Juventude Universitária Católica Figurações e Configurações Da Identidade Entre Ação Religiosa e Luta Armada (1950/1964)
Juventude Universitária Católica Figurações e Configurações Da Identidade Entre Ação Religiosa e Luta Armada (1950/1964)
Juventude Universitária Católica Figurações e Configurações Da Identidade Entre Ação Religiosa e Luta Armada (1950/1964)
Villaça (2006) ressalta que o caminho adotado pela Igreja no final do século
XIX, revelava claramente a postura voltada para a busca de união com o povo,
diante de um mundo com muitos problemas sociais. O padre renovador, sem ligar
questões de fé com política, elaborou um texto para os católicos alertando para a
questão, quando diz:
Como no mundo inteiro, hoje no Brasil não há, não pode haver
senão duas forças: a Igreja e o povo... Demonstrei que, bem
1
Júlio Maria de Lombaerde era discípulo do Padre Júlio Berthier e Padre Júlio Chevalier, missionários
francêses revolucionários na Europa pelo pensamento avançado que ambos tinham no trabalho de
missionário paroquial na França, Bélgica e Holanda. Pe. Júlio Maria de Lombaerde foi transferido para o
Brasil, sem explicações após a decisão da Igreja em realizar messe mais ativa na América latina. Sua vinda
para o Brasil, contribuiu para que as discussões sobre as questões sociais internas e externas fizessem parte
do dia a dia dos fiéis leigos e do cotidiano religioso, representando um marco no pensamento religioso
brasileiro no início do século. Com sua ideologia de conversão libertadora, foi um padre reformador do
pensamento católico brasileiro. Quando morreu, deixou a lucidez de suas idéias e a história democrática
nacional impregnada de sua ideologia francesa-belga de liberdade dos seres, com implantação de farmácias
para pobres e medidas que ia catequizando os católicos, mostrando-lhes sua Igreja, as razões de sua fé e
de sua esperança. Cf. Villaça (2006).
1
longe disso, o que deve ser a sua missão (do clero) é...substituir
às questões políticas, erroneamente predominantes nos
governos, nos parlamentos e nos jornais, a questão social, que á
questão por excelência, porque ela afeta os interesses
fundamentais do homem e da sociedade; ... mostrar aos
pequenos, aos pobres, aos proletários que eles foram os
primeiros chamados pelo Divino Mestre, cuja Igreja foi logo,
desde seu início, a Igreja do povo; ... enfim, unir a Igreja ao povo.
2
interesses. Estas colocações mostram que a transformação da Igreja seria
necessária não só pela descrença e pelo uso do capital, mas pelo sofrimento das
massas e dos processos de dominação da elite. Além do mais, surgiam conflitos
em muitas partes do mundo – especialmente na América Latina, que colocava a
Igreja como suporte ao sofrimento das massas (MAINWARING, 1986, p. 24).
Entende-se a partir desses pressupostos que a reestruturação da Igreja
estava no aspecto social, em atendimento a clamores populares e pressões
internas da sociedade, criando um novo momento de racionalidade dos
representantes da Igreja. Surge então a investida em conversão rápida de
2
pessoas com o lema “a messe é grande e os operários são poucos”, quando a
Igreja estipula metas para começar a renovar suas ações com apoio de um maior
número de fiéis, que seriam os leigos ou operários da vasta messe. Sob o ponto
de vista religioso, o pensamento do Padre Júlio Maria, seguia na Europa e
adentrava na América Latina a exemplo da conversão do Apóstolo São Paulo,
quando este confessa por diversas vezes nos Evangelhos que fora perseguidor
implacável de comunidades cristãs, mudando sua vida pela conversão e
caminhada entre o povo.
Villaça (2006, p. 113-117) sintetiza que a Igreja veio a se transformar
desde que a sociedade se mostrava progressista, aderindo a todo esse processo
de renovação, o que acabou afetando a estrutura e os princípios tradicionais da
Igreja. Torna-se necessário esclarecer que o padre havia chegado ao Brasil
proveniente dessas caminhadas na Europa, e sua vinda representou uma
proposta estipulada pela Igreja, quando esta discutia em conselhos internos, uma
efetiva ação do clero diante dos novos tempos. A Igreja havia decidido pela
transferência de muitos de seus padres para a missão religiosa por toda a
América Latina e o padre Júlio Maria foi um dos que imigraram.
A partir dessas considerações, a idéia de conversão representava trazer
mais fiéis para a messe, estimulando através das ações católicas, a formação do
laicato e a de futuros líderes da sociedade. Aliás, estratégia ideal para ampliar sua
missão, que ora estava com poucos trabalhadores. E a hierarquia da Igreja era
responsável pelo trabalho de promover a participação efetiva de leigos, trazendo
a integração e inserção de novas propostas cristãs. E isso é mostrado mais
2
Cf. Lc 10,2.
3
adiante no Compêndio do Vaticano II 3 quando o documento oficial da Igreja, no
Capítulo IV, estabelece a entrada dos leigos e suas funções. De acordo com o
documento Decreto Apostolicam Actuositatem (1991, p. 76-77) da Igreja Católica:
O documento reza que esses leigos eram convidados pela Igreja para
ampliarem sua missão com a rápida conversão, implicando em intervenção nos
problemas do mundo através da Igreja. A participação do laicato representava a
chegada de cristãos avivados e ingressados pelo batismo na missão de Cristo
Para o Vaticano II, os leigos representavam a união com o povo e este
apostolado estava voltado para a missão salvífica da Igreja (DECRETO
APOSTOLICAM ACTUOSITATEM, 1991, p. 79), podendo ser chamado como
cooperação mais imediata com os integrantes da Igreja após processo de
conversão, postura essa semelhante a do Apóstolo Paulo. Segundo o mesmo
documento (1991, p. 1.335),
Com base nesse decreto, a intenção da Igreja era trazer o laicato para a
diversidade de serviços, animando o povo e ao mesmo tempo a própria Igreja
3
Cópia encontrada na Diocese de Jequié (Bahia), cedida pelo Padre Raimundo daquela Diocese.
4
com testemunhos de vivências reais imbuídas no amor de Cristo. Era exemplo de
vida no combate à miséria, à violência e ao embrutecimento humano. Portanto, os
leigos tinham o dever do apostolado e a missão de colaborar na messe católica.
Pensamento esse que anteriormente vinha sendo estruturado na nova ala da
Igreja, que contava com o apostolado de renovadores, como o Padre Júlio Maria,
que acompanhavam essas mudanças propagando a mensagem religiosa.
Lendo o documento da Igreja, percebe-se em seus registros que havia
também a preocupação com a liberdade e as novas posturas dos homens na
sociedade solidária. A chegada de novos credos havia enfraquecido a
Cristandade. Além desses fatos, os discursos voltavam-se para a idéia “do
demônio agitando o mundo moderno do capital”.
Sendo assim, a Igreja necessitava investir no catolicismo contra “esses
males do século”. Os leigos e o clero viviam em um mundo novo, onde o
comportamento e o espírito da Belle Époque assustavam a tradição religiosa pela
liberdade avassaladora. Época repleta de tendências filosóficas, científicas,
sociais, literárias - expressões das vicissitudes culturais em um mundo com
circularidade de informações que oferecia campo a apropriações e hibridações
estreitamente contrárias aos dogmas da Igreja.
Scott Mainwaring (1989) faz uma abordagem partindo da idéia de que a
Igreja Católica se mantinha em estreita relação com o ambiente social e político.
5
Mainwaring quando analisa a Igreja Católica e a política no Brasil, propõe a
noção de modelos de transformação da sociedade, de Igreja como ponto de
partida para a compreensão da missão que ela deveria exercer na sociedade.
Ivan Manoel (2001, p 319 -329) quando estuda a Ação Católica no Brasil,
traz a idéia de uma autocompreensão de seu papel na sociedade. Ao enfatizar
esses conflitos, o autor lembra as ameaças vindas da Guerra Mundial no início do
século e os esforços da Igreja para atuar diante dessas transformações,
preservando seus interesses. Eram anos de muitas as formas de mudanças e os
embates eram grandes. Havia muitas coisas em jogo entre a Igreja e o Estado.
Mainwaring (1989) ressalta que a Igreja, no contexto da América Latina, sofria
reflexo do contexto internacional, apontando interesses subjacentes nessa
inserção de serviços.
Ademais, a própria estrutura social, política e ideológica estava obsoleta,
com propostas que poderiam comprometer a própria autonomia e tradição da
Igreja. A legitimidade religiosa e política da Igreja no Brasil foi resultado de um
longo processo que acompanhou a própria história. A Igreja adotou novos
princípios e expressão, expandindo-se a partir de um panorama de tensão no
mundo. A I Guerra Mundial, por exemplo, desenvolveu conflitos ideológicos de
toda ordem. Se o movimento leigo estava inserido nessa nova missão da Igreja,
este não tinha autonomia e, portanto, era submisso aos líderes da Igreja, com
suas ações ainda limitadas pelo clero. De acordo com Régio Bento (1999, p16), a
juventude operária de imediato não adotou uma posição socialista condenando o
capitalismo assolante.
A Igreja Católica no Brasil passou a definir novas posturas, investindo
contra o marasmo que afetava as pessoas diante de um mundo de consumismo e
de princípios capitalistas, reconstruindo seu pensamento, ações, quando buscou
o diálogo com o povo. Espaço aberto para leigos - servidores da Igreja. A
participação deles no Brasil se deu inicialmente com a presença de jovens que
freqüentavam a Igreja por meio de suas famílias. O movimento cresceu
gradativamente nesse clima de conflito de Igreja e Mundo. Mais adiante, pela
maior inserção de estudantes, operários, camponeses e pessoas de diversos
6
setores populares da sociedade, amplia-se o laicato, formando uma ala
reconhecida como esquerda católica.
A partir dessa investida no laicato4 os princípios da Doutrina Social da
Igreja, e o pensamento reformista do Padre Júlio Maria, influenciam outros
religiosos renovadores que aqui no Brasil desenvolviam suas missões em
diversas partes do país. A influência recebida foi na verdade, a mola propulsora
dessas mudanças no interior da Igreja brasileira.
A partir desse entendimento sobre essa ação geral vinda como resultado
de mudanças no pensamento da Igreja percebe-se a importância dos estudos de
Villaça (2006) ao mostrar que não só as mudanças estruturais externas
contribuíram para essas transformações, mas que as condições políticas do país
abriram espaço para que essas novas idéias adentrassem no país.
Não se trata de afirmar que a Igreja construiu uma nova identidade, mas
sim de uma nova estratégia de preservação de seus preceitos, afirmando-se
como novo discurso diante das diferenças sociais. Portanto, o Padre Júlio Maria
se revelou um historiador e um ativo reformulador do pensamento social,
criticando posturas e manobras de políticos brasileiro e de uma parcela do clero,
quando em uma de suas falas menciona:
4
Para aprofundar estudos, consultar Leigos na Igreja e no Mundo. Lisboa, 1984. E também Missão da Acção
Católica na Renovação da Igreja em Portugal neste final do século XX. In: Acção Católica do presente e do
futuro. Lisboa, 1985.
7
hierarquia do clero, investindo mais efetivamente em ações locais para a
população, visto como dever da Igreja diante de uma conjuntura de tensão e
diferenças sociais. Nessa nova concepção, a ala mais progressista da Igreja
falava do comodismo presente no clero em geral e que – inserido em práticas
ligadas a manobras políticas, expressando também a idéia de certa vulgaridade
nas ações limitadas dos católicos praticantes que diante de um mundo em
desordem – nada fazia.
Essa linha de renovação vinha trazendo um sinal do sentimento de
“indiferentismo religioso presente de modo geral nas pessoas”. Eram os valores
da sociedade que estavam sendo analisados e Mainwaring (1989, p. 30), em seus
estudos, reforça essa idéia quando mostra que,
8
interesses de grupos que expandiam seus negócios. O Estado assegurava seu
espaço e a Igreja perdia campo.
As mudanças estruturais mostram que a Igreja Católica não só havia,
literalmente, enfraquecido em suas antigas bases, mas também estava
encorajada, conscientizando pessoas para a messe, contando com a presença de
leigos que assumiam o princípio de obediência e serviço. Villaça (2006, p. 31) se
aloja com essa idéia de renovação do pensamento trazendo novos fiéis para a
Igreja, encorajando-os a fazer parte dessas novas mudanças em pessoas e na
sociedade ao tempo em que outras mudanças, como a ideológica, estavam
acontecendo pelo mundo, uma vez que a Igreja estava dividida entre o
Catolicismo Tradicional e a Neocristandade.5
É preciso ficar claro que a Igreja da Neocristandade (1916–1955) se
empenhava em cristianizar pessoas, enquanto que a ortodoxa lutava pela
preservação do status quo e de suas tradições. Mainwaring (apud SOARES,
1986, p. 45) descreveu que
5
Foi precisamente na década de 1920 que floresceu no Brasil a nova postura adotada pela Igreja Católica, o
modelo da Neocristandade, atingindo seu apogeu de 1930 a 1945, quando Getulio Vargas ocupou a
Presidência da República. Por Neocristandade, entende-se um conjunto de práticas, ou projeto de
restauração cristã, aplicadas pela Igreja Católica.
