Medcel - Nefrologia PDF
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1. Introdução
A complexa composição multicelular do rim reflete a Tabela 1 - Segmento do néfron e principais funções
imensa importância para a homeostase desse órgão. Isso Segmento Funções principais
inclui: Glomérulo - Forma o ultrafiltrado do plasma.
- Manutenção da volemia e da osmolalidade do fluido - 60 a 70% do filtrado absorvidos;
extracelular;
Túbulo pro- - Produção de amônia;
- Regulação das concentrações de Na+, K+, Ca++, Mg++, Cl-, ximal - Secreção de drogas e toxinas;
HCO3-, fosfato e outros íons;
- Reabsorção de sódio e 90% de bicarbonato.
- Excreção de produtos derivados do metabolismo:
- Reabsorção de 25 a 35% do NaCl filtrado;
ureia, creatinina, ácido úrico; Alça de
- Importância na manutenção do sistema de con-
- Manutenção do equilíbrio ácido-básico; Henle
tracorrente (essencial para concentrar a urina).
- Eliminação de drogas e toxinas exógenas; - Reabsorção de 5% do NaCl filtrado;
- Participação no sistema endócrino: produção de reni- Túbulo distal - Impermeabilidade à água;
na, eritropoetina, 1,25-diidroxicolecalciferol (vitamina
- Importância na regulação do Ca++.
D3 ativa), prostaglandinas e cininas.
- Reabsorção de Na+ e excreção de K+ sob influên-
Neste capítulo, será feita uma abordagem geral da fisio- cia da aldosterona;
logia renal. - Importância no equilíbrio ácido-básico (pode
Ducto co- secretar H+ ou bicarbonato);
letor
2. Néfrons - Reabsorção de água na presença da vasopressi-
na (ADH);
Cada rim possui cerca de 1.000.000 néfrons (Figura - Local final de modificação da urina.
3). O néfron é a unidade funcional do rim. A estrutura de
cada néfron é constituída pelo glomérulo (contendo o tufo
glomerular), o túbulo proximal, a alça de Henle e o túbulo Tabela 2 - Sumário de reabsorção renal em 24 horas
distal. Este último tem continuidade com os túbulos coleto- Substância Filtração/dia Excreção/dia % reabsorção
res, formando o sistema coletor. O néfron responsabiliza-se Água 180L 0,5 a 3L 98 a 99%
pelos 2 principais processos que envolvem a formação da Sódio 26.000mEq 100 a 250mEq >99%
urina: a produção do filtrado glomerular e o processamento Cloro 21.000mEq 100 a 250mEq 99%
desse filtrado em seu sistema tubular. As principais funções
Bicarbonato 4.500mEq zero ≈100%
de cada segmento do néfron estão resumidas na Tabela 1.
Potássio 800mEq 40 a 120mEq 80 a 95%
A Tabela 2 sumariza a quantidade filtrada e reabsorvida de
diversas substâncias pelos rins, em 24 horas. Ureia 54g 27 a 32g 40 a 50%
3. Vascularização
Os rins recebem cerca de 20 a 25% do débito cardíaco
através das artérias renais (ramos da aorta); o córtex renal
recebe cerca de 85 a 90% do fluxo total. Uma sequência de
subdivisões se segue a partir das artérias renais (artérias seg-
mentares — interlobares — arqueadas — interlobulares) até
formar as arteríolas aferentes, que suprirão cada glomérulo
(Figura 4). As arteríolas eferentes saem do glomérulo e for-
marão uma complexa rede microvascular peritubular.
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mesangial. Assim, todo o tufo glomerular está, na verdade,
em que uma diminuição de perfusão instantaneamente submerso numa matriz denominada mesangial, que forma
leva à vasodilatação, e o aumento da perfusão, à vasocons- uma rede de suporte. As células mesangiais têm localização
trição renal. peculiar: há pontos em que a lâmina basal não envolve toda
a circunferência de um só capilar, tornando-se comum a 2
4. Glomérulo ou mais capilares. É nesse espaço que se localizam as células
mesangiais. O tufo glomerular é envolvido pela cápsula de
O glomérulo é formado pelo tufo glomerular, ligado ao Bowman, que possui 2 folhetos: um interno (visceral), ade-
mesângio, e pela cápsula de Bowman. A arteríola aferente rido às alças glomerulares, e outro externo (parietal). Entre
dá origem a uma série de alças capilares que se enovelam esses folhetos, está o espaço capsular, que recebe o filtrado
para formar o tufo glomerular. Após se enovelarem, essas glomerular. O folheto parietal da cápsula de Bowman for-
alças confluem para formar a arteríola eferente, que deixa ma uma espécie de cálice, constituído por epitélio simples
o glomérulo (Figura 5). pavimentoso apoiado em uma membrana basal. No folheto
visceral, não existe uma camada celular contínua como no
parietal. O folheto interno é formado pelos podócitos, que
são células situadas bem próximas às alças glomerulares.
Essas células emitem prolongamentos, que abraçam as al-
ças capilares, de forma análoga aos tentáculos de um polvo
(Figura 6). Os prolongamentos, ao se cruzarem, delimitam
importantes espaços alongados – as fendas de filtração.
Como as células endoteliais são fenestradas e o folheto vis-
ceral da cápsula de Bowman apresenta fendas de filtração,
percebe-se que a única estrutura contínua que separa o
sangue glomerular do espaço de Bowman é a membrana
basal das alças glomerulares.
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Devido ao fato de o ultrafiltrado praticamente não ter O aparelho justaglomerular está localizado no polo vas-
proteínas em circunstâncias normais, a pressão oncótica cular do glomérulo e é constituído por 4 estruturas:
não interfere nele. Isso, em parte, explica algumas situa- - Arteríola aferente: antes de se capilarizar em gloméru-
ções nas quais a TFG poderá ser afetada: los, costuma apresentar uma modificação da camada
- Mieloma múltiplo: há uma crescente quantidade de média e passa a exibir células especiais que, pela lo-
proteínas no ultrafiltrado (proteínas de Bence-Jones); calização, são chamadas de células justaglomerulares;
- Obstrução ureteral: ocasiona um aumento retrógrado - Arteríola eferente;
de pressão até a cápsula de Bowman; - Mácula densa: formada por modificação da parede do
- Hipotensão e choque: reduz a pressão hidráulica que túbulo contorcido distal, exatamente no ponto onde
move o sangue nos capilares glomerulares. estão as células justaglomerulares;
- Mesângio extraglomerular.
5. Membrana basal glomerular As 2 funções principais atribuídas ao aparelho justaglo-
A Membrana Basal Glomerular (MBG) é a única estrutu- merular são:
ra contínua que separa o sangue glomerular do espaço de - Produção de renina: na parede das arteríolas aferen-
Bowman. É sintetizada pelos podócitos e células endoteliais tes, há células musculares especializadas, chamadas
e constituída por: de células granulares, que são responsáveis pela pro-
- Colágeno tipo IV e tipo V; dução de renina;
- Laminina; - Alça importante do reflexo tubuloglomerular: a má-
- Sulfato de heparan (proteoglicanos); cula densa é formada por células especializadas que
- Entactina. estão em íntimo contato com a região distal do glo-
O principal constituinte da MBG é o colágeno tipo IV. Por mérulo. A redução do aporte de sódio na mácula den-
outro lado, o sulfato de heparan é o responsável pela carga sa aciona um sistema de feedback que leva à dilata-
negativa que caracteriza a MBG. ção da arteríola aferente, o que aumenta o ritmo de
A constituição da MBG permite que ela funcione como filtração glomerular. O aumento do aporte de sódio na
um filtro: é permeável a pequenas substâncias (filtragem mácula densa leva à constrição da arteríola aferente, o
dita tamanho-seletiva) e com carga iônica positiva (filtra- que reduz o ritmo de filtração glomerular. A resposta é
gem dita íon-seletiva). mediada pela angiotensina II.
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7. Túbulo proximal
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Figura 8 - Principais mecanismos de transporte ao longo do néfron: círculos vermelhos indicam transporte ativo; círculos brancos, trans-
porte carreador-mediado; cilindros, canais iônicos
A célula do túbulo proximal é caracterizada por uma cias normais, 60 a 70% do filtrado são reabsorvidos nesse
proeminente borda “em escova”, que aumenta considera- local. A grande quantidade de bombas de Na+-K+-ATPase
velmente a área de superfície para absorção. Essa célula permite manter baixa concentração de sódio na célula tu-
tem um rico sistema de endocitose, com lisossomas bas- bular proximal, facilitando a entrada desse cátion. Isso ex-
tante desenvolvidos. Isso propicia à célula tubular proximal plica a carga elétrica do líquido tubular proximal eletrica-
absorver e degradar macromoléculas, como a albumina. mente negativa (devido à saída de sódio). Obviamente, a
A membrana basolateral da célula tubular proximal é entrada de sódio na célula tubular leva consigo água por
rica em bombas de Na+-K+-ATPase, que estão próximas de causa da diferença de osmolaridade criada.
grandes mitocôndrias. Além disso, essa membrana tem A membrana da célula tubular proximal também é rica
uma extensa rede de interdigitações, aumentando conside- em transportadores de água, chamados aquaporinas 1. Elas
ravelmente a área de superfície absortiva. têm importante função na reabsorção de água.
Isso explica as funções do túbulo proximal: grande capa- Além de água e sódio, o túbulo proximal é importante
cidade de reabsorção de água e eletrólitos. Em circunstân- na reabsorção de (Figura 8):
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Na-Cl, passível de inibição pelos diuréticos tiazídicos. Além da urina.
dessa ação, o túbulo contorcido distal tem mais 2 funções:
contém a mácula densa (que faz parte do aparelho justa- D - Transporte de sódio e potássio
glomerular) e é o principal sítio de regulação da reabsorção O transporte de sódio e potássio no ducto coletor tem,
tubular de cálcio, sob ação do PTH (Figura 8). como principal modulador, a aldosterona. O hormônio
aumenta a reabsorção de sódio e estimula a secreção de
10. Túbulo conector ou segmento conector potássio e hidrogênio. Entretanto, em condições normais,
menos de 10% do sódio filtrado são reabsorvidos nesse
Este faz a ligação do túbulo distal aos ductos coletores.
segmento (cerca de 90% são reabsorvidos em túbulos mais
As suas funções são: reabsorção de sódio e excreção de po-
proximais). A porção do ducto coletor responsiva à aldos-
tássio, secreção de íons hidrogênio, reabsorção de cálcio
terona é o ducto coletor cortical. A célula tubular respon-
(sensível ao paratormônio) e é o maior sítio renal de pro-
siva à aldosterona é chamada de célula principal (Figura 8).
dução de calicreína.
Quando a aldosterona se liga a seus receptores, estimula a
NaK-ATPase da membrana basolateral, reduzindo o Na+ e
11. Ducto coletor aumentando o K+ no interior da célula. A aldosterona tam-
O ducto coletor é a continuação do túbulo conector, bém estimula o canal de Na+ e o canal de K+ presentes na
com início no córtex, estendendo-se até a medula interna, membrana luminal. O resultado é a reabsorção de Na+ e a
desembocando nas papilas renais. É a última porção que secreção de K+ por essa célula. Lado a lado com a célula
ainda pode alterar a composição da urina. principal, está a célula intercalada, encarregada da secreção
Divide-se o ducto coletor em 3 porções, de acordo com de H+. Ela contém uma H+-ATPase em sua membrana lumi-
a anatomia: nal, capaz de secretar hidrogênio contra um amplo gradien-
- Ducto coletor cortical; te de concentração. Essa ATPase é capaz de acidificar a uri-
na até um pH mínimo de 4,5. Apesar de a secreção de K+ e
- Ducto coletor medular externo; de H+ ocorrerem em células diferentes, ambos os processos
- Ducto coletor medular interno. são estimulados pela reabsorção eletrogênica de Na+. Ou
Dentre as várias funções desse ducto, as principais são: seja, para cada Na+ reabsorvido por efeito da aldosterona,
ou um K+ ou um H+ é secretado (Figura 8).
A - Transporte de água
O segmento é rico em vários transportadores de água 12. Resumo
(aquaporinas-2, aquaporinas-3 e aquaporinas-4), capazes de
absorver grandemente água livre. Todo o segmento é sensível Quadro-resumo
à vasopressina (hormônio antidiurético, ou ADH) e constitui - As funções renais incluem manutenção da volemia e da osmo-
um segmento essencial à preservação da osmolalidade. O ADH laridade do fluido extracelular; regulação das concentrações
age aumentando a permeabilidade à água nesse segmento, fa- de diversos íons; excreção de produtos derivados do metabo-
zendo a célula tubular produzir mais canais luminais de H2O. lismo; manutenção do equilíbrio ácido-básico; eliminação de
Na presença de altos níveis plasmáticos desse hormônio, a drogas e toxinas exógenas; ação endócrina;
água luminal é reabsorvida, em direção ao interstício hiperos- - O néfron é a unidade funcional do rim;
molar. A urina, então, sai concentrada, com uma osmolalidade - O néfron responsabiliza-se pelos 2 principais processos que en-
máxima de 1.200mOsm/L. Quando o ADH está suprimido, pra- volvem a formação da urina: a produção do filtrado glomerular
ticamente não há reabsorção de água no túbulo coletor. Como e o processamento desse filtrado em seu sistema tubular;
a reabsorção de eletrólitos continua, o fluido tubular é diluído - A arteríola aferente dá origem a uma série de alças capilares
ainda mais, atingindo uma osmolalidade de até 50mOsm/L (di- que se enovelam para formar o tufo glomerular. Após se eno-
luição máxima da urina). velarem, essas alças confluem para formar a arteríola eferen-
te, que deixa o glomérulo;
B - Transporte de bicarbonato e prótons - A MBG é a única estrutura contínua que separa o sangue
glomerular do espaço de Bowman. A constituição dessa mem-
O túbulo coletor é responsável pelo ajuste fino no equilí-
brana permite que ela funcione como um filtro tamanho e
brio absorção-excreção de ácidos. O segmento é muito rico
íon-seletivo;
em anidrase carbônica tipo II, permitindo equilibrar a taxa de
produção-excreção de H+ pelas células intercaladas, mecanis- - As 2 principais funções do aparelho justaglomerular são pro-
mo esse dependente de mineralocorticoides (Figura 8). dução de renina e participação do reflexo tubuloglomerular;
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CAPÍTULO Métodos complementares diagnósticos
2 em Nefrologia
Natália Corrêa Vieira de Melo
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reação. É importante ressaltar que, para a interpretação
correta desses resultados, deve-se levar em conta o valor matúria) pode indicar tanto lesão glomerular (hematúria
da densidade urinária, pois, em situação de fluxo urinário alta) como do trato urinário inferior (hematúria baixa), su-
elevado (urina diluída, com densidade baixa), a concentra- gere-se complementar a investigação com a pesquisa de dis-
ção de proteína é baixa, podendo não ser detectada pelos morfismo eritrocitário. Na hematúria de origem glomerular,
métodos habituais. encontra-se um grande número de hemácias dismórficas,
pois essas células têm sua forma alterada ao passarem pela
b) Determinação quantitativa da proteinúria barreira glomerular; o mesmo não ocorre na hematúria bai-
A avaliação quantitativa é feita colhendo-se urina de 24 xa. Adicionalmente, na hematúria de origem glomerular, a
horas e determinando-se o conteúdo de proteína pelo méto- urina tem coloração amarronzada (ou cor de “coca-cola”) e
do de precipitação. A quantidade diária de proteínas na urina não há formação de coágulos. Essas características auxiliam
não deve ultrapassar 150mg/dia, portanto valores superiores na distinção da hematúria de origem glomerular daquela
a esse limite significam alterações importantes na permea- de origem nas vias urinárias baixas, que possui coloração
bilidade glomerular ou função tubular. Proteinúria acima de vermelho-viva e com coágulos.
3,5g/24h é considerada proteinúria em faixa nefrótica. A presença de hematúria associada à proteinúria suge-
Quando existe dificuldade para ser coletada urina de re doença glomerular; já a presença de hematúria isolada
24 horas, pode-se utilizar a relação proteína/creatinina em pode ser encontrada em casos de litíase, tumores, doen-
amostra isolada de urina. Normalmente, essa relação é me- ça renal policística, mas pode também estar presente em
nor do que 0,2, portanto valores maiores indicam excesso algumas doenças glomerulares, como nefropatia por IgA,
de proteína na urina. doença da membrana basal glomerular fina e síndrome de
Alport.
c) Albuminúria
A leucocitúria reflete infecção ou inflamação do trato
A quantificação de albumina urinária é usada para urinário, portanto pode estar presente em quadros de in-
screening e acompanhamento de nefropatia diabética. fecção do trato urinário, pielonefrite, glomerulonefrites,
Existem diferentes métodos utilizados para determinação nefrite intersticial aguda, entre outros.
da albumina urinária: radioimunoensaio, ELISA, nefelome-
tria. A interpretação dos valores encontrados deve ser re- b) Cilindros
alizada da seguinte forma: Os cilindros são elementos do sedimento urinário de
- Até 30mg/dia: normoalbuminúria; grande importância na distinção entre nefropatia primária
- 30 a 300mg/dia: microalbuminúria; e doença do trato urinário baixo. São normalmente forma-
- Maior que 300mg/dia: macroalbuminúria. dos por uma matriz proteica, em que se podem aglutinar
células e gotículas de gordura. Principais tipos de cilindros:
F - Sedimento urinário - Hialinos: são os cilindros compostos principalmente
por mucoproteína de Tamm-Horsfall, sem inclusões.
O exame microscópico do sedimento urinário pode indi- Clinicamente, possuem pouco significado, podendo
car a presença de nefropatia e, muitas vezes, a natureza e a ser fisiológicos (Figura 1A);
extensão das lesões. A seguir, serão especificadas as subs- - Leucocitários: são compostos por mucoproteína de
tanciais e células normalmente presentes no sedimento uri- Tamm-Horsfall e leucócitos. Aparecem na inflamação
nário e as indicativas de patologias renais. intersticial;
a) Células - Hemáticos: são compostos por mucoproteína de
As células encontradas no sedimento urinário podem Tamm-Horsfall e hemácias. A presença desse tipo de
ser provenientes de descamação do epitélio do trato uri- cilindro no exame do sedimento urinário é patogno-
nário ou dos elementos celulares do sangue (eritrócitos, mônica de doença glomerular (Figura 1B);
linfócitos, neutrófilos). - Celulares/epiteliais: são compostos por mucoproteína
Nas nefropatias, as células epiteliais degeneram e são de Tamm-Horsfall e células epiteliais descamadas. A
eliminadas em grande número, particularmente quando há presença de cilindros epiteliais renais é indicativa de
proteinúria intensa. Além disso, na presença de proteinúria, lesão tubular;
ocorre também a degeneração gordurosa das células epi- - Granulosos: cilindros epiteliais com fragmentos de
teliais, com a inclusão de partículas de gordura no interior células que se desintegraram. Podem ser fisiológicos
dessas células, as quais passam a ser chamadas de corpús- ou estar associados a quadro de lesão tubular, como a
culos ovais. necrose tubular aguda;
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- Céreos: cilindros muito largos, que refletem a fase final em mulheres. No entanto, a TFG varia consideravelmente
da dissolução dos cilindros epiteliais. Estão associados de acordo com a idade, o sexo, a dieta, a massa muscular, o
à estase urinária e ocorrem nos estágios finais de do- peso e o uso de medicamentos. Com o objetivo de padroni-
ença renal crônica; zar a função renal para diferentes tamanhos de rim, a TFG é,
- Gordurosos: são cilindros hialinos impregnados de go- habitualmente, ajustada para área corporal total de 1,73m2
tículas de gordura, também chamados de corpos lipoi- (área corporal média de adultos jovens). No entanto, mes-
des. Ocorrem em casos de síndrome nefrótica. mo após ajuste para área corporal total, a TFG é cerca de
8% maior em homens do que em mulheres e declina com
c) Cristais a idade.
Os cristais encontrados na urina I podem ser de diferen- Indivíduos normais começam a perder função renal
tes composições e significados. após os 20 e 30 anos de idade. Em média, há uma redu-
A presença de cristais de ácido úrico, fosfato e oxalato ção de 10% do ritmo de filtração glomerular por década; ou
de cálcio pode não ter significado diagnóstico algum, já que 0,75mL/min/ano, após a 4ª década de vida. Se não houver
essas substâncias podem cristalizar em decorrência de alte- nenhuma lesão renal, homens com 70 anos, em geral, terão
rações de pH e temperatura. No entanto, cristais de ácido um clearance de creatinina em torno de 70mL/min/1,73m2;
úrico podem estar presentes na IRA por lise tumoral pós- mulheres, um pouco menos. É importante ressaltar que,
-quimioterapia (Figura 1C) e cristais de oxalato de cálcio po- apesar da redução progressiva de função renal que ocorre
dem sugerir intoxicação por etilenoglicol (Figura 1D). com o envelhecimento, a creatinina costuma permanecer
Cristais de estruvita (fosfato amoníaco-magnesiano) são constante ou apenas discretamente aumentada, devido à
incomuns e podem estar relacionados à litíase associada a perda de massa muscular concomitante. Logo, um discreto
infecções por bactérias produtoras de uréase (Klebsiella, aumento de creatinina já pode corresponder a uma perda
Proteus). Os cristais de cistina também são incomuns, e a moderada de função renal, como pode ser observado na
cistinúria deve ser investigada. Figura 2.
Reduções na TFG podem ser não só decorrentes de uma
redução no número de néfrons, mas também de uma redu-
ção da função individual de cada néfron, devido a alterações
fisiológicas ou hemodinâmicas. A perda de néfrons pode
ser inicialmente compensada pelo aumento de função dos
néfrons remanescentes, de modo que não haja alteração
da TFG. Portanto, pode haver dano renal significativo antes
que a TFG seja reduzida.
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ideal e continua sendo o padrão-ouro, com o qual outros Clearance de creatinina em mL/min =
marcadores são comparados. No entanto, para medida do creatinina urinária (mg/dL) x volume urinário (mL)
clearance de inulina é a infusão contínua da mesma, além creatinina plasmática (mg/dL) x tempo (minutos)
disso, o método laboratorial para dosagem da inulina é caro
e de difícil realização. Por isso, o clearance de inulina não é O valor do clearance de creatinina é influenciado pelo
NEFROLOGIA
utilizado na prática clínica, permanecendo como ferramen- status nutricional, pela ingesta proteica e pela massa mus-
ta de pesquisa. cular e, por isso, não é muito acurado para medida da
A creatinina é o principal marcador de filtração utilizado função renal nos idosos. A produção de creatinina e sua
na prática clínica para medida da TFG. A creatinina é um excreção urinária reduzem com a idade, em proporção à
produto do metabolismo proteico, e sua geração é propor- redução de peso e massa muscular que ocorre com o en-
cional a idade, sexo, raça e tamanho do corpo. A creatini- velhecimento. Por isso, a creatinina não aumenta com o
na é gerada num ritmo constante e liberada na circulação. tempo, apesar de uma redução progressiva da função re-
No rim, é livremente filtrada no glomérulo e secretada nos nal. Quando o clearance de inulina, que é mais fidedigno, é
túbulos. Algumas medicações, como a cimetidina e o tri- comparado ao de creatinina, percebe-se que o clearance de
metoprima, inibem a secreção tubular de creatinina e re- creatinina subestima a TFG em idosos, e esse efeito é ainda
duzem o clearance de creatinina. Logo, essas medicações maior se o clearance de creatinina for estimado através da
causam um aumento da creatinina sérica sem afetar a TFG. fórmula de Cockroft-Gault. A equação MDRD é considerada
Por outro lado, a creatinina pode ser eliminada por secre- mais acurada que a de Cockroft-Gault, de forma geral. No
ções intestinais e degradada na luz do intestino. Quando a entanto, em idosos com mais de 70 anos, ela superestima a
TFG está reduzida, a excreção de creatinina por essa via é função renal. Na verdade, nem a equação MDRD nem a de
aumentada. Antibióticos podem destruir a flora intestinal e, Cockroft-Gault são validadas nessa população e a acurácia
consequentemente, impedir a eliminação de creatinina por dessas fórmulas nesses idosos permanece duvidosa.
essa via, levando a um aumento da concentração sérica de Em crianças, a medida do clearance de creatinina pode
creatinina, sem afetar a TFG. ser feita de forma direta, a partir da urina de 24 horas, por
Sistematicamente, o clearance de creatinina superesti- meio da 3ª fórmula. Pode-se ainda estimar o clearance em
ma a TFG devido à secreção tubular de creatinina. Quando crianças pela fórmula de Schwartz, que é baseada na creati-
a TFG está reduzida, a quantidade de creatinina secretada nina sérica, idade, altura e, em adolescentes, no gênero do
pelo túbulo pode ser até maior do que a quantidade filtrada paciente, conforme descrito a seguir:
no glomérulo. O clearance de creatinina em adultos pode
ser estimado através de uma das 2 primeiras fórmulas a se- Clearance de creatinina estimado em mL/min =
guir, ou medido de forma direta por meio da 3ª fórmula: k x altura (cm)
creatinina plasmática (mg/dL)
a) Primeira (mais recomendada)
Equação MDRD (Modification of Diet in Renal Disease A constante k é diretamente proporcional ao compo-
Study). Essa equação está disponível na maioria dos com- nente muscular corpóreo e varia com a idade. O valor da
putadores de bolso (palmtops), entretanto é complexa e de constante k é de 0,33 para bebês que nasceram prematu-
difícil uso no dia a dia. ros, durante o 1º ano de vida; 0,45 para bebês que nasce-
ram a termo, durante o 1º ano de vida; 0,55 para crianças
Clearance de creatinina estimado em mL/min/1,73m2 = de ambos os sexos e adolescentes do sexo feminino; e de
186 x (Cr plasma)-1,154 x (idade)-0,203 x (0,742, se mulher) x (1,210, se 0,7 para adolescentes do sexo masculino.
negro)
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NEFRO LOG I A
A - Ultrassonografia
A ultrassonografia utiliza ondas sonoras para gerar uma
imagem das estruturas anatômicas. A técnica é simples, in-
dolor e segura, e pode ser usada para estudar os rins, os
ureteres e a bexiga, com a vantagem adicional de gerar
boas imagens mesmo quando a função renal está diminu-
ída. Outra vantagem da ultrassonografia é a não utilização
de contraste iodado, o que evita complicações tóxicas e/ou
alérgicas decorrentes do uso do mesmo. A principal des-
vantagem da ultrassonografia é ser operador dependente.
A Figura 3A apresenta o aspecto ultrassonográfico de um
rim normal.
Através da ultrassonografia fetal, é possível obter algu-
mas informações indiretas sobre a função renal do feto com
mais de 20 semanas, por meio da mensuração das altera-
ções do volume da bexiga. Essa informação ajuda o médico
a determinar o grau de adequação da função renal do feto.
Para os recém-nascidos, é o melhor método para investigar
massas abdominais, infecções do trato urinário e suspeitas
de defeitos congênitos do sistema urinário, pois se trata de
um procedimento simples e cujos resultados são altamente
acurados.
A ultrassonografia renal é o exame inicial de escolha
para exclusão de obstrução do trato urinário. Com a ultras-
sonografia, é possível evidenciar a presença de hidronefro-
se (Figura 3B) e estabelecer a causa da mesma na maioria
dos casos. Considerando que insuficiência renal aguda
pós-renal pode ser totalmente revertida se a obstrução do
trato urinário for tratada precocemente, a ultrassonografia
deve ser realizada em todos os pacientes com insuficiência
renal de causa indefinida.
Embora seja menos sensível que a TC para a detecção de
massas renais, a ultrassonografia pode ser útil na diferen-
ciação entre cistos renais simples, cistos renais complexos
e tumores renais sólidos. Também pode ser utilizada para
screening e diagnóstico de doença renal policística.
A ultrassonografia também pode ser utilizada em pa-
cientes com pielonefrite aguda, que não estejam respon-
dendo adequadamente ao tratamento, com o objetivo de
afastar a presença de complicações como obstrução do tra-
to urinário, abscesso perinefrético ou outras complicações
da pielonefrite.
Adicionalmente, a ultrassonografia é utilizada de forma
frequente para avaliar a presença de nefropatia crônica. São
sinais de nefropatia crônica na ultrassonografia: aumento
da ecogenicidade cortical, perda da diferenciação cortico-
medular e redução de tamanho renal (Figura 3C).
A ultrassonografia também pode ser utilizada para diag- Figura 3 - Aspecto ultrassonográfico de (A) rim normal, (B) rim com
nosticar a presença de nefrolitíase (cálculos renais) (Figura hidronefrose moderada, (C) rim com nefropatia parenquimatosa
3D) e para guiar a biópsia renal. crônica e (D) presença de cálculo renal em polo superior do rim
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M É T O D O S C O M P L E M E N TA R E S D I A G N Ó S T I C O S E M N E F R O LO G I A
NEFROLOGIA
cheia de urina. Embora a ultrassonografia permita identifi-
car tumores da bexiga, a TC é mais confiável para esse fim.
B - Tomografia computadorizada
A TC é frequentemente utilizada para a obtenção de in-
formações complementares à ultrassonografia. A TC tem a
vantagem de ser mais sensível que a ultrassonografia, po-
rém tem a desvantagem de ser mais cara e de necessitar,
com frequência, da utilização de contraste iodado, o que
pode precipitar reações anafiláticas e também nefropatia
por contraste, principalmente nos pacientes com alteração
prévia da função renal. A Figura 4A mostra o aspecto tomo-
gráfico de rins normais.
A TC pode diferenciar as estruturas sólidas das com con-
teúdo líquido, essa é uma técnica útil para a avaliação do
tipo e da extensão dos tumores renais ou de outras mas-
sas que deformam o trato urinário normal. Para mais infor-
mações, pode ser administrado contraste pela via IV. A TC
pode ainda ajudar a determinar se um tumor se estendeu
além do rim (Figura 4B). Quando, durante uma TC, é injeta-
da uma mistura de ar e de contraste no interior da bexiga,
pode-se observar claramente o contorno de um tumor de
bexiga. A TC também é capaz de evidenciar a presença de
hidronefrose e diagnosticar a causa e altura da obstrução
do trato urinário de forma mais precisa e sensível que a
ultrassonografia (Figura 4C). Do mesmo modo, TC é mais
sensível para o diagnóstico de doença renal policística em
estágios iniciais.
Adicionalmente, a TC sem contraste é o padrão-ouro
para o diagnóstico de nefrolitíase (Figura 4D) e deve ser uti-
lizada quando se suspeita desse diagnóstico e a ultrassono-
grafia não evidenciou a presença de cálculos. Além disso, a
angiotomografia renal é capaz de realizar um estudo ana-
tômico preciso da vasculatura renal e confirmar estenoses
sugeridas pela ultrassonografia com Doppler.
C - Ressonância magnética
A RM é mais cara que a TC, mas tem a vantagem de não
utilizar contraste iodado e poder, por isso, ser usada em pa-
cientes alérgicos a iodo. Além disso, tem a vantagem adi-
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NEFRO LOG I A
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M É T O D O S C O M P L E M E N TA R E S D I A G N Ó S T I C O S E M N E F R O LO G I A
D - Urografia excretora
A Urografia Excretora (UE) costumava ser o principal
método diagnóstico por imagem para doenças do trato uri-
nário, antes do desenvolvimento da ultrassonografia, da TC
NEFROLOGIA
e da RM. A UE é capaz de fornecer informação detalhada
acerca da anatomia pielocalicial e do tamanho e forma re-
nal, e é muito útil na detecção de cálculos renais. No entan-
to, tem a desvantagem de necessitar da administração de
contraste iodado, o que pode precipitar reações anafiláticas
em pacientes alérgicos a iodo e nefropatia por contraste em
pacientes susceptíveis. Por isso, tem sido frequentemente
substituída pela ultrassonografia, sendo um método não
invasivo, que não utiliza contraste e pode fornecer imagens
tanto quanto ou até mais detalhadas que a UE.
No entanto, continua a ser uma técnica útil no diagnós-
tico de algumas desordens estruturais, como a necrose pa-
Figura 6 - Aspecto arteriográfico de (A) estenose de artéria renal
pilar renal e o rim espongiomedular. A UE também tem alta
esquerda e (B) da correção da estenose após colocação de stent
sensibilidade e especificidade para a detecção de cálculos
em artéria renal esquerda
e possibilita o diagnóstico da altura da obstrução do trato
urinário. No entanto, a TC sem contraste é o padrão-ouro
para o diagnóstico de nefrolitíase.
F - Cintilografia renal
A cintilografia renal com DMSA é uma ferramenta útil
E - Arteriografia renal para o diagnóstico precoce de refluxo vesicoureteral e cica-
O exame considerado padrão-ouro para o diagnóstico trizes renais, sendo um método bastante utilizado para esse
de estenose de artéria renal é a arteriografia renal. No en- fim, principalmente na população pediátrica.
tanto, a mesma é um exame invasivo, que utiliza contraste A cintilografia renal com DTPA (renograma) com capto-
iodado. Suas principais complicações são o ateroembolis- pril é um exame funcional, excelente para triagem de hiper-
mo por cristais de colesterol e a nefropatia por contraste. tensão renovascular, porém perde acurácia na insuficiência
Atualmente, a arteriografia renal tem sido menos utili- renal. Tem as vantagens de não ser operador-dependente
zada para o diagnóstico de afecções vasculares renais devi- e não utilizar contraste iodado nem gadolínio. Um exame
do à disponibilidade de métodos não invasivos e igualmen- totalmente normal exclui doença significativa, e a presença
te úteis para o diagnóstico, como a TC e a RM. Por outro de alteração do RFG após a administração de captopril pode
lado, a arteriografia tem sido cada vez mais utilizada para estimar reversibilidade da lesão arterial.
o tratamento de estenose de artéria renal por angioplastia,
com ou sem colocação de stent (Figura 6). G - Uretrocistografia miccional
A uretrocistografia miccional (UCM) é um estudo radio-
lógico contrastado capaz de avaliar a uretra, a bexiga e a
micção do paciente e observar possíveis refluxos ureterais.
A fase miccional do exame é mais bem realizada utilizan-
do controle fluoroscópico. As indicações clínicas da UCM
incluem traumatismo uretral, perda involuntária de urina,
estenose de uretra e refluxo ureteral.
H - Urografia retrógrada
Na urografia retrógrada, um contraste similar ao utili-
zado na urografia intravenosa é introduzido diretamente
através de um endoscópio (aparelho de visualização) ou de
um cateter até o ureter. Essa técnica fornece boas imagens
da bexiga, dos ureteres e da porção inferior dos rins quando
os resultados da urografia intravenosa são insatisfatórios. A
urografia retrógrada também é útil na investigação de uma
obstrução ureteral ou na avaliação de um paciente alérgico
a contrastes intravenosos. As desvantagens dessa técnica
são o risco de infecção e a necessidade de anestesia.
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NEFRO LOG I A
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CAPÍTULO Distúrbios hidroeletrolíticos:
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NEFRO LOG I A
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NEFROLOGIA
co do organismo. Em geral, o potássio volta ao normal com
a normalização do pH. Entretanto, se o potássio é normal causadas por anti-inflamatórios, anemia falciforme.
em um paciente com acidose grave, espera-se que diminua - Há deficiência de insulina, hiperglicemia e/ou hipe-
à medida que se corrige a acidose. Nesse caso, é prudente rosmolalidade?
planejar a reposição do potássio mais precocemente. A insulina promove a entrada de potássio nas células,
- Há algum indício de hemólise, lise tumoral ou rabdo- logo, em condições normais, a ingestão de glicose (que esti-
miólise? mula a secreção endógena de insulina) minimiza o aumento
Em algumas situações, o potássio aumenta devido à que- de potássio sérico induzido pela ingestão concomitante de
bra ou lise celular como rabdomiólise, quadros hemolíticos ou potássio na dieta. No entanto, no diabetes mellitus descon-
lise tumoral (espontânea ou associada ao início de quimiotera- trolado, a combinação de deficiência de insulina com a hipe-
pia). Se houver qualquer indício, deve-se confirmar (por exem- rosmolalidade induzida pela hiperglicemia frequentemente
leva à hipercalemia, mesmo que o paciente tenha seus esto-
plo, hemólise, icterícia, aumento de desidrogenase lática).
ques depletados pelas perdas primárias de potássio na urina.
- Há redução do volume circulante efetivo? O aumento da osmolalidade leva a uma elevação do
A redução do fluxo sanguíneo distal, que é decorrente movimento osmótico da água das células para o extrace-
da redução do fluxo sanguíneo efetivo (como pode ocorrer lular, o que é acompanhado pelo movimento do potássio
na insuficiência cardíaca, na cirrose ou na nefropatia perde- para o extracelular. Além da hiperglicemia, pode ocorrer
dora de sal), também pode levar à hipercalemia. hipercalemia decorrente da hiperosmolalidade relacionada
à administração de manitol hipertônico e à hipernatremia,
- A hipercalemia pode estar ocorrendo devido ao principalmente em portadores de insuficiência renal.
hipoaldosteronismo?
Nessa situação, diminui a produção de aldosterona, difi- - A hipercalemia é iatrogênica?
cultando a excreção tubular distal de potássio. Deve-se sus- A iatrogenia é uma causa muito frequente de hiper-
peitar de hipoaldosteronismo em pacientes cronicamente calemia em pacientes internados (reposição incorreta e
hipercalêmicos que não sejam portadores de insuficiência excessiva de potássio), principalmente em portadores de
renal avançada, nem de condições que causem redução insuficiência renal.
do volume circulante efetivo (como a insuficiência car- Outras causas de hipercalemia:
díaca avançada) e que não estejam em uso de diuréticos - Dieta rica em potássio, de forma isolada, raramente
poupadores de potássio. Nos pacientes com suspeita de causa hipercalemia, mas pode ter um papel importante
hipoaldosteronismo, deve-se inicialmente investigar o uso se associada à insuficiência renal e/ou ao uso de medi-
de medicamentos que prejudiquem a liberação de aldos- camentos retentores de potássio. Também pode ocor-
terona, como anti-inflamatórios não hormonais, inibidores rer hipercalemia na paralisia periódica hipercalêmica
da ECA, ciclosporina e heparina. Se o uso de nenhum deles (doença autossômica dominante em que ocorre parali-
estiver presente, devem-se investigar outras causas de hi- sia hipercalêmica periódica geralmente precipitada por
poaldosteronismo como insuficiência adrenal primária (do- repouso após exercício físico, jejum, exposição ao frio
ença de Addison) e o hipoaldosteronismo hiporreninêmico ou ingestão de pequenas quantidades de potássio); e na
(que pode ocorrer em portadores de nefropatia diabética e ureterojejunostomia (cirurgia de derivação urinária, em
nefrite intersticial crônica). que a hipercalemia é provavelmente precipitada pela
As causas mais comuns de hipoaldosteronismo encon- reabsorção jejunal do potássio excretado na urina).
tram-se detalhadas a seguir:
b) Achados clínicos
- Destruição da adrenal: denominada doença de
Addison. Pode ser de etiologia autoimune (mais co- A hipercalemia (definida como uma concentração sérica
mum nos Estados Unidos) ou por invasão e destruição de potássio >5mEq/L) pode causar sintomas inespecíficos,
da glândula (mais comum no Brasil) devido à tubercu- porém, na maioria das vezes, os pacientes são assintomáti-
lose, fungos, vírus. Os sintomas são vagos, como fra- cos. Os tecidos mais suscetíveis são o miocárdio e os mús-
queza, perda de peso, dor abdominal. Ao exame físico, culos periféricos. As consequências são:
podem-se notar escurecimento da pele (causada por - Miocárdio: extrassístoles, arritmias e PCR (mais comu-
aumento de conteúdo de melanina na pele, devido à mente por fibrilação ventricular ou assistolia);
alta concentração de ACTH) e hipotensão postural; - Musculoesquelético: fraqueza muscular, fadiga e, ra-
- Hipoaldosteronismo hiporreninêmico: também deno- ramente, paralisia flácida ascendente e insuficiência
minada acidose tubular renal tipo IV, ocorre em virtude respiratória aguda.
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NEFROLOGIA
de cloreto de cálcio, a dose inicial é de 500 a 1.000mg (5 a • Solução polarizante ou glicoinsulinoterapia (gli-
10mL da solução de cloreto de cálcio a 10%) infundidos via cose + insulina): a administração de insulina reduz
IV em 2 a 3 minutos, também com monitorização cardíaca a concentração sérica de potássio por aumentar
contínua. A dose de ambas as formulações de cálcio pode o transporte do mesmo do extra para o intracelu-
ser repetida após 5 minutos, caso haja persistência das al- lar, principalmente através do estímulo da Na-K-
terações eletrocardiográficas. ATPase do músculo esquelético, de forma seme-
- Medidas que promovem a translocação do potássio lhante ao mecanismo de ação dos beta-2-agonistas.
do extracelular para o intracelular: Habitualmente, administra-se glicose com a insulina
Essas medidas não reduzem o pool corporal de potássio, para evitar o desenvolvimento de hipoglicemia, no
mas dão tempo para que as terapias capazes de remover o entanto, pode-se administrar apenas insulina, se a
excesso de potássio do corpo possam agir. Essas medidas glicemia for maior que 250mg/dL. Um dos modos
são usadas primariamente em 3 situações: pacientes com mais comuns de uso da solução polarizante consiste
hipercalemia e alterações eletrocardiográficas; pacientes na administração de 10 unidades de insulina regular
com potássio sérico maior que 6,5 a 7mEq/L; pacientes com em 500mL de soro glicosado a 10% em 60 minutos.
potássio sérico <6,5mEq/L, porém aumentando rapidamen- Outra forma possível de uso dessa solução consiste
te. As medidas que promovem a translocação do potássio na administração de 10U de insulina regular em bo-
do extracelular para o intracelular incluem: lus, seguida de 50mL de glicose a 50%. Esse último
• Beta-2-adrenérgico agonista inalatório: os beta-2- esquema é mais eficaz na redução de potássio, no
-agonistas aumentam o transporte de potássio do entanto, é mais comum a ocorrência de hipoglice-
extra para o intracelular, principalmente por meio mia. O efeito da insulina começa em 10 a 20 minu-
do aumento da atividade da bomba Na-K-ATPase tos e dura de 4 a 6 horas. Na maioria dos pacien-
do músculo esquelético. Além disso, são eficazes no tes, a concentração sérica de potássio cai de 0,5 a
tratamento da hipercalemia, reduzindo o potássio 1,2mEq/L com a utilização da solução polarizante.
sérico em 0,5 a 1,5mEq/L;
- Medidas que promovem diminuição do pool corporal
• Bicarbonato de sódio IV: o aumento do pH pela de potássio por meio do aumento da excreção de potássio:
infusão de bicarbonato de sódio leva ao aumen-
As medidas que promovem a translocação de potássio
to da saída de íons hidrogênios das células, como
do extracelular para o intracelular só reduzem a concentra-
parte do efeito tampão. A saída de hidrogênio das
ção sérica de forma transitória. Logo, na maior parte dos
células é acompanhada da entrada de potássio
nas mesmas para manutenção da eletroneutrali- casos, é necessária terapia adicional com o objetivo de re-
dade. No entanto, a administração de bicarbonato mover o excesso de potássio corporal; exceto em pacien-
de sódio não está recomendada se a hipercalemia tes que apresentem hipercalemia reversível, resultante do
não estiver acompanhada de acidose metabólica. aumento da saída de potássio das células, como ocorre na
O bicarbonato de sódio tem pouca eficácia quan- acidose metabólica. As 3 principais medidas para redução
do há insuficiência renal crônica, podendo causar do potássio corporal são os diuréticos, as resinas trocadoras
sobrecarga de volume, já que, para cada 1mEq de de cátions e a diálise. Essas medidas encontram-se detalha-
bicarbonato, há 1mEq de sódio. Deve-se também das a seguir:
ter muito cuidado em caso de hipertensão arterial. • Diuréticos: os diuréticos de alça, como a furose-
Tanto na insuficiência renal quanto na hipertensão mida (Lasix®), e os diuréticos tiazídicos aumentam
arterial, o bicarbonato de sódio pode levar a ede- a excreção de potássio na urina, principalmente
ma agudo de pulmão, se administrado rapidamen- quando combinados com hidratação venosa com
te e em volumes excessivos. A dose recomendada solução salina, a qual mantém o aporte e o fluxo
de bicarbonato de sódio é de 1mEq/kg de peso (ou distal de sódio;
1mL/Kg de solução de bicarbonato de sódio a 8,4%), • Resinas trocadoras de cátions: a principal resina
administrado de forma intravenosa em 1 a 2 horas, trocadora de cátion disponível no Brasil é o poliesti-
até de 4/4 horas. Outra opção, se o paciente tolerar renossulfonato de cálcio (Sorcal®). No intestino, as
volume, é a administração de solução bicarbonata- resinas trocadoras de cátions se ligam ao potássio.
da isotônica (por exemplo, 150mL de bicarbonato Cada grama de resina pode se ligar a até 1mEq de
de sódio a 8,4% em 1 litro de solução glicosada a potássio. A resina (Sorcal®) não é absorvida e cos-
5%), de forma intravenosa, em 2 a 4 horas. Não se tuma causar constipação. Recomenda-se diluir com
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até um mínimo de 5 a 25mEq/dia, quando há depleção - Hipotermia e tireotoxicose: podem aumentar a trans-
corporal de potássio. No entanto, apesar de ser causa locação de potássio do extra para o intracelular, levan-
rara de forma isolada, a ingestão reduzida de potássio do à hipocalemia;
pode contribuir para a severidade da depleção corpo- - Tratamento de anemia megaloblástica: há grande ris-
ral de potássio quando superimposta a outras causas,
NEFROLOGIA
co de hipocalemia no início do tratamento, devido à
como terapia diurética; síntese celular maciça e consequente translocação do
- Translocação do extracelular para o intracelular: o potássio do extra para o intracelular.
gradiente normal de distribuição do potássio entre as - Perdas pelo trato gastrintestinal: perda de secreção
células (que contém 98% do total de potássio) e o flui- gástrica ou intestinal por qualquer causa está associa-
do extracelular é mantido pela Na-K-ATPase presente da à perda gastrintestinal de potássio e possível hipo-
na membrana celular. Entretanto, em algumas situa- calemia. São exemplos de perdas gastrintestinais que
ções, ocorre aumento da entrada de potássio dentro podem causar hipocalemia:
das células, o que resulta em hipocalemia transitória. • Perdas gastrintestinais altas, acima do piloro (vô-
As principais situações em que ocorre esse aumento mitos, alta drenagem de sonda nasogástrica e
da translocação de potássio do extra para o intracelu- fístula gástrica): podem causar hipovolemia e alca-
lar e consequente hipocalemia estão descritas a seguir: lose, levando ao hiperaldosteronismo secundário
• Alcalose metabólica: tanto a alcalose metabólica que, associado à bicarbonatúria, pode ocasionar
quanto a respiratória podem promover um aumen- grande perda urinária de potássio;
to da entrada de potássio dentro das células, com • Perdas gastrintestinais baixas, abaixo do piloro
consequente hipocalemia. Nessas situações, íons (diarreia, fístula biliar, pancreática ou entérica):
hidrogênio saem das células para minimizar a alte- são perdas ricas em potássio, diretamente pelo tra-
ração de pH extracelular, o que requer que haja en- to gastrintestinal. Eles apresentam acidose metabó-
trada de potássio nas células para manutenção da lica associada, e não alcalose, pois também perdem
eletroneutralidade; líquido rico em bicarbonato.
