Protecao Da Mulher

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PROTEÇÃO

DA MULHER
Jurisprudência do STF
e Bibliografia Temática
Supremo Tribunal Federal

Proteção da
mulher
Jurisprudência do STF
e Bibliografia Temática

Atualizada até o DJE  de 20 de dezembro de 2018


e o Informativo STF 928

Brasília
2019
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Secretaria do Tribunal
Eduardo Silva Toledo
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)
Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).
Proteção da mulher [recurso eletrônico] : jurisprudência do STF e bibliografia temática / Supremo Tribunal Federal. -- Brasília : STF,
Secretaria de Documentação, 2019.
143 p.
Atualizada até o DJE de 20 de dezembro de 2018 e o Informativo STF 928.
Modo de acesso: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/Protecao_da_Mulher.pdf>.
1. Tribunal Supremo, jurisprudência, Brasil. 2. Direitos da mulher, coletânea, jurisprudência, Brasil. 3. Violência contra a mulher, Brasil.
4. Direitos reprodutivos, Brasil. 5. Direitos políticos da mulher, Brasil. 6. Feminismo, Brasil. 7. Mulher delinquente, Brasil. I Título.
CDDir-341.2726

Livraria do Supremo
Supremo Tribunal Federal, Anexo II-A, Cobertura, Sala C-624
Praça dos Três Poderes — 70175-900 — Brasília-DF
[email protected]
Fone: (61) 3217-4780
Su­pre­mo Tribunal Federal

Ministro José Antonio Dias Toffoli (23‑10‑2009), Presidente

Ministro Luiz Fux (3‑3‑2011), Vice­‑Presidente

Mi­nis­tro José Celso de Mello Filho (17‑8‑1989), Decano

Mi­nis­tro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (13‑6‑1990)

Mi­nis­tro Gilmar Ferreira Mendes (20‑6‑2002)

Mi­nis­tro Enrique Ricardo Lewandowski (16‑3‑2006)

Mi­nis­tra Cármen Lúcia Antunes Rocha (21‑6‑2006)

Ministra Rosa Maria Pires Weber (19­‑12­‑2011)

Ministro Luís Roberto Barroso (26-6-2013)

Ministro Luiz Edson Fachin (16-6-2015)

Ministro Alexandre de Moraes (22-3-2017)


Siglas, abreviaturas e notações

= No mesmo sentido PGR Procuradoria-Geral da República


≠ Em sentido contrário RE Recurso Extraordinário
1ª T Primeira Turma rel. Relator
2ª T Segunda Turma SEN Senado Federal
ac. Acórdão STF Supremo Tribunal Federal
ADCT Ato das Disposições Constitucionais STJ Superior Tribunal de Justiça
Transitórias STM Superior Tribunal Militar
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade TCD Tribunal de Contas do Distrito Federal
ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito TJD Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Fundamental Territórios
AGU Advocacia-Geral da União TST Tribunal Superior do Trabalho
ARE Recurso Extraordinário com Agravo
CAM Câmara dos Deputados
CLD Câmara Legislativa do Distrito Federal
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CF Constituição Federal
CP Código Penal
dec. Decisão
DJ Diário da Justiça
DJE Diário da Justiça Eletrônico
EC Emenda Constitucional
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
HC Habeas Corpus
j. Julgamento em
MC Medida Cautelar
min. Ministro
MJU Ministério da Justiça
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONU Organização das Nações Unidas
P Plenário
p/ para
Sumário

Movimento feminista – Contexto histórico e conquistas normativas  8

Atuação das congressistas na Constituinte de 1988  14

Ações e instrumentos afirmativos voltados à proteção da mulher – Fundamentação  16

Participação política das mulheres  20


Legitimidade das cotas  21
Distribuição dos recursos eleitorais  21
Igualdade de gênero  22
Necessidade de ações afirmativas para integração das mulheres na vida político-partidária brasileira  24

Lei Maria da Penha  26


Registro histórico da Lei Maria da Penha  27
Violência doméstica contra a mulher – circunstância e estatística  28
A trajetória para a consolidação dos direitos da mulher  30
Intervenção estatal nos casos de violência doméstica – ação penal pública
incondicionada – interpretação conforme à Constituição  32
Inaplicabilidade do princípio da insignificância  34
Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos  35
A violência doméstica contra a mulher e seu status de violação dos direitos humanos  36

Mães e gestantes presas preventivamente – Conversão em prisão domiciliar  39


Cultura do encarceramento versus proteção de mulheres grávidas e mães de crianças  40
Dados a respeito do encarceramento de mulheres no Brasil  41

Pesquisas com células-tronco embrionárias – Liberdade de implantação dos


embriões excedentes  44

Aborto de feto anencéfalo – Liberdade, autonomia e dignidade da mulher  46


Interpretação evolutiva acerca da figura do aborto em caso de feto anencéfalo  49
Papel do Ministério da Saúde nos casos de abortamento nas hipóteses legalmente previstas  52
Coisificação da mulher – doação de órgãos de feto anencéfalo  52
Dados médicos e experiências de mulheres grávidas de anencéfalos – saúde,
dignidade, liberdade, autonomia e privacidade da mulher  54
Antecipação do parto de um feto anencefálico à luz do princípio da razoabilidade  61
Liberdade, dignidade, integridade e saúde da mulher – ponderação de
valores no caso de gravidez de feto anencéfalo  63

Criminalização da interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro


trimestre – Violação a direitos fundamentais das mulheres  68

Equiparação do prazo da licença-adotante ao prazo da licença-gestante  73


Tutela da dignidade e da autonomia da mulher  74
Evolução histórica na Constituição Federal  74
Evolução histórica na legislação infraconstitucional  75
Tutela da dignidade e da autonomia da mãe adotiva  78
Tutela do vínculo maternal – proteção da mãe e do filho  80

Licença-gestante – Não aplicação da limitação do art. 14 da EC 20/1998


ao salário da licença-gestante  82

Mulher grávida – Remarcação de teste de aptidão física não prevista em


edital de concurso público  88

Legislação  90

Bibliografia temática  114


Movimento
feminista –
Contexto histórico
e conquistas
normativas
O longo itinerário histórico percorrido pelo movimento feminista, seja em nosso
País, seja no âmbito da comunidade internacional, revela trajetória impregnada de
notáveis avanços, cuja significação teve o elevado propósito de repudiar práticas
sociais que injustamente subjugavam a mulher, suprimindo-lhe direitos e impedindo-
lhe o pleno exercício dos múltiplos papéis que a moderna sociedade, hoje, lhe atribui,
por legítimo direito de conquista. O movimento feminista – que fez instaurar um
processo de inegável transformação de nossas instituições sociais – buscou, na pers‑
pectiva concreta de seus grandes objetivos, estabelecer um novo paradigma cultural,
caracterizado pelo reconhecimento e pela afirmação, em favor das mulheres, da
posse de direitos básicos fundados na essencial igualdade entre os gêneros. Todos
sabemos, (...) sem desconhecer o relevantíssimo papel pioneiro desempenhado,
entre nós, no passado, por grandes vultos brasileiros que se notabilizaram no pro‑
cesso de afirmação da condição feminina, que, notadamente a partir da década de
1960, verificou-se um significativo avanço na discussão de temas intimamente ligados
à situação da mulher, registrando-se, no contexto desse processo histórico, uma
sensível evolução na abordagem das questões de gênero, de que resultou, em função
de um incessante movimento de caráter dialético, a superação de velhos preconcei‑
tos culturais e sociais que impunham, arbitrariamente, à mulher, mediante incom‑
preensível resistência de natureza ideológica, um inaceitável tratamento discrimina‑
tório e excludente, que lhe negava a possibilidade de protagonizar, como ator
relevante, e fora do espaço doméstico, os papéis que, até então, lhe haviam sido
recusados. Dentro desse contexto histórico, a mística feminina, enquanto sinal visí‑
vel de um processo de radical transformação de nossos costumes, teve a virtude,
altamente positiva, consideradas as adversidades enfrentadas pela mulher, de sig‑
nificar uma decisiva resposta contemporânea aos gestos de profunda hostilidade,
que, alimentados por uma irracional sucessão de fundamentalismos – quer os de
caráter teológico, quer os de índole política, quer, ainda, os de natureza cultural –,
todos eles impregnados da marca da intolerância e que culminaram, em determina‑
da etapa de nosso processo social, por subjugar, injustamente, a mulher, ofenden‑
do-a em sua inalienável dignidade e marginalizando-a em sua posição de pessoa
investida de plenos direitos, em condições de igualdade com qualquer representan‑
te de gênero distinto. Cabe ter presente, bem por isso, neste ponto, ante a sua extre‑
ma importância, a Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada pela Conferên‑
cia Mundial sobre Direitos Humanos promovida pela Organização das Nações Unidas

9
(1993), na passagem em que esse instrumento, ao reconhecer que os direitos das
mulheres, além de inalienáveis, “constituem parte integral e indivisível dos direitos
humanos universais” (Capítulo I, item n. 18), deu expressão prioritária à “plena par‑
ticipação das mulheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, econômi‑
ca, social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional (...)” (Capítulo I, item
n. 18). Foi com tal propósito que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
instou, de modo particularmente expressivo, que “as mulheres tenham pleno e igual
acesso aos direitos humanos e que esta seja uma prioridade para os governos e as
Nações Unidas”, enfatizando, ainda, “a importância da integração e plena participação
das mulheres como agentes e beneficiárias do processo de desenvolvimento”, tudo
isso com a finalidade de pôr em relevo a necessidade “de se trabalhar no sentido de
eliminar todas as formas de violência contra as mulheres na vida pública e privada,
de eliminar todas as formas de assédio sexual, exploração e tráfico de mulheres, de
eliminar preconceitos sexuais na administração da justiça e de erradicar quaisquer
conflitos que possam surgir entre os direitos da mulher e as consequências nocivas
de determinadas práticas tradicionais ou costumeiras, do preconceito cultural e do
extremismo religioso” (Capítulo II, B, n. 3, itens n. 36 e 38). Esse mesmo compromis‑
so veio a ser reiterado na Declaração de Pequim, adotada na IV Conferência Mundial
sobre a Mulher, realizada na capital da República Popular da China (1995), quando,
uma vez mais, proclamou-se que práticas e atos como o assédio sexual “são incom‑
patíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser combatidos e
eliminados”, conclamando-se os governos para a urgente adoção de medidas desti‑
nadas a combater e a eliminar todas as formas de violência e de constrangimento
“contra a mulher na vida privada e pública, quer perpetradas ou toleradas pelo Es‑
tado ou pessoas privadas” (Plataforma de Ação, Cap. IV, I, item n. 224), especialmen‑
te quando tais atos traduzirem abuso de poder, tal como expressamente reconheci‑
do nessa Conferência Internacional sobre a Mulher. O eminente embaixador José
Augusto Lindgren Alves, em lapidar reflexão crítica sobre o tema pertinente à con‑
dição feminina (Relações internacionais e temas sociais – a década das conferências,
p. 240/241, item n. 7.6, 2001, Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília), expendeu
considerações extremamente relevantes sobre o processo de afirmação, expansão
e consolidação dos direitos da mulher no século 20, analisando-os em função das
diversas conferências internacionais promovidas sob a égide da Organização das
Nações Unidas: “seja pelo desenvolvimento de sua situação em grande parte do

10
mundo, seja nos documentos oriundos de cada uma das quatro grandes conferências
da ONU a ela dedicadas nas três últimas décadas, o caminho percorrido pela mulher
no século 20, mais do que um processo bem-sucedido de autoilustração no sentido
kantiano – da qual a mulher efetivamente equiparada ao homem prescindiria e a
mulher biológica per se não necessitaria –, evidencia uma capacidade de autoafir‑
mação, luta e conquista de posições inigualáveis na história. O fato é tão evidente
que sua reiteração soa lugar-comum. Mais interessantes parecem os marcos concei‑
tuais de tal evolução. Na descrição de Miriam Abramovay, o desenvolvimento con‑
ceitual subjacente à práxis do feminismo passou, nas últimas duas décadas, dos
enfoques reducionistas que encaravam a mulher como ente biológico, ao tratamen‑
to de sua situação como ser social, ‘ou seja, incorporou-se a perspectiva de gênero
para compreender a posição da mulher na sociedade’. As conferências da ONU sobre
a mulher, por sua vez, sempre tendo como subtítulo os termos ‘igualdade, desenvol‑
vimento e paz’, foram expandindo os campos prioritários de atuação. A partir dos
subtemas do trabalho, da educação e da saúde, na Conferência do México, em 1975,
passaram a incluir a violência, conflitos armados, ajustes econômicos, poder de
decisão e direitos humanos em Nairóbi, em 1985, e, agora, abrangem os novos temas
globais do meio ambiente e dos meios de comunicação, além da situação particular
das meninas. As estratégias, que privilegiavam originalmente a integração da mulher
no processo de desenvolvimento, em Nairóbi, já afirmavam que ‘o papel da mulher
no processo de desenvolvimento tem relação com o desenvolvimento de toda a
sociedade’. Faziam-no, porém, sem um exame mais detido das relações históricas
assimétricas homem–mulher, que incorporam relações de poder. Em Beijing, as re‑
lações de gênero, com seu substrato de poder, passaram a constituir o cerne das
preocupações e dos documentos adotados, tendo como asserção fundamental a
reafirmação dos direitos da mulher como direitos humanos. E nestes se acham, hoje,
naturalmente, incluídos seus direitos e necessidades específicos, particularmente os
reprodutivos, os sexuais e os referentes à violência de que são vítimas, por indivíduos
e sociedades, tradições, legislações e crenças.” Cabe referir, neste ponto, por opor‑
tuno, a precisa observação de Guilherme Calmon Nogueira da Gama (Princípio da
paternidade responsável, Revista de Direito Privado, v. 18/21-41, 23/24, 2004, RT),
ilustre professor e magistrado, feita em estudo no qual examina questões de bioéti‑
ca e de biodireito, associadas ao tema da reprodução humana, da saúde sexual e
reprodutiva e da parentalidade responsável, noção esta fundada no exercício cons‑

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ciente, pelas pessoas, dos direitos reprodutivos de que são titulares: “o movimento
tendente à igualdade entre o homem e a mulher revela que os direitos fundamentais
da mulher também se referem aos direitos reprodutivos e sexuais, e, nesse passo, a
aquisição e o efetivo exercício de tais direitos dependem não da igualdade mera‑
mente formal, mas especialmente material entre os sexos masculino e feminino na
condução de questões pessoais relacionadas ao exercício da sexualidade e da pro‑
criação. No campo internacional, Flávia Piovesan aponta a Conferência de Cairo
sobre População e Desenvolvimento, ocorrida em 1994, como o evento internacional
que proporcionou a formulação de importantes princípios éticos relacionados à es‑
fera dos direitos reprodutivos, como os seguintes: o reconhecimento dos direitos
reprodutivos como direitos humanos pelos Estados; o direito da pessoa de ter con‑
trole sobre questões relativas à sexualidade e à saúde sexual e reprodutiva; liberda‑
de de decisão sem coerção, discriminação ou violência como direito fundamental.
Talvez não haja maior exemplo da interseção entre o público e o privado do que os
direitos reprodutivos, porquanto, a despeito da sexualidade – e, logicamente, da
procriação – tradicionalmente ser considerada tema relacionado à maior intimidade
da pessoa, os impactos deletérios sentidos pela humanidade a respeito dos proble‑
mas decorrentes da falta de informação, do aumento descontrolado das famílias, do
adensamento populacional em determinados lugares com a perspectiva de falta de
recursos suficientes para atender às necessidades da população – diante da finitude
dos bens materiais –, entre outros, fizeram com que os Estados tivessem que consi‑
derar a importância do planejamento familiar, e, para tanto, os debates internacionais
foram – como ainda são – de extrema relevância. O Plano de Ação de Cairo, de 1994,
recomenda às nações que adotem uma série de providências com o fim de buscarem
obter certos objetivos, como, por exemplo, o crescimento econômico sustentado, a
educação – particularmente das meninas, a redução da mortalidade neonatal, infan‑
til e materna e o acesso universal e democrático aos serviços de saúde reprodutiva
especialmente de planejamento familiar e de saúde reprodutiva e sexual. Importan‑
te conclusão da Conferência de Cairo se vincula mais proximamente às esferas pes‑
soais do homem e da mulher: às mulheres deve ser reconhecido o direito de liber‑
dade de opção e a responsabilidade social sobre a decisão pertinente ao exercício
da maternidade – com direito à informação e direito a ter acesso aos serviços públi‑
cos para o exercício de tais direitos e responsabilidades reprodutivas –, ao passo que
aos homens devem ser reconhecidas responsabilidades pessoal e social pelos com‑

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portamentos de índole sexual que repercutam na saúde e bem-estar das mulheres
e dos filhos que gerarem com elas. Assim, ambos – homem e mulher podem cons‑
cientemente exercer seus direitos de liberdade sexual, o que implica a assunção de
responsabilidades – deveres – resultantes das consequências do exercício de tais
direitos, notadamente no campo da reprodução humana”.
[ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, voto do min. Celso de Mello, j. 12-4-2012, P, DJE de
30-4-2013.]

Legislação
Declaração e Programa de Ação de Viena/1993 (Conferência Mundial sobre Direitos Humanos promovida
pela ONU)
Capítulo I, item 18 – Capítulo II, B, n. 3, itens 36 e 38
Declaração de Pequim/1995 (Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher)
Capítulo IV, I, item 224

13
Atuação das
congressistas na
Constituinte de
1988
(...) Carta das Mulheres, apresentada pela campanha realizada pelo Conselho Na‑
cional dos Direitos da Mulher (CNDM), na Constituinte de 1988, no encontro nacional
ocorrido em 26 de agosto de 1986, defendeu: “para nós, mulheres, o exercício pleno
da cidadania significa, sim, o direito à representação, à voz e à vez na vida pública,
mas implica, ao mesmo tempo, a dignidade na vida cotidiana, que a lei pode inspi‑
rar e assegurar, o direito à educação, à saúde, à segurança, à vivência familiar sem
traumas. O voto das mulheres traz consigo essa dupla exigência: um sistema político
igualitário e uma vida civil não autoritária”. Quanto ao ponto, importante ressalvar
que a Assembleia Nacional Constituinte contou com a participação de 26 deputadas,
sem representante no Senado.1 A articulação política decisiva das mulheres no esbo‑
ço do desenho constitucional possibilitou o diálogo de atores sociais com o Estado
na busca pela efetiva tutela e promoção dos direitos das mulheres, que resultou na
conquista jurídica da igualdade entre homens e mulheres, acompanhada da não
discriminação por sexo, raça e religião, ampliação dos direitos civis, sociais, políticos
e econômico das mulheres, reconfiguração da participação da mulher no espaço de
decisão da família, proteção no mercado de trabalho e no campo dos direitos sexuais
e reprodutivos.
[ADI 5.617, rel. min. Edson Fachin, voto da min. Rosa Weber, j. 15-3-2018, P, DJE de 3-10-2018.]

1 Cumpre ressalvar que a Assembleia Nacional Constituinte, formada por deputados e senadores
eleitos para o Congresso, tinha a composição por 559 membros. Dentre estes, apenas 26 representaram a
participação política feminina, com 26 deputadas, as quais foram: Abigail Feitosa (PSB/BA), Anna Maria Rattes
(PSDB/RJ), Benedita da Silva (PT/RJ), Beth Azize (PSDB/AM), Bete Mendes (PMDB/SP), Cristina Tavares (PDT/
PE), Dirce Tutu Quadros (PSDB/SP), Eunice Michiles (PFL/AM), Irma Passoni (PT/SP), Lídice da Mata (PCdoB/
BA), Lúcia Braga (PFL/PB), Lúcia Vânia (PMDB/GO), Márcia Kubitschek (PMDB/DF), Maria de Lourdes Abadia
(PSDB/DF), Maria Lúcia (PMDB/AC), Marluce Pinto (PTB/RR), Moema São Thiago (PSDB/CE), Myriam Portella
(PSDB/PI), Raquel Cândido (PDT/RO), Raquel Capiberibe (PSB/AP), Rita Camata (PMDB/ES), Rita Furtado (PFL/
RO), Rose de Freitas (PSDB/ES), Sadie Hauache (PFL/AM), Sandra Cavalcanti (PFL/RJ), Wilma Maia (PDT/RN).

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Ações e
instrumentos
afirmativos
voltados à proteção
da mulher –
Fundamentação
(...) impende ter em mente o amplo reconhecimento do fato de que, uma vez mar‑
cadas, em uma sociedade machista e patriarcal como a nossa, as relações de gênero,
pelo desequilíbrio de poder, a concretização do princípio isonômico (art. 5º, I, da Lei
Maior), nessa esfera – relações de gênero –, reclama a adoção de ações e instrumentos
afirmativos voltados, exatamente, à neutralização da situação de desequilíbrio. Com
efeito, a Constituição expressamente confere à mulher, em alguns dispositivos, tra‑
tamento diferenciado, protetivo, na perspectiva de, nas palavras da ministra Cármen
Lúcia, “acertar, na diferença de cuidado jurídico, a igualação do direito à dignidade
na vida” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade.
Belo Horizonte: Editora Lê, 1990, p. 75). Assim, foi por ter presente a constatação da
história de desfavorecimento à mulher no mercado de trabalho que o constituinte,
no art. 7º, XX, incumbiu o legislador de elaborar mecanismos jurídicos de incentivos
específicos para a proteção do mercado de trabalho da mulher. Da mesma forma,
a Constituição assegura à mulher, no art. 201, § 7°, I e II, aposentadoria com menor
tempo de contribuição e menos idade, em comparação ao homem. E, enquanto o
art. 10, § 1°, do ADCT, disciplinando provisoriamente a licença-paternidade prevista
no art. 7°, XIX, da CF, fixa-lhe a duração de 5 dias, a licença à gestante, nos termos do
art. 7°, XVIII, não será inferior a 120 dias. Entendo que uma efetiva igualdade subs‑
tantiva de proteção jurídica da mulher contra a violência baseada em gênero exige
atuação positiva do legislador, superando qualquer concepção meramente formal
de igualdade, de modo a eliminar os obstáculos, sejam físicos, econômicos, sociais
ou culturais, que impedem a sua concretização. Quando o ponto de partida é uma
situação indesejável de desigualdade de fato, o fim desejado da igualdade jurídica
(art. 5º, caput e I, da CF), materialmente, somente é alcançado ao se conferir aos de‑
siguais tratamento desigual na medida da sua desigualdade. Indivíduos identificados
como especialmente vulneráveis em função do grupo social a que pertencem têm
reconhecido pelo sistema constitucional o direito à proteção do Estado, na forma
de mecanismos eficazes de dissuasão, contra violações da sua integridade pessoal
(Vejam-se, exemplificativamente, os arts. 129, V – populações indígenas; 227, § 1°, II –
portadores de necessidades especiais físicas, sensoriais ou mentais; 230, § 1° – idoso).
Sobre os desafios hermenêuticos apresentados pela urgência na concretização dos
direitos fundamentais demandada na contemporaneidade, têm se debruçado não só
as cortes constitucionais das mais diversas jurisdições nacionais, mas também as
cortes integrantes dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos.