9
a concepção da Igreja quanto a sua missão integral determina
diretamente o seu envolvimento na vida política. Quando, por
exemplo, líderes religiosos argumentam que a Igreja deveria lutar
contra o comunismo ou que deveria se colocar acima da política
ou desenvolver uma opção preferencial pelos pobres, estes
pressupostos derivam do sistema religioso. Isto significa que é
preciso compreender os objetivos da instituição e a concepção de
fé que a motiva. A maioria dos estudos sobre a Igreja do período
de 1916–1955, contudo, não tem ressaltado estes aspectos.
6
Pensador religioso, engenheiro e poeta que marcou o início do século chegando a ser considerado, ao lado
de Rui Barbosa e Machado de Assis, parte da "tríade gloriosa da suprema perfeição lingüística" nacional.
Professor e jornalista, Laet deixou uma vasta produção sobre arte, história, literatura, crítica de poesia e de
costumes. Também recebeu honrosas distinções, e o título de Conde Papalino, de dois Papas consecutivos,
Leão XIII e Pio X, por sua defesa da Fé. Extraído da revista Pensamento Religioso.
7
Jackson de Figueiredo Martins nasceu em Aracaju no ano de 1891. Bacharel em Direito, dedicou-se à
política e ao jornalismo. Foi ponto de referência na história do catolicismo brasileiro como organizador do
movimento católico leigo. http://doutrinacatolica.trix.net/Downloads/Jacksonm.htm
10
do Padre Júlio Maria e responsáveis pelos movimentos religiosos depois da morte
dele. Jackson de Figueiredo, leigo e fiel colaborador de Dom Leme e do Centro
Dom Vital pretendia formar uma intelligentsia católica (DELLA CAVA, 1975, p. 12)
que esteve durante toda a década de 30 e início da de 40 ligado à grupos da
direita católica.
Para entender o surgimento dessa Ação Católica, foi preciso compreender
todo o aparato do pensamento da Igreja Européia e o empenho de Papas como
Leão XIII (1878-1903) que organiza o Concílio Plenário de 1899 dos Bispos da
América Latina com a presença de 13 Arcebispos, sendo 11 do Brasil. De acordo
com estudos realizados por Régio Bento(1999, p 82) sobre a reforma na Igreja
Católica:
Leão XIII condena a divisão de classes, que ocorre quando a
classe detentora do capital (dadores de trabalho) explora a classe
detentora da força-trabalho (trabalhadores assalariados). A
existência dessas duas forças sociais com identidades diferentes,
típicas das sociedades capitalistas, não representa em si mesmo
um problema moral.
11
como Jackson de Figueiredo, quando no ano de 1921, funda a primeira revista de
intelectuais católicos no Brasil, A Ordem. Trata-se de uma publicação de
fundamental importância para a criação de um centro de estudos sociais e
religiosos, com ênfase em sociedade, conhecido como Centro Dom Vital, que
passa a funcionar no ano de 1922 (VILLAÇA, 2006, p. 13).
12
heresia e a Maçonaria no século XIX. A historiografia da Igreja Brasileira
reconhece nas figuras do Pe Júlio Maria, de Dom Sebastião Leme e de Frei Dom
Vital, o teor de suas renovações, quando denunciaram impasses entre a
sociedade, os princípios da Igreja e o contexto sócio religioso e político. O
aspecto reformista do Centro Dom Vital condenava as tendências socialistas em
prol das reformas cristãs. O empenho desses reformadores católicos ampliava o
projeto da regulação ético social do capitalismo com a melhoria da situação dos
trabalhadores, obtendo uma distribuição de renda mais justa. (MARIA, 1950, p.
244-247).
Nesses anos, um outro nome que se destacou na Neocristandade foi o do
Padre Lacroix,10 que advogava um Brasil mais catequista e a promoção
vocacional para que a messe fosse alcançada com maior amplitude. Lacroix
julgava os padres brasileiros, acusando-os de estarem demasiadamente
preocupados com assuntos de menor teor do que o religioso, o que representou
uma afronta para a ala renovadora, que reagiu a suas críticas. Era o conflito
dentro da própria Igreja, quando padres e bispos discutiam rumos da Igreja e as
novas posturas do cristão.
O grupo contava com a participação de escritores católicos, pensadores de
uma reforma sócio religiosa que combatia a presença comunista. O Centro
recebera esse nome pela importância da figura de Dom Vital para a mudança do
pensamento católico brasileiro. Dois pontos estiveram nas idéias de Dom Vital: o
combate às idéias maçônicas vindas desde os anos do Papa Pio IX 11 (1846–
1878), representante do antiliberalismo na Europa, e os conflitos internos entre
correntes ideológicas. Ora, Dom Vital havia estudado na Europa e estava imbuído
do pensamento antiliberal. Se assim era, sua postura em Olinda /PE com sua
ideologia impregnada dos princípios de Pio IX, portanto, do pensamento vigente
da Igreja de reação antimoderna, ao mesmo tempo em que entrava em
contradição com a liberdade religiosa (VILLAÇA, 2006, p. 85- 86).
OLÍVOLA, Frei Félix de. Um grande brasileiro a serviço de Deus: D.Frei Maria Gonçalves de Oliveira. 4.ed.
Recife: Imprensa Universitária, 1967.
10
Padre Lacroix tem seus primeiros votos de pobreza, obediência e castidade em setembro de 1909, em
Citar, na Holanda. Ordenado na Bélgica, segue imediatamente para a região africana hoje conhecida como
Congo, onde ficou até 1915, quando vem para o Brasil e passa o resto dos seus 84 anos de vida.
Caracterizou-se por um enorme idealismo e uma impressionante visão de futuro.
11
A Igreja Católica defensiva de Pio IX abriu campo ao pensamento dialógico de Leão XIII (1878–1903), que
se refletia na Igreja nacional. Dom Vital morre no mesmo ano de Pio IX ao tempo em que as apologias
religiosas são modificadas no Concílio Vaticano com a Encíclica Mirari Vos (1832), do Papa Gregório XVI, e a
Quarta Cura (1864).
13
Era o Centro Dom Vital responsável pela difusão do catolicismo e pelo
diálogo entre o alto clero, bispos antiliberais, antimodernos ou não, e a sociedade
e tinha como tarefa árdua o combate ao comunismo. O povo brasileiro vivia em
condições de desigualdades, principalmente no Nordeste, com questões da seca.
O povo tinha Padre Cícero Romão Batista, popular “Padinho Ciço”- beato
símbolo da salvação de seus problemas elementares, como fome, sede, falta de
moradia e saúde . As secas nordestinas no início desse século tinham deixado
marcas enormes. Exemplos de um passado que somava problemas à população
carente, ao tempo que seletos grupos asseguravam privilégios (MOREIRA
ALVES, 1966, p. 42).
Esses problemas abriram campo para o trabalho desses pensadores no
Centro Dom Vital. Assim, desde 1922, o Centro Dom Vital vinha dialogando com
essas diferenças ideológicas, atuando com base em estudos religiosos, por meio
de documentos da Igreja e de cartas de bispos e cardeais. Entre os anos de 1920
e 1930, todos eles, portanto, estão inseridos no contexto do Dom Vital, envolvidos
com as questões sociais, políticas e econômicas do país. O mundo do capitalismo
dava idéia do provisório, trazendo intranqüilidade para as pessoas. Desde o início
do século, jornais católicos já atuavam divulgando o consumismo, as mudanças
de padrões de vida, etc. O jornal A Bússola era um deles, cujo nome sugeria ser
um guia para as famílias cristãs, como se lê na edição publicada em 7 de janeiro
de 1912.
14
habilidade para o diálogo entre a Igreja, a política e os setores da sociedade. Fato
constatado durante os 15 anos em que permaneceu como Cardeal-Arcebispo do
Rio, Primaz do Brasil, proporcionando e reintegrando o diálogo entre a Igreja e
Estado brasileiro. O Cardeal Sebastião Leme transita pelos Governos de
Rodrigues Alves, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, Artur Bernardes e de
Washington Luís. Este último, inclusive, recebeu sugestão de Dom Leme para que
deixasse o Governo e se retirasse do Palácio do Catete, mas acaba sendo
deposto pelo Movimento de 1930.
Dom Leme era um estrategista notável, e isso também é observado
quando, mais tarde, celebra no Governo Vargas missa solene de Ação de Graças
pelo restabelecimento da paz nas famílias, com a presença do próprio Getulio
Vargas. A estratégia da Igreja era a intensa campanha para a inclusão cada vez
maior dos leigos ao mesmo tempo em que dialogava com a sociedade, com os
militares e os setores. Isso também fica claro quando, em 12 de outubro de 1931,
Dom Leme inaugura o Cristo Redentor no Morro do Corcovado, no Rio de
Janeiro, com a presença do Presidente Vargas e do seu ministério, resultado de
um acordo entre Estado e Igreja. É do Cardeal Leme a frase: “ou o Estado
reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhece o Estado.” Assim foi que no
regime de Vargas se intensificaram os esforços por uma redefinição dos vínculos
entre o Estado e a Igreja Católica Nacional, culminando com a aproximação de
ambos (LAUERHASS, 1986, p. 92).
Dessa forma, a recristianização da sociedade estava em passos largos de
negociação no Governo Vargas, o que acaba fortalecendo a ideologia católica no
país, ao tempo em que se firmava o Partido Comunista do Brasil – criado em
março de 1922, por um grupo de intelectuais e operários –, orientado, em parte,
pela III Internacional Comunista,12 centralizando o movimento operário no país,
ofendendo a Igreja. A importância desse trabalho anticomunista foi grande dentro
do modelo da Neocristandade que a Igreja Católica pregava. Nesse novo
momento, Dom Leme ganha força e produz discurso que enfatiza o respeito e a
obediência à hierarquia religiosa e a necessidade de manutenção da ordem cristã
em nível nacional, combatendo o comunismo, como pré-requisitos ao bem-estar
12
A III Internacional, ou Comintern, representou durante esses anos uma organização destinada a apoiar as
revoluções proletárias e socialistas em todo o mundo. Chegou a alcançar um de seus principais objetivos, ao
contribuir decisivamente para a formação em diversos países das frentes únicas democráticas contra os
fascistas.
15
da sociedade brasileira, mostrando, assim, que a linha renovadora estava
trabalhando na messe católica.
As relações entre Dom Leme, Jackson de Figueiredo e figuras atuantes
como Alceu Amoroso Lima se definem na criação de um grupo chamado Liga
Eleitoral Católica (LEC), associação constituída para apoiar candidatos católicos
às eleições para a Assembléia Constituinte de 1933, contando com a participação
de pessoas influentes na sociedade brasileira.
Pode se pensar no Centro Dom Vital e na LEC como centros religiosos a
serviço da Igreja, promovendo discussões políticas e sociais com o intuito de
ampliar consciências individuais que pudessem intervir na sociedade em prol de
um mundo melhor. Para mostrar a atuação católica no país, compreendemos o
grupo de pensadores católicos divididos em grupos,ambos radicadas na cidade
do Rio de Janeiro: os pensadores liderados por Jackson de Figueiredo e Alceu
Amoroso Lima em torno do Centro Dom Vital e da revista A Ordem, de atuação
marcadamente política, e de outro lado, os artistas plásticos e poetas Ismael Nery,
Murilo Mendes e Jorge de Lima, que fizeram do catolicismo um discurso sob
forma artístico-literária no país.
A mensagem do Centro Dom Vital configura-se, assim, como um produto
cultural híbrido, que se dirige às diversas esferas da vida social, pondo em
circulação um conjunto de idéias. Aproveitando o número de padres e bispos em
eventos de esquerda, organizou-se um encontro do episcopado para refletir
sobre a situação nacional a partir de revolução de 1930, produzindo fundamentos
para a formação da Liga Eleitoral Católica – LEC, em preparação às eleições de
1934, como alternativa para orientações dos fiéis católicos em vista da formação
de seu juízo de cidadão diante de urna eleitoral.
Essas novas idéias influenciam radicalmente a vida pública de Alceu
Amoroso Lima (leia-se também Tristão de Ataíde), pensador que em suas falas
recorria à interpretação de São Tomás de Aquino, freqüentando reuniões no
Centro Dom Vital. Amoroso Lima estudara a ideologia revolucionária de Mauritain
e Newman (VILLAÇA, 2006, p. 18-19), influenciando seu pensamento renovador.
Ao lado dele, Gustavo Corção, outro intelectual atuante no Centro Dom Vital. Até
então considerados tradicionalistas ortodoxos ferrenhos, ambos mergulhavam na
ebulição dos debates entre Ciência, Estado e Religião e as recomendações
cristãs do Centro Dom Vital.
