Formação Do Romance Brasileiro 1808-1860
Formação Do Romance Brasileiro 1808-1860
Formação Do Romance Brasileiro 1808-1860
(Vertentes Inglesas)
A presença inglesa no Brasil do século XIX se pautou por muito mais do que a simples
disponibilidade de mercadorias e produtos manufaturados, tais como louças e
porcelanas, cristais e vidros, panelas, cutelaria, ferramentas e remédios, nas prateleiras
das lojas e armazéns da cidade do Rio de Janeiro.
Com a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, promulgada por D. João VI em
Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, vários foram os comerciantes ingleses que vieram
se estabelecer no Brasil, seja como representes de firmas, como foi o caso de John
Luccock1, seja por conta própria, em busca de independência econômica. Não faltaram
nem mesmo os aventureiros e especuladores, à procura de lucro fácil. Transferiam-se
assim, da metrópole para a colônia portuguesa, os interesses comerciais britânicos que
haviam determinado o monitoramento, por parte do governo da Grã-Bretanha, de toda a
ação política da corte portuguesa, durante a crise deflagrada por Napoleão Bonaparte na
Europa. O bloqueio continental decretado por ele para tentar arruinar economicamente
sua inimiga colocava Portugal em situação delicada, devido à pressão exercida por
Napoleão para que os portugueses abandonassem sua velha aliança com os ingleses e
se juntassem ao grupo continental liderado pelos franceses.
Com suas atividades comerciais restringidas e com graves problemas internos causados
pela política de Napoleão, que, fechando-lhe o mercado europeu, atingiu duramente sua
produção industrial e o escoamento de seus produtos, a Grã-Bretanha viu com
entusiasmo a possibilidade de abertura de novos mercados na América Portuguesa.
Para a política externa britânica, representada por Lorde Strangford, interessava evitar
que os franceses, ao ocupar Portugal, pudessem tirar proveito das colônias portuguesas,
principalmente o Brasil, estabelecendo aqui uma área de influência. Da mesma forma,
interessava-lhe a vinda da família real, o que transformava o Brasil em sede da
monarquia e o colocava sob influência britânica, auxiliando, assim, os projetos ingleses
de conquista da América do Sul.
A assinatura do tratado de comércio entre os dois reinos em 1810 foi a compensação que
Portugal deu à Inglaterra pela ajuda que recebera na Europa. Por ele, ficavam garantidas
concessões comerciais mas também se asseguravam aos cidadãos britânicos direitos
que extrapolavam o campo comercial: o direito de viajar e residir em domínios
portugueses; o respeito à propriedade; a liberdade religiosa e o privilégio da
extraterritorialidade, através da figura do Juiz Conservador da Nação, a quem ficavam
afetas as causas jurídicas de interesse dos ingleses.
Foram os esforços britânicos de suprimir o tráfico negreiro que acabaram por colocar um
travo amargo nas relações entre a Grã-Bretanha e o novo Império e marcaram o início da
revolta dos brasileiros contra o que consideravam uma ingerência indevida em seus
assuntos de Estado e interesses econômicos. Fortalecido pela estabilidade e pelo
desenvolvimento econômico, o Império encontrava condições de enfrentar o poderio
britânico e romper as amarras do controle político exercido pelo governo inglês. Seu
objetivo não era eliminar a Grã-Bretanha da participação na vida econômica brasileira,
mas livrar-se das imposições e privilégios que haviam marcado as relações anglo-
brasileiras desde 1808. Abrindo o comércio do país à competição das outras nações, o
Brasil obrigou a Inglaterra a provar sua superioridade econômica para garantir sua
supremacia comercial no mercado brasileiro, pondo fim, dessa forma, às imposições
inglesas a Portugal ou aos aspectos escandalosos dos tratados entre os dois reinos que
haviam permitido condições extremamente privilegiadas ao escoamento dos produtos
ingleses na agora ex-colônia.
No entanto, a presença inglesa no Brasil que, no início do século, ficou marcada graças à
introdução de novos hábitos de consumo, à adoção de certas modas, ao refinamento das
maneiras e à oferta regular de cursos de língua inglesa, continuou a se fazer sentir no
cotidiano do Rio de Janeiro ao longo de todo o século XIX. Não só as alfaiatarias, as lojas
de armarinhos, as comidas e as bebidas, como o chá, eram marcas dessa presença, mas
Gilberto Freyre lembra que o uso do vidro e do ferro nas construções, as estradas de
ferro, a iluminação a gás, os bondes, são apenas outros exemplos dos poderosos
interesses britânicos no mercado brasileiro3.
