Ana Toyshima

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


CURSO DE PEDAGOGIA

Ana Maria da Silva Toyshima

O Ideário Educacional Jesuítico: explorando o Ratio Studiorum

Maringá, PR
2011
Ana Maria da Silva Toyshima

O Ideário Educacional Jesuítico: explorando o Ratio Studiorum

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito


parcial para a obtenção do título de Licenciatura Plena em
Pedagogia, pelo curso de Pedagogia da Universidade Estadual
de Maringá.

Orientador: Profº. Drº. Célio Juvenal Costa

Maringá
2011
Dedico este trabalho a todos aqueles envolvidos
direta ou indiretamente em minha trajetória
acadêmica, aos que me proporcionaram
momentos felizes e inesquecíveis.
AGRADECIMENTOS

O último ano da faculdade é, com certeza, o mais desafiador, pois se trata de um


período de transição entre o meio acadêmico e o campo de trabalho e, nesse
momento vivenciamos diversas sensações: medo, alegria, ansiedade, saudade,
insegurança e expectativas. Ao término do curso, sinto-me realizada por ter vivido
intensamente tudo o que a Universidade me proporcionou, o estudo de diferentes
temáticas, os variados projetos, o contato com excelentes professores e os amigos que
fiz. É difícil agradecer todas as pessoas que de algum modo fizeram ou fazem parte
da minha vida.

Agradeço primeiramente a DEUS, por ter me dado forças, por guiar meus passos,
pelas dificuldades superadas, enfim por ter possibilitado esta grande conquista.

Agradeço de maneira muito especial a minha mãe Neide, ao meu pai Dirceu e à
minha irmã Patrícia, por estarem sempre ao meu lado nos momentos serenos e
apreensivos, por serem pessoas amáveis e dedicadas. Amo vocês!

Agradeço infinitamente ao meu marido Takao pela cumplicidade, carinho e


compreensão. Sei que não foi fácil conviver com minhas ausências, em alguns
momentos, quando necessitei priorizar os meus estudos. Mas sei que do seu jeito
você fez o possível para manter a harmonia.

Ao Caio, pessoinha linda que eu tanto AMO. Filho você é minha jóia mais preciosa,
é você quem enche de alegria e carinho minha VIDA. .

Um agradecimento muito especial ao meu querido professor e orientador Célio, pelo


carinho, dedicação e paciência que teve comigo, pelos ensinamentos sempre bem
vindos.

Ao professor Sezinando a quem tenho grande admiração, agradeço pelas


contribuições em minha formação.

Ao professor Flat e a professora Maria Simone pelas contribuições em meu trabalho.


A minha professora e tutora Sheila, pessoa mais que especial a quem tenho um
enorme carinho e respeito. Sinto-me privilegiada pela oportunidade de poder participar de
um grupo que tem à frente uma pessoa competente, dedicada e que acima de tudo, ama o
que faz.

Ao grupo PET-Pedagogia da UEM que proporcionou experiências incríveis e


momentos inesquecíveis e, que fez toda diferença em minha formação acadêmica.
Às petianas Andressa, Lili, Lara, Lari, Nathi, Michely, Pati, Pri, Tati, Thaís e Val. Aos
egressos Aline, Ariane, Cintia, Denis, Gil, Helena, Mayse e Rita. Pessoas tão
especiais.

Meus agradecimentos aos colegas integrantes do Laboratório de Estudo do Império


Português (LEIP) pela contribuição em minha formação.

Às minhas amigas e parceiras que compõe o meu grupinho do fundão Flavis, Lara,
Pati Guelles, Pati Alves, Paulinha e Pri, meninas vocês alegram minhas manhãs.
Tantas conversas, risadas e algumas briguinhas para apimentar a relação. Vou
sentir muitas saudades dos momentos maravilhosos que passei com vocês. Agora
me diz como será meu café da manhã sem vocês? E a nossa padaria? Aquele
cafezinho quentinho e o pão de queijo, que têm um sabor todo especial quando é
com vocês!

À Thaís, Tati e Merly pela companhia e carinho ao longo dos anos.

Enfim, agradeço a todos os meus companheiros de salas aqueles que não citei, pelo
convívio e troca de experiências ao longo desses quatro anos.

À todos os professores pelos valiosos conhecimentos que me proporcionaram obter


uma formação da qual me orgulho.

À Universidade Estadual de Maringá pela oportunidade de desenvolver o presente


estudo.

Muito Obrigada.
Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem
totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não
sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir
com toda a certeza, nem nos desesperarmos como se não
estivesse por vir jamais.

(EPICURO)
TOYSHIMA, Ana Maria da Silva. O Ideário Educacional Jesuítico: Explorando o
Ratio Studiorum. 2011. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) –
Universidade Estadual de Maringá.

RESUMO

As origens do Ratio Studiorum remontam as Constituições da Companhia de Jesus


elaboradas por Inácio de Loyola e colocadas em vigor em 1556. A sua IV parte dedicada à
educação traz as linhas mestras da organização didática e o espírito da atividade
pedagógica da Ordem. Neste Trabalho de Conclusão de Curso objetivou-se analisar o
Método Pedagógico dos Jesuítas (Ratio Studiorum) adotado nos colégios da Companhia de
Jesus para verificar o quanto dele foi utilizado pelos missionários no ensino na América
Portuguesa. A importância de tal estudo reside no fato de julgarmos essencial a
compreensão do plano de estudos da Companhia de Jesus, que foi uma das instituições
mais importantes em relação à educação em Portugal e no Brasil. Entender a educação
jesuítica, no que diz respeito ao seu instrumento pedagógico, é procurar compreender a
própria organização da Companhia, sua história, sua filosofia de vida e os seus princípios
teológicos, filosóficos e formais. O Ratio Studiorum é uma das chaves para a compreensão
da educação na complexidade da modernidade e, por decorrência, se torna importante para
entender a chamada Primeira Educação no Brasil, visto que foram os jesuítas que
praticamente monopolizaram a educação formal em Portugal e na América Portuguesa.

Palavras-chave: Companhia de Jesus. Ratio Studiorum. Educação no século XVI. História


da Educação.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

2. A ORIGEM DA COMPANHIA DE JESUS ............................................................. 12

2.1. O GRANDE IDEAL INACIANO ....................................................................... 16

2.2. INÁCIO DE LOYOLA: VIDA E OBRA ............................................................. 17

3. RATIO ATQUE INSTITUTIO STUDIORUM SOCIEATIS LESU: ORIGEM E


DESENVOLVIMENTO .............................................................................................. 21

3.1. ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO RATIO STUDIORUM ............................ 23

3.2. SISTEMA EDUCACIONAL: HUMANIDADES, FILOSOFIA E TEOLOGIA ..... 27

3.3. METODOLOGIA DO RATIO STUDIORUM: PROCEDIMENTOS


PEDAGÓGICOS ................................................................................................... 30

3.4. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PREVISTA NO RATIO STUDIORUM ...... 35

4. A EDUCAÇÃO JESUÍTICA NA AMÉRICA PORTUGUESA: ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES .................................................................................................. 38

4.1. O RATIO STUDIORUM E OS COLÉGIOS DA BAHIA, DO RIO DE JANEIRO E


DE PERNAMBUCO NO SÉCULO XVI .................................................................. 38

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 47

6. REFERÊNCIAS .................................................................................................... 49
9

1. INTRODUÇÃO

A Societas Iesu foi formada em 1534, nas cercanias de Paris, por seis padres
liderados por Inácio de Loyola, com o objetivo de fazer uma moderna cruzada para
converter os judeus e retomar Jerusalém ao domínio dos cristãos. Em 1540, o papa
Paulo III oficializou a nova ordem religiosa que passou a assumir tarefas
diferenciadas daquela principal objetivada por seus fundadores.

As missões internas pela Europa, as missões pelas novas terras conquistadas ao


cristianismo, a administração e manutenção de escolas, colégios e universidades, a
relação próxima aos soberanos, materializada na atividade de confessores de reis e
príncipes, perfazem as atividades que foram desenvolvidas em praticamente todo o
mundo. Todas as ações eram decididas e supervisionadas por uma administração
central, em Roma, bem próximo ao centro do poder da Igreja Católica.

Já nos primeiros anos de ação educativa e com a fundação de colégios, os


superiores da Companhia se preocuparam em elaborar um documento que servisse
de orientação para a organização administrativa e pedagógica dos seus colégios.
Assim como ocorreu com as Constituições da Companhia de Jesus, o Ratio
Studiorum também foi alvo de experiências para que fosse verificada a sua
aplicabilidade, buscando a maior universalidade possível diante da vastidão de
lugares onde os jesuítas já se encontravam no final do século XVI.

De acordo com Franca (1952) o primeiro esboço do Ratio é decorrente da


experiência do jesuíta Jerônimo Nadal no colégio de Messina no ano de 1551, no
entanto, a primeira versão foi fruto de uma comissão instituída em 1586 pelo padre
Aquaviva. Após apreciações é estabelecida a segunda versão, colocada em prática
em caráter experimental por três anos e, ao findar o prazo de experiência, os
resultados deveriam ser enviados a Roma para a promulgação final. Por fim, uma
última comissão se reuniu em 1598 para verificar os novos pareceres e, em janeiro
de 1599, foi aprovada e publicada finalmente a versão definitiva do Ratio atque
Institutio Studiorum.
10

Estudar o tema proposto neste trabalho de conclusão de curso, o Ideário


Educacional Jesuítico: Ratio Studiorum, é importante para entender a educação
jesuítica, no que diz respeito ao seu instrumento pedagógico, sua história, sua
filosofia de vida e os seus princípios teológicos, filosóficos e formais.

O Ratio Studiorum é uma das chaves para a compreensão da educação na


complexidade da modernidade e, por decorrência, se torna importante para entender
a chamada Primeira Educação no Brasil, visto que foram os jesuítas que
praticamente monopolizaram a educação formal em Portugal e na América
Portuguesa.

Esta pesquisa tem por objetivo analisar o Método Pedagógico dos Jesuítas (Ratio
Studiorum) adotado nos colégios da Companhia de Jesus para verificar o quanto
dele foi utilizado pelos missionários no ensino na América Portuguesa.

O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo foi pensado para
apresentar a origem e materialização da Companhia de Jesus e o seu idealizador
Inácio de Loyola.

No segundo capítulo o texto apresenta um esboço do Ratio Atque Institutio


Studiorum Socieatis Lesu, sua origem e desenvolvimento, a organização Curricular
do Ratio, o sistema educacional, os procedimentos pedagógicos e a formação dos
professores segundo o Ratio Studiorum.

No terceiro capítulo, nos dedicamos a apresentar a educação jesuítica na América


Portuguesa a fim de verificar a aplicabilidade do Ratio Studiorum em seus colégios.

A metodologia utilizada nesta pesquisa consiste na investigação bibliográfica de


estudos disponíveis sobre o tema, priorizando os estudos das fontes documentais do
período assim como textos historiográficos.

Entre as fontes documentais elencamos algumas cartas de Nóbrega e de Anchieta em que


os autores descrevem alguns aspectos sobre os colégios no século XVI, são elas: “Cartas
do Brasil” de Manoel da Nóbrega e “Cartas: informações, fragmentos históricos e
sermões” de José de Anchieta. Outra fonte documental utilizada foi “O Método
11

Pedagógico dos Jesuítas” de Leonel Franca.

Além destes documentos são consultadas obras historiográficas, são elas: História
da Companhia de Jesus no Brasil, de Serafim Leite; A Companhia de Jesus em
Portugal e nas missões – esboço histórico, superiores, colégios, 1540-1934, de
Francisco Rodrigues; A formação intellectual do jesuíta – leis e factos, também de
Rodrigues e História das idéias pedagógicas no Brasil, de Dermeval Saviani.

