Rojo Letramentos

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Roxane Rojo

Série Estratégias de Ensino

1. 0 ensino do espar7hoino Brasa/, 2' ed.


JogoSedyciasjorg.l
/
2. Português no ensino médio e formação do l)Tofessor,2' ed.
Clecio Bunzen & Márcia Mendonça jorgs.l
LETRAMENTOS MULTIPLOS,
3.

4.
GêneToscatalisadores
Inês Signorínijorg.l
ietramento e formação do professor

A formação do professorde português que língua vamos ensinar?, 2' ed.


escola einclusão
5.
Paulo Coimbrã Guedes

Muito além da gramática


Irandé Antunes
por um ensino de línguas selll pedras no cantinho 3' ed social
6. Ettsinar o brasileiro respostasa 50 perguntas de professoresde língua inatema
Celso Ferrarezi

7. Semântica pata a educação básica


Celso Ferrarezi

8. O professor f)esqtLisadoí inhoduçao à pesquisa qualitativa


Stella Maris Bortoni-Ricardo
9. Letralnerzfo c?mEIA
Mana Cecilia Mollica & Mansa Leal

10. Lz'água, fexfo e ensino outra escola possa:pe/


Irandé Antunes

11. Erzsírzo e aprer7dizagc?i77de /írzgua ing/esa conversas c )m especialistas

Diógenes Cândido de Limo (org.)

\ 2. Da redução à produção textual o ensino da escrita


Paulo Coimbrã Guedes

13. múifíp/os, asco/ae ínc/usãosoda/, ]' ed. I' reimpressão


Lefra7nerzfos 11

Roxane Rojo
14. L;brasa Que rírzgua é essa?
Audrei Gesser

1 5. Dídátíca de /írzguas esfrangeíras


Pierre Martinez
CaPÍtWl06

LETRAS EITO (S)


Prá,ti,ca,sde l,erra,pm,e
n,to epn
dÇferen,tescontextos

Nestecapítulo,oleitorpoderá
detalhar mais e refletir sobre os

conceitos de letramento, em sua

versãoforte efraca,na
+ perspectiva autónoma e ideológica,

e de letramentos (múltiplos,
multissemióticos, críticos). Poderá

também rever algumas crenças e


(pré-)conceitos a respeito dos
letramentos locais, globais,
escolares e valorizados, desenvol-

vendo uma atitude de investigação

e estudo das práticas de


letramento globais e locais nas

R' E
quais as pessoas estão envolvidas.
l
FONTES das imagens:http://www.nysut.org/images/con- l Isso poderá despertarointeresse
tent/voice.080421.early.literacy14jpg, http://www.sfsh. Ç
org.pk/Women%20Literacy.htm, http://www.cloudbase. em viabilizar o diálogo entre
co.n z/2008/02/2 5/gra ffití-wa 11pa pe r-set-fo r'i phon e-i pod-to uc h/,
http://d ia riodono rdeste .globo. co m/ima ge m.asp?lma ge m =309060, os letramentos já apropriados
http://mandamarie.files. wordpress.com/2008/01/dscn0257jpg,
http://www.pembrokepublishers.com/ books/48a5a173044eejpg, pelos alunos com os letramentos
acesso em 20/01/2009.
privilegiados peia escola e os do
património cultural valorizado.

LETRAMENTO(S)
95
Letramento não é pura e simplesmente um conjunto de realizandono primeiro CDde rap com as letras em tupi de que setem no-
habilidades individuaisi é o conjunto de praticas sociais tícia. 'Fiquei interessadona sonoridadedaquelaspalavras', diz Renato.
!iradas à leitura e à escrita em que os indivíduos se
envolvem em seu contexto social (Sobres, lg98: 72). que se prepara para lançar, neste mês, as músicas de 'Kaumoda', que, em
Pode-se afirmctr que Q escola. a mais importante das
tupi. significa uma entidade espiritual maligna. O projeto só foi possível
agências de ]eframenfo, preocupa-se, não com o ]eframenfo, graças a uma inusitada mistura de um terreiro de umbanda com o rigor
pratica social, mas com apenas um tipo de prática de acadêmico da Universidade de São Paulo " ' -- práticas de letramento.
!etramento, a alfabetização, o processo de aquisição de
códigos (alfabético, numérico), processo geralmente Mas afinal que conceito é essetão complexo e diversificado que re-
percebido em termos de uma competência individual
necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras cobre desde a leitura escolar em voz alta de um texto escrito até um CD
agências de letramento, como a família, a igreja, Qrua como de rap em tupi, assessorado por um professor da USP.passando pelo uso
lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito
diferentes(Kieiman, 1995:20}.
de meios eletrânicos e digitais?

Nossapersonagem.professoraDou, entra na sala de aula, faz a Como diz Kleiman (1995: 15-16), "o conceito de letramento come-
çou a ser usado nos meios académicosnuma tentativa de separar os
chamada e em seguida pede a Tadeu que abra o livro na página 27 e leia
estudos sobre o 'impacto social da escrita' (Kleiman, 1989a)dos estudos
o texto em voz alta -- práticas de letramento.
sobre a alfabetização, cujas conotações escolares destacam as compe-
Josias, 22 anos, vestido com uma calça caqui esfarrapada e uma tências individuais no uso e na prática da escrita":
camiseta regata branca cheia de buracos, aproxima-se de meu carro pa-
Usamos até aqui o conceito de alfabefismo para designar o conjunto
rado no sinal e pendura no espelho um saquinho de balas de hortelã em
de competências e habilidades ou de capacidades envolvidas nos fitos
que há grampeado um bilhete com os seguintes dizeres: "Sou pai de de leitura ou de escrita dos indivíduos, conjunto esseque se diferencia
família e estou desempregado. Vendo balas para sustentar meus filhos.
e particulariza de um para outro indivíduo, de acordo com sua história
Compre um saquinho. Somente R$ 2,00" . Leio o bilhete e compro as ba-
de práticas sociais,e que pode, como vimos, ser medido e definido por
las -- práticas de letramento. níveis de desenvolvimentode leitura e de escl.ita.como fazem o INAF e
'os exames nacionais .
Suzana está sem dinheiro vivo na carteira e precisa comprar remédios.
De duas uma: ou vai ao caixa automático e segue as instruções na tela. ,4#abetbmo é um conceitobem mais antigo. Segundo Ribeiro(1997: 145)
digitando códigos alfanuméricos para retirar dinheiro vivo, ou vai direta-
o termo alíabetismo funcional foi cunhado nos EstadosUnidos na década
mente à farmácia e usa o cartão de crédito ou de débito. também seguindo
de 1930 e utilizado pelo exército norte-americano durante a Segunda Guer-
asinstruçõesda tela no temninal e digitando códigos alfanuméricos,para
ra. indicando a capacidade de entender instruções escutas necessáriaspara
realizar a compra sem precisar do dinheiro -- prát:ices de letramento. a realização de tarefas militares (Castell. Luke & MacLennan, 19861. A par-

"Tocadorde atabaque num terreiro de umbanda em Vila Medeiros. tir de então. o termo passou a ser utilizado para designar a capacidade de
na zona norte de São Pau]o, Renato ])ias ficou intrigado, certa noite. com
as frases balbuciadas, em aparente transe, por um guia espiritual. Dis- l Retirado de http://wwwl.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/colunas/gd081106.
htm, acesso em 16/02/2008.
seram-lhe que talvez fosseuma língua indígena. Uma das entidades da
2 A autora ainda informa que o primeiro uso da palavra no Brasil. tradução literal do
umbanda é o caboclo, que representa o índio brasileiro. Independente- inglês de ]iferacy -- língua em que, aliás, recobre ao mesmo tempo os significados de
mente de quaisquer convicções religiosas. aquela cena acabou se mate- alfabetização e de letramento --, foi de Mary Kato, em seu livro de 1986.