• Uso de medicações como insulina, beta-2-adrenérgi- - Perdas renais: explicam a maioria dos casos de hipoca-
cos, teofilina, cafeína: essas medicações podem, por lemia crônica. São causas de perdas renais de potássio:
diferentes mecanismos, aumentar a translocação de • Medicamentos: diuréticos de alça, diuréticos tiazídi-
potássio do extra para o intracelular. cos e inibidores da anidrase carbônica (acetazolami-
- Paralisia periódica hipocalêmica: é um distúrbio neu- da) podem causar hipocalemia. Os diuréticos agem
romuscular raro, na maior parte dos casos é heredi- antes do túbulo coletor e, por isso, causam aumen-
tário, geralmente autossômico dominante. Envolve to do aporte de sódio a esse segmento do néfron, o
ataques de fraqueza muscular ou paralisia alternados que é importante fator estimulante da excreção uri-
com períodos de função muscular normal. Os ataques nária de potássio. O aumento da aldosterona, pela
normalmente começam na adolescência, mas podem redução da volemia também estimula essa excreção.
ocorrer antes dos 10 anos, variar de diários a anuais Além disso, o aumento do fluxo hídrico no néfron dis-
e durar de algumas horas a vários dias. Durante um tal, por ação dos diuréticos, mantém um gradiente
ataque de fraqueza muscular, o nível sérico de potás- favorável para a excreção de potássio. No caso dos
sio é baixo, porém, entre os ataques, são normais. inibidores da anidrase carbônica, o principal fator ca-
Não há diminuição da quantidade de potássio total liurético é a bicarbonatúria, pois o bicarbonato não é
do organismo. O potássio flui da corrente sanguínea reabsorvido no néfron distal e leva com ele o potás-
para as células musculares durante os ataques. Os ní- sio, de forma a manter a eletroneutralidade da urina;
veis de insulina podem afetar o distúrbio em algumas • Poliúria: o aumento do fluxo de água no néfron dis-
pessoas, porque ela aumenta o fluxo de potássio para tal aumenta a secreção de potássio no túbulo cole-
as células. A fraqueza afeta com mais frequência os tor, pois mantém um gradiente favorável à secreção
músculos dos braços e das pernas, mas pode, algumas deste íon;
vezes, afetar os músculos dos olhos ou os envolvidos • Hiperaldosteronismo primário: há aumento da
na respiração e deglutição (o que pode ser fatal). Ainda concentração sérica da aldosterona, devido à libe-
que a força muscular seja inicialmente normal entre ração descontrolada da mesma por um tumor da
os ataques, podem, eventualmente, causar fraqueza adrenal (adenoma ou adenocarcinoma) ou pela hi-
muscular progressiva e persistente. Eles ainda podem perplasia adrenal idiopática. O excesso de aldoste-
ser desencadeados pela ingestão de alimentos ricos rona estimula o túbulo coletor a reabsorver sódio à
em carboidratos, ocorrem, geralmente, após o sono ou custa da excreção de potássio e bicarbonato o que
o repouso e são raros durante um período de exercício, leva à hipocalemia e à alcalose metabólica associa-
mas o repouso após um período de exercício pode de- das à hipertensão (tríade clássica do hiperaldoste-
sencadear um ataque; ronismo primário);
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centração urinária, aumento da produção renal de um paciente com potássio de 2,8mEq/L pode ter pro-
amônia, aumento da reabsorção renal de bicarbonato eminente onda U, já outro indivíduo com potássio de
e nefropatia hipocalêmica (que pode contribuir para 2mEq/L pode não tê-la. De forma geral, as alterações
a poliúria). Hipocalemia pode ainda causar polidipsia, eletrocardiográficas podem ser sutis, mas devem ser
que pode contribuir para poliúria; prontamente reconhecidas (Tabela 6).
NEFROLOGIA
- Distúrbios do ritmo cardíaco: são decorrentes das Tabela 6 - Alterações progressivas do ECG na hipocalemia
alterações na excitabilidade de membrana secundá- - Achatamento da onda T;
rias à hipocalemia. Vários tipos de arritmia podem
- Ondas U (concavidade para baixo ao final da onda T);
ser vistos na hipocalemia, incluindo bradicardia sinu-
sal, taquicardia atrial e juncional paroxística, bloqueio - Depressão do segmento ST;
atrioventricular e fibrilação e taquicardia ventricular. - Prolongamento do intervalo PR;
Hipocalemia pode causar alterações características no - Prolongamento do intervalo QU (início do QRS ao final da onda U);
ECG, que serão detalhadas a seguir, na sessão de exa- - Arritmias (principalmente em cardiopatias e uso de digitálicos);
mes complementares. - Atividade elétrica sem pulso ou assistolia.
c) Exames complementares
A explicação das correlações entre os níveis de potás-
Exames complementares podem ser úteis para:
sio e alterações eletrocardiográficas na hipocalemia está
- Avaliar repercussão da hipocalemia no coração: ele- na Figura 2. Deve-se acrescentar que essa correlação não é
trocardiograma. Não existe uma boa correlação entre perfeita e depende mais da velocidade de instalação da hi-
a hipocalemia e alterações de ECG. Isso significa que pocalemia do que dos valores absolutos de potássio sérico.
- Diagnosticar outros distúrbios metabólicos: como • Acidose metabólica: sugere perda de potássio pelo
glicemia (diabetes mellitus), sódio, magnésio, cálcio, trato gastrintestinal (diarreia), cetoacidose diabé-
função renal; tica com extrema espoliação de potássio, uso de
anfotericina-B, doença tubular proximal (acidose
- Diagnosticar a causa da hipocalemia (Figura 3): tubular renal tipo 2 com bicarbonatúria, fosfatúria,
• Gradiente urinário transtubular de potássio aminoacidúria e caliurese) ou acidose tubular renal
(TTKG): espera-se que, em situações de hipocale- tipo 1 (dificuldade para excretar H+);
mia, os rins sejam capazes de reabsorver mais de • Alcalose metabólica: sugere uso de diurético, vômi-
90% do potássio filtrado (excretar <15mEq ao dia). tos, síndromes com hiperaldosteronismo ou síndro-
A hipocalemia com um TTKG >4 sugere que a deple- mes raras (Bartter, Liddle ou Gitelman);
ção de potássio é de causa renal. • Sistema renina-angiotensina-aldosterona: as combi-
K+ na urina/K+ plasma nações entre os valores determinados para atividade
TTKG = de renina plasmática e aldosterona sérica levam aos
osmolalidade urina/osmolalidade plasma
diagnósticos prováveis indicados na Tabela 7.
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NEFRO LOG I A
Tabela 7 - Combinações entre a atividade de renina plasmática e aldosterona sérica e os possíveis diagnósticos
Atividade de renina
Aldosterona sérica Possíveis diagnósticos
plasmática
Hiperaldosteronismo secundário (estenose de artéria renal, hipovolemia, ou na
Elevada Elevada
rara síndrome de Bartter).
Suprimida Elevada Hiperaldosteronismo primário (produção autônoma de aldosterona).
Hiperfunção do néfron distal (síndrome de Liddle) ou na rara deficiência da
Suprimida Baixa
enzima 11-beta-hidroxiesteroide desidrogenase.
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podem ser bastante dolorosas. O KCl deve ser diluído, para Tabela 9 - Preparações de potássio intravenoso: sugestão de
reposição inicial, em soro fisiológico, pois o soro glicosado prescrição
pode levar a uma queda adicional transitória do potássio - Em veia periférica: máximo de 16mL do KCl a 19,1% (40mEq de
sérico, pela liberação de insulina secundária à adminis- potássio) diluído em 1.000mL de soro (0,9 ou 0,45%);
tração de glicose, o que pode agravar os sintomas do pa-
NEFROLOGIA
- Deixar em bomba de infusão: 125 a 250mL/h = 5 a 10mEq/h;
ciente. Em pacientes que não tolerarem altas quantidades - Em veia central: máximo de 80 a 160mL (200 a 400mEq de potás-
de volume e apresentam hipocalemia grave sintomática, sio) diluído em 1.000mL de soro (0,9 ou 0,45%). Recomendado
podem-se administrar soluções mais concentradas (100 a de 40mL (100mEq de potássio) diluído em 1.000mL de soro;
400mEq/L) em veia central. Na maioria dos casos, são utili- - Deixar a solução recomendada (100mEq/L) em bomba de infusão:
zadas concentrações de 100 a 200mEq/L em veia central. A 50 a 200mL/h = 5 a 20mEq/h;
velocidade máxima habitual de infusão venosa de potássio - Pode-se infundir o KCl mais rápido que 20mEq/h, no entanto o
é de 10 a 20mEq/h, para evitar o risco de desenvolvimento médico deve estar ciente de que, quanto mais rápida a infusão,
de hipercalemia. No entanto, em pacientes com paralisia maior o risco de hipercalemia iatrogênica. Outro fator é que uma
hipocalêmica ou arritmias graves secundárias à hipocale- infusão rápida de KCl leva a perdas excessivas do íon pela uri-
na e diminui a recomposição dos estoques do potássio. Muito
mia, podem-se utilizar velocidades de infusão de até 40 a raramente, necessita-se infundir o KCl a 30mEq em 1 hora. Isso
100mEq/h, devendo essa velocidade ser reduzida assim acontece em doentes instáveis, com hipocalemia grave e arrit-
que os sintomas desaparecerem. mias recidivantes. Após essa reposição rápida, recomenda-se a
As preparações de potássio mais utilizadas encontram- infusão a taxas mais seguras.
-se descritas a seguir:
e) Complicações do tratamento
- KCl xarope 10%: 15mL têm 20mEq de potássio. Dose
usual: 10 a 20mL após as refeições, 2 a 4x/dia; - Hipercalemia iatrogênica;
- KCl comprimido (Slow-K®): 1 comprimido tem 600mg - Sobrecarga de volume e edema pulmonar;
de KCl, o que equivale a 8mEq de potássio. Dose usual: - Flebite;
1 a 2 comprimidos após as refeições, 3 a 4x/dia; - Hipoventilação;
- KCl 19,1%, intravenoso: cada 1mL tem 2,5mEq de po- - Rabdomiólise (pode levar à mioglobinúria e insuficiên-
tássio, logo, 1 ampola de 10mL tem 25mEq de potássio. cia renal);
Além da reposição de potássio e da correção, se pos-
- Arritmias e PCR.
sível, da causa base da hipocalemia, devem ser dosados
os níveis de magnésio dos portadores de hipocalemia. 3. Distúrbios do sódio
Hipomagnesemia pode ser responsável por hipocalemia Cerca de 50 a 60% do corpo humano são formados por
refratária à suplementação de potássio, logo, nesse caso, o água, com a seguinte distribuição:
magnésio deve ser reposto. - Entre 60 a 70% encontram-se no intracelular.
Tabela 8 - Princípios da reposição de potássio
- Entre 30 a 40% no extracelular que, por sua vez, está
dividido em:
- Sempre que possível, a via oral é prioridade, pois é mais segura;
• Intravascular (dentro dos vasos): 25%;
- Evitar usar potássio intravenoso quando a concentração sérica
está acima de 3mEq/L;
• Espaço extravascular ou intersticial: 75%.
- Soluções de potássio muito concentradas devem ser evitadas O sódio é ativamente bombeado do intracelular para o
na administração periférica, pois podem causar flebite e são
extracelular pela bomba Na+-K+-ATPase. Como resultado,
muito dolorosas;
cerca de 85 a 90% de todo o sódio encontram-se no extra-
- Concentração recomendada em veia periférica: 20 a 40mEq/L; celular, tornando-o o principal cátion responsável pela os-
- Concentração máxima em veia periférica: 40 a 60mEq/L; molalidade e pelo volume do espaço extracelular.
- Concentração recomendada em veia central: 100 a 200mEq/L; Um preciso mecanismo corporal é capaz de manter o
- Concentração máxima de veia central: 200 a 400mEq/L; sódio e a osmolalidade em níveis bastante estreitos.
- Velocidade ideal para reposição de potássio: 5 a 20mEq/h; Indivíduos normais ingerem cerca de 100 a 150mEq de
- Velocidade máxima para reposição de potássio: 40 a 100mEq/h, Na+ diariamente, e, em geral, a mesma quantidade é excre-
deve ser utilizada apenas se o paciente apresentar paralisia ou tada por dia (rins, pele e trato gastrintestinal). Após ser fil-
arritmias graves secundárias à hipocalemia; trado, 60 a 70% do Na+ são reabsorvidos nos túbulos proxi-
- Em situações de hipocalemia, evitar repor potássio em solu- mais, em um processo eletroneutro e isosmótico. Adicional
ções com glicose (glicose estimula liberação de insulina, fun- reabsorção (25 a 30%) é feita pela alça espessa de Henle
cionando como polarizante, o que pode paradoxalmente piorar através do cotransporte Na+- K+- 2Cl-, constituindo um pro-
a hipocalemia); cesso ativo e eletroneutro.
- Após normalização do potássio, continuar a reposição via oral Uma pequena porção de Na+ (5%) é reabsorvida no tú-
por vários dias a semanas, já que o déficit corporal é grande. bulo convoluto distal pelo cotransporte de Na+- Cl-, que é
29
NEFRO LOG I A
o local de ação dos tiazídicos. Uma adicional reabsorção é da sede preservado. Logo, eles apresentam, tipicamente,
feita nos ductos coletores corticais e medulares. poliúria e polidipsia, com sódio apenas levemente aumen-
Os distúrbios da concentração do sódio são as altera- tado ou no limite superior da normalidade. No entanto,
ções eletrolíticas mais frequentes encontradas na prática pode ocorrer hipernatremia grave sintomática em bebês
clínica. A hiponatremia, em particular, dependendo do cri- com diabetes insipidus (que não podem pedir por água) ou
tério utilizado para sua definição, tem prevalência de 1% na na presença de lesões centrais que prejudiquem ao mesmo
população americana e incidência de 15 a 22% em pacien- tempo a liberação de ADH e o centro da sede. São causas
tes internados. A prevalência aumenta com a idade e, em do diabetes insipidus:
pacientes com mais de 65 anos, pode chegar a 7%. A hiper- - Central: trauma cranioencefálico, tumores do SNC, cis-
natremia, por sua vez, tem incidência que varia de 0,3 a 1% tos, histiocitose, tuberculose, sarcoidose, aneurismas,
em adultos internados. meningite, encefalite, síndrome de Guillain-Barré e
idiopático;
A - Hipernatremia - Nefrogênico: congênito e adquirido (hipercalcemia, hi-
A hipernatremia é definida como uma concentração pocalemia, doença cística medular, medicações como
sérica de sódio maior que 145mEq/L. O sódio é o princi- lítio, demeclociclina, foscarnete e anfotericina).
pal determinante da osmolalidade sérica e o cátion mais
importante do extracelular. Em condições normais, há um O diagnóstico de diabetes insipidus é confirmado pela
equilíbrio entre a osmolalidade através das membranas presença de hipernatremia na vigência de osmolalidade
(entre o extracelular e o intracelular). urinária diminuída ou densidade urinária menor que 1.010.
A resposta corporal à hipernatremia é o aumento da
sede e retenção máxima de água (implica urina hipercon- Tabela 10 - Principais causas de hipernatremia
centrada). - Medicamentos: diuréticos de alça, lítio, anfotericina B, foscar-
A principal consequência fisiopatológica da hiperna- nete e demeclociclina;
tremia é a hiperosmolaridade, com desidratação celular. - Alterações eletrolíticas: hipercalcemia ou hipocalemia (causan-
Isso proporciona um mecanismo de adaptação, que acon- do diabetes insipidus nefrogênico adquirido);
tece durante dias, no qual as células acumulam solutos (os- - Hiperglicemia com diurese osmótica e perda de água;
móis idiogênicos), na tentativa de evitar a perda de água - Doença renal intrínseca (perda de água livre);
para o extracelular. Por isso, a correção rápida da hiperna- - Fase poliúrica de necrose tubular aguda (inclui pós-alívio de
tremia pode ocasionar entrada de água nas células e levar obstrução de vias urinárias);
a edema celular, com consequências potencialmente fatais, - Perdas pelo trato gastrintestinal (vômitos, diarreia, fístulas,
sobretudo no sistema nervoso central (rebaixamento do ní- sonda nasogástrica);
vel de consciência, convulsões e morte).
- Perdas pela pele (queimadura, sudorese excessiva, febre, expo-
a) Etiologia e fisiopatologia sição a altas temperaturas);
A hipernatremia é causada por um déficit relativo de - Diabetes insipidus central e nefrogênico.
água em relação ao soluto. Embora possa ser causada pela b) Achados clínicos
administração excessiva de sódio hipertônico, geralmen-
A hipernatremia pode ocasionar sede intensa, fraque-
te resulta da perda de água livre. Essa perda de água livre
pode ser secundária a perdas insensíveis pela pele e vias za muscular, irritabilidade, confusão, déficits neurológicos
respiratórias, à diarreia ou a perdas urinárias (secundárias focais, convulsões e coma. A convulsão raramente é oca-
a diabetes insipidus central ou nefrogênico ou a diuréticos sionada pela hipernatremia por si só, e, muitas vezes, a sin-
osmóticos). A maior proteção contra o desenvolvimento tomatologia se confunde com a da situação que levou ao
de hipernatremia nas situações em que haja aumento da aumento do sódio sérico (por exemplo, acidente vascular
perda de água livre é o aumento da ingesta hídrica, pois cerebral hemorrágico). Ao exame físico, o paciente encon-
o aumento da concentração de sódio estimula o centro da tra-se desidratado.
sede por meio dos receptores hipotalâmicos. Logo, a hipo- As alterações osmóticas desencadeadas pela hiperna-
natremia geralmente ocorre em crianças pequenas ou em tremia no sistema nervoso central podem ocasionar ruptu-
idosos, que não sejam capazes de pedir por água, apesar da ra vascular, sangramento cerebral, hemorragia subaracnói-
possibilidade de terem o centro da sede intacto e sentirem dea e sequela neurológica permanente. Na prática clínica,
sede. As principais etiologias da hipernatremia estão des- encontra-se um indivíduo muito desidratado com quadro
critas na Tabela 10. neurológico proporcional à osmolaridade:
Dentre as causas de hipernatremia, deve-se destacar o - Maior que 320mOsm/L: confusão mental;
diabetes insipidus, cuja principal característica é a perda de - Maior que 340mOsm/L: coma;
água livre pelos rins, devido à falta do ADH ou à resistência - Maior que 360mOsm/L: já é nível para levar à apneia
tubular ao ADH. A maioria dos pacientes tem o mecanismo e morte.
30
D I S T Ú R B I O S H I D R O E L E T R O L Í T I C O S : P O T Á S S I O, S Ó D I O E C Á L C I O
NEFROLOGIA
tremia. Presença de diarreia intensa, poliúria, medicações
ingeridas e antecedentes (idosos, demenciados e acamados teste, permitindo observação constante. Em geral, o tempo
são especialmente sensíveis à desidratação) são exemplos necessário para alcançar a osmolalidade urinária máxima
de dados da história clínica que podem sugerir a etiologia varia entre 4 e 18 horas. O teste se inicia com medidas das
da hipernatremia. osmolalidades plasmática e urinária. Toda a ingestão de lí-
Outros exames complementares (além do sódio sérico) quidos é suspensa, e são obtidas medidas horárias do peso
deverão ser solicitados de acordo com a hipótese clínica. corporal, osmolalidades urinária e plasmática e dosagem
Por exemplo: da AVP plasmática (opcional). Quando a osmolalidade plas-
- Medida do volume urinário e da osmolalidade urinária: mática excede 295mOsm/L, deve-se checar a osmolalidade
• A resposta de um rim normal é diminuir o débito urinária; se esta ainda é <300mOsm, o diagnóstico de dia-
urinário (<500mL/dia) e concentrá-la ao máximo betes insipidus pode ser realizado. Após isso, pode ser ad-
(>800mOsm/kg água). Isso implica que a hiperna- ministrado um análogo do ADH, a desmopressina (DDAVP),
tremia se deve a perdas extrarrenais de água; ao paciente; caso ele apresente aumento adequado da
• Se, na vigência de hipernatremia, o paciente apre- concentração urinária, o diagnóstico de diabetes insipidus
sentar diurese excessiva e diluída, provavelmente central pode ser realizado. Em pacientes com diabetes in-
ele será portador de deficiência de ADH (diabetes sipidus nefrogênico, não há resposta à administração do
insipidus central) ou doença renal (diabetes insipi- análogo do ADH, ou seja, a osmolalidade urinária alcançada
dus nefrogênico). no máximo da desidratação aumenta menos de 10% após a
- Glicemia sérica: pode diagnosticar diabetes mellitus; administração de desmopressina.
- Potássio e cálcio séricos: podem ocasionar diabetes O tratamento do diabetes insipidus nefrogênico pode ser
insipidus adquiridos; feito com dieta hipossódica associada a alguns medicamen-
- Tomografia de crânio: avaliar presença de tumores, tos, como os diuréticos tiazídicos e os Anti-Inflamatórios
traumas, AVC, que podem causar diabetes insipidus Não Esteroides (AINEs), como a indometacina. No diabe-
central. tes insipidus, a osmolalidade urinária é fixa, logo o volume
urinário é determinado pela necessidade de excreção de
A grande maioria dos casos de hipernatremia se deve à soluto. Dessa forma, se a dieta contiver uma menor quan-
desidratação com perda excessiva de água em relação ao
tidade de sódio, haverá necessidade de um menor volume
sódio. Os pacientes geralmente estão desidratados e com a
urinário para a manutenção da osmolalidade plasmática e,
urina concentrada. Pacientes não desidratados podem ter
consequentemente, haverá redução da poliúria. No diabe-
hipernatremia por uso de solução com grande quantidade
tes insipidus, os diuréticos tiazídicos (como a hidroclorotia-
de sódio, como o bicarbonato de sódio.
Cabe aqui uma breve discussão sobre o diabetes insipi- zida), apesar de serem agentes diuréticos, agem de forma
dus, que se caracteriza por uma síndrome poliúrica com uri- aditiva à dieta hipossódica e causam, paradoxalmente, uma
na hipotônica e consequente perda de grande quantidade redução do volume urinário. Os diuréticos tiazídicos agem
de água livre. Essa síndrome poliúrica é causada por redu- por meio de uma discreta redução da volemia. A hipovo-
ção da secreção ou da ação de vasopressina (AVP), também lemia, causada por esses diuréticos, induz ao aumento da
conhecida como hormônio antidiurético (ADH). reabsorção de sódio e água no túbulo proximal, o que, con-
A polidipsia pode ser classificada como primária (dipso- sequentemente, reduz o aporte de sódio e água no ducto
gênica e psicogênica), hipotalâmica ou central (decorren- coletor, sensível ao ADH. Essa redução do aporte de sódio
te de síntese inadequada de AVP) e nefrogênica (incapa- e água no ducto coletor vai resultar em redução do débito
cidade de concentração urinária na presença de AVP, por urinário. Quanto aos AINEs, sua eficácia no tratamento do
resistência dos receptores renais à ação da AVP). Quando diabetes insipidus nefrogênico é decorrente da inibição da
o paciente, na vigência de hipernatremia e osmolalidade síntese renal de prostaglandinas (que antagonizam a ação
plasmática aumentada, apresenta osmolalidade urinária do ADH, reduzindo a capacidade de concentração urinária).
baixa (<300mOsm/L), pode ser realizado o diagnóstico de Nem todos os AINEs têm a mesma eficácia terapêutica, a
diabetes insipidus. indometacina é um dos mais efetivos deles no tratamento
O diagnóstico do diabetes insipidus em pacientes sem do diabetes insipidus. Em crianças, o diagnóstico e o trata-
osmolalidade plasmática aumentada é realizado por um mento precoces do diabetes insipidus nefrogênico são de
simples teste de restrição hídrica, seguido da administra- suma importância, para evitar o retardo do desenvolvimen-
ção subcutânea de 1,2mg (5 unidades) de desmopressina to físico e mental que pode ser decorrente de repetidos
(l-desamino-8-arginina vasopressina, dDAVP), um análogo episódios de hipernatremia e desidratação. Em adultos, a
sintético da vasopressina. O objetivo dessa prova é atingir, decisão quanto à necessidade de tratamento vai depen-
31
NEFRO LOG I A
der da tolerância individual à poliúria e polidipsia, pois, na Variação esperada no sódio sérico com 1L de qualquer solução
maioria dos pacientes, o mecanismo da sede é suficiente (contendo sódio e potássio)
para manter os níveis plasmáticos de sódio na faixa superior ∆Na+ estimada = (Na+ + K+) infusão - Na+ doente
de normalidade. (1L da solução) água corporal total + 1
O tratamento do diabetes insipidus central consiste na
reposição do análogo do ADH, o acetato de DDAVP. Em O tratamento da hipernatremia (Tabela 13) tem, como
pacientes com consciência preservada, pode-se confiar na objetivos:
presença de sede excessiva como alerta para a necessidade - Interromper a perda de água livre;
de tratamento do diabetes insipidus, o que não ocorre se o - Repor a água perdida (hidratação);
paciente está confuso, sonolento ou comatoso. O esquema - Tratar a causa de base (doença desencadeante);
a seguir sugere a abordagem nestes pacientes. - Reduzir o sódio sérico.
Tabela 11 - Tratamento do diabetes insipidus de origem central A estimativa do déficit de água livre é importante para
em pacientes internados avaliar a quantidade de água livre necessária para a correção
da concentração de sódio até valores normais (140mEq/L).
Tratamento do diabetes insipidus central – com preservação
da consciência
No entanto, essa estimativa deve servir apenas para orien-
tar a terapêutica inicial, que deve ser posteriormente ajus-
Volume urinário >600mL/2h
tada de acordo com repetidas dosagens do sódio sérico.
- Desmopressina (dDAVP)
A estimativa do déficit de água livre em pacientes hiperna-
• Dose inicial 0,5μg (1/8 de ampola) SC, se sede excessiva e diu-
trêmicos pode ser feita pela fórmula a seguir. A água corporal
rese >600mL/2h.
total corresponde a aproximadamente 60% do peso em ho-
- Estabelecer balanço hídrico e dosar sódio plasmático 2 a 3 ve- mens jovens e a aproximadamente 50% do peso de mulheres
zes em 24 horas; jovens, e é um pouco menor em idosos, cerca de 50% do peso
- Balanço hídrico positivo: de homens idosos e 45% do peso de mulheres idosas.
• Água por gavagem;
• Solução glicosada a 5%. Déficit água [(Na+) sérica - 140] x Água Corporal Total (ACT)
- dDAVP. livre = 140
d) Tratamento da hipernatremia Nesse momento, deve-se perguntar: o que eu vou pres-
O uso da fórmula de correção do sódio (Tabela 12) sim- crever ao paciente com hipernatremia?
plifica o manejo do paciente, pois permite o cálculo da va- Tome-se, como exemplo, um homem de 30 anos, com
riação esperada do sódio com 1L de qualquer solução. Isso 60kg, em tratamento para histoplasmose disseminada, em
tem grande implicação, pois a taxa de queda do sódio sérico uso de anfotericina B há 25 dias. Ele notou que, nos últimos
15 dias, vem evoluindo com diurese clara e excessiva (mais
é um dos parâmetros mais importantes no manejo dos pa-
de 6L/dia). Deu entrada no hospital com confusão e agres-
cientes, e uma queda muito rápida no sódio pode ser mais
sividade. PA = 110x80mmHg e FC = 88bpm. O sódio sérico
grave que a própria hipernatremia.
medido foi igual a 168mEq/L.
Tabela 12 - Fórmulas importantes no manejo do sódio
- Soro a ser prescrito: não pode ser fisiológico, pois a
correção do sódio com essa solução levaria semanas.
Preparação Quantidade de sódio Deve-se prescrever soro hipotônico (ao meio ou a 1/4);
Soro glicosado Zero - Cálculo do déficit de água livre: [(168 - 140)/140] x
Preparação Quantidade de sódio ACT, em que a ACT será 60 x 0,6. O déficit será, então,
Soro a 0,9% (fisiológico) 154mEq/L de 7,2L.
Soro a 0,45% (soro ao meio) 77mEq/L
Mais importante do que estimar o déficit de água livre
Soro a 3% (soro hipertônico) 513mEq/L
é saber que a correção dos distúrbios de sódio deve ser re-
Água corporal total por sexo e idade
alizada paulatinamente, devido aos riscos de complicação
Homem jovem Peso (kg) x 0,6 associada a essa correção, como a síndrome da mielinólise
Homem idoso Peso (kg) x 0,5 pontina associada ao tratamento da hiponatremia.
Mulher jovem Peso (kg) x 0,5 Apesar dessas complicações associadas à correção ina-
Mulher idosa Peso (kg) x 0,45 dequada das alterações da concentração de sódio, até re-
Variação esperada no sódio sérico com 1L de qualquer solução
centemente não existiam recomendações específicas acer-
(contendo apenas sódio) ca da variação da concentração de sódio com as diferentes
soluções usadas para esta correção. Em 1997, Adrogué pro-
∆Na+ estimada = Na+ infusão - Na+ doente
pôs uma fórmula para calcular a variação da concentração
(1L da solução) água corporal total +1
de sódio sérica com a infusão de 1L de solução, de forma a
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D I S T Ú R B I O S H I D R O E L E T R O L Í T I C O S : P O T Á S S I O, S Ó D I O E C Á L C I O
NEFROLOGIA
Tabela 14 - Investigação da causa da hiponatremia
de soluções intravenosas para correção das alterações da a) Pode ser uma pseudo-hiponatremia?
hiponatremia. O cálculo dessas variações será explicitado
b) Quais medicamentos o paciente usa? Ele(s) pode(m) causar
a seguir:
hiponatremia?
- Vamos calcular a variação do sódio com a infusão de c) Há sinais de aumento do volume extracelular?
1L de soro ao meio:
d) Há sinais de desidratação ou hipovolemia? Se positivo, avaliar
ΔNa+ estimada = Na+ infusão - Na+ paciente
o sódio urinário; pode ser renal ou extrarrenal.
Água corporal total + 1
e) Há hiperglicemia?
ΔNa estimada = 77 - 168 = 2,5
+
f) Pode ser transtorno psiquiátrico?
36 + 1
g) Sempre pensar em hipotireoidismo e insuficiência adrenal.
- Limite seguro para variação do sódio sérico: h) HIV? Uso de tiazídico?
• Máximo de 0,5 a 1mEq/h ou i) Todos os itens anteriores negativos? Pode ser uma SSIADH.
• Máximo de 12mEq em 24 horas. Avaliar pulmão, sistema nervoso central ou câncer.
- Prescrição: soro a 0,45%: 1.000mL de 6/6 horas. Com
isso, espera-se que o sódio caia 10mEq em 24 horas. - Pode ser uma pseudo-hiponatremia?
• Pseudo-hiponatremia (hiponatremia isotônica) pode
Tabela 13 - Princípios do tratamento da hipernatremia ocorrer em graves hipertrigliceridemias ou quando
- Paciente hipovolêmico: a prioridade é o soro fisiológico, até há substancial quantidade de paraproteínas no san-
conseguir estabilização hemodinâmica (pressão arterial e pul- gue (como no mieloma múltiplo). Isso só ocorre nos
so adequados;
aparelhos de espectrofotometria de chama que só
- Após a estabilização hemodinâmica, deve-se trocar a reposição
detectam o sódio em fase aquosa. Tal erro não acon-
volêmica para soro hipotônico (0,45 ou 0,22%);
tece nos aparelhos com eletrodos íon-específicos.
- Taxa máxima de redução do sódio sérico para evitar edema ce-
rebral iatrogênico: - Quais medicamentos o paciente usa?
• Máximo de 0,5 a 1mEq/L/h ou máxima de 12mEq em 24 horas. • Na avaliação das causas de hiponatremia, uma eta-
- Deve-se sempre calcular a variação estimada do sódio com 1L pa importante é detalhar todas as medicações que
de qualquer solução a ser infundida. o paciente usa e checar se ela(s) pode(m) causar hi-
e) Complicações do tratamento ponatremia.
As complicações do tratamento estão descritas a seguir: Se positivo, deve(m)-se suspendê-la(s) e aguardar.
- Da própria hipernatremia: devido à desidratação do Algumas características em comum são:
SNC, pode haver ruptura de vasos, levando à hemor-
ragia do SNC;
- Frequentemente, a hiponatremia é normovolêmica
(síndrome de secreção inapropriada do hormônio an-
- Correção rápida do sódio: leva a edema cerebral, con-
vulsões e coma. Por isso, deve-se corrigir o sódio com tidiurético – SSIADH);
cautela, usando as fórmulas descritas; - O risco de hiponatremia é maior no início do tratamen-
- Excessiva quantidade de volume: edema agudo de to (primeiras 2 semanas) e parece não depender da
pulmão. dose do medicamento;
33
NEFRO LOG I A
Tabela 15 - Fármacos que causam hiponatremia cemia maior que 100, deve-se somar 1,6, portanto a varia-
Diuréticos tiazídicos Opioides ção da glicemia será 7 x 1,6 = 11,2 e o Na+ corrigido = 125 +
Antipsicóticos clássicos. Clorpropamida. 11,2 = 136,2mEq/L.
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NEFROLOGIA
- Barbitúricos; Conforme já citado, outros sinais e sintomas podem
- Haloperidol; surgir de acordo com a etiologia da hiponatremia; alguns
- AINE;
exemplos são:
- Morfina;
- Insuficiência cardíaca: dispneia, edema de membros
inferiores, hepatomegalia dolorosa, turgência jugular,
- Ocitocina; B3, crepitações pulmonares;
- Vincristina; - Insuficiência hepática: ascite, edema de membros in-
- Ciclofosfamida; feriores, telangiectasias, eritema palmar, ginecomas-
- Bromocriptina; tia, circulação colateral;
- Vimblastina; - Diarreia aguda: desidratação, hipotensão, taquicardia.
- Ecstasy. c) Exames laboratoriais
Doenças neurológicas Além do sódio sérico, sódio urinário e glicemia, outros
- TCE; exames poderão ser necessários para o diagnóstico da cau-
- Abscesso cerebral; sa da hiponatremia:
- Tumores do hipotálamo; - Medida direta da osmolalidade plasmática: nesse
- Meningite;
caso, há 3 situações:
• Hiponatremia com osmolalidade elevada: o mais
- AVCI, AVCH;
comum é o diabetes mellitus;
- Hemorragia subaracnoide.
• Hiponatremia com osmolalidade normal: é a pseu-
Doenças pulmonares do-hiponatremia. As 2 causas mais frequentes são
- Pneumonia; hiperlipidemias e hiperproteinemias (paraproteínas);
- Tuberculose; • Hiponatremia com osmolalidade baixa: os outros
- Abscesso pulmonar; diagnósticos.
- Ventilação mecânica; - Medida direta da osmolalidade urinária: hiponatre-
- Atelectasia; mia com urina bem diluída deve apontar para poli-
dipsia psicogênica ou primária. É importante lembrar
- Pneumotórax;
hiponatremia associada à baixa osmolalidade e:
- Legionelose.
• Estados edematosos: ICC, cirrose e doenças renais;
Neoplasias
• Normovolemia: medicamentos, SSIADH, hipotireoi-
- Pulmão; dismo, HIV, insuficiência adrenal;
- Próstata; • Hipovolemia: avaliar o sódio urinário (em seguida).
- Bexiga; - Concentração urinária de sódio: se menor que
- Linfoma; 10mEq/L, indica perda de sódio extrarrenal (pele, tra-
- Pâncreas; to gastrintestinal) e, se maior que 20mEq/L, perda de
- Mediastino; sódio através dos rins. Neste último caso, as principais
causas são:
- Rins.
• Diuréticos;
Outras
• Insuficiência adrenal;
- Pós-operatório de cirurgia de grande porte;
• Nefropatias perdedoras de sal;
- AIDS;
• Acidose tubular renal com bicarbonatúria.
- Idiopática;
- Outros: devem ser solicitados de acordo com a hipó-
- Guillain-Barré; tese clínica:
- Porfiria intermitente aguda. • Dosagem de TSH;
• Cortisol sérico basal e pós-estimulação com cortro-
b) Achados clínicos sina (ACTH);
A hiponatremia, por si só, pode manifestar-se com: • Radiografia ou tomografia de tórax: avaliar doenças
- Sintomas sistêmicos: fraqueza, adinamia, anorexia, fa- pulmonares;
diga, vômitos, mal-estar; • Tomografia de crânio: doenças neurológicas.
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NEFRO LOG I A
NEFROLOGIA
Figura 4 - Investigação da hiponatremia
37
NEFRO LOG I A
recém-formado e prevenindo a hipocalcemia e/ou hi- Ocorre 1 caso a cada 500 a 1.000 pessoas. Dentro das
pofosfatemia sintomática; endocrinopatias, só é menos prevalente que o diabetes
- Calcitonina: atua nos osteoclastos, diminuindo sua mellitus e o hipotireoidismo. Em 80% dos casos, é causado
atividade e consequentemente a reabsorção óssea. por adenoma solitário de paratireoide, e, em 5%, o adeno-
Quando os níveis de cálcio aumentam agudamente, ma atinge 2 glândulas paratireoides. Em cerca de 15% dos
observamos aumento proporcional de sua secreção. casos, apresenta-se como hiperplasia das glândulas parati-
Porém em situação de hipocalcemia e hipercalcemia reoides, podendo ocorrer de forma esporádica ou dentro
prolongada, seus efeitos são pequenos. das síndromes de neoplasia endócrina múltipla. O carci-
noma de paratireoide corresponde a menos de 0,5% dos
As alterações do cálcio podem levar a quadros de apre- pacientes.
sentação dramáticos, necessitando de cuidado de emer- A hipercalcemia hipocalciúrica familiar, doença com he-
gência, ou a quadros praticamente assintomáticos. Serão rança autossômica dominante com 100% de penetrância,
comentadas, a seguir, as alterações do cálcio e seu diagnós- também apresenta hipercalcemia e hipofosfatemia, de for-
tico diferencial e manejo. ma semelhante ao hiperparatireoidismo primário. O acha-
do diferenciador é a presença de calciúria relativa, causada
A - Hipercalcemia por mutações no receptor sensor de cálcio.
A hipercalcemia é definida como cálcio sérico >10,5mg/ A hipercalcemia da malignidade é a etiologia mais co-
dL ou cálcio iônico acima do valor normal. Vários fatores mum da hipercalcemia em pacientes internados, e os car-
influenciam a dosagem do cálcio sérico, entre eles as pro- cinomas de pulmão e mama são responsáveis por cerca da
teínas séricas, gamopatias monoclonais, desidratação, dis- metade dos casos. A hipercalcemia da malignidade pode
túrbios do equilíbrio ácido-básico, entre outros, portanto acontecer por vários mecanismos:
deve-se ter cuidado ao avaliar paciente com achado de hi- - Produção tumoral do PTHrp: os tumores que pro-
percalcemia laboratorial. A hipoalbuminemia, apesar de di- duzem PTHrp são principalmente da linhagem epi-
minuir o cálcio total, não interfere na concentração de cál- dermoide, incluindo carcinoma de pulmão, cabeça e
cio ionizável. A calcemia deve ser corrigida de acordo com pescoço, mama, células renais, bexiga, entre outros. O
PTHrp mimetiza os efeitos do PTH com hipercalcemia,
a concentração sérica de albumina, conforme a fórmula a
hipofosfatemia, geração de AMP-cíclico e síntese de
seguir.
vitamina D. A produção tumoral de PTHrp é responsá-
Ca corrigido = Ca medido + [(4,0-albumina) x 0,8] vel por cerca de 80% das hipercalcemias em pacientes
com neoplasias;
A ligação do cálcio com as proteínas é pH-dependente. A
alcalose aumenta a ligação do cálcio com proteínas e, por-
- Metástases osteolíticas: o PTH costuma estar normal,
assim como o fósforo. As metástases esqueléticas libe-
tanto, diminui o cálcio ionizado. O contrário pode acontecer ram citocinas e outros fatores que levam à reabsorção
em quadros de acidose. Portanto, em pacientes com hipoal- óssea mediada por osteoclasto;
buminemia importante e distúrbios do equilíbrio ácido-bá-
- Secreção ectópica de PTH pelo tumor: é possível, mas
sico, é importante verificar o cálcio ionizado e não apenas é um evento raro;
o cálcio total.
