l’action pénale.
Aussi, lors de la phase des réparations55, la solution choisie pour le jugement des responsables n’a
pas été l’affirmation de l’imprescriptibilité mais la considération du caractère permanent de
l’infraction, ce qui permet d’écarter indirectement la prescription56.
La jurisprudence de la Cour interaméricaine n’est pas isolée. Il semble exister une interaction
entre les systèmes régionaux interaméricain et européen, voire onusien57. La jurisprudence de la
Cour IDH est par exemple partagée par le Comité des droits de l’homme des Nations Unies et par
la Cour européenne des droits de l’homme. Dans certaines de ses décisions, le Comitê des droits
de l’homme des Nations Unies est explicite par rapport aux restrictions à l’utilisation de ces
instruments. Il en est ainsi dans ses observations finales du 22 août 2003, à l’occasion de l’analyse
des rapports soumis par El Salvador58, où le Comité se déclare préoccupé par la loi d’amnistie
générale de 1993 qui porterait atteinte au droit à un recours utile prévu à l’article 2 du Pacte «car elle
empêche d’engager des poursuites contre tous les responsables de violations des droits de l’homme
et de les châtier et qu’elle empêche aussi les victimes d’obtenir réparation»59. Le Comité se montre
également inquiet du régime de la prescription dans ce pays, qui devrait être révisé «pour qu’il soit
possible de faire enquêter sur les violations des droits de l’homme et de les réprimer»60. Quant au
Kathia Martin-Chenut
système régional européen de protection des droits de l’homme, dans l’affaire Abdülsamet Yaman c/
Turquie 61, où le requérant avait intenté des procédures pénales au niveau interne contre les agents de
police qui lui avaient infligé des tortures, mais s’était vu opposer la prescription, la CEDH a conclu
à une violation de l’article 3 de la CEDH et a considéré qu’en cas de torture ou de mauvais
traitements, le droit à un recours effectif est enfreint dès lors que les procédures pénales sont
prescrites ou qu’une amnistie ou une grâce est accordée62.
52
Comme, par ex., « l’appropriation d’enfants ». Environ 500 enfants de dissidents politiques tués pendant le régime autoritaire ont été adoptés ou
tout simplement enregistrés comme enfants naturels par certains militaries ou civils proches des militaires. Pour plus d’informations à ce propos, V.
le site des grand-mères de Plaza de Mayo, femmes réunies depuis 1977 pour rechercher leurs petits-enfants disparus, www.abuelas.org.ar).
53
V., par ex., Cour IDH, Trujillo Oroza c/ Bolivie, décision relative aux réparations du 27 févr. 2002, Série C, n° 92 et Cour IDH, Bullacio c/ Argentine, Arrêt
sur le fond du 18 sept. 2003, Série C, n° 100. Selon la Cour dans cette affaire contre l’Argentine « [...] aucune disposition ou institution de droit 695
interne, parmi eux la prescription, ne pourrait s’opposer à l’exécution des décisions de la Cour quant à l’investigation et sanction des responsables
de violations des droits de l’homme ».
54
Arrêt sur le fond du 26 mars 2000, Série C, n° 64.
55
Trujillo Oroza c/ Bolivie, décision relative aux réparations du 27 févr. 2002, Série C, n° 92.
56
V. Tribunal Constitutionnel, Auto supremo n° 25/2002 du 27 févr. 2002. Pour plus d’informations concernant cette affaire, V. le rapport sur la Bolivie
établie par Elizabeth Santalla Vargas, in Ambos et Malarino (dir.), Persecución penal nacional de crímenes internacionales en América Latina y España,
Montevideo, Konrad-Adenauer- Stiftung A.C., 2003, not. pp. 103, 105 et 106.
57
Pour plus d´informations, V. E. Lambert-Abdelgawad et K. Martin-Chenut, rapport sur la prescription, in H. Ruiz Fabri, G. Della Morte. E.
Lambert-Abdelgrawad, K Martin-Chenut (dir.), La clémence saisie par le droit. Amnistie, grâce, prescription en droit international et comparé, op. cit.
58
CCPR/CO/78/SLV, Observations finales du Comité des droits de l’homme, El Salvador, 22 août 200
59
V. CCPR/CO/78/SLV, 22 août 2003 n° 6.
60
V. CCPR/CO/78/SLV, 22 août 2003, n° 7.
61
CEDH, Abdülsamet Yaman c/ Turquie, 2 nov. 2004, n° 32446/96, 2° section.
62
V.§ 55.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 696
Depuis sa décision de 2001, la Cour IDH affirme de manière constante l’inadmissibilité des
instruments juridiques pouvant exclure la responsabilité ou empêcher les poursuites pénales ou
encore les effets de la condamnation63. Parmi les dernières affaires appréciées par la Cour en la
matière, dans l’affaire Almonacid Arellano c/ Chili, la Cour ne se limite pas à répéter la formule
élaborée lors de l’arrêt Barrios Altos c/ Pérou (§ 41 de la décision sur le fond). Des éléments
interaméricaine des droits de l'homme en matière de lutte contre l'impunité
probatoire, a appliqué le décret loi n° 2.191 du 18 avril 1978, um texte portant amnistie. La
décision de la justice militaire précisait que l’amnistie était une institution fondée sur la sécurité
juridique et que son but était l’obtention de la paix sociale, fin ultime du droit. Selon cette
décision, avec l’amnistie, l’infraction cesse de l’être.65
Dans cette affaire, qui analyse le défaut de justice depuis l’avènement de la démocratie au
Chili66, la Cour entérine sa jurisprudence Barrios Altos 67. Elle adopte, toutefois, un raisonnement
nouveau par rapport à sa décision de 2001, faisant appel au droit international pénal. Son
raisonnement est dévoilé dans le paragraphe 90 de la décision. Dans un premier temps, elle
cherche à savoir si l’exécution extrajudiciaire de M. Almonacid Arellano peut être qualifiée de
crime contre l’humanité. Ensuite, elle cherchera à établir si un tel crime est ou non susceptible
d’amnistie. Enfin, si le crime n’est pas susceptible d’amnistie, elle cherchera à établir si le décret
63
V., not., Cour IDH, Trujillo Oroza c/ Bolivie, décision relative aux réparations, supra§ 106; Cour IDH, Caracazo c/ Venezuela, décision relative aux répa-
rations du 19 août 2002, Série C, n° 95,§ 119; Cour IDH, Bulacio c/ Argentine, supra,§ 116 et 117; Cour IDH, Juan Humberto Sánchez c/ Honduras, 26
nov. 2003, Série C, n° 102,§ 60; Cour IDH, Myrna Mack Chang, 25 nov. 2003, Série C, n° 101,§ 276; Cour IDH, Molina Theissen c/ Guatemala, déci-
696 sion relative aux réparations, 3 juill. 2004, Série C, n° 108,§ 84; Cour IDH, 19 comerciantes 5 juill. 2004, Série C, n° 109,§ 262; Cour IDH, Caso de los
Hermanos Gómez Paquiyauri, 8 juill. 2004, Série C, n° 110,§ 150,151, 232 et 233 ; Cour IDH, Tibi c/ Equateur, 7 sept. 2004, Série C, n° 114,§ 259; Cour
IDH, Carpio Nicolle y otros vs. Guatemala, Série C, n° 117, 22 nov. 2004,§ 130; Cour IDH, Caso Masacre Plan de Sánchez c/ Guatemala, réparations, Série
C, n° 116, 19 nov. 2004,§ 99; Cour IDH, Caso de las hermanas Serrano Cruz c/ El Salvador, supra§ 172; Cour IDH, Caso Huilca Tecse c/ Pérou, supra§ 108;
Cour IDH, Caso de la Comunidad Moiwana c/ Suriname, supra§ 206; Cour IDH, Gutiérrez Soler c/ Colombie, 12 sept. 2005, Série C, n° 132,§ 97; Cour
IDH, Caso de la Masacre de Mapiripán c/ Colombie, 15 sept. 2005, Série C, n° 134,§ 304; Cour IDH, Gómez Palomino c/ Perou, 22 nov. 2005, Série C, n°
136,§ 140; Cour IDH, Blanco Romero y otros c/ Venezuela, 28 nov. 2005, Série C, n° 138,§ 98; Cour IDH, Baldeón García c/ Pérou, 6 avr. 2006, Série C,
n° 147,§ 201; Cour IDH, Caso de las Masacres de Ituango c/ Colombie, 1er juil. 2006, Série C. n° 148,§ 402; Cour IDH, Caso Montero Aranguren y Otros
(Retén de Catia) c/ Venezuela, 5 juil. 2006, Série C, n° 150,§ 141. Plus récemment, V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, Arrêt sur le fond du 26
sept. 2006, série C 154,§ 112 et Cour IDH, La Cantuta c/ Pérou, Arrêt sur le fond du 29 nov. 2006, Série C, n° 162,§ 152.
64
Doit également être mentionné, même s’il ne sera pas analysé dans cette chronique, l’arrêt La Cantuta c/ Pérou (Arrêt sur le fond du 29 nov. 2006,
Série C, n° 162) sur une affaire relative à des exécutions extrajudiciaires d’un professeur et de neuf étudiants universitaires par le même groupe ayant
commis les faits condamnés dans l’arrêt Barrios Altos, qui reprend plusieurs des considérations contenues dans la décision contre le Chili.
65
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 82.20.
66
Le Chili est partie à la Convention américaine depuis le 21 août 1990 et la Cour reconnaît sa compétence pour des faits postérieurs à cette date, ou
pour des faits dont le commencement d’exécution est postérieure au 11 mars 1990.
67
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 112.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 697
loi n° 2.191 du 18 avril 1978 viole la Convention américaine. Pour qualifier l’exécution
extrajudiciaire en question de crime contre l’humanité, la Cour fait appel à la jurisprudence des
juridictions pénales internationales. La Cour renvoie à l’arrêt Tadic du TPIY68 et considère que
«les crimes contre l’humanité incluent la commission d’actes inhumains, comme le meurtre,
commis dans un contexte d’attaque généralisée ou systématique contre la population civile. Il
suffit qu’un seul acte illicite [...] soit commis dans le contexte décrit pour qu’un crime contre
l’humanité se produise»69. La Cour precise qu’en 1973, année où l’exécution extrajudiciaire a été
commise, la pratique d’un crime contre l’humanité violait une norme impérative de droit
international70 et insiste sur le fait qu’en 1998, lorsque le texte d’amnistie chilien a été appliqué
à l’affaire, les statuts des TPI avaient déjà été adoptés, incluant le meurtre en tant que crime
international71. Tout en affirmant que la politique d’État mise en place pendant la dictature
militaire visait à provoquer la peur en attaquant massivement des civils considérés comme
opposants, la Cour conclut que l’exécution en question constituait un crime contre l’humanité 72.
Pour considérer, ensuite, l’infraction comme non susceptible d’amnistie, un autre renvoi est
fait à la jurisprudence des juridictions pénales internationales. La Cour s’appuie sur l’arrêt du
TPIY Erdemovic73 pour affirmer qu’un crime contre l’humanité est en soi une grave violation des
droits de l’homme et porte atteinte à l’humanité entière74. La Cour finalement «estime que les
États ne peuvent pas se soustraire au devoir d’enquêter, identifier et sanctionner les responsables
des crimes contre l’humanité en appliquant lois d’amnistie ou autre type de normative interne»75.
Par conséquent, les crimes contre l’humanité ne sont pas susceptibles d’être amnistiés.
La Cour IDH analyse le texte chilien portant amnistie générale aux responsables de «faits
délictueux» commis entre le 11 septembre 1973 et le 10 mars 1978 et son application à l’affaire
en question. La Cour affirme que les lois d’amnistie comme la loi chilienne «conduisent à
l’incapacité des victimes à défendre leurs droits et à la perpétuation de l’impunité de crimes contre
l’humanité étant, de ce fait, incompatibles avec le texte et l’esprit de la Convention américaine»76.
Par conséquent, le texte chilien, considéré par la Cour comme portant auto-amnistie77, ne peut
Kathia Martin-Chenut
pas avoir d’effet juridique empêchant l’enquête des faits, l’identification et le châtiment des
responsables78. Le maintien du texte portant autoamnistie à partir d’août 1990 constitue per se une
violation de la Convention et notamment de son article 279. L’application de ce texte constitue,
quant à elle, une violation des droits contenus aux articles 8.1 et 25, impliquant la responsabilité
internationale du Chili80.
En plus de traiter de l’amnistie, la Cour porte un jugement également sur la prescription. Elle
affirme que l’infraction commise à l’encontre de M. Almonacid Arellano, en tant que crime
68
TPIY, Prosecutor v. Dusko Tadic, IT-94-1-T, 7 mai 1997,§ 649. 697
69
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 96.
70
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 99. Pour renforcer son raisonnement, la Cour fait reference à l’arrêt de la CEDH Kolk y kislyiy c/
Estonie du 17 janv. 2006.
71
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 101.
72
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 103 et 104.
73
TPIY, Prosecutor v. Erdemovic, IT-96-22-T, 29 nov. 1996,§ 28.
74
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 105.
75
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 114 ; traduction de l’espagnol faite par l’auteur.
76
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra, § 119 ; traduction de l’espagnol faite par l’auteur.
77
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 120.
78
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 119.
79
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 121 et 122.
80
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra,§ 128.
contre l’humanité, outre le fait d’être non susceptible d’amnistie, est imprescriptible81. La Cour
précise, également, que même si le Chili n’a pas ratifié la Convention des Nations Unies sur
l’imprescriptibilité des crimes de guerre et des crimes contre l’humanité, l’imprescriptibilité de ces
crimes apparaît comme une catégorie de normes de droit international général (ius cogens) qui
précède la Convention, étant tout simplement reconnu par elle. Par conséquent, il s’agit d’une
norme impérative et le Chili est tenu de la respecter82.
Enfin, un autre élément important dans cette affaire est l’analyse, par la Cour, du rôle des
Commissions Vérité Réconciliation (CVR), par rapport à l’obligation de l’État d’engager des
interaméricaine des droits de l'homme en matière de lutte contre l'impunité
poursuites judiciaires. La Commission interaméricaine l’avait déjà fait en affirmant que l’obligation
de garantir le droit à la vérité ne remplace pas d’autres obligations de l’État, comme celles
d’enquêter et de juger. Celles-ci subsistent indépendamment de l’exécution de la première83. Selon
la Commission, malgré l’importance du rôle des Commissions Vérité dans l’établissement des faits
liés aux violations des droits de l’homme et dans la réconciliation, l’exercice de ses fonctions ne
remplace pas la procédure judiciaire comme méthode d’établissement de la vérité84. À l’instar de la
position de Commission interaméricaine, la Cour, tout en reconnaissant la valeur des travaux de la
Commission Nationale Vérité et Réconciliation dans la construction collective de la vérité85 précise
que la «vérité historique» établie par ces types de commissions ne peut se substituer à l’obligation
d’atteindre la vérité par le biais d’une procédure judiciaire86.
Pour conclure, l’évolution du droit international, notamment du droit international des droits
Amnistie, prescription, grâce: la jurisprudence
de l’homme, force les États à revisiter certains concepts traditionnels de droit penal dans le but
de les concilier avec les principes qui fondent ce droit international. La prescription, l’amnistie et
la grâce en sont de bons exemples. Ces instruments ne sont pas per se condamnés et voués à être
éradiqués. C’est l’abus dans leur utilisation qui est mis en cause. Ces instruments juridiques
doivent être rejetés, lorsqu’ils sont utilisés de manière à faire obstacle à la découverte de la vérité
sur les graves violations des droits de l’homme et à la responsabilité de leurs auteurs, mettant
ceux-ci à l’abri des poursuites ou de l’exécution de leur peine et assurant de ce fait leur impunité.
Ils ne pourront pas être invoqués dans le but d’exempter l’État d’exécuter une décision de la Cour
prônant la réalisation d’enquêtes, le déclenchement des poursuites judiciaires ou la sanction des
auteurs des graves violations des droits de l’homme87.
Si la jurisprudence interaméricaine analysée dans cette chronique représente un grand pas
dans l’évolution des moyens de lutte contre l’impunité des graves violations des droits de
l’homme, elle pourrait, poussée à l’extrême, représenter un retour en arrière sur certains acquis
du droit pénal, surtout en ces temps d’hypertrophie de la répression.
Une réponse à cette crainte peut être trouvée au sein même de la jurisprudence
interaméricaine. Certes, les États parties ont l’obligation de poursuivre et de sanctionner les
auteurs des violations des droits de l’homme. Pourtant, ils sont également tenus de respecter, lors
de l’enquête, de la poursuite et de la sanction, les droits et libertés prévues par la CADH88. Par
698
81
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra, § 152, cette position de la Cour a été reprise lors de l´arrêt La Contuta c/ Pérou, supra, § 225.
82
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra, § 153.
83
V. CIDH, Informe 37/00, Caso 11.481, Monseñor Oscar Arnulfo Romero y Galdámez, 13 avr. 2000, mettant em cause le Salvador. V. § 144.
84
Idem, § 149.
85
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra, § 149.
86
V. Cour IDH, Almonacid Arellano c/ Chili, supra, § 150, cette position de la cour a été reprise lors de l´arreêt La Cantuta c/ Pérou, supra, §224.
87
V. Cour IDH, Caso de la Comunidad Moiwana contre Suriname, supra,§ 167.
88
À propos de l’évolution de la jurisprudence interaméricaine en la matière, V., par ex., Cour IDH, Caso Velásquez Rodríguez c/Le Honduras, arrêt sur le
fond, supra,§ 154; Cour IDH, Caso Godínez Cruz c/ Honduras, arrêt sur le fond, supra,§ 162; Cour IDH, Castillo Petruzzi et autres c/ Pérou, arrêt sur le
fond du 30 mai 1999, Série C, n° 52,§ 89 et 204 ; Cour IDH, Durand et Ugarte c/ Pérou, Arrêt sur le fond, supra,§ 69; Cour IDH, Bámaca Velásquez c/
Guatemala, Arrêt sur le fond, supra,§ 143 et 174 ; Cour IDH, Hilaire ,Constantine et Benjamin c/ Trinité- et-Tobago, 21 juin 2002, Arrêt sur le fond, Série
C, n° 94,§ 101; Cour IDH, Humberto Sánchez c/ Honduras, 7 juin 2003, Série C, n° 99,§ 86; Cour IDH, Bulacio c/ Argentine, supra,§ 124.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 699
ailleurs, en ce qui concerne la sanction, la Cour a déjà eu l’opportunité d’affirmer qu’elle doit viser
à l’amendement et à la réadaptation sociale du condamné89.
L’actuel Président la Cour IDH, dans son opinion individuelle jointe à l’arrêt Barrios Altos avait
déjà remarqué que «le système démocratique demande l’intervention pénale minimale de l’État,
ce qui entraîne la qualification rationnelle des actes illicites». Il considère, toutefois, que
l’obligation d’incrimination de certaines conduites d’extrême gravité, leur enquête efficace et leur
sanction est également une nécessité du système démocratique. Cette nécessité est la contrepartie
naturelle du principe d’intervention pénale minimale90.
Kathia Martin-Chenut
699
89
Lori Berenson Mejía c/ Pérou, 25 nov. 2004, Arrêt sur le fond, Série C. n° 119,§ 101.
90
V. opinion individuelle de M. Ramirez jointe à l’arrêt sur le fond dans l’affaire Barrios Altos, supra,§ 14
Os Crimes de Guerra no
Direito Internacional de nossos dias
Luiz Olavo Baptista
Associo-me, com este artigo, à homenagem ao bicentenário do STM. Este é o mais antigo
dos Tribunais Superiores brasileiros, criado por D. João VI. Quando elevado à categoria de Reino
Unido ao de Portugal e Algarves, o Brasil se tornou nação soberana. O STM subsistiu no
cumprimento de seu dever no curso da história do Brasil durante o Império, a Proclamação da
República, os vários episódios de violação da ordem constitucional, até nossos dias. Conseguiu,
mesmo em épocas tumultuadas, preservar sua independência e assegurar, no limite que as leis lhe
impunham, a garantia dos direitos individuais e o cumprimento das leis. Sua jurisprudência,
Os Crimes de Guerra no Direito Internacional de nossos dias
outro Estado que não aquele em que foram cometidos ou de onde provieram seus autores. Não
se trata de delitos internos internacionalizados, mas de ações que têm transcendência e efeitos
internacionais. A isso se agrega o fato de que o aumento das atividades externas dos Estados e
as ameaças crescentes à sua existência os levaram a ter que defender internacionalmente suas
instituições. Por isto, os crimes de guerra integram a noção maior de Direito Penal Internacional.
Este é, evidentemente, fruto de uma elaboração contínua ao longo do tempo, com avanços e
recuos.
O Direito Internacional Penal clássico é disciplina que não visa a definir crimes e aplicar
sanções. Não cuida das atividades criminosas, mas, sim, de coordenar as relações dos Estados em
matérias de direito penal nacional, valendo-se de regras sobre conflitos de leis e de cooperação
internacional.
Por isto, um autor italiano, Jannacone1, em 1946, propunha a separação do Direito Penal
Internacional do chamado Direito Internacional Penal como nova categoria na topologia jurídica.
Embora com diferenças terminológicas, Vespasiano Pella, à mesma época, sustentava que o
Direito Penal Internacional englobaria todas as infrações cometidas pelos Estados, ou aquelas em
que eles fossem o sujeito passivo das mesmas2. Os dois autores citados e outros configuravam
uma divisão entre delitos privados de alcance internacional e delitos do Estado.
Desde o século XIX foi se corporificando essa disciplina, que se convencionou chamar na
doutrina de Direito Penal Internacional3. Uma das definições mais completas foi a de Donnedieu
de Vabres, pra quem este é “a ciência que determina a competência de jurisdições estrangeiras, a
aplicação de suas leis penais em relação aos locais e às pessoas que regem, e a autoridade sobre
seu território das sentenças estrangeiras”4.
Questões como a extradição e aspectos processuais como a obtenção de provas ou os efeitos
de sentenças condenatórias oriundas de outros estados não são referidas nessa definição, embora
a integrem.5 Ao examinar o conteúdo do Direito Penal Internacional, verifica-se que é um ramo
do Direito Internacional Privado, cujos métodos e técnica são adotados com finalidade
específica. A proximidade metodológica decorre da finalidade de coordenação, que é a mesma
1
Jannacone. Diritto Penale Internazionale e Diritto Internazionale Penale. Revista Penale. Novembro 1946.
2
Pella, Vespaziano. La répression des crimes contre la personalité de l´État. Recueil t. 33 (1930-III). p. 818; também, Fonctions pacificatrices
du Droit Penal International en RGDIP 1947, p. I.
3
Há autores que consideram que havia regras jurídicas com a mesma finalidade na Grécia Clássica, nas relações entre as cidades-estado, bem como
na Roma Imperial, na Idade Média, e assim por diante.
4
Les principes modernes du D. I.. Paris, 1928. p. 30.
5
Muitos autores como Jimenez de Asua e Donnedieu de Vabres, na Europa, e o uruguaio Eustáquio Tomé, na América Latina,acreditam que o D.
Penal Internacional está a cavalo entre o D. I. Privado e o D. Público. Não é o caso de discutir aqui esta questão
6
Cf. Estatuto da Corte Internacional de Justiça, art. 38.
proteção dos cabos submarinos, e a Convenção de Paris de 1884 contém regras para a punição
do delito de causar danos aos cabos submarinos7. A falsificação de moeda e outros papéis do
estado, como a escravidão (objeto do conhecido Tratado dos cinco, firmado entre Inglaterra,
Áustria, Prússia, França e Rússia em 1841, e que deu origem a uma rede de acordos que reuniu
26 nações num esforço contra o tráfico de escravos), são exemplos dessas normas de Direito
Internacional visando a internacionalização da repressão a certas condutas. O tráfico de mulheres
e crianças é reprimido por tratados, de 1904 e 1910, pela Convenção da Sociedade das Nações
de 1921 e pela de 1933. O tráfico de publicações obscenas foi também criminalizado por conta
dos esforços da Sociedade das Nações em 1933. O tráfico de entorpecentes foi objeto de acordos
desde 1912 com a Conferência Internacional reunida em Haia por iniciativa dos EUA. O tratado
de Versalhes, no seu artigo 295 dispunha que ao ratificá-lo as partes subscreveriam a Convenção
de Haia de 1912, com o que o número de Estados aderentes a essa convenção chegou a 57. Em
Os Crimes de Guerra no Direito Internacional de nossos dias
1931, novamente por iniciativa dos EUA, uma convenção para limitar ou regulamentar a
fabricação e distribuição de entorpecentes foi firmada, e, depois, modificada e amplificada em 11
de dezembro de 1946, por um Protocolo; e os esforços não pararam por aí, pois a Convenção
de Viena de 1988 (de cuja elaboração participei a convite do então Ministro Paulo Brossard) cuida
da matéria de modo amplo8. O terrorismo aparece como delito internacional9 depois do
assassinato do rei da Iugoslávia, por terroristas croatas que se refugiaram na Hungria, e do
Ministro das Relações Exteriores da França, Barthoux, em 193410. A Sociedade das Nações
designou uma comissão de peritos para elaborar um projeto de convenção sobre a prevenção e
repressão do terrorismo e criação de um Tribunal Penal Internacional. O projeto não recolheu
apoios suficientes e esses tratados não entraram em vigor. A pirataria foi outro delito
internacionalizado pela Convenção sobre o alto mar de Genebra, de 1958, depois de proibida a
atividade dos corsários. Assim, progressivamente foi se formando um corpo de regras de Direito
Internacional destinadas à repressão de crimes que representavam ofensas a valores universais. É
no mesmo rumo desses tratados e esforços que vai se inserir a questão dos crimes de guerra.
Estes foram vistos como atos dos Estados11 .
Todavia, até meados do século XX, não se havia contemplado a categoria dos crimes
cometidos pelo Estado como hoje se faz, associando-os à responsabilidade individual de seus
agentes. O caso do Kaiser Guilherme II, contra quem depois da Primeira Grande Guerra se
esboçou uma tentativa de julgamento que se frustrou12, parece ter sido o pioneiro. Com efeito, as
7
Cf. SOUBEYROL. La condition juridique des pipelines em droit international. AFDI, 1958, p. 158 e ss. ALCORTA. Princípios de Derecho
702 Penal Internacional, p. 231: Institut de Droit International, Annuaire, tomo 33-I, 1927.
8
Além destas, há outras convenções, cuja referência aqui se faz ociosa. A referida Convenção de Viena de 1988, denominada Convenção Contra o
Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, foi promulgada em 1991, por meio do Decreto nº 154.
9
Houve, antes, alguns tratados bilaterais e conferências internacionais para cuidar da matéria, mas eramde menor alcance.
10
Um ato de terrorismo, o assassinato do arquiduque da Áustria em Sarajevo, foi apontado como umadas causas da I Grande Guerra. Francisco
Fernando, sobrinho e herdeiro do imperador da Áustria, Francisco José I, foi assassinado por um estudante sérvio quando visitava a cidade
11
Cf Hermes Marcelo Huck. Da guerra justa à guerra econômica. São Paulo, 1995. pg
12
Os Países Baixos concederam-lhe o asilo. O Tratado de Versalhes continha o artigo 227, determinando que um tribunal internacional deveria ser
estabelecido para julgar o Kaiser por “ofensa à moralidade e santidade dos tratados”: -ARTICLE 227. The Allied and Associated Powers publicly
arraign William II of Hohenzollern,formerly German Emperor, for a supreme offence against international morality and the sanctity of treaties. A
special tribunal will be constituted to try the accused, thereby assuring him the guarantees essential to the right of defence. It will be composed of
five judges, one appointed by each of the following Powers: namely, the United States of America, Great Britain, France, Italy and Japan. In its
decision the tribunal will be guided by the highest motives of international policy, with a view to vindicating the solemn obligations of international
undertakings and the validity of international morality. It will be its duty to fix the punishment which it considers should be imposed. The Allied
and Associated Powers will address a request to the Government of the Netherlands for the surrender to them of the ex-Emperor in order that
he may be put on trial.” (grifo nosso)
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 703
reparações de guerra pagas pela Alemanha após 1918, ou pelo Iraque após a invasão do Kuwait
eram de natureza monetária e compensatória, assim como o foram aquelas pagas às vitimas de
genocídio após a II Grande Guerra. No final da II Grande Guerra os artigos 6 e 8 do tratado
que criou o Tribunal Militar de Nuremberg13, cuja primeira sessão teve lugar em 20 de Novembro
de 1945, proferindo as suas sentenças em 3 de Setembro e 1o de Outubro de 1946, definiu os
sujeitos que seriam julgados por essa corte, e o Projeto da ONU sobre um Código dos Crimes
de Guerra dispunha no seu artigo 1º que “los crímenes contra la paz y la seguridad de la
humanidad, definidos en el Presente Código, son crimines de Derecho internacional y los
individuos responsables serán castigados”14 O elemento moral (configurado pelos valores
comuns à humanidade) foi incluído na qualificação da infração, e se reafirmou no texto dos
artigos 9 e 11 do Estatuto da Corte, quando enunciou que pertencer a uma organização ou grupo
de caráter criminal reconhecido não bastaria para estabelecer a responsabilidade que
subordinava-se ao elemento subjetivo, ou seja, o conhecimento do caráter criminoso da
organização. Começa aí a fase da institucionalização.
13
Um tribunal similar foi, também, estabelecido para os crimes de guerra cometidos na Ásia, e operou de 1946 a 1948
14
Não há tradução oficial do texto.
15
MAUPAS, Stéphanie. L´essentiel de la justice pénale internationale. Paris, Gualino éditeur, 2007, p 24.
16
Pinochet foi preso em Londres, pela Scotland Yard, em 1998, por determinação do juiz espanhol Baltasar Garzon. Devido às suas condições de
saúde, o ministro britânico Jack Straw impediu sua extradição para a Espanha e autorizou sua volta ao Chile, em 2000. O General era acusado de
ter cometido os crimes de genocídio, terrorismo e tortura, e faleceu em Santiago, em dezembro de 200.
17
O Tribunal Penal Internacional em Haia solicitou a detenção de Milosevic, em 2001. Neste mesmo ano ele foi preso e transferido para Haia, acusado
de ter cometido os crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio, durante a guerra civil da ex-Iugoslávia. Em março de 2006, antes de receber
uma sentença, ele foi encontrado morto em sua cela, em decorrência de problemas cardíacos.
no exercício de suas funções. É importante notar que a Espanha, ao reivindicar ao Reino Unido
a extradição do ditador chileno, invocou uma lei de competência internacional. O fato de , por
razões que não cabe aqui discutir, a Espanha não ter obtido a extradição do ditador chileno não
diminui o alcance dos efeitos da justiça penal internacional. A lei de competência universal da
Bélgica viu e fez com que o número de denúncias congestionasse as instâncias judiciárias do país.
Ações contra Ariel Sharon, primeiro ministro de Israel, depois contra os dirigentes norte-
americanos, quando da primeira guerra do Iraque, levaram a um conflito diplomático importante.
Aí, a política se imiscuiu no judicial. Para as potências dominantes, a competência internacional
era vista como uma ameaça; daí porque o governo dos Estados Unidos pressionou o reino da
Bélgica a que modificasse a sua legislação.
Donnadieu de Vabres, o procurador francês no Tribunal de Nuremberg, dizia em 1947 que
“seria estranho que a cada manifestação da criminalidade internacional devesse suceder a
fundação de um tribunal de ocasião”. “A afirmação dos princípios de Nuremberg é ilusória, se
Os Crimes de Guerra no Direito Internacional de nossos dias
não existir um órgão pré-constituído e permanente digno de sancioná-los”. Ele propugnava pelo
que constitui outra etapa do desenvolvimento do Direito Penal Internacional, que se caracteriza
pela criação de jurisdições internacionais penais.
Todavia, esse anseio não prosperou com facilidade, pois se manifestaram, a esse propósito,
no seio da própria Organização das Nações Unidas, hesitações, dúvidas, e até mesmo oposição.
Com efeito, todas as tentativas de criar uma corte internacional penal permanente foram
congeladas pela Guerra Fria e ficaram como letra morta até o fim dos anos 90. Foi preciso que
ocorresse o genocídio da Bósnia-Herzegovina e, depois, o da Ruanda para que o precedente de
Nuremberg, enfim, desse frutos e se tornasse em regra jurídica.
É verdade que houve uma evolução do ponto de vista moral desde Nuremberg até os nossos
dias. No Conselho de Segurança, entretanto, o representante da República Tcheca18 na ONU, em
1994, advertia que “a justiça é uma coisa, a reconciliação outra. O Tribunal poderia ser veículo da
justiça, mas ele não foi concebido para ser o veículo da reconciliação. A justiça se ocupa dos
criminosos, quer eles compreendam ou não que haviam desviado a sua conduta. Mas a
reconciliação é mais complicada porqueela é impossível enquanto os criminosos não tiverem
manifestado o seu arrependimento. Só então poderão suplicar às suas vítimas o perdão, só então
será possível a reconciliação”. Nós assistimos no interior de vários países a um processo em que
as violações dos direitos humanos fundamentais seguiram o caminho da reconciliação, em
outros, o caminho escolhido foi o do olvido para, a partir dele, tentar construir a reconciliação.
No primeiro caso, os sentimentos de dor e de sofrimento encontraram de outro lado a
manifestação do pedido de perdão do criminoso e, aí, o reconhecimento da prática do crime é
visto como um progresso na afirmação da humanidade da vítima e do autor do delito, e abriu a
porta para a reconciliação.
704 No caso do olvido, o ressentimento e a capacidade de reincidir persistem, ainda que em
estado latente, e a sociedade fica sem ter a percepção do que seria uma reconciliação real. Do
ponto de vista do direito internacional, nasceu um novo dever internacional para os Estados que
ainda é objeto de grandes discussões. Trata-se do dever de ingerência, com o qual emergiu um
princípio, que não é tão contestado, o da justiça absoluta e universal. Este último visa a obter a
impunidade zero; o dever de ingerência serve de instrumento para o princípio da justiça absoluta
e universal.
Mais tarde, o compromisso diplomático permitiu que se criassem os tribunais “ad hoc” para
a Ruanda, a ex-Iugoslávia, o Camboja e a Serra Leoa, estabelecendo, nesses acordos, limites para
18
http://www.mzv.cz - Ministério de Negócios Estrangeiros da República Tcheca (m/tradução livre).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 705
atuação dos promotores e preservando um certo controle dos estados sobre a atuação dos
tribunais. A competência desses tribunais “ad hoc” tem limites temporais e materiais e oferecem
garantias à preservação da soberania dos estados. Veio então a Corte Penal Internacional19: ela
nasce de um compromisso. De um lado, aqueles que defendiam a necessidade de uma justiça
universal absoluta, e, de outro, os que ferozmente defendem as soberanias nacionais. Por isso
mesmo, o tratado que a criou, limitou a extensão da sua competência em primeiro lugar às
pessoas naturais dos estados que ratificaram esse tratado, ou para os crimes cometidos sob o seu
território.
Daí porque, apesar do seu nome de Tribunal Penal Internacional, ele não ter alcance universal.
Todavia, há uma brecha no tratado muito importante; é a que permite ao Conselho de Segurança
da ONU acionar a Corte em relação a um estado que não tenha ratificado o tratado, como já
ocorreu em relação a Darfur. O que aconteceu no decurso destes últimos anos foi que os
tribunais “ad hoc” permitiram a criação de um núcleo de profissionais especializados, e as
comissões internacionais de diplomatas e juristas que atuam passaram a ter muito mais eficácia
do que no passado. A resolução da ONU, por exemplo, criando o Tribunal Especial para o
Líbano20, deu aos trabalhos deste Tribunal uma força legal de justiça internacional. Por que este
Tribunal especial do Líbano suscita críticas? É que ele tem no seu âmbito os crimes de terrorismo
que não são de competência da Corte Penal Internacional. Assim, embora o Tribunal tenha
nascido do movimento de internacionalização de justiça, capitaneado pela ONU, os crimes que
ele vai tratar estão definidos no Código Penal Libanês. De fato, o compromisso diplomático que
permitiu a criação deste Tribunal aceitou a imposição dos Estados de que os crimes não fossem
internacionalizados e proibiram a qualificação do mesmo como crime contra a Humanidade.
Assim, nós podemos verificar que, lentamente, passo a passo, vai se construindo uma justiça
penal internacional e esta é extremamente importante para a Humanidade.
19
Trata-se do primeiro tribunal penal internacional permanente. A jurisdição e o funcionamento da referida Corte são regulados pelo Estatuto de
Roma, que o Brasil assinou em 07.02.2000 e ratificou em 20.06.2002.
20
A criação do Tribunal Especial para o Líbano foi autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU em 30 de maio de 2007, por meio da Resolução
1757 (2007). O objetivo deste Tribunal é julgar o assassinato do ex-Primeiro Ministro libanês Rafiq Hariri, além de outros assassinatos políticos
ocorridos nos últimos anos
21
Droit International Pénal. Paris: CEDIN Paris X, 2000. Chapitre 21, n. 1. (Tradução livre)
internacional na matéria. Segundo o direito internacional clássico, a violação das regras do “jus
in bello” acarretava a responsabilidade do Estado beligerante e não do indivíduo autor do ato
criminoso.