16
Nesses anos com a criação da LEC o objetivo era oferecer apoio aos
candidatos independentemente de partidos políticos, aqueles que se dispusessem
a defender na Constituinte o pensamento da Igreja em relação a indissolubilidade
do casamento, a assistência religiosa às escolas públicas e a pluralidade sindical.
O Centro Dom Vital se articulava em interesses políticos, inserindo-se na LEC que
segundo Mainwaring (1989, p. 48), “foi uma das expressões mais destacadas da
Neocristandade criada por Leme em 1932 para orientar católicos como votar”.
Durante esses anos, Dom Leme criara estratégias de pontes entre a Igreja
e o Estado, enfrentando movimentos de diversos âmbitos, inclusive o da Escola
Nova, que debatia idéias educacionais defendendo o ensino público gratuito e
laico no Brasil. A Escola Nova, com a participação de educadores católicos, na
verdade, ia contra a proposta da Igreja de expandir a educação por meio de
escolas católicas. Dom Leme mostrou que tinha força política, alcançando êxitos
em candidaturas nas Assembléias Constituintes entre os anos de 1933 e 1934,
quando apoiou políticos, via LEC. Além de obter parecer favorável à legislação,
Dom Leme conseguiu reintroduzir a educação religiosa nas escolas do país.
Assim, é possível observar o projeto político e social da Igreja caminhando
com o religioso. Não resta dúvida que a LEC tinha em seu bojo a palavra eleitoral,
e esta interferia nas capelanias militares e hospitalares, inserindo-se em
discussões e coligações políticas.
As análises de Villaça (2006) refletem o impacto da ampliação e inovação
do pensamento católico no Brasil, não só a partir do trabalho anterior de padres
renovadores, mas de posturas de Dom Leme e de figuras do Centro Dom Vital,
somadas ao esforço da Igreja em criar suas estratégias de domínio, dialogando
com o Estado e outros setores, liberais ou não.
Beozzo (1994, p 23) em seus escritos, menciona:
O trabalho com universitários, entretanto, começou no Centro
Dom Vital, antes de se integrar na Ação Católica. Assim, foi sob a
influência do Centro Dom Vital e de seu novo presidente,
Amoroso Lima – anos mais tarde presidente da Ação Católica -,
que surgiu, em 1929, a Associação dos Universitários Católicos
(AUC).
17
em combate às diferenças sociais diante de um quadro de miséria. As ações
renovadoras dos padres e leigos traziam de forma camuflada, um forte teor
político cristão. Podemos dizer que o religioso adentrava na arena política
brasileira e a figura de Dom Sebastião Leme trouxe através das Cartas Pastorais
da Igreja (datadas em 07/1916 e 01/1925), o modelo de Neocristandade para a
Igreja brasileira quando esta analisa a situação nacional a falta de cumprimento
acerca dos deveres sociais da sociedade e capta leigos para as ações cristãs.
O ingresso de leigos, as questões sociais e políticas e um quadro de
acumulação de capital em mãos de poucos estabelecia campo para as ações de
uma esquerda católica. Eram os leigos chamados para ações espirituais,
inseridas na valorização humana e na mudança social. O pensamento renovador
desses leigos, padres e bispos, sinalizava o real panorama de miséria no Brasil
e a omissão do Estado brasileiro, que ostentava e conjugava com políticos que
não abraçavam o combate à desigualdade social.
Nessa ótica, o Brasil tinha adeptos a essa nova postura da Igreja e o
campo estava propício às mudanças que a Igreja estava propondo. Mainwaring
(1989, p. 43) esclarece que:
18
Pedro Secondi, Tomás Keller, Martinho Michler, Amoroso Lima havia ingressado
na luta de esquerda revolucionária seguidora da linha do humanismo integral de
Jacques Maritain, tendo uma trajetória democrata defensor da liberdade e um
crítico ferrenho do totalitarismo, enveredando anos mais tarde na esquerda.
Apesar da mudança gradativa de seu posicionamento político, é no sentido de
sua aversão ao totalitarismo. (VILLAÇA, 2006, p. 175).
A atuação de Gustavo Corção, membro do Centro Dom Vital era de direita,
com base na crítica reacionária ao capitalismo e ao consumismo nacional,
seguidor da ideologia reacionária de Venillot e de Maistre, recusa o liberalismo
econômico e o socialismo no país. Podemos afirmar que entre Gustavo Corção no
seu imaginário político atacou a irresponsabilidade das elites brasileiras. O Brasil
assistia a uma somatória de idéias que, advindas de grupos hegemônicos e de
pensamentos religiosos, rotulou outros grupos de "fascistas", "conservadoras" ou
"direitistas". Grupos que transitaram no governo de Getúlio Vargas. Essas
denúncias levaram Corção a se alinhar ao jornalista Carlos Lacerda anos mais
tarde.
Em 1938 com a derrota do Fascismo na II Guerra Mundial, muitos
integrantes do Centro Dom Vital se afastaram da linha ideológica anterior. Corção
critica a postura de Dom Helder Câmara, alegando que este andava difamando o
Brasil na Europa, país que tivera a audácia de expulsar os comunistas reprimindo
movimentos desse tipo. Dom Helder Câmara estava ligado ao pensamento
religioso de Emanuel Mounier, Teillard de Chardin, Lebret - defensores dos
oprimidos.
19
religiosa e nacional, implicando numa possível quebra da unidade católica, que
não apresentava as mesmas características da filosofia revolucionária em relação
a propriedade, a luta de classes, a revolução e alienação religiosa. Parte da
Igreja, os setores burgueses não se firmavam nesses projetos, pois o comunismo
contrariaria a ordem vigente. As comunidades religiosas não possuem relação
com o comunismo. (SALLERON, 1979, p 223).
Padres do Mosteiro de São Bento travam em suas pregações uma espécie
de guerra litúrgica. O Pe. Leonel França 13 se envolve nessas novas investidas
católicas ao lado de beneditinos e dominicanos como Frei Romeu Jorge Dale 14
organizando ações católicas. Por outro lado, as heresias de Mauritain 15 eram
combatidas pelos grupos tradicionalistas tanto no Brasil como na Argentina e no
Chile (GÒMEZ DE SOUZA, 1984, p 96).
Havia perigo da chegada do comunismo e este sistema encontrou
resistência na Igreja, mesmo com a presença da esquerda cristã. A ausência de
reformas do Estado, a omissão política e a doutrina social presas a uma elite
conservadora atendiam aos princípios do comunismo, e este balançava os
setores burgueses. Ferir os princípios de setores influentes da sociedade seria um
outro problema. Convém lembrar que nesses anos havia uma forte migração de
adeptos ao Cristianismo para novas religiões que segundo a Igreja Católica eram
imediatistas e assistencialistas.
A Igreja cria, então, movimentos dirigidos a segmentos diferenciados:
mulheres, classe média, operariado, juventude e outros, abrindo novas vertentes
para o movimento da Ação Católica Brasileira. Alguns desses grupos já vinham
combatendo a idéia de comunismo: a Aliança Feminina, iniciada em 1919, a
Congregação Mariana, criada em 1924. Eram anos de tensão entre grupos de
13
C f Sávio Laet de Barros Campos Artigo Leonel França: cultura e civilização. Foi ordenado sacerdote em
1923. Doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Gregoriana de Roma. Lecionou no Colégio de Filosofia em
Friburgo (Estado do Rio), tendo sido também vice-reitor do Colégio Santo Inácio e um dos fundadores da
PUC do Rio de Janeiro. Pe. Franca foi, sem nenhum favor, um dos maiores intelectuais brasileiros de todos
os tempos.
14
C f www cpcsp.org. br, foi secretário da Juventude Universitária Católica (JUC), por onde passaram
estudantes cristãos que mais tarde, muitos deles, lutaram contra a ditadura militar, compondo a esquerda
guerrilheira ou não. É autor de vários obras sobre comunicação cristã e coordenou o grande dossiê chamado
As Relações Igreja-Estado no Brasil, editado pela equipe do CPV e Editora Loyla.
15
Jacques Maritain (Paris, 18 de Novembro de 1882 /Tolosa, 28 de Abril de 1973) foi um filósofo francês de
orientação católica tomista. As obras deste filósofo influenciaram a ideologia da "Democracia cristã".
Escreveu mais de sessenta obras e é um dos pilares da renovação do pensamento tomista no século XX. Em
1970 pediu admissão na Ordem dos Pequenos Irmãos de Jesus Petits Frères de Jésus em Toulouse. Foi
enterrado com sua esposa em Kolbsheim. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/JacquesMaritain.
20
interesses diversificados e a Igreja da Neocristandade que através de sua
sistematização, cria a Coligação Católica Brasileira (CCA) que resultou da
confluência de seis associações representantes que atuariam nas questões
sociais e numa grande corrente anticomunista. O organograma mostra a
organização da Coligação Católica:
1930
21
Conflitos locais e mundiais ameaçavam estruturas antigas como a Igreja.
Skdimore (1982, p. 38) ressalta que “essa extraordinária concentração de poder, a
corrupção de velhos políticos, as aspirações de classes trabalhadoras, o governo
e as questões sociais delimitavam um país que deveria ser reconstitucionalizado”.
Com a Revolução de 30 eclodindo, o país vivia um processo político que vinha
atravessando sucessivas fases de problemas sociais entre militares, setores da
classe média – concentrados na população urbana em crescimento –,
comerciantes, liberais, burocratas (SKIDMORE, 1982, p. 32).
Pesquisas realizadas por Márcio Moreira Alves (1966, p. 38) consideram
que,
22
consolidação de dois componentes: a burguesia industrial e o operariado, que não
tinha, até então, grande expressão política.
Mas, mesmo com esses valores latentes na Igreja, o mundo não os
adotava mais e caminhava para o capitalismo, onde tudo era imediato e provisório
diante das possíveis mutações sociais. No caso do Brasil, Moreira Alves (1996, p.
39) afirma que a estrutura eclesiástica que chegou até nós, ainda tendo em parte
como um dos objetivos mais focalizados “ganhar o céu”, estava obsoleta e não
respondia mais ao povo.
Ora, a Igreja tinha valores redencionistas, uma hierarquia normativa, e
tanto a sociedade quanto o catolicismo vinham sofrendo significativas mudanças.
Sobre esse período, Carlos Guilherme Mota (1994, p 31) comenta que
23
O autor aborda o papel da Igreja diante do cenário político social, ao passo
em que o integralismo havia tomado espaço para desobediência às autoridades
constituídas tendo as sacristias como apoio à suas propagandas. Dom Sebastião
pouco elogiava o Presidente da República, embora em sermões fizesse
recomendações do Papa em relação à figura de Getúlio Vargas como salvador do
Brasil e da América Latina do perigo comunista. Com o declínio econômico que
vinha se arrastando, o declínio político se instaurava cada vez mais no país.
Havia um conjunto de forças conservadoras interessadas no fim do governo,
forças da oficialidade do exército (os tenentes) e oligarquias estaduais como a
gaúcha, a baiana e a paraibana aliadas a burguesia industrial que começava a
ocupar espaço na vida econômica nacional.
Além de forças conservadoras, grupos vinham lutando para a conquista do
espaço político como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) fundado em 1922, o
Partido Democrático (PD) fundado em 1926, as lideranças anarquistas e
sindicalistas. Nesses anos, a ilegalidade do PCB colocava Luis Carlos Prestes,
Laura e Otávio Brandão no Bloco Operário Camponês (BOC) que se tornou a
maior força democrática opositora às oligarquias nacionais que lançava o Jornal A
Nação, em janeiro do ano de 1927. E pela primeira vez no país, os comunistas
tinham sob sua influência um jornal diário e de grande circulação. Essa foi a
primeira tentativa de organização de uma frente única operária e socialista para
concorrer às eleições no país.
Verifica-se na história que o Estado getulista assumia o papel de agente do
desenvolvimento econômico comprando café e controlando o preço do açúcar
nacional, tomando medidas que favoreceram o crescimento de muitos setores no
país. A política de Vargas visava à garantia do direito educação, saúde, trabalho,
subsistência, propriedade, bem como e principalmente – os direitos trabalhistas.
Mas isso segundo os principais analistas do seu governo, foi uma estratégia de
dominação política que teve como principal objetivo, contar com o apoio do povo,
essencial para a manutenção do poder. Mas, assim que adquiriu confiança pelo
povo e toma o poder, o presidente destituiu os governadores e nomeou
interventores de sua confiança que nomearam prefeitos para os municípios, até
que a nova Constituição fosse elaborada garantindo, novamente, a autonomia
federalista aos estados.
24
Ressalta-se que, durante esses anos, a presença de grupos como os
Círculos Operários de 1930, e a Juventude Católica, de 1935 que podem ser
entendidos como expressões iniciais de uma política de Vargas, das investidas da
Igreja e de alianças com a Congregação Mariana. Eram grupos da Igreja voltados
para ações de esquerda especializadas anticomunistas. Esses grupos defendiam
os direitos humanos com uma linha cristã e serviço operário da Igreja e o
comunismo era contra a burguesia, porque os comunistas queriam tomar o poder
e acabar com a propriedade privada, quando tudo passaria a pertencer ao
Estado, que garantiria uma distribuição igualitária das riquezas e todos os
serviços básicos.