- Linfomas: podem apresentar hipercalcemia devido à
a) Etiologia e fisiopatologia produção aumentada de 1,25-diidroxicolecalciferol pelo
A maioria dos casos de hipercalcemia é causada por tecido linfoide, que resulta em hipercalcemia por au-
aumento da reabsorção óssea (o cálcio da dieta e sua ab- mento da absorção intestinal de cálcio.
sorção não parecem apresentar papel predominante). A
Doenças infecciosas granulomatosas como tuberculo-
hipercalcemia do hiperparatireoidismo ou a hipercalcemia
se, hanseníase, histoplasmose e outras doenças fúngicas,
da malignidade, que juntos correspondem a mais de 90% assim como condições não infecciosas granulomatosas
dos casos de hipercalcemia, estão relacionados ao aumento como sarcoidose, granulomatose de Wegener e granuloma
da reabsorção óssea por mecanismos de ativação de osteo- eosinofílico estão associadas com produção aumentada de
clastos, que não são completamente compreendidos. 1,25-diidroxicolecalciferol e com absorção intestinal au-
O hiperparatireoidismo primário é a principal causa de mentada de cálcio.
hipercalcemia e ocorre principalmente em ambiente am- Algumas medicações são associadas à hipercalcemia. A
bulatorial. A maioria dos pacientes é assintomática no mo- intoxicação por vitamina D resulta em absorção intestinal
mento do diagnóstico. Neles, secreção aumentada de PTH de cálcio aumentada. Também o uso excessivo de álcalis é
e hipercalcemia decorrem da redução da sensibilidade das descrito como causa de hipercalcemia.
paratireoides ao cálcio (set point de inibição de secreção do O hipertireoidismo aumenta o turnover ósseo. A triio-
PTH pela concentração de cálcio está mais elevado) e au- dotironina é descrita como fator que aumenta a atividade
mento da massa dessas glândulas. osteoclástica e pode ser causa de hipercalcemia.
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Em pacientes com IRC, pode ocorrer hiperparatireoidis- - Doenças granulomatosas: aumento da conversão de 25-hidro-
mo terciário, com função autônoma das paratireoides, e xivitamina D em 1,25-hidroxivitamina D por aumento da ex-
consequente hipercalcemia. pressão da enzima 1-alfa-hidroxilase na lesão;
A Tabela 18 resume as principais causas da hipercal- - Síndrome de Williams.
cemia e a Figura 5 apresenta um algoritmo auxiliar para o
NEFROLOGIA
Outras causas
diagnóstico da causa etiológica da hipercalcemia.
- Tireotoxicose;
Tabela 18 - Causas de hipercalcemia - Insuficiência adrenal;
- Hipercalcemia dependente do PTH; - Insuficiência renal aguda;
- Hiperparatireoidismo primário; - IRC com doença óssea adinâmica;
- Hiperparatireoidismo terciário; - Imobilização;
- Hipercalcemia hipocalciúrica familiar; - Feocromocitoma;
39
NEFRO LOG I A
Os sintomas neuropsiquiátricos são variáveis, e os pa- (D) nefrocalcinose (aumento de ecogenicidade da medula renal
cientes apresentam desde sintomas vagos, como dificul- – setas). Manifestações renais, como a nefrolitíase, ocorrem em
dade de concentração, até alterações de personalidade e pacientes com hipercalcemia crônica e quase invariavelmente são
associadas à hiperparatireoidismo primário, embora a sarcoidose
depressão.
possa ser associada a aumento de formação de cálculos renais. As
Quando a hipercalcemia é aguda, a apresentação pode manifestações renais mais frequentes do hiperparatireoidismo pri-
ser dramática, com confusão mental, psicose orgânica e mário incluem nefrolitíase, hipercalciúria, nefrocalcinose (Figura
letargia, que pode progredir para estupor e coma. Alguns 6D), insuficiência renal crônica e redução da capacidade de con-
pacientes estão assintomáticos mesmo com calcemia em centração tubular (diabetes insipidus nefrogênico)
níveis de 15mg/dL, enquanto outros já se apresentam com
sintomas, com calcemia de 12mg/dL, demonstrando que a A hipercalcemia crônica se associa a defeito na habilida-
apresentação de sintomas também depende da velocida- de da concentração renal, que pode induzir poliúria e poli-
de com que aparecem a hipercalcemia e outras condições dipsia em até 20% dos casos, levando a quadro de diabetes
como uremia. insipidus nefrogênico. Insuficiência renal secundária pode
A hipercalcemia pode diminuir os potenciais de ação ocorrer por diminuição da taxa de filtração glomerular cau-
miocárdica, o que resulta em encurtamento do intervalo sada por vasoconstrição direta e por contração de volume
QT; também é descrita miocardiopatia. Hipertensão arterial induzida por natriurese. Podem ainda acontecer nefropatia
é mais frequente nesses pacientes, possivelmente por alte- crônica intersticial por calcificação, degeneração e necrose
rações renais secundárias à hipercalcemia ou vasoconstri- de células tubulares, atrofia tubular, fibrose intersticial e
ção secundária ao cálcio. nefrocalcinose secundários à hipercalciúria.
O quadro clínico clássico de hiperparatireoidismo des- A crise hipercalcêmica é uma condição emergencial em
creve pacientes com profunda fraqueza muscular e mio- que os pacientes se apresentam marcadamente desidra-
patia, mas a maioria das séries de casos recentes relata tados. Anorexia, náuseas, vômitos e confusão mental ou
apenas leve fraqueza muscular ou mesmo ausência de sin- sonolência são indicativos de gravidade da crise hipercal-
cêmica. Os pacientes, apesar de profunda desidratação, na
tomas musculares. São descritos quadros reumatológicos
maioria das vezes não apresentam hipotensão arterial, pois
como pseudogota, condrocalcinose e gota.
o cálcio aumenta o tônus vascular. Deve-se ainda atentar
O hiperparatireoidismo primário é associado a uma do-
para a presença de bradiarritmias, bloqueios atrioventricu-
ença óssea conhecida historicamente como osteíte fibrosa
lares ou de ramos e parada cardiorrespiratória.
cística, que se caracteriza por reabsorção subperiostal das
falanges distais (Figura 6A), regiões distais da clavícula e c) Diagnóstico e exames complementares
regiões de escalpo e crânio; o que forma, no crânio, uma O achado laboratorial de cálcio aumentado deve ser
imagem radiológica classicamente descrita como “sal e pi- confirmado em novas dosagens ambulatoriais, e deve-se
menta” (Figura 6B) e, em ossos longos, forma cistos ósseos descartar a influência da hipoalbuminemia e do equilíbrio
e os chamados tumores marrons (Figura 6C). ácido-básico sobre a concentração sérica do cálcio. Após a
confirmação da hipercalcemia, deve-se investigar a etiolo-
gia desta. Serão discutidos a seguir os princípios para esta-
belecer o diagnóstico etiológico da hipercalcemia:
- Verificar o PTH: este só pode ser interpretado jun-
tamente com a dosagem de cálcio. A presença de
PTH elevado em pacientes com hipercalcemia e sem
insuficiência renal faz o diagnóstico de hiperparati-
reoidismo primário. As únicas outras possibilidades
diagnósticas são o uso de lítio ou a hipercalcemia hi-
pocalciúrica familiar, que evolui com fração de excre-
ção renal de cálcio menor que 1%. A concentração de
PTH diminuída é compatível com as outras causas de
hipercalcemia;
- Verificar o peptídio relacionado ao PTH (PTHrp): a
presença de níveis elevados de PTHrp confirma o diag-
nóstico de hipercalcemia da malignidade, porém esse
é um teste diagnóstico muitas vezes não disponível na
maioria dos serviços;
Figura 6 - Alterações do hiperparatireoidismo em exames de ima- - Vitamina D e metabólitos: níveis elevados de calcidiol
gem: (A) reabsorção subperiostal das falanges distais; (B) crânio indicam ingestão excessiva de vitamina D. A concen-
em “sal e pimenta”, (C) tumor marrom na ulna distal (setas); e tração de 1,25-diidroxicolecalciferol aumentada pode
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indicar produção desta por doenças granulomatosas é a dose com máxima resposta em diminuir a calcemia. A
ou linfoma, ou ainda, produção renal aumentada da medicação é diluída em salina e deve ser usada em infusão
1,25-diidroxicolecalciferol secundária ao hiperparati- de 2 a 24 horas (geralmente 4 a 6 horas). A normalização da
reoidismo. Deve-se observar que a produção de PTHrp calcemia ocorre em 70% dos pacientes, e a medicação não
NEFROLOGIA
não leva a aumento de secreção de vitamina D; deve ser repetida pelo menos por 7 dias. A medicação con-
- Outras causas: a presença de níveis diminuídos de trola a calcemia por 2 a 4 semanas, com média de 15 dias.
PTH, PTHrp e de vitamina D e seus metabólitos sugere O ácido zoledrônico é o bifosfonado mais potente, de
outras causas de hipercalcemia, como hipertireoidis- uso intravenoso e com efeito imediato. Ele consegue uma
mo ou doença de Paget, que devem ser investigados. normalização do cálcio em menos de 3 dias, em 80 a 100%
d) Tratamento da hipercalcemia dos pacientes. A dose é de 4mg, infundido em 15 minutos,
e pode ser repetido outras vezes, até a normalização do
O tratamento da hipercalcemia depende da sua severi-
cálcio.
dade. Os pacientes com hiperparatireoidismo e hipercalce-
A calcitonina apresenta vantagem de ter início terapêu-
mia assintomática leve nem sempre necessitam de trata-
tico rápido, podendo ser usada no começo do tratamento,
mento cirúrgico; a maioria deles pode ser manejada clini-
até que os efeitos dos bifosfonados se iniciem. Entretanto,
camente e permanecer com densidade óssea e parâmetros
bioquímicos por vezes estáveis por muitos anos. não deve ser usada isoladamente para tratamento da hi-
percalcemia, devido ao efeito de taquifilaxia induzido pelo
O tratamento deve ser particularizado em algumas si-
medicamento.
tuações. Por exemplo, pacientes com sarcoidose e doenças
granulomatosas devem ser tratados com dieta pobre em Outras medicações utilizadas para o tratamento da hi-
cálcio, corticosteroides e tratamento específico para causa. percalcemia são o nitrato de gálio, que é um potente agente
A dose de prednisona em pacientes com hipercalcemia sin- antirreabsortivo. Deve ser usado por 5 dias consecutivos,
tomática e doenças granulomatosas é de 20 a 40mg/dia. em dose de 200mg/m2. Apresenta nefrotoxicidade e tem
Valores de calcemia maiores que 14mg/dL classificam início de ação após 5 a 6 dias; por esses motivos, tem sido
a hipercalcemia como grave, que é associada, em grande pouco utilizado no tratamento da hipercalcemia. A mitra-
número de casos, com confusão mental e necessita de micina também tem ação antirreabsortiva. Usada por via IV
atendimento imediato e agressivo. O tratamento também é na dose de 25μg/kg em 3 a 6 horas de infusão. A Tabela 19
recomendado de urgência se calcemia maior que 12mg/dL sumariza o tratamento da hipercalcemia.
e presença de sintomas.
Tabela 19 - Tratamento da hipercalcemia
A hidratação vigorosa é o 1º passo no manejo dos doen-
Hipercalcemia leve a moderada (cálcio sérico <14mg/dL)
tes. A hipercalcemia predispõe à desidratação, e a reposi-
ção com salina fisiológica é recomendada, frequentemente 1. Hidratação vigorosa com soro fisiológico: 4 a 6L em 24 horas.
A hidratação isoladamente já causa uma queda significativa da
sendo necessários de 4 a 6L nas primeiras 24 horas de trata-
concentração sérica de cálcio.
mento, dependendo do grau de desidratação e comorbida- 2. Pamidronato: 90mg IV, durante 4 a 6 horas. A hidratação, fu-
des presentes, como insuficiência cardíaca e/ou renal. Um rosemida e pamidronato conseguem normalização do cálcio em
esquema recomendado é o de 300mL de salina fisiológica 90% dos pacientes.
por hora, procurando manter débito urinário entre 100 e 3. Furosemida: 20 a 40mg IV de 12 em 12 horas, até de 6/6 ho-
150mL/h. Os diuréticos de alça podem ser usados conjunta- ras. Iniciar apenas após caso se obtenha uma adequada reidra-
mente; embora sua eficácia para tratamento da hipercalce- tação e boa diurese.
mia seja questionável, podem prevenir a hiper-hidratação. 4. Corticosteroides: 1mg/kg de peso de prednisona. Devem ser
A dose recomendada é de 20 a 40mg/dia de furosemida prescritos em linfoma, mieloma e doenças granulomatosas e evi-
tado em outras condições.
intravenosa.
Hipercalcemia grave (cálcio >14mg/dL)
A terapia antirreabsortiva óssea é de extrema importân-
cia, e os bifosfonados são a droga de escolha. O início de 1. Hidratação, pamidronato e furosemida: conforme descrito.
2. Calcitonina: 4 a 8U/kg de peso IM ou SC de 12/12 horas por 24
ação destes últimos para diminuição da calcemia leva de 1
horas.
a 3 dias, ao contrário da salina, que diminui a calcemia em
horas. O pamidronato é atualmente o agente de escolha
B - Hipocalcemia
para o tratamento da hipercalcemia da malignidade, em-
bora provavelmente o ácido zoledrônico o substitua como A hipocalcemia é definida por cálcio total menor que
agente preferencial. Alguns autores sugerem a dose de pa- 8,5mg/dL ou cálcio ionizado inferior aos limites da norma-
midronato de 30mg, se a calcemia for <12mg/dL; 60mg, se a lidade, além de representar uma condição frequentemente
calcemia estiver entre 12 e 13,5mg/dL e 90mg, se calcemia encontrada na Medicina. Em seu extremo, os pacientes po-
for >13,5mg/dL, em dose única. Outros autores sugerem dem apresentar-se com quadro de hiperexcitabilidade neu-
dose de 90mg em dose única para todos os pacientes, que romuscular grave e tetania.
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NEFRO LOG I A
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NEFROLOGIA
podem apresentar sintomas de hipocalcemia. mia). Para a avaliação da etiologia da hipocalcemia, devem
Os sintomas dependem da severidade e da cronicida- ser dosados magnésio e fósforo. A hipomagnesemia pode
de da condição e estão relacionados principalmente com a induzir resistência ou deficiência de PTH, levando à hipo-
hiperexcitabilidade neuromuscular, além de alterações de calcemia. A dosagem de fósforo ajuda na determinação do
dentes e anexos, cardíacas e oftalmológicas. diagnóstico diferencial.
A hipocalcemia aguda tem, como marca registrada, a te- As principais causas em pronto-socorro de hipocalcemia
tania. Em casos leves, os pacientes apresentam parestesias são hipoparatireoidismo, deficiência ou metabolismo anor-
de extremidades e periorais e, em casos graves, o espasmo mal da vitamina D, insuficiência renal e hipomagnesemia.
carpopedal, laringoespasmo e contrações musculares graves. Nos pacientes com hipoparatireoidismo, o cálcio sérico
Os sintomas de tetania normalmente ocorrem com con- é baixo, com fósforo alto e PTH indetectável. As concentra-
centrações de cálcio ionizável menores que 4mg/dL. Alguns ções de 25-hidroxivitamina D e 1,25-hidroxivitamina D são
pacientes mesmo com hipocalcemia grave não apresentam usualmente normais. Os pacientes com quadro de pseudo-
sintomas. -hipoparatireoidismo apresentam quadro laboratorial se-
Os sintomas de tetania iniciam-se usualmente com qua- melhante, porém os níveis de PTH se apresentam elevados.
dro de parestesias acrais. A ansiedade e a hiperventilação Os pacientes com IRC, a causa mais comum de hipo-
podem exacerbar as parestesias. Os sintomas motores sur- calcemia na maioria das estatísticas, apresentam fósforo
gem em seguida, com mialgias, espasmos musculares e rigi- elevado, com fosfatase alcalina, creatinina e PTH também
dez muscular. O espasmo da musculatura respiratória pode elevados. Nesses casos, os níveis de 25-hidroxivitamina D
levar a estridor laríngeo e cianose. estão usualmente normais, mas a 1,25-hidroxivitamina D
Os achados clássicos de irritabilidade neuromuscular está diminuída.
são os sinais de Trousseau e Chvostek. O 1º sinal consiste
d) Tratamento
na indução do espasmo carpopedal ao insuflar o manguito
de pressão arterial acima da pressão arterial sistólica por O tratamento irá depender da etiologia e severidade da
3 minutos. Já o sinal de Chvostek consiste na contração de hipocalcemia.
músculos faciais ipsilaterais ao se percutir o trajeto do ner- - Pacientes com hipocalcemia leve assintomática: com
vo facial próximo à orelha. cálcio iônico acima de 3,2mg/dL ou cálcio total entre 8
Convulsões, seja na forma de crises de ausência, focais e 8,5mg/dL, são usualmente assintomáticos e podem
ou crises tônico-clônicas generalizadas, podem ser a única ser tratados apenas com reposição de cálcio pela die-
manifestação de hipocalcemia. Alterações de movimento ta ou através de formulações por via oral de cálcio. O
semelhantes ao parkinsonismo, com distonias, hemibalis- aumento em 1.000mg/dia na ingesta de cálcio é usu-
mo e coreoatetoses podem ocorrer em 5 a 10% dos casos, almente suficiente para controle. A suplementação de
assim como disartria e ataxia. Sabe-se que pacientes com cálcio pode ser feita com carbonato de cálcio ou citrato
hipocalcemia crônica podem apresentar calcificações de de cálcio. Apesar de o citrato de cálcio apresentar me-
gânglios da base, mas a contribuição dessa lesão para os lhor biodisponibilidade, não foi demonstrada superio-
sintomas neuromusculares é discutível. ridade deste em comparação ao carbonato;
Em pacientes com hipocalcemia grave, podem-se encon- - Hipocalcemia sintomática: os sintomas geralmente
trar papiledema e neurite óptica, que melhoram com a cor- aparecem quando o cálcio ionizado é <2,8mg/dL ou
reção da hipocalcemia. Alterações psiquiátricas, como labili- o cálcio total é <7mg/dL. Os pacientes apresentam
dade emocional, ansiedade e depressão também são descri- parestesias e sinais de irritabilidade neuromuscu-
tas. Cataratas e, menos frequentemente, ceratoconjuntivite, lar, muitas vezes com sinal de Trousseau e Chvostek
podem ocorrer, mas a correção da hipocalcemia diminui sua positivos. Nesse caso, a preferência é realizar o
progressão. Hipoplasia dentária e alteração da mineralização tratamento com cálcio intravenoso, repondo 100 a
dos dentes são manifestações crônicas associadas. 200mg de cálcio elementar (equivalente a 1 a 2g de
Os pacientes podem ainda apresentar disfunção cardía- gluconato de cálcio). Cada mL da solução de gluco-
ca sistólica e prolongamento do intervalo QT, com arritmias nato de cálcio a 10% tem 9mg de cálcio elementar,
cardíacas secundárias. e cada mL de solução de cloreto de cálcio corres-
As alterações esqueléticas são em grande parte depen- ponde a 27mg de cálcio elementar. Reposição deve
dentes da causa da hipocalcemia. E manifestações endocri- ser feita em 10 a 20 minutos, diluída em solução de
nológicas autoimunes associadas, como insuficiência adre- salina e preferencialmente administrada via acesso
nal, podem estar presentes. central. Reposições rápidas de cálcio se associam a
43
NEFRO LOG I A
44
CAPÍTULO
45
NEFRO LOG I A
46
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
NEFROLOGIA
Figura 1 - Causas de IRA: a IRA é classificada como pré-renal, renal e pós-renal. As causas renais são subdivididas de acordo com a região
anatômica renal afetada (vascular, glomerular, tubular e intersticial)
47
NEFRO LOG I A
cessidade de intervenção de outros segmentos do néfron. ção de água livre no néfron distal. Consequentemente, a
Em outras palavras, a fração de excreção de sódio (FENa% = urina na IRA pré-renal é hiperconcentrada, pobre em sódio
carga excretada/carga filtrada x 100) é muito baixa, inferior e em quantidade reduzida (oligúria).
a 1% em condições normais. Em condições de depleção de Alguns achados dessa fase da IRA estão descritos a se-
volume extracelular, muda a lógica do funcionamento re- guir:
nal. A prioridade passa a ser a conservação de sódio a qual- - Fluxo urinário reduz-se a menos de 400mL/dia;
quer custo. Todos os segmentos do néfron são envolvidos - Concentração urinária de sódio muito baixa (<20mEq/L);
nesse esforço. A FENa cai a quase zero. - FENa muito baixa (<1%);
Os vasos renais possuem um mecanismo de autorre- - Osmolalidade urinária elevada (>500mOsm/kg).
gulação do fluxo sanguíneo renal e da filtração glomerular.
Quando há redução da pressão arterial, ocorre dilatação B - IRA renal ou intrínseca
das arteríolas aferentes renais, o que reduz a resistência
vascular renal, com consequente manutenção da Taxa de Na IRA renal, ou intrínseca, que ocorre em 35 a 40%,
Filtração Glomerular (TFG) e do fluxo sanguíneo renal. Esse há dano tissular renal. Conforme descrito, a IRA renal deve
mecanismo é capaz de manter a perfusão sanguínea renal ser considerada de acordo com os diferentes compartimen-
até uma pressão arterial sistólica de 80mmHg. Quando a tos renais afetados – vascular, glomerular, tubular e inters-
pressão arterial sistólica cai abaixo desse limite, o mecanis- ticial – (Figura 1). A necrose tubular aguda corresponde à
mo de autorregulação renal não é mais capaz de manter o principal causa de IRA renal no ambiente intra-hospitalar
fluxo sanguíneo renal e a perfusão cai, predispondo à is- (Figura 2), por isso nós a estudaremos com mais detalhes
quemia e à IRA pré-renal. Se a isquemia renal for mantida, nesse capítulo.
a Iesão renal pode se agravar e resultar em necrose tubular - Fisiopatologia da necrose tubular aguda
aguda. Em algumas situações, como na idade avançada e na
Há condições clínicas nas quais há maior risco de de-
doença renal crônica, esse mecanismo de autorregulação
senvolvimento da NTA. Estas incluem pós-operatório de
é anormal, de forma que reduções mais sutis na pressão
cirurgia vascular e cirurgia cardíaca, queimaduras extensas,
arterial já podem resultar em isquemia renal.
pancreatite, sepse e doença hepática crônica. A maioria dos
O mecanismo de vasodilatação das arteríolas aferentes
casos de NTA adquirida no hospital é devida à lesão isquê-
renais depende do estímulo direto de barorreceptores de
mica ou nefrotóxica. Em unidade de terapia intensiva, 2/3
estiramento da musculatura lisa dessas artérias (reflexo
dos casos são decorrentes de uma combinação entre redu-
miogênico) e também da liberação intrarrenal de vasodi-
ção da perfusão renal, sepse e agentes nefrotóxicos. A febre
latadores endógenos que agem predominantemente na
pode exacerbar a NTA por aumentar o metabolismo basal
arteríola aferente, como prostaglandina E2, óxido nítrico,
tubular renal.
sistema calicreína-cinina. A TFG pode ainda ser regulada,
O curso típico da NTA não complicada é a recuperação
de forma independente do fluxo sanguíneo renal, por ação
da IRA em 2 a 3 semanas. No entanto, quando há agentes
da angiotensina II. A angiotensina II é um potente vasocons-
lesivos superpostos, esse padrão de recuperação, frequen-
tritor da arteríola eferente e, através desse efeito, promove
temente, é alterado, resultando em maior duração da IRA.
aumento da pressão de filtração glomerular, contribuindo
A histologia típica da NTA, na biópsia renal, inclui vacuo-
para manutenção da TFG. Por isso, o uso de medicamentos, lização e perda da borda em escova das células tubulares
como os AINEs (inibidores da formação de prostaglandinas) proximais. O destacamento das células tubulares afetadas
e os inibidores da ECA e os antagonistas do receptor de an- para o lúmen tubular leva a formação de cilindros granu-
giotensina II, prejudica a autorregulação do fluxo sanguíneo losos que podem causar obstrução tubular, manifesta por
renal e a da TFG e predispõe à lesão renal aguda. dilatação tubular (Figura 3).
A redução do volume circulante efetivo é um forte estí-
mulo não só para ativação do sistema renina-angiotensina-
-aldosterona e do sistema adrenérgico, mas também para
liberação do ADH (hormônio antidiurético ou vasopressina).
A angiotensina II, as catecolaminas e a vasopressina agem
promovendo vasoconstrição periférica de modo a desviar o
fluxo sanguíneo para os órgãos “nobres” (coração, pulmão,
cérebro, fígado e rim). Quando o estímulo é intenso, a vaso-
constrição acomete também os vasos renais, contribuindo
para a isquemia renal.
Com o objetivo de manutenção hidrossalina, a angioten-
sina II aumenta a reabsorção de sódio e água pelo néfron
proximal; a aldosterona aumenta a reabsorção de sódio e
água no néfron distal; e a vasopressina aumenta a reabsor-
48
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
NEFROLOGIA
Nem todos os casos de IRA são decorrentes de hipo-
perfusão renal. Vários compostos químicos podem causar
queda abrupta do RFG, promovendo diretamente uma va-
soconstrição renal (efeito observado com contrastes radio-
lógicos e ciclosporina), com consequente redução do fluxo
sanguíneo renal. Outros compostos promovem lesão tubu-
lar por agressão tóxica direta, causando destruição celular
semelhante à provocada por isquemia prolongada. É impor-
Figura 3 - Patologia renal na Necrose Tubular Aguda (NTA): (A)
tante notar que, independente do mecanismo de ação, o
túbulos renais corticais normais e (B) histologia da NTA – achata-
mento do epitélio tubular, áreas de desnudamento da membrana rim é particularmente sensível a agentes tóxicos, especial-
tubular e presença de debris intratubulares mente os de ação direta.
Há algumas razões básicas para essa vulnerabilidade:
A recuperação da NTA requer restauração do número - O rim recebe 25% do débito cardíaco, estando exposto
de células tubulares e cobertura das áreas desnudas da rápida e diretamente a qualquer agente tóxico circu-
membrana basal tubular. De acordo com as atuais evidên- lante;
cias, essa restauração do epitélio tubular provavelmente é
decorrente da desdiferenciação e proliferação das células
- O rim concentra o filtrado glomerular, aumentando o
potencial tóxico de qualquer agente.
tubulares sobreviventes ao processo de lesão tubular. Após
a proliferação das células tubulares, as células desdiferen-
Tabela 2 - Causas de IRA renal ou intrínseca
ciadas migram para as áreas desnudas da membrana basal
do epitélio tubular, prendem-se à membrana basal e se di- Necrose tubular aguda
ferenciam em células epiteliais tubulares maduras. - Isquemia secundária à hipoperfusão renal;
A maioria dos casos de NTA sucede um período de IRA - Toxinas e medicamentos: aminoglicosídeos, antifúngicos
pré-renal, no qual a isquemia/hipoperfusão renal não foi (anfotericina), imunossupressores (ciclosporina), antivirais
corrigida enquanto a lesão tubular ainda era reversível. (aciclovir), quimioterápicos (cisplatina), venenos (paraquat,
Todavia, alguns casos de IRA renal não sucedem uma fase peçonhas), anti-inflamatórios não hormonais, contrastes ra-
de IRA pré-renal; ou porque a instalação da hipoperfusão diológicos, endotoxinas bacterianas, solventes orgânicos (eti-
renal foi tão rápida e grave que não houve tempo para a lenoglicol);
fase pré-renal, ou porque o fator etiológico é outro que não - Toxinas endógenas: rabdomiólise, hemólise (reação transfusio-
hipoperfusão (como no caso das peçonhas, que ocasionam nal, malária, deficiência de G6PD, anemias microangiopáticas),
efeito tóxico direto sobre os rins). hiperuricemia (síndrome de lise tumoral), cadeias leves (mie-
Enquanto na IRA pré-renal há um aumento despro- loma).
porcional de ureia (devido à intensa absorção proximal de Nefrites intersticiais
ureia) em relação à creatinina, na IRA renal observa-se que - Medicamentos: penicilinas, cefalosporinas, rifampicina, sulfo-
essa desproporção desaparece. namidas, diuréticos, anti-inflamatórios não hormonais;
Achados urinários da IRA renal: - Doenças autoimunes: Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES),
- Concentração de sódio urinário é muito mais alta Sjögren, uveíte-nefrite intersticial, doença mista do tecido con-
(>40mEq/L), chegando a aproximar-se dos níveis nor- juntivo;
malmente encontrados no plasma; - Infecções: pielonefrites;
- A osmolalidade urinária é muito próxima à do plasma - Infiltrações: linfomas, leucemias, sarcoidose, rejeição celular
(<250mOsm/kg); aguda pós-transplantes.
Doenças vasculares
- FENa >1%.
- Inflamatórias (vasculites): glomerulonefrite necrosante pauci-
Esses resultados indicam que os néfrons deixaram de -imune, poliartrite nodosa (PAN), granulomatose de Wegener,
doença do soro;
desempenhar adequadamente suas funções: não estão ávi-
dos por sódio e não conseguem concentrar a urina. Uma - Microangiopáticas: Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU),
vez instalada, a IRA renal não pode mais ser revertida rapi- Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT), síndrome HELLP,
damente, mesmo que seja corrigido o distúrbio que a oca- hipertensão arterial maligna, esclerodermia, doença atero-
trombótica (embolização de colesterol);
sionou. A recuperação do RFG e do fluxo urinário só ocor-
rerá após um período, que pode ser de dias ou semanas, - Macrovasculares: estenose de artérias renais, aneurismas, dis-
plasias.
quando o tecido renal se recuperará espontaneamente.
49
NEFRO LOG I A
50
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
acidose); desidratação; hipotensão; choque e parada car- órgãos ou se eles são dolorosos à palpação. A estenose
diorrespiratória (além dos distúrbios metabólicos, pode (estreitamento) da artéria principal que irriga um rim pode
ocorrer tamponamento pericárdico). produzir um ruído como de uma corrente (sopro), o qual
pode ser auscultado com o auxílio de um estetoscópio colo-
b) Respiratório
cado no abdome do paciente.
NEFROLOGIA
Taquipneia e respiração profunda (acidótica, ou de Quando é detectado um aumento da bexiga (“bexigo-
Kussmaul). ma”) ao exame físico, deve-se passar uma sonda vesical
c) Neurológico para verificar se ela contém excesso de urina. Sobretudo
Geralmente, são relacionados à própria uremia: con- nos homens idosos, o fluxo urinário pode ser obstruído
fusão, sonolência, convulsões e coma. Raramente podem ao nível da saída da bexiga (na abertura da bexiga para a
ocorrer sintomas relacionados com hipocalcemia como uretra), devido ao aumento prostático benigno ou maligno.
parestesias periorais, cãibras, confusão, sinal de Chvostek Consequentemente, a bexiga dilata e a urina reflui, lesando
(contração da musculatura facial após estímulo do nervo os rins. Na suspeita de uma obstrução, o médico deve reali-
facial sobre a mandíbula), sinal de Trousseau (contratura da zar um exame proctológico ou um exame ginecológico para
mão após oclusão da circulação arterial por 3 minutos) e verificar se uma massa em uma dessas regiões pode estar
tetania espontânea (contrações musculares dolorosas, con- causando a obstrução.
vulsões, laringoespasmo). Os exames laboratoriais podem ajudar a indicar com
maior precisão a causa e o grau da insuficiência renal.
d) Gastrintestinal Primeiramente, a urina é minuciosamente examinada.
Vômitos intensos, hemorragia digestiva, soluços, dor à Quando a insuficiência renal é causada por um suprimen-
palpação de abdome, massas palpáveis. to sanguíneo inadequado ou por uma obstrução urinária,
e) Débito urinário a urina geralmente parece normal. No entanto, quando a
causa da IRA é um problema intrarrenal, podem ocorrer al-
O volume urinário pode variar entre 2 extremos: anúria
terações específicas a essa causa. Por exemplo, a presença
à poliúria. Doentes com obstrução urinária bilateral ou obs-
de proteinúria maciça (>3g/24h), hematúria dismórfica e ci-
trução arterial bilateral apresentam anúria, e portadores de
lindros hemáticos sugere o diagnóstico de glomerulopatias
IRA relacionada a drogas podem apresentar poliúria (por
primárias ou secundárias como causa da IRA.
exemplo, lítio, aminoglicosídeos) ou oligúria (por exem-
O diagnóstico de nefrite intersticial aguda é sugerido
plo, anti-inflamatórios). Pode haver também alternância
pela presença de piúria, eosinofilúria e cilindros piocitários
entre anúria e diurese, que deve apontar para obstrução
na urinálise. Já a presença de cilindros granulosos pigmen-
urinária de caráter intermitente. Quando ocorre anúria de
tados no sedimento urinário é muito sugestiva de necro-
instalação abrupta em gestante ou puérpera, é sugerido o
se tubular aguda. Múltiplos cristais pleomórficos de ácido
diagnóstico de necrose cortical bilateral, um quadro extre-
úrico estão presentes na síndrome de lise tumoral, e cris-
mamente grave e, muitas vezes, irreversível. Nunca se deve
tais de oxalato, na intoxicação por etilenoglicol. Sedimento
esquecer de procurar uma bexiga palpável (“bexigoma”),
urinário fortemente positivo para hemoglobina e pobre em
um sinal muito sugestivo de obstrução urinária.
hemácias sugere mioglobinúria ou hemoglobinúria.
Além dos achados já descritos, é importante avaliar a
necessidade de toque retal (especialmente em homens) e Comumente, os exames de sangue revelam concentra-
exame ginecológico nas mulheres. Adicionalmente, deve-se ções anormalmente elevadas de ureia e de creatinina, e de-
pesquisar a presença de lesões cutâneas que possam su- sequilíbrios metabólicos como acidose metabólica, hiperca-
gerir doenças específicas (autoimunes, endocardite, gota) lemia e hiponatremia.
ou rash maculopapular que possa sugerir nefrite intersticial Os exames de diagnóstico por imagem (por exemplo, a ul-
por hipersensibilidade a drogas. trassonografia e a tomografia computadorizada) dos rins são
úteis. Angiografias das artérias ou veias renais podem ser re-
alizadas quando a causa suspeita é a obstrução de vasos san-
4. Diagnóstico guíneos. A ressonância magnética pode ser realizada quando
O médico suspeita de IRA quando o débito urinário di- o uso de contraste (substância radiopaca) é muito perigoso,
minui. A dosagem da concentração de creatinina e de ureia pelo risco de piorar a insuficiência renal. No entanto, a RNM
no sangue (produtos da degradação metabólica presentes com gadolínio deve ser evitada no caso de insuficiência renal
no sangue que são normalmente eliminados pelos rins) aju- avançada devido ao risco de fibrose sistêmica nefrogênica.
da a ratificar o diagnóstico, principalmente quando segue Quando esses estudos não revelam a causa da insuficiência
àqueles valores citados no início do capítulo. Ou seja, um renal, pode ser necessária uma biópsia.
aumento progressivo da concentração sérica de creatinina A história clínica é de grande importância (tanto para
e/ou redução do volume urinário indicam IRA. pacientes internados como para os ambulatoriais): indícios
Durante o exame físico, devem-se avaliar os rins para de doença sistêmica crônica prévia (diabetes, lúpus, hiper-
determinar se ocorreu um aumento no tamanho desses tensão arterial) que possa tê-lo tornado mais suscetível a
51
NEFRO LOG I A
qualquer evento agudo. Devem-se investigar todas as me- A técnica de dosagem da creatinina utilizada pode so-
dicações em uso crônico ou usadas recentemente (anti- frer interferência de substâncias cromógenas presentes no
-inflamatórios não hormonais, inibidores de angiotensina, plasma, falsamente elevando seu valor em 20%, como se
diuréticos, antibióticos); história de traumatismo recente, observa quando o paciente está em uso de diversas cefa-
procedimentos cirúrgicos; antecedentes de uropatia obs- losporinas.
trutiva (homens idosos). Pacientes ictéricos apresentam níveis falsamente baixos
Além disso: avaliar risco para intoxicação acidental ou de creatinina. Diante de tudo isso, deve-se levar em conta
intencional por metais pesados ou solventes orgânicos; o valor relativo da creatinina, já que isso costuma ser mais
obter informações a respeito de depleção hídrica (diure- importante do que o valor absoluto, desde que sejam usa-
se excessiva, débito de sonda vesical, drenos, diarreia, hi- dos a mesma calibração e o mesmo laboratório. Deve-se
pertermia), redução da ingestão hídrica; cirurgia recente; lembrar sempre que a creatinina sérica é função da crea-
verificar o anestésico utilizado, as intercorrências clínicas tina muscular, do volume de distribuição e de sua taxa de
que se seguiram, como infecções, hipotensão, balanço hí- excreção.
drico negativo; se o doente realizou algum procedimento A relação entre ureia e creatinina séricas pode ajudar
radiológico com uso de contraste ou com manipulação a diferenciar entre a IRA pré-renal e renal. Relação maior
intravenosa que antecedeu o desenvolvimento da IRA; que 40 é sugestiva de IRA pré-renal, devido ao aumento da
procurar definir se é um quadro agudo realmente ou se já reabsorção da ureia que ocorre com a reabsorção de sódio;
existiam sintomas de doença renal prévia; questionar os valores menores que 20 são sugestivos, por sua vez, de IRA
sintomas por órgãos e aparelhos: presença ou ausência de renal.
sintomas pulmonares, cardiovasculares, gastrintestinais e
neurológicos. B - Excreção urinária de sódio
A medida da concentração de sódio urinário fornece in-
5. Exames complementares formações sobre a integridade do processo de reabsorção
tubular.
Normalmente, o sódio urinário (Nau) segue em paralelo
A - Ureia e creatinina séricas à carga de ingestão de sódio. Quando o Nau está diminuído,
Ureia e creatinina séricas estão aumentadas na IRA. A não só indica que a função de reabsorção tubular está intac-
elevação diária de ureia e creatinina, em indivíduos com IRA ta, como demonstra a presença de estímulos para a conser-
não oligúrica e sem hipercatabolismo, é de 20 a 40mg/dL e vação de sódio (supressão da liberação do fator natriurético
0,5 a 1mg/dL, respectivamente. Não obstante, um paciente atrial e ação do sistema renina-angiotensina-aldosterona).
oligúrico e hipercatabólico apresenta elevação de ureia e É muito importante, em portadores de IRA, avaliar pe-
creatinina de 40 a 100mg/dL e 2 a 3mg/dL, respectivamen- riodicamente a fração de excreção de sódio (FENa). O Nau
te, não sendo surpresa que este último apresente maior nú- pode variar conforme o volume produzido de urina, por isso
mero de complicações metabólicas e pior prognóstico. o cálculo da fração excretada de sódio é mais acurado.
Além da IRA, a ureia sérica pode aumentar em decor- Calcula-se a fração de excreção de sódio pelo quociente
rência de sangramentos gastrintestinais, dietas ricas em entre a carga excretada e a carga filtrada de sódio, estabele-
proteínas, estados hipercatabólicos, febre, traumas, infec- cendo-se a relação entre o clearance de sódio e o da creati-
ções ou medicamentos (corticosteroides) que aumentem o nina, demonstrada na seguinte fórmula:
turnover proteico ocasionando uma elevação da produção
hepática de ureia, com aumento da ureia sérica. Ao contrá- (Na) urina/(Na) sangue
FENa = x 100
rio, portadores de desnutrição ou hepatopatia podem ter (Creatinina) urina/(Creatinina) sangue
uma dosagem de ureia mais baixa. Ou
A dosagem da creatinina também não é um parâmetro (Na) urina x (Creatinina) sangue
fidedigno do RFG e costuma elevar-se nos casos de inten- FENa = x 100
(Na) sangue x (Creatinina) urina
so catabolismo, como na rabdomiólise, ou pode reduzir-se
após reposição agressiva de volume (diluição). Na IRA pré-renal, a FENa é muito baixa, geralmente infe-
A creatinina, além de filtrada, é secretada pelas célu- rior a 1% (frequentemente <0,01%).
las do túbulo proximal, sendo essa secreção relativamente Na IRA renal, a reabsorção de sódio é deficiente devido
mais expressiva conforme ocorre a redução do RFG. Sendo à injúria à célula tubular, sendo a FENa, habitualmente, su-
assim, a avaliação do clearance de creatinina nessa fase perior a 1%.
pode superestimar o verdadeiro RFG. Por outro lado, algu- Uma FENa baixa não é exclusividade de IRA pré-renal; é
mas substâncias podem diminuir a secreção tubular da cre- descrita também em patologias nas quais a filtração glome-
atinina, como a cimetidina ou o trimetoprim, ocasionando rular está reduzida, mas a função tubular, preservada, como
um aumento da concentração sérica de creatinina sem que glomerulonefrites agudas, vasculites, obstruções do trato
tenha ocorrido redução do RFG. urinário, nefropatia pós-contraste iodado, mioglobinúria/
52
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
hemoglobinúria e o rim nos casos de sepse. Por outro lado, que 1% indicando lesão pré-renal. Novos marcadores têm
em pacientes com insuficiência renal crônica, o acréscimo sido desenvolvidos, como a neutrófilo-gelatinase-lipocali-
de uma IRA pré-renal pode não resultar em FENa baixa, já nase, que em estudos experimentais demonstrou ser um
que seus túbulos podem ser incapazes de reabsorver ade- sensível marcador de lesão renal.
NEFROLOGIA
quadamente sódio e água. Assim, a hipovolemia nesses pa-
cientes deve ser reconhecida clinicamente, baseando-se na C - Análise qualitativa e quantitativa da urina
história e exame clínico, ou após verificar-se que judiciosa A análise da urina pode ser feita com as fitas reativas
reposição volêmica resultou em melhora da função renal. (dipstick) ou por análise microscópica. As fitas reagentes
A administração de manitol, diuréticos de alça ou solu- podem mostrar:
ções salinas precedendo em horas a coleta de urina para
cálculo da FENa dificulta a interpretação do resultado, já que a) Sangue
o sódio urinário tende a ser maior e a urina menos con- A reação é positiva quando há hemácias, hemoglobi-
centrada, simulando os valores encontrados em lesão renal na livre ou mioglobina. Pode ser falso negativo quando há
intrínseca. prévia ingestão de vitamina C, em urinas muito diluídas ou
Pacientes com IRA pré-renal secundária a vômitos ou a concentradas;
sucção de sonda nasogástrica também podem ter uma FENa
b) Proteínas
aumentada devido à bicarbonatúria.
A fração de excreção de ureia (FEU) pode evitar alguns Pode ser positiva em proteinúrias glomerulares (albumi-
dos erros na interpretação da FENa. A FEU mostrou ser tão na), proteinúrias tubulares (proteínas de baixo peso mole-
sensível e específica quanto a FENa. Uma FEU inferior a 35% cular, como a beta-2-microglobulina, proteína transporta-
indica IRA pré-renal. A FEU tem ainda a vantagem de não dora do retinol, lisozima) e proteinúrias de causas variadas
sofrer interferência pelo uso de diuréticos. (proteinúria de Bence-Jones encontradas nos mielomas e
outras doenças proliferativas malignas, hemoglobinúria e
Tabela 4 - Diferenças da IRA pré-renal da IRA renal mioglobinúria).