A leitura e fichamento das fontes documentais e obras historiográficas auxiliaram no


processo de investigação de nossas pesquisas.
12

2. A ORIGEM DA COMPANHIA DE JESUS

A Companhia de Jesus é uma ordem religiosa nascida no contexto do século XVI,


em uma época de luta de ideias e abalos sociais e, por conseguinte, está
intimamente vinculada aos movimentos e acontecimentos deste período. Alguns
movimentos que eclodiram no Mundo Europeu foram o Renascimento, os
Humanismos, as Reformas Protestante e Católica, e o desenvolvimento do
comércio. Esses movimentos produziram novas direções para a história e
consolidaram uma fase de transição para o que hoje conhecemos.

No início do século XVI, a mudança na mentalidade da sociedade européia


repercutiu no campo religioso. A Igreja passou a ser contestada e seus dogmas não
eram compreendidos, levando, assim, a uma ruptura na unidade cristã; esse
movimento ficou conhecido como Reforma Protestante. O protestantismo teve como
um dos principais representantes Martinho Lutero1 (1483-1546), que propôs
reformas das ideias religiosas, provocando assim, uma cisão no mundo católico e
uma notável evasão de seus fiéis.

Costa (2004, p.119) apresenta que “a reforma da igreja já era uma necessidade que
foi tomando corpo aos poucos nas décadas iniciais do século XVI e que concretizou
no Concílio de Trento (1545-1563), pelo menos enquanto deliberação oficial da
igreja”.

O Concílio de Trento (1545-1563) acabou sendo o marco da tentativa papal em


assegurar a unidade da fé, assim como a disciplina eclesiástica. Esse movimento
ficou conhecido na história como Reforma Católica, o qual foi caracterizado como a
tentativa do catolicismo de reafirmar os dogmas e difundir a religião católica,
recuperando e conquistando fiéis.

De acordo com Costa (2004, p. 119), “o Concílio de Trento foi, portanto, um dos
momentos oficiais mais significativos da Igreja Católica no século XVI, e é tido como

1
Martinho Lutero (1483-1546) nasceu em Eislenben, na Alemanha, em 1505 ingressou na Ordem
dos Agostinianos. No ano de 1517, ocorre o seu rompimento com a Igreja Católica. Lutero cola na
porta da igreja Wittenberg as famosas 95 teses, protestando contra a atitude do papa e expondo
alguns aspectos de sua doutrina.
13

o mais profundo até o Concílio Vaticano II – ocorrido na década de 60 do século


XX”.

Em meio aos conflitos e transformações sociais, emerge a figura de Inácio de Loyola


(1491-1556), o qual, decidido a organizar uma Ordem Religiosa com características
próprias, “Traçou emfim o plano decisivo de uma Ordem Religiosa inteiramente
accomodada ás necessidades da vida moderna” (RODRIGUES, 1917, p. 9),
fundando, em 15 de agosto de 1534, a Companhia de Jesus, juntamente com seis
estudantes da Universidade de Paris, são eles: Francisco Xavier, Nicolau de
Bobadilla, Diogo Laínez, Alonso de Salmerón, Simão Rodrigues e Pedro Fabro.

Na capela de Montmartre, em Paris, fizeram o voto de pobreza, de castidade e de


peregrinação. Seis anos mais tarde, em meados de 1540, essa nova ordem religiosa
foi aprovada e oficializada pelo Papa Paulo III 2(1534-1549), por meio da bula
Regimini Militantis Ecclesiae, agora composta por dez membros, já que em 1537
uniram-se a Ordem Pascássio Broët, João de Codure e Cláudio Jav. Leite (1938,p.
6) descreve que quem,

[...] quiser militar como soldado de Deus, debaixo da bandeira da


Cruz, e servir ao único Senhor e ao Romano Pontífice, Vigário seu na
terra, depois de fazer voto solene de castidade perpétua, assente
consigo que é membro de uma Companhia, sobretudo fundada para,
de modo principal, procurar o proveito das almas, na vida e doutrina
cristã, propagar a fé, pela pública pregação e ministério da palavra
de Deus pelos exercícios espirituais e obras de caridade, e,
nomeadamente, ensinar aos meninos e rudes as verdades do
cristianismo, e consolar espiritualmente os fieis no tribunal da
confissão; e trate de ter sempre diante dos olhos primeiro a Deus,
depois o modo dêste seu Instituto, que é como caminho para chegar
a Êle, e de conseguir por tôdas as fôrças êste fim, que Deus lhe
propôs, cada um, todavia, na medida da graça, que o Espírito Santo
lhe comunicar, e no grau particular da sua vocação,não suceda que
algum se deixe levar de um zêlo não regulado pela ciência.

Todos os integrantes da Ordem militam por Deus sob obediência do Papa Paulo III e
de seus sucessores. Como observamos, a Companhia de Jesus possui certa
hierarquia a qual deveria ser correspondida: “façam todos voto de obedecer ao

2
Paulo III foi papa de 1534 a 1549; ele quem convocou pela primeira vez o Concílio de Trento,
fundou a Inquisição por meio da Sagrada Congregação do Santo Oficio em 1542 e criou também a
Sagrada Congregação do Index em 1543. Essas duas instâncias visavam, além da censura e
perseguição às heresias, rever os costumes da Igreja e recuperar os seus fundamentos teológicos.
14

Prepósito da Companhia em tôdas as coisas, que tocam à observância desta nossa


regra” (LEITE, 1938, p.7).

A Companhia era dividida administrativamente em províncias que compreendem


várias casas e colégios, sendo que cada província possuía à frente a figura de um
provincial, em que:

Suas funções, no que se refere aos estudos, resumem-se em


nomear o Prefeito de Estudos e de disciplina, em zelar pela formação
de bons professores, em promover os estudos na sua Província,
exercer uma alta vigilância sobre a observância exata das normas
traçadas pelo Ratio e propor ao Geral as modificações sugeridas
pelas circunstâncias de tempo e lugar, peculiares à Província
(FRANCA, 1952, p. 27).

Para se constituir uma Província era necessário seguir certos critérios, como ter
poder aquisitivo para manter suas despesas e atender a circunstâncias geográficas
ou linguísticas. Quando as casas se tornavam numerosas dava-se origem a uma
nova Província, ou a uma Vice-Província.

Leite (1938, p. 12) traz que,

[...] na Companhia antiga existiram 6 Assistência: Itália, Portugal,


Espanha, Alemanha, França e Polônia. A Assistência de Portugal
compreendia, além da metrópole, a Província da Índia, que se
desdobrou depois em duas, Goa e Malabar, o Japão, a Vice-
Província da China, a Província do Brasil e a Vice-Província do
Maranhão. Além disso, Missões em Angola, Moçambique e Etiópia.
Cada Assistência mantém em Roma um representante, chamado
Assistente, eleito ordinàriamente nas Congregações Gerais. É
simples consultor do Geral para os respectivos negócios.

Durante o século XVI, a Companhia de Jesus se estruturou e se consolidou


tornando-se a maior associação de ensino que já existiu, ocupando um lugar
importante na história da Pedagogia. É necessário destacar que as atividades
educacionais não estavam entre os primeiros propósitos da Companhia de Jesus, no
entanto, elas acabaram sendo uma das principais características da ordem fundada
por Loyola, sem perder evidentemente o caráter religioso e a atividade missionária
que a consagrou principalmente em terras do Ultramar.
15

Logo nos primeiros anos de ação educativa e com a fundação de colégios, os


superiores da Companhia de Jesus se preocuparam em elaborar um documento que
servisse de orientação para a organização administrativa e pedagógica dos seus
colégios.

A Companhia “espalhava-se, em ritmo forte, por todo o mundo, assim como os seus
Colégios, e de todas as partes se fazia pressão sobre Roma, a fim de que o modo
de proceder fosse uniforme, respeitando os diversos lugares” (MIRANDA, 2009, p.
38). Assim como ocorreu com as Constituições da Companhia de Jesus, o Ratio
Studiorum também foi alvo de experiências para que fosse verificada a sua
aplicabilidade, buscando a maior universalidade possível diante da vastidão de
lugares onde os jesuítas já se encontravam no século XVI.

A fundação de um Plano de Estudos era fundamental, pois a expansão da


Companhia desencadeava numerosos problemas de organização devido a
diversidade de costumes. Neste sentido, “[...] convém chegar, tanto quanto possível,
a uma regra universal, válida para todos os lugares, ainda que as circunstâncias
possam necessitar e legitimar a sua adaptação” (MIRANDA,2009,p. 37).

De acordo com Franca (1952), como tentativa de amenizar os problemas, o governo


dos colégios adotou visitas de comissários gerais com a finalidade de uniformizar o
trabalho educativo da ordem. Durante 15 anos o Padre Nadal desempenhou a
função de organizar e inspecionar os estudos, percorrendo quase toda a Europa,
Espanha e Portugal, Itália e França, Áustria e Boêmia, Bélgica e Alemanha.

Depois dele outros visitadores continuaram a missão, como por exemplo, Gonzales
Davila e João de Montoia, Everardo Mercuriano e Polanco, Maldonado e Olivério
Manareu. No entanto, Franca (1952, p. 07) menciona que o regime de inspeções
periódicas não era a solução definitiva do problema, era necessária a elaboração de um
código de leis que assegurasse a semelhança e a uniformidade da crescente
atividade pedagógica da Sociedade de Jesus.
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2.1. O GRANDE IDEAL INACIANO

No século XVI a Europa encontrava-se em meio a transformações sociais e o


estabelecimento da Companhia de Jesus foi um dos fatos mais importantes do
século e, o seu idealizador, Inácio de Loyola, um homens de influência espiritual no
mundo moderno.

Inácio decide fazer de sua Ordem uma sociedade composta por homens
absolutamente eruditos e, para isso, instituiu casas de formação científica e literária,
determinando que fossem admitidos em sua ordem jovens “que pelo talento e
virtude dêem fundadas esperanças de que hão de vir a ser doutos e profícuos á
sociedade” (RODRIGUES, 1917, p. 10). No entanto, sua intenção não se limitava
em formar apenas homens sábios e sim transformar o ensino e a ciência Teológica
em um meio de regeneração e elevação da humanidade.

Pretendia reformar as ideias para melhorar os costumes, alumiar o


entendimento para dirigir a vontade e modelar o coração pela virtude,
formar sabios para os tornar homens de caráter e os affeiçoar pelo
modelo que elle tinha na mente e o arrebatava, o Homem-Deus,
exemplar e ideal de toda a perfeição humana (RODRIGUES, 1917, p.
11).

Na pedagogia jesuítica a instrução e a educação3 progrediam juntas, desta maneira,


não se deve desconsiderar esses processos como estritamente religiosos e que se
utiliza do ensino para promover a verdadeira religião, pois o ideal da Companhia é
proporcionar a realização plena da natureza humana. Santo Inácio quer que seus
companheiros tenham domínio de si mesmo e que sejam homens de caráter.
“Boehme condensa nesta fhrase o ideal de de S. Inácio; “vence-te a ti mesmo e
sacrifica-te pelo serviço da Igreja” (FRANCA, 1952, p. 13-14).

