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NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Coordenação Pedagógica – IBRA

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SUMÁRIO
- OBJETIVOS DO CURSO
- UNIDADE I
Os Caminhos da Avaliação na Educação Infantil
- UNIDADE II
A Avaliação no Contexto Escolar
 A Avaliação no Contexto da Educação Infantil
- UNIDADE III
A Criança na Sociedade Capitalista
 Infância, Criança e Concepção
 A preocupação com a pequena infância
- UNIDADE IV
Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil: Educação
Compensatória do Século XXI
 Observando o cotidiano
 Um encontro com a realidade
UNIDADE V
As Famílias: o que esperam da Educação Infantil?
 A reprodução e a produção: um embate constante
 Brincando de escolinha
 Brincando de casinha
 A reprodução das crianças sobre o espaço educativo
- Referências Bibliográficas

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OBJETIVOS

 Acompanhar as crianças, confiando nas suas


possibilidades e oportunizando-lhes um ambiente
acolhedor, desafiador e rico de oportunidades de
aprendizagem.

 Reforçar a idéia de que o processo avaliativo na


Educação Infantil se faz presente em todos os
momentos da escola, formando nas crianças
valores, hábitos e atitudes.

 Abrir novas possibilidades de reflexão e subsidiar


novos referenciais de avaliação para a educação
das crianças da Educação Infantil.

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UNIDADE I
OS CAMINHOS DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL

A complexidade do fenômeno da avaliação é realçada por


Perrenoud (1990), segundo o qual não existe avaliação sem relação
social e sem comunicação interpessoal, tratando-se de um
mecanismo do sistema de ensino que converte as diferenças culturais
em desigualdades escolares. Por outro lado, a análise do processo
avaliatório mostra que: não existem medidas automáticas, avaliações
sem avaliador nem avaliado; nem se pode reduzir um ao estado de
instrumento e o outro ao de objeto. Trata-se de atores que
desenvolvem determinadas estratégias, para as quais a avaliação
encerra uma aposta, sua carreira escolar, sua formação. Professor e
aluno se envolvem num jogo complexo (cujas regras não estão
definidas em sua totalidade), que se estende ao longo de um curso
escolar e no qual a avaliação restringe-se a um momento.

Na tentativa, pois, de apreender o fenômeno da avaliação


escolar nas suas múltiplas facetas e inter-relações (internas e
externas), vamos nos apoiar nos pressupostos metodológicos
referenciados na lógica dialética e na leitura sócio-histórica da
realidade, resumidos nos seguintes enunciados:

 O ser humano é tomado como concreto, manifestação


de uma totalidade histórico-social, na qual é sujeito
criativo, transformador e construtor de sua história
pessoal e de sua sociedade; o seu desenvolvimento se
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dá por meio de relações com os outros, num
determinado tempo e espaço;

 O conhecimento da realidade se dá num continuum


infinito de aprofundamentos, em níveis cada vez maiores
de complexidade;

 O método de abordagem da realidade caracteriza-se por


partir do material empírico e chegar a categorias
explicativas, extraídas pela análise desse material e
construídas a posteriori; prescinde de normas fixas e
prévias;

 O processo de análise busca apreender as conexões


internas do fenômeno, as suas contradições e as suas
tendências, assim como as suas relações com a
realidade social mais ampla, captando o movimento do
fenômeno, contextualizado sócio-historicamente.

Quando estabelecemos objetivos para a prática educativa,


estamos sempre supondo que com a avaliação poderemos verificar
em que medida estes objetivos foram alcançados. Nessa perspectiva
a avaliação se traduz num elemento norteador da prática presente e
futura com vistas a auxiliar o desenvolvimento dos alunos.
Com essa proposição, estabelece-se a estreita relação que existe
entre as finalidades da avaliação e seus objetivos. O que os dados
apontam? A maioria dos registros considera a avaliação ainda sob os
moldes tradicionais. Tal inferência se justifica, pois há uma emissão
de juízo, o objeto da avaliação é o aluno e por centrarem as

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educadoras o olhar avaliativo sobre as atitudes, os comportamentos e
o rendimento de suas crianças.
Hoffmann (1999 e 2000) e Bassedas (1999), defendem a
inserção da avaliação mediadora na Educação Infantil com caráter de
acompanhamento do desenvolvimento, englobando reflexões
permanentes da ação da criança em seu cotidiano. Nesta ótica, o
professor assume o papel de mediador da ação da criança,
investigando e compreendendo seu raciocínio e sempre a desafiando
na construção do seu conhecimento. Dessa maneira se exigirá do
educador o conhecimento das reações das crianças, percebendo suas
tentativas, limites e possibilidades, planejando a ação pedagógica a
partir dessas observações e reflexões.
Em contraposição à avaliação mediadora proposta pelas
autoras, verificou-se que a maioria das instituições de Educação
Infantil/Professores pesquisados faz uso de modelos da prática
classificatória da escola tradicional onde a prática avaliativa se reduz
ao preenchimento de fichas ou listagens de comportamentos descritos
ao final do semestre ou do ano letivo.
Ampliar o nosso campo de observação e considerar o aluno não
isoladamente, mas também junto a outros aspectos: as situações de
ensino-aprendizagem que se desenvolvem na aula, a nossa
intervenção e a nossa atitude, o tipo de conteúdos ou as situações
que priorizamos, bem como as situações e as relações dentro do
grupo e na escola - é a meta proposta para uma avaliação mediadora.
Avaliar, no sentido regulador da prática supõe, sobretudo, uma atitude
que conduz observar as crianças em diferentes situações e em
circunstâncias variadas. Os usos dos instrumentos utilizados pelos

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professores ajudam a sistematizar essa atitude, porém não a
substituem.
Sem dúvida é urgente fomentar propostas para analisar o
significado da avaliação no contexto próprio da Educação Infantil,
resgatando seus pressupostos básicos e evitando tenazmente seguir
modelos da prática classificatória do Ensino Fundamental.
Didonet (2006), ao discutir a coerência entre avaliação e
finalidades da Educação Infantil, afirma que o modelo de avaliação
escolhido deve ser estreitamente articulado com o que se está
buscando formar a partir das práticas da Educação Infantil. Cabe
então refletir com sobriedade sobre o caminho para atingir o objetivo
que a Constituição Federal e outras normatizações legais instituem
para a educação: o desenvolvimento integral da criança e a
formação do cidadão.
Concebemos a aprendizagem como resultado de uma
construção pessoal e coletiva, que resulta em compreender, manipular
e reconstruir os objetos do mundo físico e social que cercam nossa
curiosidade e as relações que as pessoas estabelecem entre si. Em
contrapartida, alguns pensam que as crianças formam a mente
recebendo instruções, memorizando e registrando-as num teste tudo
o que foi comunicado como conteúdo de lições.
Podemos então inferir que as estratégias de avaliação utilizadas
pelo professor têm um papel crucial, já que constituem fortes
indicações do que os adultos esperam das crianças. Assim sendo,
como romper com o ideário pedagógico instaurado entre os
educadores da Educação Infantil que assimilaram do ensino regular a
concepção de que a avaliação é uma prática neutra ou

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descontextualizada, onde os professores determinam sentenças sobre
os alunos sem perceber o seu comprometimento com os julgamentos
proferidos?
Barbosa (2004) ao posicionar-se sobre o tema avaliação afirma
que é possível romper, ainda que parcialmente com esta visão errônea
de avaliação se ampliar nossa visão a respeito do processo ensino-
aprendizagem e a postura e responsabilidade social do professor
neste decurso.
Para tanto, a tarefa educativa precisa ser considerada um
processo que necessita ser amplamente documentado e analisado.
Isto porque, neste processo, cada sujeito tem um percurso pessoal, e
seu acompanhamento é a única forma de não valorizar apenas o
produto final.
A rigor, o acompanhamento das aprendizagens e a avaliação na
Educação Infantil, não podem prescindir de uma série de instrumentos
que auxiliem a verificar como está a criança em suas múltiplas formas
de ser, expressar-se, pensar. Dentre eles: a observação, os
anedotários; diário de aula, o livro da vida da turma; as planilhas;
entrevistas; debates; controle coletivo do trabalho; agenda escolar;
auto-avaliação; análise das produções; conselho de classe e trabalhos
de integração e de consolidação dos conhecimentos.
Após os registros, é preciso organizar e analisar as informações
recolhidas. A apreciação qualitativa é a avaliação propriamente dita
dos resultados alcançados, referindo-os às metas fixadas, realizadas
pelos adultos ou pelos adultos juntamente com as crianças, por meio
de relatórios parciais ou dossiês das crianças e do grupo.

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Utilizar novos instrumentos de coleta de dados ou re-significar aqueles
com os quais já trabalhamos constitui um dos caminhos para
superação de concepções avaliativas disciplinadoras, sentencivas e
comparativas que ferem seriamente o respeito à infância.
A avaliação tem servido como instrumento de controle social,
pois produz seletividade e exclusão. Podemos romper, ao menos
parcialmente, com essa visão ao ampliarmos a compreensão acerca
das concepções do processo pedagógico, do acompanhamento da
aprendizagem e também ao repensarmos a ética e a responsabilidade
social que temos com o avaliar, o ensinar e o aprender - este é um dos
caminhos necessários (embora não suficiente), para a construção da
educação infantil que queremos.

Exercícios para compreensão da Unidade

1. Para Hoffman e Bassedas, como deve ser o processo de


avaliação na Educação Infantil?

2. O que visa a avaliação mediadora?

3. Quais são os recursos que devem ser utilizados para avaliação


na Educação Infantil?

4. Como deve ser concebido o processo de representação na


Educação Infantil?

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UNIDADE II

A Avaliação no Contexto Escolar

No Brasil, as pesquisas sobre avaliação, na sua maioria, são


realizadas em escolas de 1°, 2° e 3° graus, hoje Ensino Fundamental,
Médio e Superior, portanto, encontramos poucas referências e estudos
que se preocupam com essa questão em relação à Educação Infantil.

No entanto, encontramos um estudo da década de 70, realizado


por Rist (1970, Universidade de Washington) nos Estados Unidos, que
teve como objetivo acompanhar e observar um grupo de crianças
desde o jardim da infância até a segunda série e investigar como a
escola acabava ajudando a reforçar a estrutura de classes da
sociedade. Observando o cotidiano escolar, verificou que as
expectativas que os professores criavam sobre as crianças, acabavam
influenciando a relação professor-aluno e o rendimento das mesmas,
determinando seu sucesso ou fracasso na escola. Dessa maneira,
observamos que este estudo já revela a existência de uma avaliação
informal presente na educação das crianças pequenas, que deter-
minava a posição que ocupavam no interior da sala e da escola.

Este estudo e outros sobre a avaliação escolar apontam que ela


se constitui num instrumento muito forte, presente dentro da escola e
que se encontra praticamente nas mãos do professor. Isso quer dizer
que ele tem muita autonomia e poder de decisão em relação ao rumo
que a vida escolar dos alunos poderá tomar.

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Cabe ressaltar que a avaliação não se restringe ao âmbito
escolar; ao contrário, ela está presente na sociedade, de modo que,
em todos os momentos da nossa vida, somos avaliados. No entanto, o
objetivo desse trabalho é discutir como a avaliação se manifesta
dentro de instituições educativas.

Sobre a avaliação escolar, os estudos de Luckesi (1995), por


exemplo, apontam que, de uma maneira geral, a preocupação dos
pais, professores, alunos e do próprio sistema de ensino é muito
voltada para a questão da promoção e da retenção. Com isso, o autor
acrescenta que a avaliação escolar adquire, cada vez mais, um status
de relevância dentro da prática educativa e esta, muitas vezes, acaba
sendo direcionada para uma "pedagogia do exame". Isto indica que a
avaliação, as notas, a aprovação ou a reprovação acabam sendo
muito mais significativas dentro da escola que o próprio conhecimento.

Nas palavras do autor, “o nosso exercício pedagógico escolar é


atravessado mais por uma pedagogia do exame que por uma
pedagogia do ensino/aprendizagem".

Nesse sentido, a construção do conhecimento passa a ter um


papel secundário na vida escolar do aluno, enquanto a avaliação
escolar, sua aprovação ou não, passam a serem os fatores essenciais
e a motivação de seus estudos e de sua vivência na escola.

Sobre esse fato, Enguita (1989) acrescenta que a escola é um


espaço de constantes avaliações. Dessa maneira, a avaliação escolar
caracteriza-se por ser um poderoso instrumento de controle do aluno
e, como foi colocado anteriormente, está nas mãos do professor, é

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muito presente na sala de aula, e mais, influencia fortemente o futuro
do aluno no aparato escolar.

A AVALIAÇÃO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Quando pensamos nessa questão em relação à educação das


crianças pequenas (zero a cinco anos), ou seja, a Educação Infantil
encontra-se poucos estudos explorando essa problemática.

É evidente que isso não ocorre por acaso, mas sim devido a
fatores históricos. Se nós voltarmos à história da educação brasileira,
verificaremos que, enquanto o Ensino Fundamental há muito tempo foi
reconhecido e se constituiu em um nível de educação obrigatório, de
dever do Estado e da Família e como um direito da criança, a
Educação Infantil só passou a ser reconhecida como direito a partir da
Constituição de 1988:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante


garantia de (...) atendimento em creche e pré-escola às crianças de
zero a seis anos de idade (Artigo 208, Inciso IV, p.39).

A partir desse fato, constatamos que a Educação Infantil se


constitui numa área nova de investigação, apesar de a preocupação
com a pequena infância não ser algo recente na história. Além disso,
ela difere do Ensino Fundamental por não ser obrigatória, mas uma
opção da família.

Ainda, quando consultamos o documento do MEC, "Educação


Infantil no Brasil: situação atual" (1994), observa-se que a educação

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infantil, na prática, ainda não é um direito de todos, já que a oferta de
vagas ainda é baixa.

Verificamos que as crianças que pertencem às famílias que


ganham até 1/2 salário-mínimo são as que menos estão frequentando
as creches e pré-escolas, comparadas com as que ganham mais de 2
salários-mínimos, nas regiões Sudeste e Nordeste do Brasil. Assim, as
crianças cujas famílias possuem a menor faixa de renda são as que
estão tendo menos oportunidades de frequentarem uma instituição.
Ainda, se fizermos a comparação entre regiões, percebemos que as
crianças nordestinas, cujas famílias ganham até 1/2 salário mínimo,
estão utilizando menos instituições que as crianças paulistas com este
mesmo rendimento familiar. Por que essa diferença em relação ao
acesso à educação entre regiões? Por que as crianças paulistanas
estão tendo mais oportunidades que as crianças nordestinas?

Segundo a Política Nacional de Educação Infantil (MEC, 1994),


um dos objetivos a ser alcançado na área é a expansão da oferta de
vagas para as crianças de zero a seis anos.