A responsabilidade individual aparece de maneira tranqüila, passo a passo, com as
obrigações de punir individualmente aqueles que violam as disposições do “jus in bello”. Os
Abi-Saab apontam22 que o primeiro passo da evolução na matéria ocorreu a partir do Código
de Lieber e terminou com a Segunda Guerra Mundial. Essa evolução coincide com a do
Direito Internacional Penal, que observamos. Com efeito, até então predominava o
interestatismo clássico, com as atividades de cooperação e coordenação entre os Estados, que
preservavam ciosamente sua soberania. Pouco a pouco, ainda sob a égide do interestatismo
clássico23, os delitos passam a ser enunciados de forma definida por fontes de direito
internacional público, ou sua punição torna-se obrigatória pela via de convenções
multilaterais.
Os Crimes de Guerra no Direito Internacional de nossos dias
O Código de Lieber, de 1863, foi redigido por Francis Lieber no contexto da Guerra Civil
Americana, e promulgado pelo Presidente Lincoln, em 24 de abril de 1863 sob forma de
“Instruções para o Comportamento do exército dos EUA em campanha.” Nele aparece, ao que
se crê, pela primeira vez, o princípio da responsabilidade penal individual24. Trata-se, como se
sabe, de regra de direito interno. Mas, pelo seu caráter amplo e muito detalhado, ele exerceu uma
influência muito importante sobre a Conferência de Bruxelas de 1874.
Nesta conferência elaborou-se o projeto de “Declaração Internacional Relativa às Leis de
Costumes da Guerra”, declaração esta que nunca foi submetida à ratificação, nem a prévias
medidas para repressão das violações. Poderíamos classificá-la na categoria de softlaw sem os
efeitos da hardlaw que seriam de desejar. Depois, o celebrado Instituto de Direito Internacional,
em 1880, adotou o “Manual de Oxford”, que serviu de base para elaboração de códigos ou
manuais militares sobre as leis de costumes da guerra. Lá, também aparece a sanção penal
individual. De se notar que os crimes de guerra em grande parte não foram atos de militares, mas
sim de civis. A seguir, as famosas Convenções da Haia de 1899 e de 1907 contemplaram certos
casos de violações das leis de costumes da guerra que permitiam a incriminação individual. Mas
ainda aí, a responsabilidade internacional do Estado que continuava a existir como costume,
passa à positividade, na Convenção da Haia de 1907 de número 4, que revia a de 1899. No seu
artigo 3, esse tratado dizia: “a parte beligerante que viole os dispositivos deste regulamento será
obrigada a pagar uma indenização, se couber. Ela será responsável de todos os atos cometidos
por pessoas que fazem parte de suas forças armadas”.
Finalmente, no tratado de Versailles, ao fim da Primeira Guerra Mundial, com a criação da
comissão de responsabilidade e com os trinta e dois atos definidos como crimes de guerra,
passou-se a uma abrangência maior dessas regras.
706 Mas é somente com a Segunda Guerra Mundial e o processo de Nuremberg, que se dá mais
um passo relevante face aos crimes de guerra. Em 8 de agosto de 1945 depois da famosa
declaração de Moscou de 30 de outubro de 1943 sobre as atrocidades alemãs, os governos dos
Estados Unidos, da França, da Grã-Bretanha e da União Soviética assinaram o chamado “Acordo
de Londres” que criou um Tribunal Militar Internacional para julgar os criminosos de guerra
cujos crimes não têm localização geográfica precisa, quer sejam acusados individualmente ou a
22
Droit International Pénal. Paris: CEDIN Paris X, 2000. Chapitre 21, n. 4. (Tradução livre)
23
A expressão é de Serge Sur. Le droit International pénal entre l’État et la société internationale, conferência proferida no colóquio sobre a
internacionalização do direito penal, na Faculdade de Direito da Universidade de Genebra, em 16 e 17 de março de 2001. Publicada em Actualité
et Droit Intrernational, em outubro de 2001 (http://www.riri.org/adi).
24
Vejam-se, por exemplo, os artigos 44 e 71 do Código de Lieber.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 707
25
Estatuto do Tribunal de Nuremberg, histórico e análise, memorando do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas apresentado à
Assembléia geral. Comissão de Direito Internacional, 1949, anexo 1.
26
Trata-se de quatro tratados formulados em Genebra, que definem padrões para as leis internacionais sobre Direitos Humanos: Primeira Convenção
de Genebra para melhora das condições dos feridos e doentes nas forças armadas no campo (adotado em 1964, e revisado em 1949); Segunda
Convenção de Genebra para melhora das condições dos feridos e doentes nas forças armadas navais (adotada em 1949 – sucedeu da X Convenção
de Haia de 1907); Terceira Convenção de Genebra relativa ao tratamento de prisioneiros de guerra (adotado em 1929, e revisado em 1949); e Quarta
Convenção de Genebra relativa à proteção de pessoas civis em período de guerra (adotada em 1949 – baseada em partes da IV Convenção de Haia
de 1907)
27
Serge Sur, op. Cit. (m/tradução livre)
as carências mais amplas e mais graves e não as cura. De fato ele sublinha o fracasso – os
fracassos multiplicados – dos mecanismos de segurança instituídos pelo direito, seja o direito
interno ou o internacional. Fracasso dos mecanismos preventivos, de um lado, dos mecanismos
corretivos, de outro lado, pois que todo sistema de segurança comporta um duplo aspecto:
prevenir, dissuadir pelo mero fato de existir; corrigir reparando ou reprimindo se a dissuasão não
for suficiente.”
A opção entre uma e outra posição é a dos personagens da fábula aos quais se oferece uma
taça com vinho pela metade...
• 1864 First Geneva Convention “for the Amelioration of the Condition of Wounded and
Sick in Armed Forces in the Field”.
• 1868 St. Petersburg Declaration Renouncing the Use, in Time of War, of Explosive
projectiles Under 400 Grammes Weight.
• 1874 Project of an International Declaration concerning the Laws and Customs of War
(Brussels Declaration). Signed in Brussels on 27 August, this agreement never entered into
force, but formed part of the basis for the codification of the laws of war at the 1899
Hague Peace Conference.
• 1880 Manual of the Laws and Customs of War at Oxford. At its session in Geneva in
1874 the Institute of International Law appointed a committee to study the Brussels
Declaration of the same year and to submit to the Institute its opinion and supplementary
proposals on the subject. The work of the Institute led to the adoption of the Manual in
1880 and it went on to form part of the basis for the codification of the laws of war at
the 1899 Hague Peace Conference.
• 1899 Hague Conventions consisted of four main sections and three additional
declarations (the final main section is for some reason identical to the first additional
declaration):
• I – Pacific Settlement of International Disputes;
• II – Laws and Customs of War on Land;
• III – Adaptation to Maritime Warfare of Principles of Geneva Convention of 1864;
• IV – Prohibiting Launching of Projectiles and Explosives from Balloons;
• Declaration I – On the Launching of Projectiles and Explosives from Balloons;
• Declaration II – On the Use of Projectiles the Object of Which is the Diffusion of
708 Asphyxiating or Deleterious Gases;
• Declaration III – On the Use of Bullets Which Expand or Flatten Easily in the Human
Body.
• 1907 Hague Conventions had thirteen sections, of which twelve were ratified and entered
into force and two declarations:
• I - The Pacific Settlement of International Disputes;
• II – The Limitation of Employment of Force for Recovery of Contract Debts;
• III – The Opening of Hostilities;
• IV – The Laws and Customs of War on Land;
• V – The Rights and Duties of Neutral Powers and Persons in Case of War on Land;
• VI – The Status of Enemy Merchant Ships at the Outbreak of Hostilities;
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 709
710
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 711
Os pneus usados são potencialmente danosos à saúde pública. Na maioria dos Estados, é
comum encontrar normas sobre a disposição final dos pneus, obrigando os fabricantes a
encontrar um uso sustentável aos pneus inservíveis. O descarte indevido dos pneus em rios, por
exemplo, provoca assoreamento e enchentes. O acúmulo em depósitos clandestinos provoca
* Doutores em Direito. Professores do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília. Emails: [email protected] e
[email protected]
sérios problemas sanitários, com conseqüente proliferação de doenças, como a dengue, malária,
cólera, etc. A queima não controlada a céu aberto pode liberar níveis perigosos de monóxido de
carbono e hidrocarbonetos mono e poliaromáticos na fumaça, além de causar danos à fauna e à
flora, em função de compostos orgânicos, tais como óleos de pirólise que restam depositados no
solo. A disposição em aterros provoca problemas de flotação e desestabilização, sendo
A Organização Mundial do Comércio como catalisadora de divergências no Estado
1
Dados da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 713
A preocupação ambiental com a destinação final dos pneus não é apenas das autoridades
brasileiras, mas um problema mundial. A União Européia passa por um processo rápido de
endurecimento das normas ambientais para destinação final de pneus usados. A Diretiva
1999/31/CE impede que os pneus sejam enterrados em aterros sanitários a partir e 2006, a
principal forma de destinação destes produtos até então. Deste modo, houve uma redução
importante das alternativas de destinação final das empresas européias, com aumento forte nos
custos para cumprimento das normas ambientais. Neste sentido, as repercussões imediatas
foram:
a) A proibição, a partir de 1 de janeiro de 2006, da disposição de pneus usados em aterros,
o que acarreta no fato de aproximadamente 35% de todos os pneus procurarem destinos
ambientalmente menos rígidos.
a) A existência de grande probabilidade de que os pneus usados europeus, sejam eles
reformados ou não, viessem a ser exportados para o Brasil a custo zero ou simbólico,
exclusivamente para que, em virtude da proibição acima, tenha-se um destino final para
esse resíduo. A produção de carcaças pela Alemanha, França, Itália e Espanha, membros
da UE, já soma aproximadamente 1.210.000 toneladas/ano, o que significa uma
exportação potencial de 423.500 toneladas/ano2;
O problema se agrava pela concentração no setor, dominado por algumas empresas cujas
sedes se encontram em países desenvolvidos com normas ambientais mais rígidas. As empresas
fabricantes de pneus novos no Brasil são, em forte maioria, filiais de empresas fabricantes de
pneus na Europa e Estados Unidos. Logo, não existe uma forte reação das empresas que
fabricam pneus novos contra qualquer redução de preços dos pneus exportados pelas suas
matrizes.
O resultado imediato é a redução brusca do preço dos pneus recauchutados europeus.
Enquanto um pneu novo de um veículo utilitário custa em média R$ 150,00, o pneu
O Poder Executivo, não apenas federal, mas também dos Estados, a exemplo do Paraná,
criou diferentes programas para gerir o problema, como:
a) Maior controle da destinação final dos pneus inservíveis, exigindo-se que os importadores
e fabricantes recuperassem uma parcela maior dos pneus vendidos no mercado;
b) Campanha constante de saúde pública, em todas as mídias, de forma a conscientizar a
população sobre os problemas sanitários;
2
WT/DS332, posição do Brasil junto ao Grupo Especial
3
WT/DS332/R, segunda declaração oral do Brasil, para. 63, prova documental nº. 168.
As empresas fabricantes de pneus têm interesse na importação de pneus usados para o Brasil,
mesmo aquelas instaladas no país, porque são em geral filiais de empresas européias. Ao retirar
o produto da Europa, economizam os custos do tratamento obrigatório, de acordo com a norma
comunitária e como as normas brasileiras são menos exigentes e menos efetivas em virtudes de
fraquezas institucionais, a importação se torna mais atraente. O interesse se torna ainda maior em
virtude do grande consumo brasileiro de pneus, um dos maiores do mundo e que se amplia
rapidamente nos últimos anos. As empresas reagiram em três esferas: no Mercosul, junto aos
tribunais brasileiros e na Organização Mundial do Comércio.
No Mercosul, as primeiras reações vieram de uma empresa estatal uruguaia que fabrica pneus
recauchutados, cujo principal mercado é o Brasil. De fato, após a norma brasileira, houve diversas
manifestações em frente da Embaixada do Brasil em Montevidéu e, por fim, uma ação no
tribunal arbitral do Mercosul. Curiosamente, o Brasil preferiu não alegar qualquer motivo
714 ambiental na sua defesa contra o Uruguai, o que poderia fazer em virtude do art. 50 d) do Tratado
de Montevidéu (similar ao art. XX b do GATT) , o que foi criticado pela própria União Européia
no contencioso na OMC. A União Européia alegou que o Brasil não desejava realmente ganhar
o processo contra o Uruguai no Tribunal Arbitral do Mercosul, tendo apenas participado de um
contencioso para perder e, assim, legitimar a abertura comercial ao Mercosul, enquanto mantinha
restrições contra os demais Estados. Nas palavras da União Européia:
“O Brasil escolheu deliberadamente não se defender contra o Uruguai por motivos ligados à
saúde e à segurança das pessoas, enquanto que ele invoca agora este fundamento de defesa contra
as Comunidades Européias”.4
4
WT/DS332/R, para. 7.282.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 715
É interessante notar as diferenças de percepção sobre as lógicas que guiam os dois sistemas
de solução de controvérsias. De fato, parece que existe no Executivo brasileiro a consideração da
Organização Mundial do Comércio como um foro mais sensível às questões ambientais do que
o Tribunal Arbitral do Mercosul. Caso contrário, o uso de argumentos ambientais também teria
sido considerado apropriado pelos negociadores brasileiros neste foro. Como veremos abaixo,
esta opção foi um dos alicerces para a perda do Brasil no Órgão de Apelações.
Com esta solução, não haveria grandes impedimentos a que as empresas européias fizessem
suas exportações ao Brasil, por meio do Uruguai, ou seja, que exportassem os pneus usados ao
Uruguai, para que os mesmos fossem recauchutados e reexportados ao Brasil. Em um primeiro
momento, houve realmente um aumento das exportações de pneus usados em direção ao Brasil,
mas não de forma significativa, porque as empresas exportadoras conseguiram liminares na
justiça brasileira, não mais sendo necessário triangular a comercialização pelo Uruguai. Isso não
ocorre apenas pelo volume de pneus exportados e por soluções alternativas encontradas pelas
empresas, como veremos a seguir.
O principal caminho de entrada foi com a obtenção de liminares contra a tarifa imposta sobre
a importação de pneus. De fato, a reação do Judiciário brasileiro tornou possível um aumento
significativo da quantidade de pneus usados importados, sem o pagamento de taxas. A tabela
abaixo demonstra a evolução das importações autorizadas por liminares, em toneladas de pneus,
que partiram de pouco menos de 1,5 milhão de toneladas no ano de 2000, para quase 10 milhões
de toneladas em 2005, números que tiveram um salto substancial a partir de 2006, com a entrada
em vigor de normas mais rígidas na Europa.
Tabela 1. Progressão da importação de pneus pelo Brasil, em virtude de liminares obtidas no Judiciário.
O contencioso foi o primeiro caso onde o governo brasileiro não era apoiado por empresas
privadas. Em todos os demais contenciosos, havia o suporte de grandes escritórios de advocacia,
em geral norte-americanos, contratados por empresas privadas brasileiras, que garantiam apoio
ao processo. No contencioso dos pneus, houve a contratação de um advogado norte-americano,
mas o Governo teve uma ação muito mais ativa na preparação das defesas e representação junto
a OMC.
Na prática, esta ação significou optar por discutir, no foro comercial multilateral, tema afeto à
relação entre comércio, meio ambiente e saúde pública. Em paralelo ao contencioso, foi necessário
avaliar as modificações necessárias no arcabouço jurídico do País, com o objetivo de fortalecer a
legislação ambiental nacional a respeito da matéria, em especial no que tange à gestão adequada
dos pneus usados que se acumulam no território nacional, o quê foi feito pelo mesmo GTI
instituído pelo Conselho de Ministros da CAMEX para estudar a alternativa de ação escolhida.
O Brasil decidiu combater o problema por diversos instrumentos: alterar a norma nacional,
deixando-a mais rígida e esclarecendo os pontos discutidos no Judiciário; agir junto ao Supremo
Tribunal Federal, para derrubar as diversas liminares concedidas nos diversos Estados. Assim o
Poder Executivo preparou um Anteprojeto de Lei instituindo o Sistema de Gestão
Ambientalmente Sustentável de Pneus (SGASP), com o objetivo principal de buscar solução para
O Brasil procurou mostrar que a medida restritiva de comércio constitui a única maneira
capaz de evitar a geração no País de quantidades adicionais de resíduos de borracha, para cujas
alternativas de eliminação ou de destinação final a um só tempo, adequadas do ponto de vista
ambiental e economicamente viáveis, não existiriam nem no Brasil, nem em qualquer outra parte
do mundo. Foi necessário comprovar, ainda, que não dispõe sequer de capacidade para destinar
o volume de pneus descartados anualmente (estimado em 35 a 40 milhões de unidades), número
ao qual se deve somar o passivo ambiental acumulado no curso dos anos, e que, portanto, não
podia correr o risco de ver este volume aumentar pela via da importação de pneus reformados.
Ademais, estatísticas do setor indicam que 40% das carcaças atualmente importadas não se
prestam a qualquer processo de reforma, o que as coloca, de imediato, como pneus inservíveis,
sem nenhum valor econômico, somando-se aos 100 milhões de pneus desse gênero já integrantes
do passivo ambiental brasileiro, conforme estimativas ainda de 2001.
Neste sentido, embora o pneu usado, servível ou inservível, não esteja considerado por
tratados multilaterais como resíduo perigoso, o que possibilitaria a proibição da importação, são
evidentes os riscos potenciais causados pela eliminação e utilização indevida desse tipo de
produto. Neste sentido, procurou-se utilizar a exceção em nome da proteção do meio ambiente
e da saúde humana previstos no art. XX, b, do GATT.
Do ponto de vista de saúde pública, procurou-se demonstrar que o aumento do volume de
pneus descartados enseja maior acúmulo e dispersão no território nacional do criadouro
privilegiado dos vetores da dengue e da febre amarela e, conseqüentemente, gera maior risco de
propagação das citadas doenças, em especial no meio urbano, o que exige importante incremento
nos dispêndios públicos com programas de profilaxia. Assim, buscou-se justificar as normas já
existentes para restringir a importação e impor aos fabricantes e importadores de pneus a
obrigatoriedade de coletar e dar destinação final, ambientalmente adequada, a pneus inservíveis
existentes no território nacional, bem como a restrição que pretende garantir.
Foi necessário, por fim, evidenciar que a pertinência e legitimidade do tratamento
diferenciado concedido aos parceiros do Mercosul, reconhecida união aduaneira, dos quais é
permitida a importação de pneus reformados, visto estar ela ocorrendo única e exclusivamente
em função da necessidade de cumprir a decisão do tribunal arbitral ad hoc, anteriormente
mencionada e rebater a alegação de alguns de ser o pneu usado matéria-prima essencial às
718 fábricas de pneus remoldados, explicitando que o material produzido pelo Brasil é suficiente para
atender a demanda desse segmento, sendo, inclusive, uma alternativa ao tratamento a ser dado ao
nosso próprio resíduo pneumático. Além disso, foi necessário evidenciar que parte substancial
dos pneus usados importados é repassada diretamente aos consumidores, como pneus meia-vida,
que irão onerar ainda mais o passivo ambiental e de saúde pública brasileiro, num período de
tempo bem menor que o pneu novo.
Na seqüência, para evidenciar ainda mais a seriedade de propósitos do Governo brasileiro em
garantir a efetividade da sua política de não geração adicional de resíduos sólidos, a qual tem
como objetivo maior proteger o meio-ambiente e a saúde pública, também foi solicitado ao
Advogado Geral da União interpor no Supremo Tribunal Federal uma Ação de Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), tendo em vista a violação do direito
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 719
A Organização Mundial do Comércio agiu conforme suas decisões anteriores: analisou, com
densidade jurídica, de forma objetiva, cada um dos argumentos levantados pelas partes: a
existência da barreira comercial, a sua legitimação à luz da alínea b e g do artigo XX e a
compatibilidade da medida com caput do art. XX do GATT. O primeiro ponto não foi sequer
questionado pelo Brasil, concentrando-se a discussão sobre a licitude das barreiras levantadas.
No tocante às alíneas do artigo XX, era necessário identificar se a medida servia para a
proteção do meio ambiente e da saúde humana. Assim, temos:
3.1 O reconhecimento como uma medida para a Proteção dos animais e vegetais (art.
XX, b)
A União Européia sustentava que o Brasil não precisaria impedir a importação de pneus para
atingir seus objetivos. Alegava que o Brasil deveria ter encorajado ou assegurado a recauchutagem
de pneus de origem nacional, para veículos privados, inclusive com campanhas de sensibilização
ou então com o uso das compras públicas para impor a instalação de pneus recauchutados nos
veículos oficiais; medidas procurando melhorar a baixa capacidade para recauchutagem dos
pneumáticos brasileiros; medidas susceptíveis de reduzir a utilização de veículos no Brasil, por
exemplo, incentivando o uso de transportes públicos em zonas urbanas; em relação aos pneus já
A Organização Mundial do Comércio como catalisadora de divergências no Estado
recauchutados, incentivar políticas de uso mais duradouro dos pneus, como com um melhor zelo
dos veículos, obrigatoriedade de inspeção técnica e campanhas para sensibilização de melhores
práticas de direção.
O Brasil se defendia argumentando que nenhuma destas medidas, mesmo se empregadas em
conjunto, teria efeitos sólidos para a solução do problema, em virtude dos seus alcances
concretos e porque a diferença de preços entre os dois produtos era muito significativa. Dentro
de uma matriz de análise de risco e, considerando a liberdade do Brasil fixar seus próprios níveis
de risco, o Grupo Especial reconheceu a necessidade das medidas brasileiras.
As Comunidades Européias alegaram que a medida era arbitrária e injustificável tanto pela
possibilidade de entrada de pneus recauchutados via MERCOSUL, quanto da possibilidade de
entrada de pneus por liminares.
No tocante ao primeiro ponto, o MERCOSUL, houve uma construção importante para
discussão de possíveis contenciosos futuros. O Grupo Especial reconheceu que o cumprimento
da medida do Tribunal Arbitral Ad hoc do MERCOSUL não era injustificável, porque emanada
de um órgão jurisdicional regional, mas somente porque o volume de pneus importados decorrente desta
decisão foi pouco relevante. Se fosse um volume significativo, a medida teria sido considerada
arbitrária. Veja neste ponto que não há um respeito da organização multilateral ao sistema
regional de solução de controvérsias. Não se questiona a legitimidade em função dos tratados
regionais, mas em função dos impactos da medida no plano concreto.
O problema central do contencioso, no entanto, está no segundo argumento: o tratamento
desigual entre os exportadores, porque o Estado brasileiro permitia a alguns a importação (para
aqueles que tinham decisões liminares) e proibia aos demais. O OSC considerou que o Brasil
estava possibilitando a importação de pneus usados de algumas empresas européias e não de
outras, de forma arbitrária. De fato, o volume de importação de pneus aumentou quase 1000%
desde o início das liminares. O OSC reconheceu as dificuldades práticas na relação entre
diferentes poderes no Brasil, mas lembrou que o Estado brasileiro é responsável como um todo
pelo cumprimento coerente do direito internacional e que o importante nesta relação é o
720 resultado final do conjunto de medidas tomadas e, pela análise deste conjunto, a posição do Brasil
era contrária às exigências do direito internacional.
Nas palavras do relatório do Grupo Especial:
“Em decorrência da importação de pneus usados em razão de decisões judiciais, a medida em
questão foi aplicada como uma discriminação injustificável. A concessão de decisões limiares
para a importação de pneus usados significou de fato que, contrariamente à lógica prevista pela
medida, as empresas de recauchutagem nacionais puderam continuar a beneficiar da importação
de quantidades importantes de pneumáticos usados como matéria-prima para suas próprias
atividades, enquanto que os concorrentes dos Estados não-membros do MERCOSUL foram
excluídos do mercado brasileiro. A restrição ao comércio internacional, que é inerente à proibição
de imprtar pneus racauchutados beneficiou as empresas nacionais”.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 721
No entanto, o Órgao de Apelações foi além. Mesmo se o Grupo Especial não aceitou os
argumentos das Comunidades Européias, o Órgão de Apelações, em sua decisão de 03.12.2007,
infirmou a decisão de “primeira instância”, ao considerar que o Brasil não poderia cumprir a
decisão do MERCOSUL sem também permitir a importação européia. Indiretamente, isso
significa considerar a própria decisão do MERCOSUL contrária ao art. XX, b do GATT. De
acordo com a decisão, mesmo se o Tribunal Arbitral ad hoc do MERCOSUL é um órgão
jurisdicional ou quase-jurisdicional válido, ele não poderia decidir a favor de uma medida contra
a proteção da saúde humana, dos animais e dos vegetais e depois esta decisão ser utilizada como
justificativa para uma exceção ambiental na OMC. Não importa, na prática se o Brasil alegou ou
não questões ambientais no processo do Mercosul, mas sim o resultado prático final.
Desta forma, o OSC/OMC se coloca como uma espécie de instância superior ao Tribunal
Arbitral do Mercosul, não por uma questão jurídica, mas de efetividade das suas decisões. As
decisões do MERCOSUL são válidas no âmbito global apenas quando em consonância com as
decisões da OMC. Neste caso, de acordo com o Órgão de Apelações, o Brasil poderia ter
utilizado na sua defesa o art. 50, b do Tratado de Montevideo, que cuida das questões ambientais,
bem como o Tribunal Arbitral poderia ter utilizado as exceções ambientais para proferir sua
decisão.
Nas palavras do Órgão de Apelações:
“No caso, a discriminação entre os países do MERCOSUL e os outros membros da OMC
na aplicação da proibição de importar foi introduzida em consequência de uma decisão de um
tribunal arbitral do MERCOSUL. O tribunal considerou que o Brasil agia de forma errada
porque a restrição à importação de pneumáticos remodelados era incompatível com a proibição
de novas restrições ao comércio em virtude das regras do Mercosul. Na nossa opinião,a decisão
tomada pelo tribunal arbitral do MERCOSUL não é uma razão aceitável para a discriminação
porque ela não tem relação com o objetivo legítimo perseguido pela interdição de importar que
decorre do artigo XX b), e pode ser vista como sendo contrária a este objetivo, ainda que
indiretamente. Por conseqüência, nós consideramos que a exceção tocante ao MERCOSUL fez
5
WT/DS332/AB/4, para. 228
6
SLAUGHTER, A-M., BURKE-WHITE, W. The future of international law is domestic (or the european way of law) in Harvard International Law
Journal. 327, 47.
Isso porque o novo direito internacional do comércio, criado a partir de 1995, impõe-se com
níveis de cogência e efetividade muito além daqueles com os quais os Estados estavam
acostumados em outras formas de integração, à exceção da União Européia, que já possuía
instituições regionais mais sólidas. Neste sentido, as lógicas de interpretação globais, como as do
OSC, muito inspiradas no direito anglo-saxão impõem-se sobre sistemas regionais de integração
A Organização Mundial do Comércio como catalisadora de divergências no Estado
7
CEDH. Contencioso Soering c. Reino Unido. Decisão de 7.07.1989. Para decisões contra a extradição ao Irã e a China, ver CEDH. Aspichi Dehwari
c. Países Baixos. Decisão de 22.06.1999 e CEDH. Yang Chun Jin c. Hungria. Decisão de 08.03.2001. Corte Constitucional Italiana. Cassazione
penale 1996, p. 3258, nota Dionatellevi. Decisão de 26.06.1996. Decisão da Suprema Corte da África do Sul. Contencioso State c. Makwangane, de
1995. Sobretudo, ver DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit (II). Le pluralisme ordonné. Paris : Seuil, 2006, p. 50-65.
8
VARELLA, M. D. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 723
9
Sobre a noção de disjunção: Legalizando o ilegal: propriedade e usurpação no Brasil, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21: 68-89 James
HOLSTON and Teresa P. R. CALDEIRA. In press (1997). e Democracy, law, and violence: disjunctions of Brazilian citizenship. In Fault lines of
democratic governance in the Americas. Felipe Agüero, and Jeffrey Stark, editors. Miami: North-South Center Press and Lynne Rienner Publishers.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 725
eficiência das políticas públicas, aqui especificamente no âmbito da proteção ambiental. Há, de
certa forma uma incompatibilidade valorativa intrínseca entre os valores da livre iniciativa e da
realização eficiente de políticas públicas, dados os focos individualista daquele e coletivista
deste. Entretanto, ao deixar sem resposta um conflito no qual os limites de força dos dois
princípios precisam ser delimitados, o Judiciário acaba por agravar a aparente
incomensurabilidade da coexistência entre ambos. A função controladora e reguladora das
normas, com seu atributo essencial de previsibilidade, fica gravemente prejudicada,
subordinando na prática a expectativa dos atores econômicos às sinalizações normativas
externas, no caso à decisão da OMC.
10
FARIA, José Eduardo. (organizador) Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas, São Paulo, Malheiros, 1996, pág. 9
11
José Reinaldo de Lima LOPES.. A função política do Poder Judiciário in Direito e Justiça - A função social do Judiciário, José Eduardo Faria (org),
págs. 124/129
12
A sociedade brasileira tornou-se assim uma sociedade complexamente estruturada, onde as possibilidades conectivas e significativas ultrapassam em
muito a previsibilidade normativa. Sobre a noção de complexidade estrutural, LUHMANN, Niklas, Sociologia do Direito, Rio de Janeiro, Edições
Tempo Brasileiro, 1983, 2 volumes.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 727
4.4 O conseqüencialismo
13
Exemplos são Ronald Dworkin, Neil MacCormick e Manuel Atienza.
14
MACCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Clarendon Series, 2004.
juízo.15 Em síntese, MacCormick diz que dentro dos limites dados pelos requisitos da justiça
formal, consistência e coerência, e dentro dos limites semânticos dos princípios e das
possibilidades interpretativas proporcionadas pela analogia, o raciocínio jurídico é essencialmente
conseqüencialista.16 Na maioria dos casos mais de uma decisão poderia ser considerada
formalmente justa, coerente e consistente com o sistema normativo como um todo, decisões
A Organização Mundial do Comércio como catalisadora de divergências no Estado
estas que seriam dadas com base em princípios e regras, tendo como precedentes outras decisões
já dadas por outros ou pelo mesmo tribunal. Nesses casos a decisão final acaba sendo tomada
por meio da consideração das conseqüências resultantes do impacto da decisão no mundo dos
fatos.
Pois bem, a não decisão no caso dos pneus teve como resultado concreto da inação do
Supremo um problema para a implementação das medidas de proteção ambiental e de saúde
pública cuja implementação é imposta ao Estado como um todo por determinação
constitucional. O desalinhamento (disjunção) entre a posições do Executivo e do Judiciário, por
sua vez, acaba sendo solucionada por meios que originalmente não seriam os mais adequados
para tanto, como por exemplo, a edição de medidas provisórias pelo Executivo para normatizar
questões que deveriam observar trâmite legislativo regular. Fecha-se aí o círculo vicioso da
usurpação da legitimidade do Legislativo enquanto casa de leis, outra crítica quotidiana da relação
entre os Poderes no Brasil.
Por outro lado, a decisão do STF, após a decisão da OMC, em alguns casos específicos, tem
clara inspiração na decisão do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Por referências
expressas dos juízes, foi influenciada pelas conseqüências da eficácia erga omnes da decisão a priori
com eficácia apenas inter partes. As decisões do STF geram precedentes que devem contribuir no
longo prazo para a redução de outras liminares e para conformidade com parte da decisão da
OMC. Se a cassação das liminares ocorrer antes do prazo de implementação do painel, o
problema passara novamente às mãos do Executivo. Neste, a decisão volta a ser global. Se
descumprir a decisão do MERCOSUL, estará na verdade aceitando os pneus europeus e terá que
enfrentar a decisão do STF e do Legislativo. Se descumprir, forçará a coerência do MERCOSUL
com as decisões da OMC e ganha o meio ambiente.
728
15
HARRIS, J. W. Legal Philosophies. Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 217
16
MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the Rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005. Especialmente o Capítulo 6.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 729
Resúmen: 1. Introducción 2. La estructura intitucional del Mercosur. Órganos con capacidad decisoria. 3. El
Ordenamiento Jurídico del Mercosur. 4. Dificultades detectadas en la aplicación del sistema de incorporación. 5.
Posibles soluciones. Aplicación Directa. 6. Análisis de las constituciones de los Estados Estados del MERCOSUR.
Conclusiones.
1. INTRODUCCIÓN
Valentina Raffo
Partes. Lamentablemente, este intento tampoco logró ser exitoso, debido fundamentalmente a
que en la implementación del mecanismo de aplicación directa algunos Estados Partes alegaban
imposibilidades derivadas de sus respectivas Constituciones Nacionales. ¿Cuál sería una solución
viable que termine definitivamente con este grave problema que sufre el proceso de integración?
¿Qué soluciones aplican otros esquemas de integración para lograr la coexistencia de las normas
nacionales y las derivadas del propio proceso de integración regional?
En este trabajo se intentará encontrar respuestas a dichos interrogantes, mediante el análisis
del ordenamiento jurídico del MERCOSUR y las dificultades del sistema vigente que dispone un 729
procedimiento de incorporación de las normas MERCOSUR a los derechos internos. Asimismo
se estudiarán posibles soluciones basadas fundamentalmente en el mecanismo de aplicación
directa, tomando como referencia la experiencia de la Unión Europea.
Finalmente, se realizará un análisis de la relación entre las normas del MERCOSUR y los
respectivos derechos internos de los Estados Partes, a la luz de las disposiciones de sus textos
* Marina García del Río, Abogada, Asesora de la Dirección Nacional de Política Comercial Externa del Ministerio de Economía y Producción de la
República Argentina.
** Valentina Raffo, Abogada y Licenciada en Relaciones Internacionales, Asesora de la Dirección de Asuntos Institucionales de MERCOSUR de la
Cancillería Argentina.
Las opiniones vertidas en el presente trabajo son realizadas por las autoras a titulo personal y no comprometen al Gobierno de la República Argentina.
constitucionales, con el objeto de alcanzar alguna conclusión que sirva para explicar, en alguna
medida, la importancia que tendría para el avance del MERCOSUR implementar el mecanismo
de aplicación directa de sus normas, y por qué no? la conveniencia de efectuar eventuales
reformas en las Cartas Magnas de algunos Estados Partes con el objeto de posibilitar la
profundización del proceso de integración regional.
CAPACIDAD DECISORIA
Las normas emanadas de los órganos MERCOSUR precitados son las que, en su mayoría,
deben ser incorporadas a los ordenamientos jurídicos de los Estados Partes. También en su
mayoría estas incorporaciones se realizan a través de normas administrativas de los países socios,
es decir, aquellas que se dictan en las órbitas de los respectivos Poderes Ejecutivos.
Es para acelerar la incorporación de este cúmulo de normas que sería conveniente
implementar un mecanismo superador del establecido en los artículos 38 a 40 del Protocolo de
Ouro Preto, siendo una posibilidad a explorar la adopción de un mecanismo de “aplicación
directa” de las normas emanadas de estos órganos que no requieran tratamiento legislativo en
ningún Estado Parte. Este tema se intentará abordar en el presente trabajo.
Valentina Raffo
Derecho Internacional Público y entran en vigor conforme a las disposiciones constitucionales
de los Estados Partes (generalmente requieren aprobación de los órganos estatales competentes).
Son derivadas las que aprueban los órganos que en virtud del tratado fundacional, están
dotados de facultades normativas. Estas normas comienzan a regir conforme a la modalidad
que se haya establecido en las normas primarias5.
En el MERCOSUR, el derecho originario lo conforman el Tratado de Asunción (TA), el
Protocolo de Ouro Preto (POP) y el Protocolo de Olivos para la Solución de controversias en el
MERCOSUR (PO) y todos los Protocolos que son parte del Tratado de Asunción. Sin embargo, 731
los tres primeros instrumentos conforman el derecho originario fundacional del MERCOSUR,
derecho al que deben ajustarse los demás Protocolos y las normas emanadas de los órganos con
capacidad decisoria establecidos en el art. 2 del POP.
1
BOLDORINI, María Cristina y CSAR de ZALDUENDO, Susana: “La estructura Jurídico-institucional del MERCOSUR después del Protocolo
de Ouro Preto”, boletín Informativo Techint Nro 283, Buenos Aires, julio-septiembre de 1995.
2
Laudo en la Controversia por Comunicados DECEX y Licencias no Automáticas, párrafos 50 y 51.
3
En referencia al Protocolo de Brasilia para la Solución de Controversias en el MERCOSUR de 1991.
4
Laudo en la Controversia por Restricciones al Acceso de Bicicletas Uruguayas al Mercado Argentino, Fundamentos, punto 3.1
5
Cfr. Guido F. S. Soares, A Atividade Normativa do Mercosul nos Dois Primeiros Anos de Vigencia do Tratado de Asunçao, en “Boletim de Integraçao Latino-
Americana”, Nº 12, enero-marzo de 1994, Ministerio de las Relaciones Exteriores de Brasil, pág. 8.