17
Pode-se afirmar que a evolução de praticamente todas as democracias constitucionais
modernas converge para uma compreensão do princípio da igualdade segundo a qual,
na precisa definição da Corte Europeia de Direitos Humanos, “discriminação significa
tratar diferentemente, sem um objetivo e justificativa razoável, pessoas em situação
relevantemente similar” (Willis vs. Reino Unido, § 48, 2002; Okpisz vs. Alemanha, § 33,
2005). Contrario sensu, deixar de tratar diferentemente, sem um objetivo e justifica‑
tiva razoável, pessoas em situação relevantemente diferente, também é discriminar.
[ADC 19, rel. min. Marco Aurélio, voto da min. Rosa Weber, j. 9-2-2012, P, DJE de 29-4-2014.]

Pode-se afirmar, ainda, que a Constituição de 1988 é um marco histórico no proces‑


so de proteção dos direitos e garantias individuais e, por extensão, dos direitos das
mulheres, como podemos constatar nos dispositivos constitucionais que garantem,
entre outras coisas, a proteção à maternidade (arts. 6º e 201, II); a licença à gestante,
sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias (art. 7º, XVIII); a
proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos
termos da lei (art. 7º, XX); a proibição de diferença de salários, de exercício de fun‑
ções e de critério de admissão por motivo de sexo (art. 7º, XXX); o reconhecimento
da união estável (art. 226, § 3º) e como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º); a determinação de que os
direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher (art. 226, § 5º); a constitucionalização do divórcio (art. 226,
§ 6º); o planejamento familiar (art. 226, § 7º) e a necessidade de coibir a violência
doméstica (art. 226, § 8º).
[RE 227.114, voto do rel. min. Joaquim Barbosa, j. 22-11-2011, 2ª T, DJE de 16-2-2012.]

(...) entendo que o art. 100 do Código de Processo Civil é perfeitamente compa‑


tível com a Constituição Federal, que faz uma distinção que me parece louvável,
porque é eminentemente civilizada e digna de todo registro, é a distinção entre
inclusão social e integração comunitária. A Constituição sai em defesa, em socorro
de segmentos sociais historicamente desfavorecidos, por efeito de um renitente, de
um crasso preconceito, como é o caso do segmento das mulheres, dos índios, dos
homoafetivos, dos portadores de necessidades especiais – conforme hoje se diz – e
ela mesma, Constituição, avança preceitos de proteção especial da mulher, dizendo,
logo no art. 5º, I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos ter‑

18
mos desta Constituição”, que não faria sentido esse dispositivo se não fosse por essa
necessidade de corrigir desníveis injustos, preconceituosos, desníveis de gênero.
Já no art. 7º, a Constituição prossegue no seu propósito de conferir um tratamento
diferenciado à mulher, conferindo-lhe uma superioridade jurídica, exatamente como
fórmula compensatória dessas desigualdades experimentadas historicamente. É
por isso que se diz que o mercado de trabalho da mulher será objeto de proteção
e incentivos específicos, nos termos da lei. Trata-se do inciso XX do art. 7º. Depois,
no inciso XXX desse mesmo art. 7º, a Constituição proíbe diferença de salários, de
exercícios de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade ou estado
civil, porque sabemos também historicamente que o mercado de trabalho tende a
desvalorizar a mão de obra feminina, embora se tratando de trabalho igual, factual‑
mente igual com o trabalho masculino. E todos sabem a mulher se aposenta com
cinco anos a menos de contribuição, cinco anos a menos de idade. A Constituição,
sentando praça desse constitucionalismo que eu tenho chamado de fraternal, mas
que é um constitucionalismo, conforme dizem os italianos, altruístico ou solidário,
como está no art. 3º, I.
[RE 227.114, rel. min. Joaquim Barbosa, voto do min. Ayres Britto, j. 22-11-2011, 2ª T, DJE de
16-2-2012.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 3º, I – Art. 5º, caput e I – Art. 6º – Art. 7º, XVIII, XIX, XX e XXX – Art. 129, V – Art. 201, § 7°, I e II – Art. 226,
§ 3º, § 4º, § 5º, § 6º, § 7º e § 8º – Art. 227, § 1°, II – Art. 230, § 1° – Art. 10, §, 1°, do ADCT
Código de Processo Civil/1973
Art. 100

19
Participação
política das
mulheres
Legitimidade das cotas

Os obstáculos para a efetiva participação política das mulheres são ainda mais
graves, caso se tenha em conta que é por meio da participação política que as pró‑
prias medidas de desequiparação são definidas. Qualquer razão que seja utilizada
para impedir que as mulheres participem da elaboração de leis inviabiliza o principal
instrumento pelo qual se reduzem as desigualdades. Em razão dessas barreiras à
plena inclusão política das mulheres, são, portanto, constitucionalmente legítimas
as cotas fixadas em lei a fim de promover a participação política das mulheres, tal
como afirma Flávia Piovesan (...): “observe-se que a Lei 9.504, de 30 de setembro de
1997, ao estabelecer normas para as eleições, dispôs que cada partido ou coligação
deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada
sexo. Anteriormente, a Lei 9.100, de 2 de outubro de 1995, previa uma cota mínima
de 20% das vagas de cada partido ou coligação para a candidatura de mulheres. Tais
comandos normativos estão em absoluta consonância com a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que estabelece
não apenas o dever do Estado de proibir a discriminação, como também o dever de
promover a igualdade, por meio de ações afirmativas. Estas ações constituem me‑
didas especiais de caráter temporário, voltadas a acelerar a igualdade de fato entre
o homem e a mulher (art. 4º da Convenção)”.
[ADI 5.617, voto do rel. min. Edson Fachin, j. 15-3-2018, P, DJE de 3-10-2018.]

Distribuição dos recursos eleitorais

Conforme dispõe o art. 38 da Lei 9.096/1995, os recursos do Fundo Especial de


Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) são constituídos por
multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis
conexas; recursos financeiros que lhe forem destinados por lei; doações de pessoas
físicas ou jurídicas; e dotações orçamentárias da União. Tais recursos são destinados,
nos termos do art. 44 da Lei 9.096, à manutenção das sedes e serviços do partido, à
propaganda doutrinária e política, ao alistamento e às campanhas eleitorais, às fun‑
dações de pesquisa e de doutrinação política e, mais recentemente, aos programas
de promoção e difusão da participação política das mulheres. A consignação desses

21
recursos é feita ao Tribunal Superior Eleitoral, que distribui aos órgãos nacionais dos
partidos, na proporção de sua representação na Câmara dos Deputados (art. 41-A da
Lei 9.096 c/c ADI 5.105, rel. min. Luiz Fux, Pleno, DJE 1º-10-2015). No que tange aos
recursos empregados nas campanhas, os partidos detêm autonomia para distribuí-los,
desde que não transbordem dos estritos limites constitucionais. Em virtude do prin‑
cípio da igualdade, não pode, pois, o partido político criar distinções na distribuição
desses recursos exclusivamente baseadas no gênero. Assim, não há como deixar de
reconhecer como sendo a única interpretação constitucional admissível aquela que
determina aos partidos políticos a distribuição dos recursos públicos destinados à
campanha eleitoral na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, sendo,
em vista do disposto no art. 10, § 3º, da Lei de Eleições, o patamar mínimo o de 30%.
No que tange ao prazo de três eleições fixado pela lei, deve-se ter em conta que o
critério de distribuição de recursos oriundos do Fundo Partidário deve obedecer à
composição das candidaturas e deflui diretamente da cota fixada no art. 10, § 3º, da
Lei de Eleições. Assim, é inconstitucional a fixação de um prazo, porquanto a dis‑
tribuição não discriminatória dos recursos deve perdurar enquanto for justificada a
composição mínima das candidaturas.
[ADI 5.617, voto do rel. min. Edson Fachin, j. 15-3-2018, P, DJE de 3-10-2018.]

Igualdade de gênero

Tal como a paz, não haverá verdadeira democracia enquanto não se talharem
as condições para tornar audíveis as vozes das mulheres na política. (...) É preciso
reconhecer que, ao lado do direito a votar e ser votado, como parte substancial do
conteúdo democrático, a completude é alcançada quando são levados a efeito os
meios à realização da igualdade. Só assim a democracia se mostra inteira. Caso con‑
trário, a letra constitucional apenas alimentará o indesejado simbolismo das intenções
que nunca se concretizam no plano das realidades. A participação das mulheres nos
espaços políticos é um imperativo do Estado e produz impactos significativos para
o funcionamento do campo político, uma vez que ampliação da participação pública
feminina permite equacionar as medidas destinadas ao atendimento das demandas
sociais das mulheres. Há ainda muito a se fazer. Não se pode deixar de reconhecer
que a presença reduzida de mulheres na vida política brasileira “colabora para a

22
reprodução de concepções convencionais do ‘feminino’, que vinculam as mulheres
à esfera privada e/ou dão sentido a sua atuação na esfera pública a partir do seu
papel convencional na vida doméstica” e “coloca água no moinho da reprodução de
posições subordinadas para as mulheres e da naturalização das desigualdades de
gênero” (MOTA, Fernanda Ferreira; BIROLI, Flávia. O gênero na política: a construção
do “feminino” nas eleições presidenciais de 2010”. Cadernos pagu (43), julho-de‑
zembro de 2014, p. 227). Daí por que a atuação dos partidos políticos não pode, sob
pena de ofensa às suas obrigações transformativas, deixar de se dedicar também à
promoção e à difusão da participação política das mulheres.
[ADI 5.617, voto do rel. min. Edson Fachin, j. 15-3-2018, P, DJE de 3-10-2018.]

Destaque-se que uma maior participação feminina no processo político-eleitoral


pode contribuir para a atenuação de outros problemas sociais, como a violência
contra a mulher, para políticas de proteção da maternidade e da primeira infância e
para a redução das desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Quanto a esse
ponto, vale a transcrição de trecho da inicial da Procuradoria-Geral da República:
“real equidade de gênero na política, que dê materialidade ao direito fundamental à
igualdade substantiva entre homens e mulheres, representa, a um só tempo, objetivo
a ser alcançado por políticas públicas transversais, e meio essencial para assegurar
que a definição das ações e prioridades do Estado brasileiro contemple perspectivas
e necessidades da população feminina. Adequada participação feminina nas casas
legislativas, proporcional à sua presença já majoritária na população brasileira e à
relevância dos papéis desempenhados nos âmbitos econômico e social, é essencial
para superar outros entraves à igualdade de gênero. (...) Maior equidade de gênero
na política também possui significativo efeito simbólico e contribui para empodera‑
mento das mulheres e para sua afirmação como sujeitos de direitos na esfera pública,
o que tende a repercutir positivamente também sobre as relações na esfera privada”.
[ADI 5.617, rel. min. Edson Fachin, voto do min. Alexandre de Moraes, j. 15-3-2018, P, DJE
de 3-10-2018.]

23
Necessidade de ações afirmativas para integração das
mulheres na vida político-partidária brasileira

Se, por um lado, o direito ao voto materializou a igualdade, a liberdade ao acesso


da escolha dos representantes políticos, o mesmo não pode ser afirmado quanto ao
espectro das mulheres na qualidade e quantidade de sujeitos ativos no processo de
representação política. No sistema político brasileiro, a Lei 9.504/1997, em seu art. 10,
§ 3º, estabeleceu a chamada cota partidária, ao prescrever que cada partido ou coliga‑
ção deverá observar, para o preenchimento das candidaturas, os patamares mínimo
de 30% e máximo de 70%, de cada sexo. Entretanto, mais de duas décadas depois
de vigência de tal normativa, não se infere do quadro político e eleitoral redução
significativa do déficit de sub-representação feminina. Como afirmado, a lentidão
com que o número de mulheres na política tem crescido demonstra a necessidade
de adoção de métodos mais eficientes para o problema da sub-representação das
mulheres, de modo a realmente alcançar um equilíbrio de gênero na política das
instituições. Essa falha institucional do déficit revela, desde logo, a insuficiência da
cota partidária como única estratégia para a implementação da igualdade de gênero
no sistema político e democrático, exigindo-se a criação de recursos ou mecanismos
coletivos para incrementar a efetividade da própria política afirmativa. (...) A parti‑
cipação feminina no cenário político, seja por medidas administrativas (...), seja no
exercício da jurisdição, via decisões sinalizadoras de posicionamento rigoroso quanto
ao cumprimento das normas que disciplinam ações afirmativas sobre o tema, desde
há muito é objeto de discussão e decisão por parte da Justiça Eleitoral, notadamente
do Tribunal Superior Eleitoral. Nesse sentido, o precedente formado na RP 282-73/DF,
rel. min. Herman Benjamin, julgado em 23-2-2017, pelo Tribunal Superior Eleitoral,
no qual ficou assinalado a interpretação no sentido de que “o incentivo à presença
feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover
e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se
observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igual‑
dade de gênero (art. 5º, caput e I, da CF/1988)”. (...) Por fim, acrescento que as cotas
para o financiamento das campanhas, ao lado das cotas eleitorais, são uma entre
várias medidas que podem ser tomadas para aumentar a representação política das
mulheres na arena democrática. Além das cotas, existem várias estratégias adicionais
disponíveis nos órgãos eleitos. Em geral, os partidos políticos são os guardiões do

24
equilíbrio de gênero na tomada de decisão política porque eles que controlam as
nomeações e diretrizes dos procedimentos internos, de acordo com sua autonomia.
Desse modo, cumpre ainda aos partidos políticos enfrentar os desenhos institucio‑
nais necessários para o fortalecimento da representatividade feminina, sempre em
direção ao alcance de maior eficiência e qualidade democrática.
[ADI 5.617, rel. min. Edson Fachin, voto da min. Rosa Weber, j. 15-3-2018, P, DJE de 3-10-2018.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 5º, caput e I
Lei 9.096/1995
Art. 38 – Art. 41-A – Art. 44, § 5º-A e § 7º
Lei 9.100/1995
Art. 11, § 3º
Lei 9.504/1997
Art. 10, § 3º
Lei 13.165/2015
Art. 9º
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher/1979 (Promulgada pelo
Decreto 4.377/2002)
Artigo 4º

25
Lei Maria
da Penha
Registro histórico da Lei Maria da Penha

Resultado de denúncia apresentada na Comissão Interamericana de Direitos Hu‑


manos contra o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância com relação
à violência contra a mulher, que levou à elaboração – por um grupo interministerial,
a partir de anteprojeto cunhado por organizações não governamentais – do projeto
de lei que culminou na aprovação da Lei 11.340/2006, a chamada Lei Maria da Penha,
o processo de elaboração, discussão e, finalmente, aprovação e vigência dessa lei,
além de ter contado com intensa participação de diversos setores do Estado e da
sociedade civil, resultou do reconhecimento, no plano do sistema regional de pro‑
teção internacional dos direitos humanos, da permanência de uma dívida histórica
do Estado brasileiro em relação à adoção de mecanismos eficazes de prevenção,
combate e punição da violência de gênero. Como é sabido, Maria da Penha é uma
professora universitária de classe média que virou símbolo da violência doméstica
contra a mulher por ter sido vítima, em duas oportunidades, de tentativa de homicídio
por seu marido – também professor universitário, na década de 1980 – a primeira
com um tiro, que a deixou paraplégica, a segunda por afogamento e eletrocussão – e
a punição só veio por interferência de organismos internacionais. Nesse sentido, a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso Maria da Penha vs. Brasil,
considerou o Estado brasileiro responsável por ter falhado com o dever de observân‑
cia das obrigações por ele assumidas – ao tomar parte da Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém
do Pará), de 1994 – de condenar todas as formas de violência contra a mulher, seja
pelo insucesso em agir, seja pela tolerância com a violência. A ineficiência seletiva do
sistema judicial brasileiro, em relação à violência doméstica, foi tida como evidência
de tratamento discriminatório para com a violência de gênero (Cfr. Maria da Penha
vs. Brasil, §§ 55 e 56). Sou das que compartilham do entendimento de que a Lei Maria
da Penha inaugurou uma nova fase no iter das ações afirmativas em favor da mulher
brasileira, consistindo em verdadeiro microssistema de proteção à família e à mulher,
a contemplar, inclusive, norma de direito do trabalho. A Lei 11.340/2006, batizada em
homenagem a Maria da Penha, traduz a luta das mulheres por reconhecimento, consti‑
tuindo marco histórico com peso efetivo, mas também com dimensão simbólica, e que
não pode ser amesquinhada, ensombrecida, desfigurada, desconsiderada. Sinaliza
mudança de compreensão em cultura e sociedade de violência que, de tão comum

27
e aceita, se tornou invisível – “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”,
pacto de silêncio para o qual a mulher contribui, seja pela vergonha, seja pelo medo.
O objetivo da Lei Maria da Penha é coibir e prevenir a violência doméstica e familiar
contra a mulher. Organicamente, insere-se no contexto, iniciado nos anos 1990, de
especialização da legislação em face dos distintos modos de apresentação da violência
na sociedade, com frequente amparo em dados estatísticos. Assim como, para ficar
com apenas alguns exemplos dessa tendência normativa, o Estatuto da Criança e
do Adolescente trata de forma especializada da violência contra a criança, o Código
de Defesa do Consumidor consiste na especialização do tratamento de uma espécie
de violência contra o consumidor, e o Código de Trânsito enfrenta a especialidade da
violência no trânsito, na mesma linha identificam-se abordagens especializadas de
diferentes formas de violência no Estatuto do Idoso, na Lei de Crimes Ambientais e,
por fim, na Lei Maria da Penha.
[ADC 19, rel. min. Marco Aurélio, voto da min. Rosa Weber, j. 9-2-2012, P, DJE de 29-4-2014.]

Violência doméstica contra a mulher – circunstância e


estatística

Eis um caso a exigir que se parta do princípio da realidade, do que ocorre no dia
a dia quanto à violência doméstica, mais precisamente a violência praticada contra a
mulher. Os dados estatísticos são alarmantes. Na maioria dos casos em que perpetra‑
da lesão corporal de natureza leve, a mulher, agredida, a um só tempo, física e moral‑
mente, acaba, talvez ante óptica assentada na esperança, por afastar a representação
formalizada, isso quando munida de coragem a implementá-la. Conforme ressaltado
na inicial, confeccionada com o desejável esmero, dados estatísticos demonstram
que o percentual maior é de renúncia à representação, quer deixando-se de ter a
iniciativa, quer afastando-a do cenário jurídico. Stela Cavalcanti, em Violência domés-
tica – análise da Lei Maria da Penha, aponta que o índice de renúncia chega a alcançar
90% dos casos. Iniludivelmente, isso se deve não ao exercício da manifestação livre
e espontânea da vítima, mas ao fato de vislumbrar uma possibilidade de evolução
do agente, quando, na verdade, o que acontece é a reiteração de procedimento e,
pior, de forma mais agressiva ainda em razão da perda dos freios inibitórios e da
visão míope de que, tendo havido o recuo na agressão pretérita, o mesmo ocorrerá

28
na subsequente. Os dados estatísticos são assombrosos relativamente à progres‑
são nesse campo, vindo a desaguar, inclusive, em prática que provoque a morte da
vítima. Sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as agressões físicas não vêm,
na maioria dos casos, de fora. Estão em casa, não na rua. Consubstanciam evento
decorrente de dinâmicas privadas, o que, evidentemente, não reduz a gravidade do
problema, mas a aprofunda, no que acirra a situação de invisibilidade social. Na maior
parte dos assassinatos de mulheres, o ato é praticado por homens com quem elas
mantiveram ou mantêm relacionamentos amorosos. Compõe o contexto revelador
da dignidade humana o livre agir, a definição das consequências de certo ato. Essa
premissa consubstancia a regra, mas, para confirmá-la, existe a exceção. Por isso
mesmo, no âmbito penal, atua o Ministério Público, na maioria dos casos, sem que
se tenha como imprescindível representação, bastando a notícia do crime. No tocan‑
te à violência doméstica, há de considerar-se a necessidade da intervenção estatal.
Conforme mencionado na peça primeira desta ação, no Informe 54/2001 da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, em
análise sintomática da denúncia formalizada por Maria da Penha Maia Fernandes,
assentou-se que o Brasil violara os direitos às garantias judiciais e à proteção judi‑
cial da peticionária, considerada violência que se apontou como a encerrar padrão
discriminatório, tolerando-se a ocorrência no meio doméstico. Então, recomendou-
-se que prosseguisse o processo de reformas visando evitar a tolerância estatal e
o tratamento discriminatório relativo à violência doméstica contra as mulheres. Foi
justamente essa condenação de insuplantável teor moral que levou o País a editar
a denominada Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006 –, que, no art. 1º, trouxe à balha
o seguinte: “esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação
de violência doméstica e familiar”.
[ADI 4.424, voto do rel. min. Marco Aurélio, j. 9-2-2012, P, DJE de 1º-8-2014.]

29
A trajetória para a consolidação dos direitos da mulher

O longo itinerário histórico percorrido pelo processo de reconhecimento, afirmação


e consolidação dos direitos da mulher, seja em nosso País, seja no âmbito da comuni‑
dade internacional, revela trajetória impregnada de notáveis avanços, cuja significação
teve o elevado propósito de repudiar práticas sociais que injustamente subjugavam a
mulher, suprimindo-lhe direitos e impedindo-lhe o pleno exercício dos múltiplos papéis
que a moderna sociedade, hoje, lhe atribui, por legítimo direito de conquista. Esse
movimento feminista – que fez instaurar um processo de inegável transformação de
nossas instituições sociais – buscou, na perspectiva concreta de seus grandes objetivos,
estabelecer um novo paradigma cultural, caracterizado pelo reconhecimento e pela
afirmação, em favor das mulheres, da posse de direitos básicos fundados na essencial
igualdade entre os gêneros. Todos sabemos, (...) sem desconhecer o relevantíssimo
papel pioneiro desempenhado, entre nós, no passado, por Carlota Pereira de Queiroz,
Nísia Floresta, Bertha Lutz, Chiquinha Rodrigues e Maria Augusta Saraiva, dentre outros
grandes vultos brasileiros do processo de afirmação da condição feminina, que, nota‑
damente a partir da década de 1960, verificou-se um significativo avanço na discussão
de temas intimamente ligados à situação da mulher, registrando-se, no contexto desse
processo histórico, uma sensível evolução na abordagem das questões de gênero, de
que resultou, em função de um incessante movimento de caráter dialético, a superação
de velhos preconceitos culturais e sociais, que impunham, arbitrariamente, à mulher,
mediante incompreensível resistência de natureza ideológica, um inaceitável trata‑
mento discriminatório e excludente, que lhe negava a possibilidade de protagonizar,
como ator relevante, e fora do espaço doméstico, os papéis que até então lhe haviam
sido recusados. Dentro desse contexto histórico, a mística feminina, enquanto sinal
visível de um processo de radical transformação de nossos costumes, teve a virtude,
altamente positiva, consideradas as adversidades enfrentadas pela mulher, de signi‑
ficar uma decisiva resposta contemporânea aos gestos de profunda hostilidade, que,
alimentados por uma irracional sucessão de fundamentalismos – quer os de caráter
teológico, quer os de índole política, quer, ainda, os de natureza cultural –, todos eles
impregnados da marca da intolerância e que culminaram, em determinada etapa de
nosso processo social, por subjugar, injustamente, a mulher, ofendendo-a em sua ina‑
lienável dignidade e marginalizando-a em sua posição de pessoa investida de plenos
direitos, em condições de igualdade com qualquer representante de gênero distinto.