Ainda, se observarmos os dados do Nordeste e do Sudeste em


relação à faixa etária, percebemos que o número de crianças no Nor-
deste com sete, oito e nove anos de idade na pré-escola é muito maior
que no Sudeste.

Se fizermos a comparação segundo a cor das crianças, verifica-


mos que tanto no Nordeste, quanto no Sudeste, o número de crianças
negras e pardas que frequentam a pré-escola com mais de seis anos
é maior em relação às crianças brancas. Por que será que isso
ocorre? Por que será que as crianças negras e pardas ficam retidas na
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pré-escola? Como será que essas crianças são vistas? Será que as
diferenças não estão sendo respeitadas?

Procurando informações mais atuais sobre o número de crianças


acima de seis anos frequentando a pré-escola, encontramos dados do
IBGE (1997) apontando a existência de crianças de cinco a onze anos
no Território Nacional frequentando pré-escolas, nos anos de 1992,
1993 e 1995.

Analisando a tabela, verificamos que há um grande número de


crianças fora da idade pré-escolar retidos na pré-escola. Além disso,
quando observamos o número de meninos em relação ao número de
meninas, constatamos que há mais meninos que meninas retidos na
pré-escola. Isso pode ser visto dos sete aos onze anos de idade e em
todos os anos apresentados. Esse dado é curioso, pois pode apontar
a existência de mecanismos diferenciados no tratamento e na
avaliação entre meninos e meninas.

A partir disso podemos perceber que já na pré-escola há uma


dificuldade em trabalhar com as diferenças, como a diversidade
social, cultural, racial, de gênero. Isso não se restringe apenas ao
Ensino Fundamental, como os dados revelam, mas é um fato presente
também na Educação Infantil.

O que parece é que este não é um dado casual, mas precedido


por uma "avaliação" que determina tais resultados. Dessa maneira
perguntamos: quais são os procedimentos nos quais os professores
estão se apoiando para avaliar as crianças pequenas? Como se dá a
avaliação na pré-escola? Com qual propósito? O que é levado em
consideração? Existe repetência na pré-escola?
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É possível que a avaliação nesse momento da educação possa
ser muito mais informal e subjetiva, já que não há uma obrigatoriedade
de atribuição de notas e conceitos às crianças como é previsto no
Ensino Fundamental, portanto, elas não deveriam ser avaliadas de
maneira formal. Apesar desse fato, não descartamos a hipótese da
ocorrência da avaliação na Educação Infantil, seja de maneira formal,
como foi encontrada nos estudos de Hoffmann (1996), através da
existência de fichas de avaliação, boletins de acompanhamento das
crianças, pareceres, etc., seja através de uma avaliação informal,
controlando o comportamento e a disciplina das crianças.
Perguntamos: será que estamos antecipando os procedimentos
formais e informais de avaliação escolar que acontecem na escola
para a Educação Infantil?

O levantamento bibliográfico aponta que a Educação Infantil não


é uma exceção e, nesse sentido, acaba antecipando a seleção e a
exclusão do Ensino Fundamental.

Hoffmann (1993 e 1996), ao tratar da questão da avaliação na


educação infantil, aponta a existência de práticas avaliativas e
classificatórias tanto nas creches, quanto nas pré-escolas. Segundo a
pesquisadora (1996),

o modelo de avaliação classificatória se faz presente nas instituições


de Educação Infantil quando, para elas, avaliar é registrar ao final de
um semestre (periodicidade mais frequente na pré-escola) os
"comportamentos que a criança apresentou", utilizando-se, para isso,
de listagens uniformes de comportamentos a serem classificados a
partir de escalas comparativas tais como: atingiu, atingiu

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parcialmente, não atingiu; muitas vezes, poucas vezes, não
apresentou; muito bom, bom, fraco e; outras.

Ainda, a autora faz uma análise desses modelos e das fichas de


avaliação, que, como ela aponta, são muito utilizadas em várias
instituições para avaliar as crianças:

Apresentam, por exemplo, um grande número de itens


referentes a atitudes, tais como atendimento a solicitações da
professora, organização do material, hábitos de higiene e alimentação.
Pareceres descritivos seguem roteiros atrelados à rotina dos
professores, que dão o seu "parecer" sobre o comportamento das
crianças nas diversas atividades e momentos da rotina. A partir,
também, de uma visão moralista e disciplinadora, elas são julgadas a
partir de um modelo ideal de criança obediente, atenta, organizada,
caridosa, "querida", surgindo as comparações e classificações das
atitudes evidenciadas por elas.

Além da existência dessas fichas avaliativas, há outro agravante.


Segundo Hoffmann, em muitas instituições a elaboração e a discussão
desses instrumentos não contam sequer com a participação dos
professores, que acabam sendo meros executores nesse processo,
pois são os orientadores, os diretores que acabam definindo os
critérios de avaliação. Isso é muito grave, já que são os professores
que convivem de perto com as crianças e, por isso, os que mais as
conhecem. Assim, acreditamos que eles seriam as pessoas mais
adequadas para perceberem o crescimento das mesmas.

A partir dessa referência, percebemos que a Educação Infantil


está sofrendo muita influência das práticas de avaliação que ocorrem
no Ensino Fundamental e, nesse sentido, pode acabar antecipando os

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mecanismos de seleção e exclusão presentes nesse nível escolar, tão
prejudicial às crianças. Nas palavras da autora:

As instituições de Educação Infantil sofrem, igualmente, a


influência desse modelo seletivo, absorvendo práticas do regime
seriado do ensino regular. São inúmeros os casos, no país, de
crianças "reprovadas" e retidas em um nível da pré-escola por
avaliações bastante questionáveis.

Essa prática de avaliação acaba julgando, comparando e classifi-


cando as crianças. É uma avaliação classificatória que não favorece o
desenvolvimento delas, ao contrário, as prejudica. Acreditamos que a
avaliação não precisa ser negativa e prejudicial, mas usada a favor da
criança e do professor, como um instrumento auxiliar no seu trabalho.
No momento em que este a usar como um meio para conhecer as
crianças, não para julgá-las e classificá-las como boas, fracas,
obedientes, desobedientes, etc, colocando rótulos e criando imagens a
respeito das mesmas, mas para propor desafios, novas descobertas e
experiências e orientar seu trabalho, a avaliação estará promovendo o
desenvolvimento delas e não as cerceando e, nesse sentido, será
positiva.

Assim, nessa perspectiva, não teremos a figura do educador


como o único detentor do conhecimento. Ao contrário, este passa a
ser também um aprendiz nesse processo, já que, ao conhecer as
crianças, também aprende novos conhecimentos. A educação é
realizada numa via de mão dupla e, nesse sentido, os espaços
coletivos de cuidado e educação serão locais de aprendizagem tanto
para as crianças, quanto para os adultos.

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Nessa direção, Bufalo (1997) ao estudar as práticas educativas
em um CEMEI da Rede Pública de Campinas, evidenciou que a
creche é um local onde crianças e adultos constroem conhecimentos.
Nas suas palavras:

As profissionais de creche também se formam e constroem


suas identidades nesta instituição, onde além das muitas divergências
e do confronto intrínseco ao ambiente heterogêneo, existem também
conflitos entre os adultos durante as relações pedagógicas que se
estabelecem entre as crianças e entre as crianças e os adultos. Pois o
convívio com as diferenças é a pedagogia do confronto. Assim a
creche também é lugar de educação do adulto.

Acreditamos ser necessário definir melhor os objetivos que


queremos atingir e a partir daí, nossas ações. É fundamental
questionarmos o tipo de sociedade que queremos, pois isso implica o
tipo de educação e o tipo de homem que queremos formar.

Para isso, acreditamos necessário que os educadores possam


repensar suas posturas e práticas, pois a avaliação não deve ter o
sentido de classificar e decidir a aprovação ou reprovação da criança.
Esse caráter não se restringe apenas à Educação Infantil, mas deve
se estender a todos os níveis escolares.

Hoffmann diz que:

a avaliação em educação infantil precisa resgatar urgentemente o


sentido essencial de acompanhamento do desenvolvimento e de
reflexão permanente sobre as crianças em seu cotidiano, como elo na
continuidade da ação pedagógica.

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A avaliação nessa perspectiva servirá para apontar indicadores
ao professor, de forma a ajudá-lo a conduzir seu trabalho
contemplando positivamente as necessidades, curiosidades e
solicitações das crianças.

Isso implica o questionamento do tipo de sociedade que


almejamos, pois os instrumentos de avaliação estão intimamente
relacionados aos valores da sociedade na qual vivemos. A avaliação
atende os interesses da sociedade, isso quer dizer que "a avaliação
reflete diretamente os valores pregados pelo grupo social ao qual a
educação serve. Se quisermos saber o que uma sociedade valoriza,
basta observarmos a sistemática de avaliação escolar".

Assim, pergunta-se se, dentro desse modelo de sociedade,


seletivo e excludente, é possível que a avaliação tenha um outro
sentido. Será que as experiências em instituições educativas formais
podem contemplar outro tipo de avaliação?

Acreditamos que uma mudança na prática avaliativa requer uma


mudança na concepção de mundo, de sociedade, de homem e de
educação, entretanto, enquanto isso não acontece, acreditamos ser
possível propor novas formas de trabalho, apesar dos limites, pois não
podemos esquecer que a contradição também está presente no
espaço educativo.

Exercícios de Compreensão da Unidade

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1. Qual a relação entre a expectativa dos professores e o
rendimento dos alunos na Educação Infantil?

2. Qual a importância da avaliação na educação Infantil para:

 O aluno?

 O professor?

UNIDADE III

A CRIANÇA NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Criança: sujeito de direitos?

As considerações feitas em torno da problemática da avaliação


escolar não estão desvinculadas da organização do trabalho na nossa
sociedade e do "lugar" ocupado pela criança nesse contexto.

O processo educacional ocorre numa instituição social,


necessariamente vinculado a interesses e objetivos socialmente
contextualizados. Sendo assim, parece-nos que a escola acaba
incorporando valores, crenças, promessas e práticas presentes na
sociedade. Dessa forma, ela pode contribuir, ao desenvolver suas
funções sociais, para reforçar o modelo de sociedade e as concepções
de relações humanas vigentes.

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Assim a escola, ao estar inserida na sociedade, não é um
espaço neutro. Recebe influências em sua organização, bem como
influencia a sociedade, também, por ser um espaço coletivo, de lutas,
de conflitos e contradições. Segundo Dayrell

a escola, como espaço sociocultural, é entendida, portanto, como um


espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão.
lnstitucionalmente, por um conjunto de normas e regras, que buscam
unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por uma
complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que
incluem alianças e conflitos, imposição de normas e estratégias
individuais, ou coletivas, de transgressão e de acordos. (...) o pro-
cesso educativo escolar recoloca a cada instante a reprodução do
velho e a possibilidade da construção do novo, e nenhum dos lados
pode antecipar uma vitória completa e definitiva.

Por ser nesse embate que o espaço educativo se constrói, não


podemos analisar isoladamente a prática pedagógica sem nos
darmos conta dessas relações.

Durante muito tempo a criança não foi reconhecida como sujeito


de direitos, porém, hoje já existe um avanço nessa direção. Houve
uma conquista muito grande em relação à afirmação de seus direitos.
A infância cresceu como sujeito de direitos. Isso pode ser verificado
em leis e em vários documentos que passaram a explicitá-los, por
exemplo, a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o Plano Nacional de Educação, a Nova LDB, etc.
Destacando o Artigo 227, do Capítulo 7º, do título VIII da Constituição
Brasileira de 1988, encontramos a afirmação:

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É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) são reconheci-


dos os seguintes direitos:

A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à


saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência (Art. 7, p.17).

Juridicamente os direitos das crianças foram reconhecidos e in-


corporados pela sociedade em geral, porém torna-se imprescindível
sua concretização, pois é só nesse momento, efetivamente, que a
criança poderá vivenciar a infância com toda intensidade, e, desse
modo, ser criança "com todas as letras".

Considerando esses avanços, somos provocados a fazer outros


questionamentos: será que na prática esses direitos estão sendo res-
peitados e concretizados? Será que todas as crianças independente-
mente do sexo, idade, cultura, raça, classe social, religião,
necessidades especiais, têm seus direitos garantidos?

Embora um dos direitos primordiais ao ser humano seja o direito


à vida, este ainda é privilégio de alguns e não de todos os brasileiros.
Se olharmos as taxas de mortalidade infantil no nosso país,
verificamos que esse direito primário não está sendo garantido para
uma parcela significativa da população.
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De acordo com dados do IBGE (1998), em relação às crianças
brasileiras menores de cinco anos de idade, nos anos de 1993 e 1994,
verificamos que, de cada 1000 crianças que nasciam, 60,7 morriam,
representando uma taxa de 6,07%. Quando olhamos esses dados em
relação às regiões, por exemplo, destacando o Nordeste e o Sudeste,
observamos que, no Nordeste, de cada 1000 crianças que nasciam,
9,64% morriam, enquanto, no Sudeste, a taxa era de 3,67%. Isso
mostra que a mortalidade infantil ainda é muito grande em nosso país
e maior ainda em relação às crianças nordestinas. Ou seja, boa parte
das nossas crianças não está tendo o direito à vida. Assim, a exclusão
e a seleção humana ocorrem prematuramente ao nascer ou nos
primeiros anos de vida, pois, nesse momento, algumas sobrevivem e
outras não. Dessa maneira, a avaliação não está presente apenas na
escola, mas está posta em todos os lugares, na vida, na sociedade.

A Constituição Brasileira afirma que as crianças têm o direito à


vida. Entretanto, na realidade, estamos vendo que esse direito está
sendo tirado de muitas delas. Por outro lado, será que aquelas que
conseguem ter esse direito garantido estão conseguindo desfrutar dos
demais direitos que lhes cabem, como educação, lazer, alimentação,
saúde, etc...? Será que a sociedade está garantindo às crianças o
direito de serem crianças? Será que o tempo da infância está sendo
respeitado?

A realidade mostra que a seleção entre os indivíduos não se dá


apenas na escola, quando muitos são reprovados ou "expulsos" dela,
mas durante a vida. Se observarmos o número de crianças que já
trabalham, constatamos que o trabalho infantil é uma realidade no
nosso país.
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A exploração da mão-de-obra de crianças e adolescentes é tão
grave que até os meios de comunicação estão denunciando essa
situação. Na reportagem "Infância Perdida" da revista Nova Escola,
encontramos a seguinte informação sobre o trabalho infantil no Brasil:

Pelo menos 7,3 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 16


anos trabalham no Brasil. Os menores de dez não fazem parte das
estatísticas oficiais. Mas sabe-se que eles são muitos. Na verdade, a
mão-de-obra infantil brasileira é formada por trabalhadores invisíveis,
à margem da legalidade. Na história de cada um deles, a infância -
período de vida de crescimento em todos os sentidos - fica perdida.
As atividades próprias das diversas etapas de seu desenvolvimento,
na família, na escola e na sociedade, são atropeladas (Guerra, 1994).

