Bernard Charlot o Professor Na Sociedade Contemporânea
Bernard Charlot o Professor Na Sociedade Contemporânea
Bernard Charlot o Professor Na Sociedade Contemporânea
FRACASSO ESCOLAR:
UM SINTOMA SOCIAL
DA CONTEMPORANEIDADE
• aprender a conhecer;
• aprender a fazer;
• aprender a conviver;
• aprender a ser.
Conforme nos aponta Vial (1979) citado por Baeta (1988), os primei-
ros trabalhos sobre as dificuldades de aprendizagem escolar centravam
suas explicações nas noções de congenitabilidade e de hereditariedade,
atribuindo todas as perturbações que não fossem causadas por lesão cere-
bral a disfunções neurológicas ou a retardos de maturação imputados a
um equipamento genético defeituoso.
Em nosso trabalho anterior,3 afirmamos que no século XIX teve início o
interesse por compreender e atender aos portadores de problemas de apren-
dizagem. Vimos, ainda, que a tradição de uma concepção organicista dos
problemas de aprendizagem, que perdurou até bem recentemente em nosso
país, deve-se, entre outras coisas, ao fato de terem sido os médicos os pri-
meiros a preocuparem-se com os problemas de aprendizagem. Itard, Perei-
ra, Seguin, Esquiral, Montessori, Claparède, Neville, Decroly foram educa-
dores que marcaram profundamente o ideário pedagógico por um pensa-
mento médico, visto terem essa formação (Bossa, 2000).
Posteriormente, por meio dos trabalhos de Binet e Simon, vivemos a
era da psicometria. Binet, em 1904, na França, criou os primeiros testes de
inteligência. A partir daí o fracasso escolar foi associado ao déficit intelec-
tual, ou seja, um baixo QI, de forma que “boa aprendizagem e inteligência
formavam, portanto, um binômio muito firme, e qualquer fracasso se rela-
cionava, automaticamente, com debilidade mental” (Ocampo, 1994, p. 397).
Segundo Ocampo, o império da psicometria dificultou, durante mui-
tos anos, a integração do estudo da personalidade, no plano profundo,
com o das dificuldades de aprendizagem. Diz a autora (1994) que os pou-
cos trabalhos que se destacam no sentido da integração das abordagens
psicanalíticas com as dificuldades de aprendizagem são: os trabalhos de
Melanie Klein sobre os efeitos da inibição da curiosidade no desenvolvi-
mento intelectual de uma criança; os estudos de Rapaport sobre a inteli-
gência e o pensar; o livro de G. Pearson, Psicoanálisis y educación del niño;
e o livro de Isabel Luzuriaga sobre contra-inteligência, avanço muito valio-
so na dinâmica da não-aprendizagem.
Estamos de acordo com a autora, quando afirma que, no campo das
dificuldades de aprendizagem, o que importa não é considerar apenas o
potencial intelectual demonstrado pelo sujeito no momento do exame, mas
também o potencial que possui e não pode usar. Nesse sentido, somente
estudando a singularidade do sujeito podemos compreender o sentido do
sintoma escolar.
Não temos dúvida de que a capacidade intelectual que uma criança
evidencia diante de um teste pode ser apenas uma parte de seu real poten-
cial. Como aponta Souza (1995), é possível que sérios conflitos bloqueiem
as possibilidades de usá-lo. Em seu trabalho intitulado “Pensando a inibi-
ção intelectual”, a autora mostra como muitas vezes o impedimento de um
bom desempenho intelectual está vinculado a problemáticas afetivas. Em
sua experiência, Souza constata que com base na elaboração de tais confli-
24 Nadia A. Bossa
Collares (1989), por sua vez, afirma que o fracasso escolar é um pro-
blema social e politicamente produzido. Segundo a autora, é necessário
desmistificar as famosas causas externas do fracasso escolar, pela articula-
ção destas àquelas existentes no próprio âmbito escolar, relativizando e até
mesmo invertendo as muitas formas de compreendê-lo, dentre as quais a
atual caracterização do fracasso escolar como “problemas de aprendiza-
gem”, que dessa perspectiva seria pensado como “problemas de ensinagem”,
que não são produzidas exclusivamente dentro da sala de aula.
Os trabalhos de Patto (1987), Mello (1983), Brandão (1983), Collares
(1989), que representam denúncia e protesto ao descaso de nossos
governantes com a educação em nosso país, são de profunda relevância. É
fundamental abordar a questão do fracasso escolar do ponto de vista dos
fatores sociopolíticos, visto que dizem respeito à manutenção das más con-
dições de vida e subsistência de grande parte da população escolar brasi-
leira, e não podemos consentir que o discurso científico se preste a perpe-
tuar tal estado de coisas.
Em nosso estudo, adotamos uma perspectiva que considera o fracasso
escolar um sintoma social e o analisa no contexto individual, no contexto
cultural e no contexto escolar. Não deixamos, evidentemente, de reconhe-
cer os obstáculos à aprendizagem escolar decorrentes de fatores ideológi-
cos presentes na organização do sistema educacional brasileiro.
No que se refere à escola, percorrendo a história dessa instituição, da
modernidade aos dias atuais, podemos constatar a profunda relação entre
os seus fins e a preparação para o trabalho. O tecnicismo pedagógico afina-
se com os tempos atuais, quando a noção de infância está tensionada e dá
mostras de poder desaparecer. Hoje, porém, busca-se melhorar a escola,
introduzindo no ideário pedagógico a noção de afetividade. Esta sempre
esteve e estará presente na relação pedagógica, pois não há relacionamen-
to humano em que não esteja presente essa dimensão do Ser. No entanto,
a questão de seu manejo é ainda um grande desafio para o educador. Nes-
se sentido, este livro tenta resgatar o verdadeiro sentido da afetividade no
contexto da escolaridade.
As novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental apontam
a importância de o professor considerar o aluno em sua dimensão afetiva.
Diz o texto:
NOTAS