96 LETRAMENTOS MÚUIPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANEROJO


-«-.~ (n
utilizar a leitura e a escrita para fins pragmáticos, em contextos cotidianos, ques do letramento nos estudos, para os quais ele escolheu as denomi
domésticos ou de trabalho. muitas vezes colocado em contraposição a uma naçõesde enfoque autónomo e enfoque ideológico do letramento:
concepção mais tradicional e acadêmica...
Segundo Street (1993: 5), o enfoque autónomo vê o letramento "em
Então. podemos dizer que as práticas sociais de letramento que exer-
termos técnicos, tratando-o como independente do contexto social, uma
cemos nos diferentes contextos de nossas vidas vão constituindo nossos
variável autónoma cujas consequências para a sociedade e a cognição são
níveis de alfabeüsmo ou de desenvolvimento de leitura e de escritasdentre
del.ivadas de sua natureza intrínseca" . Ou seja. o contato (escolar) com
elas. as práticas escolares. Mas não exclusivamente. como mostram nos-
à leitura e a escrita, pela própria natureza da escrita. faria com que o in-
sos exemplos. É possível ser não escolarizado e analfabeto. mas participar.
divíduo aprendesse gradualmente habilidades que o levariam a estágios
sobretudo nas grandes cidades. de práticas de letramento, sendo, assim.
universais de desenvolvimento (níveis). E o que. até aqui. denominamos
letrado de uma certa maneira. Nada exclui. por exemplo,que Josias.no níveis de a/fabefismo.E é o que Bartlett (2003:69) qualifica de o retrato
nosso segundo exemplo, nunca tenha frequentado a escola e seja anal-
da educaçãoa partir do enfoque autónomo,no qual essashabilidades
fabeto, tendo pedido para alguém escrever e imprimir os bilhetes. Ainda
resultariam "no pensamentoracional individual, no desenvolvimentoin-
assim. ele recorre a práticas letradas em suas vendas, cobra e faz o troco.
telectual, no desenvolvimento social e na mobilidade económica "
Podemos também dizer que, nos textos e pesquisas da década de 1980
Ao contrário do modelo autónomo dominante. o enfoque ideológico
no Brasi[, aJfabefismo e ]eframenfo (assim. no singu]ar) recobriram signifi-
"vê as práticas de letramento como indissoluvelmente ligadas às estruturas
cados muito semelhantes e próximos, sendo, por vezes, usados indiferente-
culturais e de poder da sociedade e reconhece a variedade de práticas cul-
mente ou como sinónimos nos textos. Sobres (2003 j199Sl: 4 1),por exemplo,
turais associadasà leitura e à escrita em diferentes contextos" (Street. 1993:
chega a afirmar que "o neo]ogismo jletramento] parece desnecessário,já
7). O "significado do letramento" varia através dos tempos e das culturas e
que a pa]avra vemácu]a aJfabefismo 1...1tem o mesmo sentido de ]iferacy"
dentro de uma mesma cultura. Por isso, práticas tão diferentes, em contex-
Como se vê. os vários sent:idos da pa]awa ]iferacy em inglês (alfabetização,
tos tão diferenciados. são vistas como letramento. embora diferentemente
letramento, alfabeüsmo) têm um papel nessa aparente sinonímia.
valorizadas e designando a seus participantes poderes também diversos.
No entanto, vale a pena insistir na distinção: o termo aJfabefismo
Outra distinção interessante.ligada à reflexão de Street (1984),é
tem um foco individual, bastante ditado pelas capacidades e competên-
feita por Sobres(19981.quando fala de uma versão fraca e de uma ver-
cias (cognitivas e linguísticas) escolares e valorizadas de leitura e escri-
são forte do conceito de letramento. Para ela. a versão fraca do conceito
ta (letramentos escolares e acadêmicos), numa perspectiva psicológica.
de letramento, que estaria ligada ao enfoque autónomo,é (neo)liberal e
enquanto o termo ]eframenfo busca recobrir os usos e práticas sociais
estaria ligada a mecanismos de adaptação da população às necessida-
de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira. se-
des e exigências sociais do uso de leitura e escrita. para funcionar em
jam eles valorizados ou não valorizados, locais ou globais. recobrindo
sociedade.E uma visão adaptativa que está na raiz do conceito de aJfa-
contextos sociais diversos (família. igreja. trabalho, mídias, escola etc.).
befismo funciona/ e de muitos reclamos indignados a respeito dos resul-
numa perspectiva sociológica. antropológica e sociocultural.
tados dos exames e medições de competências e habilidades: como ser
Isso ficou bastantemais claro para os estudiososdo letramento, a cidadão. funcionar em sociedade de maneira adequada. sem dominar as
partir da obra divisora de águas de Street (1984), que inaugura os novos competências requeridas? O que faz a escola que não as desenvolve?
estudos do letramento (Nn./Ni.s) e que foi divulgada no Brasil. sobretudo
por Kleiman (1995).Nela. Street propunha uma divisão entre dois enfo- 3
Para saber mais e cotejar duas posições distintas, cf. Kleiman (1995) e Sobres (1998)

98 LETRAMENTOS MÚHIPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANEROJO

LETRAMENTO(S) Ç1)9
Já a versão forte do letramento, para Sobres(1998),mais próxima
l lamienteinstituiçõeseducado-l l tos que circulam socialmente. de l
do enfoque ideológico e da visão paulo-freiriana de alfabetização, seria l naus.Leüamento, nessa perspec- l
revolucionária. crítica. na medida em que colaboraria não para a adap- l uva, é a competênciarequeridal :='=;==T*=.='=
:
tação do cidadão às exigências sociais. mas para o resgate da autoesti- l pma a parbcipaçãonessesdolní- l l nas mais variadas situações"l
ma, para a construçãode identidades fortes, para a potencialização de l nio privilegiados" l l (Brasi]/SEF/MEC,
(Olson.1994: 1998:19.ênfa-l
1274.ênfase adicionada). l jse adicionada). l
poderes (empoderamento,empowermenf) dos agentes sociais. em sua
cu[tura [oca[, na cu]tura valorizada. na contra-hegemoniaglobal (Souza- Um conhecimento mais profun- Letramentos são práticas so-
Santos,2005).Paratanto, leva em conta os múltiplos /eframenfos,sejam Versãoforte do da oralidade primitiva ou pri- ciais. plurais e situadas, que
mária pemüte-noscompreender combinam oralidade e escrita
valorizados ou não, globais ou locais. de formas diferentes em eventos
melhor o novo mundo da escrita.
o que ele verdadeiramente é e o de natureza diferente, e cujos
que os seres humanos funcional- efeitos ou consequências são