A Constituição (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente


(1990) proíbem o trabalho infantil antes dos 14 anos de idade, abrindo
uma exceção somente para trabalhos que possibilitem ao adolescente
ter uma formação, um aprendizado.

No Capítulo V - Do Direito à Profissionalização e à Proteção no


Trabalho, do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), há a
seguinte afirmação: "É proibido qualquer trabalho a menores de
quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz" (Art. 60, p.29).

Mesmo com uma legislação que protege a criança, verificamos


que o trabalho infantil é muito grande no nosso país e existe, apesar
das exigências da lei. Na Revista Veja, a reportagem "O suor dos
pequenos" faz uma denúncia sobre esse fato:

Entre os 12 e os 14, o trabalho só é autorizado para dar uma


profissão, mas não se imagina qual emprego terá um menino que
passou a vida aprendendo a quebrar pedra. Em nenhum caso o

25
trabalho pode ser penoso e muitas vezes o é. Crianças quebram pedra
no Ceará, carregam tijolo na construção civil no Amazonas, cuidam de
fornos de carvão em Mato Grosso. Menores não podem trabalhar à
noite, mas a partir das 2 da manhã estão no mercado descarregando
caixotes de frutas e legumes (França e Carvalho, 1995, p. 77).

Além de o trabalho privar a criança de vivenciar experiências


próprias à sua faixa etária, ele pode prejudicá-la, irremediavelmente,
dependendo da condição em que se dá, acarretando um comprometi-
mento em relação a sua saúde e afetando sua vida de uma maneira
geral.

Na mesma reportagem da Revista Nova Escola, há o seguinte


diálogo entre o entrevistador e um menino chamado João Batista
(nove anos) que trabalha numa carvoaria:

- Quantos anos você tem?


- Nove.
- Você vai à escola?
- Nunca fui.
- Por quê?
- Não dá. Se nós não fizer carvão, nós não come.
- Qual é o seu maior desejo?
- Não tossir de noite por causa da fumaça do forno. Aí dá pra
dormir (Guerra, 1994, p.12).

Essa criança, e muitas outras, não estão tendo seus direitos ga-
rantidos e respeitados. Direitos básicos, como saúde, alimentação,
educação, lazer, lúdico, e tantos outros. Estão, ainda, submetidas à

26
exploração, à crueldade, à discriminação, etc... A vida não
corresponde ao que prescreve nossa Constituição. Além de serem
submetidas ao trabalho, há crianças que mal chegam a frequentar
uma escola. É muito difícil para essas crianças conciliarem trabalho e
escola. Segundo dados do IBGE, citados na reportagem da Revista
Veja,

(...) apenas 39 de cada 100 crianças que trabalham terminam o Ensino


Fundamental. E isso em escolas que, muitas vezes, já têm um padrão
de ensino lá embaixo. (...) a criança trabalhadora brinca apenas
quando pode, se diverte pouco, fantasia menos e vive uma realidade
que não é própria para a idade (França e Carvalho, 1994, p.37).

O trabalho precoce pode trazer consequências à vida da criança,


comprometendo sua infância:

A exploração do trabalho infantil é um processo de alienação da


infância pelo viés do trabalho alienado; a criança deixa de ser con-
sumidora de renda familiar passando para provedora da mesma. Deste
modo a supressão da infância se dá de forma peremptória e até
mesmo irreversível, ocasionando, assim, sequelas e constrangimentos
múltiplos a saber: ser criança e adulto ao mesmo tempo, ser criança e
ser trabalhador adulto, ser criança, trabalhar e estudar, ser criança,
trabalhar e não brincar.

Acreditamos que essas crianças não estão sendo crianças, pois,


uma vez privadas de vivenciar sua infância, são forçadas a crescerem
precocemente. E o que é pior: as marcas invisíveis dessa ordem de
exploração podem negar a criança como ser de possibilidades, de cul-
tura, de ludicidade. Como Silva (1997), concebemos que,

27
é preciso indignar-se não somente com as marcas deixadas pelo
trabalho infantil no corpo da criança, mas também indignar-se com as
marcas de violência moral, afetiva, social e simbólica. É preciso
perceber as marcas que os olhos não veem.

Para Silva, o trabalho infantil é um fato que pode ser observado


tanto em relação a países de Terceiro Mundo, como também, de
Primeiro Mundo. Isso, porque a mão-de-obra adulta está sendo
substituída pela infantil e, desse modo, muitas crianças, cada vez
mais, estão precisando trabalhar, ora para complementar o salário da
família, ora para sustentá-la, já que os pais estão ficando desemprega-
dos.

Muitas crianças são privadas do acesso à escola e,


consequentemente, do conhecimento de forma sistematizada,
conhecimento esse valorizado pela sociedade e que, para as crianças
das classes populares, terem o seu domínio, pode representar a única
possibilidade de luta para tentarem mudar seu futuro. Por outro lado,
as crianças que conseguem sobreviver, que não precisam trabalhar e
que podem ir à escola, muitas vezes, estão privadas dessa
possibilidade devido a diversos fatores, como falta de vagas, falta de
escolas em algumas localidades, grande distância entre a casa e a
escola, entre outros.

Na educação infantil é comum verificarmos que muitas creches e


pré-escolas possuem listas de espera. Isso mostra que muitas
crianças que desejariam frequentar uma instituição pública não estão
tendo acesso ou esperam muito tempo para terem esse direito
garantido, apesar da expansão da área e do crescimento da cobertura
da educação em creches e pré-escolas. A educação infantil é um
28
direito da família e da criança e, apesar de não ser obrigatória, as
famílias estão querendo, cada vez mais, compartilhar o cuidado e a
educação de seus filhos com instituições coletivas e especializadas, e
isso se deve a vários motivos: inserção da mulher no mercado de
trabalho, mudança na concepção de criança, além do reconhecimento
de seus direitos. Apesar da expansão dos últimos anos, o acesso à
educação infantil ainda deixa muito a desejar, especialmente quando
se considera que as crianças das famílias de renda mais baixa estão
tendo oportunidades muito menores que as de nível sócio-econômico
mais elevado.

De acordo com o MEC, embora o atendimento educacional às


crianças de zero a seis anos tenha apresentado expansão no país, as
taxas são ainda baixas, especialmente para a população de menor
faixa de renda e a que reside na zona rural.

Ao mesmo tempo, podemos nos perguntar se essas crianças


com acesso à escola, à creche e à Educação Infantil, estão tendo
seus direitos respeitados. Será que estão tendo a oportunidade de
serem crianças? Será que pelo menos nesses espaços coletivos a
criança tem tempo para ser criança, para brincar?

Se a sociedade apresenta esta perspectiva de não valorização


do lúdico, isso seria diferente nos espaços educativos? Será que há
tempo e oportunidades para as crianças vivenciarem todas as
dimensões humanas? Será que elas podem se movimentar, brincar,
fantasiar, criar, imaginar e ser crianças nas instituições educativas?

Numa sociedade cujos valores se voltam à produtividade, ao lu-


cro, ao consumo, à competição, ao individualismo, há interesse e tem-
29
po para que o homem experimente e vivencie outras dimensões? Há
espaço para o lúdico, o lazer, o artístico, a fantasia?

Cada vez mais, tanto o adulto quanto a criança estão sendo


privados dessas experiências.

Infância, Criança e Concepções

Nem mesmo a criança está tendo a oportunidade de vivenciar,


plenamente sua infância, e esse momento que poderia ser tão rico e
vivido intensamente acaba se reduzindo a um curto período de
passagem e promessa de futuro, cujo objetivo é a formação de um
adulto produtivo.

Como poderia ser diferente, já que, no sistema capitalista, os


interesses econômicos e produtivos predominam e são a base de sua
existência? O desenvolvimento do capitalismo, desde o seu princípio
foi permeado por um processo de racionalização, e este atinge a
política, a economia, a educação, as relações sociais, a cultura, etc.,
visando à produtividade, ao cálculo, à eficácia e ao lucro.

Presenciamos o "furto da infância", e independentemente de a


criança ser menino ou menina, branca ou negra, rica ou pobre, cada
vez mais ela está assumindo responsabilidades que são dos adultos, o
que significa sua inserção precoce no mundo adulto, visando ao
trabalho produtivo. E isso se deve à concepção de criança presente na
nossa sociedade.

Rosemberg (1976) e Ferreira (1988) mostram que, em nossa so-


ciedade, o adulto exerce um papel ativo, de emissor de cultura e co-
nhecimentos, enquanto a criança exerce um papel passivo, ou seja, de
30
receptor. E isso ocorre desde o seu nascimento, devido à dependência
biológica na qual se encontra. Nesse sentido, a sociedade é pensada
e construída para o adulto e, consequentemente, centrada nele.

A partir dessa concepção, a sociedade reduz o processo de


crescimento, de transformação apenas à criança, como se o adulto
não estivesse constantemente se transformando. Dessa maneira, a
criança é vista como um vir a ser. "Na sociedade centrada-no-adulto a
criança não é. Ela é um vir a ser. Sua individualidade mesmo deixa de
existir. Ela é potencialidade e promessa".

A criança é concebida como uma promessa, pois ela é um ser


novo e, nesse sentido, há muitas expectativas e idealizações sobre
ela. Por outro lado, não podemos esquecer que ela não é só isso; é,
também, um ser diferente, que tem suas potencialidades e
especificidades como tal.

Essa preparação para o futuro é cada vez mais precoce. Nas


"sociedades primitivas", a iniciação da criança nos papéis e funções
próprias do indivíduo adulto ocorria mais tardiamente, e nas
sociedades industriais atuais ocorre o contrário, pois não há mais um
período de resguardo. Sendo assim, o processo de iniciação acaba
surgindo muito cedo, ou seja, as crianças, precocemente, acabam
assumindo os modelos adultos.

Portanto, esta iniciação cada vez mais precoce atinge as


crianças independentemente do sexo, idade e classe social; desse
modo, tanto as crianças ricas, quanto as pobres, acabam tendo que
assumir muito cedo responsabilidades que são dos adultos e, com
isso, seu tempo de ser criança acaba sendo comprometido. Esta
31
iniciação precoce é influenciada pelos valores e ideais do sistema no
qual vivemos.

A consequência dessa visão social acaba negando a


especificidade da criança e preparando-a cada vez mais cedo para ser
um indivíduo produtivo e consumidor na sociedade atual. Enquanto
muitas crianças das classes populares são levadas mais cedo ao
mercado de trabalho devido a vários fatores, as crianças ricas também
acabam tendo seu tempo livre comprometido, visando tornarem-se
adultos preparados.

Há uma "dupla alienação da infância". Se, por um lado, a criança


pobre precisa se inserir no mercado de trabalho, por outro, a criança
rica é sobrecarregada com muitas atividades e responsabilidades
extra-escolares. Assim, ambas têm seu tempo livre comprometido.

A realidade na qual vivemos não permite que a maioria das


crianças desfrute de tempo livre, sem obrigações. Seria ingenuidade
acreditar que as crianças, mesmo as pré-escolares, não possuam
atividades obrigatórias a cumprir.

Se observarmos a prática de trabalho das instituições de educa-


ção infantil, verificaremos que, há algum tempo, ela está em
discussão, porém, ainda temos muitas dúvidas em relação a sua
função e objetivos. No entanto, presenciamos que, em relação às
crianças de zero a três anos de idade, desenvolve-se um trabalho
mais parecido com os cuidados da casa e com as crianças de quatro a
seis anos, um trabalho mais parecido com a escola regular.

32
Parece que as pré-escolas estão incorporando a prática de
trabalho do Ensino Fundamental e, com isso, a criança está "deixando
de ser criança" e tornando-se aluno. Há uma antecipação precoce da
escolarização, e isso traz, provavelmente, as consequências do
modelo escolar para a educação das crianças pequenas, modelo tão
criticado e presente até hoje.

Quando verificamos a existência de um trabalho pedagógico


escolarizante na creche e na Educação Infantil, viabilizando a inserção
precoce da criança nesse contexto, presenciamos o furto do direito de
a criança ser criança.

Qualquer criança tem o direito de ser criança. Mas, em todo o


mundo, elas estão sendo apressadas a crescer, forçadas a
amadurecer cada vez mais rápido e a assumir responsabilidades,
cada vez com menos idade. Não podemos prejudicar o
desenvolvimento normal da criança. Desrespeitar o direito de ser
criança prejudica o seu desenvolvimento emocional, social, afetivo,
motor, cognitivo, etc..

Dessa maneira, verificamos que, mesmo para aquelas crianças


que têm acesso à educação, os direitos não estão sendo respeitados e
garantidos.

A preocupação com a pequena infância

Desde o século XVIII, as sociedades já recorriam às formas


alternativas e complementares à família para a educação de seus
filhos, através das salas de asilo, creches, etc. No Brasil, quando
retomamos a trajetória da educação das crianças de zero a seis anos,

33
verificamos que esta tem uma história de mais de cem anos, embora
tenha sido só nas últimas décadas que a Educação Infantil se
expandiu e foi reconhecida como um direito da criança e da família.

A afirmação dos direitos da criança foi consolidada somente a


partir da Constituição de 1988, entretanto, as lutas e reivindicações
para o reconhecimento desses direitos vêm desde a década de 70,
com o movimento sindical e feminista. Dessa maneira, o cuidado e a
educação das crianças pequenas não se deram por acaso, foi uma
conquista dos movimentos sociais. Nesse momento, a preocupação
com a pequena infância deixa de ser apenas do espaço privado e
passa a ser também do espaço público.

Isso se deve a um processo de transformações que foi


ocorrendo na sociedade, como modificações nas relações de gênero e
mudanças na concepção da criança pequena.

As modificações nas relações de gênero dizem respeito à libera-


ção da mulher, sua inserção e participação no mercado de trabalho.
Com este novo papel da mulher na sociedade, a família acaba
compartilhando a educação de seus filhos com outras instituições.

As sociedades contemporâneas vivem uma crise das funções


masculinas e femininas devido as incompatibilidades entre vida
familiar tradicional (marido provedor, mulher dona de casa em tempo
integral) e a crescente profissionalização feminina. Os efeitos dessa
crise, por sua vez, aparecem na progressiva diminuição do tamanho
da família e na redefinição dos estilos de vida. No Brasil, também o
processo de intensa urbanização das últimas décadas e as conquistas
democráticas obtidas no campo dos direitos individuais constituem
34
outros fatores que impulsionaram as profundas transformações
ocorridas nas relações familiares.

Nessa mesma perspectiva, torna-se instigante pensar a creche


como contexto de desenvolvimento para a criança pequena, desde
que, cada vez mais mulheres de diferentes classes sociais estão
assumindo trabalho e outras atividades fora de casa como o estudo, a
participação na comunidade e necessitando de ajuda no cuidado da
educação de seus filhos.