16
Também denominado de Intentona Comunista, o movimento armado deflagrado em Natal, no Recife e no
Rio de Janeiro tinha por objetivo derrubar Vargas do poder e instalar um Governo popular chefiado por Luís
Carlos Prestes. Sem contar com a adesão do operariado, e restrita às três cidades, a rebelião foi rápida e
violentamente debelada. A partir daí, uma forte repressão se abateu não só contra os comunistas, mas contra
todos os opositores ao sistema vigente no governo. Cf. Dulce Chaves Pandolfi Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/RevoltaComunista.htm.
17
Elaborado na verdade pelo Capitão Olímpio Mourão Filho – Chefe do Serviço Secreto da Associação
Integralista Brasileira (AIB) e oficial lotado no Estado-Maior do Exército (EME). Anos depois, Mourão Filho se
tornaria figura de proa no golpe militar de 1964, já como General, quando, no comando da 4ª Região Militar e
da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, sediados em Juiz de Fora (MG), deu início ao movimento de tropas
que afastou Goulart da Presidência, marchando para o Rio de Janeiro. Cf. site da Fundação Getúlio Vargas
em:http://www.cpdoc.fgv.br
25
volta a se acender em setembro de 1937, quando foi apresentado à Nação um
documento do Governo sobre uma suposta nova revolta que eclodiria em breve
no país, com a tomada de poder pelos comunistas. Esse documento ficou
conhecido como e no dia 10 de novembro, deste mesmo ano, tropas militares
cercam o Congresso.
O organograma abaixo mostra essa nova estruturação de católicos leigos
em Ações Especializadas que lutaram pelos direitos humanos e pela justiça social
no país.
Estrutura Organizacional
Ação Católica Brasileira
1935-1945
HAC JMC
Homens da Ação Católica Juventude Masculina Católica
SAC
Senhoras da Ação Católica JFC
Juventude Feminina Católica
26
influência do integralismo na sociedade brasileira e nas Forças Armadas atingiria
amplíssimas áreas e tocava às profundidades do coração.
Os comunistas e os governadores dos Estados bem o sentiam.
Desencadeava-se uma propaganda tenaz contra os princípios ensinados pelo
integralismo; os mesmos princípios políticos que serviam em grande parte à nova
estrutura constitucional do país. (CARONE, 1976, p 17) O Governo identifica
nesse momento uma reação católica pela alteração social, o que imobilizou as
conciliações criadas pela Igreja em defesa de camadas populares e o diálogo com
os setores conservadores.
O fato é que o suposto ataque comunista cria um estado de alerta no país,
as eleições são suspensas e em novembro de 1937 Vargas anuncia pelo rádio a
decretação de uma nova fase de governo denominada Estado Novo.
O Congresso passa a aprovar medidas apresentadas pelo Executivo
enquanto que o Legislativo recua, cedendo espaço para o fortalecimento do
Estado Novo de Vargas (1937-1945). Nesses anos, a Igreja estava aliada ao
Estado Novo no combate ao comunismo, mas estava perdendo campo para o
Estado, que atingiu o seu apogeu durante entre 1930 e 1945, período em que se
estreitaram os laços entre a Igreja e o Estado, estabelecendo um governo de
orientação autoritária, embasado na ideologia nazi-fascista, período em que as
crises tomam proporções excessivas.
Assim, internamente à Igreja Católica, como resultado das discussões
sobre o papel social que deveria ser exercido pelos cristãos abrindo espaço para
oportunidades políticas aos progressistas, emergiram religiosos progressistas que
se definiam pela “opção preferencial pelos pobres”. Eram leigos, religiosos e parte
do clero católico, engajados no sentido de transformar a Igreja hierárquica e
paroquial numa Igreja mais horizontalizada e extensa a diversas classes.
Dado como um governo estabelecido, o Estado Novo instaurado por
Getúlio Vargas sob a justificativa de conter uma nova ameaça de golpe comunista
no Brasil veio dar ao novo regime uma aparência legal. O aliado político de
Getúlio, Francisco Campos, redigiu uma nova constituição inspirada por itens das
constituições fascista italiana e polonesa. As ações paternalistas de Vargas,
dirigidas às classes trabalhadoras, foram de fundamental importância para o
crescimento da burguesia industrial da época. Ao gerenciar os conflitos e
interesses de grupos, Vargas dava condições para o amplo desenvolvimento do
27
setor industrial brasileiro. Além disso, o governo agia diretamente na economia
realizando uma política de industrialização por substituição de importações.
Em 1942, a Igreja perde Dom Leme e, após seu falecimento, Tristão de
Ataíde (leia-se Amoroso Lima) marca então a ideologia da Igreja Católica
brasileira na medida em que passa a exercer influência na ideologia urbana e
política de época. Assim, a Ação Católica Brasileira (ACB) cumpria nova etapa,
estando inserida num panorama de tensão entre grupos quando acontece a
passagem da vida no campo para a vida urbana, devido à urbanização que
começa a ocorrer no Brasil. A cultura urbana já predominava desde que o Papa
Pio XI estimulara a criação da Ação Católica Geral, na perspectiva de que a Igreja
deveria ter uma ação evangelizadora de ir até o povo (PESSINATTI, 1998, p. 62).
Em 1945, as medidas tomadas pelo governo faziam da saída de Vargas um
fato inevitável. Os que eram contrários a essa possibilidade, organizaram-se no
chamado Movimento Queremista. Empunhados pelo lema “Queremos Getúlio!”,
seus participantes defendiam a continuidade do governo de Vargas. Mesmo
contando com vários setores favoráveis à sua permanência, inclusive de
esquerda, Getúlio aceitou passivamente a deposição, liderada por militares, em
setembro daquele ano. Dessa maneira, Getúlio Vargas pretendeu conservar uma
imagem política positiva. Aceitando o golpe, ele passou a idéia de que era um
líder político favorável ao regime democrático. Essa estratégia e o amplo apoio
popular, ainda renderam a ele um mandato como senador, entre 1945 e 1951, e o
retorno democrático ao posto presidencial, em 1951.
Porém, a maior parte dos católicos se manteve silenciosa sobre os
aspectos autoritários do regime de Vargas, apesar de muitos aderirem ao
Integralismo entre os anos de 1932 e 1937 (TRINDADE, 1979, p. 302-303) ..18 O
choque dessas mudanças deixava as camadas populares perdidas. Sob essas
condições, foram construídas a consciência cristã e o espírito renovador de boa
parte do brasileiro.
Esse contexto de transformações avançava inclusive nas Universidades.
Acentuava-se nesse período a necessidade de criação de Faculdades de Direito,
Educação, Letras e Jornalismo, áreas que receberem prioridade enquanto centros
de fundamental importância para a irradiação da doutrina cristã no laicato.
18
O autor não aborda profundamente a relação entre católicos e integralistas, mas faz uma observação
interessante entre eles e sua afinidade ideológica no livro Integralismo, o fascismo brasileiro na década de 30
(Difel, 1979).
28
Também eram centros de estudos para atendimento ao mercado de trabalho
privilegiado por Vargas. Freqüentemente, universitários transitavam entre as
Universidades e a Igreja, e convém destacar que os estudantes se constituiriam
na ala jovem renovadora e intelectualizada.
Nessa etapa do trabalho, analisamos a criação das Ações Especializadas.
oriundas da Ação Católica Geral. A construção de uma tipologia é arriscada, mas
auxilia na compreensão da identidade do grupo em estudo - a Juventude
Universitária Católica (JUC) e de suas congêneres, 19 que resultaram da nova
postura da Igreja no Brasil que floresceu durante o Estado Novo em clima de
tensões sociais e vontade popular. A identidade da JUC nasceu e viveu com a
nova concepção social do Brasil de grupos que fundamentam suas histórias entre
os embates da direita com a esquerda, de tensões entre o Socialismo Real e o
Cristão.
Com as Ações Católicas Especializadas, a Igreja se propunha a analisar o
tipo de conduta existente nas relações entre as classes sociais e o Estado,
embora o capitalismo se ajustasse perfeitamente aos seus princípios. Eram
divergências ideológicas.
A História do Brasil e sua dinâmica de embates dá margem para outra fase
das ações católicas, mais centrada nos conflitos da missão da Igreja e de
enfrentamento ao clima de comunismo que aspirava eliminar todo e qualquer
traço de religião. No mundo, santuários se tornaram metas de peregrinação
forçada para bispos, padres, monges e leigos. O Estado brasileiro via esses
reflexos numa conjuntura de reestruturação econômica, política e social, desde
maio de 1937, quando surgem boatos da intentona comunista. De novo, o
Governo decreta estado de sítio e determina a apreensão de todo o arsenal de
provisões gaúchas. Getúlio designa o General Góis Monteiro para Chefe do
Estado-Maior, para a satisfação do Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. A
liderança do Exército unificada conspirava, ao lado de Getulio, contra a
democracia (SOUZA, 1976, p. 145-150).
As ações ainda não eram autônomas posto que identificavam seus
objetivos nas orientações da Igreja e na idéia de combate ao comunismo, e como
eram subordinadas à Igreja, reconheciam-se como Igreja. Nascem então, a partir
19
As congêneres eram as demais entidades representadas pela JEC – Juventude Estudantil Católica; pela
JIC – Juventude Independente Católica; a JOC – Juventude Operária Católica; JAC – Juventude Agrária
Católica. Todas elas, assim como a JUC, nasceram e atuaram no mesmo contexto e período histórico.
29
dessa “maturidade política”, as unidades ativas para atuação na sociedade. Eram
ações mais conscientes dentro da Ação Católica Geral.
Contra-atacar, com a missão de realizar serviços para a Igreja numa
pastoral rápida e que tivesse princípios de luta não só religiosa, mas social. Eram
ações especializadas ou operárias de laicato eram unidades hierarquicamente
subordinadas à Ação Católica Geral, que vinha seguindo orientações do clero,
inserida no regime de Vargas e a JUC era uma dessas ações especializadas que
tem um percurso ideológico balizado entre a Igreja e a Universidade.
Com a morte de Dom Leme, Gómez de Souza(1984, p 96) menciona:” em
1947 realizou-se em São Paulo uma Semana Nacional da JUC, logo a
promulgação dos novos estatutos”, mas estes ainda com base no modelo
italizano, francês, canadense, americano. Essas ideologias estavam inseridas na
nova fase, reinaugurando práticas que colocaram em jogo posturas autoritárias
adotadas até então por segmentos da sociedade, principalmente contra o
comunismo, atuando com base em padrões cristão separados por gênero.
Nesse período ainda temos a marca forte da UNE e os estudantes do
Brasil que unidos saem do seu VI Congresso armados para a luta quotidiana da
união nacional. (CARONE, 1976, p 73). Os estudantes aspiram conversa com o
Presidente Vargas questionando a poderosa máquina industrial e militar no país,
além da ideologia que estava agindo sorrateiramente.
A crise do regime varguista, bastante acentuada em 1944, atingia setores
estudantis, da Ação Católica, inclusive parte do poder militar. É também nesse
período que acontece a legalização do Partido Comunista do Brasil. As unidades
operárias do laicato não mediam esforços para combater os ataques à Igreja,
contando com a colaboração da burguesia e da classe média. A esfera religiosa
não escapou da ordem do Estado getulista, que se afirmava diante da Igreja a
partir de um projeto de construção de uma Identidade Nacional, de uma ideologia
apoiada na legitimação do discurso de gravidade do momento nacional em nome
do nacionalismo.
Esse sentimento levou grupos de estudantes à iniciativa de homenagear
colegas concluintes de diversos cursos universitários envolvendo professores,
poetas, romancistas, homens de negócios em apoio efetivo, quando estes foram
considerados cidadãos da nova república pelo catolicismo militante.
30
As correntes populares, grupos defensores da democracia criticavam o
Estado Novo e a reação governamental acontece criando impasse entre os
universitários. (CARONE, p 85-86). Intelectuais católicos 20 vistos como liberais
comunistas, fascistas, conservadores. De imediato há uma preocupação com a
definição da identidade desses grupos atuantes. De grupos hegemônicos a
opositores que compartilhavam de ideais divergentes ou não.
Ao analisar como a Igreja e o Estado se articularam no período de
conjuntura desses anos, conjuntura resultante de crises advindas da II Guerra
Mundial, pensa-se em grupos acostumados, sobretudo, a privilégios decorrentes
do monopólio social, religioso, econômico e político em confronto com
renovadores. Hegemonia resultante de alianças com um Estado forte como o
Novo que estabelecia no país um grupo totalitário (idem, p 87), definindo uma
identidade nacional. Por Identidade Nacional, Renato Ortiz (1994, p. 141-142)
estabelece a seguinte definição:
Em termos gerais, havia, no início do século XX, uma vontade vinda dos
grupos católicos de elaborar um discurso da identidade nacional que, até então,
não passava de um campo abstrato, fragmentado e diluído entre as identidades
regionais. A idéia de identidade nacional que nos parece uma falsa questão, no
entanto era marca forte desses anos. Identidades estas que não só uniam o
sujeito à estrutura social, ou seja, unificado a ela, não fragmentado, que provoca
mudanças, desestruturam e abalam os quadros de referência dos indivíduos nas
sociedades modernas.