Exames Pré-renal Renal A análise microscópica da urina habitualmente pode
incluir:
FENa <1% >1%
- Leucócitos: número elevado de leucócitos no sedi-
NaU (mEq/L) <20 >40
mento pode indicar a presença de infecção, inflamação
Osmolalidade urina (mOsm/kg) >500 <250 renal ou no trajeto da urina, não podendo diferenciar
Relação sérica ureia/creatinina >40 <20 pielonefrite bacteriana aguda de nefrite intersticial
Relação creatinina urinária/plasmá- ocasionada por analgésicos, entre outros. A contagem
>40 <20
tica diferencial também é importante. Por exemplo, pre-
Relação ureia urinária/plasmática >8 <3 domínio de eosinófilos pode indicar nefrite intersticial
Densidade urinária >1.020 <1.015 aguda, glomerulonefrites rapidamente progressivas,
FEU <35% >50% prostatites agudas e doença renal ocasionada por em-
bolização de colesterol;
Granulosos
Cilindros Hialinos
pigmentares - Hemácias: confirmam se a positividade da fita reativa
Índice de insuficiência renal * <1% >1%
é uma verdadeira hematúria (aumento do número de
hemácias) ou se é devido a pigmentos (hemoglobina
* Alguns autores julgam esse índice mais sensível para diferen-
ciação da IRA renal da pré-renal. O cálculo é feito com a fórmula:
ou mioglobina). A presença de hemácias dismórficas
sódio urinário/creatinina urinária/creatinina plasmática. no sedimento urinário, principalmente na forma de
acantócitos (formato de anéis), pode indicar hematú-
A relação entre a creatinina urinária e a creatinina plas- ria de origem glomerular;
mática também é outro índice diferenciador da etiologia da - Cilindros: encontrados na urina, têm em sua compo-
insuficiência renal. Como a água é reabsorvida em grande sição básica uma mucoproteína denominada proteína
quantidade em pacientes com insuficiência renal pré-renal, de Tamm-Horsfall, produzida pelas células epiteliais
a relação entre a creatinina urinária em relação à plasmáti- tubulares. Os cilindros podem ser de vários tipos. Os
ca maior que 40 sugere doença pré-renal; com valores me- hialinos são formados apenas por proteínas de Tamm-
nores que 20, o diagnóstico sugere IRA pré-renal. Horsfall, visíveis em casos de desidratação, exercício
O índice de insuficiência renal oferece mensurações físico intenso ou em associação à proteinúria glome-
comparáveis à da fração de excreção de sódio, mas, pela rular. Os hemáticos são formados por glóbulos verme-
variação da fração de excreção de sódio ser pequena, o uso lhos, indicando origem glomerular, como no caso das
do índice utilizando a relação entre Na urinário/creatinina glomerulonefrites e vasculites. Cilindros leucocitários
urinária/creatinina sérica tem potencial de diferenciação (Figura 4A) contêm leucócitos, como no caso das infla-
melhor entre IRA pré-renal e a NTA, com valores menores mações parenquimatosas. Cilindros granulosos (Figura
53
NEFRO LOG I A
4B) são formados por células epiteliais tubulares, res- das células da porção fina ascendente da alça de Henle. O
tos celulares associado a debris, característicos de clássico exemplo desse tipo de IRA é a IRA da leptospirose,
portadores de NTA. Cilindros lipoides são observados no entanto, ela também pode ocorrer na IRA por aminogli-
quando ocorre lipidúria, como no caso das síndromes cosídeo e anfotericina B.
nefróticas; A acidose metabólica com aumento do ânion-gap é
- Cristais: a microscopia de luz polarizada pode mostrar frequentemente encontrada por causa da geração de 50 a
a presença de cristais de ácido úrico (Figura 4C), dado 100mmoL/dia de ácidos fixos não voláteis (sulfúrico e fos-
importante no diagnóstico de IRA por lise tumoral pós- fórico) que não podem ser excretados devido à falência re-
-quimioterapia. Já cristais de oxalato de cálcio (Figura nal. A acidose metabólica pode ser grave (queda superior a
4D) podem sugerir intoxicação por etilenoglicol. 2mEq/L de HCO3 por dia) no caso de superposição de even-
tos geradores de H+, como na cetoacidose ou na acidose
lática secundária à hipoperfusão tecidual ou sepse.
O ácido úrico é eliminado do sangue por filtração glo-
merular e secreção tubular proximal. Hiperuricemia leve
(12 a 15mg/dL) é frequente na IRA. Níveis mais elevados
sugerem aumento da produção de ácido úrico, que pode
estar envolvido na etiologia da IRA por depósito tubular,
como pode ocorrer nas síndromes pós-lise tumoral maciça
por efeito de quimioterapia.
Hiperfosfatemia (6 a 8mg/dL) também é frequente na
IRA, e hiperfosfatemias graves (até 20mg/dL) podem ser
observadas em pacientes hipercatabólicos ou quando a IRA
se associa a quadros de intensa destruição celular, como
rabdomiólise, hemólise ou lise tumoral. Depósitos metas-
táticos de fosfato de cálcio podem levar à hipocalcemia,
particularmente quando o produto cálcio (mg/dL) e fósforo
(mg/dL) excede 60.
Hipocalcemia é comum e, na maioria das vezes, assinto-
mática, mas pode ser grave com prolongamento do inter-
valo QT (podendo causar arritmias) e espasmos musculares
(inclusive laringoespasmo). A presença de hipercalcemia
pode sugerir mieloma múltiplo.
Hipermagnesemia leve é vista em IRAs oligúricas e refle-
Figura 4 - Sedimento urinário em diferentes causas de IRA: (A) ci- te a perda da capacidade de excretar o magnésio ingerido
lindro leucocitário, os leucócitos presentes no cilindro estão iden- ou proveniente de medicações. Hipomagnesemia ocasio-
tificados pelas setas pretas; (B) cilindro granuloso, frequente na
nalmente complica IRAs não oligúricas associadas à cisplati-
necrose tubular aguda; (C) cristais de ácido úrico; (D) cristais de
oxalato de cálcio
na ou anfotericina B.
E o aumento dramático da creatinafosfoquinase (CPK)
pode indicar rabdomiólise.
D - Bioquímica sérica
E - Hematológicos
A hipercalemia é comum e potencialmente fatal. O po-
tássio sérico eleva-se em torno de 0,5mEq/L/dia em pa- A anemia desenvolve-se rapidamente na IRA por causas
cientes oligúricos, resultado da perda de capacidade de sua multifatoriais: inibição da eritropoese, presença de hemó-
excreção e do balanço positivo do potássio proveniente da lise, sangramentos, hemodiluição e redução da meia-vida
dieta, de drogas e do potássio liberado devido à injúria ce- média dos glóbulos vermelhos. Pode ocorrer prolonga-
lular. Hipercalemia grave sugere destruição celular maciça, mento do tempo de sangramento secundariamente à leve
observada em quadros de rabdomiólise, hemólise ou lise plaquetopenia, disfunção plaquetária ou anormalidade
tumoral. As manifestações eletrocardiográficas variam com dos fatores de coagulação, como disfunção do fator VIII.
a intensidade e a velocidade de instalação da hipercalemia Hemograma e análise da coagulação podem revelar evi-
e incluem: apiculamento de onda T (T “em tenda”), prolon- dências de consumo de plaquetas, dano à membrana celu-
gamento do intervalo P-R, alargamento do complexo QRS, lar das hemácias, ou ambos, indicando a presença de uma
achatamento e desaparecimento da onda P e, finalmente, púrpura trombocitopênica ou SHU, ou, ainda, coagulação
o surgimento de ondas sinusoidais. Ocasionalmente, a IRA intravascular disseminada. Eosinofilia é possível nas nefri-
pode evoluir com hipocalemia, refletindo lesão específica tes intersticiais.
54
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
F - Outros exames séricos intersticial aguda, em que a cintilografia com gálio mostra
captação quase patognomônica da lesão.
Podem ser solicitados na suspeita de doenças sistêmicas
e glomerulares: provas de atividade inflamatória, pesquisa
de marcadores imunológicos (FAN, anti-DNA, antimembra- 7. Achados de doenças específicas
NEFROLOGIA
na basal glomerular, fator reumatoide e ANCA), avaliação
da atividade do sistema do complemento, sorologias (he- A - Síndrome hepatorrenal
patites, HIV), procura de focos infecciosos (endocardite,
abscessos). A síndrome hepatorrenal é uma causa importante de
IRA em pacientes com insuficiência hepática avançada de-
vido à cirrose hepática, hepatite alcoólica grave, tumores
6. Exames de imagem metastáticos ou hepatite fulminante. O mecanismo fisiopa-
Estes podem ser úteis na avaliação de obstrução do tra- tológico dessa síndrome é a hipoperfusão renal (decorrente
to urinário, cálculos, massas renais, patologias com carac- da vasodilatação esplâncnica e da redução da resistência
terísticas radiológicas específicas (necrose cortical bilateral vascular sistêmica que ocorrem na insuficiência hepática
ou pielonefrite aguda), patência de artérias e veias renais avançada) associada ao aumento da resistência vascular
com análise de fluxo, presença de refluxo vesicoureteral ou renal (resultante da ativação do sistema renina-angioten-
bexiga neurogênica. A ultrassonografia é o exame inicial de sina e do sistema simpático induzidas pela hipotensão). A
escolha e pode mostrar: redução da resistência vascular periférica e a dilatação es-
- Obstrução do trato urinário, devendo ser realizado em plâncnica na insuficiência hepática provavelmente também
todo indivíduo com IRA de origem indeterminada, já estão relacionadas ao acúmulo de óxido nítrico, que ocorre
que pode detectar uma causa possivelmente reversí- nesses casos. Por ser decorrente da hipoperfusão renal, o
vel. Lembrar que pode ocorrer um período variável de comprometimento da função renal na síndrome hepator-
dias até que se verifique dilatação pielocalicial; renal é semelhante ao que ocorre na IRA pré-renal, porém
- Alterações parenquimatosas: analisar a ecogenicidade sem resposta a volume. Dessa forma, a insuficiência renal
do parênquima renal, a espessura do córtex e a relação na síndrome hepatorrenal está associada à redução do RFG
córtex-medula, importantes na avaliação de presença e da excreção de sódio (frequentemente <10mEq/dia) e à
de nefropatia crônica prévia; redução da pressão arterial (apesar da intensa vasoconstri-
- Presença de cistos (doença renal policística) ou massas; ção renal). A osmolalidade urinária é habitualmente maior
que a plasmática. Como não há lesão renal intrínseca, o se-
- Possibilidade de fornecer pistas para a etiologia da IRA: dimento urinário não apresenta características específicas.
rins aumentados de tamanho podem sugerir mieloma,
Os critérios diagnósticos da síndrome hepatorrenal, se-
amiloidose, diabetes.
gundo o International Ascites Club (2007), estão resumidos
A tomografia computadorizada deve ser feita a princípio na Tabela 5.
sem contraste e pode mostrar dados não visualizados pela Existem ainda outros aspectos que não fazem parte dos
ultrassonografia, como no caso de cálculos e obstruções. critérios diagnósticos, mas dão suporte ao diagnóstico da
Se houver suspeita de lesões vasculares como trombose de síndrome hepatorrenal: diurese <500mL/24h; sódio uriná-
artéria renal, deverá ser realizada a angiotomografia com rio <10mEq/L; osmolalidade urinária maior que a plasmáti-
contraste iodado, para que seja possível a visualização des- ca; sódio sérico <130mEq/L.
sas lesões. No entanto, com o uso de contraste iodado, há Tabela 5 - Critérios para identificação de síndrome hepatorrenal
risco de nefropatia por contraste, que pode agravar a IRA segundo IAS (2007)
desses pacientes. Para minimizar esse risco deve ser realiza-
da profilaxia para nefropatia por contraste, principalmente - Cirrose com ascite;
com hidratação venosa. - Creatinina plasmática >1,5mg/dL, refletindo queda do RFG;
A angiorressonância pode ser de grande auxílio no caso - Ausência de melhora da função renal (queda da creatinina plas-
de lesões vasculares, evitando o uso de contraste iodado, mática até níveis ≤1,5mg/dL), após suspensão de diuréticos
que seria necessário para a realização de tomografia, po- (por, pelo menos, 2 dias) e expansão volêmica com albumina
dendo também ser útil no caso de gestantes com IRA. No IV (1g/kg/dia até um máximo de 100g/dia);
entanto, se houver insuficiência renal importante com clea- - Ausência de choque;
rance de creatinina menor que 30mL/min, deve-se evitar a - Ausência de tratamento recente ou atual com drogas nefrotó-
angiorressonância devido ao risco de fibrose sistêmica ne- xicas;
frogênica pelo uso do gadolínio.
- Ausência de doença parenquimatosa renal, como seria sugeri-
A cintilografia pode ser útil para avaliar tanto a função
do pela presença de proteinúria >500mg/dia, micro-hematúria
renal (filtração e excreção – EDTA e DTPA) quanto o fluxo re-
(>50 eritrócitos por campo no sedimento urinário) e/ou ultras-
nal. Pode ser também de grande valor quando utilizada em
casos específicos, como acontece na investigação da nefrite sonografia renal anormal.
55
NEFRO LOG I A
A síndrome hepatorrenal pode se instalar de forma ful- - Insuficiência renal crônica prévia (creatinina >1,5mg/
minante (tipo I), com aumento da creatinina plasmática aci- dL ou ClCr <60mL/min);
ma de 2,5mg/dL em menos de 15 dias, ou se manifestar - Nefropatia diabética com insuficiência renal;
como uma forma mais branda de IRA (tipo II), com elimi- - Insuficiência cardíaca avançada (hipoperfusão renal);
nação urinária de sódio <10mEq/dia e ascite resistente a - Desidratação;
diuréticos. O prognóstico da síndrome hepatorrenal é ruim, - Cateterismo coronário;
exceto se a insuficiência hepática pode ser resolvida com
transplante hepático. A mortalidade pode ultrapassar 80%.
- Alta dose de contraste;
A diálise pode ser necessária, mas, por si só, não reduz a
- Contraste iônico e hiperosmolar;
mortalidade. O tratamento medicamentoso pode ser rea- - Uso concomitante de drogas nefrotóxicas, como AINES
lizado com infusão de albumina associada à terlipressina, e aminoglicosídeos.
a qual é um análogo da vasopressina que age contraindo A insuficiência renal começa nas primeiras 12 a 24 horas
a vasculatura esplâncnica e, dessa forma, aumentando o após o exame contrastado. A IRA é não oligúrica na maioria
volume circulante efetivo para os rins. O TIPS (Transjugular dos casos. Geralmente, a recuperação da função renal se ini-
Intra-hepatic Portosystemic Shunt), por aliviar a hiperten- cia em 3 a 5 dias. No entanto, alguns pacientes têm um pico
são porta, pode contribuir para melhorar a função renal em de creatinina >5mg/dL, ocasionalmente necessitando de he-
alguns casos. No entanto, esse procedimento é contraindi- modiálise. Em pacientes com IRC, principalmente diabéticos,
cado na presença de encefalopatia hepática porque pode a insuficiência renal pode persistir indefinidamente.
agravá-la. Uma vez instalada, não há tratamento específico para
a IRA induzida por contraste. Logo, o melhor tratamento
B - Nefropatia aguda por ácido úrico é a prevenção. A hidratação venosa é benéfica para pre-
A nefropatia aguda por ácido úrico é caracterizada por venção de nefropatia por contraste em pacientes de ris-
IRA oligúrica ou anúrica decorrente da precipitação de áci- co. Recomenda-se solução salina isotônica (1mL/kg/h, 12
do úrico nos túbulos renais. Geralmente, esse tipo de IRA horas antes e 12 horas após o procedimento) associada à
decorre da superprodução e superexcreção de ácido úrico N-acetilcisteína (1.200mg por VO de 12/12h), 24 horas an-
em portadores de linfoma, leucemia ou outras doenças tes e 24 horas depois do procedimento. Atualmente, o be-
mieloproliferativas, especialmente após quimioterapia ou nefício da N-acetilcisteína é questionado em razão de novos
radioterapia, devido à lise celular maciça. estudos multicêntricos randomizados que não comprova-
Deve-se suspeitar da nefropatia aguda por ácido úrico ram seu benefício na prevenção de nefropatia por contras-
te. A hidratação oral é muito inferior à hidratação venosa e
quando ocorre IRA associada a aumento sérico de ácido
não deve ser usada de maneira isolada.
úrico e a uma das situações clínicas descritas. A urinálise
Em outro estudo publicado no JAMA, o bicarbonato de
pode desde mostrar inúmeros cristais de ácido úrico (Figura
sódio foi usado como solução de hidratação com concentra-
1C) até ser relativamente normal, devido à ausência de pro-
ção de 154mEq/L, diluído em solução de dextrose a 5% em
dução de urina pelos néfrons obstruídos. Na síndrome de
1L de solução, infundida a 3mL/kg, 1 hora antes do procedi-
lise tumoral, são liberadas grandes quantidades de outros
mento, e 1mL/kg durante e 6 horas depois, com resultados
componentes celulares, o que pode levar à hipercalemia, superiores aos da infusão convencional de salina; portanto,
hiperfosfatemia e hipocalcemia. é uma opção válida para a prevenção da IRA pelo contras-
A prevenção é o melhor tratamento para a nefropatia te. No entanto, estudos mais recentes mostram resultados
aguda por ácido úrico, que geralmente é decorrente da sín- variáveis. Houve os que confirmaram o benefício do bicar-
drome de lise tumoral. A prevenção consiste no tratamento bonato, os que não apresentaram diferença nos resultados
de pacientes de alto risco (portadores de linfomas de alto quando comparados aos da salina e aqueles que mostraram
grau e leucemias) com hidratação venosa agressiva e alo- até aumento da incidência de nefropatia por contraste com
purinol. o uso do bicarbonato.
A dose do contraste iodado e a preferência por contras-
C - Nefropatia por contraste tes de baixa osmolaridade não iônicos também são impor-
O uso de contraste iodado é responsável por cerca de tantes. Recomenda-se suspender previamente o uso dos
10% das insuficiências renais adquiridas em hospital. Seu inibidores de angiotensina, diuréticos e anti-inflamatórios.
uso deve ser evitado, e, quando imprescindível, deve ser É importante lembrar que não há indicação de uso de diu-
iniciada proteção renal com antecedência, principalmente réticos ou mesmo do manitol que, quando adicionados à
em pacientes de risco. A administração de contraste iodado solução salina em estudo clínico, apresentaram resultados
pode levar à IRA, que se inicia logo após o procedimento. inferiores aos do uso da salina isoladamente.
A IRA induzida por contraste é usualmente reversível, po-
rém pode ser responsável por inúmeros eventos adversos
D - Ateroembolismo por cristais de colesterol
durante seu período de instalação. Os fatores de risco para A IRA está presente em 25 a 50% dos casos de ateroem-
nefropatia por contraste incluem: bolismo por cristais de colesterol. A disfunção renal é fre-
56
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
quente 1 a 2 semanas após um procedimento vascular in- Duas anormalidades comuns nos exames complemen-
vasivo, mas é possível espontaneamente. O uso de agentes tares durante a fase aguda do ateroembolismo por cristais
anticoagulantes, como varfarina também pode raramente de colesterol são a eosinofilia e a hipocomplementemia.
precipitar o desenvolvimento dessa doença. Quando ocor- Essas alterações podem ser reflexos da ativação imunoló-
gica da superfície exposta do ateroêmbolo. A eosinofilúria
NEFROLOGIA
re espontaneamente, o diagnóstico pode ser difícil de ser
estabelecido sem biópsia renal, a menos que outras mani- também pode estar presente no sedimento urinário.
festações da embolização por colesterol estejam presentes. Quando a IRA ocorre após angiografia ou outros proce-
O ateroembolismo por cristais de colesterol é geral- dimento vasculares invasivos contrastados, o principal diag-
mente associado a múltiplos êmbolos de colesterol em nóstico diferencial do ateroembolismo por cristais de co-
pequenas artérias. Logo, portadores de ateroembolismo lesterol é a nefropatia por contraste. A menos que existam
renal podem apresentar sinais compatíveis com emboliza- sinais de ateroembolismo por esses cristais, as 2 patologias
ção para outros sítios incluindo livedo reticular, placas de só podem ser distinguidas pela evolução das mesmas. Na
Hollenhorst retinianas, pequenas áreas de cianose ou gan- nefropatia por contraste, tipicamente começa a haver re-
grena nos dedos (Figura 5). cuperação 3 a 5 dias após o exame; no ateroembolismo por
cristais de colesterol, a recuperação é incompleta ou ine-
xistente.
Não há tratamento específico para o ateroembolismo
por colesterol.
E - Rabdomiólise
Rabdomiólise é uma síndrome caracterizada por necro-
se muscular e liberação de constituintes intracelulares dos
músculos na circulação. A severidade da doença varia de
elevações assintomáticas das enzimas musculares a casos
graves com elevação acentuada de enzimas musculares,
distúrbios eletrolíticos e IRA. Os distúrbios eletrolíticos mais
comuns na síndrome de lise tumoral são hipercalemia, hi-
perfosfatemia e hipocalcemia.
A IRA é uma complicação comum da rabdomiólise.
Cilindros de pigmento heme e mioglobinúria são habitu-
almente observados no sedimento urinário dos pacientes
com IRA por rabdomiólise.
A IRA secundária à rabdomiólise pode ser decorrente de
3 mecanismos diversos:
- Efeito tóxico direto da mioglobina, que, através de sua
porção heme, levaria à disfunção e necrose tubular
aguda;
- Isquemia renal devido ao desequilíbrio entre mediado-
res vasoconstritores e vasodilatadores com efeito final
de vasoconstricção renal (mecanismo potencializador
da lesão renal);
- Obstrução tubular por cilindros formados pelo pig-
mento de mioglobina. Coagulação intravascular disse-
minada pode aparecer entre esses pacientes, com o
potencial de aumentar as complicações renais.
57
NEFRO LOG I A
de sódio sejam administrados na forma de bicarbonato de sódio. Isso ajuda a corrigir a acidose e a prevenir a precipitação
de mioglobina nos túbulos, além de reduzir o risco de hipercalemia. Após a perfusão renal ser restaurada com hidratação
venosa, as medidas de prevenção da IRA podem incluir diurese forçada com manitol/alcalinização da urina numa tentativa
de reduzir a toxicidade renal da mioglobina. Deve-se evitar o uso de outros diuréticos, pois não melhora o prognóstico da
insuficiência renal e piora a evolução em alguns casos.
Os principais achados de outras doenças específicas que podem cursar com IRA estão resumidos na Tabela 6.
58
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
NEFROLOGIA
aguda - Proteinúria (ocasionalmente nefrótica); vasculite leucocito-
- Hematúria (raramente há cilindros clástica;
hemáticos). - Biópsia renal.
- Urocultura, hemocul-
- Febre, rash e artralgias; - Bacteriúria, leucocitúria, hematúria
Pielonefrite bilateral tura;
- Febre, toxemia, dor. e proteinúria.
- Ultrassonografia.
- Raio x de abdome;
- Ultrassonografia;
- Frequentemente normal; - Pielografia retrógrada
- Dor abdominal ou em flancos;
Obstrução de vias - Pode haver hematúria (cálculos, ou anterógrada;
- Dor lombar;
urinárias sangramento com coágulo, câncer, - Tomografia computa-
- Bexiga palpável (“bexigoma”).
doença prostática). dorizada;
- Ressonância nuclear
magnética.
59
NEFRO LOG I A
Prevenção e tratamentos das complicações e aproximadamente 50% da quantidade de sódio devem ser
- Em geral, não necessita de terapia; des-
administrados na forma de bicarbonato de sódio. Isso ajuda a
Hipermagnesemia corrigir a acidose e prevenir a precipitação de mioglobina nos
continuar hidróxido de magnésio.
túbulos e reduz o risco de hipercalemia.
- Proteínas de alto valor biológico: 0,6g/kg
A velocidade da hidratação é de cerca de 1,5L/h inicial-
de peso ao dia;
Nutrição (doente mente até a obtenção de fluxo urinário adequado (conside-
- Carboidratos: 100g/dia; rado, no mínimo, 200mL/h e, idealmente, 300mL/h). Cerca
ainda não dialítico)
- Considerar nutrição enteral/parenteral de 100mL de solução de bicarbonato a 8,4% são usados
em doentes com IRA prolongada. concomitantemente a cada hora, com objetivo de alcalini-
zação de urina com pH-alvo de 6,5.
Nesse 1º momento, é fundamental coletar amostras Após a obtenção de fluxo urinário adequado, pode ser
de sangue e urina para evitar que a sequência dos proce- adicionado manitol ao regime de administração de fluidos.
dimentos dificulte o diagnóstico (por exemplo, o cálculo de O manitol aumenta o fluxo sanguíneo renal e a taxa de fil-
FENa ou osmolalidade urinária fica prejudicado pelo uso de tração glomerular, além de ser um agente osmótico que
diuréticos). pode ajudar na mobilização de líquidos do compartimento
As medidas terapêuticas iniciais devem estar voltadas intersticial, diminuindo, desta forma, o edema muscular. No
para a correção de volemia, restabelecimento do equilí- entanto, deve-se ter cautela ao utilizá-lo, pois ele pode le-
brio eletrolítico e controle das manifestações urêmicas. A var tanto à depleção volêmica quanto à hipernatremia, por
otimização da hemodinâmica do paciente com avaliação aumento da excreção de água livre. O uso de outros diu-
do volume intravascular efetivo é de suma importância na réticos deve ser evitado, pois não melhoram o prognóstico
prevenção da IRA em pacientes críticos e, principalmente, da insuficiência renal e pioram a evolução em alguns casos.
sépticos, algumas vezes sendo necessária a monitorização Todas as medicações que o paciente recebe devem ser
invasiva com cateter de Swan-Ganz. revisadas, e as doses, ajustadas conforme o clearance esti-
Quando detectada hipovolemia, o volume intravascular mado (habitualmente inferior a 10mL/min).
deve ser restituído com solução salina, não havendo indícios O distúrbio eletrolítico mais preocupante nesses pa-
de que o uso de coloides ou outros expansores sintéticos de cientes é a hipercalemia, tida como a causa metabólica de
plasma acrescentem qualquer benefício. Caso não se consiga óbito mais comum em indivíduos com IRA. A agressividade
atingir pressão arterial média ideal, deve-se iniciar o uso de do tratamento vai depender do grau de hipercalemia, da
drogas vasopressoras, sendo a noradrenalina preferencial. rapidez com que ela se instituiu e das alterações eletrocar-
Por outro lado, especialmente em IRA hospitalar, é co- diográficas.
mum o paciente estar hipervolêmico, sendo necessário O tratamento da hipercalemia inclui gluconato de cálcio
tratar a congestão pulmonar. Esses pacientes costumam es- (quando há alterações eletrocardiográficas), inalação com
tar hipertensos, podendo ser necessários vasodilatadores beta-agonista, uso de soluções polarizantes (glicose e in-
(nitroprussiato de sódio ou nitroglicerina). A furosemida sulina), bicarbonato de sódio, diuréticos, resinas de troca
pode ser administrada IV, em bolus, na dose inicial entre (Sorcal®) e diálise.
20 e 100mg; caso não se obtenha resposta adequada na A hipocalcemia é comum e, quando assintomática, não
hora seguinte, a dose pode ser dobrada, e assim por diante. requer tratamento imediato, mas tetania incipiente ou fran-
A infusão contínua de furosemida algumas vezes consegue ca devem ser tratadas com cálcio IV (10 a 20mL de glucona-
um efeito diurético maior, no entanto é preciso ter cautela to de cálcio em 20 minutos).
em sua utilização devido ao risco de surdez permanente do A hiperfosfatemia resultante da redução da eliminação
paciente secundário às altas doses de furosemida. Em úl- do fósforo também é comum, com níveis séricos em torno
tima instância, caso não se obtenha resposta diurética ou de 6 a 8mg/dL. Níveis muito mais altos são vistos em rabdo-
o volume urinário obtido seja insuficiente, devem-se utili- miólise ou estados catabólicos.
zar técnicas dialíticas (hemofiltração, hemodiálise ou diá- Um produto cálcio-fósforo superior a 70 pode resultar
lise peritoneal, a depender das características individuais em calcificação metastática tecidual. Usualmente, a hiper-
de cada doente). Observar que o objetivo da furosemida é fosfatemia pode ser controlada com restrição de fósforo na
tratar a hipervolemia, pois não há evidências que apontem dieta e carbonato de cálcio via oral. Eventualmente, pode
benefício dessa substância no prognóstico da IRA. ser necessário hidróxido de alumínio via oral. Tanto o cálcio
Algumas observações devem ser feitas quando se fala de oral quanto o hidróxido de alumínio devem ser oferecidos
NTA secundária a pigmentos. Essa NTA muitas vezes pode ser às refeições.
evitada, caso sejam tomadas medidas profiláticas básicas, Na IRA, conforme já citado, acumulam-se produtos áci-
principalmente nos pacientes mais suscetíveis: evitar hemó- dos provenientes dos processos metabólicos que precisam
lise, evitar isquemia e dano tecidual/muscular, evitar desidra- ser tamponados por bicarbonato, ocasionando uma redu-
tação e acidose. Na rabdomiólise, o regime de administração ção do bicarbonato sérico e acidose metabólica com au-
de fluidos adequado é controverso, haja vista a ausência de mento de ânion-gap.
estudos prospectivos nesta população. Porém, o esquema A hiperventilação compensatória, muitas vezes, pode
terapêutico sugerido por alguns autores consiste em solução ser confundida com hipervolemia ou insuficiência cardíaca.
salina isotônica, associada à solução de bicarbonato de sódio, Usualmente, a acidose metabólica isolada, secundária à IRA
60
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
não é grave, não sendo necessário tratamento caso o bicar- Apesar de não haver evidência na literatura capaz de
bonato sérico seja superior a 15mEq/L e/ou o pH inferior a provar que o início de diálise precoce (antes que ocorram
7,2. A quantia de bicarbonato a ser administrada é calcula- as indicações anteriores) seja benéfico em reduzir a mor-
da pela equação de déficit de bicarbonato: bimortalidade dos portadores de IRA, há alguns estudos
retrospectivos, não controlados que sugerem tal benefício.
NEFROLOGIA
Déficit de HCO3 (mEq/L) = 0,5 x peso (kg) x (24 - HCO3 medido)
Na prática clínica, o início da diálise precocemente, antes
A IRA acompanha situações em que o gasto metabólico do surgimento de complicações, parece reduzir de forma
é aumentado, e o aporte nutricional desses pacientes pode importante a morbidade e, talvez, até a mortalidade.
rapidamente tornar-se insuficiente. Embora recentemente Quanto à terapia de substituição renal, essa pode ser:
tenha sido colocado em dúvida o real valor de manter um - Terapia de substituição renal contínua: dão suporte
aporte nutricional baseado nos valores usualmente utiliza- dialítico contínuo para pacientes críticos com IRA. São
os métodos mais facilmente tolerados por pacientes
dos de 35 a 45kcal/kg/dia nos pacientes em NTA, ainda é o
hemodinamicamente instáveis. Neles, são utilizados
que se procura manter na prática, principalmente a partir
fluxos mais baixos por tempos mais longos, o que per-
da 2ª ou 3ª semana de evolução. Nos pacientes que não
mite que a retirada de líquido seja mais lenta e que,
estejam em diálise, o aporte proteico deve ser restrito a
consequentemente, tenham pouca repercussão he-
0,6g/kg/dia, enquanto aqueles em diálise devem receber 1
modinâmica. Essas modalidades incluem hemofiltra-
a 1,5g/kg/dia, e esse valor pode ser ainda maior, caso sejam
ção venovenosa contínua, hemodiálise venovenosa
submetidos a técnicas dialíticas que espoliem proteínas (di-
contínua e hemodiafiltração venovenosa contínua;
álise peritoneal). A via de administração preferencial deve
ser a gastrintestinal. Caso não seja possível, deve-se dar iní-
- Diálise peritoneal: é bem tolerada em pacientes instá-
veis e um método potencialmente eficaz em crianças
cio à nutrição parenteral (NPP).
Vale ressaltar, mais uma vez, que o uso de dopamina (por terem menor superfície corpórea e, em geral, peri-
na chamada dose dopaminérgica (0,5 a 2mcg/kg/min) não tônio mais saudável). Não deve ser utilizado em pacien-
acrescenta nenhum benefício à recuperação da IRA, não au- tes com doença abdominal ou peritoneal ou múltiplas
menta o volume urinário nem previne a IRA. Na verdade, manipulações abdominais prévias. Não é tão eficaz
a dopamina ocasiona um roubo de fluxo de sangue da re- quanto a hemodiálise em eliminar líquidos e eletrólitos;
gião mais sensível à hipóxia, que é a região medular interna, - Hemodiálise intermitente: é indicado a pacientes he-
para a região cortical. modinamicamente estáveis, pois a retirada abrupta de
líquido (3 a 4 horas) pode agravar a hemodinâmica de
10. Diálise na IRA pacientes instáveis;
- Terapias híbridas: a SLED é um tipo de diálise inter-
O tratamento de pacientes com IRA é essencialmente mitente utilizando uma maior duração da sessão de
de suporte, e a terapia de substituição renal é indicada a pa- hemodiálise (6 a 10 horas) e menores fluxos de sangue
cientes com lesão renal grave. Várias modalidades de tera- e de dialisato do que a hemodiálise intermitente con-
pia de substituição renal estão disponíveis atualmente, in- vencional. As vantagens desse método é que podem
cluindo hemodiálise intermitente, terapias de substituição ser utilizadas as mesmas máquinas da hemodiálise in-
renal contínuas (hemodiálise e diálise peritoneal) e terapias
termitente, o que reduz os custos em relação às tera-
híbridas, como a SLED (Sustained Low-Efficiency Dialysis).
pias contínuas e provoca menos instabilização hemodi-
No entanto, apesar da existência de todas essas técnicas, a
nâmica que a hemodiálise intermitente clássica.
mortalidade nos pacientes portadores de IRA continua alta,
maior que 50% em pacientes críticos. Os dados da literatura não apoiam que nenhum mé-
O início da diálise em pacientes com IRA previne as con- todo, em particular, de terapia de substituição renal, seja
sequências da uremia aguda e pode evitar a morte secun-
superior a outro para pacientes com IRA. A escolha do
dária a complicações da IRA. É possível que o tempo desde
método vai depender da experiência de cada serviço e de
a instalação da IRA até o início da diálise, a modalidade de
aspectos inerentes a cada paciente. Por exemplo, hemodi-
diálise utilizada e a quantidade de diálise ofertada influen-
ciem a morbimortalidade do paciente com IRA. No entan- namicamente muito instáveis provavelmente terão melhor
to, há poucos estudos que avaliaram essas questões e com tolerância a métodos contínuos, que provocam menos ins-
número reduzido de pacientes, de modo que ainda não há tabilidade, que a métodos intermitentes. Da mesma forma,
resposta acerca de quando, como e quanto de diálise ofere- em pacientes com injúria cerebral aguda e insuficiência
cer ao paciente com IRA. hepática fulminante, parece haver melhor preservação da
função cerebral com métodos contínuos.
As indicações, classicamente aceitas, de diálise na IRA são:
- Sobrecarga hídrica refratária;
- Hipercalemia (K >6,5mEq/L) refratária, ou rápido au- 11. Tratamento da doença de base
mento dos níveis de potássio séricos; É muito importante sempre se lembrar de buscar e tra-
- Acidose metabólica refratária (pH <7,1); tar a doença que está causando IRA. Alguns exemplos são:
- Sinais de uremia, como pericardite, neuropatia, ou en- - Correção de distúrbio obstrutivo: a obstrução uriná-
cefalopatia sem outra causa aparente. ria deve ser revertida em caráter de urgência; quanto
61
NEFRO LOG I A
62
CAPÍTULO Complicações graves da IRA
5
e emergências dialíticas
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Natália Corrêa Vieira de Melo
63
NEFRO LOG I A
No caso da IRA, em geral, o bicarbonato de sódio intra- inclui eritropoese deficiente, redução da vida média da he-
venoso pode levar à hipervolemia grave e a edema agudo mácia, hemólise, hemodiluição e sangramento. Até o mo-
de pulmão, por isso se deve ter muita cautela ao utilizá-lo. mento, não há diretrizes que recomendem a eritropoetina
A hipercalemia deve ser tratada com solução polarizan- para tratamento da anemia relacionada à IRA. No entanto,
te (glicose + insulina), inalação com agonistas adrenérgicos, estudos experimentais demonstram benefícios com ela,
diuréticos de alça (se houver resposta com diurese) e resi- não só para a correção da anemia, mas também por seu
nas trocadoras de potássio (Sorcal®). Se houver alteração potencial citoprotetor que parece ser benéfico na recupera-
de ECG compatível com hipercalemia, deverá ser imedia- ção da IRA. In vitro, a eritropoetina estimula a proliferação
tamente administrado gluconato de cálcio, o qual, apesar de células renais, a mitogênese e a angiogênese, e previne
de não reduzir a concentração sérica de potássio, promo- a apoptose. Estudos em ratos com IRA demonstraram que
ve estabilização elétrica de membrana miocárdica e, des- a administração de eritropoetina em altas doses (100u/kg/
se modo, evita o surgimento de arritmias potencialmente dia) resultara em aumento da concentração de hemoglo-
fatais. bina e diminuição da mortalidade, além de potencializar a
Hipercalemia refratária às medidas clínicas deve pronta- recuperação renal. Entretanto, ainda há a necessidade de
mente ser tratada com diálise. estudos clínicos randomizados para avaliar o custo-benefí-
cio do tratamento da anemia da IRA em humanos com eri-
4. Acidose metabólica tropoetina.
Sangramento gastrintestinal é outra complicação poten-
O metabolismo corporal produz cerca de 50 a 100mmoL/ cialmente grave e se deve a ulcerações nas mucosas gástri-
dia de ácidos não voláteis que precisam ser excretados pelos ca e intestinal. Em algumas séries, a hemorragia digestiva
rins. Por isso, é esperada a presença de acidose metabólica é a 2ª causa de óbito de portadores de IRA. Hemorragia
pela não excreção de ácidos produzidos pelo metabolismo digestiva leve ocorre em 10 a 30% dos casos de IRA. Doses
proteico, levando muitas vezes a ânion-gap elevado na IRA. regulares de antiácidos podem reduzir a chance de sangra-
Em algumas situações, a produção de ácidos não voláteis é mento; alguns autores acreditam que são até mais efetivos
mais intensa e, particularmente, mais grave: que bloqueadores H2 ou inibidores da bomba de prótons.
- Cetoacidose de jejum ou diabética; Na presença de hemorragia digestiva, o paciente deve prio-
- Acidose lática, seja por sepse, seja por hipoperfusão ritariamente ser estabilizado (se necessário, hemotrans-
periférica; fusão, reposição de volume, entre outros), medicado com
- Doença hepática coexistente; omeprazol intravenoso e, em seguida, avaliado quanto à
- Intoxicação por metanol ou etilenoglicol. necessidade de início de diálise. Alguns autores recomen-
dam prescrever estrógenos ou desmopressina para trata-
Em geral, pH >7,2 e bicarbonato >15mEq/L não ne- mento do sangramento.
cessitam de tratamento específico. Abaixo disso, deve-se Outras formas de sangramento são possíveis, especial-
prescrever bicarbonato via oral, eventualmente com bi- mente quando há uso de anticoagulantes, e incluem aci-
carbonato intravenoso. Deve-se ter muito cuidado com o dente vascular cerebral hemorrágico, sangramentos em
bicarbonato, pois ele pode precipitar hipervolemia grave e local de punção (como hematoma cervical com obstrução
hipocalcemia. de vias aéreas e hemotórax).
Do ponto de vista prático, a maioria dos pacientes que Complicações cardiovasculares como arritmias, infarto
necessita de prescrição de bicarbonato na IRA necessitará do miocárdio, derrame pericárdico, pericardite, edema agu-
de diálise nos próximos dias. Por isso, pacientes com acido- do de pulmão e embolia pulmonar podem ocorrer, são gra-
se persistente e refratária ao tratamento deverão ser trata- ves e podem levar o paciente a óbito. Poliúria e suas conse-
dos com diálise. quências (desidratação, hipernatremia, hipocalemia, hipo-
magnesemia, hipocalcemia e hipofosfatemia) são possíveis
5. Outras complicações graves da IRA na fase de recuperação da IRA, contribuindo para complica-
ções e para o retardo da recuperação da função renal.
Infecção é uma complicação frequente na IRA, em cerca
de 50 a 90% dos pacientes, e a causa de cerca de 75% dos
óbitos. Não se sabe até que ponto o ambiente urêmico é
6. Princípios da terapia dialítica na IRA
responsável pela alta taxa de infecção, mas certamente ele Durante as últimas décadas, as técnicas dialíticas evo-
tem um papel. Por outro lado, indivíduos com IRA têm suas luíram significativamente, de forma a substituir os rins e
barreiras mucocutâneas amplamente invadidas (sonda ve- prolongar a vida do paciente. A diálise pode restabelecer o
sical, acesso central, ventilação mecânica), o que contribui balanço hídrico, corrigir as alterações eletrolíticas e a acido-
para as altas taxas de infecção. se, remover as chamadas “toxinas urêmicas” e melhorar o
A presença de anemia pode tornar necessária a hemo- equilíbrio nutricional do indivíduo.
transfusão, especialmente quando a IRA é grave e de recu- Existem 2 maneiras, com peculiaridades próprias, de
peração lenta. A causa da anemia na IRA é multifatorial e oferecer diálise a um paciente:
64
COMPLICAÇÕES GRAVES DA IRA E EMERGÊNCIAS DIALÍTICAS
NEFROLOGIA
min) e de dialisato, sendo utilizado o mesmo filtro da hemo-
como álcali o lactato, na cavidade peritoneal, em volume, diálise, porém em máquinas diferentes, capazes de realizar
no adulto, de 1.500 a 2.500mL. Ao longo de um período de
hemodiálise contínua. Além da hemolenta, as diálises con-
tempo variável (30 minutos a 2 horas), atinge-se um esta-
tínuas incluem outras modalidades, são elas: hemofiltração
do de equilíbrio, em que a hipertonicidade da glicose reti-
venovenosa contínua e hemodiafiltração venovenosa con-
ra para a cavidade peritoneal água e solutos de baixo peso
tínua.
molecular, como ureia e eletrólitos. A seguir, esse volume
é drenado, e uma nova troca é efetuada. O procedimento A hemofiltração é um procedimento que requer utiliza-
pode ser realizado manualmente ou através de máquinas ção de um filtro com membrana de alta permeabilidade,
cicladoras que já fazem o aquecimento do líquido e forne- que permita alto clearance convectivo. A hemodiafiltração
cem o balanço (entrada-saída) automaticamente. O proces- alia o clearance difusional (da hemodiálise) ao clearance
so de retirada de líquido chama-se ultrafiltração. Com essa convectivo (da hemofiltração), fato que tem especial impor-
técnica, podem-se ultrafiltrar até 500mL por hora com uti- tância em pacientes intensamente catabólicos.
lização de solução de glicose a 4,25%, e pode-se obter um A Tabela 1 sumariza as diferenças entre a hemodiálise
clearance de ureia em 24 horas comparável ao obtido com intermitente e a contínua.
4 horas de HD. A Diálise Peritoneal (DP) com cateter rígi-
do, atualmente praticada quase exclusivamente em países Tabela 1 - Diferenças da hemodiálise intermitente x contínua
subdesenvolvidos, ainda é muito utilizada no Brasil, prin- Tipo de
Vantagens Desvantagens
cipalmente em locais que não dispõem de procedimentos diálise
hemodialíticos. O uso dos cateteres peritoneais de longa - Apresenta menor risco
- É mais suscetível à insta-
duração protegidos com cuff (cateter de Tenckhoff) e a uti- de sangramento e me-
bilidade hemodinâmica;
lização de circuitos fechados diminuem as taxas de infecção nor custo;
peritoneal. - Reduz potássio mais ra- - O rendimento da diálise
As vantagens da DP são a facilidade de manejo, o baixo pidamente; pode ser menor;
custo, a ausência de necessidade de anticoagulação e a pos- - O controle de volume
Diálise
sibilidade de ser realizada em indivíduos com instabilidade pode ser inadequado;
intermi-
hemodinâmica, sem agravá-la. É um método potencialmen- tente - O suporte nutricional
- O paciente fica menos
te eficaz em crianças, que têm pequena superfície corpó- pode ser inadequado;
tempo na diálise, per-
rea. As desvantagens são o risco de infecções (bem maior mitindo realizar exames Não deve ser indicado
-
que na hemodiálise), a possibilidade de perfuração de alças diagnósticos e terapias. a doente com hiper-
durante a passagem do cateter de DP (rara) e o fato de que tensão intracraniana ou
o clearance obtido com a DP pode ser insuficiente para con- instabilidade hemodi-
trabalancear o estado hipercatabólico de pacientes graves. nâmica.
