A. G. Roemmers - O Retorno Do Jovem Príncipe

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O Retorno

do Jovem
Príncipe

A. G. Roemmers

TRADUÇÃO
Paulo Afonso
Prefácio

Se O Pequeno Príncipe é um livro universal, traduzido


para 180 idiomas do nosso planeta, isso se deve ao fato
de que sua linguagem também é universal. Já no fim de
uma vida rica, porém curta, Antoine de Saint-Exupéry
nos brindou com um relato, uma espécie de guia para a
vida direcionado à juventude, através de uma viagem de
aprendizado, da mesma forma que os contos de Voltaire,
no século XVIII, ajudaram a florescer os ideais de
liberdade e justiça.
O Pequeno Príncipe não fala somente de liberdade e
de justiça, mas da própria vida. Sobre o sentido que
devemos dar a ela, sobre a responsabilidade, o amor, a
amizade. É a simbologia dos vínculos que reaparece a
cada página, a relação entre os homens e sua ligação
com o planeta e seus elementos. Saint-Exupéry fala
também da necessidade de conservarmos a alma de
criança para continuarmos a ser sensíveis à poesia, à
beleza e à pureza. O Pequeno Príncipe nada mais é que a
representação do próprio Saint-Exupéry. É sua alma de
criança, que cresceu sem nunca se tornar realmente
adulta, vivendo no céu e nas estrelas em busca da terra
dos homens, responsáveis e singulares. Quando partiu,
deixou um tesouro e nos pediu com veemência, na
última frase de seu livro: “Não me deixem tão triste:
escrevam-me depressa dizendo que ele voltou...”
Alejandro Roemmers conservou sua alma de criança
e, ao encontrar esse príncipe na Patagônia, já
adolescente, nos fala dele em sua obra, e chama nossa
atenção para a poesia e a essência de sua mensagem.
“Por que a Patagônia?”, se perguntam os leitores.
Numerosas viagens me permitiram descobrir o quanto
“Saint-Ex” é amado e conhecido naquela região. Em
cada vilarejo onde o Aeropostal fazia escala, fui
apresentado aos hotéis onde viveu e aos restaurantes que
frequentou, me mostraram sua mesa e seus pratos
preferidos, às vezes apontavam a casa de alguma
namorada... e até chegaram a me levar ao lugar onde
supostamente teria escrito O Pequeno Príncipe, embora,
na realidade, ele só o escreveria somente 12 anos mais
tarde, em Nova York.
Alejandro Roemmers nos oferece sua compreensão
de O Pequeno Príncipe, já que conseguiu preservar a
sabedoria deste livro, de todos os livros, sobre o
caminho da espiritualidade. O Retorno do Jovem
Príncipe constitui um verdadeiro laço exuperiano em
direção ao outro.

FRÉDÉRIC D ’AGAY
Ex-presidente da Fundação Antoine de
Saint-Exupéry e sobrinho-neto do autor
Algumas Palavras Introdutórias

Em um mundo devastado pela guerra, que perdia


rapidamente toda a inocência e alegria de viver, um
ousado piloto francês, Antoine de Saint-Exupéry, lançou
um livro, O Pequeno Príncipe, que logo se tornaria um
emblema universal desses valores perdidos.
Mais que o fogo inimigo, foi talvez a própria tristeza e
o desencanto de Saint-Exupéry com a aparente perda da
espiritualidade e da simplicidade em sua época que
acarretaram seu prematuro desaparecimento sobre o
Mediterrâneo.
Como muitos outros que leram O Pequeno Príncipe,
eu também captei a simplicidade de sua mensagem e
compartilhei a tristeza de Saint-Exupéry quando o herói-
criança, que alcançara as profundezas de meu coração,
foi obrigado a retornar a seu asteroide.
Somente muito mais tarde entendi como o ódio, a
ignorância, os nacionalismos exacerbados, a falta de
solidariedade e uma visão materialista da vida, entre
muitas outras ameaças, tornariam impossível sua vida
em nosso planeta.
Muitas vezes perguntei a mim mesmo, como você
talvez tenha feito, o que aconteceria com criança tão
especial se continuasse a viver entre nós. Como seria sua
adolescência? Conseguiria preservar a inocência de seu
coração?
Levei muitos anos para conseguir responder a essas
perguntas e, mesmo assim, talvez as respostas que
encontrei sejam válidas apenas para mim. Mas talvez (e
esta é minha esperança) sirvam também para iluminar em
parte o caminho da criança que trazemos dentro de nós.
É com o propósito de ajudá-lo a ser menos infeliz,
caro leitor, que me atrevo a lhe trazer uma visão mais
positiva de nossa época, neste início de um novo século
e de um novo milênio.
Se você deseja ver fotos, lamento não poder
satisfazer sua curiosidade. Há muitos anos não carrego
máquina fotográfica ou câmera de vídeo em minhas
viagens; na verdade, desde que notei que meus amigos
se concentravam tanto nas imagens que já não
prestavam atenção em minhas histórias. E é uma grave
falha de minha parte não ter incluído alguns desenhos.
Mais que uma envergonhada confissão de falta de talento
artístico, porém, minha decisão resulta de um profundo
respeito por sua liberdade de imaginação, caro leitor.
Espero que você consiga enxergar através de minhas
palavras como o Pequeno Príncipe era capaz de enxergar
o carneiro na caixa — sem no entanto levar minha
história muito a sério.
Espero também que você me perdoe a inclusão de
pensamentos e considerações que me vieram à mente
quando os eventos ocorreram, cuja existência eu quis
deixar registrada ao recontar a história.
Dito isso, vou relatar o que aconteceu, exatamente
como aconteceu.
Caso esteja se sentindo muito só, caso seu coração
ainda seja puro, caso seus olhos ainda conservem o
deslumbramento de uma criança, você descobrirá,
enquanto lê estas páginas, que as estrelas lhe sorriem e
que você poderá ouvi-las como se fossem 500 milhões
de sinos.
Capítulo I

Eu estava dirigindo por uma erma estrada da


Patagônia (terra que recebeu seu nome de uma tribo
nativa que, supostamente, tinha pés muito grandes, ou
“patas”), quando de repente avistei ao lado da estrada um
embrulho de aparência estranha. Instintivamente reduzi a
marcha e, para meu grande espanto, vi uma mecha de
cabelos louros se projetando de um cobertor azul, que
parecia envolver uma forma humana. Parei o carro e, ao
descer, fui tomado de surpresa. Naquele local, a
centenas de quilômetros do vilarejo mais próximo, em
meio a uma área desolada onde não se via nenhuma casa,
nenhuma cerca, nem mesmo uma árvore, um jovem
dormia placidamente, sem qualquer preocupação que
maculasse seu rosto singelo.
O que eu confundira com um cobertor era na verdade
uma longa capa azul, com dragonas e forro arroxeado,
sob a qual se entreviam calças brancas, semelhantes a
calças de montaria, enfiadas num par de reluzentes botas
de couro negro.
A vestimenta principesca era incongruente naquelas
latitudes. Um cachecol amarelo-pálido tremulava
descuidadamente na brisa primaveril e se enroscava às
vezes nos cabelos do jovem, dando-lhe um ar
melancólico e sonhador.
Parei o carro, perplexo com o que, para mim, era um
mistério inexplicável. Era como se até o vento, que
soprava das montanhas em grandes remoinhos, evitasse
atingir o jovem com suas descargas de poeira.
Era óbvio que eu não poderia deixar que ele
permanecesse naquele lugar solitário, dormindo indefeso,
sem água nem comida. Embora seu aspecto não me
despertasse medo, tive de vencer minha inculcada
relutância em me aproximar de estranhos. Com
dificuldade, tomei-o nos braços e o deitei no banco do
carona.
Fiquei surpreso com o fato de ele não acordar;
cheguei a recear que estivesse morto. Um pulso fraco,
mas firme, assegurou-me de que não era o caso. Quando
pousei sua mão flácida no assento, pensei que, se já não
tivesse visto tantas imagens de anjos, eu acharia que
estava na presença de um deles, recém-chegado à Terra.
Mais tarde, soube que o garoto estava exausto, no final
de suas forças.
Por alguns momentos, pensei em como os adultos,
com alertas que visam nossa própria proteção, fazem
com que nos afastemos das outras pessoas, a ponto de
que tocar um indivíduo, ou olhá-lo nos olhos, provoca
um desconfortável sentimento de apreensão.
— Estou com sede — disse o jovem de repente,
assustando-me, pois eu já quase esquecera que não
estava só.
Embora sua voz fosse baixa, era clara e transparente
como a água que pedira.
Em viagens longas como aquela, que levaria três dias,
eu sempre levava refrigerantes e sanduíches, de modo
que só tivesse que parar para pôr gasolina. Dei-lhe então
uma garrafa de refrigerante, um copo plástico e um
sanduíche de carne com tomate, embrulhado em papel-
alumínio. Também bebi e comi, sem dizer nada. Mas
perguntas surgiam em minha cabeça. De onde você
vem? Como chegou aqui? O que estava fazendo, deitado
à beira da estrada? Você tem família? Onde está ela? E
assim por diante. Por causa de minha natureza ansiosa,
cheia de curiosidade e desejo de ajudar, ainda hoje me
congratulo por ter conseguido permanecer em silêncio
durante aqueles dez intermináveis minutos, enquanto
esperava que o jovem recobrasse as forças. Ele, por sua
vez, bebeu e comeu como se fosse a coisa mais natural
do mundo alguém aparecer no meio de um quase deserto
para lhe dar uma bebida e um sanduíche de carne.
— Obrigado — disse, após terminar.
Recostou-se então no vidro da janela, como se aquela
única palavra fosse o bastante para esclarecer minhas
dúvidas.
Depois de alguns instantes, percebi que nem ao
menos lhe perguntara para onde ele ia. Como o tinha
encontrado à direita da estrada, presumi que rumava para
o sul; mas era mais provável que estivesse tentando
chegar à capital, situada ao norte.
É impressionante como sempre presumimos que os
outros seguem a mesma direção que nós.
Quando me virei para ele novamente, era tarde
demais. Um novo sonho o levara para muito, muito
longe.
Capítulo II

Será que eu deveria acordá-lo? Não, pois


precisávamos nos locomover, fosse para o norte ou para
o sul. O que não podíamos era permanecer ali.
Acelerei. Aquela vez não era como outras vezes, em
que desperdicei tempo e vida conjecturando sobre que
caminho tomar.
Eu estava mergulhado nesses pensamentos quando,
após longo tempo dirigindo, senti faiscantes olhos azuis
me observarem curiosamente.
— Olá — disse eu, lançando um rápido olhar para o
jovem misterioso.
— Que máquina é essa em que nós estamos viajando?
— perguntou ele, passeando os olhos pelo interior. —
Onde estão as asas?
— Você quer dizer o carro?
— Carro? Ele não pode sair da Terra?
— Não — respondi, sentindo murchar o orgulho que
tinha do automóvel.
— E ele não pode sair dessa faixa cinzenta?
Ele apontou o dedo em direção ao para-brisa,
fazendo-me perceber minhas limitações.
— Essa faixa se chama autoestrada — expliquei,
pensando comigo mesmo: de onde veio esse garoto? —
E se sairmos dela a essa velocidade nós morremos.
— Isso é uma tirania. Quem inventou as
autoestradas?
— As pessoas.
Diante de perguntas tão simples, as respostas me
pareciam extremamente difíceis. Quem era aquele jovem
que irradiava inocência e sacudia as bases do sistema de
crenças que eu herdara?
— De onde você veio? — perguntei. — Como você
chegou aqui?
Seu olhar me parecia estranhamente familiar.
— Há muitas autoestradas na Terra? — perguntou
ele, ignorando minhas perguntas.
— Sim, são muitas, incontáveis.
— Eu estive num lugar sem autoestradas — disse o
misterioso jovem.
— Mas em lugares assim as pessoas se perdem —
observei, sentindo crescer, a cada minuto, minha
curiosidade em saber quem era ele e de onde vinha.
— Mas quando não há estradas na Terra — retorquiu
ele, imperturbável — as pessoas não pensam em se
orientar pelos céus?
Ele olhou para cima.
— Durante a noite — refleti —, é possível se guiar
pelas estrelas. Mas quando a luz do sol está muito forte,
corremos o risco de ficar cegos.
— Ah — disse o jovem. — Os cegos veem o que
ninguém mais ousa ver. Eles devem ser as pessoas mais
corajosas de todas.
Eu não soube o que responder. Enquanto o carro
avançava rapidamente pela tirânica faixa cinzenta, o
silêncio caiu sobre nós.
Capítulo III