Nem Maria Graham, em seu relato sobre sua estada no Brasil entre 1821 e 18235, deixa
escapar uma certa crítica a seus compatriotas por julgá-los mais interessados no dinheiro
do que nas coisas do espírito:
Essa visão negativa parece ter persistido durante bastante tempo, a ponto de Brás Cubas
comentar, em Memórias Póstumas de Brás Cubas:
Pode-se presumir, portanto, que a ingerência explícita, por parte do governo britânico,
nos negócios e na política da ex-colônia, ao longo das primeiras décadas do século XIX,
tenha levado a elite brasileira a nutrir um certo sentimento de desconforto e de má
vontade em relação a tudo o que dissesse respeito aos ingleses no Brasil, embora ela
não tenha deixado de se aproveitar largamente das novidades que a indústria inglesa
havia colocado à sua disposição, assim como adotar certos hábitos, introduzidos por eles,
que considerava civilizados. Havia em tudo isso, sem dúvida, uma certa necessidade de
recobrir com um verniz de civilização os modos rudes que muitos viajantes estrangeiros
não cansaram de apontar como característicos daqueles brasileiros.
02/02/06
A certeza de estarem trilhando novos caminhos fez com que durante todo um século não
só escritores mas também dramaturgos, periodistas, resenhadores e jornalistas se
ocupassem em defender, explicar, atacar, ou justificar o romance. Os periódicos, os
romances, as cartas, os diários transformaram-se em palco de um debate que colocou de
um lado os defensores do novo gênero e, de outro, seus detratores. Travou-se um
verdadeiro embate de idéias e concepções divergentes sobre o que era um romance ou a
que propósitos devia servir. Acusado por seus inimigos de "perigoso", "pernicioso",
"inútil", "subversivo" ou "frívolo", o romance se defendeu como pôde, sem, no entanto,
abandonar a arena. Estima-se que aproximadamente dois mil romances foram publicados
durante o século XVIII e, apesar de opiniões como a do personagem de Sheridan, na
peça The Rivals, que condenava as bibliotecas circulantes como "an evergreen tree of
diabolical knowledge" (Ato I), houve um verdadeiro dilúvio de romances que as
alimentaram. Isto explica certamente a quantidade surpreendente de discussão sobre o
gênero que teve lugar ao longo do século, mesmo depois de seu período de preparação e
fermentação.
Sem dúvida, o novo gênero ganhou força a partir de 1740, com a publicação de Pamela,
de Samuel Richardson, e a fundação da primeira biblioteca circulante na cidade de
Londres7. Mas a história do romance certamente não começou aí, sendo, na verdade,
fruto de um longo processo de gestação que se iniciou muito antes.
É desse período de formação que datam os primeiros prefácios que aparecem em obras
que praticamente desapareceram da maioria dos manuais de história literária e que só
encontram registro nos catálogos de levantamento da ficção publicada no período. Ao
lado dos chamados "pais-fundadores" (Richardson, Fielding, Smollett e Sterne), há um
sem número de escritores marginalizados, ou simplesmente esquecidos, cujo esforço e
contribuição foram fundamentais para consolidar e transmitir a tradição, seja pela
renovação, seja pela repetição. Estes romancistas de "segundo time", para usar a
expressão de Marlyse Meyer, são importantes justamente porque nos permitem trazer à
luz os elos esquecidos no processo de constituição do gênero. Destes, muitos foram
mulheres8.
Num momento em que o gênero não estava definido e suas fronteiras não estavam
demarcadas, e em que a régua usada pelos seus contemporâneos para medir o "bom" ou
"mau" desempenho dos escritores era aquela da tradição clássica, a própria perplexidade
reinante é um dado significativo: profusão de termos, de critérios, de exigências, de
propósitos.
Em 1741, respondendo a seu médico e amigo Dr. Cheyne, que o tinha aconselhado a
evitar expressões ternas e trocas de carinhos entre seus personagens Pamela e Mr. B.,
pois isso não ficava bem particularmente nas mulheres, Samuel Richardson escreve:
"I am endeavouring to write a story, which shall catch young and airy minds, and
when passions run high in them, to shew how they may be directed to laudable
meanings and purposes, in order to decry such Novels and Romances, as have
a tendency to inflame and corrupt."11
Para muitos, portanto, o novo gênero era aceitável desde que seu conteúdo pudesse ser
controlado e mantido sob vigilância. Não se tratava de censura, obviamente. Mas de
estabelecer regras, limites e freios ao caráter nocivo de uma forma literária que convida
ao devaneio e pode levar os jovens a condutas inadequadas por encher-lhes a cabeça de
fantasias e irrealidades. Através dos prefácios, assistimos ao longo e difícil esforço do
romance para livrar-se do princípio do "doce remédio". Ainda quase no final do século, é
possível encontrar aqueles que defendiam sua finalidade moral, como Clara Reeve em
seu prefácio a The School for Widows, de 1791. Houve quem, inclusive, se referisse ao
romance através de metáforas mais pesadas, que iam um pouco além dos tradicionais
"pernicioso", "perigoso", "subversivo", "frívolo". Fanny Burney, por exemplo, via o romance
como uma doença:
"Perhaps were it possible to effect the total extirpation of novels, our young ladies
in general, and boarding-school damsels in particular, might profit from their
annihilation: but since the distemper they have spread seems incurable, since
their contagion bids defiance to the medicine of advice and reprehension, and
since they are found to baffle all the mental art of physic, save what is prescribed
by the slow regimem of time, and bitter diet of experience, surely..."12
A promessa é cumprida por Richard Steele em 1714, quando ele publica The Ladies
Library, cujo objetivo declarado é ... "to fix in the mind general rules for conduct in all the
circumstances of the life of women."