A pedagogia Inaciana emprega a doutrina do Evangelho, o qual tem como


fundamento os preceitos da moral de Jesus Cristo. Rodrigues (1917, p. 19)
argumenta que “a educação moral é o fim a que elles primeiro que tudo pretendem

3
A utilização dos termos instrução e educação são necessárias neste período histórico, visto que a
palavra instrução tem significado de educação formal, ensino sistematizado e o conceito de educação
é utilizado no sentido de educação moral, educar e formar o caráter do cristão de acordo com os
preceitos da religião católica. Segundo Miranda (2009, p. 41) deve-se equilibrar a educação
intelectual com a educação moral.
17

chegar e para a qual fazem convergir todos os meios que estão ao seu alcance”.
Sendo assim, seus colégios formam homens de caráter predominantemente cristão,
uma vez que S. Inácio tinha convicção de que a instrução sem a educação religiosa
constituía um perigo para a sociedade.

E o professor, para Loyola, deveria ser o exemplo para seus alunos e suas ações
modelos, neste sentido, o mestre deveria aproveitar todas as oportunidades nas
tarefas escolares para semear o germe da virtude no coração dos discípulos com
uma palavra, com uma observação ou conselho (RODRIGUES, 1917, p. 20). O
Ratio na regra 1 comuns a todos os professores das faculdades superiores (1952, p.
87) apresenta que:

O fim especial do professor, tanto nas aulas quando se oferecer a


ocasião, com fora delas, será mover os seus ouvintes ao serviço e ao
amor de Deus e ao exercício das virtudes que lhes são agradáveis, e
alcançar que para este objeto orientem todos os seus estudos.

Em suma, o propósito da Companhia de Jesus é propiciar ao próximo todas as


disciplinas convincentes ao Instituto, de modo a levá-los ao conhecimento e amor do
Criador Jesus Cristo, por conseguinte, o Provincial tem por dever zelar para que os
propósitos sejam plenamente correspondidos (RATIO, 1952, p. 69).

2.2. INÁCIO DE LOYOLA: VIDA E OBRA

Serafim Leite em seu livro “História da Companhia de Jesus no Brasil” apresenta


que Santo Inácio nasceu no castelo de Loiola, nas Vascongadas, por volta de 1491,
de origem militar, viveu na juventude uma vida desregrada, dos gentios, fidalgos e
militares.

Foi nomeado capitão na guarnição de Pamplona, capital de Navarra e, neste


período, ocorreu a guerra com a França, em que Inácio se feriu e foi enviado para
recuperar-se na terra natal. Durante a recuperação pediu livros de cavalaria para ler,
como não encontraram lhe deram uma “Vida de Cristo” e um “Florilégio de Santos”.
Com as leituras surgiu no espírito de Inácio outro ideal.

[...] que fizera até ai? Servir os princípios da terra. Daí em diante
seguiria o Rei dos Reis. Se até ai dera a juventude ao mundo e às
18

suas vaidades, para o futuro iria pôr-se ùnicamente ao serviço da


glória de Deus (LEITE, 1938, p. 3-4).

Primeiramente Loyola dividiu o pouco que tinha entre os mais necessitados, dando
sua requintada roupa de cavaleiro. Depois deste episódio, ele seguiu sua árdua
peregrinação com muitos obstáculos e provações. Visitou as ermidas de nossa
Senhora, passou por Monserrat e se estabeleceu em Manresa, na Catalunha, por
um ano pedindo esmola e repousando onde lhe davam abrigo. De vez em quando
se dirigia até uma gruta para orar; segundo Leite (1938, p. 4) neste seu retiro teve a
primeira ideia dos Exercícios Espirituais (jejuns, oração, reflexão, assistência divina).

Em Barcelona, decidido a pregar os Exercícios Espirituais, se dedica após seus


trinta anos a aprender latim nos bancos da escola. De acordo com Leite (1938, p. 4)
Loyola:

Dirige-se depois para as Universidades de Alcalá e Salamanca.


Começando a dar os Exercicios, sem estudos, atrai sôbre si atenção
dos Inquisidores, naquelas duas cidades. É preso. [...] todavia,
persistindo as peias que lhe tolhiam a prègação, resolveu acabar os
estudos em Paris.

Em Paris estudou primeiro no Colégio de Montaigu, posteriormente passou para o


de Santa Bárbara e, em 1534, Inácio de Loyola recebeu grau de mestre em Artes.

De acordo com Leite (1938, p. 10), estando assim a Companhia oficializada, faltava
apenas que se escrevessem as Constituições4. Santo Inácio começou a escrevê-las
em 1547 e, em 1550, depois de redigida a primeira fórmula, Inácio apresentou aos
Padres mais competentes, entre eles Francisco de Borja e Lainez, para analisar o
texto, sendo que todos aprovaram com poucas modificações.

Após correções feitas por ele próprio foi anunciada nas diversas províncias da
Companhia, a partir de 1552. De início, as Constituições foram instituídas somente

4
As Constituições da Companhia de Jesus é uma obra escrita por Inácio de Loyola que veio à luz em
1559, tal documento é composto por dez partes, cujo conteúdo traz os princípios que deveriam
nortear a vida de cada integrante da Companhia de Jesus, dentre eles podemos destacar a
obediência, a castidade e a pobreza.
19

para experiência como Loyola desejava e somente em 1558, após sua morte, que
elas foram aprovadas pela Congregação Geral.5

As Constituições da Companhia de Jesus é uma obra que confirma toda genialidade


de Loyola, pois em dez partes demonstra uma organização singular.

A Primeira, da admissão dos que hão-de seguir o nosso Instituto; a


Segunda, da demissão dos que não pareçam idôneos para êle; a
terceira, da conservação e aproveitamento em virtude dos que
ficarem; a quarta, da formação em letras e outros meios de ajudar o
próximo os que se tiverem ajudado a si-mesmos em espírito e
virtudes, a quinta, da encorporação na Companhia dos que assim
forem formados; a sexta, do que devem observar em si mesmos os
já encorporados; a sétima, do que se há de observar para com os
próximos, repartindo os operários e empregando-os na vinha de
Cristo Nosso Senhor; a oitava, do que toca a unir entre si e com a
sua cabeça os que estão repartidos; a nona, do que respeita à
cabeça e ao govêrno que dela ao corpo desce; a décima, do que
universalmente toca à conservação e aumento de todo o corpo desta
Companhia no seu bom ser. Esta é a ordem, a qual se terá nas
Constituições e Declarações, olhando ao fim que todos pretendemos
da glória e louvor de Deus Nosso Criador e Senhor (LEITE, 1938, p.
11).

Outra obra de Inácio de Loyola são os Exercícios Espirituais, um pequeno livro


escrito em Marensa no momento que estava ferido e se recuperando de um tiro que
havia recebido em Pamplona, em 1521.

Optando pela religiosidade, escreve o livro Exercícios Espirituais, de que deriva toda
a espiritualidade da Companhia de Jesus. De acordo com Leite (1938, p. 15), o livro:

Assenta em dois princípios: um, com fundamento, na razão


esclarecida pela fé, e criação do homem e o fim para que foi criado;
outro fundado na fé, - a Incarnação do filho de Deus, cuja imitação
deve ser a maior ambição humana. Supõe-se o pecado: e, portanto,
a reação contra o prazer. [...] Santo Inácio integra a sua Ordem no
mundo e faz dela uma campanha para a conquista do mundo. Cerra
os laços da disciplina, fortifica as almas pela oração, exame
particular, sacramentos, e liberta os seus religiosos, de práticas
externas, boas em si, mas que poderiam tolher os movimentos de
uma campanha activa: côro, jejuns, capitulo, hábito próprio. A

5
O supremo poder legislativo da Companhia de Jesus está na Congregação Geral. Inácio de Loyola
traça nas Constituições o perfil do Superior Geral: homem de coração e união com Deus; possua as
virtudes próprias do estado religioso, em particular caridade, humildade, mortificação, mansidão e
fortaleza; seja de grande entendimento e juízo, vigilante e eficaz para levar as coisas a bom têrmo;
goze de saúde e forças e tudo o mais que possa dar crédito e autoridade.
20

abnegação interior é a força da Companhia de Jesus. Fundada nos


Exercícios, a sua espiritualidade reveste carácter magnífico de
unidade, precisão, largueza de vistas, flexibilidade e segurança.

Além das Constituições, Exercícios Espirituais, Inácio fundou o asilo para os cristãos
novos e também para aqueles que tinham o desejo de se converter ao cristianismo.
Instituiu a Casa Santa Marta para mulheres pobres, pecadoras, além de escolas e
universidades.
21

3. RATIO ATQUE INSTITUTIO STUDIORUM SOCIEATIS LESU: ORIGEM E


DESENVOLVIMENTO

Podemos considerar que as origens do Ratio Studiorum remontam as Constituições


da Companhia de Jesus elaboradas por Inácio de Loyola e colocadas em vigor em
1552. A sua IV parte, dedicada à educação, traz as linhas mestras da organização
didática e o espírito da atividade pedagógica da Ordem.

De acordo com Franca (1952), esta parte das Constituições registrava apenas a
orientação geral, sendo necessária a elaboração e a sistematização de um plano de
estudos específico para nortear as atividades de cunho pedagógico nos colégios da
Companhia.

Em 1551 foi dado o primeiro passo em direção ao documento que guiaria a ação
administrativa e educativa dentro dos colégios jesuíticos, quando Jerônimo Nadal6, a
pedido do Geral Loiola, recolheu informações a respeito dos colégios, principalmente
o de Messina7, e, a partir das observações, elaborou o primeiro regulamento que foi
enviado aos colégios.

Neste mesmo ano foi fundado também o Colégio Romano 8 que se tornou o principal
da Companhia. Conforme Franca (1952) o Colégio Romano teve entre os anos de
1564 a 1566, como Reitor, justamente o padre Nadal que, acumulando mais essa
experiência, elaborou um novo plano posto em execução durante o seu reitorado, o
Ordo Studiorum.

6
De 1552 a 1557 percorreu quase toda a Europa, como delegado de Inácio para explicar e promulgar
as Constituições da Ordem. De 1557 a 1559 foi nomeado Prefeito de Estudos no Colégio Romano e
governou ,como Reitor, o mesmo colégio de 1564 a 1566.
7
Primeiro Colégio de jesuítas criado em Messina, na Silícia, em 1548, a pedido do vice-rei, D. Juan
de Veiga, sob direção de Nadal. Foi nesse colégio que, pela primeira vez, os jesuítas aplicaram um
plano de estudos que, posteriormente, viria a ser adotado nos demais colégios da Ordem. O método
utilizado no colégio de Messina foi o modus parisiensis.
8
O Colégio Romano foi fundado em 1551 e tornou-se referência para toda Ordem. O método de
ensino utilizado foi o modus parisiensis, caracterizado pela distribuição de alunos em classes,
realização pelos alunos de exercícios escolares e mecanismo de incentivo ao trabalho escolar. A
organização da classe dava-se por um grupo de alunos mais ou menos da mesma idade e com o
mesmo grau de instrução. O conhecimento era proporcional ao nível do aluno e cada classe era
regida por um professor.
22

Segundo Saviani (2008, p. 50) “está aí aquilo que se poderia considerar o primeiro
esboço do Ratio Studiorum que foi enviado de Roma para as instituições que iam
sendo fundadas nos diversos países visando uniformizar a organização e o
funcionamento dos colégios”.

