AtasICongressoHistoriaMovimentoOperarioMovimentosSociaisPortugal Vol1 PDF
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História do Movimento
Operário e dos
Movimentos Sociais em
Portugal
ISBN: 978-972-96844-6-3
Introdução
Nos finais do século XIX e inícios do séc. XX, Setúbal conhece um acelerado
processo de industrialização a que acresce um aumento demográfico
considerável.
Um e outro estão umbilicalmente ligados à ascensão da indústria
conserveira.
Deste modo, Setúbal, de comunidade rural e piscatória tradicional, em
poucos anos, vai passar a espaço fabril e urbano, transformando-se num
importante centro daquela indústria2.
A este crescimento produtivo corresponderá um crescimento
populacional. Em 1890 a população do concelho era de 29 320 habitantes,
passando para 47 783 em 1911, com um aumento de mais de dezasseis mil
pessoas.
O aumento demográfico na cidade propriamente dita ainda é
proporcionalmente mais significativo, passando dos 17 581 habitantes em 1890
para 30 346 em 1911.
A cidade tem, assim, o seu passado indissoluvelmente ligado ao
nascimento e desenvolvimento da produção de conservas e de todas as outras
atividades económicas que gravitam em torno desta indústria nuclear 3.
Ao desenvolvimento económico e ao crescimento urbano associa-se um
incremento intelectual e associativo. A cidade do início do século é marcada por
um grande número de associações mutualistas e sindicais que lhe dão um traço
de rebeldia que se manterá no seu ADN citadino 4. De igual modo, a existência
de uma imprensa periódica variada marcará a vida intelectual e urbana.
1 ESE-IPS/IHC-FCSH-UL.
2 Valente, Vasco Pulido, “Os conserveiros de Setúbal (1887-1901)”, in Análise Social, vol XVII, (67,
68 e 69), 1981.
3 Costa, Albérico Afonso, Setúbal – Roteiros Republicanos, Edição da Comissão Nacional para as
deixadas pelos libertários e afins ao longo do século XX, Lisboa, Edições Colibri, 2013, pp. 14-34.
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O Germinal, um roteiro acrata para a revolução social
A inspiração ideológica
Este jornal, antes e depois da implantação da República e durante mais de
10 anos, nunca restringiu a sua ação à defesa das questões estritamente laborais.
As componentes culturais, sociais e políticas tiveram sempre uma presença
bastante viva nas suas páginas.
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Albérico Afonso Costa
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O Germinal, um roteiro acrata para a revolução social
Eterna besta de carga, eterno espoliado, eterna vítima. Vítima do poder, vítima
da polícia, vítima do fisco, vítima do escrivão, vítima de toda a gente – vítima
do rei e de Deus.5
Mas porquê, então, esta participação de França Borges, homem ligado ao
Partido Republicano, num jornal de inspiração anarquista?
O grupo fundador de O Germinal de Setúbal pertencia a uma de duas
fações do movimento anarquista português no dealbar do século XX. Destas
duas correntes, uma, a dos chamados “puritanos”, preconizava uma política
autónoma em relação a todos os “partidos burgueses”. A segunda, a
“intervencionista”, (de que fazia parte o grupo de O Germinal), defendia
alianças pontuais com o Partido Republicano com o objetivo de combater o
inimigo comum – a Monarquia.
Antes do 5 de Outubro, o próprio Afonso Costa defenderá no tribunal,
pelo menos uma vez, Martins dos Santos, diretor de O Germinal, preso sob o
pretexto de se ter manifestado contra a proibição de uma conferência
anticlerical que se realizaria em Setúbal na Associação dos Marítimos.
Os jornais de confissão anarquista, antes do 5 de Outubro proibidos por
lei, tinham de recorrer habitualmente à clandestinidade ou então a artifícios de
pseudo legalidade para esconder a sua verdadeira identidade.
O Germinal não podia reivindicar-se abertamente do anarquismo, mas
não fazia também grande esforço para esconder a sua família ideológica.
Contaria possivelmente com a pouca cultura política dos polícias e das censuras
da época.
Nos dois primeiros números do jornal não encontramos referências
claras de conteúdo libertário, podendo a totalidade dos textos ser assinada por
qualquer republicano dos sectores mais radicais.
No entanto, no terceiro e quarto números, dois artigos de Kropotkine, que
identificam o sufrágio universal como “primeira arma da burguesia para
manietar e controlar o movimento operário dentro do quadro do Estado
burguês”6 retiram quaisquer dúvidas sobre a ascendência ideológica do jornal.
Nos números 9 e 10, um texto de Carlos Malato intitulado a “Pátria e a
Religião”, dá novo subsídio à descoberta da identidade política deste
semanário. O anticlericalismo e o internacionalismo dão lugar a uma primeira
polémica com outras correntes sobre as virtualidades do pensamento libertário.
5 In O Germinal n.º 1, de 4 de Outubro de 1903. Nas citações que fazemos dos textos da época
adotámos a caligrafia atual.
6 In Germinal n.º 3, de 18 de Outubro de 1903.
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O internacionalismo proletário
Apesar de O Germinal intervir de forma sistemática sobre as questões
centrais da vida do país e da cidade de Setúbal, com destaque para as questões
políticas, sociais e sindicais, afirma-se sempre como um projeto político
internacionalista.
Do ponto de vista ideológico e doutrinário assume-se contra os
nacionalismos e contra o patriotismo, seguindo o lema de que “os proletários
não têm pátria”.
Por isso mesmo, mais do que uma vez, promove coletas entre o operariado
setubalense para o fundo de greves mais prolongadas, quer em Portugal, quer
no estrangeiro. Estas ações tinham, de acordo com os seus autores, a dupla
função de “educar” a classe operária na vertente internacionalista e
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Albérico Afonso Costa
Um jornal feminista?
Outro dos aspetos que dá uma grande individualidade a este jornal é o seu
posicionamento face às questões de género.
Sobre esta matéria a sua intervenção é muito variada. Não se limita à
esfera estritamente laboral, pedindo condições de igualdade para homens e
mulheres.
Num dos primeiros números do jornal há um artigo intitulado “O
feminismo”, assinado por Thereza Manné, que em tom pedagógico reivindica
iguais direitos para homens e mulheres.
Os homens pensadores, falando de feminismo, passam o tempo discutindo o
nosso carácter, a nossa natureza, o temperamento que temos, a nossa
constituição orgânica, o ângulo facial, o volume mais ou menos pronunciado
de certas partes do nosso corpo, o pêlo mais ou menos abundante que cobre a
nossa epiderme; porém não dizem que nos têm dado uma falsa instrução,
rodeando-nos de preocupações que nos regateiam o direito de frequentarmos
as aulas universitárias, tratando-nos como uma coisa delicada ou como uma
porção de carne lasciva sobre um espírito morto.
Contudo, a mulher, desmentindo os que amesquinham as suas faculdades,
tem-se elevado aos mais altos postos da ciência, da filosofia, da arte, tem-se
feito evolucionar destruindo as cadeias que se interpunham ao seu voo, e
audaz, intrépida, vitoriosa, tem dissertado na cátedra, tem perorado no
comício, tem discutido em públicos congressos, fazendo ver que tanto se
entusiasma pelo grande e belo, pelo sentimento, como pelo profundamente
revolucionário11.
Num outro artigo os autores recorrem ao que denominam ser o “parecer
de uma sumidade científica” para provar a igualdade de faculdades entre
homens e mulheres, explicando que as “diferenças só se compreendem pela
especial instrução dada a cada um dos sexos, infelizmente tão distinta”12.
Vão ainda posicionar-se contra a “dupla exploração” a que são sujeitas as
mulheres.
Um artigo assinado por Maria Munhós refere:
A vós companheiras de trabalho e de infortúnio, me dirijo; a vós que sofreis
como eu a dupla escravidão do capital e do homem. Algumas de nós
abraçámos o belo ideal libertário, porque compreendemos que só com a ampla
liberdade que ele preconiza a humanidade poderá ser feliz. Todos os homens,
quer proletários, quer burgueses, e todas as classes dominantes têm
O antimilitarismo
O movimento operário internacional, sob a influência das correntes
libertárias e socialistas, era por tradição antimilitarista. Na letra de “A
Internacional”, hino que celebrava a primeira organização de trabalhadores a
nível mundial, podemos constatar a marca genética antimilitarista deste hino
que pretendia unir os proletários do mundo inteiro:
Paz entre nós, guerra aos senhores
Façamos greve de soldados
Somos irmãos, trabalhadores.14
Logo num dos seus primeiros números, O Germinal publica um artigo
assinado por Ramalho Ortigão numa violenta crítica ao exército, onde se
interroga sobre as suas funções: “O que é todo o exército permanente senão
uma provocação para o homicídio?”15
Em 27 de Novembro de 1904, dá conta de uma reunião em Lisboa de
“grupos revolucionários a fim de constituírem a Associação Internacional
Antimilitarista em conformidade com as resoluções do Congresso de
Amesterdão. Martins Monteiro, de O Germinal, foi um dos membros eleitos para
o comité português.
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O anticlericalismo
Tal como os marxistas, que consideravam que a “religião era o ópio do
povo”, também os anarquistas vão travar uma luta sem tréguas contra a religião
(apresentada como a “peste religiosa”), que consideram uma das “maiores
enfermidades de que padece a mente humana”.
Deste modo, o anticlericalismo será um dos eixos do programa de
intervenção dos anarco-sindicalistas portugueses e também dos anarco-
sindicalistas setubalenses. Sobre esta matéria os libertários não estão
unicamente acompanhados pelos marxistas. Também o Partido Republicano
Português travará uma grande luta ideológica contra a Igreja Católica, que
considera a principal responsável pelo atraso intelectual em que se encontrava o
povo português.
O Germinal integra dezenas de artigos sobre este tema em que a religião é
acusada de ter estado, ao longo da história, quase sempre ao lado dos
poderosos. A Igreja Católica é apresentada pelo jornal como a principal aliada
do capitalismo, ao decretar que os pobres só poderão gozar no “outro mundo”
o que os ricos gozariam já neste. É assim responsabilizada pela “conivência com
a exploração capitalista” e o padre é habitualmente sinónimo de obscurantismo
e de “inimigo capital da humanidade”24.
Denuncia a endogamia entre a Igreja e o poder político local, com prejuízo
para os mais pobres. Um clérigo local chega a ser tratado como “O reacionário
Cornélio, repelente figura do clero de Setúbal”25.
A religião é sempre um fator de “retrocesso social” e de “atraso”, em
contraponto com a ideologia libertária que representaria o futuro:
As ciências positivas e experimentais há muito que nos mostram que os
deuses, os pecados e quejandas lérias não passam de irrisórios espantalhos
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que o povo vai tendo o bom critério de atirar para o número das coisas inúteis,
por não lhes reconhecer a existência e mesmo por lhe serem dispensáveis. (…)
A classe clerical desaparecerá ao sopro purificador da Revolução, não
deixando outro vestígio mais, que uma repugnante recordação histórica. (…)
Os padres nada valem, representam o intolerantismo, o passado, as trevas. O
libertarismo é o amanhã, a certeza de muita equidade, o reinado da Liberdade,
da Igualdade e Solidariedade.26
A ditadura de João Franco inicia uma outra fase que vai até à queda do
regime monárquico, que se distingue da anterior pelo aumento exponencial da
violência verbal em relação ao governo e ao seu chefe.
Esta acrimónia surge imediatamente desde o dia em que João Franco
assume a chefia do governo:
O Trepoff lusitano, João Franco, foi chamado à chefatura do governo27. Os que
não esqueceram ainda a sanguinária obra dessa figura que tem vísceras de
tigre e carácter de Torquemada; os que sabem que muitas dezenas de
trabalhadores estão condenados por toda a vida aos horrores da Guiné e de
Timor; os que sabem que essa terrível forca da liberdade – a Bastilha da
Estrela – é obra dessa personagem mil vezes execranda.28
Estes são alguns dos epítetos que em letras garrafais em toda a primeira
página brindam a entrada de João Franco para a chefia do governo.
Ao longo do governo de João Franco, O Germinal levará a cabo uma luta
violenta contra a sua política e especialmente as leis de associação e de
imprensa merecerão um repúdio total por parte deste jornal, numa campanha
política que dura meses.
O ódio e o rancor que os redatores de O Germinal lhe votavam estão bem
expressos na maneira como é verberado o fim político do ditador. Mesmo
depois da exoneração e do exílio não é poupado:
deixando após si uma estrada de sangue e de luta; na alma nacional o ódio e
na História uma página negra que será por todos os tempos, uma maldição
forte sobre a sua abominável memória, vai longe dos limites desta terra, numa
fuga cobarde, o repelente bandido. (…) João Franco – o maldito, João Franco o
bandido, é a suprema expressão do mal.29
Ainda no mesmo registo, as expressões utilizadas fazem-nos lembrar “A
Cena do Ódio”, de Almada Negreiros, pela violência das frases utilizadas:
Que o destino rubro do ódio vingador, lhe escalde os caminhos do exílio. Que
os rios de lágrimas vertidos por todas as suas vítimas se convertam para todo
o sempre em infernal dilúvio de maldições. Perdoar é humano, mas não
podemos perdoar a esse miserável que sintetizou em si toda a cobardia do
chacal, toda a ferocidade do tigre, todos os perigos do raio.
27 Trepoff foi um general russo que se celebrizou pela repressão sangrenta das greves operárias
na Rússia no quadro da Revolução de 1905.
28 In Germinal n.º 133, de 20 de Maio de 1906.
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com a morte dos conserveiros setubalenses, episódio que ficou conhecido como
os fuzilamentos de Setúbal.
A relação com o poder político local foi sempre de profunda oposição e
antagonismo, praticamente do primeiro ao último número. Durante o regime
monárquico, e mesmo depois da implantação da República, nunca houve
grandes tréguas no seu relacionamento.
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Em síntese
Numa conjuntura social e política caracterizada pelo reforço dos partidos
republicanos e pelo apagamento e declínio dos partidos socialistas, O Germinal é
a expressão ideológica do protesto social pela “independência e a autonomia de
classe face ao poder burguês”, para utilizar as suas próprias palavras.
A perseguição policial movida pela realeza e depois pelos republicanos, as
lutas internas, a suspensão da publicação e prisão dos seus mais destacados
colaboradores vão povoar o quotidiano deste semanário setubalense.
Encarnando o espírito polémico dos libertários, O Germinal move uma
peleja infatigável contra a falta de liberdades políticas e sindicais, contra a
tradição e contra alguns dos dogmas mais enraizados no tecido social.
Sendo um jornal setubalense, ultrapassou as fronteiras do paroquialismo,
afirmando-se desde a primeira hora como internacionalista; numa sociedade
profundamente patriarcal, ousou afirmar-se feminista na defesa reiterada dos
direitos das mulheres; numa sociedade em que a população era
maioritariamente católica, ergueu as bandeiras do anticlericalismo,
responsabilizando a Igreja e a religião pela situação de opressão vivida pelo
povo.
Conspirou ruidosamente contra todos os silêncios construídos em volta de
uma organização social que considerava imoral e injusta.
Apaixonado pela liberdade, valor que considerava sagrado e indiscutível,
O Germinal constitui uma experiência única, escapando ao policiamento da
moral estabelecida e ao conformismo perante os poderes vigentes.
Bibliografia
Costa, Albérico Afonso, Setúbal – Roteiros Republicanos, QuidNovi, Lisboa,
2010, pp. 40-54.
Fonseca, Carlos da, História do Movimento Operário e das Ideias Socialistas em
Portugal – Cronologia, Publicações Europa-América, Lisboa, s/d.
Freire, João e Lousada, Maria Alexandre, Roteiros da Memória Urbana de
Setúbal – Marcas deixadas pelos libertários e afins ao longo do século XX, Lisboa,
Edições Colibri, 2013.
Valente, Vasco Pulido, “Os conserveiros de Setúbal (1887-1901)”, in Análise
Social, vol. XVII (67, 68 e 69), 1981.
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acidente de natureza profissional por via da responsabilização das entidades patronais (ou
responsabilidade objectiva do empregador).
4 Não podendo ser inferiores a 1 ano para subsídios por doença, 3 anos para pensões por morte
Previdência das Casas do Povo (CPCP) e Casas dos Pescadores (CP). A criação das CPCP viria a
estar prevista no Decreto-Lei n.º 23 051, de 23 de Setembro de 1933, e seria uma iniciativa
fracassada, uma vez que teria fraca adesão por parte dos trabalhadores rurais. No que às CP diz
respeito, a Lei n.º 1953, de 11 de Março de 1937, e o Decreto n.º 27 978, de 20 de Agosto de 1937,
viriam a aprovar a sua criação e a exigir a obrigatoriedade de inscrição para quem trabalha nas
pescas.
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e o Fundo de Desemprego para várias classes, que terá o contributo dos empregadores e dos
trabalhadores e prevê compensações para as empresas que contratem desempregados.
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funcionários do Estado, civis e militares, por força do Decreto-Lei n.º 32 688, de 20 de Fevereiro
de 1943, e ampliado o âmbito de aplicação pelo Decreto-Lei n.º 33 537, de 21 de Fevereiro de
1944. Posteriormente, com o Decreto-Lei n.º 35 410, de 29 de Dezembro de 1945, o Governo
determina “a integração gradual do abono de família nas instituições de previdência”, o que
viria a precipitar a extensão do instituto do abono de família, p.e., às CP.
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14 Ao mesmo tempo, e seguindo a tendência de países como a França, a Suíça e a Suécia, eram
previstas taxas moderadoras, com o intuito de “obter (…) um freio ao abuso e uma forma de
diminuição dos encargos do seguro”.
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18 Não obstante, os trabalhadores rurais só viriam a ser plenamente integrados nas CPCP com a
entrada em vigor da Lei n.º 2144, de 29 de Maio de 1969.
19 Estas caixas destinavam-se a proteger na doença, na maternidade, na invalidez, na velhice,
por morte, abono de família e desemprego, podendo ainda abranger doenças profissionais.
20 Ainda em 1965, o Decreto-Lei n.º 46 813, de 30 de Dezembro, constitui a Caixa Central de
beneficiadas com pensão por morte, a qual passa a ser partilhada entre o
cônjuge e descendentes.
É instituído o princípio da actualização das pensões para atender à
variação do custo de vida.
Ainda em 1962, entra em vigor o Decreto-Lei n.º 44 307, de 27 de Abril,
que cria a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e que integra,
pela primeira vez, esta tipologia de doenças no sistema de Previdência Social,
contando com a Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, no que ao lançamento das
bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais
diz respeito22. Entre outros aspectos, esta lei conferia o direito à reparação dos
danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais tanto aos
trabalhadores como aos seus familiares (Base I), prevendo ainda mecanismos
compensatórios em espécie e em dinheiro (Base IX). Mais tarde, com o Decreto-
Lei n.º 434/73, de 25 de Agosto, seria actualizada a lista de doenças
profissionais, o que não ocorria desde 1936, e constituída uma comissão
permanente de revisão da lista das doenças profissionais (art. 2.º).
Finalmente, sublinhem-se as políticas de combate ao desemprego e apoio
aos desempregados, que passaram pela constituição do Fundo de
Desenvolvimento da Mão-de-Obra (Decreto-Lei n.º 44 506, de 10 de Agosto),
para atribuir um subsídio temporário de desemprego ao pessoal dispensado na
sequência de processos de reorganização industrial, e do Instituto de Formação
Profissional Acelerada (Decreto-Lei n.º 44 538, de 23 de Agosto), destinado a
promover acções de formação profissional que elevem o nível profissional dos
trabalhadores;
Dando continuidade à aposta feita, é promulgada a Lei n.º 2118, de 3 de
Abril de 1963, que lança as bases de promoção da saúde mental, e é criada a
Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (ADSE), pelo Decreto-Lei
n.º 45 002, de 27 de Abril de 1963, com o objectivo de prestar assistência em
todas as formas de doença aos funcionários públicos de modo a tentar
aproximá-los do regime de benefícios do sector privado, permitindo-lhes
beneficiar de protecção além da tuberculose e dos acidentes de trabalho,
passando a beneficiar também de assistência médica e cirúrgica, materno-
22Os acidentes de trabalho e as doenças profissionais não eram uma novidade. Porém, a Lei n.º
1942, de 27 de Julho de 1936, apesar de já regular o direito às indemnizações nesta matéria,
responsabilizava, basicamente, as entidades empregadoras ou as entidades que exerciam o
poder de direcção (art. 6.º).
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Alexandre Guerreiro
23 Este Decreto-Lei foi regulamentado pelo Decreto n.º 45 688, de 27 de Abril de 1964, e,
posteriormente, este regime é estendido aos funcionários das autarquias locais pelo Decreto n.º
49 313, de 23 de Outubro de 1969.
24 Cf. Reis Torgal, Luís. O Estado Novo e os Outros. Coimbra: Imprensa da Universidade de
Estado Novo (1933-1962). In: Estados Autoritários e Totalitários e suas representações. Coimbra:
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008, pp. 65-79.
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28 Recorde-se que a primeira lei sobre assistência judiciária data de 31 de Julho de 1899 e
integraria o Estatuto Judiciário que entrou em vigor pelo Decreto n.º 13 809, de 22 de Junho de
1927. Contudo, era ainda um instituto quase utópico, uma vez que o procedimento para aceder
à assistência judiciária era extremamente oneroso.
29 Ainda neste ano entraria em vigor o Regulamento da Assistência Judiciária nos Tribunais
Bibliografia
Amaro, António Rafael, O Modelo de Previdência Social do Estado Novo
(1933-1962), Estados Autoritários e Totalitários e suas representações, Coimbra,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008.
Neves, Ilídio das, Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais numa
Análise Prospectiva, Coimbra, Coimbra Editora, 1996.
Torgal, Luís Reis, O Estado Novo e os Outros, Coimbra, Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2009.
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Uma geografia da Lisboa operária em 1890
Ana Alcântara1
1 IHC-UNL. A autora beneficia de uma bolsa de doutoramento concedida pela Fundação para a
Ciência e Tecnologia [SFRH/BD/84489/2012].
2 Rodrigues, 1995; Silveira, Alves, Lima, Alcântara, Puig-Farré, 2011.
3 Lefebvre, 2007.
4 Thompson, 1966.
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Uma geografia da Lisboa operária em 1890
6 Cabral, 1988; Justino, 1988-1989; Lains, Silva, 2005; Reis, 1993; Silveira, Alves, Lima, Alcântara,
Puig-Farré, 2011.
7 Mónica, 1986, p.13.
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Anabela Silveira
tenha atingido estes países”10. Porém, foi mais lento e tardio que o ocorrido nos
restantes Estados europeus.
No caso português, a indústria de final de Oitocentos, embora com
bastantes problemas e um ritmo lento11, foi “um sector que conheceu um
crescimento tendencialmente positivo e sustentado”12, consequência
fundamental do desenvolvimento e diversificação da grande indústria
prioritariamente na cidade de Lisboa, mas também na grande dispersão e
articulação entre o trabalho desenvolvido nas pequenas oficinas ou mesmo no
domicílio e a produção industrial moderna, sobretudo no Porto e Covilhã. 13
Sobre a cidade de Lisboa há uma série de sínteses gerais sobre a sua
evolução demográfica14, industrial15 e urbanística16, assim como obras
fundamentais que procuram abarcar toda a sua evolução histórica ao longo dos
tempos.17 Nestes últimos textos a cidade, na segunda metade do século XIX, é
retratada como “a enorme cabeça de um país definhado”18 que vive um período
de transição do seu perfil socio-urbanístico.
De facto, no final desta época existiam inúmeros estabelecimentos
industriais e as oficinas de produção manufatureira em Lisboa, concentrando-se
sobretudo ao longo do Tejo.19 No Beato e Xabregas concentravam-se
essencialmente os armazéns de vinho, fábricas de tabaco, algodoeiras e
moagens, na Boavista, as fundições e fábricas de pregaria, na zona de Alcântara,
Santo Amaro e Calvário, as fábricas têxteis, de curtumes, de faiança,
serralharias e fundições20.
A multiplicidade de realidades, tanto em termos sectoriais como de
dimensão, que caracterizava a concentração industrial na Lisboa do final do
século XIX21 está espelhada numa série de estudos de carácter mais circunscrito
publicados nos últimos anos tanto por historiadores, sociólogos como por
14 Rodrigues, 1995.
19 Custódio, 1994.
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Uma geografia da Lisboa operária em 1890
1893.
26 Cabral, 1988, p. 168.
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41
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Anabela Silveira
29 Lefebvre, 2007.
30 Inquérito Industrial de 1890, vol. IV, p. 305.
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Uma geografia da Lisboa operária em 1890
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Anabela Silveira
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Uma geografia da Lisboa operária em 1890
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Anabela Silveira
Fig. 5 – Número de operários por fábrica, dos sectores industriais dos têxteis
32É de salientar que 12% do total de trabalhadores industriais registados no Inquérito Industrial
de 1890 (1842 pessoas) estavam ligados à produção de tecidos de algodão.
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Uma geografia da Lisboa operária em 1890
Fig. 6 – Energia utilizada (em CV) por sector industrial (fábricas com máquina(s)
a vapor)
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Anabela Silveira
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Uma geografia da Lisboa operária em 1890
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Anabela Silveira
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As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do
nacionalismo angolano
Anabela Silveira1
1 IHC/FCSH-UNL.
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Anabela Silveira
2Basil Davidson, na obra Angola – no centro do furacão, transcreve extractos das memórias de
Sandele, um angolano que, nos anos 50, foi vítima das arbitrariedades do sistema colonialista.
(Davidson, Basil, Angola – no centro do furacão, Edição Delfos, Lisboa 1972/1974).
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As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do nacionalismo angolano
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Anabela Silveira
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As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do nacionalismo angolano
3 Carta do Povo Aborígene de Angola dirigido às Nações Unidas, fax símile in CDIH, História do
MPLA (1940-1966), 1.º volume, edição do Centro de Documentação e Investigação Histórica do
MPLA, Luanda, 2008, p. 359.
4 Carta do Povo Aborígene de Angola dirigido às Nações Unidas…, p. 365.
5 Carta do Povo Aborígene de Angola …, p. 373. Convém referir que a revolta dos plantadores
algodoeiros na Baixa de Cassange, entre Dezembro de 1960 e meados de Março de 1961, teve
por base as condições iníquas de trabalho e de sobrevivência daqueles trabalhadores.
6 Carta do Povo Aborígene de Angola …, p. 382.
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Anabela Silveira
7 Informações do Ministério das Colónias sobre trabalho forçado, ANTT, Arquivo de Oliveira
Salazar, AOS/CO/UL-20, 16/11/1953, fls. 95/116.
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As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do nacionalismo angolano
A pouca adesão ao PCA levou a que três dos seus proponentes, Viriato da
Cruz, Ilídio Machado e António Jacinto, fundassem, em Dezembro de 1956,
uma nova organização, o PLUA9, que teve no Manifesto de 1956, o seu texto
estruturante. De igual modo aqui se referia a situação do trabalho e dos
trabalhadores, não só do trabalho forçado como o exemplo acabado da
exploração, mas também as condições de vida dos africanos.
O nível de vida dos trabalhadores está abaixo da linha de miséria. Os salários
são de fome. Baixa continuamente o poder de compra das massas
trabalhadoras [que] não têm direito a organizarem-se para a defesa dos seus
interesses de classe. Habitam palhotas e cubatas mal construídas, em bairros
infectos e desordenados, sem abastecimento de água, sem esgotos, sem luz,
sem mercados, sem escolas, sem praças, sem sanitários, sem higiene. Os filhos
dos trabalhadores, grande parte dos quais morre na infância, não têm direito à
instrução primária e profissional e dificultam-lhes, por todos os meios, o
acesso às escolas primárias e secundárias (…). Os trabalhadores do campo,
formando mais do que um quinto dos homens válidos de Angola, obrigados
pelo infame “contrato”, vivem sem o gozo dos mais elementares direitos
humanos (…). Dispõem deles como se fossem gado [e] no quadro geral dos
trabalhadores, os trabalhadores indígenas são mais explorados [trabalhando]
com instrumentos de lavoura rudimentares, em terras cuja posse individual
não lhes é reconhecida. Obrigam-nos a cultivar os géneros agrícolas que lhes
indicam. São explorados pelos parasitas intermediários que lhes compram os
géneros. Vivem na miséria, longe de todos os recursos.10
8 Acta da fundação do Partido Comunista de Angola, fax símile in CDIH, História do MPLA (1940-
1966), 1.º volume, edição do Centro de Documentação e Investigação Histórica do MPLA,
Luanda, 2008, p. 385.
9 Partido de Luta Unida dos Africanos de Angola.
10 Manifesto de 1956, ATD, Arquivo de Lúcio Lara, Dezembro de 1956, cópia manuscrita, doc. 53.
Convém salientar que este manifesto esteve na base da organização de muitos outros grupos,
nomeadamente do MPLA, que reivindica para a si a publicação do manifesto como a data da
sua fundação.
11Manifesto de 1956, ATD, Arquivo de Lúcio Lara, Dezembro de 1956, cópia manuscrita, doc. 53.
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As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do nacionalismo angolano
du principe “à travail égal, salaire égal”; c) Réclamer votre intervention pour que
soient rétablies immédiatement les libertés Civiques et Syndicales.17
17 Ibidem.
18 Artigo de Holden Roberto no jornal Ghana Times de 21/2/1959, ANTT, Arquivo da PIDE,
Processo 1139/59 SR, Informação n.º 102/59-GU, 3/8/1959, fls. 360/365.
19 Movimento Popular de Libertação de Angola.
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As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do nacionalismo angolano
A Resolução de Tunes foi também assinada pelos angolanos presentes: Viriato da Cruz e Lúcio
20
Lara pelo MPLA e J. Gilmor, um dos nomes usados por Holden Roberto, pela UPA. ANTT,
Arquivo da PIDE, Processo 2126/59, caixa 1, UPA, Janeiro/1960, fl.1111.
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Anabela Silveira
Bibliografia
ATD, Arquivo de Lúcio Lara, Luanda, Angola
ANTT, Arquivo de Oliveira Salazar, Lisboa, Portugal
ANTT, Arquivo da PIDE/DGS, Oliveira Salazar, Lisboa, Portugal
Davidson, Basil, Angola – no centro do furacão, Edição Delfos, Lisboa,
Portugal 1972/1974.
21Declaração do MPLA dirigida ao governo português, ANTT, Arquivo da PIDE, Processo 11.15A,
13/6/1960, fls.855/357.
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As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do nacionalismo angolano
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O operariado e o anarquismo em Amanhã, de Abel Botelho1
Abel Botelho nasce em Tabuaço (1854) e morre em Buenos Aires (1917), onde se
encontrava, como diplomata, ao serviço da República Portuguesa. A sua obra
essencial é publicada entre 1891 e 1910, sendo de destacar os cinco volumes da
“Patologia Social”: O Barão de Lavos (1891), O Livro de Alda (1898), Amanhã
(1901), Fatal Dilema (1907) e o romance de tese republicana Próspero Fortuna
(1910).