"It is a very sacred correspondence, that which takes place between the mind of
the author and the mind of the reader; it is not like the slight and casual
intercourse we hold with our familiars and acquaintances, where any practice
serves to fill a few social minutes, and set the table in a roar; what we commit to
our readers has no apology from hurry and inattention; it is the result of thought
well digested, of sentiments by which we must stand or fall in reputation, of
principles for which we must be responsible to our contemporaries and to
posterity."14
Havia, como já disse, o esforço em pôr fim às suspeitas do público em relação à ficção
(daí o recurso ao truque do manuscrito, das cartas editadas, etc.). Por outro lado, era
preciso criar um leitor que aceitasse as convenções do gênero, que foram sendo
definidas passo a passo. Vê-se no diálogo que se estabelece entre o escritor e o público,
através dos prefácios, ou dos capítulos introdutórios, o desejo do escritor de dar um rosto
a este público, que já não é conhecido nem facilmente identificável. O escritor já não mais
escreve, como antes, para um pequeno círculo de pessoas que imaginava conhecer.
Apesar dos fatores que trabalharam contra o aumento do público leitor (quantidade
insuficiente de escolas, acesso restrito à escolaridade, entrada precoce de crianças no
mercado de trabalho, alto preço dos livros, a idéia de que a leitura devia permanecer um
privilégio de classe, etc.), houve uma expansão significativa do número de leitores,
principalmente entre as mulheres de classe média, que se transformaram em peça
fundamental no processo de produção e consumo do romance. Os romancistas
destinavam suas obras para elas, que respondiam acorrendo às livrarias ou bibliotecas
circulantes para obter um exemplar. A sede insaciável por romances criou um mercado
que exigia permanente renovação e ao mesmo tempo criou a figura do escritor
profissional, que escrevia por dinheiro e era contratado pelos livreiros para alimentar este
mercado. Algumas mulheres também se profissionalizaram. Nem todas, no entanto,
assinavam suas produções, como Eliza Haywood, ou admitiam que escreviam por
dinheiro, como Charlotte Smith. Muitas, por causa das restrições a este tipo de atividade
para mulheres, se esconderam sob pseudônimo ou publicaram anonimamente. Este foi o
caso de Fanny Burney, que só se revelou autora de Evelina após certificar-se de que o
romance tinha tido boa acolhida entre seus amigos e familiares.
A transformação do comércio de romances num rendoso negócio acabou por fazer dele
uma mercadoria descartável, portanto facilmente substituível, e por mediocrizá-lo.
Estes textos dão testemunho dos problemas enfrentados pelos romancistas. Desde o
princípio, quando a palavra "novel" era usada para se referir a uma história de amor
sentimental, até o final do século, quando seu sentido moderno se estabilizou, havia uma
grande confusão entre os termos "novel" e "romance", sendo que freqüentemente um foi
usado pelo outro. Esta dificuldade iria permanecer século afora, com algumas exceções.
T. Henry Croker, por exemplo, registrou em seu The Complete Dictionary of Arts and
Sciences, de 1765, uma definição que já colocava alguns parâmetros essenciais:
Nem todos, porém, fizeram esta distinção. Se não parecia tão fácil decidir sobre o nome
deste novo modo literário, que ora foi chamado de "romance", ora de "novel, ora de
"history", ora de "biography", houve, no entanto, uma concordância de que a matéria
deste "new species of writing" era a vida privada do homem comum. Todos também
pareciam concordar com a exigência da probabilidade. Este é, sem dúvida, um dos
termos de mais alta recorrência, aparecendo em diferentes textos e em diferentes
épocas.
De modo geral, as dificuldades enfrentadas pela maioria dos romancistas pareciam advir
da própria liberdade que é característica intrínseca ao romance. Se a ausência de
modelos e regras foi motivo de crítica para muitos, ela também foi a propriedade que lhes
possibilitou o ensaio e a experimentação. A maleabilidade é da natureza do romance e
lhe permite apropriar diferentes formas de escrita, como cartas, sermões, diários,
tratados, etc. O didatismo, o sentimentalismo, a doutrinação, o ensinamento moral, a
fantasia gótica - tudo foi incorporado por este gênero sem fronteiras. Por outro lado, esta
liberdade e maleabilidade assustavam, fazendo com que muitos tivessem buscado
manter o romance sob estreita vigilância, numa tentativa de colocar-lhe rédeas e
estabelecer limites para ele. Esta é com certeza a raiz do conteúdo altamente prescritivo
e normativo dos comentários e das resenhas. Assim como Addison e Steele tinham feito
com o Tatler e o Spectator, no início do século, muitos quiseram atribuir ao romance uma
tarefa reformadora, da qual só muito lentamente ele iria se libertar.