30
Cabe ter presente, bem por isso, neste ponto, ante a sua extrema importância, a Decla‑
ração e Programa de Ação de Viena, adotados pela Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos promovida pela Organização das Nações Unidas (1993), na passagem em que
esse instrumento, ao reconhecer que os direitos das mulheres, além de inalienáveis,
“constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais” (Capítulo I,
item n. 18), deu expressão prioritária à “plena participação das mulheres, em condições
de igualdade, na vida política, civil, econômica, social e cultural nos níveis nacional,
regional e internacional (...)” (Capítulo I, item n. 18). Foi com tal propósito que a Con‑
ferência Mundial sobre Direitos Humanos instou, de modo particularmente expressivo,
que “as mulheres tenham pleno e igual acesso aos direitos humanos e que esta seja
uma prioridade para os governos e as Nações Unidas”, enfatizando, ainda, “a impor‑
tância da integração e plena participação das mulheres como agentes e beneficiárias
do processo de desenvolvimento (...)”, tudo isso com a finalidade de pôr em relevo a
necessidade “de se trabalhar no sentido de eliminar todas as formas de violência contra
as mulheres na vida pública e privada, de eliminar todas as formas de assédio sexual,
exploração e tráfico de mulheres, de eliminar preconceitos sexuais na administração da
justiça e de erradicar quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos da mulher
e as consequências nocivas de determinadas práticas tradicionais ou costumeiras, do
preconceito cultural e do extremismo religioso” (Capítulo II, B, n. 3, itens n. 36 e 38).
Esse mesmo compromisso veio a ser reiterado na Declaração de Pequim, adotada na
IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na capital da República Popular da
China (1995), quando, uma vez mais, proclamou-se que práticas e atos de violência “são
incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser combatidos
e eliminados”, conclamando-se os governos à urgente adoção de medidas destinadas
a combater e a eliminar todas as formas de violência e de constrangimento “contra a
mulher na vida privada e pública, quer perpetradas ou toleradas pelo Estado ou pessoas
privadas” (Plataforma de Ação, Cap. IV, I, item n. 224), especialmente quando tais atos
traduzirem abuso de poder (...). Essa função de tutela dos direitos da mulher, muitas
vezes transgredidos por razões de inadmissível preconceito de gênero, é desempenha‑
da, no contexto do sistema interamericano, pela Convenção Interamericana celebrada,
em Belém do Pará (1996), com o objetivo de prevenir, punir e erradicar toda forma de
desrespeito à mulher, notadamente na hipótese de violência física, sexual e psicológica
“ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa (...)” (Artigo 2, B). Veja-se,
pois, considerados todos os aspectos que venho de ressaltar, que o processo de afir‑

31
mação da condição feminina há de ter, no direito, não um instrumento de opressão,
mas uma fórmula de libertação destinada a banir, definitivamente, da práxis social, a
deformante matriz ideológica que atribuía, à dominação patriarcal, um odioso estatuto
de hegemonia capaz de condicionar comportamentos, de moldar pensamentos e de
forjar uma visão de mundo absolutamente incompatível com os valores desta Repúbli‑
ca, fundada em bases democráticas e cuja estrutura se acha modelada, dentre outros
signos que a inspiram, pela igualdade de gênero e pela consagração dessa verdade
evidente (a ser constantemente acentuada), expressão de um autêntico espírito ilumi‑
nista, que repele a discriminação e que proclama que homens e mulheres, enquanto
seres integrais e concretos, são pessoas igualmente dotadas de razão, de consciência
e de dignidade. O Brasil, fiel aos compromissos assumidos na ordem internacional e
reconhecendo que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, de pressões,
de opressão e de constrangimentos, tanto na esfera pública quanto no âmbito privado,
veio a editar a Lei 11.340/2006, a denominada Lei Maria da Penha, que criou mecanismos
destinados a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. (...) Entendo (...)
que o advento da Lei Maria da Penha significou uma expressiva tomada de posição
por parte do Estado brasileiro, fortemente estimulado, no plano ético, jurídico e social,
pelo valor primordial que se forjou no espírito e na consciência de todos em torno do
princípio básico que proclama a essencial igualdade entre os gêneros, numa evidente
e necessária reação do ordenamento positivo nacional contra situações concretas de
opressão, de degradação, de discriminação e de exclusão que têm provocado, histo‑
ricamente, a injusta marginalização da mulher.
[ADI 4.424, rel. min. Marco Aurélio, voto do min. Celso de Mello, j. 9-2-2012, P, DJE de
1º-8-2014.]

Intervenção estatal nos casos de violência doméstica – ação


penal pública incondicionada – interpretação conforme à
Constituição

(...) não bastasse a situação de notória desigualdade considerada a mulher, aspec‑


to suficiente a legitimar o necessário tratamento normativo desigual, tem-se como
base para assim se proceder a dignidade da pessoa humana – art. 1º, III –, o direito
fundamental de igualdade – art. 5º, I – e a previsão pedagógica segundo a qual a lei

32
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais –
art. 5º, XLI. A legislação ordinária protetiva está em fina sintonia com a Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, no que revela
a exigência de os Estados adotarem medidas especiais destinadas a acelerar o pro‑
cesso de construção de um ambiente onde haja real igualdade entre os gêneros. Há
também de se ressaltar a harmonia dos preceitos com a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a Convenção de Belém do
Pará –, no que mostra ser a violência contra a mulher uma ofensa aos direitos huma‑
nos e a consequência de relações de poder historicamente desiguais entre os sexos.
(...) Sob o ângulo constitucional explícito, tem-se como dever do Estado assegurar a
assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos
para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não se coaduna com a razoabi‑
lidade, não se coaduna com a proporcionalidade, deixar a atuação estatal a critério
da vítima, a critério da mulher, cuja espontânea manifestação de vontade é cerceada
por diversos fatores da convivência no lar, inclusive a violência a provocar o receio,
o temor, o medo de represálias. Esvazia-se a proteção, com flagrante contrariedade
ao que previsto na Constituição Federal, especialmente no § 8º do respectivo art. 226,
no que admitido que, verificada a agressão com lesão corporal leve, possa a mulher,
depois de acionada a autoridade policial, atitude que quase sempre provoca retaliação
do agente autor do crime, vir a recuar e a retratar-se em audiência especificamente
designada com tal finalidade, fazendo-o – e ao menos se previu de forma limitada
a oportunidade – antes do recebimento da denúncia, condicionando-se, segundo o
preceito do art. 16 da lei em comento, o ato à audição do Ministério Público. Deixar
a cargo da mulher autora da representação a decisão sobre o início da persecução
penal significa desconsiderar o temor, a pressão psicológica e econômica, as ameaças
sofridas, bem como a assimetria de poder decorrente de relações histórico-culturais,
tudo a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogação da situação de
violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implica relevar os graves
impactos emocionais impostos pela violência de gênero à vítima, o que a impede de
romper com o estado de submissão. (...) Descabe interpretar a Lei Maria da Penha
de forma dissociada do Diploma Maior e dos tratados de direitos humanos ratifica‑
dos pelo Brasil, sendo estes últimos normas de caráter supralegal também aptas a
nortear a interpretação da legislação ordinária. Não se pode olvidar, na atualidade,
uma consciência constitucional sobre a diferença e sobre a especificação dos sujei‑

33
tos de direito, o que traz legitimação às discriminações positivas voltadas a atender
as peculiaridades de grupos menos favorecidos e a compensar desigualdades de
fato, decorrentes da cristalização cultural do preconceito. (...) Procede às inteiras o
pedido formulado pelo procurador-geral da República, buscando-se o empréstimo
de concretude maior à Constituição Federal. Deve-se dar interpretação conforme à
Carta da República aos arts. 12, I; 16; e 41 da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – no
sentido de não se aplicar a Lei 9.099/1995 aos crimes glosados pela lei ora discutida,
assentando-se que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que consideradas de
natureza leve, praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, atua-se mediante
ação penal pública incondicionada. (...) Representa a Lei Maria da Penha elevada ex‑
pressão da busca das mulheres brasileiras por igual consideração e respeito. Protege
a dignidade da mulher, nos múltiplos aspectos, não somente como um atributo inato,
mas como fruto da construção realmente livre da própria personalidade. Contribui
com passos largos no contínuo caminhar destinado a assegurar condições mínimas
para o amplo desenvolvimento da identidade do gênero feminino.
[ADI 4.424, voto do rel. min. Marco Aurélio, j. 9-2-2012, P, DJE de 1º-8-2014.]
= ARE 773.765 RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 3-4-2014, P, DJE de 28-4-2014, Tema 713
= ADC 19, rel. min. Marco Aurélio, j. 9-2-2012, P, DJE de 29-4-2014

Inaplicabilidade do princípio da insignificância

Lesão corporal. Violência doméstica. Pretensão de aplicação do princípio da insig‑


nificância: impossibilidade. (...) Para incidência do princípio da insignificância devem
ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, a mínima
ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão
jurídica causada. Na espécie vertente, não se pode aplicar ao recorrente o princípio
pela prática de crime com violência contra a mulher. O princípio da insignificância
não foi estruturado para resguardar e legitimar condutas desvirtuadas, mas para
impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito
penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal,
notadamente quando exercidos com violência contra a mulher, devido à expressiva

34
ofensividade, periculosidade social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídi‑
ca causada, perdem a característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal.
[RHC 133.043, rel. min. Cármen Lúcia, j. 10-5-2016, 2ª T, DJE de 23-5-2016.]

Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade


por restritiva de direitos

Crime de lesão corporal leve praticada no âmbito doméstico. (...) Substituição da


pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (...) Inviabilidade. Delito come‑
tido com violência à pessoa. (...) O art. 129, § 9º, do Código Penal foi alterado pela
Lei 11.340/2006. A Lei Maria da Penha reconhece o fenômeno da violência doméstica
contra a mulher como uma forma específica de violência e, diante disso, incorpora
ao direito instrumentos que levam em consideração as particularidades que lhe são
inerentes. Na dicção do inciso I do art. 44 do Código Penal, as penas restritivas de
direitos substituem a privativa de liberdade, quando “aplicada pena privativa de
liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo”.
Inobstante a pena privativa de liberdade aplicada tenha sido inferior a quatro anos,
a violência engendrada pelo paciente contra a vítima, no contexto das relações do‑
mésticas, obstaculiza a concessão do benefício do art. 44 do Código Penal.
[HC 131.219, rel. min. Rosa Weber, j. 10-5-2016, 1ª T, DJE de 13-6-2016.]

(...) a Lei Maria da Penha – como bem salientou a ministra Rosa Weber – regula‑
mentou de forma diferente o tratamento de violência ou grave ameaça contra as
mulheres. Há toda uma proteção especial – irretratabilidade, não aplicação da Lei
9.099 e adoção de medidas protetivas, cuja execução ainda precisa ser aprimorada.
A ratio dessa nova legislação é punir de forma exemplar, independentemente do
quantum da pena (...). Observe-se que o fato de a Lei Maria da Penha obstar a in‑
cidência da Lei 9.099 demonstra que o legislador não quis, nesses casos, afastar a
pena privativa de liberdade se a conduta foi praticada com violência ou grave amea‑
ça. Em outras palavras, a ratio da Lei 9.099 é afastar a pena privativa de liberdade,

35
ao passo que a da Lei Maria da Penha é punir, mesmo nos casos de contravenção,
como forma de prevenção.
[HC 137.888, rel. min. Rosa Weber, voto do min. Alexandre de Moraes, j. 31-10-2017,
1ª T, DJE de 21-2-2018.]

A violência doméstica contra a mulher e seu status de violação


dos direitos humanos

Extraio (...) que a Lei Fundamental, por seu art. 226, § 8º, consagra vetor hermenêu‑
tico de proteção – verdadeira imposição constitucional de agir, por parte do Estado,
ante a adoção de “mecanismos para coibir a violência no âmbito” da família, com
especial atenção àquela praticada, em qualquer de suas formas e graus, contra a
mulher. E não poderia ser diferente, observado o conteúdo do art. 6º da Lei Maria da
Penha, a alçar ao status de violação dos direitos humanos a violência doméstica e
familiar contra a mulher, violência essa que não se reduz ou circunscreve ao conceito
de lesão corporal, a teor do art. 5º do diploma legal em apreço. Ao contrário, sensível
ao reconhecimento de que a violência contra a mulher comporta natureza específica,
inserta em um contexto que lhe é próprio, a Lei Maria da Penha contempla, com cla‑
reza solar, ampliação do conceito dessa particular e penosa forma de agressão, açam‑
barcada “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, nos âmbitos
doméstico e familiar, independentemente do convívio entre agressor e ofendida, bem
como da orientação sexual dos envolvidos (art. 5º, I, II, III e parágrafo único, da Lei
11.340/2006). Inesgotáveis os justos motivos de tal ampliação legislativa, a qual, sem
dúvida, assenta sempre presente a violência, de todo despiciendo perquirir, para fins
de incidência do regramento repressivo, acerca da intensidade da agressão. Não se
comportam, agressor e vítima, em situação que lhes permita indiferença, porquanto,
ao menos em algum momento da vida – e a lei não exige de modo diverso –, com‑
partilharam afetividade. Tal particularidade faz com que a violência, muitas das vezes
praticada de forma sub-reptícia e iterativa, não se esgote ao final da desavença ou da
agressão, como soe ocorrer quando a contenda se dá entre pessoas desconhecidas.
É dizer, a violência contra a mulher – mormente porque praticada no seu espaço de
convívio, no bojo da sua família, tendo por agressor pessoa com quem teve relação

36
de afeto – se entranha, de modo inexorável e muitas vezes indelével, entristecendo-
-lhe a alma e afetando-lhe o psicológico, a ponto de afetar-lhe a dignidade humana.
(...) Bem destaca Flávia Piovesan as inovações introduzidas no ordenamento jurídico
ao advento da Lei Maria da Penha, entre as quais: (i) a mudança de paradigma no
combate à violência contra a mulher, antes entendida sob à ótica da infração penal
de menor potencial ofensivo, e, hodiernamente, como afronta a direitos humanos,
na exata dicção do art. 6º do referido diploma legal (“A violência doméstica e familiar
contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”); e (ii) o
inegável e imperioso reforço do papel repressivo da pena (...). (...) Assim, em alinho
ao magistério doutrinário, bem como em respeito ao vetor hermenêutico indicado
por esta Suprema Corte (ADC 19), entendo que se deva emprestar o maior alcance
possível à legislação tendente a coibir a violência doméstica e familiar, como forma
de evitar retrocessos sociais e institucionais na proteção das vítimas, avanço con‑
quistado de modo árduo, na luta pela superação do sofrimento da mulher, muitas
vezes experimentado em silêncio – no recôndito do lar, do seio familiar e da alma,
agredida exatamente por aquele com quem divide o “teto” e dedica o afeto. (...)
Ressalto, ademais, no contexto das conquistas pela dignidade humana da mulher, a
adoção, em 1993, da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, pela
Organização das Nações Unidas (ONU), bem como, junto à Organização dos Estados
Americanos (OEA), a aprovação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção do Belém do Pará), ratificada pelo
Brasil em 1995. Compreendo, assim, o sistema protetivo da Lei 11.340/2006 – de nítido
cariz constitucional e fortemente amparado em diplomas internacionais – de modo a
lhe emprestar amplitude e sentido que obstaculizem a reinserção da violência contra a
mulher na ambiência da legislação própria às infrações de menor potencial ofensivo,
sem o que não se concretizará o comando do art. 226, § 8º, da Lei Maior.
[HC 137.888, voto da rel. min. Rosa Weber, j. 31-10-2017, 1ª T, DJE de 21-2-2018.]

A Lei Maria da Penha, que “cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher”, qualifica-se, segundo entendo, como legítimo instrumento
de efetivação e de realização concretizadora dos grandes princípios nela consagrados,
em especial a determinação do que se contêm no art. 226, § 8º, de nossa Lei Fun‑
damental, cujo texto impõe, ao Estado, o dever de coibir a violência no âmbito das
relações familiares. A decisão proferida por esta Corte na ADI 4.424/DF representou

37
marco importante na concretização de um dos tópicos mais relevantes e sensíveis
da agenda dos direitos humanos em nosso País, pois se revestem de imenso signi‑
ficado as consequências positivas que resultaram daquele julgamento, fortalecendo
e conferindo maior eficácia aos direitos básicos da mulher, em especial da mulher
vítima de violência, e tornando efetiva a reação do Estado na prevenção e repressão
aos atos criminosos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
[Inq 3.156, rel. p/ o ac. min. Teori Zavascki, voto do min. Celso de Mello, j. 5-12-2013, P,
DJE de 24-3-2014.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 1º, III – Art. 5º, I e XLI – Art. 129, I – Art. 226, § 8º
Código Penal/1940
Art. 44 – Art. 129, § 9º, redação dada pela Lei 11.340/2006
Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)
Art. 1º – Art. 5º – Art. 6º – Art. 7º – Art. 12, I – Art. 16 – Art. 33 – Art. 41
Declaração e Programa de Ação de Viena/1993 (Conferência Mundial sobre Direitos Humanos promovida pela
ONU)
Capítulo I, item 18 – Capítulo II, B, n. 3, itens 36 e 38
Convenção de Belém do Pará/1994 (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher, promulgada pelo Decreto 1.973/1996)
Artigo 2, B
Declaração de Pequim/1995 (Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher)
Capítulo IV, D, itens 112, 113, 117, 118 e 121 – Capítulo IV, I, item 224
Relatório 54/2001 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Organização dos Estados Americanos
(caso 12.051 – Maria da Penha Maia Fernandes vs. Brasil)
§ 55 e § 56

38
Mães e
gestantes presas
preventivamente –
Conversão em
prisão domiciliar
Cultura do encarceramento versus proteção de mulheres
grávidas e mães de crianças

Mulheres grávidas ou com crianças sob sua guarda. Prisões preventivas cumpridas
em condições degradantes. Inadmissibilidade. Privação de cuidados médicos pré-
-natal e pós-parto. Falta de berçários e creches. ADPF 347 MC/DF. Sistema prisional
brasileiro. Estado de coisas inconstitucional. Cultura do encarceramento. Necessidade
de superação. Detenções cautelares decretadas de forma abusiva e irrazoável. Inca‑
pacidade do Estado de assegurar direitos fundamentais às encarceradas. Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio e de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Regras
de Bangkok. Estatuto da Primeira Infância. Aplicação à espécie. Ordem concedida.
Extensão de ofício. (...) Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em
que mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido
legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preven‑
tiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto,
inexistindo, outrossim berçários e creches para seus filhos. “Cultura do encarceramen‑
to” que se evidencia pela exagerada e irrazoável imposição de prisões provisórias a
mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e apli‑
cação da lei penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de
outras soluções, de caráter humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente.
Quadro fático especialmente inquietante que se revela pela incapacidade de o Estado
brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo às mulheres
que não estão em situação prisional, como comprova o caso Alyne Pimentel, julgado
pelo Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
das Nações Unidas. Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio n. 5 (melhorar
a saúde materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n. 5 (alcançar a
igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da ONU, ao
tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o pleito
formulado na impetração. Incidência de amplo regramento internacional relativo a
direitos humanos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser
priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarcera‑
mento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória
transitada em julgado. Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela,

40
mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da
prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina
que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes. Quadro descrito nos
autos que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância, em especial
da nova redação por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal.
Acolhimento do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitrariedade judicial
quanto a sistemática exclusão de direitos de grupos hipossuficientes, típica de sistemas
jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais. Ordem
concedida para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem
prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319
do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e
deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas
com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste
processo pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e outras autoridades
estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados
por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda,
em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas
pelos juízes que denegarem o benefício. Extensão da ordem de ofício a todas as de‑
mais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com
deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica
situação no território nacional, observadas as restrições acima.
[HC 143.641, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 20-2-2018, 2ª T, DJE de 9-10-2018.]
= HC 142.279, rel. min. Gilmar Mendes, j. 20-6-2017, 2ª T, DJE de 18-8-2017
= HC 134.734, rel. min. Celso de Mello, j. 4-4-2017, dec. monocrática, DJE de 7-4-2017
Vide RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, j. 11-5-2016, P, DJE de 1º-8-2016, Tema 423

Dados a respeito do encarceramento de mulheres no Brasil

(...) segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN


Mulheres (Brasília: Departamento Penitenciário Nacional – Ministério da Justiça, ju‑
nho/2017), “a população absoluta de mulheres encarceradas no sistema penitenciário
cresceu 567% entre os anos 2000 e 2014”, incremento muito superior ao da popula‑
ção masculina, que ainda assim aumentou exagerados 220% no mesmo período, a

41
demonstrar a tendência geral de aumento do encarceramento no Brasil (INFOPEN
Mulheres, p. 10). Especificamente no tocante à prisão provisória, “enquanto 52% das
unidades masculinas são destinadas ao recolhimento de presos provisórios, apenas
27% das unidades femininas têm esta finalidade”, apesar de 30,1% da população pri‑
sional feminina ser provisória (INFOPEN Mulheres, p. 18-20). Mais graves, porém, são
os dados sobre infraestrutura relativa à maternidade no interior dos estabelecimentos
prisionais, sobre os quais cabe apontar que: (i) nos estabelecimentos femininos,
apenas 34% dispõem de cela ou dormitório adequado para gestantes, apenas 32%
dispõem de berçário ou centro de referência materno-infantil e apenas 5% dispõem
de creche (INFOPEN Mulheres, p. 18-19); (ii) nos estabelecimentos mistos, apenas 6%
das unidades dispõem de espaço específico para a custódia de gestantes, apenas 3%
dispõem de berçário ou centro de referência materno-infantil e nenhum dispõe de
creche (INFOPEN Mulheres, p. 18-19). Esses números são ainda mais preocupantes
se considerarmos que 89% das mulheres presas têm entre 18 e 45 anos (INFOPEN
Mulheres, p. 22), ou seja, em idade em que há grande probabilidade de serem ges‑
tantes ou mães de crianças. Infelizmente, o INFOPEN Mulheres não informa quantas
apresentam, efetivamente, tal condição. Outro dado de fundamental interesse diz
respeito ao fato de que 68% das mulheres estão presas por crimes relacionados ao
tráfico de entorpecentes, delitos que, na grande maioria dos casos, não envolvem
violência nem grave ameaça a pessoas, e cuja repressão recai, não raro, sobre a
parcela mais vulnerável da população, em especial sobre os pequenos traficantes,
quase sempre mulheres, vulgarmente denominadas de “mulas do tráfico” (SOARES,
B. M. e ILGENFRITZ, I. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro:
Garamond, 2002). Nesses casos, quase sempre, como revelam os estudos espe‑
cializados, a prisão preventiva se mostra desnecessária, já que a prisão domiciliar
prevista no art. 318 pode, com a devida fiscalização, impedir a reiteração criminosa.
[HC 143.641, voto do rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 20-2-2018, 2ª T, DJE de 9-10-2018.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 5º, II, XLI, XLV, XLVIII, XLIX, L – Art. 227
Código de Processo Penal/1941
Art. 318, IV e V – Art. 319

42
Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal)
Art. 14, § 3º – Art. 83, § 2º – Art. 89
Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)
Art. 2º – Art. 8º – Art. 9º
Convenção Americana sobre Direitos Humanos/1969 (Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto
678/1992)
Artigo 25