Filiado na escola naturalista, Abel Botelho nunca foi muito apreciado ou
reconhecido no meio literário, uma vez que a sua escrita colide com os valores
estéticos da burguesia oitocentista, ao expor despudoradamente aspectos
repulsivos da sociedade portuguesa, como a depravação da aristocracia
decadente, a pobreza asquerosa do operariado, a pederastia ou a prostituição,
temas até aí abafados pela hipocrisia social e pouco explorados pela geração
positivista de 70; esta ousadia terá decerto contribuído para que, por relutância
ou mero preconceito académico, historiadores e críticos literários tenham, em
geral, ignorado os romances de Abel Botelho ou optado inclusive por uma
crítica menos positiva.
Redigido entre Outubro de 1895 e Novembro de 1896, o romance Amanhã
aborda três questões intensamente debatidas na capital portuguesa em finais do
1 Artigo originalmente publicado na Ubiletras, n.º 4, pp. 41-52, Dezembro de 2013, ISSN: 1647-
709X, no âmbito da parceria estabelecida entre a organização do I Congresso de História do
Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal e a direcção do Museu de
Lanifícios da Universidade da Beira (http://ubiletras.ubi.pt/wp-
content/uploads/ubiletras04/martins-gomes-operariado-anarquismo.pdf).
2 CHC – FCSH.
3 Raul Brandão. “O anarchismo (conclusão)”. Revista d’Hoje. 2, 7 de Janeiro de 1895, p. 82.
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O operariado e o anarquismo em Amanhã, de Abel Botelho
4 Greve é um neologismo derivado do lexema francês grève, surgido a partir do nome da praça
onde se situa a Câmara Municipal de Paris, a actual Place de l’Hôtel-de-Ville, ponto de encontro
de gente sem emprego ou de trabalhadores descontentes com as suas condições. Em Portugal, o
primeiro surto grevista ocorre em 1872, em luta pela redução do horário laboral, pela abolição
do trabalho nocturno e pelo aumento salarial.
5 Luiz Gonçalves, A evolução do movimento operário em Portugal. Lisboa: Adolpho de Mendonça &
6 Para mais pormenores acerca da fundação da Internacional em Portugal, cf. Anselmo Lorenzo,
“A fundação da Internacional em Portugal”, in João Medina, As Conferências do Casino e o
Socialismo em Portugal, 1984, pp. 179-189, e António José Saraiva, “Como e por quem foi fundada
a Internacional em Lisboa”, in A Tertúlia Ocidental – estudos sobre Antero de Quental, Oliveira
Martins, Eça de Queiroz e outros, 2ª ed., 1995, pp. 51-60.
7 Antero de Quental, O que é a Internacional. Lisboa: Ulmeiro, 1980, p. 9.
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O operariado e o anarquismo em Amanhã, de Abel Botelho
8 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 456.
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António Martins Gomes
9 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 194.
10 Publicado em 1882 sob o pseudónimo de Stepniak.
11 Publicada em 1895, esta obra é da autoria de Kropotkine.
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O operariado e o anarquismo em Amanhã, de Abel Botelho
12 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 251.
13 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, pp. 351-352.
14 Abel Botelho,. Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 46.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
António Martins Gomes
15 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, pp. 322-323.
16 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, pp. 57-58 e 182.
17 Abel Botelho,. Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 249.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O operariado e o anarquismo em Amanhã, de Abel Botelho
18 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 108.
19 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 93.
20 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, pp. 408-409.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
António Martins Gomes
21 Abel Botelho. Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, pp. 335-336.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O operariado e o anarquismo em Amanhã, de Abel Botelho
22 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, pp. 477-478.
23 Cf. Carlos da Fonseca, História do Movimento Operário e das Ideias Socialistas em Portugal - IV.
Mem Martins: Publicações Europa-América, 1976, pp. 150-157.
24 Cf. Vasco Pulido Valente. O Poder e o Povo: A Revolução de 1910. Lisboa: Publicações Dom
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
António Martins Gomes
26 Abel Botelho, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982, p. 500.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O operariado e o anarquismo em Amanhã, de Abel Botelho
Bibliografia
Activa
Botelho, Abel, Amanhã. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1982.
Passiva
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Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1975.
Brandão, Raul. “O anarchismo (conclusão)”. Revista d’Hoje. 2, 7 de Janeiro
de 1895, pp. 78-82.
Fonseca, Carlos da. História do Movimento Operário e das Ideias Socialistas em
Portugal – IV. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1976.
Gonçalves, Luiz. A evolução do movimento operário em Portugal. Lisboa:
Adolpho de Mendonça & Cª, 1905.
Lorenzo, Anselmo. “A fundação da Internacional em Portugal”, in João
Medina, As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal. Lisboa: Publicações
Dom Quixote, 1984, pp. 179-189.
Moisés, Massaud. A “Patologia social” de Abel Botelho. São Paulo: Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1961.
Neto, Vítor, “Abel Botelho – Quadros de Patologia Social”. Revista de
História das Ideias, 21 – História e Literatura. 2000, pp. 261-306.
Quental, Antero de, O que é a Internacional. Lisboa: Ulmeiro, 1980.
Vítor Neto, “Abel Botelho – Quadros de Patologia Social”. Revista de História das Ideias, 21 –
27
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Notas para a história do movimento associativo e operário no Algarve no
final da monarquia constitucional (1870-1910)
1 Costa Goodolfim, A Associação, col. Biblioteca Socialista Portuguesa, Lisboa, Seara Nova, 1974,
p. 22.
2 Trindade Coelho, Manual Político do Cidadão Português, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1906, pp.
274 a 276. Trindade Coelho apresenta todo um conjunto de legislação publicada em Portugal
relacionada com a organização do movimento operário até 1905.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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Artur Ângelo Barracosa Mendonça
ALBUFEIRA 1
ALCOUTIM 0
ALJEZUR 0
CASTRO MARIM 0
FARO 18
LAGOA 2
LAGOS 10
LOULÉ 3
MONCHIQUE 2
OLHÃO 12
PORTIMÃO 12
S. BRÁS DE ALPORTEL5 4
SILVES 11
TAVIRA 4
VILA DO BISPO 0
VILA REAL DE 9
SANTO ANTÓNIO
TOTAL 88
5 O concelho de S. Brás de Alportel foi criado em 1 de Junho de 1914, por proposta apresentada
no Parlamento por António Maria da Silva.
6 “A Indústria Nacional na Exposição do Porto”, Gazeta das Fábricas, Lisboa, Novembro-
pelo Governador Civil José de Beires com Documentos e Mapas Ilustrativos, Imprensa Literária,
Coimbra, 1873, doc. n.º 65.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Artur Ângelo Barracosa Mendonça
CONSERVAS 18 18 8
MOAGEM 2 10
CURTUMES 10 15
FIAÇÃO DE LÃ 1 6
SERRALHARIA 120 235
TOTAL 161 828
TOTAL 996 2410
ALGARVE
com dados apresentados anteriormente verifica-se que houve uma alteração dos critérios
definidos para o que se considerava actividade industrial e os valores que se apresentavam
eram substancialmente inferiores aos apontados no relatório apresentado pelo governador civil.
10 Anuário Estatístico de Portugal de 1884, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, pp. 408-409.
11 Inquérito Industrial de 1890, vol. III. Indústrias Fabris e Manufactureiras, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1891, pp. 525-537. Alguns concelhos não apresentaram dados fiáveis, nem
apresentaram o número de operários em cada indústria e por isso optamos por omitir esses
resultados.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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Notas para a história do movimento associativo e operário no Algarve no final da monarquia
constitucional (1870-1910)
Castro Marim 46
Faro 124 47 15
Lagoa 135 69 65 3
Lagos 250 2 61
Monchique 6 56
Olhão 130
Portimão 18 105
Silves 4 985
Tavira 51
VRSA 346 7
TOTAL 639 185 247 1108
Algarve. Da Antiguidade aos Nossos Dias, coord. Maria da Graça Marques, Edições Colibri, Lisboa,
1999, pp. 397-398.
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Artur Ângelo Barracosa Mendonça
15 Maria João Raminhos Duarte, Portimão. Industriais Conserveiros na 1.ª Metade do Século XX,
Lisboa, Edições Colibri, 2003, p. 22. Segundo a investigadora, a fábrica “S. José”, de Júdice
Fialho, iniciou a sua laboração em 5 de Julho de 1892. Neste caso, uma fábrica de conservas de
sardinha.
16 Maria João Raminhos Duarte, Portimão. Industriais Conserveiros na 1.ª Metade do Século XX,
Edições Colibri, Lisboa, 2003, pp. 33-37; Joaquim António Nunes, Portimão, Col. Estudos
Algarvios VIII, Lisboa, Casa do Algarve, 1956; Joaquim Manuel Vieira Rodrigues, “O ‘império’
Fialho”, in O Algarve da Antiguidade aos nossos dias: elementos para a sua história, coord. de Maria
da Graça Maia Marques, Lisboa, Edições Colibri, 1999, pp. 404-412; Jorge Miguel Robalo Duarte
Serra, O Nascimento de um Império. A “Casa Fialho” (1892-1939), [documento dactilografado],
Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2007; Ana Rita Faria, “A Organização
Contabilística no sector conserveiro entre o final do século XIX e a primeira metade do século
XX: o caso Júdice Fialho”, Pecvnia, n.º 13, Jul-Dez 2011, pp. 135-160, entre outras sugestões.
17 Anónimo, “Lagos”, Novidades, Lisboa, 26-02-1887, Ano III, n.º 745 afirmava: “Há em Lagos
sete fábricas de conservas de sardinhas, sendo quatro estrangeiras e três portuguesas”. Algum
tempo depois, num conjunto de pequenas notícias sobre o Algarve também se afirmava sobre o
caso de Olhão: “há hoje nada mais nada menos que 7 fábricas de conservas de peixe. São todas
francesas. Não é preciso dizer mais para se definir a iniciativa dos nossos capitais”. Anónimo,
“Notícias do Algarve”, Novidades, 01-05-1887, Ano III, n.º 806, p. 2, col. 4.
18 Carminda Cavaco, O Algarve Oriental. As Vilas, O Campo e o Mar, vol. 2, Gabinete do
vinte e cinco novas associações, seguida do período entre 1920 e 1926, com
dezanove agremiações congéneres. Com igual número de associações criadas,
temos os períodos entre 1890 a 1899 e 1910-1919, com um total de treze
organizações em cada período. Quanto às organizações mais antigas são
sobretudo os montepios, quase todos criados durante a década de 50 do século
XIX.
Em jeito de curiosidade, a primeira organização que assume oficialmente a
denominação de sindicato, no distrito de Faro, surge em Vila Real de Santo
António, com a criação do Sindicato dos Operários da Indústria da Construção
Civil desta localidade, fundado em 29 de Fevereiro de 192419.
Comparando a evolução cronológica com a geográfica, percebe-se que a
tendência de se criarem associações protectoras dos artistas durante a década de
70 do século XIX coincidiu com a criação de núcleos industriais nesses locais.
Nesta fase, as então vilas de Portimão e Vila Real de Santo António assistiram à
criação de novas fábricas, em particular no ramo conserveiro.
Analisando ainda por profissões, verifica-se que onde mais se verificou a
tentativa de desenvolver o associativismo operário foi ao nível dos operários da
construção civil (9), corticeiros (5), conserveiros (4), trabalhadores do comércio
(4), carpinteiros (4), pedreiros (3), condutores (3), sapateiros (3), soldadores (2),
entre vários outros grupos profissionais.
Analisando, por ordem cronológica, as associações operárias que se
organizaram ligadas ao sector da construção civil, verifica-se que a mais antiga
surge em Portimão, em 1907; Lagos em 1912; S. Brás de Alportel, em 1916; Santa
Bárbara de Nexe (Faro), em 1917; S. Bartolomeu de Messines (Silves), em 1921;
Albufeira, em 1922; Vila Nova de Cacela (Vila Real de Santo António), em 1924,
também na sede de concelho, em Vila Real de Santo António, ainda em 1924 e,
por fim, em Monchique, em 1925. Qualquer uma destas associações tinha
estatutos aprovados pelo Governo Civil, que procedia ao seu registo e,
geralmente, os seus estatutos eram publicados pelo Diário do Governo. Como a
evolução cronológica parece indicar, os trabalhadores da construção civil
organizam-se primeiramente em algumas localidades do litoral (Portimão e
Lagos), evoluindo do barlavento para sotavento e organizando-se em algumas
localidades do interior algarvio, onde existiriam comunidades deste tipo de
operários. Outra nota de destaque neste sector da construção civil é o facto de a
http://arquesoc.gep.msss.gov.pt/Sindicato%20dos%20Oper%C3%A1rios%20da%20Ind%C3%B
19
Astria%20da%20Constru%C3%A7%C3%A3o%20Civil%20de%20Vila%20Real%20de%20Santo%
20Ant%C3%B3nio.pdf [consultado em 20-01-2013]
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Notas para a história do movimento associativo e operário no Algarve no final da monarquia
constitucional (1870-1910)
20 Uma nota de carácter pessoal: ao realizar a investigação para este trabalho descobri que o meu
bisavô materno, José de Sousa Ribeiro, foi um dos co-responsáveis pela organização da
Associação de Classe dos Operários da Construção Civil e Artes Correlativas de Santa Bárbara
de Nexe, em 22 de Abril de 1917, meses antes de ser incorporado para combater na I Guerra
Mundial, onde viria a participar na Batalha de La Lys; sendo feito prisioneiro dos alemães,
regressa a Portugal em Fevereiro de 1919. Ver
http://arquesoc.gep.msss.gov.pt/Associação%20de%20Classe%20dos%20Operários%20da%20C
onstrução%20Civil%20e%20Artes%20Correlativas%20de%20Santa%20Bárbara.pdf [Consultado
em 16-07-2012].
21 Associação de Classe dos Operários da Construção Civil e Artes Correlativas de Albufeira
[Consultado em 20-01-2013], aponta esta data, porém João Madeira, “Silves, os corticeiros e a
sua associação de classe – «Pão, Luz e Liberdade»”, IV Jornadas de Silves. Actas, Associação de
Estudos e Defesa do Património Histórico-Cultural do Concelho de Silves, Silves, 1997, p. 185,
de forma prudente, situa a sua formação entre 1886 e 1893.
24 Os estatutos dessa associação podem ser consultados aqui:
http://arquesoc.gep.msss.gov.pt/Associa%C3%A7%C3%A3o%20de%20Classe%20da%20Ind%C
3%BAstria%20Corticeira%20Silvense.pdf [Consultado em 21-01-2013].
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Artur Ângelo Barracosa Mendonça
25Paulo Pires, “A indústria corticeira algarvia e o caso de S. Brás (1900-1916)”, Estudos sobre a I
República em S. Brás e Faro, Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, S. Brás de Alportel, 2010,
pp. 25-80.
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Notas para a história do movimento associativo e operário no Algarve no final da monarquia
constitucional (1870-1910)
Memorando Histórico, vol. II, Câmara Municipal de Tavira, Tavira, 2001, pp. 53 e 54; Ofir Chagas,
“Revolta das Medidas”, Tavira. Memórias de uma cidade, Ed. do Autor, Tavira, 2004, p. 305, e
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Artur Ângelo Barracosa Mendonça
Artur Ângelo Barracosa Mendonça, “A Revolta das Medidas em Tavira (1872): subsídios para a
história da implementação do sistema decimal em Portugal” [Conferência], VI Jornadas de
História de Tavira, 2006 [Documento apresentado no dia 4 de Novembro de 2006, durante as VI
Jornadas de História de Tavira, que continua a aguardar publicação.]
29 José Tengarrinha, “Os Primeiros 50 anos de Greves no Algarve (1872-1921)”, 3.º Congresso
1914 3
1915 2
1916 11
1917 2
1918 7
1919 6
1920 6
1921 10
30 Anónimo, “Greve de Corticeiros”, Vanguarda, Lisboa, 25-05-1893, Ano 3.º, n.º 695, p. 1, col. 3.
31 Neto Gomes, Governo Civil do Distrito de Faro. 175 Anos de História, Governo Civil de Faro,
Faro, 2010, pp. 167-170.
32 Carta ao Ministério da Guerra, de 6 de Abril de 1893, ADF – Livro Copiador de Correspondência
33 Idem.
34 Modesto Gomes dos Reis, segundo o Prof. Oliveira Marques, tinha uma espécie de “trust
industrial, conquanto limitado, o de Modesto Gomes dos Reis, que agrupava fábricas de têxteis
em Loulé, Faro, Silves, Vila Real de Santo António, etc.” A. H. de Oliveira Marques, “O Surto
Industrial”, Portugal da Monarquia para a República, vol. XI, Nova História de Portugal, Editorial
Presença, Lisboa, 1991, p, 134. Este industrial estabelecido no Algarve e, tudo indica de origens
andaluzas, dedicou-se sobretudo à indústria têxtil na região, com vários estabelecimentos fabris.
35 Anónimo, “Greve em Faro”, Vanguarda, Lisboa, 13-08-1896, Ano IV, n.º 1855, p. 3, col. 2.
36 Anónimo, “A Vanguarda nas Províncias – Lagos, 24”, Vanguarda, Lisboa, 02-03-1901, Ano VI
39 Manuel Villaverde Cabral, Portugal na Alvorada do século XX, Lisboa, A Regra do Jogo, 1979, p. 195 e
ss.
40 José Manuel Tengarrinha, “Os trabalhadores industriais do Algarve nos séculos XIX-XX”, O Algarve
da Antiguidade aos nossos dias (Elementos para a sua história), Lisboa, Edições Colibri, 1999, pp. 465-468.
41 Bartolomeu Constantino foi preso em Olhão, nos finais (28?) de Maio de 1904, resultando daí alguma
agitação social e política no Algarve., tendo sido libertado após o julgamento, em meados de 1905. Cf.
Anónimo, “Greve de Olhão”, Vanguarda, Lisboa, 29-05-1904, Ano IX (XIV), n.º 2716 (5568), p. 1, col. 6.
42 António Alberto C. Pereira Ramos, “Afonso Costa e Bartolomeu Constantino: o movimento
republicano e o operariado algarvio em 1904” in Actas do I Congresso dos Algarvios da Margem Sul do
Tejo, Coord. Ed. António Manuel Neves Policarpo, Almada, Casa do Algarve do Concelho de Almada,
1996, pp. 132-133.
43 António Alberto C. Pereira Ramos, art. cit., pp. 134-135.
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Artur Ângelo Barracosa Mendonça
44 São enviadas várias correspondências ao longo do mês de Abril de 1905 dando conta do
evoluir da situação em S. Brás de Alportel.
45 Correspondência ao Sr. Manuel Valagão-S. Brás de Alportel, 4 de Abril de 1905, ADF – Livro
República em S. Brás e Faro, Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, S. Brás de Alportel, 2010,
pp. 30-31.
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Notas para a história do movimento associativo e operário no Algarve no final da monarquia
constitucional (1870-1910)
Bibliografia e fontes
Anica, Arnaldo Casimiro, Tavira e o seu Termo. Memorando Histórico, vol. II,
Câmara Municipal de Tavira, Tavira, 2001.
Anuário Estatístico de Portugal de 1884, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886.
Anuário Estatístico de Portugal de 1900, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907.
Beires, José de, Relatório Apresentado à Junta Geral do Districto de Faro na
Sessão Ordinária de 1873 pelo Governador Civil José de Beires com Documentos e
Mapas Ilustrativos, Imprensa Literária, Coimbra, 1873.
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A agitação operária na Covilhã durante a Segunda Guerra Mundial e as
tensões entre o governo e o patronato: “um nítido acto de indisciplina”
Cátia Teixeira1
Inválidos de Trabalho, que existia na Covilhã. Carta da PSP para o governador civil, de 11 de
Dezembro de 1941, ADCB, GCCB, corresp. recebida, caixa 15.
4 Carta do delegado do INTP na Covilhã ao governador civil, de 23 de Agosto de 1946,
6 Idem.
10 Idem.
11 Idem.
12 Carta do Presidente da FNIL, João Ferraz de Carvalho Megre, ao presidente do Conselho de
Ministros, António de Oliveira Salazar, de 4 de Março de 1942. ANTT, SGPCM, proc. 200 / 4,
n.º 5, NT 7.
13 Circular da Comissão Permanente da Revisão do CCT para a ETL, CDAH/ML-UBI.
15 No CCT de 1939 já tinha sido acordado o pagamento patronal de 5% para a Caixa Sindical
18 Idem.
23 Idem.
28 Idem.
33 Idem.
35 Declaração do guarda da PSP Joaquim Martins, Processo PIDE/DGS, n.º 2448/941. Ver ainda
Auto de Perguntas de António Mendes Alçada, a 27 de Novembro de 1941, Processo
PIDE/DGS, n.º 2448/941.
36 Cópia do Relatório do Comandante da GNR, op. cit.
49 Idem.
desejava transformar58;
b) Ser um problema que se desejava solucionar há bastante tempo, e que
só não o tinham feito logo em 1937 para que as indústrias se pudessem
adaptar59. Em Julho de 41, considerando que as indústrias tinham já tido
tempo suficiente para proceder às alterações necessárias no intuito de
aumentar significativamente o salário mínimo, era já a intenção dos
respectivos grémios aumentar os salários em 10% e cancelar o imposto
patronal de 8%;
c) Que, após o movimento grevista de Novembro e justificados os
fundamentos do operariado, foi manifestado pelo INTP a intenção de se
estudar o aumento salarial60;
d) O haver-se prometido ao conjunto dos operários uma resposta às
reivindicações apresentadas em Novembro e que o segundo movimento
grevista, de Dezembro, não era mais do que a consequência de sucessivos
atrasos das instituições envolvidas na resolução do problema61;
e) A existência de um permanente estado de “alteração da ordem e
consequente intranquilidade nos espíritos”62;
f) O facto de o rendimento do trabalho ter baixado significativamente,
“origem de constantes prejuízos na quantidade e qualidade da produção”63;
g) O problema motivado por várias empresas que, individualmente,
elevaram os salários e as perturbações que isso provocara nos trabalhadores
não afectados pelas medidas. Como consequência desta situação, ter-se
verificado mais uma paralisação do trabalho na Fábrica António Maria das
Neves & Irmão, no dia imediatamente anterior a esta decisão dos grémios,
por não verem os seus salários aumentar;
h) Pela razão de “velar pelo prestígio dos organismos que dirigem” e
defender a “ordem corporativa que através de tudo, contra tudo e contra
todos”64 os grémios se esforçavam por manter;
i) Que, apesar de terem confirmado não adoptar nenhuma medida
60 Idem.
61 Idem.
62 Idem.
63 Idem.
64 Idem.
65 Idem.
66 Carta da FA para o INTP, de 3 de Março de 1942. CDAH/ML-UBI.
67 Idem.
combustíveis e acessórios69.
Referências
Fontes:
Arquivo Distrital de Castelo Branco:
- Fundo: Governo Civil de Castelo Branco
Centro de Documentação / Arquivo Histórico do Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior (CDAH/ML-UBI)
Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil do Sector da
Beira Baixa (ASTITSBB)
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT):
- Fundo: PIDE / DGS
- Fundo: Secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros
(SGPCM)
Arquivo do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social (AMSSS):
- Pasta INTP – Covilhã
Bibliografia:
Castro, Ferreira de, A Lã e a Neve, Lisboa, Círculo de Leitores, 1985.
Patriarca, Maria de Fátima, Questão Social no Salazarismo, 1930-1947, Vol.
II, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1995.
Pinheiro, Elisa Calado (coord.), Rota da Lã Translana, Portugal | Espanha,
Vol. I, Covilhã, Museu de Lanifícios, Universidade da Beira Interior, 2008.
Rosas, Fernando, Portugal entre a Paz e a Guerra, 1939-1945, Imprensa
Universitária, Editorial Estampa, 1990.
Salazar, António de Oliveira, Discursos e Notas Políticas 1938-1943,
Volume III, Coimbra Editora, Lda., 1943.
Teixeira, Cátia, “As greves na indústria de lanifícios da Covilhã no
Inverno de 1941: o início da agitação operária durante a Segunda Guerra
Mundial”, tese de mestrado apresentada à FCSH-UNL, Novembro de 2012
[policopiado em acesso online: http://run.unl.pt/bitstream/10362/8643/1/
Tese%20de%20Mestrado%20Cátia%20Teixeira.pdf
Introdução
O processo de industrialização em Portugal ocorreu de forma lenta ao longo do
século XIX. A estabilização política que se seguiu a 1851 permitiu que se dotasse
o País de infra-estruturas como estradas e caminhos de ferro que facilitaram o
desenvolvimento industrial, à semelhança do que há muito vinha a ser feito na
Europa. No Porto, foi na segunda metade do século XIX que aumentou o
número de fábricas e é a partir daqui que se começa a poder falar de
industrialização. A indústria veio modificar o espaço urbano. As fábricas,
inicialmente concentradas no centro da cidade, na Ribeira, Massarelos e
Miragaia, espalharam-se por todo o lado. Em simultâneo, a zona rural
continuava a ser extensa, pelo que as partes rurais e urbanas tocavam-se,
havendo durante bastante tempo muitas quintas por urbanizar perto das áreas
centrais. Como dizia um autor da época, “a dois passos da civilização que
reside desde o Carmo à Praça Nova, tem-se o prazer indizível de encontrar
campos de milho, casas de alpendre, pródigas nascentes de água cantando em
coro com as lavadeiras”2. Mas o progresso tendia a acabar com esta ruralidade,
as fábricas proliferavam impetuosamente, de forma que as autoridades tiveram
de condicionar o número de estabelecimentos fabris no centro da cidade.
Atraídos por esta nova oportunidade de trabalho, a partir dos anos 70 do século
XIX, as migrações aumentaram imenso. Entre 1878 e 1890, em 12 anos, houve
um acréscimo de 81 000 habitantes na cidade do Porto3. É claro, que a indústria
não conseguia absorver toda a mão-de-obra vinda dos campos, e o sonho
camponês de ter uma vida melhor na cidade depressa se tornou, para muita
transmissão de modelos: as ilhas do Porto e os cortiços do Rio de Janeiro, in Análise Social, XXIX
(27), 1999, p.558.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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Célia Taborda Silva
4 Pereira, Gaspar Martins, Casa e família. As “ilhas” no Porto em finais do século XIX. In
População e Sociedade 2. Porto: Cepese, 1996, p. 161.
5 Mónica, Maria Filomena, Uma aristocracia operária: os chapeleiros (1870-1914). In Análise
não havia legislação laboral, nem sequer direito de associação. Havia oficinas
em que os operários começavam a laborar às 4 da manhã e só concluíam às oito
ou nove da noite, dezasseis horas de “trabalho violento”, segundo o jornal O
Operário6. Como recompensa, ao final do dia, em média, recebiam 420 réis, o
que não dava nem para uma alimentação pobre para uma família de quatro
pessoas, segundo o mesmo jornal7. Mas a agravar a situação acontecia que os
agregados familiares operários, por norma, eram bem mais numerosos, e além
da comida ainda tinham de se vestir e pagar a renda da casa, daí que a pobreza
fosse a realidade desta população. Para suprirem as necessidades básicas todos
os membros da família tinham de trabalhar, homem, mulher e filhos,
resultando daqui uma desestruturação dos valores familiares, morais, éticos,
religiosos e educativos.
As mulheres geralmente iam para as indústrias têxteis, arruinando a classe
dos tecelões, por receberem muito menos, principalmente se fossem menores. O
salário feminino de menores era irrisório, cerca de 40 réis, um valor ínfimo, que
nem dava para comprar um quilo de broa8. A vida destas mulheres era
extremamente fatigante. Cuidavam da casa, dos maridos e dos filhos e
trabalhavam à volta de 12 horas por dia. Algumas ainda tinham de andar
quilómetros, descalças, para chegar ao local de trabalho. Na fábrica dedicavam-
se a um trabalho árduo e monótono mas que não admitia enganos, já que ou
lhes saía do bolso ou do corpo: se se enganavam, descontavam-lhes no
ordenado; se se distraíam, podiam ficar sem os dedos. Eram doze horas no meio
de um frio gélido no Inverno ou de um calor sufocante no Verão, mas sempre
no meio da poeira. Os homens viam-nas como causa do desemprego masculino
e desrespeitavam-nas e os capatazes eram intolerantes9. Inseridas num meio tão
adverso desde a meninice, tornavam-se rudes e algumas acabavam por
enveredar pelo caminho da prostituição. Como referia o Inquérito Industrial de
1881, “desta vida, da promiscuidade, da aprendizagem do vício formam-se
criaturas perdidas e brutas”, afirmando-se no mesmo Inquérito que as operárias
eram consideradas zaragateiras e mães desnaturadas.
Os filhos dos operários eram criados ao abandono, sem moral nem
educação. Em idade escolar iam trabalhar, começavam por volta dos 7 ou 8
1986, p. 193.
9 Idem, ibidem, p. 194.
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Conflitualidade operária no Porto oitocentista
tempo. In Sociologia. Revista da Faculdade de Letras do Porto, série I, vol. 9, 1999, p. 30.
17 Jornal O Operário, 4 de Janeiro de 1880.
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uma operária têxtil que se evidenciou, à partida, pela sua condição feminina,
uma vez que poucas mulheres existiam nas associações, e depois, pelo
entusiasmo com que intervinha nas reuniões e discursava para os seus
companheiros. Numa das reuniões de tecelões em que participou, usou da
palavra para apelar a todos os operários e operárias para que se associassem,
pois, dizia ela, se não o fizessem, “os burguezes espremer-nos hão como quem
espreme bagaço”18.
Não obstante, as massas humildes, incultas e pobres levariam bastante
tempo a ganhar consciência de classe e a reagir contra a exploração das classes
burguesas.
O associativismo operário
Esta clivagem social e a conflitualidade daí decorrente foi levando a que os
operários se unissem em associações. As primeiras uniões de trabalhadores
eram associações de ofícios, que se juntaram com objetivos de carácter cultural e
de apoio mútuo19, como assistência na doença e na morte, reminiscências das
antigas confrarias de ofícios. De qualquer forma, legalmente não podia ser de
outro modo, uma vez que as associações de ofício tinham sido proibidas em
1834 e só viriam a ser autorizadas em 1891. No entanto, o associativismo
mutualista proliferou nas duas maiores cidades do País entre 1852 e 1856. No
Porto, destacavam-se as associações de tecelões, alfaiates, marceneiros,
tintureiros, tipógrafos, cada uma defendendo o seu ofício, mas sem um centro
unificador como acontecia em Lisboa. De facto, em 1853, formou-se na capital o
Centro Promotor de Melhoramento das Classes Laboriosas, bem mais
estruturado e com o objetivo de promover o associativismo de todo o
operariado lisboeta. O associativismo mutualista iria conhecer um novo espírito
nos anos 70, animado pela ideologia socialista que chegava da Europa. Em 1871,
três espanhóis da Associação Internacional de Trabalhadores, Anselmo
Lorenzo, Gonzalez Morago e Francisco Mora, estabeleceram contactos com
elementos do Centro Promotor, como José Fontana e Antero de Quental, no
sentido de integrar o operariado português no movimento operário
internacional, dotando-o de uma nova organização e novas formas de ação20.