Depois de algum tempo voltei ao assunto, imaginando


que fora por timidez que o jovem não respondera às
minhas perguntas.
— O que aconteceu com você? Você pode falar
comigo. Se precisar de ajuda, eu gostaria de te ajudar. —
Mas ele continuou em silêncio. — Você pode confiar em
mim. Me diga seu nome e qual é o problema —
continuei, sem querer desistir.
— Meu problema? — repetiu ele finalmente.
— Bem, sim. — Tentei tornar as coisas mais fáceis
com um sorriso, para que ele se sentisse mais à vontade.
— Se você estava deitado à beira da estrada em um lugar
deserto, é óbvio que está com um problema.
Após algum tempo de reflexão, ele me surpreendeu
com outra pergunta.
— O que, exatamente, é um problema?
Sorri, pensando que ele falara ironicamente.
— O que é um problema? — insistiu ele.
Então ficou claro que ele esperava uma resposta.
Ainda mal recuperado da surpresa, achei que ele talvez
não tivesse entendido minha pergunta.
— Problem, problème — disse eu em outras línguas,
embora a palavra soasse mais ou menos igual em ambas.
— Eu ouvi a palavra — atalhou ele. — Mas você
poderia me explicar, por favor, o que significa?
Tentei em vão pescar na memória uma definição de
dicionário, atônito com o fato de que, em um mundo
repleto de problemas, aquele adolescente ainda não se
deparara com o conceito. Por fim, vendo que não
conseguia escapar de seu olhar penetrante, tentei uma
explicação própria.
— Um problema é como uma porta da qual você não
tem a chave.
— E o que se faz quando aparece um problema? —
perguntou o jovem, cada vez mais interessado na
conversa.
— Bem — refleti —, a primeira coisa a fazer é
verificar se o problema é realmente seu, quer dizer, se
está bloqueando seu caminho. Este é um ponto de vital
importância — expliquei —, pois conheço muitas
pessoas que interferem nos assuntos de outras que não
pediram a ajuda delas. Desperdiçam tempo e esforço e
impedem os outros de encontrarem suas próprias
soluções.
Vi que ele balançava a cabeça, concordando com essa
óbvia verdade, tão difícil para os adultos entenderem.
— E quando o problema é seu? — prosseguiu ele,
virando-se para mim.
— Aí você deve primeiro encontrar a chave
adequada; depois, deve introduzi-la na fechadura de
forma correta.
— Parece simples — observou o jovem, assentindo
mais uma vez.
— De forma alguma — disse eu. — Existem aqueles
que não conseguem encontrar a chave. Não porque não
tenham imaginação, mas porque não experimentam duas
ou três vezes as chaves que têm à disposição. E às vezes
não experimentam nem uma vez. Querem que a chave
seja colocada na mão deles ou, ainda pior, querem que
alguém abra a porta para eles.
— Todos são capazes de destrancar uma porta?
— Se você estiver convencido de que pode,
provavelmente é capaz. Mas se acreditar que não pode é
quase certo que não vai conseguir.
— O que acontece com aqueles que não conseguem
destrancar a porta?
— Devem tentar várias vezes, até conseguirem, ou
nunca vão ser capazes de explorar plenamente o
potencial que têm. — Então, como que pensando em voz
alta, acrescentei: — Não adianta perder a calma, culpar a
porta e ficar lutando contra ela, pois vamos acabar nos
machucando. Nem devemos nos resignar a viver deste
lado da porta, sonhando com o que pode haver no outro
lado.
— Mas não há algum motivo válido para não
abrirmos a porta? — insistiu o jovem, como se estivesse
resistindo a alguma coisa.
— Pelo contrário! — exclamei. — As pessoas
desenvolveram uma enorme capacidade para se
justificar. Você pode justificar sua incapacidade pela falta
de afeto, pela falta de estudo ou pelo sofrimento que
suportou. Pode convencer a si mesmo de que não cruzar
o umbral é a coisa certa a ser feita, pois pode haver
perigos e ameaças à espreita no outro lado. Ou pode
declarar cinicamente que não está interessado no que
poderá encontrar. Isso tudo não passa de maneiras de
esconder a dor causada pelo fracasso. Enquanto você
demora a enfrentar o obstáculo em seu caminho, a
dificuldade se torna maior e você, menor. Em outras
palavras, quanto mais tempo carrega um problema, mais
pesado ele se torna.
Senti que a resistência do jovem estava afrouxando,
mas o olhar de tristeza e resignação em seu rosto me fez
continuar.
— Tudo isso leva à infelicidade. O caminho para o
crescimento espiritual exige coragem para crescer e
mudar. Devemos estar dispostos a deixar nossa posição
confortável e enfrentar o problema quantas vezes seja
necessário, até resolvê-lo de um modo que nos satisfaça.
Então poderemos transpor a porta e ir em frente.
— E como posso encontrar a chave correta? —
perguntou ele, sem me dar tempo de saborear a bela
analogia entre problema e porta, a qual evidentemente
não tinha condições de apreciar.
Neste ponto, tive que diminuir a marcha, preparando-
me para ultrapassar um caminhão carregando gado.
Olhando para o medidor de combustível, receei não ter
gasolina suficiente para alcançar o próximo posto,
muitos quilômetros à frente. Para diminuir o consumo de
gasolina, forcei-me a reduzir a velocidade. Lamentei que
meu automóvel não fosse equipado com um desses
modernos dispositivos eletrônicos que calculam
exatamente que distância poderá ser percorrida com
determinada quantidade de combustível. Era um consolo,
entretanto, saber que o caminhão estaria atrás de mim,
para qualquer eventualidade. Ao ultrapassá-lo, sorri para
o caminhoneiro e fui recompensado com uma alegre
buzinada. Na Patagônia, ainda hoje, é uma ocasião feliz,
até mesmo uma bênção, encontrar outro ser humano.
Portanto, buzinadas desse tipo se tornaram um hábito
estabelecido.
— Como eu encontro a chave correta? — insistiu o
jovem, alheio às minhas reflexões, deixando óbvio que
não era do tipo que desistia de uma pergunta após fazê-
la.
— Exatamente desta maneira! — exclamei eu,
tentando disfarçar uma leve irritação: eu já estava
cansado de dirigir. — Quero dizer, se você fizer a
pergunta várias vezes, encontrará sempre uma resposta.
E se continuar a enfiar na fechadura todas as chaves
disponíveis, acabará abrindo a porta.
E pensei: “... Se você continuar a repetir a pergunta
por mais dois ou três dias, vai me deixar completamente
louco.” Mas uma vozinha dentro de mim traduziu isto
como “completamente são”.
Capítulo IV

Como eu tinha encorajado o jovem a formular


perguntas, nada impediria que ele continuasse a fazer
isso até o final da viagem. Decidi então que, como a
estrada era longa e monótona, aquela conversa singular
poderia ser uma fonte de entretenimento se, em vez de
considerar as perguntas uma espécie de interrogatório,
eu conseguisse transformá-las em um divertido jogo
intelectual. Curiosamente, essa mudança de percepção
fez minha fadiga desaparecer como que por mágica, e
me vi esperto e alerta, disposto a deixar minha
imaginação perambular à vontade.
— Você disse — prosseguiu o jovem, recostando-se
no assento — que só a chave não é suficiente, que
temos de encontrar o método correto para usá-la. Como
vou descobrir esse método?
— Sim, realmente — comecei, com renovada
energia, enfatizando minhas palavras com um gesto de
mão. — O melhor método ou sistema para resolver um
problema é não considerá-lo um problema, apenas uma
dificuldade ou um desafio. Claro que o obstáculo
continua o mesmo, mas agora é visto com uma
conotação positiva. Você deve agradecer à Providência
por encontrar dificuldades de vez em quando.
— Agradecer pelas dificuldades? — perguntou o
jovem, incrédulo.
— Sim, pois isso lhe permite crescer e galgar o
caminho da perfeição. Se os obstáculos em nossa vida
forem vistos sob essa luz favorável, você perderá menos
tempo reclamando deles e levará uma vida mais plena.
Como o jovem estava prestando atenção, prossegui.
— Outra coisa que você pode fazer, quando
encontrar a dificuldade, é reconhecer que ela existe e
observá-la sob diferentes ângulos; ou então dividi-la em
partes menores, em dificuldades menores.
O jovem assentiu pensativamente e disse:
— Eu fui obrigado a solucionar em partes uma grande
dificuldade.
— Que dificuldade? — perguntei com óbvia
curiosidade.
— Seria impossível chegar à Terra de uma vez só...
Achei difícil manter a boca fechada enquanto ele
continuava:
— Foi por isso que tive de dividir a distância e fazer
sete paradas em sete asteroides.
Concluí que, mesmo que tivesse perdido o juízo,
aquele garoto demonstrava uma imaginação fértil.
Após um momento de silêncio, durante o qual
pareceu perdido em lembranças, ele disse:
— Em minhas viagens, encontrei alguém que tinha
um problema sem solução.
— Ah, é? — comentei distraidamente.
— Era um homem que bebia para esquecer.
— Para esquecer o quê?
— Que estava cheio de vergonha e sentimentos de
culpa.
— Por quê? — perguntei.
— Porque bebia — respondeu o jovem, fechando
aquele intrigante círculo.
— O sentimento de culpa — disse eu — nos paralisa
e nos impede de resolver muitos problemas. Assumir a
responsabilidade o faz desaparecer e nos permite agir de
forma mais positiva, compensando ou reparando o
prejuízo causado. Ou simplesmente seguindo em frente,
sem repetir o comportamento que provocou o
sentimento de culpa.
— Mas se você fez alguma coisa errada — retrucou
ele — como pode evitar o sentimento de culpa?
— O sentimento de culpa não ajudou o seu bêbado. É
uma punição inútil, que esgota as forças dele. O homem
só continua se punindo porque parou de amar a si
mesmo. Você não lhe perguntou por que ele começou a
beber, em primeiro lugar?
— Não — disse o jovem de forma hesitante.
Finalmente sorri, sabendo que seria mais fácil
encontrar a tumba de um faraó desconhecido do que
uma pergunta que aquele garoto ainda não tivesse feito.
— A solidão, não ser amado, alguma frustração... não
sei qual pode ter sido a causa, mas não há dúvida de que
o vício de beber é apenas uma consequência. Aí você
tem um exemplo comovente dos efeitos destrutivos de
não se superar uma dificuldade.
— Que ingenuidade minha ter julgado ele como
julguei! — disse o jovem, arrependido. — Talvez meu
amor pudesse ter sido a chave para abrir a porta pela
qual ele nunca passou.
— Como nossa vida seria mais positiva —
acrescentei —, se parássemos de nos julgar e julgar os
outros, se não reclamássemos sobre todos os tipos de
inconveniências e deixássemos de torturar a nós
mesmos, perguntando se merecemos ou se poderíamos
ter evitado as dificuldades que nos confrontam. E se, em
vez disso, aplicássemos nossos talentos para solucionar
os problemas e aceitar o que não pode ser mudado!
O jovem estava me escutando com atenção; continuei
então a pensar em voz alta.
— Você vai descobrir que, muitas vezes, ao mudar
seu ponto de vista, o obstáculo desaparece, pois a única
dificuldade está dentro de nós, em nossa visão limitada e
inflexível.
— A dificuldade está dentro de nós? — repetiu o
jovem com ar incrédulo, olhando para sua barriga.
— Na maioria das vezes é assim — respondi. — Mas
a solução também está dentro de nós. O mundo dos
pensamentos carrega o mundo material em sua esteira.
Basta imaginar coisas, e elas provavelmente existirão
para você. Até certo ponto, você cria a realidade que o
cerca, como se fosse um pequeno deus de suas
redondezas.
— Como isso é possível? A realidade neste planeta
não é a mesma para todas as pessoas? — perguntou o
jovem em tom de surpresa.
— Talvez a realidade seja única em seu todo —
refleti. — Mas cada um de nós só percebe a fração que
nossa consciência registra através de nossos sentidos e
nossas afinidades. Ao filtrar a realidade e admitir apenas
algumas ideias, pessoas e situações que concordam
conosco, estamos de certa forma refletindo nossa
própria imagem.
— Você quer dizer que as pessoas nunca conhecem a
realidade, mas apenas a si mesmas através dessa
realidade?
— Isso é bastante óbvio quando você considera as
vastas limitações de nossos sentidos, que ficam claras
quando pensamos nas máquinas que captam ondas de
alta e baixa frequência que nossos ouvidos não
percebem, ou nos microscópios e telescópios que
aumentam nossa capacidade visual. Mas nem sempre
entendemos com igual clareza que a observação de
nossas redondezas e dos eventos que nos afetam é um
dos melhores métodos de autoconhecimento, pois tudo o
que nos perturba no mundo externo é um sinal da falta
de reconciliação com um princípio análogo em nosso
interior.
— Por que você usa termos tão difíceis? — reclamou
o jovem.
— É como se a avareza de outra pessoa só pudesse
perturbar alguém que é avarento, pois um indivíduo
generoso consideraria esse atributo apenas um fato, sem
ser muito afetado por ele — disse eu, notando que meu
companheiro de viagem estava começando a entender.
— Da mesma forma, aqueles que lutam contra maus
vizinhos e membros de sua família, contra a injustiça de
seus patrões, contra a sociedade e muitas outras coisas,
sejam certas ou erradas, estão na verdade lutando contra
si mesmos — disse eu, sintetizando minha ideia.
— Se estão esgrimindo contra um espelho, quem eles
vão vencer? — perguntou o atônito jovem.
— O problema dessas pessoas é não entenderem que
quem entra em conflito com o ambiente que o cerca
acaba sempre perdendo — concluí. — A maior parte do
sofrimento humano resulta da resistência às
circunstâncias que nos cercam e dos atritos entre seres
humanos e as leis deste mundo. O homem sábio está em
harmonia com tudo o que existe. Enxerga a realidade e
reconhece que tudo o que existe é bom. Ele já não
enxerga os atritos. Sabe que não há nada a ser
melhorado neste mundo, mas há muito a ser melhorado
em cada pessoa.
— Tudo o que existe é bom pelo simples fato de que
existe? Por que você sempre torna as coisas tão difíceis?
Por favor, me dê um exemplo que eu possa entender —
pediu meu jovem acompanhante.
— Quando você empurra uma parede com toda a sua
força — comecei —, pode sentir a parede resistindo
com a mesma força. Se aumentar a pressão, a parede
aumenta a resistência. A solução é tirar as mãos dela. A
pressão desaparece por si mesma. Quem reconhece que
a parede tem direito de existir, não precisa empurrá-la,
nem será afetado pela existência dela.
— Tudo bem — disse o jovem —, mas se o que você
disse sobre conhecer uma parte da realidade é verdade,
então cada pessoa vive em seu mundo particular, e
existem tantos mundos quanto pessoas.
— Pode ser mais fácil se você imaginar a coisa como
peças em um quebra-cabeça. Juntas, elas formam uma
realidade maior do que cada peça individual. A maravilha
disso é que cada pessoa é capaz de mudar e transformar
o mundo de acordo com sua percepção, sem ter de lutar
e sem ajuda externa.
— Entendo o que você quer dizer — interrompeu o
jovem. — Se eu vejo um rosto hostil no espelho, tudo o
que preciso fazer é sorrir.
— Exatamente — concordei. — Da mesma forma, se
você tiver um vizinho desagradável, deve tentar ser um
vizinho melhor; se quiser ter um bom filho, comece a ser
um pai melhor, ou vice-versa. O mesmo se aplica a
maridos, esposas, patrões, empregados. Só existe uma
maneira de mudar o mundo: mudar a si mesmo.
Capítulo V