43
Pesquisas com
células-tronco
embrionárias –
Liberdade de
implantação
dos embriões
excedentes
(...) o emprego de tais células-tronco embrionárias para os fins da Lei de Biosse‑
gurança tem entre os seus requisitos a expressa autorização do casal produtor do
espermatozoide e do óvulo afinal fecundado. Fecundado em laboratório ou por um
modo artificial – também já foi ressaltado –, mas sem que os respectivos doadores
se disponham a assumi-los como experimento de procriação própria, ou alheia. Pelo
que não se cuida de interromper gravidez humana, pois assim como nenhuma mulher
se acha “mais ou menos grávida” (a gravidez é radical, no sentido de que ou já é fato
consumado, ou dela não se pode cogitar), também assim nenhum espécime feminino
engravida à distância. Por controle remoto: o embrião do lado de lá do corpo, em tubo
de ensaio ou coisa que o valha, e a gravidez do lado de cá da mulher. Com o que deixa
de haver o pressuposto de incidência das normas penais criminalizadoras do aborto
(até porque positivadas em época (1940) muito anterior às teorias e técnicas de ferti‑
lização humana in vitro). (...) Tudo isso, em verdade, tenho como inexcedível modelo
jurídico de planejamento familiar para o concreto exercício de uma paternidade ou
procriação responsável. Modelo concebido diretamente pela Constituição brasileira, de
que este Supremo Tribunal Federal é o guardião-mor. Despontando claro que se trata
de paradigma perfeitamente rimado com a tese de que não se pode compelir nenhum
casal ao pleno aproveitamento de todos os embriões sobejantes (excedentários) dos
respectivos propósitos reprodutivos. Até porque tal aproveitamento, à revelia do ca‑
sal, seria extremamente perigoso para a vida da mulher que passasse pela desdita de
uma compulsiva nidação de grande número de embriões (a gestante a ter que aceitar
verdadeira ninhada de filhos de uma só vez). Imposição, além do mais, que implicaria
tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito
fundamental que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição, litteris: “ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Sem meias palavras,
tal nidação compulsória corresponderia a impor às mulheres a tirania patriarcal de
ter que gerar filhos para os seus maridos ou companheiros, na contramão do notável
avanço cultural que se contém na máxima de que “o grau de civilização de um povo
se mede pelo grau de liberdade da mulher” (Charles Fourier).
[ADI 3.510, rel. min. Ayres Britto, j. 29-5-2008, P, DJE de 28-5-2010.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Preâmbulo – Art. 5º, caput e II – Art. 226, § 7º

45
Aborto de feto
anencéfalo –
Liberdade,
autonomia e
dignidade da
mulher
(...) busca-se, no presente habeas corpus, a tutela da liberdade de opção da mu‑
lher em dispor de seu próprio corpo no caso específico em que traz em seu ventre
um feto cuja vida independente extrauterina é absolutamente inviável. Portanto, é
importante frisar, não se discute nos presentes autos a ampla possibilidade de se
interromper a gravidez. A questão aqui é bem diferente, pois se refere à interrupção
de uma gravidez que está fadada ao fracasso, pois seu resultado, ainda que venham
a ser envidados todos os esforços possíveis, será, invariavelmente, a morte do feto.
(...) No momento, a tarefa desta Corte é justamente esta: é preciso fornecer uma
resposta rápida e precisa para essa mãe, a fim de que, a par de todo seu sofrimento
pessoal, não tenha ela de se preocupar com a possível criminalidade de sua conduta.
(...) o ato que interrompe a gestação configurará o crime de aborto descrito no art. 124
do Código Penal quando tiver como resultado prático a subtração da vida do feto,
sendo este elemento (morte do feto) indissociável do delito ali tipificado. Contudo,
o legislador, no campo da exclusão de ilicitude, trouxe duas exceções a essa regra
do art. 124 do Código Penal. No primeiro caso, quando a vida da mãe estiver em
perigo – aborto necessário (art. 128, I). No segundo caso, quando a honra da mãe
for violada de tal forma que torne insustentável para ela a manutenção da gravidez –
aborto sentimental (art. 128, II). Em ambos os casos, é preciso ressaltar, a lei apenas
exclui a ilicitude da conduta. Ou seja, a norma permite que a mãe decida se quer
continuar com a gestação, não punindo sua conduta caso ela opte pela interrupção
da gravidez. É certo que, no caso de risco de vida para a mãe, muitas vezes não há
tempo hábil para ela fazer tal escolha, mas isso não vem ao caso neste momento. O
que é imprescindível repisar é que a lei preserva o direito de escolha da mulher, não
atentando para a viabilidade ou inviabilidade do feto. Estamos, portanto, diante de
uma tutela jurídica expressa da liberdade e da autonomia privada da mulher. Veja-
-se: a lei não determina que nesse ou naquele caso o aborto deva necessariamente
ocorrer. A norma penal chancela a liberdade da mulher de optar pela continuidade
ou pela interrupção da gestação. E, neste caso, não incrimina sua conduta. Em se
tratando de feto com vida extrauterina inviável, a questão que se coloca é: não há
possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno,
pois, qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento em que se
interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto
ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica
da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em sua pers‑

47
pectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção
da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser considerada crime? Entendo
que não (...). Isso porque, ao proceder à ponderação entre os valores jurídicos tute‑
lados pelo direito, a vida extrauterina inviável e a liberdade e autonomia privada da
mulher, entendo que, no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve
prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus
interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal.
(...) em casos de malformação fetal que leve à impossibilidade de vida extrauterina,
uma interpretação que tipifique a conduta como aborto (art. 124 do Código Penal)
estará sendo flagrantemente desproporcional em comparação com a tutela legal
da autonomia privada da mulher, consubstanciada na possibilidade de escolha de
manter ou de interromper a gravidez, nos casos previstos no Código Penal. Em outras
palavras, dizer-se criminosa a conduta abortiva, para a hipótese em tela, leva ao enten‑
dimento de que a gestante cujo feto seja portador de anomalia grave e incompatível
com a vida extrauterina está obrigada a manter a gestação. Esse entendimento não
me parece razoável em comparação com as hipóteses já elencadas na legislação
como excludentes de ilicitude de aborto, especialmente porque estas se referem à
interrupção da gestação de feto cuja vida extrauterina é plenamente viável. Seria
um contrassenso chancelar a liberdade e a autonomia privada da mulher no caso
do aborto sentimental, permitido nos casos de gravidez resultante de estupro, em
que o bem jurídico tutelado é a liberdade sexual da mulher, e vedar o direito a essa
liberdade nos casos de malformação fetal gravíssima, como a anencefalia, em que
não existe um real conflito entre bens jurídicos detentores de idêntico grau de pro‑
teção jurídica. Há, na verdade, a legítima pretensão da mulher em ver respeitada sua
vontade de dar prosseguimento à gestação ou de interrompê-la, cabendo ao direito
permitir essa escolha, respeitando o princípio da liberdade, da intimidade e da auto‑
nomia privada da mulher. Nesse ponto, portanto, cumpre ressaltar que a procriação,
a gestação, enfim os direitos reprodutivos, são componentes indissociáveis do direito
fundamental à liberdade e do princípio da autodeterminação pessoal, particularmente
da mulher, razão por que, no presente caso, ainda com maior acerto, cumpre a esta
Corte garantir seu legítimo exercício, nos limites ora esposados.
[HC 84.025, voto do rel. min. Joaquim Barbosa, j. 4-3-2004, P, DJE de 25-6-2004.]

48
Interpretação evolutiva acerca da figura do aborto em caso de
feto anencéfalo

Dos fundamentos que compõem a causa de pedir da presente ADPF, resta analisar
aquele referente à necessidade de se conferir ao conjunto normativo do Código
Penal (...) uma interpretação evolutiva. Isso porque a parte especial do Código é de
1940, momento em que ainda não se vislumbrava possível diagnosticar a anencefa‑
lia fetal. O aborto dos fetos anencéfalos apenas aparentemente é uma questão capaz
de gerar desacordo moral razoável, ao contrário do que pode ocorrer com o aborto
puro e simples. Isso fica evidente ao se constatar que, desde 1940, o ordenamento
jurídico brasileiro convive com duas hipóteses de aborto permitidas pela legislação
(art. 128, I e II, CP). Significa dizer que a interrupção antecipada da gravidez não é
algo completamente estranho à sociedade plural brasileira. O primeiro caso cuida
do chamado aborto necessário ou terapêutico, realizado quando não há outro meio
de salvar a vida da mãe. Nesse caso, o legislador fez a opção de não punir o aborto,
ante o evidente estado de necessidade que se coloca. Protege-se, portanto, a vida da
mãe, sua saúde física. Prescinde-se do consentimento da gestante nessa hipótese.
A segunda excludente de ilicitude relativa ao aborto é aquela em que a gravidez é
resultante de estupro – aborto sentimental, humanitário ou ético –, hipótese em que
se requer o consentimento da gestante ou de seu representante legal, uma vez que
o que se visa a proteger é a saúde psíquica da mulher. Note-se que aqui o feto pode
ser perfeitamente viável e, ainda assim, desde 1940, o legislador penal, dada a vio‑
lência psíquica da ocorrência e a possível complexidade da relação entre mãe e filho
resultante do estupro, deixa à escolha da gestante a continuidade ou não da gravidez.
Com efeito, é possível aferir um norte interpretativo a partir das próprias opções do
legislador, que transitam entre o estado de necessidade e a inexigibilidade de con‑
duta diversa. A gestação do feto anencéfalo, consoante inúmeras informações colhi‑
das na instrução do processo, inequivocamente, traz riscos adicionais à mulher. Por
certo que, pelo menos na maioria das vezes, esses riscos não atingem a gravidade
requerida pelo inciso I do art. 128 do Código Penal, mas são consideráveis. Entre‑
mentes, o aborto do feto anencéfalo tem por objetivo precípuo zelar pela saúde
psíquica da gestante, uma vez que, desde o diagnóstico da anomalia (que pode
ocorrer a partir do terceiro mês de gestação) até o parto, a mulher conviverá com o
sofrimento de carregar consigo um feto que não conseguirá sobreviver, segundo a

49
medicina afirma com elevadíssimo grau de certeza. Essa hipótese assemelha-se, em
sua estrutura lógico-funcional, ao aborto de feto resultante de estupro, em que a
principal intenção da norma é também a proteção da saúde psíquica da gestante,
com a relevante distinção de que, neste último caso, permite-se a prática do aborto
ainda que o feto seja saudável. A interpretação evolutiva sugerida pela inicial, des‑
tarte, demanda exegese construtiva do Tribunal, ante o surgimento de novo contex‑
to fático-jurídico, bastante distinto daquele em que se deu a edição da parte especial
do Código Penal brasileiro. Calha, nesse sentido, a sempre atual advertência do ci‑
tado Hungria: “a lei não pode ficar inflexível e perpetuamente ancorada nas ideias e
conceitos que atuaram em sua gênese. Não se pode recusar, seja qual for a lei, a
denominada interpretação evolutiva (progressiva, adaptativa). A lógica da lei, con‑
forme acentua Maggiore, não é estática e cristalizada, mas dinâmica e evolutiva. ‘Se
o direito é feito para o homem e não o homem para o direito, o espírito que vivifica
a lei deve fazer dela um instrumento dócil e pronto a satisfazer, no seu evoluir, as
necessidades humanas’. No estado atual da civilização jurídica, ninguém pode negar
ao juiz a faculdade de afeiçoar a rigidez da lei ao progressivo espírito da sociedade,
ou de imprimir ao texto legal a possível elasticidade, a fim de atenuar os contrastes
que acaso surjam entre ele e a cambiante realidade. Já passou o tempo do rigoroso
tecnicismo lógico, que abstraía a lei do seu contato com o mundo real e a consciên‑
cia social. O juiz pode e deve interpretar a lei ao influxo de supervenientes princípios
científicos e práticos de modo a adaptá-la aos novos aspectos da vida social, pois já
não se procura a mens legis no pensamento do legislador, ao tempo mais ou menos
remoto em que foi elaborada a lei, mas no espírito evoluído da sociedade e no ima‑
nente, que se transforma com o avanço da civilização” (HUNGRIA, Nelson. Comen-
tários ao Código Penal, v. V, p. 87-88). É o desafio ora posto: “interpretar a lei ao in‑
fluxo de supervenientes princípios científicos e práticos de modo a adaptá-la aos
novos aspectos da vida social”. E, para tanto, não é preciso sequer abandonar a
própria dogmática do direito penal e seus institutos, porquanto, ao lado da tipicida‑
de penal, sobejam tipos justificadores – excludentes de ilicitude e de culpabilidade.
Inclusive, é possível vislumbrar hipótese de causa extralegal de exclusão de ilicitude
e/ou de culpabilidade. Nesse sentido, Francisco de Assis Toledo: “é que as causas de
justificação, ou normas permissivas, não se restringem, numa estreita concepção
positivista do direito, às hipóteses previstas em lei. Precisam igualmente estender-se
àquelas hipóteses que, sem limitações legalistas, derivam necessariamente do direi‑

50
to vigente e de suas fontes. Além disso, como não pode o legislador prever todas as
mutações das condições materiais e dos valores éticos-sociais, a criação de novas
causas de justificação ainda não traduzidas em lei, torna-se imperiosa necessidade
para a correta e justa aplicação da lei penal” (Princípios básicos de direito penal.
p. 171). Inolvidável que, em matéria penal, acentuam-se as preocupações e precauções
quando tangenciamos a literalidade da regra. Porém, não é demasiado relembrar
que o princípio da legalidade consubstancia uma garantia em prol do cidadão. (...)
Destarte, o caminho para que esta Corte construa uma solução legítima para a pre‑
sente ação, como antes afirmado, pode ser extraído da própria opção do legislador
que, ao excepcionar as hipóteses de aborto necessário e do aborto humanitário
(arts. 128, I e II, do CP, respectivamente), expressou os valores e bens jurídicos pro‑
tegidos. No aborto dos fetos anencéfalos, há o comprometimento da saúde física da
gestante, porém este não é tão grave quanto no aborto necessário. No entanto,
existe um diagnóstico que confere certeza praticamente absoluta de que o feto não
sobreviverá mais do que algumas horas, se tanto, o que pode causar grave dano
psíquico à gestante. Não é o caso de comparação entre os danos psíquicos causados
pela frustração proveniente de um diagnóstico de anencefalia e aquele oriundo de
uma gravidez resultante de estupro, porém, neste último caso, a legislação não pune
o aborto em que o feto é perfeitamente saudável, ao passo que a mesma legislação
ainda não disciplinou o aborto dos fetos anencéfalos, em que também há o dano
psíquico à gestante, aliado à inviabilidade quase certa da vida extrauterina do feto.
Essas constatações permitem concluir, conforme afirmei acima, que o aborto de
fetos anencéfalos está certamente compreendido entre as duas causas excludentes
de ilicitude, já previstas no Código Penal, todavia, era inimaginável para o legislador
de 1940. Com o avanço das técnicas de diagnóstico, tornou-se comum e relativamen‑
te simples descobrir a anencefalia fetal, de modo que a não inclusão na legislação
penal dessa hipótese excludente de ilicitude pode ser considerada uma omissão
legislativa não condizente com o espírito do próprio Código Penal e também não
compatível com a Constituição. A interpretação que se pretende atribuir ao Código
Penal, no ponto, é consentânea com a proteção à integridade física e psíquica da
mulher, bem como com a tutela de seu direito à privacidade e à intimidade, aliados
à autonomia da vontade. Isso porque se trata apenas de uma autorização condicio‑
nada para a prática do aborto, de modo que competirá, como na hipótese do aborto

51
de feto resultante de estupro, a cada gestante, de posse do seu diagnóstico de anen‑
cefalia fetal, decidir que caminho seguir.
[ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, voto do min. Gilmar Mendes, j. 12-4-2012, P, DJE de
30-4-2013.]

Papel do Ministério da Saúde nos casos de abortamento nas


hipóteses legalmente previstas

No tocante à realização de aborto nas hipóteses legalmente previstas, o Ministério


da Saúde elaborou a norma técnica “Atenção humanizada ao abortamento”, dire‑
cionada aos profissionais da saúde. Sua redação estabelece um verdadeiro roteiro
para o atendimento da gestante que pretende ou necessita abortar, indicando como
as gestantes devem ser orientadas para o período pós-abortamento em relação a
planejamento reprodutivo e métodos anticoncepcionais, etc. Além disso, a norma
técnica também prevê o procedimento de justificação e autorização da interrupção
da gravidez, nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Esse processo é composto por quatro fases, que incluem a necessidade de relato
circunstanciado do evento, perante dois profissionais de saúde do SUS, parecer
técnico de profissional especialista, avaliação de equipe de saúde multiprofissional,
que deve ser composta, no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente
social e/ou psicólogo. A segurança do diagnóstico é que poderá, na prática, tutelar
o direito à privacidade da mulher, bem como a boa utilização da autonomia da von‑
tade individual, com o intuito de permitir que tome, com consciência e segurança,
qualquer decisão sobre tema tão delicado.
[ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, voto do min. Gilmar Mendes, j. 12-4-2012, P, DJE de
30-4-2013.]

Coisificação da mulher – doação de órgãos de feto anencéfalo

Ao contrário do que sustentado por alguns, não é dado invocar, em prol da prote‑
ção dos fetos anencéfalos, a possibilidade de doação de seus órgãos. E não se pode
fazê-lo por duas razões. A primeira por ser vedado obrigar a manutenção de uma

52
gravidez tão somente para viabilizar a doação de órgãos, sob pena de coisificar a mu‑
lher e ferir, a mais não poder, a sua dignidade. A segunda por revelar-se praticamente
impossível o aproveitamento dos órgãos de um feto anencéfalo. Essa última razão
reforça a anterior, porquanto, se é inumano e impensável tratar a mulher como mero
instrumento para atender a certa finalidade, avulta-se ainda mais grave se a chance
de êxito for praticamente nula. Kant, em Fundamentação à metafísica dos costumes,
assevera: “o homem, e, de maneira geral, todo o ser racional, existe como fim de si
mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade (...). Os
seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza,
têm, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios, e por
isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a
sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não
pode ser empregado como simples meio”. A mulher, portanto, deve ser tratada como
um fim em si mesma, e não, sob uma perspectiva utilitarista, como instrumento para
geração de órgãos e posterior doação. Ainda que os órgãos de anencéfalos fossem
necessários para salvar vidas alheias – premissa que não se confirma, como se verá
–, não se poderia compeli-la, com fundamento na solidariedade, a levar adiante a
gestação, impondo-lhe sofrimentos de toda ordem. Caso contrário, ela estaria sendo
vista como simples objeto, em violação à condição de humana. Maíra Costa Fernandes
pondera sabiamente ser a doação ato intrinsecamente voluntário, jamais imposto, e
salienta não aceitar o direito brasileiro sequer a obrigatoriedade de doação de sangue
ou de medula óssea – atos capazes de salvar inúmeras pessoas, os quais não recla‑
mam sacrifício próximo ao da mulher obrigada a dar continuidade à gestação de um
anencéfalo. Nessa linha, afirma, “qualquer restrição aos direitos da gestante sobre
o próprio corpo retira toda a magnitude do ato de doar órgãos, espontâneo em sua
essência”. Débora Diniz também é bastante precisa ao sintetizar a questão: “o dever
de gestação se converte no dever de dar à luz um filho para enterrá-lo. Penalizá-la
com a mantença da gravidez, para a finalidade exclusiva do transplante de órgãos
do anencéfalo significa uma lesão à autonomia da mulher, em relação a seu corpo
e à sua dignidade como pessoa”. (…) A solidariedade não pode, assim, ser utilizada
para fundamentar a manutenção compulsória da gravidez de feto anencéfalo, seja
porque violaria o princípio da dignidade da pessoa humana, seja porque os órgãos
dos anencéfalos não são passíveis de doação.
[ADPF 54, voto do rel. min. Marco Aurélio, j. 12-4-2012, P, DJE de 30-4-2013.]

53
Dados médicos e experiências de mulheres grávidas de
anencéfalos – saúde, dignidade, liberdade, autonomia e
privacidade da mulher

Sob o ângulo da saúde física da mulher, toda gravidez acarreta riscos. Há alguma
divergência se a gestação de anencéfalo é mais perigosa do que a de um feto sadio.
A Dra. Elizabeth Kipman Cerqueira, ouvida no último dia de audiência pública, enfa‑
tizou os riscos inerentes à antecipação do parto e questionou a óptica segundo a qual
a manutenção da gravidez do feto anencéfalo mostra-se mais perigosa. O Dr. Jorge
Andalaft Neto, mestre e doutor em obstetrícia pela Escola Paulista de Medicina, re‑
presentante da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia,
trouxe, por sua vez, dados da Organização Mundial da Saúde e do Comitê da Asso‑
ciação de Ginecologia e Obstetrícia Americana reveladores de que a gestação de feto
anencéfalo envolve maiores riscos. De acordo com as informações por ele apresen‑
tadas, impor a manutenção da gravidez implica o aumento da morbidade bem como
dos riscos inerentes à gestação, ao parto e ao pós-parto e resulta em consequências
psicológicas severas. Consoante defendeu o então Ministro da Saúde, José Gomes
Temporão, a gravidez de feto anencéfalo “pode levar a intercorrências durante a
gestação, colocando a saúde da mãe em risco num percentual maior do que na
gestação normal”. O Dr. Talvane Marins de Moraes, igualmente, realçou ser de alto
risco a gravidez de anencéfalo, até pela probabilidade bastante aumentada de o feto
perecer dentro do útero. Nessa linha, também são os esclarecimentos da Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Segundo rela‑
tado, nesse tipo de gestação, é comum a apresentação fetal anômala – pélvico trans‑
verso, de face e oblíquos – ante a dificuldade de insinuação do polo fetal no estreito
inferior da bacia. Isso ocorre porque a cabeça do feto portador de anencefalia não
consegue se “encaixar” de maneira adequada na pélvis, o que importa em um tra‑
balho de parto mais prolongado, doloroso, levando, comumente, à realização de
cesariana. Em 50% dos casos, a poli-hidrâmnio, ou aumento do líquido amniótico,
está ligada à anencefalia, tendo em vista a maior dificuldade de deglutição do feto
portador de referida anomalia, situação que também pode conduzir à hipertensão,
ao trabalho de parto prematuro, à hemorragia pós-parto e ao prolapso de cordão.
Outros fatores associados à gestação de feto anencéfalo são doença hipertensiva
específica de gravidez (DHEG) – que compromete o bem-estar físico da gestante –,

54
maior incidência de hipertensão, diabetes, aumento de cerca de 58% de partos pre‑
maturos, elevação em 22% do número de casos de gravidez prolongada. Na litera‑
tura médica, há registro de gestação que se estendeu por mais de um ano, no qual
o feto continuou em movimento até a hora do parto. Nas situações em que se ob‑
serva a associação com poli-hidrâmnio e trabalho de parto prolongado, a incidência
de hipotonia e hemorragia no pós-parto é de três a cinco vezes maior. Mais uma
consequência identificada eventualmente nesse tipo de gravidez é o sangramento
de grande monta no puerpério. Constata-se a existência de dados merecedores de
confiança que apontam riscos físicos maiores à gestante portadora de feto anencé‑
falo do que os verificados na gravidez comum. Sob o aspecto psíquico, parece in‑
controverso – impor a continuidade da gravidez de feto anencéfalo pode conduzir a
quadro devastador, como o experimentado por Gabriela Oliveira Cordeiro, que figu‑
rou como paciente no emblemático HC 84.025/RJ, da relatoria do ministro Joaquim
Barbosa. A narrativa dela é reveladora: “um dia eu não aguentei. Eu chorava muito,
não conseguia parar de chorar. O meu marido me pedia para parar, mas eu não
conseguia. Eu saí na rua correndo, chorando, e ele atrás de mim. Estava chovendo,
era meia-noite. Eu estava pensando no bebê. Foi na semana anterior ao parto. Eu
comecei a sonhar. O meu marido também. Eu sonhava com ela [referindo-se à filha
que gerava] no caixão. Eu acordava gritando, soluçando. O meu marido tinha outro
sonho. Ele sonhava que o bebê ia nascer com cabeça de monstro. Ele havia lido
sobre anencefalia na internet. Se você vai buscar informações é aterrorizante. Ele
sonhava que ela [novamente, referindo-se à filha] tinha cabeça de dinossauro. Quan‑
do chegou perto do nascimento, os sonhos pioraram. Eu queria ter tirado uma foto
dela [da filha] ao nascer, mas os médicos não deixaram. Eu não quis velório. Deixei
o bebê na funerária a noite inteira e no outro dia enterramos. Como não fizeram o
teste do pezinho na maternidade, foi difícil conseguir o atestado de óbito para enter‑
rar”. Relatos como esse evidenciam que a manutenção compulsória da gravidez de
feto anencéfalo importa em graves danos à saúde psíquica da família toda e, sobre‑
tudo, da mulher. Enquanto, numa gestação normal, são nove meses de acompanha‑
mento, minuto a minuto, de avanços, com a predominância do amor, em que a alte‑
ração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança; na
gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos, de
dor, de angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero, dada a certeza do
óbito. Impedida de dar fim a tal sofrimento, a mulher pode desenvolver, nas palavras