20
Para a história das relações entre a Igreja e a Estado no Brasil contemporâneo, veja, entre outros, Márcio
Moreira Alves e Edgar Carone.
31
É também a identidade tema em 1946, do I Congresso Nacional de Ação
Católica, realizado no Rio de Janeiro pelos estudantes católicos. Lá os leigos
unidos discutiam e criaram novas estratégias de articulação com o Estado,
repensando-se a identidade dos grupos de ações católicas. Na ocasião, foi
ressaltado que integrantes desses grupos deveriam atuar com “a mais filial
submissão a todos os membros da hierarquia”, praticando a “disciplina da
obediência pronta e filial aos superiores hierárquicos” (MAINWARING, 1989, p.
82-138).
Era uma tentativa de a Igreja controlar suas ações e se posicionar diante de
um Estado forte. A Igreja e a ACB iriam trabalhar no sentido de definir metas de
atuação com o Estado, adequando a religiosidade a todo esse contexto de
sentimento nacionalista. Anos em que se apresentavam carências de um pós-
guerra numa ideologia em clima nazi-fascista. A derrota do fascismo na Europa e
a deposição de Getulio Vargas em 1945 foram acontecimentos que
enfraqueceram visivelmente o modelo da Neocristandade que contava com
católicos progressistas21, contribuindo para que a ACB se afastasse da linha
ideológica de apoio ao Integralismo.
Estrutura Organizacional
Ramos da Ação Católica Brasileira Especializada
1946 - 1950
21
Termo que enfrenta certa controvérsia ao se referir aos católicos da linha libertadora.,criticado por muitos
nesses anos. Entretanto, apesar de seus limites, constitui um termo consagrado na literatura e permite
englobar todos os católicos que optam por uma prática religiosa e um discurso que pode ser associado à
Teologia da Libertação, ver: MARIZ, Cecília Loreto. Católicos da Libertação, Católicos Renovados e
Neopentecostais. Cadernos CERIS n°2, outubro, 2001 p. 20
32
JMC – Juventude Masculina
Católica
33
As políticas de mobilização das classes média e alta foram efetivamente
associadas à Igreja nesses anos. O posicionamento político desses anos era a
favor do desenvolvimentismo e da proletarização da força de trabalho. As várias
ações políticas de Vargas lhe davam uma imagem de “pai dos pobres”, o que
contribuía para que reinasse nesses anos a imagem de que o Presidente tinha
uma afeição particular com o povo, praticando ações que cultivavam o cotidiano
dos trabalhadores. (CARONE, 1982, p. 168-169). As várias forças políticas que
reinaram na Terceira República teimavam dar a esse termo uma feição particular,
segundo suas próprias conveniências. Para o General Góis Monteiro, mentor do
golpe de 1937, e agora fiador do novo regime, ele precisava ser uma democracia
“plena”.
Havia o desejo de uma democracia relativa, conduzida de maneira a
bloquear a ação daqueles que, a seu julgamento particular, poderiam ser
perigosos ao Governo. Mas em 1945, premido pelas circunstâncias, e sob
garantia de vida e de segurança para si e para sua família, o ditador Getulio
Vargas renuncia, pondo fim a 15 anos ininterruptos de Governo. Alguns
ministérios são alterados e o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros
Câmara, dá outra orientação ao trabalho que vinha sendo implantado por Dom
Leme.
Nos anos do Estado Novo, o fascismo se estabeleceu na Europa, e a
guerra entre as burguesias monopolistas das potências capitalistas revelava a
crise das democracias liberais e ameaçava destruir a primeira experiência
socialista iniciada na União Soviética. Eram tempos de insegurança e terror. A
imprensa era totalmente controlada pelo aparelho estatal, como sintetizou Nelson
Werneck Sodré (1984, p. 438-39), uma vez que no
34
A Igreja Católica lançou mão do rádio como meio de comunicação eficaz.
Acordada com o Governo, recorreu a emissoras, que disseminaram as
mensagens evangelizadoras. Os grupos dominantes utilizavam as rádios e outros
meios de comunicação para imprimir na sociedade suas concepções políticas.
Ainda pregavam o conservadorismo da República Velha. Julgavam que somente
a elite intelectual formada por técnicos, políticos e por militares seria capaz de
interpretar os “verdadeiros interesses nacionais” e de “disciplinar” a participação
do povo, de políticos e intelectuais influentes no Governo.
Francisco Campos, Azevedo Amaral e Oliveira Viana eram alguns dos
intelectuais que mais defendiam essas idéias, acreditando equivocadamente que
assim dariam fim aos conflitos de classe. Amaral de Azevedo (1934, p. 252), por
exemplo, afirmava que
35
econômica inevitável com o fim da guerra poderá agravar mais
ainda a situação do povo. Daí a apatia popular e a necessidade
de satisfação imediata das aspirações das classes trabalhadoras.
(CARONE, 1976, p 440)
36
liberdade de pensamento e expressão e outras medidas enquanto a JUC se
expandia ideologicamente.
O governo adotou medidas repressivas contra a tentativa de reorganização
sindical dos trabalhadores, proibindo a existência do Movimento Unificador dos
Trabalhadores. Não obstante, o presidente Eurico Gaspar Dutra praticou uma
política governamental deliberadamente autoritária a partir de medidas que
desrespeitou flagrantemente a Constituição vigente. A repressão para impedir o
crescimento vertiginoso dos comunistas e o avanço dos movimentos sociais e
sindicais dos trabalhadores pode ser considerada os exemplos mais evidentes do
autoritarismo do governamental neste período inicial da experiência democrática
no Brasil.
O governo proibiu as eleições sindicais e interveio em praticamente todos
os sindicatos. No último ano do mandato de Gaspar Dutra, cerca de 200
sindicatos trabalhistas se encontravam sob intervenção governamental. Acontece
em 1949 o XII Congresso Nacional de Estudantes realizado na Bahia. Gómez de
Souza (1984, p 98) coloca que, nesse encontro houve contato entre vários
jucistas e a Bahia sediou o agitado número de universitários, ao tempo em que a
UNE fazia campanha nacionalista para o petróleo. (GÒMEZ DE SOUZA, 1984, p
98).
A JUC este demonstrava muita força política quando em 1950 foi eleito de
forma direta Getúlio Vargas como Presidente da República, iniciando seu segundo
mandato em 1951. Os confrontos entre Getúlio Vargas e setores conservadores e
os liberais acentuaram-se criando tensão política e na Igreja. Era preciso
continuar as mudanças na sociedade para que a Igreja cumprisse melhor sua
missão. No entanto, as limitações da Igreja estavam no aparelhamento do Estado,
e suas inovações por meio das ações católicas dependiam do Estado e do
batalhão de leigos jamais visto na história do país.
Isto posto, a história das ações católicas na década de 1950 está voltada
para questões do Estado capitalista em conflito com o Estado Comunista,
associada aos inúmeros fatores de desgaste da Igreja como instituição. Assim,
em 1952 é criada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que então
vai coordenar a ação da Igreja em todo o país. Era a unidade católica se impondo
contra a unidade comunista. No final da década de 1950, a Igreja, preocupada
ainda com as questões sociais geradas pelo modelo de capitalismo no país,
37
movimenta-se por intermédio de suas ações especializadas contra a fome e o
desemprego que assolam grande parte da população. De acordo com o depoente
padre entrevistado,
Essa entrevista ressalta a idéia de que a Igreja, reconhecida pelo seu clero
como instituição forte de luta pela democracia no país, era a voz dos que
necessitavam gritar e não tinham campo. A Igreja, por meio de suas ações, foi
porta-voz de muitos setores populares no país. Ela defendeu os direitos humanos
abrindo espaço para discussões que iam se estabelecendo diante de setores
especializados como a juventude universitária, a juventude operária, e outros. As
ações especializadas sofreram nesses anos, nova reestruturação, conforme
Estatutos da Igreja:
Estrutura Organizacional
Ação Católica Brasileira
1950
38
Ação Católica Geral (ACG)
JEC JOC
Juventude Juventude
Estudantil Operária
Católica Católica
39
especializadas mais ativas de luta, deixando pouco a pouco a Ação Católica
Geral, seus princípios absorvendo e expandindo novas bases de ação.
As ações católicas, portanto, passam a se organizar efetivamente,
tornando-se um movimento social mais significativo pela autonomia da Igreja e
tomada de decisão. Era a transformação gradual do pensamento dos grupos
especializados inserida em ações que abrangiam diversos tipos de ocupação
ligados a setores como a JAC – Juventude Agrária para os camponeses; a JEC –
Juventude Estudantil para os estudantes de nível médio; a JIC – Juventude
Independente para os profissionais recém-formados em escolas superiores,
geralmente militantes egressos da JEC e da JUC; a JOC – Juventude Operária
para os operários, e a JUC – Juventude Universitária para os estudantes de nível
superior.
Todos esses setores especializados fizeram parte dos movimentos sociais
mais relevantes na história da juventude católica do país. Os movimentos sociais
dessas congêneres se apóiam mutuamente, embora sem estratégias bem
definidas. Estudantes e trabalhadores tentam se articular na luta por uma
sociedade melhor, levantando suas bandeiras no país. Havia uma quebra de
liderança da Igreja e autonomia na escolha de seus líderes.
José Luiz Sigrist (1982, p. 29) sustenta que essa atitude da Igreja de captar
os leigos por meio da juventude que seguia a linha cristã cria uma nova
consciência que moveu a Igreja de tal maneira que ela se mostrou com o ideal
fortalecido. As essências e formas exemplares já não respondiam aos seus
anseios e nem aos de seus fiéis, que buscavam migrar para novos credos. Desse
modo, a Igreja Católica foi se definindo pelas ações especializadas que mais
tarde ingressaram na ideologia marxista. Os grupos defendiam a abolição de
propriedades particulares dos meios de produção, lutando pela igualdade social.
Em agosto de 1954 a tensões no país chegaram a um grau mais avançado
quando Carlos Lacerda sofreu o atentado que resultou na morte de um major da
Aeronáutica, acontecendo acusações ao presidente Vargas. O vice-presidente
Café Filho propõe a renúncia conjunta, mas Getúlio Vargas não aceita. Estes
rompem, o clima fica tenso resultando adiante no suicídio de Vargas em agosto
de 1954.
Com a morte de Getúlio Vargas, chamas udenistas são acesas contra
esses movimentos e a figura do Vice-presidente Café Filho aparece assumindo
40
em agosto de 1954 o país num clima de tensão. No plano internacional o contexto
é a Guerra Fria e seus reflexos na América Latina e no caso do Brasil, o governo
procurava diminuir os impactos produzidos pelos reflexos externos e internos. A
divulgação da Carta Testamento de Vargas, num momento em que o então
presidente emitiu nota oficial afirmando seu compromisso com a nação e com o
povo, dando-lhes proteção especialmente para os humildes, que, aliás, era uma
das metas anunciadas por Vargas.
Debates entre católicos reformistas continuam impulsionando as ações dos
leigos. A JUC - ala da esquerda católica empenhada em mudar a sociedade pela
possibilidade de recristianizar grupos num confronto entre a religião e a política,
buscando evangelizar pessoas sensibilizando-as para essa construção de uma
nova sociedade, de acordo com os direitos humanos.
As agremiações de esquerda conquistaram grande número de
simpatizantes e as massas populares lutavam pelos mesmos interesses,
reivindicando melhoria na qualidade de vida para a sociedade. O momento
político das especializadas permitia preocupação com o modelo econômico, social
e a depuração de políticas, criando um clima de tensão.
Segundo Fábio Régio Bento (1999, p 13)
41
uma ações mais efetivas em suas especialidades: campo, universidade, cursos
secundários e grupos independentes. O organograma mostra as unidades irmãs:
Estrutura Organizacional
Ação Católica Brasileira Especializada
42
militância ativa e mais consciente. Florescendo nas unidades geográficas
inclusivas de serviço, a JUC era, portanto, uma delas, uma entidade
hierarquicamente subordinada à Ação Católica Geral (ACG) e à Ação Católica
Brasileira (ACB), mas ainda era Igreja.
A JUC se moveu e criou maior consciência de luta, desenvolveu autonomia
e agiu com independência no Governo JK, “aos olhos divididos” da CNBB, que
desempenhava um papel-chave na articulação da sociedade civil em defesa dos
direitos humanos, das liberdades democráticas, da reforma agrária, dos direitos
dos trabalhadores e da redemocratização. E aqui é preciso destacar a
compreensão de que a atuação da JUC como entidade católica inserida em
movimentos sociais numa identidade entre a luta sócioreligiosa e política.