En tal sentido, la Decisión CMC 11/91 impuso la necesidad de “incorporar.... de acuerdo con los
procedimientos administrativos correspondientes” la normativa MERCOSUR; la Decisión CMC 13/91 la
obligación de publicarla con la finalidad de su difusión; y la Resolución GMC 8/93 encomendó
relevar, por medio de la Secretaría Administrativa, la “puesta en vigencia de la Decisiones y Resoluciones
en el orden interno de los Estados Partes”.
El Protocolo de Ouro Preto representa un avance sustantivo para los aspectos jurídicos del
proceso de integración, definiendo con claridad y precisión los alcances de la normativa
MERCOSUR. En ese sentido, se destacan las siguientes previsiones:
i) Especifica los órganos facultados para aprobar normas (capacidad decisoria): el Consejo, el
Grupo y la Comisión (art. 2). Dicha atribución expresa de facultades en el marco de la
naturaleza intergubernamental de los órganos del proceso permite inferir que la voluntad
expresada a través de esa competencia decisoria es la voluntad de los propios Estados Partes.
ii) Determina que las normas adoptadas por los órganos con capacidad decisoria
(Decisiones, Resoluciones y Directivas) son obligatorias para los Estados Partes (arts. 9,
15 y 20). Esto implica que los actos que emanan de los órganos (a los que la doctrina
denomina como “derecho derivado”) son tan vinculantes como las propias cláusulas de
los tratados y protocolos (“derecho originario”).
iii) Incluye el compromiso de los Estados Partes de adoptar las medidas necesarias para
asegurar el cumplimiento en sus territorios de las normas obligatorias (art. 38)6. Los
Estados Partes al incluir esta cláusula confirmaron su intención de dar eficacia a la
normativa MERCOSUR y consagraron expresamente una obligación de
comportamiento.
iv) Establece el deber de incorporar a los ordenamientos jurídicos nacionales las normas
obligatorias cuando esa incorporación sea necesaria. Existen normas cuya internalización
al derecho nacional no es necesaria para su cumplimiento (art. 42), como las referidas a la
organización y funcionamiento interno del MERCOSUR.
La incorporación puede tener requisitos diferentes en cada país según las exigencias del
respectivo ordenamiento público administrativo.
v) Crea el Boletín Oficial del MERCOSUR, para publicar allí las normas obligatorias y otros
732 actos (art.39).
vi) Establece un procedimiento para asegurar la vigencia simultánea de las normas
MERCOSUR, es decir que las mismas rijan en condiciones temporales coincidentes en
los cuatro países (art. 40). Este mecanismo pretendía preservar la igualdad jurídica entre
los Estados Partes y entre los particulares en cada uno de ellos, cuyos intereses quedan
regulados por las normas MERCOSUR.
vii) Establece las fuentes del MERCOSUR, admitiendo de manera implícita la existencia de
un derecho del MERCOSUR. El art 41 del POP dispone que son fuentes el Tratado de
6
Esta disposición configura un “compromiso general de observancia” que, con un alcance similar, se encuentra en el Tratado de Roma de la CEE
(art. 5); en el Grupo Andino (art. 5 del Tratado de 1979); y, con una redacción algo distinta en el art. XVI.4 del Acuerdo que establece la OMC.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 733
Valentina Raffo
3) vigencia simultánea a los 30 días de la fecha de la notificación de la SAM.
De manera que para estas normas, la incorporación al derecho interno es un requisito
previo a la vigencia MERCOSUR. Tal como señaló el Tribunal Arbitral que entendió en el
caso bicicletas: “la circunstancia de que determinadas normas requieran implementación posterior no
significa que ellas sean ineficaces, sino que los Estados tienen la obligación de no frustrar su aplicación, así
como el cumplimiento de los fines del Tratado de Asunción y sus Protocolos complementarios”10.
7
733
El artículo 42 del POP establece: “Las normas emanadas de los órganos del MERCOSUR previstos en el artículo 2 de este Protocolo tendrán carácter obligatorio y,
cuando sea necesario, deberán ser incorporadas a los ordenamientos jurídicos nacionales mediante los procedimientos previstos por la legislación de cada país”.
8
Por el hecho de regular materias administrativas de los organismos comunes no tienen relación alguna con los ordenamientos locales. De ahí que,
en principio, desde su aprobación, tienen vigencia inmediata y son obligatorias.
9
Los negociadores del POP, considerando la importancia de evitar asimetrías jurídicas, establecieron el mecanismo del artículo 40. Respecto a esa
negociación resulta interesante el relato de Perez Otermín, quien señala “(...) Conscientes de que gran parte de los incumplimientos en los distintos procesos de
integración en América lo han sido por la no “internación” de la norma común en los ordenamientos nacionales, había que buscar un mecanismo que compensara la falta de
la aplicación inmediata, único antídoto experimentado con éxito por la Unión Europea, y más recientemente por el Pacto Andino. La alternativa se encontró en reemplazar
el principio de la aplicación inmediata por el principio de la aplicación simultánea. La desventaja que para un Estado parte significa, o la incertidumbre que para quien
pretenda realizar una inversión en el MERCOSUR representa, que una norma comunitaria se encuentre en vigencia en el derecho interno de uno de sus miembros, frente a
otro que aún no la ha “internado”, se evita con el establecimiento de un procedimiento que pone en vigencia a las normas comunitarias en forma simultánea en todos los Estados
Partes.” Pérez Otermin,Jorge: El Mercado Común del Sur. Desde Asunción a Ouro Preto. Aspectos Jurídicos-Institucionales, Fondo de Cultura
Universitaria, Montevideo, p. 101 y 106).
10
Laudo del Tribunal Arbitral “Ad Hoc” de MERCOSUR constituido para entender de la Controversia presentada por la República Oriental del
Uruguay a la República Argentina sobre “Restricciones de Acceso al Mercado Argentino de Bicicletas de Origen Uruguayo”; Fundamentos, punto
3.1. Marco Normativo.
la norma MERCOSUR. Es decir que, dependiendo de cada ordenamiento interno y según que
la materia abordada por la norma MERCOSUR sea de competencia del Poder Ejecutivo o del
Legislativo, su incorporación será objeto de actos administrativos o de aprobación vía legislativa,
como se verá seguidamente.
Esta regla, además, está amparada por el compromiso general de observancia incluido en el
38 POP que establece “Los Estados Partes se comprometen a adoptar todas las medidas necesarias para
asegurar, en sus respectivos territorios, el cumplimiento de las normas emanadas de los órganos del MERCOSUR
previstos en el artículo 2 de este Protocolo”.
Es decir que, cuando los órganos de la estructura con capacidad decisoria (art. 2 del POP)
adoptan una Decisión, Resolución o Directiva los Estados Partes están sujetos a los
compromisos previstos en los artículos 38 y 42 del POP. En otras palabras, están obligados a
incorporar la normativa y en consecuencia a aprobar o dictar en sus ordenamientos nacionales
las normas internas necesarias para aplicarlas en sus respectivos territorios.
La obligatoriedad de incorporación ha sido reafirmada por varios tribunales arbitrales que
actuaron en el ámbito del MERCOSUR. A modo de ejemplo citamos el Laudo dictado en el caso
sobre “Aplicación de Medidas Antidumping contra la Exportación de Pollos provenientes de
Brasil”, donde el Tribunal afirmó: “... se trata de una obligación jurídica para cada Estado que se concreta
en una obligación de hacer: ‘adoptar toda las medidas necesarias para asegurar, en sus respectivos territorios, el
cumplimiento de las normas emanadas de los órganos del MERCOSUR’11.
El Estado Parte que incumple con la obligación de incorporar, o la demora
injustificadamente, está impidiendo la vigencia de la normativa del MERCOSUR y creando
situaciones de asimetría jurídica que, dependiendo del alcance de la norma, perjudican a los
agentes económicos de uno o más de los Estados Partes.
Es importante destacar que los artículos 38 y 42 del POP, permiten alegar el
“incumplimiento” de un Estado Parte por falta de incorporación de una o más normas
MERCOSUR y poner en marcha el procedimiento de solución de controversias del
MERCOSUR.12.
Del mismo modo, la obligación de incorporar la normativa conlleva en forma implícita la
obligación de no realizar, a partir del momento de aprobación de la norma, actos incompatibles
734 con ella o que atenten contra su objeto y fin.
Modos de incorporación
La forma de incorporar una norma MERCOSUR y su puesta en vigencia por cada Estado
depende del respectivo sistema constitucional y de la naturaleza y alcance de la norma.
11
Laudo del Tribunal Arbitral “Ad Hoc” de MERCOSUR constituido para entender en la Controversia por “Aplicación de Medidas Antidumping
contra la exportación de pollos enteros, provenientes de Brasil, Resolución Nº 574/2000 del Ministerio de Economía de la República Argentina),
Párrafo 117
12
En ese sentido, se destaca el Laudo en el caso Pollos que afirma que “incumplir con la obligación de incorporar normativa MERCOSUR al ordenamiento interno,
habilita la controversia bajo el Protocolo de Brasilia”. Párrafo 117.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 735
Por el principio de autonomía institucional de los Estados cada país decide cuál es el
organismo competente para instrumentar la incorporación. En este sentido el GMC aprobó
la Resolución GMC 91/93 que dispone que las Decisiones y Resoluciones incluirán, cuando
corresponda, la identificación de la repartición de cada Estado que debe incorporarlas y
aplicarlas, la modalidad de los actos que las reparticiones adoptarán y la fecha de entrada en
vigor.
Los caminos utilizados han sido:
a) la remisión de las normas a los Congresos para su aprobación legislativa y ulterior
ratificación por los Ejecutivos;
b) la suscripción de acuerdos o protocolos en el marco de la ALADI; y
c) la aprobación de actos administrativos por los Poderes Ejecutivos
Valentina Raffo
falta de disposición o acuerdo, el tratado entrará en vigor tan pronto como haya constancia de todos los
Estados negociadores en obligarse por el tratado”. Sobre estos aspectos es interesante citar al jurista
José Pastor Ridruejo quien sostiene que “La manifestación del consentimiento de los Estados
contratantes en quedar obligados por el tratado no constituye el punto final del proceso de su celebración. Tal
momento final es realmente el de la entrada en vigor, a partir de la cual el tratado comienza a obligar a los
Estados Partes”13.
En la mayoría de los casos los tratados internacionales requieren ser aprobados por el Poder
Legislativo de cada país y luego ratificados por el Ejecutivo mediante el dictado de un acto que 735
dispone el depósito del instrumento de ratificación respectivo14.
En Argentina, Paraguay y Uruguay los respectivos Congresos aprueban los tratados mediante
una Ley y luego el Poder Ejecutivo lo ratifica mediante el depósito del respectivo instrumento de
ratificación. El procedimiento legislativo es diferente en Brasil: los Tratados son aprobados por
el Poder Legislativo, luego el Poder Ejecutivo dicta un Decreto-Legislativo ordenando el depósito
del Instrumento de Ratificación (el que obliga a Brasil internacionalmente). Cumplido ello es
13
Pastor Ridruejo, José “Curso de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales”, Tecnos, Madrid, 6ta. edición 1996, p. 136.
14
El primer instrumento aprobado por el Consejo que requirió aprobación de los Congresos de los Estados Partes fue el Protocolo de Brasilia para
la Solución de Controversias (Dec. CMC 1/91).
En este sentido las normas en cuestión disponen que los Protocolos son parte integrante del
TA; que la adhesión de un Estado al TA implicará la adhesión ipso iure a los Protocolos; que las
controversias originadas en virtud de la aplicación, interpretación o incumplimiento de los
Protocolos se rigen por el sistema vigente en el MERCOSUR y que Paraguay es el país del
MERCOSUR depositario de los Protocolos.
Con ello se afirma la membresía MERCOSUR. Ser parte implica asumir todos los derechos
y obligaciones, y en caso de una desvinculación del bloque, ésta deberá hacerse también en forma
integral.
15
De acuerdo a lo manifestado por la Delegación de Brasil en la Reunión Técnica de Incorporación de Normas “para efeitos do disposto no artigo 40 do
Protocolo de Ouro Preto, a Secretaria deveria registrar o número e data do Decreto de Promulgação do referido instrumento - que ocorre posteriormente à aprovação do Decreto
Legislativo correspondente e ao depósito do instrumento de ratificação”. Acta RTIN, septiembre 2004.
16
El ACE 18 fue suscripto día 29/11/91 coincidiendo con la fecha de entrada en vigencia del Tratado de Asunción.
17
Son suscriptos por los Embajadores de los países miembros acreditados ante la Asociación.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 737
en forma inmediata las concesiones negociadas18. Dicho Decreto establece que los acuerdos
suscriptos en el marco jurídico de la ALADI entrarán en vigor en las condiciones y en las fechas
que en cada uno de ellos se convenga, sin perjuicio de su ulterior publicación en el Boletín Oficial.
A los efectos de la aplicación en el territorio argentino de esos acuerdos, la Subsecretaría de
Política y Gestión Comercial del Ministerio de Economía y Producción (en el año 1991 le
competía a la Subsecretaría de Industria y Comercio) remite a la Administración Nacional de
Aduanas una copia de los mismos certificada por la Secretaría de la ALADI y por la
Representación Argentina ante la Asociación, sin requerirse ninguna otra formalidad.
En la República Oriental del Uruguay es de aplicación el Decreto 663/85 del 27/11/85, con
un alcance similar al argentino, que dispone que los acuerdos celebrados en el marco de la
ALADI entrarán en vigencia en la fecha que en ellos se haya establecido. Los instrumentos son
remitidos a las dependencias de la Administración Pública por la Representación del Uruguay
ante la ALADI previa autenticación efectuada por esa Representación y la Secretaría de la
ALADI.
En Brasil y Paraguay los acuerdos suscriptos en el marco de la ALADI se incorporan al orden
jurídico nacional mediante la firma de un Decreto Presidencial.
Valentina Raffo
de Medicamentos. (ANMAT); y v) Comunicaciones del Banco Central (BCRA).
En Brasil los actos administrativos que incorporan la normativa MERCOSUR pueden ser
i) Decretos que son de competencia exclusiva del Presidente de la República; ii) Portarías, muy
utilizadas para la incorporación de las normas MERCOSUR, en especial los reglamentos
técnicos y normas fitosanitarias. Los principales organismos que las utilizan son el Instituto
de Metrología (INMETRO), Ministerio de Agricultura y Abastecimiento (MAA)19 y el
Ministerio de Salud (MS); iii) Instrucciones Normativas, aprobadas por la Secretaría de la
Receita Federal, órgano vinculado al Ministerio de Hacienda, para la incorporación de la 737
normativa referente a asuntos aduaneros; iv) Circulares, utilizadas por el Banco Central
(BACEN) vinculado al Ministerio de Hacienda, para la incorporación de la normativa
MERCOSUR aprobada en el ámbito de su competencia como los controles bancarios y
utilización de moneda extranjera; v) Resoluciones, aprobadas en general por órganos de la
administración de carácter colegiado como los Consejos Nacionales. Por ejemplo los
18
Antes del Decreto 415/91, la incorporación al ordenamiento interno de los compromisos asumidos en la ALADI estaba a cargo del Ministerio de
Economía y del Ministerio de Relaciones Exteriores (Decreto 101/85), los que mediante resoluciones conjuntas, en las que se vertían todas las
concesiones negociadas, ponían en vigencia los tratamientos preferenciales acordados. Este procedimiento insumía un tiempo prolongado,
demoraba la aplicación de las concesiones negociadas y dificultó el cumplimiento de las condiciones y fechas pactadas en los acuerdos.
19
Con anterioridad se denominaba Ministerio de Agricultura, Abastecimiento y Reforma Agraria (MAARA)
reglamentos técnicos sobre vehículos son incorporados a través de Resoluciones del Consejo
Nacional de Tránsito (CONTRAN), órgano vinculado al Ministerio de Justicia.
En Paraguay el procedimiento se completa mediante: i) Decretos del Poder Ejecutivo, y ii)
Resoluciones Ministeriales o del Banco Central.
En Uruguay las normas se incorporan a través de: i) Decretos del Poder Ejecutivo; ii)
Ordenanzas Ministeriales; y iii) Ordenes del Día de la Dirección Nacional de Aduana.
Las Resoluciones y Directivas, que representan a la mayoría de las reglas comerciales
las normas Mercosur a la luz del Derecho Constitucional de los Estados Partes
El ordenamiento juridico Mercosur y la viabilidad de la aplicación directa de
20
A modo de ejemplo se cita el art. 2 del Cód. Civil argentino establece que “las leyes no son obligatorias sino después de su publicación y desde el día que ellas
determinen”. Disposiciones similares rigen en los demás países.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 739
Esto implica que hay una vigencia nacional y una vigencia MERCOSUR. Esta última se
alcanza cuando la norma ha sido incorporada en los cuatro Estados Partes y han transcurrido
los 30 días de la comunicación de la SAM indicando que todos han cumplido con la
incorporación.
Por lo expuesto, la aplicación del procedimiento de incorporación origina asimetrías jurídicas
por:
• falta de simultaneidad en la incorporación (se verifican problemas por un período de
tiempo por falta de reciprocidad), y
• falta total de incorporación en uno o más países (existe un claro e insoluble problema de
reciprocidad).
Si esta situación se presentara excepcionalmente no generaría distorsiones en el proceso de
integración, pero el problema es recurrente y crea dificultades para los administrados y las
empresas radicadas en los distintos países del MERCOSUR, ya que pueden quedar sujetas a
reglas diferentes según que la norma haya sido incorporada o no.
Algunas empresas y particulares se agravian porque una norma entra en vigencia nacional sin
que cuente con vigencia MERCOSUR y esto implica un sistema más gravoso para algunos
operadores, si se ven sujetos a diferentes niveles arancelarios, por ejemplo. También, por la
incorporación nacional de una norma se pueden otorgar derechos a nacionales de otros Estados
Partes, cuando los nacionales del país que sí incorporó la norma no los pueden hacer valer en los
que aún no finalizaron el proceso de incorporación de la misma.
A efectos de ilustrar la gravedad de la situación se presenta el último relevamiento de la
Secretaría del MERCOSUR, que indica que en el período de 1991 a noviembre 2007 se dictaron
1918 normas (Decisiones del Consejo del Mercado Común, Resoluciones del Grupo Mercado
Común y Directivas de la Comisión de Comercio del MERCOSUR). Algunas de esas normas
entraron en vigencia al momento de su aprobación, mientras que 1205 normas debían cumplir
con el requisito de incorporación. A la fecha faltan ser incorporadas por algún Estado Parte, es
Valentina Raffo
La falta de incorporación de la normativa MERCOSUR tiene efectos incompatibles con el
proceso de integración.
En determinados casos la no incorporación funciona como una restricción de acceso al
mercado porque, si bien en el MERCOSUR el libre comercio está acordado, la falta de vigencia
de una normativa cuatripartita que reglamente las condiciones en que un producto puede ingresar
al mercado de otro Estado Parte, puede traducirse en la aplicación de trabas al comercio
recíproco. 739
Asimismo, genera situaciones de anarquía jurídica ya que muchas normas están vigentes en
algunos países (vigencia nacional) y no en todos (vigencia MERCOSUR) y constituyendo una
importante fuente de controversias.
El sistema actual de incorporación de las normas MERCOSUR, establecido en el artículo 40
del Protocolo de Ouro Preto, ha dado lugar a uno de los problemas más complejos que afronta
el proceso de integración para dar efectividad, en sus respectivos territorios, a la normativa
MERCOSUR, provocando graves situaciones de incertidumbre jurídica y de afectación de
intereses privados.
21
Fuente: Secretaría del MERCOSUR. Diciembre 2007
Los Estados Partes han reconocido las deficiencias del sistema de incorporación de normas,
establecido en el artículo 40 del Protocolo de Ouro Preto. En función de ello, han tomado
medidas tendientes a perfeccionar su aplicación.
En 1999 se creó un ámbito para seguir más estrechamente el problema de las
internalizaciones: la “Reunión Técnica de Incorporación de la Normativa” donde se identifican
las normas Mercosur a la luz del Derecho Constitucional de los Estados Partes
El ordenamiento juridico Mercosur y la viabilidad de la aplicación directa de
las causas –técnicas, administrativas o de otro tipo- que demoran las incorporaciones. La tarea de
la Reunión ha logrado únicamente hacer avances parciales.
También se aprobaron normas tendientes a perfeccionar el sistema de incorporación de
normas. Entre esas iniciativas se pueden mencionar la aprobación de las Decisiones CMC 23/0022
y 20/0023.
En 2003, a iniciativa de Argentina se aprobó una norma (Dec. CMC 7/03) que daba inicio a
los análisis para establecer un sistema de aplicación directa en los ordenamientos jurídicos
nacionales de la normativa MERCOSUR que no requiera tratamiento legislativo en los Estados
Partes. Esta negociación tuvo como resultado la aprobación de la Decisión CMC 22/04, que
dispone la adopción por cada Estado Parte de un procedimiento que permita la vigencia
inmediata de las normas MERCOSUR mediante su publicación en los Boletines Oficiales
Nacionales. Estos procedimientos aún no han sido implementados y se encuentran en estudio en
el ámbito del SGT 2 Aspectos Institucionales.
En el 2005, el Consejo creó un Grupo de Alto Nivel (GANRI) para que presente una
propuesta integral de Reforma Institucional del MERCOSUR (Dec. CMC 21/05 y 29/06). En
ese marco los Estados Partes identificaron como tema prioritario el “Perfeccionamiento del
sistema de incorporación, vigencia y aplicación de la normativa del MERCOSUR”24.
Los esfuerzos mencionados, si bien han mejorado sustancialmente los índices de normas
incorporadas, lejos se hallan de haber encontrado una solución integral y efectiva al problema de
la incorporación normativa. Las dificultades y demoras en la incorporación de las normas
persisten y las asimetrías jurídicas entre los Estados Partes como consecuencia de ello.
En otros esquemas de integración, como el europeo, se entendió que las exigencias
fundamentales de igualdad entre los Estados miembros y certeza jurídica para los administrados,
requerían que las normas comunes fueran plena y obligatoriamente eficaces y directamente
aplicables en todos los Estados miembros.25
22
La Decisión CMC 23/00 que reglamenta el art. 40 del POP, aclarando principalmente tres puntos:
• la necesidadd de cumplir el mecanismo de notificaciones que estableció el art. 40 del Protocolo de Ouro Preto, para la vigencia simultánea de
las normas de los órganos del MERCOSUR (derecho derivado);
• el reconocimiento de que la vigencia de los instrumentos internacionales que celebran entre sí los Estados Partes (derecho originario) se rige por
740 lo que establece cada instrumento; y
• la identificación de los casos en que la normativa MERCOSUR no necesita ser incorporada a los ordenamientos nacionales (cuando se trata de
normas relativas a la organización interna del MERCOSUR, o cuando un país ya tiene normas nacionales idénticas a las adoptadas
cuatripartitamente en el MERCOSUR)..
23
La Decisión CMC 20/02, establece, entre otras cosas:
• un plazo para que antes de la aprobación de una norma se realicen las consultas internas necesarias que lleven a una agilización de las
incorporaciones;
• la obligación de que las normas MERCOSUR sean incorporadas textualmente por la respectiva norma nacional, de manera de asegurar una
internalización uniforme.
24
En diciembre de 2007, por Decisión CMC 56/07, se prorrogó el plazo para junio 2008 para que el GANRI presente al CMC una propuesta sobre
este tema.
25
El Artículo 249 del Tratado Constitutivo de la Comunidad Europea establece: “Para el cumplimiento de su misión, el Parlamento Europeo y el
Consejo conjuntamente, el Consejo y la Comisión adoptarán reglamentos y directivas, tomarán decisiones y formularán Recomendaciones o
emitirán dictámenes, en las condiciones previstas en el presente Tratado. El reglamento tendrá un alcance general. Será obligatorio en todos sus
elementos y directamente aplicable en cada Estado miembro. La directiva obligará al Estado miembro destinatario en cuanto al resultado que deba
conseguirse, dejando, sin embargo, a las autoridades nacionales la elección de la forma y de los medios. La decisión será obligatoria en todos sus
elementos para todos sus destinatarios. Las recomendaciones y los dictámenes no serán vinculantes.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 741
Valentina Raffo
en las negociaciones con el fin de lograr la aplicación inmediata de las normas derivadas de los órganos del
MERCOSUR, en el convencimiento de que ello sería la mejor forma de garantizar la igualdad entre las partes y
dar la mayor seguridad jurídica interna y externa al Mercado Común, resultaron infructuosas frente a la
imposibilidad constitucional aducida por Brasil, y la posición asumida por las delegaciones restantes”.
Ahora bien, a que nos referimos cuando hablamos de aplicación directa?
26
En la Comunidad Andina, la aplicación directa del derecho comunitario se deriva tanto de la norma positiva como de la jurisprudencia. El artículo 741
3 del Tratado de Creación del Tribunal expresa que “Las Decisiones de la Comisión serán directamente aplicables en los Países Miembros a partir
de la fecha de su publicación en la Gaceta Oficial del Acuerdo, a menos que las mismas señalen una fecha posterior”. El artículo 2 del mismo cuerpo
legal establece que “las Decisiones obligan a los Países Miembros desde la fecha en que sean aprobadas por la Comisión”. El inciso segundo del
artículo 3, antes indicado, manifiesta que “cuando su texto así lo disponga, las Decisiones requerirán de incorporación al derecho interno, mediante
acto expreso en el cual se indicará la fecha de su entrada en vigor en cada País Miembro”.
27
Este principio de primacía de las normas comunitarias permite que los Países Miembros no puedan alegar normas de su derecho interno para dejar
de cumplir sus obligaciones adquiridas en el marco del proceso de integración.
28
Masnatta, Héctor: Tratados Internacionales de Integración Económica, Academia Nacional de Ciencias de la Empresa, Buenos Aires, 2001, p. 22.)
29
Baptista, Luis Olavo: “Aplica-cao das normas do Mercosul no Brasil”. Revista de Derecho del MERCOSUR. Nº 4, Agosto de 2000, Buenos
Aires, pág. 28 y 30-31.
30
Aguirre Ramírez, Gonzalo, “Integración: Nueva Realidad Regional y Mundial. Su incidencia en el Derecho Constitucional”, en Curso de Derecho
Procesal Internacional y Comunitario del MERCOSUR, Fundación de Cultura Universitaria, Montevideo, marzo 1997, p. 34 y ss
31
Landoni Sosa, Angel, “La Armonización de las Normas Procesales en el MERCOSUR”, La Ley, boletín del 1 de julio de 1998, p. 2, Buenos Aires.
32
Pérez Otermin, Jorge: El Mercado Común del Sur. Desde Asunción a Ouro Preto. Aspectos Jurídicos-Institucionales, Fondo de Cultura
Universitaria, Montevideo, p. 101 y 106).
El artículo 189 (hoy art. 249) del Tratado de Roma declara a los Reglamentos obligatorios en
todas sus partes y directamente aplicables en los Estados Miembros. La aplicabilidad inmediata
o directa implica que, una vez adoptadas por los órganos comunitarios competentes y publicadas
en el boletín oficial comunitario, las normas se aplican en el ordenamiento jurídico interno de
cada miembro, sin necesidad de previa aprobación, incorporación o transposición por parte de
órgano estatal alguno33. En tal sentido, el profesor Gil Carlos Rodríguez Iglesias, del Tribunal de
las Comunidades Europeas, define la aplicabilidad directa de la norma comunitaria “como la
las normas Mercosur a la luz del Derecho Constitucional de los Estados Partes
El ordenamiento juridico Mercosur y la viabilidad de la aplicación directa de
capacidad de la misma para producir efectos jurídicos en un País Miembro sin que se requiera ningún complemento
normativo de derecho interno”.34
La doctrina sobre el derecho europeo ha señalado los significados diferentes de las
expresiones “aplicación directa” “inmediata” y “efecto directo”. Una norma comunitaria puede
considerarse directamente aplicable cuando se integra al derecho interno sin necesidad de acto
formal de incorporación. Es el caso de los reglamentos del actual art. 249 del Tratado de Roma.
El Tribunal europeo ha sostenido siempre que las normas comunitarias de aplicabilidad
directa no requieren actos de transposición a la legislación doméstica. Es más, ha considerado
erróneo, y peligroso, que los Estados Miembros “incorporen” a sus ordenamientos internos los
reglamentos, porque ello podría oscurecer su status dentro del Derecho Comunitario.
El principio de la aplicabilidad directa es reconocida a partir de la sentencia Van Gend &
Loos, 1963, del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas, y precisado en la sentencia
Simmenthal, 1978, en la que se sostuvo que la aplicabilidad directa “...significa que las reglas del
derecho comunitario deben desplegar la plenitud de sus efectos de manera uniforme en todos los Estados
miembros, a partir de su entrada en vigor y durante toda la duración de su validez; que de esta manera, estas
disposiciones son una fuente inmediata de derechos y obligaciones para todos aquellos a quienes afectan, ya se
trate de Estados miembros o de particulares que son parte en relaciones jurídicas que entran en el ámbito del
derecho comunitario...”.
Mientras que el principio de la aplicación directa se refiere a la norma como tal, el del efecto
directo se relaciona con las acciones que los sujetos beneficiarios pueden ejercer para la debida
aplicación de la norma comunitaria. En otras palabras, que sus efectos generan derechos y
obligaciones para los particulares permitiendo la posibilidad de que aquellos puedan exigir
directamente su observancia ante sus respectivos tribunales. Esa es justamente la consecuencia
práctica, los privados pueden hacer valer esos derechos contra los Estados Miembros en los
tribunales nacionales. La expresión efecto directo tiene afinidad con lo que en derecho
internacional convencional se reconoce como autoejecutorio (selfexecuting)35.
Lecourt, ex Presidente del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas, definió este
principio, diciendo que “es el derecho de cualquier persona pedir al Juez la aplicación de los Tratados, los
Reglamentos, las Directivas o las Decisiones comunitarias, es la obligación del Juez hacer uso de esa norma
742 cualquiera que sea la legislación del País al que pertenece. Es el respeto de ese derecho y de esa obligación no sólo
33
Conf. los Doctores Emilio Cárdenas y Guillermo Tempesta, quienes señalan que “en la Unión Europea, las normas comunitarias, una vez adoptadas por los
organos supranacionales, y publicadas en el Boletín Oficial comunitario, ingresan directamente en el ordenamiento jurídico interno de cada Estado Miembro, sin necesidad de
previa aprobación, incorporación o tranformación por parte de órgano estatal alguno. Es decir, tienen una vigencia inmediata en el orden interno de los Estados Parte33.
CARDENAS, Emilio – TEMPESTA , Guillermo; El laudo sobre dumping intrazona en el Mercosur, LA LEY, Revista de Derecho Internacional y del
Mercosur, Año 5 – Número 6. pág. 118.
34
Rojas Arroyo, Santiago “Existencia y efectividad de las instituciones supranacionales andinas” en http://www.eclac.org/brasil/noticias/paginas/
2/22962/ROJAS-EXISTENCIA%20Y%20EFECTIVIDAD%20INSTITUCIONES%20SUPRANACIONALES.pdf, pag. 14.
35
En el mismo sentido, los Doctores Emilio Cárdenas y Guillermo Tempesta, señalan que “El efecto directo se relaciona con el carácter operativo de la norma
(originaria o derivada) que ya es aplicable (está vigente) en el ordenamiento, en cuanto creadora de derechos para los particulares que pueden hacerlos valer, recurriendo, incluso
ante la justicia. En suma, la “aplicabilidad inmediata” se relaciona con el problema de los modos de incorporación y al vigencia del derecho internacional en el derecho interno
(…) Por su parte el efecto directo es una cuestión que se presenta “ex post”: se trata de saber si la norma ya vigente tiene efectos sobre los particulares (creo derechos), o sea,
es operativa; o si, por el contrario, no es portadora de tal característica, siendo, entonces de naturaleza programática”. Op. Cit.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 743
en las relaciones de los particulares entre sí, sino también en las relaciones entre los particulares y el Estado miembro
del que son ciudadanos”36.
Profundizando en el concepto de efecto directo puede decirse que las disposiciones
comunitarias tienen efecto directo vertical cuando crean derechos para los administrados frente
a los Estados, y efecto directo horizontal cuando generan derechos y obligaciones invocables
entre particulares.
Por último, cabe señalar que el efecto directo determina la efectividad real de las normas
comunes. Si los particulares tienen acceso a los derechos que garantiza el ordenamiento
comunitario por la principal vía disponible para ellos (es decir, las administraciones y tribunales
locales), y si encuentran soluciones disponibles en esos foros, la finalidad y objetivos de las
regulaciones comunes se verán cumplidos.
En el MERCOSUR, al ser los órganos decisorios de carácter intergubernamental, las normas
son aprobadas por los representantes de los Estados Partes mediante el sistema de adopción de
decisiones por consenso. Por lo tanto no parecería necesario –al menos en el caso de las normas
que son de la competencia de los respectivos Poderes Ejecutivos- exigir que ellas deban ser
incorporadas cuando han sido adoptadas por la voluntad de los Estados, manifestada por sus
funcionarios en el ámbito de órganos a los que se les otorgó facultades normativas en un
instrumento internacional aprobado por los Congresos.
El establecimiento de un procedimiento de esa naturaleza para las normas que no requieran
tratamiento legislativo en los Estados Partes permitiría:
• afianzar la seguridad jurídica del proceso de integración,
• otorgar a los administrados de los cuatro Estados Partes el mismo trato respecto de sus
derechos y obligaciones en el mercado ampliado
• asegurar la reciprocidad de derechos y obligaciones entre los Estados Partes;
• permitir un conocimiento acabado de la realidad jurídica del MERCOSUR y de los
compromisos en vigencia;
Valentina Raffo
necesarias en la legislación nacional para poner en vigencia la norma MERCOSUR.
• fortalecer el proceso previo de discusión a la aprobación de las normas, porque los
negociadores tendrán en cuenta que una vez adoptadas, esas normas serán directamente
exigibles.
36
Dámaso Ruiz-Jarabo, “El Juez Nacional como Juez Comunitario”, pág. 53
República Argentina
37
Ruiz Díaz Labrano, Roberto; La integración y las constituciones nacionales de los Estados Parte del MERCOSUR, en Anuario de Derecho Constitucional
Latinoamericano – Edición 1999 Konrad Adenauer, pág 65.
38
Al criterio amplio del fallo Edmekjian donde se había dicho que el derecho convencional internacional primaba sobre el nacional, este fallo agrega
la necesidad de asegurar los principios de derecho público constitucionales. Se vuelve a citar en este caso el artículo 27 de la Convención de Viena
sobre derecho de los tratados que establece que “una parte no podrá invocar disposiciones de su derecho interno como justificación del incumplimiento del tratado”,
pero impone a los órganos del Estado asignar primacía a los tratados ante un eventual conflicto con una norma interna, una vez asegurados los
principios de derecho público constitucionales.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 745
pueden oponerlos a los Estados Miembros”. Y agrega, “la importancia de la aplicación directa tal como fue
concebida en la sentencia Ekmemdjian v. Sofovich del 7 de junio de 1992 por la Corte argentina, radica en
conferir a los particulares el derecho propio de hacer valer las normas comunitarias ante los jueces nacionales
que tienen la obligación de aplicarlas en los casos sometidos a su jurisdicción interna e internacional. Y así la
tutela directa por los particulares, de los derechos que les confiere el derecho comunitario, constituye desde ya
un control preventivo eficaz. De aquí también se deduce que la profundización del derecho del MERCOSUR
llega hasta la necesaria aplicación de sus normas por los jueces nacionales. He aquí el MERCOSUR de los
jueces” 39.
Valentina Raffo
ley ordinaria45. Dicho Tribunal consideró que ante la ausencia de una norma constitucional que
39
BOGGIANO, Antonio. “Teoría del derecho Internacional”, Las relaciones entre los Ordenamientos Jurídicos, Ius Inter Iura, Apéndice
Jurisprudencia de la Corte Suprema, La Ley, Fondo Editorial de Derecho y Economía, Buenos Aires, 1996. pág. 90.
40
El Art. 49 establece que: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional:[RTF bookmark start: BM49I][RTF bookmark end: BM49I] I)
resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional...”. La aprobación parlamentaria se da mediante Decreto Legislativo, instrumento normativo por el cual el Congreso delibera sobre materias
de su competencia.
41
El Art. 84 dispone que “Compete privativamente ao Presidente da República: ”...IV) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir 745
decretos e regulamentos para sua fiel execução...”
42
De acuerdo al Art. 105 “Compete ao Superior Tribunal de Justiça: ...III.- julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais do Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, quando a decisao recorrida: a)
contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência...”
43
El Art. 102 dispone que “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: ...III.- julgar, mediante
recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: ...b) declarar a inconstitucionalidade de tratado
ou lei federal...”