Além desse movimento, há também um processo de mudança


por parte da sociedade em relação à concepção da criança pequena.

Foi a partir desses fatores que a conquista desses espaços foi se


concretizando, conquista que não foi fácil, como apontamos. De fato,
houve muita luta, manifestações e reivindicações por parte dos movi-
mentos populares e feministas.

Kishimoto (1988) mostra em suas pesquisas que as instituições


criadas no final do século XIX possuíam uma clara divisão: as creches
foram destinadas ao cuidado e à educação das crianças pobres,
enquanto as pré-escolas foram preparadas para as crianças ricas.

Além de a clientela ser diferenciada nestas instituições, o traba-


lho que era desenvolvido com as crianças também o era. Assim, a
educação era diferenciada. A pré-escola desenvolvia um trabalho mais
sistemático, ou seja, já havia uma certa preocupação e intenção com
questões pedagógicas, já a creche se preocupava em guardar e cuidar
das crianças enquanto a mãe trabalhava.

35
Essa prática destinada às crianças pobres, apontada em muitos
estudos como meramente assistencialista, acaba reduzindo a história
da Educação Infantil a uma sucessão de fatos, como se tivesse uma
evolução linear. Assim, numa primeira fase, a Educação Infantil teria
tido uma função médica, depois assistencial e, hoje, educacional.

O que cabe avaliar e analisar é que, no processo histórico de


constituição das instituições pré-escolares destinadas à infância
pobre,o assistencialismo, ele mesmo, foi configurado como uma
proposta educacional específica para esse setor social, dirigida para a
submissão não só das famílias, mas também das crianças das classes
populares. Ou seja, a educação não seria necessariamente sinônimo
de emancipação. O fato de essas instituições carregarem em suas
estruturas a destinação a uma parcela social, a pobreza, já representa
uma concepção educacional.

Dessa maneira, não podemos acreditar que uma proposta que


tenha o objetivo de cuidar e assistir a criança, não a esteja educando,
pelo contrário, estará educando-a "de uma determinada maneira: disci-
plinando-a para o tempo e o ritmo do capital" (Faria, 1993). A partir
disso, percebemos que a Educação Infantil, desde o seu
aparecimento, já apresentava elementos de seleção entre crianças de
diferentes classes sociais.

UNIDADE IV

36
Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil: educação
compensatória do século XXI?

Em 1998 é elaborado o Referencial Curricular Nacional de Edu-


cação Infantil (RCNEI, 1998), sendo o primeiro documento curricular
nacional para a faixa etária de zero aos seis anos. Hoje a criança com
seis anos está inserida no Ensino Fundamental.

Apesar de o MEC apontar que o referencial é uma proposta


aberta, flexível e não obrigatória e que cabe às instituições e às
pessoas envolvidas com a educação das crianças pequenas sua
incorporação ou não, acreditamos que isso não é bem assim; uma
proposta do MEC pode influenciar e, até mesmo, determinar o trabalho
em muitas instituições, já que tem muita força e poder. Sobre esse
fato, Kuhlmann Jr. (1999), ao fazer uma análise do referencial, aponta
também essa questão. Compartilhamos sua opinião quando diz que

o Referencial Curricular Nacional terá um grande impacto.A ampla


distribuição de centenas de milhares de exemplares às pessoas que
trabalham com esse nível educacional, mostra o poder econômico do
Ministério da Educação e seu interesse político, muito mais voltados
para futuros resultados eleitorais do que preocupados com a triste
realidade das nossas crianças e instituições. Com isso, a expressão
no singular - referencial - significa, de fato, a concretização de uma
proposta que se torna homogênea, como se fosse única (p.52).

Dessa maneira perguntamos: será que a proposta é aberta e


flexível?

37
Analisando a estrutura do referencial, verificamos que foi organi-
zada da seguinte maneira: é dividido em três volumes, o primeiro é
introdutório, o segundo foi denominado Formação Pessoal e Social e o
terceiro, Conhecimento do Mundo, sendo este último, dividido em
eixos, de trabalho: movimento, música, artes visuais, linguagem oral e
escrita, natureza e sociedade e matemática.

Em primeiro lugar, acreditamos que esses eixos revelam uma li-


mitação, na medida em que o trabalho fica restrito ao cumprimento
dessas áreas. Além disso, o conhecimento foi dividido e fragmentado
como ocorre na escola, já que esses eixos, na verdade, representam
as famosas disciplinas do Ensino Fundamental. Ter uma nomenclatura
diferente não significa nada, pois, ao analisarmos esses eixos,
verificamos que eles não diferem da estrutura disciplinar, tão criticada
e mantida até hoje nas nossas escolas.

Esses eixos são organizados da seguinte maneira: objetivos,


conteúdos, orientações gerais para o professor e observação, registro
e avaliação formativa. Assim, identificamos que a proposta está longe
de ser aberta e flexível, pelo contrário, é fechada e restrita.

Ao discutir as incoerências e ambiguidades da proposta,


Cerisara (1999) mostra através de alguns pareceres que o texto,
muitas vezes, afirma algumas idéias. Entretanto, ao longo da estrutura
e do conteúdo, estas acabam sendo negadas. Sobre a questão da
limitação da estrutura, Cerisara aponta a opinião de um dos pareceres:

A proposta, mesmo se dizendo aberta e flexível, acaba por


enfraquecer a diversidade, empobrecer a cultura, minimizar a
educação (...) Ele se diz flexível, mas não é. Apresenta suposta

38
correspondência linear entre objetivo, atividade, conteúdo e avaliação,
que fica distante da prática (Parecer 17), (p.38).

Em segundo lugar, essa organização de trabalho para o cuidado


e educação das crianças pequenas acaba antecipando o modelo
escolar, o ensino, sendo uma proposta escolarizante. Sobre esse fato,
Cerisara ( 1999) traz a seguinte observação que foi apontada por um
dos pareceres:

O aspecto de maior consenso e preocupação entre os


pareceristas com relação ao RCNEI foi o de que a Educação Infantil é
tratada no documento como ensino, trazendo para a área a forma de
trabalho do Ensino Fundamental. O que representa um retrocesso em
relação ao avanço já encaminhado na Educação Infantil de que o
trabalho com crianças pequenas em contextos educativos deve
assumir a educação e o cuidado enquanto binômio indissociável e não
o ensino (p.28).

Esse modelo de escola já criticado para a educação das crianças


maiores é trazido para a educação das crianças pequenas, o que é
uma catástrofe, pois sabemos que, ao ingressarem no Ensino
Fundamental, elas deixam de ser crianças e viram alunos. Essa
proposta é trazida para a Educação Infantil como se fosse viável
também para essa faixa etária e, com isso, esquecem-se as
necessidades, as curiosidades e os interesses que são próprios de
cada fase.

Essa organização de trabalho acaba se reduzindo à transmissão


de conteúdos escolares e na avaliação dos mesmos para se verificar
os resultados. Destacando a questão da avaliação, verificamos que
ela se faz presente em todo o referencial, é colocada no âmbito de

39
experiência, volumes 2 e 3, e nesse último, ela se apresenta ao final
de cada eixo de trabalho. O único aspecto que difere entre a versão
preliminar e a final é a nomenclatura, pois, na primeira, ela foi
colocada como critérios de avaliação; na segunda; como observação,
registro e avaliação formativa. Além disso, cabe ressaltar que a
avaliação é colocada no documento a partir da faixa etária da criança,
sendo listados critérios de avaliação que deverão ser contemplados
em cada uma dessas faixas etárias. Na versão preliminar, essa divisão
é mais explícita e pode ser vista nos seguintes eixos de trabalho:
música, matemática, linguagem oral e linguagem escrita, enquanto, na
última versão, ela também aparece, mas de uma outra forma. Por
exemplo, no eixo de trabalho com a matemática encontramos a
seguinte referência em relação à avaliação:

São consideradas como experiências prioritárias para a


aprendizagem matemática realizada pelas crianças de zero a três anos
o contato com os números e a exploração do espaço. (...) A partir dos
quatro, uma vez que tenham tido muitas oportunidades na instituição
de Educação Infantil de vivenciar experiências envolvendo
aprendizagens matemáticas, pode-se esperar que as crianças utilizem
conhecimentos da contagem oral, registrem quantidades de forma
convencional ou não convencional e comuniquem posições relativas à
localização de pessoas e objetos (RCNEI. 1998, p.238).

Esse tipo de orientação está presente nos demais eixos de


trabalho. Dessa maneira, perguntamos: se a criança não conseguir
atingir tais critérios estabelecidos dentro da faixa etária e do tempo
estabelecido, como será avaliada? Como será vista pelos
educadores? Será rotulada como tendo problemas de aprendizagem?
Será deficiente? Que tipo de imagem essa criança terá que carregar?
40
No momento em que estabelecemos critérios de "excelência" e
um padrão de criança, estamos contemplando e respeitando as
diferenças? Será que todas as crianças são iguais e crescem no
mesmo ritmo?

A avaliação, da maneira como aparece, acaba se tornando um


instrumento forte e presente nesse momento da educação, podendo
trazer consequências negativas às crianças. Não queremos uma
avaliação classificatória e seletiva na educação, pelo contrário,
almejamos uma avaliação que auxilie o trabalho do professor e que
favoreça o crescimento da criança e não sua exclusão, e isso não
deve se restringir à educação das crianças pequenas, mas deve ser
válida para todos os níveis escolares.

Ainda, não queremos esse modelo de educação para as nossas


crianças, por trazer várias consequências para a formação humana:
ele reduz o processo de construção de conhecimentos à memorização
de conteúdos escolares e fragmentados e separa a cabeça e o corpo
do indivíduo, valorizando apenas o cognitivo e desvalorizando o corpo.
É importante ressaltar que, na nossa sociedade, a concepção de
cognitivo é reduzida à aquisição de alguns conhecimentos e
habilidades. Entendemos que esse conceito é mais amplo e que
abrange outras dimensões humanas, como o lúdico, o jogo, a
brincadeira, a fantasia, a criatividade, o sonho, o movimento, etc. No
entanto, são pouco valorizadas tanto na sociedade, quanto na maioria
dos espaços educativos.

Assim, ao colocar o ensino como a proposta para o cuidado e


educação das crianças pequenas, acaba reduzindo a experiência, a

41
vivência e a autonomia das mesmas, já que não há espaço para essas
manifestações, pois o tempo se reduz à aprendizagem dos eixos de
trabalho. Assim, estamos respeitando a infância ou não?

Ignorando as características mais marcantes da infância, em que


preponderam a afetividade, a subjetividade, a magia, a ludicidade, a
poesia e a expressividade, o RCNEI apresenta um enfoque que
prioriza a mente sobre o corpo e afeto, o objetivo sobre o subjetivo, o
conhecimento sobre a vivência e experiência, o abstrato sobre o
concreto, o produto sobre o processo, a fragmentação sobre a
globalização, o pensamento sobre a expressão.

Uma proposta de educação que valoriza o domínio de conteúdos


escolares, o desenvolvimento de capacidades e habilidades e não
reconhece as outras dimensões do ser humano, acaba se reduzindo a
um modelo escolarizante que antecipa a organização do trabalho da
escola. Quando se trata da criança pequena isso é mais grave, já que,
nesse momento de sua vida, ela deveria ter o direito ao lúdico, à
brincadeira, ao jogo, à fantasia, enfim, a diversas experiências que
fazem parte dessa faixa etária. No período da infância, o trabalho da
criança deve ser a brincadeira e não a memorização de conteúdos
escolares.

Se por um lado, o lúdico e a brincadeira são colocados no


referencial, o que significa um avanço, por outro, têm um enfoque
escolarizante, ou seja, o ato de brincar fica restrito ao desenvolvimento
de capacidades e objetivos didáticos. É a "didatização do lúdico".

Há uma fragmentação e uma separação entre aprender e


brincar, como se a brincadeira não fosse um momento em que
42
ocorresse aprendizagem. Parece que a brincadeira fica colocada em
segundo plano e só é valorizada se existe um objetivo escolar
embutido nela. Assim, acaba virando um meio ou um instrumento
utilizado para desenvolver habilidades e trabalhar conteúdos. A
brincadeira não é vista como um direito da criança, não é valorizada
no sentido de proporcionar a ela a vivência de diversas experiências e
trocas, o imprevisto, a produção de conhecimentos e da cultura
infantil, a autonomia, o prazer, a felicidade. Enfim, diversos motivos
que não são mencionados e valorizados no Referencia!.

Dessa maneira, essa proposta do MEC está caminhando em


sentido contrário à valorização e ao respeito à infância, já que os
direitos das crianças não estão sendo contemplados plenamente, mas
o que se percebe é uma antecipação do modelo escolar,

sendo assim, (o documento) não colabora para a formação de sua


cidadania nem para seu direito de ser feliz, tornando-as apenas alunos
abstratos sem garantir-lhes o direito à infância na sua plenitude,
podendo viver todas as dimensões humanas antes de serem
fragmentadas, podendo brincar, conhecer e fazer história sem deixar
de ser criança de fato e não no discurso (como ocorre no documento),
enquanto criança concreta (pobre, rica, com necessidades especiais,
branca, negra, indígena, menino, menina, migrante, estrangeira,
brasileira, rural, urbana, litorânea, etc, etc,) ser educada e cuidada
como ser único, capaz, completo e indivisível (Parecer 2, Cerisara,
1999, p.30).

O RCNEI representa uma proposta nova na área, na medida em


que é o primeiro documento curricular nacional para essa faixa etária;
por outro lado, é antiga, por trazer novamente para a Educação Infantil
a ênfase nos conteúdos, na alfabetização, na escolarização. Até hoje,
43
o ideário veiculado sobre a educação das crianças pequenas, além de
colocá-la como a solução para prevenir o fracasso escolar no Ensino
Fundamental, aponta que ela pode ajudar a melhorar os problemas
sociais.

Assim, percebemos que há muitas expectativas por parte da so-


ciedade em relação à educação pré-escolar, como se esse momento
pudesse garantir o sucesso das crianças na escola e na vida.

Dessa maneira, verificamos que o conteúdo não mudou, apenas


a linguagem é outra. Enquanto na educação compensatória era mais
explícita, no referencial é colocada de outra forma, porém, no fundo, a
mensagem é a mesma: há um modelo de criança almejado que deve
ser seguido e alcançado no tempo e ritmo determinados. Assim, o
respeito à diversidade, às diferenças, que é colocado várias vezes,
não passa de um mero discurso, pois, analisando todo o documento,
verificamos que a proposta se contradiz.

Acreditamos que não é justo transferir responsabilidades e obje-


tivos para a pré-escola que não lhe cabem, como, por exemplo, suprir
as falhas do Ensino Fundamental ou de objetivos mais amplos, gerais
e de ordem social, pois ela possui sua própria natureza e
especificidade na realização do seu trabalho.