No entanto, é em 1584 que os dirigentes da Companhia, por meio de seu Geral


Acquaviva, decidem realizar um plano de estudo visando à uniformização dos
colégios e universidades dos futuros jesuítas e dos alunos externos. Nove meses
depois o trabalho estava concluído e foi submetido a uma comissão de professores
do Colégio Romano; não satisfeito Acquaviva enviou o documento para estudo de
toda a Companhia. Conforme Franca:

[...] foi o Ratio enviado em 1586 a todos os provinciais, acompanhado


de uma circular de Acquaviva. Nela se recomendava que em cada
província se nomeasse pelo menos 5 padres abalizados no saber e
na prudência para que, desembaraçados, estudassem a nova
fórmula dos Estudos, primeiro em particular, depois em consultas e,
por fim, redigissem livremente o seu parecer, a ser remetido para
Roma dentro de cinco ou seis meses (1952, p. 09).

Em 1591, uma nova comissão, composta por três dos seis integrantes da comissão
de 1585, Tucci, Azor e Gonzalez, recebeu e analisou o conteúdo dos relatórios.
“Para a elaboração de uma nova versão, o geral da Companhia associou a esses
três compiladores uma espécie de comissão de notáveis compostos pelos mais
renomados professores do Colégio Romano” (SAVIANI, 2008, P. 53). Após críticas
e sugestões de melhorias vem à luz a segunda versão, colocada em prática em
caráter experimental por três anos e, ao findar o prazo de experiência, os resultados
deveriam ser enviados a Roma para a promulgação final.

Uma última comissão se reuniu em 1598 para verificar os novos pareceres e, em


janeiro de 1599, foi aprovada e publicada finalmente a versão definitiva do Ratio
atque Institutio Studiorum.

Esta edição, retocada ligeiramente em 1616, vigorou nos Colégios


dos Jesuítas até 1773, ano da supressão da Companhia, Em 1832
(como se sabe, a Companhia de Jesus foi restaurada em 1814, pelo
Papa Pio VII), é publicada uma nova edição da Ratio. Não se trata de
uma nova Ratio, mas de uma adaptação do texto de 1599 às novas
exigências do século XIX. [...] na Ratio de 1832, encontrarão maior
23

espaço as línguas modernas, o estudo da matemática, da física, da


química, da astronomia, da história natural, da geografia e da história
universal (MIRANDA, 2009, p. 40).

O código de leis que passava a orientar a atividade pedagógica dos colégios


jesuíticos representava os resultados de uma experiência de meio século aplicado
com êxito em todos os lugares.

O Ratio, portanto, é filho da experiência, não de um homem ou de


um grupo fechado, mas de uma experiência comum, ampla de tal
amplitude, no tempo e no espaço, que lhe assegura uma grandeza
majestosa, talvez singular na história da pedagogia (FRANCA,
1592, p. 23).

O Ratio Studiorum, “expressa o modelo ideal de formação, de educação dos


estudantes nos colégios e universidades” (COSTA, 2004, p. 225), e carrega o
caráter histórico da sociedade de Jesus. Para Miranda (2009, p. 41)

A pedagogia da Ratio pretende que o educando, a partir da sua


liberdade, desenvolva ao máximo, de modo harmônico e segundo
uma hierarquia de valores, as suas disposições espirituais e as suas
faculdades mentais, volitivas e afectivas, de acordo com a sua
verdadeira natureza e destino.

Franca (1952, p. 79) traz que o documento Ratio Studiorum previa certa flexibilidade
e adaptações das suas regras respeitando a diversidade dos lugares na qual a
Companhia possuía colégios. Um exemplo que confirma sua flexibilidade é a regra
39 do provincial que prevê modificações na organização do ensino para melhor
progresso das letras, desde que estas, se aproximem o mais possível das normas
estabelecidas no Ratio.

3.1. ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO RATIO STUDIORUM

Franca (1952) apresenta que o código representado pelo Ratio atque Institutio
Studiorum Societatis Iesu caracteriza-se como um manual prático que preconiza
métodos de ensino e orienta o professor na organização de sua aula.

Segundo Saviani (2008) o manual contém 467 regras, cobrindo todas as atividades
dos agentes envolvidos ao ensino. A tabela a seguir foi retirada no autor e, tem
como finalidade proporcionar um esboço das regras e normas instituídas no
documento.
24

REGRAS DO RATIO STUDIORUM 467

A) Regras do provincial 40

B) Regras do reitor 24

C) Regras do prefeito de estudos superiores 30

D) Regras comuns a todos os professores das faculdades superiores 20

E) Regras particulares dos professores das faculdades superiores distribuídas 49


em: a) Regras o professor de Escritura (20); b) Regras do professor de Hebreu
(5); c) Regras do professor de Teologia (14); d) Regras do professor de
Teologia Moral (10);

F) Regras dos professores da faculdade de Filosofia: a) Regras do professor 27


de Filosofia (20); b) Regras do professor de Filosofia Moral (4); c) Regras do
professor de Matemática (3);

G) Regras do prefeito de estudos inferiores 50

H) Regras dos exames escritos 11

I) Normas para a distribuição de prêmios 13

J) Regras comuns aos professores das classes inferiores 50

L) Regras particulares dos professores das classes inferiores: a) Regras do 50


professor de Retórica (20); b) Regras do professor de Humanidades (10); c)
Regras do professor de Gramática Superior (10); d) Regras do professor de
Gramática Média (10); e) Regras do professor de Gramática Inferior (9);

M) Regras dos estudantes da Companhia 11

N) Regras dos que repetem a teologia 14


25

O) Regras do bedel 07

P) Regras dos estudantes externos 15

Q) Regras das academias, distribuídas em: a) Regras gerais (12); b) Regras 47


do prefeito (05); c) Regras das academias de teologia e filosofia (11); d)
Regras do prefeito da academia dos teólogos e filósofos(04); e) Regras das
academia de retórica e humanidades (07); f) Regras da academia dos
gramáticos (08)

(SAVIANI, 2008, p. 54)

A partir desta tabela verificamos que o Plano de Estudo dos jesuítas inicia-se com
as regras do provincial, depois as regras do reitor, do prefeito de estudos, dos
professores em geral e de cada matéria de ensino em particular; contempla também
as regras da prova escrita, distribuição de prêmios, do bedel, dos alunos e por fim
as regras das diversas academias.

Além das regras e das normas, o Ratio apresenta os níveis de ensino


(Humanidades, Filosofia e Teologia) e as disciplinas que os alunos deveriam
cumprir. A seguir, vejamos a organização curricular do Ratio Studiorum, conforme
apresenta Franca (1952 p. 27-28).

I - Currículo Teológico - 4 anos

- Teologia Escolástica. 4 anos; dois professores, cada qual com 4 horas por semana.

- Teologia Moral. 2 anos; dois professores com aulas diárias ou um professor com
duas horas por dia.

- Sagrada Escritura. 2 anos com aulas diárias.

- Hebreu. 1 ano, com duas horas por semana.

II- Currículo Filosófico – 3 anos

- 1º ano – Lógica e introdução às ciências; um professor; 2 horas por dia.


26

- 2º ano – Cosmologia, Psicologia, Física - 2 horas por dia, Matemática – 1 hora por
dia.

- 3º ano – Psicologia, Metafísica, Filosofia moral – dois professores. 2 horas por dia.

III – Currículo Humanista – 3 anos

O currículo humanista corresponde ao moderno curso secundário, abrange no Ratio


cinco classes:

- Retórica

- Humanidades

- Gramática Superior

- Gramática Média

- Gramática Inferior

De acordo com o autor:

Estas classes são caracterizadas por graus, ou estágios de


progresso. Representam menos uma unidade de tempo (1 ano) do
que uma determinada soma de conhecimento adquiridos. Só podia
ser promovido à classe superior, o aluno que os houvesse assimilado
integralmente. Por isso, na prática, o currículo dilatava-se muitas
vezes por 6 e 7 anos; a ultima classe de gramática e às vezes a
penúltima desdobravam em duas outras, A e B, ou ínfima gramática
primi ordinis e ínfima gramática secundi ordinis (FRANCA, 1952, p.
28).

Quanto ao horário Franca (1952) descreve que o Ratio dispõe 5 horas por dia de
estudos, sendo duas e meia pela manhã e as demais no período da tarde. O tempo
era minuciosamente distribuído entre o grego e o latim, a prosa e a poesia, e os
diversos exercícios escolares, preleção, lição, composição, desafio etc. A ordem
dos estudos poderia ser alterada de acordo com os costumes locais.
27

3.2. SISTEMA EDUCACIONAL: HUMANIDADES, FILOSOFIA E TEOLOGIA

CURSO DE LETRAS OU LÍNGUAS

O latim era o centro do curso literário e com ele se ensinava o grego, a língua pátria,
a história, mas “entender os autores clássicos, falar corretamente o latim escrevê-lo
com elegância e primor ciceroniano era o alvo principal a que se dirigia o empenho
do mestre e os esforços do discípulo” (RODRIGUES, 1917, p. 42- 43).

Uso do Latim. – Zele com diligência para que se conserve em casa o


uso do latim entre os escolásticos; desta regra de falar latim não haja
dispensa, exceto nos dias de feriados e nas horas de recreio, a
menos que, em algumas regiões, não pareça ao provincial que, ainda
nessas ocasiões, se pode conservar com facilidade o uso de falar
latim. Procure também que os nossos escolásticos, que ainda não
terminaram os estudos, quando escreverem cartas aos nossos
escrevam em latim. Além disto, duas ou três vezes no ano, quando
se festeja alguma solenidade, como o começo do ano letivo ou a
renovação dos votos, os nossos estudantes de filosofia e teologia
componham e exponham em público alguns versos (RATIO, 1952, p.
80).

Franca (1952) expõe que o curso iniciava pela gramática latina e subia pelos três
degraus da gramática ínfima, média e suprema, passando, posteriormente, para a
classe de humanidades e, por fim, para a retórica.

Na classe ínfima de gramática aprendiam-se os elementos da Arte e os princípios da


língua grega; para as preleções eram escolhidas as cartas mais simples de Cícero.

O objetivo desta classe é o conhecimento perfeito dos elementos da


gramática, e inicial da sintaxe. Começa com as declinações e vai até
a construção comum dos verbos. Onde houve duas subdivisões, na
subdivisão inferior se explicarão, do primeiro livro, os nomes, verbos,
as regras fundamentais, as quatorze regras da construção, os
gêneros dos nomes; na superior do primeiro livro a declinação dos
nomes sem os apêndices, e ainda os pretéritos e os supinos, do livro
segundo, a introdução à sintaxe sem os apêndices até os verbos
impessoais. Em grego, a subdivisão mais atrasada aprenderá a ler e
escrever, a mais adiantada os nomes simples, o verbo substantivo e
o verbo barítono. Nas preleções adotem-se, dentre as cartas de
Cícero, só as mais fáceis, escolhidas para este fim, e, se possível,
impressas separadamente (RATIO, 1952, p. 138).

Na classe média aprendia-se toda a gramática em busca de um conhecimento geral,


no grego avançava-se até os verbos e explicavam-se as cartas familiares de Cícero.
28

Por fim, na classe suprema procurava-se obter notícias completas dos preceitos e
elegância da gramática latina. No grego estudavam-se as regras gramaticais e
avançava nos estudos de Cícero.

A aula de HUMANIDADES tinha por fim preparar o campo á


eloquencia pela exposição breve dos preceitos da rhetórica e pelo
conhecimento da língua procurando que os alumnos lhe
penetrassem a propriedade dos termos e possuíssem as riquezas do
vocabulário (RODRIGUES, 1917, p. 45).

A classe de retórica buscava formar perfeitos oradores e familiarizar os alunos na


arte da poesia, os mestres apresentavam os preceitos de Cícero e Aristóteles.

Os discursos de Cícero ocupavam primeiro plano, tendo em vista o


aperfeiçoamento do estilo, mas também se estudava a obra de
Quintiliano e de Aristóteles (Retórica e Poética) e a obra de alguns
historiadores, tendo em vista a erudição, também própria do
programa desta classe (MIRANDA, 2009. p. 30).