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Conflitos operários
A conflitualidade ia aumentando à medida que os operários se
organizavam e as condições de vida pioravam, principalmente a partir da
década de 70 do século XIX. No Porto, em 1871, verificaram-se greves de
chapeleiros, alfaiates, tintureiros, carniceiros, estampadores. Estes trabalhadores
reclamavam por melhores salários e redução da jornada de trabalho. A vaga de
greves continuou nos anos seguintes, tendo atingido o auge em 1877 com a
greve dos chapeleiros. A contestação surgiu a propósito da introdução de
máquinas e da reestruturação do serviço, que daí em diante seria introduzida
na Real Fábrica Social. Alguns fatores explicativos são aventados pelo jornal O
Protesto: falta de trabalho verificada nesse período, não só no sector têxtil como
em toda a indústria, aumento dos géneros alimentares e subida das rendas de
casa28. O certo é que a penúria em que se encontravam os operários trazia para
as ruas da cidade bandos de desempregados à procura de qualquer labor,
mesmo que fosse diferente da sua profissão, e a crise de trabalho começou a
tornar as ruas da cidade instáveis, com muita vagabundagem, causando
insegurança às classes possidentes.
A greve durou alguns dias e os patrões tiveram de fazer algumas
concessões, como só admitirem aprendizes quando fosse estritamente
necessário e pararem as máquinas se o excesso de produção pusesse em risco o
emprego dos operários29. Neste protesto ficou bem patente o passado
corporativo dos chapeleiros e o estatuto privilegiado de que gozavam, como
pertencentes às “aristocracias operárias”.
1986.
33 O Operário, 13 de Julho de 1879.
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Célia Taborda Silva
para protestar contra o monopólio dos tabacos. Dessa reunião saiu a decisão de
formarem uma comissão de trabalhadores que, acompanhada de todo o grupo,
fosse à presença do governador civil pedir que fosse revogado o decreto de 27
de Janeiro que proibia a abertura de novas fábricas de tabaco. Quando o cortejo
descia o Monte das Antas apareceu o comissário da Polícia, que os mandou
parar. A indignação tomou conta dos operários que só não atentaram contra a
autoridade porque a comissão conseguiu conter os seus companheiros. O
cortejo continuou o seu caminho mas quando chegou à capela da Boavista foi
cercado pelo esquadrão de cavalaria da Guarda Municipal. Esta força militar
puxou das espadas e precipitou-se contra o povo, que em sinal de paz cruzou os
braços. Mesmo com o povo nesta atitude pacífica e ordeira os comandantes
ainda mandaram os soldados disparar alguns tiros, sendo um popular ferido
por uma bala. A partir daqui os operários dividiram-se pela cidade, gritando
vivas à liberdade e abaixo o monopólio, tendo a Guarda Municipal reforçado a
vigilância das ruas. Um grupo reuniu em frente da Cadeia da Relação, onde
uma grande força de cavalaria da Guarda Municipal os cercou. As mulheres,
vendo a ferocidade dos guardas, ajoelharam-se em frente dos soldados,
conseguindo assim impedir o derramamento de sangue.
Pelas 15 horas, o comandante da Guarda fez marchar um piquete sobre
um numeroso grupo de populares que desciam pacificamente a Rua do
Bonjardim e sem delongas atacou o povo, de que resultaram alguns operários
gravemente feridos. Os confrontos foram de tal ordem que os estabelecimentos
das Ruas do Bonjardim, Sá da Bandeira e Passos Manuel fecharam às 15.3035.
Contudo, não são relatados mais incidentes.
Este ano foi marcado por constantes reuniões operárias no Norte do País,
muito concorridas por trabalhadores dos dois sexos. A indústria têxtil
empregava muitas mulheres e menores por ser mão-de-obra mais barata e
ainda trabalharem no domicílio, o que não lhes permitia qualquer tipo de
organização. Mesmo com estas condicionantes, por vezes, há menção à
participação de operárias nas reuniões promovidas pelas associações, e algumas
activas no movimento associativo, como a já referida Rosa da Conceição.
A crise de 1890 levou a novas greves. Em 1889, os chapeleiros do Porto
fizeram uma greve geral, que contou com cerca de 1500 chapeleiros e com o
apoio da classe nas cidades de Braga e Lisboa. Reclamavam aumento de salário.
Conclusão
A industrialização trouxe uma realidade nova à cidade do Porto. Um
burgo tradicionalmente ligado ao comércio e à zona ribeirinha cresceu imenso
com a proliferação da indústria e atraiu muita gente do campo à procura de
melhores condições de vida na cidade. Com este aumento demográfico
acentuaram-se as clivagens sociais. De um lado estavam os burgueses ricos,
detentores do capital e dos meios de produção, vivendo em bairros luxuosos e
vestindo segundo a moda; do outro, estavam os operários, mal remunerados,
trabalhando de sol a sol, vivendo em “ilhas” miseráveis e maltrapilhos. A
conflitualidade começou a estar latente em todos os espaços partilhados por
estas classes. A cumplicidade que se foi criando na fábrica entre os operários
estendeu-se à “ilha”, começando a germinar um sentimento de revolta entre
estes trabalhadores pela decadência em que viviam. O conflito de latente
passou a manifesto através do protesto, manifestações e greves, principalmente
a partir do momento em que o operariado se organizou em associações.
Bibliografia
Bibliografia primária
O Operário, 1879-1880
O Protesto Operário, 1876 a 1887
Inquérito Industrial de 1881
Bibliografia secundária
Cabral, Manuel Villaverde, Portugal na alvorada do século XX. Lisboa:
Presença, 1988.
36 Mónica, Maria Filomena, Artesãos e Operários. Lisboa: Edições do Instituto de Ciências Sociais,
1986, pp. 46,47.
37 Idem, ibidem, p. 48.
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Os usos do palco: o proletariado e o teatro no início do século XX1
Cláudia Figueiredo2
6 Almeida (1994).
7 Cf. Freire (1988), esp. pp. 231-276.
8 Negt, Kluge (1993), p. ix.
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Os usos do palco: o proletariado e o teatro no início do século XX
9 Rancière (2012).
10 Rancière (2010), p. 51.
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Cláudia Figueiredo
isso muito diferente do dos seus demais. O seu pai, operário da oficina de
carpinteiros de reparos do Arsenal do Exército, vê-se forçado pela cegueira a
uma reforma antecipada e monetariamente muito penalizante. Estas
circunstâncias perturbaram profundamente a vida da família, que viu as suas
dificuldades materiais agravadas pela doença paterna. Como resultado, apenas
os dois irmãos mais velhos de Izidoro puderam ir à escola aprender as
primeiras letras. Esta privação destroçou o futuro actor, mas “o seu íntimo
desejo de saber ler”11 e o convívio com as crianças do bairro, que frequentavam
a escola, fizeram que Izidoro fosse capaz de contornar um destino que o votava
ao analfabetismo: autodidacta, Izidoro aprendeu o abecedário no espaço de
meses. Mais tarde, e apesar da tenra idade, foi necessário que Izidoro começasse
a contribuir para a precária economia doméstica e, aos onze anos, o jovem vai
aprender o ofício de chapeleiro numa fábrica na Rua da Prata. O primeiro
contacto com o mundo do trabalho não foi bem sucedido e, dois anos mais
tarde, Izidoro volta a tentar a sorte como aprendiz de tecelão numa fábrica em
Xabregas, onde se saiu melhor, e muito embora os seus mestres o
admoestassem por ser “pouco dado ao trabalho, e levar o tempo a ler versos e a
estudar a arte métrica”12.
É nesta fábrica que o destino de Izidoro se altera e, mais concretamente no
ano de 1846, quando aí se organiza um grupo dramático. Então com dezoito
anos, Izidoro propõe a representação de duas peças, Cai no logro o mais esperto e
Os dois mentirosos, que acaba por se concretizar no modesto ambiente de “uma
alcova na Rua do Sol à Graça”13. Logo notado pela qualidade da sua prestação,
Izidoro é convidado por um companheiro de ofício para uma segunda récita,
desta feita no Teatro da Rua das Escolas Gerais. Esta récita mudou-o para
sempre, despertando nele a vontade de escapar ao destino da fábrica e de se
tornar actor. Desde essa data, os seus dias e noites foram invadidos por esse
sonho, como testemunhado nas suas memórias:
Conta o sr. Izidoro que o efeito que esta récita lhe produziu tocou o incrível,
não dormia de noite a pensar no teatro, e durante o dia juntava os
companheiros em roda do tear e contava-lhes os enredos das peças e as
diversas sensações por que tinha passado.14
Anos mais tarde, a paixão de Izidoro pelo teatro mudou a sua vida. Após
uma breve passagem como figurante pelo Teatro Nacional, o tecelão iniciou a
carreira como actor profissional no Teatro do Salitre, e integrado numa
sociedade de actores, trocava, definitivamente, o tear pelo palco. Em 1863 é
contratado pelo Teatro Nacional, chegando mesmo a ser classificado pelo
Conselho Dramático como artista de primeira. Por esta altura, são também
publicadas algumas comédias da sua autoria, como Precisa-se de uma Senhora
para Viajar (1863) e Um Homem sem Inimigos (1864). Um caso evidente de
mobilidade social ascendente, à qual a sorte não foi alheia, como o próprio
reconhece, o percurso de Izidoro não foi o único do género, e muitos actores
profissionais de extracção proletária começaram as suas carreiras teatrais nos
palcos amadores. Tais são os casos de António José Ferreira Cardoso (1860-
1917), primeiramente serralheiro, como seu pai15, ou de Joaquim José Tasso
(1820-1870), “nascido na obscuridade, e sem ilustração que o guindasse” 16. Estes
casos são, porém, extremos, interessando-me em particular o primeiro
momento da vida destes actores, o da fase de partilha do tempo entre o ofício e
o teatro, entre o dia produtivo e a noite criativa, uma partilha que é comum aos
proletários-dramaturgos.
Na sua maioria oriundos de uma denominada “aristocracia operária”,
conceito especialmente trabalhado nos anos 50 por Eric Hobsbawm17, e quase
sempre envolvidos na actividade política militante, estes trabalhadores são
paradigmáticos das ideias de emancipação intelectual proletária tecidas por
Rancière. Desafiando uma ordem imposta pela divisão do trabalho, eles
ocupam, e embora que apenas no seu limitado tempo livre, um lugar que não
era o seu por definição, o do escritor, confundindo assim a divisão das
ocupações no esquema social e redefinindo as fronteiras do possível político.
Alguns deles já referidos em alguma bibliografia18, estes escritores-proletários
dedicavam-se, entre outros escritos, à redacção de peças teatrais que
procuravam dar voz e visibilidade às experiências individuais e colectivas das
classes trabalhadoras, até então praticamente ausentes na literatura dramática 19.
21 Lopes de Mendonça, citado por Sousa Bastos, na sua célebre Carteira do Artista (1898), p. 296.
23 Uma vez mais, é da Carteira de Sousa Bastos que nos chegam informações respeitantes ao nem
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Os usos do palco: o proletariado e o teatro no início do século XX
25 A Sociedade Teatro Livre, objecto da minha dissertação de mestrado, consistiu numa tentativa
de imposição da estética naturalista e de criação de um teatro do povo em Portugal, liderada
por figuras da intelectualidade próxima do movimento operário, afectas às ideias socialistas,
libertárias e republicanas. Cf. Figueiredo (2011).
26 Tal é o caso das obras do referido Ernesto da Silva, predominantemente militantes e
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Cláudia Figueiredo
28 Uma consulta dos catálogos teatrais da Livraria Popular de Francisco Franco, casa fundada
em 1890 e uma das mais importantes editoras de teatro popular à época, permite-nos ter uma
ideia da quantidade de autores que se dedicaram à redacção de comédias, dramas, operetas,
duetos, tercetos, cançonetas, etc., e que foram na ordem das dezenas. Entre estes, contam-se
autores consagrados, como Almeida Garrett, Eduardo Schwalbach ou Marcelino Mesquita, mas
também outros, menos célebres, como João Celestino Pedroso, Celestino Gaspar da Silva ou o já
referido Izidoro Sabino Ferreira.
29 Num levantamento elaborado com base nas datas de fundação das associações, Maria
Bibliografia
Almeida, Fernando António. Operários de Lisboa na Vida e no Teatro (1845-
1870). Lisboa: Caminho, 1994.
Figueiredo, Cláudia. Arte, “Redenção e Transformação: a experiência da
Sociedade Teatro Livre (1902-1908)” [texto policopiado]. Tese de mestrado em
História Contemporânea apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2011.
Freire, João. “Evoluções Sociais no Campo do Associativismo”, in Sucesso e
Insucesso: escola, economia e sociedade. Manuel Villaverde Cabral (org.). Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, pp. 299-320.
35 Este ideia é defendida por Bruce McConnachie e Daniel Friedman, para quem a relação entre
o teatro dirigido ao público proletário se baseia num “contrato estético”, princípio teorizado por
Fredric Jameson no texto “Reificação e Utopia na Cultura de Massa”, de 1979, para distinguir as
formas culturais pré-capitalistas da cultura de massa (1985).
36 Boa União. 2 de Outubro de 1927.
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Os usos do palco: o proletariado e o teatro no início do século XX
Fontes
Albuquerque, José Maria da Silva e. O Operário e a Associação: comédia-
drama em dois actos. Lisboa: Tipografia de M. J. Coelho, 1867.
Bastos, Sousa. Dicionário de Teatro Português (ed. fac-similada). Coimbra:
Minerva, 1994 [1908].
Bastos, Sousa. Carteira do Artista: apontamentos para a História do Teatro
Português e Brasileiro acompanhado de notícias sobre os principais artistas, escritores
dramáticos e compositores estrangeiros. Lisboa, Imprensa de Libânio da Silva, 1898.
Ferreira, Izidoro. Memórias do Actor Izidoro, escritas por ele mesmo, precedidas
do retrato do autor e de uma carta do Ex.mo Sr. F. Palha. Lisboa: Imprensa de J. G.
de Sousa Neves, 1876.
Catálogo Geral das Edições Teatrais da Livraria Francisco Franco, Lisboa:
Livraria Popular de Francisco Franco, s.d.
Poemas Operários (1850-1926). Selecção e prefácio de Maria Filomena
Mónica, Colecção Estudos e Documentos ICS, n.º 7, Série “Arquivo Histórico
das Classes Trabalhadoras”, Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa, 1983.
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A mobilidade de pessoas e a livre circulação da mão de obra: os limites do
mercado capitalista
Cleusa Santos1
Notas introdutórias
As correntes migratórias2 de trabalhadores pelo mundo são determinadas
historicamente pelo movimento de acumulação do capital e exploração do
trabalho. Na busca para encontrar melhores condições de vida e trabalho,
muitos imigrantes se mudam para outros países, independentemente da
existência de garantias prévias de salário, moradia e regularização. Uma boa
parte deles atua em situações muito precárias de trabalho3, mas não é apenas
isso. São inúmeras as demandas desses trabalhadores, e ainda que estejam, em
muitos casos, em países com sistemas fortalecidos de proteção social4, o acesso a
políticas como as de saúde, assistência, previdência e habitação não é simples.
Porém, o reconhecimento dessas demandas tem ocupado lugar de destaque nas
agendas internacionais e fomentado um grande número de pesquisas entre os
estudiosos.
Dentre as formas de proteção dos direitos dos imigrantes sobressaem
acordos internacionais e bilaterais, além das legislações que procuram garantir
direitos iguais a imigrantes e nacionais. No entanto, o efetivo acesso a esses
autorizados a se mover a outro país para ter acesso a emprego, ou se estabelecer por um
período de tempo determinado (OIM. 2006).
3 Vale notar que em 2013 o relatório da Confederação Internacional das Agências Privadas de
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A mobilidade de pessoas e a livre circulação da mão de obra: os limites do mercado capitalista
Breve histórico
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, inaugura-se um novo momento
do processo de acumulação capitalista que se generaliza com o fim do
socialismo real, no final dos anos 80. Junto aos movimentos de liberalização e
mundialização do capital, a criação de organismos internacionais foi
fundamental para o domínio das finanças, sobretudo o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), em 1945, e a Organização Mundial
do Comércio (OMC) em 1959. Tais instituições foram essenciais para a expansão
dos mercados privados e para intervirem nas crises financeiras5. Ao mesmo
tempo, expandiam-se as discussões sobre a ampliação dos direitos humanos
com conquistas importantes, firmadas por instrumentos jurídicos como
declarações, convenções e tratados6.
Entretanto, do ponto de vista universal, é possível verificar a
incompatibilidade entre a expansão do capital e dos direitos humanos e as
questões relativas aos fluxos da força de trabalho, uma vez que o esgotamento
do modo fordista de produção nos anos 1970 inaugura um novo período
denominado por Harvey de “acumulação flexível”7. Esse processo requereu a
liberalização dos mercados, impulsionada pelos organismos internacionais
como os acordos da Organização Mundial do Comércio que eliminaram
barreiras alfandegárias para o movimento do capital, mas não liberalizaram o
fluxo de trabalhadores imigrantes.
Essa “acumulação flexível” veio acompanhada do avanço tecnológico
aplicado à produção, aumento exponencial do fluxo de informações, aliado à
valorização do sistema financeiro global. Essa nova fase de acumulação
depende do sistema financeiro cujos lucros advêm não apenas da produção,
5 Santos (2007).
6 Por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem (1948); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966);
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de San José), entre outros.
7 Harvey (2010).
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Cleusa Santos
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A mobilidade de pessoas e a livre circulação da mão de obra: os limites do mercado capitalista
12 Chesnais (1998).
13 Segundo Ruy Braga (2013), “O precariado é o proletariado precarizado, ou seja, um grupo
formado por trabalhadores que, pelo fato de não possuírem qualificações especiais, entram e
saem muito rapidamente do mercado de trabalho. Além disso, devemos acrescentar os
trabalhadores jovens à procura do primeiro emprego, indivíduos que estão na informalidade e
desejam alcançar o emprego formal, e trabalhadores submetidos ao manejo predatório do
trabalho. O precariado é composto por aquele setor da classe trabalhadora pressionado tanto
pela intensificação da exploração econômica quanto pela ameaça da exclusão social”.
14 Fantazzini (2007).
15 Awad (2009).
16 O Tratado de Roma foi um marco no âmbito da União Europeia ao garantir a livre circulação
17 Awad (2009).
18 Fantazzini (2007).
19 Mengozzi (2010), p. 355.
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A mobilidade de pessoas e a livre circulação da mão de obra: os limites do mercado capitalista
20 Idem, p. 356.
21 Ventura e Illes (2012), p. 4.
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Cleusa Santos
22 Em 2012, o espaço Schengen estava formado por 26 países: “22 da União Européia, além da
Islândia, Noruega, Suiça e Liechtenstein. Cinco países do bloco europeu não fazem parte do
acordo: Reino Unido, Irlanda, Chipre, Romênia e Bulgária.” Disponível em:
http://www.portugues.rfi.fr/europa
23 Santos (2012).
24 Maringoni (2012).
28 “Sob a promessa de salários atraentes, a atuação dos chamados coiotes ‘pessoas que prestam
serviço de atravessar fronteiras ilegalmente ‘tem sido responsável pela imigração dos haitianos
ao Brasil, intensificada desde dezembro de 2011. Com três roteiros básicos, os coiotes
aperfeiçoam os itinerários de viagem de acordo com a vigilância estabelecida pelos países
envolvidos’.” Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5850967-EI306,00-
Coiotes+vendem+aos+haitianos+ilusao+de+grandes+salarios+no+Brasil.html
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Cleusa Santos
29 “Já o dumping social se verifica com o desrespeito a algumas regras trabalhistas para diminuir
custos de mão-de-obra, aumentar as exportações e atrair investimentos estrangeiros.”
Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/32205-38315-1-PB.pdf.
Acesso em: 22/10/2011.
30 Zizek (2011).
32 Netto (2010), p. 3.
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A mobilidade de pessoas e a livre circulação da mão de obra: os limites do mercado capitalista
34 Além dos acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte, a principal legislação a respeito
da imigração é a Lei 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil e cria o
Conselho Nacional de Imigração. Porém, já está em discussão um projeto de lei desde 2009, que
tem sido chamado de a “Nova lei dos migrantes”, que está mais articulada com os ganhos
constitucionais e acordos internacionais.
35 Política Nacional de Imigração e Proteção ao (a) Trabalhador (a) Migrante, 2010
36 Idem.
37 Idem.
38 Idem.
39 Idem.
40 Idem.
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Cleusa Santos
las. Cabe a ela inclusive possibilitar aos “imigrantes no Brasil e aos emigrantes
retornados o acesso às políticas públicas voltadas à assistência, à educação, à
saúde e à integração sócio-econômica e cultural”41. O papel do Estado está
circunscrito ao âmbito da regularização e concessão de vistos.
Apesar de ambas as políticas serem avançadas ao trabalharem temáticas
como o acesso ao esporte, à educação, à cultura, à saúde, à habitação, ao
trabalho, à justiça, o combate ao racismo e intolerância religiosa, elas tratam
todos esses temas no sentido de integração dos excluídos socialmente. Na
prática, os imigrantes são vistos como minorias que precisam ser acolhidas e
não como trabalhadores que se encontram em condições desiguais e sujeitos a
altos níveis de exploração. Além disso, as ações se dão através da solidariedade
no âmbito da sociedade civil e não é reforçado o sentido da universalização das
políticas sociais e do acesso aos direitos do trabalho. Outro ponto a ressaltar é
que muitas das ações visam a saídas mais individualizadas e que acabam por
não contribuir para a participação dos trabalhadores em órgãos de
representação, como os sindicatos. Vemos isso, sobretudo, nas medidas
voltadas para a inserção no mercado de trabalho como, por exemplo, as
políticas de empreendedorismo e acesso ao microcrédito. Percebemos que, tal
como afirma Netto, “o trato das manifestações da ‘questão social’ é
expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a
ordem econômico-social estabelecida; trata-se de combater as manifestações da
‘questão social’ sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. Tem-se
aqui, obviamente, um reformismo para conservar”42 .
Está claro que as demandas sociais43 advindas do processo migratório não
estão sendo atendidas pelos Estados nacionais, comprovando nossa hipótese
central de que, sob o neoliberalismo, há uma ausência de controle social e
democrático e comunitário na relação entre as novas formas de
internacionalização dos mercados e a mobilidade da força de trabalho. Isto
significa uma tendência forte do Estado para adotar medidas sociopolíticas
41Idem.
42Netto (2010).
43 Por razões de espaço não trataremos aqui, dos resultados dos brasileiros em Portugal
Bibliografia
Awad, Juliana. M, 2009. A livre circulação de trabalhadores na União Europeia.
Disponível em:http://www.cedin.com.br. Acesso em 05/06/2012.
Braga, Ruy (1997). A Restauração do Capital. Um estudo sobre a crise
contemporânea. São Paulo: Xamã.
Braga, Ruy. Entrevista: A economia e seus impactos na população, 01 de
maio de 2013. Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível em
http://www.diplomatique.org.br/artigo. php?id=1407. Acesso em 16/02/2015.
Chesnais, François. A Mundialização do Capital. São Paulo, Xamã, 1996.
Iamamoto, Marilda.V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e
formação profissional. São Paulo, Cortez, 1998.
44 Santos (2013).
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Os anarquistas no exílio (1930-1936)
Cristina Clímaco1
é transferido em Abril de 1933 para Lourenço Marques, regressando pouco depois a Portugal.
Participa na reorganização da FARP depois do 18 de Janeiro de 1934.
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Os anarquistas no exílio (1930-1936)
7 Nomeadamente Germinal de Sousa e Francisco Direitinho, que são expulsos por envolvimento
na insurreição de Dezembro de 1933. Os dois anarquistas refugiam-se em França durante algum
tempo, regressando posteriormente a Espanha.
8 Correia Pires, Memórias de um prisioneiro do Tarrafal, Lisboa, ed. Dêagá, 1975, p. 107.
9 Instituto de História Social (Amesterdão), fundo FAI-CP, maço 6, B3, circular da FAPE para os
apreendidos, assim como a correspondência da caixa postal utilizada pelo secretariado. IHS,
FAI-CP, maço 6, B3, circular da FAPE para os grupos, de Agosto de 1935.
12 Nomeadamente Adriano Pimenta, João Serra, Sebastião Pimenta e João Paulo Lola.
13 Instituto de História Social (Amesterdão), fundo FAI-CP, maço 6, B3, circular da FAPE aos
14 Arquivo Histórico-Social, cx. 91, Ms. 1671, circular da FAPE aos grupos, de 13 de Novembro
de 1935.
15 Idem, cx. 91, Ms. 1671, circular da FAPE para a FARP, de 26 de Junho de 1936.
18 Arquivo Histórico-Social, cx. 91, Ms. 1681, circular da FARP para a FAPE, de 9 de Outubro de
1935.
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Os anarquistas no exílio (1930-1936)
21 Idem, cx. 58, Ms. 1664 e cx. 92 Ms. 1681, carta da FARP para a CGT, de 9 de Outubro de 1935.
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Cristina Clímaco
22 Idem, cx. 92, Ms. s/n, carta da FAPE para a CGT, de 23 de Novembro de 1935.
23 Fundada na conferência de Valença realizada a 25 de Junho de 1927, com a participação da
União Anarquista Portuguesa. Segundo Juan Gómez Casas, Historia de la FAI, Madrid, Zero,
1977, p. 127, citando o anarquista espanhol Tomás Cano Ruiz, a delegação portuguesa era
composta por Francisco Quintal, Marques e Santos.
24 Para uma melhor integração do movimento anarquista português nas estruturas da FAI é
História Social (Amesterdão), fundo FAI-CP, maço 6, B3, correspondência da FAI para a FAPE,
de 29 de Agosto de 1932.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Cristina Clímaco
condições de assegurar esta tarefa, tanto mais que após a saída do primeiro
número de Rebelião a própria FARP sugere que o jornal se torne no órgão do
movimento anarquista português, dado não estar em condições de imprimir
qualquer publicação clandestina30.
O receio expresso pela FAPE, de que a FAI não teria suficientemente em
conta as especificidades do movimento português, nomeadamente a repressão
exercida pela ditadura que o coloca em situação de refluxo e a diminuição do
número de militantes, concretiza-se. A intensificação da repressão sobre o
movimento anarquista agrava as dificuldades de comunicação com o exterior.
Em Agosto de 1932 a sede da CGT tinha sido assaltada pela polícia, seguindo-se
uma vaga repressiva que atingiu no mês seguinte a FARP, dada a proximidade
dos dois movimentos e a dupla militância, provocando os primeiros exílios. As
relações com os movimentos congéneres estrangeiros, nomeadamente com a
FAI, são descontinuadas, condenando a FARP a um isolamento institucional,
que será apenas paliado pela ligação que a FAPE consegue manter com o
interior graças às redes fronteiriças de solidariedade, montadas nos anos
anteriores. O contacto com o Porto faz-se por via dos anarquistas de Tui e de
Luís Larangeira, em Vila Real, passando a ligação com Lisboa por Salamanca,
Valência de Alcântara, Ayamonte e Pajmogno. É pela via alentejana que Rebelião
será introduzido em Portugal.
Em Setembro de 1932 a FARP pondera a preparação de uma greve
revolucionária, para a qual procura auxílio junto da FAI, nomeadamente o
envio de um delegado para uma reunião a organizar próximo da fronteira 31.
Curiosamente, é neste mesmo período que se inicia a greve dos mineiros de S.
Domingos32, que se singulariza pela determinação dos grevistas e pela duração
do movimento de luta, imprimindo-lhe um carácter radical. No entanto, a
fraqueza e a repressão policial do movimento libertário limitam o alastramento
da agitação revolucionária em Portugal, apesar das declarações do delegado da
FARP ao pleno da FAI de Outubro de 193333, segundo as quais “a Revolução em
30 Idem, maço 6, B3, correspondência da FAPE para o elemento português junto do CP da FAI,
de 5 de Setembro de 1932.
31 Idem, maço 6, B3, correspondência da FAPE para a FAI, de 16 de Setembro de 1932.
32 A greve inicia-se a 12 de Outubro de 1932 e prolonga-se até inícios de Novembro, mas com
Casas, Historia de la FAI… op. cit, p. 157. Segundo este autor, a FARP contaria nesta data 40
grupos e 1000 filiados.
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Os anarquistas no exílio (1930-1936)
Conclusão
Na primeira metade da década de 30, a FAPE representou um canal de
comunicação para as organizações anarquistas em Portugal, que a ditadura
tentava isolar no interior. Contudo, por falta de meios humanos e materiais a
projecção da acção fomentada pela FAPE foi limitada. Sedeada em Espanha a
partir de 1932, e animada quase exclusivamente por elementos residentes neste
34 Idem, p. 163.
35 Instituto de História Social (Amesterdão), fundo FAI-CP, maço 6, B3, correspondência da
FAPE para a FAI, de 6 de Junho de 1934.
36 Rebelião, II série, n° 2, Agosto de 1935.
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Os anarquistas no exílio (1930-1936)
Fontes e Bibliografia
Fontes:
RGASPI (Centro Russo de Conservação Moscovo), 495/179/13
IIHS (Instituto Internacional de História Social, Amesterdão), fundo FAI-
CP, maço 6, B3
AHS (Arquivo de História Social, Lisboa), cx.: 58, 91, 92.
Imprensa:
Rebelião, Paris, Madrid, Sevilha, Barcelona, 1932-1938.
Bibliografia:
Adriano Botelho, Memória e ideário, Angra do Heroísmo, Secretaria
Regional dos Assuntos Culturais, 1989.
Correia Pires, Memórias de um prisioneiro do Tarrafal, Lisboa, ed. Dêagá,
1975.
Cristina Clímaco, L’Exil politique portugais en France et en Espagne (1927-
1940), Paris, Université de Paris-7 Denis Diderot, tese de doutoramento, 1998.
Edgar Rodrigues, A Oposição libertária em Portugal, 1939-1974, Lisboa,
Sementeira, 1982.
Edgar Rodrigues, A Resistência anarco-sindicalista em Portugal, 1922-1939,
Lisboa, Sementeira, 1981.
Emídio Santana, Memórias de um militante anarco-sindicalista, Lisboa,
Perspectivas e Realidades, s/d.
Fátima Patriarca, Sindicatos contra Salazar. A Revolta do 18 de Janeiro, Lisboa,
ICS, 2000.
Filipa Freiras, Les jeunesses syndicalistes au Portugal (1913-1926), Paris,
EHESS, tese de doutoramento, 2007.
João Freire, “Os anarquistas e a Frente Popular”, colóquio Internacional
“60 anos das Frentes Populares”, Lisboa, 13/14 de Dezembro de 1996, 21 ff.
João Freire, “Os Anarquistas nos implacáveis anos 30”, Diário de Notícias,
15 de Março de 1984.