Há, no entanto, um aspecto sobre o qual os dois mestres parecem ter estado de acordo.
E isto, porque compartilharam da noção de personagem corrente entre seus
contemporâneos. O século XVIII ainda reteve muito fortemente a noção de personagem
teofrástico e o romance foi palco da coexistência entre esta concepção e uma outra mais
moderna, ou seja entre generalidade e individualidade. As evidências deste convívio
obrigam a relativizar um dos traços que Ian Watt propõe como definidores do romance no
seu período de ascensão, em The Rise of the Novel19.
Clara Reeve, ao mesmo tempo que percebeu que o romance moderno nasceu das ruínas
do romanesco, em seu The Progress of Romance (1785), também aplicou, na esteira de
Horace Walpole, a mistura de romance e de novel, do antigo e do moderno, abrindo
caminho para uma nova fase na história do gênero, que iria ter em Anne Radcliffe sua
maior representante.
As questões que os prefácios levantam merecem atenção porque elas podem nos ajudar
a compreender melhor qual foi o processo de constituição de um gênero que, se hoje faz
parte da nossa tradição literária, já teve que empunhar armas para conquistar seu
espaço.
O recurso ao truque do velho manuscrito ou das cartas que foram confiadas ao escritor,
que se apresenta como mero editor, atravessa todo o século, aparecendo desde cedo,
nas obras de Defoe, reaparecendo em Richardson, em Horace Walpole e ainda, em
1785, na advertência ao leitor de The Recess, de Sophia Lee. Pedidos de desculpas por
corrigir erros gramaticais e falhas de texto também são comuns, como forma de
autenticar o relato e fazer parecer ao leitor que o que ele lê não é produto da imaginação
mas sim fato.
São, sem dúvida, recursos de quem quer dar um "ar de verdade" à narrativa, para
atender a exigência de plausibilidade e verossimilhança, palavras de ordem no período,
desde o prefácio de Mary Delariviere Manley a The Secret History of Queen Zarah, de
1705. É certamente em busca de credibilidade que Manley e, mais tarde, o anônimo autor
de The Highland Rogue (1724) se perguntam como fazer para reproduzir palavra por
palavra a fala de um personagem, numa cena em que não poderiam estar presentes,
sem romper com a verossimilhança de seus relatos. Questões dessa ordem mostram
como as convenções foram se construindo a cada passo, até chegarmos ao que hoje
chamamos de pacto de ficcionalidade.
Também é no prefácio de Manley que temos, pela primeira vez, a condenação do uso do
episódio, que, segundo ela, desvia a atenção do leitor da história principal, enganando
sua curiosidade e retardando seu prazer de assistir ao final de um evento. Essa mesma
crítica vamos reencontrar em Richardson, que reivindica para Clarissa unidade de
propósito ("unity of design"), explicando que não há ali uma digressão ou episódio sequer.
Esta exigência iria aparecer em outros prefácios, como em Alwyn, romance de Thomas
Holcroft (1780), muitas vezes aliada ao requisito de unidade de enredo, certamente em
função do próprio quadro de referência da tradição clássica. Muitos se utilizaram de
conceitos como catástrofe, patético, épico, trágico, cômico, terror, ou compaixão,
aproveitando um vocabulário crítico conhecido para explicar o novo ou, muito
provavelmente, para tentar enobrecer um gênero que sabiam não ter origem na tradição.
A discussão de personagem ocupa bastante espaço nos prefácios. E ela está em geral
relacionada com a discussão de conteúdo moral. Com algumas exceções, como
Charlotte Smith, que procura em seu prefácio a The Young Philosopher explicar
didaticamente ao leitor que ele deve diferenciar entre os sentimentos e opiniões dos
personagens e aqueles do autor, o que vemos é a tentativa de resolver um dilema criado
pelo próprio objetivo de copiar a vida real. Como conciliar o desejo de exemplaridade e a
cópia? Isto é, como ser fiel na representação da natureza humana, sem tratar de seus
vícios? Ninguém deseja criar um "faultless monster", como diz Richardson, ao tentar
explicar "the unpremeditated faults" ou "defects in judgment" de seus personagens. Suas
cartas a seus leitores e correspondentes reiteram infatigavelmente suas intenções
edificantes e a virtude quase sem mácula de suas criaturas.
"If there are any parts in her story, which being oblig'd to relate a wicked action,
seem to describe it too plainly, the writer says, all imaginable care has been
taken to keep clear of indecencies, and immodest expressions; and 'tis hop'd you
will find nothing to prompt a vicious mind, but every-where much to discourage
and expose it.
Scenes of crime can scarce be represented in such a manner, but some may
make a criminal use of them; but when vice is painted in its low-priz'd colours, 'tis
not to make people in love with it, but to expose it; and if the reader makes a
wrong use of the figures, the wickedness is his own."