Para ampliar a formação literária do aluno o Ratio apresentava uma variedade


imensa de conhecimentos, como “a chronologia, a historia, a geographia, os usos e
costumes das gentes, a noticia biographica e literaria dos auctores, noções de
literatura, mytologia e technologia [...]” (RODRIGUES, 1917, p. 45-46). Como
adverte o Ratio de 1586 a língua do povo era instrumento indispensável para o
ministério do sacerdócio e ensino.

CURSO DE FILOSOFIA

O ensino de filosofia que se propõe era baseado em uma linguagem pura, de bons
pensamentos e raciocínio legítimo, “visava directamente a formação scientifica da
intelligencia; mas, segundo o Ratio Studiorum, encaminhava-se a um fim moral e
religioso [...]” (RODRIGUES, 1917, p. 56). Ensinavam-se as matérias de lógica,
física e ciências naturais, como método, e os mestres utilizavam os autores
propostos pelo Ratio.

A regra 30 do prefeito de estudos traz que

Nas mãos dos estudantes de teologia e filosofia não se ponham


todos os livros, mas somente alguns, aconselhados pelos
professores com o conhecimento do Reitor: a saber, além da Suma
de Santo Tomás para os teólogos e de Aristóteles para os filósofos
29

um comentário para consulta particular. Todos os teólogos devem ter


o Concilio Tridentíno e um exemplar da Bíblia, cuja leitura lhes deve
ser familiar. Consulte o Reitor se convém se lhes dê algum Santo
Padre. Além disto, dê a todos os estudantes de teologia e filosofia
algum livro de estudos clássicos e advirta-lhes que lhe não
descuidem a leitura, em hora fixa, que parecer mais conveniente
(RATIO, 1952, p. 83).

O curso completo de filosofia tinha duração de três anos com duas horas diárias de
lição, o estudo contemplava a matemática, as ciências naturais e o estudo da
meteorologia. No entanto, em Coimbra e Évora se estendia até ao quarto ano, em
que se preparavam os discípulos para o exame público. Miranda (2009, p. 32)
apresenta que:

O primeiro ano era consagrado à lógica e previa o estudo de livros


como Da Interpretação, Primeiros Analíticos, Tópicos e Refutações
Sofísticas, incluindo desde logo algumas partes da Física e Da Alma.
No segundo ano, o corpus aristotélico englobava os oito livros da
Física e ainda Do Céu, Da Geração e Corrupção e Meteorológico. No
terceiro ano, acabava-se os estudos dos livros Da Geração, Da Alma
e iniciava-se o estudo da Metafísica.

No que se refere ao estudo da filosofia Miranda (2009) divulga que Portugal trouxe
contribuições notáveis com a obra de Pedro da Fonseca, considerado o Aristóteles
português, e principalmente com o chamado curso conimbricense9, que abriu novos
horizontes à filosofia.

CURSO DE TEOLOGIA

Os cursos de Letras, Filosofia e Ciências Naturais preparavam para o estudo da


Teologia. Rodrigues (1917) observa que se a Companhia não formar bons
historiadores, astrônomos, físicos, pode até encontrar desculpa, “mas se não
apresentar bons theologos, não cumpriu a sua missão de ensinar”. Pois em uma
sociedade extremamente religiosa a teologia é o principal caminho é a ciência de
Deus. Os jesuítas seguem os dogmas teológicos e filosóficos de S. Tomás de
Aquino por ser a mais sólida e segura.

9
Conforme Miranda (2009, p. 33) o curso conimbricense constitui em importantes expressões do
ambiente de Humanismo que então se vivia na cidade de Coimbra e no Colégio das Artes. Numa
opção pelo tomismo, os mestres conimbricences criavam uma escola de filosofia, com tradução,
comentários e transmissão da obra aristotélica, de método breve e claro. O curso conimbricense
reflete o método estabelecido no Ratio.
30

O curso de Teologia tinha a duração de quatro anos, porém, aqueles que possuem
aptidão para o estudo deveriam permanecer por mais dois anos para aprofundar os
conhecimentos adquiridos e assim alcançarem a mais vasta erudição.

Miranda (2009, p. 33-34), no livro Código pedagógico dos Jesuítas, traz que as aulas
ocupavam seis dias semanais nos quais o Ratio previa horários para as lições de
cada classe, disciplina, exercícios e também para o estudo pessoal, deixando
sempre acessível à adequação aos costumes locais.

Quanto ao sábado, domingo e dias festivos a autora destaca que também havia um
horário próprio para o estudo, preenchido por disputas ou por repetições, discursos,
declamações de poesias e até mesmo preleções.

3.3. METODOLOGIA DO RATIO STUDIORUM: PROCEDIMENTOS PEDAGÓGICOS

A metodologia é a parte mais desenvolvida do Ratio Studiorum, compreendendo


tanto os processos didáticos utilizados para a transmissão, quanto os estímulos
pedagógicos, “a intenção que nos ditou foi não só de orientar os professores novos
como de unificar o sistema de ensino e a tradição da Ordem” (FRANCA, 1952, p.
34). Não ocorreu uma padronização rígida do processo de trabalho, pois a
variedade de métodos propostos dava uma ampla liberdade de escolha que poderia
ser adaptada a diversos dons e à variedade de circunstâncias.

Franca também afirma que ao mestre se confere largos poderes de iniciativa,


podendo ele fazer uso dos métodos preestabelecidos ou apropriar-se de novos,
conforme Franca (1952, p. 34) “norma e liberdade, tradição e progresso balançam-
se em justo equilíbrio”.

A preleção é o ponto chave do sistema didático do Ratio. Como o próprio nome


indica é uma lição antecipada, isto é, uma explicação do que o aluno deverá
estudar, cujo método e aplicações variam de acordo com o nível intelectual dos
estudantes.

Nas classes elementares de gramática, por exemplo, após a leitura e o resumo do


texto, o professor explica, resolve as dificuldades relativas ao vocabulário, à
31

propriedade dos termos, o sentido das metáforas, a gramática e a conexão das


palavras. “Preleção de gramática. – A lição de gramática, restringe-se, no máximo,
a uma regra e antes de estar bem aprendida, não se passe à seguinte” (RATIO,
1952, p. 140). Na medida em que a classe se aproxima da retórica começam as
questões relativas à sintaxe, ao estilo e à arte de composição.

A preleção, na sua finalidade, é menos informativa do que formativa;


não visa comunicar fatos, mas desenvolver e ativar o espírito. Com
uma compreensão viva, o aluno vai exercitando, não tanto a
memória, mas também e principalmente a imaginação, o juízo e a
razão. Observa, analisa palavras, períodos, parágrafos; resume
passagens, compara; critica; adquire hábitos de estudo ; desenvolve
o desejo de ulteriores investigações para formação do critério de uma
apreciação pessoal (FRANCA, 1952, p. 35).

A preleção de Cícero obedecia ao seguinte método: primeiro lia-se seguidamente


todo o trecho e depois em vernáculo indicava-se o sentido. Posteriormente traduzia-
se o período no idioma pátrio. Em terceiro lugar indicava-se a estrutura, as regras
gramaticais, as metáforas com exemplos acessíveis. Em quarto lugar percorria-se
novamente o trecho do autor em vernáculo (RATIO, 1952, p. 139).

Anteriormente à preleção sempre se recitava de cor um trecho latino em prosa ou


verso. Além da lição de cor, que antecede a preleção da retórica e de comentários
de autores, existiam outros exercícios escolares: colheita de frases de bons autores,
versão e retroversão, ditado do tema da composição, redação de inscrições,
epigramas etc.

Segundo Franca (1952) a variedade das ocupações suavizava o esforço e mantinha


a atenção sempre alerta. O método utilizado é essencialmente ativo, professor e
aluno trabalham em conjunto, os estudantes são frequentemente solicitados a uma
colaboração continua. De acordo com Miranda (2009, p. 41) “ao estudante,
protagonista da sua aprendizagem, é expressamente exigido um caráter activo,
personalizador e autoformativo, evitando a abulia, a passividade, o desinteresse e
indiferença”.

Em se tratando do trabalho do professor, este era eficientemente ajudado pelos


alunos, pois o ato educativo é intercomunicativo de ensinamento e aprendizagem
32

mútua, entre educador e educando (MIRANDA, 2009, p. 41). Para auxiliar os


professores em aulas, na organização de grupos, passagem e correções de lições,
controle na disciplina, seriedade e constância em aula haviam os decuriões, alunos
escolhidos pelo desempenho escolar e mérito pessoal.

Para esses ajudantes do professor, existiam regras as quais deveriam ser cumpridas
como, por exemplo, obediência ao professor, em que seu dever era executar
fielmente tudo o que lhe era prescrevido. Sobre as aulas, deveria providenciar para
que tudo corresse adequadamente (que não falte assentos, cuidados com a limpeza,
concerto dos quebrados, cuidados com o início do horário das aulas, entre outros).
Levar ao conhecimento do Superior se os estudantes não comparecem às lições,
repetições, disputa ou deixam de cumprir algum dos deveres relativos ao estudo ou
disciplina (RATIO, 1952, p. 144).

Passamos assim dos processos didáticos aos estímulos pedagógicos utilizados nos
colégios da Companhia para incentivar a atividade dos alunos. Faz-se necessário
destacar que “os jesuítas não eram amigos dos castigos corporais. Não os
suprimiram de todo, mas alistaram-se decididamente entre os que mais contribuíram
para suavizar a disciplina” (FRANCA, 1952, p. 37). Nesse sentido, as próprias
Constituições da Companhia já estabelecem que “na medida do possível a todos se
trate com o espírito de brandura, de paz e de caridade”, princípio que foi conservado
pelo Ratio. Um exemplo pode ser percebido na regra 40 do professor das escolas
inferiores quanto ao modo de castigar:

Não seja precipitado no castigar nem demasiado no inquirir;


dissimule de preferência quando o puder sem prejuízo de ninguém;
não só não inflija nenhum castigo físico (este é oficio do corretor)
mas abstenha-se de qualquer injúria, por palavras ou atos não
chame ninguém se não por seu nome ou cognome; por vezes é útil
em lugar do castigo acrescentar algum trabalho literário alem do
exercício de cada dia; ao Prefeito deixe os castigos mais severos ou
menos costumados, sobretudo por faltas cometidas por fora da aula,
como a ele remeta os que se recusam aceitar os castigos físicos [...]
principalmente se forem mais crescidos (RATIO, 1952, p. 122-123, J-
40).

Os castigos físicos eram aplicados em casos mais graves, quando as boas palavras
e exortações não fossem suficientes. Como afirma Rodrigues (1917, p.31) “não é
33

porêm muitas vezes sufficiente a reprehensão de palavras; torna-se necessario o


castigo corporal”. Entretanto, podemos afirmar que o persuasivo exprimia a norma e
a prática dos colégios da Companhia.

Contudo, se fosse necessário fazer uso dos castigos físicos era chamado um
corretor10 para aplicar a palmatória, cujos golpes não poderiam passar de seis,
nunca no rosto ou na cabeça, assim como, nunca em lugar solitário, mas sempre na
presença de pelo menos duas testemunhas. Franca (1952) aponta que não se tinha
em vista ferir ou humilhar o aluno e sim lhe causar uma pequena dor física que na
primeira idade era um meio eficiente de disciplinar.