Durante algum tempo, permanecemos absortos,


contemplando a imensidão da Patagônia. Um vento
persistente soprava dos cones truncados das montanhas,
parando para um breve repouso nas moitas verdes. A
distância, uma língua vermelha de notros * parecia abrir
caminho em uma encosta de pinheiros. Uma ideia
estranha me ocorreu, e eu decidi expressá-la em voz alta.
— Talvez o universo tenha sido criado por um
espírito superior, baseado em sua própria imagem, com
o propósito de conhecer e vivenciar a si mesmo.
O jovem não pareceu surpreso com a sugestão.
— O que as pessoas neste planeta fazem? Elas são
livres ou têm de permanecer na estrada? — perguntou.
— Do modo como eu vejo as coisas — respondi —,
viver é aprender. Tudo o que acontece tem um
significado para quem o vivencia. Quanto mais
conscientes nos tornamos, melhor extraímos o
significado inerente às coisas que acontecem conosco.
Às vezes a dor e a doença que rejeitamos são as
situações que podem nos oferecer a maior quantidade de
informações. O destino sempre encontra um meio de nos
ensinar que aquilo que nos dá mais resistência é aquilo
que menos queremos aceitar.
— O destino é o caminho de cada pessoa? Elas
podem mudar seu destino? — perguntou o jovem, cada
vez mais confuso.
— Sim — respondi laconicamente, sabendo que nas
bibliotecas do meu planeta existem milhares de volumes
que tentam, em vão, responder à pergunta dele de forma
categórica.
Como o jovem continuava a me olhar com ar
aturdido, recorri a uma metáfora.
— Pense em você mesmo como um rio que deve
avançar a qualquer custo. Você procura evitar as
montanhas, tentando descobrir o caminho de menor
resistência. As dificuldades — prossegui — são como as
pedras que encontra no caminho. Se você as arrasta
consigo, elas acabam formando um dique que vai barrar
seu caminho. Mas se você souber superar cada uma
delas conforme forem aparecendo, seu fluxo vai ser
constante e suas águas, cristalinas, como se a fricção
nas pedras aumentasse seu brilho. Você pode se sentir
culpado, indigno de tanto brilho; então vai encontrar
lama, para turvar suas águas. Você pode se tornar
preguiçoso e ficar pelas planícies, até se extraviar em
meio aos pântanos. Você pode se tornar intrépido demais
e virar uma cachoeira num precipício, ou entrar em
cânions tortuosos onde acabará se perdendo. Você pode
endurecer sua alma até suas águas se transformarem em
gelo, ou pode se evaporar nas carícias do deserto.
— Se eu fosse um rio, não iria querer me congelar ou
morrer no deserto — disse o jovem.
— Neste caso, deseje ser puro e você será
transparente; imagine que é generoso e fertilizará os
campos; renove a si mesmo e sua limpidez matará a sede
das pessoas; estabeleça uma meta e alcançará seu
destino; acredite que é um guia e irá liderar os outros;
sonhe que é um espírito e acordará para uma vida nova.
Parei de falar e, no silêncio, nossos olhos
percorreram as planícies inóspitas antes de se erguerem
e contemplarem a cordilheira à frente, azulada e
fantasmagórica.
* Árvores características da parte austral da América do Sul, cujas flores são
vermelhas. (N. do T.)
Capítulo VI

O jovem parecia encantado com a metáfora do rio e


se recolheu aos próprios pensamentos. Quanto a mim,
dei-me conta de que havia horas levava um estranho em
meu carro (um estranho agradável, com certeza, mas
um estranho mesmo assim) sem saber nada a seu
respeito. Embora estivesse muito curioso para descobrir
mais sobre aquele jovem singular, minha intuição me
dizia que a revelação ocorreria por si só, e viria mais
rápido, se eu não tentasse forçá-la com perguntas. As
pessoas às vezes são como ostras. Tudo o que temos de
fazer é esperar, até que elas entreguem a pérola que
trazem no seu interior.
Mas nem um mestre da arte esotérica de adivinhar o
futuro poderia ter previsto a pergunta que me chegou
aos ouvidos.
— Os carneiros também têm problemas?
— O que você disse?
— Os carneiros têm problemas também? — repetiu
ele placidamente, como se eu fosse uma dessas pessoas
a quem tudo precisa ser dito pelo menos duas vezes para
que elas entendam.
Agradeci a Deus pelo nível baixo de combustível, que
me forçara a reduzir a velocidade, pois uma pergunta
como aquela poderia me ter feito derrapar para fora da
estrada. Bastou um olhar para que eu me assegurasse de
que ele estava falando sério, embora não no sentido
estrito da palavra. Desorientado, respondi com
franqueza.
— Realmente não sei. Suponho que, para saber com
certeza, eu teria de ser um carneiro, você não acha?
Para minha grande surpresa, o jovem assentiu
gravemente e pareceu satisfeito, senão com a lógica da
resposta, pelo menos com o fato de um adulto admitir
ignorância. Então observou:
— Você quer dizer que para saber os problemas de
uma flor você tem de ser uma flor, certo?
Mas eu não estava disposto a passar a tarde na
defensiva, esperando pela próxima surpresa do
adversário. Aquela era uma esplêndida oportunidade para
desfechar uma contraofensiva.
— Você está enganado, meu amigo — disse eu,
partindo para o ataque. — Você não precisa ser uma flor
para perceber que as flores têm problemas. Elas são
muito lindas e indefesas. Algumas têm espinhos para se
proteger daqueles que, atraídos por sua beleza, querem
cortar suas gargantas para enfiá-las em um vaso.
Ele olhou para mim, horrorizado. Pensei que estava a
ponto de desmaiar, mas ele se recompôs e conseguiu
murmurar:
— Será que os espinhos realmente protegem as
flores? — Seu olhar implorava por uma resposta
afirmativa.
Mas, estimulado por minha despótica superestimação
da verdade, mantive um avanço implacável. Afinal de
contas, para mim era apenas um jogo.
— Não — disse eu. — Os espinhos não as protegem
realmente. Esse é o problema delas.
Pela expressão em seu rosto, presumi que, ao
contrário de mim, meu estranho amigo não considerava
aquilo um jogo. Mais tarde me arrependi, quando soube
que era uma questão de vida ou morte para uma amiga
dele.
Às vezes, sem perceber, nós, adultos, jogamos com
os mais profundos sentimentos das crianças e
destruímos coisas muito mais valiosas que qualquer
objeto que elas possam quebrar.
Seria inútil lembrar que as flores sobrevivem há
milhares de anos com tal problema, o qual faz parte de
sua própria natureza. Meu jovem amigo não estava
preocupado com isso. Ele queria salvar uma única flor. E
quando uma flor é única, todas as estatísticas e os livros
de jardinagem da Terra não passam de um pobre
consolo. Como se estivesse pensando em voz alta, ele
acrescentou:
— Se elas renunciassem à beleza e se escondessem,
talvez não tivessem problema... mas também já não
seriam flores. — E concluiu: — Elas precisam da nossa
admiração para serem felizes. Vaidade, esse é o problema
delas.
Foi quando o olhar triste que eu já vira antes, e que
desaparecera com seu surto de curiosidade, retornou a
seus olhos.
— De qualquer forma, os problemas dos carneiros e
das flores não têm mais importância para mim.
Somente mais tarde, entendi o que ele quis dizer.
Após uma pausa, ele explicou:
— Eu estou procurando uma pessoa que não vejo há
muito tempo. Ele parece um pouco com você, mas tem
uma máquina voadora.
— Um avião? — perguntei, um tanto confuso.
— Sim, é isso, um avião.
— E onde ele vive? — perguntei, tentando ajudar,
pois sabia que havia diversos clubes de aviação na área,
eu os vira assinalados no mapa.
— Não sei — disse ele com tristeza. Então, como se
estivesse falando consigo mesmo, observou: — Eu não
sabia que as pessoas viviam tão distantes umas das
outras.
Percebendo a perplexidade em meu rosto, ele explicou
mais:
— A Terra é grande, entende, e meu planeta é muito
pequeno.
— E como você pretende encontrar esse homem? —
perguntei, vasculhando ao mesmo tempo a parte do
cérebro em que eu arquivava os muitos romances de
detetives que lera na adolescência.
Mas sua resposta teria desconcertado até o próprio
Hercule Poirot.
— Ele me deu de presente estrelas que sabem rir —
respondeu ele em tom saudoso.
Por um momento, foi tomado por forte emoção.
Notei que seus olhos estavam úmidos.
Foi quando eu tentava imaginar a figura de um
aviador para quem as estrelas sorriam que percebi quem
ele era. Claro! O carneiro, a flor, as estrelas, a capa azul!
Eu deveria ter percebido desde o início, mas estava
trancado em meu próprio recôndito asteroide...
Capítulo VII

Naquele mesmo instante, justamente quando o carro


estava consumindo seus últimos litros de gasolina
ecológica, o letreiro de um posto de gasolina apareceu,
como se estivesse correndo para nos socorrer. Dei um
suspiro de alívio. Após encher o tanque e verificar os
níveis de água e óleo, tive de insistir para que o Jovem
Príncipe se lavasse no toalete. Era como se lhe faltasse
vontade de se cuidar.
Depois de algum tempo na estrada, perguntei a ele:
— Foi ele quem lhe deu o carneiro, não foi?
Ambos sabíamos a respeito de quem estávamos
falando, mas senti mágoa em sua expressão quando ele
respondeu.
— Foi o que eu pensei na época.
— O que você quer dizer com isso? — perguntei,
para estimulá-lo a continuar.
Seus traços revelavam tristeza, incredulidade, raiva e
tristeza outra vez, em rápida sucessão. Bem no fundo
daqueles olhos claros, parecia arder uma chama de
esperança. Minha intuição me dizia que provavelmente
fora ela que o trouxera até aqui.
Quando finalmente falou, ele o fez em tom de
resignação.
— É uma história triste, acho que você não vai se
interessar — disse ele, sem demonstrar nenhuma
curiosidade em descobrir como eu soubera da existência
do carneiro.
— É claro que estou interessado! — repliquei, tão
enfaticamente que receei ter de explicar por que estava
tão interessado na existência de um carneiro que nunca
vira.
Senti-me aliviado quando o Jovem Príncipe iniciou
sua história. Foi como se meu oponente não tivesse
percebido o movimento que me colocaria em xeque-
mate.
Certa manhã, quando o Jovem Príncipe se encontrava
atarefado com a limpeza diária de seu planeta (“é muito
importante manter seu planeta limpo”, explicou ele), uma
erva daninha que ele estava para arrancar do chão falou
com ele.
— Se o senhor me arrancar, vai cometer outro erro.
— O que você quer dizer com “outro erro”? —
perguntou o Jovem Príncipe, suspeitando de alguma
armadilha.
— Quero dizer que irá se privar de uma erva
inteligente, que poderia ser muito útil ao senhor. Afinal de
contas, que mal eu poderia lhe fazer? Estou em suas
mãos. O senhor pode me arrancar quando quiser, mas eu
acredito que vai precisar de mim. O senhor será meu
amo e eu serei sua criada.
Depois de pensar no assunto por um momento, o
Jovem Príncipe fez outra pergunta, sem ainda se
comprometer com uma decisão.
— O que você quis dizer com “outro erro”? Qual foi
meu erro anterior?
— Um erro simples, Amo. O senhor acredita que há
um carneiro naquela caixa, não acredita?
— É claro que há um carneiro naquela caixa! —
exclamou o Jovem Príncipe, indignado. — É um lindo
carneiro branco que meu amigo da Terra me deu de
presente. Infelizmente, por causa do desgosto que sentiu
com a minha partida, ele se esqueceu de me dar a
focinheira e a coleira. Por isso não posso levar o
carneiro para passear, porque ele pode escapar e comer a
flor.
Quando parou para recobrar o fôlego e estava para
arrancar a erva daninha do chão, ela falou com ele de
novo.
— Amo, se em vez de se deixar levar pelas emoções
o senhor permitir que eu me explique, acho que posso
explicar tudo ao seu senhor.
Dizendo isso, a erva desdobrou uma de suas folhas,
na qual, para o espanto do Jovem Príncipe, estava uma
reprodução exata de um carneiro ao lado de um garoto.
Após examinar a imagem por alguns instantes, o Jovem
Príncipe reconheceu que jamais vira um desenho tão
detalhado.
— Não é um desenho, é uma fotografia — disse a
erva com certo ar de triunfo, pois estava prolongando
sua própria vida. Depois prosseguiu: — É uma imagem
que captura a realidade exatamente como ela é. Como o
senhor pode ver, um carneiro real é mais alto que o peito
de uma criança. Se o senhor me perguntasse na época,
eu poderia ter explicado que o carneiro, mesmo recém-
nascido, mede mais que os vinte centímetros do
comprimento da caixa.
Finalmente, adotando um tom misericordioso, a erva
foi direto ao ponto.
— Sinto muito, Amo. Me dói ter que lhe dizer isso,
mas como sua jovem criada devo alertar o senhor contra
esse suposto amigo que se aproveitou de sua confiança,
porque essa caixa na verdade está vazia.
Naquele momento, o mundo do Jovem Príncipe
desmoronou ao seu redor. Foi o dia mais triste de sua
vida. Desde então, ele passou a desconfiar de tudo e de
todos. E nenhum pôr do sol foi capaz de consolá-lo
como antes...
Capítulo VIII