Observando o cotidiano

Acreditamos que a melhor maneira de verificar como ocorre esse


fenômeno é observá-lo na prática, ou seja, vivenciar o contexto no
qual ele está inserido. Isso supõe um contato direto, um
acompanhamento sistemático da realidade. A vida cotidiana é

44
impregnada de significados e conteúdo histórico e, nesse sentido, é
observável. Sobre a importância da observação, Ludke (1986) nos
esclarece que esse método, ao possibilitar um contato direto entre o
professor e a criança revela uma maneira muito boa de aproximação
de ambos. A experiência direta é sem dúvida o melhor teste de
verificação da ocorrência de um determinado fenômeno, acrescenta.
Outro recurso complementar é o uso de desenhos feitos pelas
crianças. Através de desenhos, é possível identificar a representação
que as crianças fazem do espaço escolar, ou seja, como o veem,
pois vivendo e convivendo, a criança vai atribuindo significados e
construindo sua própria imagem em relação às diversas experiências
a que tem acesso. Portanto, acreditamos que a construção dessa
representação se dá a partir da interação dela com o contexto em que
vive.

Esse recurso pode trazer mais informações e revelações sobre


a visão das crianças em relação ao espaço em que vivem e convivem,
o que seria um dado relevante para ajudar o professor a
compreender o fenômeno da avaliação na ótica dos sujeitos que são
diretamente afetados por ela.

Além desses instrumentos de pesquisa, utilizamos outras fontes


na compreensão do tema abordado, como pesquisas bibliográficas, o
Projeto Pedagógico Escolar da EMEI, a Proposta Curricular Nacional
de educação infantil do MEC e leis que dizem respeito à criança.

45
UNIDADE V

As Famílias: o que esperam da Educação Infantil?

A organização do trabalho pedagógico é centralizada pela


professora, ou seja, as atividades são planejadas e definidas por ela,
dessa maneira, não são pensadas a partir dos interesses e das
necessidades das crianças. Assim, a professora determina o que será
realizado, de que maneira, o ritmo, enfim, tudo é decidido por ela. A
rotina e o trabalho que é realizado expressa uma preocupação com os
conteúdos escolares, onde as propostas valorizam e envolvem os
seguintes conhecimentos: letras, palavras, números, leitura, etc.

O enfoque é a aprendizagem de conteúdos escolares. Na


verdade, as áreas de conhecimento que são trabalhadas, são as
famosas disciplinas do currículo das escolas de Ensino Fundamental.
Essa abordagem acaba tendo o objetivo de preparar a criança para a
escola, e, com isso, antecipa o modelo de trabalho da mesma.

Há uma dicotomia entre jogo e trabalho, já que o jogo e outras


experiências e vivências, como o lúdico, a brincadeira, o movimento, a
fantasia, o prazer, a autonomia, enfim, as diversas manifestações
humanas, fogem às regras estabelecidas, não são valorizadas como
produtoras de conhecimento, apenas o trabalho na sala é reconhecido
como tal. Assim, o trabalho fora da sala se constitui como a exceção,
enquanto o trabalho dentro dela é a regra e o tempo, sempre maior.

46
As atividades da escola são vistas como "coisa séria", enquanto que
brincar e jogar ficam em um plano secundário”.

Será que não deveria ser o contrário? Será que o trabalho com
crianças pequenas ou não, não deve levar em consideração as
necessidades e interesses da faixa etária? Será que uma criança de
quatro, cinco anos não é mais criança? Será que não precisa brincar?
Na maioria das escolas a vivência das diversas dimensões humanas é
exceção e não a regra na educação das crianças pequenas.

A organização do trabalho pedagógico e da instituição está


comprometida com a forma usual de organizar o Ensino Fundamental,
não só como objetivo e conteúdo, mas como forma de conceber e
organizar o espaço da instituição e da sala.

É nesse processo que a avaliação está inserida; nas palavras de


Freitas (1995), "avaliação mistura-se com o processo instrucional sen-
do difícil estabelecer uma separação entre eles" (p.191). No entanto,
passaremos a discuti-Ia nesse momento com maior profundidade, já
que é a questão central e a preocupação desse trabalho. A avaliação
é um dos elementos da organização do trabalho pedagógico e, dessa
maneira, será analisada dentro desse contexto maior.

Ao acompanhar o trabalho no pré G, a autora Elizandra Godoi


observou que este era centralizado nas mãos da professora. Assim, a
palavra era sua, era ela que determinava o que ia acontecer, o que
podia e o que não podia ser feito. A ordem era uma questão central na
sala, pois era cobrada constantemente no decorrer da realização das
atividades.

47
O controle era grande, as crianças deveriam fazer as atividades
em silêncio, sem brincar e sem sair do lugar. As manifestações que
fugiam à regra estabelecida eram censuradas. A autora destaca
alguns episódios que mostram o controle na sala durante o processo
de trabalho:

Enquanto organizava os materiais as crianças conversavam.


P: - "Enquanto eu não ouvir o silêncio, nós não vamos à praça. Gui, eu
quero ouvir o silêncio se não nós não vamos".
As crianças faziam alguns segundos de silêncio e logo em seguida
voltavam a falar.
P: - "Eu não estou ouvindo o silêncio".
Começou a entregar os cadernos e as crianças foram terminando os
seus desenhos.
P: - "Olha a mesa, já tem caderno, lápis e agora boca fechada. Depois
nós vamos ao parque se não der para acabar nós não vamos sair".
A professora continuou entregando os cadernos.
P: - "Nessa mesa (outra) já tem caderno, lápis e agora vai ficar com a
boquinha fechada. Para desenhar não dá para falar, tem que pensar".
Para as crianças que haviam faltado no dia do teatro, a professora
entregou atividades que estavam atrasadas.
P: - "Eu acho que não vai ser legal, tá falando muito".
Continuava distribuindo os materiais.
P: - "Pri, Sa" (chamando atenção).
P: - "Olha se não der tempo de terminar, não dá para ir à areia. Quem
não terminar vai ficar aqui terminando". (grifo da autora).

A professora começou a recontar a história com a ajuda das crianças.


Ela falava um pouco e pedia às crianças para ajudá-la. Elas participavam,
mas, de vez em quando, algumas conversavam, brincavam e a professora
chamava a atenção. Quando terminou de contar a história pediu para todos

48
sentarem nas mesas. E foi em direção ao mural onde havia figuras e
palavras sobre o tema família. Nisso disse:
- "ô Ad e o Fe estão conversando. Ô Ad, pode mudar de lugar, fica
sozinho nessa mesa”. (grifo da autora)
Voltou ao mural, falou rapidamente sobre a família e disse que iam co-
meçar a estudar as profissões.

A partir desses exemplos, verifica-se que o controle era fre-


quente, e a palavra não era permitida às crianças, mas, apesar disso,
elas conversavam. Porém, no momento em que isso ocorria, a pro-
fessora M chamava a atenção, fazia ameaças e, para evitar o barulho,
mudava algumas crianças de lugar. Essa postura não ocorre por aca-
so: por trás dela há uma visão de educação, de construção de
conhecimento. A fala da professora revela que, para que a criança
aprenda, para que faça as atividades, ela deve ficar em silêncio, não
pode trocar idéias, caso contrário, ela não prestaria atenção ao
trabalho e não estaria aprendendo: "Para desenhar não dá para falar,
tem que pensar!, ou, "Para fazer bolinhas não precisa falar!”, como se
o silêncio fosse necessário para haver aprendizagem. Nessa perspec-
tiva, a relação com o conhecimento é individual, o trabalho coletivo
não é valorizado, as trocas de experiências não são reconhecidas e
importantes nesse processo. Ainda, nessa concepção, é apenas a
professora (o adulto) que detém o conhecimento, as crianças não.

Assim, além de não poderem conversar, deveriam permanecer


sentadas. Isso quer dizer que o corpo não poderia se movimentar.

Conversar e sair do lugar não eram permitidos, brincar na sala,


muito menos. Nesse espaço só era permitido o trabalho determinado
pela professora e, portanto, não havia espaço para outras manifesta-

49
ções, como a brincadeira, o jogo, o movimento. As crianças que não
seguiam essa ordem eram controladas.

A avaliação pode aparecer de duas maneiras na escola. A


avaliação formal, classificando a criança através de notas ou
conceitos, e a avaliação informal, controlando a disciplina e os
valores/atitudes das crianças.

A avaliação se misturava com o processo de construção de


conhecimento, pois, no momento em que a professora fazia uma
observação sobre o trabalho da criança, estava emitindo um juízo de
valor. Ao dizer jóia, lindo, muito bem, estava fazendo uma avaliação.
No entanto, ela não era feita para medir os resultados dos trabalhos e
para compará-los. A professora M nãorealizou uma avaliação negativa
do trabalho da criança; dizer, por exemplo, que estava feio, ruim,
algum tipo de comentário que pudesse humilhá-la e diminuir sua auto-
estima. Não colocava símbolos, ou qualquer mensuração que pudesse
diferenciar os trabalhos e classificá-los como mais bonito, menos
bonito, por exemplo.

As crianças gostam de mostrar e exibir o que fazem. Isso não é


feito em função de passar de ano, como geralmente ocorre no Ensino
Fundamental. Isso ainda ocorre porque, nessa etapa, não há uma
avaliação sistemática, formal e regulamentada, que pressione a
criança, que a classifique, que a compare e que determine seu futuro
escolar, ou seja, se vai ser aprovada ou não. É claro que isso não
garante uma prática diferente, pois sabemos que muitas pré-escolas
avaliam as crianças de maneira formal, chegando a reprová-las.

50
Assim, o fato de não existir uma avaliação formal não impede a
ocorrência de um outro tipo de avaliação, a avaliação informal, que
pode ser igual ou até mesmo mais dura e cruel para a criança que a
própria avaliação formal. No entanto, o fato de não existir a
legitimação de uma avaliação formal que possa aprovar ou reprovar a
criança na Educação Infantil é muito benéfico, apesar de não garantir
na prática seu real cumprimento.

Na prática da professora M, a avaliação formal não estava


presente, embora ela emitisse juízos de valor ao trabalho das
crianças, dando um retorno. Porém, isso não se caracterizava de
maneira formal. A avaliação praticada pela professora M era informal e
pública, e ocorria no sentido de valorizar a produção da criança e não
de desvalorizá-la.

Além da avaliação instrucional, a avaliação disciplinar e do


comportamento também estavam presentes, no entanto, era mais
forte, mais frequente e controlava as crianças. A professora tentava
manter uma certa ordem, um certo silêncio na sala e, para isso,
chamava a atenção das crianças que conversavam ou brincavam, ou
seja, que não apresentavam o comportamento desejado por ela.

Assim, na tentativa de conseguir o controle da situação, utilizava


como recurso recompensas ou punições, através de algumas
ameaças. O alvo tocado era o parque, a praça ou a brincadeira. Para
mostrar como ocorria, foi destacado do diário de campo um episódio:
As crianças desenhavam, a professora organizava os materiais,
passava nas mesas e de vez em quando ela pedia silêncio e falava:
- "Chega, olha o parque"!

51
- "Para o desenho ficar bonito, tem que ficar com a boquinha fechada".
De repente, começou a chover e uma criança disse:
- "Está chovendo, não vai dar para ir ao parque".
P: - "Se vocês ficarem quietos, eu dou brinquedo para vocês
brincarem aqui na sala".
Enquanto as crianças desenhavam, também conversavam e, de vez
em quando, a professora pedia silêncio. Às vezes, falava:
- "Eu ia dar brinquedo agora, mas com esse barulho"...

Podemos observar, a partir desse episódio, que a professora


tentava manter a "disciplina" na sala, porém, durante todo o tempo, as
crianças trocavam idéias, contavam histórias, conversavam,
movimentavam-se, inventavam brincadeiras, fantasiavam, enfim,
relacionavam-se, apesar dos limites que eram impostos.

Durante as atividades, era constante essa troca, no entanto, a


professora tentava controlar todas as manifestações que ocorriam.
Muitas vezes, acabava fazendo ameaças e chantagens com as
crianças e, para isso, usava o parque como instrumento. O brincar,
além de ser restrito a esse momento, acabava sendo desvalorizado e
colocado em segundo plano, como se fosse menos importante que o
trabalho na sala, ou ainda, como se fosse um prêmio e não um direito
da criança.

Verifica-se que o parque acabou representando um recurso uti-


lizado pela professora com duplo sentido. Ou virava recompensa, ou
castigo, ou seja, se a criança obedecesse às ordens iria brincar
(ganhava a recompensa), caso contrário, ficaria sentada no parque
olhando seus colegas brincarem (castigo). Apesar disso, por mais que
a professora tivesse essa atitude, quando chegava o momento de elas

52
brincarem, dificilmente não permitia. Na maioria das vezes, ela
acabava não cumprindo as ameaças prometidas.

O mesmo ocorria em relação aos brinquedos que, às vezes, era


proporcionado às crianças:
A mesa da Bi, havia terminado e a professora deixou que elas
pegassem brinquedos. Nisso o Ad viu e pediu para brincar. Ele já tinha
terminado.
P: - "Pode ficar com elas, agora vamos sossegar".
P: - "Quem estiver quieto vai ganhar brinquedo".
A mesa do Ka terminou e a professora deixou que pegasse
brinquedos.
P: - "Pode pegar, vamos ficar quietos".
Aos poucos todas as mesas foram terminando e pegando brinquedos,
apenas a mesa da Pa ficou terminando a atividade e não deu tempo de
brincarem. As crianças brincaram uns 10 minutos, já estava na hora do
lanche e a professora pediu que guardassem os brinquedos.A professora
pediu silêncio e que abaixassem a cabeça. P: - "Eu estou ouvindo barulho,
Gui".

Esses episódios mostram que, além de o brinquedo ter sido usa-


do como um instrumento de controle, também era colocado como
sendo menos importante que a realização das atividades. Isso porque,
apenas quando a criança terminava a tarefa determinada, podia
brincar, ou seja, se sobrasse algum tempo. Essa postura revela que o
lúdico é visto como uma experiência secundária no espaço
institucional.

E quando brincavam, percebe-se que era com os mesmos brin-


quedos, pois sempre a professora entregava aqueles que ficavam em
cima do armário. As crianças brincavam sentadas e esparramavam os

53
brinquedos em cima da mesa. Mesmo nesse momento, não havia
liberdade e espaço para conversarem e brincarem à vontade.
Observamos algumas falas da professora nesse momento: "pode
pegar, vamos ficar quieto", "pode ficar com elas, agora vamos
sossegar". Assim, mesmo quando permitia que as crianças
brincassem, havia seu controle e intervenção (as crianças não
deveriam sair do lugar, conversar). Ainda, era ela que determinava
quem ia brincar, com qual brinquedo e o tempo (geralmente era
restrito, ficando apenas ao final de alguma atividade).