l
mente letrados realmente são condicionados pelotipo de prá-
Atividade tica e pelas finalidades específi-
seres cujos processos de pensa-
mento não nascem de capaci- cas a que se destinam. 'lhmbém
Enfoque autónomo e enfoque ideológico do letramento dades meramente naturais, mas podemosdizer que a definição
da estruturação dessas capaci- de duais letramentos são váli-
1. De acordo com a discussão feita sobre os enfoque do(s) letramento(s), preen- dades. direta ou indiretamente. dos como formas de 'inclusão
cha o quadro com as citações abaixo, avaliando em qual linha e coluna você pela tecnologiada escrita. Sem reflete os valores culturais e os
colocaria cada uma das citações:
a escrita. a mente letrada não hábitos linguísticos dos grupos
pensariae não poderia pensar mais poderosos no contexto so-
ENrOQUEAUTONOMO KNFOQUEiOEOLOOICO como pensa. não apenas quando cial em que são praticados.e
se ocupa da escrita. mas normal- que a aquisiçãodos letramen-
Embora um indivíduo possa ter Assim. um projeto educativo
Versãofraca mente. até mesmo quando está tos dominantes por grupos su-
a competência
requeridapara comprometido com a democra-
compondo seus pensamentos de balternos pode constituir-se um
participar de quaisquer comuni- tização social e cultural atribui à
forma oral. Mais do que qual- processo conflituoso e simboli-
dades de texto ou de letramento. escola afunção e a responsabili-
quer outra invençãoindividual. camente violento, cujas reper-
é preciso também admitir o fato dade de contribuir para garantir a escrita transformou a consci- cussões são muito pouco previ-
de que qualquer sociedade está a todos os alunos o acessoaos
ência humana" (Ong, 1982: 93, síveis"(Buzato, 2007: 153-154,
organizadae tomo de um corpo saberes linguísticos necessários
ênfase adicionada). ênfase adicionada).
de crenças. por vezes expressas para o exercício da cidadania.
numa forma textual, cujo acesso Essa responsabilidade é tanto
é uma fonte de poder e de pJ'es- maior quanto menor for o grau
tágio. Numa sociedade bulrocráti- de letramento das comunidades A citação 4, de Ong, foi qualificada como um enfoque autónomo em versão forte
ca. as questões legais, religiosas, em que vivem os alunos..Con- pois atribui à escrita, de maneira autónoma, isto é, por ela mesma, mudanças na
políticas. científicas e literárias siderando os diferentes níveis consciência.na cognição e na linguagem humana. Já a citação 1. de Olson, seria
constituem esse domínio privile- de conhecimento prévio, cabe à uma versão fraca do enfoque autónomo, pois já relativiza a autonomia da escrita e de
giado, e o acesso e participação escola promover sua ampliação, suas relações com a distribuição do poder e a hierarquia social e com as instituições.
nesses domínios define uma for- de forma que. progressivamente, Ainda assim. enfoca o letramento como uma competência adquirida para funcionar
ma particular de letramento. E o durante os oito anos do ensino em determinadas instituições. A citação 3. retiradas dos PCN de ensino fundamental
ljpo de leüamento que conceme fundamental, cada aluno se tome n (BRASIL/SEF/MEC, 1998),foi considerada uma versão fraca do enfoque ideológico,
às instituições públicas, parücu- capaz de inteipretm diferentes tex- pois, embora fale em democratização social e cultural, ainda vê a escola com o papel

ICD LETRAMENTOS MÚnlPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL ROXANEROJO LETRAMENTO(S)


101
culturas locais. Como tal, frequentemente são desvalorizados ou despre
Assim. as abordagens mais re- de adaptar os alunos, de dar-lhes "aces-
centes dos letramentos'. em espe- zados pela cultura oficial e são práticas, muitas vezes, de resistência.
so aos saberes linguísticos necessários
cial aquelasligadas aos novos es- para o exercício da cidadania" , ou seja.
tudos do letramento (NEL/NLS), têm para funcionar socialmente.Já a cita-
ção 2. de Buzato, correspondea uma
apontado para a heterogeneidade
versão forte do enfoque ideológico, na
das práticas sociaisde leitura, es- medida em que reconhece que "a defi-
crita e uso da língua/linguagem nição de quais letramentos são válidos
Letras !ntos dominantes e margil ilizados
em geral em sociedades letradas e como formas de 'inclusão' reflete os va-
lores culturais e os hábitos linguísticos l Um exemplo de desprezo pelos letramentos locais e marginalizados é o que a
têm insistido no caráter sociocul-
tural e situado das práticas de le-
tramento. Esta posição, como nota
dos grupos mais poderosos no contexto
social em que são praticados" e consi-
dera estas atribuições de valor conflituo-
r escola (instituição oficial) vem dispensando ao interr?etês ou b/oguês. E comum
vermos professores e a mídia "reclamando" da migração dessa linguagem so-

sas lmprevtsiveis.
cial da mídia digital para outras esferas de comunicação,como um "ataque à
Street (2003: 77),
língua portuguesa". Veja, por exemplo, a posição da Prof' Elenice a respeito,
implica o reconhecimento dos múltiplos letramentos. que variam no tempo publicadanojornal santista 4 Irít)una, em 30/05/2005:
e no espaço, mas que são também contestados nas relações de poder. As-
sim. os Ni.snão pl'essupõem coisa alguma como garantida em relação aos Para a professora Elenice Rodrigues Lorenz, de língua portuguesa, li-
letramentos e às práticas sociais com que se associam. problematizando teratura e produçãotextual, o problema está na carência do domínio
aquilo que conta como letramento em qualquer tempo-espaçoe interro- da língua materna. "As pessoas não leem, não procuram ampliar seu
gando-se sobre "quais letramentos" são dominantes e quais são mal-finali-
vocabulário, erram na regência e na concordância das frases e das pa-
zados ou de resistência (ênfase adicionada).
lavras; têm dificuldade de conectar ideias e de interpretar textos". Para
Nesse movimento, o conceito de letramento passaa ser plural: letra- Elenice,portanto, a preocupaçãoé "adotar" o internetês como único
mentoS. Hamilton (2002: 4) chama os letramentos dominantes de "ins- recurso escrito alternativo, exatamente por ser simplificado e pobre
tituciona[izados" e os distingue dos ]etramentos locais "vernacu]ares " de regras gramaticais e ]inguísticas. [-.] "Não há condições de tolerar
(ou "autogerados"). Entretanto, não os vê como categorias independen-
o desrespeitoao idioma, principalmente dentro da sala de aula. Uma
tes ou radicalmente separadas, mas interligadas. Para a autora. os /efra-
coisa é usar gírias e internetês na informalidade e com amigos. Outra é
menfos dominantes estão associadosa organizaçõesformais tais como
levar esses vícios para toda a comunicação", argumenta Elenice.
a escola. as igrejas, o local de trabalho. o sistema legal, o comércio, as
burocracias. Os letramentos dominantes preveem agentes (professores, (Retirado de http://www.novomilenio.inf.br/idioma/20050530.ht
autores de livros didáticos, especialistas, pesquisadores, burocratas, pa- acesso em 21/02/2008, ênfase adicionada).
dres e pastores, advogados e juízes) que. em relação ao conhecimento,
são valorizados legal e culturalmente. são poderososna proporção do
poder da sua instituição de origem. Já os chamados ]eframentos "verna- Como vemos, o internetês é classificado como desrespeito ao íd/oma, vibío. um

cuJares" não são regulados, controlados ou sistematizados por institui- estilo de língua escrita simp/ificado e "pobre de regras gramaticais e linguísticas
ções ou organizações sociais, mas têm sua origem na vida cotidiana. nas jcomo se isso pudesse existir). Na verdade, o internetês é uma linguagem social
adaptada à rapidez de escrita dos gêneros digitais em que circula -- bate-papoem
chats, comunicação síncrona por escrito em ferramentas como MSN e l)/ogs.
4 Texto baseado em Rojo (2008a)

102 LETRAMENTOS MÚUIPLOS. ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANEROJO


LETRAMENTO(S)
l03
2. Veja esses dois exemplos de internetês: um diálogo no MSN e um e-mai/, envia- b) O internetês deve ser estudado nas salas de aula de línguas, como um
dos porjovens a amigos; modo situado de funcionamento da linguagem.