- Menor chance de altera-
- Maior custo;
B - Hemodiálise ções hemodinâmicas;
- Menor chance de arrit- - Maior chance de proble-
- Por meio de acesso intravascular mias; mas no acesso vascular;
Esta é realizada por meio de um filtro que contém uma - Melhor suporte nutri- - Maior risco de sangra-
membrana semipermeável artificial, pela qual circula o san- Diálise
cional; mento;
gue (hemodiálise). Obviamente, requer um acesso vascular contínua
- Melhor controle de vo- - Longo tempo de imobili-
que permita um fluxo de sangue de 100 a 400mL/min, pre- lume; zação do doente;
ferencialmente na veia jugular (Tabela 1).
- Maior chance de proble-
A hemodiálise clássica (HDC) é um método intermitente - Melhor controle meta-
mas com o filtro (obs-
e realizado cerca de 3 a 4 vezes por semana, com sessões bólico.
trução, ruptura).
que duram de 3 a 4 horas. Ela consegue retirar grandes
quantidades de líquido em um prazo de tempo curto. Por Recentemente, especialmente em terapia intensiva,
isso, podem ocorrer distúrbios hidroeletrolíticos, arritmias tem-se usado muito uma terapia híbrida (entre a hemodi-
graves, hipotensão (devido ao alto fluxo de sangue) e san- álise intermitente clássica e a contínua), a hemodiálise es-
gramentos (há necessidade de anticoagulação). A HDC pode tendida ou diálise intensiva diária ou SLED (Sustained Low-
agravar a hemodinâmica de pacientes instáveis. Efficiency Dialysis). Nesse caso, a diálise é feita diariamen-
Existem terapias dialíticas contínuas que permitem a in- te por um período de 6 a 12 horas, utilizando a máquina
divíduos com IRA e instabilidade hemodinâmica serem dia- de diálise convencional, só que com fluxo de sangue mais
65
NEFRO LOG I A
baixo (entre 100 e 200mL/min). A utilização das mesmas de creatinina e da magnitude de redução do débito uriná-
máquinas da hemodiálise intermitente clássica reduz os rio, além da presença de comorbidades agravantes, do que
custos em relação às terapias contínuas, e a utilização de de níveis absolutos de ureia ou creatinina.
fluxos mais baixos provoca menos instabilidade hemodinâ-
mica que a hemodiálise intermitente clássica, o que torna a 8. Escolha da técnica de diálise
utilização dessa modalidade de terapia dialítica atraente a
pacientes críticos. A escolha da técnica de diálise a ser empregada depen-
derá de uma série de fatores:
7. Indicação de diálise na IRA a) Disponibilidade local e experiência do hospital.
Há 2 aspectos na indicação de diálise na IRA: b) Situação de emergência
a) Há uma clara emergência Por exemplo, na hipercalemia grave ou no edema agudo
Há pouca dúvida em relação à indicação de diálise nessa de pulmão, prefere-se a HDC por tratar-se de um procedi-
situação. O benefício é claro, e o paciente é beneficiado. As mento com alta eficiência em curto espaço de tempo.
principais indicações de diálise a pacientes de terapia inten- c) Possibilidade do uso de anticoagulantes
siva com IRA estão resumidas na Tabela 2. A utilização de anticoagulantes é necessária na hemodi-
As principais emergências dialíticas são: álise, mas não na DP.
- Hipercalemia: grave (K >6,5mEq/L) e refratária ao tra- d) Estado catabólico e necessidade nutricional do doente
tamento conservador;
Indivíduos hipercatabólicos necessitam de diálise com
- Acidose metabólica: grave (pH <7,1) e refratária ao alta capacidade de filtração, mais agressiva para retirada
tratamento conservador; de solutos, como a hemodiálise clássica. Sendo que, de-
pendendo também do peso, podem ser necessárias 4 a 5
- Sinais e sintomas significativos atribuídos à encefa- sessões de hemodiálise por semana ou até mesmo sessões
lopatia, miopatia ou neuropatia urêmicas: confusão, diárias.
agitação, mioclonias, convulsões, asterix, encefalopa-
tia, vômitos intensos; e) Instabilidade hemodinâmica
Preferem-se as chamadas hemodiálises contínuas (he-
- Pericardite urêmica: ocorre mais frequentemente em modiálise lenta). Se não for disponível e não se tratando de
portadores de IRC em programa dialítico. Manifesta-se pós-operatório abdominal, pode-se indicar a DP.
por dor torácica, muitas vezes ventilatório-dependen-
te. Pode-se auscultar atrito pericárdico. O ECG pode f) Sepse
mostrar alterações difusas do segmento ST, e o diag- Alguns autores recomendam procedimentos dialíticos
nóstico é confirmado pelo ecocardiograma. Pericardite contínuos, em especial a hemofiltração, baseados na pre-
ou derrame pericárdico na IRA é uma indicação de di- missa de que, através do clearance convectivo, a hemofil-
álise imediata; tração poderia depurar mediadores inflamatórios presen-
tes nas sepses (citocinas, fatores de ativação plaquetária,
- Hipervolemia: refratária ao tratamento conservador. leucotrienos, prostaglandinas). No entanto, há grande con-
Tabela 2 - Indicações de início imediato de diálise em pacientes trovérsia, já que outros autores não conseguiram reprodu-
críticos zir resultados positivos com essa técnica.
- Sobrecarga hídrica refratária ao tratamento;
- Hipercalemia com K >6,5mEq/L, refratária ao tratamento; 9. Resumo
- Acidose metabólica grave (pH <7,1), refratária ao tratamento; Quadro-resumo
- IRA causada por toxinas ou drogas dialisáveis; - A IRA está associada a risco de sangramentos, infecções e ou-
- Encefalopatia atribuída à uremia; tras complicações, por isso não se deve atrasar o tratamento
dialítico quando indicado;
- Miopatia ou neuropatia atribuída à uremia;
- A hipercalemia deve ser tratada inicialmente com solução po-
- Pericardite atribuída à uremia.
larizante, inalação com adrenérgicos, diuréticos de alça (se
b) Não há uma clara emergência houver resposta com diurese) e resinas trocadoras de potássio.
Caso haja alteração eletrocardiográfica ao ECG, deve ser ime-
Mesmo quando não há uma emergência clara, a diálise diatamente iniciado gluconato de cálcio;
pode ser útil na evolução do paciente. Como dito, a indica- - As indicações de diálise de emergência incluem hipercalemia
ção de hemodiálise na IRA em pacientes críticos deve ser grave refratária ao tratamento conservador; acidose metabó-
feita o mais precocemente possível, de modo a reduzir a lica grave refratária ao tratamento conservador; encefalopatia
alta morbimortalidade dessa patologia. A indicação de diá- urêmica; pericardite urêmica; hipervolemia refratária ao tra-
tamento conservador;
lise vai depender mais da velocidade de aumento dos níveis
66
COMPLICAÇÕES GRAVES DA IRA E EMERGÊNCIAS DIALÍTICAS
NEFROLOGIA
- Existem 2 maneiras, com peculiaridades próprias, de oferecer
diálise a um paciente: a DP e a hemodiálise;
- As vantagens da DP são a facilidade de manejo, o baixo custo,
a ausência de necessidade de anticoagulação e a possibilidade
de ser realizada em indivíduos com instabilidade hemodinâmi-
ca, sem agravá-la. A principal desvantagem é o risco aumenta-
do de infecção;
- A hemodiálise é realizada através de um filtro que contém uma
membrana semipermeável artificial, pela qual circula o sangue;
- A hemodiálise pode ser clássica e tem a vantagem de retirar
grandes quantidades de líquido em um prazo de tempo curto,
porém pode agravar a hemodinâmica de pacientes instáveis;
- As terapias dialíticas contínuas permitem a indivíduos com IRA
e instabilidade hemodinâmica serem dialisados, sem agrava-
mento da instabilidade;
- A escolha da técnica de diálise dependerá da disponibilidade
e experiência do hospital; da necessidade ou não da retirada
rápida de líquidos; da possibilidade do uso de anticoagulantes;
do estado catabólico e da necessidade nutricional do paciente;
da presença de instabilidade hemodinâmica etc.
67
NEFRO LO G IA
6
terapia de substituição renal
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Natália Corrêa Vieira de Melo
68
DOENÇA RENAL CRÔNICA E TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL
NEFROLOGIA
- Hipertensão arterial mal controlada;
- Proteinúria: proteinúria maciça está associada a uma
- Hiperglicemia; maior velocidade de progressão da doença renal crôni-
- Proteinúria; ca. Adicionalmente, a redução da proteinúria pela die-
- Doença cardiovascular; ta ou pelo uso de Inibidores da Enzima Conversora de
- Dislipidemia; Angiotensina (IECA) ou de antagonistas do receptor de
- Nefrotoxinas: angiotensina II (ARA-II) acarreta uma redução na taxa
· AINEs; de progressão da DRC. O grau de redução da taxa de
· Contraste iodado. progressão da DRC é, frequentemente, proporcional à
- Insuficiência renal aguda; redução da proteinúria obtida com essas ações;
- Síndrome metabólica; - Albuminúria, doença renal crônica e doença cardio-
- Obesidade; vascular: a presença de albuminúria é um fator de
risco independente para doença cardiovascular na po-
- Hiperuricemia;
pulação geral. Disfunção endotelial e vascular difusa
- Alcoolismo;
parece ser a via em comum entre a presença de albu-
- Baixo nível socioeconômico. minúria e o desenvolvimento e agravamento da DRC e
da doença cardiovascular. A doença renal crônica tam-
A - Fatores de progressão bém é um fator de risco independente para doença
Uma vez estabelecida a doença renal crônica, a progres- cardiovascular. Por outro lado, doença cardiovascular é
são da mesma é influenciada por uma série de fatores mo- um fator de risco para o desenvolvimento de DRC. Essa
dificáveis e não modificáveis. correlação entre a DRC e a doença cardiovascular pode
ser parcialmente explicada pelo fato destas doenças te-
a) Fatores de risco não modificáveis
rem vários fatores de risco em comum, incluindo obe-
- Idade: a velocidade de progressão da DRC é influen- sidade, síndrome metabólica, hipertensão, diabetes
ciada pela idade, quanto mais idoso o indivíduo, mais mellitus, dislipidemia e tabagismo. Adicionalmente, a
rápida parece ser a progressão da doença renal. O doença cardiovascular pode ter efeitos hemodinâmi-
aumento da taxa de progressão da doença renal está, cos diretos nos rins que podem promover o início e a
provavelmente, a associada à aterosclerose e doença progressão da doença renal crônica;
cardiovascular, mais frequente nos idosos;
- Sistema renina-angiotensina: está envolvido na pa-
- Gênero: DRC por todas as causas ocorre mais frequen- togênese da hipertensão arterial, proteinúria/albu-
temente e progride mais rápido em homens que em minúria, doença cardiovascular e fibrose renal e en-
mulheres; contra-se hiperativado na DRC. Consequentemente,
- Raça: a progressão da doença renal é mais acelerada intervenções terapêuticas que objetivem a inibição do
em negros do que em brancos; sistema-renina angiotensina têm se mostrado bastan-
- Genético: diversos genes têm sido relacionados com te efetivas na redução da taxa de progressão da doen-
aumento da taxa de progressão da DRC; ça renal crônica;
- Perda de massa renal: a perda de massa renal também - Glicemia: o controle adequado da glicemia pode re-
é um fator acelerador da progressão da doença renal tardar a progressão de complicações microvasculares
crônica, por sobrecarga dos néfrons remanescentes. no diabetes mellitus, incluindo a nefropatia diabética;
b) Fatores de risco modificáveis - Obesidade: obesidade, frequentemente associada à
Incluem HAS, proteinúria e fatores metabólicos. síndrome metabólica, está relacionada ao início e à
Adicionalmente, tem se discutido o papel contributivo do progressão da doença renal crônica;
tabagismo e do alcoolismo no desenvolvimento da DRC. Os - Dislipidemia: dislipidemia pode contribuir para glome-
fatores de risco modificáveis estão descritos a seguir: ruloesclerose e fibrose tubulointersticial, com conse-
- HAS: é uma importante causa, consequência e fator de quente aumento da velocidade de progressão da DRC;
progressão da doença renal crônica. É uma das princi- - Tabagismo: aumenta o risco de surgimento de albumi-
pais causas de DRC no mundo, sendo a 2ª causa de DRC núria e de progressão da DRC, através de ativação do
nos Estados Unidos. No Brasil, é principal causa de do- sistema nervoso simpático, da hipertensão, da lesão
ença renal crônica em estágio terminal, de acordo com endotelial e, possivelmente, também por tubulotoxi-
o censo 2010 da Sociedade Brasileira de Nefrologia. A cidade direta;
69
NEFRO LOG I A
B - Mecanismos de progressão
O rim responde à lesão com mudanças adaptativas, as
quais levam ao remodelamento, que pode resultar tanto
em reparação do dano e cura quanto em fibrose e perda
de função renal, com DRC progressiva. A cura é caracteriza-
da por recuperação da estrutura e da função renal e ocorre
primariamente na insuficiência renal aguda, na qual os tú-
bulos agudamente lesados se recuperam do insulto inicial e
substituem as células tubulares perdidas de modo a recons-
tituir a integridade tubular e restaurar a função renal.
Por outro lado, a maior parte das formas de lesão renal,
como a induzida por HAS, diabetes e glomerulonefrite crô-
nica, evolui com fibrose progressiva, perda de função renal
e DRC. Devido à perda de néfrons secundária ao dano renal
crônico, os néfrons remanescentes são sobrecarregados e
hiperfiltram na tentativa de compensar os néfrons perdidos
e preservar a função renal. No entanto, essa sobrecarga Figura 1 - Aspecto histológico de (A) glomérulos e (B) tubulointerstí-
dos néfrons leva à lesão renal progressiva. A progressão da cio normais e (C) glomeruloesclerose associada à (D) fibrose intersti-
DRC está associada a mudanças estruturais renais caracte- cial difusa, dilatação e atrofia tubular na doença renal crônica
rizadas por fibrose tubulointersticial, glomeruloesclerose e
esclerose vascular. Embora a lesão predomine em um dos 4. Estágios
compartimentos renais inicialmente (glomerular, tubular,
A classificação da DRC está na descrita na Tabela 3.
intersticial ou vascular), com a progressão da doença renal
crônica, a fibrose, habitualmente, afeta todos os compo- Tabela 3 - Estágios da doença renal crônica
nentes estruturais renais (Figura 1).
Estágio Característica Clearance*
90, com
0 Risco de lesão renal crônica. fatores de
risco**
Lesão renal estabelecida, mas com taxa
1 ≥90
de filtração normal ou aumentada.
Lesão renal estabelecida, com discreta
2 60 a 89
perda de função renal.
Lesão renal estabelecida, com moderada
3 30 a 59
perda de função renal.
Lesão renal estabelecida, com acentua-
4 15 a 29
da perda de função renal.
Rim crônico, com mínima ou nenhuma <15 ou em
5
função residual. diálise
* Clearance de creatinina em mL/min para 1,73m² de superfície
corpórea.
** Descritos no texto.
NEFROLOGIA
- Episódio prévio de insuficiência renal aguda. tersticial
urinárias de repetição, exposição crônica a
drogas, medicamentos ou metais pesados.
b) Facilita a classificação dos pacientes e a comunica-
ção entre médicos. Outras vezes, a doença de base tem um claro compo-
nente familiar, sugerindo uma doença genética (Tabela 5).
c) Permite uma abordagem sistemática na terapêutica.
Tabela 5 - Doenças genéticas associadas à DRC
Pacientes no estágio 1 apresentam clearance de creati-
nina normal ou aumentado, mas há lesão renal estabeleci- Doença ou
Características
síndrome
da. Essa evidência inclui proteinúria (mesmo que discreta),
alterações de sedimento urinário ou evidência de anormali- Autossômica dominante, prevalência de 1:300 a
1:1.000, caracteriza-se por formação progressiva
dade urológica diagnosticado por exames complementares
Doença dos de cistos renais corticais e medulares. Leva à DRC
(por exemplo, ultrassonografia, tomografia, urografia e res- rins policís- após os 20 anos. Pode associar-se a cistos hepáti-
sonância). Importante: indivíduos no estágio 1 já têm perda ticos cos (50 a 70% dos casos), divertículos em cólon e
de néfrons. aneurismas do sistema nervoso central (5 a 10%
Os estágios seguintes mostram uma classificação base- dos casos).
ada na progressiva queda da taxa de filtração glomerular, Padrão de herança ligado ao cromossomo X, cur-
em última instância, o paciente necessitando de diálise ou sa com surdez neurossensorial e alteração ocu-
tendo um clearance de creatinina <15mL/min (estágio 5). Síndrome de lar.
A albuminúria cada vez mais faz parte da monitorização Alport Pode causar hematúria assintomática ou evoluir
de pacientes de risco para lesão renal. Há 3 maneiras de para formas mais graves de nefrite, podendo le-
var à DRC e diálise.
medir a albuminúria:
- Por meio de fitas reagentes semiquantitativas; Herança autossômica dominante, cursa com rins
Doença císti- diminuídos de tamanho, cistos medulares, nefro-
- Dosagem direta na urina de 24 horas; ca medular patia perdedora de sal, poliúria e DRC após os 20
- Dosagem da relação albumina/creatinina na 1ª urina anos.
da manhã. Semelhante à doença cística medular, cursa com
rins diminuídos de tamanho, cistos medulares,
A albuminúria persistente é um marcador importante
nefropatia perdedora de sal e poliúria.
e precoce de lesão renal, independente do clearance de Nefronoftise
Entretanto, há 2 diferenças básicas:
creatinina, e é útil no seguimento e acompanhamento de - 1ª a DRC surge antes dos 20 anos;
indivíduos diabéticos, hipertensos ou com glomerulopatia - 2ª padrão de herança autossômica recessiva.
conhecida. O uso da microalbuminúria, particularmente em Herança autossômica dominante (pode ser espo-
pacientes diabéticos, é um importante método de detecção Rim esponjo-
rádico) cursa com dilatação de ductos coletores,
so medular
de lesão renal precoce. hematúria e nefrocalcinose.
71
NEFRO LOG I A
72
DOENÇA RENAL CRÔNICA E TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL
NEFROLOGIA
tribui para a hipertrofia e hiperplasia das células da bre em fósforo e quelantes orais de fosfato. O agente
paratireoide; de escolha é o carbonato ou o acetato de cálcio, for-
- Hipocalcemia, devido à redução da absorção intestinal necido durante as refeições para quelar o fósforo. A
do íon. meta é deixar o fósforo sérico próximo de 4,5mg/dL
(com cálcio próximo de 10mg/dL). Um novo quelante
Em resumo, o resultado de hipocalcemia, hiperfos- (não iônico, sem cálcio) vem sendo usado com resul-
fatemia, diminuição de calcitriol e altos níveis de PTH é o tados positivos, o sevelâmer (Renagel®), um polímero
denominado hiperparatireoidismo secundário. não absorvido que tem a vantagem de não aumentar
O aumento excessivo das células da paratireoide pode o produto cálcio-fósforo (como pode ocorrer com o
assumir uma das seguintes formas: uso de quelantes contendo cálcio), o que pode reduzir
- Hiperplasia difusa policlonal; a deposição de cálcio nos vasos. Seu uso é reservado
- Crescimento nodular (monoclonal) em meio à hiper- para pacientes com produto cálcio x fósforo alto (>55),
plasia difusa; pois é um medicamento de alto custo. O hidróxido de
- Hiperplasia difusa monoclonal (adenoma ou hiperpa- alumínio forma com o fósforo precipitados insolúveis e
ratireoidismo terciário). não absorvíveis de fosfato de alumínio, mas, devido ao
potencial efeito deletério do hidróxido de alumínio em
A hiperplasia difusa monoclonal é a forma mais comum ossos, ele não deve ser utilizado;
em portadores de hiperparatireoidismo secundário de - Calcitriol: é indicado para portadores de doença re-
longa data que se submetem a transplante renal. Após o nal crônica que possuam aumento dos níveis de PTH
transplante, em vez de normalizar a produção de PTH, as (devido ao hiperparatireoidismo secundário). Deve ser
paratireoides continuam a produzir o hormônio de forma usado diariamente, via oral, ou 3 vezes por semana
autônoma e excessiva, podendo levar à hipercalcemia com via intravenosa durante a diálise. A dose inicial é de
necessidade de paratireoidectomia. Tais pacientes apresen- 0,25mcg/dia VO ou 1mcg 3x/semana via IV. O calcitriol
tam o que é denominado de hiperparatireoidismo terciário. ajuda a suprimir a paratireoide e a aumentar o cálcio
Devido ao hiperparatireoidismo, podem ocorrer diver- sérico;
sas alterações no metabolismo ósseo: - Cálcio: é indicado na hipocalcemia. Deve ser fornecido
- Estimulação de osteoblastos com aumento do turno- via oral, entre as refeições, para repor o cálcio. É im-
ver ósseo pelo PTH; portante manter o cálcio sérico em níveis normais ou
- Irregularidade da síntese óssea com fibrose e forma- próximos do normal;
ção de cistos, denominada osteíte fibrosa cística; - Bicarbonato de sódio: deve ser prescrito conforme
- Por fim, afilamento da camada óssea cortical, tornan- descrição. Combate a acidose metabólica e tem efeito
do o osso mais suscetível à fratura. protetor para o osso.
73
NEFRO LOG I A
Alternativamente, a mesma dose pode ser aplicada por devem ser fornecidos na sua deficiência. Por outro
via subcutânea ou 0,3mcg/kg intranasal. Outras opções in- lado, o excesso deve ser evitado, visto que isso pode
cluem diálise e uso de estrógenos. contribuir para hemossiderose e aceleração da ateros-
b) Anemia de doença crônica clerose.
Anemia normocítica e normocrômica pode estar asso- É necessário manter a saturação de transferrina em pelo
ciada à redução do clearance de creatinina. A anemia co- menos 20% e os níveis de ferritina em pelo menos 100ng/
meça a ser vista na DRC a partir do estágio 3 (clearance de mL em pacientes não dialíticos e 200ng/mL em pacientes
30mL/min a 59mL/min) e é quase universal nos estágios 4 e dialíticos. Todos os pacientes necessitam manter níveis de
5 (clearance <30mL/min). transferrina que suportem a eritropoese estimulada pela
A causa principal é a redução da produção de eritropoe- eritropoetina.
tina pelo epitélio tubular renal. Outros fatores contribuintes - Outros fatores hematológicos devem sempre ser lem-
são: brados, especialmente em pacientes com anemia re-
- Deficiência de ferro (muito comum, geralmente asso- sistente à eritropoetina. Entre eles, o ácido fólico e a
ciada a perdas pelo TGI); vitamina B12.
- Deficiência de folato (incomum);
- Resposta inflamatória sistêmica (anemia de doença Pacientes que são resistentes à eritropoetina e não têm
crônica). deficiência comprovada de ferro, B12 ou folato, podem
apresentar 1 das seguintes alterações:
A anemia deve ser tratada, pois está associada a uma sé- - Necessidade de diálise, ou ela não está tendo eficácia
rie de fatores que podem contribuir para pior qualidade de plena;
vida e aumento do risco cardiovascular (aumento do débito - Hiperparatireoidismo secundário grave;
cardíaco, hipertrofia do miocárdio, insuficiência cardíaca,
angina, dificuldade em concentração).
- Toxicidade medular por medicamentos, como alumínio;
O tratamento da anemia da DRC inclui (Tabela 6): - Presença de hemoglobinopatia associada;
- Eritropoetina: constituiu um grande avanço no mane- - Hemodiálise;
jo da DRC a disponibilidade da eritropoetina humana - Perdas crônicas de sangue, mais frequentemente pelo TGI;
recombinante ou alfa-epoetina. Mais recentemente, - Desnutrição;
um análogo da eritropoetina humana, denominado al- - Infecção crônica;
fa-darbepoetina, uma forma do hormônio com maior - Câncer ainda não diagnosticado (por exemplo, mielo-
atividade biológica e meia-vida mais prolongada, pode ma múltiplo).
ser usado em intervalos mais longos, tanto em pacien-
tes não dialíticos quanto naqueles em diálise. É segura Tabela 6 - Diretrizes para o tratamento de anemia na DRC
e efetiva em aumentar o hematócrito e diminuir a ne- Eritropoetina (alfa-epoetina)
cessidade transfusional. A dosagem da eritropoetina - Dose de 50U/kg a 150U/kg de peso/semana, via IV ou SC (divi-
deve ser individualizada. As doses iniciais em pacien- dido em 1 a 3 x/semana);
tes com DRC são de 50 a 100U/kg administradas de 1
- A meta é deixar a hemoglobina entre 11 e 12g/dL;
a 3x/semana por via SC. Em pacientes em uso de zido-
- Aumento previsto de 1 a 2g/dL em 4 semanas.
vudina, a dose inicial é de 100U/kg, 3x/semana. Já em
pacientes com câncer em quimioterapia, a dose inicial Alfa-darbepoetina
recomendada é de 150U/kg, 3x/semana. O objetivo - Dose semanal: 0,45g/kg de peso, IV ou SC;
em todos os casos é manter hematócrito entre 33 e - Dose a cada 2 semanas: 0,75g/kg de peso, IV ou SC;
36% ou Hb de 11 a 12g/dL, não existindo benefício adi- - A meta é deixar a hemoglobina entre 11 e 12g/dL;
cional com níveis maiores que esse. Estudos em que se - Aumento previsto de 1 a 2g/dL em 4 semanas.
mantiveram níveis maiores de hemoglobina demons-
Ferro
traram aumento do risco cardiovascular. O hemató-
- Monitorizar a saturação de transferrina e os estoques corporais
crito deve ser monitorizado 2 vezes por semana até a
(ferritina);
estabilização no hematócrito alvo. Após esse objetivo
ser atingido, mantém-se a monitorização de 2 vezes - Repor ferro se saturação de transferrina <20% ou ferritina
<100ng/mL;
por semana, por cerca de 6 semanas. Posteriormente,
o hematócrito deve ser monitorizado regularmente; - Suspender reposição de ferro se saturação de transferrina
>50% ou ferritina > 800ng/mL.
- Perfil de ferro: o estoque corporal de ferro deve ser
Outros
mantido adequado, por isso, ao início do tratamento
com eritropoetina, bem como periodicamente, deve - Dosar os níveis séricos de folato e/ou vitamina B12, se suspeita
clínica de deficiência e/ou não resposta à eritropoetina e ferro.
ser avaliado o perfil de ferro. Suplementos de ferro
74
DOENÇA RENAL CRÔNICA E TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL
A Tabela a seguir mostra a associação do uso da eritro- doença renal crônica (ligada ou não ao DM), inclusive
poetina aos níveis hematopoéticos. em pacientes com DRC estágio 4 (clearance de 15 a
29mL/min), conforme visto em recentes publicações.
Tabela 7 - Dose de eritropoetina e variação do hematócrito
Os anti-hipertensivos de escolha inicial para o tratamen-
NEFROLOGIA
Dose inicial Aumento do hematócrito
3x/semana IV Pontos/dia Pontos/2 semanas to de HAS em portadores de DRC são os inibidores da ECA
50U/kg 0,11 1,5
ou os antagonistas do receptor de angiotensina II, pois além
de controlarem a PA, esses agentes têm efeito protetor re-
100U/kg 0,18 2,5
nal e cardiovascular, e reduzem a velocidade de progressão
150U/kg 0,25 3,5 da doença renal crônica.
Dois potenciais efeitos adversos dos inibidores da ECA
D - Alterações cardiovasculares e dos antagonistas do receptor de angiotensina II são uma
As causas cardiovasculares constituem a principal causa redução inicial do ritmo de filtração glomerular e o desen-
de morte em indivíduos com DRC, em todos os estágios, volvimento de hipercalemia. A redução inicial do ritmo de
com um risco estimado de 10 a 200 vezes maior que o da filtração é secundária à redução da pressão capilar glome-
população geral. Por outro lado, entre os pacientes em di- rular causada por essas medicações. Uma elevação de até
álise, cerca de 30 a 45% têm doença cardiovascular mani- 30 a 35% da creatinina em relação à linha de base, que se
festa. estabilize nos primeiros 2 a 4 meses de tratamento é con-
As manifestações incluem: siderada aceitável e não é motivo para suspensão desses
a) Doença vascular isquêmica medicamentos. A hipercalemia ocorre com mais frequên-
cia em pacientes com potássio elevado ou no limite supe-
Pode manifestar-se como insuficiência coronariana, aci- rior da normalidade antes do início da terapia. Deve-se ter
dente vascular cerebral ou insuficiência vascular periférica.
especial atenção ao desenvolvimento de hipercalemia no
Vários fatores contribuem, denominados fatores de risco
início da terapia com essas medicações, já que ela pode
clássicos ou tradicionais (hipertensão, dislipidemia, hipe-
ser acentuada pela redução inicial do ritmo de filtração
ratividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona e
glomerular.
adrenérgico, hiper-homocisteinemia e obesidade) e os fa-
tores ditos relacionados à DRC ou não tradicionais (anemia, c) Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE)
hiperfosfatemia, deposição de cálcio nos vasos, hiperpara- Costuma associar-se à hipertensão e tem múltiplas cau-
tireoidismo e estado inflamatório sistêmico). sas, como o excesso de angiotensina II, aldosterona, cate-
b) Hipertensão arterial sistêmica colaminas, endotelina, a própria hipertensão, anemia, ate-
rosclerose acelerada. A presença de HVE é um marcador de
Tanto é causa como consequência da DRC e constitui um
fator perpetuador da lesão renal, devendo ser rigorosamen- risco para infarto, AVC e evolução para ICC.
te controlada (Tabela 8). Inúmeros estudos têm mostrado o d) Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC)
efeito deletério da pressão no néfron, especialmente no né- Tanto pode ser sistólica (fração de ejeção diminuí-
fron já lesado. Muitas vezes, a terapêutica anti-hipertensiva da) quanto diastólica (hipertrofia e dificuldade para o
precisa ser ajustada no início do tratamento com eritropoe- relaxamento de VE). Junto ao ambiente urêmico e à hi-
tina (que pode agravar a hipertensão), devendo-se aumen- pervolemia, tornam o indivíduo com DRC especialmente
tar ou associar anti-hipertensivos. As metas para o uso de predisposto a edema pulmonar. No paciente urêmico,
anti-hipertensivos são:
para um mesmo nível de pressão diastólica final de VE, há
- Baixar a pressão arterial propriamente dita: a PA deve mais edema pulmonar que em um paciente sem uremia.
sempre ficar menor que 130x80mmHg. O médico não
Radiologicamente, pode-se encontrar o clássico achado
pode ser tolerante com valores acima desse limite. Em
de “asa de borboleta” (infiltrados peri-hilares). O trata-
pacientes com proteinúria maior que 1g/dL nas 24 ho-
mento compreende diálise.
ras, manter PA <125x75mmHg;
- Reduzir o risco cardiovascular (proteção de vasos): Tabela 8 - Diretrizes para o manejo da HAS no portador de DRC
em adição a baixar a PA, algumas medicações, como - Reduzir a ingestão de gorduras saturadas e de
os inibidores da ECA, apresentam efeito protetor car- colesterol;
Dieta
diovascular;
- Dieta hipossódica.
- Diminuir a progressão da doença renal: diabéticos, - Estimular atividade física e exercícios;
portadores de ICC e pacientes com relação albumina/
creatinina ≥200mg/g se beneficiam dos IECAs (ou dos - Desaconselhar tabagismo e uso de bebidas al-
Estilo de vida coólicas;
antagonistas da angiotensina II) em termos de nefro-
proteção, independente do efeito pressórico. Os IECAs - Estimular redução de peso, se sobrepeso ou
são as melhores drogas para diminuir a progressão da obeso.
75
NEFRO LOG I A
76
DOENÇA RENAL CRÔNICA E TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL
6. Exames de imagem uma avaliação funcional (com DTPA) para detectar possíveis
repercussões funcionais de estenoses vasculares e/ou obs-
Um grande número de exames radiológicos pode ser útil truções do trato urinário.
na avaliação de um paciente com DRC. São especialmente
importantes para analisar a presença de obstrução do trato
7. Terapia de substituição renal
NEFROLOGIA
urinário, cálculos renais, cistos ou massas renais, patência
de artérias e veias renais com análise de fluxo sanguíneo, A terapia de substituição renal é utilizada para substi-
presença de refluxo vesicoureteral ou bexiga neurogênica. tuir a função renal, não para tratar o rim não funcionante.
Os exames mais comumente utilizados são ultrassono- Existem 3 modalidades de terapia de substituição renal,
grafia, tomografia computadorizada, ressonância nuclear que serão discutidas a seguir, são elas: hemodiálise, diálise
magnética e cintilografia. peritoneal e transplante renal.
Devido à segurança e facilidade, somadas à quantidade Infelizmente, a evolução para doença renal em estágio
de informações que podem ser obtidas, a ultrassonografia terminal com necessidade de terapia substitutiva renal é
de rins e vias urinárias é o exame de escolha inicial. Tem boa frequente, independente da causa de DRC. A maioria dos
sensibilidade e especificidade em diagnosticar obstrução portadores de doença renal crônica em estágio 4 irá evoluir,
do trato urinário. Através dela, podem-se ainda analisar a nos próximos meses a poucos anos, para estágio 5 e neces-
ecogenicidade do parênquima renal, a espessura do córtex sitar de uma modalidade de terapia de substituição renal
e a relação corticomedular. para manutenção de sua saúde.
A presença de aumento da ecogenicidade, redução da O ideal seria que os pacientes fossem acompanhados
espessura cortical e do tamanho renal e perda da relação e, antes do surgimento dos sintomas iniciais de uremia, fos-
corticomedular são compatíveis com nefropatia paren- se iniciada a terapia renal substitutiva. Isso incluiria todo
quimatosa crônica. A presença de múltiplos cistos renais o preparo psicológico, entendimento da doença, estrutu-
bilaterais aponta para o diagnóstico de doença renal po- ração da família e do emprego, enfim, uma série de pro-
licística autossômica dominante, o que é um diagnóstico vidências importantes que podem facilitar o manuseio do
importante, pois pode estar associada a cistos hepáticos e paciente. Infelizmente, em especial no Brasil, os pacientes,
aneurismas cerebrais, além de acometer outros membros frequentemente, já chegam ao pronto-socorro com risco
da família. iminente de morte e com emergência dialítica. O momen-
Alguns portadores de DRC podem ter rins de tamanho to ideal para o início de diálise na DRC ainda é um assunto
normal ou mesmo aumentados, como na DRC secundária controverso. O ideal é que a diálise seja iniciada antes dos
a mieloma múltiplo, amiloidose ou diabetes. A análise da sintomas urêmicos. Nos diabéticos, a diálise precoce pode
velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias renais através diminuir a progressão das complicações do diabetes, como
do Doppler pode avaliar se há estenose delas. a retinopatia, a neuropatia, a gastropatia e a microangiopa-
A tomografia de rins e vias urinárias, mesmo quando tia. Atualmente, encaminha-se o paciente para a diálise, no
feita sem o uso de contraste iodado, pode trazer dados não Brasil, quando a taxa de filtração glomerular está abaixo de
visualizados pela ultrassonografia, como no caso de alguns 10mL/min, em não diabéticos, ou abaixo de 15mL/min, em
cálculos e obstruções. Se for utilizado contraste, pode-se diabéticos. Existem ainda algumas indicações clínicas que
realizar a angiotomografia, capaz de identificar estenoses e podem precipitar o início do tratamento dialítico na DRC:
obstruções de artérias renais de forma mais precisa e com - Pericardite ou pleurite urêmica (indicação urgente);
maiores detalhes anatômicos que a ultrassonografia com - Encefalopatia urêmica progressiva ou neuropatia, com
Doppler. No entanto, com o uso de contraste iodado, há sinais como confusão mental, asterix, mioclônus, que-
risco de nefropatia por contraste, que pode agravar a insu- da do punho ou do pé ou, em casos graves, convulsões
ficiência renal desses pacientes. Para minimizar esse risco, (indicação urgente);
deve ser realizada profilaxia para nefropatia por contraste, - Sangramento clinicamente significativo atribuído à
principalmente com hidratação venosa. uremia (indicação urgente);
A angiorressonância pode ser de grande auxílio no caso
- Hipervolemia e congestão pulmonar importante, re-
de lesões vasculares, evitando o uso de contraste iodado,
fratárias a diuréticos;
que seria necessário para a tomografia, podendo também
ser útil no caso de gestantes com insuficiência renal. No en-
- Hipertensão refratária a anti-hipertensivos;
tanto, a angiorressonância não deve ser realizada em pa- - Distúrbios metabólicos persistentes refratários à tera-
cientes com clearance de creatinina menor que 30mL/min pia medicamentosa. Estes incluem hipercalemia, aci-
devido ao risco de desenvolvimento de fibrose sistêmica dose metabólica, hipercalcemia, hipocalcemia e hiper-
nefrogênica nesses indivíduos. A fibrose sistêmica nefrogê- fosfatemia;
nica é precipitada pelo gadolínio, que é utilizado como meio - Náuseas e vômitos persistentes;
de contraste na angiorressonância. - Anemia refratária a tratamento com eritropoetina e
A cintilografia pode ser útil tanto para avaliar função re- reposição de ferro;
nal (filtração e excreção – EDTA e DTPA) quanto para realizar - Perda de peso e sinais de desnutrição.
77
NEFRO LOG I A
No entanto, essas indicações são todas potencialmente fica sem solução no peritônio, com a cavidade peri-
ameaçadoras à vida. Elas ocorrem em pacientes com doen- toneal vazia.
ça renal crônica muito avançada, como os que se apresen-
tam com uremia intensa e não tiveram acompanhamento - Complicações relacionadas à diálise peritoneal: a
médico prévio. Para pacientes em acompanhamento mé- complicação mais grave da diálise peritoneal é a in-
dico, postergar a diálise até 1 ou mais dessas complicações fecção. Ela pode envolver o peritônio, a pele da re-
estarem presentes pode colocá-los sob risco desnecessário. gião onde o cateter foi passado ou a área em torno
Dessa forma, a diálise deve ser iniciada bem antes que es- do cateter, causando a formação de um abscesso.
sas indicações se desenvolvam. Normalmente, a infecção ocorre devido a uma falha
na técnica de assepsia durante alguma parte da diáli-
A - Modalidades de diálise se. Comumente, os antibióticos conseguem combater
a infecção. Quando isto não ocorre, pode ser neces-
O princípio fisiológico básico da diálise é alterar a con- sária a retirada do cateter até o desaparecimento da
centração de uma solução A após sua exposição a uma so-
infecção. A apresentação habitual é dor abdominal e
lução B através de uma membrana semipermeável. Água
líquido peritoneal turvo. O diagnóstico deve ser consi-
e solutos de baixo peso molecular podem difundir-se livre-
derado se o líquido peritoneal apresentar mais de 100
mente entre as 2 soluções a depender de suas diferenças
neutrófilos. O Gram costuma ser negativo e a cultura
de concentração, enquanto proteínas e solutos maiores fi-
revela o agente em 90% dos casos. Outros problemas
carão restritos a um ou outro lado da membrana, gerando
podem associar-se à diálise peritoneal. A concentração
um efeito osmótico. Tem-se aí a descrição do transporte
baixa de albumina no sangue (hipoalbuminemia) é co-
difusional. Já o transporte convectivo é aquele originado na
aplicação de uma pressão hidrostática sobre 1 dos 2 com- mum. As complicações mais raras incluem a peritonite
partimentos que contenham as soluções A e B, gerando esclerosante (cicatrização do peritônio) que pode acar-
um movimento de solvente para o lado contralateral. Esse retar obstrução parcial do intestino delgado, o hipoti-
movimento poderá também arrastar solutos. Sendo assim, reoidismo (concentração baixa do hormônio tireoidia-
por meio desses 2 mecanismos de transporte, difusional e no) e crises convulsivas. A hiperglicemia (concentração
convectivo, é que se têm os chamados clearance difusional elevada de glicose no sangue) também é rara, exceto
e clearance convectivo. em pacientes diabéticos. Aproximadamente, 10% dos
Existem 2 modalidades dialíticas: pacientes apresentam hérnias abdominais e inguinais.
78
DOENÇA RENAL CRÔNICA E TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL
venoso que impede a entrada de ar no sangue do paciente. Além da hemodiálise clássica, que utiliza o clearance
Portanto, a membrana semipermeável da hemodiálise é o difusível para depuração de escórias do sangue do pacien-
somatório da área desses microtúbulos, denominados capi- te, existem outros tipos de diálise realizadas através da
lares, os quais podem assumir determinadas características filtragem do sangue, são eles: hemofiltração e hemodia-
conforme sua composição. filtração.
NEFROLOGIA
Os capilares podem ser confeccionados com diferentes A hemofiltração é um procedimento que requer utili-
materiais: derivados da celulose (cuprofane), bioimcompa- zação de um filtro, de material semelhante ao utilizado na
tíveis; derivados de materiais como polissulfona, poliacrilo- hemodiálise convencional, porém de alta permeabilidade,
nitrila ou polimetilmetacrilato, biocompatíveis. As membra- de forma a possibilitar um alto clearance convectivo. O
nas biocompatíveis são menos capazes de ativar o sistema clearance convectivo permite a filtração de substâncias de
do complemento e de ativar neutrófilos, por isso devem ser maior peso molecular, não filtradas na hemodiálise conven-
preferencialmente utilizadas. cional. Essas substâncias incluem moléculas médias como a
Na HD clássica, o fluxo de sangue é de 300 a 400mL/ beta-2-microglobulina e as citocinas, envolvidas no estado
min, e o fluxo da solução de diálise, de 500 a 800mL/min. inflamatório crônico dos portadores de doença renal em
Atualmente, as soluções de diálise são preparadas com uti- fase terminal. A hemodiafiltração alia o clearance difusional
lização de água tratada por um procedimento que se utiliza (da hemodiálise) ao clearance convectivo (da hemofiltra-
de filtros, denominado osmose reversa, acrescidas de bicar- ção), permitindo um maior clearance de moléculas médias,
bonato, sódio, cálcio, magnésio e potássio. com manutenção do clearance difusível.
Figura 2 - Modelos esquemáticos dos tipos de diálise: (A) diálise peritoneal e (B) hemodiálise
79
NEFRO LOG I A
C - Transplante renal
O transplante renal é uma das opções de tratamento
para o portador de doença renal crônica em estágio termi-
nal. Ele é considerado a mais completa alternativa de subs-
tituição da função renal, pois substitui não só as funções de
filtração renais em sua plenitude, mas também as funções
endócrinas renais.