Não foi observado as crianças brincarem com outros brinquedos,


com jogos e mesmo com aqueles que ficavam no fundo da sala. Ao
contrário, estes sempre eram os mesmos. Além disso, brincar era algo
raro. Poucas vezes presenciamos as crianças brincarem sem ser no
parque. Geralmente, quando terminavam algum trabalho, era frequen-
te a professora entregar outra atividade ou verificar se a criança tinha
alguma atrasada ou incompleta para terminar:

Para as crianças que foram terminando, a professora ia


entregando várias letras do alfabeto (de papel) para que elas
formassem o nome. Depois de formados elas colariam no caderno e
copiariam quatro vezes logo abaixo. Durante todo esse momento, a
professora passava nas mesas, colocando materiais e ajudando as
crianças. Algumas crianças foram mais rápidas, conseguiram terminar
logo e começaram a conversar e a brincar. A mesa do Ro foi a que
terminou primeiro e os meninos conversavam bastante,A professora
disse: - "A mesa do Ro não vai ganhar", (DC, O 1/03)

A professora entregou outra atividade para aqueles que tinham


terminado e não tinham tarefa atrasada. Era uma folha com um

54
desenho de um rosto, no qual as crianças deveriam escolher um
colega e desenhar seu rosto. (DC, 23/04)

Outra prática que a professora começou a utilizar para controlar


a "disciplina" foi a de marcar ou mandar alguma criança anotar o nome
daquelas que conversavam, brincavam ou que saiam do lugar. Além
de não funcionar, pois se observou que as crianças ficavam apenas
alguns segundos quietas, essa postura não era viável, criava um
ambiente desagradável, estimulava um clima de vigia entre as próprias
crianças, de controle, de competição, de inimizades, pois, ao invés de
serem amigas e compartilharem um momento prazeroso juntas, essa
atitude acabava comprometendo a amizade, já que uma começava a
denunciar a outra.

Além do controle exercido pela professora sobre as crianças,


percebeu-se que havia em vários momentos, um controle entre as pró-
prias crianças, ou melhor, algumas tentavam exercer um poder sobre
as outras. No momento em que a professora mandava uma criança
vigiar e anotar o nome da outra, acabava estimulando isso. O exemplo
a seguir evidencia como as crianças tentavam controlar seus colegas:
A professora passava nas mesas e continuava ajudando as crianças.
O Ad pegou a espada que havia dentro de uma caixa, mostrou para
mim, para o Ig e guardou em seguida. O Ig se levantou e foi contar para a
professora.
P: - "Vai sentar Ad" (brava).
O Ad começou a escrever seu nome no alto da folha. Olhava para a
ficha com o seu nome e copiava. Mostrou para mim e disse que havia
copiado da ficha.
Ig: - "Não pode copiar".

55
O Ad não ligou e começou a falar sobre o seu saquinho que estava
pendurado no varal e tinha os seus trabalhos.
- "Olha é meu" (colocou a mão no saquinho).
Ig: - "Pro, o Ad está mexendo no saquinho".
P:- "Se mexer no saquinho e estragar eu não vou dar outro" (brava).
(DC, 02/06)

Quanto à avaliação dos valores e atitudes exercida pela


professora, observou-se que ela ocorria em estreita relação com a
avaliação disciplinar, pois, no momento em que ela exigia um tipo de
comportamento, emitia um juízo de valor. Por exemplo:
A professora pedia silêncio e fazia alguns comentários:
- "Ra, agora não, só na brincadeira pode conversar". (DC, 10/03)
A professora passava nas mesas e pedia silêncio:
- "Para o desenho ficar bonito, tem que ficar com a boquinha fechada".
(DC, O I /03)

Nesses episódios, observou-se que, na tentativa de a


professora controlar o comportamento da criança, a ordem, era
transmitia certos valores. Quando a professora chama a atenção das
crianças e pede silêncio, relacionando esse fator à produção de
conhecimento, está transmitindo certos valores. Quando diz que, para
que o trabalho fique bom, é necessário ficar quieto, sem conversar,
essa fala está carregada de valores; ou quando diz: "Só na brincadeira
pode conversar", está mostrando que na sala a conversa, a troca não
podem ocorrer, a sala é um local sério e não há espaço para
conversar, apenas no momento da brincadeira essa manifestação é
permitida; ou quando fala: "Não é para emprestar, cada mesa vai ter o
seu". Todos esses comentários estão sendo incorporados pelas

56
crianças e estão formando uma conduta e uma postura nesses
indivíduos. A postura não é neutra, mas carregada de valores sociais.

Não só nesses exemplos, mas em vários que foram apresenta-


dos, percebe-se que a avaliação de atitudes estava presente. Dessa
maneira, notou-se que, em vários momentos, as três faces da
avaliação se articulavam e se misturavam num mesmo episódio.
Assim, como já apontamos, o espaço educativo não trabalha apenas
com os conteúdos e conhecimentos sistematizados, vai além disso.
Transmite normas, valores, enfim, forma os indivíduos e uma maneira
de estarem e viverem na sociedade.

A avaliação disciplinar, de valores e atitudes era mais frequente


que a avaliação instrucional, pois, a todo momento, era cobrado um
certo comportamento das crianças, uma certa conduta e postura,
como se, nesse momento, fosse mais importante adaptá-la às normas
e às regras do modelo escolar, e não tanto à vivência, à experiência e
à construção do conhecimento.

A partir de toda essa descrição, podemos constatar que a


postura controladora da professora e a realização de uma avaliação
constante do comportamento e das atitudes das crianças revelam que
havia pouco espaço e respeito para as diferenças. Aquelas que eram
diferentes e não se encaixavam no padrão desejado eram punidas,
sentavam sozinhas, ou perdiam alguma coisa: brincar no parque, na
sala e fazer educação física. No Projeto Político da Escola há a
seguinte afirmação em relação aos objetivos da Educação Infantil:

Oportunizar condições de estimulação para que a criança


desenvolva sua autonomia, cooperação, criticidade, criatividade, auto-

57
estima, responsabilidade, independência, capacidade de resolução de
problemas, respeitando a bagagem cultural de cada uma e oferecendo-
lhe condições para analisar e avaliar suas ações juntamente com o
grupo.

A realidade, entretanto era outra, mostrava que a


heterogeneidade não era permitida, pois, a todo o instante havia uma
prática que tentava moldar os indivíduos a padrões e a um modelo de
criança. Aquela que resistia e tinha dificuldade para se encaixar na
ordem estabelecida, acabava sendo ameaçada ou penalizada. Assim,
como a criança vai desenvolver as habilidades almejadas no PPE,
como a autonomia, a independência, a criatividade, a criticidade, a
cooperação, num espaço em que não havia oportunidade para falar,
se expressar, trabalhar coletivamente, criar, fantasiar, enfim, vivenciar
todas essas dimensões? Isto é quase impossível.

Ampliando nossas observações sobre a organização do trabalho


pedagógico e sobre a avaliação, além do pré G, é fácil concluir que de
uma maneira geral as professoras seguiam o mesmo padrão de traba-
lho, já que o planejamento era decidido coletivamente. Geralmente as
salas seguem a mesma rotina e os mesmos rituais, ou seja, as filas, a
cobrança da ordem, as crianças devem permanecer nos lugares e em
silêncio, o controle, as ameaças. Há um estilo de organização do
trabalho pedagógico que perpassa toda a instituição.

A seguir, discutiremos as expectativas dos pais, o que pensam


sobre a educação nesse momento da vida das crianças.

58
Além dos educadores e das crianças, os pais constituem sujeitos
importantes, já que eles participam do processo educativo e possuem
expectativas em relação à educação de seus filhos.

A questão sempre colocada pelas professoras era: os pais que-


rem que seus filhos sejam alfabetizados no pré.

Segundo os pesquisadores, esses desejos dos pais eram


mencionados no Plano Pedagógico Escolar (PPE), nas reuniões de
professores, de pais e nas conversas com as professoras.

No PPE, por exemplo, quando a família é citada, há algumas


colocações em relação às suas expectativas, das quais destacamos
as seguintes: "Preparação para o Ensino Fundamental - iniciando a
alfabetização"; "Buscam um futuro melhor para a criança".

Além disso, logo no início do ano, quando a pesquisadora teve a


primeira conversa com a professora M, ela fez o seguinte depoimento:

A alfabetização no pré é um desejo muito grande dos pais e, na


primeira reunião, eu perguntei a eles o que esperavam do pré e as
respostas foram nessa direção, mostraram expectativas em relação à
alfabetização e à preparação da criança para a 1ª série.

Percebeu- se que essa questão é uma preocupação presente na


prática da professora.

Ainda, em algumas reuniões de professores, esse assunto


aparecia. Foram registrados os seguintes comentários de algumas
professoras: "No infantil os pais já estão cobrando que as crianças
aprendam as letras"; "Os pais fazem comparações entre as escolas".

59
Essas questões foram sendo colocadas várias vezes, até que,
na segunda reunião de pais, as professoras combinaram que
gostariam que fosse discutido com eles a questão da alfabetização
no pré. Foi decidido que a reunião seria dividida em dois momentos.
No primeiro momento, a Orientadora Pedagógica falaria com todos os
pais do pré de cada período e, depois, no segundo, a reunião
continuaria com a professora na sala de aula.

Analisando as respostas em relação à Educação Infantil,


verificamos que 82% das crianças frequentaram esse momento da
educação, e apenas 17% não o frequentaram. Se compararmos a
porcentagem das crianças que frequentaram a creche, o maternal e o
infantil, verificamos que houve um crescimento. Isso mostra que os
pais acreditam que, quanto menor a criança, menos necessário o uso
da instituição, sendo mais desejado quando esta é maior.

Quanto às repostas dos pais, encontramos os seguintes motivos


em relação às crianças que não frequentaram o infantil:

 Não achavam necessário;


 A mãe não trabalhava;

60
 Nessa idade são necessários os cuidados da mãe;
 A criança frequentou escola particular;
 A criança não conseguiu vaga.

A partir dessas respostas, verificamos que, apesar de o número


ser pequeno em relação às crianças que não frequentaram o infantil,
os "motivos permaneceram os mesmos. Isso revela que uma parte das
famílias acredita que a educação em casa, com a mãe, é a melhor
opção para esse momento da vida das crianças. Esse ideário ainda
está presente e muito forte. Hoje, no entanto, apareceram outras
respostas que mostram indícios de uma outra concepção.

Para as crianças que frequentaram, as razões encontradas com


maior frequência foram:

 Preparação para a 1ª série;


 Aquisição de conhecimentos;
 Convivência com outras crianças;
 A mãe trabalhava fora.

A resposta que mais chamou a atenção foi aquela em que os


pais disseram que os filhos frequentaram o infantil para se prepararem
para a 1ª a série. Apesar de ter sido colocada poucas vezes, é um
dado que revela que os pais tomam o modelo escolar como
parâmetro, já que sua organização é baseada em séries.

Por que seu(sua) filho(a) está frequentando a educação Infantil?

61
Queremos ressaltar que, das respostas colocadas sobre a
preparação da criança para a 1ª série, em duas os pais acrescentaram
a importância da convivência com outras crianças. Ainda, das
respostas sobre a aquisição de conhecimentos, cinco acrescentaram a
convivência, uma, a brincadeira e outra, a disciplina.

Observando os dados da tabela, percebemos que 41 % das res-


postas apontaram que o filho está frequentando o pré para se preparar
para a 1ª série; em 24%, para adquirirem conhecimentos, em 12%,
para conhecerem os costumes da escola e outras. A partir desses
dados, verificamos que as respostas seguem uma mesma direção. A
única que difere é a que diz que a criança está frequentando o pré
porque ela gosta.

Acreditamos que as opiniões colocadas nessa questão são muito


próximas, pois, na medida em que os pais acham importante que a
criança adquira conhecimentos, que conheça os costumes da escola,
que adquira habilidades, na verdade, estão visando a uma
preparação. Se somarmos essas respostas, elas totalizam 77%. Isso

62
revela que o pré é visto, de uma maneira geral, como um momento
preparatório da criança para seu ingresso no Ensino Fundamental. A
brincadeira foi colocada apenas duas vezes no pré, mostrando que a
criança não está sendo vista como criança e sim como aluno. A
criança está precocemente deixando de ser criança para adquirir os
conhecimentos escolares. Essas respostas apontam que a sociedade
valoriza apenas alguns tipos de conhecimentos.

Podemos perceber que há uma preocupação dos pais em


relação à adaptação da criança na escola. As falas dos pais apontam
que a escola é rígida e que a criança poderá sofrer pressões para
aprender no tempo que lhe é determinado. Dessa maneira, parece que
a escola não é um local agradável, acolhedor, enfim, que respeita o
ritmo e o tempo de cada criança. Ao contrário, é um lugar em que a
criança pode se assustar, como diz uma mãe. Dessa maneira, foi
perguntado: por que será que já no pré é preciso a criança saber o
que é a escola? Por que o medo de a criança dar problemas? Por que
ela precisa se adaptar ao sistema?

O que você acha que a criança deve vivenciar e aprender na


Educação Infantil?

63
Para essa questão apareceram diversas respostas e, dessa
maneira, foram agrupadas em categorias maiores. As respostas foram
agrupadas em quatro categorias: aquisição de conhecimentos
sistematizados, lúdico, valores morais e outros.

De acordo com os dados da tabela, verifica-se que a maior parte


das famílias, 49%, acha que a criança deve adquirir conhecimentos
sistematizados, ou seja, conteúdos escolares ou preparatórios para
seu ingresso no Ensino Fundamental. 31% das respostas apontam
que a criança deve adquirir valores morais, como convivência com
outras crianças, respeito, responsabilidade, enfim, ter a vivência
dessas experiências. 16% apontam que na Educação Infantil a
criança deve brincar, desenhar, enfim, vivenciar o que chamamos de
lúdico e 4%, foram respostas diversas que não se encaixaram nas
categorias acima.

Ao analisar os questionários de uma maneira geral, os


pesquisadores perceberam que a preocupação central dos pais e que
está presente em todas as questões é que os filhos sejam
alfabetizados e preparados para ingressarem no Ensino Fundamental,
e essa função caberia à Educação Infantil, especificamente. O desejo
é que a Educação Infantil trabalhe com os conteúdos escolares, assim
a criança estará preparada para enfrentar a escola e ser bem-
sucedida.

Se famílias acreditam que a preparação precoce da criança pode


garantir um futuro promissor para ela. Sobre essas expectativas,
Freire (1989) afirma:

64
Quanto ao ensino propriamente dito, o que mais se espera é que
as crianças cheguem à 1ª série alfabetizadas. Há, no entanto, uma
parcela de pais que colocam seus filhos nas escolas para serem
orientados, desde o maternal, rumo à faculdade - um caminho de
direção única. Ao sucesso!”.