44
El Supremo Tribunal Federal ante la Convención nro. 110 de la Organización Internacional del Trabajo, aprobada por Decreto Legislativo nro.
33/64 y promulgada por Decreto 58.826/66 expresó: “Las reglas acogidas en Tratado o Convención, ratificadas por fuerza de precepto
constitucional (art.66, inc. I de la Constitución de 1946) pasan a integrar la legislación interna y, en principio, deben cumplirse en su integridad. En
principio, porque a pesar de ser originarias de instrumento internacional que haya merecido ratificación, no tienen validez en la órbita interna si
confrontan precepto de la Ley Magna. Si por un lado compete al Poder Legislativo saber de Convención Internacional para que se transforme en
ley (art.66, I, de la Constitución Federal de 1946 y art. 44, I, de la Constitución Federal de 1988) por otro lado es irrecusable la competencia del
Poder Judicial para pronunciarse respecto de la constitucionalidad de las leyes (art. 119 “I”, letra “b”, de la Constitución Federal). Están, de esa
manera, sujetas al control jurídico.”
45
Recurso extraordinario Nº 80.004 - SE (Tribunal Pleno), 1977 (R.T.J. 83, p. 809-48).
atribuya prevalencia al tratado internacional sobre la ley interna, debe darse valor a la norma que
fuera dictada con posterioridad.
De esta manera un tratado puede ser revocado por una ley posterior independientemente de
continuar el país obligado a cumplirlo en la esfera internacional por no haberlo denunciado.
En el ordenamiento jurídico brasileño, las decisiones acordadas en el MERCOSUR no gozan
de una jerarquía superior a las leyes, recibiendo el mismo tratamiento otorgado a los demás
tratados internacionales.
las normas Mercosur a la luz del Derecho Constitucional de los Estados Partes
El ordenamiento juridico Mercosur y la viabilidad de la aplicación directa de
46
Caputo Bastos, Carlos Eduardo, Jerarquía Constitucional de los Tratados; Brasília, 19 de septiembre de 1996.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 747
Valentina Raffo
En efecto, la Constitución de la República Oriental del Uruguay, vigente desde 1966 y cuya
última reforma fuera realizada en 1997, no contiene norma alguna que establezca un orden de
prelación entre las leyes y los tratados. Tampoco prevé la transferencia de ciertos atributos de
soberanía a órganos comunitarios.
Sin embargo, establece en su artículo 6 que “La República procurará la integración social y económica de
los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas”.
En relación al alcance de este artículo, el Dr. Jorge Perez Otermín cita al Dr. Paolillo que señala.
“esta regla programática que determina la acción política del estado encausándola para lograr la integración económica 747
y social con América Latina, puede ser utilizada como fundamento jurídico de todas aquellas obligaciones asumidas
por la República dentro del orden comunitario, siempre que ésta no implique una violación patente de otras disposiciones
constitucionales concretas y facilita, sin lugar a dudas una interpretación flexible de la Carta Fundamental, que
permita, en la medida de lo posible, la adaptación de las normas internas al derecho de la comunidad”49
Pero no toda la doctrina de este país considera la prescripción incluida en su Constitución lo
suficientemente “flexible” respecto a la jerarquía de las normas derivadas del MERCOSUR en
relación con sus propias leyes nacionales; por ejemplo, Herbert Arbuet Vignali comenta sobre
47
Ruiz Díaz Labrano, Roberto, op cit. pág. 66.
48
Ruiz Díaz Labrano, Roberto, op cit. pág. 65
49
Perez Otermín, Jorge; EL Mercado Común del Sur Desde Asunción a Ouro Preto, FCU, pág. 114.
este tema que: “Evidentemente la manera más fácil y directa de impedir posibles conflictos entre el ordenamiento
jurídico supranacional y el ordenamiento constitucional, es proceder a la reforma de la constitución, de tal forma
que autorice a los órganos internos competentes, a asumir los compromisos de la integración”50
En definitiva, la frase del artículo 6 de la Constitución de Uruguay no soluciona los problemas
que podrían derivarse de un conflicto entre una norma emanada de los órganos del MERCOSUR
y una ley nacional. En este país, al igual que lo que sucede en Brasil, un conflicto entre dos
normas (una MERCOSUR y una nacional) será resuelto por el principio jurídico de “ley posterior”.
las normas Mercosur a la luz del Derecho Constitucional de los Estados Partes
El ordenamiento juridico Mercosur y la viabilidad de la aplicación directa de
Ello tiñe de inseguridad jurídica las normas MERCOSUR, que siendo adoptadas por consenso
de cuatro Estados Partes, podrían ser ulteriormente modificadas con el mero dictado de una
norma nacional posterior, precisamente porque ambas gozan en el derecho uruguayo de igual
jerarquía. Esta situación vulneraría también el principio establecido en el artículo 2 del Tratado
de Asunción que determina que las relaciones entre los Estados Partes deben estar basadas en la
reciprocidad de derechos y obligaciones.
En conclusión, si bien existen asimetrías constitucionales entre los países del MERCOSUR,
éstas no parecerían insuperables respecto de la posibilidad de adoptar un mecanismo de
aplicación directa de las normas MERCOSUR.
En Argentina, la Constitución prevé la posibilidad de reconocer primacía sobre las leyes, a las
normas dictadas en consecuencia de un tratado de integración, siempre que se respete la
condición de igualdad y reciprocidad por parte de los demás países socios. De la misma manera,
la Constitución de Paraguay admite, en condiciones de igualdad con los otros Estados, la
existencia de un “orden jurídico supranacional”.
Si bien la Constitución de Uruguay, no incluye previsiones similares a las de Argentina y
Paraguay, se estima que un compromiso de aplicación directa establecido en un tratado,
especialmente si se limita esa aplicación directa a actos dependientes de los poderes ejecutivos,
no requeriría modificaciones constitucionales para su adopción.
Si bien la doctrina uruguaya está dividida en cuanto a la posible adopción de un mecanismo
de aplicación directa de la normativa MERCOSUR, vale la pena mencionar la opinión del jurista
uruguayo, Pérez Otermin, quien al referirse al procedimiento que ese país utiliza para adoptar las
normas plasmadas en los acuerdos suscriptos en el marco de la ALADI, reflexiona: “Haciendo un
paralelismo entonces entre los AAP y las Decisiones y Resoluciones del Tratado de Asunción, ¿porqué concluir
que éstas no pueden tener una aplicación inmediata en nuestro orden jurídico interno, si en la forma y en la
sustancia no difieren de los AAP? ¿qué son las Decisiones y Resoluciones sino acuerdos entre representantes de los
Estados, dentro del marco de un Tratado original aprobado por el Parlamento? ¿Porqué encontrar impedimentos
constitucionales a situaciones similares a otras en las cuales dichos impedimentos no fueron advertidos?”51.
Se ha sostenido que es Brasil el país que tiene las mayores dificultades para comprometerse
en algún sistema de incorporación directa. Sin embargo, hay opiniones y estudios en el campo
748 académico que destacan la posibilidad de concretar cambios. Estos cambios podrían convalidarse
mediante la firma de un instrumento que revista la jerarquía de un tratado internacional a ser
aprobado por los Congresos.
En el caso que en Brasil se plantearan impedimentos originados en las cláusulas constitucionales,
una alternativa segura sería la aprobación de una Enmienda Constitucional. En tal sentido, es
interesante consignar la propuesta de la Doctora María Claudia Drummond52, consultora brasileña
de la Comisión Parlamentaria Conjunta del MERCOSUR, quien ha sugerido:
50
Ruiz Díaz Labrano, Roberto, op cit. pág. 74.
51
Perez Otermín, Jorge; op cit, pág 113 y 115
52
Drummond, María Claudia: “O Mercosul hoje: crise e perspectivas”, en el libro publicado por Itamaraty “Grupo de Reflexão prospectiva sobre Mercosul,
Brasilia, 2000.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 749
CONCLUSIONES
Valentina Raffo
próximamente.
BIBLIOGRAFÍA:
750
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 751
El título fue extraído del libro Mercosur - Unión Europea, compilado y organizado por
Roberto Ruiz Díaz Labrano, publicado por la Editora Intercontinental, el ensayo de referencia es
de autoría del Profesor Doctor Bonifacio Ríos Ávalos. Es característica del derecho comunitario
profundizar el estudio de los principios científicos y la elaboración de normas comunitarias, cuya
aplicación estará a cargo de los Estados nacionales y de los órganos comunitarios. Siguiendo el
razonamiento de Bonifacio Ríos Ávalos, el derecho comunitario tiene como objeto la
uniformidad de las normas y la transferencia de competencia de los Estados nacionales a órganos
de la sociedad regional u organismos supranacionales que, inevitablemente limitan
responsabilidades originarias de los Estados componentes. Cuando nos referimos a un derecho,
estamos atribuyendo la expresión como sinónimo de normas juritas con carácter obligatorio,
cuya efectividad dependerá de la relación creada y la sanción que impondrán los órganos de
aplicación para los casos de violaciones imperativas.
La fórmula citada por Bonifacio Ríos Ávalos: norma + hecho + imputación y sanción, es la
trilogía de la eficacia del derecho y en el caso especial del derecho comunitario, que posee
estructura propia, principios nuevos, técnicas innovadoras, orden jurídico englobado en el
concepto de soberanía, con restos conceptuales de otras épocas con individualismos. El
concepto de soberanía en franco declinio se ha desplazado del Estado al pueblo, y de éste, a un
orden jurídico regional o subregional. La soberanía ya no constituye un obstáculo para el derecho
comunitario por la innovación del concepto y el nuevo sujeto titular de este derecho en el mundo
moderno, las ideologías responden con más eficacia en las relaciones entre los estados, que el
sentimiento nacional de soberanía.
Las ideologías contemporáneas bajo la emblemática figura de la solidaridad de los hombres y
Principios fundamentales
La base de un derecho comunitario debe regirse por principios irrenunciables, que sirvan de
soporte de la propia existencia de los Estados involucrados, entre estos principios se citan:
a. La legalidad
b. El respeto a los derecho humanos
c. Principios democráticos coincidentes
d. Igualdad jurídica y doctrinaria
e. Reciprocidad entre los miembros
f. Solidaridad jurídica, social, política y económica
g. La supremacía del derecho internacional publico
h. La operatividad en el sistema
i. La aplicación inmediata de las normas
j. El efecto inmediato de la incorporación en el derecho interno
Supremacía
Continuamos apoyándonos en el ensayo de Bonifacio Ríos Ávalos, cuando destaca entre los
principios fundamentales el derecho comunitario, que serán interpretados por órganos
comunitarios pertinentes:
Órgano Jurisdiccional Supranacional
a. Supremacía:
El derecho comunitario para su afirmación debe poseer el carácter de orden superior al
derecho interno, y en el conflicto entre la Ley interna y la Ley comunitaria deberá prevalecer el
orden jurídico comunitario, porque la eficacia de este derecho no puede sufrir variables entre un
Estado y otro, afirmando que, este principio nos obliga a no elaborar normas legislativas que no
estén de acuerdo con el derecho comunitario.
b. Operatividad:
Es incuestionable que las normas jurídicas comunitarias deben ser automáticamente
incorporadas como orden obligatorio en el derecho interno de los Estados miembros,
marginando la idea de no poder ser aplicadas por razones de orden constitucional.
c. Aplicación inmediata:
Entre los doctrinadores existe el consenso de eliminar la necesidad de ratificación
752 parlamentaria de la normas comunitarias, pues se incorpora inmediatamente las mismas al
derecho interno.
d. El efecto directo:
La incorporación de una norma comunitaria al derecho interno constituye la piedra
angular de las normas comunitarias, pues, los derechos y obligaciones creadas por estas
normas podrán ser requeridas por los interesados de cualquier Estado a los efectos de una
protección jurídica.
Para la aplicación de los principios enunciados anteriormente, es de mucha importancia de la
existencia de órganos jurisdiccionales competentes para interpretar aplicar, dicta resoluciones y
su las misma tenga la fuerza imperativa en cualquier Estado.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 753
a. El caso paraguayo
Si analizamos el caso paraguayo podemos advertir en primer término que la Constitución
de 1992, establece en forma taxativa el orden jerárquico de las normas jurídicas. en tal sentido
el Art. 137 dispone que la Ley Suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados,
convenios y acuerdos internacionales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el
Congreso y otras disposiciones jurídicas de menor jerarquía, sancionadas en su consecuencia,
integran el Derecho Positivo Nacional en el orden enunciado. Lo expresado denota que los
tratados internacionales ocupan un rango superior a la ley e inmediatamente después de la
Constitución.
En cuanto a la admisión de un orden jurídico supranacional, el Art. 145 lo consagra, al
disponer que la República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un
orden jurídico supranacional que garantice la defensa de los derecho humanos, de la paz, de la
justicia, de la cooperación y del desarrollo, en lo político, económico, social y cultural. Dichas
decisiones solo podrán adoptarse por mayoría absoluto de cada Cámara del Congreso.
Un tema que debe ser analizado se relaciona con la ubicación que ocuparían las normas de
carácter supranacional, dentro del ordenamiento jurídico interno del país. En tal sentido alguna
vez se ha planteado la siguiente duda: dentro del proceso de integración habría que diferenciar
las normas que constituyen el derecho originario de aquellas que integran el derecho derivado.
En la hipótesis de consagrarse un orden jurídico supranacional, la cuestión sería determinar
si solo el derecho originario tendría prevalencia sobre la ley nacional, en tanto que el derecho
derivado ocuparía un rango inferior a ésta. El tema ha sido planteado en alguna reunión
internacional en la que se batieron temas de esta naturaleza y la cuestión fue formulada en virtud
de lo dispuesto por el Art. 137 ya citado.
Nuestro criterio es que en la hipótesis de consagrarse un orden jurídico supranacional no
existiría inconveniente en otorgar tanto al derecho originario cuanto al derecho derivado un
Órgano Jurisdiccional Supranacional
b. El caso argentino
La normativa de la Constitución Argentina de 1994 es similar a la Paraguaya de 1992 al
consagrar la posibilidad de la existencia de un orden jurídico supranacional y exigiendo para el
efecto la aprobación por una mayoría calificada de ambas cámaras del Congreso. Además, en el
caso argentino, se establece una norma más estricta en la hipótesis de tratados con Estados que
no son de Latinoamérica.
c. El caso brasileño
754 En el caso brasileño podemos advertir que no existiría impedimento alguno desde el punto
de vista constitucional para que Brasil acepte su incorporación a un sistema de integración de
características supranacionales.
Para otros autores, como Luis Olavo Baptista, las normas constitucionales consagradas en los
artículos 22 a 24 significan impedimentos a la participación brasileña en un órgano internacional
en virtud de que tales normas que determinan la competencia legislativa de la “Unión”, no
admiten la posibilidad de delegación. Sostiene igualmente que los mencionados artículos no
pueden ser modificados.
Además existe otro problema en el caso brasileño que se vincula con el lugar que ocupan los
acuerdos internacionales, en cuanto a su jerarquía, en el ordenamiento legal brasileño. En tal
sentido, se debe recordar que de conformidad con el criterio del Supremo Tribunal Federal un
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 755
tratado internacional tiene la misma jerarquía que una ley nacional y que en la hipótesis de existir
contradicción entre una y otra, la norma posterior es la que prevalece.
Sin duda alguna esta situación crea problemas que deben ser tratados con extremo cuidado,
dentro de un proceso de integración, desde el momento en que la vigencia jurídica de los tratados
internacionales queda supeditada a la normativa que dicte una de las Partes. Para aquellos Estados
que han ratificado la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratado o cuyos sistemas
constitucionales comparten sus principios, el sistema brasileño resulta inaceptable. Claro está que
Brasil no ha ratificado esta convención.
d. El caso uruguayo
La Constitución uruguaya no contiene disposición alguna que pudiera compararse con la
normativa de la paraguaya o argentina en cuanto a la supranacionalidad. Encontramos en su texto
una disposición comparable en alguna medida con la del Parágrafo Único del Art.4° de la
Constitución de la República Federativa del Brasil.
En cuanto a las disposiciones vinculadas con relaciones o tratados internacionales debemos
citar el Art. 6° según el cual en los tratados internacionales que celebre la República propondrá
la cláusula de todas las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el
arbitraje u otros medios pacíficos.
Para concluir, el Uruguay al igual que el Brasil necesitarían de una reforma constitucional que
permitiera la instalación de un sistema de integración con características de supranacionalidad, a
fin de evitar equívocos y dilaciones que resultan tan perjudiciales para la adopción de normas que
pudieran revestir dichas características.
Obras Consultadas:
755
Sabido es que el Tribunal de Justicia actuó desde los orígenes de las Comunidades Europeas
como auténtico “motor de la integración”, en el sentido de decidido impulsor del reconocimiento
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
de su naturaleza sui generis, propensa a hacer realidad la cesión de soberanía operada en su favor
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
El Tribunal de Justicia estaría así sentando las bases, por mor del propio Derecho comunitario
(e independientemente, pues, del Derecho de los Estados miembros), de un ordenamiento
jurídico autónomo, situando las disputas relativas a su correcto cumplimiento no sólo en un
plano interestatal-comunitario (a través del proceso por incumplimiento) sino también interno,
con unos Estados miembros susceptibles de ser demandados por los ciudadanos ante sus
propios órganos jurisdiccionales.
Y lo estaría haciendo, como señalaba, invirtiendo la presunción propia del Derecho
Internacional, al establecerla en favor de la aplicabilidad o eficacia directa del Tratado (y del
Derecho comunitario globalmente considerado, incluido el derivado, emanado unilateralmente
de las Instituciones comunitarias), a concretar en cada caso a través de las exigencias de “claridad,
precisión e incondicionalidad” de su contenido; con otras palabras, determinada la potencialidad
global del Tratado para producir directamente efectos en los ordenamientos internos, su
actualización concreta vendría de la mano del análisis del contenido (“claro, preciso e
incondicional”) de cada uno de sus preceptos.
Admitida así la eficacia directa con relación al Tratado, la jurisprudencia del Tribunal de
Justicia se concentraría a partir de ese momento en la eficacia de las directivas, a las que, pese a
tener como exclusivos destinatarios los Estados miembros, reconocería su aptitud para poder ser
invocadas por los particulares ante los jueces nacionales frente a ausencias de ejecución interna
(dentro del plazo prescrito) o ejecuciones incorrectas (asuntos Van Duyn, 1974, y Becker, 1982).
Incluso más allá del carácter preciso e incondicional de la directiva, el Tribunal de Justicia se
decidiría en el asunto Kraaijeveld (1996) a recuperar una doctrina sentada veinte años antes (asunto
VNO, 1977) y que había pasado prácticamente desapercibida, en virtud de la cual existiría la
obligación de verificar “si, dentro de los límites de la facultad de que dispone en cuanto a la forma
y los medios de ejecutar la Directiva, el legislador nacional ha respetado los límites del margen de
apreciación trazado por la Directiva”. Posibilidad, pues, de oponerse a la aplicación del Derecho
nacional que haya sobrepasado el margen de maniobra permitido por la directiva, que, no
la interpretación del Derecho interno hasta el límite del contra legem en la búsqueda de su
conformidad con la directiva (asunto Marleasing, 1990).
Todo ello muestra, en definitiva, una decidida disposición del Tribunal de Justicia a hacer
efectivas en el plano interno las decisiones (en el sentido amplio de la expresión) adoptadas en el
plano comunitario, incluso cuando las mismas requieren, en principio, desarrollo o ejecución por
los Estados miembros, de manera que la ausencia de desarrollo o la ejecución incorrecta no
menoscabe la referida efectividad en los términos expuestos. Incluso dicha efectividad, rodeada
de las necesarias precisiones, ha llegado el Tribunal a extenderla al terreno del soft law comunitario,
por definición no vinculante, exigiendo a los operadores jurídicos a tenerlo en cuenta al aplicar
el Derecho nacional o el propio hard law comunitario; particularmente, exigiendo en última
instancia a los jueces y tribunales nacionales la obligación de motivar sobre el posible descarte del
soft law comunitario en cuanto parámetro de interpretación de disposiciones internas con él
vinculadas (asunto Grimaldi, 1989).
Volviendo sobre el asunto Van Gend & Loos, recordemos que el Tribunal de Justicia admitió el
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
posición sostenida, como también vimos, por tres de los gobiernos intervinientes en el proceso,
en un contexto, conviene no olvidar, en el que la Europa comunitaria contaba con sólo seis
Estados miembros), quien propuso considerar que el artículo 12 del Tratado CEE sólo contenía
una obligación dirigida a los Estados, negando así que pudiera producir efecto directo y crear
derechos a favor de los particulares cuya protección correspondería en última instancia a jueces
y tribunales nacionales.
En el trasfondo de la opinión del Abogado General pesaba el hecho de que, de reconocerse
tal eficacia directa, la disparidad entre los Derechos nacionales en lo concerniente a la relación
entre el Derecho supranacional o internacional y la legislación interna (esto es, en función del
reconocimiento o no del valor prevalente de aquél sobre ésta) podría desembocar en una ruptura
de la uniformidad en la aplicación del Derecho comunitario.
El Tribunal de Justicia, sin embargo, no acogería los temores apuntados por el Abogado
General, a sabiendas probablemente de que la cuestión prejudicial planteada procedía de un
tribunal neerlandés, cuya Constitución, como recordó el propio Abogado General, otorgaba
primacía a los acuerdos internacionales sobre el Derecho interno; por lo que el reconocimiento
de la eficacia directa con relación al artículo 12 del Tratado CEE desembocaría, sin necesidad de
pronunciamiento alguno acerca de la primacía del Derecho comunitario, en una inaplicación por
el tribunal neerlandés al caso (del cual estaba conociendo y que originó la cuestión prejudicial) de
la normativa interna incompatible con dicho precepto.
No obstante lo cual, quedaba en pie qué sucedería cuando en el futuro se planteara la posible
incompatibilidad entre el Derecho comunitario y un Derecho nacional carente, a diferencia de lo
760 que sucedía en los Países Bajos, de una apertura constitucional interna hacia el ordenamiento
supranacional o internacional.
Pues bien, la cuestión sería resuelta apenas un año después (asunto Flaminio Costa, 1964), en el
marco de un litigio cuyo importe ascendía a la cifra irrisoria de 1.925 liras (que equivaldría en la
actualidad a menos de 1 euro), que Flaminio Costa, Abogado de Milán, se negaba a pagar, en
concepto de suministro de electricidad, al Ente Nacional para la Energía Eléctrica, alegando que
la Ley italiana de 6 de diciembre de 1962, por la que se había nacionalizado la industria eléctrica
en Italia, era contraria a determinados preceptos del Tratado de la CEE.
Al igual que en Van Gend & Loos, el Tribunal de Justicia, recurriendo a la naturaleza sui generis
y autónoma del ordenamiento jurídico comunitario (independientemente, pues, del alcance que
cada Constitución nacional reconociera en el ámbito interno al Derecho supranacional o
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 761
internacional), afirmaría la primacía del Derecho comunitario sobre el Derecho interno, con el
efecto de descartar la aplicación de éste por los jueces y tribunales nacionales en el caso de
resultar incompatible con aquél.
Así las cosas, puede señalarse que, a día de hoy, la primacía del Derecho comunitario sobre el
Derecho interno infraconstitucional, incluidas las leyes, ha sido aceptada por todos los Estados
miembros en los términos sentados por el Tribunal de Justicia en el asunto Simmenthal (1978), que
se traducen en la obligación de jueces y tribunales nacionales de inaplicar aquéllas al caso
concreto por su propia autoridad, sin esperar a su previa depuración por el legislador o la
jurisdicción constitucional correspondiente; lo cual, conviene subrayar, no excluye, en virtud del
principio de seguridad jurídica igualmente proclamado por el Tribunal de Justicia (asunto Comisión
v. Francia, 1974), la obligación por parte de los Estados miembros de eliminar, formalmente y con
carácter general (i.e., vía normativa o mediante pronunciamientos judiciales con efectos erga
omnes), tal contradicción.
Lejos de limitar el alcance del principio de primacía a la inaplicación, sin más, de las normas
nacionales incompatibles con el Derecho comunitario, el Tribunal de Justicia ha ido construyendo
a partir de dicho principio y apoyándose en otro como el de cooperación leal (artículo 10 TCE),
todo un arsenal de poderes-deberes del juez nacional frente al Derecho interno incompatible con
el comunitario: medidas cautelares (asunto Factortame, 1990), acciones de responsabilidad por
infracción del Derecho comunitario (asunto Francovich, 1991), revisión de sentencias con valor de
cosa juzgada (habiendo declarado en el reciente asunto Lucchini, de julio de 2007, que “el Derecho
comunitario se opone a la aplicación de una disposición de Derecho nacional que pretende
consagrar el principio de autoridad de la cosa juzgada, como el artículo 2909 del Código Civil
italiano, cuando su aplicación constituye un obstáculo para la recuperación de una ayuda de Estado
concedida contraviniendo el Derecho comunitario, y cuya incompatibilidad con el mercado
común ha sido declarada por una decisión firme de la Comisión de las Comunidades Europeas”;
aunque ceñida al terreno específico de las ayudas de Estado, debe advertirse que apenas un año
procedimiento que ésta debe seguir a la hora de hacer efectiva la intervención en cuestión)
presididas por la mayoría cualificada en el seno del Consejo, en detrimento de aquellas otras
presididas por la unanimidad (asunto aranceles preferentes, 1987).
Otro tanto cabe decir de la doctrina del Tribunal de Justicia en lo concerniente a la definición
de los contornos del poder público europeo desde una perspectiva vertical (i.e., de los límites
competenciales de la Comunidad frente a los Estados miembros).
Valga también como ejemplo la política de medio ambiente, incorporada expresamente como
política comunitaria en 1986 con el Acta Única Europea. Pese al silencio del Tratado con
anterioridad a dicha fecha, lo que parecía inducir a negar la competencia de la Comunidad para
intervenir al respecto, lo cierto es que la Comunidad sí que legisló sobre materia medio ambiental
recurriendo, en un primer momento, al entonces artículo 100 del Tratado (actual 94), alegando
que la legislación en cuestión pretendía, como exigía el mencionado precepto, aproximar
disposiciones nacionales que afectaban directamente al establecimiento y funcionamiento del
mercado común (caso de las Directivas sobre clasificación, etiquetado y envasado de sustancias
peligrosas, y sobre niveles de ruido y de emisiones de gases contaminantes por vehículos de
motor).
A medida que la legislación comunitaria comenzó a hacerse “más esencialmente” medio
ambiental, menor comenzó a ser su “incidencia directa” en el mercado común (y menor, por
tanto, la posibilidad de basar tal legislación en el artículo 100), recurriéndose entonces a la
doctrina de los poderes implícitos plasmada en el artículo 235 del Tratado (según el cual, “cuando
una acción de la Comunidad resulte necesaria para lograr, en el funcionamiento del mercado
común, uno de los objetivos de la Comunidad, sin que el presente Tratado haya previsto los
poderes de acción necesarios al respecto, el Consejo, por unanimidad, a propuesta de la Comisión
y previa consulta al Parlamento Europeo, adoptará las disposiciones pertinentes). Ello exigía en
todo caso, una lectura generosa de los objetivos mencionados en el entonces artículo 2 del
Tratado, donde no figuraba específicamente la protección del medio ambiente. Sí que entendió
instancia, de sus órganos jurisdiccionales, competentes para conocer de los litigios que surjan en
dicha fase aplicativa), con posibilidad de divergencias entre unos y otros y, por tanto, de quiebra
en la práctica de la “comunidad” teórica.
A evitar tal riesgo está destinado el mecanismo de la cuestión prejudicial, el cual, calificado
por el propio Tribunal, como se acaba de señalar, de “piedra angular” del sistema jurídico
comunitario, se encuadra, como recuerda el asunto Schwarze (1965), en el “marco muy particular
de la cooperación judicial” en el que compete al juez europeo aclarar la interpretación o validez
del Derecho Comunitario y al órgano jurisdiccional nacional resolver el litigio que originó la
cuestión prejudicial a la luz de tal aclaración.
Sucede que, más allá del concreto litigio nacional que está en su origen, la cuestión prejudicial
tiene por finalidad primordial colocar a una institución comunitaria, el Tribunal de Justicia, en
posición de marcar las pautas comunes a tener en cuenta por jueces y tribunales nacionales a la
hora de velar por un correcto y uniforme desenvolvimiento del Derecho comunitario,
manteniendo la “comunidad” alcanzada en el estadio de producción normativa al pasar al de su
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
efectiva aplicación: una norma común, comúnmente interpretada y aplicada en todos los Estados
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
miembros a través del diálogo instaurado entre la diversidad de jueces nacionales y el Tribunal de
Justicia, al que pueden o en su caso deben plantear las dudas de interpretación o validez del
Derecho comunitario que les surjan con ocasión de los litigios de los cuales estén conociendo,
cuya resolución -imprescindible para poder emitir su fallo- por el Tribunal de Justicia, al tiempo
que aclara el panorama al órgano jurisdiccional remitente, sienta doctrina uniforme a respetar por
cualesquiera otros órganos jurisdiccionales de los Estados miembros.
En tal contexto, la jurisprudencia del Tribunal de Justicia se ha dirigido, por un lado, a reforzar
su rol de supremo intérprete del ordenamiento jurídico comunitario a través de las doctrinas del
“acto claro” y del “acto aclarado” (asunto CILFIT, 1982). La primera propugna la ubicación del
órgano jurisdiccional nacional, a la hora de decidir acerca del planteamiento o no de la cuestión,
en el marco de la arquitectura judicial comunitaria (de la que forman parte los demás órganos
jurisdiccionales nacionales actuando en colaboración con el Tribunal de Justicia), interpretando y
aplicando de manera uniforme el Derecho, común, comunitario (autónomo respecto de los
Derechos nacionales). Como recuerda el asunto International Transports (2005), el juez nacional debe
valorar la eventualidad de una duda interpretativa “razonable” sobre el ordenamiento jurídico
comunitario “en función de las características propias del Derecho comunitario, de las
dificultades concretas que presente su interpretación y del riesgo de divergencias
jurisprudenciales dentro de la Comunidad”. En cuanto a la doctrina del “acto aclarado”, implicó
el reconocimiento a favor de jueces y tribunales nacionales del poder para aplicar, por su propia
autoridad (i.e. sin plantear cuestión prejudicial), “jurisprudencia ya asentada del Tribunal de
Justicia que hubiera resuelto la cuestión de derecho de que se trata, cualquiera que sea la
764 naturaleza de los procedimientos que dieron lugar a dicha jurisprudencia, incluso en defecto de
una estricta identidad de las cuestiones debatidas”; ello en el bien entendido (y es este matiz el
que reforzaría la autoridad del Tribunal de Justicia) de que ningún órgano jurisdiccional nacional
podría por su propia autoridad apartarse de la jurisprudencia sentada por el Tribunal de
Luxemburgo (al que, no obstante, sí que podrían dirigirse para aclarar algún punto oscuro de la
jurisprudencia en cuestión, para volver sobre ella a la luz de nuevos argumentos o, simplemente,
para intentar una reconsideración de Luxemburgo al respecto).
Mayor aún resultó el reforzamiento del rol del Tribunal de Justicia, más allá del contexto
interpretativo, en el marco del puro control judicial, al sentar el Tribunal en el asunto Foto-Frost
(1987) su monopolio respecto de los juicios negativos de validez del Derecho comunitario
(monopolio que, aun no estando previsto en el artículo 177, el Tribunal de Justicia dedujo de una
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 765
interpretación sistemática –y pro integratione- de sus propias funciones: “dado que el artículo 173
[actual 230]”, sostuvo, “atribuye competencia exclusiva al Tribunal de Justicia para anular un acto
de una institución comunitaria, la coherencia del sistema exige que la facultad de declarar la
invalidez del mismo acto, si se plantea ante un órgano jurisdiccional nacional, esté reservada
asimismo al Tribunal de Justicia”). Monopolio este, por lo demás, que se mantiene, conforme
aclararía el asunto Gaston Schul (2005), aun cuando el Tribunal “ya haya declarado inválidas
disposiciones equivalentes de [otra norma comunitaria] comparable”.
Lo dicho teniendo por lo demás en cuenta que el Tribunal, que en el asunto U.P.A. v. Consejo
(2002) rechazó la legitimación de los particulares para impugnar directamente actividad
comunitaria de carácter general, hizo hincapié en ese mismo asunto, como contrapartida, en la
necesidad de reforzar esta vía de impugnación indirecta que es la cuestión prejudicial de validez,
declarando que “en este contexto [de asentamiento de un sistema de vías de recurso y de
procedimientos que permita garantizar el respeto del derecho a la tutela judicial efectiva], y de
conformidad con el principio de cooperación leal enunciado en el artículo 5 [actual 10] del
Tratado, los órganos jurisdiccionales nacionales están obligados, en toda la medida de lo posible,
a interpretar y aplicar las normas procesales internas que regulan la interposición de los recursos
de modo que las personas físicas y jurídicas puedan impugnar judicialmente la legalidad de
cualquier resolución o de cualquier otra medida nacional por la que se les aplique un acto
comunitario de alcance general, invocando la invalidez de dicho acto”.
Todo lo cual implica, en última instancia, un fortalecimiento de la naturaleza supranacional
del Tribunal de Justicia no sólo en términos de conferirle la última palabra en relación con el
alcance del propio Derecho comunitario, sino también en términos de conexión con el
ciudadano litigante, en cuya causa, allí donde no existe acceso directo al Tribunal de Justicia, éste
amplía las posibilidades de intervenir (indirectamente) a medida que intensifica la presión sobre
el juez nacional a los efectos de hacerle asumir su condición de “juez comunitario”.
En fin y para concluir este breve repaso de la jurisprudencia comunitaria pro integratione,
Justicia), sino incluso frente al sistema instaurado por el Convenio Europeo de Derechos Humanos,
con una renuncia genérica por parte del Tribunal de Estrasburgo (asunto Bosphorus, 2005) a ejercitar
un control sobre el Derecho comunitario (indirectamente, a través del control ejercitado sobre la
ejecución de éste por los Estados miembros, Partes Contratantes, a diferencia de la Comunidad
Europea, del Convenio), sobre la base de la “doctrina de la equivalencia”, que otorga un amplio
margen de confianza a un ordenamiento, como el comunitario, capaz de proporcionar una
protección “comparable”, que no “idéntica”, a la que deriva del propio Convenio, en el marco de
un sistema de control jurisdiccional capaz de asegurar la observancia de los derechos amparados
por el ordenamiento en cuestión (doctrina esta de la protección equivalente que, por ejemplo y con
sus correspondientes matices, asumen también los Tribunales Constitucionales de Alemania y
España, y el Consejo Constitucional y el Consejo de Estado en Francia).
Sucede, por lo demás, que el rol decisivo del Tribunal de Justicia en la configuración
pretoriana del sistema comunitario de derechos fundamentales sigue siendo de extraordinaria
actualidad pese a la proclamación de la Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
Europea en Niza (2000), no ya porque ésta carece, pese a su evidente valor hermenéutico, de
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
fuerza jurídica vinculante en sentido estricto (según recuerda el propio Tribunal en el asunto
reagrupación familiar, 2006, primero en citarla de manera expresa), sino incluso porque como
recordaba la fallida Constitución Europea (cuya filosofía mantiene la versión provisional del en
estos momentos futurible Tratado de Lisboa con el que se pretende superar la actual situación de
impasse en que se encuentra la Unión), la Carta no excluye que los derechos y libertades en ella
reconocidos sean completados, como antaño, vía principios generales configurados por el
Tribunal de Justicia inspirándose en el Convenio Europeo de Derechos Humanos y en las
tradiciones constitucionales comunes a los Estados miembros.
Tras este breve repaso del protagonismo desempeñado por el Tribunal de Justicia en el marco
comunitario en términos pro integratione, corresponde ahora analizar de si esa labor pro integratione
se ha mantenido tras el nacimiento formal de la Unión Europea con el Tratado de Maastricht
firmado en 1992, sobre todo, como adelanté al inicio de la exposición, tras la reforma de
Ámsterdam en 1997 y en relación, concretamente, con el conocido como tercer pilar, dedicado
a la “Cooperación Policial y Judicial en Materia Penal”.