Existem algumas contraindicações absolutas ao trans-
plante renal, são elas:
- Expectativa de vida reduzida, por motivos como doen-
ça cardíaca, vascular, hepática ou pulmonar avançada,
sem chance de recuperação;
- Tumores malignos sem possibilidade de tratamento, Figura 3 - Rim transplantado na fossa ilíaca direita
com curta expectativa de vida; Após o transplante, os pacientes devem receber cuida-
- Infecção ativa sem tratamento; dos especializados e fazer uso continuado de medicamen-
- Psicose grave, mal controlada; tos imunossupressores para evitar rejeição do órgão. As
- Abuso e dependência de álcool e drogas. principais complicações do transplante renal são infeccio-
80
DOENÇA RENAL CRÔNICA E TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL
sas, devido à imunossupressão. No entanto, em casos mais - Os pacientes com insuficiência renal podem apresentar au-
raros pode haver complicações cirúrgicas como trombose mento do tempo de sangramento e alterações plaquetárias. O
vascular renal, deiscência de anastomose vascular e fístulas DDAVP pode ser usado para controle de sangramento nestes
urinárias. Em longo prazo, é aumentado o risco de neopla- pacientes;
NEFROLOGIA
sias devido à imunossupressão crônica. - É recomendado repor bicarbonato ou citrato de sódio (via oral)
na dose de cerca de 20 a 40mEq de bicarbonato ao dia para
controle da acidose;
8. Outras medidas importantes no porta- - O objetivo no tratamento da anemia da DRC é manter a hemo-
dor de DRC globina entre 11 e 12g/dL;
- Vacinação para hepatite B, se o anti-HBs for negativo. - O momento ideal para o início de diálise na DRC ainda é um
assunto controverso. O ideal é que a diálise seja iniciada antes
Às vezes, os pacientes com DRC têm dificuldade para
dos sintomas urêmicos. Atualmente, encaminha-se o paciente
soroconverter e podem necessitar de doses maiores para a diálise quando a taxa de filtração glomerular está abai-
da vacina; xo de 10 mL/min se não for diabético e de 15mL/min, se for
- Todo paciente que irá dialisar ou está em pré-diálise diabético;
deve ser avaliado em relação a seu perfil infeccioso, - A escolha da modalidade de diálise a ser empregada dependerá
que inclui sorologias para hepatite B, hepatite C e HIV; de uma série de fatores, como a experiência e a disponibilidade
- Toda medicação administrada deve ser checada. Se ne- da modalidade no serviço, a preferência do paciente e a estru-
frotóxica e se possível, deve-se substituí-la. Não sendo tura familiar.
nefrotóxica, deve-se checar para ver se há necessidade
de ajuste de doses de acordo com o clearance do pa-
ciente. Não se devem usar anti-inflamatórios não este-
roidais em portadores de DRC;
- Evitar, sempre que possível, o uso de contrastes ioda-
dos. Tentar métodos complementares alternativos (ul-
trassonografia). Em caso de real necessidade, deve ser
realizada profilaxia de nefropatia por contraste, princi-
palmente com hidratação venosa;
- Deve-se permitir que o paciente, especialmente aque-
les em pré-diálise, tenham um acompanhamento
multidisciplinar: psicológico, nutricional, social, entre
outros.
9. Resumo
Quadro-resumo
- Estágios da DRC:
· I - Lesão renal com TFG normal ou elevada – 90mL/min/1,73m2;
· II - Lesão renal com TFG levemente reduzida – 60 a 89mL/
min/1,73m2;
· III - TFG moderadamente reduzida – 30 a 59mL/min/1,73m2;
· IV - TFG intensamente reduzida – 15 a 29mL/min/1,73m2;
· V - Estágio terminal TFG – <1,515 a 29mL/min/1,73m2.
- Pacientes portadores de DRC têm expectativa de vida menor que a
população-controle, notadamente em virtude da alta taxa de com-
plicações cardiovasculares;
- O uso da microalbuminúria, particularmente em pacientes dia-
béticos, é um importante método de detecção de lesão renal
precoce;
- A pressão arterial alvo destes pacientes é abaixo de
130x80mmHg;
- É necessário manter saturação de transferrina de pelo menos
20% e níveis de ferritina de pelo menos 100ng/mL para que
seja possível a utilização de eritropoetina para tratamento da
anemia da insuficiência renal;
81
NEFRO LO G IA
CAPÍTULO
7
Doenças glomerulares
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Natália Corrêa Vieira de Melo
1. Introdução
A incidência de doenças renais é crescente no Brasil e no mundo. Entre elas, estão doenças que afetam o glomérulo tan-
to de forma primária (doenças glomerulares primárias) como de forma secundária a doenças sistêmicas (diabetes mellitus,
hipertensão arterial sistêmica, HIV, infecções).
A apresentação clínica das Doenças Glomerulares (DG) é muito variada e inclui:
- Síndrome nefrótica;
- Síndrome nefrítica;
- Doença clínica prévia ou concomitante ao acometimento renal;
- Doença com lesão renal crônica e irreversível, necessitando de diálise (IRC);
- Alteração de exames complementares, sem sintomas (proteinúria e/ou hematúria).
2. Definições e nomenclaturas
Cada glomérulo contém um tufo de capilares anastomosados formados por ramos da arteríola aferente. Cada rim é
formado por cerca de 1 milhão de glomérulos.
A Membrana Basal Glomerular (MBG) forma uma barreira seletiva e não permite a passagem de substâncias aniônicas
ou de grande peso molecular.
As principais definições usadas estão descritas na Tabela 1. Um resumo das principais apresentações clínico-patológicas
das DG está descrito na Tabela 2 e será detalhado ao longo do capítulo.
Tabela 1 - Nomenclatura das doenças glomerulares
Variável Denominação
- Primária: a doença é predominantemente dos rins, geralmente, mas nem sempre a etiologia é desconhecida;
Etiologia
- Secundária: há uma doença sistêmica causando lesão glomerular secundariamente.
- Aguda: lesão que ocorre de dias a poucas semanas;
Fator tempo - Subaguda: lesão que ocorre de semanas a poucos meses;
- Crônica: lesão que ocorre durante muitos meses a anos.
Quantidade de glomérulos - Focal: <50% de glomérulos acometidos;
acometidos - Difusa ou generalizada: ≥50% de glomérulos acometidos.
Acometimento de cada glo- - Segmentar: apenas parte de cada glomérulo é acometida;
mérulo individualmente - Global: todas as estruturas do glomérulo são acometidas.
- Necrose: presença significativa de necrose glomerular;
Denominação adicional - Esclerose: aumento homogêneo na quantidade de material extracelular (composição semelhante à
membrana basal ou à matriz mesangial).
- Fibrose: deposição de colágeno tipos I e III, indicando processo cicatricial;
- Proliferação: indica aumento da celularidade glomerular;
Padrão de proliferação - Intracapilar (endocapilar): proliferação das células do glomérulo – células mesangiais ou células endoteliais;
- Extracapilar ou crescêntica: proliferação de células dentro da cápsula de Bowman – células parietais epiteliais
e células infiltrantes (macrófagos e fibroblastos).
82
D O E N Ç A S G LO M E R U L A R E S
NEFROLOGIA
GN - Hipertensão, edema e - Proliferação de células glomeru-
globulinemia;
proliferativa difusa oligúria; lares mesangiais e endoteliais;
- Raramente pauci-imune ou por anticorpos anti-
- Proteinúria não nefrótica; - Infiltração de neutrófilos e mo-
-MBG (ver GN rapidamente progressiva).
- Sedimento urinário ativo. nócitos.
- Acomete mais de 50% dos glo-
- Deposição de complexos imunes: idiopática
- GN com evolução de dias mérulos;
Henoch-Schönlein, lúpus, pós-infecciosa,
GN a semanas; - Presença de necrose fibrinoide;
crioglobulinemia;
rapidamente pro- - Hipertensão, edema e - Característica: presença de cres-
- Pauci-imune: Wegener, poliangeíte microscó-
gressiva ou cres- oligúria; centes extracapilares (prolifera-
pica, GN crescêntica limitada ao rim;
cêntica - Proteinúria não nefrótica; ção no espaço de Bowman);
- Anticorpo anti-MBG (síndrome de
- Sedimento urinário ativo. - Proliferação de células epiteliais
Goodpasture).
parietais.
- Leve a moderada inflama- - Áreas segmentares de prolife-
GN proliferativa ção glomerular; ração e necrose em <50% dos - Mesmas causas de GN crescêntica ou prolife-
focal - Leve a moderada insufici- glomérulos; rativa difusa (pode representar formas mais
ência renal; - Raramente, evolui com crescen- leves ou precoces).
- Sedimento urinário ativo. tes.
- Inflamação glomerular
crônica; - Acometimento de predomínio - Henoch-Schönlein e nefropatia por IgA.
GN mesangioproli-
- Graus variados de altera- mesangial; Mesmas causas de GN crescêntica ou prolife-
ferativa
ções na função renal; - Aumento da matriz e das células rativa difusa (pode representar formas mais
- Hipertensão, hematúria e mesangiais. leves ou precoces).
proteinúria.
- Achados combinados de - Proliferação difusa de células - Deposição de complexos imunes: idiopática,
nefrítica e nefrótica; mesangiais; Henoch-Schönlein, lúpus, infecciosa (hepati-
GN - Proteinúria nefrótica - Infiltração glomerular por ma- te C, endocardite infecciosa, abscesso visce-
membranoprolife- (mais frequente); crófagos; ral, esquistossomose, malária), crioglobuline-
rativa - Sedimento urinário ativo; - Aumento da matriz mesangial; mia, neoplásica (leucemia linfoide crônica);
- Perda aguda ou subaguda - Espessamento e duplicação da - Associado a microangiopatias trombóticas;
de função renal. membrana basal. - Associado a doenças de deposição idiopática.
- Síndrome nefrótica;
- Risco de trombose ve- - Normal à microscopia óptica; - Associado à infecção pelo HIV, uso de heroí-
Doença por lesão nosa; - Microscopia eletrônica: fusão e na, linfomas de Hodgkin, uso de AINES e ne-
mínima - Lento declínio da função apagamento dos processos po- frite intersticial induzida por medicamentos
renal em 10 a 30% dos docitários. (ampicilina, rifampicina e alfa-interferon).
pacientes.
- Idiopática;
- Secundária à redução do número de néfrons
- Síndrome nefrótica em 60
de qualquer causa (lesão renal secundária à
a 75%; - Colapso segmentar de capilares
hiperfiltração, ocorre na nefropatia por reflu-
Glomeruloesclerose - Risco de trombose ve- em <50% dos glomérulos;
xo, obesidade mórbida, anemia falciforme,
focal e segmentar nosa; - Achados à microscopia eletrônica
diabetes mellitus);
- Insuficiência renal em 25 semelhantes à lesão mínima.
- Associada à infecção pelo HIV, uso de heroína
a 50% dos casos.
e associada a neoplasias (principalmente,
linfoma).
- Idiopática;
- Paraneoplásica (carcinomas de pulmão,
mama, cólon, gástrico, renal);
- Síndrome nefrótica;
- Espessamento difuso da mem- - Doenças autoimunes: lúpus e, raramente, artrite
- Maior risco de trombose
brana basal com projeções sube- reumatoide;
GN membranosa venosa;
piteliais (espículas), circundado - Medicações: captopril, sais de ouro, penicila-
- Função renal preservada
por depósitos imunes. mina, fenoprofeno;
na maioria dos casos.
- Infecções: hepatite B, sífilis, malária, hansení-
ase, esquistossomose e, raramente, hepatite
C.
83
NEFRO LOG I A
84
D O E N Ç A S G LO M E R U L A R E S
NEFROLOGIA
por lesão mínima, o edema parece ser uma consequência
da hipoalbuminemia, que leva a redução da pressão on- nosa, o risco de eventos tromboembólicos é aumentado.
cótica plasmática com consequente extravasamento de Um estudo sugeriu que pacientes com níveis de albumina
líquido para o espaço extracelular, de acordo com as leis menores que 2,5mg/dL apresentariam indicação de antico-
de Starling. A redução resultante do volume circulante efe- agulação com varfarínicos, com objetivo de manter INR de 2
tivo (underfill) causa estimulação secundária do sistema a 3, mas essa indicação não é universalmente aceita.
renina-angiotensina, resultando em retenção de sódio no
Tabela 3 - Causas “secundárias” de síndrome nefrótica
túbulo coletor, induzida pela aldosterona. Essa tentativa de
compensar o edema acaba por agravar o mesmo, porque - Diabetes mellitus;
a pressão oncótica baixa altera o equilíbrio das forças nos - Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e outras
leitos capilares em favor da pressão hidrostática, forçando doenças do tecido conjuntivo;
mais fluido para o espaço intersticial ao invés de retê-lo no - Amiloidose;
Doenças
espaço intravascular. sistêmicas - Vasculites sistêmicas: Wegener, poliangeíte
No entanto, na maioria dos pacientes nefróticos, pa- microscópica (raro);
rece haver um defeito primário na habilidade do néfron - Doenças imunológicas: Henoch-Schönlein,
distal em excretar sódio, possivelmente devido a ativação crioglobulinemia, sarcoidose, síndrome de
de canais epiteliais de sódio (ENaC) por enzimas proteolí- Goodpasture, GN rapidamente progressiva.
ticas que entram no lúmen tubular na proteinúria maciça. - Bacterianas: pós-estreptocócica (raro), sífilis
Consequentemente, há aumento do volume sanguíneo, su- Infecções secundária, endocardite; virais: hepatites B e
pressão do sistema renina-angiotensina e da vasopressina, C, infecção HIV, Epstein-Barr, citomegalovírus.
e uma tendência à hipertensão ao invés de hipotensão. O - Outras: malária, toxoplasmose, filariose, es-
rim também é relativamente resistente à ação do fator na- quistossomose;
triurético atrial. O aumento do volume sanguíneo (overfill) Medicações - Ouro, mercúrio, metais pesados, penicilamina,
associado à redução da pressão oncótica plasmática cau- anti-inflamatórios, lítio, captopril, heroína,
sa extravasamento de fluido para o espaço extracelular e clorpropamida, rifampicina.
edema. O mecanismo causador do defeito na excreção de - Neoplasias hematológicas (linfomas e leu-
sódio permanece desconhecido, embora exista a hipótese cemias): geralmente com doença de lesão
de que leucócitos inflamatórios, presentes no interstício de Neoplasias mínima;
diversas DG, possam prejudicar a excreção de sódio através - Tumores sólidos: geralmente com glomerulo-
da produção de angiotensina II e de agentes oxidantes (os patia membranosa.
quais inativam o óxido nítrico local, que é natriurético). - Anemia falciforme, síndrome de Alport, doen-
Metabólicas/
ça de Fabry, síndrome nefrótica familiar, sín-
hereditárias
A - Avaliação inicial drome da unha-patela, lipodistrofia parcial.
Além dos exames habituais (urina tipo I, proteinúria - Pós-imunização, alérgenos, venenos ou doença
de 24 horas, perfil lipídico, dosagem de ureia, creatinina, do soro;
hemograma), deve-se avaliar se há alguma causa associa- Outros - Rejeição a transplante;
da à síndrome nefrótica (Tabela 3). Dessa forma, devem- - Nefrosclerose hipertensiva acelerada;
-se solicitar glicemia, fator antinuclear (FAN) e dosagem do - Relacionada à gravidez (inclui pré-eclâmpsia).
complemento sérico (Tabela 4). Deve-se avaliar, caso a caso,
a necessidade de outros exames, como dosagem de crio- A trombose crônica de veia renal pode ser assintomática
globulinas, sorologias para hepatites B e C, HIV, anticorpo (apenas descoberta por exames de imagem), entretanto
anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), anticorpos anti-MBG. a trombose aguda de veia renal geralmente se manifesta
Não se encontrando causas secundárias, deve-se solici- com:
tar uma biópsia renal para avaliar qual é a doença glomeru- - Dor em flanco;
lar (Tabela 1).
- Perda rápida e aguda da função renal;
B - Complicações - Hematúria;
- Aumento importante da proteinúria.
a) Tromboembólicas
A síndrome nefrótica aumenta a chance de trombose ve- A glomerulopatia mais frequentemente associada à
nosa (trombose em membros inferiores, embolia pulmonar trombose de veia renal é a glomerulonefrite membrano-
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de AINEs, ampicilina, rifampicina, alfa-interferon ou a neo-
plasias (principalmente doença de Hodgkin, mas também a
neoplasias sólidas e linfomas não Hodgkin). A doença pode
ocorrer ainda após infecções como mononucleose e HIV, e
após exposição a toxinas como chumbo, mercúrio e picadas
de insetos.
As alterações dos exames complementares são compa-
tíveis com a própria síndrome nefrótica. O sedimento uri-
nário costuma mostrar apenas proteinúria (de 3 a 4+), mas
pode haver associação à hematúria microscópica em alguns
casos (até 20%). Além disso, pode haver, no sedimento
urinário, corpos lipoides (lipidúria). Na bioquímica sérica,
encontram-se hipoalbuminemia, hipercolesterolemia e hi-
pertrigliceridemia. Os níveis de complemento, na doença
por lesão mínima, são caracteristicamente normais (Tabela
4). Os níveis de IgG costumam estar reduzidos, porém os de
IgM podem estar até aumentados.
O curso clínico costuma ser de remissões e recidivas e
geralmente é benigno, raramente levando à diálise. Menos
de 5% das crianças portadoras de doença por lesão mínima
evoluem para doença renal terminal com necessidade de
Figura 2 - Microscopia eletrônica mostra fusão de processos podo- diálise.
citários (setas) na doença por lesão mínima Apresenta ótima resposta a corticoides (75 a 85%). O
tratamento é iniciado com prednisona, 1 a 2mg/kg/dia, por
- Manifestações clínicas e tratamento 4 a 8 semanas (ou interrompido antes se houver remissão),
Pode ocorrer em qualquer idade, mas predomina em porém é possível esperar até 16 semanas, na ausência de
crianças de 2 a 6 anos. Como dito, corresponde a 80 a 90% resposta mais precoce, para obter uma boa resposta com
das síndromes nefróticas que ocorrem até os 8 anos. Os pa- corticoides. Após o controle da proteinúria, deve-se redu-
cientes geralmente se apresentam com síndrome nefrótica zir a dose gradativamente em 1 a 3 meses e suspender.
clássica (proteinúria nefrótica, hipoalbuminemia, edema,
Noventa por cento dos pacientes respondem com melho-
hiperlipidemia, lipidúria). De forma frequente, a proteinúria
ra da proteinúria após 4 a 8 semanas de tratamento com
inicia-se após fatores desencadeantes, como infecções vi-
prednisona. Se os níveis de proteinúria persistirem após
rais. Existe ainda associação de fenômenos atópicos, como
16 semanas de tratamento, o caso será classificado como
asma e eczema, a recidivas da doença.
córtico-resistente.
A função renal costuma estar normal, exceto quando há
Metade dos pacientes responsivos a corticoide não
intensa hipovolemia, hipotensão e consequente hipoperfu-
são renal. A proteinúria pode chegar a 40g/dia, nos casos apresenta recidivas ou apresenta raros episódios que vol-
mais graves, o que vai causar uma redução dos níveis de tam a responder bem aos corticoides. No entanto, a outra
albumina sérica, que, habitualmente, estão abaixo de 2g/L. metade desenvolve uma forma com recidivas frequentes
São comuns remissões espontâneas do quadro, assim como (com intervalos <6 meses), podendo tornar-se córtico-
recidivas. -dependente. Nestes pacientes, pode-se associar ciclofos-
A complicação mais séria da doença é a instabilidade famida (2mg/kg/dia) ou clorambucila (0,2mg/kg/dia) ao
hemodinâmica com choque hipovolêmico. Este pode ser corticoide. Existem ainda relatos de resultados positivos
precipitado pelo surgimento de diarreia, sepse, ou mesmo com ciclosporina. Essas associações podem aumentar o
pelo uso excessivo de diuréticos ou drenagem excessiva de período de remissão e reduzir os efeitos colaterais dos
líquido ascítico. Tal quadro pode se associar à dor abdomi- corticoides.
nal, febre e vômitos, o que torna fundamental a investiga- Pela doença por lesão mínima ser responsável por cerca
ção de Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE), esta última de 80% dos casos de síndrome nefrótica em crianças de até
frequentemente causada por Streptococcus pneumoniae, 8 anos, nesses casos não há necessidade de biópsia renal de
devido à predisposição desses pacientes à infecção por ger- rotina. Deve ser iniciada a terapia com corticoide de forma
mes capsulados. empírica e observada a resposta, que costuma ser dramáti-
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deve-se reduzir a dose paulatinamente, até a remissão ou e, consequentemente, a proteinúria e o efeito esclerosante
até completar de 6 a 8 meses de tratamento. Em pacientes da hiperfiltração glomerular. A terapia com estatinas tam-
córtico-resistentes ou córtico-dependentes, pode-se asso- bém é importante nesses pacientes, para auxiliar no trata-
ciar ciclosporina (4 a 6mg/kg/dia VO, por 4 a 6 meses), ci- mento da hipercolesterolemia apresentada por eles.
clofosfamida (2mg/kg/dia VO, por 2 a 4 meses) ou micofe-
NEFROLOGIA
nolato mofetila (1 a 1,5g 2x/dia VO, por 4 a 6 meses). c) Glomerulonefrite membranosa
A doença recorre no rim transplantado em até 30% dos A glomerulonefrite membranosa corresponde a cerca
casos. São fatores de prognóstico ruim na GESF: etnia/raça de 21% das glomerulopatias primárias diagnosticadas por
negra, hipertensão e clearance reduzido ao diagnóstico, biópsia renal no Brasil (Tabela 5). Além disso, é a 2ª causa
além de proteinúria persistente em grande quantidade. mais frequente de síndrome nefrótica primária em adultos
- GESF secundária no Brasil e corresponde a cerca de 20 a 30% dos casos de
síndrome nefrótica não diabética. É mais frequente em indi-
A presença de GESF no exame histológico é um achado
víduos brancos, do sexo masculino, com mais de 40 anos. Na
um tanto inespecífico, que pode estar presente não só na
maior parte dos casos (75%), a GN membranosa é primária,
forma primária descrita, mas também de forma secundária
mas pode ser secundária a medicações como o captopril,
a causas diversas, que serão citadas a seguir. As alterações
a penicilamina e os sais de ouro, ou secundária a diversas
histológicas da GESF secundária são muito semelhantes às
causas, como LES, hepatites B e C (raro), lues, malária, carci-
da GESF idiopática. No entanto, na GESF secundária a doen-
nomas (principalmente de pulmão e trato gastrintestinal) e,
ças autoimunes, pode haver extensos depósitos de autoan-
mais raramente, neoplasias hematológicas (Tabela 6).
ticorpos evidenciados pela imunofluorescência.
A MO revela espessamento da MBG, na ausência de pro-
Os principais mecanismos de lesão glomerular na GESF
liferação celular. Ao contrário da GESF, na GN membranosa
secundária são:
há o comprometimento uniforme dos glomérulos (padrão
- Sequela de uma doença específica que cause lesão da difuso e homogêneo). Na imunofluorescência, evidenciam-
estrutura glomerular;
-se depósitos imunes subepiteliais de IgG e C3 (Figura 4).
- Sobrecarga dos glomérulos remanescentes após perda Na GN membranosa, esses imunocomplexos são formados
importante de parênquima renal por qualquer causa;
in situ (no próprio glomérulo), pelo surgimento de um anti-
- Hiperfluxo glomerular, provocado por um estado de corpo contra um antígeno (ainda não identificado) na MBG
vasodilatação arteriolar renal. e consequente ativação local de complemento. Como tanto
As diversas causas de GESF secundária estão ligadas a a formação de imunocomplexos quanto a ativação do com-
um desses mecanismos. No 1º grupo (sequela), encaixam- plemento se dão apenas de forma local, não há imunocom-
-se as doenças sistêmicas como o LES, as vasculites e a ne- plexos circulantes nem consumo de complemento em nível
fropatia por IgA. No 2º grupo (sobrecarga), encaixam-se sistêmico, por isso os níveis de complemento séricos são
todas as condições que determinam perda de parênquima normais (Tabela 4).
renal funcionante, como a nefropatia por refluxo, a nefros-
clerose hipertensiva, a anemia falciforme com isquemia
glomerular focal ou até a retirada cirúrgica de mais de 75%
da massa renal (devido a neoplasias, traumas). Por fim, no
3º grupo (hiperfluxo), encaixam-se a nefropatia diabética, a
anemia falciforme e a obesidade mórbida.
Existem ainda outras causas secundárias de GESF, cujo
mecanismo de lesão glomerular não se encaixa em nenhum
dos citados e não é plenamente conhecido. Entre essas cau-
sas, destacam-se a GESF secundária ao uso de heroína, a
neoplasias (especialmente linfomas) e à infecção por HIV. A
GESF relacionada à infecção por HIV geralmente ocorre na
sua forma variante (raramente também presente na GESF
idiopática), a glomeruloesclerose focal colapsante, que se
caracteriza pela esclerose seguida de colapso de todo ou de
parte do tufo glomerular, que possui prognóstico péssimo.
Na GESF secundária, o tratamento consiste, se possível,
na correção da causa-base. Além disso, todos os pacientes
com GESF (primária ou secundária) devem ter controle pres-
sórico adequado (<125x75mmHg), de preferência com IECA
(que além de melhorarem os níveis pressóricos, têm efeito
protetor renal, por reduzir a pressão de filtração glomerular
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soronegativas, miastenia, penfigoide bolhoso e dermatite herpe-
tiforme; espessamento em “duplo contorno” da parede capilar glo-
- Neoplasias: mama, pulmão, cólon, estômago, esôfago, melano- merular, determinado pela proliferação celular entre as al-
ma, carcinoma de células renais, neuroblastoma; ças capilares e o epitélio visceral (podócitos).
- Medicações: ouro, penicilamina, captopril, anti-inflamatórios, É importante ressaltar que achados membrano-
probenecida, mercúrio; proliferativos (proliferação mesangial e duplo contorno)
- Outras: sarcoidose, diabetes, anemia falciforme, doença inflamatória também podem ser encontrados em doenças trombóti-
intestinal, síndrome de Guillain-Barré, síndrome de Fanconi, deficiên- cas, como síndrome do anticorpo antifosfolípide, síndrome
cia de alfa-1-antitripsina, hiperplasia angiofolicular linfonodal. hemolítico-urêmica, Púrpura Trombocitopênica Trombótica
(PTT) e rejeição ao transplante renal.
d) Glomerulonefrite membranoproliferativa - Manifestações clínicas e tratamento
Tabela 7 - Causas e condições associadas à glomerulonefrite mem-
Entre os casos de GNMP idiopática, 30 a 40% abrem o
branoproliferativa (GNMP)
quadro com síndrome nefrótica; 25%, com síndrome nefrí-
Causas idiopáticas tica clássica e o restante, com proteinúria isolada associada
Depósitos imunes subendoteliais e mesan- ou não à hematúria microscópica. Em casos raros, há início
GNMP* tipo I
giais (complemento e imunoglobulinas). da síndrome com um quadro de GN rapidamente progressi-
Associada ao fator nefrítico. Não há deposi- va. Existe história recente de infecção respiratória alta, em
GNMP* tipo II
ção de imunoglobulinas, apenas de C3. mais de 50% dos casos que iniciam quadro de GNMP, algu-
Achados da GNMP* Tipo I e da glomerulopa- mas vezes com ASLO aumentado, sugerindo possível parti-
GNMP* tipo III
tia membranosa. cipação estreptocócica no início do quadro.
Causas secundárias de GNMP Quando do diagnóstico, metade dos pacientes apresen-
Imunes Lúpus, crioglobulinemia, síndrome de Sjögren. ta redução do ritmo de filtração glomerular, e 30 a 50% são
Hepatite B, hepatite C, HIV, abscessos viscerais, hipertensos. Não há diferenças importantes na forma de
Infecções apresentação da GNMP de diferentes tipos (I, II ou III), mas
shunts, endocardite bacteriana.
Doença de Hodgkin, linfomas não Hodgkin, leu- a GNMP tipo II tende a apresentar síndrome nefrítica clássi-
Câncer ca com mais frequência.
cemias.
Cirrose (geralmente junto com hepatite B ou C), A GNMP, como a amiloidose e a glomerulonefrite mem-
Outras sarcoidose, uso de heroína, microangiopatias branosa, constitui causa importante de trombose de veia
trombóticas, lipodistrofia parcial. renal. A hipótese de trombose de veia renal deve ser le-
* GNMP: glomerulonefrite membranoproliferativa. vantada em portadores de GNMP que evoluem com piora
aguda de função renal, associada à dor lombar oligúria e
A glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) ou hematúria.
mesangiocapilar é caracterizada pela proliferação celular Quanto aos exames complementares, é comum a pre-
no mesângio, em torno das alças glomerulares. A GNMP sença de hematúria associada à proteinúria, geralmente ne-
pode ocorrer de forma primária ou secundária a várias do- frótica. A hipocomplementemia é frequente e, ao contrário
enças sistêmicas, como pode ser observado na Tabela 7. A da GN pós-estreptocócica, persiste por mais de 8 semanas.
GNMP representa apenas 4% dos casos de glomerulopatia Entre os portadores de GNMP primária, 50 a 60% evo-
primária diagnosticada por biópsia renal no Brasil (Tabela luem para falência renal em 10 a 15 anos; 25 a 40% perma-
5). Geralmente, os pacientes portadores de GNMP primá- necem com função renal estável, e 10% apresenta remissão
ria apresentam achados tanto de síndrome nefrótica como espontânea da doença.
nefrítica, e a hipocomplementemia pode estar associada. Quanto ao tratamento da GNMP, é necessário inicial-
Há maior incidência dos 8 aos 30 anos, em sua forma mente investigar causas secundárias (como LES e hepatite
idiopática. Uma das formas de GNMP (denominada GNMP C) e, se estas estiverem presentes, devem ser tratadas.
tipo I) se assemelha ao acometimento glomerular de agen- Nas formas idiopáticas, nenhuma terapia se mostrou
tes infecciosos (hepatite C) ou doenças autoimunes (lúpus). benéfica em estudos realizados até agora, por isso o trata-
Nesses casos, costuma haver deposição mesangial e no mento em geral é conservador com: AAS 100mg/dia, dipi-
espaço subendotelial de imunoglobulinas e complemento. ridamol 225mg/dia e IECA isolado ou associado a inibidor
Em outra forma (GNMP tipo II), existe um autoanticorpo do receptor de angiotensina II. Em casos de perda rápida
(fator nefrítico) contra uma enzima da via C3-convertase de função renal, deve ser realizada pulsoterapia com me-
(C3bBb), implicando aumentada ativação e consumo do tilprednisolona, 0,5 a 1g/dia, por 3 dias, seguida de predni-
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sona, 1mg/kg/dia, geralmente associada a ciclofosfamida, “coca-cola”) da urina e ausência de formação de coágulos.
2mg/kg/dia, VO (ou em pulsos mensais IV de 0,5 a 0,75g/ A hipertensão arterial e o edema generalizado são decor-
m2) por 3 a 6 meses, seguida de redução paulatina da pred- rentes da retenção volêmica secundária à inflamação glo-
nisona e manutenção de corticoide em baixas doses por merular.
vários anos. A plasmaférese pode ser associada em casos As causas de síndrome nefrítica aguda são muito varia-
refratários. das e incluem:
- Pós-infecciosas: pós-infecção estreptocócica, infec-
D - Tratamento geral ções virais, endocardite, abscessos viscerais;
- Deposição de complexos imunes: LES, nefropatia por
a) Doença glomerular de base IgA e Henoch-Schönlein;
Geralmente, é feito com corticoide. Em alguns casos, - Vasculites sistêmicas: granulomatose de Wegener, po-
podem-se associar agentes alquilantes (ciclofosfamida) e liangeíte microscópica;
imunossupressores (ciclosporina, micofenolato mofetila ou - Deposição de anticorpos: doença de Goodpasture
azatioprina). (anticorpos anti-MBG);
b) Condições associadas - Idiopáticas.
Tratar hepatite B, hepatite C, esquistossomose, malária,
sífilis, neoplasias, ou outras condições associadas. A apresentação da doença decorre de 2 fatores presen-
tes na síndrome nefrítica aguda:
c) Pressão arterial - Expansão de volume extracelular: devido à intensa
Essencial, o tratamento da hipertensão arterial não pode inflamação glomerular. Por isso, podem surgir hepa-
ser esquecido. A hipertensão acelera a perda de função re- tomegalia, turgência jugular, edema periorbitário e
nal. Deve-se buscar um controle rigoroso da PA. A medica- de membros inferiores, hipertensão arterial, e mesmo
ção de 1ª escolha é o (IECA) ou o antagonista do receptor edema agudo de pulmão;
de angiotensina II (ARA-II). Importante salientar que estas - Doença de base: nesse caso, podem predominar os
medicações mostram, em trabalhos recentes, um grande achados da própria doença (por exemplo, hemorragia
poder de diminuir a proteinúria e evitar a progressão da do- alveolar, doença pulmonar, vasculite sistêmica).
ença renal, independente da ação anti-hipertensiva.
d) Hiperlipidemia A - Exames complementares na síndrome nefrí-
tica aguda
Não se devem tolerar níveis aumentados de LDL. Se ne-
cessário, prescrever estatinas.
a) Urina tipo I
e) Dieta - Proteinúria: leve a moderada; não costuma chegar a
Deve ser hipossódica, porém não se deve limitar a in- níveis nefróticos;
gestão proteica, pois isso agravaria o risco de desnutrição - Hematúria: presente em quase 100% dos casos. Como
desses pacientes. a origem é glomerular, costuma haver dismorfismo eri-
f) Diuréticos de alça trocitário e cilindros hemáticos;
Devem ser prescritos com cuidado (pois podem levar à
- Leucocitúria: frequente, habitualmente com urocultu-
ra estéril.
hipovolemia e piora da função renal) e objetivam reduzir o
edema. b) Bioquímica, eletrólitos e gasometria
- Aumento de ureia e creatinina é a regra, embora não
5. Síndrome nefrítica haja correlação entre a gravidade da sintomatologia
A síndrome nefrítica aguda clássica (ou glomerulonefri- (por exemplo, hipertensão, edema pulmonar) e os ní-
te difusa aguda) é caracterizada pelo surgimento agudo de veis séricos das escórias nitrogenadas;
hematúria, proteinúria não nefrótica (<3,5g/1,73m2/24h), - Hipercalemia é comum e pode ser grave;
edema e hipertensão arterial, geralmente acompanhados - Acidose de grau variado também é comum.
de oligúria. Esses sinais e sintomas são decorrentes de um
c) Complemento sérico
processo inflamatório agudo glomerular, que pode ocorrer
de forma idiopática ou secundária a diversas doenças sistê- O complemento sérico pode ser útil na diferenciação da
micas (como infecções, vasculites e colagenoses). A hema- causa da síndrome nefrítica aguda.
túria é de origem glomerular, tendo por isso características - As causas de síndrome nefrítica aguda que cursam
peculiares: presença de dismorfismo eritrocitário (princi- com complemento consumido incluem:
palmente na forma de acantócitos) e cilindros hemáticos • GN pós-estreptocócica;
no sedimento urinário, coloração amarronzada (ou cor de • LES;
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aguda cursam com complemento normal, entre elas:
A fisiopatologia é a deposição de imunocomplexos nos
• Vasculites sistêmicas;
rins. Os achados anatomopatológicos principais são:
• Doença de Berger (nefropatia por IgA); - Glomérulos aumentados de tamanho devido à hiper-
• Púrpura de Henoch-Schönlein; celularidade (infiltração maciça de monócitos e poli-
• Doença de Goodpasture (anticorpos anti-MBG). morfonucleares);
d) Exames direcionados à causa da glomerulonefrite - Raramente, os pacientes podem evoluir para formação
difusa aguda de crescentes (GN rapidamente progressiva);
- Dosagem de crioglobulinas no sangue e/ou sorologia - Imunofluorescência (IF): depósito granular, grosseiro
de C3, IgG e IgM;
para hepatites B e C;
- Fator antinuclear e autoanticorpos (anti-DNA dupla - Microscopia Eletrônica (ME): depósitos subepiteliais,
eletrodensos, ao longo da MBG, lembrando humps de
fita, anti-Sm, entre outros);
camelos.
- Antiproteinase 3 (c-ANCA) e antimieloperoxidase (p-
-ANCA); O diagnóstico é sugerido pela presença de uma sín-
- Anti-MBG (MBG); drome nefrítica aguda cerca de 1 a 2 semanas após uma
- Outros: conforme suspeita clínica (exemplo, hemocul- infecção estreptocócica de orofaringe ou 2 a 3 semanas
turas e/ou ecocardiograma para endocardite, entre após infecção de pele. O painel de anticorpos antiestrep-
outros). tococos costuma ser positivo em 95% dos pacientes pós-
-faringite, e 85% pós-infecção de pele (antiestreptolisina O;
B - Princípios do tratamento anti-hialuronidade; anti-DNAse e antiestreptoquinase). A
antiestreptolisina O (ASLO) é melhor indicador de infecções
Sempre que possível, deve-se tratar a causa de base
estreptocócicas de orofaringe, e o anti-DNAse, de infecções
como:
cutâneas. Complemento consumido é a regra durante a
- Corticoide e ciclofosfamida: vasculites associadas ao fase aguda (complemento total e C3 diminuído em cerca de
ANCA, LES;
90% dos casos).
- Antibioticoterapia: endocardite; Os principais diagnósticos diferenciais da GNPE são ou-
- Plasmaférese: doença de Goodpasture, vasculites tras glomerulonefrites que cursam com síndrome nefrítica
ANCA-relacionadas. e hipocomplementemia, como outras glomerulonefrites
O suporte clínico é essencial, sobretudo na glomerulo- pós-infecciosas (como a da endocardite bacteriana), a ne-
nefrite pós-infecciosa (pós-estreptocócica), já que a infla- frite lúpica e a GN membranoproliferativa.
mação renal é autolimitada. O suporte clínico na síndrome Felizmente, a doença costuma ser autolimitada, com
nefrítica aguda inclui o manejo adequado da pressão arte- normalização da pressão arterial e recuperação da função
rial, da hipervolemia e da insuficiência renal. renal em semanas. A proteinúria e a hematúria podem de-
morar mais tempo para normalizar. O tratamento é de su-
C - Causas de síndrome nefrítica aguda porte com manejo sintomático da hipertensão, retenção de
fluidos, e, em alguns casos de insuficiência renal, menos de
a) Glomerulonefrite pós-estreptocócica 5% dos casos podem evoluir com glomerulonefrite rapida-
A GN pós-infecção estreptocócica (GNPE) é causada por mente progressiva. A antibioticoterapia para tratamento da
cepas nefritogênicas de estreptococos, principalmente be- infecção estreptocócica não previne o surgimento da GNPE,
ta-hemolíticos do grupo A. É uma doença que acomete pre- por isso não deve ser usada de forma profilática, como na
ferencialmente crianças e adultos jovens; o sítio da infecção febre reumática, sendo reservada apenas para os casos que
estreptocócica pode ser tanto a pele quanto a orofaringe. apresentem infecção estreptocócica ativa. A biópsia renal
Os casos subclínicos são mais frequentes do que os com não deve ser realizada em todos os casos de GNPE, só na-
síndrome nefrítica aguda (hematúria, edema e hiperten- queles que apresentem aspectos atípicos, que possam su-
são). Os pacientes podem ainda apresentar, comumente, gerir outras doenças que não a GNPE. Os aspectos atípicos,
sintomas gastrintestinais (dor abdominal, náuseas) e dor que constituem indicação de biópsia renal, incluem:
lombar bilateral (por intumescimento da cápsula renal). A - Idade <2 ou >12 anos;
hematúria glomerular, como é o caso, tem habitualmente - Oligúria por mais de 1 semana;
cor acastanhada e não apresenta coágulos, ao contrário da - Hematúria macroscópica por mais de 3 semanas;
hematúria proveniente das vias urinárias baixas, que é ver- - Hipertensão arterial por mais de 3 semanas;
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Algumas características das glomerulonefrites rapida- infiltrado alveolar bilateral, que corresponde à hemorragia
mente progressivas, bem como o diagnóstico e o tratamen- alveolar generalizada.
to, estão descritas na Tabela 10. O diagnóstico diferencial da síndrome de Goodpasture
deve ser feito com outras causas de síndrome pulmão-
Tabela 10 - Características das glomerulonefrites rapidamente
-rim (hemoptise + glomerulonefrite), como a doença de
NEFROLOGIA
progressivas
Wegener e a leptospirose (Tabela 8).
Complexo A glomerulonefrite anti-MBG (não associada à síndrome
Goodpasture Pauci-imune
imune de Goodpasture) se apresenta numa faixa etária mais tardia
Variadas: lú- Wegener, e apresenta distribuição mais heterogênea entre os sexos
pus, pós-infec- poliangeíte que a síndrome de Goodpasture. O envolvimento renal é
ciosa, Henoch- microscópica, idêntico ao da síndrome de Goodpasture.
Anticorpo anti-
Causas Schönlein, vasculite asso-
-MBG. A histopatologia renal tem como característica a de-
idiopática, ciada ao ANCA
posição linear de imunoglobulinas na MBG, evidenciada
crioglobuline- restrita aos
mia. rins. na imunofluorescência (Figura 6), geralmente associada à
presença de crescentes extracapilares em mais de 50% dos
Vasculite sistê-
mica Wegener:
glomérulos (GN crescêntica). A pesquisa do anticorpo anti-
pulmão + vias -MBG no soro é positiva em mais de 90% dos casos e é, por
aéreas supe- isso, uma importante ferramenta diagnóstica.
Achados Hemorragia Depende da riores.
associados alveolar. doença. Poliangeíte
microscópica:
não afeta as
vias aéreas
superiores.
Normal ou
Complemento Normal. Normal.
diminuído.
Pouco ou
Depósito gra-
Imunofluo- Depósito linear nenhum de-
nular grosseiro
rescência de IgG e C3. pósito de Ig
de IgG e C3.
ou C3.
Corticoide altas
Corticoides,
doses, ciclofos- Depende da
Tratamento ciclofosfamida,
famida, plasma- causa. Figura 6 - Imunofluorescência mostrando deposição linear de IgG
plasmaférese.
férese. em membrana basal glomerular, característica da doença anti-
* MO: microscopia óptica, IF: imunofluorescência, ME: -MBG
Microscopia Eletrônica, GN: glomerulonefrite.