55
do Dr. Talvane Marins de Moraes, representante da Associação Brasileira de Psiquia‑
tria, “um quadro psiquiátrico grave de depressão, de transtorno, de estresse pós-
-traumático e até mesmo um quadro grave de tentativa de suicídio, já que não lhe
permitem uma decisão, ela pode chegar à conclusão, na depressão, de autoextermí‑
nio”. (...) Pesquisa realizada no hospital da Universidade de São Paulo, no período de
janeiro de 2001 a dezembro de 2003, com pacientes grávidas de fetos portadores de
anomalia incompatível com a vida extrauterina, dá conta de que 60% das entrevis‑
tadas não só experimentaram sentimento negativo – choque, angústia, tristeza, re‑
signação, destruição de planos, revolta, medo, vergonha, inutilidade, incapacidade
de ser mãe, indignação e insegurança – como também diriam a outra mulher, em
idêntica situação, para interromper a gestação. O sofrimento dessas mulheres pode
ser tão grande que estudiosos do tema classificam como tortura o ato estatal de
compelir a mulher a prosseguir na gravidez de feto anencéfalo. Assim o fizeram, nas
audiências públicas, a Dra. Jaqueline Pitanguy e o Dr. Talvane Marins de Moraes. Nas
palavras da Dra. Jacqueline Pitanguy, “obrigar uma mulher a vivenciar essa expe‑
riência é uma forma de tortura a ela impingida e um desrespeito aos seus familiares,
ao seu marido ou companheiro e aos outros filhos, se ela os tiver”. Prosseguiu, “as
consequências psicológicas de um trauma como esse são de longo prazo. Certamen‑
te a marcarão para sempre. Seu direito à saúde, entendido pela Organização Mundial
da Saúde como o direito a um estado de bem-estar físico e mental, está sendo des‑
respeitado em um país em que a Constituição considera a saúde um direito de todos
e um dever do Estado”. Como bem destacam Telma Birchal e Lincoln Frias, embora,
“no contexto, existam outras pessoas envolvidas, o sofrimento de ninguém é maior
do que o da gestante, porque o feto anencéfalo é um acontecimento no corpo dela.
A gestante, nesse caso, nem mesmo chegará a ser mãe, pois não haverá – nem ao
menos há – um filho. Ao obrigar a mulher a conservar um feto que vai morrer, ou
que tecnicamente já está morto, o Estado e a sociedade se intrometem no direito que
ela tem à integridade corporal e a tomar decisões sobre seu próprio corpo. No caso
de fetos sadios, pode-se ainda discutir se a mulher é obrigada a ter o filho, pois ele
será uma pessoa e, portanto, presume-se que tenha direito a ser preservado. Mas o
feto anencéfalo nunca será uma pessoa, não terá uma vida humana, não é nem
mesmo um sujeito de direitos em potencial”. Consoante Zugaib, Tedesco e Quayle,
“a ausência do objeto de amor parece tão irreparável que pode levar ao desejo de
morrer, como maneira de reunir-se ao filho perdido. Tal dinâmica merece cuidados

56
especiais, podendo levar a comportamentos impulsivos de autodestruição, especial‑
mente se associada à depressão”. Esse foi o entendimento endossado pelo Comitê
de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Em decisão histórica, pro‑
ferida em novembro de 2005, no caso K.L. contra Peru, o Comitê assentou equiparar-
se à tortura obrigar uma mulher a levar adiante a gestação de um feto anencéfalo. A
paciente de 17 anos e a mãe dela, alertadas pelo ginecologista sobre os riscos ad‑
vindos da mantença da gestação de um feto anencéfalo, concordaram em realizar o
procedimento de interrupção terapêutica. Apesar de a lei penal peruana permitir o
aborto terapêutico e atribuir pena de pequena gradação ao aborto sentimental ou
eugênico, o diretor do hospital, Dr. Maximiliano Cárdenas Diaz, recusou-se a firmar
a autorização necessária para o ato cirúrgico, o que obrigou a paciente a dar à luz o
feto. Como consequência, a gestante foi acometida de depressão profunda, com
prejuízos à saúde mental e ao próprio desenvolvimento. Ao analisar o episódio, o
Comitê de Direitos Humanos considerou cruel, inumano e degradante o tratamento
dado a K.L. Reputou violado também o direito dela à privacidade. Posteriormente,
em dezembro de 2008, em entrevista concedida ao Center for Reproductive Rights,
K.L., então com 22 anos, residente em Madrid, local onde estudava para formar-se
em engenharia, descreveu ter-se sentido extremamente deprimida, solitária, confusa
e culpada à época da gravidez e do nascimento do anencéfalo, que perdurou por
apenas quatro dias. Indagada sobre como se sentia em relação à decisão do Comitê
de Direitos Humanos, revelou estar feliz e disse que dificilmente quem não experi‑
mentou tal situação sabe o quão penosa e dolorosa ela é. Quando inexistiam recur‑
sos tecnológicos aptos a identificar a anencefalia durante a gestação, o choque com
a notícia projetava-se para o momento do parto. Atualmente, todavia, podem-se
verificar nove meses de angústia e sofrimento inimagináveis. Como ressaltei na
decisão liminar, os avanços médicos e tecnológicos postos à disposição da humani‑
dade devem servir não para inserção, no dia a dia, de sentimentos mórbidos, mas,
justamente, para fazê-los cessar. É possível objetar, tal qual o fez a Dra. Elizabeth
Kipman Cerqueira em audiência pública, o sentimento de culpa que poderá advir da
decisão de antecipar o parto. Na mesma linha, em memorial, a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil defendeu que o gesto não reduz a dor. Em resposta a essas
objeções, vale ressaltar caber à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimen‑
tos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gra‑
videz. Cumpre à mulher, em seu íntimo, no espaço que lhe é reservado – no exercício

57
do direito à privacidade –, sem temor de reprimenda, voltar-se para si mesma, refle‑
tir sobre as próprias concepções e avaliar se quer, ou não, levar a gestação adiante.
Ao Estado não é dado intrometer-se. Ao Estado compete apenas se desincumbir do
dever de informar e prestar apoio médico e psicológico à paciente, antes e depois
da decisão, seja ela qual for, o que se mostra viável, conforme esclareceu a então
ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire. Consignou
S. Exa. que: “os serviços existentes para a interrupção voluntária da gravidez, para
o abortamento legal, dispõem de equipes multidisciplinares aptas a fazerem esse
acompanhamento [referia-se ao psicológico]. (...) Eu diria que, hoje, todos os serviços
universitários existentes no País têm equipes multidisciplinares – e posso dizer isso,
com certeza –, com acompanhamento de psicólogos, que permitirão informação e
assistência às mulheres no tocante à sua decisão, seja pela continuidade da gestação,
seja pela interrupção da gestação”. Não se trata de impor a antecipação do parto do
feto anencéfalo. De modo algum. O que a arguente pretende é que “se assegure a
cada mulher o direito de viver as suas escolhas, os seus valores, as suas crenças”.
Está em jogo o direito da mulher de autodeterminar-se, de escolher, de agir de acor‑
do com a própria vontade num caso de absoluta inviabilidade de vida extrauterina.
Estão em jogo, em última análise, a privacidade, a autonomia e a dignidade humana
dessas mulheres. Hão de ser respeitadas tanto as que optem por prosseguir com a
gravidez – por sentirem-se mais felizes assim ou por qualquer outro motivo que não
nos cumpre perquirir – quanto as que prefiram interromper a gravidez, para pôr fim
ou, ao menos, minimizar um estado de sofrimento. Conforme bem enfatizado pelo
Dr. Mário Ghisi, representante do Ministério Público na audiência pública, “é cons‑
trangedora a ideia de outrem decidir por mim, no extremo do meu sofrimento, por
valores que não adoto. É constrangedor para os direitos humanos que o Estado se
imiscua no âmago da intimidade do lar para decretar-lhe condutas que torturam”.
Alberto Silva Franco chama a atenção para outro aspecto a ser considerado caso se
obrigue a mulher a levar a gravidez a termo. Afirma: “se ocorrer o nascimento do
anencéfalo, ‘não receberá ele nenhuma manobra médica de reanimação, nem nenhum
procedimento de suporte vital, em virtude da inocuidade de qualquer medida’. (...)
Nada realmente justifica o emprego de recursos tecnológicos para tornar viável o
que não dispõe congenitamente de viabilidade”. Continua: “o argumento de que todos
nascemos para morrer e que, por isso, o feto anencéfalo não destoa da regra geral,
está longe de ser um argumento válido. Trata-se, na realidade, de um truísmo dis‑

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pensável”. Digo então (...) que não se pode exigir da mulher aquilo que o Estado não
vai fornecer, por meio de manobras médicas. Franquear a decisão à mulher é medi‑
da necessária ante o texto da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erra‑
dicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do
Pará, ratificada pelo Estado brasileiro em 27 de novembro de 1995, cujo art. 4º inclui
como direitos humanos das mulheres o direito à integridade física, mental e moral,
à liberdade, à dignidade e a não ser submetida a tortura. Define como violência
qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento
físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera priva‑
da. Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos
seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer
expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os direitos da mulher,
impingindo-lhe sacrifício desarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gra‑
videz cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro
aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade
da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privaci‑
dade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de
mulheres. O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma es‑
pécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de
autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não
pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido. A integridade que se busca al‑
cançar com a antecipação terapêutica de uma gestação fadada ao fracasso é plena.
Não cabe impor às mulheres o sentimento de meras “incubadoras” ou, pior, “caixões
ambulantes”, na expressão de Débora Diniz. (...) Compete ao Supremo assegurar o
exercício pleno da liberdade de escolha situada na esfera privada, em resguardo à
vida e à saúde total da gestante, de forma a aliviá-la de sofrimento maior, porque
evitável e infrutífero. Se alguns setores da sociedade reputam moralmente reprová‑
vel a antecipação terapêutica da gravidez de fetos anencéfalos, relembro-lhes de que
essa crença não pode conduzir à incriminação de eventual conduta das mulheres
que optarem em não levar a gravidez a termo. O Estado brasileiro é laico e ações de
cunho meramente imorais não merecem a glosa do direito penal. A incolumidade
física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou
dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos
da mulher. No caso, ainda que se conceba o direito à vida do feto anencéfalo – o que,

59
na minha óptica, é inadmissível, consoante enfatizado –, tal direito cederia, em juízo
de ponderação, em prol dos direitos à dignidade da pessoa humana, à liberdade no
campo sexual, à autonomia, à privacidade, à integridade física, psicológica e moral
e à saúde, previstos, respectivamente, nos arts. 1º, III; 5º, cabeça e II, III e X; e 6º,
cabeça, da Carta da República. Os tempos atuais, realço, requerem empatia, aceitação,
humanidade e solidariedade para com essas mulheres. Pelo que ouvimos ou lemos
nos depoimentos prestados na audiência pública, somente aquela que vive tamanha
situação de angústia é capaz de mensurar o sofrimento a que se submete. Atuar com
sapiência e justiça, calcados na Constituição da República e desprovidos de qualquer
dogma ou paradigma moral e religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher
de manifestar-se livremente, sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime
de aborto.
[ADPF 54, voto do rel. min. Marco Aurélio, j. 12-4-2012, P, DJE de 30-4-2013.]

A interrupção da gravidez de feto anencéfalo é medida de proteção à saúde física


e emocional da mulher, evitando-se transtornos psicológicos que sofreria se se visse
obrigada a levar adiante gestação que sabe não ter chance de vida. Note-se que a
interrupção da gestação é escolha, havendo de se respeitar, como é óbvio, também
a opção daquela que prefere levar adiante e viver a experiência até o final. Mas o res‑
peito a esta escolha é o respeito ao princípio da dignidade humana. Pela Constituição
da República o direito à saúde abrange a proteção à maternidade. Ser mãe é dar à
luz, permitir nascer uma nova vida, não deixar-se velar o ventre enquanto aguarda
o dia do enterro do pequeno ser. Se para algumas mulheres esta é experiência a ser
realizada, para outras é encargo que lhe supera as forças, fardo prejudicial à saúde
mental e emocional. A mulher gestante de feto anencéfalo vive angústia que não é
partilhável, pelo que ao Estado não compete intervir vedando o que não é constitucio‑
nalmente admissível como proibido. A questão não está no útero. Está na mente de
cada pessoa. E o ser humano não é apenas corpo, menos ainda uma de suas partes.
É um todo complexo. Quem não é livre para conhecer e viver o seu limite não o é
para qualquer outra experiência. Quem não domina o seu corpo não é senhor de
qualquer direito. Pelo que a escolha é direito da pessoa, não atribuição do Estado.
[ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, voto da min. Cármen Lúcia, j. 12-4-2012, P, DJE de 30-
4-2013.]

60
Antecipação do parto de um feto anencefálico à luz do princípio
da razoabilidade

Aqui, o próprio ministro Marco Aurélio e as audiências públicas comprovaram que


a não aceitação do aborto de feto anencefálico e a ameaça penal não têm a menor
eficácia. Há dados aterrorizantes sobre a morte de mulheres que fazem o aborto
de maneira insipiente e depois são obrigadas a percorrer a via crucis nos hospitais
públicos; não só dos hospitais públicos, pois também comparecem aos hospitais de
elite. Anotamos naquela oportunidade – este Plenário também tem enfrentado com
altivez e coragem uma outra questão – que a deliberação democrática da sociedade
e, a fortiori, do Supremo, respeitando essa agenda social, impõe-se com signifi‑
cativo relevo, principalmente quando envolve uma questão multidisciplinar como
esta, atinente à saúde, à moralidade, mercê do estabelecimento de parâmetros de
delicadíssima questão de descriminalização do aborto, evitando o maniqueísmo das
opiniões marginalizantes e das concepções libertárias e ilusórias, com a deletéria
neutralidade social, assistente do drama humano – isso é que é importante – que
perpassa as classes frequentadoras das áreas mais pobres da cidade às elites das
mansões à beira-mar. Esses abortos marginalizados – noticia-se – são realizados em
todas as classes sociais. (...) O professor catedrático da Universidade de Barcelona
(...) Santiago Mir Puig afirma que a grave intromissão nos direitos fundamentais
que representam as penas e as medidas de segurança deve estar sujeita ao mesmo
princípio que deve legitimar qualquer afetação de direitos fundamentais por parte
do Estado, vale dizer, o princípio da proporcionalidade. Mais uma vez eu reitero: eu
desafio qualquer um a me demonstrar, à luz do princípio da razoabilidade sobre o
impacto da proporcionalidade, que é justo penalmente se relegar essa gestante aos
bancos de um tribunal do júri para responder por aborto pelo fato de ter antecipado
o parto de um feto anencefálico. O moderno direito penal mínimo recomenda que
as sanções criminais devem ser o último recurso para conjurar a antinomia entre
a vontade individual e a vontade normativa do Estado, na visão do professor René
Ariel Dotti, no seu Curso de direito penal. E eu acrescento: maxime quando essa
volição do poder público sequer era previsível no caso de aborto anencefálico. O
sacrifício da penalização de uma gestante de feto anencefálico não se revela neces‑
sário aos fins do direito punitivo, mas, antes, demonstra a desproporcionalidade da
sanção diante da inafastável defesa da dignidade humana da mulher infortunada,

61
fundamento do Estado Democrático de Direito e garantia revestida da categoria de
direito fundamental. Uma única passagem histórica: a memorável Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já previa no seu art. 8º que a lei apenas
deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias. O art. 59 do Código Penal
estabelece uma regra in procedendo no sentido de que o juiz deve entender absolu‑
tamente necessária a pena. Assim também deve-se percorrer a trilha em relação ao
aborto do feto anencefálico. Por que punir essa mulher que já padece de uma tragé‑
dia humana, que, em regra, são insensíveis as pessoas que não passaram por ela?
Não sei se foi coincidência, mas todas as pessoas que eu ouvi, que eram contra essa
eventual decisão de descriminalização, tinham crianças sãs nas suas casas, tinham
filhos sãos, netos sãos; não sentiram na própria pele essa dor física, essa dor moral
dessa mulher. Por isso, (...) no meu modo de ver, não se coaduna com a sociedade
moderna nacional e organizada o intuito punitivo, desenfreado e desconectado da
função preventiva da reprimenda e da necessidade de reservar para o direito penal
apenas aquelas situações realmente aviltantes para a vida em comunidade. Mais
uma vez, me valho aqui de Johannes Wessels, quando afirma: “as disposições penais
devem ser consideradas como última ratio; só se justificam onde meios incisivos,
como os do direito público – e o aborto é uma questão de saúde pública, não é uma
questão de direito penal –, não bastem aos interesses de uma eficiente proteção
aos bens jurídicos” (...). Revela-se inequívoco, assim, que a interrupção da gravidez
de fetos anencefálicos é matéria de saúde pública, que aflige, em sua maioria, as
mulheres – como disse o ministro Marco Aurélio – que compõem a parcela menos
abastada da população. A questão deve ser tratada como uma política de assistência
social eficiente, que dê à gestante todo o apoio necessário em uma situação tão las‑
timável, e não uma repressão criminal, uma repressão penal destituída de qualquer
fundamento razoável. Seria, no meu modo de ver, o punir pelo punir, como se fosse
o direito penal a panaceia de todos os problemas sociais, sem prejuízo de relegar
o drama para as alternativas marginalizadas, unindo uma vez mais essa gama de
mulheres pobres e sofredoras. A tutela penal de bens jurídicos desenha o perfil da
sociedade e o modelo estatal de prevenção e repressão da criminalidade, refletindo
a vontade do povo, na expressão de Claus Roxin, citado pelo professor René Ariel
Dotti. Sob o ângulo da vontade do povo – se é que é sindicável a vontade do povo –
pode haver até desacordo moral razoável sobre a permissão ou não do aborto. No
meu modo de ver, sob o ângulo da vontade popular, sobressai extreme de dúvidas

62
o repúdio social à penalização da mulher vitimada por uma gravidez de risco, que a
impõe manter no seu ventre materno nascituro com morte anunciada, dor maior no
arrebate da maternidade desejada. Por incidir, no meu modo de ver, em uma causa
de justificação, por se enquadrar no estado de necessidade, na antijuridicidade e na
inexigibilidade de conduta diversa, a gestante de feto anencefálico que opta pelo
abortamento – o Supremo Tribunal respeita as mulheres que desejam levar o seu
parto adiante – positivamente não atua contra legem, mas antes, como observava
Cícero na famosa Oração pro Milone, age em consonância com a lei sagrada, que
nasceu com o homem, lei anterior aos legistas, à tradição e aos livros, gravada no
código imortal da natureza, lei menos estudada que sentida. Assim sendo, (...) estou
encaminhando a minha votação pela procedência da arguição de descumprimento
de preceito fundamental, a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao
art. 128 do Código Penal, para reconhecer não configurado o crime de aborto nas
hipóteses de interrupção voluntária da gravidez de feto anencefálico.
[ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, voto do min. Luiz Fux, j. 12-4-2012, P, DJE de 30-4-2013.]

Liberdade, dignidade, integridade e saúde da mulher –


ponderação de valores no caso de gravidez de feto anencéfalo

(...) argumento a enfrentar é o da ponderação entre os direitos inerentes à gestante


e aqueles pertencentes ao feto. (...) No que tange à proteção do feto, foi visto que não
é necessário compreender-se que a intervenção do Estado protege o seu direito, pois
não se sabe ao certo se este direito está realmente em jogo. Além disso, viu-se que,
mesmo em abstrato, a vida tem graus de proteção diferentes no nosso ordenamento,
a ponto de o feto saudável não ser protegido contra a liberdade da mulher em caso
de estupro. Ou seja, dependendo do grau de desenvolvimento da vida biológica do
feto e da situação da gestante, diminui o interesse na proteção do desenvolvimento
do primeiro e aumenta o interesse na proteção da liberdade da segunda. Some-se
a isso o fato de o meio adequado e necessário para a proteção da vida do feto – a
postura interventiva do Estado – ferir, além da liberdade, a integridade física e psi‑
cológica da mulher, seja na esfera da saúde (os riscos são maiores na gestação e o
abalo psicológico é drástico e inegável), seja na esfera da dignidade humana, pois,
se há dúvida sobre a viabilidade de vida para o feto anencéfalo, a imposição da ges‑

63
tação contra a vontade da mulher é tortura física e psicológica em razão de crença
(não importa se institucionalizada por meio de lei ou de decisão jurídica, ainda é
mera crença), nos exatos termos da Lei dos Crimes de Tortura . E não se trata, neste
ponto, de comparar duas leis de mesma hierarquia, mas de usar a definição legal
da proteção de um direito humano básico, que é a garantia da integridade indivi‑
dual (é o art. 5º, III, da Constituição que está em jogo: “ninguém será submetido à
tortura nem a tratamento desumano ou degradante”). Lembre-se que a pena para o
crime de tortura (reclusão de 2 a 8 anos) é o dobro da pena para o crime de aborto
(reclusão de 1 a 4 anos para quem provoca o aborto com o consentimento da ges‑
tante), o que demostra que o sistema não permite qualquer aproximação entre as
duas ações. (...) Nesse diapasão, sobreleva a dificuldade de justificar a proteção do
feto anencefálico por meio da criminalização da conduta da gestante. Os argumen‑
tos e ponderações apresentados demonstram as divergências, inclusive no seio da
sociedade, sobre a exigibilidade de manutenção da gravidez e a reprovabilidade da
conduta. E o direito penal moderno se apresenta como última ratio, devendo, nessa
medida, ser mínima a sua intervenção nas relações sociais, não só por se mostrar
pouco eficaz como regulador de condutas, mas por gerar, esta ineficiência, custos
sociais e econômicos. A propósito, e em reforço, os princípios informadores do direito
penal mínimo: idoneidade (a criminalização deve ser um meio útil para resolver o
problema social); subsidiariedade (deve-se mostrar que não há alternativas para a
regulação da conduta indesejada); e racionalidade (deve-se comparar os benefícios
e os custos sociais decorrentes da criminalização). Mais uma vez os argumentos
pendem para a autorização da interrupção da gravidez em casos de anencefalia. Po‑
sição contrária, com a sua criminalização, implica medida extrema (que é o recurso
ao direito penal para a privação de direitos relacionados à liberdade) ineficiente para
controlar comportamento tido, pelos que advogam a tese, por indevido. Por outro
lado, obrigar a mulher a prosseguir na gravidez fere, como bem pontuado da tribuna,
seu direito à liberdade reprodutiva, à falta de interesse social concreto na tutela de
vida sem condições biológicas mínimas de desenvolvimento. Proteger a mulher, em
hipótese tal de inviabilidade de vida extrauterina para o feto, é garantir concretamente
a sua liberdade de escolha sobre o papel reprodutivo que lhe cabe, reconhecendo-
-lhe direito fundamental. Os ônus de ordem física, psicológica e social gerados pela
obrigatoriedade de manutenção da gravidez de feto anencéfalo e seus consectários
não podem ser minimizados, e são mesmo insuscetíveis de compartilhamento pela

64
mulher. Enfatize-se que a compreensão que se está a esposar em absoluto implica
prejuízo às gestantes que, em tais circunstâncias adversas, optarem por dar à luz,
pois o que se está a preservar é a liberdade de escolha. A alegria e a realização das
mulheres com filhos anencéfalos, relatadas nas audiências públicas e nos memo‑
riais, provêm, por certo, das suas escolhas morais e da garantia de que a percepção
de cada uma delas sobre a própria vida e a visão de mundo seriam respeitadas, da
certeza de que não seriam impedidas de gestar seus filhos com todo amor de levar
a termo suas gestações. Não está em jogo o direito do feto, e sim o da gestante, de
determinar suas próprias escolhas e seu próprio universo valorativo. E é isto que
se discute nesta ação: o direito de escolha da mulher sobre a sua própria forma de
vida. Em outras palavras, esta ADPF muito mais do que da liberdade da mulher (o
que já seria muitíssimo valioso), diz com a densidade concreta a se dar à concepção
jurídica de liberdade, sob o manto da Constituição-cidadã de 1988.
[ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, voto da min. Rosa Weber, j. 12-4-2012, P, DJE de 30-4-
2013.]