Comencemos por recordar que el Tratado Maastricht creó una nueva organización, la Unión
Europea, que, heredando la doble naturaleza de la integración europea ya presente en el Acta
Única (1986), parte en cuanto a su fundamento de las Comunidades Europeas, completadas con
766 formas de cooperación en política exterior y de seguridad común (PESC), y en asuntos de justicia
y de interior (AJAI), y que va a recibir como misión “organizar de modo más coherente y
solidario las relaciones entre los Estados miembros y entre sus pueblos”. Para ello, la Unión va a
contar con un marco institucional único, que funcionará con distintas reglas de juego según el
ámbito de intervención: esencialmente supranacionales en el terreno de las Comunidades
Europeas, y esencialmente intergubernamentales en los ámbitos PESC y AJAI (que puede
resumirse en el protagonismo cuasi absoluto de los Estados miembros en un proceso decisorio
que nace de su iniciativa, concluye por unanimidad del Consejo y queda expresamente excluido
del control por el Tribunal de Justicia), recurriéndose desde entonces a la figura del templo griego
para describir plásticamente la estructura del Tratado, con sus tres pilares, el supranacional
comunitario y los otros dos intergubernamentales.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 767
Tras el Tratado de Maastricht, la reforma de Ámsterdam (1997) traerá consigo, entre otras
modificaciones, un doble proceso de comunitarización operado en relación con el tercer pilar, en un
contexto en el que entre los objetivos a perseguir por la Unión Europea, se define el de
“mantener y desarrollar la Unión como un espacio de libertad, de seguridad y de justicia, en el que la
libre circulación de personas esté garantizada conjuntamente con las medidas adecuadas relativas
a los controles en las fronteras exteriores, la inmigración, el asilo y la prevención y lucha contra
la delincuencia”.
Por un lado, comunitarización consistente en el traspaso de parte del tercer pilar, el
concerniente al control de fronteras externas, la inmigración, el asilo y la cooperación judicial en
temas civiles, al propio Tratado de la Comunidad Europea; comunitarización que, sin embargo,
no fue total, al quedar sometido el referido traspaso a un régimen sui generis respecto del general
comunitario en lo atinente tanto al proceso decisorio como al control jurisdiccional. Así, y en
relación con el proceso decisorio, se distinguió entre antes y después de transcurridos cinco años
a partir de la entrada en vigor de la reforma de Ámsterdam: antes, decidiría el Consejo por
unanimidad, a propuesta de la Comisión o a iniciativa de un Estado miembro (rompiéndose así
el monopolio de iniciativa de la Comisión típicamente comunitario) y previa consulta al
Parlamento Europeo (desnudo, pues, de sus poderes de intervención propios del pilar
comunitario, particularmente del poder de codecisión); después, la Comisión asumiría en
exclusiva el poder de iniciativa, y el Consejo podría (por unanimidad) implantar el procedimiento
de codecisión. En cuanto al control jurisdiccional, se previó un régimen especial de cuestión
prejudicial (limitando la activación de la misma a los órganos jurisdiccionales nacionales de última
instancia), al tiempo que se excluyó expresamente la competencia del Tribunal, en el contexto de
la progresiva eliminación de los controles sobre las personas en el cruce de las fronteras
interiores, “sobre las medidas o decisiones relativas al mantenimiento del orden público y la
salvaguardia de la seguridad interior”.
Por otro lado, “aires” de comunitarización, en grado sensiblemente inferior a la operación
de operaciones efectuadas por la policía u otros servicios con funciones coercitivas de un Estado
miembro, ni sobre el ejercicio de las responsabilidades que incumben a los Estados miembros
respecto al mantenimiento del orden público y la salvaguardia de la seguridad interior”).
La principal conclusión a extraer de esta nueva reforma es que ya no cabría equiparar sin más
los dos pilares intergubernamentales de Maastricht: amén del esencialmente supranacional que
sería el comunitario, y del esencialmente intergubernamental que sería el correspondiente a la
política exterior y de seguridad común, Ámsterdam habría convertido el concerniente a la
cooperación policial y judicial en materia penal en un tertium genus, de carácter intergubernamental
pero con presencia, al mismo tiempo, de peculiaridades supranacionales en los instrumentos de
intervención y en los mecanismos de control jurisdiccional.
Sentado lo cual, el interrogante que se planteaba era cuál de los dos pilares en estado más
puro, si el supranacional comunitario o el intergubernamental de la política exterior y de
seguridad común, estaría llamado a ejercer una mayor vis attractiva sobre ese tertium genus (con otras
palabras: si los rasgos supranacionales propios del tercer pilar tendrían una lectura en términos
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
recurso a instrumentos jurídicos que produzcan efectos análogos a los previstos en el Tratado
CE, con objeto de contribuir eficazmente a la consecución de los objetivos de la Unión”.
Por otro lado, extendiendo el principio de cooperación leal al marco del tercer pilar: también
frente a las alegaciones de los Gobiernos italiano y británico en el sentido de que, “a diferencia
del Tratado CE, el Tratado UE no incluye ninguna obligación análoga a la establecida en el
artículo 10 CE” (en el que se recoge el principio de cooperación leal), el Tribunal de Justicia
sostuvo que el Tratado UE “constituye una nueva etapa en el proceso creador de una unión cada
vez más estrecha entre los pueblos de Europa y que la misión de la Unión, que tiene su
fundamento en las Comunidades Europeas completadas con las políticas y formas de
cooperación establecidas por dicho Tratado, consiste en organizar de modo coherente y solidario
las relaciones entre los Estados miembros y entre sus pueblos”; y “sería difícil”, concluyó, “que
la Unión cumpliera eficazmente su misión si el principio de cooperación leal no se impusiera en
el ámbito de la cooperación policial y judicial en matera penal”.
De resultas de todo ello, el Tribunal declararía que “el órgano jurisdiccional nacional está
obligado a tomar en consideración todas las normas del Derecho nacional y a interpretarlas, en
todo lo posible, a la luz de la letra y de la finalidad de [la] decisión marco”.
Extensión a las decisiones marco, en definitiva, de la doctrina de la “interpretación conforme”
elaborada en relación con las directivas, que reviste una notable importancia por cuanto:
1) conforme declararía el Tribunal de Justicia en el asunto Pfeiffer (2004), “si bien el principio
de interpretación conforme del Derecho nacional se refiere, en primer lugar, a las normas
internas establecidas para adaptar el Derecho interno a la directiva de que se trate, no se
limita, sin embargo, a la exégesis de dichas normas, sino que requiere que el órgano
jurisdiccional nacional todo el Derecho nacional [i.e., “el conjunto del Derecho nacional”]
para apreciar en qué medida puede éste ser objeto de una aplicación que no lleve a un
resultado contrario al perseguido por la directiva”;
2) según puntualizaría aún más el Tribunal en el asunto Adeneler (2006), “a partir de la fecha
del tercer pilar (y por tanto, de los elementos intergubernamentales subsistentes en éste).
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
Concretamente, el Tribunal, aun reconociendo que en principio sería la Unión (a través del
tercer pilar), y no la Comunidad (en el contexto del primer pilar), la competente en materia penal,
afirmaría que “esta constatación no es óbice para que el legislador comunitario adopte medidas
relacionadas con el Derecho penal de los Estados miembros y que estime necesarias para
garantizar la plena efectividad de las normas que dicte en materia de protección medioambiental,
cuando la aplicación por las autoridades nacionales competentes de sanciones penales efectivas,
proporcionadas y disuasorias constituye una medida indispensable para combatir los graves
atentados contra el medio ambiente”.
Sentado lo cual, el Tribunal consideró que la obligación impuesta a los Estados miembros, a
través de una Decisión marco (adoptada, pues, con fundamento en el tercer pilar), de prever
sanciones penales para castigar las infracciones graves de la legislación medioambiental, en la
medida en que tendría como objetivo y contenido principales la protección del medio ambiente,
debería haberse basado en el Título XIX del Tratado CE (primer pilar), y no en el Título VI del
Tratado UE (tercer pilar), procediendo a su anulación conforme había demandado la Comisión
apoyada por el Parlamento Europeo.
Tal doctrina, que tendría un extraordinario eco entre las instituciones políticas europeas (cfr.
en particular la Comunicación de la Comisión al Parlamento Europeo y al Consejo sobre las
consecuencias de la sentencia del Tribunal de 13.9.2005 dictada en el asunto C-176/03, así como
el Informe del Parlamento al respecto, donde se analiza la manera de reconsiderar la base jurídica
de otros textos legales europeos con el objetivo de ajustarlos al reparto de competencias entre el
primer y el tercer pilar), es susceptible, además y con todo lo que ello conlleva, de ser extendida
770 a las relaciones entre el primer y el segundo pilar (el cual, recordemos, está excluido de la
jurisdicción del Tribunal de Justicia), habida cuenta de que el Tribunal ya admitió hace tiempo
que su falta de jurisdicción sobre determinados actos de la Unión no se podría llevar hasta el
extremo de negar su jurisdicción para controlar que dichos actos no invadan las competencias
que las disposiciones del Tratado CE atribuyen a la Comunidad (asunto tráfico aeroportuario, 1998).
Volviendo sobre la visión pro integratione del tercer pilar, el Tribunal de Justicia perdería una
buena oportunidad de profundizar en ella con ocasión de la polémica generada por la Decisión
marco relativa a la orden de detención europea y a los procedimientos de entrega entre Estados
miembros (conocida como “euro-orden”).
En efecto, apenas un mes después de haber resaltado el Tribunal de Justicia en el asunto
Pupino los aspectos supranacionales de las decisiones marco, el Tribunal Constitucional Federal
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 771
Comenzando por esta última afirmación, reiterada en Segi e a. (“es cierto que, en el contexto
de la Unión, los Tratados han establecido un sistema de medios de impugnación en el que las
competencias del Tribunal de Justicia son menores en el marco del título VI del Tratado de la
Unión Europea que con arreglo al Tratado CE. Y todavía son menores en el marco del título
V”), recordemos que la apertura de las Constituciones nacionales a la integración europea en
virtud de la “doctrina de la equivalencia” dependía, en esencia, de la capacidad del sistema jurídico
de la Unión para situar la interpretación de sus propios valores y principios constitucionales bajo
parámetros comparables a los que presidirían la interpretación de los valores y principios de los
ordenamientos constitucionales nacionales.
Y tal capacidad, a su vez, dependía en gran medida de la existencia de una sólida y completa
arquitectura jurisdiccional, en el nivel europeo, apta para velar por el debido respeto de tales
valores y principios (incluidos los derechos fundamentales). Con palabras del Tribunal Europeo
de Derechos Humanos en el citado asunto Bosphorus, “la efectividad de las garantías sustantivas
de los derechos fundamentales, depende de los mecanismos de control previstos para asegurar la
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
observancia de dichos derechos”. O con palabras del Abogado General (el italiano Paolo
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
Mengozzi) en el propio asunto Segi e.a.: “La Unión se basa en el principio del Estado de Derecho
y en el respeto de los derechos fundamentales. El Estado de Derecho no es tanto el basado en
las normas y en la proclamación de los derechos, sino el que se funda en mecanismos que
permiten hacer respetar las normas y los derechos (ubi ius ibi remedium)”.
Así las cosas, ¿qué decir de esta capacidad de la arquitectura jurisdiccional europea cuando nos
trasladamos del terreno comunitario al del tercer pilar?
Por lo pronto, que el sistema jurisdiccional diseñado por el Título VI del Tratado UE no prevé
en ningún caso el acceso directo de los particulares a Luxemburgo.
Ya vimos cómo la dificultad (que no imposibilidad) de dicho acceso directo, en el marco del
pilar comunitario, se había visto en gran medida compensada por la potenciación de las vías
indirectas de control representadas por la excepción de ilegalidad y, sobre todo, la cuestión
prejudicial, traída a colación tanto por el Tribunal de Justicia como incluso por el Tribunal
Europeo de Derechos Humanos para superar las exigencias derivadas de la tutela judicial efectiva
y, en el caso de este último, considerar la protección dispensada por el sistema comunitario como
equivalente a la dispensada por el Convenio Europeo de Derechos Humanos.
Sucede, sin embargo, que la referida compensación se ve debilitada en el marco de un tercer
pilar en el que, como vimos, admitiéndose la competencia prejudicial del Tribunal de Justicia para
pronunciarse sobre la validez y la interpretación del sistema, se supedita dicha competencia a su
aceptación por cada Estado, la cual deberá en su caso especificar qué órganos jurisdiccionales
nacionales podrán dirigirse a Luxemburgo con carácter facultativo (si todos ellos, o sólo aquellos
cuyas decisiones no fueran susceptibles de ulterior recurso en Derecho interno).
772 Además, quedan excluidas de la competencia prejudicial las posiciones comunes (que definen
el enfoque de la Unión sobre un asunto concreto).
Por otro lado, y como recuerda el Tribunal de Estrasburgo refiriéndose siempre al primer
pilar, no hay que olvidar que “los recursos interpuestos ante el Tribunal de Justicia por las
Instituciones comunitarias o por un Estado miembro constituyen un importante control sobre
el cumplimiento de las normas comunitarias que beneficia indirectamente a los individuos”, a lo
que debe añadirse la posibilidad abierta a éstos de “recurrir a una acción por daños ante el
Tribunal de Justicia en el marco de la responsabilidad extracontractual de las Instituciones”.
Pues bien, el artículo 35 del Tratado UE no prevé en el marco del tercer pilar ni un recurso
por responsabilidad extracontractual como hace el artículo 288 del Tratado CE, ni un recurso por
omisión como hace el artículo 232 del Tratado CE; y con relación al control directo de legalidad,
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 773
a modo del recurso de anulación ex artículo 230 del Tratado CE, el plasmado en el artículo 35
del Tratado UE ni comparte la amplitud en términos de legitimación activa de aquél (limitándola
a la Comisión y a los Estados miembros), ni alcanza a toda la actividad de la Unión en el marco
del tercer pilar (al limitarse el control a las decisiones y las decisiones marco).
Por lo que respecta, en fin, al control de la actividad nacional cubierta por el radio de acción
del tercer pilar, no se prevé un recurso por incumplimiento similar al del artículo 226 del Tratado
CE ni una potestad del Tribunal de Justicia a los efectos de hacer cumplir sus sentencias a modo
de la prevista en el artículo 228, al tiempo que se debilita en los términos vistos la competencia
prejudicial interpretativa del Tribunal (vía indirecta, pero vía por excelencia, de velar por el debido
respeto del Derecho comunitario por los Estados miembros).
Con este trasfondo, y volviendo sobre el asunto Segi e.a., el Tribunal de Justicia llevó a cabo
cierto reforzamiento del control judicial en el marco del tercer pilar al abrir el mismo bajo, ciertas
condiciones, a las “posiciones comunes”.
Así, tras afirmar que “una posición común no está llamada a producir, por sí misma, efectos
jurídicos frente a terceros” (limitándose a “obligar a los Estados miembros a atenerse a ella en
virtud del principio de cooperación leal, que supone concretamente que los Estados miembros
han de adoptar todas las medidas generales o particulares apropiadas para asegurar el
cumplimiento de sus obligaciones con arreglo al Derecho de la Unión Europea”), justificando
por ello la exclusión de su competencia para conocer de las mismas vía recurso de anulación o
cuestión prejudicial de validez, el Tribunal de Justicia trajo a colación su doctrina comunitaria
acerca de su competencia para controlar “disposiciones adoptadas por el Consejo, con
independencia de su naturaleza o de su forma, dirigidas a producir efectos jurídicos frente a
terceros”, para concluir sosteniendo que “debe poder someterse al control del Tribunal de
Justicia una posición común que, por su contenido, tiene un alcance que excede el que atribuye
el Tratado UE a este tipo de acto”.
No se vio capaz el Tribunal de Justicia, sin embargo, de superar las insuficiencias del tercer
tramitación puedan, no obstante, ser invocadas al discutir la legalidad del acto o disposición
definitiva; y sin perjuicio también de la apertura de la legitimación frente a actos de trámite que
pudieran producir indefensión, nada de lo cual se traslada al razonamiento del Tribunal en Segi);
2) resulta asimismo difícil aceptar también sin matizaciones el traspaso de la responsabilidad
a unos Estados miembros que, llegado el caso (aun admitiendo el amplio margen de maniobra
del que en principio gozan los Estados en el contexto del tercer pilar, como reconoció
concretamente el Tribunal en relación con la “euro-orden”), pueden estar ejecutando actos de la
Unión en términos reglados (el Tribunal en ningún momento se plantea siquiera la posibilidad de
una repercusión -de la indemnización otorgada por el Estado declarado responsable- sobre la
Unión o los demás Estados miembros);
3) resulta aún más difícil aceptar, en fin, la doctrina de un Tribunal que asume la inexistencia
de responsabilidad extracontractual de las instituciones de la Unión cuando ese mismo Tribunal
construyó literalmente, en el marco del pilar comunitario y en ausencia de previsiones al respecto
en el Tratado, un régimen de responsabilidad extracontractual de los Estados miembros derivada
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
de infracciones del Derecho comunitario (responsabilidad que alcanza a todos los poderes del
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
Estado: desde el legislador -asunto Brasserie du Pêcheur, 1996- hasta el juez -asunto Köbler, 2003-,
pasando por declaraciones de funcionarios de la Administración -asunto AGM-COSMET, 2007-
), argumentado al respecto que la responsabilidad extracontractual no sería sino la expresión de
un “principio general” que pone de manifiesto “la obligación de los poderes públicos de
indemnizar los daños causados en el ejercicio de sus funciones” (asunto Brasserie du Pêcheur), y que
la propia Carta de Niza consagraría como derecho fundamental de la Unión, concretamente
como variante del derecho fundamental a una buena administración recogido en el artículo 41
(sin que resulte ocioso advertir al respecto que el Tribunal maneja la Carta como fuente
privilegiada de inspiración también en el marco del tercer pilar: asunto Advocaten voor de Wereld, ya
citado).
Sea como fuere, lo cierto es que, asumida por el Tribunal de Justicia la inexistencia de “un
sistema completo de recursos y de procedimientos destinado a garantizar la legalidad de los actos
de las instituciones en el marco de dicho Título VI”, la consecuencia no parece ser otra que la
inexistencia en dicho marco de la premisa que sustenta la “doctrina de la equivalencia” y, por
tanto, de las condiciones necesarias para eludir un control de la actividad de desarrollo de dicho
pilar bajo estrictos parámetros constitucionales internos; ello, además, en un terreno, como es el
del tercer pilar, especialmente proclive, ratione materiae, a incidir sobre cuestiones concernientes
al contenido y límites de muchos derechos fundamentales (tutela judicial efectiva; ne bis in idem;
libertad personal; nullum crimen, nulla poena sine lege, etc.).
Es más, quizás cabría entender la actitud del Tribunal Constitucional Federal alemán en su
referida sentencia sobre la euro-orden en clave pro-europeísta, esto es, de exigencia de
774 potenciación del espíritu supranacional en el marco del tercer pilar que, a modo de lo que ha
sucedido con el pilar comunitario, permitiría el pleno juego de la “doctrina de la equivalencia”; lo
que, en última instancia, escondería un auténtico respaldo a la filosofía que inspiró el fallido
Tratado por el que se establece una Constitución para Europa y que el futurible Tratado de
Lisboa mantiene, habida cuenta de su inequívoca vocación de asumir el método comunitario
como inspirador del quehacer de la Unión Europea.
No esconde tal respaldo, desde luego, el propio Tribunal de Justicia, que, volvamos a recordar,
declaró en el asunto Segi e a.: “Es cierto que, en el contexto de la Unión, los Tratados han
establecido un sistema de medios de impugnación en el que las competencias del Tribunal de
Justicia, en virtud del artículo 35 UE, son menores en el marco del título VI del Tratado de la
Unión Europea que con arreglo al Tratado CE (véase, en este sentido, la sentencia de 16 de junio
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 775
de 2005, Pupino, C?105/03, Rec. p. I?5285, apartado 35). Y todavía son menores en el marco del
título V. Aun cuando quepa pensar en un sistema de medios de impugnación y, en concreto, en
un régimen de responsabilidad extracontractual distinto del instaurado por el Tratado,
corresponde, en su caso, a los Estados miembros, con arreglo al artículo 48 UE, reformar el
sistema actualmente en vigor”.
Y con mayor claridad aún, su Abogado General: “Debe señalarse que, conforme al régimen
previsto por el Tratado que establece una Constitución para Europa, aún no ratificado por todos
los Estados miembros, en un caso como el de autos el particular tendría en cambio la posibilidad
de ejercer ante el juez comunitario ya un recurso de anulación (artículo III?365, también aplicable
a los actos de la Unión adoptados en el ámbito de la cooperación policial y judicial en materia
penal), ya un recurso de indemnización por daños contra la Unión (artículos III?370 y III?431,
párrafo segundo)”. “Admito”, concluye en sus observaciones finales, “que la solución de la
competencia de los jueces nacionales para conocer de recursos por indemnización de daños
como los interpuestos en los casos de autos presenta inconvenientes en lo que respecta a la
aplicación uniforme del Derecho de la Unión y, por tanto, de seguridad jurídica. Estos
inconvenientes deberían resolverse mediante una oportuna ampliación de las competencias del
Tribunal de Justicia cuando se revisen los tratados actualmente vigentes, como la realizada en el
Tratado por el que se establece una Constitución para Europa. Mientras tanto, en relación con
dichos inconvenientes, ha de observarse que, especialmente en materia de protección de los
derechos fundamentales, es siempre preferible un grado de “incerteza” del derecho a la certeza
del “no derecho””.
obligada a cumplir con los plazos que establece la norma y es responsable por los daños y
perjuicios que pueda haber ocasionado con su retraso”.
No tardaría el Tribunal de Justicia en profundizar sobre la cuestión, ante la solicitud de
ampliación y aclaración del proceso presentada por la Secretaría General; y así, en su mencionada
Providencia de marzo de 2007, tras descartar que el pronunciamiento contenido en la parte
considerativa de la Sentencia de noviembre constituyera vicio de incongruencia por extra petita
(distinguiendo el Tribunal al respecto entre ratio decidendi y obiter dictum), abordó las preguntas
formuladas por la Secretaría en los siguientes términos:
“1. Al realizar las citadas consideraciones, ¿el Honorable Tribunal se refería a una eventual
responsabilidad extracontractual futura de la Secretaría general, es decir, a partir del momento en
que el ordenamiento jurídico comunitario contemple la responsabilidad extracontractual
emergente de los actos de los órganos del Sistema Andino de Integración?
2. En caso de que el Honorable Tribunal, a pesar de no existir previsión alguna en el
ordenamiento jurídico comunitario, considerarse que la Secretaría General podría ser
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
800 y 837 hubiesen sido declaradas nulas, o el hecho de que se desestimara la demanda de nulidad
interpuesta por EGAR S.A. no perjudica una eventual acción de reparación de daños y perjuicios
sobre actos (Resoluciones 800 y 837) que gozan del principio de presunción de legalidad?”.
El Tribunal de Justicia, tras recordar que en el ordenamiento jurídico andino resultaban
aplicables “las normas que son comunes en las legislaciones nacionales de los Países Miembros
y que no son sino la correcta aplicación de los principios fundamentales del Derecho comunitario
que, como es sabido, se ha construido, fundamentalmente, por vía pretoriana, con las sentencias
expedidas por el Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas”, contestó que el
incumplimiento de los deberes derivados de la normativa andina o su cumplimiento tardío
conllevaba responsabilidad “frente a los particulares”, la cual surgiría “del mismo espíritu de la
integración sin necesidad de que expresamente se hubiese consagrado en una norma”, de modo
que “el hecho de que no exista en el ordenamiento jurídico comunitario una vía prevista para
reclamar respecto de una “declaración de responsabilidad”, no es óbice para que ésta pueda,
eventualmente, ser reclamada ante la jurisdicción comunitaria”.
Y remató: “Este Tribunal declara que no es necesario que conste de manera expresa en el
ordenamiento jurídico comunitario la responsabilidad que pudiera sobrevenir a las Instituciones
comunitarias por actos u omisiones en el ejercicio de sus facultades, toda vez que no se podría
distinguir entre la situación de los Países Miembros que sí responden frente a terceros por dichas
acciones u omisiones, con las Instituciones comunitarias”.
No es la responsabilidad extracontractual del poder público, ni mucho menos y siguiendo con
nuestro discurso, un ejemplo aislado de inspiración del sistema andino en el sistema europeo,
776 particularmente a la luz de la doctrina del Tribunal de Luxemburgo. Baste con traer a colación
las palabras del Tribunal de Quito en su Sentencia de 3 de diciembre de 1987, en la que puede
leerse: “En cuanto a los métodos de interpretación que debe utilizar el Tribunal, ha de tenerse
presente la realidad y características esenciales del nuevo Derecho de la Integración y la
importante contribución que en esta materia tiene ya acumulada la experiencia europea, sobre
todo por el aporte de la jurisprudencia de la Corte de Justicia, Tribunal único de las Comunidades
Europeas, en la aplicación de este Derecho, que se está haciendo constantemente en beneficio de
la construcción comunitaria, sin perder de vista el fin permanente de la norma”.
Esta inspiración en el sistema europeo, por lo demás, no se traduce en una importación
irreflexiva de principios y técnicas jurídicas, manteniendo el Tribunal como propios del sistema
andino rasgos ajenos a los configurados por el Tribunal europeo de Justicia.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 777
Valga como simple botón de muestra el mecanismo de la cuestión prejudicial, en relación con
el cual el Tribunal de Quito, que tanto se ha inspirado en la doctrina de Luxemburgo, descarta por
el momento la posible entrada en juego de la antes referida doctrina del “acto aclarado” en un
intento de potenciar al máximo el efectivo planteamiento de cuestiones prejudiciales por los jueces
nacionales, a lo que coadyuva el hecho de que una vez formulada la cuestión, ésta obtenga respuesta
del Tribunal en un plazo, a lo sumo, de dos meses (frente al más de año y medio de la prejudicialidad
europea). La Sentencia de 10 de agosto de 2005 resume el estado de la jurisprudencia del Tribunal
al respecto en los siguientes términos: “Los órganos judiciales nacionales cuyas decisiones no sean
susceptibles de ulterior recurso en derecho interno -o si sólo fueran procedentes recursos que no
permitan revisar la norma sustantiva comunitaria (Sentencia del 3 de diciembre de 1987, emitida en
el expediente 01-IP-87, caso “Aktiebolaget VOLVO”; publicada en la G.O.A.C. Nº 28, de 15 de
febrero de 1988)- están obligados, en todos los procesos en que deba aplicarse o se controvierta
una norma comunitaria, a solicitar la interpretación prejudicial, incluso cuando ya exista un
pronunciamiento anterior del Tribunal sobre la cuestión debatida (Sentencia del 24 de noviembre
de 1989, emitida en el expediente 07-IP-89, caso patente de invención solicitada por CIBA-GEIGY
A.G., publicada en la G.O.A.C. Nº 53, del 18 de diciembre de 1989) o sobre casos similares o
análogos (Caso “Aktiebolaget VOLVO”, ya citado)”.
Menos eco que en la Comunidad Andina ha tenido hasta el momento la jurisprudencia del
Tribunal de Justicia europeo en el MERCOSUR, siendo escasos los laudos arbitrales que en el
marco del Protocolo de Brasilia se han referido a la misma.
Lo cual, dicho sea de paso, no implica que la experiencia europea haya sido por completo
ajena al quehacer de los Tribunales arbitrales ad hoc.
Baste con traer a colación el mismísimo I Laudo, de 28 de abril de 1999 (asunto “medidas
restrictivas al comercio recíproco”), en el que la doctrina europea elaborada a partir de la
jurisprudencia del Tribunal de Justicia estuvo muy presente a la hora de asumir el enfoque
teleológico y el concepto de efecto útil como guías concretas para la interpretación de un proceso
integración con mucho mejor desarrollo institucional que el nuestro. La única diferencia es que
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
en la Unión Europea se aplican las teorías del acto claro y del acto aclarado para eximir
excepcionalmente a los magistrados nacionales de la obligación de la remisión de la opinión
consultiva. A nuestro entender el sistema vigente en la Comunidad Andina es el más apropiado,
no sólo para nuestra realidad mercosureña sino para nuestra realidad latinoamericana en general.
Primero, porque dada nuestra realidad coadyuva mejor a la concienciación de los órganos
judiciales nacionales sobre la importancia de la interpretación prejudicial en el marco del Derecho
Comunitario (o Derecho de la Integración), y segundo, porque si bien a riesgo de ser
innecesariamente repetitivo, proporciona sin embargo al tribunal comunitario la oportunidad de
evolucionar y modificar sus propios criterios anteriores. El Derecho es y debe ser siempre
evolutivo”.
En nuestro régimen actual”, continúa Wilfrido Fernández, “lamentablemente la mal llamada
opinión consultiva no es obligatoria en las circunstancias precedentemente esbozadas, ni mucho
menos vinculante para el juez nacional consultante. En primer término, es característica de todo
tribunal su imperatividad; pero mucho más que ello, con un sistema no obligatorio ni vinculante
respecto al magistrado nacional, se desnaturaliza por completo el concepto, la naturaleza y el
objetivo de lo que debe ser un correcto sistema de interpretación prejudicial. Ello atenta
principalmente con el objetivo de la consulta del juez nacional en el ámbito de un proceso de
integración, que es lograr la interpretación de la norma comunitaria de manera uniforme”.
Y tras traer a colación no sólo el sistema andino y el europeo, sino también el
centroamericano y el caribeño, y deducir que el modelo del MERCOSUR “no tiene parangón en
el Derecho Comparado”, concluye: “Teniendo en cuenta lo previsto en el Art. 1 de la reciente
778 Decisión CMC Nº 09/07, a cuyo tenor el CMC instruye “al Grupo de Alto Nivel para la Reforma
Institucional del MERCOSUR ... a elaborar y someter al Consejo del Mercado Común, antes de
fines de junio de 2007, ajustes al Protocolo de Olivos en base a las propuestas de los Estados
Partes”, instamos muy respetuosamente a que en un futuro cercano, las autoridades pertinentes
mejoren las características, hoy día ya absolutamente uniformes en el Derecho Comparado en
cuanto al carácter obligatorio del planteo de la consulta, así como en cuanto al carácter vinculante
de la respuesta de este TPR”.
Por su parte, los Árbitros José Moreno Ruffinelli (Paraguay) y Joao Grandino Rodas (Brasil),
argumentaron en los siguientes términos: “El MERCOSUR constituye aún hoy un proceso de
integración marcado por el accionar intergubernamental. No obstante ello, el Derecho del
MERCOSUR “necesita” no quedar sujeto al albur de lo que establezcan las normas nacionales
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 779
de los Estados Partes. Esa y no otra es la filosofía de la decisión del Tribunal de Justicia de las
Comunidades Europeas (TJCE) en “Costa c. ENEL”, dictada cuando la Comunidad Económica
Europea había apenas comenzado y no había indicios tan claros de que se llegaría a la supremacía
del Derecho comunitario. El TJCE señaló que no hay otra forma posible de hacer funcionar la
Comunidad y de hacer respetar las obligaciones asumidas por los Estados que colocar el Derecho
emanado del bloque en otro nivel diferente. La supranacionalidad -como superación de lo
intergubernamental- es un término a veces ambiguo. No obstante, el mismo hecho -entre otros-
de que los Estados se hayan comprometido a respetar las decisiones de las controversias
sometidas al TPR ya crea, en cierto sentido, un marco de supranacionalidad. Las opiniones
consultivas, si bien no son vinculantes para el juzgador nacional, constituyen un formidable
instrumento de armonización, contribuyendo así, de manera efectiva, a la atmósfera de
supranacionalidad que debe impregnar como aspiración al avance de todo proceso de
integración”.
Por ello, concluyen en relación con la consulta planteada, “corresponde fijar algunas
precisiones generales muy importantes como pautas interpretativas para éste y otros casos
análogos que pudieran presentarse dentro del bloque”.
A la influencia que a raíz de esta primera Opinión Consultiva pueda comenzar a tener la
cuestión prejudicial comunitaria en la configuración y perfeccionamiento de las “interpretaciones
prejudiciales consultivas” mercosureñas, cabe además añadir las posibilidades que empieza a
ofrecer la jurisprudencia de Luxemburgo en otros contextos que podrían considerarse, asimismo
y aun salvando las distancias, parangonables con el MERCOSUR, como es la producida en el
terreno del segundo y del tercer pilar de la Unión Europea.
Por poner un ejemplo, creo que puede resultar perfectamente extrapolable al MERCOSUR
la doctrina de la “interpretación conforme” afirmada por el Tribunal europeo, según vimos, en
el ámbito del tercer pilar (asunto Pupino), pese a la negación de la eficacia directa de los
instrumentos en su marco adoptados y aun ausencia en el mismo de una proclamación expresa
los que perfeccionar y enriquecer un modelo que hace gala desde sus orígenes de un dinamismo
en constante evolución.
Volvamos a este respecto sobre el discurso que ya adelantaba acerca de la comunidad de
valores y principios que preside el marco constitucional múltiple y dialéctico en el que se
encuadra la Unión Europea: múltiple, por cuanto el propio Tratado, como vimos, reconoce ya
en su Preámbulo y ratifica en su articulado que “la Unión se basa en los principios de libertad,
democracia, respeto de los derechos humanos y de las libertades fundamentales y el Estado de
Derecho, principios que son comunes a los Estados miembros”, convirtiendo así a los propios
textos constitucionales nacionales, indirectamente, en parte de una suerte de “bloque de
constitucionalidad europea”, al tiempo que dichos textos, en donde radica la cesión de soberanía
que sustenta a la Unión, muestran por su parte una recíproca apertura hacia la integración que
cuanto menos se traduce, sin renunciar a su supremacía última, en flexibilizar su lectura en
términos pro integratione, en el marco de una Unión Europea a cuyo ordenamiento jurídico
vienen los Tribunales Constitucionales (o en su caso Supremos) a reconocer, más claramente en
y su reflejo en los Sistemas Suramericanos de Integración
el terreno del pilar comunitario que en el de la PESC y la CPJP, una suerte de presunción
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
planteo de la consulta, así como en cuanto al carácter vinculante de la respuesta del Tribunal
Permanente de Revisión”).
Siguiendo el ejemplo de Foro de Brasilia, la Comunidad Andina convocaría en 2005 el I
Encuentro de Magistrados de las Cortes Supremas de los Países de la CAN y del MERCOSUR,
del Tribunal de Justicia de la Comunidad Andina y del Tribunal Permanente de Revisión del
MERCOSUR, que tuvo por objetivo “consultar el juicio de sus participantes sobre la
conveniencia de activar espacios de reflexión jurídica conjunta, dirigidos a facilitar la participación
temprana de las Magistraturas de la CAN y del MERCOSUR en la tarea común de contribuir al
desarrollo de un espacio sudamericano integrado”, y en cuyo contexto, siguiendo el modelo de
la Carta de Brasilia, se adoptó la Declaración de Arequipa.
Incluso descendiendo al más concreto terreno normativo, pueden también encontrarse
recientes ejemplos de posible interacción, en ambas direcciones, entre los sistemas
latinoamericanos de integración y el sistema europeo.
Es el caso del reciente Dictamen emitido por el Tribunal de Justicia andino con ocasión de la
Reforma de su Estatuto, cuya aproximación a la cuestión del control indirecto sobre las normas
comunitarias, inspirado en el sistema jurisdiccional europeo, presenta notables mejoras si
comparado con éste.
Así, al abordar la denominada “excepción de inaplicación”, el Dictamen del Tribunal, además
de aportar coherencia en el sentido de esclarecer que la misma puede tener su origen bien en un
litigio ante un juez nacional (si es nacional el acto de aplicación de la disposición general
comunitaria), bien en un litigio ante el propio Tribunal de Justicia, en el marco de procesos de
los que esté conociendo (por ejemplo, en acciones de nulidad planteadas contra actos
comunitarios de aplicación de disposiciones generales igualmente comunitarias, cuya
compatibilidad con otras de rango superior es la que se pone en tela de juicio), “potencia”, según
sus propias explicaciones, “el principio de seguridad jurídica en el ordenamiento jurídico andino,
clarificando su alcance a los ciudadanos y a los operadores jurídicos”.
históricos, aun cuando se produzcan de acuerdo con una tendencia irreversible, se manifiestan en
Un paseo por la Jurisprudencia Supranacional Europea
782
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 783
Presentación
Para quienes nos dedicamos con pasión al derecho, la preocupación por el funcionamiento de
las instituciones estatales y sobre los obstáculos para la gobernabilidad, es un estímulo que moti-
va contribuir con algún aporte o reflexión. Así animados, nos hemos propuesto efectuar un breve
análisis sobre el Estado de Derecho, tema que amedrenta por la abundante y calificada doctrina.
Despejada nuestras propias dudas en abordar el tema, concluimos que el temor es injustifica-
do, numerosas tendencias que impactan sobre el Estado, requieren permanente análisis y nunca
está demás la verificación y reafirmación de principios y valores. Por esta razón, la invitación que
me cursara del Superior Tribunal de Justicia Militar, es un gran honor y una oportunidad de
asumir el desafío.
* Doctor en Derecho por la Universidad Nacional de Asunción. Profesor Titular de Derecho Internacional Privado y Profesor Titular de Derecho de
la Integración en la misma Universidad. Coordinador Paraguayo del Centro de Promoción del Estado de Derecho del Mercosur.
1
Held David, indica como elementos al territorio, que constituye la base física del ejercicio del poder, el control de los medios de violencia, el Estado
se reserva el uso de la fuerza dentro del territorio, la despersonalización del poder, las competencias están determinadas y delimitadas por el orden
constitucional y legal vigente. La legitimidad, el Estado emerge del pacto social y debe procurar la satisfacción de los intereses de los súbditos.
Referencia: La democracia y el orden global. Editorial Paidós, Barcelona 2002.