João Freire, Ideologia, ofício e práticas sociais. O anarquismo e o operariado em
Portugal, 1900-1940, Lisboa, ISCTE; tese de doutoramento, 1984.
Juan Gómez Casas, Historia de la FAI, Madrid, Zero, 1977.
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Cooperativismo operário e resistência política: um estudo de caso
Dulce Simões1
Introdução
A origem da cooperação, como movimento de transformação das condições
socioeconómicas da classe operária, remete para os socialistas utópicos da
primeira metade do século XIX, como Robert Owen, Saint-Simon e Charles
Fourier2. Robert Owen (1771-1858) considerava que a mudança social seria
alcançada pela cooperação, no combate ao lucro e à concorrência, com as
associações cooperativas presentes em todas as áreas de actividade económica 3.
Karl Marx manteria algumas reservas, apesar de admitir que o movimento
cooperativo podia desempenhar um importante papel na emancipação da
classe operária face ao capitalismo, quando aliado à luta de classes. Nesta
perspectiva, as cooperativas eram entendidas como organizações que
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Dulce Simões
Centre for the Study of Co-operatives, University of Saskatchewan, 1994, p. 1. Consultável em:
http://ageconsearch.umn.edu/bitstream/31778/1/re94fa01.pdf
6 Leite, João Salazar. Cooperação e Intercooperação. Lisboa: Livros Horizonte, 1982, p.11.
7 Idem, p.15
8 Ibidem, p.18.
9 Para Pierre Bourdieu a noção de espaço contém o princípio relacional do mundo social, que
reside na exterioridade mútua dos elementos que o compõem, onde os indivíduos e grupos
existem e subsistem na sua diversidade, resultante das posições que ocupam no espaço de
relações. Bourdieu, Pierre. Razões Práticas. Sobre a Teoria da Acção. Oeiras: Celta Editora, 2001, p.
31.
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Cooperativismo operário e resistência política: um estudo de caso
10 No mesmo contexto histórico ver por exemplo: Roussell, Concepción y Albóniga, Norberto.
Historia de las cooperativas de consumo vascas. Federación de Cooperativas de Consumo de
Euskadi.1994. Consultável em: http://www.ekkf-fecoe.coop/files/publicaciones/historia
_coop_consumo.pdf
11 Simões, Maria Dulce Dias Antunes. “Memórias e Identidades da Cooperativa de Consumo
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Cooperativismo operário e resistência política: um estudo de caso
17 Ibidem, p.490.
18 I Congresso do Partido Comunista Português – Resoluções, 1943.
19 Victor Costa (Cova da Piedade, 1926), escriturário e industrial. Filiou-se na Cooperativa em
1955 iniciando a sua colaboração na Comissão Cultural. Em 1959 foi 2º Secretário da Direcção e
em 1960 vogal da Direcção. Em 1961 fará parte da Comissão dos Serviços Médico Sociais. Em
1965 desempenhou as funções de Tesoureiro, em 1966 foi Presidente do Conselho Fiscal, e em
1968 foi eleito Presidente da Direcção.
20 Manuel Galhós (Cova da Piedade, 1918-2010) foi operário corticeiro e anarco-sindicalista.
Desde jovem que colaborava como voluntário na CCP. Em 1943 participou na greve dos
corticeiros. Com o encerramento da Fábrica Bucknall (1951) emigrou para França, regressando
após o 25 de Abril.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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Dulce Simões
21 José da Costa (Arganil, 1923) operário corticeiro e comerciante. Em 1937 iniciou a colaboração
na CCP. Em 1943 participa na organização da greve de 1943 na Fábrica Bucknall. Em 1949
integra a 1ª Comissão Cultural, e em 1951 com o encerramento da fábrica, emigra para o Brasil,
regressando após o 25 de Abril. Em 1980 foi tesoureiro da CCP.
22 Lenine. O Estado e a Revolução. Lisboa: Distribuição Dinalivro, s/d, p. 30.
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Dulce Simões
29 Fentress, James & Wickham, Chris. Memória Social. Lisboa: Teorema, 1994, p. 155.
30 Ver em Flores, Alexandre & Policarpo António. Arsenal do Alfeite, Contribuição para a História
da Industria Naval em Portugal. Junta de Freguesia do Laranjeiro, 1998.
31 Wieviorka, Michel. A Diferença. Lisboa: Fenda, 2002, p. 52.
32 Rodrigues, Jorge de Sousa. “Infraestruturas e Urbanização da Margem Sul: Almada, séculos
33Idem, p. 554.
34 A história do Arsenal do Alfeite “confunde-se com a história do movimento operário e
sindical português e cruza-se com a própria formação do Partido. É indissociável da vida e
contributo de um dos seus operários, Bento Gonçalves, dirigente sindical e secretário-geral do
PCP entre 21 de Abril de 1929 e 11 de Setembro de 1942, data em que foi assassinado pela
ditadura fascista, seis anos após a sua prisão, no campo de concentração do Tarrafal. (…) A
expressão «arsenalista», que os operários utilizam, é como que um adjetivo ideológico que se foi
fortalecendo ao longo de décadas de luta na empresa. Numa entrevista sobre o 70.º aniversário
do Arsenal do Alfeite, onde se perguntava o que é ser «arsenalista», um operário reformado
respondeu: «É pertencer a uma família. Nunca se deixa de ser arsenalista». Um actual operário,
na sua oficina, afirmou por sua vez: «Ser arsenalista é não faltar a uma luta. Quando temos
greve, é para aderir» ”. Excerto de artigo da revista O Militante, N.º 304 - Jan/Fev. 2010.
Consultável em: http://www.omilitante.pcp.pt/pt/304/Lutas/375/
Ver ainda: Bonifácio, M. Fátima. “Os arsenalistas da Marinha na Revolução de Setembro
(1836)”, Análise Social. Vol.1. XVII (65), 1981, 1º, 29-65 e Flores, Alexandre & Policarpo, António.
Arsenal do Alfeite, Contribuição para a História da Industria Naval em Portugal. Junta de Freguesia
do Laranjeiro. 1998.
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35 A participação das mulheres nas Comissões Culturais da Cooperativa está documentada até
ao início da década de 1970. Fonte: Livros de Atas da Comissão Cultural. Arquivo Histórico da
CCP.
36 Raul Cordeiro (Idanha-a-Nova, 1926) foi funcionário da CCP e escriturário de profissão. Na
de Setúbal à Secção Central de Lisboa: “Pelo nosso colaborador Manuel Antunes, fui informado
de que os conhecidos elementos desafetos João Alberto Raimundo, Marcos Manuel Rolo
Antunes, Vladimiro Marques Guinote, José Gil Alves e José Lavaredas Zagalo e Melo
organizaram uma coleta de fundos, com vista a subsidiar a família do Gilberto Henrique Rita da
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Silva, o qual como aqueles, pertencia à Sociedade Cooperativa Piedense”. Arquivo Nacional
Torre do Tombo. PIDE/DGS. Proc. 5191 CI (1), pasta 1, NT-1305.
40 Proposta do sócio André Santos, registada na Ata da 1ª Reunião da Comissão para o estudo
da Cooperativa Piedense, Ano I, nºs 10-11, Outubro/Novembro, 1965, Arquivo Histórico da CCP.
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Cooperativismo operário e resistência política: um estudo de caso
43 Fox, Richard & Starn, Orin. “Introduction”. In Richard Fox & Orin Starn (org.) Between
Resistance and Revolution - Cultural Politics and Social Protest. New Brunswick/New
Jersey/London: Rutgers University Press, 1997, p.3.
44 José Vidal (Stº Antoni de Calonge – Catalunha, 1927), refugiado da guerra civil de Espanha,
fixou-se na Cova da Piedade em 1942. Foi escriturário na fábrica de cortiça Cabruja & Cabruja
Lda, e funcionário na tesouraria da CCP. Em 1956 filiou-se na Cooperativa, e em 1969 foi 1º
Secretário da Assembleia-geral.
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Dulce Simões
Algumas reflexões
As organizações cooperativas representam uma longa história de
ideologias, utopias e práticas, em que a consciência de lutar pela sociedade
ideal foi tão importante como deverá ser no futuro. A orientação futura exige
visões alargadas em relação à identidade do movimento cooperativo, à
democracia participativa e à economia efectiva. Boaventura Sousa Santos diz-
nos que é necessária uma globalização alternativa, uma globalização da
solidariedade e da reciprocidade, da cidadania pós-nacional, do
desenvolvimento económico sustentável e democrático, do comércio justo como
45 Touraine, Alain. “Os Movimentos Sociais: Objecto Particular ou Problema Central da Análise
Sociológica”. Em O Retorno do Actor: Ensaio sobre Sociologia, Lisboa: Piaget, 1996, p. 25.
46 Wieviorka, Michel. A Diferença, Lisboa: Fenda, 2002, pp. 49-50.
48 Book, Sven Ake. Valores Cooperativos, um Mundo de Mudança. Lisboa: Instituto António Sérgio
1993, p. 216.
49 Em 2005 a CCP foi integrada na Puricoop como estratégia de sobrevivência económica e em
Referências
Abreu, Carlos & Branco, Francisco. O Associativismo: Tradição e Arte do Povo
de Almada. Almada: Edição da Câmara Municipal de Almada, 1987.
50 Sousa Santos, Boaventura (Org.) Produzir para Viver: os Caminhos da Produção Não Capitalista,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.
51 Mauss, Marcel. Ensaio Sobre a Dádiva. Lisboa: Edições 70, p. 189.
52 Bourdieu, Pierre. Razões Práticas. Sobre a Teoria da Acção. Oeiras: Celta Editora, 2001, p. 126.
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Cooperativismo operário e resistência política: um estudo de caso
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Os trabalhadores da Mundet: contributos para a história da comunidade
corticeira do Seixal
Nota introdutória
Em 1905, a firma de origem catalã então sedeada nos Estados Unidos da
América L. Mundet & Sons (de que a Mundet & C.ª, Lda. (1922-1988) foi
sucessora em Portugal) instala uma fábrica de produtos corticeiros junto à antiga
vila do Seixal. Mais tarde, foram instaladas fábricas Mundet em Inglaterra,
Canadá, Espanha e Argélia. O negócio corticeiro baseava-se na comercialização de
quantidades significativas de matéria-prima preparada (assegurando o
fornecimento de cortiça indispensável à laboração das fábricas transformadoras
que a Mundet detinha no estrangeiro) e de produtos manufaturados, através da
dinamização de redes de contactos de agentes e clientes que a Mundet manteve ao
longo do seu período de atividade.
Em 1917, a empresa funda uma segunda unidade industrial no município
do Seixal, na freguesia de Amora (desativada em 1964). Trabalhando de acordo
com uma estratégia industrial que radicava numa forte complementaridade
técnica e de recursos humanos, tornou-se comum a mobilidade de trabalhadores
entre os dois estabelecimentos fabris, mediante as necessidades ocasionais de um
maior número de mão-de-obra. Para além destas, instalou fábricas em Mora,
Ponte de Sor, Vendas Novas (unidades fabris sucursais, vocacionadas sobretudo
para a aquisição e preparação de matéria-prima) e Montijo.
O presente trabalho visa divulgar os primeiros resultados do estudo do
Fundo Documental Mundet (em fase exploratória), reportados à caracterização
dos trabalhadores que laboraram nas fábricas da Mundet, no concelho do
Seixal, entre 1940 e 1950. Este foi o período considerado pertinente para o nosso
estudo dado que, por um lado, foi a década de maior crescimento da empresa
em Portugal, chegando a ser considerada uma das maiores empregadoras do
distrito de Setúbal e uma das mais importantes empresas exportadoras
nacionais. Por outro lado, este foi um decénio marcado pela II Guerra Mundial
(1939-1945) no que se refere quer à organização militar das condições de
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Fátima Afonso e Fernanda Ferreira
2 Os gráficos apresentados ao longo do texto são de elaboração das autoras a partir de dados
recolhidos nos Boletins de Inquérito.
3 Em 1943, as unidades industriais das empresas Mundet & C.ª, Lda. (fábricas em Seixal e
Amora), Produtos Corticeiros Portugueses, Lda. (Amora) e C. G. Wicander, Lda. (Seixal) detinham
cerca de 3400 trabalhadores. Arquivo Histórico Militar/Serviços de Mobilização Industrial
(1943-1946).
4 Filipe, Graça. Antigas fábricas em meios urbanos: como transformar os espaços de trabalho em
2500 2133
2000
1500
1000
500 21 37 5 15 1 2 1 10
0
2000 1667
1500
1000
500 177
11 24 9 3 63 37 20 33 15 13 64 8 13 32 3 7
0 Distritos
Viana do…
Porto
Beja
Aveiro
Bragança
Coimbra
Lisboa
Portalegre
Vila Real
Faro
Viseu
Braga
Leiria
Setúbal
Santarém
Castelo Branco
Évora
Guarda
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103 19
481 Agricultura
Comércio
Indústria
1510 28
Serviços
84
Diversos
Não respondem
verificadas nos processos de fabrico, a indústria passou a admitir um maior número de pessoal
não especializado, a um custo salarial mais baixo.
9 [Consultado em 11-12-2013]. Disponível em: <URL: http://www.cm-alenquer.pt/Catalogs/
listentities.aspx?category=24&page=11>.
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Fátima Afonso e Fernanda Ferreira
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Os trabalhadores da Mundet: contributos para a história da comunidade corticeira do Seixal
Na fábrica
Através dos Boletins constatamos que os operários corticeiros10 atingem
cerca de 97% no universo de trabalhadores da Mundet. Genericamente, podemos
verificar que os anos 30 e 40 do século XX foram as décadas que registaram um
maior número de admissões de trabalhadores. Importa ainda referir que a idade
de admissão na faixa etária entre o 10-15 anos atingiu os 52%, sendo seguida das
10Incluímos, entre outros, os trabalhadores afectos a serviços de apoio como sejam a creche, a
casa de infância, a serralharia, a carpintaria, entre outros. Inclui-se o exercício de funções de
ama, cozinheiro, descarregador, fragateiro, subencarregado.
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Fátima Afonso e Fernanda Ferreira
faixas etárias dos 16-25 anos, que compreendem 26% dos trabalhadores. As
restantes não atingem valores superiores a 10%.
Categorias profissionais
Técnicos 2
Empregados de escritório 30
Categorias profissionais
Encarregados 28
Operários 2165
0 500 1000150020002500
1000
900
800
700
600
500 924
400 Admissão na empresa por
décadas
300 548
200 377
100 144 187
41 4
0
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Os trabalhadores da Mundet: contributos para a história da comunidade corticeira do Seixal
91 10-15
116 16-20
156
21-25
221 26-30
1163
31-35
36-40
360 41-45
46-50
51-55
56-60
+ 60
12O despacho de 2 de agosto de 1941 determinava que, na região Centro, os operários do sexo
masculino com a categoria profissional de faxinas recebiam um salário de 11$00, enquanto os
operários de sexo feminino com a mesma categoria recebiam apenas um salário de 8$00.
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Os trabalhadores da Mundet: contributos para a história da comunidade corticeira do Seixal
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Fátima Afonso e Fernanda Ferreira
declaram, 163 tinham ambos os pais a trabalhar nestas unidades fabris e 539
tinham apenas um familiar ascendente empregue na Mundet.
Das relações de parentesco analisadas, podemos ainda referir que cerca de
31% dos trabalhadores tinham cônjuges integrados nos mapas de pessoal nas
fábricas e cerca de 13% tinham os seus filhos empregados nas fábricas do Seixal
e de Amora, representados no seguinte gráfico:
Familiares de grau descendente (n.º de filhos)
1 2 3 4 5 6 7
1 1
22 14
38 131
84
15 7 10
27
10-15
37 16-20
21-25
217 26-30
31-35
+ 35
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Fátima Afonso e Fernanda Ferreira
13O Corticeiro,12.06.1909.
14Os ofícios de quadrador e de rolheiro manual eram considerados dos mais especializados e
bem remunerados da indústria corticeira. Mesmo com a introdução da máquina, continuou a
ser valorizada a produção manual de rolhas.
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Os trabalhadores da Mundet: contributos para a história da comunidade corticeira do Seixal
16Na região de Lisboa, os movimentos grevistas de 1943 incidem sobretudo nas freguesias de
Alcântara e Belém e nos vizinhos concelhos de Loures (Sacavém) e Vila Franca de Xira.
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Os trabalhadores da Mundet: contributos para a história da comunidade corticeira do Seixal
Amora, apenas foi suspenso por ordem da sede da empresa, que procurou assim
evitar o desenvolvimento de atos de violência.
Continuando o trabalho suspenso nos estabelecimentos fabris da Amora
de Baixo e Arrentela, o protesto adquire uma maior expressão, nesse mesmo
dia, com a adesão das grandes fábricas corticeiras da freguesia do Seixal
(Mundet & C.ª, Lda. e C. G. Wicander, Lda.).
Tendo tido o seu foco inicial na secção de escolha de rolhas, de onde terá
partido um grupo de mulheres incitando à paralisação das outras oficinas,
estimamos que cerca de 95% dos operários da fábrica Mundet, no Seixal, terão
aderido à greve de braços caídos. Foram poucos os trabalhadores que
continuaram a laborar, com exceção dos encarregados das oficinas, pessoal dos
quadros técnicos e superiores, das estruturas de apoio social (creche, casa de
infância e sopa dos pobres) e da maioria dos operários que integravam a
corporação dos Bombeiros Voluntários Privativos da Mundet & C.ª, Lda.
As instalações das várias unidades industriais onde se verificou o surto
grevista foram encerradas e os trabalhadores foram compelidos a abandonar os
espaços fabris. Na sequência da nota oficiosa do Governo, emitida no dia 29 de
julho, foram despedidos os grevistas e abertas inscrições para admissão de novo
pessoal nas fábricas17.
A fábrica da Mundet em Amora foi ocupada por forças militares na noite
de 27 para 28 de julho, o mesmo acontecendo na unidade industrial do Seixal,
mas apenas no início da tarde do dia 30.
Os estabelecimentos fabris do concelho mantiveram-se fechados por
ordem do Ministério da Guerra (inclusivamente a fábrica da SPEL, apesar de o
seu pessoal não ter aderido à greve) e guardados por militares enquanto
decorriam as inscrições nas fábricas para a substituição dos grevistas e as
averiguações policiais para apuramento dos principais instigadores de
paralisações e desacatos.
Na sequência da paralisação das fábricas, em meados de agosto foram
despedidos no concelho, por ordem do Governo, o seguinte número de
trabalhadores: 29 da Produtos Corticeiros Portugueses, Lda. (Amora), 21 da
Companhia de Lanifícios de Arrentela, 15 da C. G. Wicander, Lda. (Seixal), 175 das
fábricas da Mundet & C.ª, Lda. (Seixal e Amora).
Porém, no caso dos trabalhadores da Mundet só nos foi possível verificar
o registo de despedimento de 149 trabalhadores. Destes operários despedidos,
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Fátima Afonso e Fernanda Ferreira
99
100
90
80
70
60
Admissão na fábrica por
50
décadas
40 30
30
16
20
10 2 2
0
1900-1909 1910-1919 1920-1929 1930-1939 1940-1949
45
40
35
30
25
Distribuição por nível
20 etário à data da greve de
15 1943
10
5
0
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77
80
70
60
46
50
40
Tempo de serviço na
30 empresa Mundet à data da
14 12
20 greve de 1943
10
0
Até 5 Entre 6 e Entre 11 Mais de
anos de 10 anos e 15 anos 15 anos
serviço de de de
serviço serviço serviço
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Fátima Afonso e Fernanda Ferreira
BIBLIOGRAFIA
Afonso, Fátima; Ferreira, Fernanda. Da Caixa de Previdência do Pessoal
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Barosa, José Pedro. As fábricas de garrafas da Amora: 1888-1926 . Marinha
Grande: Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, 1996, 85 p. (Estudos e
Documentos, 2).
Bernardo, Hernâni de Barros. Do estado actual da indústria corticeira: em
torno da industrialização. Boletim da Junta Nacional da Cortiça. Lisboa: Junta
Nacional da Cortiça, n.º 74, pp. 67-74, 1944.
Creche e casa da infância da Mundet: espaços sociais e memórias da
comunidade corticeira do Seixal no séc. XX. Ecomuseu Informação. Seixal:
Câmara Municipal. [n.º17] (Out/Nov/Dez), p. 6-7, 2000.
Decreto-Lei n.º 32.670. D.R. I Série. 38 (43-02-17), pp. 115-117.
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Cortiça. Lisboa: Junta Nacional da Cortiça, n.º 48, pp. 3-4, 1942.
Ferreira Júnior, Eduardo. A evolução dos salários na indústria corticeira.
Boletim da Junta Nacional da Cortiça. Lisboa: Junta Nacional da Cortiça, n.º 34, pp.
7-10; n.º 35, pp. 5-7; n.º 36, pp. 12-16; n.º 37, pp. 5-10; n.º 39, pp. 11-17; n.º 40, pp.
13-16, 1941-1942.
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Aplicação capitalista da maquinaria e formação da população operária
excedente: uma relação vital para a reprodução do capital
Introdução
Analisar a formação da população operária excedente atrelada às
particularidades da produção industrial capitalista requer, preliminarmente, a
consideração de que no sistema de controlo do capital o desenvolvimento
constante e acelerado da tecnologia está ao serviço da extração de mais-valia e
da acumulação privada de riqueza. Projetada para funcionar conforme os
requisitos reguladores do metabolismo social do capital, sua finalidade não é de
maneira alguma atender as necessidades autenticamente humanas. Então, qual é
a razão do seu desenvolvimento no capitalismo? Enquanto monopólio dos
capitalistas, a máquina aplicada ao processo produtivo possibilita, no
desenvolvimento da grande indústria moderna, a produção generalizada de
mercadorias, encurta o tempo de trabalho socialmente necessário, subordina
hierarquicamente o trabalho à classe do capital personificada no processo de
reprodução societal, fragmenta o saber operário e provoca uma redução
significativa da quantidade de trabalhadores empregados, lançando as bases
objetivas para o surgimento de uma “superpopulação relativa”3.
Tomando como referência essas considerações, explicitamos que em seu
dinamismo histórico particular o capital vê no incremento maciço da
maquinaria um aliado para consolidar seus objetivos autorientados e
autoexpansivos. Explicitamos, ao mesmo tempo, que sob a lógica do capital o
desenvolvimento da força produtiva do trabalho carrega consigo contradições
insanáveis. Entre outras, verificaremos, a partir de Marx, que na medida em que
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Aplicação capitalista da maquinaria e formação da população operária excedente: uma
relação vital para a reprodução do capital
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Fernando de Araújo Bizerra e Reivan Marinho de Souza
produção no interior da manufatura. Uma análise detalhada e bastante relevante sobre essa
organização produtiva capitalista encontra-se em Marx (1996).
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Aplicação capitalista da maquinaria e formação da população operária excedente: uma
relação vital para a reprodução do capital
10 Idem, Ibidem.
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16 A divisão social e técnica do trabalho, no capitalismo, diz respeito à separação clássica entre
trabalho manual e intelectual, que se impõe de forma racional/ mecânica, hierárquica,
disciplinada e despótica, na manufatura e na grande indústria moderna, conforme o
fundamento do controle e da apropriação privada da riqueza socialmente/ coletivamente
produzida com vistas a intensificar a extração de trabalho excedente. Esta divisão também
acontece no campo e na cidade com a expansão dos processos de urbanização e entre as
diferentes profissões que vão sendo socialmente demandadas consoantes as necessidades de
reprodução do capital. O trabalho manual caracteriza-se pelas atividades práticas/operativas
realizadas no chão da fábrica que transformam a natureza; e o trabalho intelectual corresponde
às atividades de criação, gestão e supervisão do trabalho.
17 Marx (1988) p. 46.
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Fernando de Araújo Bizerra e Reivan Marinho de Souza
22 Segundo Marx (1988, p. 15), “[...] na manufatura, trabalhadores precisam, individualmente ou
em grupos, executar cada processo parcial específico com sua ferramenta manual. Embora o
trabalhador seja adequado ao processo, também o processo é adaptado antes ao trabalhador.
Esse princípio subjetivo da divisão é suprimido na produção mecanizada. O processo global é
aqui considerado objetivamente, em si e por si, analisado em suas fases constituintes, e o
problema de levar a cabo cada processo parcial e de combinar os diversos processos parciais é
resolvido por meio da aplicação técnica da Mecânica, Química etc., no que, naturalmente, a
concepção teórica precisa ser depois como antes aperfeiçoada pela experiência prática
acumulada em larga escala”.
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relação vital para a reprodução do capital
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Fernando de Araújo Bizerra e Reivan Marinho de Souza
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Fernando de Araújo Bizerra e Reivan Marinho de Souza
38 Em poucas e claras palavras, o autor assim define essas categorias: “Abstraindo vagabundos,
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Aplicação capitalista da maquinaria e formação da população operária excedente: uma
relação vital para a reprodução do capital
42 Engels (1986).
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Fernando de Araújo Bizerra e Reivan Marinho de Souza
nas grandes cidades era lesivo ao organismo humano. Nos bairros operários
havia muitas poças de água suja e inutilizável e dejetos, o que acabava
prejudicando a saúde das famílias que ali viviam.
Quanto às condições de trabalho, destaquemos o caráter monótono que
essa atividade humana vital assumia, sendo cada vez mais forçado, alienante,
tornando-se um verdadeiro suplício; e os baixos salários que, muitas vezes, não
davam nem para suprir o mínimo de suas necessidades de reprodução social.
Por fim, frisemos ainda as más condições com que os trabalhadores se
defrontavam nas fábricas insalubres.
Conclusão
Por ora, procurámos demonstrar a estreita relação entre a aplicação
capitalista da maquinaria e a formação da população operária excedente,
considerando a dialética dos processos econômicos, para evidenciar que tal
relação não se consolida arbitrariamente. Muito pelo contrário, discutir as
questões aqui tratadas nos permitiu expressar a efetiva interação entre a
dinâmica autoexpansionista do capital e a constituição da superpopulação
relativa. No decorrer da exposição, vimos que a maquinaria, capitalistamente
empregada, produz efeitos sobre a classe trabalhadora. De uma parte, constitui-
se como aliada do capital no processo de extração da mais-valia que degrada os
operários, tanto física quanto intelectualmente, ao subsumi-los integralmente ao
domínio capitalista. De outra, substitui um grande contingente de
trabalhadores no processo produtivo, agora desempregados, que terão suas
condições de vida e de reprodução social degradadas substantivamente diante
da ausência dos meios de sobrevivência.
Em sua transitoriedade histórica, o capital, ao buscar obter seu objetivo
maior, o lucro, não apenas produz essa população, mas a reproduz, de maneira
sempre crescente e ampliada, condicionando-a ao funcionamento do sistema
capitalista em sua totalidade complexa. É condição elementar da produção
capitalista que haja força de trabalho disponível para ser explorada e produzir
mercadorias, assim como para que os patrões exerçam o controle sobre os
trabalhadores empregados. Por essa razão, a eliminação dessa problemática que
atinge gravemente os trabalhadores não pode se dar por meio das medidas
paliativas, traduzidas nas reformas possíveis nos interstícios do sistema do
capital, implementadas ora pelo Estado ora pelo patronato. Deve, sem sombra
de dúvidas, realizar-se através da ruptura com a lógica que preside os nexos
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Aplicação capitalista da maquinaria e formação da população operária excedente: uma
relação vital para a reprodução do capital
Referências
Marx, Karl. O Capital. Vol. I. Tomo II. Coleção Os economistas. Tradução
Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura, 1988.
___________. O Capital. Vol. I. Tomo I. Coleção Os economistas. Tradução
Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura, 1996.
Marx, K.; Engels, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez
Editora; 1998.
Netto, José P. e Braz, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica.
São Paulo: Cortez, 2009.
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PCP e movimento estudantil no final dos anos 60
Giulia Strippoli
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2 Foi sobretudo Marta Benamor Duarte quem qualificou o movimento estudantil de 1969 como
diferente em relação ao passado, atribuindo-lhe o papel de substituir um certo tipo de revolta
estudantil por formas de contestação política novas, não só contra o regime mas contra a
tradicional oposição. A tese de Benamor Duarte sustenta também que o movimento estudantil
dos finais dos anos 60 não foi considerado um movimento inovador apenas em comparação
com as precedentes formas de mobilização estudantil, mas também porque representou uma
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PCP e movimento estudantil no final dos anos 60
forma nova de fazer política de oposição ao Estado Novo. Ver: Foi apenas um começo, tese de
mestrado, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL, Abril 1997.
3 IAN-TT, AOS/CO/ED/11 Pt 26 folha 454.
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7 “Os estudantes de Lisboa desmascaram as medidas do governo fascista”, Avante!, S. 6, n.º 387,
Janeiro 1968, pp. 1 e 4.
8 “A combatividade dos estudantes assegura a conquista dos seus direitos”, Avante!, S. 6, n.º 392,
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9 “Vigorosas lutas dos estudantes de Lisboa e Porto”, Avante!, S. 6, n.º 393, Julho 1968, p. 5.
10 “Novas lutas e vitórias dos estudantes de Lisboa”, Avante!, S. 6, n.º 394, Agosto 1968, p. 5.
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11“Greve dos estudantes de Lisboa. ‘Uma Universidade para a Nação’”, Avante!, S. 6, n.º 399,
Fevereiro 1969, p. 4
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passividade inerente ao oportunismo e a teoria do “tudo ou nada”. Não eram
temas novos: o PCP, depois da fuga da prisão de Cunhal, tinha conduzido
batalhas tanto contra o desviacionismo de direita como contra o “esquerdismo”;
no início de 1969 repropõem-se os mesmos temas, mas desta vez direccionados
aos estudantes. Para o partido era importante que se satisfizessem os oito
pontos da declaração dos princípios associativos, normalmente chamada
Declaração de Coimbra, porque, apesar de ter sido elaborada em Lisboa, foi
anunciada na ocasião da Tomada da Bastilha. Para o partido a obtenção
daquelas reivindicações era a condição indispensável para que a universidade
se tornasse unida e autónoma e se desencadeasse uma verdadeira reforma no
ensino.