a) [VC VEIN AK] EM KAZA CM KEM E KDO? TRAZ XOCOLATE Justifique sua resposta
E + CERVEJA? AXO O NAUM TENHO + BLZ?
Os novosestudosdo letramento têm se voltado em especialpara os
b) Daniel: koeh blz mlk ??? lebamentos locais ou vemaculares, de maneira a dar conta da heretogenei
Pedro:blz e cntgu ??? dade das práticas não valorizadas e. portanto, pouco investigadas. No en
Daniel: manerow, mas i aew cmu vai a vida??? tanto, cabe também uma revisão dos letramentos dominantes na contem-
Pedro: tenhu idu a praia e saído com ms amigusl poraneidade. em especial dos letramentos escolares, por diversas razões.
Daniel: lgl kra, valewl
Em primeiro lugar. por causa de como se apresenta o mundo contem-
3 Você deve ter percebido que um dos prin-
Tente montar um glossário com as porâneo. Podemos dizer que. por efeito da globalização, o mundo mudou
cipais mecanismosé o da abreviação na
palavras do internetês e suas cor- escrita de palavras, mas também se evi- muito nas duas últimas décadas.Em ternos de exigências de novos le-
respondentes da escrita padrão. ta a acentuação, simula-se a língua oral tramentos, é especialmente importante destacar as mudanças relativas
Qual o principal mecanismo que em registro coüdiano e infomial, usam-se
aos meios de comunicação e à circulação da informação. O surgimento e
linguagem e sírias de grupo, simulando
opera no internetês, na sua opi- uma conversaface a face. Atende-se a a ampliação contínua de acessoàs tecnologias digitais da comunicação e
nião? Por quê? A que necessida- váüas necessidades da "conversa" pela da infomnação (computadores pessoais, mas também celulares, tocadores
des atende? intemet: escrever rapidamente em situa- de mp3, ws digitais. entre outras) implicaram pelo menos quatro mudan-
ção síncrona. isto é, quando duas pessoas
4 Considere palavras como vc, CM, Q, fazem a mesma coisa -- conversam -- ao ças que ganham importância na reflexão sobre os letramentos=
BLZ,MLK, CNTGU,MS, LGL,KRAs e os sím- mesmo tempo, não deixar o interlocutor e a vertiginosa ínfensiHcaçãoe a diversi#cação da cü'colação da infor-
bolosou "emotivos" como +, v6, D+, esperando, simplifica o uso do teclado,
estabelecercontatomais íntimo e fami- mação nos meios de comunicação analógicos e digitais, que, por isso
) (S)etc. Lembrando a breve histó- lim, informal com o interlocutor, circuns- mesmo. distanciam-se hoje dos meios impressos. muito mais moro-
ria da escrita que fizemos no capí- crever uma identidade de grupo. sose seletivos.implicando, segundo alguns autores (cf., por exemplo
tulo 4, você considera essa escrita Chartier. 1997i Beaudouín. 2002), mudanças significativas nas ma-
como mais próxima do alfabeto, do O intemetês mescla recursos dos três, neiras de ler, de produzir e de fazer circula textos nas sociedadesi
silabário ou do ideograma/picto- por vezes usando ideogramas ou mes- e a diminuição das distancias espaciais -- tanto em termos geográfi-
grama?Justifiquesua resposta. mo pictogramas, por vezes funcionan- cos. por efeito dos üansportes rápidos, como em termos culturais e
do como silabário, por vezes utilizando
5 Considerando as propriedades do a escrita alfabética e também recursos
infomiacionais, por efeito da mídia digital e analógica. desenraizan-
internetês que analisou, você diria de apreensãoda língua oral antes re- do as populações e desconstruindo identidadesi
que: servados à transcrição fonética, como e a diminuição das distâncias temporais ou a confraçãodo tempo
CNTGU,
CMg.ioy. Portanto. exige. da par- deten:ninadaspela velocidade sem precedentes, a quase instanta-
a) O internetês deve permane te de quem escreve.bastanteanálise neidade dos transportes, da infomxação, dos produtos culturais das
cerfora das salas de aula. linguística e consciência fonológica.
mídias. características que também colaboram para mudanças nas
práticas de letramento;
5 Parasabermais.ver o "glossário do MSN" em anexono fim do livro; ver http://www. e a mulfissemioseou a mulüphcidadede modosde significar que as
revistaenfoque.com.br/ index.php?edicao=56&materia=334. acesso em 21/02/2008 possibilidades mulümidiáticas e hipertnidiáticas do texto eletrânico

l04 ETRAMENTOS MÚHIPLOS. ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL ROXANEROJO LETRAMENTO(S)


105
fazem para o ato de leitura: já não basta mais a leitura do texto verbal naculares e autónomos,sempre em contato e em conflito, sendo alguns
escrito -- é preciso relaciona-lo com um conjunto de signos de outras rejeitados ou ignorados e apagados e outros constantemente enfatizados.
modalidades de linguagem(imagem estática.imagem em movimen- Por fim. nessascircunstâncias,o que significa trabalhar a leitura e
to, música. fala) que o cercam. ou intercalam ou impregnami esses
a escrita para o mundo contemporâneo? Ou. como diz Hamilton (2002),
textos mu/fissemióficosexbapolmam os limites dosambientes digitais como esboçar políticas de letramento ao longo da vida que realmente
e invadiram também os impressos(jomais, revistas, hwos didáticos). sustentem e desenvolvam os recursos, processos e metas que existem e
Por outro lado, a escola -- em especial. a pública -- também mudou são requeridos na vida cidadã contemporânea?
bastante. como vimos. nos últimos cinquenta anos no Brasil, mas não
Um dos objetivos principais da escola é justamente possibilitar que
na mesma direção. Buscou-se e atingiu-se, na década de 1990 --a
universalização do acessoà educação pública no ensino fundamental seus alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizam
da leitura e da escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética,
e hoje se busca a mesma ampliação e universalizaçãode acessono en-
crítica e democrática. Para fazê-lo, é preciso que a educação linguística
sino médio e superior,para melhor qualificação da mão de obra. Como
leve em conta hoje. de maneira ética e democrática:
também vimos. acessonão quer dizer permanência e nem qualidade
de ensino. Ainda assim, a ampliação de acesso tem impactos visíveis © os multiletramentos ou lehamentos múltiplos. deixando de ignorar
nos letramentos escolares: o ingresso de alunado e de professorado das ou apagar os letramentos das culturas locais de seusagentes (profes-
classespopulares nas escolas públicas trouxe para os intramuros escola- sores. alunos. comunidade escolta) e colocando-os em contato com
res letramentos locais ou vernaculares antes desconhecidos e ainda hoje os letramentos valoüzados, universais e institucionais; como diria
ignorados, como o rap e o punk. por exemplo. Isso cria uma situação de Souza-Santos(2005),assumindo seu papel cosmopolita'i
e os letramentos mulüssemióticos exigidos pelos textos contemporâne-
conflito entre práticas letradas valorizadas e não valorizadas na escola.
como apontam os trabalhos de Kleiman (1995, 1998), por exemplo. os,ampliando a noção de leüamentos para o campo da imagem. da mú-
sica. das outras semioses que não somente a escrita. O conhecimento e
Hamilton (2002:8) vai apontar para o fato de que muitos dos letra- as capacidades relativas a outros meios semióticos estão ficando cada
mentos que sãoinfluentes e valorizados na vida cotidiana das pessoase vez mais necessáriosno uso da linguagem. tendo em vista os avanços
que têm ampla circulação são também ignorados e desvalorizados pelas tecnológicos: as cores, as imagens. os sons, o design etc., que estão dis-
instituições educacionais: "Não contam como letramento 'verdadeiro' poníveis na tela do computador e em muitos materiais impressosque
Um exemplo é o internetês que abordamosna atividade .13.usadointen- têm transformado o letramento üadicional(da lega/livro) em um üpo
samente pelos jovens fora da escola e. nela. ignorado ou execrado como de letramento insuficiente para dar conta dos leüamentos necessários
degradação da língua. Da mesma maneira. as redes sociaise informais para agir na vida contemporânea(Moita-Lopes & Rojo. 2004yi
que sustentam essas práticas letradas (por exemplo, as redes e comu-
nidadesvirtuais de que jovens de todas as classessociaisparticipam) 6 Souza-Santos(2005:74) aponta para a globalização ou coligação contra-hegemónica.
permanecem desconhecidase apagadas nas escolas, quando não têm que não se baseia no incremento e na proteção do local enraizado embora não negue
seu acesso proibido, como é o caso da proibição de acesso ao Orkut e ao seu valor estratégico, designando-o como localização contra-hegemónica --, mas no que
MSNem muitas escolas e universidades conectados. ele chama de as "iniciativas, organizações e movimentos integrantes do cosmopolitismo
e do património comum da humanidade, com vocação transnacional" , mas ancoradas em
[utas [ocais concretas. Dentre e]as, a esco]a. [...] "0 global acontece localmente. E preciso
Essas mudanças fazem ver a escola de hoje como um universo onde fazer com que o local contra-hegemónico também aconteça globalmente" (p. 74)
convivem letramentos múltiplos e muito diferenciados, cotidianos e insti- 7 Paraler o texto completo, você pode acesso-loem http://web.mac.com/rrojo/Roxa-
tucionais. valorizados e não valorizados. locais, globais e universais, ver- ne Rojo/ Espaco Blog/Archive.html.