Outros, como o anônimo autor de The Campaign (1759), preferem admitir que, se
desejam compor uma pintura da vida comum, seus personagens terão que ser uma
mistura de virtude e vício:
"I hope you will not find such unnatural monsters of fine ladies and fine
gentlemen in the higher characters, nor such unmeaning absurd buffoonery in
those of the lower, as you have met within the common run of novels. I have
endeavoured to draw them all, like human creatures as we have about us; some
very vicious, some very virtuous, but most, what most men are, a mixture of bad
and good. I have not, I freely own, made my hero a perfect character; because I
have often observed, that as such characters resemble nobody, so they interest
nobody by their example.
03/02/06
"Traduit de l'anglais": foi assim que a maior parte dos romances ingleses do século XVIII
chegou à França, depois de haver tomado a Inglaterra de assalto e se tornado uma
verdadeira mania entre os leitores comuns. A travessia do Canal da Mancha foi, no
entanto, apenas a primeira etapa que esses romances cumpririam na sua longa viagem
por terras e mares estrangeiros. Se Pamela, ou virtude recompensada, romance de
Samuel Richardson publicado em 1740, fez escola, transformando-se num paradigma
imitado por inúmeros romancistas ingleses, não foi menor seu impacto no continente
europeu. Traduzida para o francês por Prévost em 1742, a história da heroína que resiste
a todas as tentativas de sedução por parte de seu senhor, acabando por conquistar
casamento e ascensão social como recompensa, foi recebida com elogios e entusiasmo
pela maneira como Richardson conseguia combinar realismo e edificação moral. Divertir
enquanto ensinavam era o mote dos romances de Richardson, matriz de quase todas as
novelas escritas no período, produzindo modelos de comportamento para as mocinhas
casadoiras de então. Com Pamela, nascia a heroína com papel "civilizatório", que iria
habitar as páginas dos romances na Inglaterra, cruzar o canal da Mancha e deixar
marcas no imaginário dos romancistas. Na esteira dele, vieram centenas de outros
romances que, tanto na Inglaterra como na França, ocuparam o tempo livre de suas
leitoras, seu público privilegiado, e abriram definitivamente espaço para a consolidação
do novo gênero.
Ainda que, desde o início, o romance, por causa de sua origem bastarda, tenha sido
imediatamente associado ao popular e visto por muitos como uma leitura pouco
recomendável, passatempo de ociosos, ou, mais grave ainda, corruptor de costumes, a
boa recepção que teve, na França, a produção novelística dos fundadores do romance
inglês, principalmente entre 1740 e 1760, foi apenas o começo de um intenso processo
de intercâmbio entre os dois lados da Mancha, permitindo a definição do século XVIII
como o século do romance20. Embora recalcitrantes em relação ao realismo social de tipo
inglês, que consideravam "de mau gosto", os franceses souberam aproveitar as
sugestões vindas de seus sucedâneos ingleses, e foram substituindo gradualmente o
princípio da bienséance pela exigência da vraisemblance, conferindo a suas histórias
uma orientação mais realista, no que tange à composição dos personagens, escolha de
cenário e introdução de novos métodos narrativos.
Sem ser exatamente um passatempo barato, já que os preços de venda não eram
acessíveis, os romances encontraram nas bibliotecas circulantes um excelente meio de
difusão e circulação. Fundadas como estabelecimentos comerciais na cidade de Bath, em
1725, e em Londres, em 1740, as bibliotecas circulantes foram um fator importantíssimo
na disseminação do hábito de leitura e na popularidade do gênero. Módicas taxas
permitiam a leitores de diferentes níveis sócio-econômicos acesso à última novidade no
mercado livreiro enquanto que o hábito de leitura em voz alta possibilitava às criadas - do
mesmo modo que às senhoras - contato com as venturas e desventuras das
personagens romanescas, envolvidas em enredos que privilegiavam toda sorte de
atribulações, provas e situações angustiantes. O sucesso dessas histórias foi tal que as
bibliotecas circulantes se multiplicaram por toda a Inglaterra, tornando-se um negócio
bastante lucrativo, e contribuíram de maneira decisiva para tornar acessível ao público
leitor sua dose diária de ficção. Com destino garantido - as bibliotecas circulantes - e um
público de gosto tido como previsível, a palavra de ordem era a repetição infinita de
fórmulas bem-sucedidas e o recurso à imitação.
"Le Français vif et léger ne lit un roman que pour se distraire quelques instans; il
veut qu'on le conduise au but pour voi la plus courte. L'Anglais, flegmatique,
aime à s'appesantir sur les détails, et ne veut arriver au dénouement qu'aprés
s'être promené dans les longs circuits d'un labyrinthe".24
Entre 1808 e 1822, portanto ainda durante o Vice-Reinado, o que se constata entre os
livros publicados pela Impressão Régia, é uma preponderância de obras traduzidas do
francês e uma quantidade considerável de histórias sentimentais e "contos morais", a
maior parte à venda na livraria de Paulo Martin, filho. Do mesmo modo, o "Catálogo dos
Livros de Manuel Inácio da Silva Alvarenga", de 1815, registra Gil Blas, as Aventuras de
Telemaque, Oeuvres de Crabillon, Jacques le Fataliste, todos franceses.