A data 17 de Abril marcou o início da fase mais acesa da crise académica e
tornou-se o símbolo da revolta da massa estudantil em Coimbra, por ocasião do
episódio que opôs o presidente da DG/AAC, Alberto Martins, ao presidente
Américo Tomás e que levou à prisão do estudante. Como é sabido, a resposta
do regime foi a promessa do breve restabelecimento da ordem, contra uma
situação considerada subversiva, até que a 6 de Maio a universidade foi
fechada. Os estudantes responderam com o cancelamento da Queima das Fitas,
eliminando não só uma festa tradicional de grande valor simbólico, mas
também uma importante ocasião para o comércio da cidade; a muito concorrida
Assembleia Magna de 28 de Maio decretou a extensão do luto académico ao
período de exames, como protesto contra a indisponibilidade das autoridades
em confronto e a suspensão de alguns alunos. A repressão não se fez esperar:
enquanto os estudantes organizavam os piquetes e iniciativas inovadoras,
espelho de novas tendências de contestação14, o Governo colocou uma
quantidade nunca vista de forças policiais na cidade, na universidade e nas
sedes das associações académicas. No entanto, isto não teve influência sobre a
greve aos exames, que contou com 95% de adesão e se manteve até Junho com
uma média de 86,6%. Não foi só a intervenção da polícia que tornou visível a
repressão em relação ao movimento: no dia 4 de Julho, uma modificação na lei
de recrutamento militar cria uma nova condição para obter a prorrogação do
serviço militar, ou seja, ter “um bom comportamento escolar”, o que deu azo a
um consistente recrutamento entre os activistas de Lisboa e de Coimbra. A
concessão de exames em Outubro foi apenas uma aparente vitória dos
14São as mobilizações que M. Cardina atribui à sintonia dos estudantes de Coimbra com o
“espírito do tempo”: o lançamento de balões no ar, a distribuição de flores à população,
espalhar pregos nas escadas monumentais: M. Cardina, A tradição da contestação, ob. cit., p. 80.
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Bibliografia
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Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI? 1
1. Introdução
As relações laborais e o sindicalismo encontram-se hoje na defensiva, fruto das
transformações que perpassam o mercado de trabalho e das políticas de
austeridade que a presença da troika em Portugal ajudou a legitimar. Mas que
configuração têm as relações laborais e em que tradições teóricas tais relações se
inscrevem? Qual tem sido a agenda das relações laborais ao longo das últimas
décadas? Que tradições teóricas cabem nessa agenda? Que implicações
decorrem para o “parente pobre” das relações laborais (os sindicatos) no
contexto atual?
O texto aqui apresentado é animado por algumas destas interrogações.
Assim, num primeiro momento é abordado o significado conceptual das
“relações laborais” para, em seguida, se recuperarem algumas das principais
tradições teóricas de relações laborais. Por fim, discute-se a relevância atual
dessas tradições (sobretudo num contexto político-ideológico marcado pela
austeridade) e são identificados alguns dos temas investigação em relações
laborais (em especial no contexto laboral português).
1 Artigo originalmente publicado na UBImuseum, n.º 02, pp. 125-137, ISSN: 2182-6560, no âmbito
da parceria estabelecida entre a organização do I Congresso de História do Movimento
Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal e a direcção do Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior (acesso online em: http://www.ubimuseum.ubi.pt/
n02/docs/ubimuseum02/ubimuseum02.hermes-augusto-costa.pdf).
2 Centro de Estudos Sociais/ Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI?
4 Ferreira e Costa (1998/99), p. 142; O uso daquelas expressões tem servido para estudar o
mundo do trabalho sob ângulos diversos, tais como: transformações do mercado de trabalho;
sindicalismo e concertação social; qualificações, competências, formação dos trabalhadores;
novas formas de organização do trabalho; participação laboral e diálogo social nas empresas;
metodologias de análise do mercado de trabalho; relações sociais de género; conflitos de
trabalho; acidentes de trabalho; desigualdades sociais, formas atípicas de emprego;
emprego/desemprego, etc.
5 Molitor (1990), pp. 3-4.
7 Cuja aparição ocorreu no Congresso Americano de 1912, tendo sido utilizada pela primeira
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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Hermes Augusto Costa
9 A economia e o direito fariam melhor eco das “relações contratuais”, a sociologia industrial
traduziria melhor as “relações organizacionais” e a psicologia social expressaria melhor as
“relações interprofissionais” (modelo de Margerison, apud Caire, 1991, pp. 380-381).
10 Estanque e Ferreira (2002), p. 151; Estanque e Costa (2011) e (2012).
12 Burawoy (1985); Santos (1995), p. 134 e (2000), p. 258; Rosa (1998); Estanque (2000).
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Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI?
3. Tradições teóricas
Ante a ausência de uma única teoria integradora e perante uma grande
diversidade teórica e disciplinar, Walther Müller-Jentsch15 distingue 5 conjuntos
de abordagens: sistémicas, marxistas, institucionalistas, da ação e de inspiração
económica.
No quadro das abordagens sistémicas, pontificou a definição avançada por
John Dunlop16, para quem as industrial relations constituem um sistema que, “a
qualquer momento do seu desenvolvimento, é visto como sendo composto por
certos atores17, certos contextos, uma ideologia que faz do sistema um todo
integrado e um corpo de regras criadas [pelos atores] com o objetivo de regular
os próprios atores no seu local e comunidade de trabalho”18 Nesse sistema
“tendem a desenvolver uma série de ideias e de crenças conjuntamente
defendidas pelos atores que ajudam a criar ligações e integrar o sistema. Estes
processos são dinâmicos: as mudanças no ambiente afetam as relações entre
atores e as regras; as mudanças nas instituições internas e as relações dos atores
afetam os resultados”19. Dando seguimento a esta visão de estabilidade
proposta por Dunlop, a Escola de Oxford de Relações Industriais, considerada
como variante britânica da abordagem sistémica, viria também a assumir um
papel de relevo, nela se destacando as figuras de Allan Flanders ou Hugh
Clegg. A perspetiva defendida por esta escola veio, no entanto, a revelar-se
mais pluralista20 e menos integradora ou consensual. Embora o foco analítico
preferencial desta escola assentasse na negociação coletiva enquanto
mecanismo capaz de influenciar e regular o relacionamento entre capital e
trabalho, isso não significava que as partes não pudessem fundamentar as suas
decisões com base em valores divergentes. Ou seja, o resultado de uma
19 Dunlop (1993), p. 8.
20 Clegg (1990), p. 2
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24 Braverman (1977), p. 16. Esta visão seria contrariada por Michael Burawoy (1985, p. 39), para
quem as vertentes política (de “produção das relações sociais”) e ideológica (de “produção de
uma experiência dessas relações”), e não apenas a vertente económica (de “produção de
coisas”), deviam ser incorporadas na análise do processo de produção. Em sua opinião, a
produção capitalista não se caracteriza por uma separação entre conceção e execução do
trabalho, pois é necessário conceder crédito às subjetividades e vivências dos trabalhadores no
processo de trabalho. Ao propor o conceito de “relações na produção” (que distingue do
conceito de “relações de produção” de Marx), Burawoy (1985, pp. 32-33) considera que a
produção dessas relações bem como das experiências dessas relações, “apesar de ocorrerem em
sociedades capitalistas, transportam muitas vezes lógicas de ação e regulação não capitalistas”
(Estanque, 2000, p. 69). Assim sendo, em vez da dependência pura e simples face ao capital
defendida por Braverman, a leitura de Burawoy (1985) vai no sentido de considerar que o
capitalismo não se caracteriza por uma sujeição ao capital da economia no seu todo. Por sinal, o
próprio espaço da fábrica faz que os operários sejam capazes, eles próprios, de fornecerem uma
explicação para o consentimento que manifestam face à exploração (Burawoy, 1979).
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Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI?
25 Aglietta (1976).
26 Boyer (1986).
27 Lipietz (1985).
30 Marshall (1992), p. 8.
31 Dahrendorf (1982).
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Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI?
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Não é, pois, por acaso que no contexto laboral português se tem assistido a
estratégias mistas de consenso e conflito, de convergência e de luta39.
4. Temas em agenda
Nas duas últimas décadas do século XX, as análises sociológicas sobre as
relações laborais realizadas sobre Portugal incidiram em cinco temas principais:
1) olhares temporais e contextuais sobre o movimento operário, no que se
incluem: a) ação operária nas empresas; b) modelos de (auto)gestão/controlo
operário; c) construções identitárias, participação e democratização; 2)
dinâmicas organizacionais e mutações tecnológicas; 3) diferença sexual e
relações na produção; 4) trabalho/(des)emprego; 5) institucionalização do
diálogo social.40. Por outro lado, para a viragem de milénio anunciavam-se
alguns temas como sendo justificativos de uma maior atenção por parte dos
cientistas sociais interessados no estudo das relações laborais: Estado e
regulação de conflitos; globalização e participação; emprego e qualificação;
flexibilidade e tempo(s) de trabalho41.
Refira-se, de resto, que o léxico político da “era pós-fordista” foi sendo
marcado por temas que têm condicionado a agenda das relações laborais em
distintos contextos e não apenas no português. Globalização, descentralização,
flexibilidade42 e, num período mais recente, flexigurança 43 marcaram as relações
laborais de modo quase sempre perverso. Em última análise, adquirem cada
vez mais pertinência as investigações e reflexões dos últimos anos a respeito da
austeridade. É no quadro desta que desemprego, precariedade, o precariado,
desigualdades, pobreza se inscrevem na agenda das relações laborais. Esta é,
pois, se assim se pode dizer, uma agenda “forçada”, definida sobretudo pela
negatividade subjacente a tais temas.
O sistema de emprego português, as relações laborais e os seus atores
(sobretudo os sindicatos) têm sentido fortemente o impacto das medidas de
austeridade. Recorde-se, aliás, que o sistema de emprego tem sido caracterizado
43 Costa (2009).
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Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI?
por baixa produtividade, baixos salários, uma conexão entre emprego e mão-
de-obra intensiva, baixo nível de instrução, de habilitações e de qualificações,
défices de qualidade do emprego e peso elevado de diferentes modalidades de
emprego “atípico”: recibos verdes, contratos a prazo, trabalho temporário,
trabalho a tempo parcial, trabalho na economia informal44.
Por sua vez, o carácter heterogéneo e por vezes contraditório das normas
laborais, a deficiente institucionalização das formas de resolução dos conflitos
de trabalho, o modelo pluralista e competitivo de relacionamento intra- e
interorganizações de interesses do trabalho e do capital, a forte politização dos
processos de negociação das condições de trabalho, a ligação das organizações
sindicais e patronais ao sistema partidário, a centralidade do Estado na relação
capital-trabalho (apesar do quadro jurídico e institucional assentar no princípio
de autonomia das partes e na sua capacidade de autorregulação) ou o
bloqueamento progressivo da negociação coletivas são algumas das
características associadas ao sistema relações laborais em Portugal45.
Num sistema de emprego e de relações laborais com estas características, a
adoção de medidas de austeridade tem tido como principal consequência o
aumento das formas de emprego precário46, assim como do desemprego, que
em dezembro de 2012 se situava em 16,5% (Eurostat, 2013). Foi, pois, sem
surpresas que se geraram reações distintas por parte os atores do capital e do
trabalho. Claramente, os empregadores apresentaram-se mais predispostos a
aceitar a austeridade porque veem nela uma oportunidade para rentabilizarem
as suas posições. Porém, a agenda sindical parece colocada num espartilho,
estando os sindicatos desafiados a: i) combater as tendências de
individualização das relações laborais que a crise tem vindo a acentuar: ii)
resistir à pretensão de enfraquecimento do seu poder na contratação coletiva
que subjaz ao Memorando de Entendimento com a Troika e ao Acordo de
Concertação Social (janeiro 2012); iii) salvaguardar direitos e deveres regulados
pela negociação coletiva.
5. Conclusão
São, pois, várias as implicações para as relações laborais decorrentes de
uma agenda de austeridade reforçada. Para além do aumento das formas de
etário dos 15 aos 34 anos, onde atinge valores próximos dos 50% (Estanque e Costa, 2012).
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Hermes Augusto Costa
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Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península
de Setúbal
1 Cronin, James. Labor Insurgency and Class formation: Comparative perspectives on the crisis
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2 Magri, Susanna; Topalov, Christian. Villes Ouvrières: 1900-1950. Paris: L’Harmattan, 1989.
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Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península de Setúbal
Foi à escala do lugar que se observou com maior nitidez a diversidade dos
percursos individuais, a estratificação dos mercados de trabalho e a
consequente heterogeneidade das classes trabalhadoras e suas estratégias de
sobrevivência. No entanto, foram igualmente os estudos monográficos que
ilustraram com maior eloquência os elos de solidariedade formal e informal que
trespassavam as comunidades locais onde se fixaram fábricas, oficinas, estações
ferroviárias, portos marítimos e fluviais e se concentraram largos contingentes
de trabalhadores assalariados.
Neste artigo procuraremos ilustrar como a produção social do espaço
industrial e a construção social de populações operárias4 induziu uma profunda
transformação das proximidades e distâncias sociais entre os indivíduos,
famílias e grupos profissionais envolvidos nestes processos. Com este quadro
interpretativo apresentaremos os resultados de uma investigação realizada
sobre o caso de estudo da península de Setúbal – o mais antigo subúrbio
industrial da capital portuguesa –, numa perspectiva comparada com outros
espaços onde se territorializa a lenta e tardia modernização económica e social
da Europa Meridional.
cresceu de 1 para 75 milhões, ao passo que nos campos terá crescido de 16 para 125 milhões.
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Joana Dias Pereira
Tilly, Charles. Demographic Origin of the European Proletariat. In: Proletarianization and Family
History. New York: Academic Press, 1984, p. 36.
6 Ciuffetti, Augusto. La Città Industriale: un percorso storiografico. Perugia: Crace, 2002, p. 70.
Social. Lisboa: ICS, vol. xxxii, 142, pp. 497-498, 1997 3.º.
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Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península de Setúbal
10
9Roncayolo, Marcel. Une croissance non maîtrisée. In: Histoire de la France Urbaine: Vol. IV.
Paris: Seuil, 1983, pp. 119 e seguintes.
10
Convém recordar que os estudos sociológicos clássicos interpretavam as transformações
operadas nas vidas dos indivíduos e grupos envolvidos, quer na conversão da economia quer
nos ciclos migratórios do campo para a cidade, como uma rotura radical na organização social e
nomeadamente no seu elemento fundamental – a família. A migração conduziria ao isolamento
face à rede alargada de parentes e vizinhos.
11 Breully, John. Labour and liberalism in nineteenth-century Europe: essays in comparative history.
13 Curli, Barbara. Gli operai della Pirelli Bicocca, 1908-1919. Annali della Fondazione Feltrinelli,
XXXIII, p. 434, 1999.
14 Pereira, Miriam Halpern. Diversidade e Assimetrias: Portugal nos séculos XIX e XX. Lisboa:
16
15 Barata, Ana Reis; Gautier, Rosa. O Barreiro na transição do século XIX para o século XX. Barreiro:
Câmara Municipal, 2005, pp. 50-58.
16 “Terra Nossa”, Correio do Sado, 14 de Maio de 1916, p. 1.
História Local e Arquivo Histórico. Câmara Municipal de Almada, 2003, pp. 34 e seguintes.
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Joana Dias Pereira
geográficas oferecidas pela região. Neste caso, era também o Estado liberal,
dando total liberdade e facilidades aos investidores na ocupação do solo, que
actuava na produção do espaço.
A implantação de grandes empresas induz uma dinâmica de
desenvolvimento imparável – as quintas e os terrenos destinados à exploração
agrícola em torno dos pequenos enclaves rurais e piscatórios são loteados para
a implantação de mais fábricas e fabricos – nome que se dava a pequenas
unidades de produção que trabalhavam de subempreitada para as grande
fábricas. Nas traseiras e nos rés-dos-chãos das habitações oitocentistas
multiplicam-se as oficinas e os armazéns18.
A expansão do mercado de trabalho e o crescente peso do sector industrial
induz, por sua vez, ciclos sucessivos de migração e a transformação da
estrutura social regional. O peso da população a trabalhar na indústria cresce
exponencialmente, atingindo em 1911 62% no Barreiro, 57% no Seixal, 45% em
Almada e 40,2% de toda a população activa em Setúbal19. Se neste último caso
considerarmos a rubrica pesca e caça, que estava largamente ligada à indústria
conserveira, obteremos então um total de 72,7% dos setubalenses a trabalhar no
mesmo sector.
As áreas de residência desenvolveram-se nas proximidades das áreas de
produção. De facto, como assinala James Cronin, os transportes colectivos
metropolitanos estavam ainda longe de possibilitar movimentos pendulares da
população metropolitana. Os vapores que ligavam a capital à outra banda,
devido aos preços das viagens, destinavam-se sobretudo às classes lisboetas em
busca de lazer e mais tarde aos estudantes das camadas intermédias. Eram
totalmente inacessíveis para o uso quotidiano das classes trabalhadoras20.
A CUF constrói habitações para albergar os sectores mais qualificados da
sua mão-de-obra e os trabalhadores mais bem remunerados e com uma situação
mais estável, como os ferroviários, induzem investimentos por parte de
empreiteiros lisboetas. Na maioria dos casos, todavia, foram os donos dos
terrenos que construíam “pequenas casinhas de tijolo e madeira, abarracadas, à
18 Câmara Municipal de Almada – Estudo dos núcleos históricos de Almada. Texto policopiado,
1983.
19 Cálculos efectuados a partir do Recenseamento geral da população portuguesa de 1930, pp.
44-58.
20 Pinheiro, Magda, Transportes e urbanização na margem sul do estuário do Tejo: o concelho
retaguarda das suas habitações (ou para lá dos seus muros de vedação),
constituindo minúsculos pátios com serventia para a rua”21.
Ocupando os espaços residuais ou sobrantes entre as unidades de
produção, as traseiras de habitações pré-existentes e o vasto espaço que se
estende a partir dos pólos industriais ribeirinhos para o interior crescem bairros
“caóticos” e “desordenados”, formados por “numerosas ruelas” que “sobem e
descem em todos os sentidos, servindo casas que parecem ser construídas umas
por cima das outras”22.
Desta forma, o que eram em meados do século XIX pequenos aglomerados
rurais e piscatórios rodeados por quintas e ligados por caminhos secundários e
azinhagas tornam-se tecidos urbanos, obstruídos por fábricas de diversas
dimensões, que podiam ir do fabrico de vão de escada ao complexo fabril da
CUF, que em 1932 ocupava uma superfície de 1 milhão de metros quadrados e
possuía 25 km de linha férrea privativa23.
21 Pais, Armando da Silva, O Barreiro Contemporâneo. Barreiro: Câmara Municipal, 1968, p. 306.
22 Gröer, Etienne, Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa,1948. Publicado nos Anais
de Almada, 7-8, 2006, p. 215.
23 Primeiro levantamento da região à escala 1:2000, 1942. Arquivo Histórico do Ministério das
Obras Públicas.
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Turim, Maurizio Gribaudi observa diversas famílias “se reunirem nos mesmos
espaços devido à necessidade comum de garantir à família e ao próprio
indivíduo a utilização de recursos emocionais e económicos que as redes locais
de relação lhes forneciam (…)”24.
Se os trabalhadores qualificados beneficiaram da existência de
solidariedades profissionais pré-industriais e construíram recursos
organizacionais – nomeadamente as sociedades de socorros mútuos,
cooperativas e associações de classe, que herdaram o capital social das
corporações, confrarias e irmandades25 – os trabalhadores indiferenciados
accionaram redes sociais informais recorrendo às tradicionais solidariedades
familiares e comunitárias. As provas empíricas fornecidas por diversos estudos
monográficos mostram que as redes alargadas de parentesco das comunidades
rurais de origem não só canalizaram os fluxos migratórios, dando apoio moral e
material aos recém-chegados, como condicionaram determinantemente o acesso
aos mercados de trabalho locais. Agustín Galan García, ao verificar que 50,2%
dos que acederam a trabalhar na Companhia Mineira de Rio Tinto entre 1873 e
1936 tinham lá parentes, demonstra como as relações de parentesco alargadas
desempenharam um papel fundamental no acesso ao trabalho26.
Segundo Yves Lequin, é possível apreender uma evolução temporal no que
respeita à articulação destes dois mundos – o dos trabalhadores qualificados e o
dos indiferenciados. Durante muito tempo o mundo do trabalho é composto por
duas camadas que não se misturam e deslizam uma sobre a outra – os mais
numerosos são os operários de ofício, cujo savoir faire passa hereditariamente; de
resto são os operários nómadas da cidade, que num determinado período são
necessários à produção. A segregação para os subúrbios, todavia, exprime novas
condições de trabalho que induziram a renovação das hierarquias e mobilidades
– a força da hereditariedade e da endogamia decresce e as profissões abrem-se
mais largamente aos recém-chegados27.
24 Gribaudi, Maurizi, Itinéraires ouvriers: espaces et groupes sociaux à Turin au début du XX siècle.
Paris: E. H. E. S. S., 1987, pp. 234-235.
25 Rotberg, Robert I.. Patterns of social capital: stability and change in historical perspective.
28 Ver http://Historyofwork.iisg.nl/
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29Sondagens realizadas em todas as paróquias cujos registos indicavam a profissão dos noivos,
pais dos noivos e pais das noivas (a profissão das mulheres nunca é referida, surgem sempre
como domésticas), entre 1890 e 1910.
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Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península de Setúbal
Conclusão
O caso de estudo da península de Setúbal, enquadrado por uma
perspectiva comparada, releva como o processo de industrialização e
urbanização acelerado a partir da última década de oitocentos teve como
consequência uma crescente aproximação espacial e social entre os diferentes
estratos da classe operária, e nomeadamente entre os antigos artesãos, os
trabalhadores qualificados e o proletariado fabril.
Aplicando a teoria das redes à análise dos registos de casamentos, foi
possível comprovar que estes indivíduos tinham contactos íntimos e
quotidianos. Mais do que a formação demográfica da classe operária,
dificilmente comprovável devido à tardia e incipiente industrialização
meridional, verificou-se a existência de vínculos densos e extensivos entre os
diferentes estratos das classes trabalhadoras que potenciaram a formação de
identidades solidárias durante os ciclos de migração e integração nestes
espaços.
O papel da fábrica e das comunidades residenciais anexas mostra-se
inequivocamente relevante neste processo. Foi possível verificar que os
diferentes lugares deste recorte espacial não foram apenas cenários passivos do
processo social, mas estiveram activamente envolvidos na construção destes
vínculos, uma vez que se tornaram habitats de grupos sociais específicos,
segregados social e espacialmente, o que potenciou a densidade dos contactos
locais. Foram estas redes sociais formais e informais cimentadas entre as classes
trabalhadoras nestas comunidades desde a última década de oitocentos que
permitiram a difusão e massificação dos surtos grevistas que abalaram a I
República Portuguesa.
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O Código do Trabalho e a evolução da protecção no emprego no Portugal
democrático1
Introdução
Os Estados europeus convivem, na actualidade, com uma forte necessidade de
reformar os seus modelos de Estado-providência, tentando diminuir as
despesas relacionadas com a protecção social.2 Este processo “implica
mudanças em domínios interdependentes alargando-se desde políticas sociais
até ao emprego e políticas salariais”3. Assim, entendemos o estudo dos
diferentes tipos de protecção social, nomeadamente aqueles que se referem à
protecção no emprego, à protecção no desemprego e à protecção salarial4, como
de grande importância.
Em alturas de crise económica, com fortes níveis de desemprego a
verificarem-se nos diferentes países europeus, o tema da protecção no emprego,
que podemos identificar com o grau de institucionalização da segurança no
emprego5, isto é, com a “garantia de estabilidade dos trabalhadores uma vez
ocupados”6, é frequentemente comentado e alvo das mais variadas análises, já
que se encontra intimamente ligado a uma maior ou menor rigidez do mercado
laboral. Desta forma, o ponto central da nossa análise prende-se com a evolução
da segurança no emprego em Portugal durante o período democrático.
Pretendemos discernir como evoluíram as disposições relativas à segurança no
emprego em Portugal, desde a revolução de 25 de Abril até à 1.ª revisão do
continental European Welfare States”, Max Planck Institute for the Study of Societies, 1999, p. 2.
4 Cf. Estevez-Abe, Margarita, Iversen, Torben, Soskice, David, “Social Protection and the
Formation of Skills: a Reinterpretation of the Welfare State” in Hall, Peter A., Soskice, David,
Varieties of Capitalism: The Institutional Foundations of Comparative Advantage, Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 150.
5 Idem, Ibidem, p. 150.
6 Cf. Pinto, Mário, “Garantia de emprego e crise económica, contributo ensaístico para um novo
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península de Setúbal
7NA: em relação a este assunto ver, por exemplo: Stoleroff, Alan, “Sindicalismo e Relações
Industriais em Portugal”, Sociologia Problemas e Práticas, n.º.4, 1988, pp. 156-157. Lima, Marinús
Pires de, “Relações de trabalho, estratégias sindicais e emprego (1974-90)”, Análise Social, vol.
XXVI, 1991, p. 909. Royo, Sebastián, “The Europeanization of Portuguese Interest Groups?
Trade Unions and Employer’s Association”, IPRI – UNL, Working Paper n.º. 4, p. 4.
8Cf. Stoleroff, Alan, Op. cit., p. 157.
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João Miguel Amaral
9 Cf. Cordeiro, Menezes, “Manual do Direito do Trabalho”, Coimbra: Almedina, 1994, p. 42. e
Pinheiro, Paulo Sousa, “O Direito do Trabalho ao longo da História”, Lisboa: ISCAP, 2006, p.
282.
10 Cf. Pinto, Mário, “A função do direito do trabalho e a crise actual”, Revista de Direito e de
14 Cf. Pinto, Mário, “Regimen Juridico del despido colectivo en Portugal”, Libertad de Empresa y
15 Bonoli, G, “Social Policy through Labor Markets: Understanding National Differences in the
Provision of Economic Security to Wage Earners”, Comparative Political Studies, n.º 36, 2003, pp.
1016-1017.
16 Cf. Estevez-Abe, Margarita, Iversen, Torben, Soskice, David, Op. cit., p. 162.
17 Cf. Pinto, Mário, “Garantia de emprego e crise económica, contributo ensaístico para um novo
conceito”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 2ª série, n.º 4, 1987, pp. 436-437.
18 Ver “Employment Protection Regulation and Labour Market Performance”, OECD
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19 Cf. Ferrera, Maurizio, “Reconstructing the Welfare State in Southern Europe” in KUHNLE,
Stein, Survival of the European Welfare States, Routledge, 2000, p. 166.
20 Cf. Emmenegger, Patrick, “Job Security regulations in Western Democracies: a fuzzy set
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Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península de Setúbal
alínea b, a obrigação do Estado de assegurar “a segurança no emprego, sendo
proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou
ideológicos”. Referência, ainda, para se consagrar, no mesmo artigo 52.º, a
obrigação do Estado de executar políticas que visem o pleno emprego.22
A primeira revisão constitucional, ocorrida em 1982, promove uma ainda
mais evidente defesa da segurança no emprego, ao converter a mencionada
alínea b no artigo 53.º do texto constitucional. Entretanto, a consagração do
pleno emprego mantém-se, nesta altura inserido no artigo 59.º referente ao
direito ao trabalho.23
Ao longo das seguintes revisões da CRP24 não se verificaram alterações à
consagração da segurança no emprego. Esta cristalização do princípio da
segurança no emprego demonstra que esta continua a ser um elemento
incontornável da legislação laboral portuguesa. Ainda assim, devemos ter em
conta que o facto de a CRP consagrar o direito à segurança no emprego não
quer dizer, necessariamente, que a mesma tenha de ser extremamente regulada
ou rígida: “só o conteúdo mínimo dos direitos sociais pode considerar-se
constitucionalmente determinado.”25 Desta forma, torna-se ainda mais relevante
atender à legislação ordinária.
ensaístico para um novo conceito”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 2ª série, n.º 4, 1987, p.
450.
26 NA: em relação aos comportamentos do trabalhador que poderiam justificar a invocação de
justa causa para o despedimento ver: DL n.º 49408/69, 24 de Novembro, art. 102.º.
27 Ver DL n.º 49408/69, 24 de Novembro, art. 98.º, c). Consultar em:
http://dre.pt/pdf1sdip/1969/11/27501/16701687.pdf.
28 Ver DL n.º 49408/69, 24 de Novembro, arts. 109.º e 110.º.
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http://dre.pt/pdf1sdip/1975/07/16201/00010005.pdf.
31 Ver DL n.º 84/76, de 28 de Janeiro, arts. 4.º e 10.º. Consultar em:
http://dre.pt/pdf1sdip/1976/01/02300/02080210.pdf.
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como aponta o Decreto-Lei n.º 841-C/76, o regime que estava em vigor “se
revelou como desestimulante da admissão de novos trabalhadores em razão da
sua rigidez”. Os comportamentos que eram passíveis de gerar justa causa foram
novamente alterados, passando a ser mais abrangentes.32 Verifica-se uma
diminuição dos prazos de processamento do processo disciplinar ao
trabalhador, nomeadamente na apreciação da existência de justa causa por
parte dos sindicatos. Mais, regula-se o número de faltas que podem justificar o
despedimento do trabalhador com justa causa.33 Por outro lado, introduz-se a
audição de testemunhas como integrante do procedimento do processo
disciplinar,34 mantendo-se a nulidade do despedimento apenas quando estas ou
as organizações sindicais representativas não são ouvidas.
O Decreto-Lei n.º 841-C/76 encerra este período conturbado ao nível da
legislação. Para tal terá contribuído a acalmia do ambiente político e o fim da
“vaga revolucionária”, bem como a entrada em vigor da Constituição de 1976.35
Assim, e no que se refere à segurança no emprego e ao despedimento
individual, apenas em 1989 surgem alterações de relevo na matéria. Num
contexto já marcado pela integração de Portugal nas Comunidades Europeias,
quando o processo de transição democrática tinha cessado por completo, entra
em vigor o Decreto-Lei n.º 64-A/89, com o propósito de reformar “os
mecanismos(…) tecnicamente ultrapassados, dado que foram concebidos em
épocas onde as condições prevalecentes eram significativamente diferentes das
que hoje nos são proporcionadas pela integração nas Comunidades Europeias.”
Nele a justa causa de despedimento vem consagrada como “o comportamento
culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata
e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Os
comportamentos que constituem justa causa para despedir passam a abranger
um maior número de situações.36 No entanto, dois aspectos tornam este
documento importante no tema da regulação da segurança no emprego: por um
lado, em relação à ilicitude do despedimento, desaparece a possibilidade de
nulidade do despedimento (embora, em caso de ilicitude, permaneça a opção
http://dre.pt/pdf1sdip/1989/02/04802/00040014.pdf.
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40 Ver DL n.º 400/91, de 16 de Outubro, arts. 1.º, 2.º e 3.º. Consultar em:
http://dre.pt/pdf1sdip/1991/10/238A00/53775380.pdf.
41 Cf. Cordeiro, Menezes, Op. cit., p. 48.
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Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península de Setúbal
Despedimento colectivo
A primeira vez que a legislação consagra o conceito de despedimento
colectivo acontece pouco tempo após o 25 de Abril de 1974, através do Decreto-
Lei n.º 783/74.43 Define-se o despedimento colectivo como “a cessação do
contrato de trabalho, por decisão unilateral da entidade patronal, quer feita
simultaneamente, quer de forma sucessiva, no prazo de três meses, sempre que
seja provocada por encerramento definitivo da empresa, encerramento de uma
ou várias secções da empresa ou por redução do pessoal baseada em motivos
estruturais, tecnológicos ou conjunturais (…) sempre que abranja, pelo menos,
dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de empresas
que empreguem habitualmente até cinquenta ou mais de cinquenta
trabalhadores”. Trata-se de um tipo de despedimento que tem uma vertente
eminentemente económica, mas que apresenta um procedimento complexo,
com forte intervenção por parte do Estado na sua execução.44 O empresário vê-
se, assim, bastante limitado na sua intenção de cessar o contrato do trabalhador.