Estamos presenciando, cada vez mais cedo, a inserção e a


preparação da criança para o "exercício" do mundo adulto; preparação
essa para garantir um futuro melhor; assim, a educação é vista
novamente como a esperança para ocorrer uma mudança social.
Estamos vivendo um período onde a desigualdade se acentua e,
dessa maneira, a educação é colocada como a única via para que o
indivíduo garanta uma colocação no mercado de trabalho e tenha uma
vida melhor. Como se isso fosse suficiente. Esquece-se que nessa
sociedade não há lugar e oportunidade para todos (não há trabalho
para todos!), vivemos numa sociedade seletiva e excludente, onde o
esforço pessoal nem sempre é garantia suficiente.

A reprodução e a produção: um embate constante

É interessante observar que em todos os momentos da rotina,


apesar de a professora M sempre tentar controlar as crianças, tentar
manter uma ordem e uma disciplina, os pesquisadores verificaram
que as crianças tentam romper essas regras. Desde a entrada na sala,
até a saída, havia um embate e uma resistência em relação à
organização do trabalho que estava sendo praticada. As crianças
mostravam seus desejos, pois, ao mesmo tempo em que faziam o que
a professora determinava, também usavam o tempo "escolar" para
trocarem suas experiências e construírem conhecimentos que não
estavam no repertório da professora, apesar das limitações.
65
Apesar da reprodução e do limite que estava sendo colocado, os
sujeitos encontravam brechas e tentavam romper com as
determinações desse espaço. Assim, verificou-se que a criação
também fazia parte do repertório das crianças. Foram destacadas
duas cenas de vídeo para serem analisadas e para aprofundar a
discussão da produção e reprodução no espaço educativo. Essas
cenas foram escolhidas por mostrarem muito bem a existência dessa
contradição. A primeira é uma brincadeira de escolinha entre algumas
crianças que aponta a incorporação de valores e sua reprodução. Já a
segunda é uma brincadeira de casinha, em que as crianças criam e
rompem com as determinações estabelecidas pela sociedade. A
primeira cena ocorre da seguinte maneira:

Brincando de escolinha
As crianças estavam fazendo as atividades. A Pa, a Je e a Sil já tinham
acabado a tarefa. O Da que estava sentado com elas ainda fazia a atividade. A Pa
pega alguns livros de história que havia em cima do armário e leva para a mesa.
Ela diz para os colegas:
- "Eu era a professora. Quem quer esse levanta o braço" (ela começa a
mostrar os livros, fazendo uma votação, como a professora M faz).
Todos levantam o braço, inclusive o Da.
Pa: - "Quem quer esse?" (mostrava outro livro e todos levantavam o
braço). Ela mostrou três livros, depois escolheu um e começou a contar a
história. Começou a falar, de repente o Da diz:
- "O quê?"
A Pa fala alguma coisa para o Da e continua contando a história.
Nisso, a Je e a Sil começam a conversar. Quando a Pa vê, diz brava:
- "Olha gente"( batendo com a mão em cima da mesa). A Je fala: - "Ah,
deixa eu".
Ela estica o braço e pega um lápis do pote.Quando a Pa vê fala brava:

66
- "Pára. Se você não quer ouvir, deixa os outros que querem ouvir né,
Je, né” (chama atenção da Je, olha para a Sil e volta a contar a história).
Essa fala sempre é dita pela professora quando está contando
histórias e algumas crianças não prestam atenção.
Ela volta a contar a história. Depois de alguns segundos, fala para a Si
I: - "Vai lá pegar outro".
A Sil se levanta e vai. Quando volta, não traz livro algum. E ela puxa
um dos livros da Pa.
Pa: - "Espera, espera" (tentando puxar de volta). A Sil pega o livro e a
Je pega o outro.
Pa: - "Eu vou pegar mais livros" (levanta e sai).
Ela volta com um livro. A Sil se levanta e vai buscar um livro. Quando
volta a Pa diz: - Deixa eu ver" (olha a capa e tenta ler o título).
Depois pega todos os livros das colegas e fala:
- "Olha, eu deixava ler".
A Je reclama:
- "Você sempre é a professora né?" Fica brava e cruza os braços. Pa: -
"Quem quer esse?" Mostra o livro.
A Sil e o Da levantam o braço e a Je não entra na brincadeira. De
repente, chega a professora e fala:
- "Espera um pouquinho" (pega todos os livros da mesa). A Pa fala:
- "Ô, prooooooo"(cruza os braços) ...
P: - "Olha, escolha um livrinho. Olha as figuras .. ."

Nesse momento, a Am e a Le se aproximam e mostram o caderno para


a professora. Ela olha e começa a falar com elas. Em seguida, cada menina
pega um livro e começa a olhar.

Nessa brincadeira aparentemente inocente, estão presentes mui-


tos valores que foram transmitidos às crianças e incorporados por
elas.

67
Desde cedo, elas aprendem que é o professor que detém a pala-
vra e o poder na sala. Podemos perceber que a Pa incorpora esses
valores quando se faz passar pela professora. Quando vive esse
personagem, tem como referencial a postura da professora, o modelo,
que aprendeu, pois imita sua fala e suas atitudes.

Durante a leitura da história, ela sabe que quem fala é a


professora e, nesse sentido, a Pa reprime a Je por tentar conversar
nesse momento, quando diz brava: "Olha gente". Ou quando a Je
tenta pegar um lápis e ela fala: "Pára. Se você não quer ouvir, deixa
os outros que querem ouvir né, Je, né"?

A Pa sabe que o controle do trabalho fica nas mãos da


professora e age assim, pois, em momento algum, procede de
maneira diferente, usa outra dinâmica, por exemplo, a de abrir espaço
para as colegas se manifestarem.

O Da e a Sil obedecem às ordens da Pa, porém a Je tenta


romper com suas regras. Isso fica claro quando conversa com a Sil e
quando diz:"Deixa eu". Ela mostra que não está satisfeita com o
domínio da Pa e quer ter liberdade e autonomia para fazer o que
deseja. No entanto, é reprimida pela professora Pa, como podemos
observar.

A Pa continua dominando a situação. Ela manda a Sil pegar


outros livros e esta obedece. Quando volta não traz livro algum, pois
não o havia encontrado. Nesse momento, tanto a Sil quanto a Je
tentam romper com o poder da Pa, quando puxam os livros de sua
mão para olharem. O conhecimento fica centralizado nas mãos da

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professora, é ela quem o transmite e a postura das meninas é de
quem tenta romper com isso.

É interessante notar que a Pa não admite esse fato, pois tenta


puxar os livros de volta. Como não consegue, levanta-se e pega
outros livros. E mais: quando volta, tenta novamente pegar os livros
das mãos das meninas, dizendo: "Eu deixava ler". Essa frase é muito
forte e representa que quem determina o que vai ser feito e dá as
ordens na sala é ela.

Nesse momento, a Je diz: "Você sempre é a professora". Ela fala


brava e cruza os braços, como querendo dizer: é só você que manda.
A Je também sabe que ser a professora é ter o domínio de tudo, da
situação. E a posição de aluno não é muito agradável, já que não tem
autonomia, tem que obedecer e seguir as regras determinadas por ela.

Além disso, essa fala aponta seu desejo de ser a professora, de


ter o domínio também. No entanto, a Pa não abre mão disso e
continua a exercer seu papel, quando começa a dinâmica
novamente:"Quem quer esse?"

A Je, porém, não entra mais na brincadeira. Essa atitude revela


que ela não quer ser dominada, não quer ser a aluna.

De repente, chega a verdadeira professora e domina a situação.

A professora M puxa os livros e dá as orientações que elas


devem seguir. A Pa tenta reclamar: "Ô, prooooo ... ", fica brava, cruza
os braços, porém, não adianta nada. Ela volta à posição de aluna e
parece não gostar. Por alguns minutos, a Pa vive a experiência e o

69
papel oposto, o de ser professora, o de ter o domínio da situação,
embora isso não possa durar por muito tempo.

Nessa cena, percebe-se a incorporação e a reprodução pelas


crianças dos valores que lhe são diariamente transmitidos. Não é pre-
ciso a professora dizer que manda na sala, que determina o que vão
fazer, ela não precisa usar essas palavras para mostrar que quem
detém o poder naquele espaço é ela. As crianças percebem isso,
através da relação que se estabelece entre elas (adulto e criança), das
posturas e atitudes que são tomadas pela professora diariamente.

Nesse pequeno e grande episódio, a educação não se restringe


apenas ao trabalho com os conhecimentos científicos. Ela é
responsável por formar o indivíduo num sentido mais amplo, já que
trabalha com valores também. Apesar disso, há o outro lado da
moeda. Nesse espaço reprodutor, a criação também fazia parte, ou
seja, a contradição estava presente, pois as crianças construíam
conhecimentos que não eram esperados pela professora e pelo
planejamento. Assim, ao mesmo tempo em que elas seguiam as
determinações da professora, também utilizavam o tempo "escolar"
para fazerem experiências e produzirem cultura. Eram frequentes as
interações verbais, a criação de brincadeiras, os jogos de imitação
entre elas.

Brincando de casinha:
As crianças estavam fazendo a atividade e a professora passava nas
mesas para orientá-las.

70
A Je, a Le e a Pa estavam sentadas na mesma mesa e já haviam
terminado a tarefa. Elas estavam conversando e, de repente, a Je pega três
lápis de cor que estavam dentro de um pote em cima da mesa e começa a
brincar. A Le pega um lápis e a Pa fica com a cabeça abaixada olhando as
colegas. A Je diz para a Le: - "Vamos brincar de mamãe e filhinho? Meu filho,
por favor não faça mais isso, meu filhinho e minha filhinha"(ela fala,
segurando os lápis e começa a batê-Ios na mesa como se eles estivessem
andando e conversando).
Le: - "Claro que sim" (segurando o lápis em pé).
Os "personagens" continuaram andando se misturavam e
prosseguiram nesta brincadeira, dando vida e nome aos lápis, personagens
da história.

Nessa cena, as crianças ao brincarem com os lápis e ao


transformarem esses objetos, atribuindo outro significado a eles,
inventando outra função àquela determinada pela sociedade, apontam
uma ruptura do modelo existente e a criação por parte delas. Os lápis
são transformados em pessoas: mãe, filho, irmão, professora, enfim,
diversos personagens. Sobre esse fato, Jobim e Souza faz a seguinte
observação em relação à produção das crianças:

A criança está sempre pronta para criar outros sentidos para os


objetos que possuem significados fixados pela cultura dominante,
ultrapassando o sentido único que as coisas novas tendem a adquirir.
Sendo capaz de denunciar o novo no contexto se sempre igual, ela
desmascara o fetiche das relações de produção e consumo. A criança
conhece o mundo enquanto cria, e ao criar o mundo, ela nos revela a
verdade sempre provisória da realidade em que se encontra.
Construindo seu universo particular no interior de um universo maior
e reificado, ela é capaz de resgatar uma compreensão plural do
mundo, devolvendo, através do jogo que estabelece na relação com os

71
outros e com as coisas, os múltiplos sentidos que a realidade física e
social pode adquirir.

A partir desses personagens, elas estabelecem relações e


trocam conhecimentos. É muito interessante observar a fala da Pa,
quando diz: "(...) Olha, essa era a filha mais velha, (mostrando o lápis
maior) essa era a outra filha mais velha" (esse lápis era menor que o
primeiro, porém maior que o terceiro).

Nisso, a Je fala: "Nova e velha! (como se estivesse surpresa e


descobrindo essa relação) E essa era a mais nova" (mostrando o
terceiro lápis que era o menor dos três). Essa fala da Je é muito
interessante, pois ela descobre que a segunda filha, ao mesmo tempo
em que é mais nova em relação a primeira, é velha quando
comparada a terceira, como diz: "Nova e velha".

Outro momento destacado foi quando a Pa diz:"Não. Olha,


maior, menor, olha duas filhas".

Essas falas mostram que as meninas estão comparando o tama-


nho dos lápis, estão contando, enfim, estão estabelecendo relações
com o conhecimento. Essas interações mostram que as crianças, de
maneira livre e espontânea, e sem a presença de um adulto, são
capazes de construírem suas hipóteses brincando. Ainda, como
pudemos observar, para que haja construção de conhecimentos, não
é necessário exclusivamente o uso de exercícios em folhas ou no
caderno, pelo contrário, acreditamos que essa prática acaba
impossibilitando e limitando a experimentação, a criação, o
levantamento de hipóteses, já que a maioria dos exercícios é pronta e
as atividades são mecânicas, restando à criança apenas sua

72
resolução, seguindo as instruções que lhe são dadas. Através da
brincadeira, elas vão criando os personagens, interagindo através dos
diálogos e fazendo descobertas.

Depois desse fato, há um momento em que a Je tira o poder da


Pa, pegando o lápis de volta.A Pa fica brava e diz:"Eu vou mudar. Ô
professora chata, chata. Eu vou embora". Ela bate com o lápis no
pote, depois pega todos os lápis que estão deitados e puxa o lápis da
mão da Je. Nessa ocasião, a Je não representava a professora, era o
lápis de escrever, não sabemos o que ocorreu, se a Pa achou que ela
era a professora, tudo indica que sim, pela sua fala. Na realidade, não
poderemos ter certeza do que ocorreu, o que queremos destacar é a
sua maneira de se expressar, com raiva e chamando a professora de
chata.

Mais adiante, chega a professora M e interrompe a brincadeira,


chama a atenção das meninas e diz:"Psiu! Essa fala mostra que a
professora não concebe a brincadeira como uma dimensão que
favorece a construção do conhecimento, não tem valor, e por isso, não
é permitida na sala. Ela interpreta a postura das crianças como
indisciplina e acredita que o trabalho importante e sério é aquele que
se realiza a partir de conteúdos, tanto que, logo em seguida, pega
uma folha de atividades e dá à Je.

Apesar da interferência da professora, sabemos que as crianças


não só reproduzem a cultura que aprendem, mas também a criam e a
inovam. Ao mesmo tempo em que são influenciadas pelos valores que
lhe são transmitidos, também rompem e criam uma maneira própria de
se relacionarem.

73
Através desse episódio, foi verificado que havia uma dicotomia
entre jogo e trabalho presente na Educação Infantil. Essa dicotomia
está presente também na sociedade e é incorporada pela escola. Na
sociedade capitalista, a infância é vista como um momento que deve
ser apressado, encurtado. Dessa maneira, o interesse é a formação
de "corpos úteis" e, nesse sentido, não há espaço para o lúdico, que
muitas vezes é visto como algo improdutivo e com menos valor.
Portanto, a criança estaria perdendo tempo se ficasse brincando. Para
nossa sociedade, o tempo do trabalho é diferente do tempo do lúdico e
mais, são vistos como opostos.

A idéia de lazer relacionada à ociosidade improdutiva, e a de


lúdico à não seriedade reforçam em nossa sociedade a ideologia
moralizadora de que o trabalho é um bem supremo, o dever e que o
brincar não é importante para o presente e o futuro e tampouco dá
lucro.