Como os castigos físicos ficavam sempre como último recurso, uma vez que a regra
era recorrer aos sentimentos mais nobres da honra e da dignidade, a emulação
constitui em seu sistema uma das forças psicológicas mais eficientes. Pois o espírito
de competição era um excelente estimulador para os jovens assim:

Todos os meses, ou de dois em dois meses, eleger-se-ão


magistrados na classe e, se parecer bem, atribuir-se-ão prêmios – a
não ser na classe de retórica, naqueles lugares em que isso parecer
desnecessário. Para esta eleição, os alunos deverão escrever um
texto em prosa, em classe e durante todo o tempo da aula e, no caso
das classes superiores, outro em verso ou em grego. Nas classes
inferiores, se parecer conveniente, pode-se reservar meia hora para
uma disputa. Aqueles que escreverem melhor obterão a magistratura
superior, os que se lhes seguirem receberão, por ordem decrescente,
outros títulos honoríficos,cujo nomes se hão-de tirar dos cargos civis
e militares gregos e romanos, para dar a este procedimento um
aspecto mais erudito. Além disso, para favorecer a emulação, a
classe poderá dividir-se em duas partes, cada uma das quais terá as
suas próprias magistraturas e a outra os respectivos adversários.
Deste modo, cada aluno terá seu adversário correspondente. As
magistraturas mais elevadas de cada uma das partes sentar-se-ão
no primeiro lugar (MIRANDA, 2009, p. 46).

Contudo, é importante ressaltar que a competição era saudável (mente e corpo) e,


aconteciam por meio de torneios escolares, sessões literárias, entre outros. Nas
palavras de Rodrigues (1917, p. 68):

Não falamos da emulação desregrada que alimenta as paixões


viciosas, accende a ira e instiga a vingança, mas daquella emulação
10
Corretor - homem sério e moderado, de fora da Companhia, que punia de acordo com as
instruções recebidas do Prefeito de Estudos.
34

que o Ratio Studiorum chama honesta aemulatio, nobre emulação,


que apresente aos olhos, para seguir-se, não honra vã, mas o
sentimento da honra verdadeira que tem sido em todos os seculos
móvel de heróicos accommettimentos.

As premiações eram outro incentivo à emulação que diante de grandes autoridades


eclesiásticas e civis, na presença de familiares eram realizados eventos solenes
para a distribuição dos prêmios aos alunos merecedores. O Ratio prescrevia normas
para as premiações (números de prêmios, julgamento do concurso, realização do
evento, e distribuição). Para o número de prêmios estava previsto:

Para a classe de Retórica haverá oito prêmios: dois para a prova


latina, dois para poesia; dois para prosa grega e outros tantos para
poesia. Para a classe de humanidades e a primeira classe de
Gramática haverá seis prêmios, na mesma ordem, omitindo-se a
poesia grega que, de regra, não ocorre abaixo da Retórica. Para
todas as outras classes inferiores, quatro prêmios, omitindo-se
também a poesia latina. Além disso, dê-se também, em todas as
classes, um prêmio ao aluno ou aos dois alunos que melhor
houverem aprendido a doutrina cristã. Conforme o número, grande
ou pequeno dos estudantes, poderão distribuir-se mais ou menos
prêmios, contanto que se considere sempre mais importante o de
prosa latina (RATIO, 1952, p. 114).

Quanto ao julgamento, para a escolha do vencedor deverá ser nomeado o que


escreveu com melhor estilo, e se obtiver empate em qualidade e estilo escolhe o que
escreveu mais; se ainda assim houver empate será escolhido o que apresentar
melhor ortografia, caligrafia, se em tudo forem iguais, os prêmios poderão ser
divididos, multiplicados ou tirados em sorte (RATIO, 1952, p. 115).

Na solenidade dos prêmios:

No dia marcado, com a maior solenidade e assistência de


convidados possível, leiam-se publicamente os nomes dos
vencedores e cada um dos chamados levantar-se-á no meio da
assembléia e receberá com toda a honra os seus prêmios. Se faltar
alguém, sem licença dada, pelo Prefeito, por justas causas,
reconhecidas pelo Reitor, perderá o direito ao premio inda que bem
merecida (RATIO, 1952, p. 115).

No que diz respeito à distribuição dos prêmios:

O leitor chamará um dos premiados mais ou menos com esta


fórmula: “Para maior glória e progresso das letras e de todos os
alunos deste ginásio, mereceu o primeiro, o segundo e o terceiro etc.
35

prêmio em poesia latina, em poesia grega, N.” Entregue então o


prêmio o premi ao vencedor, acompanhando-o geralmente com uma
brevíssima estrofe adaptada à circunstância e que, se possível, será
logo entoada pelos cantores. Por último leia também os nomes dos
mais se aproximaram dos vencedores, os quais se poderá distribuir
também alguma distinção (RATIO, 1952, p. 115).

O teatro também era um incentivo poderoso utilizado pelos jesuítas, o qual


desenvolvia todas as faculdades e aptidões dos discípulos. Conforme Rodrigues
(1917, p.82) “os jesuítas consideravam o theatro uma verdadeira instituição e a
scena uma continuação da aula, da capella... o verdadeiro, o bello e o bom era o
que elles se propunham fazer amar, misturando, já se vê, o util com o agradavel”. O
teatro escolar era variado, desde o simples diálogo, até as tragédias, a comédia, o
drama litúrgico e representações de mistérios da fé.

Como vimos inúmeras características marcaram a pedagogia jesuítica. Convém


evidenciar, portanto, que a educação foi um fator bem cultivado e administrado
pelos jesuítas e que suas normas e determinações eram cuidadosamente seguidas
e respeitadas. Outro aspecto a ser destacado é que a Companhia de Jesus era
uma sociedade estritamente religiosa e a pedagogia utilizada baseava-se no
evangelho de Jesus Cristo e, dessa maneira, os colégios jesuíticos formavam
homens de caráter predominantemente católicos.

3.4. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PREVISTA NO RATIO STUDIORUM

No século XVI a situação do professor não era das melhores como apresenta
Franca (1952), pois por motivos econômicos ou por motivos morais a profissão caiu
em grande desprestigio e a situação deste profissional estava muito abaixo de sua
nobre missão. No entanto, a Companhia sempre esteve atenta à formação do
professor e, para modificar esta realidade, dedicou-se a formação reabilitadora do
mestre, realizando um progresso na educação e adiantando-se ao seu século.

É um fato comprovado pela história que a Companhia de Jesus


procurou satisfazer as intenções do fundador e atribuiu em todo
tempo decidida importância á formação dos professores que em seus
collegios haviam de ensinar e educar a juventude (RODRIGUES,
1917, p. 90).
36

A formação do mestre deveria ser completa, abrangendo todos os aspectos da


perfeição humana, pois é ele quem modela no educando o homem perfeito de
amanhã (FRANCA, 1952, p. 53).

Neste sentido, eram dedicados dois anos para a formação moral (primeira
preocupação da Companhia de Jesus), ou seja, a formação da alma própria em que
o futuro formador adquire o conhecimento próprio, o governo das paixões, o domínio
sobre as tendências impulsivas.

A razão sobrepõe-se aos poucos à volubilidade dos caprichos. As


virtudes cristãs da caridade, da paciência, da renúncia de si mesmo,
da piedade sólida, transformam-se aos poucos em hábitos vivos, que
pautam as ações dos futuros educadores. Além desta têmpera do
caráter, a vida interior aguça a visão psicológica. Mais do que em
qualquer tratado inanimado da psicologia, é no recolhimento habitual,
na observação introspectiva dos próprios movimentos d’ alma, na
luta sincera, empenhada a fundo contra as paixões e a sua estratégia
ardilosa, que se aprende a conhecer o homem, o seu coração, os
meios de dirigir e elevar para os nobres ideais (FRANCA, 1952, p.
53).

Após o aperfeiçoamento moral, o jesuíta iniciava sua formação intelectual em que


mais dois anos eram destinados ao aprofundamento das letras clássicas: latim,
grego, hebreu.

Formação de eminentes professores de letras. – Para conservar o


conhecimento das letras clássicas e alimentar um seminário de
professores, procure ter na Província pelo menos, dois outros varões
eminentes em literatura e eloqüência. Para este fim entre os bem
dotados e inclinados para este gênero de estudos designará, de
quando em quando, alguns, suficientemente formados em outras
disciplinas, a fim de constituírem, com o seu trabalho e esforço, um
como viveiro ou seara que alimente e propague a raça dos bons
professores (RATIO, 1952, p.75).

De acordo com o Ratio, regra 28 do Provincial, os jovens não aplicarão ao


magistério se não concluir o curso de Filosofia. Assim sendo, eram consagrados
mais três anos de estudo e dedicação para a formação filosófica.

Concluído o magistério o mestre iniciava o ensino superior cuja preparação era mais
longa, sendo quatro anos para formação teológica e mais dois de especialização na
disciplina que irá ministrar no ensino universitário. No entanto, o Ratio, na regra
nove destinada ao Reitor, prescreve que após o término do curso de Filosofia e
37

antes de atuarem nos colégios, os futuros mestres façam um estágio com um


professor experiente no ensino para vivenciar a prática do magistério realizando os
ofícios de um bom professor (exercícios de preleção, ditado,correção de trabalhos
escolares, entre outros).

Para que o futuro professor desfrute de uma melhor formação “é muito necessário
que se preparem em academias privadas” (RATIO, 1952, p. 76), neste sentido, em
1563 a 2ª Congregação Geral, em seu Decreto 9, apresenta que na medida do
possível todas as Províncias instituam uma Academia ou Seminário pedagógico
para a formação de seus mestres.

Diante do exposto e em concordância com Franca (1952, p. 56) verificamos o


quanto a Companhia de Jesus se preocupava com a perfeita formação pedagógica
dos professores de seus colégios. De acordo com o autor a formação literária,
cultura filosófica, iniciação pedagógica, nada descuidou o Ratio para preparar
professores à altura de sua missão.
38

4. A EDUCAÇÃO JESUÍTICA NA AMÉRICA PORTUGUESA: ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES

Ao se iniciar a discussão referente aos aspectos educacionais na América


Portuguesa destaca-se que a Ordem dos jesuítas (sem desmerecer as demais
ordens religiosas, tanto mais antigas como coevas à Companhia de Jesus) foi sem,
sombra de dúvidas, uma das maiores instituições de ensino que existiu. Contudo, no
que se refere à educação não vieram com o intuito de revolucionar ou inovar. “Não
pretendem romper com as tradições escolares vigentes nem mesmo trazer-lhes
contribuições inéditas” (FRANCA, 1952, p. 15), mas sim ofertar uma educação da
melhor maneira possível para atender as necessidades e exigências do período.

Na pedagogia jesuítica, por exemplo, são encontrados dois fundamentos: o teológico


e filosófico da escolástica, e a emulação, tão utilizada em seus estímulos
pedagógicos, não é exclusiva da Companhia, uma vez que a escolástica já previa as
competições entre os alunos. No entanto, com os jesuítas a emulação assumiu um
caráter diferenciado, criando um incentivo, um estímulo a mais para que os alunos
aprendessem o conteúdo.

A Companhia de Jesus não foi à primeira Ordem criada, havia outras que a
precederam e tiveram suas origens também no espírito reformador do período.
Como argumenta Costa (2007, p. 30) é necessário entender, mesmo que
minimamente, o contexto histórico no qual o objeto de estudo está inserido para
apreendê-lo na sua totalidade.

4.1. O RATIO STUDIORUM E OS COLÉGIOS DA BAHIA, DO RIO DE JANEIRO E DE


PERNAMBUCO NO SÉCULO XVI

De acordo com Costa (2007), no século XVI, nas províncias de Portugal e naquelas
ligadas ao reino lusitano, instituíram-se vários colégios. Na província do Brasil foram
construídos três colégios: o da Bahia (1556), o do Rio de Janeiro (1567) e o de
Pernambuco (1576).