O tratamento dessa síndrome, principalmente em casos
- Causas de glomerulonefrite rapidamente progressiva com hemorragia alveolar e perda de função renal, deve ser
precoce e agressivo e inclui pulsoterapia com metilpred-
A - Glomerulonefrite anti-MBG e síndrome de nisolona, 0,5 a 1g/dia, por 3 dias, seguida de prednisona,
Goodpasture 1mg/kg/dia, associada a ciclofosfamida (2 a 3mg/kg/dia VO
A doença anti-MBG é uma doença de mau prognóstico ou em pulsos mensais IV de 0,5 a 0,75g/m2) por 6 meses,
associada à presença de anticorpo anti-MBG, que frequen- associado ou não à plasmaférese. Após essa fase de indu-
temente está associada à glomerulonefrite rapidamen- ção, inicia-se a terapia de manutenção com prednisona, 20
te progressiva (tipo I). Em cerca de 50 a 70% dos casos, é a 30mg/dia, e azatioprina, 2mg/kg/dia, por 6 a 12 meses. O
acompanhada de envolvimento vasculítico pulmonar, fre- tratamento deve ter início precoce, pois quando o paciente
quentemente associado à hemorragia alveolar (síndrome já está em diálise ou com creatinina maior que 6mg/dL, o
de Goodpasture). Essa doença apresenta um marcador so- prognóstico é ruim.
rológico, que é o anticorpo anti-MBG. Seu surgimento pode
estar relacionado à história de tabagismo, infecção respira-
B - Glomerulonefrite pauci-imune (ANCA positi-
tória recente ou exposição a hidrocarbonetos voláteis.
vo) e vasculites relacionadas ao ANCA
A síndrome de Goodpasture pode ocorrer em todas as As glomerulonefrites pauci-imunes (ANCA relacionadas)
idades, mas acomete preferencialmente homens jovens (5 correspondem a cerca de 60% das GNRPs, se considera-
a 40 anos), com uma relação masculino/feminino de 6:1. A das todas as idades. Nos idosos, é a forma mais comum de
hemorragia alveolar geralmente precede a glomerulonefri- GNRP. Em aproximadamente 75% dos casos, as GN pauci-
te por semanas a meses. O raio x de tórax costuma mostrar -imunes apresentam evidência de vasculites (Wegener, po-
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NEFRO LOG I A
liangeíte microscópica ou Churg-Strauss), muitas vezes com rulonefrite pauci-imune, necrosante nos rins. É mais
envolvimento de vias aéreas inferiores e superiores, entre comum na raça branca, em torno de 40 anos, e não
outras manifestações. Na GN pauci-imune não há ativação tem preferência entre os sexos. Está geralmente asso-
nem consumo de complemento, por isso os níveis de com- ciada à positividade do c-ANCA (c = citoplasmático) ou
plemento sérico são normais. Tipicamente, há positividade antiproteinase 3 (Figura 7A). Esse anticorpo apresenta
sérica para o ANCA (Figura 7). positividade de 97% durante a atividade da doença, e
valores próximos a 70% quando fora da atividade. Os
sintomas de vias aéreas superiores mais comuns são
rinorreia, descarga nasal purulenta/sanguinolenta,
úlceras orais ou nasais, sinusopatia e, com menos
frequência, doença destrutiva do trato respiratório
superior (como o nariz “em sela”). O acometimento
pulmonar é variável, incluindo nódulos pulmonares
(que podem cavitar), hemoptise (por hemorragia al-
veolar, lesões necróticas ou doença endobrônquica),
tosse, dispneia, consolidação pulmonar e/ou derrame
pleural. O envolvimento renal é comum e geralmente
se dá na forma de síndrome nefrítica, com sedimento
urinário ativo (hematúria dismórfica, cilindros hemáti-
cos) e graus variáveis de insuficiência renal, podendo
cursar com glomerulonefrite rapidamente progressiva;
- Poliangeíte microscópica: vasculite de vasos de pe-
queno e médio calibre, envolvendo preferencialmente
os glomérulos e os capilares pulmonares. É mais co-
mum em adultos com idade em torno de 50 anos e
tem ligeiro predomínio no sexo masculino. Também
é uma causa frequente de síndrome pulmão-rim. Na
poliangeíte microscópica, além da lesão renal e do
acometimento pulmonar (hemoptise), podem ocorrer,
com menos frequência, lesões cutâneas por venulite
leucocitoclástica (púrpura palpável, lesões hemorrá-
gicas, úlceras, nódulos subcutâneos) e mononeurite
Figura 7 - ANCA: (A) c-ANCA (c = citoplasmático) e (B) p-ANCA (p múltipla. Ao contrário da granulomatose de Wegener,
= perinuclear)
na poliangeíte microscópica, não são acometidas as
As vasculites ANCA-relacionadas são a principal causa vias aéreas superiores. O acometimento renal, de for-
de síndrome pulmão-rim. O acometimento renal ocorre na ma semelhante à granulomatose de Wegener, consiste
maioria dos pacientes e se apresenta clinicamente como numa glomerulonefrite crescêntica necrosante, geral-
síndrome nefrítica clássica com sedimento urinário rico mente associada à GNRP. O ANCA é positivo na maioria
(hematúria dismórfica e/ou cilindrúria hemática e proteinú- dos casos (70%), sendo o p-ANCA (p = perinuclear) ou
ria). A distinção entre os diversos tipos de vasculite ANCA- antimieloperoxidase mais frequente (Figura 7B);
relacionadas só é possível quando estão presentes outros - Síndrome de Churg-Strauss (angiite alérgica ou gra-
sintomas característicos delas. nulomatosa): é uma vasculite de vasos de médio e
A biópsia renal revela glomerulonefrite proliferativa di- pequeno calibre, habitualmente associada à granu-
fusa ou focal com áreas de necrose fibrinoide glomerular e lomatose vascular e extravascular. Nela, são forma-
crescentes em mais de 50% dos glomérulos (glomerulone- dos granulomas e há infiltração eosinofílica tecidual.
frite necrosante crescêntica). A imunofluorescência carac- Classicamente, envolve as artérias pulmonares e cutâ-
teristicamente não revela nenhum depósito imune, por isso neas, mas pode ser generaliza. Além disso, geralmente
são chamadas de GN pauci-imunes. há história prévia de broncoespasmo, às vezes grave,
A seguir, serão detalhadas as vasculites ANCA relaciona- e a presença de eosinofilia em sangue periférico é um
das, destacando suas características peculiares. achado característico. O rim é acometido em só 30%
- Granulomatose de Wegener: vasculite granulomatosa dos casos, e, além da glomerulite necrosante, há infil-
de vasos de médio e pequeno calibre, que envolve pre- tração renal por eosinófilos, causando nefrite intersti-
ferencialmente o trato respiratório superior e inferior cial. Cerca de 70 a 75% dos casos apresentam positi-
e os rins. Tipicamente, causa inflamação granulomato- vidade para o ANCA, na maioria dos casos p-ANCA. A
sa dos tratos respiratórios superior e inferior e glome- função renal, ao contrário das outras vasculites ANCA-
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D O E N Ç A S G LO M E R U L A R E S
relacionadas, costuma estar preservada. O tratamento mária, às vezes associada à púrpura de Henoch-Schönlein,
das vasculites ANCA-relacionadas deve ser agressivo, e, ocasionalmente, pode ser secundária à doença hepática
com pulsoterapia com metilprednisolona, 0,5 a 1g ao (principalmente cirrose alcoólica), espondilite anquilosan-
dia, por 3 dias, e depois, prednisona, 60 a 80mg ao dia te, psoríase, síndrome de Reiter, doença de Crohn, doença
e ciclofosfamida, 2mg/kg de peso VO ou em pulsos celíaca, dermatite herpetiforme, infecção pelo HIV, entre
NEFROLOGIA
mensais de 0,5 a 1g/m2 de área corporal. A plasma- outras doenças.
férese pode ser realizada se há hemorragia alveolar Clinicamente, os pacientes podem manifestar apenas
concomitante. Em pacientes com Wegener, acredita- hematúria assintomática (detectada na urina tipo I) ou
-se também em benefício do uso do Bactrim para o hematúria macroscópica com ou sem proteinúria. A apre-
controle da doença. sentação clínica mais comum (40 a 50% dos casos), que é
a forma clássica em crianças e jovens, é como hematúria
C - Glomerulonefrite por Imunocomplexos macroscópica recorrente com duração de 2 a 6 dias, algu-
A glomerulonefrite por imunocomplexos é causa de qua- mas vezes associada à infecção de vias aéreas superiores.
se metade dos casos de GNRP. Pode ser idiopática (raro), in- É importante notar que, no caso da nefropatia por IgA, o
fecciosa ou relacionada a doenças sistêmicas, como o lúpus. episódio de hematúria se dá de forma concomitante à in-
O quadro clínico é de GNRP, porém há caracteristicamente fecção de vias aéreas superiores (amigdalite, faringites) e
queda do complemento (C3 e CH50). O anticorpo anti-MBG não 1 a 2 semanas após o mesmo, como ocorre na GN pós-
e o ANCA são, em geral, negativos. O tratamento vai depen- -estreptocócica.
der da causa-base. A GNRP secundária ao lúpus será deta- Ao mesmo tempo em que a nefropatia por IgA pode
lhada posteriormente. evoluir de forma benigna, outras vezes pode cursar com
hipertensão, síndrome nefrítica e/ou nefrótica e perda pro-
gressiva de função renal, com evolução para doença renal
7. Hematúria terminal. Fatores que indicam pior prognóstico são:
Diante de uma paciente com hematúria, é importante - Idade avançada ao início dos sintomas;
diferenciar se a origem é urológica ou glomerular. As causas - Ausência de hematúria macroscópica;
urológicas são responsáveis pela maior parte dos casos de - Hipertensão arterial;
hematúria e incluem nefrolitíase, infecção do trato urinário - Proteinúria persistente e intensa (>500 a 1.000mg/
baixo (cistite, uretrite e prostatite), tumores e trauma. A he- dia);
matúria de origem nas vias urinárias baixas (pelve renal, be- - Sexo masculino;
xiga, uretra) possui coloração vermelho-viva e coágulos. A
hematúria de origem glomerular tem características pecu-
- Creatinina sérica elevada (>2,5mg/dL) ao diagnóstico;
liares: coloração amarronzada (ou de “coca-cola”) da urina - Biópsia com fibrose tubulointersticial, atrofia tubular,
e ausência de formação de coágulos. Essas características formação de crescentes, glomeruloesclerose e prolife-
a distinguem da hematúria de origem urológica. As causas ração intensa.
de hematúria urológicas não fazem parte do objetivo deste O diagnóstico é feito por biópsia renal, que mostra de-
capítulo, já as principais causas glomerulares de hematúria pósitos mesangiais de IgA à imunofluorescência. É comum
isolada serão detalhadas a seguir. haver proliferação mesangial associada, e, raramente, pode
haver formação de crescentes extracapilares. No entanto,
- Particularidades das principais causas de he- a biópsia renal só deve ser indicada aos casos de proteinú-
matúria isolada ria >500mg/dia, síndrome nefrítica e insuficiência renal; os
casos de hematúria isolada têm normalmente evolução be-
a) Nefropatia por IgA (doença de Berger) nigna, por isso não devem ser submetidos à biópsia. Apenas
É a forma mais frequente de glomerulonefrite idiopática 30 a 50% dos pacientes têm aumento sérico de IgA. O com-
no mundo e pode variar de casos leves a formas graves, com plemento sérico é caracteristicamente normal na nefropa-
evolução para insuficiência renal crônica. No Brasil, é a 3ª tia por IgA.
mais frequente das glomerulopatias primárias diagnostica- O tratamento é de valor duvidoso. A maioria dos pacien-
das por biópsia renal, correspondendo a cerca de 20% dos tes não necessita de tratamento, porém em pacientes com
casos (Tabela 1). No entanto, a nefropatia por IgA, prova- proteinúria maior que 0,5g/dia, pode haver benefícios com
velmente, é muito mais frequente no Brasil, tendo em vista corticosteroides (prednisona 1 a 2mg/kg). Em indivíduos
que casos leves, de hematúria isolada não são submetidos à com perda de função renal, óleo de peixe e, de forma mais
biópsia renal. A nefropatia por IgA é a principal responsável comum, ciclofosfamida, podem ser utilizados para o trata-
pelos casos de hematúria macroscópica de origem glome- mento.
rular. Pode acometer qualquer idade, mas é mais comum
entre a 2ª e a 3ª décadas de vida e no sexo masculino (2:1). b) Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS)
Acomete, preferencialmente, brancos e asiáticos e é rela- Acredita-se que esta represente uma variação sistêmica
tivamente rara em negros. Pode ocorrer como doença pri- da nefropatia por IgA, embora na grande maioria das vezes
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NEFRO LOG I A
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D O E N Ç A S G LO M E R U L A R E S
coli êntero-hemorrágica sorotipo O:157-H7. Esse sorotipo coradas pelo vermelho congo. Devido ao depósito renal de
de E. coli é produtor de verotoxina ou toxina shiga-like, to- material amiloide, os rins costumam cursar com tamanho
xina capaz de desencadear a síndrome. A transmissão des- normal ou aumentado na amiloidose, mesmo nos casos de
sa bactéria se dá predominantemente através de comida insuficiência renal crônica avançada.
contaminada. Outros agentes infecciosos como a Shigella O tratamento depende do tipo de amiloidose. No caso
NEFROLOGIA
dysenteriae e o Streptococcus pneumoniae também podem da amiloidose AA, a terapia deve ser dirigida ao tratamento
produzir verotoxina e desencadear a síndrome. da causa inflamatória ou infecciosa. No caso da amiloidose
A patogênese da SHU nesses casos não é completa- AL, o tratamento deve objetivar a discrasia sanguínea sub-
mente compreendida, mas acredita-se que a verotoxina jacente.
ou algum outro fator cause lesão endotelial glomerular e
consequente hiperativação plaquetária e do sistema de co- B - Crioglobulinemia
agulação. Logo, há acúmulo de plaquetas no interior das Crioglobulinas são proteínas do soro e do plasma do
alças capilares glomerulares, obstruindo o fluxo glomerular. paciente que se precipitam em temperaturas menores que
A histopatologia renal é semelhante à que ocorre na 37°C e consistem numa mistura de imunoglobulinas e com-
SHU, já descrita, do adulto, com microangiopatia trombó- ponentes do complemento.
tica renal. As alterações laboratoriais são semelhantes às Crioglobulinemia é uma síndrome inflamatória sistêmi-
descritas para a SHU do adulto. ca, que envolve vasos de pequeno e médio calibre, secun-
Diferente da SHU do adulto, a SHU secundária à E. coli dária a imunocomplexos contendo crioglobulinas. A crioglo-
é autolimitada, na maior parte dos casos, havendo recupe- bulinemia classifica-se em:
ração da função renal após 1 a 3 semanas. Por isso, não - Tipo I: a presença de uma imunoglobulina monoclo-
requer tratamento específico. O tratamento é de suporte. nal (tipicamente IgM ou IgG) isolada é o critério para
No entanto, aproximadamente 10% dos casos evoluem com classificação desse tipo de crioglobulinemia, que é
necrose cortical aguda e insuficiência renal terminal irrever- responsável por 5 a 25% dos casos. Tipicamente, são
sível. secundárias a macroglobulinemia de Waldenström ou
mieloma múltiplo;
10. Doenças glomerulares de depósito - Tipo II: há uma mistura de imunoglobulinas policlonais
associada a uma imunoglobulina monoclonal, tipica-
A - Amiloidose mente IgM ou IgA, com atividade de fator reumatoide.
Esse tipo de crioglobulinemia também é chamado de
A amiloidose é uma doença de depósito, que se caracte- crioglobulinemia mista essencial e é responsável por
riza pela deposição de fibrilas compostas por subunidades 40 a 60% dos casos. É geralmente secundária à infec-
de baixo peso molecular de uma grande variedade de pro- ção viral prolongada, particularmente por hepatite C
teínas. As fibrilas amiloides podem ser identificadas tanto e HIV;
por sua aparência característica na ME quanto por sua ca- - Tipo III: há uma mistura de imunoglobulinas policlo-
pacidade de se ligar ao vermelho congo na microscopia por nais. Corresponde a 40 a 50% das crioglobulinemias e,
luz polarizada. As formas mais comuns de amiloidose são as em geral, é secundária a doenças do tecido conjuntivo,
formas AL (primária) e AA (secundária). como LES e doença de Sjögren.
A amiloidose AL, devida à deposição de proteínas deri-
vadas de fragmentos de cadeia leve de imunoglobulina, é Quanto à apresentação clínica, a maioria dos casos de
uma discrasia plasmática na qual uma imunoglobulina mo- crioglobulinemia é assintomática. Quando presentes, os
noclonal é detectável no soro ou na urina da maior parte sintomas variam conforme o tipo de crioglobulinemia:
dos casos. A amiloidose AL pode ocorrer de forma isolada - Tipo I: muitos pacientes são assintomáticos. Os sinais,
ou associada ao mieloma múltiplo ou, mais raramente, à quando ocorrem, são relacionados à hiperviscosidade
macroglobulinemia de Waldenström. e/ou trombose e incluem fenômeno de Raynaud, is-
A amiloidose AA pode complicar diversas doenças crô- quemia digital, livedo reticular, púrpura e sinais neuro-
nicas, nas quais há inflamação persistente ou recorrente, lógicos de hiperviscosidade (borramento visual, cefa-
como artrite reumatoide e infecções crônicas. As fibrilas leia, vertigem, nistagmo, tontura, surdez súbita, diplo-
amiloides são constituídas por fragmentos de amiloide A pia, ataxia, confusão mental, alteração da consciência,
sérico, que é um reator de fase aguda. AVC e coma);
O envolvimento renal geralmente se manifesta como - Tipos II e III: produzem sintomas inespecíficos e cons-
proteinúria assintomática ou síndrome nefrótica. A MO titucionais, como artralgias, fadiga e mialgias, bem
da amiloidose renal revela deposição difusa glomerular de como púrpura palpável secundária a vasculite cutânea
material amorfo hialino, inicialmente no mesângio e, após, e alterações sensoriais e motoras secundárias a neuro-
nas alças capilares. A microscopia com luz polarizada mos- patia periférica. Podem ocorrer remissões e exacerba-
tra uma birrefringência esverdeada nas amostras teciduais ções espontâneas.
99
NEFRO LOG I A
O acometimento renal da crioglobulinemia, na maior mum no diagnóstico do LES. A nefrite lúpica pode se mani-
parte das vezes, decorre da deposição de imunocomplexos festar de várias formas, as quais podem ser diferenciadas
e, menos comumente, de doença trombótica (mais fre- pela biópsia renal. A gravidade da nefrite lúpica depende do
quente na crioglobulinemia tipo I). A GN membranoproli- padrão de acometimento renal.
ferativa é a alteração geralmente encontrada na biópsia Apesar de estar presente em até 80% dos pacientes com
renal (60 a 80% dos casos), com proliferação endocapilar e LES, doença renal evidente só ocorre em cerca de 50% dos
subendotelial e depósitos intraluminais de crioglobulinas. casos. A maioria das alterações renais surge logo após o
Menos comumente, a biópsia pode revelar glomerulonefri- diagnóstico de LES (nos primeiros 6 a 36 meses). Apesar de
te proliferativa mesangial (20%), trombos hialinos intraglo- até 30% dos portadores de LES apresentarem aumento dos
merulares (25%) e vasculite com necrose fibrinoide (30%). níveis de creatinina durante o curso da doença, é incomum
o desenvolvimento de insuficiência renal nos primeiros me-
C - Doença de depósito de cadeia leve ses após o diagnóstico de LES.
A maioria dos pacientes com nefrite lúpica tem uma
A doença de depósito de cadeia leve é uma doença de doença glomerular mediada por imunocomplexos. Nas últi-
depósito de cadeia leve de imunoglobulina monoclonal mas décadas, vários métodos foram criados para classifica-
(geralmente kappa), que é secundária ao mieloma múltiplo ção da nefrite lúpica. O método atualmente mais utilizado
ou uma doença linfoproliferativa. Portadores de doença de para a classificação da nefrite lúpica foi criado em 2004 pela
depósito de cadeia leve geralmente apresentam acometi- “International Society of Nephrology” em conjunto com a
mento renal, cardíaco ou hepático. Os depósitos tissulares “Renal Pathology Society” (ISN/RPS 2004). Esse sistema di-
de cadeias leves são geralmente constituídos por cadeia vide a nefrite lúpica em 6 classes diferentes, baseado nos
leve kappa, são granulares (e não fibrilares) e não coram achados histopatológicos. No entanto, é comum que haja
com vermelho congo. O envolvimento renal se apresenta, sobreposição de mais de uma classe ou que o paciente evo-
na maior parte dos casos, como síndrome nefrótica franca lua de uma classe para outra de nefrite lúpica. Tal achado
e/ou insuficiência renal. A maior parte dos pacientes pro- era esperado, pois os tipos histológicos de nefrite lúpica
gride para insuficiência renal terminal, com necessidade de representam respostas inespecíficas à deposição de imu-
diálise. nocomplexos, que é a base histopatológica da doença. As
classes da nefrite lúpica, segundo a classificação da ISN/RPS
D - Glomerulonefrite fibrilar e imunotactoide 2004, são: classe I (nefrite lúpica mínima); classe II (nefrite
lúpica mesangioproliferativa); classe III (nefrite lúpica fo-
Constituem causas muito raras, porém graves de síndro- cal); classe IV (nefrite lúpica difusa); classe V (nefrite lúpica
me nefrótica. São doenças de depósito fibrilar no gloméru- membranosa); e classe VI (nefrite lúpica esclerosante avan-
lo, que se diferenciam da amiloidose pela negatividade ao çada). As particularidades das classes da nefrite lúpica en-
vermelho congo. O diagnóstico de ambas as doenças só é contram-se descritas a seguir e sumarizadas na Tabela 11.
possível por meio da biópsia renal. A ME mostra, na GN fi-
a) Nefrite lúpica mesangial mínima (classe I)
brilar, fibrilas com 20mm de diâmetro dispostas de forma
aleatória no mesângio e na parede capilar. No caso da GN Pacientes com nefrite lúpica classe I tem apenas depó-
imunotactoide, a ME mostra fibrilas de maior diâmetro (30 sitos imunes mesangiais, sem hipercelularidade mesangial.
a 40mm), dispostas em feixes organizados. A nefrite lúpica classe I representa o estágio mais precoce
A faixa etária média é de 45 anos, variando de 10 a 80 e mais leve do envolvimento glomerular da nefrite lúpica.
anos. A apresentação clínica abrange a presença de síndro- Portadores dessa classe de nefrite lúpica geralmente apre-
sentam urinálise e função renal normais. Desse modo, na
me nefrótica franca (em >50% dos casos), hematúria mi-
maior parte dos casos, a biópsia renal não está indicada.
croscópica (60 a 70% dos casos), HAS e insuficiência renal
(50% dos casos). b) Nefrite lúpica mesangioproliferativa (classe II)
O prognóstico é ruim. Aproximadamente metade dos A microscopia óptica da nefrite lúpica classe II mostra
casos evolui para a necessidade de diálise em 2 a 6 anos. hipercelularidade mesangial ou expansão de matriz mesan-
Não há tratamento eficaz para esses tipos de glomerulopa- gial. Na imunofluorescência, é possível visualizar depósitos
tia até o momento. mesangiais de IgG e, menos frequentemente, de IgM, IgA,
C3 e C1q. Clinicamente, essa classe se manifesta como he-
11. Doenças sistêmicas associadas a glo- matúria microscópica e/ou proteinúria. Hipertensão é rara,
bem como síndrome nefrótica e insuficiência renal. O prog-
merulopatias nóstico renal é excelente e não é necessário tratamento es-
pecífico, exceto se houver progressão para uma classe mais
A - Lúpus eritematoso sistêmico avançada de acometimento renal.
A incidência de acometimento renal no lúpus é variada c) Nefrite lúpica focal (classe III)
e pode chegar a 80% dos pacientes. A presença de altera- A nefrite lúpica classe III é definida como aquela em que
ções urinárias com ou sem alteração de função renal é co- há envolvimento de menos de 50% dos glomérulos pela mi-
100
D O E N Ç A S G LO M E R U L A R E S
croscopia óptica, com glomerulonefrite ativa ou inativa, seg- prednisona durante esse período. Após esses 6 meses,
mentar ou global, endocapilar ou extracapilar. Essas lesões inicia-se o tratamento de manutenção, no qual os pulsos
estão geralmente associadas ao depósito de imunocomple- de ciclofosfamida passam a ser trimestrais (mais 6 pul-
xos subendoteliais, associados ou não a depósitos mesan- sos de ciclofosfamida), com manutenção da prednisona
giais, de IgG (mais intenso), IgM, IgA, C3 e C1q, revelados em doses baixas (<20mg/dia). Outra opção para a fase
NEFROLOGIA
pela imunofluorescência. O prognóstico renal da nefrite lú- de manutenção é a utilização da azatioprina associada
pica classe III é variável e depende do número de glomérulos a baixas doses de corticoide. O prognóstico renal é ruim
acometidos e da intensidade das lesões. A maioria dos pa- e, mesmo com terapia imunossupressora agressiva, pode
cientes apresenta hematúria e proteinúria. Alguns pacientes haver piora progressiva da função renal com evolução
apresentam ainda hipertensão, alteração de função renal e/ para insuficiência renal crônica terminal.
ou síndrome nefrótica. É rara a progressão da nefrite lúpica
e) Nefrite lúpica membranosa (classe V)
classe III para insuficiência renal terminal quando menos de
25% dos glomérulos estão acometidos. No entanto, quando A nefrite lúpica classe V é caracterizada pelo espessa-
há um comprometimento glomerular mais intenso (entre mento difuso da MBG com imunodepósitos subepiteliais.
40 e 50%), a progressão para insuficiência renal é mais fre- Acometimento mesangial também pode estar presente. A
quente e o prognóstico renal se assemelha ao da classe IV, imunofluorescência revela depósitos subepiteliais de IgG e,
detalhada a seguir. O tratamento é semelhante ao da nefrite menos frequentemente, de IgM, IgA, C3 e C1q. A nefrite
lúpica classe IV e a intensidade e duração do mesmo vai de- lúpica membranosa acomete de 10 a 20% dos portadores
pender do grau de acometimento glomerular. de nefrite lúpica e se apresenta, tipicamente, como síndro-
me nefrótica franca, de forma semelhante à da nefropatia
d) Nefrite lúpica difusa (classe IV) membranosa idiopática. Hematúria microscópica e hiper-
Na nefrite lúpica classe IV (também conhecida como tensão podem também estar presentes ao diagnóstico. A
nefrite lúpica proliferativa difusa), mais de 50% dos glo- função renal encontra-se, em geral, preservada ou apenas
mérulos estão acometidos com glomerulonefrite proli- discretamente alterada. O tratamento deve ser realizado
ferativa endocapilar com ou sem envolvimento extraca- em pacientes que se apresentem com síndrome nefrótica
pilar e mesangial concomitante. A nefrite lúpica difusa e/ou alteração de função renal e consiste, classicamente,
está, geralmente, associada a depósitos subendoteliais no uso de prednisona associado ou não à ciclofosfamida
difusos, acompanhados ou não de depósitos mesangiais IV ou à ciclosporina VO. Se a nefrite lúpica classe V estiver
e/ou subepiteliais, de IgG (mais intenso), IgM, IgA, C3 associada a lesões proliferativas, deve ser tratada como a
e C1q, revelados pela imunofluorescência. A nefrite lú- classe IV.
pica classe IV é a forma mais comum e mais grave de
nefrite lúpica. Hematúria e proteinúria estão presentes f) Nefrite lúpica esclerosante avançada (classe VI)
em todos os pacientes com doença ativa. Hipertensão, A nefrite lúpica classe VI é caracterizada por esclero-
síndrome nefrótica e insuficiência renal são frequentes. se global de mais de 90% dos glomérulos. Ela representa
Portadores de nefrite lúpica classe IV, habitualmente, se a cicatrização da lesão inflamatória prévia, bem como os
apresentam com hipocomplementemia significativa e al- estágios crônicos avançados das classes III, IV e V. Não há
tos níveis de anti-DNA. O tratamento de indução deve ser sinais de doença inflamatória ativa nessa classe da nefrite
prontamente iniciado e consiste em imunossupressão lúpica. A nefrite lúpica classe VI acomete cerca de 4% dos
agressiva, realizada, classicamente, com pulso intrave- casos de nefrite lúpica. Pacientes com nefrite lúpica classe
noso de corticoide (metilprednisolona, 0,5 a 1g/dia, por VI geralmente se apresentam com insuficiência renal crôni-
3 dias), seguido de prednisona, 1mg/kg/dia VO, associa- ca lentamente progressiva, associada à proteinúria e altera-
do a pulsos endovenosos mensais de ciclofosfamida (0,5 ções discretas no sedimento urinário. Nesses casos, não há
a 1g/m2) por 6 meses, com redução lenta e gradual da benefício de terapia imunossupressora.
Tabela 11 - Classificação da nefrite lúpica, segundo a International Society of Nephrology/Renal Pathology Society 2004 (ISN/RPS 2004)
Classe Nomenclatura Achados clínicos Laboratório Tratamento
Nefrite lúpica mesangial mínima:
- Ausência de hematúria e - Tratamento es-
presença de depósitos imunes me- - Habitualmente assinto-
I proteinúria; pecífico não está
sangiais, sem hipercelularidade me- mática.
- Creatinina normal. indicado.
sangial.
Nefrite lúpica mesangioproliferati-
- Pode não ter nenhum - Proteinúria discreta; - Tratamento es-
va: presença de depósitos imunes
II sintoma; ocasionalmen- - Hematúria discreta; pecífico não está
mesangiais, com hipercelularidade
te, hipertensão. - Creatinina normal. indicado.
mesangial.
101
NEFRO LO G I A
102
D O E N Ç A S G LO M E R U L A R E S
b) Classificação d) Patogênese
A classificação da nefropatia diabética está descrita na Aparentemente existem processos patogênicos diferen-
Tabela 12. É muito importante a detecção precoce da mi- tes envolvidos na gênese da nefropatia diabética. A glome-
croalbuminúria, pois o uso dos IECA pode retardar a evolu- ruloesclerose, por exemplo, pode ser resultante da hiper-
NEFROLOGIA
ção da nefropatia. Além dos IECA, outros fatores são impor- tensão intraglomerular induzida pela vasodilatação renal,
tantes na prevenção de lesão renal, como rigoroso controle ou da lesão isquêmica induzida pela estenose dos vasos que
pressórico e rigoroso controle glicêmico. suprem o glomérulo.
- Hiperfiltração glomerular: o papel da hipertensão glo-
Tabela 12 - Classificação da nefropatia diabética merular e da hiperfiltração na nefropatia diabética é
Tipo Característica
Clearance de creati-
Diagnóstico
reforçado pelo benefício proporcionado pelo bloqueio
nina do sistema renina-angiotensina. O antagonismo dos
Significativamente efeitos pró-fibróticos da angiotensina II também pa-
Fases iniciais do Não há lesão
I aumentado, pelo hiper- rece ser um fator significativo para o efeito protetor
diabetes. renal.
fluxo glomerular. induzido por inibidores da ECA e antagonistas do re-
Não há lesão ceptor de angiotensina II;
Fases iniciais do Começa a reduzir, mas
II
diabetes. ainda é normal.
renal signifi- - Hiperglicemia: a hiperglicemia pode induzir direta-
cativa. mente expansão mesangial e lesão glomerular, talvez,
Persistência da Normal e evoluindo em parte, por aumento da produção de matriz mesan-
Lesão renal
III microalbumi- para redução progres- gial ou da glicosilação de proteínas da matriz;
discreta.
núria. siva.
- Citocinas: ativação de citocinas, agentes pró-fibróticos,
Proteinúria inflamação e fator de crescimento endotelial vascular
Lesão renal
IV (>300mg/24 Reduzido.
difusa. (VEGF) parecem estar envolvidos na deposição de ma-
horas).
triz mesangial na nefropatia diabética.
Rins crônicos e Rins destru-
V <15mL/min.
destruídos. ídos. e) Fatores de risco
c) Patologia - Suscetibilidade genética: parece ter um papel im-
portante tanto na incidência quanto na gravidade da
São 3 as alterações histológicas glomerulares mais fre-
nefropatia diabética. O risco de desenvolvimento da
quentes na nefropatia diabética: expansão mesangial, es-
nefropatia diabética aumenta significativamente em
pessamento de MBG e esclerose glomerular. O achado pacientes com história familiar positiva para a doença;
histopatológico mais frequente é de glomeruloesclerose
difusa. Todas as estruturas renais são acometidas: interstí-
- Idade: a relação da idade com o início e a progressão
da nefropatia diabética é incerta;
cio, túbulos, vasos e glomérulos. Uma forma muito típica,
apesar de ser pouco frequente, do acometimento renal do
- Pressão arterial: há correlação entre a hipertensão e o
desenvolvimento de nefropatia diabética;
diabetes é a glomeruloesclerose nodular intercapilar, co-
nhecida como nódulos de Kimmelstiel-Wilson (Figura 8). - Hiperfiltração: metade dos portadores de diabetes
mellitus tipo 1 por menos de 5 anos apresenta ritmo
de filtração glomerular 25 a 50% acima do normal.
Esses pacientes parecem ter risco aumentado para o
desenvolvimento de nefropatia diabética. A hiperfil-
tração glomerular no diabetes tipo 1 é tipicamente
associada à hipertrofia glomerular e ao aumento do
tamanho renal. A associação entre esses fatores he-
modinâmicos e estruturais e o desenvolvimento da
nefropatia diabética pode estar relacionada tanto à
hipertensão intraglomerular (a qual é secundária à hi-
perfiltração) quanto à hipertrofia glomerular (que au-
menta o estresse das paredes capilares glomerulares).
A terapia com o objetivo de reverter essas mudanças,
com controle adequado e precoce da glicemia e dos
níveis pressóricos, pode retardar a progressão da ne-
fropatia diabética. No diabetes tipo 2, cerca de 45%
dos pacientes apresentam aumento do ritmo de filtra-
Figura 8 - Microscopia óptica de nefropatia diabética mostrando ção glomerular quando do diagnóstico, porém o grau
lesão glomerular difusa com expansão mesangial e um típico nó- de hiperfiltração é menor do que no diabetes tipo 1
dulo de Kimmelstiel-Wilson no topo glomerular (seta) (de 20 a 40%, em média). Os portadores de diabetes
103
NEFRO LOG I A
tipo 2 são ainda, em geral, mais velhos do que os com diabéticos, não só reduz a proteinúria, mas também
diabetes tipo 1 e têm com maior frequência doença diminui a taxa de progressão da doença renal crônica.
arteriosclerótica associada, o que limita o aumento da A redução da hipertensão intraglomerular com uso de
filtração glomerular e do tamanho no rim na fase de IECA ou ARA-II pode reduzir a progressão ou até pre-
hiperfiltração da nefropatia diabética. A importância venir o surgimento da nefropatia diabética, mesmo na
da hipertensão intraglomerular na patogênese da ne- ausência de controle glicêmico adequado. Todavia, o
fropatia diabética pode explicar por que a hipertensão controle pressórico rigoroso é mais importante para a
arterial sistêmica é um importante fator de risco para prevenção e redução da taxa de progressão da nefro-
o desenvolvimento de nefropatia diabética; patia diabética do que o uso isolado e IECA ou ARA-II,
- Controle glicêmico: o risco de nefropatia diabética é portanto, na maior parte dos casos, é necessária asso-
maior em pacientes com mau controle glicêmico; ciação com outros anti-hipertensivos com o objetivo de
- Raça: a incidência e a gravidade da nefropatia diabéti- manter um adequado controle pressórico. Resumindo,
ca é 3 a 6 vezes maior em negros do que em brancos; a pressão arterial de diabéticos deve ser mantida abai-
xo de 130x80mmHg, ou abaixo de 120x75mmHg se a
- Obesidade: está associada a um maior risco de doença proteinúria for >1g/24h, e os agentes de escolha ini-
renal crônica em diabéticos. Por outro lado, perda de
cial são os inibidores da ECA ou os ARA-II. Quando ne-
peso pode reduzir a proteinúria e melhorar a função
cessária associação com outros agentes para controle
renal nesses pacientes;
pressórico adequado, podem-se associar antagonistas
- Tabagismo: pode aumentar a albuminúria e o risco de do canal de cálcio, como o verapamil ou o diltiazem,
doença renal crônica em estágio terminal em diabéti- que apresentam um efeito protetor adicional contra
cos. Adicionalmente, pode reduzir a sobrevida desses progressão da nefropatia diabética. O bloqueio duplo
pacientes, após o início da diálise. do sistema renina-angiotensina com IECA associado a
f) Correlação entre nefropatia e retinopatia diabética ARA-II não está indicado no presente momento, pois
nenhum estudo demonstrou benefício a longo prazo
Portadores de diabetes tipo 1 associado à nefropatia
dessa associação na preservação da função renal e há
diabética frequentemente apresentam outros sinais de do-
aumento de efeitos adversos;
ença diabética microvascular, como a retinopatia e a neu-
ropatia diabéticas. A retinopatia é facilmente detectada - Proteinúria: pacientes com nefropatia manifesta com
clinicamente pelo exame de fundo de olho e, tipicamente, macroalbuminúria devem ser tratados com inibidores
precede o surgimento da nefropatia. No entanto, o pacien- da ECA ou ARA-II, mesmo se os níveis pressóricos esti-
te pode apresentar retinopatia avançada e não apresentar verem abaixo do alvo de 130x80mmHg. A proteinúria
nefropatia diabética. deve ser reduzida para menos de 0,5 a 1g/dia, ou, se
Com base na frequente associação entre retinopatia e esse alvo não for possível, para menos de 60% da pro-
nefropatia diabética, sugere-se que a causa da doença renal teinúria basal;
crônica deva ser atribuída ao diabetes na maior parte dos - Controle lipídico: o tratamento da dislipidemia parece
pacientes que apresentam tanto microalbuminúria quanto ser capaz de retardar a progressão da nefropatia dia-
retinopatia diabética. Por outro lado, devem ser considera- bética.
das outras causas de doença renal crônica em pacientes nos
quais a retinopatia diabética esteja ausente. C - Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS)
g) Tratamento da nefropatia diabética A HAS é uma das principais causas de doença renal ter-
minal, com necessidade de hemodiálise no Brasil e no mun-
As medidas terapêuticas com maior eficácia na preven-
do. No Brasil, é a causa da doença renal terminal em 35,2%
ção e desaceleração da progressão da nefropatia diabética
dos pacientes em hemodiálise, segundo censo de 2010 da
são o adequado controle glicêmico e da pressão arterial,
Sociedade de Brasileira de Nefrologia. No entanto, essa pre-
com ênfase para o uso de IECA e ARA-II.
valência pode estar superestimada, pois, como o diagnóstico
- Controle glicêmico: o controle glicêmico adequado de nefrosclerose hipertensiva geralmente é presuntivo, não
pode reverter parcialmente a hipertrofia e a hiperfil-
se pode descartar uma glomerulopatia primária ou outra
tração glomerulares, que são fatores de risco impor-
causa em pacientes não submetidos à biópsia renal. A nefros-
tantes para o desenvolvimento da nefropatia diabé-
clerose hipertensiva é mais comum e mais grave em negros.
tica. Adicionalmente, o controle glicêmico é capaz de
A lesão renal decorrente da HAS pode se apresentar de
reduzir o desenvolvimento e a progressão da nefro-
2 formas, que serão detalhadas a seguir: a nefrosclerose hi-
patia diabética. O controle glicêmico é ainda capaz de
pertensiva benigna e a nefrosclerose hipertensiva maligna.
estabilizar ou reduzir a proteinúria em pacientes com
macroalbuminúria; a) Nefrosclerose hipertensiva benigna
- Controle pressórico: o uso de inibidores da ECA ou A nefrosclerose hipertensiva benigna decorre da lesão
ARA-II como parte da terapêutica anti-hipertensiva em endotelial causada pelo aumento crônico da pressão arte-
104
D O E N Ç A S G LO M E R U L A R E S
rial em artérias interlobulares e arqueadas e arteríolas afe- a biópsia, na maior parte dos casos não está indicada. Os
rentes renais. pacientes acometidos geralmente têm uma longa história
de HAS, tipicamente associada à retinopatia hipertensiva,
- Patologia hipertrofia ventricular direita, sedimento urinário relativa-
A nefrosclerose hipertensiva é caracterizada histologica- mente normal, rins de tamanho reduzido e piora progressi-
NEFROLOGIA
mente por envolvimento vascular, glomerular e intersticial. va da função renal, frequentemente, associada a proteinú-
• Doença vascular: o acometimento vascular da ne- ria (que inicialmente é não nefrótica).
frosclerose hipertensiva consiste em espessamento O fator mais importante para o diagnóstico, do ponto de
intimal com consequente estreitamento do lúmen vista clínico é que a hipertensão preceda o surgimento da
de grandes e pequenos vasos renais e das arteríolas proteinúria e/ou da insuficiência renal e que não haja outra
glomerulares. Dois processos parecem estar envol- causa de doença renal mais provável.
vidos na gênese das lesões vasculares: 1- resposta - Tratamento
hipertrófica à hipertensão crônica que é manifesta
O risco de progressão da nefrosclerose hipertensiva be-
como hipertrofia da média e espessamento fibro-
nigna para insuficiência renal é inversamente proporcional
blástico intimal, levando a estreitamento do lúmen
ao grau de controle pressórico. Portanto, o tratamento da
vascular. Essa resposta é, inicialmente, adaptativa
por minimizar o grau em que a hipertensão sistê- nefrosclerose benigna consiste no controle dos níveis ten-
mica á transmitida para arteríolas e capilares. 2- de- sionais com anti-hipertensivos.
pósito de material hialino nas paredes arteriolares Inibidores da ECA e antagonistas do receptor de angio-
lesadas e, por isso, mais permeáveis (arterioloescle- tensina II são os anti-hipertensivos de escolha para reno-
rose hialina); proteção em pacientes hipertensos que apresentem doen-
ça renal crônica com proteinúria. Não há consenso quanto
• Glomeruloesclerose: os glomérulos podem apre-
ao anti-hipertensivo de 1ª escolha nos casos de nefrosclero-
sentar tanto esclerose focal global (que afeta alguns
se hipertensiva benigna sem proteinúria.
glomérulos de forma completa) ou focal segmentar
(que afeta alguns glomérulos de forma parcial); b) Nefrosclerose hipertensiva maligna
• Nefrite intersticial: a doença vascular e glomerular A nefrosclerose maligna faz parte de uma síndrome, a
está frequentemente associada à nefrite intersticial hipertensão maligna, uma emergência hipertensiva defini-
intensa. da como um aumento abrupto dos níveis tensionais, geral-
- Manifestações clínicas mente até valores acima de 180x120mmHg, acompanhado
de retinopatia hipertensiva graus 3 e 4, com hemorragia
O risco de nefrosclerose benigna é maior em negros, retiniana, exsudatos moles ou papiledema. Lesão de outros
portadores de doença renal crônica por outras causas (prin- órgãos-alvo pode ocorrer na hipertensão maligna, como
cipalmente por nefropatia diabética) e pacientes com níveis nefrosclerose maligna, edema agudo de pulmão e encefa-
pressóricos elevados persistentes. Portadores de nefroscle- lopatia hipertensiva.
rose benigna se apresentam tipicamente com história de
Na nefrosclerose maligna, podem ocorrer 2 formas de
HAS de longa data, piora lenta e progressiva de função renal
lesão vascular: 1- necrose fibrinoide (depósito de material
e proteinúria leve.
eosinofílico composto por fibrina e, muitas vezes, infiltrado
Hiperuricemia (independente do uso de diuréticos) é
inflamatório); 2- arterioloesclerose hiperplásica ou lesão
um achado relativamente precoce da nefrosclerose hiper-
arteriolar “em bulbo de cebola” (espessamento da íntima
tensiva benigna e parece refletir a redução do fluxo sanguí-
decorrente da proliferação concêntrica de células muscula-
neo renal induzida pela doença vascular. A proteinúria en-
res lisas entremeadas a um depósito laminar de colágeno).
contra-se discretamente aumentada (<1g/24h) na nefros-
Ocorre insuficiência renal aguda devido à isquemia glome-
clerose benigna, o que reflete a natureza, em geral, focal do
rular difusa acentuada, muitas vezes com necessidade de
comprometimento glomerular.
hemodiálise. A doença vascular renal leva à isquemia glo-
Apesar de ser a causa mais frequente de doença renal
merular e ativação do sistema renina-angiotensina-aldos-
crônica no Brasil e uma das principais no mundo, a veloci-
terona, o que pode resultar em exacerbação adicional da
dade de progressão da nefrosclerose hipertensiva benigna
hipertensão e hipocalemia.
é lenta na maior parte dos casos e apenas uma minoria dos
hipertensos (0,2 a 2%) evolui com doença renal crônica pro- O diagnóstico de nefrosclerose maligna se dá na pre-
gressiva. Como o número de hipertensos no mundo é muito sença de um paciente com quadro de hipertensão maligna
grande, a nefrosclerose hipertensiva é uma das principais associada à insuficiência renal, proteinúria, hematúria mi-
causas de doença renal crônica em fase terminal, mesmo cro ou macroscópica e lesões retinianas compatíveis com
com essa pequena taxa de progressão. hipertensão maligna (Figura 9). O sedimento urinário pode
mostrar sinais de lesão glomerular, como a presença de ci-
- Diagnóstico lindros hemáticos, piocitários e granulosos.