Eu sabia que havia lágrimas em seu rosto enquanto ele


falava, mas me esforcei para manter os olhos na faixa de
asfalto, que se estendia, cinzenta e escura, até o
horizonte. O Jovem Príncipe continuou a falar no
mesmo tom resignado.
— Daquele momento em diante, a erva me explicou
coisas que eu não entendia antes. Ela me alertou sobre a
manipulação maliciosa das flores e sobre o
comportamento traiçoeiro das pessoas. Ela me
apresentou às ciências da química e da física e explicou
as últimas estatísticas e variáveis econômicas. Apesar
disso, sem o meu carneiro, os dias ficaram mais longos
e os crepúsculos, mais tristes.

Certa noite, o Jovem Príncipe teve um sonho muito


vívido. Ele estava com seu amigo em um avião,
sobrevoando as maravilhosas paisagens da Terra.
Contemplavam montanhas majestosas, vales
deslumbrantes cortados por rios cristalinos — onde a
sombra do avião planava de vez em quando — e prados
floridos que pareciam tapetes bordados, protegidos dos
ventos por densas florestas. Como voavam muito baixo,
podiam ver cervos, cavalos, cabras, lebres e raposas
correndo à solta pelos campos, e até mesmo trutas, que
pulavam alegremente nos riachos. O Jovem Príncipe não
sentia vontade de perguntar nada, e seu amigo não lhe
oferecia nenhuma explicação.
Ambos apenas observavam as maravilhas que se
estendiam diante de seus olhos. Sorrindo, apontavam
para uma ou outra que lhes chamava mais a atenção e
davam grandes risadas. O Jovem Príncipe nunca se
sentira tão feliz. De repente, seu amigo começou a fazer
uma curva, indicando que iriam pousar em uma colina
coberta de grama. O pouso foi perfeito, como se a terra
amolecesse sua crosta para lhes dar respeitosas boas-
vindas. Assim que desceram, seu amigo piloto o levou
até o outro lado da encosta, onde um rebanho de
carneiros pastava pacificamente.
— São todos para você — disse ele. — Não sei
quantos são. Não achei importante contá-los. Comecei a
criar esses carneiros no dia em que você partiu. O
rebanho cresceu, em meu coração, tanto quanto meus
sentimentos por você.
Quando o Jovem Príncipe, muito comovido, virou-se
para abraçar o amigo, acordou sozinho em seu tranquilo
e silencioso planeta. Duas lágrimas doces se tornaram
amargas enquanto caíam, e uma voz interior lhe disse:
“Procure seu amigo e deixe que ele explique as razões
dele. É o único jeito de fazer as estrelas sorrirem
novamente...”

— Foi assim que decidi fazer esta viagem — disse o


Jovem Príncipe.
Na manhã seguinte, bem cedo, ele foi se despedir da
flor, da qual ultimamente se sentia um pouco distante.
Ela parecia pálida e murcha, como se a falta de atenção
do Jovem Príncipe tivesse drenado sua vida.
— Adeus, estou partindo — disse o Jovem Príncipe,
mas a flor não respondeu.
Ele a afagou com as duas mãos, mas ela não se
moveu. Agora, nada mais o retinha.
Vários brotos de baobá haviam surgido ao lado da
estrada, e o solo começara a estalar desde que ele deixara
de limpar os vulcões. Mas nada parecia importante. Ele
estava prestes a partir, quando se deparou com a erva
daninha.
— Para onde o senhor vai tão cedo? — perguntou
ela.
O Jovem Príncipe não disse nada, para não alarmá-la,
mas seus olhos lhe deram a resposta que ela queria.
— O senhor não pode ir embora! O senhor é meu
Amo! — ordenou ela.
— Sendo assim, daqui por diante você está livre —
respondeu o Jovem Príncipe.
— O senhor não pode fazer isto comigo. O senhor
sabe que não posso mais viver em liberdade. Preciso de
alguém para servir e o senhor precisa de alguém para
servi-lo — insistiu a erva.
— Se eu não pudesse viver sem você, eu seria seu
escravo e você minha ama — observou o Jovem
Príncipe.
— Eu vou morrer se o senhor me deixar aqui. Não há
outro amo para arrancar as outras ervas, e logo elas vão
cobrir todo o planeta — implorou a erva.
O Jovem Príncipe hesitou por um momento, mas já
havia tomado sua decisão. Seguiria a orientação de seu
sonho. Então disse à erva:
— Se você quer vir comigo, vou ter de arrancar você
— e a agarrou firmemente pelo caule.
— Não, não! — berrou a erva.
— Então adeus — disse ele e partiu.

— Foi assim que começou minha jornada —


continuou o Pequeno Príncipe, dando a entender que
fora bem longa. — Finalmente cheguei à Terra e vim
parar neste lugar solitário. Os animais e as flores não
falavam comigo como quando eu era criança. Não
encontrei nenhum ser humano para me orientar. Eu
estava exausto. Sem saber para onde ir, deitei naquele
lugar onde você me encontrou...
Ele ficou em silêncio. Percebi que mais cedo ou mais
tarde todos temos de iniciar uma árdua jornada para o
âmago de nós mesmos. Nenhuma conquista oferece uma
recompensa maior que a conquista de nosso próprio ser.
Capítulo IX

— Como você vê, é uma história muito triste, e não


há muita coisa que você possa fazer para me ajudar —
concluiu o Jovem Príncipe.
Eu estava tão entretido com suas aventuras que,
quando ele terminou o relato, tive a impressão de que o
carro estava no piloto automático.
— Uma história triste, realmente — disse eu. — Mas
você está enganado em pensar que eu não sou capaz de
te ajudar. Há muita coisa que eu posso fazer!
O Jovem Príncipe logo adotou uma posição
defensiva.
— Mas você não entende? Eu perdi o único amigo
que podia fazer as estrelas sorrirem, o carneiro que
passeava comigo à tarde e a flor que me alegrava com
seus joguinhos e com sua beleza. Você não compreende
que eu nunca mais verei a erva que era minha protetora e
conselheira, nem meu pequeno planeta, que com certeza
vai explodir por causa das erupções vulcânicas? E você
acha que pode me ajudar? — perguntou ele, me
desafiando.
Notei que a súbita irrupção emocional trouxera um
pouco mais de cor a seu rosto.
— É verdade — disse eu, confiante. — Posso ajudar
você a recuperar tudo o que perdeu e até mais. Porque,
afinal de contas, o que você perdeu foi a alegria de viver,
a própria felicidade. Mas eu só posso ser útil se você
permitir e estiver disposto a ajudar a si mesmo.
Ele olhou para mim com ar duvidoso, mas não disse
nada. Então prossegui:
— Esta é a primeira dificuldade importante que você
enfrenta em sua vida, e tem de resolvê-la. A verdade é
que, apesar de se sentir arrasado, isso não é o fim do
mundo. Você tem a seu favor o fato de querer superar
essa situação, o que é uma exigência tanto da sua
natureza espiritual quanto do seu instinto animal.
— Como você pode estar tão certo de que eu tenho
determinação suficiente para resolver meu problema,
quando eu mesmo não acho que tenho?
— Essa é uma boa observação — disse eu,
congratulando-me comigo mesmo por ter captado a
atenção dele. — Vou lhe dizer por que estou tão certo.
Em primeiro lugar, você teve coragem para abandonar a
aparente segurança do seu pequeno planeta e sair pelo
universo, em busca de uma solução. Em segundo lugar,
mesmo se sentindo no final de suas forças, você se
deitou em um lugar onde poderia conseguir ajuda. Se
você tivesse se deitado no meio da autoestrada ou no
meio da planície, provavelmente agora estaria morto. Em
terceiro lugar, nossa primeira conversa foi sobre
problemas e dificuldades, o que significa que você está
tentando obter informações úteis para sair dessa
situação.
Percebendo que estava conseguindo a atenção e a
confiança dele, continuei:
— Mais cedo, nós conversamos a respeito de como
analisar e resolver problemas. Se você estiver disposto,
seria bom examinar sua dificuldade agora. Estou dizendo
“dificuldade” porque sei que você pode superá-la. E
embora você não consiga acreditar, a chave para
resolver o problema está dentro de si mesmo.
Sua reação foi imediata.
— Como você pode dizer isso, quando minha vida era
tranquila e feliz até eu descobrir a falsidade do meu
amigo? Esta, e somente esta, é a causa de toda a minha
infelicidade — respondeu o Jovem Príncipe, indignado.
— Você está colocando o problema fora de você e
culpando outra pessoa pela sua situação, o que é uma
ótima maneira de não resolver o assunto — disse eu
calmamente. Seus olhos pareciam estar me queimando.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, prossegui: —
Mais tarde vou lhe mostrar que essa suposta falsidade
não foi o que você pensa ou, pelo menos, não teve a
intenção negativa que você imagina. Mas vamos supor,
por enquanto, que seu amigo enganou você. Isso
justificaria sua raiva, sua desilusão e até sua tristeza, mas
não pode explicar o fato de você ter parado de se
deslumbrar com a beleza da flor, a poesia dos
crepúsculos e a música das estrelas.
Com a atenção do meu ouvinte garantida, continuei
tranquilamente.
— A suposta falsidade do seu amigo teve um efeito
tão devastador na sua vida porque estava baseada em
uma coisa extremamente frágil. É provável que o
carneiro já não pudesse mais consolar você, e a flor, de
tão egocêntrica, não fosse capaz de lhe trazer satisfação.
É óbvio que as tarefas do dia a dia já não preenchiam sua
alma, e você não tinha nenhuma outra atividade que lhe
servisse como refúgio temporário. Sua realidade talvez
tivesse se tornado insípida. A única coisa que mantinha
sua tranquilidade era a saudade que sentia do seu amigo
ausente. Quando esse único apoio se esfarelou, tudo
acabou desmoronando. Na verdade, seu mundo já estava
vazio. Como a flor, que já tinha murchado antes de você
partir. A suposta falsidade do seu amigo foi apenas o
detonador, mas não foi de forma nenhuma responsável
pela sua situação atual. Quanto mais cedo você aceitar
isso, mais rapidamente vai progredir.
Pude sentir que uma luta entre a justificativa e a
aceitação começava a ser travada dentro dele. Apressei-
me então a acrescentar o que havia notado como
observador externo.
— Se você tivesse sido mais seguro de si mesmo,
mais confiante em seus sentimentos, a erva não teria
conseguido se introduzir com tanta facilidade na fenda
que se abriu no seu coração, nem ter uma influência tão
negativa em sua vida.
O Jovem Príncipe estava a ponto de protestar,
provavelmente para defender a erva daninha, mas,
tomando fôlego, retomei a palavra.
— Por que tantas vezes preferimos a pessoa que nos
desilude àquela que nos oferece uma ilusão?
Sua momentânea perplexidade, ao ouvir minha
pergunta, proporcionou-me a pausa necessária para que
eu prosseguisse.
— Desconfie daqueles que destroem seus sonhos
com a desculpa de que estão lhe fazendo um favor,
porque geralmente eles não têm nada para oferecer em
troca!
Perguntei a mim mesmo se não haveria alguma
sensatez no antigo costume de se matar o arauto de más
notícias. Ao longo dos anos, descobri que, na maioria
dos casos, as notícias eram incorretas, não tinham a
intenção que lhes era atribuída ou, como não havia nada
a ser feito, eu teria preferido ouvi-las o mais tarde
possível. Continuei então:
— Mais cedo ou mais tarde, todos os sonhos deixam
de ser sonhos. Até mesmo o sonho da vida, em que nós
acordamos na morte, ou vice-versa. Eu lhe digo
sinceramente que seu amigo lhe deu o mais belo carneiro
do mundo, o carneiro com o qual você sonhava, o único
que iria adorar, o único que o acompanharia até seu
pequeno planeta. Você não gostava da companhia dele
durante o pôr do sol? Não lhe fazia companhia durante a
noite para que ele não se sentisse sozinho, e para que
você também não se sentisse sozinho? Não desconfiou
de que ele era seu porque você é quem o tinha
domesticado e que, portanto, você também pertencia a
ele? Não há dúvida de que ele era muito mais real e vivo
do que o animal que você viu na foto, porque esse era
apenas um carneiro, enquanto o outro era o seu carneiro.
Naquele momento, entendi por que, quando viajo, não
levo fotos de meus entes queridos: é porque a imagem
que levo deles em meu coração é muito mais vívida.
Parei de falar, porque quando olhei para meu jovem
companheiro, vi que seus olhos estavam cheios de
lágrimas, como se há muito tempo ele estivesse com
vontade de chorar.
— Muito obrigado — disse o Jovem Príncipe.
E ao pousar a cabeça em meu ombro para me dar um
abraço, foi adormecendo aos poucos.
“ Por que tantas vezes preferimos a pessoa
que nos desilude àquela que nos oferece
uma ilusão?”
Capítulo X