A organização do espaço físico, do ambiente escolar, atende a


esse objetivo, já que o espaço escolar é organizado com salas de
aula, mesas e cadeiras, onde as crianças devem desenvolver as
atividades sentadas. Em muitas escolas o espaço externo é mal
cuidado e por isso mal utilizado.

O trabalho importante é aquele que sistematiza a produção de


conhecimentos na sala, com as crianças sentadas, usando o caderno,
folhas com atividades e exercícios. Esse tipo de trabalho é valorizado
pela sociedade, pois, há um desejo de avaliar o que a criança produz
(o produto). Carvalho nos ajuda a entender essa questão:

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No mundo do trabalho não há espaço para o brincar, considerando
que este nada tem de produtivo na forma que preconiza o capital. O mundo
do trabalho adquiriu dimensões onde não há espaço para o homem
manifestar sua ludicidade. Valoriza-se a produção em detrimento do
processo de humanização.

Esse modelo de organização do trabalho foi incorporado pela


pré-escola, como pudemos verificar. Isso acarreta uma divisão entre o
trabalho manual e o trabalho intelectual, uma separação entre cabeça
e corpo no cuidado e educação das crianças.

Mesmo Na Educação Infantil, não são todas as formas e


manifestações intelectuais que são valorizadas. A prioridade é o
acúmulo de conhecimentos, de informações e de conteúdos escolares;
portanto, o desenvolvimento de algumas habilidades intelectuais. A
vivência de outras dimensões, como, por exemplo, o lúdico, o jogo, a
brincadeira, a fantasia, a criatividade, o sonho, enfim, dimensões que
são tão intelectuais ou mais, que a própria aprendizagem de
conteúdos escolares, são limitadas e pouco valorizadas.

Essa postura revela que aprender significa que a criança deve


memorizar os conteúdos escolares. Na verdade é isso que é
valorizado pela sociedade, como é possível observar através das
respostas das famílias. Elas valorizam o fato de os filhos dominarem a
escrita e a leitura, por exemplo, para ingressarem na escola. Assim, a
pré-escola passa a ser um momento de educação preparatório e nos
moldes da escola, para ser importante e significativa. No fundo, essa
visão também é compartilhada pelas professoras de uma maneira
geral, pois, no momento em que organizam um trabalho com essa
perspectiva, legitimam esse tipo de educação.
75
Será que a educação infantil, para ser valorizada, deve antecipar
o modelo de trabalho escolar?

É muito importante a valorização e o reconhecimento da


comunidade, mas a escola deve desenvolver um trabalho que leve em
consideração essa especificidade dessa modalidade de ensino, os
interesses e as necessidades das crianças pequenas e, dessa
maneira, deve ser diferente da escola regular.

A educação infantil para ser valorizada pela sociedade não


precisa assumir objetivos que fujam à sua natureza, deve mostrar a
sua importância pelo que ela é, pelo que pode proporcionar às
crianças dessa faixa etária, no momento que lhe cabe.

Nessa direção, Carvalho faz a seguinte afirmação:

Nossas escolas mantêm ainda hoje a idéia de que a


aprendizagem só se concretiza com o acúmulo de conhecimentos, de
conteúdos que são repassados de forma abrupta e até certo ponto
aleatória para a criança, utilizando-se de técnicas e métodos
duvidosos onde o corpo não se encontra inserido no contexto
educacional. O corpo, aquele objeto incômodo, que só serve para
atrapalhar, fazer barulho, movimentar-se, tirar a concentração de
todos na sala de aula.

As crianças, ao entrarem na escola, deixam de ser crianças e


tornam-se alunos. Ao exigir certa imobilidade, ela reprime as
necessidades dessa faixa etária. E nas poucas oportunidades e
espaços que abre ao lúdico, à brincadeira, estes ficam atrelados ao
comportamento e à disciplina das crianças, ou seja, se elas

76
apresentam bom comportamento, vão ao parque, caso contrário, ficam
sentadas nesse momento.

O lúdico é um componente muito importante e significativo não


só para a criança pequena; ele deve estar presente durante toda a for-
mação do ser humano, já que é uma dimensão humana. O brinquedo,
o jogo, a brincadeira, são gostosos, dão prazer, trazem felicidade. E
nenhum outro motivo precisaria ser acrescentado para afirmar a sua
necessidade. Mas deve-se considerar também que, através do prazer,
o brincar possibilita à criança a vivência de sua faixa etária e ainda
contribui, de modo significativo, para sua formação como ser
realmente humano, participante da cultura da sociedade em que vive,
e não apenas como mero indivíduo requerido pelos padrões de
"produtividade social.

A representação das crianças sobre o espaço educativo

Sobre a questão do espaço físico e sua organização na


educação infantil, este deve proporcionar um ambiente acolhedor e
propício para o convívio da diversidade, para o encontro, para as mais
variadas trocas e mais, para o imprevisto.

“O espaço físico assim concebido não se resume a sua


metragem. Grande ou pequeno, o espaço físico de qualquer tipo de
centro de Educação Infantil precisa tornar-se um ambiente acolhedor,
isto é, ambientar as crianças e os adultos: variando em pequenos e
grandes grupos de crianças, misturando as idades, estendendo-se à
rua, ao bairro e à cidade, melhorando as condições de vida de todos
os envolvidos, sempre atendendo às exigências das atividades
programadas individuais e coletivas, com ou sem a presença de
adulto(s) e que permitam emergir as múltiplas dimensões humanas, as

77
diversas formas de expressão, o imprevisto, os saberes espontâneos
infantis”

Os pesquisadores observaram os desenhos das crianças e


perceberam que havia semelhanças entre eles. Dessa maneira,
reuniram aqueles que se aproximavam, ou seja, que mostravam
aspectos comuns da sala, por exemplo, aqueles que desenharam as
mesas com os colegas foram reunidos em um grupo, por destacarem
esse aspecto do ambiente. Aqueles que destacaram a lousa e a
produção do conhecimento ficaram agrupados em outro e assim por
diante. Deste modo, os desenhos foram reunidos em cinco grupos.
Foram feitas as seguintes observações:

Grupo 1: as crianças desenharam uma casa com crianças ao lado.

Grupo 2: de uma maneira geral as crianças desenharam o armário


pequeno com as pastas em cima e os potes com os brinquedos. Outros
acrescentaram o espelho, o quadro, o ventilador, as lâmpadas, enfim, foram mais
detalhistas, como mostra esse desenho. Outros, colocaram os murais que ficam
nessa parede. Esses desenhos destacaram a estrutura física da sala e apenas
uma criança colocou alguns colegas nesse espaço.

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Grupo 3: as crianças de uma maneira geral desenharam a lousa (com ou
sem atividade). O alfabeto pendurado no varal, o calendário, o cartaz de prega e
alguns acrescentaram a mesa da professora.

Nesse grupo, as crianças destacaram a produção do


conhecimento ao desenharem algumas atividades da rotina.

Esse desenho, especificamente, aponta a representação que a


criança faz em relação à construção do conhecimento. Ela desenha
um caderno com atividades, ou seja, o caderno de lição com o

79
cabeçalho e a letra L, e o outro, o caderno de desenho, mostrando
uma imagem de Natal.

Essa representação revela um olhar em relação ao conhecimen-


to, um olhar fragmentado, justamente como estava sendo trabalhado
com as crianças. Essa concepção vai sendo aprendida e incorporada
pelas mesmas.

Grupo 4 : as crianças desenharam as mesas e as cadeiras como realmente


são, em grupo, alguns fizeram os colegas sentados, outros, as mesas vazias.

Grupo 5: as crianças desenharam as mesas e as cadeiras de outra forma.


Colocaram os colegas sentados um atrás do outro como na escola, a professora e
a mesa na frente.

80
Os desenhos dos grupos 4 e 5 chamaram bastante a atenção
dos pesquisadores, porque ao representarem a sala, se contrapõem.
As crianças mostraram visões diferentes em relação a esse espaço. O
grupo 4 representou o ambiente realmente como está organizado, ou
seja, as mesas estão em grupo e as crianças sentam juntas. Já o
grupo 5 fez uma outra imagem desse espaço: as crianças desenharam
cada colega sentado sozinho em uma mesa. A partir desse fato foi
questionado: Se as crianças sentam juntas por que apareceram
separadas nesses desenhos?

Possivelmente eles apontam para o fato de que, apesar de as


crianças sentarem em grupo, juntas, se veem separadas, na medida
em que fazem essa representação. Isso quer dizer que o fato de
sentarem juntas não significa que elas estejam juntas de verdade, que
se sintam num grupo, ou seja, que trabalhem coletivamente, que
estabeleçam relações, que troquem idéias e conhecimentos, que
conversem, enfim, que se relacionem. A organização do trabalho
pedagógico ocorria em outra direção; as crianças trabalhavam
individualmente e ainda era exigido que devessem permanecer em
silêncio, sem conversar ou trocar experiências, enfim, sem estabelecer
relações.

Ao desenharem a sala dessa maneira, revelam que a


organização do ambiente, dos móveis, não é suficiente e não garante
a existência de um trabalho coletivo de fato. Esses desenhos mostram
além das aparências; eles revelam a essência, o significado, o olhar
das crianças e como realmente veem e sentem o espaço no qual
vivem e convivem.

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Apesar de as crianças estarem numa pré-escola, estariam elas
revelando o modelo de organização da escola, ou no fundo, da pré-
escola também? As aparências enganam, pois desde cedo verificou-
se que as crianças eram submetidas a uma organização de poder e
disciplina. A pré-escola não é uma exceção e, portanto, não escapa a
essa regra, já que inicia as crianças a se habituarem com as normas
e condutas presentes na sociedade desde cedo.

Também a avaliação na pré-escola traz as marcas da avaliação


praticada no Ensino Fundamental e, nesse sentido, é possível
responder à questão central desse trabalho: será que a Educação
Infantil está antecipando os instrumentos de avaliação escolar que são
usados no Ensino Fundamental?

A avaliação disciplinar e do comportamento é igualmente forte e


frequente nesse momento da educação. Ela ocorre informalmente, já
que o recurso utilizado pela·professora para manter a ordem e o
controle na sala são as ameaças.

Nesse momento, ao invés de a arma da professora ser a prova,


a nota ou a reprovação (avaliação formal) para tentar manter a ordem
e o interesse das crianças, seu instrumento era o parque, o brinquedo,
usado através de ameaças, para garantir o controle e a ordem na sala.
No pré a professora diz: "Vocês vão ficar sem parque e sem
brinquedo. Tão brincando muito aqui!" Porém, ambas as posturas
constituem uma avaliação que acaba classificando, controlando a
criança e, nesse sentido, suas consequências são negativas. Essa
organização de trabalho acaba ferindo a criança como sujeito de

82
direitos, uma vez que, nesse momento, essa experiência deve fazer
parte de sua vida.

Assim, devemos nos perguntar: que função a Educação Infantil


deve ter? Como deverá ser a avaliação nesse momento da educação
das crianças?

É necessário conversar sobre essas questões e definir como de-


verão se concretizar, ou seja, para quê? Com qual objetivo? Servindo
a que interesses? A educação infantil e a avaliação podem ter um
outro sentido.

A avaliação, por exemplo, pode ser usada a favor da, criança, na


medida em que o professor a observa para conhecê-la e atender seus
interesses e curiosidades, para refletir sobre seu trabalho, para mudá-
lo e aprimorá-lo constantemente. No momento em que o professor
pensa sobre as crianças e conhece suas características, não para
compará-las, para julgá-las e classificá-las, mas para organizar o
trabalho, para proporcionar um ambiente rico, prazeroso, que vá ao
encontro dos seus interesses, a avaliação pode ser positiva e
favorecer o crescimento, tanto da criança quanto do adulto. Assim,
não deve incorporar objetivos que não cabem a ela, por exemplo,
suprir as falhas do Ensino Fundamental, ou mesmo outros de ordem
social, que fogem a sua competência, uma vez que ela possui sua
própria natureza e especificidade.

Cada vez mais, presenciamos uma visão em relação às crianças


que as vê como um ser que deve ser iniciado e apressado o mais
rápido possível, ou seja, precocemente levado a adquirir

83
responsabilidades do mundo adulto. Com isso elas estão deixando de
desfrutar direitos e experiências próprios da infância.

Portanto, acreditamos que a pré-escola pode ter outro objetivo.


Concordamos com Arroyo quando ele diz:

(...) A pré-escola, o que significa esta palavra? Significa que entre os


primeiros anos de idade a criança já tem que estar pré-escolada, já
tem que dominar, se possível, habilidades de leitura, de escrita porque
assim evitamos a reprovação na primeira série. Esta concepção de
submeter o mais cedo possível a criança aos cânones da escola
dominou durante várias décadas e continua dominante. Não vai ser
esta a nossa direção. Não queremos escolarizar precocemente. Não
queremos que a criança não viva a infância em nome de uma pré-
escolarização precoce.

Cada idade tem, em si mesma, a identidade própria, que exige


uma educação própria, uma realização própria enquanto idade e não
enquanto preparo para outra idade.

Eu gostaria de uma escola onde a criança não tivesse que saltar


as alegrias da infância, apressando-se, em fatos e pensamentos, rumo
à idade adulta, mas onde pudesse apreciar em sua especificidade os
diferentes momentos de suas idades.

Acreditamos que o ser humano deva vivenciar cada fase de sua


vida, de maneira plena, aproveitando o que ela representa. A antecipa-
ção precoce de outras etapas acaba comprometendo a qualidade de
vida presente. Respeitar experiências inerentes ao seu tempo é funda-
mental para que o homem possa resolver bem seus conflitos e desen-
volver-se plenamente.

84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BARBOSA, M. C. S. O Acompanhamento das aprendizagens e a


avaliação. Educação Infantil. Porto Alegre: Artemed Editora, Ano
II, n. 4, p. 16-19, abr/jul, 2004.

2. BECCHI, E. BONDIOLI, A. Avaliando a pré-escola: uma


trajetória de formação de professoras. Campinas: Autores
Associados, 2003. – (Coleção educação contemporânea).

3. DIDONET, V. Coerência entre avaliação a finalidades da


Educação Infantil. Porto Alegre: Artemed Editora, ano IV, n. 10,
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4. HOFFMAN, J. Avaliação na Pré-Escola: um olhar sensível e


reflexivo sobre a criança. Cadernos Educação Infantil. 7. Ed.
Porto Alegre.
_ _. Avaliação Mito & Desafio: Uma perspectiva construtivista.
Ed. Porto Alegre: Mediação, 2000.

5. Teberosky, Ana: Contextos de alfabetização Escolar. Porto


Alegre, Artmed – 2004.

85
6. Kaufman, Astedo e Teruggi- Alfabetização de crianças:
construção e intercâmbio. Porto Alegre, Artmed.

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