Mais, os despedimentos que não cumpram os requisitos processuais não têm
eficácia, sendo considerados nulos, à semelhança do que sucedeu na regulação
da cessação do contrato individual, diploma ao qual, inclusive, o regime de
despedimento colectivo estava subordinado.
O despedimento colectivo volta a ser regulado no ano de 1976,
verificando-se uma manutenção do elemento quantitativo para a definição de
despedimento colectivo (mínimo de dois ou cinco trabalhadores consoante a
http://dre.pt/pdf1sdip/1974/12/30303/00710072.pdf.
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Trabalho temporário
No que se refere ao trabalho temporário consideraremos a evolução da
regulação dos contratos a termo e do trabalho parcial. Assim, a primeira
http://dre.pt/pdf1sdip/1999/05/115A00/26062606.pdf.
48 Ver Código do Trabalho, 2009, art. 363.º, n.º 1.
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Espaços industriais e comunidades operárias: o caso de estudo da península de Setúbal
54 Ver Lei n.º 103/99, de 26 de Julho, art. 1.º, n.º 1. Consultar em:
http://dre.pt/pdf1sdip/1999/07/172A00/46604663.pdf.
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desde que a respectiva duração não seja inferior a um nem superior a três
anos”, o que na prática quer dizer que um trabalhador pode estar contratado a
termo pelo período de seis anos.
A revisão do Código do Trabalho de 2009 estabelece mudanças para a
duração no contrato a termo certo, nomeadamente no que se refere às pessoas à
procura do primeiro emprego ou em situação de desemprego de longa duração;
aumenta também a possibilidade de renovar os contratos de duas para três
vezes.55 Quanto ao trabalho a tempo parcial desaparece o limite de 75% em
relação ao trabalho a tempo completo, passando o legislador a definir trabalho
parcial como aquele “que corresponda a um período normal de trabalho
inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável”56.
Conclusão
Do exposto percebe-se que os anos de 1975 e 1976 foram de grande
agitação ao nível da elaboração das leis que regulam a cessação do contrato
individual. De facto, no decorrer deste período regulam-se de forma sucessiva
matérias referentes ao despedimento com justa causa e ao despedimento
colectivo. Parece-nos evidente que a radicalização ideológica do período
imediatamente a seguir à revolução resultou numa forte defesa da segurança no
emprego no âmbito da legislação, quer através, primeiramente, da suspensão
dos despedimentos, quer, seguidamente, pela restrição da justa causa e pela
possibilidade de os despedimentos serem considerados nulos. Por outro lado, a
cada vez maior regulação e instituição do trabalho temporário, principalmente
a partir de 1989, constitui uma forma, a nosso ver, de o legislador
contrabalançar o grande nível de protecção do emprego, e a consequente
dificuldade em despedir, que se regulou e estabeleceu nos anos de 1975 e 1976.
O DL n.º 64-A/89 marca, pois, um momento importante na evolução da
regulação da segurança no emprego ao consagrar a possibilidade de
despedimento com base em motivos económicos, ao desburocratizar o processo
de despedimento colectivo e ao introduzir o contrato a termo incerto: será,
porventura, o início de uma tendência de tentativa de liberalização da
legislação da segurança no emprego, a que acresce a consagração do
despedimento por inadaptabilidade e a crescente regulação do trabalho
temporário, nomeadamente do trabalho a tempo parcial. Já em relação ao
Bibliografia
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O despontar do movimento operário na esfera pública nos anos 50 do século XIX
João Lázaro*
Introdução
Esta comunicação, apresentada no I Congresso de História do Movimento
Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, realizado na FCSH entre 13 e
15 de Março de 2013, é parte integrante da dissertação de mestrado que foi
desenvolvida no ISCTE –IUL: “O Despontar do Movimento Operário na Esfera
Pública (1850-1860)”. Dissertação defendida em 2013 e que em 2014 foi alargada
e publicada em livro pela Chiado Editora: O despontar do movimento operário
português na esfera pública: das práticas ao debate parlamentar (1850-1860). A
dissertação pretende abordar o movimento operário, dando ênfase a algumas
práticas e discursos que começam a emergir em espaço público nesta fase,
nomeadamente, o jornal Eco dos Operários e o Centro Promotor dos
Melhoramentos das Classes Laboriosas e o seu jornal. Portanto, foca um
período pouco explorado pela historiografia, contendo uma singularidade: a de
observar o movimento operário e o mundo operário não como objetos isolados,
mas através da respetiva inserção no debate público da época, nomeadamente o
que se exprime no discurso parlamentar. Porém, na data em que a comunicação
foi apresentada, apenas tinha sido investigada uma parte dos debates
parlamentares e o jornal Eco dos Operários, ou seja, o trabalho de investigação
ainda estava em curso. Por conseguinte, apenas tem espaço nestas linhas a
informação abordada até esse dia.
É através da Regeneração que surge um processo de osmose na política
nacional, que irremediavelmente põe fim a vários e persistentes conflitos no
interior da elite liberal. Como salienta José Miguel Sardica é, justamente, entre
1848 e 1851 [que] o país assiste à extinção simétrica dos extremos, com o
fracasso das revoluções europeias a domesticar as ambições dos radicais
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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João Lázaro
1 Sardica, José Miguel, A Regeneração sob o Signo do Consenso: a política e os partidos entre 1851 e
1861.Viseu, ICS, 2001, p. 300.
2 Sá, Victor de, “A subida ao poder da burguesia em Portugal”, História, Revista da Faculdade
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João Lázaro
10 Tengarrinha, José, História da imprensa periódica em Portugal. Lisboa, Portugália Ed. Imp, 1965,
p. 174.
11 Eco dos Operários, 28 de Abril de 1850, n.º 1, p. 5.
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presentes no mundo do trabalho, expondo os “interesses do povo, os interesses
da classe operária”22 e, por isso, escrevia de uma forma indubitável que o “Eco
dos Operários deve chegar a toda a parte, devem todos lê-lo e estuda-lo, devem
todos aprender nele”23. O nascimento do Eco chega a ser anunciado como “um
grande acontecimento, uma revolução”24. Por contraste, a Revista Universal
Lisbonense, ao transcrever os discursos dos redatores do Eco dos Operários na
sessão de aniversário do décimo segundo ano da Sociedade dos Artistas
Lisbonenses, não deixa de frisar que não partilhava parte das opiniões
transmitidas nesse jornal.
Em grande medida, um jornal com as características do Eco dos Operários
faz emergir no espaço público um debate sobre a questão operária e até
ideológica. Por vezes, o debate torna-se mesmo em polémica. Exemplificando,
os principais redatores do jornal – que não eram operários, mas sim intelectuais
oriundos de sectores burgueses – são, por diversas vezes, alvo de críticas feitas
através de cartas anónimas remetidas para o próprio jornal ou publicadas
noutros jornais, originando respostas. É o caso de um denominado “socialista”
que acusou o Eco dos Operários de “vestir muito à francesa”25. Ao passo que,
quando um operário tipográfico, Guilherme Teixeira, expõe no Eco dos Operários
uma denúncia sobre um regulamento interno e atrasos de ordenados que
estavam a ocorrer numa tipografia em Lisboa (Imprensa Nacional), provoca a
publicação de uma carta rubricada com um “X” num outro jornal, A Revolução
de Setembro, a desmentir tais acusações.
O jornal chega, inclusive, a entrar em confronto com alguns deputados.
Lopes de Mendonça, por exemplo, critica um artigo publicado na imprensa da
autoria de um deputado liberal, Afonseca (porventura, será o deputado Luís
Vicente de Afonseca). Este último tinha afirmado na Revista Universal Lisbonense
a ocorrência de contrabando no interior de fábricas nacionais. Face a isto, Lopes
de Mendonça afirmava que tal comentário apenas denegria a indústria nacional
retorquindo que “as fábricas em Portugal não são uma história, mas têm uma
história honrosa, que não pode ser confundida com os anais da agiotagem, nem
com as atas do parlamento”26.
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Debate parlamentar
Simultaneamente a esta discussão e ao debate público que é realizado na
imprensa, é de destacar que também ocorre um interessante debate sobre o
mundo operário no interior das câmaras liberais. Por diversas vezes os
deputados liberais levantam e tratam problemáticas relacionadas com o mundo
operário, dando um grande destaque à questão social. Os debates
parlamentares são, nesta medida, uma boa fonte para avaliar o impacto da
questão social em Portugal.
Em 1853 ocorre um debate em torno do orçamento da Marinha, surgindo
uma proposta da bancada progressista (histórica) no sentido de reduzir as
despesas pela via da redução do pessoal da Cordoaria. Perante esta proposta, o
deputado regenerador Mello Breyner contesta-a, afirmando que não podia ter a
sua aprovação, visto que havia “mais de 300 operários, que por força, seriam
despedidos, e assim, outras tantas famílias reduzidas à miséria” 33. Ou seja, este
deputado alertava para que tal proposta apenas redundava na miséria de 300
operários e suas famílias. A questão social é tratada com grande destaque nos
debates parlamentares, eventuais despedimentos são encarados como um meio
para chegar aos “horrores da miséria”, como vários deputados a apelidam.
Além deste receio social, havia outros deputados que alertavam para que o fim
do emprego no mundo operário poderia originar “perturbações que será muito
difícil de sossegar”34. É interessante perceber que os homens fortes da
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O despontar do movimento operário na esfera pública nos anos 50 do século XIX
Por fim, não deve ser ocultado que vários deputados acabam por ingressar
no movimento associativista operário (caso de Casal Ribeiro e de António
Rodrigues Sampaio) e desse modo, algumas práticas deste movimento operário
começam a ser debatidas no interior do parlamento, como é o caso do
associativismo e das ideias socialistas. De facto, começa a ser visível com o
decorrer da investigação alguma articulação entre o Centro Promotor de
Melhoramentos das Classes Laboriosas e o parlamento. Assim, não é de
admirar que este importante Centro seja encarado por um deputado, em 1890,
como o “grande núcleo associativo que então existia em Lisboa”41, dando-se a
conhecer que António José de Ávila convidou o Centro a elaborar a primeira
estatística das associações de socorros mútuos, um trabalho que foi mesmo
apresentado no Congresso de Berlim. Era a outra face do projecto de
candidatura operária sustentada pelos mesmos círculos ligados ao Eco dos
Operários e ao Centro Promotor.
Conclusões preliminares
Em primeiro lugar deve-se concluir que neste período cronológico a
questão social adquire elevada proeminência, quer no movimento operário,
quer no parlamento liberal. Ou seja, a questão social que foi durante décadas
encarada pela historiografia através do olhar desta geração socialista é
transversal à sociedade. De facto, os males sociais infringidos a uma sociedade
em que existia um mundo operário em expansão são, em grande medida, um
vector que faz despontar uma discussão pública em torno do mundo operário.
Desse modo, não é de estranhar que o mundo operário seja debatido
publicamente, quer em periódico, quer nos debates parlamentares. Há, de facto,
uma discussão em torno do mundo operário e das ideias que esta geração de
socialistas representava. Este debate e discussão parece encaixar no conceito de
esfera pública de cariz habermasiano, como também na esfera da política popular
defendida por outros historiadores na senda de E. P. Thompson. É interessante
começar a verificar que se registavam ecos das práticas que o movimento
operário apologizava no debate parlamentar, nomeadamente, o associativismo
e as ideias socialistas. Esta correlação não deixa de ser parte integrante, e
importante, da história do movimento operário português.
Em segundo lugar, é de concluir que estamos perante um movimento
operário totalmente embebido no contexto histórico internacional. Há, de facto,
297
João Lázaro
ecos internacionais patentes no Eco dos Operários. Assim, são difundidos vários
socialismos que, todavia, contêm em comum um forte traço ordeiro face ao
poder vigente. O afamado lema dos revoltosos de Lyon, de 1831, “viver
trabalhando ou morrer combatendo” é recordado pelo Eco como um aviso da
necessidade de reforma e de garantir o direito ao trabalho, visto que esse era
um meio eficaz de pacificar a sociedade. Por fim, é de frisar que a ideia de
associação é vital para compreender esta geração de socialistas portugueses,
pois esta forma organizativa é encarada como a forma de organizar a vida
social, política, económica e até industrial do País.
Por fim, é imperativo continuar a romper com uma análise
unidimensional e homogénea enclausurando o movimento operário, em
benefício de um estudo multidimensional com a pluralidade e as configurações
que daí resultam. De facto, o estudo do movimento operário é indissociável do
estudo do poder e do sistema político vigente, dos debates parlamentares, do
debate na esfera pública e do próprio espaço público.
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Experiências coletivas, solidariedades e identidades: o caso do movimento
operário da Covilhã1
João Mineiro2
Introdução
O crescimento da indústria de lanifícios e a formação da classe operária
constituíram dois processos que marcaram de forma absolutamente
determinante a história do concelho da Covilhã desde finais do século XIX.
Assim, se a industrialização foi um processo que marcou o tempo da vida e se
revelou como um fenómeno que abalou muitas das antigas convenções
associadas à centralidade de outras formas de trabalho não assalariado, ela fez
emergir também factos relevantes para a discussão sociológica, como o
aparecimento de organizações operárias de tipo sindical ou mutualista, o
desenvolvimento de novas formas e redes de sociabilidades, experiências de
auto-organização, modos de vida, solidariedades, dinâmicas coletivas, rituais,
rotinas e espaços e práticas culturais e artísticas a que poderíamos chamar de
cultura operária.
A maioria dos trabalhos em torno do movimento operário centra a sua
análise nos processos de luta política e sindical. Nesta perspetiva, as greves, as
ações de protesto, boicote ao trabalho ou a criação de estruturas sindicais e de
associações de classe são objetos privilegiados. Contudo, não descurando a
importância dessas opções, na análise do movimento operário da Covilhã a
partir da história oral e de uma pesquisa de terreno parece-nos relevante tratar
a questão da cultura operária como parte intrínseca do movimento operário,
porque nela se expressam de forma muito clara processos de resistência, de luta
e de mobilização coletiva para superar dificuldades. Assim, analisaremos
algumas das experiências coletivas de antigos operários da Covilhã residentes
no bairro de Santo António, onde se expressam muito claramente formas de
1 Artigo originalmente publicado na UBImuseum, n.º 02, pp. 139-151, ISSN: 2182-6560, no âmbito
da parceria estabelecida entre a organização do I Congresso de História do Movimento
Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal e a direcção do Museu de Lanifícios da
Universidade da Beira Interior (acesso online em
http://www.ubimuseum.ubi.pt/n02/docs/ubimuseum02/ubimuseum02.joao-mineiro.pdf)
2 ISCTE-IUL.
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Experiências coletivas, solidariedades e identidades: o caso do movimento operário da Covilhã
3 Marx, Karl, 1974; Idem, 1990; Idem 1992; Idem, 1997; Idem, 2004; Weber, Max, 1983; Durkheim,
Émile 1973.
4 Hobsbawm, Eric 1962.
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Experiências coletivas, solidariedades e identidades: o caso do movimento operário da Covilhã
Covilhã, uma vez que viveu de muito perto a transição do meio rural e pastoril
para o desenvolvimento do operariado urbano.
Em alguns meses de pesquisa de terreno frequentei o bairro com alguma
regularidade, conversei com muita gente que trabalhou a vida inteira nos
lanifícios e participei em algumas rotinas e atividades locais. Dessa pesquisa
retiro para esta análise, com maior acuidade, as histórias de vida de quatro
pessoas centrais no bairro. João tem 96 anos, vive no bairro há cerca de setenta
anos e trabalhou cerca de cinquenta anos na indústria de lanifícios. Nuno foi
um dos fundadores da coletividade local ainda nos anos 60 e viveu sempre no
bairro. António tem 72 anos de idade e de bairro e foi operário até perto dos 60
anos de idade. Vítor é dirigente da coletividade local há quase vinte anos e
acompanha as atividades do bairro desde que se lembra, nos 67 anos de idade e
de vida no bairro.
Experiências coletivas
O conteúdo das dezasseis entrevistas realizadas, de algumas dezenas de
apontamentos de conversas informais, fotografias e análise de conteúdo de
documentos históricos daria para uma abordagem do fenómeno das culturas
operárias a vários níveis e dimensões. Para esta análise, centrei-me nas
conversas e discussões em torno de algumas das experiências coletivas de que
me foram falando várias pessoas do bairro. Interessou-me sobretudo perceber o
que dizem e como representam os operários as suas experiências políticas,
sociais e culturais coletivas. O que une estas experiências é o facto de os
operários falarem delas enquanto experiências que só fizeram sentido porque
foram feitas “pela malta toda aqui do bairro” (João), pelo “povo trabalhador
que se juntou para combater as dificuldades” (Nuno). Foi essa dimensão
coletiva dos acontecimentos do bairro que me interessou explorar. Não apenas
pela forma como são uma constante nas narrativas sobre a história de vida dos
indivíduos, mas também porque eles demonstram algumas das bases culturais
em que assenta a construção das identidades coletivas e das solidariedades
como resposta à dureza do quotidiano.
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O grupo
O grupo recreativo, coletividade local do bairro, tem uma enorme
relevância no discurso dos indivíduos sobre a sua vida como conferimos:
“Eram tempos muito maus por um lado e muito bons por outro. Era
realmente muita a pobreza. Mas também era muita a alegria, muito convívio e
muita amizade entre as pessoas” (Vítor).
As pessoas do bairro, através do grupo recreativo, organizavam, para usar
a expressão de Vítor, os “escapes à vida dura do trabalho”. Organizavam
torneios, competições de atletismo, jogos e atividades culturais, bailes,
festividades e angariavam fundos. Com o dinheiro das festas e da quotização, a
coletividade criava mecanismos de solidariedade e mutualismo. Ajudavam
financeiramente os sócios em situação de doença ou dificuldade e no grupo, até
há poucos anos, tomavam banho e faziam as suas higienes pessoais no grupo
recreativo:
[No grupo] “Bebíamos uns copos e jogávamos às cartas, às vezes vinha lá um
gajo pôr o cinema e íamos todos aos filmes (…). Havia atletismo. O jogo da
malha e do rolho. Dominós. Íamos jogar à bola para a carreira de tiro” (João).
“Além dos bailes do grupo, que eram todas as semanas, também havia teatro,
a malta nova organizava-se e lá se faziam peças para o pessoal todo ver”
(Vítor).
“Na altura não tínhamos nada, o pessoal lá tinha umas atividades e
desanuviava do trabalho (…) a malta gostava mesmo daquilo, ele [o seu filho]
para fechar o grupo e tirar as pessoas de lá, tinha sempre de pagar uma
rodada a toda a gente, senão, não conseguia ir embora” (Nuno).
Num contexto de isolamento em que, de facto, não existiam serviços
locais, culturais ou desportivos do Estado, estas e outras atividades assumiam
uma centralidade na vida coletiva dos jovens e das famílias. Se as tabernas
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Experiências coletivas, solidariedades e identidades: o caso do movimento operário da Covilhã
A igreja
Não é óbvio o equacionar da igreja e da religião como aspeto da cultura da
classe trabalhadora, mas a verdade é que no contacto com os operários do
bairro de Santo António a igreja ganha uma importância central, não apenas
pela questão meramente religiosa, mas sobretudo pelas sociabilidades que se
organizam em torno dela. Assim como o grupo, também a igreja foi pensada e
construída pelos moradores do bairro. Construída no centro do bairro, no largo,
a igreja é um local de enorme importância no bairro:
“A igreja foi feita de novo (…) andávamos lá todos (…), quem pagou foi a
malta toda aqui do bairro, o povo juntou o dinheiro, cada um juntou aquilo
que pôde, nós íamos para lá, no sábado e no domingo” (João).
“Ali a capela, foi uma comissão de moradores que se organizou, sou capaz de
nomeá-los quase a todos” (Nuno).
“A igreja também foi nos mesmos moldes. Fez-se um peditório. As pessoas
deram o que puderam. A partir daí, a dona do terreno ofereceu o terreno e a
partir daí começou a construir-se” (Vítor).
16 Andrade, Pedro 1991, pp. 265-286; Magalhães, Dulce, 1996, pp. 213-229.
17 Villa-Lobos, Maria José, 2012.
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As lutas políticas
A análise das lutas políticas e sindicais pode também ter como ângulo de
abordagem aquilo que elas representaram em termos de experiências coletivas
para os seus atores. Com efeito, todas as pessoas, as que entrevistei ou com
quem fui conversando informalmente, são peremptórias em afirmar que era
muito reduzida a participação dos operários de forma organizada nos processos
de luta. Contudo, quando conversava sobre os momentos concretos de
participação política ou sindical, todos me afirmavam algum tipo de
envolvimento, mesmo que não fosse muito organizado.
“O pessoal falava do 1.º de Maio, mas tudo caladinho. O pessoal sabia o que
era. Um dizia que era assim e era assado. E eu explicava aos outros, e os
outros aos outros” (António).
“No 25 de Abril, a malta toda saiu p’rá rua. Tudo com bandeiras e contente”
(João).
“Parecia que ninguém sabia e ninguém se importava. Mas uma porra é que
era. O pessoal lá ia explicando uns aos outros, às escondidas, e quando o 25 de
Abril aconteceu foi uma festa. Depois já se podia falar e começou a haver mais
coisas nas fábricas” (João).
Quando perguntava se a maioria dos operários participava nas lutas
sindicais e políticas, todos me respondiam que eram muitos poucos. Mas
quando levantava, por exemplo, o tema do 1.º de Maio ou do 25 de Abril, todos
reconheciam que o pessoal não podia falar, mas toda a gente passava a
mensagem em segredo, e quando se dá o 25 de Abril as pessoas foram todas
celebrar. A verdade é que a partilha de informação e a consciência dos
problemas da classe trabalhadora existiam e isso materializou-se logo a seguir
ao 25 de Abril:
“Depois do 25 de Abril começou tudo a acontecer. Fizemos lá uma greve por
causa do 13.º mês, do subsídio de Natal. O gajo queria-nos tirar (…). Depois
tivemos outra luta quando a fábrica fechou. Começou a faltar o dinheiro. E a
malta apanhou lá o patrão dentro do escritório e ‘fecháramos-o’. Depois teve
que lá ir a polícia. O gajo, ao outro dia, pagou (…)” (António).
As pessoas do bairro participavam em reuniões nas fábricas. Em alguns
momentos, organizaram lutas sindicais importantes e sobretudo identificavam-
se em grande medida enquanto classe:
“Nós éramos todos iguais. Sentíamos que éramos da classe, quando dizíamos
o povo trabalhador era para afirmar uma classe diferente doutras” (António).
Solidariedades
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Experiências coletivas, solidariedades e identidades: o caso do movimento operário da Covilhã
Num contexto de estudo como o que é aqui realizado, faz sentido a relação
das solidariedades ser associada à ideia de comunidade. A operacionalização
do conceito de comunidade é diversificada e compreende discussões que vão
desde a ideia de ameaça às tradições históricas e culturais de determinados
grupos sociais, no quadro tradicional, à perspectiva da comunidade como
experiência social e cultural de partilha de algo comum, fundamental à
formação da classe operária, no contexto da industrialização e ainda a
discussões relacionadas com o sentido do conceito em termos de ação coletiva e
de orientação emancipatória. Dizia Max Weber que “denominar-se-á
‘constituição da comunidade’ (Vergemeinschaftung) uma relação social quando e
na medida em que a atitude na ação social – no caso particular, ou na média ou
no tipo puro – se funda na solidariedade sentida (afetiva ou tradicional dos
participantes)”18. Também poderíamos partir do conceito de comunidade como
envolvendo laços sanguíneos, sentido de pertença e memória 19, da comunidade
como o lugar cálido na era da insegurança20, da comunidade como redes de
relações entre indivíduos organizados numa determinada unidade residencial21
ou da diferenciação proposta por Morris22 entre comunidades de descendência e
comunidade de ascendência. A análise que aqui desenvolvemos pretende, assim,
discutir a relação entre a base cultural dos operários e a sua relação com a forma
como a comunidade preenche espaços privilegiados nas relações sociais dos
operários. Como referem alguns dos entrevistados:
“Naquele tempo a pobreza era tanta que às vezes as pessoas não tinham nem
para comer nem para beber” (António).
“Eram tempos muito maus por um lado e muito bons por outro. Era
realmente muita a pobreza. Mas também era muita a alegria, muito convívio e
muita amizade e solidariedade entre as pessoas” (Vítor).
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“O grupo, quando um sócio estava doente, ajudava esse sócio (…) com o
pouco que conseguia ter da quotização e das atividades, partilhava-se por
quem tinha mais dificuldades e a quem o Estado não acudia” (Vítor).
“Até ainda há pouco tempo muitos associados faziam a higiene pessoal no
grupo. Não havia casas de banho” (Vítor).
“Faz-se lá uma festa e o dinheiro ia sempre para o grupo. As pessoas
ofereciam, vendiam ali, o pessoal passava o dia na festa (João).
O sentido da comunidade, aqui expresso de muitas formas pelas
solidariedades, seja em torno da dimensão do bairro ou da dimensão do
trabalho, revela-se fundamental quando o grupo recreativo com o seu dinheiro
ajudava os operários na doença e em outras dificuldades, na ausência de
instalações nas casas para higiene pessoal criando banheiros públicos, ou
quando o povo se juntou e deu materiais e mão-de-obra para a construção de
coisas importantes para o bairro como as estradas, os muros, a escola ou a
igreja.
Identidades coletivas
Não é possível traçar aqui um mapeamento teórico que ilustrasse o debate
que nas ciências sociais se tem travado em torno da noção de identidade. No
entanto, parece-nos útil a mobilização de alguns recursos teóricos destes
debates para a discussão sobre a cultura operária. Para Charles Tilly 23, o
conceito de identidade é estrutural porque não é um fenómeno individual e
privado, mas público e relacional. Se para Giddens24 as identidades podem
manter-se estáveis em sociedades modernas marcadas pela reflexividade,
autores como Balibar25 ou Santos26 enfatizam as ambiguidades e as
características fluidas, múltiplas e incompletas das identidades e dos processos
de identificação. Em todo o caso, parece-me importante ter em atenção as
questões levantadas por Estanque27 em que, apesar de a noção de identidade
estar cada vez mais associada aos processos de procura de identificação, as
abordagens construcionistas, simbólicas e interativas da realidade e das
subjetividades não nos devem impedir de pensar o poder das identidades
coletivas na promoção de movimento, ação e contestação. A relação entre a
situação no trabalho, as dificuldades da vida e a consciência coletiva sobre a
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Conclusão
Em primeiro lugar, parece-me importante referir que esta pesquisa
sustenta o primado proposto nesta introdução: as culturas operárias e de auto-
organização dos operários constituem, com efeito, parte intrínseca do
movimento operário. As experiências coletivas que nelas se expressam
constituem mecanismos de superação da dureza da vida, de resistência e de
estruturação das solidariedades e das identidades coletivas.
Em segundo lugar, o processo de industrialização e de formação da
cultura operária não pode estar circunscrito ao relato meramente historiográfico
dos principais momentos de luta política e sindical. Experiências coletivas como
a edificação popular dos bairros, de que são exemplos a construção das
estradas, dos muros, da escola primária ou até da igreja, constituem elementos
extremamente ricos para a discussão sobre a forma como o movimento operário
também se sustenta, em grande medida, na auto-organização quotidiana do
operariado.
Em terceiro lugar, os aspetos particulares da cultura operária que se
articulam na atividade do grupo recreativo e nas formas de partilha de
informação que deram origem a lutas políticas e sindicais são elementos
centrais para compreender o movimento operário. Ambos preenchiam um
espaço vedado pelo Estado e onde se materializavam muitos dos processos
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João Mineiro
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Trotskismo em Portugal: 1968-1974
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Para além ou, dirão alguns, muito além dos diversos estalinismos, correntes
marxistas houve que rejeitaram, e rejeitam, o fenómeno político “burocrático” e
“totalitário”2 denominado de estalinismo enquanto modelo necessário à
construção da sociedade socialista. Em todo o caso, a tendência quase universal
para associar toda a esquerda que se reclama marxista ao estalinismo,
nomeadamente a sua versão maoista, prevalece.
Crê-se, no entanto, e retomando a famosa passagem de Marx, que tal ideia
dominante, não é necessariamente verdadeira. Pelo contrário, servirá tão só, e
simultaneamente, por um lado, os pregadores do chamado mundo livre e, por
outro, os dum socialismo dito real (ou dum real acusado de socialismo?): se os
primeiros aproveitam a tragédia em que se traduziu a experiência soviética
para associar qualquer tipo de transformação, ou simplesmente reforma, no
sistema capitalista, ao estalinismo (tantas vezes confundido deliberadamente
com o projeto comunista), os segundos persistem na saudação de regimes que,
com as devidas reformas políticas e económicas, mantêm a matriz estalinista, no
decurso de uma tentativa de legitimação política que se pretende coerente.
É precisamente uma das correntes marxistas que se opôs, e se opõe, ao
estalinismo que aqui se pretende abordar, nomeadamente a sua expressão no
Portugal de Marcelo Caetano (1968-1974), neste caso o chamado trotskismo. Em
todo o caso, crê-se relevante abordar, ainda que de forma breve, o percurso
biográfico-político de Leão Trotsky – tantas vezes menosprezado e, mais grave,
falsificado. Mas abordar o percurso ideológico e político de Leão Trotsky e do
chamado trotskismo não se advinha uma tarefa fácil. Osvaldo Coggiola,
historiador argentino, lembra, por isso, as “calúnias e insultos” 3 que edificaram
e fortaleceram uma determinada perspetiva sobre aquela corrente política, ou
de Leão Trotsky”, in Projeto História, n.º 36, 2008, São Paulo, p. 149.
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Trotskismo em Portugal: 1968-1974
4 Rémond, René, Introdução à História do Nosso Tempo, Lisboa, Gradiva, 2003, p. 236.
5 Broué, Pierre, História da Internacional Comunista 1919-1943 – Da Atividade Política à Atividade
Policial e Anexos, São Paulo, Sundermann, 2007, pp. 759-762.
6 Broué, Pierre, História da Internacional Comunista 1919-1943 – A Ascensão e a Queda, São
7 Rocha, Pedro, Escrito com Paixão, Lisboa, Caminho, 1991, pp. 14-15
8 Importante dirigente do PCP.
9 Rocha, Pedro, Escrito com Paixão, Lisboa, Caminho, 1991, p. 38.
10 Pereira, José Pacheco, Álvaro Cunhal – uma biografia política: “Daniel”, o Jovem
por Álvaro Cunhal. Ambas haveriam de acusar a outra de “trotskista”. Aliás, de
acordo com Pacheco Pereira, esta seria mesmo a “acusação […] mais usada de
ambos os lados”11.