Algumas horas mais tarde, pouco antes do pôr do sol,


chegamos aos arredores de um pequeno vilarejo, onde eu
planejara passar a noite. A autoestrada estava tão deserta
quanto estivera durante o dia, mas alguns vestígios da
presença humana já podiam ser vislumbrados: choupos-
brancos que protegiam algumas hortas contra o vento,
um aglomerado de cabanas isoladas e cercas de arame
farpado para guardar não sei quantos carneiros.
Ao contrário dos crepúsculos no asteroide do Jovem
Príncipe, os crepúsculos na Patagônia são longos e
tranquilos. Metade do céu se tinge com um amplo
espectro de tons róseos, lilases e violeta. Naquela noite,
o pôr do sol estava tão bonito que acordei o Jovem
Príncipe para que ele pudesse assistir.
— Olhe quanta beleza! — disse eu, apontando para o
horizonte.
Por um segundo, desviei meus olhos da estrada.
— Cuidado! — gritou ele, mas foi tarde demais.
Ouvi uma batida seca contra o para-choque e o carro
deu um solavanco. Quando pisei no freio, pude ver pelo
espelho retrovisor um animal branco estendido na
estrada, possivelmente um pequeno carneiro. Quando
paramos, fui até a frente do carro para avaliar o prejuízo.
O Jovem Príncipe olhou para mim como se não
entendesse o que eu estava fazendo e caminhou na
direção oposta. Supondo que ele pretendia ajudar o
animal atingido, eu disse:
— Não adianta nem tentar. Depois de um impacto
desses, ele já deve estar morto. Não há nada que se
possa fazer.
Mas enquanto corria em direção ao amontoado
branco, ele gritou:
— Hoje você me ensinou que sempre podemos fazer
alguma coisa, mesmo quando nem mesmo nós
acreditamos.
Enquanto eu verificava que o único dano aparente era
um amassado no para-choque, suas palavras
reverberavam em meus ouvidos. O Jovem Príncipe me
fez pensar, pelo menos por um momento, que meu
coração era mais duro que o para-choque de metal que,
embora frio, tivera a misericórdia de ceder um pouco.
Sentindo-me um tanto culpado após a repreensão do
jovem, aproximei-me dele. Enquanto caminhava em sua
direção, pude ver que ele colocara no colo a cabeça de
um enorme cão branco, que abraçava e afagava. Era
uma cena de grande ternura, apesar dos tremores do
animal moribundo.
Levantei os olhos e vi um homem corpulento sair de
uma cabana nas proximidades e caminhar em nossa
direção, com o rosto sombrio e a postura ameaçadora;
provavelmente, era o dono do cão. Para evitar uma
discussão inútil, achei que o mais prudente seria bater
em retirada. Disse então a meu jovem amigo que era
melhor irmos andando. Mas ele não se mexeu; continuou
a afagar o aterrorizado animal, que obviamente
agonizava. O homem se aproximou de nós, com um
olhar furioso estampado no rosto. Percebendo o perigo
em potencial, concluí que seria melhor lhe oferecer
algum tipo de compensação. Quando ele chegou ao
nosso lado, tirei a carteira do bolso, murmurando
algumas palavras de desculpa. Mas, com um gesto de
desagrado, ele sinalizou que eu não deveria me mover.
Durante alguns penosos minutos, permanecemos em
silêncio. Até hoje, depois de tanto tempo, a imagem
daquele cão permanece gravada em minha memória.
Meu amigo tinha razão. Sim, é claro que podíamos fazer
alguma coisa, e como fez diferença! Enquanto o Jovem
Príncipe fitava amorosamente seus olhos, o grande
animal branco começou a perder o medo, pois já não se
sentia só. Tive a sensação de que o homem de aparência
rústica também percebeu a mudança. Em seus últimos
momentos, o cão olhou para nós, como que
agradecendo. Fechou então o olho esquerdo, depois o
direito. Finalmente estremeceu, apenas uma vez, e ficou
imóvel.
O Jovem Príncipe continuou a acarinhá-lo por mais
alguns minutos. Quando ficou claro que a vida do animal
se esvaíra totalmente, ele olhou pela primeira vez para o
homem, com os olhos cheios de lágrimas. Com
inesperada ternura, o homem deu umas palmadinhas em
sua cabeça dourada. Depois o afastou gentilmente e
ergueu o cachorro morto.
— Venha comigo — disse, começando a caminhar de
volta para a cabana.
Quando fiz menção de segui-lo, ele me deteve.
— Não, você não. Só o garoto.
Então, como que para me tranquilizar, acrescentou:
— Não se preocupe. Nós vamos tratar de coisas que
não têm preço.
Capítulo XI

É impossível descrever as emoções que me


assaltavam. Eu me sentia ultrajado, pois minha reação
fora a habitual numa sociedade como a nossa, insensível
a tais ocorrências. E mais: a maioria das pessoas, em
nossa sociedade, nem mesmo teria parado. Eu também
estava preocupado com o que poderia acontecer ao
garoto, como se deixá-lo acompanhar outro ser humano
fosse mais perigoso que deixá-lo no campo onde o
encontrara. Percebi como agimos sob a influência do
medo e da desconfiança, em vez de nos deixarmos guiar
pelo amor que tantas vezes reprimimos. Nós, humanos,
estamos condenados a viver ligados uns aos outros —
ou abençoados por conta disso. Enquanto uma única
pessoa estiver sofrendo, ninguém será totalmente feliz.
Nada no mundo nos é estranho, nem a dor, nem a
alegria, pois o mundo continua a ser um lugar de
sofrimento, mesmo quando o prazer existe — e não
deixa de ser prazeroso mesmo quando há dor. Quanto
mais vivenciamos o sofrimento, mais apreciamos a
felicidade. Eis por que não devemos sufocar os
sentimentos de nosso coração: não devemos nunca viver
como estranhos uns para os outros!
Enquanto a tarde majestosamente se transformava em
trevas, um novo alvorecer despontou em meu coração.
De repente, vi o Jovem Príncipe retornando sozinho.
Parecia trazer uma coisa no colo. Quando chegou mais
perto, vi que carregava um lindo filhote branco. Não
consegui acreditar em meus olhos. O homem de quem
nós acabáramos de tirar um companheiro amado nos deu
uma nova vida de presente.
Foi um milagre do amor, e a primeira lição que o
Jovem Príncipe me ensinou. Eu partilhara minha
experiência com ele; e ele, como um verdadeiro
professor, ofereceu-me em troca a sabedoria do silêncio.
Jamais, como naquela ocasião, eu percebera tão
claramente que cem manuais sobre o amor não valem
um único beijo, nem cem discursos sobre o amor, um
único gesto amoroso.
— É um filhote de kuvasz — disse o Jovem Príncipe.
— Você sabia? Eles vêm do Tibete, mas hoje já são
encontrados em alguns lugares da Europa. O homem
acha que eu posso cuidar bem dele — explicou, sem
parar de olhar e afagar seu novo amigo. — Vou lhe dar o
nome de Asas, em homenagem ao meu amigo piloto, e
porque ele é branco e macio como uma nuvem.
Sua voz adquirira uma doçura que antes não tinha.
Confortados, fomos para o pequeno hotel onde
passaríamos a noite. A partir daquele momento, com
impressionante presteza, o Jovem Príncipe recuperou
sua alegria natural.
Após o jantar, tivemos permissão para levar Asas para
o nosso quarto. O filhote só se acalmou quando meu
jovem amigo o levou para a cama e pousou sua cabeça
ao lado da dele. Ambos logo adormeceram. Um leve
sorriso surgiu nos lábios do Jovem Príncipe. E eu sabia
que agora, quando ele vagueasse em seus sonhos, Asas
estaria junto a ele.
“ Cem manuais sobre o amor não valem um
único beijo, nem cem discursos sobre o
amor, um único gesto amoroso.”
Capítulo XII

Na manhã seguinte partimos cedo, impressionados


com a imensidão que se abria diante de nós. Apesar da
secura, a paisagem tinha seus encantos, talvez porque
levássemos conosco o desejo de admirá-la.
Distraidamente, o Jovem Príncipe afagava Asas, que se
aninhara em seu colo. Eu podia perceber que alguma
coisa o preocupava, mas respeitei seu silêncio. Depois de
algum tempo, ele disse:
— Eu não quero ser uma pessoa séria.
— Que ótimo — respondi.
— Mas eu vou crescer — continuou ele.
— Sim, certamente — concordei.
— Nesse caso, como posso crescer sem me tornar
uma pessoa séria? — perguntou, revelando o que o
preocupava.
— Boa pergunta — disse eu. — Tão boa na verdade
que nunca encontrei uma resposta adequada para ela.
Quando somos jovens, saímos pelo mundo, um mundo
muito diferente daquele onde vivíamos com nossos pais
— pelo menos para os felizardos entre nós que ouviram
contos de fadas e histórias de príncipes e castelos
encantados. Então, começamos a encontrar egoísmo,
incompreensão, agressividade e falsidade. Tentamos nos
defender e preservar nossa inocência, mas a injustiça, a
violência, a superficialidade e a falta de amor continuam
a nos assombrar. E nosso espírito, em vez de espalhar
luz e felicidade ao redor, começa a se recolher e se
ocultar no fundo de nós. E chega o momento em que o
mundo com o qual sonhamos em nossa juventude
começa a tremer diante do avanço implacável da
realidade. Existem aqueles que, neste ponto, descartam
seu tesouro de sonhos e ancoram suas vidas na
segurança ilusória do pensamento racional. Viram
indivíduos sérios, que adoram números e rotinas, que,
por sua vez, lhes dão uma aparente segurança.
Entretanto, como a segurança nunca é abrangente, eles
jamais conseguem ser felizes. Então começam a
acumular posses, mas sempre há algo faltando. Possuir
coisas não os torna felizes, pois os afasta da simples
existência. Eles valorizam os meios e não os fins.
— Então por que, se isso não faz com que sejam
felizes, os adultos dedicam a maior parte do tempo a
obter mais coisas? — perguntou o Jovem Príncipe
sensatamente.
— Pensar que a felicidade depende de se possuir
alguma coisa é uma autoilusão reconfortante. Como
depende de ter, não de ser, buscamos algo que está fora
de nós. Assim, não precisamos olhar para nosso interior.
De acordo com essa forma de raciocínio, podemos ser
felizes sem mudarmos nossa maneira de ser. Basta obter
isto e aquilo.
— Mas as pessoas não se dão conta dessa ilusão? —
perguntou o Jovem Príncipe, achando difícil acreditar
que a humanidade pudesse ser tão cega.
— O que acontece, meu jovem amigo, é que nossa
sociedade multiplicou tremendamente a quantidade de
coisas que podem ser adquiridas. E enquanto não obtêm
até a última delas, as pessoas não percebem que
tomaram o caminho errado. Elas se agarram a qualquer
possibilidade, por menor que seja, contanto que isso
signifique não ter de mudar. O problema é que, quando
conseguem adquirir a última coisa, já perderam a
primeira. São como aqueles mágicos que põem vinte
piões para girar ao mesmo tempo, sem deixar nenhum
parar. Mas os mágicos só têm vinte! Além disso, quando
os indivíduos adquirem alguma coisa, logo querem mais
uma. Aquela que pensavam que seria a última já não é a
última. Então, passam o resto da vida nessa busca
infrutífera, pulando de uma coisa para outra, como se
fossem pedras no fundo de um rio que eles jamais
conseguirão atravessar. Aqueles que buscam posses
geralmente estão atrelados ao futuro. Nunca aproveitam
o presente, pois toda a sua atenção está focada em uma
coisa que deve acontecer em seguida.
— O que eles deveriam fazer? — perguntou meu
jovem amigo, acariciando Asas.
— Apenas mergulhar na realidade da existência e se
deixar levar pela corrente. Devem se concentrar em
viver, sentir e amar cada momento, sem ficarem tão
obcecados com o objetivo final da viagem. Afinal de
contas, o sentido da existência é exatamente sentir.
Quando os obstáculos se apresentam, suas formas
podem ser adaptadas para outras formas, permitindo que
as pessoas reafirmem sua essência e sigam seu caminho,
assim como um rio modifica a forma de seu leito
enquanto segue seu curso. O mais importante é estar
plenamente vivo, com os sentidos receptivos e com
capacidade para amar, aproveitar a vida e criar, aqui e
agora, sem ficar atrelado ao passado nem ao futuro.
— Então devemos renunciar às nossas lembranças?
— atalhou o Jovem Príncipe, pois as lembranças da flor
e de seu amigo ainda eram importantes para ele.
— Não, pelo contrário. As lembranças agradáveis e as
experiências gratificantes podem reconfortar você em
momentos de solidão e dificuldade. O que você deve
evitar é se apegar a esse passado seguro e se prender a
ele, negando a si mesmo a experiência do presente. O
passado é certo, porque está encerrado, morto. Mesmo
assim, existem aqueles que preferem a calma e a
segurança da morte às incertezas da vida, com suas
possibilidades alternadas de sofrimento e alegria.
Após alguns momentos, acrescentei:
— Outro modo de fazer as lembranças conspirarem
contra sua felicidade presente é querer sentir a mesma
coisa de novo. Isso nunca irá acontecer. Assim como a
água de um rio nunca é a mesma, as situações da vida
nunca se repetem. Mas é incrível como tantas pessoas
caem na armadilha de tentar reviver as mesmas
experiências. Essa atitude as impede de aproveitar as
experiências novas, tão ou mais agradáveis que as
passadas. Nisso, lembram os animais que retornam ao
lugar onde encontraram alimento antes até morrerem de
fome, simplesmente porque não querem procurar um
pouco mais.
Permanecemos em silêncio por um bom tempo,
mergulhados em nossos pensamentos. Um dos méritos
menos valorizados de uma paisagem é que ela sempre
mantém uma respeitosa distância. Quando o Jovem
Príncipe falou, suas palavras me surpreenderam.
— Obrigado — disse ele.
— Por que você está me agradecendo? — perguntei.
— Porque você me salvou da infelicidade.
— Como assim? — indaguei.
— Bem, eu estive pensando sobre o que você falou e
descobri que havia um pensamento enraizado em minha
mente. Era o seguinte: eu nunca seria realmente feliz se
não encontrasse um amigo como o meu piloto perdido.
Esse pensamento contém os três obstáculos que você
mencionou antes. Primeiro, a necessidade de “alguém
como ele”, que me faria ignorar outras pessoas,
diferentes, mas também dignas e interessantes. Segundo,
a questão da “segurança”, pois eu nunca vou poder estar
absolutamente certo de que encontrei alguém como ele.
E terceiro, a “busca”, que faz com que eu me concentre
em encontrar alguém que conheço, um acontecimento
futuro, sem dar valor às pessoas que estão ao meu lado.
— Estou vendo que você me entendeu perfeitamente
— disse eu, com o orgulho que os professores sentem
diante de um aluno fora de série.
— Não custa nada prestar atenção — disse o Jovem
Príncipe.
— Não, não custa prestar atenção — repeti, e ambos
sorrimos.
Silenciosamente, notei algo na expressão dele que
ainda o ligava à tristeza em seu passado, mas decidi
esperar para descobrir o que era.
Enquanto o carro avançava alegremente pela rodovia,
como se esta fosse um longo riacho petrificado, senti
que minha ansiedade para chegar estava desaparecendo e
que eu estava começando a saborear cada momento da
jornada.
Capítulo XIII