l06 LETRAMENTOS MÚUIPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANE ROJO


LETRAMENTO(S)
l07
e os leh'amentos críticos e protagonistas requeridos para o ü'ato ético miose ou multimodalidade das mídias digitais que Ihe deu origem. pelo
dos discursos em uma sociedade saturada de textos e que não pode menosduas facetas:a mulfipJicidade de práticas de letramento que cir-
lidar com eles de maneira instantânea. amorfa e alienadas como afir- culam em diferentes esferas da sociedade e a muJficu/ruralidade. isto é.
mam Moita-Lopes & Rojo (2004: 37-38), é preciso levar em conta o fato de que diferentes culturas locais vivem essaspráticas de maneira
diferente. Por exemplo, um analfabeto habitante de zona rural que. todo
o fato de que a linguagem não ocorre em um vácuo social e que. portanto,
textos orais e escritos não têm sentido em si mesmos, mas interlocutores (es- dia. na hora do "angelus" , às seis da tarde. senta-se em posição de reve-
critores e leitores, por exemplo) situados no mundo social com seusvalores, ,rênciae "lê" a Bíblia. folheando lentamente e olhando atentamente. em
projetos políticos, histórias e desejos constroem seus significados para agir atitude de prece. e o pastor da igreja pentecostal que lê a Bíblia na rv,
na vida social. Os significados são contextualizados. Essa compreensão é entremeando a leitura de seu inflamado discurso, para persuadir os fiéis,
extremamenteimportante no mundo altamente semiotizadoda globaliza- ambos, de maneiras muito diferentes -- inclusive em termos de alfabe-
ção, uma vez que possibilita situar os discursos a que somos expostos e tismo -- estão inseridos em práticas letradas da esfera religiosa.
recuperar sua situacionalidade social ou seu contexto de produção e intel'-
pretação: quem escreveu. com que propósito, onde foi publicado, quando, Como organizar, na escola. a abordagem de tal multiplicidade de
quem era o interlocutor projetado etc. Tal teorização tem uma implicação práticas?Que eventosde letramento e que textos selecionar?De que
prática, porque possibilita trabalhar em sala de aula com uma visão de lin- esferas?De que mídias? De quais culturas? Como aborda-los?
guagem que fornece artifícios para os alunos aprenderem, na prática esco-
Dois conceitosbakhtinianos podem auxiliar nossa reflexão: o con-
lar. a fazer escolhas éticas entre os discursos em que circulam. Isso possibi-
lita aprender a problematizar o discursohegemónicoda globalização e os ceito de esfera de atividade ou de circo/anão de discursos e o conceito de
significados antiéticos que desrespeitem a diferença. (ênfase adicionada) géneros discursivos (Bakhtin 1992 j1952-53/í9791). Na vida cotidiana.
circulamos por diferentes esferasde atividades (domésticae familiar. do
Essasmúltiplas exigências que o mundo contemporâneo apresenta à trabalho. escolar, acadêmica. jornalística. publicitária. burocrática. re-
escola vão multiplicar enormemente as práticas e textos que nela devem ligiosa, artística etc.), em diferentes posições sociais, como produtores
circular e ser abordados. O letramento escolartal como o conhecemos. ou receptores/consumidoresde discursos, em gêneros variados, mídias
voltado principalmente para as práticas de leitura e escrita de textos em diversas e em culturas também diferentes.
géneros escolares (anotações. resumos. resenhas, ensaios, dissertações,
descrições. narrações e relatos, exercícios, instruções, questionários, O dia da professoraD. Nana, com que começamoso capítulo 3.
dentre outros) e para alguns poucos gêneros escolarizados advindos de mostra bem isso: ele se inicia para ela, como dona de casa.na esfera
outros contextos (literário, jornalístico, publicitário) não será suficiente domésticaou cofidiana, deixando bilhete para sua diarista e telefonan-
para atingir as três metas enunciadas acima. Será necessário ampliar e do à oficina autorizada; neste meio tempo, ela liga a rv e toma contato
democratizar tanto as práticas e eventos de letramentos que têm lugar com a esfera jornalística. como consumidora de notícias, e com a publi-
na escola como o universo e a natureza dos textos que nela circulam. citária, como consumidora de produtosi em seguida, como consumidora,
se desloca para a esfera burocrática do comércio, fazendo um depósito
Mas precisamos ainda, para isso, aprofundar um pouco mais o conceito
bancário pelo computador e deslocando-sepor meio de transporte pú-
de ]eframenfos múltiplos ou multiJeframenfos e o de letramentos etílicos.
blico, para adentrar. em seguida, como professora. a esfera escolar. Re-
O conceito de ]eframenfos múJfiplos é ainda um conceito complexo tornando a sua casa, embora cansada. ainda tem energia para assumir o
e muitas vezes ambíguo, pois envolve, além da questão da multisse- papel de espectadorade produtos da esfera do entretenimento (midiá-
tico), vendo a novela televisiva. para, depois- como namorada, dialogar

l08 LETRAMENTOSMÚnlPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANE ROJO LETRAMENTO(S)


l09
com seu parceiro pelo MSNna esfera íntima e. finalmente. voltar à esfera gramaticais --, mas também, e sobretudo, por sua construção composicio
asco/ar, dessa vez como aluna. para fazer atividades on-fine de seu curso nal(p.279).
semipresencial.
Neste sentido, o jovem usa internetês no MSNe em seus e-maias,no
Portanto, as esferas de afinidade e de circulação de discursos não seu bJog e em bilhetes escolares para colegas obedecendo às condições
são estanques e separadas, mas ao contrário, interpenetram-se o tempo especillicas de circulação da língua em uma esfera de comunicação.
todo em nossavida cotidiana. organizando-a e organizando nossaspo- Mas os letramentos múltiplos também podem ser entendidos na pers-
sições e. logo, nossos direitos, deveres e discursos em cada uma delas.
pectiva mu/[icultura] (muJfileframenlos), ou seja. diferentes cu]turas, nas
Talvez o diagrama abaixo possa captar vagamente esse nossomovimen- diversas esferas, terão práticas e textos em géneros dessa esfera também
to constante pelas esferas de atividade:
diferenciados. Deverão as práticas, os textos, as linguagens e as variedades
da língua não valorizadas, locais ou "vemaculares", como quer Hamilton
12002),ser abordadas na escola? Por quê? Para quê? Uma resposta pode
ser conduzida pela análise do mundo globalizado em que vivemos hoje'
escolar jornalística
A crítica à globalização cultural já fora denunciada e prenunciada
cotidiana nos estudossobrea indústriacultural e a comunicação
de massas.A
artística existência de meios de comunicação capazes de colocar uma mensagem
ao alcance de grande número de indivíduos não basta para caracterizar
científica publicitária a existência de uma indústria cultural e de uma cultura de massa.A in-
dústria cultural é,justamente. fruto da sociedadeindustrializada. de tipo
política capitalista liberal ou, ainda. da sociedade dita de consumo.