Noutro modo de dizer as coisas, o estupro é, para sociedade em geral e para o


direito em especial – já que é uma das excludentes de punibilidade –, uma ação
humana da maior violência contra a autonomia de vontade do ser feminino que o
sofre, uma aberração, uma hediondez. O estupro é o instante da mais aterradora
experiência sexual para a mulher, projetando-se no tempo como uma carga traumá‑
tica talvez nunca superável, principalmente se resultar em gravidez da vítima, pois
o fato é que seu eventual resultado em gravidez tende mesmo a acarretar para a
gestante um permanente retorno mental à ignomínia do ato em que foi brutalizada.
Uma condenação do tipo ad perpetuam rei memoriam (para a perpétua memória da
coisa), no sentido de que a imposição do estado de gravidez em si, e depois a própria
convivência com o ser originário do mais indesejado conúbio, podem significar para
vítima do estupro uma tão perturbadora quanto permanente situação de tortura.
Daí que vedar à gestante a opção pelo aborto caracteriza um modo cruel de ignorar
sentimentos que, somatizados, tem a força de derruir qualquer feminino estado de
saúde física, psíquica e moral, aqui embutida a perda ou a sensível diminuição da
autoestima. Sentimentos, então, que se põem na própria linha de partida do princípio
da dignidade da pessoa humana, que é um princípio de valiosidade universal para
o direito penal dos povos civilizados, independentemente de sua matriz também de

65
direito constitucional. E que ainda exibe uma vertente feminina que mais e mais se
orienta pela máxima de que “o grau de civilização de uma sociedade se mede pelo
grau de liberdade da mulher”. Sentença oracular de Charles Fourier. Foi nesse momen‑
to que, na penúltima assentada, eu pude dizer que, se os homens engravidassem, a
autorização, a qualquer tempo, para a interrupção da gravidez anencéfala já seria lícita
desde sempre. E, aqui, o que se pede – não me custa relembrar – é o reconhecimento
que tem a mulher gestante de um organismo ou de um feto anencéfalo, o direito
que ela tem de escolher, de optar. Ela não está sendo forçada absolutamente a nada.
O que se respeita é a autonomia de uma mulher, que, além de mulher, é gestante;
e que não suporta, se opta pela interrupção da gravidez, a dilacerante dor de ver o
produto da sua concepção involucrada numa mortalha. É o reconhecimento desse
direito que tem a mulher de se rebelar contra uma gravidez, um tipo de gravidez tão
anômala que corresponde a um desvario da própria natureza – porque a natureza
também se destrambelha, já dizia Tobias Barreto. É um direito que tem a mulher de
interromper uma gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução
“dar à luz”. “Dar à luz” é dar a vida; não é dar a morte. É como se fosse uma gravidez,
metaforicamente, que impedisse o rio de ser corrente; o rio salta da nascente para
a embocadura. E é o que sucede, sem fluir, sem a ventura de se assumir também
como corrente porque o rio é um rio só, da nascente à foz, passando pela corrente.
E, no caso da gravidez de que estamos a falar, a fase corrente do rio é totalmente
eliminada. A mulher já sabe por antecipação que o produto da sua gravidez, longe
de, pelo parto, cair nos braços aconchegantes da vida, vai se precipitar – digamos
assim – no mais terrível dos colapsos. É o colapso da luz da vida. O feto anencéfalo
não passa de um organismo prometido à inscrição do seu nome não no registro civil,
mas numa lápide mortuária. Por isso que levar às últimas consequências esse martírio
contra a vontade da mulher corresponde a tortura, a tratamento cruel. Ninguém pode
impor a outrem que se assuma enquanto mártir; o martírio é voluntário. Quem quiser
assumir sua gravidez até às últimas consequências, mesmo sabendo portador de um
feto anencéfalo, que o faça. Ninguém está proibindo. O ministro Marco Aurélio não
votou pela proibição. É opcional. É preferível arrancar essa plantinha ainda tenra do
chão do útero do que vê-la precipitar-se no abismo da sepultura. Nem essa opção
a mulher gestante tem? Ela, que é mais do que mulher, é mulher e gestante? Um
plus de subjetividade humana? Evidente que o direito brasileiro, civilizado que é, e
fundado por uma Constituição principiológica, humanística, que o direito brasileiro

66
protege, sim, essa decisão que é ditada – se for pela interrupção da gravidez – pelo
mais forte e mais sábio dos amores, que é o amor materno, que é tão forte, tão sábio
e tão incomparável em sua intensidade que é chamado, por todos nós, de instinto
materno. Não se fala de instinto paterno, mas se fala de instinto materno. Essa de‑
cisão da mulher é mais do que inviolável, é sagrada. A sacralidade está na decisão
da mulher gestante de, querendo, interromper esse tipo de gravidez que já tem um
encontro marcado, inelutável, com a morte.
[ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, voto do min. Ayres Britto, j. 12-4-2012, P, DJE de 30-4-
2013.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 1º, III – Art. 5º, caput, II, III e X – Art. 6º
Código Penal/1940
Art. 59 – Art. 124 – Art. 128, I e II
Lei 9.455/1997
Art. 1º
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão/1789
Art. 8º
Convenção de Belém do Pará/1994 (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher, promulgada pelo Decreto 1.973/1996)
Artigo 4

67
Criminalização da
interrupção voluntária
da gestação no
primeiro trimestre –
Violação a direitos
fundamentais das
mulheres
(...) é dominante no mundo democrático e desenvolvido a percepção de que a cri‑
minalização da interrupção voluntária da gestação atinge gravemente diversos direitos
fundamentais das mulheres, com reflexos inevitáveis sobre a dignidade humana. O
pressuposto do argumento aqui apresentado é que a mulher que se encontre diante
desta decisão trágica – ninguém em sã consciência suporá que se faça um aborto
por prazer ou diletantismo – não precisa que o Estado torne a sua vida ainda pior,
processando-a criminalmente. (...) Torna-se importante aqui uma breve anotação
sobre o status jurídico do embrião durante fase inicial da gestação. Há duas posições
antagônicas em relação ao ponto. De um lado, os que sustentam que existe vida
desde a concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à
multiplicação das células. De outro lado, estão os que sustentam que antes da forma‑
ção do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência – o que
geralmente se dá após o terceiro mês da gestação – não é possível ainda falar-se em
vida em sentido pleno. Não há solução jurídica para essa controvérsia. Ela dependerá
sempre de uma escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida. Porém,
exista ou não vida a ser protegida, o que é fora de dúvida é que não há qualquer possi‑
bilidade de o embrião subsistir fora do útero materno nesta fase de sua formação. Ou
seja: ele dependerá integralmente do corpo da mulher. Esta premissa, factualmente
incontestável, está subjacente às ideias que se seguem. (...) A criminalização viola,
em primeiro lugar, a autonomia da mulher, que corresponde ao núcleo essencial
da liberdade individual, protegida pelo princípio da dignidade humana (CF/1988,
art. 1º, III). A autonomia expressa a autodeterminação das pessoas, isto é, o direito
de fazerem suas escolhas existenciais básicas e de tomarem as próprias decisões
morais a propósito do rumo de sua vida. Todo indivíduo – homem ou mulher – tem
assegurado um espaço legítimo de privacidade dentro do qual lhe caberá viver seus
valores, interesses e desejos. Nesse espaço, o Estado e a sociedade não têm o direito
de interferir. Quando se trate de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia
é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas,
inclusive a de cessar ou não uma gravidez. Como pode o Estado – isto é, um delegado
de polícia, um promotor de justiça ou um juiz de direito – impor a uma mulher, nas
semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a
serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade
de ser, pensar e viver a própria vida? (...) Em segundo lugar, a criminalização afeta a
integridade física e psíquica da mulher. O direito à integridade psicofísica (CF/1988,

69
art. 5º, caput e III) protege os indivíduos contra interferências indevidas e lesões aos
seus corpos e mentes, relacionando-se, ainda, ao direito à saúde e à segurança. A
integridade física é abalada porque é o corpo da mulher que sofrerá as transforma‑
ções, riscos e consequências da gestação. Aquilo que pode ser uma bênção quando
se cuide de uma gravidez desejada transmuda-se em tormento quando indesejada.
A integridade psíquica, por sua vez, é afetada pela assunção de uma obrigação para
toda a vida, exigindo renúncia, dedicação e comprometimento profundo com outro
ser. Também aqui, o que seria uma bênção se decorresse de vontade própria, pode
se transformar em provação quando decorra de uma imposição heterônoma. Ter um
filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física
e psíquica de uma mulher. (...) A criminalização viola, também, os direitos sexuais e
reprodutivos da mulher, que incluem o direito de toda mulher de decidir sobre se e
quando deseja ter filhos, sem discriminação, coerção e violência, bem como de obter
o maior grau possível de saúde sexual e reprodutiva. A sexualidade feminina, ao lado
dos direitos reprodutivos, atravessou milênios de opressão. O direito das mulheres a
uma vida sexual ativa e prazerosa, como se reconhece à condição masculina, ainda
é objeto de tabus, discriminações e preconceitos. Parte dessas disfunções é funda‑
mentada historicamente no papel que a natureza reservou às mulheres no processo
reprodutivo. Mas justamente porque à mulher cabe o ônus da gravidez, sua vontade
e seus direitos devem ser protegidos com maior intensidade. O reconhecimento dos
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres como direitos humanos percorreu uma
longa trajetória, que teve como momentos decisivos a Conferência Internacional de
População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994, conhecida como Conferência
do Cairo, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, em Pequim.
A partir desses marcos, vem se desenvolvendo a ideia de liberdade sexual feminina
em sentido positivo e emancipatório. (...) O tratamento penal dado ao tema, no Brasil,
pelo Código Penal de 1940 afeta a capacidade de autodeterminação reprodutiva da
mulher, ao retirar dela a possibilidade de decidir, sem coerção, sobre a maternidade,
sendo obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada. E mais: prejudica
sua saúde reprodutiva, aumentando os índices de mortalidade materna e outras
complicações relacionadas à falta de acesso à assistência de saúde adequada. (...) A
norma repressiva traduz-se, ainda, em quebra da igualdade de gênero. A igualdade
veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, impõe a
neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito

70
à diferença. A histórica posição de subordinação das mulheres em relação aos ho‑
mens institucionalizou a desigualdade socioeconômica entre os gêneros e promoveu
visões excludentes, discriminatórias e estereotipadas da identidade feminina e do
seu papel social. Há, por exemplo, uma visão idealizada em torno da experiência da
maternidade, que, na prática, pode constituir um fardo para algumas mulheres. Na
medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem
não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito
de decidir acerca da sua manutenção ou não. A propósito, como bem observou o
ministro Carlos Ayres Britto, valendo-se de frase histórica do movimento feminista,
“se os homens engravidassem, não tenho dúvida em dizer que seguramente o aborto
seria descriminalizado de ponta a ponta”. 2
[HC 124.306, voto do rel. p/ o ac. min. Roberto Barroso, j. 9-8-2016, 1ª T, DJE de 17-3-2017.]

(...) é preciso conferir interpretação conforme à Constituição aos (...) arts. 124 a


126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito
de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A
criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem
como o princípio da proporcionalidade. A criminalização é incompatível com os se‑
guintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não
pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da
mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade
física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo,
os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e,
portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher
nessa matéria. A tudo isso se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mu‑
lheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede
que essas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao
sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como
consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. A
tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que
se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem
jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante
sobre o número de abortos praticados no País, apenas impedindo que sejam feitos
2 ADPF 54 MC, j. 20-10-2004.

71
de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios
mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual,
distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se en‑
contra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito,
por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus
benefícios. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e
desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre
como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França,
Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.
[HC 124.306, rel. p/ o ac. min. Roberto Barroso, j. 9-8-2016, 1ª T, DJE de 17-3-2017.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 1º, III – Art. 5º, caput, III
Código Penal/1940
Art. 124 – Art. 125 – Art. 126 – Art. 128, I e II

72
Equiparação do
prazo da licença-
-adotante ao prazo
da licença-gestante
Tutela da dignidade e da autonomia da mulher

A licença-maternidade prevista no art. 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a


licença-gestante quanto a licença-adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo
de 120 dias. Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa
humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção
integral, do princípio da prioridade e do interesse superior do menor. (...)  Tutela
da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever
reforçado do Estado de assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e
profissão, em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção,
possibilitando o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida
moral do Estado para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionali‑
zação precoce. Ônus assumido pelas famílias adotantes, que devem ser encorajadas.
[RE 778.889, rel. min. Roberto Barroso, j. 10-3-2016, P, DJE de 1º-8-2016.]

Evolução histórica na Constituição Federal

A história da proteção à infância, à família e à mulher se altera profundamente


com a redemocratização do Brasil e com a promulgação da Constituição de 1988. A
nova Carta estabelece uma ruptura com o regime anterior. Define como fundamento
da República a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). E compromete-se com a
tutela do indivíduo e de seu valor intrínseco como um fim em si mesmo, afastando
qualquer possibilidade de sua instrumentalização em favor dos interesses da comu‑
nidade. Nas novas circunstâncias, deixa de ser concebível lançar mão de políticas
públicas voltadas à infância com o propósito de preservar a ordem urbana ou a se‑
gurança pública. Passa-se a proteger as crianças em prol de seu próprio bem-estar e
de seu adequado desenvolvimento. (...) O art. 227 da Constituição expressa, ainda, a
funcionalização do conceito de família. A família passa a ser compreendida como o
locus do afeto e do companheirismo. Passa a ser tutelada como meio essencial para
o pleno desenvolvimento da personalidade de seus membros. Os filhos adquirem
uma posição de centralidade nesta nova família. Ela é o núcleo em que a sua sociali‑
zação tem início. Em paralelo, afirma-se a igualdade entre os homens e as mulheres,
reconhecendo-se a identidade dos direitos e deveres a serem desempenhados por

74
cada qual, no que respeita à sociedade conjugal (CF, art. 226, § 5º). Migra-se, assim,
da família hierarquizada e chefiada pelo pater familia para a família democratizada,
igualitária, centrada nos filhos e voltada à realização de seus membros. No que res‑
peita à maternidade, a Constituição determina que a sua proteção constitui direito
social (CF, art. 6º c/c art. 201). Estabelece como objetivos da assistência social a tutela
“à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”, bem como o “ampa‑
ro às crianças e a adolescentes carentes” (CF, art. 203, I e II). E assegura o direito de
“licença à gestante” – esta é a expressão empregada por seu texto –, em favor das
trabalhadoras e servidoras públicas, atribuindo-lhes o direito ao prazo mínimo de
120 dias de afastamento remunerado do trabalho (CF, art. 7º, XVIII, c/c art. 39, § 3º).
[RE 778.889, voto do rel. min. Roberto Barroso, j. 10-3-2016, P, DJE de 1º-8-2016.]

Evolução histórica na legislação infraconstitucional

É nesse contexto que se insere o disposto no art. 210 do Estatuto dos Servidores


Públicos Federais (Lei 8.112/1990), que passa a prever, de forma avançada para a
época, o direito das servidoras à licença-adotante de 90 dias, em caso de obtenção
de adoção ou de guarda judicial de criança com até 1 ano de idade, bem como o
direito à licença de 30 dias, em caso de criança com mais de 1 ano. (...) Na ocasião
em que foi aprovada a Lei 8.112/1990, a Constituição de 1988 estava em vigor havia
menos de 2 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente fora aprovado meses antes.
Tratava-se, portanto, dos primórdios da vigência do novo regramento voltado à tu‑
tela da infância, do início da construção de um novo paradigma. O deferimento da
licença-adotante em tal contexto representava um avanço. Passava-se a contemplar
com ela uma categoria que ainda não gozava do direito a uma licença parental re‑
munerada. Embora a norma não equiparasse o prazo de licença-adotante ao prazo
de licença-gestante (de 120 dias), não havia, na previsão, um propósito de discrimi‑
nação da mãe adotante ou de um reconhecimento a menor dos direitos dos filhos
adotivos. Tratava-se, ao contrário, de uma norma que promovia a inclusão das famí‑
lias que adotavam, de acordo com a compreensão que se tinha sobre o assunto à
época. No âmbito do direito do trabalho sequer havia previsão de licença equivalen‑
te, fato que levou as trabalhadoras adotantes de então a ajuizarem ações, a fim de
obterem benefício semelhante, invocando, para tal, o direito à licença previsto no

75
art. 7º, XVIII, da Constituição Federal. Entretanto, tais pretensões foram afastadas, no
ano de 2000, pelo Supremo Tribunal Federal, que, em sede de recurso extraordinário
(RE 197.807), manifestou o entendimento de que (i) o deferimento da licença previs‑
ta no art. 7º, XVIII, estaria vinculado ao “fato jurídico gestação” e (ii) a situação da
mãe adotante não seria equiparável à situação da mãe gestante, uma vez que, no
primeiro caso, não ocorreria gravidez ou parto, não havendo que se falar em licença-
-gestante, cujo fim precípuo era proteger a saúde da mãe. A resposta do legislador
à decisão do STF não tardaria. Dois anos mais tarde, o novo Código Civil (Lei
10.406/2002) tornou a afirmar a igualdade de direitos entre filhos biológicos e adoti‑
vos, e a Lei 10.421/2002 incluiu na CLT o art. 392-A, estabelecendo o direito à licen‑
ça-maternidade em favor da empregada adotante, de maneira escalonada, de acordo
com a idade da criança, à semelhança do que fora previsto no estatuto dos servido‑
res federais. Havia, contudo, um avanço na nova norma inserida na CLT, comparati‑
vamente à norma que constava do estatuto dos servidores. A norma celetista fixou
prazos maiores para a licença-adotante (comparativamente àquela do estatuto dos
servidores), sendo que o mais elevado deles, aplicável em caso de adoção de crian‑
ça de até 1 ano de idade, possuía a mesma extensão da licença-gestante (120 dias).
(...) A Lei 10.421/2002 estabeleceu, ainda, o direito do cônjuge ou do companheiro ao
prazo remanescente da licença, em caso de falecimento da mãe durante a sua fruição.
E previu o direito do empregado adotante ao mesmo benefício. Com tais inovações,
deixou claro que a função essencial da licença-maternidade passava a ser a proteção
do interesse do menor que, tanto no caso da filiação natural quanto da adotiva,
precisa adaptar-se à família e estabelecer laços de afeto que são fundamentais para
o seu desenvolvimento saudável. Justamente por isso, a referida lei previu que o
direito ao período remanescente de licença, em caso de falecimento da mãe, passa
ao pai. E, inexistente a mãe adotiva, o pai adotivo fruirá do direito à licença-mater‑
nidade. Em nenhum dos casos, o pai terá passado por uma gestação ou por um
parto. Não teve necessidade de se recuperar de qualquer evento físico. O que se
busca, ao transferir o direito à fruição da licença ao pai nestes casos, é atender às
necessidades emocionais da criança. Há, portanto, uma evolução da compreensão
do instituto da licença com a Lei 10.421/2002, tanto no que respeita a seus fins quan‑
to no que respeita a seu prazo. Mais adiante, foi aprovada a Lei 11.770/2008, que criou
o Programa Empresa Cidadã e possibilitou que as empresas a ele vinculadas pror‑
rogassem a duração da licença-maternidade de suas empregadas por 60 dias. Em

76
seu art. 1º, § 2º, essa lei estabeleceu que a prorrogação da licença seria garantida, na
mesma proporção – ou seja, no percentual de 50% do prazo original do benefício –
em caso de adoção. Em seu art. 2º, a lei autorizou, ainda, que a administração públi‑
ca assegurasse benefício idêntico. À época da edição da Lei 11.770/2008, como já
mencionado, o prazo de licença das empregadas adotantes era escalonado em: 120
dias, para crianças de até 1 ano; 60 dias, para crianças entre 1 e 4 anos; e 30 dias,
para crianças com mais de 4 anos. Já o prazo de licença das servidoras adotantes
era: de 90 dias, para crianças até 1 ano de idade; e de 30 dias, para crianças acima
de 1 ano. A fim de assegurar a extensão da licença-adotante nos termos da Lei
11.770/2008 – e, portanto, “na mesma proporção” (50% do prazo original da licença-
-gestante) –, o Decreto 6.690/2008 atribuiu às empregadas públicas adotantes o di‑
reito à extensão de 60 dias, para crianças de até 1 ano; 30 dias, para crianças entre
1 e 4 anos; e 15 dias, para crianças com mais de 4 anos. E, seguindo a mesma lógica,
previu, em favor das servidoras adotantes, o direito à extensão de 45 dias, para
crianças de até 1 ano; e de 15 dias, para crianças com mais de 1 ano. Ainda na estei‑
ra do Programa Empresa Cidadã, a Resolução 30/2008 do Conselho da Justiça Fede‑
ral (CJF) previu que também as magistradas ou serventuárias que adotassem teriam
direito – tanto quanto as demais servidoras federais – a 45 dias de prorrogação da
licença parental, no caso de criança de até 1 ano de idade, ou a 15 dias de prorroga‑
ção, no caso de criança com mais de 1 ano de idade. Aproximadamente um ano mais
tarde, contudo, foi editada a Lei Nacional de Adoção (Lei 12.010/2009), que suprimiu
os parágrafos do art. 392-A da CLT e, por consequência, igualou, no âmbito do direi‑
to do trabalho, os prazos da licença-gestante e da licença-adotante, independente‑
mente da idade da criança adotada, consagrando o entendimento de que, além de
serem, ambas as licenças, espécies do gênero licença-maternidade, a licença-ado‑
tante deveria corresponder, no mínimo, ao mesmo quantum de proteção conferido
à licença-gestante, independentemente da idade da criança adotada (de 120 dias, nos
termos do art. 7º, XVIII, CF). (...) Entretanto, não se modificou expressamente o De‑
creto 6.690/2008, que regulamentara a aplicação do Programa Empresa Cidadã para
empregadas públicas. Os períodos de extensão de licença-maternidade nele previs‑
tos permaneceram distintos, na literalidade do texto, conforme se tratasse de em‑
pregada gestante ou de empregada adotante. Não há dúvida, contudo, de que tal
distinção foi tacitamente revogada pela Lei Nacional de Adoção e que a diferença
não mais subsiste. De fato, considerando que a finalidade clara do Programa Empre‑

77
sa Cidadã foi a de conferir uma extensão da licença-maternidade da ordem de 50%
da licença original, a partir do momento em que a Lei Nacional de Adoção igualou o
prazo de tal licença original, independentemente da idade da criança adotada, para
mães gestantes e adotantes, igualou-se, implicitamente, o tempo de extensão desse
benefício, no que respeita aos contratos celetistas de trabalho (afinal se ambas as
licenças originais são de 120 dias, suas prorrogações de 50% só podem corresponder
a 60 dias). A dificuldade de sistematização da matéria se fez presente igualmente no
que respeita ao prazo e à extensão da licença-adotante em favor dos servidores
públicos. Apesar de toda a evolução ocorrida no âmbito celetista, não se promoveu
a adequada atualização do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8.112/1990,
art. 210). Assim, o estatuto, originalmente, uma norma inclusiva, que promovia um
avanço, tornou-se uma lei anacrônica, restritiva do direito à licença-adotante, se
comparado ao mesmo benefício, tal como assegurado pela legislação trabalhista.
(...) Portanto, de acordo com a legislação infraconstitucional, as crianças adotadas
por trabalhadoras do poder público, regidas pela CLT, são beneficiadas por uma li‑
cença-maternidade de 120 dias, prorrogáveis por até 60 dias, independentemente da
idade (à semelhança do tratamento dado à licença-gestante pela legislação); ao pas‑
so que as crianças adotadas por servidoras públicas, com vínculo estatutário, bene‑
ficiam-se de licença de 90 dias, prorrogável por 45 dias, se tiverem até um 1 ano; ou
por licença de 30 dias, prorrogável por 15 dias, se forem mais velhas.
[RE 778.889, voto do rel. min. Roberto Barroso, j. 10-3-2016, P, DJE de 1º-8-2016.]