O Jornal do Comércio, fundado por Pierre Plancher no Rio de Janeiro em 1827, levou
adiante a prática sistemática de anunciar a venda de novelas, sendo que os romances
ingleses continuaram a constar das listas de ofertas disponíveis nas boticas e lojas dos
livreiros que haviam passado a fazer parte do cenário da cidade do Rio de Janeiro. Não
só da capital do Império, pois Gilberto Freyre informa que era possível encontrar
traduções portuguesas de Defoe, Walter Scott e Anne Radcliffe também no interior do
país29.
Com exceção das obras dos fundadores do romance inglês - Defoe, Richardson, Fielding,
Smollett e Sterne - produzidas entre 1719 e 1760, a maior parte da produção novelística
que chegou ao Brasil cobre o período que vai de 1770 a 1820. Isso coincidiu com a fase
de consolidação do gênero na Inglaterra, o que não significa necessariamente garantia de
qualidade literária. Muitas das obras que aportaram por aqui faziam parte da "biblioteca"
popular, que, repetindo velhas fórmulas conhecidas, não trazia grandes avanços do ponto
de vista formal. O levantamento dos romances ingleses em circulação no Brasil permite
verificar também a presença de um respeitável "segundo time", do qual fazem parte
algumas romancistas bastante conhecidas e lidas na Inglaterra durante o século XVIII:
Fanny Burney, Mrs. Inchbald, Sophia Lee, Anne Radcliffe, e aquelas "descobertas" por
Marlyse Meyer - Elizabeth Helme, autora de Sinclair das Ilhas e Regina-Maria Roche,
autora de Amanda e Oscar. Há, entre as obras que chegaram ao Brasil, representantes
de todos os tipos de romance correntes na Inglaterra no século XVIII. Temos, por
exemplo, o romance doméstico e sentimental de um Richardson, o gótico de Walpole e
Anne Radcliffe, o romance de costumes de Fanny Burney, o romance de doutrina de
William Godwin, a fantasia oriental de Rasselas, de Johnson, e Vathek, de Beckford. Sem
falar no romance histórico de Walter Scott, presença constante em todos os catálogos.
"O romance é de origem moderna; veio substituir as novelas e histórias que tanto
deleitavam a nossos pais. [...] Por seu intermédio pode-se moralizar e instruir o
povo [...]. Se o teatro foi justamente chamado a escola de costumes, o romance é
a moral em ação [...]. Mas para que ele produza os benefícios que acabamos de
admirar, cumpre que ele saiba guardar as regras que lhe são traçadas, que seja
como uma colméia de saboroso mel e não uma taça de deletério veneno. O povo
em sua cândida simplicidade busca nele instruir-se, deleitando-se"35.
Nesse comentário, J.C. Fernandes Pinheiro não faz mais do que ecoar a opinião
freqüente entre os críticos e resenhistas ingleses de que o romance só se justificava pela
sua capacidade de instrução moral, como instrumento de uma tarefa reformadora que
pretendia incutir novos padrões de comportamento em uma classe social em ascensão.
Numa sociedade nova, como a brasileira, não é difícil entender por que alguns
esperavam que também aqui o romance cumprisse o papel de instituidor ou reformador
de costumes.
Tudo indica que, aqui também, houve a mesma necessidade de justificar a falta de
dignidade teórica do novo gênero que, segundo Antonio Cândido, fez os romancistas
franceses do século XVII - e, eu acrescentaria, os ingleses do século XVIII - se valerem
do artifício do "doce remédio" (o utile et dulci) para esconder o sentimento de inferioridade
da ficção diante da nobre tradição da tragédia e da épica. Ao entrar no Brasil como um
gênero já consolidado na Europa, entretanto, o romance não precisou se empenhar tanto
em se fazer reconhecer e o romancista pôde logo ir tratar de outros assuntos, como por
exemplo, cuidar de dar conta do cotidiano dos homens comuns, sua matéria. De fato,
comparado com seu congênere inglês, o romance brasileiro se livra bastante rapidamente
de seu "estado de timidez envergonhada"36 e da pecha de gênero menor e bastardo. Da
mesma forma, teve menos pruridos em aceitar a "validade em si mesma da mimese" e se
entregar ao "livre jogo da fantasia criadora"37.
Como diz Marlyse Meyer, "as ficções imaginadas por senhoras e solteironas inglesas do
século XVIII embalaram as imaginações novecentistas brasileiras"38, o que parece ter
valido para produtores e receptores, indistintamente. No seu monumental ensaio sobre o
folhetim, Marlyse mostra não só a penetração surpreendente do romance-folhetim
(sucedâneo das populares novelas inglesas) em nosso país no século XIX, mas também
suas ramificações posteriores, no melodrama e na telenovela. O receituário não é
diferente daquele que se encontra nos mais populares romances ingleses, com seus
raptos, traições, desonra, virtudes ameaçadas, vilões terríveis, heroínas seduzidas e
abandonadas. Tudo acrescido da pintura realista de cenas do cotidiano, da valorização
do espaço doméstico e do novo papel da mulher dentro da família burguesa, como
educadora e reformadora das maneiras e da moral.