Note-se também que alguns militantes do partido seriam alertados, por
parte de Álvaro Cunhal, para o facto de não poderem publicar citações ou
referir nomes de bolcheviques como Zinoviev, “traidor vendido ao fascismo”,
“miserável assassino de Kirov” e “comparsa do bandido Trotsky”, e Radek,
outro “traidor trotskista”12. Depois de alertados contra a repetição de tais
desvios, os visados redatores do Socorro Vermelho Internacional referir-se-iam a
Radek como um “condenado pelos tribunais soviéticos pela sua ação
contrarrevolucionária e ligações com potências fascistas”13.
Partindo do pressuposto de que o maoismo foi/é um estalinismo, não será
uma tarefa difícil tentar adivinhar a posição da corrente para com o legado de
Trotsky ou para com o denominado trotskismo em geral. De todas as formas,
atente-se ao modo como o legado trotskista ecoaria numa organização “m-l”,
neste caso nos Núcleos “O Comunista”. De acordo com o órgão daquela
organização, O Comunista, a personalidade de Trotsky caracterizar-se-ia por
“uma notável instabilidade política” e pela aglomeração de “todas as hesitações
do movimento revolucionário russo” do princípio do século XX. Segundo o
grupo maoista, Trotsky não reconheceria outra classe revolucionária além do
proletariado e, nesse sentido, a última não deveria “fazer alianças com outras
classes menos progressistas” – nomeadamente, o campesinato – na hora da
“tomada do poder” e do “início da construção do socialismo”. Naturalmente,
para o órgão associado aos Núcleos “O Comunista”, esta e outras orientações
de Trotsky estariam em contradição com o líder do partido bolchevique Lenine
que, com êxito, havia lutado contra a “tendência ‘esquerdista’ e idealista”
encabeçada bolchevique ucraniano. Depois da alegada vitória de Lenine sobre
tal tendência, recusando a “disciplina partidária”, Trotsky viria a organizar “a
sua própria fração dissidente” com vista “à sabotagem da República Soviética”
e, claro, “a coberto […] de duvidosos apoios de revistas e
pseudorrevolucionários dos países capitalistas”. Note-se ainda que, segundo os
Núcleos “O Comunista”, “o direito a discutir os erros do movimento comunista
internacional” não caberia a mais ninguém senão aos “militantes
revolucionários marxistas-leninistas”. Nunca “aos sabotadores trotskistas” que
11 Pereira, José Pacheco, Álvaro Cunhal - uma biografia política: “Daniel”, o Jovem
Revolucionário, Lisboa, Temas & Debates, 1999, p. 85.
12 Cunhal, Álvaro, Obras Escolhidas I (1935-1947), Lisboa, Edições Avante, 2007, pp. 256-257.
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João Moreira
fariam da denúncia pública dos “erros de Estaline […] a única razão” da sua
‘existência’”14.
Antes de se passar à análise concreta do processo de formação dos
diversos grupos trotskistas em Portugal, saliente-se ainda que não se conhece
grande penetração ou interesse das/nas ideias de Trotsky em Portugal até ao
início da década de 1970, quer no PCP, quer na literatura publicada. Crê-se,
aliás, que a única obra publicada sobre ou de Trotsky até 1969 seja a brochura
de Cunha Leal de fundo conservador Internacionalismo: Trotsky e Staline em
1928.
Seria, portanto, apenas em 1969 que seria publicada pela editora Delfos a
primeira obra de Trotsky em Portugal, neste caso Conceitos de Moral. Passados
dois anos, em 1971, a editora Razão Actual editaria A Revolução Permanente, um
ano antes da vez d’O Anti-Kautsky conhecer a sua edição em Portugal pela mão
da editora Centelha15. Apesar da publicação de algumas obras de Trotsky, ainda
hoje não foram editados livros como Minha Vida ou História da Revolução Russa
no nosso país16. Ainda assim, títulos de outros marxistas distantes dos cânones
ideológicos associados aos partidos comunistas tradicionais, como Lefebvre,
Luxemburgo ou Reich, e também Nin, Debord ou Marcuse, seriam publicados
durante o período marcelista.
Atente-se agora às organizações que se reclamavam do legado político não
apenas de Marx, Engels e Lenine mas também de Trotsky.
Ao contrário do fenómeno maoista, as organizações trotskistas
portuguesas não devem a sua origem a qualquer cisão no seio do Partido
Comunista Português nem tão pouco têm qualquer ligação relevante com o
movimento operário. Pelo contrário, o movimento trotskista português nasceria
no final da década de 1960 pela mão de pequeníssimos núcleos de estudantes
universitários. No final do ano de 1968, um trotskismo político-cultural
começaria então a dar os primeiros passos em Portugal, mais concretamente no
seio de um grupo de estudantes universitários de Coimbra. Este, insultuosa e
pejorativamente denominado de “contestas” por setores estudantis da mesma
universidade mais próximos da direção da AAC e do PCP, não se reconhecia
como trotskista, nem tão pouco como partido ou grupo organizado. Pelo
17 Pereira, José Pacheco, As Armas de Papel, Lisboa, Círculo de Leitores, 2013, p. 412.
18 António Marinho. Entrevista, 03/01/2013.
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19 Silva, Flamarion, “Livros que tomam partido: a edição política em Portugal, 1968-80”, São
Paulo, Tese de doutoramento apresentada à Universidade de São Paulo, 2003.
20 Adelino Fortunato, “Ninguém podia ficar indiferente à guerra do Vietname ou à das
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O estudo que teve por base este texto deparou com alguns factos menos
esperados – alguns deles já tocados ao longo deste texto. Para além do fundo
político evidente em quase todas as organizações trotskistas tratadas, uma
marca filosófica, sociocultural e estética estaria muito presente nas últimas.
Também nesse aspeto o legado de Trotsky, nomeadamente as suas posições a
propósito da arte e o seu interesse e admiração por disciplinas científicas como
a psicanálise, fora largamente acolhido pela juventude trotskista portuguesa.
Note-se, por isso, a viagem político-literária de Luís Leiria, à época aluno liceal,
que começaria em Kafka e no existencialismo de Camus para chegar ao
marxismo, depois de um estágio intermediário em Malraux e Hemingway25.
Num sentido idêntico, também José Luís Garcia, igualmente aluno do liceu à
época, recordaria a leitura de autores que focam o conflito indivíduo-sociedade,
como Kafka ou Sade, antes de chegar ao “estádio final” de Marx ou Trotsky26.
Noutro sentido, Manuel Resende lembra que a sua adesão ao trotskismo
teve como antecedente a sua ligação estética ao surrealismo 27. Recordem-se,
também por isso, as declarações de Alda Sousa ao jornal Combate em 1999,
lembrando que, contrariamente ao que poderia ser esperado, Literatura e
Revolução de Trotsky fora a primeira obra que lera do autor e não, por exemplo,
outro livro de pendor mais teórico ou político 28. Cinco anos mais tarde, a hoje
deputada ao Parlamento Europeu recordaria que tal facto era, em larga medida,
“sintoma de como a ligação à cultura, o modo de vida, a forma de estar todos os
dias na vida […] eram importantes”29 para aqueles militantes.
De facto, as questões do modo de vida – muito além das liberdades
políticas reclamadas pelo trotskismo recebido – caracterizariam largamente o
surgimento do trotskismo em Portugal. No recente livro memorialístico O
Inferno de Outro Mundo, Luís Leiria recorda as circunstâncias da relação que
28 Sousa, Alda, “Causas de Ontem, Causas de Hoje”, Combate, n.º 225, 1999, p. 8.
29 Sousa, Alda, in Trindade, Luís, “As pessoas foram habituadas a pensar”, História, III série, n.º
65, 2004, [Debate com Alda Sousa, Eugénia Varela Gomes, José Carlos Albino, Luís Leiria e
Teresa Alpuim], p. 38.
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Trotskismo em Portugal: 1968-1974
mantivera com uma colega nas palavras “[c]ombinamos que vamos namorar,
mas temos completa liberdade. Ela pode ter os casos dela e eu os meus. Quando
isso acontecer, devemos avisar o outro”30.
Por fim, levem-se também em conta as referências ao existencialismo
francês de alguns trotskistas, especialmente Cabral Fernandes – um dos
principais responsáveis pela emergência da corrente trotskista em Portugal.
Segundo o hoje psiquiatra, a obra O Homem Revoltado, de Albert Camus, seria
“uma bíblia”31. A atenção do fundador da LCI para “com o papel do indivíduo”
e a “liberdade” levaria o antigo estudante de medicina a afirmar
categoricamente “nunca aceitei o socialismo sem liberdade”32.
A principal conclusão a retirar da análise do processo político-cultural que
aqui se abordou é que, utilizando as palavras que David Renton emprega para
classificar o marxismo do ex-anarquista e dissidente bolchevique Victor Serge,
aquele tenderia a fazer uma “síntese” entre o bolchevismo e o socialismo
libertário33. Tal consideração é suportada, por um lado, pela ligação das
organizações estudadas tanto a grupos de matriz anarquista e situacionista
como a católicos progressistas e, por outro, pelo enfoque antiburocrático,
heterodoxo e libertário recebido de autores como Debord, Luxemburgo, Reich,
Pannekoek ou o próprio Camus. Longe da influência exercida pelo setor
maoista, e muito menos da do partido de Cunhal (se bem que simultaneamente
muito distante dos métodos políticos utilizados pelos estalinismos das diversas
tendências), o fenómeno trotskista em Portugal teve apenas algum sucesso na
introdução dos novos temas, como a questão feminina, a sexualidade ou,
noutro campo, as artes.
Note-se também que “sem manual de instruções”, como diria o dirigente
trotskista francês Daniel Bensaïd34, as aproximações e as abordagens ao
percurso teórico marxista seriam menos mediadas e, consequentemente, menos
demarcadas. Por outras palavras, o carácter extremamente jovem dos diferentes
coletivos, a par da falta de um acompanhamento político mais experiente,
levaria a uma leitura do marxismo (ou dos marxismos) certamente mais
30 Leiria, Luís, O Inferno de Outro Mundo, São Paulo, Outra Margem, 2013, p. 110.
31 João Cabral Fernandes. Entrevista, 17/03/2013.
32 João Cabral Fernandes, “O fundamental para qualquer ação política é o programa”. Entrevista
323
João Moreira
Fontes e bibliografia
Fontes orais
António Marinho. Entrevista, 03/01/2013
José Luís Garcia. Entrevista, 15/03/2013
João Cabral Fernandes. Entrevista, 17/03/2013
António Louçã. Entrevista, 04/05/2013
Domingos Neto. Entrevista, 07/09/2013
Manuel Resende. Entrevista, 08/09/2013
35JUDT, Tony, Pensar o Século XX, Edições 70, Lisboa, 2012, p. 231.
36Anderson, Perry, Considerações Sobre o Marxismo Ocidental, Porto, Edições Afrontamento, 1979,
p. 78.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
324
15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Trotskismo em Portugal: 1968-1974
Entrevistas Indiretas
Adelino Fortunato, “Ninguém podia ficar indiferente à guerra do
Vietname ou à das colónias”, Entrevista ao jornal Combate, 2003, n.º 277-8, p. 4.
João Cabral Fernandes, “O fundamental para qualquer ação política é o
programa”. Entrevista ao jornal Combate, n.º 276, 2003, p. 6.
Trindade, Luís, “As pessoas foram habituadas a pensar”, História, III série,
n.º 65, 2004, [Debate com Alda Sousa, Eugénia Varela Gomes, José Carlos
Albino, Luís Leiria e Teresa Alpuim], p. 38.
Publicações
O Comunista – 1972
Socorro Vermelho Internacional – 1943
325
João Moreira
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
326
15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O movimento operário na empresa Setenave
Jorge Fontes1
1 IHC/FCSH-UNL.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Jorge Fontes
As origens
As suas origens remotas remontam à formação da empresa CUF em 1898
(ainda na vigência da monarquia constitucional) pelo industrial Alfredo da
Silva.
Em 1937, com a adjudicação da exploração do Estaleiro Naval da
Administração do Porto de Lisboa, na Rocha do Conde de Óbidos, o maior
estaleiro português da época está nas mãos de Alfredo da Silva. Durante os
anos da II Guerra Mundial, o estaleiro torna-se o principal reparador da frota
comercial portuguesa. Seguindo um projecto de expansão, a CUF apresenta ao
Governo a proposta de construção de um novo grande estaleiro na baía da
Margueira, junto a Cacilhas, na margem sul do rio Tejo. Para esse efeito, nasce
em 1961 a empresa Lisnave, cujos estaleiros são inaugurados em 1967. Já não se
encontravam vivos nem Alfredo da Silva nem o seu sucessor, Manuel de Mello.
Os filhos do último (Jorge e José) vão partilhar responsabilidades, ficando o
primeiro com a parte industrial e o segundo com o sector financeiro.
Sob a égide da Lei do Condicionamento Industrial do Estado Novo,
formaram-se sete grandes grupos económicos que dominavam
monopolisticamente a economia portuguesa. No topo, o grupo CUF, que
integrava cerca de 186 empresas – dos têxteis aos adubos, da metalurgia aos
transportes marítimos, do comércio aos negócios imobiliários, dos seguros à
finança, dos supermercados à petroquímica, da construção naval à informática
–, cabendo-lhe cerca de 10% do PIB e empregando à volta de 100 mil pessoas.
A Lisnave dispunha de uma excepcional condição geográfica, na
convergência das principais rotas de petroleiros e mineraleiros do mundo,
especializando-se na sua reparação e manutenção, que será ainda potenciada
pelos desenvolvimentos na conjuntura internacional, com o encerramento do
canal do Suez e a subsequente preferência dos armadores pela rota do Cabo.
Já a Setenave, que é projetada como um grande estaleiro de construção
naval, surge neste contexto, já que se tornava expectável que para o transporte
de ramas de petróleo, fosse mais rentável a construção de grandes navios. É
fundada em 27 de Maio de 1971, tendo por principais acionistas a CUF e a
Lisnave, bem como instituições bancárias como a Caixa Geral de Depósitos e o
Banco de Fomento. Em 6 de Abril de 1972 iniciam-se as dragagens no rio Sado
(em Setúbal), dando origem a uma ilha com a superfície de 1 000 000 m².
A evolução da conjuntura internacional ajuda a explicar várias vicissitudes
da vida da empresa. Como já referimos, o fecho do canal do Suez (1967), o boom
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
328
15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O movimento operário na empresa Setenave
329
Jorge Fontes
2 Lima, Marinús Pires de. A acção operária na Lisnave: análise da evolução dos temas
reivindicativos. Análise Social. Lisboa: Análise Social, vol. XIII (52) n.º 52, pp. 853, 854, 1977.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O movimento operário na empresa Setenave
3 Rosa, Teresa, et al, Sistemas de Trabalho, Consciência e Acção Operária na Setenave, ISCTE,
1983, policopiado, pp. 479-483.
4 Célula do PCP Setenave. Esquerdismo, Cavalo de Tróia dos Mellos, s.d., policopiado, p.2.
5 Idem, p.12.
331
Jorge Fontes
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O movimento operário na empresa Setenave
O “pacto social”
Em 1979, a indústria naval ocupava 28 mil empregos directos, mais 5 mil
em regime de subempreitada e cerca de 100 mil portugueses dependiam
indirectamente desta actividade6, constituindo o eixo Lisboa-Setúbal o maior
centro de reparação a nível mundial. Em 1984, representava cerca de 3% do
volume de emprego da indústria transformadora e 6% do PIB industrial, sendo
um sector com um produto per capita superior ao da média da indústria em
333
Jorge Fontes
7Grupo de Trabalho ad-hoc. A indústria naval em Portugal, contributos para a sua viabilização,
G.T. 1984, policopiado, p. 8.
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O movimento operário na empresa Setenave
redefinição do papel dos sindicatos? 2 Vol., Tese de Mestrado em Sociologia do Trabalho, das
Organizações e do Emprego, ISCTE, 1999, p.117
11 Federação dos Sindicatos de Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal. Indústria
335
Jorge Fontes
Conclusão
Seja no quadro de um regime autoritário, numa situação revolucionária ou
numa democracia liberal, no contexto de uma empresa privada ou
nacionalizada, numa dinâmica de reivindicações ofensivas ou defensivas, a
indústria naval e a Setenave em concreto serviram de eixo nevrálgico por onde
passou a configuração específica da relação de forças entre as classes sociais, de
tubo de ensaio de soluções de engenharia social e de elemento arrastador,
sinalizador e referencial para a movimentação, comportamento, humor e acção
do conjunto da classe trabalhadora, constituindo-se assim como um case study
exemplar para uma história do trabalho.
Foram também o balão de ensaio de uma nova forma de relações
industriais pós revolucionária e institucionalista. O acordo de viabilização da
Setenave em 1983 é a primeira peça de montagem do puzzle da concertação
social em Portugal, traduzido na assinatura dos primeiros pactos sociais, que
vingam após sérias derrotas do movimento operário, nomeadamente na
indústria naval, que começa a ser desmantelada, no contexto da adesão à CEE,
da desnacionalização da economia e da entrega aos privados do sector
industrial e produtivo.
Na verdade, podemos perguntar-nos se o resultado da revolução
portuguesa de 1974-75, consagrado na Constituição de 1976, não foi, talvez, o
único verdadeiro “pacto social” ao longo do século XX português12 – e o
sucessivo recuo das conquistas laborais no contexto das intervenções do FMI,
da adesão à CEE, das leis dos contratos a prazo ou da abertura da banca ao
capital privado e do desmantelamento do sector empresarial do Estado não são
12Ver Varela, Raquel. Ruptura e Pacto Social em Portugal. Um Olhar sobre as Crises
Económicas, Conflitos Políticos e Direitos Sociais em Portugal (1973-1975, 1981-1986. In: Quem
Paga o Estado Social em Portugal? Lisboa: Bertrand, 2012, pp. 71-108.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
336
15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
O movimento operário na empresa Setenave
337
As lutas dos operários têxteis da Bacia do Ave (1956-1974) e algumas
questões da história do movimento operário1
Uminho.
3 Em Volta da Minha Profissão: subsídios para a história do movimento operário no Portugal
Continental. Lisboa: A. Vieira (1950), Figuras Gradas do Movimento Social Português. Lisboa: A.
Vieira, 1959, Para a História do Sindicalismo em Portugal. Lisboa: Seara Nova, 1970. Para além
destes, foi também publicado o livro de um publicista afecto ao regime, Costa Júnior (1964),
História Breve do Movimento Operário Português. Lisboa: Verbo.
Portugal na segunda metade do século XIX. Porto: Afrontamento, 1973. O texto do livro
corresponde, essencialmente, à tese de licenciatura do autor apresentada à Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, “Imprensa operária no Portugal Oitocentista: de 1825 a
1905”, Análise Social, Lisboa, Vol. X (3.º), 1973 (n.º 39), pp. 552-577, “A Revolução Russa na
imprensa portuguesa da época”, Análise Social, Lisboa, Vol. X (4.º), 1973 (n.º 40), pp. 790-811, e
“Os limites e a ambiguidade: o movimento operário português perante a guerra de 1914-
1918”, Análise Social, Lisboa, Vol. X (4.º), 1973 (n.º 40), pp. 679-702.
7 Portugal e a Comuna de Paris. Lisboa: Editorial Estampa, 1971.
8 “A República e as classes trabalhadoras (Outubro de 1910 – Agosto de 1911)”, Análise Social,
Oliveira (Org.) (1971), A Comuna de Paris e os Socialistas Portugueses. Porto: Brasília Editora,
Frutuoso Firmino (1971), Da Casa Sindical ao Forte de Sacavém: notas de um sindicalista preso no
último movimento operário. Porto: Afrontamento, César Oliveira (Org.) (1971), O Congresso
Sindicalista de 1911. Porto: Afrontamento, César Oliveira (Org.) (1972), O Operariado e a
República Democrática (1910-1914). Porto: Afrontamento, Campos Lima (1972), O Movimento
Operário em Portugal. Porto: Afrontamento, Manuel Joaquim de Sousa (1972), O Sindicalismo
em Portugal. Porto: Afrontamento, César Oliveira (Org.) (1973), A Criação da União Operária
Nacional. Porto: Afrontamento. Todos estes livros foram apreendidos e colocados “fora do
mercado”.
339
José Manuel Lopes Cordeiro
12 Análise Social, Lisboa, Volume XVII (3.º-4.-5.º), 1981 (n.º 67-68-69). Número temático sobre
“O Movimento Operário em Portugal”.
13 De periodicidade bianual, foi dirigido por Maria Filomena Mónica e publicado pelo
341
José Manuel Lopes Cordeiro
Quadro I
Acções de protesto dos operários têxteis da Bacia do Ave, 1956-74
343
José Manuel Lopes Cordeiro
salários
Janeiro Fábrica de Negrelos, Concentração Exigindo Os operários
1961 Fiação de Santo Tirso em frente ao melhores da fábrica
Poldrães – M. escritório da condições de
A. Silva, fábrica trabalho.
Filho
Novem- Fábrica de Santo Tirso Concentração Exigindo o Os operários
bro 1967 Fiação e em frente à pagamento dos da fábrica
Tecidos de porta da salários em
Santo Tirso fábrica atraso
Novem- Fábrica Abel Concentração Exigindo o Os operários
bro 1967 Alves de Santo Tirso em frente à pagamento dos da fábrica
Figueiredo porta da salários em
fábrica atraso
Dezem- Fábrica de Caldas da Concentração Exigindo o Cerca de 500
bro 1968 Fiação Saúde no Sindicato pagamento das operários
ATMA (Avidos, indemnizações têxteis
Vila Nova a que tinham desemprega-
de Famali- direito dos da
cão Fábrica de
FiaçãoATMA
Janeiro Fábrica de Negrelos, Concentração Protestando Centenas de
1969 Fiação e Santo Tirso em frente à contra o operários e
Tecidos do Câmara desemprego e operárias
Rio Vizela Municipal exigindo pão
ou trabalho,
devido ao
encerramento
da fábrica, por
falência
Outubro Companhia Fafe Concentração Reclamando Os operários
1969 de Fiação e junto da aumentos de da fábrica
Tecidos de gerência da salários
Fafe fábrica
30 de Companhia Vila do Concentração Protestando
Maio de Rio Ave Conde contra o
1972 encerramento
da fábrica
21 de Têxtil Pevidém, Concentração Exigindo o Operários
Janeiro de António Guima-rães pagamento dos três
1974 Lopes quinzenal dos turnos
Correia salários
Fonte: Elaboração própria com base nas notícias publicadas n’ O Têxtil.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal,
344
13-15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
As lutas dos operários têxteis da Bacia do Ave (1956-1974) e algumas questões da história do
movimento operário
Quadro II
Greves dos operários têxteis da bacia do Ave, 1956-74
345
José Manuel Lopes Cordeiro
Fonte: Elaboração própria com base nas notícias publicadas n’ O Têxtil e nos dados
disponibilizados pelo Gabinete de Estudos Sociais do PCP.
Quadro III
Acções de luta desenvolvidas pelo operariado têxtil da bacia do Ave
(1956-74)
Fonte: Elaboração própria com base nas notícias publicadas n’ O Têxtil.
347
José Manuel Lopes Cordeiro
2.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal,
348
13-15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
As lutas dos operários têxteis da Bacia do Ave (1956-1974) e algumas questões da história do
movimento operário
preparação do VII Congresso da Internacional Comunista”, Avante!, II Série, n.º 6, Abril 1935,
pp. 2 e 5. Nesta época, o Avante! tinha Bento Gonçalves como redactor principal, até à sua
prisão, em 11 de Novembro de 1935. Cf. “Álvaro Cunhal e o Avante! – década de 40.
Construtor, defensor, redactor”, Avante!, Série VII, n.º 2045, 7 de Fevereiro de 2013, p. 15.
22 “Relatório apresentado ao VII Congresso da Internacional Comunista (1935)”, in AA. VV.
349
José Manuel Lopes Cordeiro
rigor o momento a partir do qual a linha sindical do PCP foi alterada. A única
certeza que até agora existe é-nos dada por Álvaro Cunhal, segundo o qual o
Relatório que Bento Gonçalves apresentou ao VII Congresso da IC fora escrito
em Moscovo “em conformidade com as Teses apresentadas no Congresso
pelo Executivo da Internacional”23, e no seguimento de conversações então
efectuadas, em Setembro-Outubro de 1935, entre o Comité Executivo da IC e
uma delegação do PCP, composta por Bento Gonçalves, Francisco Paula de
Oliveira e o próprio Álvaro Cunhal. Foi essa, aliás, a última vez que a
orientação do PCP foi debatida e acordada com a Internacional.
Embora ainda hoje não se conheça com rigor qual a orientação que
Bento Gonçalves defendia em 1934-35, tudo indica que o secretário-geral do
PCP aceitava a linha de boicote aos sindicatos nacionais e defendia a criação
de um movimento sindical clandestino24. Era essa a orientação que constaria
inicialmente no Relatório que o PCP tencionava apresentar no VII Congresso
da IC, mas como vimos, o texto veio a ser alterado, ou reescrito, quando Bento
Gonçalves já se encontrava em Moscovo. Fernando de Sousa25 refere que fora
elaborado “um documento sobre a acção sindical do PCP, sob a orientação de
José de Sousa, que deveria ser incorporado num relatório mais geral”26,
apresentando, por conseguinte, a linha de criação de sindicatos clandestinos.
De facto, analisando com alguma atenção aquele Relatório detectam-se
algumas incongruências, eventualmente resultantes da incorporação no texto
de partes que inicialmente não constavam no mesmo. Bento Gonçalves refere
que o PCP não só tinha conseguido organizar “sindicatos ilegais em alguns
dos principais ramos da indústria e que alguns desses sindicatos têm mais
aderentes que os sindicatos fascistas do mesmo ramo”, mas que estes não
faziam “nenhum trabalho sério de massas”. Perante esta situação, em que o
mais difícil tinha sido conseguido, o que se justificava não era abandonar a
orientação que vinha sendo seguida, mas sim dar continuidade ao trabalho de
23 Álvaro Cunhal (1985), O Partido com Paredes de Vidro. Lisboa: Edições Avante!, p. 75, apud
José Pacheco Pereira (1999), Álvaro Cunhal: uma biografia política. Lisboa: Temas e Debates, 1º
Volume: Daniel, o jovem revolucionário: (1913-1941), p. 116.
24 Francisco Martins Rodrigues (2009), “Duas correntes no PCP”, Suplemento de Política
para o Tarrafal, entre 1937 e 1946, vindo a aderir ao PCP (m-l) dirigido por Heduíno Gomes
(Vilar) após o 25 de Abril.
26 De acordo com José Pacheco Pereira, que entrevistou Fernando de Sousa em 1979. Cf. José
tivesse editado e distribuído o folheto Como se Organiza e Como Funciona Um Sindicato Ilegal,
com um conjunto de directivas para o movimento sindical ilegal. Cf. O Proletário: Órgão e
propriedade da Comissão Inter-Sindical, Ano 1, n.º 7, Outubro de 1934, p. 5.
29 Esta manobra foi de imediato denunciada pela Comissão Inter-Sindical, no seu órgão
351
José Manuel Lopes Cordeiro
2.
32 Trata-se do Decreto-Lei n.º 23 050, de 23 de Setembro de 1933, que aprovou o Estatuto do
Trabalho Nacional.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal,
352
13-15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
As lutas dos operários têxteis da Bacia do Ave (1956-1974) e algumas questões da história do
movimento operário
33 “As tarefas dos comunistas nos Sindicatos Nacionais”, O Militante, III Série, n.º 18, Abril de
1943, p. 4.
34 Idem, p. 5.
353
José Manuel Lopes Cordeiro
reaccionários que sejam –, por toda a parte onde haja massas proletárias ou
semi-proletárias. (…) É preciso saber enfrentar tudo isto, estar disposto a
todos os sacrifícios e, inclusive, empregar – em caso de necessidade – todos os
estratagemas, ardis e processos ilegais, silenciar e ocultar a verdade, com o
objectivo de penetrar nos sindicatos, permanecer neles e aí realizar, custe o
que custar, um trabalho comunista”35.
Num dos seus trabalhos mais importantes, mas também dos mais
ignorados e esquecidos, “Isolar e aniquilar os sindicatos fascistas: uma tarefa
revolucionária dos trabalhadores”36, Francisco Martins Rodrigues analisou a
experiência histórica de trinta anos de tentativas por parte do PCP para
conquistar os sindicatos nacionais. Publicado em Dezembro de 1965 e fazendo
parte do arsenal teórico que então municiou a versão lusitana da polémica
suscitada pelo conflito sino-soviético, Martins Rodrigues esclareceu qual o
contexto exacto em que Lenine defendeu que os comunistas deviam trabalhar
nos sindicatos reaccionários e se em Portugal existia então uma situação
equivalente que justificasse a adopção daquela táctica.
A primeira questão que se colocava era a de saber se, efectivamente, os
sindicatos nacionais eram organizações de massas, representativas da classe, e
se, consequentemente, os trabalhadores os frequentavam. A melhor resposta a
esta questão é dada pela própria imprensa do PCP na qual, sistematicamente,
se apelava a que os trabalhadores frequentassem os sindicatos nacionais:
“para que se desenvolva um amplo trabalho de esclarecimento e mobilização
dos trabalhadores têxteis na base do nosso sindicato e de nossas
reivindicações imediatas, é necessário que frequentemos regularmente o
nosso sindicato fazendo dele ponto de reunião”37. Na realidade, pelo seu
instinto de classe, os trabalhadores não confiavam nos sindicatos nacionais
para a defesa dos seus interesses e, consequentemente, não os frequentavam,
como o próprio PCP reconhecia ao admitir “o desinteresse e hostilidade de
35 V. I. Lénine (s/d), O “Esquerdismo”, Doença Infantil do Comunismo. Lisboa: Edições Maria da
Fonte, pp. 55-57 (Original publicado em 1920). O PCP chegou a fazer uma edição do capítulo
que inseria este extracto: Devem os revolucionários actuar nos sindicatos reaccionários?: IV capítulo
de A Doença Infantil do "Esquerdismo" no Comunismo. [S.l.]: Partido Comunista Português,
[s.d.].
36 Francisco Martins Rodrigues (1965), “Isolar e aniquilar os sindicatos fascistas: uma tarefa
muitos trabalhadores em relação aos sindicatos nacionais” 38, não se coibindo,
inclusivamente, de os censurar: “a vossa ausência à Assembleia recentemente
realizada no Sindicato para discussão do Relatório e Contas da Direcção, na
qual o número de operários presentes não ultrapassou a dúzia, é
incompreensível”39. Como refere José Barreto, “durante várias décadas a
direcção do PCP apelou à inscrição dos trabalhadores em geral nos sindicatos
nacionais. (…) Esta directiva foi, em geral, mediocremente correspondida
pelos trabalhadores, cuja grande maioria – inscritos ou não nos sindicatos – se
mostravam indiferentes ou cépticos em relação à actividade sindical”40.