A formação do grupo JUC era acadêmica, intelectualizada, muitos falavam
várias línguas e pertenciam à classe não só média alta, mas à uma elite com
visão de mundo ancorada na religiosidade, com a tarefa de dar sempre o melhor
de si para a sociedade, inserindo-se como leigo cristão na messe da Igreja.
Caberia, portanto ao grupo, reformar as consciências individuais e assim pelas
ações, uma ordem, harmônica e justa imperasse no mundo, espelhada na
vontade de Deus e preservada dos perigos da modernidade. 22
Para situar as características do grupo, foi necessário conversar com ex-
jucistas que se reconheciam como atuantes no grupo. O desejo de luta e a
possibilidade de se tornar um movimento revolucionário no país atraíram muitos
jovens para as ações católicas. Sendo assim, o movimento estudantil que se
possa aqui apresentar é a presença do jovem revolucionário de classe média alta,
que estava vinculado ao paradoxo da ação política. A tendência dessa inovação
era resultado de tendências esquerdistas que assolavam boa parte da Europa e
da União Soviética. A presença destes estudantes ampliava o cerceamento da
atividade política por parte de grupos que atuavam no contexto nacional.
De acordo com Mônica Kornis,23
43
compromisso político dos universitários, tendo a delegação de
Belo Horizonte, com o apoio de delegados de outras cidades,
insistido na incompatibilidade entre a filiação à JUC e a atuação
em grupos políticos de direita. Ainda em 1950, a própria
modificação dos critérios da ACB em relação à organização do
laicato contribuiu para a implantação nacional da JUC. Foi
adotado um novo modelo, de inspiração francesa, belga e
canadense, que reduzia a importância das dioceses e valorizava
os grupos nacionais ligados a meios sociais específicos. Foi
também introduzido um novo método de "formação para a ação".
Uma vez reconhecida, a JUC filiou-se à Juventude Estudantil
Católica Internacional, sediada em Paris, e ao Movimento
Internacional dos Estudantes Católicos, com sede em Friburgo, na
Suíça.
44
[...] partir daí, o movimento ganha consistência, definindo melhor o
seu campo de ação, o seu método, o temário para estudos e a
sua organização. Criada a “Equipe Nacional”, encarregada de
coordenar o movimento, em todo o país, aos poucos vão se
constituindo as “Equipes Regionais”, no sentido de conseguir
oferecer maior unidade e assistência às “Equipes Diocesanas” e
às “Equipes de Base”. Essas equipes eram formadas por um
padre assistente, dirigentes e militantes.
45
uma síntese global de um homem espiritual. De fato, esse ideal permitiu aos
militantes espaços e períodos de reflexões, pois a adesão ou inserção de um
outro tipo de luta veio inicialmente pela consciência cristã, vista anteriormente,
mas experimentou novos modelos em sua caminhada, encontrando nessa
concepção uma história de luta mais atuante e com autonomia em relação à
Igreja (SIGRIST, 1982, p. 64). Para o autor, o ideal cristão era livre para a criação
de novas concepções, como a marxista, criando na História do país novos valores
sociológicos, o que difere da visão salvífica e romântica da História.
Foi também nesse período da década de 1950 que acontece na conjuntura
internacional, a morte de Josef Stalin e ascensão de Nikita Kruschev na União
Soviética, pelo armistício na Guerra da Coréia, acompanhado da morte de cinco
milhões de pessoas e pela atuação do cientista Albert Sabin, quando, em clima de
conflitos mundiais, descobre a vacina contra a poliomielite, beneficiando milhares
de crianças. Todos esses fatos influenciaram o imaginário e a visão social da
juventude.
No Brasil, muitos episódios se processam, dentre eles, já o citado atentado
contra o jornalista Carlos Lacerda, os clamores populares contra o Governo e o
posterior suicídio do Presidente Getulio Vargas nas dependências do Palácio do
Catete, a nova etapa política com a entrada de Café Filho que, por problemas de
saúde, se afasta do Governo, vindo a assumir o Presidente da Câmara dos
Deputados, Carlos Luz, no ano de 1955. Foi ainda entre os anos de 1954 e 1955
que aconteceu o encontro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
criada em 1952, com a presença do Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, Dom Helder
Câmara, como Secretário Geral. Foi o tempo em que a Inglaterra explodia a sua
primeira bomba atômica nos campos da Austrália enquanto os jovens se
encantam com a liberdade sexual via pílula anticoncepcional. Estava aí criado um
impasse interno na Igreja que vê esses fatos como afrontas diretas à vida e aos
princípios religiosos. Em 1955, Carlos Luz é substituído por Nereu Ramos. JK
assume a liderança do Brasil em 1956.
Nesses anos, os integrantes da Ação Católica Especializada, de forma
geral, eram vistos como comunistas. No caso da JUC, por serem universitários e
esclarecidos intelectualmente por teorias mais consolidadas em autores de cunho
comunista, a presença do grupo incomodava a muitos setores da sociedade.
46
1.3.2 Novas caminhadas da Juventude Universitária Católica (1956-1960/1)
24
Fundo/Coleção: Polícia Política Setor/Série: Comunismo Notação: 127, Folha 110, encontrada no Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro em setembro de 2007.
47
renovado tinha apoio de Dom Helder Câmara, que já fazia parte de congregações
de esquerda católica, de luta mais efetiva.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil recomendava fuga ao debate
comunista. Uma das estratégias contra essas investidas dessa esquerda era a
difamação oral em pregações religiosas e a campanha do silêncio diante das
citações do pensamento comunista, evitando que essas idéias proliferassem no
país. Havia sem dúvida, um esgotamento político nacional. A JUC radicaliza e
passa por Governos e movimentos populares em reação progressista de uma
parcela da Igreja Católica, mas divergia da orientação da Igreja em relação ao
comunismo. Por isso busca autonomia. Foram anos marcados por uma nova
cultura.
Anos em que a identidade nacional se misturava com a internacional. As
aventuras da revolução jovem dos Beatles, que eram recebidos pela Coroa
Inglesa, o fenômeno hippie e a separação dos jovens de suas famílias, a
simbologia de Che Guevara, tudo afetava a juventude e ofendia a Igreja, mas
encantava os jovens brasileiros. Tudo isso favorecia para que os jovens se
exaltassem e buscassem a liberdade.Mainwaring (1986, p. 64) esclarece que
48
força trabalhista do país. A referência ao passado seria um elemento fundamental
na construção da identidade comunista e, ao mesmo tempo, na manutenção da
coesão partidária. No processo de construção da identidade do partido, a
memória coletiva desempenharia um papel destacado.
Segundo Dulce Pandolfi:
49
Kubitschek (1956–1960) – e internacional, notadamente com a vitória da
Revolução Cubana em 1959.
Mainwarig (1986, p. 62-63) analisa a postura da Igreja inserida na
conjuntura social e política ressaltando que entre 1955 e 1964 aconteceram
significativas mudanças, tanto no plano internacional como no nacional, e a Igreja
Católica não parou suas investidas de conversão. Nas Universidades, a presença
de renovadores católicos era um fato. O movimento estudantil da JUC se
reorganiza e toma impulso de luta, em âmbito nacional e internacional, como
revela a documentação da Coleção Polícia Política, Setor/Série Comunismo, 25
com depoimento do jucista Fernando da Silveira Cotrin ao DOI/ I EX.
25
Fundo Coleção Polícia Política Setor/Série: Comunismo, Folha 088, notação 127, encontrada no Arquivo
Público Estadual do Rio de Janeiro.
50
FILOSOFIA, tendo, porém, continuado a freqüentar a AÇÃO
CATÓLICA;
14. que a depoente sendo cristã e Socialista declara que tal fato é
perfeitamente compatível, que “o SOCIALISMO é um modo de
analisar a História e de organizar a produção e que ser cristão é
lutar para que o próximo não sofra injustiças”.
51
atmosfera de divisão na Igreja, quando alguns padres lutaram ao lado de
militantes pelos princípios de libertação.
Mas a Igreja se manteve fechada em muitos aspectos. Dentre eles, a
documentação oficial contida em seus arquivos não pode ser lida por leigos. Os
Estatutos da Igreja, normalmente manuseados com a presença de padres da
Diocese, mostram que ela é a sua guardiã, preservadora de uma memória que
deve ser esquecida. Com base nas entrevistas realizadas com jucistas e com o
Padre Haroldo Pereira, da Diocese de Jequié, chega-se ao seguinte esquema de
entendimento: primeiro, que a JUC era Igreja e Ação Católica Geral e
Especializada, portanto, conscientizadora cristã e seguidora dos dogmas da
Igreja. Segundo, que a JUC partiu para a luta mais efetiva em prol da sociedade e
dos direitos humanos nessa nova caminhada pós-50, quando começa a se
conscientizar desse novo ideal histórico, radicalizando e se transformando seus
ideais na década de 1950. E terceiro que a JUC, entre os anos de 1960, 1961 e
1962, havia se transformado em JUC movimento social estudantil, uma JUC com
identidade híbrida
A par deste entendimento de suas atividades iniciais, acontece uma nova
etapa. A JUC evolui em suas concepções políticas e sociais, adentrando em
diversas partes do território nacional enquanto movimento também no mundo
rural, que concentrava na época um dos maiores contingentes populacionais de
jovens dentro de país agrário, diferentemente do momento atual onde prevalece a
população urbana.
Eram anos de atuação das congêneres radicalizadas na luta entre as
cidades e o campo. A estrutura do movimento ainda estava voltada para pastorais
com novos métodos de evangelização em zonas rurais e urbanas. Havia, no
entanto, uma maior aproximação entre os seus líderes e membros com pessoas
do campo e com as classes trabalhadoras. Comunidades carentes que recebiam
a intervenção da JUC na política diante de seus entraves sociais, políticos,
culturais, econômicos. De acordo com as entrevistas realizadas, esse entrave
aconteceu por conta da operacionalização do movimento. O depoente J expressa
seu pensamento sobre a atuação da JUC na Bahia quando diz:
52
como se pudesse amenizar o sofrimento do homem do campo ou
mesmo da cidade. Lembro que eu saía de rua em rua a pé com
dois ou três colegas distribuindo panfletos. Acho que é por essa
razão que hoje tenho esta gráfica.
53
interna. Os grupos executivos asseguravam seus privilégios e canalizavam
investimentos (SKIDMORE, 1982, p. 205).
A classe média urbana censurava a corrupção e o favoritismo e constituía o
setor que JK tinha maior dificuldade de agregar (SKIDMORE, 1982, p. 210). A
elite administrativa era favorecida em nome do nacionalismo e o Presidente
resolve apelar para o ISEB e seus intelectuais tradicionalistas que atuavam no
Governo JK. Centenas de jovens brasileiros observavam o curso de um Governo
de herança desenvolvimentista que acentuava as diferenças sociais. A prova
disso é a construção de Brasília, que atendeu às camadas elitizadas, deixando os
candangos na periferia. Esses problemas acabaram induzindo a Juventude
Operária Católica (JOC) a expandir sua base operária no país, mais
especificamente na Região Sudeste. A JOC foi a congênere especialista que
caminhou ao lado da JUC com forte atuação nas camadas populares. De um
lado, a elite burguesa e parcela da Igreja, e do outro, os movimentos atuantes do
período. A JUC, a JAC e a JOC atuavam de forma mais direcionada no Nordeste.
A JUC tinha atuação em muitas Universidades do Brasil, notadamente no Sudeste
e no Nordeste, e a JEC contemplava os estudantes secundaristas, em apoio à
JUC. Essas irmãs em movimento se constituíram no país como a ala mais ativa
dos movimentos sociais na Bahia.
54
Acontece que muitas dessas reuniões eram em mosteiros, salões, e muitas
vezes em salas vazias da Universidade. Se uma Diocese compreende,
geralmente, vários municípios, as “Juntas Diocesanas” e as “Equipes Diocesanas”
seguiam as orientações das Juntas e das “Equipes Regionais”, cuja extensão
territorial coincidia com a atuação das “Equipes de Base” da JUC, que atuavam
com as “Juntas Paroquiais”, exercendo papel de uma esquerda cristã. As
atividades eram em espaço geográfico menor do que o da Paróquia, nos salões
paroquiais ou casas de integrantes do grupo, e as unidades ocupacionais
atuavam em áreas livres de zonas rurais que, para eles, eram lugares onde
podiam operacionalizar melhor suas ações sem a presença e poder dos bispos e
do clero. Nesse período está muito latente no país o trabalho de Paulo Freire, em
Angicos, que alfabetizava grupos com liberdade de pensamento. Estes grupos de
atuação da JUC ensinavam, administravam e governavam as comunidades para
viver com maior consciência social. Eram experiências cotidianas e muitos até se
ausentavam das aulas para a missão rural ou urbana.