Tutela da dignidade e da autonomia da mãe adotiva

Um último ponto deve ser abordado sobre a matéria; um argumento tão rele‑
vante quanto a proteção da criança, porque lida, igualmente, com a defesa de uma
minoria, sobre a qual, curiosamente, silencia grande parte da academia brasileira e
da jurisprudência. Os desafios da família que adota uma criança não são pequenos,
mas, devido a razões culturais, o membro da família mais onerado pela experiência
é a mulher. E o não desenvolvimento de um discurso feminino sobre a questão é,
por si só, sinal da naturalização da desigualdade e do estigma. A mãe adotante que
é, em regra, a principal cuidadora da criança, tem uma enorme tarefa pela frente com
a adoção. A chegada da criança produz um substancial impacto sobre a sua vida,

78
que passa a girar em torno da saúde, das dores, das dificuldades do filho. Ela será
menos disponível para si mesma, para o trabalho, para a vida social, para a família e
será muito mais demandada em casa. Estudos sobre a depressão pós-parto e sobre
a depressão pós-adoção dão conta de que o percentual de mulheres que sofrem de
depressão é semelhante, tanto no caso da maternidade biológica quanto no caso
da maternidade por adoção. Aproximadamente 15% das mães gestantes e 15% das
mães adotantes são atingidas pela depressão, segundo alguns estudos. Esses re‑
sultados sugerem que a “depressão pós-maternidade” pode não ser um fenômeno
puramente biológico ou hormonal e estar ligado ao estresse psicológico e ambiental
decorrente da chegada da criança, da intensa demanda que se instala sobre a mulher
e da necessidade de compatibilizá-la com todos os demais papéis e tarefas que lhe
incumbem. Não por acaso a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher determina que os Estados devem adotar medidas
destinadas a proteger a maternidade, com o propósito de assegurar a igualdade en‑
tre homens e mulheres, bem como de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento
das potencialidades da mulher e a sua participação, em condições idênticas, na vida
política, social, econômica e cultural de seu país. De fato, a licença-maternidade tem
por objetivo auxiliar a mulher a ultrapassar o período de adaptação e de transição
em decorrência da chegada do novo filho e não deve ser desproporcional ao desafio
por ela enfrentado, sob pena de não atender aos fins para os quais o benefício é
previsto. O sucesso de tal adaptação depende da sua disponibilidade emocional.
Assim, o art. 7º, XVIII, da Constituição deve ser interpretado em consonância com
os direitos à dignidade, à autonomia e à igualdade das mulheres, bem como tendo
em vista o respeito à proporcionalidade, em sua vertente de vedação à proteção
deficiente. Não há justificativa plausível para conferir uma licença de 120 dias, pror‑
rogável por 60 dias, à mãe que gera seu próprio bebê e, ao mesmo tempo, conferir
licença de apenas 30 dias, prorrogável por mais 15 dias, para a mãe que abraça o
desafio de receber uma criança mais velha, com a qual precisará construir, pedra
por pedra, uma relação de afeto desejada, mas temida. Assim, também com base
nessas considerações, a única interpretação passível de compatibilizar o referido
art. 7º, XVIII, com os direitos à dignidade, à autonomia e à igualdade das mulheres é
aquele que reconhece que o seu comando, em verdade, pretendeu alcançar toda e
qualquer licença-maternidade. Por idênticos fundamentos, são nulas as normas que

79
diferenciaram entre as licenças aplicáveis a filhos biológicos e filhos adotivos e entre
filhos adotivos de diferentes idades.
[RE 778.889, voto do rel. min. Roberto Barroso, j. 10-3-2016, P, DJE de 1º-8-2016.]

Tutela do vínculo maternal – proteção da mãe e do filho

A licença-maternidade consiste em benefício de natureza previdenciária, cujo


escopo é assegurar à mãe um período de convivência intensa com a criança, sendo
devidamente remunerada e protegida da dispensa do labor por essa razão. É benefício
que tanto empregadas celetistas como servidoras públicas possuem, previsto pelo
art. 7º, XVIII, do texto constitucional, e extensível às servidoras pelo conteúdo do
art. 39, § 3º, da Constituição Federal. Questionamentos surgem acerca do verdadeiro
destinatário dessa previsão constitucional, se as mães, que se utilizam do período
para recuperar-se da gravidez e do parto, ou se seriam as crianças, a fim de serem
integralmente atendidas em período de grande fragilidade e dependência. Não creio,
contudo, que se trate de direito de dimensão meramente individual, a requerer apenas
a identificação de um único sujeito a ser protegido pela norma. Parece-me, em verda‑
de, que ambos, mãe e filho, serão protegidos por meio da tutela do vínculo maternal,
esta a verdadeira dimensão na qual os valores constitucionais se concretizam através
da garantia do direito ao gozo da licença-maternidade. Quando se considera que o
vínculo inicial entre mãe e filho é bem jurídico a ser protegido pelo ordenamento
jurídico, uma vez que a Constituição erigiu o afeto como liame ressignificador das
relações familiares, mostra-se necessária a extensão da licença-maternidade à mãe
adotante, de modo que ela goze do mesmo tempo da mãe biológica, para conviver
com a criança ou o adolescente, e fortalecer o vínculo que deverá uni-las durante
a vida. Ora, a necessidade de que a mãe adotante estabeleça uma relação parental
com a criança ou o adolescente a ser adotado consiste em justificativa para um
tratamento isonômico entre ambas as situações. É evidente que a mãe biológica
passa por situações que a mãe adotante não experimentará. No entanto, a tarefa
de integrar uma criança à família, seja de que idade for, de acostumá-lo à rotina da
casa, de compreender seus medos, de auxiliá-lo a enfrentar as dores do abandono,
a aceitar as alegrias de um novo lar, de despertar, enfim, nessa criança ou nesse
adolescente, o amor de filho e de despertar, também em si mesma, o amor de mãe,

80
essas tarefas não podem ser tidas como menores, a ponto de não necessitarem de
período razoável de adaptação, como sustentou o acórdão recorrido.
[RE 778.889, rel. min. Roberto Barroso, voto do min. Edson Fachin, j. 10-3-2016, P, DJE de
1º-8-2016.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 1º, III – Art. 5º, caput, III – Art. 6º – Art. 7º, XVIII – Art. 39, § 3º – Art. 201 – Art. 203, I e II – Art. 226,
§ 5º – Art. 227
Consolidação das Leis do Trabalho/1943
Art. 392 – Art. 392-A
Lei 8.112/1990
Art. 210
Lei 11.770/2008
Art. 1º, § 2º – Art. 2º

81
Licença-gestante –
Não aplicação da
limitação do art. 14
da EC 20/1998 ao
salário da
licença-gestante
Licença-gestante. Salário. Limitação. Ação direta de inconstitucionalidade do art. 14
da EC 20, de 15-12-1998. (...) O legislador brasileiro, a partir de 1932 e mais clara‑
mente desde 1974, vem tratando o problema da proteção à gestante cada vez menos
como um encargo trabalhista (do empregador) e cada vez mais como de natureza
previdenciária. Essa orientação foi mantida mesmo após a Constituição de 5-10-1988,
cujo art. 6° determina: a proteção à maternidade deve ser realizada “na forma desta
Constituição”, ou seja, nos termos previstos em seu art. 7°, XVIII: “licença à gestante,
sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias”. Diante
desse quadro histórico, não é de se presumir que o legislador constituinte derivado,
na EC 20/1998, mais precisamente em seu art. 14, haja pretendido a revogação, ainda
que implícita, do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal originária. Se esse tivesse sido
o objetivo da norma constitucional derivada, por certo a EC 20/1998 conteria referên‑
cia expressa a respeito. E, à falta de norma constitucional derivada, revogadora do
art. 7º, XVIII, a pura e simples aplicação do art. 14 da EC 20/1998, de modo a torná-la
insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária,
que não se pode presumir desejado. Na verdade, se se entender que a previdência
social, doravante, responderá apenas por R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) por
mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo
restante, ficará sobremaneira facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador
masculino, ao invés da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação
que a Constituição buscou combater quando proibiu diferença de salários, de exercício
de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, XXX, da CF/1988),
proibição, que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de
direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição
Federal. Estará, ainda, conclamado o empregador a oferecer à mulher trabalhadora,
quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$ 1.200,00, para não
ter de responder pela diferença. Não é crível que o constituinte derivado, de 1998,
tenha chegado a esse ponto, na chamada Reforma da Previdência Social, desatento a
tais consequências. Ao menos não é de se presumir que o tenha feito, sem o dizer ex‑
pressamente, assumindo a grave responsabilidade. A convicção firmada, por ocasião
do deferimento da medida cautelar, com adesão de todos os demais ministros, ficou
agora, ao ensejo deste julgamento de mérito, reforçada substancialmente no parecer
da Procuradoria-Geral da República. Reiteradas as considerações feitas nos votos,
então proferidos, e nessa manifestação do Ministério Público Federal, a ação direta

83
de inconstitucionalidade é julgada procedente, em parte, para se dar, ao art. 14 da EC
20, de 15-12-1998, interpretação conforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação
ao salário da licença-gestante, a que se refere o art. 7º, XVIII, da Constituição Federal.
[ADI 1.946, rel. min. Sydney Sanches, j. 3-4-2003, P, DJ de 16-5-2003.]

A Constituição outorga um direito à mulher trabalhadora: “art. 7º (...) XVIII – licen‑


ça à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e
vinte dias;”. A mulher trabalhadora é titular de um direito subjetivo: haver um perío‑
do de licença de 120 dias, sem prejuízo do retorno ao emprego e com salário integral.
O art. 7º não define o sujeito passivo da obrigação. Não define quem paga. Atribui
um direito. O art. 201 da CF, com a redação dada pela EC 20, dispõe que: “art. 201. A
previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contribu‑
tivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio finan‑
ceiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (...) II – proteção à maternidade,
especialmente à gestante;”. Esse inciso II não se relaciona, propriamente, com o di‑
reito da mulher trabalhadora à licença-gestante. Há uma proteção à maternidade,
especialmente à gestante. Não avanço se isso é, ou não, um direito previdenciário.
Basta-me ser um direito subjetivo do trabalhador. A questão é saber quem paga. No
Brasil, conforme explicitado pelo relator, a partir de 1932, criou-se um auxílio para a
gestante. Era a metade da média dos seis últimos salários durante um período y.
Quem pagava eram as caixas existentes (criadas pelo Instituto de Seguro Social) ou
o empregador. Em 1943, com a CLT, fixou-se que o empregador responderia por esta
licença à gestante. Dispôs-se, mais, que seria um salário integral calculado pela
média dos últimos seis meses. Não era a integralidade do último salário, mas a mé‑
dia dos últimos seis meses. O mesmo se passou em 1967. Atribuiu-se o salário inte‑
gral: média variável para os empregos variáveis. Mas, aí, se falou em salário integral,
com a CLT, no Decreto 229. Tivemos, em 1966, a ratificação da Convenção da OIT,
onde se estabeleceu que, em hipótese alguma, o empregador haveria de ser o res‑
ponsável pela licença à maternidade. Em 1974, tendo em vista a assinatura desta
Convenção Internacional, a obrigação ficou atribuída integralmente à previdência
social. Criou-se uma fonte de custeio: 0,3% sobre a folha de salários. Passou a ter
uma fonte específica, a partir de 1974, para a satisfação dessa obrigação. Chegamos
em 1988. Constitucionalizou a licença-gestante (art. 7º, XVIII). Em 1989, desapareceu
a fonte de custeio de 0,3%. Integrou-se às despesas gerais da previdência, custeado

84
o benefício com as contribuições gerais, incidentes sobre a folha de salários. Em
1991, porque teria havido muitas fraudes, atribuiu-se ao empregador a obrigação de
pagar a licença-gestante. O empregador pagava e ressarcia-se nas contribuições que
devia à previdência. Estabeleceu-se um mecanismo bastante eficaz de fiscalização
das fraudes. O empregador tinha que pagar e depois demonstrar a licitude do paga‑
mento, participando do processo de fiscalização. Exigia-se uma série de documentos
para comprovar que o salário era aquele, enfim, havia até impugnação sobre aumen‑
tos bruscos de salário quando se entrava em licença-gestante. A questão (...) foi que
houve uma opção legislativa brasileira de que a licença-gestante passou a ser uma
obrigação previdenciária. O direito é trabalhista. Decorre da relação jurídica de tra‑
balho. Por opção da legislação brasileira e por determinação dessa legislação a par‑
tir da OIT, passamos a ter uma obrigação de natureza previdenciária. Desvinculou-se
a obrigação de pagar do empregador. Teve-se em vista as consequências do benefí‑
cio na participação da mulher no mercado de trabalho. Levantamentos feitos, prin‑
cipalmente por um grande economista americano, Prêmio Nobel, Paul Samuelson,
em seu famoso livro, Macroeconomia, são incisivos. Verificou-se, no levantamento
feito pelo MIT, que, no mercado de trabalho, em relação às mulheres, havia uma
discriminação. Observou-se que as fontes da discriminação, consistentes na diferen‑
ça, para maior, dos rendimentos dos homens em relação às mulheres têm razões
complexas: hábitos sociais; expectativas; fatores econômicos; educação; formação
e experiências profissionais. Mas, registrou-se outro fato: as mulheres tendem a
interromper as suas carreiras para terem filhos, o que provoca essa situação especí‑
fica. Em face disso, são discriminadas. Ou não se emprega mulher, para empregar-se
homem. Ou, ao empregar a mulher, paga-se um salário aquém do salário médio para
o homem. A diferença financiaria os ônus decorrentes do gozo do benefício. Ora, isso
tem como consequência uma baixa equalização, entre homens e mulheres, no mer‑
cado de trabalho. Nos Estados Unidos da América, com o governo Johnson, iniciou-
-se um processo curioso de discriminação positiva que recebeu a denominação de
“ricos ônus johnsenianos”. Começou com o problema racial do negro americano e
estabeleceram-se cotas. Eram as affirmative actions. Para a questão feminina havia
leis de referência: o Civil Rights Act (1964) e o Equal Pay Act (1963). Todo um conjun‑
to de regras ajudou a desmantelar, nos Estados Unidos, as práticas discriminatórias
mais evidentes. No nosso sistema, temos algumas regras fundamentais que devem
ser explicitadas. Não vou entrar na questão relativa ao tratado internacional. A CF

85
dispõe: “art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Bra‑
sil: (...) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais;”. Leio o inciso IV: “IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Já o art. 5º,
XLI, estabelece: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liber‑
dades fundamentais;”. E o art. 7º, XXX, na área trabalhista, explicitamente, estabele‑
ce a: “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;” (...) uma interpretação
inicial do art. 14 da EC 20/98, que limitou os benefícios da previdência social, defini‑
dos no art. 201 da Constituição, a R$ 1.200,00, sujeitos a reajustes, poderia ser a se‑
guinte: na hipótese de uma mulher trabalhadora ter salário superior a R$1.200,00, a
previdência responderia por R$ 1.200,00 e o empregador, pelo excedente do salário.
Essa interpretação, transferindo o excedente de R$ 1.200,00 para o empregador, teria
um efeito discriminatório no mercado de trabalho. A legislação, com essa interpre‑
tação, produziria um efeito contrário àquilo que a Constituição estabeleceu nas suas
regras fundamentais. Não podemos ter uma legislação infraconstitucional que pro‑
duza, no mercado de trabalho, uma consequência contrária aos objetivos constitu‑
cionais. Peço licença à Corte para trazer, inclusive, como fundamento do meu voto,
decisões da Suprema Corte Americana. No caso “Brown vs. Board of Education of
Topeka, 347 U.S. 483 (1954)”, a Suprema Corte impôs às autoridades escolares o
princípio da não discriminação racial. Essa decisão serviu de modelo para as affir-
mative actions. Afirmou o princípio da igualdade racial. Após, em 1971, a Suprema
Corte Americana assume as affirmative action. É o caso “Griggs vs. Duke Power Co.,
401 U.S. 424”. A empresa Duke Power, através dos jornais, convidou interessados
para testes, com a finalidade de admissão em seus quadros. A empresa exigia que
os pretendentes apresentassem determinada graduação universitária ou se subme‑
tessem a teste de inteligência, como condição do emprego. A Corte americana en‑
tendeu que, no caso, eram artificiais, arbitrárias e desnecessárias as exigências. A
Corte americana entendeu que era contrária à Constituição americana a discrimina‑
ção que as exigências do edital causavam. Afirmaram, mais, que era irrelevante a
intenção da empresa. Está certa a Corte. O que importa são as consequências de fato.
Se produz, ou não, em concreto, a discriminação proibida. Não importa qual seja a
intenção. A análise da situação deve estar centrada nos efeitos ou consequências
concretas da opção legislativa ou da decisão tomada no caso concreto. É necessário

86
que se examinem os fatos e os efeitos que neles se produzem. O relator leu trabalho
publicado no jornal O Estado de São Paulo, de autoria do professor José Pastore,
professor da USP e pesquisador da Fipe, que é um dos maiores especialistas em
termos de mercado de trabalho no País. Ele demonstra as consequências de fato
dessa nova fórmula. Conduz a uma discriminação, que é vedada pela Constituição.
A regra da EC 20/1998, aparentemente neutra, produz discriminação não desejada
pelo próprio legislador. As práticas de mercado passarão a responder com discrimi‑
nação, quanto ao emprego da mulher. Não podem ser mantidos os atos que induzem
às práticas discriminatórias. A doutrina chama de efeitos ou impactos desproporcio‑
nais (disparate impact). O Tribunal tem que examinar as consequências da legislação
para constatar se estão, ou não, produzindo resultados contrários à Constituição. A
discriminação positiva introduz tratamento desigual para produzir, no futuro e em
concreto, a igualdade. É constitucionalmente legítima, porque se constitui em ins‑
trumento para obter a igualdade real. No caso, a regra induz à discriminação proibi‑
da, como demonstrei. Ter-se-ia um resultado contrário à regra constitucional proibi‑
tiva da discriminação, em matéria de emprego, de sexo, origem, raça ou profissão.
Por essas razões, acompanho o relator e dou interpretação conforme à Constituição.
À licença-maternidade não se aplica a limitação estabelecida no art. 14 da EC 20/1998.
[ADI 1.946 MC, rel. min. Sydney Sanches, voto do min. Nelson Jobim, j. 29-4-1999, P, DJ
de 14-9-2001.]

Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 3º, III e IV – Art. 5º, I e XLI – Art. 6º – Art. 7º, XVIII e XXX – Art. 201, II
Emenda Constitucional 20/1998
Art. 14

87
Mulher grávida –
Remarcação de
teste de aptidão
física não prevista
em edital de
concurso público
É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja
grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em
edital do concurso público. (...) o interesse de que a grávida leve a gestação a termo
com êxito exorbita os limites individuais da genitora, a alcançar outros indivíduos e
a própria coletividade. Enquanto a saúde pessoal do candidato em concurso público
configura motivo exclusivamente individual e particular, a maternidade e a família
constituem direitos fundamentais do homem social e do homem solidário. Por ter o
Poder Constituinte estabelecido expressamente a proteção à maternidade, à família
e ao planejamento familiar, a condição de gestante goza de proteção constitucional
reforçada. Em razão desse amparo constitucional específico, a gravidez não pode
causar prejuízo às candidatas, sob pena de ofender os princípios da isonomia e da
razoabilidade. Além disso, o direito ao planejamento familiar é livre decisão do casal.
A liberdade decisória tutelada pelo planejamento familiar vincula-se estreitamente à
privacidade e à intimidade do projeto de vida individual e parental dos envolvidos.
Tendo em vista a prolongada duração dos concursos públicos e sua tendente escassez,
muitas vezes inexiste planejamento familiar capaz de conciliar os interesses em jogo.
Por tais razões, as escolhas tomadas muitas vezes impõem às mulheres o sacrifício
de sua carreira, traduzindo-se em direta perpetuação da desigualdade de gênero. De
todo modo, o direito de concorrer em condições de igualdade ao ingresso no serviço
público, além de previsto em todas as Constituições brasileiras, foi reconhecido pelo
Pacto de São José da Costa Rica e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
[RE 1.058.333, voto do rel. min. Luiz Fux, j. 23-11-2018, P, Informativo 924, Tema 973.]

89
Legislação
O objetivo deste capítulo é facilitar o acesso do usuário à principal legislação mencionada nos julgamentos colaciona-
dos. Os textos de lei foram transcritos conforme a redação da época dos julgamentos e, por isso, podem não coincidir
com a atualmente vigente.

Constituição da República Federativa do Brasil/1988


Preâmbulo
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,
o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana;
(...)
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
(...)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a inde-
nização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

91
(...)
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
(...)
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação
do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite
do valor do patrimônio transferido;
(...)
XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e
o sexo do apenado;
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o
período de amamentação;
(...)
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição. (Redação dada pela EC 90/2015)
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
(...)
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
(...)
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de
sexo, idade, cor ou estado civil;
(...)
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência,
regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e
das fundações públicas. (Vide ADI 2.135-4)
(...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV,
XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a
natureza do cargo o exigir. (Incluído pela EC 19/1998)
(...)