Deste modo, é fácil concluir que os sindicatos nacionais não eram
organizações de massas, mas tão só organismos do Estado fascista destinados
a exercer a vigilância policial e a repressão sobre os trabalhadores, que estes
não frequentavam e onde não se concentravam, tanto mais que nos mesmos
não existia qualquer tipo de vida associativa, registando-se inclusivamente
casos em que “a entrada e a frequência nas sedes dos sindicatos nacionais
eram mesmo vedadas aos trabalhadores sindicalizados”41. Por essa razão é
que, com excepção de momentos especiais – como na conjuntura do imediato
pós II Guerra Mundial ou, mais tarde, numa ou noutra ocasião –, era
praticamente impossível conquistar as direcções daqueles sindicatos, não só
por falta de uma indispensável base de apoio, mas também porque esse
processo se encontrava sistematicamente eivado de ilegalidades de todo o
tipo, das quais o regime não tinha qualquer pejo em se socorrer. Era uma luta
inglória, de grande desgaste e frustração para os quadros comunistas, com
resultados fraquíssimos ou nulos, com a agravante de se estar a iludir os
trabalhadores ao procurar enquadrá-los nas organizações que o regime
fascista tinha criado precisamente para controlar e neutralizar a actividade
sindical. É, por conseguinte, pertinente a interrogação de Martins Rodrigues:
“mas então perguntamos: se não há massas de qualquer espécie, nem
atrasadas nem adiantadas, dentro dos sindicatos nacionais, o que vêm aqui
fazer as sábias citações de Lenine e as sapientíssimas condenações ao
38 ”Utilizemos os sindicatos na defesa dos nossos interesses”, O Têxtil, n.º 12, Julho de 1958, p.
2.
39“Atenção têxteis da Covilhã”, O Têxtil, n.º 43, Julho-Agosto de 1962, p. 2.
40 José Barreto (1994), “Comunistas, católicos e os sindicatos sob Salazar”, Análise Social,
Lisboa, Vol. XXIX (125-126), p. 293.
41 “Sindicatos Nacionais, Comissões de Unidade e Comissões Internas de Empresa”, O
355
José Manuel Lopes Cordeiro
1962, p. 1.
45 Francisco Martins Rodrigues (1965), Op. cit., p. 18.
47 “Concentração de 500 operários no sindicato de Guimarães”, O Têxtil, n.º 28, Novembro de
1960, p. 1.
48 “As próximas eleições sindicais”, O Têxtil, n.º 55, Fevereiro de 1965, p. 4.
357
José Manuel Lopes Cordeiro
49 “O Roubo de 200 contos no Sindicato Têxtil do Porto”, O Têxtil, nº 71, Março de 1974, p. 4.
50 “Temos que mudar de táctica”, O Têxtil, nº 53, Setembro de 1964, p. 1.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal,
358
13-15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
As lutas dos operários têxteis da Bacia do Ave (1956-1974) e algumas questões da história do
movimento operário
51José Barreto (1990), “Os primórdios da Intersindical sob Marcelo Caetano”, Análise Social,
Lisboa, Vol. XXV (105-106), p. 78.
359
José Manuel Lopes Cordeiro
52 Este episódio encontra-se descrito de uma forma mais pormenorizada na comunicação que
apresentámos no Encontro Norte Industrial – Áreas industriais e comunidades operárias no
Norte de Portugal, realizado na Faculdade de Letras do Porto em 16-17 de Novembro de
2011, “As eleições sindicais nos últimos anos do fascismo (1969-1974): o caso dos têxteis”.
53 “Correspondência entre o Ministério das Corporações e Previdência Social e o Secretário de
Estado do Trabalho e Previdência”, Arquivo do Museu da Indústria Têxtil da Bacia do Ave.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal,
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13-15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
As lutas dos operários têxteis da Bacia do Ave (1956-1974) e algumas questões da história do
movimento operário
Bibliografia
AA. VV. (1976), Os Comunistas – Bento Gonçalves. Porto: A Opinião.
Alves, Ana Maria (1971), Portugal e a Comuna de Paris. Lisboa: Editorial
Estampa.
Barreto, José (1990), “Os primórdios da Intersindical sob Marcelo
Caetano”, Análise Social, Lisboa, Vol. XXV (105-106), pp. 57-117.
Barreto, José (1994), “Comunistas, católicos e os sindicatos sob Salazar”,
54“Luta sindical. Frente às medidas repressivas, Reforçar a acção de massas”, Avante!, VI
Série, n.º 451, Março de 1973, p. 4.
361
José Manuel Lopes Cordeiro
363
José Manuel Lopes Cordeiro
Publicações periódicas:
Análise Social, Lisboa, Volume XVII (3.º-4.-5.º) 1981 (n.º 67-68-69).
Número temático sobre “O Movimento Operário em Portugal”.
Avante!, II Série, n.º 6, Abril 1935.
Avante!, VI Série, n.º 451, Março de 1973.
Avante!, Lisboa, Série VII, n.º 2045, 7 de Fevereiro de 2013.
Boletim de Estudos Operários (9 números publicados entre Maio de 1982 e
1987, vindo o décimo a transformar-se no n.º 99 da revista Análise Social.
Militante (O), III Série, n.º 18, Abril de 1943.
Militante (O), III Série, n.º 179, Abril de 1973.
Proletário (O): Órgão e propriedade da Comissão Inter-Sindical, Ano 1, n.º 7,
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Webgrafia:
URL: cdi.upp.pt.
URL: mosca-servidor.xdi.uevora.pt/projecto.
Introdução
Na temática relacionada com as relações laborais em Portugal, estudos sobre
as comissões de trabalhadores – à parte do caso mais recente da AutoEuropa1
não existem. Porém, as comissões de trabalhadores (CT), pela sua importância
social, merecem uma atenção especial, por terem sido o “parente pobre” no
quadro dos poucos trabalhos realizados pelas ciências sociais sobre as
relações laborais em Portugal2. Queremos com este estudo de caso sobre a
Lisnave ajudar à compreensão deste organismo de representação dos
trabalhadores, surgido após 25 de Abril de 1974. A Lisnave aparece como
uma das empresas chave para a compreensão da implementação da
democracia laboral nas empresas. Pretende-se aqui analisar o aparecimento e
institucionalização da CT da Lisnave, quando na história das relações
industriais/laborais foram os sindicatos que se impuseram como
representantes dos trabalhadores3. Estudar o percurso desta CT será encontrar
explicações sobre como foi estabelecido o quadro das relações laborais em
Portugal após o 25 de Abril.
1 Lima (2012).
2 Stoleroff (1992).
3 Crozier (1973).
4 Temática desenvolvida por autores vários: Dunlop (1958), Flanders (1965), Reynaud et al
(1971); Hyman (1979); Kourchid (1977); Blyton and Turnbull P. (2004); Caire (1991); Durand,
Claude et Michelle (1979); Edwards, Paul (1986).
pela acção dos trabalhadores, foram inscritas pelas práticas desenvolvidas nas
empresas e no País, em especial pelas comissões de trabalhadores.5
Metodologia
Este estudo de sociologia contém uma componente histórica, a história da
empresa e da acção social que aí se desenvolveu6. O método que utilizámos foi
a monografia na continuação de outros trabalhos feitos na Lisnave no após 25
de Abril7. A história e as ações sociais estão documentadas em alguns estudos,
permitindo-nos, com outras investigações complementares8, avançar na
compreensão da emergência e da institucionalização da CT. Mas a história da
evolução da CT e das relações que protagonizou na empresa não está feita.
Para esse efeito pareceu-nos importante aplicar a metodologia qualitativa, para
a análise da sua evolução, baseada em entrevistas semidiretivas a informantes
privilegiados, atores vivos, sobre as suas próprias ações, no sentido de ser
obtida uma história oral9, tanto mais que se perderam documentos escritos10 de
factos passados há dezenas de anos (40 anos) e a sua evolução ao longo deste
tempo em estudo, um tempo diminuto para a história, mas sociologicamente
importante. No essencial, os entrevistados foram militantes e dirigentes da CT
e sindicais (CGTP, UGT, PS, PCP, UDP, POUS, MRPP, católicos), como a
responsáveis dos Recursos Humanos11, como a um ex-coordenador da CT,
agora em funções empresariais, todos intervenientes no processo das relações
laborais na Lisnave.
5 “Organismos de acção, luta e de defesa dos interesses dos trabalhadores, constituídos nas
empresas e nas repartições públicas em Portugal, após o 25 de Abril de 1974, para
desenvolverem as decisões aprovadas nas assembleias-gerais de trabalhadores (AGT), onde
prestavam contas. Os seus membros eleitos podiam ser revogados a qualquer momento”.
6 Lima (1976); Patriarca (1978); Faria (2001).
Mitrena/Setúbal. Em
Outubro de 2012 a administração da Lisnave resolveu eliminar o que ainda sobrava, o que
podemos considerar um atentado à história social desta empresa.
11 Lalanda (1998).
16 Segundo José Manuel de Mello, a greve enquadrava-se no contexto das ações contra o
regime e não
contra a administração da empresa. Faria (2001), pp. 166.
17 ANTT, Dossier greves, Cota SL, NT 1276, PROC. 4804.
367
José Santana Henriques
comissão com origem nas políticas sociais e paternalistas na CUF pode ser vista como uma
característica social do fascismo e da doutrina social da Igreja, as duas concordando num
ponto: a empresa como um local de convivência de trabalhadores e patrões, onde ambos
teriam interesses comuns no trabalho harmonioso, negando e/ou recusando a luta de classes.
21 Segundo o administrador-delegado Perestrelo de Vasconcelos, em declarações à revista da
Lisnave de Fevereiro de 1974 sobre a CIE, onde afirmou que: “Conseguiu (…) a unidade de
pensamento de todos os que compõem a nossa empresa – quadros dirigentes e pessoal
executivo –, cumprindo perfeitamente a missão para a que foi eleita”. Patriarca (1977).
22 A CIE, em 1971, numa fase de maior preocupação da empresa com as questões de pessoal,
23 Teriam tido motivos políticos estas ações organizadas pelo Partido Comunista, no quadro
da luta contra o regime e não contra a Administração da Lisnave. in Faria (2001), p.166.
24 Figueira, Fernando (2008) “O 25 de Abril e a Lisnave”, Colóquio Arsenal do Alfeite,
17/11/2008.
25 Patriarca (1977), Análise Social n.º 51, já referido.
27Idem.
28 Fernando Figueira, na sua entrevista, refere que a administração da Lisnave era informada
pelo sindicato corporativo dos trabalhadores que aí se iam inscrever e pedir o cartão de sócio.
29 Patriarca (1977). Também em Pérez (2008).
369
José Santana Henriques
30 Patriarca, p. 623, “no relatório dos Serviços de Acção Social do Ministério das Corporações
e Previdência Social, sobre os conflitos verificados em 1973 e princípios de 1974. Neste
relatório pode ler-se: “Foi principalmente a partir de Outubro que o seu número começou a
avolumar-se, continuando por Janeiro, e nada fazendo prever que este surto esteja em vias de
extinção”, e mais adiante “(…) a situação de crise está (duravelmente ou não) em fase de
agravamento”. In Lima et al, 1976, p. 28.
31 Lima et al. (1977), p. 69; Varela (2010).
Maio de 1974.
33 Patriarca (1977) pp. 625-626.
34 Idem.
35 Faria (2001, p. 283), refere que logo no dia 11 de Maio aparecem duas comissões, uma com
371
José Santana Henriques
41 Lima et al. demonstram (1976, vol. I, p. 32) os processos reivindicativos que transitaram de
antes do 25 de Abril e que tiveram livre curso depois dessa data, nomeadamente nas grandes
empresas.
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13-15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Lisnave – história e estudo dos desenvolvimentos laborais e sociais. A Comissão de
Trabalhadores da Lisnave: emergência e institucionalização
42 Aqui mais uma vez, e por referência a Dubois, pp. 329-441, os delegados propõem voltar ao
processo antigo, à delegação de poderes, modelo de descentralização de poderes, parando a
acção direta subentendida pela acção e participação do maior número possível de operários
na AGT, mas aqui a CT pede um voto de confiança à AGT, passando a ser uma “delegação de
poderes com mandato específico”.
43 Rosa (1989), Lima et al. (1989, 1992 e (2002) fazem referência à consciência dos
373
José Santana Henriques
46 Reynaud e Adam (1984, p. 64) referem que “na prática as relações de trabalho constituem
um sistema aberto, cuja dinâmica interna está constantemente em interação com os factores
globais no seu conjunto”.
47 Lima et al (1977, vol. II, p. 58).
48 Reynaud e Adam (1984, pp. 84-85), fazendo referência a Clegg, referem a entrada em acção
na medida em que este organismo se mantém estruturado e organizado para além da greve,
como um novo organismo participante no quadro das relações laborais na empresa,
conjuntamente com os sindicatos.
50 Lima et al. já referido, vol. II, pp. 35-205.
Conclusão
No quadro das relações laborais em Portugal, todos os ingredientes da
situação política e social portuguesa, desde o tempo do regime
corporativo/fascista, passaram, em grande medida pela CUF, pela construção
naval e depois pela Lisnave, a partir da sua constituição nos anos 60 do século
XX, como depois do 25 de Abril de 1974 e posterior evolução social. A Lisnave
é um modelo de estudo, e nela encontram-se respostas explicativas para a
“emergência”, “institucionalização” e posterior “evolução” da CT, das
relações de poder e de classe internas à empresa na dependência do contexto
político e social. A greve de 1969 deixou marcas indeléveis, onde a polícia
política (PIDE/DGS), a GNR e a PSP acorreram em socorro da administração,
reprimindo os operários. A instituição CIE, como política social da empresa, é
outro dos aspectos interessantes para o estudo da vida interna na Lisnave:
375
José Santana Henriques
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379
Resumos / Abstracts
Alexandre Guerreiro
Análise histórico-jurídica ao contributo do Estado Novo para a protecção
aos mais desfavorecidos
O presente artigo tem por objecto a análise aos sistemas de protecção
social aos mais desfavorecidos criados durante a II República portuguesa.
Apesar das tímidas iniciativas que antecederam a Revolução de 28 de Maio de
1926, foi com o Estado Novo que se instituiu um verdadeiro sistema de
previdência social por via das diversas iniciativas legislativas que reconheceram
e desenvolveram o regime de protecção. Neste quadro, destaca-se a
Constituição de 1933 que viria a precipitar, entre outros, a Lei n.º 1884, de 16 de
Março de 1935, pedra basilar do sistema de previdência social português, bem
como o processo de reforma iniciado em 1962.
Palavras-chave: Estado Social, Estado Novo, Previdência, Segurança
Social, II República
Ana Alcântara
Uma geografia da Lisboa operária em 1890
381
No final do século XIX, Lisboa viveu uma época de mutações económicas,
sociais e políticas, impulsionadas parcialmente pelo desenvolvimento
industrial.
Tendo em conta a importância do espaço urbano no processo de evolução
industrial e de estruturação da classe operária, procura-se construir um retrato
da cidade com base no Inquérito Industrial de 1890 – uma importante fonte para o
conhecimento da realidade industrial, laboral, tecnológica e económica deste
período.
A distribuição fabril e a caracterização da indústria, em termos de sector
de produção, número de operários e utilização da energia a vapor são
estudadas a partir da construção de uma cartografia digital, recorrendo a um
Sistema de Informação Geográfica (SIG) e da análise espacial aplicadas à
pesquisa histórica.
Palavras-chave: Lisboa; 1890; Indústria; Análise espacial; Operariado
Anabela Silveira
As condições do trabalho indígena e os seus reflexos na construção do
nacionalismo angolano
Em finais dos anos 40, a questão do trabalho forçado nas colónias
portuguesas saltava para a ordem do dia nas Nações Unidas, dando origem a
um inquérito aprovado pela resolução do Conselho Económico e Social de 7 de
Março de 1949. As denúncias das práticas coloniais portuguesas,
nomeadamente das condições de trabalho, acentuaram-se na década de 50. O
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
382
15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Resumos/Abstracts
383
Palavras-chave: Operariado; anarquismo; bombismo; Abel Botelho;
Amanhã
most important industrial and working centers in Algarve and the relation
between industrialization and workers’ organizations. At last, using official
records from governadores civis (civil governors), we tried to understand the
responses of political power to the workers’organizations and industrial
conflicts in the beginning of the XXth century.
Key-words: workers’ associations; unionism; Algarve
Cátia Teixeira
A agitação operária na Covilhã durante a Segunda Guerra Mundial e as
tensões entre o governo e o patronato: “um nítido acto de indisciplina”
Como consequência da Segunda Guerra Mundial e dos seus efeitos
políticos, económicos e sociais, o regime do Estado Novo enfrentará a sua
primeira grande crise. Os operários da indústria de lanifícios da Covilhã serão
dos primeiros a contestar a política de congelamento de salários decretada no
início do conflito mundial. Em 1941, as debilidades do regime corporativo
ficarão patentes nas negociações em torno da questão salarial dos operários e
dar-se-á início a um conturbado período nas relações entre o Governo,
representado pelo INTP, e alguns sectores do patronato da indústria de
lanifícios da Covilhã.
Palavras-chave: Covilhã; Segunda Guerra Mundial; agitação operária;
corporativismo; greves.
Labour unrest in Covilhã during World War II and the tensions between
government and employers: “a clear act of indiscipline”
As a consequence of World War II and its political, economic and social
effects, the Estado Novo regime will face its first major crisis. The wool
industry’s workers will be among the first to challenge the wage freeze policy,
decreed in the beginning of the conflict.
In 1941, the weakness of the corporatist regime will be evident in the
negotiations on workers’ wages thus beginning a troubled period in the
relations between the government, represented by INTP, and some of the wool
industry’s employers.
Key-words: Covilhã; World War II; labour unrest; corporativism; strikes.
385
O século XIX é a fase da industrialização e modernização do Porto. O
grande número de fábricas que surgiu na cidade criou uma nova classe, o
operariado, que veio dos campos para trabalhar no burgo e aí se fixou. Esta
afluência populacional originou um grande crescimento urbano, mas também
criou grandes assimetrias económicas e sociais, gerando duas realidades e
dinâmicas distintas dentro do mesmo espaço. De um lado, os burgueses
proprietários das fábricas, isolados nos seus bairros ricos; do outro, os
assalariados, segregados na sua “cidade escondida”, as ilhas. Esta clivagem
social, ao longo do tempo, potenciou situações de tensão e conflito que se
exteriorizaram com grande acuidade nas últimas décadas do século XIX através
de manifestações e greves.
Palavras-chave: Porto; oitocentista; industrialização; operários; conflito
Cláudia Figueiredo
Os usos do palco: o proletariado e o teatro no início do século XX
Tendo conquistado visibilidade e voz no teatro – enquanto personagem,
espectador, actor e autor –, o proletariado português do início do século XX
recorreu ao espectáculo teatral não apenas como lugar para a propaganda das
suas ideias políticas, mas também como um tempo para a emancipação
individual e colectiva. Partindo de alguns resultados obtidos numa investigação
de doutoramento em curso, o presente texto explora esta possibilidade
emancipatória como problema chave para a análise das relações entre as classes
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Resumos/Abstracts
The uses of stage: the proletariat and the theatre in the early 20th
century
Having gained visibility and a voice in theatre – as character, spectator,
actor and author – the Portuguese proletariat of the early 20th century used the
theatrical performance not just as a site for political propaganda, but also as a
time for collective and individual emancipation. Taking as a starting-point
some results obtained in an ongoing doctoral research, the present text explores
this emancipatory possibility as a key topic for the analysis of the relations
between working classes and theatre, identifying some of the main features of a
theatrical universe still scarcely studied by the Portuguese historiography.
Keywords : Theatre, politics, proletarian cultures, emancipation.
Cleusa Santos
A mobilidade de pessoas e a livre circulação da mão de obra: os limites
do mercado capitalista
Este texto propõe uma reflexão sobre a importância que a mobilidade da
força de trabalho assume no contexto socioeconómico e geopolítico atual. Após
examinar as mudanças operadas no mercado internacional – no qual se
manifestam práticas sociais preconceituosas, etnocêntricas, racistas e
xenofóbicas –, argumenta-se que as condicionalidades derivadas dos acordos
internacionais sobre imigração têm resultado num aumento dos imigrantes
ilegais, favorecendo os interesses do grande capital.
Palavras-chave: trabalho, migração, acordos internacionais, mercado e
direitos sociais.
People’s mobility and the free circulation of labour: the limits of the
capitalist market
This text proposes a study of the importance of the mobility of the labour
force in the present social, economic and geopolitical context. After examining
the changes in the international market, where one can identify social practices
that carry prejudice, ethnocentrism, racism and xenophobia, it becomes clear
that the conditions derived from the international agreements on immigration
387
have allowed the increase of illegal immigration which favors the interests of
big business.
Keywords: labour, migration, international agreements, market and social
rights.
Cristina Clímaco
Os anarquistas no exílio (1930-1936)
Se as primeiras iniciativas dos exilados anarquistas são desenvolvidas a
partir de Paris, onde é criada a Federação dos Anarquistas Portugueses no
Exílio, logo em 1930, é com a instauração da II República espanhola, em Abril
de 1931, que a actividade no exílio ganha expressão circunstanciada pelas
dificuldades sentidas pelo movimento anarquista em Portugal. A FAPE procura
obter junto das organizações congéneres espanholas e francesas (FAI, CNT,
CGT-SR) o apoio financeiro e logístico para a sobrevivência da Federação
Anarquista da Região Portuguesa e tornar-se no seu canal de comunicação no
exterior. Contudo, a acção da FAPE vai ser dificultada pelo evoluir da situação
interna espanhola, quer a nível político quer no campo económico através da
repressão que sofrerá o movimento anarquista espanhol e do aumento do
desemprego. Porém, outros obstáculos, não menores, virão da própria FAI que,
centrada na dinâmica revolucionária do movimento espanhol, analisa
incorrectamente as necessidades do anarquismo português, assim como as
especificidades de um movimento clandestino.
Palavras-chave: anarquistas; exílio; portugueses em Espanha; oposição no
exílio; FAPE
Dulce Simões
Cooperativismo operário e resistência política: um estudo de caso
A fundação da Cooperativa de Consumo Piedense (CCP) está diretamente
relacionada com o movimento associativo operário dos finais do século XIX,
como resposta social e económica ao sistema capitalista. Durante o Estado Novo
representou um espaço de aprendizagem cultural e um baluarte na luta contra
o fascismo. Neste artigo questiono a importância do debate ideológico entre
operários corticeiros e arsenalistas na construção do projecto cooperativo,
tomando como objecto empírico a CCP. Em termos metodológicos articulo as
fases de desenvolvimento da cooperativa com a luta do movimento operário,
em torno de dois eixos centrais: o primeiro focalizado nas relações entre grupos
e indivíduos, com recurso à memória, e o segundo com recurso à
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Resumos/Abstracts
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Whereas the expansionist logic of capitalist accumulation produces severe
effects on the working class, this article argues, based on classical authors and
contemporary Marxist tradition, the formation of surplus working population
in the historical development of capitalism as a vital necessity for reproducing
capital. Starting from a bibliographic study, it questions the capitalist use of
machinery and its repercussions on the whole of social producers in order to
identify, taking notice of the relative decline of the labor force in the production
process, the creation of relative surplus population and its functionality for the
reproductive practices of capital.
Keywords: Machinery; surplus working population; reproduction of
capital.
Giulia Strippoli
PCP e movimento estudantil no final dos anos 60
No final dos anos 60 Portugal conheceu um período de intensa
mobilização social e o PCP, enquanto tradicional representante da luta social,
teve que se relacionar com sujeitos que contestavam a sua linha política e a sua
tática de luta contra o regime. A situação internacional, o agravamento da
guerra colonial e a mudança de ditador influenciaram a politização e a
radicalização de alguns sectores da sociedade, como os estudantes
universitários. Neste texto traço a reacção do PCP aos movimentos estudantis
deste período e forneço algumas pistas de investigação para estudar o contexto
português em perspectiva comparativa e transnacional.
Palavras-chave: Partido Comunista Português, anos 60, movimento
estudantil.
The Portuguese Communist Party and the student movement at the end
of the sixties
At the end of the sixties, Portugal experienced a period of intense social
mobilization and the Portuguese Communist Party, as a traditional
representative of social conflict, had to relate to subjects who contested its
political line and its tactic of struggle against the regime. The international
scenario, the colonial war and the change of dictator influenced the
politicization and radicalization of some sectors of society, such as students. In
this text I trace the reaction of the PCP to the students’ movements of this
period and provide some paths of research to study the Portuguese context in
comparison with other cases.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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Resumos/Abstracts
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Hermes Augusto Costa
Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI?
O termo “relações laborais” ou “relações industriais” suscitou
historicamente várias reflexões que permitiram situar o papel do movimento
sindical. Ao longo do tempo, tais “relações” nunca deixaram de se configurar
como assimétricas, mesmo no período dos “30 gloriosos” em que o Estado-
providência e o pleno emprego se consagraram como mecanismos
redistributivos e de garantia de consenso e o neocorporativismo como
disposição institucional de relações consensuais entre o Governo e os interesses
sociais organizados.
A agenda de investigação em relações laborais é hoje fortemente marcada
por políticas de austeridade que colocam em cheque o papel tradicional das
organizações sindicais. Importará, por isso, recuperar algumas das tradições
teóricas de relações laborais e ver em que medida elas se adequam ao clima de
retrocesso social vivido no campo das relações laborais. Por outro lado, tendo
por referência o caso português, enunciam-se alguns temas de investigação
emergentes neste campo.
Palavras-chave: Relações laborais; dimensões conceptuais; tradições
teóricas; temas em agenda
393
temporário (contratos a termo e trabalho a tempo parcial). O artigo defende que
a protecção do emprego em Portugal é, ainda, um princípio fundamental da
protecção social, mas conclui que se tem observado uma tendência que
flexibiliza as normas relacionadas com o despedimento e, principalmente, com
aquelas que se relacionam com o trabalho temporário.
Palavras-chave: legislação de protecção do emprego, despedimento,
trabalho temporário.
João Lázaro
O despontar do movimento operário na esfera pública nos anos 50 do
século XIX
O presente artigo, fruto de uma dissertação de mestrado, pretende
abordar o movimento operário dando enfâse a algumas práticas que começam a
ser desenvolvidas entre 1850-1860, sobretudo, através do jornal Eco dos
Operários. Não sendo descurado, que este movimento operário está inserido
num período marcado pela concretização de uma política centrada no
desenvolvimento do país, uma fase conhecida por Regeneração. Dá-se, assim,
particular atenção à análise do discurso realizado pelos deputados nas Câmaras
sobre o mundo operário e à sua posição nesse projecto de desenvolvimento.
Palavras-chave: Movimento operário, associativismo, esfera pública,
discurso parlamentar.
The dawn of the labor movement in the public sphere in the 50s of the
nineteenth century
The article, which is part of a dissertation, aims to describe the working
class movement, focusing on some of the workers’ practices that took place at
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Resumos/Abstracts
1850-1860, namely the newspaper Eco dos Operários. Yet, it should not be
overlooked that the working class movement occurs in a period marked by the
completion of a policy focused on country development, a period known as
Regeneração. In view of this, the analysis of the speech on workers’ situation by
the members of Council was not forgotten.
Keywords: Working Class, Associations, Public Sphere, Parliamentary
Speech.
João Mineiro
Experiências coletivas, solidariedades e identidades: o caso do
movimento operário da Covilhã
A história e a memória vivida e contada do movimento operário e dos
movimentos sociais são peças fundamentais para compreender os significados e
as representações dos indivíduos e dos grupos sobre as experiências coletivas,
as solidariedades e a construção das identidades coletivas. Neste artigo,
pretendo explorar a importância desses três processos no movimento operário
da Covilhã. A maioria dos trabalhos em torno da história do movimento
operário centra-se sobretudo nos aspetos da luta política sindical do
movimento, de que são exemplos as greves ou a criação das associações de
classe. Contudo, com base numa perspetiva em simultâneo sociológica,
histórica e antropológica, pretendo discutir em que medida estes aspetos
particulares da cultura e da vivência operária são também, em si mesmos, parte
intrínseca do movimento operário, da sua expressão, diversidade e
possibilidade emancipatória. Assim, a partir do discurso direto de quem viveu
e construiu as culturas operárias na Covilhã, aprofundarei a sua base cultural e
o seu quotidiano de resistência na segunda metade do século XX.
Palavras-chave: Classes sociais, culturas operárias, identidades,
solidariedades, experiências coletivas
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cultural and self-organization characteristics of the working class movement are
intrinsic to the working class movement itself, reflecting its expression and
diversity. Henceforth, through the discourse of social actors who lived and built
the working class cultures in Covilhã, we shall discuss the cultural and daily
resistance of the working class in the second half of the 20th century.
Key-words: Social classes, workers cultures, identities, solidarity,
collective experience
João Moreira
Trotskismo em Portugal: 1968-1974
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Resumos/Abstracts
Jorge Fontes
O movimento operário na empresa Setenave
Os trabalhadores da indústria naval na empresa Setenave servem como
um excelente exemplo da história das relações sociais e da classe trabalhadora
ao longo do século XX português. Um dos últimos grandes projectos industriais
no crepúsculo do Estado Novo será nacionalizado pelo V Governo Provisório
enquanto os trabalhadores ensaiavam formas de controlo operário. A
institucionalização das relações de produção na nova formulação democrático-
liberal conduzirá a um renovado fôlego de lutas, defensivas, cuja derrota se
saldará com a assinatura de pioneiros “Pactos Sociais”, os quais, na nossa
hipótese de trabalho, independentemente do seu invólucro jurídico, significam
historicamente, a inversão estrutural do arranjo de força das classes sociais no
período pós-revolucionário.
Palavras-chave: Movimento operário, indústria naval, Setenave, Pactos
Sociais.
397
sindicatos, assim como contra a crise da indústria têxtil. Uma vez que grande
parte destas lutas reivindicativas foram impulsionadas pelo Partido Comunista
Português, serão também analisadas as relações entre as mesmas e as
orientações que aquele partido defendia para a intervenção no movimento
operário e sindical.
Palavras-chave: Conflitos sociais, sindicalismo, vale do Ave.
Atas do I Congresso de História do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 13-
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15 de março de 2013, FCSH-UNL, Vol. I.
Resumos/Abstracts
The Lisnave Workers Committee (CT, to use the Portuguese acronym) was
elected at the first general meeting (AGT, Portuguese acronym) after 25 April
1974 to fight for the workers’ claims. All sectors of the company were
represented (blue collars and white collars alike). This organism played a
leading role acting as a double power, parallel to the management, questioning
the legitimacy of employers’ and State power. The CT conquered its own space,
independent of the trade unions and of the parties represented in the company
because the AGT was de decider. Unifying the workers, the CT was recognized
by public powers in the Constitution of the Republic. It could therefore (in spite
of all the problems) continue its action in the defence of the workers.
Key-words: Workers Committees, Workers’ general assemblies, conflict
and relations of power in the companies.
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