O colégio da Bahia, fundado em 1556, é o principal, obtendo grande crescimento em


virtude do desenvolvimento da cidade proporcionado pelo aumento dos engenhos de
39

açúcar, fazendas, por ser a estadia dos Governadores e Bispos e também por ser o
local que os irmãos enviados de Portugal prosseguiam seus estudos. Anchieta, em
1584, (1988, p.334) apresenta que

Nele ha de ordinario escola de lêr, escrever algarismo, duas classes


de humanidades, leram-se já dois cursos de artes em que se fizeram
alguns mestres de casa e de fóra, e agora se acaba terceiro. Ha lição
ordinaria de casos de consciência, e ás vezes, duas de teologia,
donde saíram já alguns mancebos pregadores.

No colégio da Bahia residiam 62 pessoas, incluindo os residentes das três aldeias


de índios, “todos empregam o mesmo cuidado, em ordem a se observarem
diligentemente aquelas fórmulas e regras, nas quais se contém o instituto da nossa
religião, sem omitirem um só ponto do seu ministério [...]” (ANCHIETA, 1988, p. 403)

O segundo colégio é o do Rio de Janeiro fundado em 1567, nele havia escolas de


ler, escrever e algarismo, uma classe de latim e lição de casos de consciência “a
este colegio estão subordinadas as casas de S. Vicente, S. Paulo e espírito Santo
(ANCHIETA, 1988, p. 334). Neste colégio iniciaram-se os primeiros estudos no Rio
de Janeiro e como reitor estava à frente o Padre Manuel da Nóbrega 11. Após sua
morte em 1570, nomeou-se para reitor em 1573 o P. José de Anchieta, mas preferiu
o provincial deixar no cargo o P. Braz Lourenço uma vez que Anchieta teve que ficar
em São Vicente e não chegou a tomar posse.

Em 1574 instituiu-se a primeira classe de Humanidades, sob comando do P. António


Ferreira, pregador e mestre de noviços. Matricularam para os estudos 19 alunos,
sendo 5 da casa e 14 de fora. Os estudos estavam progredindo e, em 1583, o
colégio contemplava três cursos: elementar, Humanidades e Teologia Moral ou

11
Em 1553, Nóbrega foi escolhido por Loyola, com a aprovação do rei português, como o primeiro
provincial da recém província jesuítica do Brasil. Participou da fundação das cidades de Salvador e
do Rio de Janeiro e também na luta contra os franceses, como conselheiro de Mem de Sá. Além das
suas viagens por toda a costa de São Vicente e Pernambuco, estimulou a conquista do interior e
convenceu os portugueses a não permanecerem apenas no litoral. Nóbrega foi o primeiro a dar o
exemplo, ao subir ao planalto de Piratininga, para fundar a cidade de São Paulo que viria a ser o
caminho para o sertão e para a expansão do território brasileiro. Por desavenças com os portugueses
que viviam no Brasil e por divergências com o provincial português, Nóbrega foi afastado do
provincialato em 1556. Passou o resto da sua velhice no colégio do rio de Janeiro, até sua morte, em
1570.
40

Casos de Consciência. Serafim Leite mostra, no livro História da Companhia de


Jesus no Brasil, que a Bahia era então a capital do Brasil sendo natural que fosse
sede do maior colégio, mas os estudos do colégio do Rio de Janeiro não ficavam
atrás, estavam se desenvolvendo muito bem à medida que aumentava a população
e a importância da cidade.

O colégio do Rio de Janeiro teve como reitores: Manuel da Nóbrega (1567-1570),


que foi o fundador e primeiro reitor; Gonçalo de Oliveira (1570-1573), nomeado por
Nóbrega antes de sua morte; Braz Lourenço (1573-1576); Pedro de Toledo (1576-
1583); Inácio Tolosa (1583-1591); Fernão de Oliveira (1592) era vice-reitor,
posteriormente reitor da Baía; Francisco Soares (1594); Fernão Cardim (1594-1598);
Francisco Soares (1598-1601) vice-reitor pela segunda vez.

Leite (1938) descreve que quando Nóbrega foi pela primeira vez a Pernambuco, em
1551, pensou em ensinar meninos e instituir um seminário semelhante ao que
existia na Bahia e em São Vicente, mas sua ideia não foi adiante.

Em 1564 há indícios de que ocorreram algumas aulas junto com a catequese. No


entanto, os estudos se iniciaram definitivamente no segundo semestre de 1568,
quando o P. Luiz da Grã, por determinação de Inácio de Azevedo, estabeleceu em
Pernambuco o curso elementar de ler e escrever, cujo primeiro professor foi o P.
Amaro Gonçalves. Conforme Leite (1938) em 1570 inaugurou-se no colégio a
primeira aula de latim em que ele também foi o primeiro mestre.

O autor afirma que as aulas começaram com entusiasmo, junto com o curso de ler e
escrever deu início ao curso de caso de consciência, não com a mesma
regularidade. Ficaram célebres as festas de abertura do ano letivo de 1573 a 1574,
dias dois e três de fevereiro:

Exercícios escolares, actos de declamação, representações teatrais,


distribuição de prêmios, pecuniários ou em livros, aos alunos que se
distinguiram em prosa e verso, proposição de enigmas, que se
resolviam ou não conforme a dificuldade respectiva ou a habilidade
dos concorrentes-festas literárias estas que logo deram aos estudos
pernambucanos uma elevação que fazia suspirar o povo por alguma
coisa de estável. Nestes actos literários externou o Doutor Salema,
Ouvidor Geral e futuro Governador do Rio de Janeiro, a sua
41

admiração, afirmando que em qualquer Universidade se não faria


melhor. Festas idênticas se repetiram depois (LEITE, 1938, p. 458).

Quando a população de Pernambuco pediu o colégio da Companhia os padres


investigaram se seria possível ser instituído, e como se reunia na Bahia a
Congregação Provincial em março de 1575, colocou-se o caso em discussão. Sendo
as conclusões favoráveis foram apresentadas as seguintes razões para a
construção do colégio:

1.ª – porque o lugar é grande e freqüentado e por isso também se


pode tirar grande fruto;

2.ª – porque havia ali muita juventude para estudar e muito clero, que
precisava do estudo, para ouvir e resolver casos de consciência;

3.ª – porque existiam também muitas povoações vizinhas e muitos


engenhos, cheios de escravos, que poderiam ser ajudados dos
Nossos, se o seu número aumentasse. E esta era a principal razão
(LEITE, 1938, p. 467).

Em 1574, dois anos antes de o colégio ser instituído pelo Rei, contava-se com 92
alunos, sendo 32 de Humanidades, 70 do curso elementar. Esse número de alunos,
diz Leite ser extraordinariamente alto para a época. Alguns anos depois baixou a
frequência de estudantes, tornando a aumentar posteriormente. Em 1597 o P.
Cristovão de Castro, passando por Pernambuco, se espantou com a quantidade de
alunos em um colégio tão pequeno.

Quanto aos reitores do colégio de Pernambuco foram eles: Rodrigo de Freitas


(1568-1572); Amaro Gonçalves (1572-1574); Melchior Cordeiro (1574-1576);
Agostinho Del Castilho (1576) vice-reitor por pouco tempo, pois faleceu em
Pernambuco no mesmo ano; Luiz da Grã (1577-1589); Pedro Toledo (1589-1592) foi
a princípio apenas vice-reitor; Henrique Gomes (1592-1594); Vicente Gonçalves
(exerceu o oficio vice-reitor, não foi encontrado a data, mas o catálogo de 1598 diz
que foi por dois anos. Deve ter sido neste período, entre Gomes e Toledo (LEITE,
1938 p. 464)); Pedro de Toledo (1598-1603).

Todos os colégios deliberados pelo rei possuíam rendas para subsidiar suas
despesas, já as demais casas (em todas nessas casas existiam escolas de ler,
42

escrever e algarismo) que existiam sobreviviam de esmolas de moradores e


recebiam ajuda dos colégios os quais eram subordinados.

No Brasil, por exemplo, nos Colégios propriamente ditos, era por direito possuir
algumas aulas de ensino secundário, ao menos Gramática ou Humanidades. Leite
(1938, p. 72) afirma que

Depois do estudo elementar, que também houve sempre nos


Colégios do Brasil, o primeiro curso, segundo S. Inácio, abrange as
Letras Humanas, o latim, o grego, e o hebreu. Entendia êle por
Letras Humanas, além da Gramática, a Retórica, a Poesia e a
História.

O Ratio na versão de 1599 divide o curso de Letras (primeiro estágio de estudos da


Companhia) em três partes: Retórica, Humanidades e Gramática em que a última é
subdividida em Suprema, Média e Ínfima. Segundo Leite (1938, p. 72): “Quando se
Lê nos documentos que havia duas classes de latim, isto significa, em todo o século
XVI, no Brasil, não algumas das subdivisões da Gramática, mas duas daquelas três
grandes secções: Gramática e Humanidades”.

Leite (1938) apresenta que o Irmão António Blasques ensinou a primeira classe de
latim no Colégio da Baía em 1553. Posteriormente, a Gramática adotada no Brasil e
em todo o mundo foi a do Padre Manuel Álvares. No período do Renascimento
juntou-se ao estudo do latim o estudo da língua grega, contudo o latim ainda possuía
maior predomínio. No latim se escrevia todos os documentos científicos e se
traduziam as obras da antiguidade.

Os pedagogos do século XVI davam importância decisiva ao estudo


do latim, e defendiam-no por tôdas as vias possíveis. [...] O legislador
da Universidade de Estrasburgo, J. Sturm, mandava punir quem
usasse outra língua que não fôsse a latina (LEITE, 1938, p. 72-73).

O curso de Letras na Bahia, desde seu início em 1553, tirando o breve período de
1560 quando faltaram os estudantes da Sé, nunca deixou de funcionar. A partir de
1564 com a oficialização do colégio da Bahia não consta interrupções, sempre
existiram as duas formas: Humanidades ou Gramática, sendo que, segundo Leite,
na maioria das vezes tinham ambas as classes.
43

Em Letras Humanas estudavam-se todos os clássicos, porém os mais indicados


pelo Ratio eram Cícero e Virgílio. No Brasil durante o século XVI não havia estudos
do Grego a não ser o que os padres classificavam de grego da terra, isto é, língua
dos índios, que posteriormente fez-se gramática para ensinar nos colégios.

Em seguida do curso de Letras vem o curso de Filosofia que contempla a Lógica, a


Física, a Matemática, a Ética, e a Metafísica. Quanto à duração do curso no Brasil
recomendou o mesmo indicado para o Colégio de Coimbra em 1567, três anos.

Quanto ao horário das aulas, a princípio, duravam duas horas de manhã e duas
horas à tarde. Em 1579 aumentou-se meia hora a mais em cada período, contudo,
verificou-se que não era adequado devido o calor que se fazia na terra,
permanecendo, assim, o horário antigo. No ano de 1586, com o advento do P.
visitador Cristóvão de Gouveia que trouxe ordens de reorganização dos estudos
ficou estabelecido que “nas aulas de latim, escrever e Artes, se gastarão duas horas
e meia de manhã e outro tanto à tarde, começando no inverno às oito e no verão às
sete” (LEITE, 1938, p. 75).