Aqui, como na Inglaterra, o interesse pelos romances e novelas pode muito bem ter tido a
ver com as mudanças que se operavam na sociedade brasileira. Como lembra Nelson
Werneck Sodré, falando da década de 1860, "Se a parte mais numerosa do público era
constituída pelas moças casadouras e pelos estudantes, e o tema literário por excelência
devia ser, por isso mesmo, o do casamento, misturado um pouco com o velho motivo do
amor, a imprensa e a literatura, casadas estreitamente então, seriam levadas a atender a
essa solicitação premente. A mulher começava a libertar-se, a pouco e pouco, da
clausura colonial e subordinava-se aos padrões da moda européia exibindo-se nos salões
e um pouco nas ruas."39
Se a leitura de romances e novelas fazia parte desse processo, não menos importantes
foram as revistas criadas especialmente para as mulheres. Consta que A Mulher do
Simplício, ou A Fluminense exaltada, lançada por Paula Brito e impressa por Plancher em
1832, foi a primeira revista feminina no país, mas já em 1827, o mesmo Plancher
anunciava que seu Espelho Diamantino tinha "por especial destino promover a instrução
e o entretenimento do bello sexo desta Corte". Repetia-se, assim, deste lado do oceano,
a mesma história que as inglesas haviam testemunhado e vivido quase um século antes.
Embora a situação do ensino brasileiro não fosse das melhores e a primeira pesquisa
oficial sobre o grau de alfabetização, realizada em 1872, desse conta de que apenas 1/5
da população livre em todo Brasil sabia ler, é preciso lembrar o hábito de leitura em voz
alta no serão doméstico e somar o 'círculo de ouvintes' ao contingente daqueles que
puderam, eventualmente, aproveitar a circulação desses livros no país, aqui incluídas as
mulheres brasileiras, cuja falta de instrução foi fartamente observada e documentada
pelos viajantes estrangeiros que percorreram o Brasil. O testemunho da viajante inglesa
Maria Graham, no entanto, em certa medida relativiza essa versão e atesta a existência
de algumas mulheres (mesmo que poucas) que eram leitoras habituais inclusive de
filosofia e política, como foi o caso de uma certa Dona Maria Clara, citada por ela. Da
mesma forma, o lançamento de revistas destinadas ao "bello sexo" é prova de que havia
um leitorado feminino. É necessário, portanto, rever o mito do analfabetismo das
mulheres e relativizar sua abrangência, uma vez que, segundo Delso Renault, a Gazeta
do Rio de Janeiro publicava, já em 1813, anúncio da instalação dos primeiros colégios
leigos para meninas internas, como o de D. Catharina Jacob40. A freqüência e
regularidade desses anúncios informando a abertura de escolas para moças, com ensino
de trabalhos manuais, línguas, dança e música fazem crer na existência de uma clientela
para os serviços oferecidos por elas. É bem verdade que o nível de instrução deixava a
desejar, pois muitas alunas pareciam abandonar os estudos antes de sua conclusão, mas
o fato é que as advertências aos perigos da leitura de ficção, principalmente pelas
mocinhas, é um indicador claro de que havia público leitor também feminino para essas
obras que chegavam sem parar pelos vapores europeus. Ao mesmo tempo, a insistência
na oferta de leituras com fundo moralizante ou de natureza instrutiva denota a existência
de um projeto de educação da sociedade com o fim de prepará-la para novos tempos.
Um projeto de cunho ilustrado, similar ao que ocorrera na Inglaterra e na França ao longo
de todo o século XVIII, e que aqui se corporificou na fundação das escolas superiores, no
papel desempenhado pela imprensa, no interesse pela difusão do saber.