2
Nicolás Maquiavelo nació en Florencia el 3 de mayo de 1469.
3
“Según se desprende de una célebre carta, fechada el 10 de diciembre de 1513, dirigida a Francesco Vettori por Maquiavelo, era intención de éste
que su obra llevara por título De Principatibus (De los Principados) así en latín y en plural, y no en italiano y en singular… El título de El príncipe
le fue asignado a la obra con posterioridad a la muerte del autor”, según “De Principatibus. Maquiavelo”, Edición bilingüe con Traducción, notas
y estudio introductoria de Elisur Arteaga Nava y Laura Trigueros Gaisman, Editorial Trillas, México D.F. año 1993.
4
Hermann Heller. “Teoría del Estado”, Fondo de Cultura Económica, México, año 1947.
5
Hermann Heller. “Teoría del Estado”, pag. 150.
Kant, se fue preparando a fines del siglo XVIII con la teoría del Estado de derecho y alcanzó su
significación específica – vigente en su mayor parte hasta nuestros días – en la Alemania del Siglo
XIX”.6
El Estado de Derecho algunos elementos y condicionamientos para su efectiva vigencia
El Estado y el Poder
Teniendo presente que sobre “el poder y el derecho” se conforma la existencia misma del
Estado y que la distribución del primero es parte de su organización institucional, debemos ocu-
parnos de él.
El poder como elemento del Estado, es básicamente la potestad de establecer reglas – leyes
– que una comunidad o sociedad acepta como válidas y a las cuales se somete por imposición o
784 voluntariamente. Si el poder emana de la decisión o voluntad de quienes serán destinatarios de
6
Jürgen Brand. “La evolución del concepto europeo de Estado de Derecho”, Anuario Constitucional Latinoamericano, Año 2006, Tomo I.
7
Friedrich Hayek, “las reglas deben aplicarse a los que las formulan y a quienes se aplica – esto es al gobierno, así como a los gobernados –, y que
nadie tenga el poder de otorgar excepciones”. Los fundamentos de la libertad. Ed. Unión Editorial, Madrid, 1978.
8
El término Estado de Derecho se origina en la doctrina alemana “Rechtsstaat” fue utilizado por primera vez por Robert von Mohl en su libro Die
deutsche Polizeiwissenschaft nach den Grundsätzen des Rechtsstaates.
9
Estado que responde a los dos viejos principios “Quod principi placuit legis habet vigores” y “Princeps a legibus solutus”.
10
G Fernández de la Mora. “El Estado de Derecho es compatible con cualquier forma de Estado: unitario, confederado o federal, y con cualquier
forma de gobierno aristocrática, democrática o monárquica (aunque todas ellas se reducen a modalidades de la oligarquía o mando de pocos). El
Estado de Derecho en su acepción formal, que es la más unívoca y científicamente rigurosa, no supone una toma de posición acerca de la forma
de las instituciones políticas.”
11
Hans Kelsen. “Teoría del Derecho Escrito”. p.142.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 785
éstas reglas y producto de una representación que surge del sufragio, tiene origen democrático,
es la voluntad -demos- de la mayoría.12
El poder impone un derecho que la mayoría acepta, pero se legitima por la sumisión del
mismo poder al derecho o a las reglas que han permitido que exista. La sumisión del pueblo a un
poder es a la vez sumisión al derecho, y la sumisión al derecho es también sumisión al poder.
Bobbio expresa que “derecho y poder son dos caras de una misma moneda”.13
Un poder no legitimado, o que se deslegitima por la no sumisión al derecho, atenta contra la
Constitución y resiente al Estado, por lo que sólo se puede hablar de “Estado de Derecho”, cuan-
do nos encontramos ante un poder legítimo, ejercido dentro del marco del derecho. La lucha
por el derecho,14 en este nivel, se convierte así en la lucha por un poder legítimo.15
Poder y Democracia
Un pilar de la democracia es la división de los poderes, el cual se justifica porque evita la con-
centración del poder y su ejercicio; Jürgen Brand apunta “Locke trazó los primeros esbozos de
una teoría de la división de poderes. El poder del gobierno debía repartirse entre distintas manos
y el poder legislativo debía separarse del ejecutivo. Su doctrina de los derechos fundamentales de
los ciudadanos como límites de la autoridad estatal terminó por convertirse en el fundamento del
movimiento independentista norteamericano. Locke le preparó así el camino al barón de
Montesquieu, que fue el primero en diseñar de manera integral la base del Estado constitucional
moderno”.16
La división de poderes no es sino la asignación de diversas competencias a las instituciones u
órganos que detentan “poder estatal”, este fraccionamiento – división - del poder, apunta a
garantizar la legitimidad del poder por equilibrio y diálogo entre instituciones, respetando los
12
Alain Touraine. “La democracia es en primer lugar el régimen político que permite a los actores sociales formarse y obrar libremente. Los princip-
ios constitutivos de la democracia son los que rigen la existencia de los actores sociales mismos. Sólo hay actores sociales si se combinan la con- 785
ciencia interiorizada de derechos personales y colectivos, el reconocimiento de la pluralidad de los intereses y las ideas, especialmente de los con-
flictos entre dominadores y dominados y, finalmente, la responsabilidad de cada uno respecto de orientaciones culturales comunes. Esto se traduce,
en el orden de las instituciones políticas en tres principios: el reconocimiento de los derechos fundamentales, que el poder debe respetar, la repre-
sentatividad social de los dirigentes y de su política y, por último, la conciencia de la ciudadanía, de pertenecer a una colectividad fundada en el dere-
cho.” En su monografía: ¿Qué es la Democracia”.
13
Norberto Bobbio. Percorsi nel laberinto delle opere”, Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, cit., nota 3, p. 177. Citado
en “EL CONSTITUCIONALISMO DE NORBERTO BOBBIO: UN PUENTE ENTRE EL PODER Y EL DERECHO”, por Pedro Salazar
Ugarte..
14
Rudolf Von Ihering “La lucha por el derecho”.
15
Jesús Rodríguez Zepeda “El Estado de derecho se expresa y realiza en la norma legal, pero también en la definición y el funcionamiento efectivo
de las instituciones, así como en la cultura y las prácticas políticas de los actores.” “ESTADO DE DERECHO Y DEMOCRACIA”. Cuadernos de
Divulgación de la Cultura Democrática. Instituto Federal Electoral.
16
Jürgen Brand “La Evolución del Concepto Europeo de Estado de Derecho”, en el “Anuario Constitucional Latinoamericano” 12 año, Tomo
I, pág. 51.
17
Norberto Bobbio “El Futuro de la Democracia”, Fondo de Cultura Económica, año 1984.
organizar la expresión de la voluntad que instituye el poder y que elige a los gobernantes. El gob-
ierno del pueblo, por el pueblo y para el pueblo,18 traduce muy cercanamente lo que se pretende
de un Estado Democrático.19
El Estado de Derecho algunos elementos y condicionamientos para su efectiva vigencia
En el igual sentido, Rodríguez Zepeda20 sostiene “La democracia como método de elección
de gobernantes no se limita, entonces, a regular el cambio sistemático y pacífico de quienes
ejercen el gobierno representativo, sino que, entre otros resultados, permite la institucionalización
jurídica de los principios y valores políticos democráticos.”21
La distorsión del “procedimiento” constitucional, de la forma o procedimiento de elección
sustituye “la voluntad” legitima. La obtención de poder vulnerando los principios que se fueron
construyendo como “sistema democrático”, como la división de los poderes, no otorga legitim-
idad, aún cuando se logre su obtención, porque no se sustenta en el derecho.
En un primer análisis, para determinar la existencia de un Estado de Derecho, se verifica la
existencia de poderes instituidos democráticamente y un gobierno legítimo, sólo lo será si es
resultado de un procedimiento constitucional y legal, poder y derecho son en consecuencia insep-
arables.22
Las teorías sobre la soberanía del poder constituyente, la estructuración y organización los
sistemas de gobierno, son abundantes y han conducido a orientar y edificar el Estado moderno,
pero no bastan para identificar los elementos característicos del Estado de derecho, que permiten
afirmar su existencia y vigencia.
En tal propósito, no es ocioso reiterar de que la división de poderes, es un presupuesto bási-
co, en un sistema democrático nadie lo discute, es más, la distribución y atribución de poder se
extiende y amplía por la creación de nuevas instituciones a las cuales se otorgan o delegan
poderes, por lo que a los tradicionales se suman nuevas formas de ejercicio del poder público,
que actúan concomitantemente con manifestaciones del sector privado que influyen indirecta-
mente en la forma y en el modo de gobierno.
Esta tendencia de distribución o “fragmentación”, puede favorecer el funcionamiento de los
poderes tradicionales y facilitar el gobierno, pero llevado a extremos, puede diluirlo y producir
una segmentación del poder, haciendo difícil identificar la unidad de gobierno en el Estado.
En efecto, cuando ya no se distingue nítidamente los perímetros del poder y cuando la inter-
dependencia de poderes se convierte en un entramado indescifrable, el equilibrio e independen-
cia se resiente, dificultando la gobernabilidad y el control de las instituciones públicas. El debili-
786 18
Frase célebre pronunciada por Abraham Lincoln el 19 de noviembre de 1863 en el homenaje de consagración de los más de 45.000 soldados fall-
ecidos en la batalla de Gettysburg.
19
Robert Dahl enumera ocho condiciones necesarias para la democracia. 1. En primer lugar, cada miembro de la democracia expresa sus preferen-
cias mediante, por ejemplo, el voto. 2. Cada expresión de preferencias o voto tiene idéntico valor. 3. La alternativa preferida por más gente (más
votada) es proclamada ganadora. 4. Cualquier individuo puede añadir su alternativa preferida a la votación. 5. Todos los individuos poseen idénti-
ca información sobre las alternativas. 6. La selección de alternativas (políticas públicas o dirigentes) en función del número de votos favorece a las
más votadas en detrimento de las que menos lo han sido. 7. Las órdenes de los cargos electos se cumplen, como procedentes de la soberanía pop-
ular. 8. Entre elecciones, las decisiones políticas siguen siendo acordes con las preferencias de los ciudadanos, de acuerdo al mandato electoral o con
una renovación del proceso de expresión y selección de preferencias.
20
Jesús Rodríguez Zepeda es doctor en Filosofía Política. Profesor-investigador del Departamento de Filosofía de la UAM.
21
Jesús Rodríguez Zepeda “Estado de Derecho y Democracia”, Cuadernos de Divulgación de la Cultura Democrática. Instituto Federal Electoral.
22
“Las características generales del Estado de derecho han sido enlistadas del siguiente modo por un destacado jurista: a) Imperio de la ley: ley como
expresión de la voluntad general. b) Separación de poderes: legislativo, ejecutivo y judicial. c) Legalidad del gobierno: su regulación por la ley y el
control judicial. d) Derechos y libertades fundamentales: garantía jurídico-formal y realización material.” Elías Díaz, Estado de derecho y sociedad
democrática, Cuadernos para el Diálogo, Madrid, 1966, p. 18. Citado en Estado de Derecho y Democracia por Jesús Rodríguez Zepeda Cuadernos
de Divulgación de la Cultura Democrática. Instituto Federal Electoral.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 787
tamiento de los poderes legislativo, ejecutivo y judicial, o de cualquiera de ellos, afecta de inmedi-
ato al Estado de derecho.
Una cuestión importante de puntualizar, son las situaciones en las cuales existe interés de sub-
ordinar un poder a otro, que por desgracia permanece aún bastante arraigada. Se evidencia por
la aparición cíclica de proyectos personalistas que buscan poner el poder público a su servicio
para imponer sus propios proyectos.
Si como hemos visto, la democracia se afirma en un Estado donde quien dicta las leyes, no
es al mismo tiempo quien la ejecuta y al mismo tiempo imparte justicia, la división de poderes es
un reparto que asegura y garantiza la no existencia de poderes absolutos.
Todo sistema que conduzca a una dependencia directa o indirecta de uno sobre otro, afecta
el equilibrio de poderes, resiente el sistema democrático y aleja al Estado del derecho. Tales condi-
ciones son propicias para el abuso del derecho, la corrupción y la impunidad, por falta de con-
trol institucional, al no existir los contrapesos necesarios, todo poder estatal que se ejerza sin
responsabilidad y control, lleva a la arbitrariedad.
En un Estado de derecho, el poder público ejercido como gobierno y administrador de la
“cosa pública” debe ser transparente, los actos deben estar sujetos siempre al principio de legal-
idad. La creación de nuevos órganos o instituciones en que se descentraliza el poder, requiere que
los ámbitos de competencia atribuidos sean perceptibles y controlables. Cuando el poder es difu-
so y tiene un margen excesivo de liberalidad, la institucionalidad es puesta en entredicho.
“La idea de la gobernabilidad en las democracias modernas sigue sustentándose en la división
de poderes que se manifiesta en la interdependencia, la intercomunicación, la interconexión y la
interrelación de los poderes fácticos con el objeto de garantizar que la mayoría no se convierta
en una dictadura que someta a la minoría, ni que una minoría se asuma como víctima y recurra
al chantaje y se apropie de los instrumentos que benefician a las mayorías.
En principio el derecho importa poner límites y reglas para la convivencia dentro del Estado,
sin ellas, la libertad estaría limitada por el caos o por la imposición del más fuerte. No es la ausen- 787
cia de reglas, lo que determina la libertad, es asegurar que dentro de ellas, no sean restringidos ile-
gal y arbitrariamente aquellos derechos que están instituidos o actos que están permitidos.
La restricción de ciertos actos, en la medida en que se establezcan en función del interés
común o interés público, no se debe interpretar como un menoscabo a la libertad, de hecho, aún
en las sociedades más liberales, sin reglas para la libre competencia, difícilmente se podría hablar
de libertad. Las reglas de convivencia aseguran la libertad.
Por tanto la libertad no debe ser restringida o limitada sino para hacer funcional la libertad de
los demás, si sólo algunos de los ciudadanos gozan de libertad, el reclamo por esa desigualdad no
23
Manuel Quijano “Gobernabilidad Democrática: Pesos y Contrapesos”. UNAM.
se hará esperar. Igualdad y libertad, son así conceptos complementarios, la igualdad asegura la lib-
ertad, la libertad asegura la igualdad.
Un Estado de derecho, no es aquél en el cual existen leyes o reglas, sino aquél en que las leyes
El Estado de Derecho algunos elementos y condicionamientos para su efectiva vigencia
Hemos señalado que la comprobación de la existencia del Estado de derecho, no pasa sólo por
el reconocimiento de instituciones en la ley, a más del respeto y efectividad de las garantías funda-
mentales, debe reflejar otros aspectos que se relacionan propiamente con el “funcionamiento o
funcionalidad del Estado”, que le permitan responder a los desafíos de la globalización.
24
Jürgen Branda “La Evolución del Concepto Europeo de Estado de Derecho”, en el “Anuario Constitucional Latinoamericano” 12 año, Tomo I.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 789
Es importante tener presente que los elementos que configuran el Estado de derecho no sólo
se han modificado como consecuencia de una reacción hacia el autoritarismo y al manejo central-
izado del poder, o por el otorgamiento de mayores garantías al ciudadano, se ha transformado en
el rol que se le asigna respecto del alcance con que interviene en las actividades económicas.
Esta “transformación” obedece a tendencias impuestas por el liberalismo, que ha influido
para redefinir el papel del Estado a través de sus instituciones, que se desprende del monopolio
en la producción de bienes la prestación de servicios.25
En esta tendencia, la intervención del Estado se reduce a impulsar las leyes que aseguren a las
empresas e industrias su participación en el mercado.26 El derecho del mercado se configura así
sobre la protección y garantía de la libre competencia y los derechos y garantías al consumidor,27
Lo óptimo para el funcionamiento del Estado de derecho es encontrar el punto en el cual, sin
convertirse en un “Estado mínimo”, asegure las prestaciones sociales y servicios básicos. El
Estado detenta el poder como regulador, para evitar las distorsiones o manipulaciones dentro de
una economía de libre mercado.28
Tal como señala David Held “La globalización económica de ninguna manera se traduce
necesariamente en la disminución del poder del Estado: más bien, esta transformando las condi-
ciones bajo las cuales el poder del Estado es ejercido… Sin embargo, hay que reconocer que los
nuevos patrones de cambio regional y global están transformando el contexto de la acción políti-
ca, creando un sistema de centros de poder múltiples y esferas de autoridad superpuestas”.29
En el escenario el Estado no puede ni debe permanecer ajeno a las tendencias del mundo
global30 tampoco convertirse en un mero instrumento del mercado, debiendo velar por los intere-
ses del ciudadano.
gurar que los representantes del pueblo sean las personas más idóneas y calificadas para legislar.
El sistema electoral debería brindar la oportunidad al elector de decidir sin sujeción a listas
preestablecidas que condicionen el voto y distorsionen el sentido del sufragio.
El Estado de Derecho algunos elementos y condicionamientos para su efectiva vigencia
La falta de claridad y de rigor técnico jurídico en la elaboración y sanción de las leyes, con-
spira contra el goce y ejercicio de los derechos, al igual que las constantes modificaciones porque
conducen a la inseguridad jurídica ante la inestabilidad del ordenamiento jurídico. El interés gen-
eral debe primar siempre sobre los intereses individuales o particulares, el ejercicio de la función
legislativa y parlamentaria que subordina esta premisa a otros intereses, corrompe la naturaleza
de la función pública legislativa.
Las leyes relacionadas a los derechos fundamentales y a la nueva generación de derechos
económicos y sociales, son prioridades que revelan la adecuación del poder legislativo al tiempo.
El Poder Legislativo, debe ser un cuerpo vivo y los legisladores, personas comprometidas políti-
camente con el ciudadano porque son la voz del pueblo. Las inmunidades de que gozan los par-
lamentarios no deben cubrir actos reprochables e ilícitos, ni favorecer la impunidad.
790
31
Charles-Louis de Secondat “Montesquieu”: “Hay en cada Estado tres clases de poderes: el poder legislativo, el poder ejecutivo de los asuntos que
dependen del derecho de gentes y el poder ejecutivo de los que dependen del derecho civil. Por el poder legislativo, el príncipe, o el magistrado, pro-
mulga leyes para cierto tiempo o para siempre, y enmienda o deroga las existentes. Por el segundo poder, dispone de la guerra y de la paz, envía o
recibe embajadores, establece la seguridad, previene las invasiones. Por el tercero, castiga los delitos o juzga las diferencias entre particulares.
Llamaremos a éste poder judicial, y al otro, simplemente, poder ejecutivo del Estado. “, “El espíritu de las leyes”, traducción de Mercedes Blázquez
y Pedro Vega. Edit. Tecnos. 1980.
32
Art. 109 de la Constitución Argentina “En ningún caso el presidente de la Nación puede ejercer funciones judiciales, arrogarse el conocimiento de
causas pendientes o restablecer las fenecidas.” Art. 73 de la Constitución Chilena “... Ni el Presidente de la República ni el Congreso pueden, en
caso alguno, ejercer funciones judiciales, avocarse causas pendientes, revisar los fundamentos o contenidos de sus resoluciones o hacer revivir pro-
cesos fenecidos.”
33
Art. 248 de la Constitución Paraguaya “Queda garantizada la independencia del Poder Judicial. Sólo éste puede conocer y decidir en actos de carác-
ter contencioso. En ningún caso los miembros de los otros poderes, ni otros funcionarios, podrán arrogarse atribuciones judiciales que no estén
expresamente establecidas en esta Constitución, ni revivir procesos fenecidos, ni paralizar los existentes, ni intervenir de cualquier modo n los juicios.
Actos de esta naturaleza conllevan nulidad insanable. ..Los que atentasen contra la independencia del Poder Judicial y la de sus magistrados, quedarán
inhabilitados para ejercer toda función pública por cinco años consecutivos, además de las penas que fije la ley.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 791
34
Art. 255 de la Constitución Nacional Paraguaya. “Ningún magistrado judicial podrá ser acusado o interrogado judicialmente por las opiniones emi-
tidas en el ejercicio de sus funciones. No podrá ser detenido o arrestado sino en caso de flagrante delito que merezca pena corporal. Si así ocurriese
la autoridad interviniente debe ponerlo bajo ustodia en su residencia, comunicar de inmediato el hecho a la Corte Suprema de Justicia, y remitir los
antecedentes al juez competente.”.
35
Paul Kahn. “El Análisis cultural del derecho. Una reconstrucción de los estudios jurídicos”. Yale Law School. Editorial Gedisa, año 2001, pág. 113.
digresión compromete la imagen del órgano jurisdiccional. Si la sumisión del Poder Judicial a
otros poderes, implica rompimiento del Estado de Derecho, con mayor razón la sumisión a un
sector político.
El Estado de Derecho algunos elementos y condicionamientos para su efectiva vigencia
Otra condición para la independencia del Poder Judicial, guarda relación con los recursos
económicos necesarios para su funcionamiento, de modo a no generar dependencia de otro
poder público. La administración de estos recursos, debe ser delegada a fin de evitar que los
miembros del poder judicial se ocupen de forma exclusiva a la función jurisdiccional.
La independencia económica del poder judicial implica de un modo fundamental, que a sus
miembros y los funcionarios o auxiliares de justicia se les reconozca y asegure una situación
económica digna, acorde con la jerarquía y responsabilidad que corresponda, capaz de garantizar
una vida decorosa, tanto al magistrado como a la familia bajo su cuidado y para alejarlo de toda
preocupación, salvo el de poner su máximo esfuerzo por honrar con sabiduría la difícil y a veces
terrible misión de juzgar.
La mayoría de los textos legales señalan la incompatibilidad de la función jurisdiccional con
toda otra actividad pública y privada remunerada, con excepción de la cátedra universitaria,36 se
busca así un abocamiento exclusivo del juez al ejerció de su competencia, evitando se produzca
una eventual confrontación de intereses y que intereses ajenos a la labor jurisdiccional interfier-
an en el camino de la justicia.
Los mayores escándalos vinculados al poder judicial se relacionan a la distorsión o relación de
jueces con actos ajenos a su función, realizados de un modo directo o indirecto, o cuando se con-
vierten en meros instrumentos de la política o actúan al margen de la prescindencia que se exige
del magistrado en actividades y actos políticos partidarios.
Una forma de manifestación renovada de la independencia del poder judicial, retrotrayendo
históricamente lo que era común en el derecho romano, es el juzgamiento público o en audien-
cias públicas. El reiterado reclamo de transparencia, refleja la necesidad de evidenciar y constatar
que un juzgamiento es producto de un acto independiente, sereno, reflexivo, conciente y jurídi-
co del magistrado y no un simple bastanteo de la labor de auxiliares.
El acto público o publicitado de juzgamiento – audiencias públicas37 - sobre todo de las más altas instancias,
es la mayor garantía de independencia, es también un medio eficaz para que un órgano judicial debilitado y falto
de credibilidad recupere la confianza pública y el equilibrio como poder del Estado.38
Estamos ciertos que así como la exposición de los magistrados a una vida mundana, displicente o inmoral,
daña en lo más profundo a la institución jurisdiccional, la exposición pública del acto de juzgamiento fortalece al
Poder Judicial y consiguientemente al Estado de Derecho.
Conclusión
792 Las referencias efectuadas, están lejos de contemplar todos los aspectos que interesan al
Estado de Derecho, nuestro propósito ha sido mencionar algunas líneas e instar otras reflexiones
sobre algunas de las manifestaciones más significativas.
36
Art. 254 de la Constitución Nacional Paraguaya “Los magistrados no pueden ejercer, mientras duren en sus funciones, otro cargo público o priva-
do, remunerado o no, salvo la docencia o la investigación científica, a tiempo parcial. Tampoco pueden ejercer el comercio, la industria o actividad
profesional o política alguna, no desempeñar cargos en organismos oficiales o privados, partidos, asociaciones o movimientos políticos.”.
37
Los medios de comunicación audiovisuales, permiten como se da en el Supremo Tribunal Federal del Brasil una transparencia extraordinaria, porque
permite conocer y apreciar las razones jurídicas de las cuestiones sometidas a la más alta magistratura.
38
Art. 93 de la Constitución Brasileña “Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados
os seguintes princípios: IV “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;”
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 793
Con este alcance y en este sentido, señalamos la convicción de que el concepto sólo resulta
compatible en cuanto adhiera al sistema democrático, por la división del poder público – legisla-
tivo, ejecutivo y judicial - y sobre la base del equilibrio de poderes.
Supone la sujeción a la ley y al derecho, de modo tal que todos los que ejercen el gobierno y
están revestidos de autoridad, se sujeten y sometan a la ley. Nadie puede estar por encima de la
Constitución Nacional y las leyes ni al margen de ellas.
El Estado de Derecho exige que la elección por el pueblo de representantes se produzca de
forma legítima y por procesos democráticos, donde la voluntad de la mayoría no signifique dis-
criminación o menoscabo de las minorías.
Un Estado de Derecho reconoce y garantiza derechos fundamentales, los cuales no deben ser
meras enunciaciones, sino traducirse en su reconocimiento, así como en el goce efectivo de dere-
chos económicos y sociales, de modo a evitar desigualdades y situaciones que conducen a la mis-
eria y falta de atención a las necesidades básicas del ciudadano.
De nada sirve el reconocimiento constitucional y legal del principio fundamental de legalidad,
de respeto a la ley y de que todos están sujetos a ella, si los derechos y garantías previstos no se
plasman efectivamente.
El Estado de Derecho sólo es concebible a través de un Poder Judicial independiente, que
asuma el rol de poder público sin sujeción ni sumisión alguna a otro poder o a persona alguna.
793
Víctor Bazán*
Sumario: I. Plan del trabajo.- II. Apreciaciones preliminares.- III. La reforma constitucional de 1994 y su impacto
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
en el campo de los derechos humanos.- IV. Los Jueces y el Estado Constitucional de derecho.- V. La Corte Suprema
de Justicia argentina y su jurisprudencia reciente en materia de derechos humanos: 1. Los cambios recientes en la
composición del Máximo Tribunal argentino. 2. Explicación introductoria. 3. Precedentes vinculados a la materia de
los derechos civiles y políticos. 4. Línea jurisprudencial relativa a derechos económicos, sociales y culturales. 5. El
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
enfoque del problema a través de ciertas importantes acordadas del Tribunal.- VI. Los criterios exhibidos por la Corte
Suprema frente a los pronunciamientos de la Corte y la Comisión Interamericanas de derechos humanos y otros
órganos internacionales competentes en la materia: 1. Aclaración previa. 2. Sobre los pronunciamientos de la Corte
Interamericana. 3. En torno a los informes de la Comisión Interamericana. 4. Rápida alusión a otras instancias
internacionales de supervisión en materia de derechos humanos.- VII. La conflictiva cuestión del cumplimiento de las
recomendaciones de la Comisión Interamericana y las sentencias de la Corte Interamericana: 1. El problema. 2.
Recomendaciones de la Comisión Interamericana. 3. La “voluntad política” estatal para cumplir los pronunciamientos
de la Comisión y la Corte Interamericanas. 4. Corolario.- VIII. Epílogo.
Desde un plano general de análisis, puede afirmarse que los puntos de contacto (en no pocas
ocasiones tensionales) entre el derecho internacional de los derechos humanos y el derecho
interno se multiplican, patentizándose la necesidad de lograr una pacífica articulación de tales
fuentes mediante su retroalimentación y complementariedad para procurar la solidificación del
sistema general de derechos, lo que es tan sencillo de predicar discursivamente como arduo de
concretar en la realidad fáctica.
Bajo esa óptica, y ya en particular acerca del escenario jurídico argentino (aunque con
algunas referencias al derecho comparado), nos proponemos analizar la evolución
jurisprudencial y normativa de distintos aspectos que la interacción del derecho internacional
de los derechos humanos y el derecho doméstico generan y el rol que la Corte Suprema de
Justicia de la Nación (en trance de convertirse en un tribunal constitucional al menos desde
el plano material) ha tenido en dichos menesteres: la ubicación jerárquica de los instrumentos
internacionales sobre la materia en el contexto nacional, la cotización jurídica interna que se
le asigna a los pronunciamientos de la Comisión y la Corte Interamericanas de Derechos
Humanos, y la siempre sensible problemática de la ejecución en sede nacional de las
794 sentencias de dicho tribunal interamericano; temas, todos, que forman parte sustancial de los
retos más trascendentes a los que se enfrenta cualquier propósito verdadero de consolidación
1.
Con sumo agrado nos adherimos a la importante iniciativa de publicar la "Revista Jurídica do Bicentenário da Justiça Militar" en el Brasil. Al respecto, hacemos explícito
nuestro testimonio de reconocimiento y gratitud a la Dra. María Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, Ministra del Superior Tribunal Militar, por coordinar tan significativo
emprendimiento editorial (junto a la Juíza-Auditora Militar Zilah María Callado Fadul Petersen) y haber tenido la deferencia de honrarnos con la invitación a participar
del mismo.
*
Profesor Titular Efectivo de las asignaturas Derecho Constitucional y Derecho Internacional Público de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales
de la Universidad Católica de Cuyo (San Juan, Argentina). Fundador y actual Director del Instituto de Derecho Constitucional, Procesal
Constitucional y Derechos Humanos de la misma Facultad. Miembro del Comité Ejecutivo de la Asociación Argentina de Derecho Constitucional.
Director de la Sección "Derechos Humanos" de la Asociación Argentina de Derecho Internacional e integrante del Consejo Directivo de esta
Asociación. Miembro del Instituto Iberoamericano de Derecho Constitucional. Miembro del Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal
Constitucional. Magistrado Presidente de la Cámara de Apelaciones de Paz Letrada de San Juan, Argentina. Dirección electrónica:
[email protected]
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 795
Víctor Bazán
sistema de administración de justicia, cada día crece la demanda por la justicia6. En otras palabras,
mientras mayor es la crítica contra dicho sistema, mayor es también la demanda de justicia por
parte de la población7.
Además, y como herramienta hermenéutica de primer orden, debe tomarse en consideración
que, en el ámbito del derecho internacional, los derechos humanos son cuestiones de ius cogens
o principios generales del derecho internacional, ya consuetudinario, ya convencional8.
795
2.
En cuanto a este último aspecto, ver mutatis mutandi, Bidart Campos, Germán J., El derecho constitucional humanitario, Ediar, Buenos Aires, 1996,
p. 140.
3
. Cfr. art. 68.2 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos (CADH).
4.
Cfr. art. 46.1.a de la CADH.
Fuera del sistema interamericano, también, por ejemplo, en el Protocolo Facultativo del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (art.
5.2.b).
5.
Ferrajoli, Luigi, Derecho y razón. Teoría del garantismo penal, 2ª ed., Trotta, trad. de Perfecto Andrés Ibáñez y otros, Madrid, 1997, p. 918.
6.
Cfr. Bolívar, Ligia, "Justicia y acceso. Los problemas y las soluciones", Revista del Instituto Interamericano de Derechos Humanos, Nos. 32-33,
Edición especial sobre 'Acceso a la Justicia', per. julio 2001-junio 2002, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, San José de Costa Rica, p.
72.
7.
Incluso, varios instrumentos internacionales que ostentan singular valor en el ámbito del derecho internacional de los derechos humanos, y que en
Argentina han sido dotados de jerarquía constitucional, ponen de manifiesto la exigencia de que los ordenamientos domésticos aseguren el acceso
a la justicia, por ejemplo, los arts. XVIII de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre, 8 de la Declaración Universal de
Derechos Humanos, 8 de la CADH y 14 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (PIDCP).
8.
En ese sentido, ver por ejemplo, Nogueira Alcalá, Humberto, Teoría y dogmática de los derechos fundamentales, Instituto de Investigaciones
Jurídicas, Universidad Nacional Autónoma de México, México, D.F., 2003, p. 394.
Desde una perspectiva genérica, puede observarse que tanto el art. 38 del Estatuto del
Tribunal Permanente de Justicia Internacional de la Sociedad de las Naciones cuanto el
mismo número de artículo correspondiente al Estatuto de la actual Corte Internacional de
Justicia (que sustituyó a aquel Tribunal Permanente) de la Organización de Naciones Unidas,
han establecido la aplicación - inter alia - de “los principios generales del Derecho
reconocidos por las naciones civilizadas”, que - en definitiva - son los aceptados por las
naciones in foro domestico. En consecuencia, todos los Estados que integran la comunidad
internacional deben cumplir con tales pautas y con las normas de derecho convencional y
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
consuetudinario que se establezcan sobre la base de aquéllas, pues los principios reconocidos
por las naciones civilizadas son “obligatorios para todos los Estados incluso fuera de todo vínculo
convencional” 9 [remarcado añadido], razón por la cual la circunstancia de que un Estado no
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
9.
Paráfrasis de una afirmación que la Corte Internacional de Justicia vertiera al evacuar la opinión consultiva de 28 de mayo de 1951: "Reservations
to the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide", Reports of Judgements, Advisory Opinions and Orders, Leyden
A. W. Sijthoff's Publishing Company, 1951, o Recueil, 1951, pp. 23/24.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 797
Uno de los sectores temáticos que ha sido fuertemente impactado por la innovación
constitucional de 1994, cuando menos desde el plano normológico, es sin lugar a dudas el de los
derechos fundamentales.
Como algunas señales claras en tal sentido, y sin ánimo alguno de taxatividad, pueden
computarse: la ampliación del plafón de derechos explícitos (v.gr., arts. 37, 41, 42 de la
Constitución Nacional [en adelante: C.N.]); la literalización de los procesos constitucionales de
amparo, hábeas corpus y hábeas data (art. 43 ibíd.); el diseño de un nuevo paradigma del principio
de igualdad, caracterizado por la exigencia de complementación de la igualdad formal (art. 16
ibíd.) con la igualdad material (artículos constitucionales 37 y 75, incs. 2°, 19 y 23); y la
adjudicación de jerarquía constitucional a once instrumentos internacionales en materia de
derechos humanos (art. 75, inc. 22, párr. 2°, ibíd.), que hacen que la antigua figura de la 'pirámide'
Víctor Bazán
en la que su vértice superior era ocupado en solitario por la Constitución, haya devenido en una
especie de 'trapecio' en cuyo plano más elevado comparten espacios en constante
retroalimentación la Ley Fundamental y los documentos internacionales sobre derechos
humanos con idéntica valía.
Este último factor (adjudicación de valencia constitucional a los instrumentos internacionales
sobre la materia mencionada) a su vez ha generado no pocos (tampoco insignificantes) efectos
797
10.
Pinto, Mónica, "El principio pro homine. Criterios de hermenéutica y pautas para la regulación de los derechos humanos", en Abregú, Martín y
Courtis, Christian [compiladores]: La aplicación de los tratados sobre derechos humanos por los tribunales locales, Centro de Estudios Legales y Sociales, Editores
del Puerto, Buenos Aires, 1997, p. 163.
11.
Aunque fuera del ámbito argentino, este último fundamento (orientación de la Constitución y los instrumentos internacionales sobre derechos
humanos hacia un idéntico sustrato axiológico) fue puesto de manifiesto en un interesante precedente de la Sala Constitucional de la Corte Suprema
de Justicia del Salvador: Sentencia 52-2003/56-2003/57/2003, de 1 de abril de 2004, "Caso inconstitucionalidad de la Ley Anti Maras".
En dicho pronunciamiento la Sala revisa y modifica algunos de sus anteriores fallos en los que analizaba la influencia del derecho internacional de
los derechos humanos en el sistema de fuentes del ordenamiento jurídico salvadoreño, sentando ahora la pauta que indica que debe reconocerse
que no son contrarias a la Constitución aquellas normas internacionales que sean análogas o más amplias en su reconocimiento sobre los derechos
humanos, pues la Constitución, en integración con los instrumentos internacionales en la materia forman un corpus iuris que dirige su ámbito de
vigencia efectiva hacia un mismo sustrato axiológico: la dignidad humana y el catálogo de los derechos fundamentales que desarrollan los valores
inherentes a su personalidad, es decir, dignidad, libertad e igualdad.
El texto (resumido) de la sentencia puede consultarse en Diálogo jurisprudencial, N° 1, julio-diciembre 2006, Corte Interamericana de Derechos
Humanos, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, Universidad Nacional Autónoma de México (Instituto de Investigaciones Jurídicas) y
Fundación Konrad Adenauer, México, D.F., 2006, pp. 153/163.
directos y colaterales, entre los cuales pueden mencionarse, en lista no taxativa: la amplificación
cuantitativa y cualitativa del cartabón de derechos implícitos y explícitos; la instauración de los
principios pro homine o favor libertatis y pro actione, con los criterios hermenéuticos que vienen
por añadidura: interpretación de buena fe, pacta sunt servanda y los atinentes al objeto y el fin de
los tratados; la vigorización de la pauta que determina la imposibilidad de alegar la existencia o
inexistencia de normas de derecho interno para dejar de cumplir compromisos internacionales;
y la ineludible responsabilidad internacional en caso de incumplimiento de éstos.
Entre un significativo número de consecuencias, todo ello ha provocado - como
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
12.