O curso de Dialética e Teologia teve início em 1572, quatro anos após o pedido
realizado pela Congregação Provincial da Baía por uma faculdade destinada para
esses ensinos. Foi o primeiro curso de Artes (Filosofia e Ciências) no Brasil,
considerado mais elevado que o de Letras. Geralmente havia um curso de Artes a
cada quatro anos com duração em média de três anos. Iniciou em 1593 com 20
estudantes e, cinco anos mais tarde, contavam com 40. Como salienta Leite (1938,
p. 96), os anos de 1572 a 1575 são marcos na história da instrução luso-brasileira, já
que datam os primeiros graus de bacharel em Artes.

O curso de Teologia dividia-se em Moral, na qual eram estudados os atos, virtudes,


vícios etc. (eram denominados de lição de casos). Essas lições de casos sempre
existiram no Brasil, o P. Quirício Caxa ministrava o curso em 1565 no colégio da
Baía. Nessas lições eram tratados os casos mais ocorrentes no Brasil e arquivavam-
se as soluções, entre elas:

liberdade dos índios, sacramentos, negócios, etc. além da liberdade


dos índios, em que intervieram Quirício Caxa e Nóbrega,
44

conservavam-se as resoluções tomadas acêrca de outros assuntos


morais como os Pareceres sôbre os casamentos dos Índios no
Brasil, em que deram a sua opinião vários professores de Portugal,
[...] Pareceres sôbre o baptismo dos Índios do Brasil; sôbre o preceito
de ouvir missa, e outros [...] (LEITE, 1938.p. 77).

O curso de Teologia Especulativa começou com o de Artes em 1572. No ano de


1581 haviam dois cursos de Teologia, um deles destinados exclusivamente aos
melhores alunos do curso de Artes. Leite (1938, p. 79) informa que em 1586, já se
anunciava a chegada do Ratio Studiorum no seu primeiro esboço. Enquanto isso o
Padre visitador deixou algumas instruções:

Haverá também uma lição de Teologia na qual, emquanto não


chegar a ordem dos estudos, que de Roma se enviará a tôdas as
províncias, se guardará esta, a saber: que explicarão as três partes
de São Tomaz, com tal ordem que, em quatro anos, se leiam as
principais matérias do especulativo: no 1.º ano a matéria de
Beatitudine Scientia Dei, Voluntate Dei, Praedestinatione, Trinitate,
ET Angelis, no 2.º e 3.º ano, de Voluntario, Peccatis, Gratia, Fide,
Spe, ET Charitate; no 4.º ano de Incarnatione e as mais, que
puderem, dentro dos quatro anos. As outras matérias de São Tomaz
se poderão deixar para o que ler a lição de casos, na qual sòmente
se lerá Caetano ou Navarro, de maneira que, dentro de três ou
quatro anos, se leiam as principais matérias morais, de Contractibus,
Restitutione, Voto, Iuramento, Sacramentis et Censuris. E quando
não houver lição de especulativo, poderão ler duas de caso. E não se
deem glosas senão em latim e por espaço de meia hora; e a outra
meia, pelo menos, gastarão em ler a lição, e tomar conta da lida. E
não deem opiniões contrárias às que os Nossos comumente
seguem.

Com essa ordem de estudos teológicos se previa a interrupção do curso de Teologia


Especulativa, o que acontecia devido à falta de alunos, pois muitos se contentavam
apenas com o curso de Teologia Moral e com alguns estudos abreviados de dogma.

Segundo Leite (1938), no ano de 1589 uma estatística confirma os progressos nos
estudos. Os estudantes na Faculdade de Teologia eram um interno e cinco externos;
de estudos de Casos de Consciência (Teologia Moral), três internos e seis externos;
e do Curso de Filosofia (Artes) eram oito internos e dezesseis externos.

Quanto a Humanidades, o autor expõe que na primeira classe, havia um interno e


quinze externos; na segunda classe havia um interno e quarenta externos. Neste
período os alunos da classe de instrução elementar eram 120. Entre os estudantes
45

jesuítas havia dois grupos, os que dedicavam às letras, mais professores e


pregadores, e outro grupo que se dedicava à conversão dos gentios.

Leite (1938, p. 88) menciona que no final do século XVI nos três colégios (Bahia, Rio
de Janeiro e Pernambuco) encontravam-se um corpo docente respeitado de 12
professores, alguns deles graduados, capacitados para docência de Teologia, Artes
e Humanidades em qualquer parte do mundo. Contudo, no que se refere ao ensino
era necessário, além de bons professores, a disciplina nos colégios, o que no século
XVI era rigorosa, no Brasil menos do que na Europa.

Até o início do século XVI, para manter a ordem e a disciplina nos colégios eram
aplicados além de castigos de repreensão, reclusão ou privação de recreio os
castigos corporais. De acordo com Leite (1938), sobre os castigos corporais não é
encontrado na legislação da Companhia nada determinando expressamente para os
colégios no Brasil neste século, “a não ser que não recebessem açoites os
estudantes de 16 anos para cima, e não se castigassem por ninguém da
Companhia, mas pelo corretor [...] (p. 89-90).

O autor argumenta que os colégios dos jesuítas no Brasil provavelmente seguiam as


ordens e determinações do visitador Jerónimo Nadal, de 1561, que dividiu os
estudantes externos em três grupos: menores, médios e grandes, nos quais os
menores podiam ser açoitados, os médios recebiam palmatória e os grandes nem
palmatórias nem açoites, pois estes seriam repreendidos primeiramente em
particular e depois em público e, caso não fosse suficiente, seriam expulsos dos
colégios.

Citamos, a título de exemplo, um de castigo moral ocorrido na escola de São Paulo


de Piratininga.

Mandou-se um menino buscar umas limas doces. O menino foi, mas


escondeu algumas no quintal. José de Anchieta, que estava sentado
na escola com o P. Vicente Rodrigues, chamou então outro menino
estudante, Domingos Gracia (mais tarde Padre e grande sertanista) e
disse-lhe que fôsse ao quintal e lhe trouxesse as limas que acharia
escondidas em certo buraco, que lhe indicou. Chegadas as limas,
Anchieta entregou-as ao menino que as escondera, dizendo-lhe:
Toma-as, são para ti, mas não furtes! (LEITE, 1938, p. 93).
46

No entanto, S. Inácio e a Companhia de Jesus suavizaram esses meios de


correções, dando maior ênfase ao elemento moral, recomendando o estímulo e a
emulação.
47

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação é uma prática social, uma atividade humana e histórica que se realiza
nos múltiplos espaços da sociedade. São muitos, os significados da educação no
decorrer dos tempos e estes variam de acordo com o momento histórico, político e
econômico em que a educação está engendrada.

Com o estudo da história da educação torna-se possível compreender os processos


educacionais em diferentes épocas. Neste sentido, julgo o estudo realizado neste
trabalho importante e fundamental para a minha formação enquanto profissional da
educação, pois conhecer o passado para entender as relações sociais existentes na
época atual é de suma importância, sobretudo no campo educacional, uma vez que
a educação é também uma construção social.

Toda sociedade define um modelo de homem a ser formado, um indivíduo ideal para
nela viver, definindo seus comportamentos, visões de mundo, crenças e valores,
muitas vezes a sociedade deposita na educação os anseios de ter respostas as suas
necessidades mais urgentes.

Importa lembrar que a Companhia de Jesus e seu método pedagógico sempre


ocuparam o currículo dos cursos voltados para a educação, compreende-se assim
o interesse em ampliar os estudos acerca da temática.

O trabalho de Conclusão de Curso, cujo objetivo foi o estudo do Ratio Studiorum,


teve o fim de conhecer um pouco mais sobre o Plano Pedagógico utilizados nos
colégios da Companhia, ou seja, a história, a organização, as normas e regras, para
verificar o quanto deste Método foi utilizado no ensino na América Portuguesa.

Observando a trajetória do Ratio Studiorum, cujo passo inicial se deu em 1551,


quando Jerônimo Nadal sistematizou o plano de estudos a partir de sua experiência
no Colégio Romano, até a sua aprovação definitiva em 1599, para, então, vigorar
nos colégios da Companhia de Jesus, verifica-se que o referido documento é filho da
experiência e de árduo trabalho coletivo. Em sua elaboração recebeu contribuições
da sabedoria antiga, do cristianismo, da Idade Média (Escolástica) e do
Renascimento.
48

Este manual prático discorre sobre os papéis de todos os envolvidos no colégio:


Reitor, Prefeito de Estudos, professores, disciplinadores e os estudantes. Discorre,
também, sobre os níveis de ensino (Humanidades, Filosofia e Teologia) e sobre as
matérias/disciplinas que os alunos deveriam cumprir. As atividades e filosofia de
ensino que não se relacionam diretamente ao conteúdo também são descritas no
Ratio, como, por exemplo, as competições entre alunos, entre classes e entre
fraternidades, a disciplina, as orações e o preparo técnico para o sacerdócio.

Nesse sentido, sendo o Ratio filho da experiência, podemos considerar que a


educação na América Portuguesa durante o século XVI contribuiu para a elaboração
e promulgação do documento que no ano de 1586, já anunciava a sua chegada no
primeiro esboço. E, enquanto se esperava a instituição do documento no Brasil era
respeitado no que diz respeito ao ensino o regulamento das Constituições, cuja
quarta parte consagrada ao ensino serviu para a organização do Ratio Studiorum e
as instruções dos visitadores.

Quanto ao currículo, percebe-se que na medida do possível eram aplicadas nos


colégios da América Portuguesa as disciplinas que estariam contidas no Manual:
Humanidades, Filosofia, Teologia, mas com certas flexibilidades, pois não se
possuía toda a estrutura dos colégios Europeus e nem alunos suficientes para se
abrir determinada classe.

Em Letras Humanas estudavam-se todos os clássicos, porém os mais indicados


pelo Ratio eram Cícero e Virgílio. Durante o século XVI não havia estudos do Grego
no Brasil, a não ser, o que os padres classificavam de grego da terra, isto é, língua
dos índios que posteriormente fez-se gramática para ensinar nos colégios.
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6. REFERÊNCIAS

ANCHIETA, José de. Cartas: informações, fragmentos históricos e sermões.


Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1988.

BOXER, Charles. O império marítimo português 1415-1825. Trad. Anna Olga de


Barros Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

CHARMOT, S. J. La pedagogia de los jesuitas. Madrid: Sapientia, 1952.

COSTA, Célio Juvenal. A racionalidade jesuítica em tempos de arredondamento


do mundo: o Império Português (1540-1599). Tese de doutoramento. Piracicaba:
Universidade Metodista de Piracicaba, 2004.

COSTA, C. J. e MENEZES, S. L. A educação no Brasil colonial (1549-1759). In:


ROSSI, E. R; RODRIGUES, E; NEVES, F. M. (ORG.). Fundamentos históricos da
educação no Brasil. Maringá: Eduem, 2005.

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LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugália;


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938.

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Compañia de Jesús Biográfico- Temático. Institutum Históricum, Roma:
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PAIVA, José Maria de; BITTAR, Marisa; ASSUNÇÃO, Paulo de (Org.). Educação,
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RATIO atque Institutio STUDIORUM – Organização e plano de estudos da


Companhia de Jesus. In: FRANCA, Leonel, O método pedagógico dos jesuítas.
Rio de Janeiro: Agir, 1952.

RODRIGUES, Francisco. A Companhia de Jesus em Portugal e nas missões –


esboço histórico, superiores, colégios, 1540-1934. 2. ed. Porto: Apostolado da
Imprensa, 1935.

RODRIGUES, Francisco. A formação intellectual do jesuíta – leis e factos. Porto:


Magalhães & Moniz, 1917.

SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. 2. ed. Campinas,


SP: Autores Associados, 2008.

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