Como já era quase hora do almoço, e também


receando que Asas pudesse deixar uma principesca
surpresa na capa do meu amigo, decidi parar em uma
churrascaria que surgiu de repente à direita da estrada.
Já havia dois automóveis em seu estacionamento. Ao
entrarmos, olhei para uma mesa à qual uma família
almoçava e vi cinco crianças de olhos arregalados,
estarrecidas com a roupa do Jovem Príncipe.
Imediatamente, escolhi uma mesa na extremidade
oposta, mas era impossível conter o alvoroço. Era como
se um dos Reis Magos tivesse acabado de entrar, sem o
camelo.
Perturbado com a reação das crianças, meu amigo
sentou-se de costas para os comentários e dedos
apontados. A tentativa do pai para acalmar as crianças,
sacudindo uma coxa de frango, não se mostrou muito
eficaz, já que ele também tentava desvendar o mistério
de nossa colorida presença. De costas para nós, a mãe
continuou a comer, sem demonstrar o menor interesse,
como se uma surdez seletiva lhe permitisse ignorar o
tumulto das crianças. Minha conversa durante o almoço
teve o propósito de fortalecer a autoestima do meu
amigo, um tanto afetada pela reação a algo tão longe de
seus pensamentos como sua roupa. Falei sobre a
importância das diferenças e das mudanças que se
processam na uniformidade, o único modo de fazer
qualquer grupo evoluir.
— Se as flores não pudessem ser distinguidas por seu
perfume, suas formas e suas cores, nós nunca
pararíamos para admirar uma delas em particular. A
diferença — acrescentei — é a primeira coisa que nos
atrai. E quando olhamos para determinada flor, nós a
tornamos única.
Em minha mente, lamentei que as coisas que nos
atraem e complementam sejam às vezes usadas para nos
separar e antagonizar. Enquanto atacávamos o suculento
bife com fritas e salada, contei ao Jovem Príncipe que
muitos dos maiores gênios da humanidade foram
marginalizados por seus conterrâneos, pois sem eles
nada teria mudado. Critiquei a mediocridade daqueles
que, em vez de permitir que uma fagulha criativa se
transforme em fogueira, correm para apagá-la, como se
fossem uma equipe de bombeiros.
— Meu caro amigo — disse eu, pousando a mão em
seu ombro, você deve perdoar o fato de que a primeira
reação das pessoas é julgar alguém por seu aspecto
externo. Mas se tiver confiança em si mesmo e nos
valores em que acredita, elas acabarão aceitando você,
nem que seja para contar aos amigos que encontraram
alguém muito original.
Recostando-me na cadeira, acrescentei:
— É claro que há um método mais rápido de
conhecer pessoas...
— E qual seria esse método? — perguntou o Jovem
Príncipe, mostrando um pouco mais de animação.
— Fazer exatamente o contrário. Em vez de atrair a
atenção delas para seu aspecto externo, para depois
tentar fazer com que elas conheçam o que há por dentro,
você pode tentar se misturar a elas, imitar a aparência
delas, para depois se destacar por seus próprios valores,
como alguém único e especial — expliquei.
— O que você faria? — perguntou o Jovem Príncipe,
colocando-me na berlinda.
Pensei por alguns instantes e respondi:
— No primeiro caso, as pessoas se aproximam de
você, ou mantêm distância, assumindo atitudes positivas
ou negativas a seu respeito com base apenas na
aparência, sem o conhecer. A seu favor, você tem a
vantagem de ter atraído a atenção de muita gente; e
contra você, a desvantagem de que algumas delas o
rejeitarão para sempre. No segundo caso, pelo contrário,
você não atrairá muita atenção, e várias pessoas nem
notarão sua existência. Se eu tivesse de escolher, acho
que iria ficar com a segunda opção. Pode ser mais lenta
e tranquila, porém é mais profunda. De qualquer forma,
é importante não deixar de ser você mesmo para se
amoldar ao gosto dos outros.
— Você não se preocupa com a hipótese de que sua
mensagem se perca, e que muita gente nem sequer saiba
que você veio ao mundo? — perguntou o Jovem
Príncipe.
Presumi que ele estivesse tentando disfarçar o medo
de jamais encontrar a pessoa especial que estava
procurando. Lembro-me de ter respondido que só
acredito na grandeza de alguém se este indivíduo for
considerado grande por aqueles que o conhecem na
intimidade; pois se você de fato conseguir transmitir
alguma coisa importante, mesmo que seja para um
pequeno grupo de pessoas ao redor, pode ter certeza de
que sua luz iluminará as regiões mais sombrias, assim
como a luz de uma estrela distante atravessa milhares de
anos de escuridão até nos alcançar.
— Tenho certeza de que sempre encontraremos a
pessoa para quem estamos destinados — disse eu
enfaticamente. — Cabe a nós estarmos preparados para
distingui-la das outras.
Foi assim que o Jovem Príncipe trocou de roupa.
Quando saímos da pequena loja ao lado da churrascaria,
ele estava usando jeans, camiseta, tênis e um boné virado
para trás, sob o qual despontavam algumas mechas de
cabelos dourados. Ninguém seria capaz de distingui-lo de
centenas de milhares de outros garotos da mesma idade.
— Afinal de contas, você nasce príncipe — disse eu
com um sorriso, para que ele se sentisse especial em sua
primeira incursão em nosso mundo de maravilhas e
misérias.
Mas ele respondeu:
— Meu reino agora só existe dentro de mim — e se
afastou correndo, chutando uma bola que escapara ao
controle de alguns garotos que brincavam na rua,
perseguido por Asas, que tentava morder seus
calcanhares.
Neste ponto, caro leitor, devo pedir a você e aos
amigos do Pequeno Príncipe que por favor perdoem
minha intervenção, pois de agora em diante será
impossível reconhecê-lo à primeira vista. Mas quem
mantiver os olhos de seu coração completamente abertos
não terá dificuldade em reconhecê-lo.
“ Você deve perdoar o fato de que a
primeira reação das pessoas é julgar
alguém por seu aspecto externo.”
Capítulo XIV