No campo das culturas. é considerada como condição para a exis-


tência dessaindústria uma oposição entre a cultura dita superior ou va-
Figura 1: Esferas de atividade social ou de circulação dos discursos lorizada. como a patrimoniada pela escola, e a de massa.difundida nos
meios de comunicação, apesar dos equívocos envolvidos nessa divisão.
Segundo Bakhtin (1992 [1952-53/1979]), cada uma dessas esferas Admitida essadivisão, pode-sefalar na existência de uma cultura su-
de atividade humana é também uma esfera de circulação de discursos perior. outra média (midcu/f), de valor cultural, mas não estético,e uma
e de utilização da língua e "cada esfera de utilização da língua elabora terceira. de massa (masscu/f, inferior). A segunda distingue-se da tercei-
seus tipos relafivamenfe estáveis de enunciados, sendo isso que deno- ra. basicamente. por sua pretensão de apresentar produtos que se que-
minamos géneros do discurso" (p. 279). Ou seja. há géneros admitidos e rem superiores, mas que são, de fato, formas desbastadas daqueles. Ao
não admitidos, próprios de cada esfera. passo que a massculf se contenta com fornecer produtos (mercadorias)
Para o autor.otexto ou enunciado sem qualquer pretensão ou álibi cultural. E possível,ainda. estabele-
cer-seuma oposiçãoentre a cultura popular ou local, entendida como
reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esfe-
ras, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja. pela 8 Texto baseado em Rojo (2008b).Para conhecê-lo completo, acessehttp://web.mac
seleçãooperada nos recursos da língua -- recursoslexicais, fraseológicos e com/ rrojo/Roxane.Rojo/Espaco Blog/Archive.html.

110 LETRAMENTOSMÚLTIPLOS. ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l R0>aNE ROJO LETRAMENTO(S)


os valores ancestraisde um povo ou de uma comunidade específica. e definir as próprias basesde nossa atitude ideológica em relação ao mundo e
a cultura dita pop, outra designaçãode cultura de massa.Os mesmos de nosso comportamento, ela surge aqui como a palavra autoritária e como
excessos de valorização da cultura superior diante da de massa. também a palavra internamente persuasiva (Bakhtin, 1988 [1934-35/1975j: 142).
são encontrados na defesa da popular diante da pop.
Além disso, como frisa Souza-Santos (2005: 26), a globalização inte-
Com seus produtos, a indústria cultural busca o reforço das normas rage fortemente -- quando não provoca ou intensifica -- com outros fe-
sociais, repetidas até a exaustão e sem discussão. Em consequência, tem nõmellos de depreciação9e de diminuição da qualidade de vida no pla-
uma outra função: a de promover o conformismo, a alienação. Ela fa- neta. tais como o aumento riram(ífico das desigualdades e da exclusão
brica seus produtos, cuja finalidade é a de serem trocados por moedas entre/de países, povos, classes, etnias e indivíduos, a superpopulação. a
promove a deturpação e a degradação do gosto populari simplifica ao ccltãstrofe ambiental, os conflitos étnicos, a migração internacional mas-
máximo seus produtos, para obter uma atitude sempre passiva do con- siva, a proliferctção de guerras civis, o crime globalmente organizado,
sumidora assumeuma atitude paternalista. dirigindo o consumidor ao o incremento consequente da violência, a democracia apenas formal
invés de colocar-se a sua disposição. e desprovida de sentido, o isolamento. Souza-Santos(2005: 27) afirma
ainda que. embora a globalização esteja longe de ser consensuale seja
A cultura de massada globalização é padronizada. monofõnica, ho- "um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e
mogênea e pasteurizada, a ponto de alguns estudiosos da globalização interesses hegemânicos. por um lado, e grupos sociais. Estados e inte-
falarem de Mundo Mc, de "mcdonaldização" da cultura. tendo como resses subalternos. por outro" , o campo hegemónico atum com base em
centro dominante e irradiador o ocidente. branco, masculino. heterosse-
um consenso entre os mais influentes e poderosos membros: o consenso
xual, norte-americano: cultura da rapidez, da instantaneidade (fasefood, de Washingfon ou consenso neoliberal, responsável pelas características
zapping, cJipping) e do excesso (faf food. megalópoles, stress.hipertu- dominantes da globalização. A isso. o autor vai denominar gJobaJizaç(io
do). Por isso se tornam tão importantes hoje as maneiras de incrementar, ou coligação hegemónica.
na escola e fora dela. os /eframenfos críticos. capazesde lidar com os
textos e discursosnaturalizados, neutralizados, de maneira a perceber No entanto, como todo fenómeno sócio-histórico. a globalização he-
seus valores, suas intenções, suas estratégias, seus efeitos de sentido. gemónica gesta seu po]o contrário, a localização, o que leva muitos au-
Assim. o texto já não pode mais ser visto fora da abrangência dos dis- tores a falarem de gJocaJizaçãoou de g-localização. Ainda nos termos de
cursos, das ideologias e das significações, como tanto a escola quanto as Souza-Santos (2005: 26), a sociedade contemporânea
teorias se habituaram a fazer.
parece combinar a universalização e a eliminação de fronteiras nacionais,
Como já dizia Bakhtin(1992 j1952-53/t9791), a compreensão de um por um lado, o particulaüsmo, a diversidade local, a identidade étnica e o
discurso é atava, é uma ação de réplica e não de repetição: regresso ao comunitarismo, por outro.

O ensino das disciplinas verbais conhece duas modalidades básicas esco- O movimento de localização é visível tanto no campo político-eco-
lar'es de transmissão que assimila o discurso de outrem (do texto, das regras, nómico, nas "novas" formas de organização da sociedade civil em orga-
dos exemplos): "de cor" e "com suas próprias palavras". ]...] O objetivo da nizações não-governamentais (ONGS),associações,cooperativas. dentre
assimilação da palavra de outrem adquire um sentido ainda mais profundo outros, como principalmente, no campo cultural e das identidades, por
e mais importante no processode fomtação ideológica do homem. no sen-
tido excitodo tempo.Aqui. a palavra de outrem se apresentanão mais na
9 Acessehttp://br.youtube.com/watch?v=hRjsOBle58Upara ver uma paródia que dá
qualidade de infom:rações,indicações. regras, modelos etc. ela procura o que pensar a respeito dos efeitos da globalização

112 LETRAMENTOSMÚUIPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANEROJO LETRAMENTO(S)

«3
meio das identificações comunitárias agregadas a interesses comuns ou Neste sentido. o papel da escola na contemporaneidade seria o
a produção das culturas locais. Fenómenos desse tipo são encontrados de colocar em diálogo -- não isento de conflitos. polifónico em termos
tanto nas comunidades locais, como. principalmente. nas virtuais. Sendo bakhtinianos -- os textos/enunciados/discursos das diversas cu]turas lo-
os ambientes digitais interativos e pouco controlados. prestam-se a no- cais com as culturas valorizadas, cosmopolitas. patrimoniais, das quais é
vas formas de sociabilidade. Assim. as armas da globalização fortalecem guardiã. não para servir à cultura global, mas para criar coligaçõescon-
os laços e as contra-hegemonias da localização. A isso, Souza-Santos tra-hegemónicas, para translocalizar lutas locais. Como gosto de dizer.
(2005) vai chamar de globalização ou coligação contra-hegemónica. para transformar pafrimõnios em frafrimónios. Nesse sentido. a escola
pode formar um cidadão flexível, democrático e protagonista. que seja
[qa verdade. há duas formas de resistência: a localização assumida multicultural em sua cultura e poliglota em sua língua.
ou seja. o fomento a iniciativas locais de vários tipos ao redor do mun-
do, por meio de "espaçosde sociabilidade em pequena escala.comuni- Cabe. portanto. também à escola potencializar o diálogo multicultu-
ral. trazendo para dentro de seus muros não somente a cultura valoriza-
tários [...], regidos por lógicas cooperativas e participativos e a globali-
zação ou coligação contra-hegemónica" (Souza-Santos, 2005: 72), que da, dominante. canónica. mas também as culturas locais e populares e a
não se baseia no incremento e na proteção do local enraizado embora cultura de massa. para torna-las vozes de um diálogo, objetos de estudo
e de crítica. Para tal, é preciso que a escola se interesse por e admita as
não negue seu va]or estratégico, designando-o como localização contra-
culturas locais de alunos e professores.
hegemõnica --, mas no que ele chama de as "iniciativas. organizações
e movimentos integrantes do cosmopolitismo e do património comum Culturas locais
da humanidade. com vocação transnacional" , mas ancoradas em "lutas
locais concretas. [...] O global acontece localmente. E preciso fazer com
que o local contra-hegemónico também aconteça globalmente" (p. 74). Culturas valorizadas
Logo, duas armasa favor da construçãoda coligaçãocontra-he-
gemónica seriam justamente a escola e as tecnologias digitais. Por um
lado, novamenteaqui, são cruciais os letramentos críticos que tratam Culturas escolares
os textos/enunciados como materialidades de discursos, carregados de Figura 2: Multículturalismo e multa-ou transletramentos
apreciações e valores, que buscam efeitos de sentido e ecos e resso-
nâncias ideológicas. É preciso, portanto. um reenfocar do texto, fora da
escola. mas principalmente nela. por sua vocação cosmopolita, por sua
capacidade de agendamento de populações locais na direção do univer-
sal, dos patrimónios da humanidade. Letramentos múltiplos e multissemióticos na esfera da arte
popular -- o desfile de Escola de Samba
Mas também é muito importante um possível outro caminho
criar inteligibilidade recípl'oca entre as diferentes lutas locais, aprofundar 1. Em 2008, uma escola de samba da zona leste paulistana, Grêmio Recreativo
o que têm em comum de modo a promovem'o interesse em alianças translo- Cultural Escola de Samba Nenê de Vila Matilde, levou ao Sambódromo de São
cais e a criar capacidadespara que essaspossamefetivamenteter lugar e Paulo um enredo em homenagem a Luís da Câmara Cascudo, o professor que
prosperar(Souza-Santos, 2005: 74). não gostava de ser chamado de folclorista. Leia a letra do samba-enredo:

«4 LETRAMENTOS MÚHIPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANEROJO LETRAMENTO(S)

«5
O modo de agir, sentir e pensar(â potiguar)
Câmara Cascudo mostrou para o mundo
Ofolclore popular
Brasil da miscigenação, nosso povo estende as mãos
Vamos mestiçar
Costumes do nordeste... Oxente, cabra da peste
Vem pro forró dançar, poeira levantar
Maracatu, festa junina
Boi-Bumba no Norte, Parintins, o ponto nobre
Pro mau olhado tem reza forte
O pajé pode salvar
Ferraduras e carrancas... Patuás
Quem foi que deixou o espelho se quebrar?
No Centro-Oestenão pesque sem oração (porque)
Assombração vai te pegar

IFONTE: Foto de arquivo pessoal) No sul brinquei


De cabra cega e amarelinha
Nenê de Vila Matilde - Samba-enredo 2008"
E reparei num lindo canto que ouvia
(Nenê, Adriano Bejar e Suou) Até o Sacise encantou
Um voo da águia como nunca se viu! Tambémsomos Não é chufa, nem fandango
folclore do nosso Brasil - 110 anos aprendendo com E perguntou: Que som é esse?
Câmara Cascudo Quecadência diferente
Pra encantara avenida Protegida pelos deuses
A águia vem mistificar Me responda quem vem lál
Eu sou Nenê! Da culinária, batucada e ca rnavall
De boca em boca, pai pra filho
No sudeste a festa é pra valer!
Folclore vivo nesse amanhecer
10 Para saber mais sobre essa escola e esse enredo, veja mais dados sobre a Nenê de
Minha escola de samba é evolução!
Vila Matilde e confira sua ficha técnica acessando http://pt.wikipedia.org/wiki/Nen%
C3%AA.de.Vila Matilde. Veja também asnotícias sobreessedesfile. acessandohttp:// Bateria de bamba, toca até longo e baixo
www.nominuto.com/cultura/nene.davilamatilde.homenageia.camaracascudo e. A nossa bandeira, manto sagrado
o folclore brasileiro/14262/} http://gl.globo.com/Camava12008/0«MIJL284446-9772.00-
NENE+LEVA+DANCAS+COMIDAS+E+LEN])AS+PARA+A+PASSARELA.html ou Gueto azul e branco, mito respeitado
http://youtube.com/watch?v= W8TyC6Sgo5U&feature=user. Você também pode ver Dentre outras possibilidades. você
parte do desfile. embora com baixa qualidade de imagem! em: http://br.youtube.com/ 2 Agora, vamos refletir: no mínimo citou a consulta ao cicio
watch?v=OZDlcPslcAg&feature=related.Se você não conhecer,também é importante nó/io do fo/c/ore brasa/eirade Luís
tomar contato com os critérios de julgamento dos quesitos do desfile propostos pela Liga a. Que elementos da cultura valoriza da Câmara Cascudo, de 1952.
das Escolas de Samba de SãoPaulo. Para fazê-lo, acessehttp://carnava12008.terra.com.
da esse(samba-)enredoenvolve?
br/interna/ 0..012241346-Ell0737.00.html.

«6 LETRAMENTOSMÚnlPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANE ROJO


LETRAMENTO(S)
m7
b. E da cultura popular, das cultu-
Sendo baseado no Dicionário do fole/o- E enfocar. portanto, os usos e práticas de linguagens (múltiplas
ras locais? ,e brasileiro. todos os temas do enredo semioses),para produzir, compreender e responder a efeitos de senti-
c. Um desfile de escola de samba é são relativos à cultura popular brasilei- do, em diferentes contextos e mídias. Trata-se. então, de garantir que o
um evento multissemiótico. Que ra. Como a opção do carnavalescofoi ensino desenvolva as diferentes formas de uso das linguagens (verbal,
regionalizar. diversos bens das culturas
linguagens entram na composi- corporal. plástica. musical, gráfica etc.) e das línguas (falar em diversas
locais estão representadas (nações de
ção do desfile da escola? Músi- maracatu, maracaturural. caboclinho, variedades e línguas, ouvir. ler. escrever). Para participar de tais práticas
ca e letra (cantada e escrita), no trevo. gafieira. lendas brasileiras e seus com proficiência e consciência cidadã, é preciso também que o aluno
-. . A .:. .--:-? personagens (Matitaperê, Saci-Pererê, desenvolva certas competências básicas para o trato com as línguas, as
saírioa.-- vuuis lriól ' Mapinguari), bumba-meu-boi. chufa. linguagens, as mídias e as múltiplas práticas letradas. de maneira críti-
d. Nesse ano, o carnavalesco da fandango. festasjuninas etc.)
ca. ética. democrática e protagonista.
escola foi Augusto de Oliveira,
um cearense cujo pai fundou a Além da música e da letra do samba- Assim sendo, como responderíamos às questões propostas neste capítulo?
primeira nação de maracatu do enredo, você poderá ter mencionado as Retomando-as,nos perguntamos: o que significa trabalhar a leitura
Ceará. Com que atividades letra- linguagens plásticas e visuais usadas
nas alegorias, nos carros e nas fantasias
e a escrita para o mundo contemporâneo?, ou, como diz Hamilton (2002),
das e letramentos ele teve de se como esboçarpolíticas de letramento ao longo da vida que realmente
das alasi a linguagem corporal usada
envolverpara produziresse enre- na dança.no sambae nos passosmar- sustentem e desenvolvam os recursos, processos e metas que existem e
cados; dentre outras. sãorequeridos na vida cidadã contemporânea?
do e esse desfile? Cite algumas.
e. Nesse carnaval, a G.R.C.E.S. Ne
A respostaa essaprimeira pergunta reside principalmente na dis
nê de Vila Matilde conseguiu, Possivelmente, ele teve de pesquisar posição em trabalhar:
. sobre o folclore brasileiro e ler Câmara
com esse enredo, colocar a cul- ;lascudo. Teve também de planejar o e
os ]eframenfos mulfissemi(5ficos, ou seja. a leitura e a produção de
tura valorizada em contato com enredo, as alas e alegorias. fazer maque-
textos em diversas linguagens e semioses(verbal oral e escrita. mu-
as culturas locais do Brasil e tes,esboçosesinopses,ajuduaescolher
o samba-enredo entre muitas propostas, sical, imagética jimagens estáticas e em movimento, nas fotos, no
com a cultura de massa. Pense já que a letra do samba-enredo deve re- cinema. nos vídeos, na rvl, corporal e do movimento jnas danças,
um exemplo de atividades esco- cobrir todo o enredo e fazer menção ao perfomlances. esporões,aüvidades de condicionamento físico], ma-
que está representado nas alas etc.
lares que se poderia proporpara temática.digital etc.).já que essasmúltiplas linguagense as capa-
atingir este mesmo objetivo. cidades de leitura e produção por elas exigidas são constitutivas dos
As atividades devem. no mínimo. pro- textos contemporâneos. Isso encaminha. é claro, para a necessidade
Como conclusão, podemos di- vocar o diálogo entre as culturas locais de um trabalho interdisciplinar, já que não somosfonnados para en-
zer que trabalhar com a leitura e dos alunos, a cultura valorizada ou es- sina-lastodas.Por outro lado, é importante também hoje abordar
escrita na escola hoje é muito mais colar e a de massa.
as diversasmídias e suportes em que os textos circulam, já que há
que trabalhar com a alfabetização tempos o impresso e o papel deixaram de ser a principal fonte de in-
ou os alfabetismos: é trabalhar com os letramentos múltiplos. com as fomlação e formação. Assim, impõe-se üabalhar com os impressos,
leituras múltiplas -- a leitura na vida e a leitura na escola-- e que os mas também com as mídias analógicas (w, rádio. vídeos, cinema.
conceitos de gêneros discursivos e suas esferas de circulação podem nos fotografia) e, sobretudo, com as digitais, já que a digitalização é o
ajudar a organizar essestextos. eventos e práticas de letramento. flltllrn rla infn«'«tacão e da comunicacão.

«8 LETRAMENTOSMÚUIPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANEROJO


LETRAMENTO(S)

«9
e Os ]etramenfos mulficuJfurais ou mu/tiletramentos. ou seja, abordar possibilidades de aprendizagem. revozeando o conceito vygotskiano de
zona proximal de desenvolvimento (zpo). As possibi.cidades de apren-
os produtos culturais letrados tanto da cultura escola e da dominan-
te. como das diferentes culturas locais e populares com as quais alu- dizagem respondem à pergunta sobre quais objetos de ensino o aluno
poderá aprender. de quais poderá se apropriar nesse momento do seu
nos e professores estão envolvidos, assim como abordar criticamen-
desenvolvimento (zpo).Não posso querer ensinar a leitura de um edito-
te os produtosda cultura de massa.Essatriangulaçãoque a escola
pode fazer, enquanto agência de letramento patrimonial e cosmo- rial complexo se meu aluno ainda não lê uma notícia simples. É preciso
polita. enfie as culturas locais. global e valorizada é particularmente .averiguar seu trato com os objetos de ensino propostos. diagnosticar,
importante -- em especial no Brasil --(!uando reconhecemos a rele- para verificar aquilo que é ensinável.
vância de se foliar um aluno ético e democrático. crítico e isento de
No entanto, entre osmuitos "ensináveis" , tenho de escolheralguns.
preconceitos e disposto a ser "multicultural em sua cultura" e a lidar E essaescolhapoderá ser regida pelo princípio das necessidadesde en-
com as diferenças socioculturais.
sino, que respondem à pergunta: para essesalunos, dessa escola, dessa
e Os ]eframentos críticos, ou seja, abordar essestextos e produtos das
comunidade de práticas, visando formar um cidadão com tais caracterís-
diversas mídias e culturas. sempre de maneira crítica e capaz de des-
ticas, que gêneros e esferas escolher dentre os ensináveis? Na dependên-
velo suas finalidades, intenções e ideologias. Nesse sentido, é im- /

cia dos critérios que escolher (aqui mencionamos protagonismo, criticida-


portante a presença na escola de uma abordagem não meramente
fonnal ou conteudista dos textos. mas discwsiva. localizando o texto de. democracia, ética. multiculturalidade) e da comunidade de práticas a
que a escola e os alunos pertençam. poderemos restringir nossouniverso
em seu espaço históüco e ideológico e desvelando seus efeitos de
sentido. replicando a ele e com ele dialogando. de escolha dentre os "ensináveis" : será mais importante ensinar agora
uma carta de amor? Ou uma carta de leitor? Ou um requerimento?
Como essamultiplicidade tão grande de práticas e textos que po-
dem e devem ser objetos de estudo e crítica levanta problemas para a Essasescolhas nunca são neutras. nem impunes pois o tempo esco-
lar que tomo com um objeto de ensino não será dedicado a outro: cada
organização curricular e do espaço-tempo escolar, perguntamo-nos tam-
bém: " Como organizar. na escola. a abordagem de tal multiplicidade de escolha presentifica um dentre muitos outros perdidos. Mas nada em
educação nunca é neutro e nossa tarefa é justamente a de fazer escolhas
práticas?Que eventos de letramento e textos selecionar?De que esfe- e encaminhamentos conscientes.
ras? De que mídias? De quais culturas? Como aborda-los?"

Vimos que alguns conceitos podem ser organizadores da seleção e


progressão do ensino desses objetos. Principalmente. o conceito de /e-
tramenfos múltiplos, se operacionalizado pelo conceito de esferas de cir-
culação dos textos e de géneros discursivos que nelas vivem. Ou seja. ao
organizar programas de ensino, o professor pode considerar que gêne-
ros de que esferas (e com que práticas letradas. capacidades de leitura
e produção agregadas) devem/podem ser selecionados para abordagem
e estudo, organizando uma progressão curricular. A questão é que. para
responder a essa questão, é preciso ter princípios norteadores.

Nesta questão, os PCN de ensino fundamental n/língua portuguesa


fornecem algumas pistas quando distinguem necessidades de ensino e

120 LETRAMENTOS MÚUIPLOS, ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL l ROXANE ROJO


LnRAMENTO(s)
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