Al respecto ver, mutatis mutandi, Aja, Eliseo y González Beilfuss, Markus, "Conclusiones generales", en Aja, Eliseo (editor), Las tensiones entre el Tribunal
Constitucional y el legislador en la Europa actual, Ariel, Barcelona, 1998, p. 261.
13.
A la nómina primigenia de instrumentos internacionales con jerarquía constitucional originaria contenida en el art. 75, inc. 22, párr. 2°, de la Ley
Fundamental, se han añadido, con idéntica alcurnia (aunque derivada), la Convención Interamericana sobre Desaparición Forzada de Personas (a la
que se ha deparado tal calidad por medio de la Ley 24.820, publicada el 29 de mayo de 1997) y la Convención sobre la Imprescriptibilidad de los
Crímenes de Guerra y de los Crímenes de Lesa Humanidad (a la que se le ha conferido esa valía mediante la Ley 25.778, B.O. de 3 de septiembre
de 2003).
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 799
Víctor Bazán
fundamento de legitimidad de la actuación judicial se transfiere al proceso argumentativo,
pues el magistrado judicial debe demostrar racionalmente que la solución propuesta es la
que realiza más adecuadamente la voluntad constitucional16.
Ciertamente entonces, converge una serie de factores que, ante la multiplicidad de
fuentes jurídicas17 que aquél debe conocer y manejar fundamentalmente a partir de la citada
innovación constitucional de 1994, impone un replanteamiento de su rol y lo coloca no
infrecuentemente ante la exigencia de acometer una relectura de diversas cuestiones jurídicas 799
no sólo ya a la luz de rígidos parámetros del proceso civil, sino de los postulados del derecho
constitucional, el procesal constitucional y el internacional de los derechos humanos.
14.
Carpizo, Jorge, voz "Interpretación constitucional", en Carbonell, Miguel (coordinador), Diccionario de derecho constitucional, 2002, Porrúa y Universidad
Nacional Autónoma de México, México, D.F., p. 320.
15.
Ver para ampliar, Bazán, Víctor, por ejemplo, en "Neoconstitucionalismo e inconstitucionalidad por omisión", Revista Brasileira de Direito
Constitucional, Tema central: Teoría Constitucional do Direito, N° 7, v. 2, enero/junio de 2006, Escola Superior de Direito Constitucional, São Paulo,
pp. 280/303.
16.
Barroso, Luís Roberto, "O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro", en AA.VV., Visión
iberoamericana del tema constitucional, Fundación Manuel García-Pelayo, Caracas, 2003, p. 86.
17.
Sobre el tema puede verse Palazzo, Eugenio Luis, Las fuentes del derecho en el desconcierto de juristas y ciudadanos, Fundación para la Educación, la Ciencia
y la Cultura, Buenos Aires, 2004.
Como relevante dato fáctico que cabe computar inicialmente, debe tomarse en
consideración que en los últimos años se han producido varios movimientos en la integración
del Alto Tribunal. Tales innovaciones han resultado determinantes para favorecer el proceso
de rediseño institucional que viene experimentando últimamente.
En el contexto anunciado, se observa que se concretaron las renuncias de los doctores
Bossert y Nazareno, quienes fueron reemplazados, respectivamente, por los ministros
Maqueda y Zaffaroni. Tampoco están ya los doctores López (quien falleció luego de
alejarse del Tribunal) y Moliné O'Connor (removido por juicio político). Una de tales
vacantes fue cubierta por la doctora Highton de Nolasco; la restante, por la doctora
Argibay. Igualmente, dimitió el doctor Vázquez y se incorporó el doctor Lorenzetti
(actualmente, año 2007, presidente de la Corte).
800 Por su parte, en junio de 2005 el doctor Belluscio renunció a su cargo con efecto a partir
del 1° de septiembre del mismo año. Días después, concretamente el 28 de este último mes,
el doctor Boggiano fue destituido por el Senado de la Nación como desenlace del juicio
político seguido en su contra.
En consecuencia, la Corte ha quedado integrada con los siguientes siete ministros19:
Lorenzetti, Highton de Nolasco, Petracchi, Fayt, Maqueda, Zaffaroni y Argibay.
18.
Para un análisis sobre esta última cuestión, ver Bazán, Víctor, "Algunos problemas y desafíos actuales de la jurisdicción constitucional en
Iberoamérica", Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2007, T° I, Fundación Konrad Adenauer, Montevideo, pp. 37/61; y con mayor
detalle, del mismo autor, "De jueces subrogantes, casos difíciles y sentencias atípicas", Jurisprudencia Argentina, LexisNexis, Buenos Aires, 15 de
agosto de 2007, pp. 23/33; y "Derecho Procesal Constitucional: estado de avance, retos y prospectiva de la disciplina", La Ley [Suplemento de
Derecho Constitucional], Buenos Aires, 27 de agosto de 2007, pp. 1/21.
19
A la fecha de actualizar este trabajo: diciembre de 2007.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 801
En el futuro, cuando se produzcan vacantes definitivas en los cargos ocupados por los
actuales componentes del Tribunal, las mismas no serán cubiertas hasta que se alcance la
cantidad de cinco integrantes, la que, por imperio de la Ley 26.18320, constituye el nuevo
número institucional que definitivamente deberá tener el Tribunal21.
2. Explicación introductoria
Víctor Bazán
23
"Hooft, Pedro Cornelio Federico c/ Buenos Aires, Provincia de s/ acción declarativa de inconstitucionalidad", de 16 de noviembre de 2004 (Fallos,
327:5118).
24
"Verbitsky, Horacio", de 3 de mayo de 2005 (Fallos, 328:1146).
25
"Lariz Iriondo, Jesús M.", de 10 de mayo de 2005 (Fallos, 328:1268).
26
"Simón, Julio Héctor y otros s/ privación ilegítima de la libertad, etc. - causa N° 17.768-", de 14 de junio de 2005 (Fallos, 328:2056).
27
"Casal, Matías Eugenio y otro s/ robo simple en grado de tentativa - causa N° 1.681-", de 20 de septiembre de 2005 (Fallos, 328:3399).
28
"M.2333.XLII, 'Mazzeo, Julio Lilo y otros s/ recurso de casación e inconstitucionalidad'", de 13 de julio de 2007.
29
"Editorial Río Negro S.A. c/ Provincia del Neuquén s/ Acción de amparo", de 5 de septiembre de 2007.
30
"Castillo, Ángel Santos c/ Cerámica Alberdi S.A.", de 7 de septiembre de 2004 (Fallos, 327:3610). 801
31
"Vizzoti, Carlos Alberto c/ AMSA S.A. s/ despido", de 14 septiembre de 2004 (Fallos, 327:3677).
32
"Aquino, Isacio c/ Cargo Servicios Industriales S.A. s/ art. 39 Ley 24.557", de 21 de septiembre de 2004 (Fallos, 327:3753).
33
"Milone, Juan Antonio c/ Asociart S.A., Aseguradora de Riesgos del Trabajo s/ accidente - Ley 9.688", de 26 de octubre de 2004 (Fallos, 327:4607).
34
"Itzcovich Mabel c/ Administración Nacional de Seguridad Social (ANSeS) s/ reajustes varios", de 29 de marzo de 2005 (Fallos, 328:566).
Una referencia detallada a tal fallo puede verse en Bazán, Víctor, "La Corte Suprema de Justicia argentina y la depuración de su competencia apelada
por medio del control de constitucionalidad", Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional, N° 5, enero/junio 2006, Instituto Iberoamericano
de Derecho Procesal Constitucional, Porrúa, México, D.F., pp. 257/287.
35
"Sánchez, María del Carmen c/ ANSeS s/ reajustes varios", de 17 de mayo de 2005 (Fallos, 328:1602).
36
"Gemelli, Esther Noemí c/ ANSeS s/ reajustes por movilidad", de 28 de julio de 2005 (Fallos, 328:2829).
37
"Siri, Ricardo Juan c/ ANSeS s/ reajustes varios", de 9 de agosto de 2005 (Fallos, 328:3045).
38.
"Zapata, Lucrecia Isolina c/ ANSeS s/ pensiones", de 16 de agosto de 2005 (Fallos, 328:3099).
39.
"S., M. A. c/ Siembra A.F.J.P. S.A.", de 11 de octubre de 2005 (Fallos, 328:3654).
40
"B.675.XLI, 'Badaro, Adolfo Valentín c/ ANSes s/ reajustes varios'", de 8 de agosto de 2006 (Fallos, 329:3089).
41
Se trata de un segundo pronunciamiento en la causa identificada en la nota anterior, emitido el 26 de noviembre de 2007.
42
"R.320.XLII', 'Rinaldi, Francisco Augusto y otro c/ Guzmán Toledo, Ronal Constante y otra s/ ejecución hipotecaria'", de 15 de marzo de 2007.
Concretamente, declaró procedente una queja y el recurso extraordinario que había sido
denegado por la Cámara Nacional de Casación Penal, revocando la sentencia de este último
tribunal, en cuanto había declarado extinguida la acción penal por prescripción en la causa seguida
por el delito de asociación ilícita con fines de persecución y exterminio de opositores políticos.
Entre varios argumentos, la mayoría dejó por ejemplo sentado que el delito de asociación ilícita
perpetrado para perseguir opositores políticos por medio de homicidios, desapariciones forzadas de
personas y tormentos reviste carácter de crimen contra la humanidad y, por ende, es imprescriptible,
sin que corresponda declarar extinta la acción penal aun cuando haya transcurrido el plazo previsto
en el art. 62, inc. 2°, en función del art. 210 del Código Penal, pues tal disposición resulta desplazada
por el derecho internacional consuetudinario y la Convención sobre la Imprescriptibilidad de los
Crímenes de Guerra y de los Crímenes de Lesa Humanidad.
Además, dicho voto triunfante puntualizó (consid. 36) que a partir del fallo de la Corte
Interamericana en el “Caso Velázquez Rodríguez”44, “quedó claramente establecido el deber del
Estado de estructurar el aparato gubernamental, en todas sus estructuras del ejercicio del poder
público, de tal manera que sus instituciones sean capaces de asegurar la vigencia de los derechos
humanos, lo cual incluye el deber de prevenir, investigar y sancionar toda violación de los
derechos reconocidos por la convención. Desde este punto de vista, la aplicación de las
disposiciones de derecho interno sobre prescripción constituye una violación del deber del
Estado de perseguir y sancionar, y consecuentemente, compromete su responsabilidad
internacional (conf. CIDH, caso 'Barrios Altos', sentencia del 14 de marzo de 2001, considerando
41, Serie C N° 75; caso 'Trujillo Oroza vs. Bolivia', Reparaciones, sentencia del 27 de febrero de
2002, considerando 106, Serie C N° 92; caso 'Benavides Cevallos', Cumplimiento de sentencia,
resolución del 9 de septiembre de 2003, considerandos 6 y 7)”.
De cualquier modo, para evitar un enfoque parcializado y aunque quebremos la línea
cronológica de esta secuencia de fallos, deben señalarse algunas divergencias de criterio entre lo
802 resuelto en “Arancibia Clavel” y lo decidido in re “Lariz Iriondo”45.
43
Los votos respondieron al siguiente detalle: los doctores Zaffaroni y Highton de Nolasco suscribieron la posición mayoritaria. A su tiempo, los
ministros Petracchi, Boggiano y Maqueda firmaron sendas concurrencias. Finalmente, por medio de disidencias individuales se pronunciaron los
doctores Belluscio, Fayt y Vázquez.
44
Corte Interamericana de Derechos Humanos (en adelante, Corte IDH), sentencia de 29 de julio de 1988, Serie C, N° 4, San José de Costa Rica,
consid. 172.
45 Ver opinión de García Belsunce, Horacio, en la nota periodística elaborada por Rouillon, Jorge, "Denuncian inseguridad jurídica y hegemonía", La
Nación, 10 de diciembre de 2005, Buenos Aires, p. 2.
El entrevistado cuestionó el criterio de la Corte Suprema que consideró que "el delito de lesa humanidad sólo corresponde al terrorismo de Estado,
desconociendo que el Estatuto de Roma menciona explícitamente a la política de un Estado o de una organización". En síntesis, censuró que el
Tribunal entendiera que "los asesinatos, exterminios o torturas cometidos por organizaciones terroristas no estatales no son crímenes de lesa
humanidad".
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 803
B) “Hooft”
Víctor Bazán
territorio argentino o ser hijo de ciudadano nativo si hubiese nacido en país extranjero”49.
La acción se ventiló en sede provincial y el recurso extraordinario federal planteado por el
demandante contra la sentencia de la Suprema Corte de la Provincia de Buenos Aires dio
lugar al pronunciamiento por el cual la Corte Suprema de Justicia de la Nación declaró que la
causa en cuestión correspondía a su competencia originaria de conformidad con los arts. 116
y 117 de la C.N. Fue así como el Máximo Tribunal, por mayoría50, admitió la demanda y,
argumentando la violación de los arts. 23 de la CADH y 25 del Pacto Internacional de 803
Derechos Civiles y Políticos (PIDCP), ambos equiparados jerárquicamente a la C.N., y la
consecuente discriminación sufrida por el peticionante, declaró la inconstitucionalidad del
citado precepto de la Carta Magna provincial.
46
El voto triunfante fue firmado por los doctores Petracchi, Highton de Nolasco, Lorenzetti y Argibay. Por su voto, se expidieron los ministros
Maqueda y Zaffaroni, conjuntamente; y Belluscio y Fayt, de manera individual. A su tiempo, la solitaria disidencia fue del doctor Boggiano.
47
Cfr. Gelli, María Angélica, "El terrorismo y el desarrollo progresivo de un delito internacional", La Ley, T° 2005-E, Buenos Aires, pp. 1179/1180.
48
Ibíd., p. 1180.
49
El actor nació en Utrecht, Holanda, el 25 abril de 1942; ingresó al país en 1948 y obtuvo la nacionalidad argentina en 1965. Además, desde 1976
hasta el momento de articular la acción, ejerció como Titular del Juzgado en lo Penal N° 13 del Departamento Judicial de Mar del Plata.
50
La mayoría estuvo integrada por los doctores Petracchi, Fayt, Maqueda, Zaffaroni y Highton de Nolasco. Por su parte, el único que se separó del
voto triunfante fue el doctor Belluscio, quien plasmó una disidencia propiciando el rechazo de la demanda.
Como mensaje final, debe destacarse - entre variadas aristas de interés que ofrece el
pronunciamiento- que el temperamento adoptado por la Corte Nacional trasunta su percepción
en torno a la nombrada ampliación - tanto formal cuanto sustancial - del parámetro de control
de constitucionalidad a partir de la innovación constitucional de 1994.
C) “Verbitsky”
El representante legal del Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), dedujo ante el
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
Tribunal de Casación de la Provincia de Buenos Aires una acción de hábeas corpus correctivo y
colectivo en amparo de todas las personas privadas de su libertad en jurisdicción de la Provincia
de Buenos Aires detenidas en establecimientos penales y comisarías sobrepoblados, a pesar de
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
51
La mayoría quedó conformada por los ministros Petracchi, Maqueda, Zaffaroni, Highton de Nolasco y Lorenzetti. Por su parte, en disidencia se
expidió el doctor Boggiano y, también disidentemente -aunque sólo en forma parcial-, lo hicieron por separado los ministros Fayt y Argibay.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 805
Víctor Bazán
id. consid.).
D) “Simón”
52.
El esquema de votación fue el siguiente: la moción que encabeza el fallo fue firmada por el doctor Petracchi. Por su parte, en sendas concurrencias
se pronunciaron los ministros Maqueda, Zaffaroni, Highton de Nolasco, Lorenzetti (los cuatro coinciden con los consids. 1 a 11 del voto del doctor
Petracchi), Argibay (quien concuerda con los consids. 1 a 6 del mencionado voto del ministro Petracchi) y Boggiano. Finalmente, el doctor Fayt se
expidió en disidencia.
argentino con relación a aquellas leyes habían quedado esclarecidas a partir de la decisión de la
Corte Interamericana en el caso “Barrios Altos”53, que mencionáramos precedentemente. Y para
enfatizar la posición que adoptaba, en el consid. siguiente dejó en claro que la traslación de las
conclusiones de “Barrios Altos” al caso argentino “resulta imperativa”, si es que las decisiones de
la Corte Interamericana “han de ser interpretadas de buena fe como pautas jurisprudenciales”, al
tiempo de subrayar (en el consid. 26) que en aquel caso ésta “estableció severos límites a la
facultad del Congreso para amnistiar, que le impiden incluir hechos como los alcanzados por las
leyes de punto final y obediencia debida. Del mismo modo, toda regulación de derecho interno
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
E) “Casal”
F) “Mazzeo”
53
La referencia completa es la siguiente: Corte IDH, "Caso Barrios Altos, Chumbipuma Aguirre y otros vs. Perú", sentencia de 14 de marzo de 2001,
Serie C, N° 75, San José de Costa Rica.
54
La mayoría estuvo compuesta por los doctores Petracchi, Maqueda, Zaffaroni y Lorenzetti. Por su parte, en votos concurrentes lo hicieron los
ministros Highton de Nolasco, Fayt y Argibay.
55
Tal posición ha sido reiterada por la Corte en "Martínez Areco, Ernesto s/ causa N° 3.792, recurso de casación (interpretación del art. 456, inc. 2°,
del Código Procesal Penal de la Nación)", de 25 de octubre de 2005 (Fallos, 328:3741).
56
Los alineamientos fueron: por la mayoría, votaron los doctores Lorenzetti, Highton de Nolasco, Maqueda y Zaffaroni; en disidencia se expidió el
ministro Fayt y en disidencia parcial lo hizo la doctora Argibay.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 807
CADH; y 14.7 del PIDCP (consid. 38 del voto que encabeza el decisorio). Naturalmente, la
interpretación realizada por la mayoría de la Corte moldea un relevante criterio institucional (que
seguramente no agotará su operatividad con el presente caso) en torno a la invalidez constitucional
de la atribución presidencial de emitir indultos que beneficien a sujetos acusados de cometer delitos
de lesa humanidad (ver, por ejemplo, consid. 31 de la mayoría).
Es particularmente relevante el consid. 21 de la mayoría en el que, mostrando gran
permeabilidad hacia los pronunciamientos de la Corte Interamericana de Derechos Humanos,
cita el criterio que ésta expusiera en el caso “Almonacid Arellano”57, de 26 de septiembre de 2006,
en los siguientes términos: “La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están
sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el
ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la
Convención Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también están sometidos
a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se
vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio
carecen de efectos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie de
'control de convencionalidad' entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos
concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el Poder Judicial
debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha
hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana” (párr. 124).
Recapitulando, pone en cabeza de los poderes judiciales de los Estados la obligación de llevar
adelante el 'control de convencionalidad' entre las normas jurídicas internas que aplican en los
casos concretos y la CADH, tomando en consideración al efecto no sólo la letra de dicho pacto
sino la lectura que del mismo ha realizado el Tribunal interamericano que, como se sabe, es el
intérprete último de aquél.
En definitiva, entroniza la pauta de interpretación conforme a la CADH como estándar
hermenéutico a respetar y resguardar por parte de los órganos jurisdiccionales vernáculos.
Por lo demás, el fallo genera una controversia jurisdiccional entre los miembros de la Corte
Suprema (ver las respectivas disidencias de los jueces Fayt y Argibay) y doctrinal en torno a la
declaración de inconstitucionalidad de los decretos de indulto en delitos de lesa humanidad y las
garantías de la cosa juzgada y de ne bis in idem.
Víctor Bazán
Si bien son entendibles y fundados los argumentos de quienes privilegian estas garantías
constitucionales y critican la decisión de la mayoría, tanto el tenor jurídico y axiológico de los
crímenes de lesa humanidad, cuanto la impronta de la reforma constitucional de 1994 en materia
de derechos humanos y el hecho insoslayable de la asunción por nuestro país de compromisos
internacionales en materia de derechos humanos58, agravados por la jerarquización constitucional
de diversos instrumentos en la materia y el reconocimiento de la competencia de órganos
807
57
Corte IDH, "Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile", sentencia sobre excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas, 26 de septiembre
de 2006, Serie C, N° 154, San José de Costa Rica.
58 Una muestra reciente de la tendencia seguida por Argentina en materia de derechos humanos se configuró el 14 de diciembre de 2007, cuando pro-
cedió a ratificar la convención internacional para la protección de todas las personas contra las desapariciones forzadas, depositando el respectivo
instrumento ratificatorio en la sede de las Naciones Unidas, en Nueva York. Nuestro país, que aprobó la convención por medio de la Ley 26.298,
se convirtió en el primero de América y el segundo en el mundo en ratificar dicha convención, que fue firmada por 71 estados y que requiere de 20
ratificaciones para entrar en vigor internacionalmente.
Según explica la Cancillería argentina, "[u]na de sus disposiciones más trascendentes es aquella que consagra la jurisdicción universal para garantizar la
obligación de todo Estado Parte de investigar, detener y eventualmente juzgar a toda persona que se encuentre en su territorio, de la que se supone que
ha cometido este delito, o de ser el caso a extraditarla, sin que se pueda considerar la desaparición como delito político para rechazar los pedidos de
extradición". Añade que viene a llenar "un vacío existente en el derecho internacional tanto en términos de prevención de las violaciones de derechos
humanos y de los derechos de las víctimas, así como en cuanto a la obligación de los Estados de investigar y sancionar a los responsables" (cfr.
"Derechos Humanos: La Argentina se convirtió hoy en el primer país de América en ratificar la Convención contra las Desapariciones Forzadas",
Información para la Prensa N° 519/07, 14 de diciembre de 2007, Ministerio de Relaciones Exteriores, Comercio Internacional y Culto, Fuente:
www.cancilleria.gov.ar/portal/prensa).
59
No puede soslayarse que la Corte Interamericana dijo en "Barrios Altos" que "son inadmisibles las disposiciones de amnistía, las disposiciones de
prescripción y el establecimiento de excluyentes de responsabilidad que pretendan impedir la investigación y sanción de los responsables de las
violaciones graves de los derechos humanos tales como la tortura, las ejecuciones sumarias, extralegales o arbitrarias y las desapariciones forzadas,
todas ellas prohibidas por contravenir derechos inderogables reconocidos por el Derecho Internacional de los Derechos Humanos" (sentencia de
14 de marzo de 2001, párr. 41).
Además, en el citado caso "Almonacid Arellano" reiteró que los Estados no pueden sustraerse del deber de investigar, determinar y sancionar a los
responsables de los crímenes de lesa humanidad aplicando leyes de amnistía u otro tipo de normativa interna; por lo que, consecuentemente, los
crímenes de lesa humanidad son delitos por los que no se puede conceder amnistía (párr. 114).
60
Conformaron la mayoría los doctores Lorenzetti, Highton de Nolasco y Zaffaroni; votando concurrentemente con ellos el ministro Fayt. Por su
parte, las disidencias correspondieron en forma individual al doctor Maqueda y conjunta a los ministros Petracchi y Argibay.
61
Corte IDH, OC-5/85, de 13 de noviembre de 1985, "La colegiación obligatoria de periodistas [arts. 13 y 29 Convención Americana sobre Derechos
Humanos]", Serie A: Fallos y Opiniones, N° 5, Secretaría de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, San José de Costa Rica, 1985,
específicamente el párr. 69.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 809
A) “Castillo”
B) “Vizzoti”
Víctor Bazán
Modificando su posición jurisdiccional anterior, unánimemente67 declaró inconstitucional,
por irrazonable, el límite a la base salarial previsto en los párrafos 2° y 3° del art. 245 de la
Ley de Contrato de Trabajo (según Ley 24.01368) para calcular la indemnización por despido
incausado.
Por lo demás, y con un movimiento activista adicional, al tiempo de desactivar por
inconstitucional aquel límite, moduló un criterio normativo aplicable a la causa al determinar per
se que correspondía aplicar aquella limitación sólo hasta el 33% de la mejor remuneración 809
mensual, normal y habitual computable.
62.
Corte IDH , Serie C, N° 73, párr. 65.
63.
Corte IDH, Serie C, N° 74, párr. 149.
64.
Corte IDH, Serie C, N° 107, párr. 108.
65.
Sobre los derechos económicos, sociales y culturales, ver Bazán, Víctor, entre otros trabajos, en: "Vías de maximización protectiva de los derechos
económicos, sociales y culturales", La Ley, 30 de julio de 2007, Buenos Aires, pp. 1/6; "Los derechos económicos, sociales y culturales en acción: sus
perspectivas protectorias en los ámbitos interno e interamericano", Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2005, Fundación Konrad Adenauer,
Montevideo, pp. 547/583; e "Impacto de la reforma constitucional en el ámbito de los derechos económicos, sociales y culturales", Jurisprudencia
Argentina, Número Especial 'A 10 años de la reforma constitucional', LexisNexis, 25 de agosto de 2004, Buenos Aires, pp. 12/29.
66
Votaron los doctores Petracchi, Belluscio, Fayt, Boggiano, Maqueda, Zaffaroni y Highton de Nolasco.
67
En efecto, votaron coincidentemente todos los ministros firmantes, doctores Petracchi, Belluscio, Fayt, Boggiano, Maqueda, Zaffaroni y Highton
de Nolasco.
68
B.O. de 17 de diciembre de 1991.
C) “Aquino”
En este fallo confirmó - mayoritariamente69 - las sentencias de las instancias de mérito en las
que, en el contexto de un reclamo por accidente de trabajo, se había declarado la
inconstitucionalidad del art. 39.1 de la LRT y condenado a la empleadora al pago de la
indemnización por daños fundada en el Código Civil.
D) “Milone”
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
Por mayoría70, entendió que si bien la LRT (art. 14.2.'b') no resulta inconstitucional por
establecer como regla, para determinadas incapacidades, que la reparación dineraria por el
infortunio laboral sea satisfecha mediante una renta periódica, sí es merecedora de reproche
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
constitucional por no fijar excepción alguna (que permita que la reparación pueda ser saldada
en un pago único) para supuestos como el analizado en la causa: persona de 55 años, cuya
actividad laboral consistía en conducir un taxi y que, entre los distintos padecimientos
detectados que le generaban una minusvalía laboral del 65%, había perdido la visión del ojo
izquierdo, configurándose una situación que le imposibilitaba su reubicación laboral dado el
tipo de tarea que realizaba.
En tal sentido, el Tribunal concluyó, por tanto, que el criterio legal no se adecuaba al objetivo
reparador cuya realización procuraba, añadiendo que frente a tales circunstancias la norma
consagraba una solución incompatible con el principio protectorio y los requerimientos de
condiciones equitativas de labor (art. 14 bis de la Ley Fundamental), al tiempo que mortificaba el
ámbito de libertad resultante de la autonomía del sujeto para elaborar su proyecto de vida e
introducía un trato discriminatorio.
E) “Itzcovich”
Declaró aquí por mayoría71 la invalidez constitucional del art. 19 de la Ley 24.463 -de
“solidaridad previsional”-, que habilitaba un recurso ordinario de apelación ante aquélla respecto
de las sentencias definitivas de la Cámara Federal de la Seguridad Social.
En breves palabras, el Tribunal recordó la imposibilidad de pronunciarse sobre el acierto
o la conveniencia de las soluciones legislativas, dejó en claro que la experiencia recogida
durante los casi diez años de vigencia de la Ley 24.46372 la hacía susceptible de reproche con
base constitucional por resultar irrazonable, en tanto el medio que arbitraba no era adecuado
a los fines cuya realización procuraba o porque consagraba una manifiesta iniquidad (consid.
5° de la mayoría); recordando también que el principio de razonabilidad exige que deba
cuidarse especialmente que los preceptos mantengan coherencia con las reglas
810
constitucionales durante todo el lapso que dure su vigencia, de suerte que su aplicación no
resulte contradictoria con lo establecido por la C.N. (consid. 10, in fine, de la moción
triunfante). Como subraya GELLI, en el decisorio se utilizaron varias pautas de control de
razonabilidad, entre ellas, la de la inconstitucionalidad sobreviniente y una versión morigerada
69.
La posición triunfante fue sustentada por los doctores Petracchi y Zaffaroni. A su turno, por su voto se pronunciaron los ministros Belluscio y
Maqueda, en concurrencia conjunta, y Highton de Nolasco y Boggiano, en mociones individuales.
70.
Formaron la mayoría los doctores Petracchi, Boggiano, Maqueda, Zaffaroni y Highton de Nolasco. En disidencia conjunta votaron los ministros
Belluscio y Fayt.
71.
El voto que encabeza la sentencia fue suscripto por los ministros Petracchi, Fayt y Highton de Nolasco. Por su parte, y según sus votos, se expidieron
los doctores Maqueda y Zaffaroni, en forma conjunta, y Lorenzetti, de manera individual (todos éstos, concurrentemente con la decisión
mayoritaria). Finalmente, en sendas disidencias parciales, se pronunciaron los jueces Belluscio, Boggiano y Argibay.
72.
Recuérdese que fue publicada el 30 de marzo de 1995.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 811
F) “Sánchez”
Se pronunció -por mayoría75- a favor de la movilidad de los haberes previsionales (en el caso,
de una pensión) de conformidad con las variaciones registradas en el índice del nivel general de
Víctor Bazán
remuneraciones76.
Al respecto, y si bien no se agota la polémica ni se brinda respuesta a todos los interrogantes
en torno de la problemática de la seguridad social, al menos da por tierra con el polémico
73.
Gelli, María Angélica, "El caso 'Itzcovich'. ¿Un fallo institucional de la Corte Suprema?", La Ley, 11 de abril de 2005, Buenos Aires, p. 1.
74.
B.O. de 22 de abril de 2005. 811
75.
La mayoría quedó constituida con los doctores Petracchi, Belluscio, Fayt, Highton de Nolasco y Lorenzetti. A su turno, concurrentemente votaron
los ministros Zaffaroni y Argibay, de modo conjunto, y Maqueda, individualmente. Por último, en disidencia se expidió el doctor Boggiano.
76.
Es útil destacar que en la causa "Andino, Basilio Modesto c/ ANSeS s/ reajustes varios", de 9 de agosto de 2005 (Fallos, 328:3041), ante el planteo
de "hecho nuevo" y la solicitud de que se aplique la solución dispuesta en "Sánchez", la Corte rechazó la pretensión sustentándose en la imposibilidad
de invocar ante ella hechos nuevos (art. 280, último apartado, del Código Procesal Civil y Comercial de la Nación) y en las propias constancias de
la causa ya que, según afirmó, además de la prohibición legal expuesta, la propia parte había requerido al demandar la aplicación del precedente
"Chocobar" (ver nota siguiente) para obtener el reajuste de la prestación en el lapso posterior al 31 de marzo de 1991 y consentido el fallo de primera
instancia que así lo había resuelto. Debe recordarse que la mayoría estuvo integrada por los doctores Petracchi, Belluscio, Fayt, Zaffaroni y
Lorenzetti; mientras que, concurrente y conjuntamente, se pronunciaron los ministros Maqueda, Highton de Nolasco y Argibay.
Tangencialmente, y para compulsar un interesante análisis en torno a la inconveniencia de efectuar una "hermenéutica mutativa o irrazonable" de
la resolución de la Corte Suprema en "Andino", es recomendable leer el voto minoritario que integra la resolución de la Sala IIª de la Cámara Federal
de la Seguridad Social en la causa "Ibáñez, Máximo c/ ANSeS s/ reajustes varios", de 20 de septiembre de 2005. En el caso, la moción en minoría
propiciaba aplicar lo decidido por la Corte Suprema en "Sánchez" en cuanto al cálculo de la movilidad previsional, aun cuando técnicamente el actor
no había articulado recurso de apelación contra la sentencia de primera instancia que dispuso que dicho reajuste se fijara con arreglo al precedente
"Chocobar" del Máximo Tribunal. Un comentario al pronunciamiento de la Cámara Federal de la Seguridad Social recaído en "Ibáñez", puede leerse
en Bazán, Víctor, "Dos visiones del derecho ante un reclamo previsional", La Ley, T° 2006-B, Buenos Aires, pp. 605/614
obligan a adoptar todas las medidas necesarias para asegurar el progreso y plena efectividad de
los derechos humanos, compromiso que debe ser inscripto, además, dentro de las amplias
facultades legislativas otorgadas por el art. 75, inc. 23, de la Ley Fundamental, reformada en 1994,
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
con el fin de promover mediante acciones positivas el ejercicio y goce de los derechos
fundamentales reconocidos, en particular, a los ancianos”.
G) “Gemelli”
77
Fallos, 319:3241, de 27 de diciembre de 1996.
78
Votaron los doctores Petracchi, Belluscio, Fayt, Maqueda, Zaffaroni, Highton de Nolasco, Lorenzetti y Argibay.
79
Norma que establece el tiempo y el modo de la entrada en vigor del sistema integrado de jubilaciones y pensiones.
80
Precepto que se refiere a la pérdida de vigencia de las Leyes 18.037 y 18.038, sus modificatorias y complementarias, entre las que no cabe incluir a
la Ley 24.016 por tratarse de un estatuto especial y autónomo para los docentes, que sólo remite a las disposiciones del régimen general en las
cuestiones no regladas por su texto (art. 2).
81.
Fallos, 322:752, de 19 de mayo de 1999.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 813
H) “Siri”
I) “Zapata”
Víctor Bazán
la demanda tendiente a obtener el beneficio de pensión derivado de la jubilación de aquél (cfr.
art. 53 de la Ley 24.241).
J) “S., M. A.”
Hizo lugar - casi por unanimidad86 - a la queja por recurso extraordinario denegado articulada
por el demandante en el marco de una acción de amparo y decidió revocar la sentencia de la Sala 813
82
Suscribieron la sentencia los ministros Petracchi, Belluscio, Fayt, Maqueda, Zaffaroni, Highton de Nolasco, Lorenzetti y Argibay.
83
Debe destacarse que el accionante había obtenido la jubilación ordinaria según la aludida Ley 22.731, que asegura el derecho a percibir los haberes
mensuales de acuerdo con una proporción del sueldo asignado al cargo de mayor jerarquía ejercido en actividad. Además, aquella normativa fue
reafirmada por el art. 1 de la Ley 24.019, con la única excepción de que los montos móviles de los beneficios debían ser del 70% por el lapso de
cinco años a partir de su promulgación (cfr. su art. 2).
84
Mayoría integrada por los doctores Petracchi, Belluscio, Fayt, Maqueda y Lorenzetti. Concurrentemente, se manifestaron los ministros Zaffaroni y
Highton de Nolasco, de modo conjunto, y Argibay, de manera individual.
85
Asimismo consignó que, a partir de la doctrina sentada en Fallos, 319:2779, la autoridad administrativa no pudo negar validez al matrimonio
extranjero de la peticionaria invocado para solicitar el beneficio previsional, pues la motivación principal que en un precedente anterior del Tribunal
había justificado tal solución (Fallos, 273:363), ya no tenía razón de ser frente a la recepción en el derecho matrimonial argentino del anunciado
principio de disolubilidad matrimonial por divorcio.
86
Con la solitaria disidencia de la doctora Argibay, votaron coincidentemente los ministros Petracchi, Highton de Nolasco, Fayt, Maqueda, Zaffaroni
y Lorenzetti.
IIIª de la Cámara Federal de la Seguridad Social que, confirmando el fallo de primera instancia,
había desestimado la pretensión de aquél dirigida a que se le acordara la pensión derivada del
fallecimiento de su cónyuge.
En suma, y como lo postulaba la Procuradora Fiscal subrogante, dejó sin efecto la resolución
cuestionada, que se sustentaba en la convergencia de la causal contemplada en el inc. 'b' del art.
1 de la Ley 17.56287 por haber quedado el demandante excluido del juicio sucesorio de su
cónyuge extinta, de quien estaba separado de hecho.
Juzgó que el hecho de que el actor hubiera sido excluido de la herencia de su ex esposa en los
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
términos del art. 3575 del Código Civil, por encontrarse separado de hecho sin voluntad de unirse
a la fecha del deceso, no implicó ser declarado indigno para suceder ni desheredado. Ello, sumado
a que los requisitos para acceder a la prestación habían sido comprobados por la autoridad
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
administrativa, a que el accionante fue indebidamente privado del goce de sus haberes por la
Administradora de Fondos de Jubilaciones y Pensiones accionada y a la gravedad del estado de
salud de aquél, llevó al Tribunal a ordenar que la demandada hiciera efectivo de modo inmediato
el pago de las mensualidades de la pensión reconocida por la ANSeS desde el 17 de mayo de 2000.
K) “Badaro I y II”
a) “Badaro I”
87
Que excluye al causahabiente del beneficio de pensión en casos de indignidad para suceder o desheredación.
88
El fallo lleva la firma de los siete integrantes con que el Tribunal contaba al momento de emitirlo (y que aún hoy siguen integrándolo, aunque ahora
bajo la presidencia del doctor Lorenzetti que sucedió en dicho cargo a su colega Petracchi), ministros Petracchi, Highton de Nolasco, Fayt, Maqueda,
Zaffaroni, Lorenzetti y Argibay.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 815
acción positiva que garanticen el pleno goce de los derechos reconocidos, en particular, a los
ancianos, norma que descalifica todo accionar que en la práctica lleve a un resultado que
afecte tales derechos” (consid. 17).