Assim que voltamos à estrada, o Jovem Príncipe se


virou para mim e disse:
— Por favor, me diga como a gente faz para não se
tornar uma pessoa séria.
Parecia que a ideia de sofrer esse tipo de
transformação o estava deixando bastante preocupado.
— Eu tinha começado a falar — disse eu — sobre
como algumas pessoas renunciam a seus sonhos e ideais
e se concentram em obter posses e segurança. Às vezes
a luta pelo sucesso e reconhecimento é deixada para o
futuro, pois essas pessoas não têm coragem de ser elas
mesmas, nem de enfrentar críticas por serem quem
realmente são e seguirem sua verdadeira vocação. Outras
vezes, você encontra indivíduos obcecados por
disciplina, que procuram manipular e ordenar a realidade
de acordo com sua própria posição. Eles julgam e
classificam pessoas e coisas ao seu redor, colocando
cada uma delas em um determinado escaninho físico e
mental, de tal forma que elas não podem se movimentar.
Assim, eles paralisam a ilimitada capacidade
transformadora do universo e do amor humano. Se os
pais se esforçassem para ensinar o amor a seus filhos
como se esforçam para lhes incutir disciplina, este
planeta seria um lugar muito mais agradável para se
viver.
— Você está dizendo que disciplina em excesso não é
bom? — perguntou o Jovem Príncipe.
— O que nós, humanos, normalmente entendemos
como disciplina é impor nosso senso inferior de ordem
sobre a ordem da natureza, que é divina e portanto
superior. Os seres humanos precisam ter cuidado ao
ordenar a natureza para seu próprio benefício, pois os
resultados são muitas vezes o contrário do que
pretendem: uma desordem natural se volta contra eles. A
poluição do planeta, a extinção de espécies vegetais e
animais, o desperdício de recursos naturais e tantas
outras ocorrências são exemplos negativos da ordem e
da disciplina humanas.
— Entendo o que você está dizendo. — O Jovem
Príncipe balançou a cabeça pensativamente. — Em
minha viagem anterior, encontrei um homem que achava
que podia comandar as estrelas. Ele passava os dias
contando e somando estrelas. Depois anotava o resultado
e guardava o papel numa gaveta. Fazendo isso, ele
acreditava que possuía as estrelas.
— Percebi que você já reparou como os números
agradam os indivíduos sérios. Eles não ficam satisfeitos
até saberem a altura exata de uma montanha, o número
de vítimas em um acidente, ou quanto você ganha por
ano, para mencionar só alguns exemplos.
— Eu ouvi dizer que, neste planeta, as próprias
pessoas são ordenadas por números — disse o Jovem
Príncipe, apreensivo.
Sua observação me fez pensar nos números dos
passaportes, das carteiras de identidade, dos telefones,
dos cartões de crédito...
— É verdade. Somos tantos na Terra que parece não
haver outra forma de nos identificarem. Nomes não
bastam — acrescentei tristemente.
— Me mostre onde você leva os números — pediu o
Jovem Príncipe com curiosidade, achando que eu os
tinha em alguma parte do corpo.
— Não, os números não são tatuados em nós —
disse eu com um sorriso, entregando-lhe alguns dos
documentos que tinha na carteira.
Minha expressão mudou quando me lembrei de alguns
casos em que tal aberração havia ocorrido, casos que eu
não saberia explicar a ele.
— Talvez num futuro próximo — disse eu, pensando
em voz alta — algum código genético venha a ser a
única identificação para o nosso corpo. Peço a Deus que
o resultado não seja a restrição da nossa liberdade
espiritual.
— Como assim? — perguntou o Jovem Príncipe,
percebendo a preocupação em minha voz.
— Quero dizer que, desde que concebeu a matéria e o
início da vida, Deus parece ter imaginado os seres
humanos como o último passo na evolução da natureza.
Um ser espiritual, com uma centelha de livre-arbítrio,
autoconsciência e uma capacidade criativa que às vezes
chamamos de alma. É por esse motivo que os seres
humanos não podem dar o melhor de si, como seu amor
e sua força criativa, se não estiverem livres.
— Deus? O que é Deus? Você O mencionou antes,
como se Ele fosse a causa de muita coisa que ocorre
aqui e pudesse solucionar muitas delas.
— Quem é Ele? Eu nem sei se devemos perguntar
“quem” ou “o que” Ele é.
— Mas você fala dEle...
— Sim, sim — interrompi. — Como poderia não falar
dEle...
Respirei profundamente, deixando passar alguns
minutos, enquanto o Jovem Príncipe me olhava
perplexo.
— Se eu soubesse quem é Deus — prossegui —, eu
saberia tudo. Já disseram que Ele é o que é, é seu
próprio início e fim. Portanto, é o início e o fim de tudo
o que existe. Outros O imaginam como um contínuo
renascimento, uma infinita sucessão de causas e efeitos.
Há aqueles que O definem conforme suas próprias
noções de perfeição, como a máxima bondade ou a
máxima beleza; outros se referem a Ele como a Palavra,
o Criador, a Verdade ou a Sabedoria Suprema.
— Está parecendo — observou o Jovem Príncipe —
que o que as pessoas ignoram sobre Deus é mais que o
que elas sabem sobre ele...
— Eu também penso assim, pois nossa limitada
inteligência humana não consegue abarcar a noção de
infinito. O que me deixa envergonhado é que ainda hoje
os seres humanos, em sua ignorância, continuam a
matar uns aos outros por causa das diferenças entre suas
respostas. — O Jovem Príncipe parecia aturdido,
portanto o tranquilizei com um sorriso. — Eu não sou
primitivo assim!
— E existem outros motivos para que as pessoas se
matem entre si? — perguntou ele, querendo saber o que
deveria esperar de nosso intolerante e violento planeta.
— Sim, muitos, mas nenhum deles provoca ódios tão
exacerbados quanto o medo de que a ideia de alguém
sobre a divindade seja questionada. Mas eu acho que,
ultimamente, uma coisa muito pior vem acontecendo: as
pessoas já não se perguntam sobre Deus nos espaços
silenciosos de suas mentes. É como se elas não
quisessem mais saber por que estão vivas.
— E o que você acha? — perguntou o Jovem
Príncipe, esperando que eu pudesse lançar alguma luz
sobre um assunto que lhe parecia tão obscuro e confuso.
— Eu prefiro sentir Deus como uma necessidade de
me unir a outras criaturas vivas, uma energia de amor
que sustenta cada um de nós e todo o universo.
Essas palavras pareceram tranquilizar o Jovem
Príncipe, e ele permaneceu por algum tempo em silêncio,
pensando.
— Eu imagino que os animais também não poderão
fazer o melhor que podem, se os trancarmos em uma
jaula — disse o Jovem Príncipe, acariciando a cabeça do
adormecido Asas, talvez se lembrando de seu carneiro
fechado em uma caixa.
— Existem aqueles que trancam seus filhos ou outras
pessoas em jaulas com grades feitas de exigências,
expectativas e temores — disse eu —, sem entender que
tudo o que é imposto como obrigação necessariamente
provoca resistência. A disciplina humana, quando leva ao
imobilismo e à falta de espontaneidade, vai de encontro à
renovação que é o traço distintivo da vida. Afinal, nada é
mais organizado e seguro que um cemitério.
— Então a ordem não é necessária? — perguntou o
Jovem Príncipe, ainda confuso com o assunto.
— Há uma ordem externa da qual precisamos para
nos sentir confortáveis e cuja intensidade varia segundo
cada um de nós. Mas a ordem mais importante é a do
espírito, que precisa estar orientada para Deus, já que
viemos dele e iremos ao encontro dele. Não se trata de
uma ordem sedentária, mas de uma constante evolução
de nosso ser espiritual.
— Como você sabe tanto? — inquiriu o Jovem
Príncipe, surpreso com minha capacidade para encontrar
respostas para suas perguntas.
— Através da minha experiência e intuição —
respondi.
— E como você sabe que está certo?
— Através da minha experiência e intuição — repeti.
— E você nunca se engana? — perguntou o Jovem
Príncipe, admirado.
— Claro que cometo erros, mas acrescento os erros
ao meu estoque de experiências. Veja bem, eu não posso
dizer que aquilo em que acredito é a verdade absoluta; só
posso dizer que é um pouco de sabedoria que me tem
sido útil na vida. Você deveria fazer a mesma coisa. Não
acredite em nada do que eu digo. Apenas preste atenção
e veja se funciona para você.
— E onde eu encontro essa experiência? — quis
saber o Jovem Príncipe.
— Na vida — respondi. — Minha experiência é todo
o tempo que eu tive para cometer erros e minha
capacidade para superá-los. Se você for inteligente,
poderá incorporar os erros cometidos pelos outros à sua
experiência, sem precisar repeti-los. Livros, professores
e as histórias de outras pessoas podem lhe dar algumas
pistas, mas no final você mesmo é que terá de decidir o
que deve assimilar.
Vi em seus olhos que tudo isso parecia um tanto vago
para ele. Os jovens, sem dúvida, aprendem mais com
nossos exemplos que com nossas conversas.
Nesse momento, a estrada começou a ladear um rio
que corria no fundo de um cânion. De ambos os lados,
as encostas dos Andes exibiam formações rochosas
estranhas e irregulares. Uma delas, em particular, atraiu
nossa atenção. Era uma rocha alongada que se projetava
da crista de uma colina. Um sinal ao lado da estrada
informava seu nome: “Dedo de Deus”.
Sorri ao pensar em como alguém havia se apressado a
dar um nome sagrado à rocha, antes que os habitantes
locais encontrassem outras semelhanças.
Quanto a mim, eu achava mais fácil imaginar, como
Michelangelo, que o dedo de Deus se estendia em
direção ao homem. Então me veio à mente o exemplo de
que precisava para me explicar melhor.
— A experiência — disse eu, atraindo a atenção de
meu amigo — é como um mapa. Infelizmente é um
mapa incompleto no que diz respeito ao futuro. É por
isso que, todos os dias, temos de confirmar as
suposições que se mostraram certas e descartar as que
se mostraram erradas.
— E a intuição? — perguntou o Jovem Príncipe,
implacável, deixando claro que, naquele carro, ninguém
iria me elogiar pela eficiência de meus exemplos.
— A intuição é a primeira percepção que você tem de
alguém ou de alguma coisa. Geralmente está certa.
Infelizmente, nossa sociedade supervaloriza o
conhecimento obtido por dedução racional, que é mais
lento e difícil de ser aplicado aos assuntos humanos,
apesar de ser útil na ciência. O conhecimento intuitivo,
ao contrário, é instantâneo e abrangente.
— Acho que minha flor era intuitiva — observou o
Jovem Príncipe —, pois ela sabia o que eu ia falar antes
que eu falasse. Talvez seja por isso que às vezes os seres
humanos e as flores não se entendem.
“ Os seres humanos não podem dar o
melhor de si, como seu amor e sua força
criativa, se não estiverem livres.”
Capítulo XV

Eu estava totalmente mergulhado no prazer de dirigir


pela estrada sinuosa, que acompanhava a margem de um
grande lago, em meio a florestas de pinheiros. A cada
mudança de marcha, o ronco do motor reverberava em
minha coluna. Nesse momento tão especial, a súbita
pergunta do garoto caiu sobre mim como uma nevasca
na primavera.
— Você estava me falando sobre pessoas sérias —
disse ele. — O que mais você sabe sobre elas?
— Algumas coisas — murmurei, resignado pelo fato
de que seria impossível lhe explicar que ele interrompera
uma incomparável sinfonia mecânica. — Afinal de
contas, eu mesmo corri o risco de me tornar um distinto
membro dessa espécie.
— O que o impediu? — perguntou o Jovem Príncipe,
indo como sempre ao âmago da questão.
— Quando observei as pessoas sérias ao meu redor,
todas respeitáveis e bem-sucedidas, percebi que
nenhuma delas era verdadeiramente feliz.
— Você está querendo dizer que ordem e disciplina
fizeram com que elas ficassem infelizes? — perguntou o
Jovem Príncipe, espantado.
— Não — respondi. — Mas acontece que, em muitos
casos, os indivíduos que amam a ordem detestam
surpresas e tudo o que está fora do seu controle. Mas
quanto maior é o controle que eles exercem, menor é o
prazer que têm. Eles gostam de viver em um mundo que
gira em uma órbita exata e previsível, um mundo sem
magia e sem deslumbramento. Qualquer mudança faz
com que fiquem irritados ou preocupados. Como nossa
realidade é mutante, eles têm muitas oportunidades para
isso.
— Você me lembra de um acendedor de lampiões que
não conseguia sair de sua rotina — disse o Jovem
Príncipe. — Quando o planeta dele começou a girar com
mais velocidade, o trabalho dele se tornou infernal.
— Bem — prossegui —, esses indivíduos passam
pela vida com um estilo tão glamoroso e sucinto quanto
seus obituários, mesmo quando colecionam numerosas
medalhas e diplomas. Ninguém se atreve a acrescentar
uma nota de rodapé dizendo: “Apesar de tudo isso, eles
não foram felizes.” Os céus escrevem o epitáfio que eles
merecem em um meteorito passageiro.
— Ninguém deveria se sentir orgulhoso de ser uma
chama passageira — observou o Jovem Príncipe.
— Não, ninguém deveria se sentir orgulhoso disso —
concordei. E acrescentei: — Essas pessoas são como
uma pequena fagulha que se extingue rapidamente, como
um vaga-lume no abismo do tempo.
Continuei meu raciocínio:
— E há outros indivíduos que, diante da realidade e
sem querer renunciar a seus ideais (como as pessoas
sérias), tentam protegê-los com tanta veemência que
constroem um muro ao redor deles. Isso só serve para
sufocar seu espírito. Às vezes o muro fica tão perfeito
que eles não conseguem encontrar uma brecha para
entrar. Então, ficam do lado de fora, como marionetes
sem um manipulador, como fantasmas que não sabem
quem são, nem de onde vieram e nem para onde vão. O
mundo deles flutua sem destino e, à medida que o tempo
passa, se torna frio como um cometa.
— Eu não gostaria de ser um cometa — comentou o
Jovem Príncipe. Depois perguntou: — O que é
fantasma?
— Fantasma é uma imagem sem conteúdo, uma
sombra, uma aparência sem substância. Há quem pense
que fantasmas não existem. Eu, ao contrário, penso que
existem e que há muitos deles onde quer que eu vá. Para
mim, os fantasmas são pessoas que não têm coração.
— Eu também não gostaria de ser um fantasma —
refletiu o Jovem Príncipe, cada vez mais consciente dos
problemas de se tornar adulto.
— Nesse caso, você não deve trair seus desejos, nem
os trancar dentro de você, deixando que eles morram de
privação. Aprenda a combinar o que é real com o que
deseja. Dê o melhor de si em tudo o que fizer, para que o
resultado reflita seu espírito. E dê o melhor de si a todas
as pessoas, para que elas retribuam com muito mais do
que você deu. A única maneira de manter um sorriso no
rosto é continuar sorrindo, e a única maneira de
preservar o amor é dando amor. Chega um momento em
que você se encontra entre um mundo egocêntrico, o
mundo da criança, e o mundo receptivo aos outros, o
mundo da maturidade. Nesse momento, você deve se
livrar de seus caprichos, suas regras estritas e seu
egoísmo, para defender seus princípios mais nobres.
Ame a si mesmo e será capaz de amar os outros. Ame
seus sonhos, e você criará para eles um mundo cordial e
maravilhoso, cheio de sorrisos e abraços. Este será o
mundo onde você desejará viver, e esse mundo irá girar
em uma órbita multicolorida. Se você de fato acreditar
nele, se o construir aos poucos com gestos cotidianos,
esse mundo se tornará possível para você. Será a
recompensa pelo seu mérito, pois eu nunca vi ninguém
desfrutar plenamente uma felicidade não merecida. Só as
pessoas que amam de verdade são estrelas, e a luz delas
continua a brilhar sobre nós muito tempo depois que elas
se foram.
Percebi muita emoção e fervor em sua voz quando ele
disse:
— Quando eu morrer, quero ser uma estrela. Me
ensine a viver para me transformar em estrela.
Abraçando seu cachorro, ele recostou a cabeça no
vidro da janela.
— Não posso lhe ensinar nenhuma fórmula específica
— respondi gentilmente. — Não sou professor de
estrelas. Tudo o que eu posso fazer é lhe ensinar as
poucas coisas que aprendi na vida, meu punhado de
verdades que, como todas as verdades, só podem ser
transmitidas por meio do amor. Mas você, como todos
nós, carrega dentro de si a capacidade para amar. Se for
paciente o bastante, vai encontrar a resposta.
Mas ele já não estava me ouvindo. Talvez tivesse
descoberto que na terra dos sonhos todo mundo é
príncipe e todo mundo é estrela.
Capítulo XVI