O diagnóstico da nefrosclerose benigna é geralmen- O tratamento da nefrosclerose maligna é semelhante ao
te inferido de acordo com as manifestações clínicas, pois de outras emergências hipertensivas e consiste no contro-
105
NEFRO LOG I A
le efetivo e agressivo da pressão arterial, inicialmente com - A glomerulonefrite rapidamente progressiva é uma forma de
medicações intravenosas, como o nitroprussiato de sódio. síndrome nefrítica, com formação de crescentes e perda rápida
Posteriormente, devem-se iniciar medicamentos orais, o de função renal, que requer tratamento imediato;
que permite o desmame dos anti-hipertensivos intraveno- - As principais causas de glomerulonefrite rapidamente pro-
sos. Deve-se ter o cuidado de não reduzir a pressão arterial gressiva incluem a granulomatose de Wegener, a doença de
muito abruptamente, para evitar isquemia cerebral, cardía- Goodpasture, a poliangeíte microscópica e o LES;
ca e/ou renal. Portanto, a pressão arterial deve ser reduzida - A maior causa de glomerulonefrite idiopática no mundo é a
em no máximo 25% nas primeiras 2 a 6 horas de tratamen- nefropatia por IgA, que apresenta, como manifestação mais
to. Posteriormente, a pressão deve ser reduzida para níveis comum, hematúria assintomática;
<140x90mmHg em 2 a 3 meses. Se não tratada, o prognósti- - O LES apresenta glomerulonefrite, que pode ser dividida em 5
co renal da nefrosclerose maligna é ruim, com grande parte subtipos; os pacientes de maior gravidade apresentam nefrite
dos pacientes evoluindo para rins terminais e necessidade lúpica difusa ou tipo IV e devem ser tratados com corticotera-
de diálise. Com o tratamento precoce e agressivo, pode ha- pia e ciclofosfamida;
ver recuperação da função renal em muitos pacientes. - O diabetes também apresenta doença glomerular, com a forma
mais comum sendo a glomeruloesclerose, mas também pode
apresentar a glomerulopatia de Kimmelstiel-Wilson, que é típi-
ca dessa doença;
- A HAS é uma das principais causas de doença renal terminal,
com necessidade de hemodiálise no Brasil e no mundo. A ne-
frosclerose hipertensiva é mais comum e mais grave em ne-
gros. A lesão renal decorrente da HAS pode apresentar-se de 2
formas: a nefrosclerose hipertensiva benigna e a nefrosclerose
hipertensiva maligna.
12. Resumo
Quadro-resumo
- A síndrome nefrótica se manifesta pela tríade proteinúria nefrótica
(3,5g/1,73m2/24h), hipoalbuminemia e dislipidemia;
- A causa mais comum de síndrome nefrótica em adultos no
Brasil é a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF), en-
quanto, em crianças, é a doença por lesões mínimas;
- A glomerulonefrite membranosa é a mais associada a eventos
tromboembólicos;
- A doença por lesões mínimas apresenta excelente resposta aos
corticosteroides, com remissão parcial ou total, em quase 90%
dos casos;
- A síndrome nefrítica manifesta-se por hipertensão, edema e
hematúria;
- As alterações urinárias que podem sugerir que a doença renal é
relacionada ao glomérulo são cilindros eritrocitários; dismorfis-
mo eritrocitário; grande quantidade de proteinúria; hematúria
(com urina de coloração amarronzada e ausência de formação
de coágulos);
106
CAPÍTULO
8 Doenças tubulointersticiais
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Natália Corrêa Vieira de Melo
107
NEFR O LOG I A
Autoimunes - Síndrome de Sjögren. Tabela 4 - Achados clínicos e laboratoriais das doenças tubuloin-
tersticiais
- Doença renal policística;
Disfunção - Mecanismo.
Hereditárias - Doença cística medular;
Redução do - Obstrução da microvasculatura renal;
- Doença medular esponjosa.
clearance - Obstrução de túbulos.
- Nefropatia associada à doença falciforme;
- Disfunção de túbulos distais com reab-
- Pielonefrite crônica; Perda de sal
sorção de sódio prejudicada.
- Obstrução crônica do trato urinário;
- Redução da produção de amônia;
Outras - Refluxo vesicoureteral;
- Incapacidade de acidificar os ductos cole-
- Nefropatia associada à radioterapia; Acidose
tores (acidose tubular renal distal);
hiperclorêmica
- Nefropatia tubulointersticial crônica secundá- - Redução da reabsorção proximal de
ria associada a doenças glomerulares e doen- bicarbonato.
ças renais vasculares.
- Dificuldade na excreção de potássio;
Hipercalemia - Resistência relativa à ação da aldostero-
Tabela 3 - Distúrbios tubulares específicos
na em túbulos distais.
- Glicosúria;
- Disfunção global dos túbulos proximais,
Distúrbios do - Aminoacidúria renal; Síndrome de ocasionando perda urinária de fosfato,
néfron pro- - Fosfatúria; Fanconi aminoácidos, glicose, potássio e bicar-
ximal - Acidose tubular renal tipo II; bonato.
- Síndrome de Fanconi. - Disfunção da medula renal, levando à
Poliúria
nictúria, poliúria e isostenúria.
Distúrbios da - Síndrome de Bartter;
alça de Henle - Uso de diuréticos de alça. - Perda renal de proteínas de baixo peso
Proteinúria
molecular, devido à disfunção tubular
- Síndrome de Gitelman; seletiva
proximal.
- Acidose tubular renal tipo I;
Distúrbios do - Acidose tubular renal tipo IV; 4. Nefrite tubulointersticial aguda
néfron distal - Síndrome de Liddle;
A nefrite tubulointersticial aguda (NIA) é uma forma de
- Nefropatia perdedora de sal;
reação de hipersensibilidade aguda, que se manifesta por
- Diabetes insipidus nefrogênico. inflamação tubulointersticial difusa e é associada, na maior
parte dos casos, à ingestão de determinados medicamentos.
3. Achados clínicos
A - Etiologia
As manifestações clínicas e laboratoriais são variadas e
em parte dependem da etiologia de base. De maneira geral, A principal causa de NIA é o uso de medicamentos,
podem surgir (Tabela 4): como penicilinas, cefalosporinas, sulfonamidas, rifampici-
na, isoniazida, fluoroquinolonas, tiazídicos, diuréticos de
- Redução da taxa de filtração glomerular (insuficiência alça, antagonistas dos receptores H2, omeprazol, alopurinol
renal); e AINEs. Além dos medicamentos, a NIA pode ser secundá-
- Disfunção
tubular proximal, levando à hipocalemia, ria não só a infecções sistêmicas ou do parênquima renal,
aminoacidúria, glicosúria, fosfatúria e bicarbonatúria; mas também a doenças sistêmicas. Adicionalmente, a NIA
pode ser idiopática.
- Defeito na acidificação renal; em fases mais tardias,
predomina uma acidose metabólica hiperclorêmica; B - Diagnóstico
- Defeito na concentração urinária; Na maior parte dos casos a NIA se apresenta como insu-
- Destruição predominante de ductos coletores (ami- ficiência renal aguda, frequentemente associada ao início
loidose, uropatia obstrutiva): predomínio de acidose recente de uma nova medicação. A tríade clássica da NIA,
tubular tipo I; vista em menos de 10% dos casos, consiste em:
- Destruição predominante de medula e papilas renais - Febre (27% dos casos);
(nefropatia por analgésicos e nefropatia associada - Rash cutâneo (15%);
à doença falciforme): predomínio de dificuldade em - Eosinofilia (23%).
concentrar a urina, com nictúria e poliúria;
O exame da urina pode mostrar hematúria não dismór-
- Outros achados da doença de base poderão surgir e fica e, frequentemente, piúria, associada ou não a cilindros
predominar sobre os achados. leucocitários. Ocasionalmente, pode haver eosinofilúria.
108
D O E N Ç A S T U B U LO I N T E R S T I C I A I S
A ausência de eosinofilúria não descarta a doença, ressal- C - Nefropatia associada a toxinas exógenas
tando que a maioria dos pacientes não apresenta essa al-
A NIC secundária a toxinas exógenas manifesta-se, na
teração no sedimento urinário. Além disso, a eosinofilúria
maior parte dos casos, de forma insidiosa e subclínica, difi-
pode estar presente em outras doenças (ateroembolismo
cultando o diagnóstico.
NEFROLOGIA
por cristais de colesterol e glomerulonefrite rapidamente
Muitas vezes, a história ocupacional pode ser primordial
progressiva).
em face de um paciente com alterações renais sugestivas
Geralmente ocorre proteinúria leve a moderada; mas,
de NIC (Tabela 3).
quando a NIA está associada ao uso de AINEs, pode haver
Em geral, deve-se abordar o paciente e a família acerca
proteinúria maciça (muitas vezes associada à glomerulopa-
de hábitos e consumo de medicamentos (muitos pacientes
tia tipo lesão mínima ou, raramente, à nefropatia membra-
negarão o uso crônico de anti-inflamatórios).
nosa).
O quadro clínico pode ser inicialmente confundido com a) Nefropatia por analgésicos
glomerulonefrite aguda. O diagnóstico se baseia na exclusão A nefropatia por analgésicos caracteriza-se por necrose
de outras causas e pode ser confirmado pela biópsia renal. papilar e inflamação tubulointersticial. Em casos mais gra-
No tecido de biópsia renal pode-se observar edema e ves, pode haver isquemia, necrose, fibrose e calcificação da
infiltração renal por polimorfonucleares, linfócitos e plas- medula renal.
mócitos, eventualmente com predomínio de eosinófilos. A O quadro clínico é insidioso, com perda progressiva da
imunofluorescência pode mostrar um padrão de depósito função renal. Entretanto, quadros agudos também podem
linear de complemento e anticorpos na membrana basal surgir, como hematúria macroscópica, cólica renal e mes-
tubular. mo obstrução de vias urinárias devido a coágulos e necrose
tecidual.
C - Tratamento Um achado característico é a presença de leucocitúria
que, quando persistente e associada à urocultura negativa,
O tratamento consiste em descontinuar a medicação. pode sugerir o diagnóstico.
Não se sabe com certeza a influência dos corticosteroides Proteinúria, se presente, costuma ser leve (<1g/24h), e
na terapêutica (não há estudos controlados e randomizados há dificuldade em concentrar a urina. Pode haver nefrocal-
de qualidade), embora muitos autores recomendem o seu cinose e a forma adquirida da acidose tubular renal distal.
uso nas primeiras semanas do quadro. Um dado que pode ser útil é a presença de anemia mais
intensa do que o esperado para o grau de azotemia, suge-
5. Nefrite tubulointersticial crônica rindo uso de AINEs e perdas gastrintestinais.
A pielografia e a tomografia podem sugerir o diagnósti-
A nefrite tubulointersticial crônica (NIC) é a uma doença co (rins com cálices deformados e calcificação papilar), e os
inflamatória crônica do tubulointerstício renal caracteriza- pacientes podem evoluir com carcinoma de células transi-
da por fibrose intersticial renal com atrofia e perda tubular, cionais (pelve renal ou ureter) como complicação adicional.
geralmente associada a infiltrado intersticial mononuclear. O tratamento é feito de suporte associado à suspensão
dos analgésicos.
A - Etiologia
b) Nefropatia por chumbo
A NIC pode ser decorrente da persistência de um qua-
O contato frequente com chumbo pode levar à DTI crô-
dro de NIA ou surgir sem uma lesão renal prévia identi-
nica. Em crianças, isso pode se dever à ingestão de tintas
ficável. As principais causas de NIC são toxinas exógenas
com esse elemento químico. Em adultos, habitualmente há
ou metabólicas, como será detalhado posteriormente no
contato ocupacional (pintores, manuseio de baterias, traba-
capítulo. As principais causas de NIC estão resumidas na
lhadores de caldeiras, manuseio de produtos para armas de
Tabela 2.
fogo, entre outros) ou uso de bebidas alcoólicas produzidas
de forma artesanal. Na quase totalidade dos casos, a expo-
B - Diagnóstico e tratamento
sição acontece por anos a décadas.
O quadro clínico da NIC depende do distúrbio tubular O chumbo é progressivamente acumulado nas células
específico causado pela lesão tubulointersticial crônica, o tubulares, particularmente nas células tubulares proximais,
está relacionado à causa da NIC, conforme será detalhado implicando destruição. Além disso, pode levar a alterações
a seguir. O sedimento urinário, em geral, é semelhante ao isquêmicas de glomérulos, da adventícia de pequenas ar-
da NIA, com hematúria não dismórfica, piúria e proteinúria teríolas e à fibrose focal cortical. Por último, os rins podem
leve a moderada. Ao contrário da NIA, na NIC não há eosi- atrofiar-se.
nofilúria. Os achados de exames complementares são:
O tratamento consiste em suspender o uso de medica- - Hiperuricemia: ocorre em todos os pacientes com ne-
mentos nefrotóxicos ou tratar a causa base, quando possível. fropatia por chumbo, devido à aumentada reabsorção
109
NEFR O LOG I A
de urato. Cerca de 50% deles evoluem com artrite go- gressiva da taxa de filtração glomerular, leve proteinúria e
tosa (nesse caso, também denominada de gota satur- hipertensão arterial. É frequente a presença de hipercale-
nina), ao contrário de outras formas de IRC, em que mia, em parte devido ao aumento da resistência à ação da
raramente ocorre artrite gotosa; aldosterona em túbulos distais.
- Dosagem na urina: há aumento da excreção de precur- Na biópsia renal, predominam:
sores das porfirinas (coproporfirina e ácido d-aminole- - Alterações na vasculatura renal: hialinose, glomerulo-
vulínico), assim como pode haver chumbo na urina. esclerose segmentar e focal;
- Atrofia tubular e fibrose focal intersticial.
Quadro de dor abdominal e de neuropatia periférica
também pode ocorrer, sendo o diagnóstico diferencial com O tratamento é de suporte, sendo de grande impor-
porfiria intermitente aguda muitas vezes difícil de ser rea- tância o controle rigoroso da pressão arterial, e a droga de
lizado; escolha para o tratamento da hipertensão arterial induzida
O achado histológico precoce é a presença de corpús- pela ciclosporina são os bloqueadores dos canais de cálcio.
culo de inclusões intranucleares com complexo proteína-
-chumbo. D - Toxinas metabólicas
Por isso, em pacientes com IRC lentamente progressiva,
hipertensão, gota e rins atrofiados, deve-se cogitar a possi- a) Hiperuricemia
bilidade diagnóstica de nefropatia por chumbo. Uma hiperprodução de ácido úrico e extrema hiperuri-
O melhor teste diagnóstico confirmatório é a quantifica- cemia podem levar à nefropatia por urato, que é uma cau-
ção da excreção de chumbo após a infusão de um quelante sa importante de IRA. Isso ocorre, em geral, como parte de
de chumbo (EDTA). Um valor maior que 0,6mg/24h consti- uma síndrome de lise tumoral, espontânea ou associada ao
tui diagnóstico de toxicidade por chumbo, e níveis de 0,15 a início da quimioterapia. A IRA induzida pela hiperuricemia
0,60mg/24h já sugerem nefropatia por chumbo. normalmente é oligúrica em casos de aumento rápido da
O tratamento é feito com quelantes de chumbo, além concentração de ácido úrico como na síndrome de lise tu-
da retirada do paciente do ambiente de exposição a esse moral e na terapia citotóxica para leucemias e linfomas. Os
elemento químico. pacientes apresentam rins de tamanho normal e, às vezes,
c) Nefropatia por lítio aumentado em exames de imagem.
Nessa forma de DTI, cristais de urato são depositados
Portadores de transtorno bipolar em uso crônico de lí- em túbulos renais, sobretudo os ductos coletores, levando
tio podem evoluir com nefropatia tubulointersticial crônica, à obstrução intrarrenal. Como o processo ocorre bilateral-
manifestada de forma insidiosa, podendo evoluir para IRC. mente, os pacientes podem evoluir com IRA oligúrica. A de-
Uma forma adquirida de diabetes insipidus é possível terminação da relação ácido úrico urinário/creatinina uri-
com poliúria, noctúria e isostenúria. Isso acontece porque o nária >1 é sugestiva de nefropatia por urato, mas esse teste
lítio interfere no receptor do ADH (fenômeno de down-re- não pode ser realizado em crianças, pois muitos resultados
gulation). Leve proteinúria também pode ocorrer. A poliúria falsos positivos podem ocorrer entre elas.
ocorre em 40% dos pacientes tratados com carbonato de A melhor terapia para a nefropatia por urato é a preven-
lítio, e poliúria maior que 3L, em até 20%, mas raramente os ção em pacientes de alto risco para desenvolvimento da ne-
pacientes necessitam de interrupção da medicação. fropatia (portadores de linfomas de alto grau e leucemias).
Os achados típicos da biópsia renal são atrofia tubular e A prevenção da nefropatia por urato inclui hidratação veno-
fibrose intersticial significativos, de forma desproporcional sa agressiva e administração de alopurinol.
ao acometimento vascular e glomerular. Apesar da terapia preventiva, 3 a 5% dos pacientes de
A intoxicação por lítio pode ainda apresentar quadro alto risco desenvolverão a nefropatia por urato. Após insta-
agudo com manifestações neurológicas com indicação de
lada, o tratamento da nefropatia por urato inclui:
diálise de emergência, caso os níveis de litemia estejam
- Hidratação;
maiores que 3,5 a 4mg/dL.
Pacientes em uso de lítio devem ser monitorizados
- Alcalinização da urina (diminui a precipitação dos cris-
tais de urato);
periodicamente. O tratamento consiste na suspensão do
lítio e em suporte clínico. Infelizmente, alguns pacientes - Diuréticos: furosemida e/ou manitol;
acabam evoluindo para IRC, mesmo após a retirada da me- - Alopurinol: 200 a 800mg/dia;
dicação. Os pacientes com diabetes insipidus nefrogênico - Diálise, se não responder ao tratamento clínico.
podem apresentar resposta ao uso de diuréticos tiazídicos
e/ou indometacina. Outra forma de acometimento renal pela hiperuricemia
pode ser vista em portadores de formas menos extremas de
d) Nefropatia por ciclosporina aumento sérico de ácido úrico e é conhecida como nefro-
A ciclosporina pode causar lesão renal de forma aguda patia gotosa. Nela, a exposição crônica aos cristais de urato
ou crônica. A forma crônica é caracterizada por perda pro- pode levar à doença renal.
110
D O E N Ç A S T U B U LO I N T E R S T I C I A I S
NEFROLOGIA
fibrose predominantemente de medula e papila renal.
pela disfunção hereditária do carreador de aminoá-
Os pacientes costumam evoluir de forma insidiosa, e cidos básicos e consequente aminoacidúria básica.
podem surgir proteinúria, dificuldade na concentração da Outro exemplo é a doença de Hartnup, distúrbio he-
urina e perda de função renal. Bacteriúria e pielonefrite reditário que cursa com aminoacidúria neutra, por dis-
ocorrem em 25% dos casos. função do carreador desse grupo de aminoácidos;
O tratamento é feito com alopurinol, entretanto é im- - Fosfatúria renal: secundária à incapacidade tubular
portante lembrar que formas assintomáticas de hiperurice- proximal em reabsorver fosfato. A principal conse-
mia não devem ser tratadas profilaticamente. quência desse distúrbio é a hipofosfatemia crônica,
b) Hipercalcemia que pode resultar em raquitismo nas crianças ou os-
teomalácia nos adultos. O raquitismo hipofosfatêmico
A hipercalcemia crônica é possível em várias condições, ligado ao X é a principal síndrome ligada a esse dis-
como hiperparatireoidismo primário, sarcoidose, metásta- túrbio e ocorre com mais frequência em crianças do
ses ósseas, síndromes paraneoplásicas, mieloma múltiplo sexo masculino, e seus sintomas são semelhantes aos
ou intoxicação por vitamina D. As consequências da hiper- do raquitismo clássico. Em laboratório, estão presen-
calcemia crônica incluem disfunção tubulointersticial e IRC. tes fosfatúria e hipofosfatemia, com calcemia normal.
A lesão renal mais precoce relacionada à hipercalcemia é Apesar da hipofosfatemia, os níveis de calcitriol estão
uma degeneração focal do epitélio renal, especialmente normais (deficiência relativa). O tratamento do raqui-
nos ductos coletores, túbulos distais e alça de Henle. Isso tismo hipofosfatêmico ligado ao X deve ser sempre
pode levar à necrose tubular, obstrução e precipitação in- realizado em crianças e apenas nos adultos sintomá-
trarrenal de sais de cálcio. Finalmente, podem ocorrer de- ticos. O tratamento dessa síndrome consiste na repo-
posição difusa de cálcio (nefrocalcinose), infiltrado inflama- sição concomitante de fosfato e calcitriol. Não se deve
tório mononuclear e fibrose intersticial. repor apenas fosfato, pois a administração isolada do
Clinicamente, o mais forte achado é a incapacidade de mesmo causa redução da concentração plasmática de
concentrar a urina. O paciente pode evoluir com acidose calcitriol (através da redução do estímulo hipofosfa-
tubular renal distal, e perdas de sódio e potássio também têmico à sua síntese), o que pode levar ao desenvol-
são comuns. vimento de hiperparatireoidismo secundário. Logo é
A prioridade é tratar a hipercalcemia. necessária a administração concomitante de calcitriol
para prevenir o desenvolvimento de hiperparatireoi-
6. Distúrbios tubulares específicos dismo secundário;
- Acidose Tubular Renal (ATR) proximal (tipo II): disfun-
A - Distúrbios do néfron proximal ção do néfron proximal em reabsorver bicarbonato,
com consequente bicarbonatúria e acidose tubular
O néfron proximal é essencial para a reabsorção do fil- renal proximal ou tipo II. A bicarbonatúria leva à aci-
trado glomerular, sendo responsável pela reabsorção de dose metabólica, que vai diminuir a perda urinária de
2/3 desse filtrado, o que inclui a maior parte dos aminoáci- bicarbonato e tornar a urina ácida (pH <5,5), como em
dos, da glicose, do fosfato, do ácido úrico e do bicarbonato. outros tipos de acidose metabólica. O aporte excessi-
Desta forma, os distúrbios do néfron proximal vão causar vo de bicarbonato ao néfron distal resulta em maior
alterações na reabsorção e consequente aumento da excre- secreção de potássio pelo próprio néfron, com conse-
ção destas substâncias. Os distúrbios do néfron proximal quente hipocalemia. A acidose metabólica decorrente
estão descritos a seguir. desse distúrbio, além de hipocalêmica, é hiperclorêmi-
- Glicosúria renal: disfunção primária do túbulo contor- ca e possui ânion-gap plasmático normal e ânion-gap
cido proximal, quando este se torna incapaz de reab- urinário positivo ou neutro. O ânion-gap urinário (AGU
sorver toda a glicose filtrada pelos glomérulos, inde- = (NaU + KU) - ClU) é, em geral, levemente negativo e se
pendente da glicemia, dando origem à glicosúria na torna mais negativo nas acidoses metabólicas de ori-
ausência de hiperglicemia. A ausência de hiperglice- gem não renal devido ao aumento da excreção uriná-
mia diferencia a glicosúria de tal distúrbio da glicosúria ria de NH4+, para tamponar a acidose, e o consequente
que ocorre no diabetes mellitus, em que a glicosúria aumento da concentração urinária de cloro para man-
é associada à hiperglicemia (>180 a 200mg/dL). Trata- ter o equilíbrio elétrico urinário. Já nas acidoses tubu-
se de um distúrbio assintomático e não necessita de lares renais, ocorre diminuição da produção tubular de
tratamento; amônia (NH3), e, por isso, o ânion-gap urinário é posi-
111
NEFR O LOG I A
tivo ou neutro. O tratamento da acidose tubular tipo II mente em crianças com menos de 6 anos por disfunção
consiste na reposição de álcalis, pelo menos em parte do carreador Na-K-2Cl e consequente perda da capa-
associada ao potássio na forma de citrato de potássio cidade de concentração urinária. As implicações des-
(devido à hipocalemia concomitante). Adicionalmente, se distúrbio de concentração são poliúria e polidipsia.
pode ser necessário o uso de diuréticos tiazídicos, Devido ao maior aporte de sódio no néfron distal, há
quando a reposição de álcalis em altas doses não for maior absorção de sódio em troca da maior secreção de
suficiente para corrigir a acidose metabólica, ou não cálcio no túbulo contorcido distal e de potássio e hidro-
for bem tolerada. Os diuréticos tiazídicos causam uma gênio no túbulo coletor. Logo, a síndrome está associada
leve depleção volêmica, que age potencializando a re- à hipercalciúria (que, por sua vez, pode estar associada
absorção proximal de sódio e, secundariamente, de à nefrolitíase e nefrocalcinose), hipocalemia e alcalose
bicarbonato. A acidose tubular renal tipo II pode es- metabólica. Pode ainda estar associada a retardo men-
tar presente em outros distúrbios do néfron proximal, tal e do crescimento. Devido à perda crônica de NaCl
como a síndrome de Fanconi; na urina e consequente hipovolemia, há um estímulo
- Síndrome de Fanconi: disfunção generalizada da re- compensatório crônico do sistema renina-angiotensina-
absorção tubular proximal, resultando em glicosúria, -aldosterona (capaz de manutenção da pressão arterial
aminoacidúria, bicarbonatúria (acidose tubular renal em níveis normais) e da produção de prostaglandinas
tipo II), fosfatúria e uricosúria. Nessa síndrome, tam- urinárias (com efeito vasodilatador local). Os portadores
bém ocorre deficiência relativa de calcitriol, de forma dessa síndrome são habitualmente normotensos. O tra-
semelhante à que ocorre no raquitismo hipofosfatê- tamento consiste no uso de AINEs (Anti-Inflamatórios
mico ligado ao X. Pode haver proteinúria, geralmen- Não Esteroidais), para inibir a síntese de prostaglan-
te discreta. As principais manifestações clínicas são dinas, associado a diuréticos poupadores de potássio,
decorrentes da fosfatúria (raquitismo/osteomalácia). como a espironolactona e a amilorida;
Em adultos, pode ser secundária ao mieloma múlti- - Uso de diuréticos de alça: os diuréticos de alça agem
plo e, mais raramente, à amiloidose e à intoxicação por inibição do carreador Na-K-2Cl, portanto a intoxi-
por chumbo. Em crianças, geralmente é decorrente de cação por eles causa distúrbios metabólicos semelhan-
uma condição hereditária, a cistinose (≠ cistinúria). O tes aos presentes na síndrome de Bartter, ou seja, al-
tratamento da síndrome de Fanconi é essencialmente calose metabólica, hipocalemia e hipercalciúria. O tra-
de suporte. Em casos graves, deve-se reidratar o pa- tamento baseia-se na suspensão do diurético de alça.
ciente inicialmente com soro fisiológico a 0,9% e corri-
gir os distúrbios eletrolíticos e ácido-básicos de forma C - Distúrbios do néfron distal
parcimoniosa. Após estabilização inicial, a maioria dos
O néfron distal (constituído pelo túbulo contorcido dis-
pacientes necessita de reposição oral de álcalis, pelo
tal e pelo túbulo coletor) é responsável pela reabsorção de
menos em parte, associada à reposição de potássio na
água (regulada pelo ADH) e de 10% do sódio filtrado e pela
forma de citrato de potássio (para correção da acido-
secreção de potássio e íons hidrogênio. O principal hormô-
se e da hipocalemia). Em casos refratários à correção
nio regulador da reabsorção de sódio, associada à secreção
metabólica com a reposição dos eletrólitos, pode-se
de hidrogênio e potássio, no túbulo coletor, é a aldostero-
utilizar a indometacina e/ou diuréticos tiazídicos como
na. Os principais distúrbios do néfron distal estão descritos
terapia adjuvante. Quando há hipofosfatemia associa-
a seguir:
da, é necessário repor fosfato e calcitriol, de forma se-
melhante à do tratamento do raquitismo hipofosfatê-
- Síndrome de Gitelman: um distúrbio hereditário raro
do carreador Na-Cl do túbulo contorcido distal. É mais
mico ligado ao X. A terapia específica para a síndrome
frequente em crianças maiores de 6 anos e adolescen-
de Fanconi depende da causa base. Se for secundária
tes. O carreador Na-Cl é o mesmo inibido pelos diu-
a drogas, geralmente há resolução da síndrome com
réticos tiazídicos, por isso os distúrbios metabólicos
suspensão da droga. Se for secundária à cistinose, de-
presentes nessa síndrome são semelhantes aos que
ve-se tratar a mesma com a cisteamina, a qual reduz os
ocorrem na intoxicação por tiazídicos: alcalose meta-
níveis de cistina e melhora a função tubular proximal.
bólica, hipocalemia, hipomagnesemia e, ao contrário
da síndrome de Bartter, hipocalciúria. A hipomagnese-
B - Distúrbios da alça de Henle mia e a hipocalciúria acontecem porque, devido à im-
Nos distúrbios da alça de Henle, a principal alteração possibilidade em reabsorver sódio decorrente da ini-
se dá no mecanismo de concentração urinária, com conse- bição do carreador Na-Cl no túbulo contorcido distal,
quente poliúria e noctúria. Os principais distúrbios da alça há aumento da reabsorção de cálcio e da secreção de
de Henle são a síndrome de Bartter e o uso de diuréticos de magnésio no mesmo, com consequente hipocalciúria,
alça, que serão detalhados a seguir: hipermagnesiúria e hipomagnesemia. O tratamento
- Síndrome de Bartter: disfunção hereditária da porção da síndrome de Gitelman consiste na reposição de po-
ascendente medular da alça de Henle, ocorre habitual- tássio e magnésio;
112
D O E N Ç A S T U B U LO I N T E R S T I C I A I S
- ATR distal clássica ou tipo I: caracterizada pela incapa- drome, haverá perda da capacidade de concentração
cidade do túbulo coletor em secretar íons hidrogênio urinária, e a urina apresentará osmolalidade e densi-
(devido a um defeito na H+-ATPase das células interca- dade baixas. Pode ocorrer hipernatremia grave, devido
ladas), com consequente prejuízo da acidificação uri- ao aumento da excreção renal de água livre, a menos
nária. Deste modo, o pH urinário não consegue atingir que isso seja compensado pelo aumento da ingestão
NEFROLOGIA
níveis menores de 5,3, mesmo na vigência de acidose de água (polidipsia). Ao contrário do diabetes insipidus
metabólica grave. Na acidose tubular renal tipo I, de central, o diabetes insipidus nefrogênico não apre-
forma semelhante às outras acidoses tubulares renais, senta resposta à administração de desmopressina ou
a acidose metabólica é hipoclorêmica, com ânion-gap dDAVP (análogo do ADH), o que permite o diagnóstico
plasmático normal e ânion-gap urinário positivo ou diferencial entre estas entidades. As principais causas
neutro. Como a secreção do H+ está inibida no néfron de diabetes insipidus nefrogênico são hereditariedade
distal, há aumento da secreção de K+ associada à reab- (nas crianças), toxicidade renal por lítio, hipocalemia
sorção de Na+ e consequente hipocalemia. Resumindo, e hipercalcemia (nos adultos). O tratamento consiste
na acidose tubular renal tipo I, ocorre acidose meta- na redução da ingestão de sódio (dieta hipossódica)
bólica hiperclorêmica e hipocalêmica, com pH urinário associada ao uso de diuréticos tiazídicos, às vezes as-
>5,3. O tratamento é feito com a reposição de bicarbo- sociados aos AINEs, como a indometacina. No diabetes
nato e potássio; insipidus, há uma perda da capacidade de regulação
- ATR distal tipo IV: secundária à redução da estimula- da osmolalidade urinária de acordo com a quantidade
ção do túbulo coletor pela aldosterona, devido à redu- de soluto ingerido. Logo, quanto mais soluto for inge-
ção de síntese da mesma ou resistência tubular à sua rido maior será o volume urinário necessário para ex-
ação. A aldosterona estimula a reabsorção de sódio cretar esse soluto. Por conseguinte, se a dieta contiver
em troca de potássio ou hidrogênio no túbulo coletor, uma menor quantidade de sódio, haverá necessidade
logo, nessa síndrome, ocorrerá o aumento da excre- de um menor volume urinário para a manutenção da
ção de sódio e retenção de H+ (acidose) e de potássio osmolalidade plasmática e, consequentemente, have-
(hipercalemia). Resumindo, na ATR tipo IV, a acidose rá redução da poliúria. Os diuréticos tiazídicos, apesar
metabólica é hiperclorêmica, com ânion-gap plasmáti- de serem agentes diuréticos, agem paradoxalmente no
co normal, ânion-gap urinário positivo ou neutro e, ao diabetes insipidus, causando uma redução do volume
contrário das ATRs tipo I e II, hipercalêmica. A ATR tipo urinário, através de uma discreta redução da volemia.
IV pode ser decorrente do hipoaldosteronismo hipor- A hipovolemia, causada por esses diuréticos, induz ao
reninêmico (redução da capacidade de produção de aumento da reabsorção de sódio e água no túbulo pro-
renina pelo aparelho justaglomerular, possível em ne- ximal, o que, consequentemente, reduz o aporte de
frites intersticiais crônicas e na nefropatia diabética); sódio e água no ducto coletor, sensível ao ADH. Essa
do hipoaldosteronismo hiper-reninêmico (por insufici- redução do aporte de sódio e água no ducto coletor
ência adrenal, como na doença de Addison, ou por uso vai resultar em redução do débito urinário. Quanto
de IECA); do pseudo-hipoaldosteronismo (decorrente aos AINEs, sua eficácia no tratamento do diabetes insi-
de resistência dos receptores tubulares à ação da al- pidus nefrogênico é decorrente da inibição da síntese
renal de prostaglandinas.
dosterona, como ocorre por lesão dos receptores em
algumas DTIs e, de forma hereditária, por modificação
do receptor da aldosterona); e ainda do uso de diuré-
7. Resumo
ticos poupadores de potássio (espironolactona, amilo- Quadro-resumo
rida e triantereno). O tratamento consiste no controle - As DTI apresentam diversas etiologias que envolvem o interstí-
da hipercalemia associado à fludrocortisona (na doen- cio e podem causar ainda alterações tubulares;
ça de Addison) ou furosemida (nos outros casos); - O chumbo pode levar à doença neuropática com dor abdominal
- Síndrome de Liddle (pseudo-hiperaldosteronismo): e acometimento renal com doença intersticial, que ocorre con-
síndrome rara, autossômica dominante, na qual há um comitantemente à hiperuricemia;
aumento primário na reabsorção de sódio pelo túbulo - A intoxicação por lítio pode levar a diabetes insipidus nefrogêni-
coletor, geralmente associado a aumento da secreção co e a alterações psiquiátricas;
de potássio e de H+. Logo, nessa síndrome, ocorrerão - A tríade sugestiva do diagnóstico de NIA consiste em febre, rash
hipertensão arterial sistêmica (pela retenção de Na+), e eosinofilia, mas a maioria dos pacientes não apresenta todos
alcalose metabólica e hipocalemia (pela secreção au- os sintomas da tríade, e mesmo a eosinofilúria acontece em
mentada de H+ e K+). Os níveis de aldosterona são bai- cerca de 50% dos pacientes;
xos; - A NIA pode cursar com IRA associada à hematúria, mas com
proteinúria discreta;
- Diabetes insipidus nefrogênico: decorre da resistência
do túbulo coletor à ação do ADH (hormônio antidiuré- - Pacientes com NIA secundária a AINE podem cursar com protei-
tico) com consequente poliúria e polidipsia. Nessa sín- núria maciça;
113
NEFR O LOG I A
114
CAPÍTULO
115
NEFRO LOG I A
4. Exames complementares
Os exames não invasivos têm seu valor principal em seu
poder preditivo negativo. Ou seja, um exame negativo permite
a finalização da investigação diagnóstica, enquanto um exame
positivo não permite o diagnóstico definitivo, mas indica pro-
gressão da investigação. Os exames não invasivos propostos
para avaliação inicial são a ultrassonografia com Doppler (se o
serviço dispuser de profissional habilitado e experiente) asso-
ciada à angiotomografia de artérias renais. A necessidade de
outros exames não invasivos deve ser avaliada caso a caso. Na
Figura 2, o algoritmo proposto para investigação e seguimento
de portadores de doença renovascular isquêmica.
116
D O E N Ç A R E N OV A S C U L A R I S Q U Ê M I C A
As vantagens e desvantagens dos testes não invasivos este último torna o teste mais específico, mas menos
mais utilizados estão resumidas a seguir. sensível que a medida isolada da atividade de renina.
- Ultrassonografia renal com Doppler de artérias re-
nais: a ultrassonografia renal é um exame barato e A dosagem de renina das veias renais é um exame fun-
não invasivo, que permite avaliar a anatomia renal e cional, mas invasivo, que se dá através da dosagem de reni-
NEFROLOGIA
afastar obstrução e/ou nefropatia crônica, além de po- na plasmática em sangue coletado de ambas as veias renais
der evidenciar a presença de assimetria renal (achado e da veia cava infrarrenal. A seguir, a atividade plasmática
sugestivo de estenose de artéria renal). O Doppler de de renina é comparada entre as 2 veias renais e entre cada
artérias renais permite uma medida precisa da velo- veia renal e a veia cava. Se há uma relação >1,5 entre a ati-
cidade de fluxo renal e a estimativa da gravidade da vidade de renina das veias renais, considera-se que há late-
estenose de artéria renal. No entanto, pode ser tecni- ralização de renina. Nesse caso, pode haver estenose unila-
camente difícil quando há gás e obesidade. Outra des- teral ou bilateral assimétrica, de forma que um rim produz
vantagem é que é operador-dependente; mais renina que o outro. Quanto à comparação com a veia
- Angiotomografia (Figura 3A): a angiotomografia (to- cava, se a atividade de renina de uma veia renal for mais
mografia helicoidal com injeção de contraste intra- que 20% maior que a da veia cava (semelhante à sistêmica),
venosa) é um exame não invasivo com alta acurácia significará que esse rim está produzindo renina em excesso.
para detecção de estenose de artéria renal. Permite No entanto, se a doença for bilateral e simétrica, não auxi-
excelente avaliação anatômica, porém com pouca in- liará no diagnóstico.
formação funcional, e pode precipitar nefropatia por O exame considerado padrão-ouro para diagnóstico
contraste; de estenose de artéria renal é a arteriografia renal (Figura
- Angiorressonância (Figura 3B): a angiorressonância 3C). Entretanto, é um exame invasivo, que utiliza contraste
magnética permite detecção de estenose de artéria iodado. Suas principais complicações são o ateroembolis-
renal com acurácia semelhante à da angiotomogra- mo por cristais de colesterol e a nefropatia por contraste.
fia, porém pode superestimar o tamanho da estenose Dependendo da extensão e da localização da estenose,
e também não produz muita informação funcional. É pode ser realizado o tratamento dela durante a arteriogra-
contraindicado se ClCr <30mL/min, pelo risco de fi- fia, por meio da angioplastia da artéria renal acometida,
brose sistêmica nefrogênica, que pode ser precipitada com ou sem colocação de stent.
pelo gadolínio (contraste usado na angiorressonância)
em portadores de insuficiência renal avançada;
- Renograma (cintilografia renal) com captopril: é ex-
celente para triagem de hipertensão renovascular, po-
rém perde acurácia na insuficiência renal. Não é ope-
rador-dependente e não utiliza contraste iodado nem
gadolínio. Exame totalmente normal exclui doença
significativa. É um exame funcional. Alteração do RFG
após administração de captopril pode estimar reversi-
bilidade da lesão e orientar a terapêutica;
- Atividade plasmática de renina e atividade plasmá-
tica de renina com estímulo de captopril: devido à
sua baixa acurácia, a medida da atividade plasmática
de renina é de pouco valor no diagnóstico de esteno-
se de artéria renal. A atividade plasmática de renina
está aumentada em grande parte dos portadores de
hipertensão essencial, e até 25% dos portadores de
hipertensão renovascular podem ter atividade de re-
nina normal. No entanto, se a atividade de renina for
baixa, o diagnóstico de hipertensão renovascular se
tornará muito improvável. A atividade plasmática de
renina com estímulo de captopril consiste na medida
da atividade plasmática de renina antes e 1h depois da
administração de 25 a 50mg de captopril. Esse teste é
considerado positivo quando há uma elevação absolu-
ta ≥10ng/mL/h, relativa ≥150% ou quando a atividade
plasmática de renina se torna superior a 12ng/mL/h
após a administração de captopril. O estímulo com
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NEFRO LOG I A
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Revascularização na ausência dessas indicações, como - O exame considerado padrão-ouro para diagnóstico de este-
estenose arterial bilateral significativa (ou unilateral em rim nose de artéria renal é a arteriografia renal. No entanto, é um
único) achada acidentalmente durante angiografia coro- exame invasivo, que utiliza contraste iodado. Suas principais
nariana, não está indicada. A maioria desses pacientes se complicações são o ateroembolismo por cristais de colesterol e
estabiliza ao longo do tempo, apenas com terapia medica- a nefropatia por contraste;
NEFROLOGIA
mentosa. - As opções terapêuticas da doença isquêmica renovascular in-
A angioplastia renal percutânea tem se mostrado um cluem terapia medicamentosa, angioplastia e cirurgia;
método efetivo de tratamento da estenose de artéria renal. - A angioplastia renal percutânea tem se mostrado um método
Nos casos de displasia fibromuscular, apresenta excelentes efetivo de tratamento da estenose de artéria renal. As taxas de
resultados, com cura ou melhora da hipertensão em 80 a sucesso da angioplastia são maiores nas lesões não ostiais;
100% dos casos, taxa de reestenose <10% e raras complica- - A cirurgia é altamente eficaz em preservar a função renal de
ções. No entanto, nos casos de aterosclerose, a taxa de su- pacientes com estenose de artéria renal bilateral. A taxa de su-
cesso da angioplastia percutânea (com melhora ou cura da cesso da revascularização cirúrgica é de até 85 a 90%.
hipertensão) é de 50 a 60%, com reestenose em 10 a 30%
dos casos. As taxas de sucesso da angioplastia são maio-
res nas lesões não ostiais. Nas ostiais, com o objetivo de
aumentar a eficácia da angioplastia e reduzir as taxas de
reestenose, pode-se utilizar a colocação de stent durante a
angioplastia.
A cirurgia é altamente eficaz em preservar a função re-
nal de pacientes com estenose de artéria renal bilateral. A
taxa de sucesso da revascularização cirúrgica é de até 85 a
90%, com melhora da função renal em 55 a 65% dos casos
e função renal estável em 30%. Diversas técnicas cirúrgicas
podem ser utilizadas. A mais comum é o bypass aortorrenal,
mas o ileorrenal, o esplenorrenal e o hepatorrenal têm sido
cada vez mais utilizados, para evitar manipulação da aorta
aterosclerótica. A maioria das cirurgias inclui ou revasculari-
zação renal bilateral ou revascularização unilateral com ne-
frectomia contralateral de um rim atrófico, não funcionante.
A mortalidade da cirurgia de revascularização renal é de ape-
nas 3 a 6%, sendo os pacientes com maior risco os portado-
res de aterosclerose difusa e insuficiência cardíaca.
7. Resumo
Quadro-resumo
- A doença isquêmica renovascular é uma causa potencialmente
reversível de insuficiência renal crônica (nefropatia isquêmica)
e de hipertensão renovascular;
- A principal causa de estenose de artéria renal é a aterosclerose,
responsável por aproximadamente 2/3 dos casos. A 2ª causa
mais frequente é a displasia fibromuscular;
- Suspeita-se do diagnóstico de doença renovascular pela histó-
ria clínica. São alterações sugestivas de doença renovascular:
hipertensão grave e/ou refratária ao tratamento, elevação agu-
da da pressão arterial, assimetria renal, episódios recorrentes
e abruptos de edema pulmonar, aumento na concentração de
creatinina após a administração de IECA ou antagonista da an-
giotensina II (estenose renal bilateral);
- Nenhum exame não invasivo é sensível o suficiente para con-
firmar ou excluir definitivamente doença renovascular. Os exa-
mes não invasivos que podem ser utilizados incluem ultrasso-
nografia renal com Doppler de artérias renais, angiotomogra-
fia, angiorressonância, renograma com captopril, e atividade
plasmática de renina com e sem estímulo de captopril;
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