Tal percepción del tema debe leerse en línea con lo que el Tribunal sostuvo en la
nombrada causa “Sánchez” (consid. 3°), en punto a rechazar toda inteligencia restrictiva de
la obligación que impone al Estado otorgar 'jubilaciones y pensiones móviles', según el art.
14 bis de la C.N. y a que los tratados internacionales vigentes obligan a adoptar todas las
medidas necesarias para asegurar el progreso y la plena efectividad de los derechos
humanos, compromiso que debe ser inscripto, además, dentro de las amplias facultades
legislativas otorgadas por el art. 75, inc. 23, ibíd., con el fin de promover mediante acciones
positivas el ejercicio y goce de los derechos fundamentales reconocidos, en particular, a los
ancianos.
Retomando la referencia a “Badaro”, la Corte -mostrándose consciente de sus límites-
advirtió que no era apropiado fijar ella misma sin más “la movilidad que cabe reconocer en la
causa, pues la trascendencia de esa resolución y las actuales condiciones económicas requieren
de una evaluación cuidadosa y medidas de alcance general y armónicas, debido a la
complejidad de la gestión del gasto público y las múltiples necesidades que está destinado a
satisfacer” (consid. 16). Consiguientemente, dispuso “llevar a conocimiento de las autoridades
que tienen asignadas las atribuciones para efectuar las correcciones necesarias que la omisión
de disponer un ajuste por movilidad en el beneficio del actor ha llevado a privarlo de un
derecho conferido por la Ley Fundamental”, difiriendo su pronunciamiento sobre el período
cuestionado por un plazo que resulte suficiente para el dictado de las disposiciones
pertinentes (consid. 19).
b) “Badaro II”
Víctor Bazán
Al haber transcurrido un lapso de tiempo prudencial (un poco más de quince meses) sin
haber recibido una respuesta satisfactoria sobre el particular89, y añadir que el primer fallo
dictado en la causa “fue preciso al detallar la omisión legislativa que la Corte había advertido
y el daño derivado de ella”, en forma unánime90 declaró la inconstitucionalidad del art. 7,
inc. 2, de la Ley N° 24.463, en el caso, y determinó que la prestación del accionante (que
supera los $ 1.000) se ajuste, entre el 1° de enero de 2002 y el 31 de diciembre de 2006, de
acuerdo con las variaciones anuales del índice de salarios, nivel general, elaborado por el 815
Instituto Nacional de Estadísticas y Censos, ordenando además a la ANSeS que abone el
nuevo haber y practique liquidación de las retroactividades pertinentes más los intereses de
acuerdo con la tasa pasiva.
89.
Luego del fallo "Badaro I" el Congreso dictó la Ley 26.198, aprobatoria del presupuesto 2007, que reconoció un aumento general del 13% con
vigencia desde el 1° de enero de 2007, convalidó los aumentos de los haberes inferiores a $ 1.000 implementados por distintos decretos de necesidad
y urgencia y facultó al Ejecutivo para conceder incrementos adicionales, lo cual se concretó por medio del Decreto 1.346/2007 que estableció un
aumento general del 12,5% a partir del 1° de septiembre de 2007.
Del breve repaso anterior se observa claramente que, en definitiva, ninguna de las medidas descriptas previó la razonable movilidad de los beneficios
jubilatorios en el período reclamado por el demandante: 1° de enero de 2002 a 31 de diciembre de 2006; con lo cual quedaba incumplido lo resuelto
en "Badaro I".
90.
Votaron los ministros ministros Petracchi, Highton de Nolasco, Fayt, Maqueda, Zaffaroni y Lorenzetti.
Para arribar a tal solución, y entre otras apreciaciones, argumentó que si bien eran
constitucionales los cambios de los regímenes de movilidad, esto es, el reemplazo de un método
de determinación de incrementos por otro a los fines de lograr una mejor administración o de
dar mayor previsibilidad financiera al sistema de seguridad social, el reconocimiento de esa
facultad se encontraba sujeto a una indudable limitación, ya que tales modificaciones no pueden conducir
a reducciones confiscatorias en los haberes.
Y como el único aumento en el beneficio jubilatorio del accionante que se dispuso durante el
período reclamado (enero de 2002 a diciembre de 2006) era insuficiente para reparar su deterioro,
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
consideró procedente declarar en el caso la inconstitucionalidad del régimen de movilidad aplicable y ordenar
su sustitución y el pago de las diferencias pertinentes.
Finalmente, y más allá de la solución puntual adoptada, el Tribunal manifestó que
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
contribuiría a la seguridad jurídica el dictado de una ley que establezca pautas de aplicación
permanentes que aseguren el objetivo constitucional relativo a la movilidad de las
prestaciones provisionales, pues una reglamentación prudente de la garantía en cuestión, además de
facilitar el debate anual sobre la distribución de recursos y evitar el uso de las facultades discrecionales,
permitiría reducir la litigiosidad en esta materia, que ha redundado en menoscabo de los derechos de los
justiciables y del adecuado funcionamiento del Poder Judicial. Por tal motivo, formuló una nueva
exhortación a las autoridades responsables a fin de que examinen dicha problemática.
L) “Rinaldi”
A) N° 28/04
Víctor Bazán
serán considerados por el Tribunal con sede en Costa Rica.
B) N° 17/05
Por medio de esta acordada100, de 2 de agosto de 2005, dispuso asignar a su Secretaría Judicial
N° 6 el trámite de las causas concernientes a su competencia apelada, en las cuales sea puesta en
817
96
Para un análisis de la aludida acordada, ver Bazán, Víctor, "El amicus curiae en el derecho comparado y su instrumentación reglamentaria por la
Corte Suprema de Justicia argentina", Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, N° 10, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
Madrid, 2006, pp. 15/50, en esp., pp. 29/44.
97
La acordada en cuestión contó con la rúbrica aprobatoria de los ministros Petracchi, Boggiano, Maqueda, Zaffaroni y Highton de Nolasco, y las
disidencias de los doctores Belluscio, Fayt y Vázquez.
98
Venimos bregando desde hace tiempo por la instauración de la figura, razón por la que en su momento nos expedimos laudatoriamente cuando la
Corte Suprema se animó a adoptarla aun sin ley genérica en la materia.
También saludamos con beneplácito que se hayan plegado a tal temperamento otros importantes tribunales de los ámbitos provincial, por ejemplo,
la Suprema Corte de Justicia de Mendoza, cuya Sala Primera admitió la figura por vez primera en la causa N° 83.665: "Curel, Gastón Oscar y ots.
en J° 30.554/114.678, Mancilla Cuello, Enrique Ariel y ots. c/ Municipalidad de la Ciudad de Mendoza p/ Ac. de Amp. s/ Inc.", resuelta el 3 de
febrero de 2006; y nacional, refiriéndonos en este caso a la Cámara Nacional Electoral -autoridad superior en materia electoral de acuerdo con el art.
5 de la Ley 19.108, modificada por Ley 19.277-, que ha reglamentado recientemente el instituto por medio de la Acordada Extraordinaria N° 85,
de 19 de julio de 2007.
99.
Abregú, Martín y Courtis, Christian, "Perspectivas y posibilidades del amicus curiae en el derecho argentino", op. cit. en nota 10, pp. 392/393.
100
Suscripta por los doctores Petracchi, Belluscio, Maqueda, Zaffaroni, Highton de Nolasco, Lorenzetti y Argibay.
al menos: “[e]n primer lugar, introdujo nuevos derechos o imprimió nuevos contenidos a los ya
existentes. En segundo término, puso en cabeza del Estado obligaciones relativas al respeto,
protección y realización de los derechos humanos de toda persona sometida a su jurisdicción.
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
C) N° 12/07
101
Entre otros trabajos de Bazán, Víctor, al respecto, ver "La reconfiguración del rol institucional de la Corte Suprema de Justicia argentina y el camino
hacia su consolidación como un tribunal constitucional", Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2008, Fundación Konrad Adenauer,
Montevideo, en prensa.
102
Firmada por los ministros Lorenzetti, Highton de Nolasco, Fayt, Maqueda y Argibay.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 819
D) N° 14/07
E) N° 30/07
Dictada el 5 de noviembre de 2007, y firmada por todos sus integrantes105, la Corte dio un
importante paso institucional al implementar el régimen de audiencias públicas.
Desde nuestro punto de vista, y como hemos sostenido en reiteradas ocasiones, tanto ese
tipo de audiencias de carácter público en la Corte Suprema como la intervención ante ésta de
amici curiae, constituyen herramientas de utilidad para fortalecer la cotización cualitativa del
debate judicial y aportar ingredientes para su democratización, al ampliarse los criterios de
participación en los procesos en que se ventilen asuntos de trascendencia institucional, interés
público y/o que contengan cuestiones jurídica y/o axiológicamente controvertidas o
dilemáticas.
Entre otros fundamentos, la Corte manifestó que la participación ciudadana en dichas
Víctor Bazán
audiencias y la difusión pública del modo en que conoce de los asuntos en que, con carácter
primordial, ha de ejercer la jurisdicción más eminente que le confiere la Constitución Nacional,
permitirá poner a prueba directamente ante los ojos del país la eficacia y objetividad de la
administración de justicia que el Tribunal realiza106.
Por último, puede acotarse que el acuerdo en cuestión prefigura tres clases de audiencias
públicas: a) informativa, para escuchar e interrogar a las partes sobre aspectos del caso por
decidir; b) conciliatoria, que tendrá por objeto instar a las partes en la búsqueda de soluciones 819
no adversariales; y c) ordenatoria, en orden a tomar las medidas que permitan encauzar el
procedimiento a fin de mejorar la tramitación de la causa.
103
Fecha histórica en Argentina por el renacimiento democrático luego del último gobierno de facto comenzado en marzo de 1976.
104
Firmada por los ministros Lorenzetti, Highton de Nolasco, Petracchi, Maqueda, Zaffaroni y Argibay.
105
O sea, rubricada por los doctores Lorenzetti, Highton de Nolasco, Petracchi, Fayt, Maqueda, Zaffaroni y rgibay.
106
El párrafo transcripto correspone al dictamen del Procurador General de la Nación en la causa "Penjerek", al que remite la sentencia de la Corte
de 14 de noviembre de 1963 (Fallos, 257:134).
VI. Los criterios exhibidos por la Corte Suprema frente a los pronunciamientos de la
Corte y la Comisión Interamericanas de derechos humanos y otros órganos
internacionales competentes en la materia
1. Aclaración previa
tangencialmente que en algunos fallos de la Corte Suprema argentina se citan y tienen en cuenta
las recomendaciones y observaciones de otros órganos de supervisión en materia de derechos
humanos ya en el plano universal, por ejemplo, el Comité de Derechos Económicos, Sociales y
La Corte Suprema de Justicia Argentina y su rol en la articulación
Culturales, el Comité de los Derechos del Niño y el Comité de Derechos Humanos, tópico
respecto del cual intercalaremos una breve referencia.
107
"Ekmekdjian, Miguel Ángel c/ Sofovich, Gerardo y otros", Fallos, 315:1492. El criterio trasuntado en tal resolutorio aparece también de algún modo
esbozado en "Servini de Cubría, María R. s/ amparo", de 8 de setiembre de 1992 (Fallos, 315:1943).
Es importante recordar, ya respecto de la valencia prioritaria del derecho internacional convencional sobre el derecho interno y la necesaria aplicación
del art. 27 de la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados, que en "Ekmekdjian c/ Sofovich" la Corte Suprema estableció (ver consids.
18 a 20 del voto mayoritario) que, en orden a evitar confusiones interpretativas que lesionaran la supremacía de la Constitución (y su art. 27), se veía
precisada a estrechar la primigenia laxitud de aquella afirmación, al declarar en fallos posteriores que "el art. 27 de la Convención de Viena sobre el
Derecho de los Tratados impone a los órganos del Estado argentino - una vez resguardados los principios de derecho público constitucionales- asegurar la primacía
a los tratados ante un conflicto con una norma interna contraria pues esa prioridad de rango integra el orden jurídico argentino y es invocable con sustento en el art. 31
de la Carta Magna" -bastardilla nuestra- ("Cafés La Virginia S.A.", de 13 de octubre de 1994, Fallos, 317:1282, consid. 9° de la mayoría, y su remisión
a "Fibraca Constructora SCA c/ Comisión Técnica Mixta de Salto Grande", de 7 de julio de 1993, Fallos, 316:1669, consid. 3°).
Algún pronunciamiento anterior a "Ekmekdjian c/ Sofovich" sobre la interpretación de la normativa de un instrumento internacional se patentiza
embrionariamente en el caso "Firmenich, Mario E.", de 28 de julio de 1987 (Fallos, 310:1476), acerca de la hermenéutica "razonable" del art. 7.5 de la
CADH (ver consids. 4°, 6° y 7° de la mayoría).
108
Corte IDH, OC-7/86, de 29 de agosto de 1986, "Exigibilidad del derecho de rectificación o respuesta (arts. 14.1, 1.1 y 2, Convención Americana
820 sobre Derechos Humanos)", Serie A, Fallos y Opiniones, N° 7, Secretaría de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, San José de Costa Rica,
1986.
109
La jurisprudencia de la Corte Interamericana nutre, asimismo, a los votos individuales y/o disidentes de algunos de los ministros de la Corte Suprema.
Por caso, y sin intenciones de taxatividad, en "Ekmekdjian c/ Sofovich" así puede ser constatado de la lectura del voto disidente de los doctores
Petracchi y Moliné O'Connor, cuyo consid. 14 refleja la cita de la OC-2/82 (de 24 de septiembre de 1982, "El efecto de las reservas sobre la entrada
en vigencia de la Convención Americana sobre Derechos Humanos [arts. 74 y 75]", Serie A: Fallos y Opiniones, N° 2, Secretaría de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos, San José de Costa Rica, 1982) y de la OC-1/82 (de 24 de septiembre de 1982, "'Otros tratados' objeto de la
función consultiva de la Corte [art. 64 Convención Americana sobre Derechos Humanos]", Serie A: Fallos y Opiniones, N° 1, Secretaría de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos, San José de Costa Rica, 1982), el consid. 16 de la OC-7/86 y de la OC-2/82 y el consid. 17, nuevamente de
la OC-7/86 -específicamente, la opinión separada del juez Gros Espiell-; ya en el voto, también disidente, del doctor Levene (h.), en el consid. 9° -
bien que implícitamente- se alude a la OC-2/82 y a la OC-3/83 (de 8 de septiembre de 1983, "Restricciones a la pena de muerte [arts. 4.2 y 4.4
Convención Americana sobre Derechos Humanos]", Serie A: Fallos y Opiniones, N° 3, Secretaría de la Corte Interamericana de Derechos Humanos,
San José de Costa Rica, 1983) y en el consid. 10, a la OC-7/86.
Por su parte, en "Servini de Cubría", en el consid. 25 del voto del doctor Fayt se alude a la citada OC-5/85; referencia reiterada en el voto del doctor
Boggiano -consids. 15 a 17, donde también se alude a la opinión separada del juez Gros Espiell-, en la disidencia parcial del doctor Barra -consids.
12 a 14, tramos donde figuran asimismo referencias a las opiniones separadas de los jueces Piza Escalante y Gros Espiell- y en la disidencia parcial
del doctor Petracchi -consids. 25 y 26-.
Ya en el pronunciamiento vertido en "Artigue, Sergio P.", de 25 de marzo de 1994 (Fallos, 317:247), en el consid. 14 del voto del doctor Petracchi
se cita la mencionada OC-7/86 -opinión separada del juez Piza Escalante-.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 821
adquiere jerarquía constitucional la CADH (art. 75, inc. 22, párr. 2°), significa el modo como ella
rige en el ámbito internacional y “considerando particularmente su efectiva aplicación
jurisprudencial por los tribunales internacionales competentes para su interpretación y aplicación,
de ahí que la aludida jurisprudencia deba servir de guía para la interpretación de los preceptos
convencionales en la medida en que el Estado argentino reconoció la competencia de la Corte
Interamericana para conocer en todos los casos relativos a la interpretación y aplicación de la
Convención Americana”110 (arts. 75, de la C.N., 62111 y 64112 de la CADH, y 2 de la Ley 23.054113).
No puede ocultarse, sin embargo, que si bien aquella posición jurisprudencial ha sido mantenida
en líneas generales por la Corte Suprema, no ha dejado de sufrir algunos avatares, por ejemplo, en
el caso “Cantos”, en el cual desestimó por mayoría114 una presentación del Procurador General del
Tesoro que pretendía que el Tribunal diera cumplimiento a una sentencia de la Corte
Interamericana que había declarado que el Estado argentino violó normas de la CADH y que debía
abstenerse de perseguir el cobro de la tasa de justicia y de una multa impuesta, reducir
razonablemente los honorarios regulados y asumir el pago de costas en una causa donde fue parte.
El Tribunal declinó la intervención requerida, aduciendo que un temperamento contrario
importaría infringir cláusulas de raigambre constitucional cuya titularidad corresponde a diversos
profesionales que actuaron en la causa “C.1099.XX, 'Cantos, José María c/ Santiago del Estero,
Provincia de y/o Estado Nacional s/ cobro de pesos'”, con patente y deliberada renuncia de su más
alta y trascendente atribución, para cuyo ejercicio ha sido instituida como titular del Poder Judicial
de la Nación, que es ser el custodio e intérprete final de la C.N. (consid. 3° de la mayoría). Además,
y entre otros argumentos, sostuvo que, “bajo el ropaje de dar cumplimiento con una obligación
emanada de un tratado con jerarquía constitucional (art. 63.1, de la Convención), llevaría a la inicua
-cuanto paradójica- situación, de hacer incurrir al Estado argentino en responsabilidad internacional
por afectar garantías y derechos reconocidos a los profesionales, precisamente, en el instrumento
cuyo acatamiento se invoca” (consid. 4° del voto mayoritario).
Ya en un caso más reciente, “Espósito”, la Corte Suprema retomó - al menos por parte de
varios de sus componentes- un discurso demostrativo de su permeabilidad a acatar los
pronunciamientos del Tribunal con sede en Costa Rica, al admitir mayoritariamente115 el recurso
extraordinario deducido contra una sentencia que había declarado extinta la acción penal por
prescripción en una causa abierta por hechos que luego fueron juzgados por dicha Corte
Víctor Bazán
Interamericana, cuyas decisiones - sostuvo la Corte Suprema- resultan de “cumplimiento
obligatorio para el Estado argentino (art. 68.1, CADH)”, por lo cual también ella, en principio,
debe subordinar el contenido de sus decisiones a las de dicho tribunal internacional (consid. 6° de
110
"Giroldi, Horacio D. y otro s/ recurso de casación", de 7 de abril de 1995 (Fallos, 318:514 -consids. 11 y 5°-). Ver, en sentido coincidente, Moncayo,
Guillermo R., "Criterios para la aplicación de las normas internacionales que resguardan los derechos humanos en el derecho argentino", op. cit. en 821
nota 10, p. 92.
Que determina la oportunidad en que los Estados Partes de la CADH pueden declarar el reconocimiento de la competencia de la Corte
Interamericana, y fija los alcances, modalidades y efectos de esa declaración.
111
Referido a la competencia consultiva del Corte Interamericana.
112
Mediante la Ley 23.054, la República Argentina aprobó la CADH. Específicamente el art. 2 de dicha ley plasma el reconocimiento argentino de la
competencia de la Comisión y la Corte Interamericanas.
113
"Procurador del Tesoro de la Nación (en Autos 'Cantos, José M., expediente 1.307/2003')", de 21 de agosto de 2003 (Fallos, 326:2968). La mayoría
estuvo compuesta por los doctores Fayt y Moliné O'Connor; por su voto, lo hicieron los ministros Petracchi y López (de modo conjunto) y Vázquez
(individualmente); por último, los jueces Boggiano y Maqueda plantearon sendas disidencias, siendo relevante remarcar que este último mocionó el
cumplimiento directo del pronunciamiento de la Corte Interamericana.
114
"Espósito, Miguel Ángel s/ incidente de prescripción de la acción penal promovido por su defensa", de 23 de diciembre de 2004 (Fallos, 327:5668).
Formaron la mayoría los doctores Petracchi y Zaffaroni; por su voto, lo hicieron los doctores Belluscio y Maqueda (conjuntamente), y Fayt,
Boggiano y Highton de Nolasco, de modo individual.
115
Corte IDH, "Caso Barrios Altos", cit., sentencia de fondo de 14 de marzo de 2001, e interpretación de la sentencia de fondo, art. 67 de la CADH,
de 3 de setiembre de 2001, Serie C, N° 83, San José de Costa Rica.
la mayoría). Previo a ello, puntualizó que el rechazo de la apelación tendría como efecto inmediato
la confirmación de la declaración de prescripción de la acción penal, en contravención a lo
decidido por la Corte Interamericana en su sentencia de 18 de setiembre de 2003 en el caso
“Bulacio c/ Argentina”, en el que se declarara la responsabilidad internacional del país -entre otros
puntos- por la deficiente tramitación del expediente en cuestión (consid. 5° del voto triunfante).
Buena muestra del nivel de acatamiento que a los fallos de la Corte Interamericana pregona
el Máximo Tribunal argentino, proporcionan - v.gr. - las nombradas sentencias recaídas en
“Arancibia Clavel” y “Simón”, donde las respectivas mociones mayoritarias siguieron muy de
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
116
Consultar en los respectivos votos dominantes, por ejemplo, los considerandos 35 y 36 en "Arancibia Clavel" y 23 y 24 de "Simón".
117
Corte IDH, "Caso Barrios Altos", cit., párr. 41 de la sentencia de fondo.
118
"Bramajo, Hernán, J.", de 12 de setiembre de 1996 (Fallos, 319:1840). La mayoría quedó integrada con los doctores Nazareno, Moliné O'Connor,
Boggiano, López y Vázquez. En disidencia conjunta votaron los ministros Fayt, Belluscio y Bossert.
119
"Acosta, Claudia B.", de 22 de diciembre de 1998 (Fallos, 321:3555). La mayoría estuvo compuesta por los ministros Nazareno, Moliné O'Connor,
Fayt, Belluscio, López y Vázquez. Por su voto se expidieron, conjunta y concurrentemente, los doctores Bossert y Boggiano. Por su parte, el ministro
Petracchi lo hizo en disidencia.
120
"Nápoli, Erika Elizabeth y otros s/ infracción art. 139 bis del Código Penal" (Fallos, 321:3630).
121
El voto mayoritario fue rubricado por los jueces Belluscio, Boggiano, López y Vázquez. Por su voto, lo hizo el ministro Fayt. Finalmente, los
doctores Petracchi y Bossert se expidieron en sendas disidencias.
122.
"Felicetti, Roberto y otros", de 21 de diciembre de 2000 (Fallos, 323:4130). El sentido de los votos emitidos fue el siguiente: por la mayoría, se
expidieron los doctores Nazareno, Moliné O'Connor, Belluscio, López y Vázquez; además, hubo sendas disidencias de parte de los ministros Fayt,
Petracchi, Boggiano y Bossert.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 823
En relación con el tema anunciado, en varios decisorios la Corte sigue y emplea como pauta
hermenéutica el criterio de otros organismos de supervisión ya el contexto universal.
Inter alia, ello se hizo perceptible respecto del Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales,
Víctor Bazán
en la citada causa “Aquino”, donde se encargó de poner de relieve la actividad de éste en tanto
intérprete autorizado del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (PIDESC) en el
plano internacional, actuando en las condiciones de vigencia de éste (consid. 8° del voto
mayoritario).
Añadió en id. consid. que la actividad de aquél es demostrativa de la gran importancia que dicho
Pacto reconoce a la protección del trabajador víctima de un accidente laboral, para lo cual enumera
ejemplificativamente la censura del Comité a la “New Zealand Accident Rehabilitation and 823
Compensation Insurance Act”, de 1992, en cuanto ponía en cabeza del trabajador víctima de un
accidente una parte del costo del tratamiento médico; las “Directrices relativas a la Forma y el
Contenido de los Informes que deben presentar los Estados Partes” - elaboradas por el Comité-, y
que requieren que éstos den cuenta de las disposiciones legales, administrativas y de otro tipo que
prescriban condiciones mínimas de seguridad e higiene laborales y proporcionen los datos sobre el
número, la frecuencia y la naturaleza de accidentes o enfermedades -especialmente fatales- o
123.
"Alonso, Jorge F. s/ recurso de casación", de 19 de setiembre de 2002 (Fallos, 325:2322). La mayoría estuvo compuesta por los ministros Nazareno,
Moliné O'Connor, Belluscio, López y Vázquez; en disidencia lo hicieron los doctores Petracchi y Bossert (conjuntamente) y Boggiano (de manera
individual).
124.
Fallos, 328:4343, de 7 de diciembre de 2005.
enfermedades en los últimos 10 y 5 años, comparándolos con los actuales; a todo lo que se agregan
las advertencias y recomendaciones dirigidas por el Comité a los países en que las leyes de seguridad
en el trabajo no se cumplen adecuadamente, como el caso de Argentina, respecto del cual el
mencionado órgano de supervisión del Pacto mostró su inquietud con motivo de la “privatización
de las inspecciones laborales”, y por el hecho de que “a menudo las condiciones de trabajo [...] no
reúnan las normas establecidas”, por lo que lo instó “a mejorar la eficacia de las medidas que ha
tomado en la esfera de la seguridad y la higiene en el trabajo [...], a hacer más para mejorar todos
los aspectos de la higiene y la seguridad ambientales e industriales, y a asegurar que la autoridad
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos y el Derecho Interno
125
Votaron los doctores Petracchi, Highton de Nolasco, Maqueda, Zaffaroni y Lorenzetti; por su parte, en sendos votos individuales concurrentes se
expidieron los ministros Fayt y Argibay.
126
Publicada el 27 de octubre de 1919.
127
B.O. de 28 de agosto de 1980.
128
Paradigma que en dicha causa la Corte tipificó sintéticamente diciendo que "la justicia de menores históricamente se ha caracterizado por un retaceo
de principios básicos y elementales que se erige en todo debido proceso, tales como el de legalidad, culpabilidad, presunción de inocencia,
proporcionalidad y defensa en juicio" (consid. 27).
129
B.O. de 26 de octubre de 2005
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 825
y 40, para acotar luego que el Comité de los Derechos del Niño, intérprete de dicha Convención,
ha recomendado a los Estados Parte asegurar la total implementación en la justicia penal juvenil
a los estándares de ella, en particular a sus arts. 37, 39 y 40, así como a las Reglas Mínimas de las
Naciones Unidas para la Administración de la Justicia Juvenil (Reglas de Beijing) y a la Guía de
las Naciones Unidas para la Prevención de la Delincuencia Juvenil -Reglas de RIAD- (Dominica
CRC/C/15/Add.238. 2004).
Para finalizar esta reseña, no es ocioso recordar que en el consid. 34, el voto colacionado
asegura que, en la actualidad, el sistema jurídico de la justicia penal juvenil se encuentra
configurado por la Constitución Nacional, la Convención Internacional sobre los Derechos del
Niño, la CADH, el PIDCP y el PIDESC, normas que resultan de ineludible consideración al
momento de la imposición de penas por hechos cometidos por menores (consid. 34).
1. El problema
En estrecha conexión con el tópico abordado en el apartado anterior, se aprecia que un área
neurálgica de todo sistema internacional protectorio de derechos humanos finca en el cabal
cumplimiento de las decisiones y sentencias de sus órganos cuasijurisdiccional (en caso de que
éste exista130) y jurisdiccional.
Por razones de brevedad, ceñiremos nuestro señalamiento a ambos órganos de supervisión
del esquema tuitivo interamericano.
Víctor Bazán
Corte Interamericana proporcionara al respecto en “Caballero Delgado y Santana”, sentencia de
8 de diciembre de 1995) es aquella emitida por la Comisión en función del art. 51.2 de la CADH,
con posterioridad a la presentación del caso ante la Corte; al tiempo que las restantes
recomendaciones son obligatorias, concluyendo que una interpretación de buena fe, de acuerdo
con el objeto y el fin de la Convención debe afirmar tal obligatoriedad y la percepción acerca de
que su incumplimiento genera responsabilidad internacional, puesto que si se desjerarquizase el
valor de aquéllas no se estaría coadyuvando a la búsqueda de la perfección del sistema de 825
protección internacional131.
Tampoco es una cuestión menor el modo como el art. 33 de la CADH ha sido redactado. En
efecto, identifica a la Comisión y a la Corte Interamericanas como “competentes para conocer
de los asuntos relacionados con el cumplimiento de los compromisos contraídos por los Estados
Partes” en la Convención. Entendemos que se trata de un elemento no exento de relevancia y
que lleva también a adjudicar una dosis de imperatividad a los pronunciamientos de uno de los
130
Como sucede en el ámbito interamericano y primigeniamente también acaecía en el marco europeo con la hoy extinta Comisión Europea de
Derechos Humanos.
131
Cfr. Albanese, Susana y Bidart Campos, Germán J., Derecho internacional, derechos humanos y derecho comunitario, Ediar, Buenos Aires, 1998, pp. 148 y 154.
132.
Vid. Corte IDH, "Caso Loayza Tamayo", sentencia de 17 de septiembre de 1997, Serie C, N° 33, San José de Costa Rica, párr. 81.
133
Cfr. Cançado Trindade, Antônio A., "Anexo 21: Presentación del Presidente de la Corte Interamericana de Derechos Humanos ante el Consejo
Permanente de la Organización de los Estados Americanos (OEA)", de 16 de octubre de 2002, en el mismo autor, El sistema interamericano de protección
de los derechos humanos en el umbral del siglo XXI, Memoria del Seminario realizado los días 23 y 24 de noviembre de 1999, T° II, 2ª ed., Corte
Interamericana de Derechos Humanos, San José de Costa Rica, mayo de 2003, p. 920.
134
Ídem.
135
Ayala Corao, Carlos M., "La ejecución de sentencias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos", Estudios Constitucionales, Año 5, N° 1,
Centro de Estudios Constitucionales, Universidad de Talca, Santiago de Chile, 2007, p. 134.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 827
4. Corolario
Víctor Bazán
que los países comprometidos conciban normativamente y articulen en la práctica mecanismos
idóneos (asegurando su cabal operatividad) para acatar y cumplir las sentencias dictadas por los
tribunales internacionales de derechos humanos, asignando a dichas resoluciones fuerza ejecutiva
y ejecutoria.
Es decir que, voluntad política mediante, sería útil que existiera una normativa que de modo
claro paute el procedimiento para cumplir las recomendaciones de la Comisión Interamericana y
los pronunciamientos de la Corte Interamericana, al modo como existe mutatis mutandi en Costa 827
Rica, en el “Convenio de sede entre el Gobierno de la República de Costa Rica y la Corte
Interamericana de Derechos Humanos”, de 10 de septiembre de 1981, ratificado por Ley 6.889;
Colombia, por medio de la Ley 288, de 5 de julio de 1996, y el Decreto 321, de 25 de febrero de
2000; y Perú, art. 115 del Código Procesal Constitucional - aprobado por Ley 28.237, publicada
el 31 de mayo de 2004- y Ley 27.775, publicada el 7 de julio de 2002.
136
García Ramírez, Sergio, en la Presentación del libro de Rey Cantor, Ernesto y Rey Anaya, Ángela Margarita, Medidas provisionales y medidas cautelares
en el sistema interamericano de derechos humanos, Universidad Nacional Autónoma de México (Instituto de Investigaciones Jurídicas) e Instituto
Interamericano de Derechos Humanos, Temis, Bogotá, 2005, p. XLIV.
137
Ibíd., p. XLV.
138
Cfr. el relato de Cançado Trindade, Antônio A., del "Informe: Bases para un Proyecto de Protocolo a la Convención Americana sobre Derechos
Humanos, para fortalecer su mecanismo de protección", op. cit. en nota 133 (El sistema interamericano de protección de los derechos humanos en el …), p. 12.
VIII. EPÍLOGO
No cabe duda que las conexiones e interferencias del derecho interno y el derecho internacional
de los derechos humanos son diversas y complejas, algunas de las cuales, y en función de lo
examinado en esta contribución, nos provocan las siguientes apreciaciones de cierre:
1. Una de las facetas sustanciales de las relaciones entre el derecho internacional y el derecho
interno se traduce en que la eficacia real del primero depende en buena medida de la fidelidad
con que los derechos nacionales se conformen a las normas internacionales y les den efecto140.
En particular respecto del derecho internacional de los derechos humanos, la creciente
trascendencia que recepta su convergencia con el derecho vernáculo requiere una articulación
que retroalimente a ambos y los complemente para coadyuvar a una vigorización real del modelo
tuitivo de derechos fundamentales.
Tales premisas confirman que la medular problemática de los derechos humanos es una
incumbencia - y debe ser una preocupación - concurrente o compartida entre las jurisdicciones
estatales y la transnacional.
2. Sin embargo, nada se descubre al recordar que la interacción de los tribunales nacionales y
los internacionales en materia de derechos humanos se mueve al compás de una lógica compleja
y genera una trama de relaciones en ocasiones conflictiva.
Como afirma SAGÜÉS, ello obecede a “factores sociológicos y gnoseológicos de
desinformación, rechazo, inadaptación, desnaturalización, hedonismo y narcisismo, a más de los
ideológico-políticos, que obstaculizan a menudo el acatamiento de la justicia doméstica a la
internacional. A su turno, ésta puede padecer de potenciales defectos de comprensión de las
realidades locales, cuando no de intereses también ideológicos o de complejos de superioridad.
No hay que descartar en ella, paralelamente, fallos altruistas -pero imprevisores- que no midan
828 con cuidado los efectos expansivos que puedan tener en el mundo jurídico”141.
Éstos y otros condimentos de una cuestión de actualidad permanente llevan a reiterar
que la consolidación de una convergencia sustentable de ambas instancias jurisdiccionales
se presenta como una necesidad inaplazable, que pasa a simbolizar uno de los retos
cruciales a los que se enfrenta la cabal protección del ser humano en los ámbitos interno e
internacional.
139
Según información recabada en octubre de 2007.
140
Cfr. Pastor Ridruejo, José A., Curso de derecho internacional público y organizaciones internacionales, 10ª ed., Tecnos, Madrid, 2006, p. 165.
141
Sagüés, Néstor P., "Las relaciones entre los tribunales internacionales y los tribunales nacionales en materia de derechos humanos. Experiencias en
Latinoamérica", Ius et Praxis - Derecho en la Región, Año 9, N° 1, Universidad de Talca, Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales, Talca, 2003, p. 220.
Livro Bicentenario backup.qxd 25/11/2008 13:57 Page 829
Víctor Bazán
constitucional y el internacional de los derechos humanos.
6. En el marco recientemente descripto se impone que la tarea interpretativa que desenvuelve
la judicatura se conforme no sólo a la Constitución sino también al derecho internacional de los derechos humanos,
labor que exige conocer y aplicar los estándares emergentes de, inter alia, los repertorios de
pronunciamientos de la Comisión Interamericana y la jurisprudencia de la Corte Interamericana,
en sus precedentes jurisdiccionales y sus opiniones consultivas.
Como si se tratara de la misma escena de idéntica película, aunque filmada desde otro ángulo, 829
aquella premisa de interpretación conforme al derecho internacional de los derechos humanos a
la que referíamos ha sido reivindicada también por la propia Corte Interamericana, al poner en
cabeza de los poderes judiciales de los Estados la obligación de llevar adelante el 'control de
convencionalidad' (caso “Almonacid Arellano”) entre las normas jurídicas internas que aplican en los
casos concretos y la CADH, debiendo tenerse en cuenta en tal faena no solamente la literalidad
de dicho instrumento internacional sino la interpretación que del mismo ha llevado adelante el
citado tribunal interamericano en su papel de intérprete último y final.
La delicada misión que la magistratura judicial ostenta como último reducto para la defensa y
efectivización de los derechos fundamentales en el ámbito vernáculo deberá ser afrontada y
desplegada conociendo y asumiendo la importancia axiológica de las fuentes jurídicas internacionales
Víctor Bazán
precisamente la solución ideal que exigen el necesario respeto por la dignidad de la persona
humana, valor básico que los fundamenta, y la obligatoriedad de honrar los compromisos
asumidos internacionalmente en tan sensible terreno, que están recorridos transversalmente
por el principio fundamental de la buena fe.
831
142.
Ver supra, nota 113.
143.
Ayala Corao, Carlos M., op. cit., p. 133.
144.
Cfr. , Corte IDH, OC-2/82, cit., párr. 29, p. 44. Un análisis de tal opinión consultiva puede verse en Bazán, Víctor, "La Convención Americana
sobre Derechos Humanos y el efecto de las reservas respecto de su entrada en vigencia: a propósito de la OC-2/82 de la Corte Interamericana de
Derechos Humanos", en Bidart Campos, Germán et al., Derechos humanos. Corte Interamericana, Ediciones Jurídicas Cuyo, T° I, Mendoza, 2000, pp.
91/165.