Para a Igreja, o poder do clero se apresenta pela figura do pároco, que era
enviado pelo bispo sem nenhuma consulta aos leigos. Ele mandava, não porque
fosse reconhecido como líder desses grupos, mas simplesmente por oposição ao
bispo. Mas a JUC universitária era de uma liderança diferenciada, e muitos
militantes nem sabiam ao certo quem liderava. A JUC tinha apenas líderes locais
e regionais trabalhando com parceiros como a UNE. A liderança nacional exercia
um papel pró-forma de apoio. Cada um dos ramos da Ação Católica
Especializada se organizava, então, a partir de uma estruturação que se
apresentava independentemente de sua congênere. Esta forma de organização,
diferente da Igreja, não garantiu certamente sua unidade revolucionária.
Na folha 109 da documentação encontrada na série Polícia Política, 26
encontramos registros da maneira de atuação do grupo e dos encontros entre
jovens que se engajavam na militância católica e estudantil, pelo depoimento nº
10/74 do jucista Fernando da Silveira Cotrim.
26
Documentação encontrada no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro em setembro de 2007. Setor/
Série: Comunismo.
55
área educacional mais ampla e especificamente operária; que os
elementos que o depoente conhece têm sua origem na Ação
Católica e influência do pensamento marxista; que este grupo
tenta uma ação comum, com alcance visivelmente limitado e
pouca chance de expansão; que conhece pessoalmente as
pessoas abaixo que cita e sabe pertencerem ao grupo. (ARQUIVO
PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2007)
Fernando admite ter o grupo pouca chance de expansão, pois a Igreja era
este freio social. Fernando responde ao depoimento sobre seu engajamento no
grupo dizendo que, além de sua esposa, o grupo possuía integrantes como Silvio
Correia Lins, Sônia Correia Lins, Marcos Correia Lins, Maria do Pilar Costa
Santos, Beatriz Rebiano Costa, Maria Ainda Bezerra, Istvan Jancson, Ida
Jancson, e que já ouvira falar de um tal de “Rodrigo”.
Esse depoimento mostra que no período da repressão essa união da JUC
acaba sendo desfeita pela pressão e preservação de integrantes. As denúncias
de participação no movimento aconteceram sob forma de preservação de entes
familiares, embora muitos não cedessem. No depoimento ao DOI/ I EX, Fernando
admitiu que em sua família havia militares de projeção, que não precisavam ser
citados para não comprometê-los. O que se vê é o sistema de pressão aos
militantes, mostrando denúncias de colegas e a proteção militar aos parentes e
amigos. Sabemos que, quando se trata de família, o campo parece ser sagrado.
Conclui-se que um dos motivos que levou à desestruturação e
enfraquecimento da JUC no início da década de 1960 foi a falta de definição de
estratégias de resistência do próprio movimento, pois os jucistas, segundo o
depoimento anterior, criavam estratégias de luta, mas não haviam estabelecido
estratégias de resistência caso algo desse errado. São pessoas engajadas na
luta, diante de repressões sofridas, ferindo não só a identidade cristã do grupo,
mas firmes no compromisso assumido pelo grupo de efetiva luta no combate às
injustiças sociais. Todo esse aparato, porém, não estava articulado a uma
possível falta de sucesso de suas ações de luta.
De acordo com os Estatutos da Igreja, as entidades estavam assim
definidas, com critérios de atuação e força nacional.
Estrutura Organizacional
Juventude Universitária Católica
56
Ação Católica Brasileira (ACE)
Outros cursos
27
Disponível em: <www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/8852_1.asp>. Acesso em: nov. 2007.
57
As reuniões do conselho nacional em 1953 e 1954 mantiveram as
mesmas diretrizes anteriores, apenas aperfeiçoando o método
"ver, julgar e agir". Tal método consistia basicamente em analisar
a realidade a partir da doutrina da Igreja e em seguida traçar
linhas de ação. As dúvidas e os debates sobre problemas sociais
começaram a adquirir especial importância nessa época,
principalmente em 1954, quando o tema tratado pela JUC em todo
o país foi a questão social. As reuniões nacionais de Porto Alegre,
em janeiro de 1956, e de Recife, em junho de 1957, revelaram o
interesse crescente dos jucistas pela discussão de questões
sociais e de temas políticos. Temas como a universidade e a
sociedade ou a saúde e a fome foram levantados pelas JUCs de
Recife e de Belo Horizonte.
58
demasiadamente, pelos antecedentes do grupo. As lutas de classes na sociedade
brasileira marcaram a década de 1960 e, junto com a ascensão da Revolução
Cubana na América Latina, contribuíram para a radicalização de novos ideais,
mas eram sonhos.
Ao lado da JUC como organização de esquerda estudantil universitária,
destaca-se o Movimento de Educação de Base (MEB), que desenvolve múltiplas
atividades de alfabetização, conscientização, politização, educação sindicalista,
instrumentalização das comunidades e animação popular, construindo uma
Pedagogia Popular. A JUC de imediato absorve seus discursos em prol de causas
populares e atua ao lado do MEB, que era diretamente ligado à Igreja, vinculado à
CNBB e mantido economicamente pelo Governo Federal, resultado de mais um
acordo entre a Igreja e o Estado. Assim, caberia ao MEB e às especializadas,
desenvolver ações como alfabetização popular em zonas rurais, ao tempo em que
somava o pensamento social cristão que estava mais radicalizado em seus
princípios. O MEB (1961) e a JUC viraram movimentos de mudanças efetivas pelo
povo brasileiro e se constituíram em ameaça.
No seio desses movimentos sociais, a JUC se torna definitivamente, aos
olhos da sociedade, uma forte presença da esquerda brasileira, porque nela
estavam princípios do marxismo e a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, que
havia nascido da confrontação superestrutural desses anos definidores de formas
de opressão. Os anos de 1958/61 foram decisivos para a JUC pela criação da
Campanha Contra o Analfabetismo no país e pela comunicação com as massas
que ficavam à mercê da demagogia dos políticos e da manipulação de setores
hegemônicos, criando um estado de alienação de parcela da sociedade. A JUC
insistia na idéia de libertar o povo brasileiro das amarras do capitalismo e, no ano
de 1960, afirma-se mais comprometida com a luta revolucionária. Radicaliza e se
associa à UNE, e entre 1961 e 1962 constitui a organização Ação Popular,
optando mais tarde pela preparação revolucionária.
Entre os anos de 1958 e 1964 há acirramentos no movimento dos
estudantes quando este cresce, radicaliza ainda mais e abraça vários segmentos
políticos partidários. Atua nos Centros Populares de Cultura (CPCs) e nos
Movimentos de Cultura Popular (MCP), movimentando significativa parcela da
sociedade, apesar da atuação de grupos contrários.
59
Em contrapartida, criara-se nesses anos a Sociedade Brasileira de Defesa
da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que teve como fundadores fervorosos
católicos amigos do catolicismo em combate à luta revolucionária no país.
Paralelamente, a CNBB se empenhava para emperrar a infiltração esquerdista,
mobilizando os fiéis leigos para o embate apostólico contra a ideologia comunista.
Mas, as preocupações da JUC com o caráter social e político do país foi
consolidada no congresso de 1960, denominado Congresso dos Dez Anos,
realizado no Rio de Janeiro que captou muitos estudantes, formando novas
lideranças e estabelecendo ações para a sociedade em geral. Também padres e
partidos políticos estavam inseridos nessas discussões.
Na Coleção Polícia Política, encontra-se na folha 51 do Arquivo Público do
Estado do Rio, o seguinte depoimento ao DOI/I EX: 28
Depoimento nº 46/74 de Rute Maria Monteiro Machado no dia
15/02/1974. Era pertencente à organização MPL (Movimento
Popular de Libertação).
60
composto, entre outros, por Dom Hélder Câmara, Dom Antônio Fragoso, os
Padres Francisco Lago, Alípio de Freitas e pelos jovens da esquerda católica –
Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e
Juventude Estudantil Católica (JEC) – divergia na forma de ação. Havia uma forte
ligação entre os integrantes jucistas e o clero de ala esquerda.
Nos anos de repressão, o papel de mediação da Igreja acabou por
contribuir para a libertação de alguns militantes, ao tempo em que condenou
alguns dos ativistas de atuação mais direta com a Igreja. Dom Helder era visto
pelos grupos conservadores como um subversivo da Igreja Católica. E estar
associado a ele representava estar inserido na ala comunista do país. O
documento, no Ítem 3, revela como essa ligação entre militantes e Dom Helder
Câmara era perigosa na libertação de oprimidos e, diante da situação, não se
podia aceitar a neutralidade da Igreja diante de um país oprimido. Mas, deve-se
aqui ressaltar que não se pode discutir o papel da JUC, a não ser historicamente.
Daí a necessidade de compreensão mais lúcida da tarefa da Igreja no controle da
JUC. Suas oscilações identitárias se justificam diante de seus antecedentes
históricos.
O mundo da Igreja não está inserido no cenário comunista. Este, a
amedrontava. Segundo Sigrist, havia um princípio de identidade, de oposição ao
movimento, alheio à mensagem católica, e que deveria ser conquistado para a
ordem divina, a ser restaurada na Terra pela mediação da Igreja, a qual, na
Universidade, seria a própria identidade da JUC (1982, p. 36-37). Com as novas
idéias do Papa João XXIII, outras investidas foram feitas nas ações católicas
especializadas via Igreja, entrando as idéias revolucionárias em choque com os
Compêndios do Vaticano II, que, no programático discurso de abertura
(11/10/1962), pelo Papa João XXIII, anuncia formalmente que
61
As argumentações apresentadas no Compêndio estabeleciam a
preservação da unidade da Igreja, o que vinha de encontro aos princípios de
unidade do comunismo, mas uma ala da Igreja feria estes princípios e a Igreja se
divide. Na entrevista com o Padre depoente Haroldo Coelho, da Diocese de
Jequié, ele revelou que
29
Entende-se por Socialismo Real o modelo implantado como um sistema econômico que vigorou desde
1917, com a Revolução Russa, até 1990, aproximadamente. Com a queda do Muro de Berlim e a
desagregação da União Soviética foi substituída pela CEI – Comunidade dos Estados Independentes,
aplicando seus princípios.
62
não. Ela respeita a liberdade, agrega dentro do Cristianismo as
diferenças, usa o convencimento, mas não a força, explana
propostas aos homens.
63
identidades puras ou autênticas. Exemplificando essa noção de não existência de
uma identidade fixa, Canclini afirma que não há uma identidade latino-americana
definida, nem deveras de grupos, mas um espaço no qual o grupo se insere – por
exemplo, o espaço latino-americano – com centenas de identidades inseridas
nesse espaço reconhecido como dessas pessoas, e essas faces se mesclam e se
mostram de acordo com o contexto e os motivos. A partir dessa conceituação,
compreendemos que a JUC não tinha uma identidade autêntica, mas espaços
que foram definidos em sua atuação.
A JUC nasceu com a identidade híbrida e a partir de cada período e
contexto se manifestava com uma dessas faces, ou com as duas em confronto,
num movimento dinâmico, sendo difícil estabelecer qual das duas estava atuando,
mas ambas as identidades fortemente sendo reveladas todo o tempo. O teórico
opta pelo conceito de hibridização, vinculando-o a uma perspectiva cultural, para
diferenciá-lo do sincretismo, que se refere ao campo religioso, mítico, entre o
sagrado e o profano. Canclini demonstra em seus estudos que quando essas
faces, que são impressões e modelos, chocam-se e cruzam entre si formam uma
cultura que chama, em um sentido lato, “mais forte e presente” na identidade. A
palavra “híbrida” é melhor entendida quando Canclini (1998, p. 348) considera
que
Para o autor, as hibridações dos sujeitos têm relação com seu território,
ganhando espaços fronteiriços na obliqüidade dos circuitos simbólicos que
permitem aos sujeitos, nessas articulações com diversos grupos, repensar a
cultura, reconstruir seus espaços, redefinir sua identidade, assegurar suas
relações e lidar com as relações de poder. Canclini (1988, p. 348) considera que
64
microssociais da urbanidade – o clube, o café, a associação de
vizinhos, a biblioteca, o comitê político – organizavam a identidade
dos migrantes e dos criollos, interligando a vida imediata com as
transformações globais que se buscavam na sociedade e no
Estado. A leitura e os esportes, a militância e a sociabilidade
suburbana uniam-se em uma continuidade utópica com os
movimentos políticos nacionais.
65
Ao trabalhar com a multiculturalidade contida na América Latina,
com os enfoques e os interesses em confronto, perde força a
busca de uma “cultura latino-americana”. A noção pertinente é a
de um espaço sociocultural latinoamericano no qual coexistem
diversas identidades e culturas. (GARCIA CANCLINI, 2006 p.
174)
66
identificar interagindo entre o núcleo interior do sujeito que não é autônomo nem
auto-suficiente, mas formado processualmente na relação com “outras pessoas
importantes para ele, que mediavam seus valores, sentidos e símbolos – a cultura
– do mundo que nele habitava. A identidade “costura” o sujeito à estrutura.
Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam,
tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. Essas identidades
encontram fronteiras menos definidas, que provocam uma crise de identidade nos
sujeitos e que nos permitem admitir que ela está em constante processo de
reconstrução e redefinição.
Assim, a perspectiva que abraçamos de Hall está na questão das
identidades se desintegrando e nas identidades nacionais em declínio criando
identidades híbridas. Para Hall (2002, p. 38), a identidade é realmente algo
formado ao longo do tempo, por meio de processos inconscientes, e não algo
inato, existente na consciência no momento do nascimento. Quando Hall fala
sobre a constituição de uma nova esquerda, destaca que esta surge a partir de
“forças de fora” que vão se definindo o movimento.
Pensar a identidade é definir e traçar figurações e configurações múltiplas
causadas pela busca do sentido de pertencimento a um grupo, a uma
comunidade. Pensar em identidade cultural do grupo JUC e da sua face híbrida
que foi sendo revelada através de seu pensamento é tarefa desafiadora. Algumas
pessoas argumentam que o hibridismo vem a partir de fusões de diferentes
tradições e costumes ou mesmo como uma dupla consciência, no entanto, Hall
percebe o hibridismo como fronteiras menos definidas que se deslocam e se
mostram encaixando ou não socialmente, sendo vista como modelo discursivo
que vai se revelando em suas facetas. Stuart Hall defende que,
... as identidades nunca são unificadas; que são, na modernidade
tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas nunca
são singulares, mas multiplamente construídas ao longo de
discursos, práticas e posições que se cruzam e até podem ser
antagônicas. As identidades estão sujeitas a uma historicidade
radical, constantemente em processo de mudança e
transformação. (HALL, 2002, p.37).
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Por essa razão viveu na oscilação entre a luta estudantil mais efetiva de ação
radical e a proposta da Igreja. Era um momento existencial muito difícil diante da
falta de clareza com relação a sua missão, desfazendo da tarefa ingênua que a
alimentou durante anos. E, ao contrário do que afirma, o discurso da JUC e a
identidade não foram modificados ao longo dos anos. Pois é exatamente nesta
questão da JUC que este estudo se apóia: a híbrida identidade da JUC,
manifestada a partir de contextos e processos de experiência.
Essa questão identitária é pensada a partir de Hall (2002) que defende a
postura de vários sujeitos: o do iluminismo ou do “eu”, evoluindo para a
concepção de sujeito sociológico – “nós” até atingir o que os teóricos definem
como o sujeito pós-moderno. Do sujeito individualista do iluminismo, centrado,
dotado das capacidades de consciência e razão, extremamente consciente da
sua identidade, passou-se à noção de sujeito sociológico, que, pela primeira vez,
reconhecia a importância de outros “eus”, através dos quais os valores, sentidos e
símbolos do mundo por ele habitado eram mediados pelo social. Essa era a
identidade da JUC nos anos 60 - sociológica resultado dessa interação entre o
indivíduo e a sociedade. Embora o “eu real” permaneça, sua postura é
terminantemente modificada pelo diálogo contínuo com o mundo exterior.
A identidade é, assim, responsável pela estabilização e localização do(s)
sujeito (s). Na pós-modernidade, surge um sujeito fragmentado, sem identidade
fixa permanente, que se mostra “formado e transformado continuamente em
relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam”. Pensar os processes de identidade através da
diferença é voltar-se, também, para a politização do local e para uma nova noção
de identidade. (HALL, 2002: p 48) Hall propõe apensar a identidade como
processual, escorregadia, em constante produção, não implicando em um falta de
reconhecimento da identidade nacional, embora admita não ser ela autêntica.
Nascemos com as identidades nacionais, “formadas e transformadas no interior
da representação.”3 Porém, tal sentimento de identidade nacional torna-se
contraditório na medida em que esses fatores contribuem para que a unidade
inexista. Radicalmente, parece perturbador entender que o hibridismo define a
identidade da JUC nas suas relações com aquilo que não se pode ser.
Precisamente aquilo que falta, ou com aquilo que tem sido chamado em seu
exterior como constitutivo, ao tempo em que a identidade nacional se firmava
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enquanto grupo de forte poder decisório, centralizador na luta em prol dos direitos
humanos. O significado “de uma identidade” pode ser construído de forma a
perceber o grupo como um todo, quando suas manifestações se alimentam dos
contextos e necessidades mais gerais.
Uma outra questão que estaria imbricada nessas relações entre presente e
passado, memória e identidade política, seria o próprio projeto político do grupo,
que, para se afirmar, se apoiaria fortemente na história partidária. Nessa
andarilhagem da JUC, sua identidade mostra algumas fronteiras. A identidade
nacional nos permite pensar num só interesse, mas a partir de contextos
acontecem interesses diferenciados, estabelecendo avanços para o próprio
grupo. Por exemplo, a luta armada no campo e na cidade, a opção por radicalizar
ou não suas ações, ambas são decisões que desenvolvem pontos em comum,
fronteiras de pertencimento aos subgrupos. Esse conjunto de situações e traços
identitários explica as diferenças dentro da homogeneidade identitária do grupo.
Canclini (1998, p 190) afirma que “ter uma identidade seria, antes de mais nada,
ter um país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é
compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou
intercambiável”. Nesse território da identidade locais, os diversos interesses e
representações inseridos numa mesma perspectiva de grupo contribuem para
entender as complexas questões relacionadas a identidade regionalizada,
específica.
Como visto, o conceito de identidade tem sido muito discutido ao longo do
tempo e, portanto, abriga diversas versões de cunho psicológico, filosófico,
antropológico ou mesmo sociológico. A identidade é aqui construída a partir da
visão escolhas ideológicas, políticas de grupos e contextos. A reivindicação
dessas identificações insere as Ações Católicas em um quadro de Identidade
Nacional que assegura as identidades específicas dos grupos de ação. Essa
identidade pode ser pensada a partir dos indivíduos, de suas trajetórias,
referências e inserções em posições específicas dentro do grupo, local de
identidades partilhadas, do tipo eu = nós, ou como identidades contrastivas, no
caso, identidades locais ou grupais, do tipo nós e eles), ou pelas referências que
os aproxime em uma perspectiva coletiva que sublime as diferenças. Dessa
forma, não podemos pensar a construção da identidade como algo puramente
individual ou coletivo, mas como uma permanente negociação entre indivíduo e
69
sociedade. O sujeito assume identidades diferentes em momentos diferentes,
identidades que não são sempre reverenciadas ao redor de um “eu” coerente.
Portanto, evidencia-se em cada sujeito identidades contraditórias empurrando em
diversas direções, de modo que suas identificações estão sendo deslocadas (Hall,
2002).
Entretanto, o hibridismo se mostra e se define no cotidiano com as
experiências do grupo, constituindo numa forma de operar, de pôr em
funcionamento as faces ajustando ao momento, mostrando e articulação partes
que, juntas, compõem o todo da identidade. Esse conjunto de situações e partes
é determinante para explicar a homogeneidade cultural e como ela vai sendo
construída, ao tempo em que contribui para a formação do que chamamos de
identidade do grupo.
Se quisermos definir, a priori, a categoria identidade, denotativamente
poderíamos utilizar a acepção dada pelo dicionário: “Qualidade de idêntico”. 30
Assim, embora o mesmo dicionário citado também defina identidade como
“conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade,
estado, profissão, sexo, defeitos físicos, impressões digitais, etc.”, a idéia inicial
remete à perspectiva de se buscar algo em comum com o outro, e não somente
aquilo que lhe é único. Portanto, se identidade remete a traços individuais, como
os citados acima, naquilo que podemos chamar de identidade individual, em
termos gerais o que confere identidade a um indivíduo está atrelado à sua
inserção social.
Em abril de 1961, a identidade da JUC se definia numa sociedade em crise
de ideologia, crise econômica, social e política no país com o discurso de
mudança. Porém, se as identidades sociais são forjadas, em larga medida, a
partir dos discursos sociais, e a mídia desempenha papel central no país, a JUC
não podia desempenhar o papel de Igreja e de Luta estudantil. Cada vez mais os
diretórios estudantis se avivavam nas Universidades ao tempo em que parte da
Igreja estava inserida no âmbito das discussões do país.
Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro era evidente a
participação da Igreja em definições da educação nacional, quando em
documento declara "conservar a educação como instrumento cultural de
30
Verbete “Identidade”. In: Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1986, p. 913.
70
dominação das classes privilegiadas é servir à opressão dos humildes". Com essa
premissa, mostra não concordar com as diferenças sociais, concluindo que "o
estudante cristão só tem uma arma a empunhar, a bandeira do homem”
(BOLETIM DA JUC, 1989). Com essa ideologia, a Igreja apóia a JUC no ano de
1961, sustentando a participação dos jucistas em seminários estudantis na Bahia
e em muitos outros estados do Nordeste e do Sudeste.
Mas, se a construção da Identidade necessita de mediadores, a JUC
contava com a presença da Igreja nessa reinterpretação de papel, mas, no
entanto, parte do clero, como os seguidores de Dom Eugênio Sales,
administrador apostólico de Natal, logo desaprovou os rumos do movimento e
desligou a JUC de Natal da Organização Nacional. Era a quebra da identidade
nacional e o estabelecimento de grupos discordantes entre si. Esse fato gerou
uma discussão nacional, revelando a divisão dentro da própria Igreja. Era
momento de luta interna da Igreja. A euforia era tamanha na JUC que a ideologia
se expandiu sob forma de projetos culturais em parceria com a UNE, e essas
manifestações não paravam de acontecer. Sem dúvida que a identidade da JUC
estava se desarticulando pouco a pouco da Igreja e se definindo fora dos
princípios cristãos. A onda ideológica que antes se espalhara acaba
desenvolvendo expressões de um todo coerente de grupos fragmentados. No
caso da JUC, a desarticulação já não se unificava.
Desarticulada, a nova identidade manifestada no movimento era a de luta
estudantil que buscava formas mais concretas de ação, ação fundamental para a
prática política mais situada nos problemas nacionais. A criação e atuação da
organização Ação Popular (AP) entre os anos de 1962 e 1963 encontraram nessa
crise de identidade da JUC um campo propício para um caldeirão de novas
ações. A autonomia da JUC não pôde coexistir com um panorama de efetivo
desânimo, de uma fragmentação de ideologia e permanência de uma identidade
sob a outra. A AP era a representação da força e independência da JUC em
relação às amarras da Igreja. Desde então, a esquerda cristã não podia mais ser
homogênea e nem a Igreja hegemônica no controle da entidade. A JUC estava
radicalizada.
Essa é uma das concepções para entender o processo de construção da
identidade da JUC: um processo complexo, múltiplo e móvel, que se realiza por
meio de uma dinâmica relacional com o contexto histórico social do país. A
71
definição do conceito de identidade não é possível assentar em critérios
justificativos de validade universal, mesmo quando a situamos face aos seus
níveis mais extremos, como são o da identidade territorial, religiosa, étnica ou
nacional. O sentimento de identidade Tal concepção, que orienta esta análise,
quebra o conceito de uma identidade fixa, de um núcleo sólido e compacto, e fala
em identidades manifestadas e inseridas em um todo que tem em si uma
dinâmica com pontos de identificação e contrapostos que proporcionam aos
homens sentimentos de pertencimento ou não a uma rede simbólica. Não se
entende a JUC com uma identidade fixa, mas se admite a Identidade Nacional, ou
o todo aparentemente coeso. Desde logo, a compreensão da identidade étnica ou
nacional devemos entendê-la como convicção, crença coletiva que se relaciona e
interliga em complexos jogos de estratégias sociais. Como toda a crença humana,
a identidade aparece interligada com argumentos racionais classificatórios e
projeta-se em formas de expressão simbólica que convencem, reforçam, recriam
o sentimento de identidade face a situações dominadas pela mudança.
A sua identidade era híbrida não por seus antecedentes, mas como
fronteiras que se alteram e que foram sendo reveladas na medida em que iam
sendo reconstruídas nas relações sociais, políticas, econômicas, culturais e
religiosas. Conforme o conceito de hibridismo de Hall (2002), podemos
caracterizá-lo como sendo contraditório, pois se por um lado representa uma
poderosa fonte criativa, produzindo novas identidades e novas formas de cultura,
por outro lado este hibridismo pode causar a indeterminação, a “dupla
consciência” e o relativismo, que tem seus custos e perigos. Nessa perspectiva,
Stuart Hall (2000, p. 108) acredita que
72
grupo ou Nação. Compreender a luta ideológica desse grupo é também pensar a
possibilidade de deslocamento interior de identidades que fazem parte de um todo
que, apesar de ter sua dinâmica, está vinculada às relações sociais e ao contexto.
Nesse sentido, a identidade única da JUC abriu espaço para a manifestação de
seu hibridismo. há nessa identidade, uma relação de interdependência entre o
posições que tem como base a diferença que imprime a partir das circunstâncias,
o que acaba dando um caráter mais aberto à formação das identidades culturais.
A partir disto, Hall define as identidades culturais desta forma:
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