92
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
(...)
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
(...)
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação
obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei,
a: (Redação dada pela EC 20/1998)
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela EC 20/1998)
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela EC 20/1998)
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela EC 20/1998)
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada
pela EC 20/1998)
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado
o disposto no § 2º. (Redação dada pela EC 20/1998)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos bene-
ficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições
especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de
deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela EC 47/2005)
§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá
valor mensal inferior ao salário mínimo. (Redação dada pela EC 20/1998)
§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados,
na forma da lei. (Redação dada pela EC 20/1998)
§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real,
conforme critérios definidos em lei. (Redação dada pela EC 20/1998)
§ 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa
participante de regime próprio de previdência. (Redação dada pela EC 20/1998)
§ 6º A gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por base o valor dos proventos do mês de
dezembro de cada ano. (Redação dada pela EC 20/1998)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as
seguintes condições: (Redação dada pela EC 20/1998)
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído pela EC
20/1998)
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos

93
o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de
economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído pela EC 20/1998)
§ 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor
que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no
ensino fundamental e médio. (Redação dada pela EC 20/1998)
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na adminis-
tração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social
se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. (Incluído pela EC 20/1998)
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime
geral de previdência social e pelo setor privado. (Incluído pela EC 20/1998)
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de con-
tribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído pela
EC 20/1998)
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa
renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua
residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual
a um salário-mínimo. (Redação dada pela EC 47/2005)
§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências
inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído pela EC 47/2005)
(...)
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
(...)
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus des-
cendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada pela EC 66/2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento

94
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos
para coibir a violência no âmbito de suas relações.
(...)
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada pela EC 65/2010)
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem,
admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos
seguintes preceitos: (Redação dada pela EC 65/2010)
I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência
física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência,
mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos,
com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (Redação dada pela EC
65/2010)
§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação
de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III – garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (Redação dada pela EC 65/2010)
IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual
e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI – estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da
lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente
de entorpecentes e drogas afins. (Redação dada pela EC 65/2010)
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

95
§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua
efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá: (Incluído pela EC 65/2010)
I – o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Incluído pela EC 65/2010)
II – o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder
público para a execução de políticas públicas. (Incluído pela EC 65/2010)
(...)
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua parti-
cipação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
(...)
§ 1º Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade
a que se refere o inciso é de cinco dias.

Emenda Constitucional 20/1998

Art. 14. O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201
da Constituição Federal é fixado em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), devendo, a partir da data da publicação
desta Emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real, atualizado pelos
mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

96
Código Penal/1940

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Re-
dação dada pela Lei 9.714/1998)
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência
ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (Redação dada pela
Lei 9.714/1998)
II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei 9.714/1998)
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos
e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei 9.714/1998)
§ 1º (VETADO) (Incluído e vetado pela Lei 9.714/1998)
§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva
de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de
direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. (Incluído pela Lei 9.714/1998)
§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação
anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática
do mesmo crime. (Incluído pela Lei 9.714/1998)
§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento
injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo
cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
(Incluído pela Lei 9.714/1998)
§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá
sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
(Incluído pela Lei 9.714/1998)
(...)
Fixação da pena
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,
conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei 7.209/1984)
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei 7.209/1984)
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação dada pela Lei 7.209/1984)
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei 7.209/1984)
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Incluído
pela Lei 7.209/1984)

97
(...)
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54)
Pena – detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada
ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
(...)
Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz,
de seu representante legal.
(...)
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
(...)
Violência Doméstica (Incluído pela Lei 10.886/2004)
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem
conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade: (Redação dada pela Lei 11.340/2006)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei 11.340/2006)

Código de Processo Penal/1941

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela
Lei 12.403/2011)

98
(...)
IV – gestante; (Redação dada pela Lei 13.257/2016)
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei 13.257/2016)
(...)
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei 12.403/2011)
I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar
atividades; (Redação dada pela Lei 12.403/2011)
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao
fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
(Redação dada pela Lei 12.403/2011)
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato,
deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei 12.403/2011)
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a
investigação ou instrução; (Incluído pela Lei 12.403/2011)
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha
residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei 12.403/2011)
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando
houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei 12.403/2011)
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça,
quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de
reiteração; (Incluído pela Lei 12.403/2011)
VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obs-
trução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei 12.403/2011)
IX – monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei 12.403/2011)
§ 1º (Revogado pela Lei 12.403/2011)
§ 2º (Revogado pela Lei 12.403/2011)
§ 3º (Revogado pela Lei 12.403/2011)
§ 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada
com outras medidas cautelares. (Incluído pela Lei 12.403/2011)

99
Consolidação das Leis do Trabalho/1943

Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do
emprego e do salário. (Redação dada pela Lei 10.421/2002)
§ 1º A empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do afastamento
do emprego, que poderá ocorrer entre o 28º (vigésimo oitavo) dia antes do parto e ocorrência deste. (Redação
dada pela Lei 10.421/2002)
§ 2º Os períodos de repouso, antes e depois do parto, poderão ser aumentados de 2 (duas) semanas cada um,
mediante atestado médico. (Redação dada pela Lei 10.421/2002)
§ 3º Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 (cento e vinte) dias previstos neste artigo.
(Redação dada pela Lei 10.421/2002)
§ 4º É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos: (Redação dada
pela Lei 9.799/1999)
I – transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função
anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho; (Incluído pela Lei 9.799/1999)
II – dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas
médicas e demais exames complementares. (Incluído pela Lei 9.799/1999)
§ 5º (Vetado) (incluído pela Lei 10.421/2002)
Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente
será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392 desta Lei. (Redação dada pela Lei 13.509/2017)
§ 1º (Revogado pela Lei 12.010/2009)
§ 2º (Revogado pela Lei 12.010/2009)
§ 3º (Revogado pela Lei 12.010/2009)
§ 4º A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante
ou guardiã. (Incluído pela Lei 10.421/2002)
§ 5º A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença-maternidade a apenas um dos
adotantes ou guardiães empregado ou empregada. (Incluído pela Lei 12.873/2013)

Código de Processo Civil/1973

Art. 100. É competente o foro:


I – da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para
a anulação de casamento; (Redação dada pela Lei 6.515/1977)

100
Lei 7.210/1984
(Lei de Execução Penal)

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá aten-
dimento médico, farmacêutico e odontológico.
(...)
§ 3º Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo
ao recém-nascido. (Incluído pela Lei 11.942/2009)
(...)
Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas
e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.
(...)
§ 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas
possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. (Redação dada
pela Lei 11.942/2009)
§ 3º Os estabelecimentos de que trata o § 2º deste artigo deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo
feminino na segurança de suas dependências internas. (Incluído pela Lei 12.121/2009).
(...)
Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante
e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a
finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. (Redação dada pela Lei 11.942/2009)
Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: (Incluído pela Lei
11.942/2009)
I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e
em unidades autônomas; e (Incluído pela Lei 11.942/2009)
II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. (Incluído pela
Lei 11.942/2009)

Lei 8.069/1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente)

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e ado-
lescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

101
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre
dezoito e vinte e um anos de idade.
(...)
Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de
planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao
puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. (Redação
dada pela Lei 13.257/2016)
§ 1º O atendimento pré-natal será realizado por profissionais da atenção primária. (Redação dada pela Lei
13.257/2016)
§ 2º Os profissionais de saúde de referência da gestante garantirão sua vinculação, no último trimestre da
gestação, ao estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o direito de opção da mulher. (Redação
dada pela Lei 13.257/2016)
§ 3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos
alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária, bem como o acesso a outros serviços e a
grupos de apoio à amamentação. (Redação dada pela Lei 13.257/2016)
§ 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e
pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. (Incluído pela
Lei 12.010/2009)
§ 5º A assistência referida no § 4º deste artigo deverá ser prestada também a gestantes e mães que manifestem
interesse em entregar seus filhos para adoção, bem como a gestantes e mães que se encontrem em situação
de privação de liberdade. (Redação dada pela Lei 13.257/2016)
§ 6º A gestante e a parturiente têm direito a 1 (um) acompanhante de sua preferência durante o período do
pré-natal, do trabalho de parto e do pós-parto imediato. (Incluído pela Lei 13.257/2016)
§ 7º A gestante deverá receber orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar saudável e
crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e
de estimular o desenvolvimento integral da criança. (Incluído pela Lei 13.257/2016)
§ 8º A gestante tem direito a acompanhamento saudável durante toda a gestação e a parto natural cuidadoso,
estabelecendo-se a aplicação de cesariana e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos. (Incluído
pela Lei 13.257/2016)
§ 9º A atenção primária à saúde fará a busca ativa da gestante que não iniciar ou que abandonar as consultas
de pré-natal, bem como da puérpera que não comparecer às consultas pós-parto. (Incluído pela Lei 13.257/2016)
§ 10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem
sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais

102
do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente,
visando ao desenvolvimento integral da criança. (Incluído pela Lei 13.257/2016)
(...)
Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento
materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.
§ 1º Os profissionais das unidades primárias de saúde desenvolverão ações sistemáticas, individuais ou co-
letivas, visando ao planejamento, à implementação e à avaliação de ações de promoção, proteção e apoio ao
aleitamento materno e à alimentação complementar saudável, de forma contínua. (Incluído pela Lei 13.257/2016)
§ 2º Os serviços de unidades de terapia intensiva neonatal deverão dispor de banco de leite humano ou unidade
de coleta de leite humano. (Incluído pela Lei 13.257/2016)

Lei 8.112/1990

Art. 210. À servidora que adotar ou obtiver guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, serão concedidos
90 (noventa) dias de licença remunerada. (Vide Decreto 6.691/2008)

Lei 9.096/1995
Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por:
I – multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas;
II – recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual;
III – doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na
conta do Fundo Partidário;
IV – dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em
31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real,
em valores de agosto de 1995.
§ 1º (Vetado)
§ 2º (Vetado)
(...)
Art. 41-A. Do total do Fundo Partidário: (Redação dada pela Lei 12.875/2013) (Vide ADI 5.105)
I – 5% (cinco por cento) serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que atendam aos
requisitos constitucionais de acesso aos recursos do Fundo Partidário; e (Redação dada pela Lei 13.165/2015)

103
II – 95% (noventa e cinco por cento) serão distribuídos aos partidos na proporção dos votos obtidos na última
eleição geral para a Câmara dos Deputados. (Incluído pela Lei 12.875/2013) (Vide ADI 5.105)
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II, serão desconsideradas as mudanças de filiação partidária
em quaisquer hipóteses. (Redação dada pela Lei 13.107/2015)
(...)
Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:
(...)
§ 5º-A. A critério das agremiações partidárias, os recursos a que se refere o inciso V poderão ser acumulados
em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em
campanhas eleitorais de candidatas do partido. (Incluído pela Lei 13.165/2015) (Vide ADI 5.617)
(...)
§ 7º A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pesquisa e de
doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados em
diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em cam-
panhas eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando, neste caso, o disposto no § 5º. (Incluído pela Lei
13.165/2015) (Vide ADI 5.617)

Lei 9.100/1995

Art. 11. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara Municipal até cento e vinte por
cento do número de lugares a preencher.
(...)
§ 3º Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candi-
daturas de mulheres.

Lei 9.455/1997

Art. 1º Constitui crime de tortura:


I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

104
II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico
ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na
pena de detenção de um a quatro anos.
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se
resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I – se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60
(sessenta) anos; (Redação dada pela Lei 10.741/2003)
III – se o crime é cometido mediante sequestro.
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício
pelo dobro do prazo da pena aplicada.
§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em
regime fechado.

Lei 9.504/1997

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legis-
lativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento)
do número de lugares a preencher, salvo: (Redação dada pela Lei 13.165/2015)
(...)
§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá
o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
(Redação dada pela Lei 12.034/2009)

105
Lei 11.340/2006
(Lei Maria da Penha)

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência
e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
(...)
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com
ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, iso-
lamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação
do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar
de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comer-
cializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo
ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição

106
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
(...)
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência,
deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos
no Código de Processo Penal:
I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
(...)
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será
admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade,
antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
(...)
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas
criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática
de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada
pela legislação processual pertinente.
(...)
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena
prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Lei 11.770/2008
Art. 1º É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da
licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.
§ 1º A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a
empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da
licença-maternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.
§ 2º A prorrogação será garantida, na mesma proporção, também à empregada que adotar ou obtiver guarda
judicial para fins de adoção de criança.
Art. 2º É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta
prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1º desta Lei.

107
Lei 13.165/2015

Art. 9º Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancárias
específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante
do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de
suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei 9.096, de 19 de
setembro de 1995.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão/1789

Art. 8º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido
senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos/1969


(Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto 678/1992)
Artigo 25
Proteção Judicial
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos
ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela
constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que
estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
2. Os Estados-Partes comprometem-se:
a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de
toda pessoa que interpuser tal recurso;
b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e
c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competente, de toda decisão em que se tenha considerado
procedente o recurso.

108
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher/1979
(Promulgada pelo Decreto 4.377/2002)
Artigo 4º
1. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade
de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas
de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas
medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.
2. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, desti-
nadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória.

Declaração e Programa de Ação de Viena/1993


(Conferência Mundial sobre Direitos Humanos promovida pela ONU)
Capítulo I
(...)
18. Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível
dos direitos humanos universais. A plena participação das mulheres, em condições de igualdade, na vida política,
civil, econômica, social e cultural nos níveis nacional, regional e internacional e a erradicação de todas as formas
de discriminação com base no sexo são objetivos prioritários da comunidade internacional.
(...)
Capítulo II
B
(...)
3
36. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos insta firmemente que as mulheres tenham acesso pleno
e igual a todos os direitos humanos e que isto seja uma prioridade para os Governos e as Nações Unidas. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza também a importância da integração e plena participação
das mulheres como agentes e beneficiárias do processo de desenvolvimento e reitera os objetivos estabelecidos
em relação à adoção de medidas globais em favor das mulheres, visando ao desenvolvimento sustentável e
equitativo previsto na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e no capítulo 24 da Agenda
21, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 3 a
14 de junho de 1992).
(...)

109
38. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos enfatiza particularmente a importância de se trabalhar
no sentido de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres na vida pública e privada, de eliminar
todas as formas de assédio sexual, exploração e tráfico de mulheres, de eliminar preconceitos sexuais na
administração da justiça e erradicar quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos da mulher e as
consequências nocivas de determinadas práticas tradicionais ou costumeiras, do preconceito cultural e do
extremismo religioso. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela à Assembleia Geral para que adote
o projeto de declaração sobre a violência contra a mulher e insta os Estados a combaterem a violência contra
a mulher em conformidade com as disposições da declaração. As violações dos direitos humanos da mulher
em situações de conflito armado são violações de princípios fundamentais dos instrumentos internacionais de
direitos humanos e do direito humanitário. Todas as violações desse tipo, incluindo particularmente assassina-
tos, estupros sistemáticos, escravidão sexual e gravidez forçada, exigem uma resposta particularmente eficaz.

Convenção de Belém do Pará/1994


(Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pelo
Decreto 1.973/1996)
Artigo 2
Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:
a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor
compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras turmas, o estupro, maus-
-tratos e abuso sexual;
b) ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso
sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem
como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e
c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
(...)
Artigo 4
Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e
liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos.
Estes direitos abrangem, entre outros:
a) direito a que se respeite sua vida;
b) direitos a que se respeite sua integridade física, mental e moral;
c) direito à liberdade e à segurança pessoais;
d) direito a não ser submetida a tortura;

110
e) direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família;
f) direito a igual proteção perante a lei e da lei;
g) direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus
direitos;
h) direito de livre associação;
i) direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e
j) direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos,
inclusive na tomada de decisões.

Declaração de Pequim/1995
(Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher)
Capítulo IV
D
112. A violência contra a mulher constitui obstáculo a que se alcance os objetivos de igualdade, desenvolvi-
mento e paz. A violência contra a mulher viola, prejudica ou anula o desfrute por ela dos seus direitos humanos e
liberdades fundamentais. A inveterada incapacidade de proteger e promover esses direitos humanos e liberdades
nos casos de violência contra a mulher é um problema que preocupa todos os Estados e exige solução. Desde a
Conferência de Nairóbi que se tem ampliado consideravelmente o conhecimento das causas, das consequências
e do alcance dessa violência, assim como das medidas indicadas para combatê-la. Em todas as sociedades, com
maior ou menor incidência, as mulheres e as meninas estão sujeitas a maus tratos de natureza física, sexual e
psicológica, sem distinção quanto ao seu nível de renda, classe ou cultura. A baixa condição social e econômica
da mulher pode ser tanto causa como consequência da violência de que é vítima.
113. A expressão “violência contra a mulher” se refere a quaisquer atos de violência, inclusive ameaças, coerção
ou outra privação arbitrária de liberdade, que tenham por base o gênero e que resultem ou possam resultar em
dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, e que se produzam na vida pública ou privada. Por
conseguinte, a violência contra a mulher pode assumir, entre outras, as seguintes formas:
a) a violência: física, sexual e psicológica que ocorre na família, inclusive sevícias; o abuso sexual das meninas
no lar, a violência relacionada com o dote, a violência por parte do marido, a mutilação genital e outras práticas
tradicionais que atentam contra a mulher, a violência exercida por pessoas outras que o marido e a violência
relacionada com a exploração;
b) a violência: física, sexual e psicológica no nível da comunidade em geral, inclusive as violações, os abusos
sexuais, o assédio e a intimidação: física, sexual e psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer
que ocorra.

111
(...)
117. As ameaças e os atos de violência quer ocorram no lar ou na comunidade, perpetrados ou tolerados pelo
Estado, infundem medo e insegurança na vida das mulheres e constituem obstáculo à obtenção da igualdade,
do desenvolvimento e da paz. O medo da violência, inclusive o assédio, é um constrangimento permanente para
a mobilidade da mulher e limita o seu acesso às atividades e recursos básicos. A violência contra a mulher está
associada a um elevado custo social, de saúde e econômico, tanto para o indivíduo como para a sociedade. A
violência contra a mulher é um dos mecanismos sociais fundamentais pelos quais a mulher é forçada a uma
posição de subordinação comparada com a do homem. Em muitos casos, a violência contra as mulheres e as
meninas ocorre na família ou no lar, onde muitas vezes a violência é tolerada. O abandono, o abuso físico e sexual
e a violação de meninas e mulheres por membros da família e outros moradores da casa, assim como os casos
de abusos cometidos pelo marido ou outros familiares, muitas vezes deixam de ser denunciados e, por isso, são
difíceis de detectar. Mesmo quando essa violência é denunciada, nem sempre as vítimas são protegidas ou os
agressores castigados.
118. A violência contra a mulher é uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre
mulheres e homens, que têm causado a dominação da mulher pelo homem, a discriminação contra ela e a
interposição de obstáculos ao seu pleno desenvolvimento. A violência contra a mulher ao longo do seu ciclo
vital deriva essencialmente de hábitos culturais, em particular dos efeitos prejudiciais de algumas práticas
tradicionais ou consuetudinárias e de todos os atos de extremismo relacionados com raça, sexo, idioma ou
religião, que perpetuam a condição de inferioridade conferida à mulher no seio da família, no local de trabalho,
na comunidade e na sociedade. A violência contra a mulher é agravada por pressões sociais, como a vergonha
de denunciar certos atos; pela falta de acesso da mulher à informação, à assistência e à proteção jurídicas;
pela falta de leis que efetivamente proíbam a violência contra a mulher; pelo fato de que não são devidamente
emendadas as leis vigentes; pela falta de empenho das autoridades públicas na difusão das leis vigentes e no
seu cumprimento; e pela ausência de meios educacionais e de outro tipo para combater as causas e as conse-
quências da violência. As imagens de violência contra a mulher que aparecem nos meios de comunicação, em
particular as representações de estupro ou de escravidão sexual, assim como a utilização de mulheres e meninas
como objetos sexuais, inclusive a pornografia, são fatores que contribuem para a prevalência contínua dessa
violência, prejudicial à comunidade em geral e, em particular, às crianças e aos jovens.
(...)
121. As mulheres podem tornar-se vulneráveis a violência perpetrada por pessoas em posição de autoridade,
tanto em situações de conflito como de não conflito. O treinamento de todos os agentes em questões humanitá-
rias e leis de direitos humanos e a punição dos perpetradores de atos de violência contra a mulher ajudariam a
garantir que a violência não seja praticada pelos agentes públicos, inclusive agentes policiais e penitenciários,
e forças de segurança, em quem as mulheres deveriam poder confiar.

112
(...)
I
224. A violência contra as mulheres constitui ao mesmo tempo uma violação de seus direitos humanos e liber-
dades fundamentais e um óbice e impedimento a que desfrutem desses direitos. Tendo em conta a Declaração
sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher e o trabalho dos relatores especiais, a violência baseada no
gênero, como sevícias e outras violências domésticas, abuso sexual, escravidão e exploração sexuais, tráfico
internacional de mulheres e meninas, prostituição imposta e assédio sexual, assim como a violência contra as
mulheres derivada de preconceitos culturais, racismo, discriminação racial, xenofobia, pornografia, depuração
étnica, conflito armado, ocupação estrangeira, extremismo religioso e antirreligioso e terrorismo são incompa-
tíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser combatidos e eliminados. É preciso proibir e
eliminar todo aspecto nocivo de certas práticas tradicionais, costumeiras ou modernas, que violam os direitos
das mulheres. Os governos devem adotar medidas urgentes para combater e eliminar todas as formas de vio-
lência contra as mulheres na vida privada e pública, perpetradas ou toleradas pelo Estado ou pelos indivíduos.

Relatório n. 54/2001 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – Organização dos


Estados Americanos (caso 12.051 – Maria da Penha Maia Fernandes vs. Brasil)

55. A impunidade que gozou e ainda goza o agressor e ex-esposo da Senhora Fernandes é contrária à obrigação
internacional voluntariamente assumida por parte do Estado de ratificar a Convenção de Belém do Pará. A falta
de julgamento e condenação do responsável nessas circunstâncias constitui um ato de tolerância, por parte do
Estado, da violência que Maria da Penha sofreu, e essa omissão dos tribunais de justiça brasileiros agrava as
consequências diretas das agressões sofridas pela Senhora Maria da Penha Maia Fernandes. Além disso, como
foi demonstrado anteriormente, essa tolerância por parte dos órgãos do Estado não é exclusiva deste caso, mas
uma pauta sistemática. Trata-se de uma tolerância de todo o sistema, que não faz senão perpetuar as raízes e
fatores psicológicos, sociais e históricos que mantêm e alimentam a violência contra a mulher.
56. Dado que essa violação contra Maria da Penha é parte de um padrão geral de negligência e falta de efetivi-
dade do Estado para processar e condenar os agressores, a Comissão considera que não só é violada a obrigação
de processar e condenar, como também a de prevenir essas práticas degradantes. Essa falta de efetividade
judicial geral e discriminatória cria o ambiente propício à violência doméstica, não havendo evidência social-
mente percebida da vontade e efetividade do Estado como representante da sociedade, para punir esses atos.

113
Bibliografia
temática
A bibliografia a seguir compõe-se de escritos que analisam de maneira crítica e/ou interpretativa questões relacionadas
aos mais diferentes tópicos abordados nesta publicação. A listagem informa ainda em qual acervo das bibliotecas
cooperantes da Rede Virtual de Bibliotecas (RVBI) as obras estão registradas.

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