Daí a proliferação dos periódicos que passaram a ocupar um espaço muito importante
graças a seu empenho de educar homens e mulheres. O Espelho Diamantino, por
exemplo, deixa muito claros os seus propósitos de oferecer mais do que apenas diversão
para suas leitoras:
"(...) sim o esperamos, e Deus nos livre de formarmos tão fraca idéia do talento,
e prudência de que são dotadas, que não cuidássemos senão em diverti-las [as
senhoras] com novelinhas, ou anedotas; nós desejamos sem dúvida obrigar o
belo sexo a sorrir-se de quando em quando por algumas graças decentes e
historietas de circunstâncias; porém o nosso objeto principal, é de fornecer às
mães e esposas a instrução necessária (ao menos o sentimento da necessidade
de tal instrução) para dirigir a educação dos filhos, e idear as ocupações,
perigos, e deveres da carreira que os esposos, e filhos, são chamados a seguir,
e como os nossos leitores pela mor parte, pertencem às altas hierarquias da
sociedade, devemos consagrar alguns visitantes ao estudo da Política: não
podíamos decerto dar às senhoras maior prova da nossa devoção, e do muito
em que temos o seu juízo, do que principiar a nossa obra pelo assunto mais
abstrato, e de maior ponderação, (...)41
À imprensa, portanto, iria caber um papel central na instrução de seus leitores. Os jornais
e revistas, com suas seções de variedades, miscelâneas, folhetins, parecem ter se
constituído "numa espécie de versão local da Encyclopédie"42, contribuindo de modo
decisivo no processo de formação de seu público. A opção pelas histórias de fundo
edificante, dessa forma, parece ter sido o caminho óbvio. Ao lado do desejo de criação de
uma literatura nacional, representada pelas incursões dos precursores no terreno da
ficção nos diferentes periódicos, vigoraria ainda durante um bom tempo o hábito das
traduções das narrativas estrangeiras, garantindo o lazer de um leitorado ávido de
novidades européias. A revista O Beija-Flor (1830-31) é emblemática dessa convivência,
pois já em seus primeiros números estampava a novela anônima "Olaya e Júlia, ou a
Periquita"43 e O Colar de Pérolas ou Clorinda, novela de Walter Scott de quem o tradutor
exaltava a capacidade de reconstituição histórica e a alta carga moral de sua novela:
04/02/06
As cartas de Paulo, por sua vez, são a matéria-prima de que é feito Lucíola, utilizando o
mesmo recurso de Pamela, em que Samuel Richardson se apresenta, como o editor de
uma correspondência que, "fundada tanto na verdade quanto na natureza", lhe foi
confiada para que, trazida a público, servisse de exemplo ao leitor.
Registrem-se ainda as juras de que o romance tem compromisso com a verdade e com a
fidelidade aos fatos, como é o caso de Os Dois Amores, de Macedo.
"É infelicidade para nós que escrevemos estas linhas estar caindo na monotonia
de repetir quase sempre as mesmas cenas com ligeiras variantes: a fidelidade
porém com que acompanhamos a época da qual pretendemos esboçar uma
parte dos costumes a isso nos obriga".
Prática useira e vezeira entre esses nossos romancistas mais conhecidos, ela também
marcou presença nas novelinhas dos precursores, ainda com mais razão. A chancela de
autenticidade e a garantia de finalidade didática e apelo moral eram fundamentais para
vencer a resistência do leitor e emprestar à leitura de ficção um ar de atividade mais
séria.
"A Perjura", novela publicada em 1838 em O Gabinete de Leitura, tem como epígrafe "All
is true" (assim mesmo, em inglês) e também usa como estratégia a carta que um certo
Eugênio mandara ao narrador, contendo a história que ele agora relata. Henriqueta, a
personagem de que trata a narrativa, por faltar a um juramento e deixar-se seduzir, é
punida exemplarmente com a loucura e a morte.
Sobra, portanto, em artifícios aquilo que falta em ajuste formal, denunciado pela ausência
de organicidade entre os elementos que compõem a narrativa. Em que pese a tentativa
de incorporar ao cenário dessas novelas a famosa "cor local", fica sempre evidente o
descolamento entre forma e conteúdo, consubstanciado na descrição de uma paisagem
brasileira em desalinho com o enredo de talhe europeu.
Também são profícuas as relações que se podem estabelecer entre o modelo romanesco
de Fielding, expresso em seus prefácios e capítulos introdutórios, e Memórias de um
Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, em que pesem as diferenças
substanciais de perspectiva dos dois romancistas. Utilizando-se do wit e do humor,
Fielding visa a uma reflexão moral que quer oferecer o exemplo através da defesa da
bondade e da inocência, ao passo que, no brasileiro, a crítica ao "triste estado moral de
nossa sociedade" se inscreve muito mais no quadro da crônica de costumes. Em ambos,
entretanto, predomina a lógica do acontecimento, a ausência dos conflitos de alma e a
distância do narrador em relação ao narrado, caracterizada por um certo tom entre irônico
e jocoso no tratamento de seu material.
A incipiente crítica brasileira, por sua vez, encontrava importante espaço de expressão
nas inúmeras revistas literárias, ainda que muitas delas efêmeras, que proliferaram em
todo o país principalmente a partir da década de 1820. E, embora padecendo de
deficiências semelhantes às dos primeiros ficcionistas, nossos críticos de primeira hora
também contribuíram para a discussão e divulgação de alguns parâmetros que julgavam
apropriados para avaliar a produção de seus contemporâneos. Sem entrar em
considerações sobre o ideário crítico a respeito da criação de uma literatura nacional,
interessa aqui verificar quais eram as concepções de romance dominantes que tiveram
vigência nesse período de formação do romance brasileiro. Trata-se, mesmo que de
maneira tosca, de uma reflexão sobre questões importantes como a forma de
representação da realidade e a função do romance, questões essas velhas conhecidas
de todo o debate crítico que se travara também na Inglaterra e França do século XVIII.
Repetiam-se aqui, cerca de cem anos depois, as mesmas concepções, críticas e defesas
e argumentos que tornaram o período de ascensão do romance, tanto deste como do
outro lado do Atlântico, um dos mais ricos de sua história.
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