Naquela noite, dormimos em uma bela pousada às


margens de um lago, cercada por um grande bosque.
Fora construída em madeira e pedra, e tinha recantos
agradáveis, com lareiras acesas. Todos os quartos eram
decorados com papel de parede, cujos temas e cores
combinavam com o nome de cada um. O nosso recebera
o nome de “A Pastagem”: suas paredes exibiam imagens
de ervas e flores, de um verde suave. Em função dos
regulamentos da pousada, Asas dormiu sozinho naquela
noite, em um pequeno, mas aconchegante cubículo. Eu
sabia que não seria fácil, para meu amigo, separar-se
física e emocionalmente do cachorro, mesmo que só por
uma noite.
Quando fomos jantar, não fiquei surpreso ao
encontrar a mesma família barulhenta que
encontráramos no almoço, pois as possibilidades de
alimentação e hospedagem não eram muitas naquela área.
Nossa entrada, é claro, provocou o mesmo burburinho
de antes, provando a verdade do ditado: “Faça o que
fizer, você nunca irá agradar a todo mundo.” Ao longo
da refeição, entretanto, provavelmente devido à fadiga
tanto das crianças quanto dos adultos, a atmosfera na
mesa deles foi se tornando tão desagradável que
começamos a nos sentir incomodados com a manifesta
agressividade e violência mal contida. A criança mais
nova chorava desconsoladamente. Outra recebera a
punição de não participar da refeição; uma terceira estava
sendo obrigada a terminar um prato de peixe, do qual
obviamente não tinha gostado. As outras duas
mantinham os olhos em seus pratos, sem se atrever a
comentar as punições dos irmãos. Tudo isso perturbou
muito meu jovem amigo. Desacostumado a querelas de
família, ele não conseguia comer. Foi então que realizou
o segundo milagre de nossa jornada. Levantando-se da
mesa, foi buscar Asas, que trouxe nos braços como um
lindo bebê branco e ofereceu de presente às crianças.
Com os olhos faiscantes de alegria, elas estenderam as
mãos para acariciar o bichinho. O gesto do Jovem
Príncipe e sua atitude foram tão comoventes que os pais
não souberam o que dizer. Por fim, decidiram recusar a
oferta. Mas quando sorri e assenti com a cabeça, o
assunto foi resolvido: no dia seguinte, haveria oito
passageiros no carro da família.
A partir desse momento, a felicidade retornou à sala
de jantar, e meu jovem amigo conseguiu saborear sua
refeição, frequentemente interrompida por acenos e risos
das crianças, e pelos latidos deliciados de Asas, que
agora tinha cinco donos dispostos a brincar com ele e
satisfazer suas necessidades.
— Foi maravilhoso você ter feito isso, ainda mais
depois que aqueles garotos caçoaram de você hoje de
manhã — disse eu, curioso para saber qual seria a reação
dele.
Ele disse:
— Você me fez ver que eu provoquei aquelas crianças
com minha aparência incomum. Não é errado as
crianças serem espontâneas em suas reações. De
qualquer forma, eu já não aguentava mais a tensão e
senti vontade de fazer alguma coisa para acabar com
aquilo. Asas ficou ao meu lado quando eu mais precisei,
me dando felicidade. É bom que ele agora possa alegrar
outros corações.
Com essa experiência reconfortante, o segundo dia de
nossa jornada chegou ao fim. Uma vez mais, senti que,
com um simples gesto, o Jovem Príncipe superara todas
as minhas muitas palavras.
Capítulo XVII

Depois de um sono revigorante, acordei um tanto


mais tarde que o habitual. Olhei para a cama do Jovem
Príncipe, mas ele não estava lá. Ao levantar as cortinas,
avistei-o sozinho à beira do lago, tranquilo como suas
águas. Os restos de uma neblina estavam sendo
derretidos pelos primeiros raios de sol, como algodão
doce se desfazendo na boca de uma criança. Toda a
paisagem irradiava uma enorme sensação de paz.
Meu jovem amigo e eu tomamos o café da manhã e
nos preparamos para reiniciar a viagem. Ao sairmos,
notamos que o carro da família barulhenta não estava
mais lá.
Durante quinze minutos, percorremos uma estrada
poeirenta, sombreada por araucárias, abetos e pinheiros.
Ao chegarmos no final do bosque, o Jovem Príncipe
exclamou de repente:
— Pare, por favor!
— Que foi?
— Por favor, pare o carro! — repetiu ele, com
evidente aflição.
Assim que o fiz, ele desceu do carro e penetrou cerca
de vinte metros no bosque, sem dizer nada. “Ah, então é
isso”, pensei, dando um suspiro de alívio, surpreso com
o fato de que necessidades fisiológicas assaltassem meu
amigo de forma tão súbita.
Com amargura, entretanto, descobri que não fora isso
o que desencadeara sua reação. Ele agora retornava ao
carro com Asas nos braços. E ao contrário do primeiro
dia, quando carregara o cãozinho com uma fagulha nos
olhos, seu rosto demonstrava dor e desapontamento.
Eu não podia entender como alguém podia ter
abandonado no bosque uma criatura tão meiga.
Ganindo, tremendo e cheio de medo, Asas lambia
desesperadamente as mãos e o rosto do Jovem Príncipe.
Sua alegria por nos ver era óbvia.
— Não podem ter sido os meninos — sugeri,
tentando descobrir os sentimentos de meu amigo diante
de um comportamento tão cruel. — Eu não entendo por
que eles não deixaram Asas na pousada para ser
devolvido a nós. Algumas palavras de agradecimento ou
desculpa bastariam para nos satisfazer — disse eu,
enquanto o Jovem Príncipe permanecia em silêncio.
Tantas emoções haviam esgotado as energias do
filhote; assim que partimos novamente, ele adormeceu
no colo de meu amigo, que continuou a afagá-lo por
muito tempo.
Uma vez mais, a estrada deixou o vale e ingressou em
uma área inóspita, cuja imensidão desolada era um
convite à introspecção.
Nós não ousávamos quebrar o silêncio, como se
nenhuma palavra fosse adequada à ocasião. Finalmente,
falei:
— Vamos agradecer por Asas estar vivo. Vamos
agradecer e seguir em frente.
O Jovem Príncipe permaneceu em silêncio, como se
não tivesse me escutado. Seu olhar era melancólico e
sombrio. Após um longo momento, ele disse:
— Eu também abandonei uma flor e não consigo me
perdoar por ter deixado que ela murchasse. Também me
sinto culpado por ter duvidado das boas intenções do
meu amigo. Eu culpo a erva daninha por isso, pelo
menos em parte.
Então entendi o que estava acorrentando o Jovem
Príncipe ao passado e tirando o brilho de seu sorriso.
— Essa é a dificuldade que impede você de seguir em
frente — disse eu, totalmente convencido de meu
diagnóstico. — Escute, vou lhe contar o segredo da
felicidade.
— Você sabe o segredo? — perguntou o Jovem
Príncipe, arregalando os olhos, incapaz de acreditar que
a resposta que a humanidade procurava havia séculos iria
ser revelada a ele ali, naquele momento.
— Bem, acho que sei — disse eu, percebendo que
seria mais útil parecer seguro do que fingir modéstia. —
Embora eu não tenha desenrolado antigos manuscritos
nem entrado no aposento proibido de alguma pirâmide
distante, estou convencido de que esta verdade, como
todas as grandes verdades, é simples e evidente.
— Por favor, me diga qual é — suplicou o Jovem
Príncipe.
— É o seguinte — comecei. — Você só será feliz se
amar e perdoar, porque assim será amado e perdoado.
Você não pode perdoar sem amar, pois seu perdão nunca
irá ultrapassar a medida de seu amor. E, finalmente, é
impossível amar e perdoar as outras pessoas sem
primeiro amar e perdoar a si mesmo.
— Como alguém pode amar a si mesmo conhecendo
as próprias imperfeições? — questionou o Jovem
Príncipe.
— Da mesma forma que podemos amar os outros
conhecendo as limitações deles. Aqueles que esperam
um ente perfeito para amar sofrem desilusões e acabam
não amando ninguém. Para amar e perdoar a si mesmo,
basta ter o desejo de se tornar alguém melhor e aceitar o
fato de que você faz o melhor que pode.
— Como vou saber quem eu realmente amo se não
for amado primeiro? — perguntou o Jovem Príncipe
com bastante lógica.
— Você sabe que ama realmente quando coloca a
felicidade de outra pessoa antes da própria. O verdadeiro
amor é livre e incondicional. Não procura satisfazer as
necessidades da própria pessoa, mas se concentra no
bem-estar alheio.
— Eu ainda acho difícil entender como posso dar
esse tipo de amor sem recebê-lo primeiro — insistiu o
Jovem Príncipe.
— O que você diz é verdade. Às vezes nós,
humanos, temos a graça de receber amor incondicional
de nossos pais. Outras vezes, através da meditação, nos
conscientizamos de que possuímos uma alma imortal e
podemos intuir o amor do Criador. Há aqueles que,
depois de ler os Evangelhos, sentem que Jesus amou
todos os seres humanos com perfeição absoluta,
oferecendo a própria vida para nos libertar do medo da
morte, ensinando que somos seres espirituais passando
por uma experiência humana. Outros descobrem, por
meio das palavras dos mestres iluminados, sua absoluta
compaixão por todas as criaturas vivas. Se procurar por
isso com sinceridade, você encontrará uma razão para
amar a si mesmo e descobrirá que é um ser único e
maravilhoso.
Falei com grande convicção, pondo toda a minha
energia nas palavras, sabendo que não há conquista mais
difícil, e ao mesmo tempo mais sublime, que a cura de
um coração ferido. O Jovem Príncipe me escutou com
profundo e respeitoso silêncio.
— Devemos aprender com as crianças — prossegui.
— Elas são rápidas em perdoar. Caso contrário, a vida
seria uma sucessão de ódio e vingança infindáveis. Mas,
de qualquer forma, de que você está se culpando? De
duvidar? Até os santos duvidam. Aceite seus erros e
acredite na misericórdia de Deus, porque Ele já perdoou
você. Se duvidar da existência de Deus, pergunte a si
mesmo o que pode ganhar não perdoando a si mesmo.
Além disso, você já seguiu sua voz interior, procurando
seu amigo piloto para lhe perguntar por que ele lhe deu
uma caixa na qual não cabe um carneiro.
O Jovem Príncipe continuou em silêncio, de olhos
semicerrados. E até parou de acarinhar Asas.
— Não acho que você deva julgar a si mesmo tão
severamente por ter se esquecido de cuidar da sua flor.
As flores murcham no final do verão e retornam na
primavera. Pode ser que ela tenha sutilmente se afastado
para que você não visse suas pétalas murcharem e
caírem.
Pude sentir a intensidade da atenção do Jovem
Príncipe. Era como se sua vida dependesse de cada
palavra minha.
— Você abandonou seu pequeno mundo, é verdade,
mas só para explorar um mundo maior. Saiba que
qualquer escolha implica abandonar algo. Todas as
mudanças significam deixar alguma coisa para trás: essa
é a única maneira de crescer e progredir. Dolorosamente,
mas sabendo que nos tornamos mais ricos em
experiência. Pouco a pouco, largamos o que é supérfluo
e mantemos apenas o que é essencial. Como peregrinos
que, no caminho de um santuário, sentem como pesam
as coisas que não são importantes.
As palavras chegavam à minha língua sem nenhum
esforço, guiadas por um conhecimento que parecia estar
além de minha vontade.
— Quanto à erva daninha, não se esqueça de que
você estava prestes a arrancá-la da terra. Seus
preconceitos lhe diziam que todas as ervas daninhas são
ruins porque invadem o espaço dos seres humanos e das
flores. Mas você pode dizer que aquela erva era ruim por
si mesma? Claro que não, pois ela estava
desempenhando exatamente a tarefa para a qual foi
criada, isto é, ser uma erva. Portanto, como você pode
culpar uma criatura por tentar sobreviver de qualquer
jeito, quando sua existência estava em perigo?
Desta vez o Jovem Príncipe me olhou com assombro,
mas seus lábios permaneceram fechados.
— Eu não acredito que as coisas sejam boas ou ruins,
a não ser em relação a nossas necessidades. Mas se eu
tivesse de escolher uma qualificação, diria que, como
Deus criou tudo, as coisas forçosamente são boas. No
plano universal da criação, é possível que muito do que
existe ou acontece tenha um significado que ainda não
compreendemos. Será que as ervas daninhas existem
para que não fiquemos preguiçosos, pois temos de
arrancá-las da terra? Será que a dor existe no mundo
para podermos amar e dar valor à felicidade? Será que o
ódio existe para que nós possamos vivenciar a alegria
espiritual do perdão? A verdade é que, sem dificuldades,
seria impossível que nós nos tornássemos seres
humanos melhores e descobríssemos nosso verdadeiro
eu. É nos momentos mais críticos que trazemos à luz o
que há de melhor em nós.
Respirei fundo e me calei. Prosseguimos a viagem em
silêncio. Precisamos de tempo para permitir que o desejo
de perdoar cresça dentro de nós.
Paradoxalmente, algumas pessoas acreditam que, ao
perdoar os outros, estão concedendo uma bênção,
quando na verdade o indivíduo que mais se beneficia do
perdão é aquele que o concede. Os sentimentos
negativos se voltam sempre contra a pessoa que os
alimenta. Assim, ao não perdoar, ao invejar e odiar,
estamos prejudicando a nós mesmos.
Uma lebre atravessou a estrada, justamente na hora
em que um ensinamento de Buda atravessou minha
mente:
“Aquele que me fere receberá em troca a proteção
que vem do meu amor; e quanto maior for sua maldade,
mais bondade receberá de mim.”
“ É impossível amar e perdoar as
outras pessoas sem primeiro amar
e perdoar a si mesmo.”
Capítulo XVIII

Ao meio-dia, chegamos a uma cidade conhecida por


seu hotel imponente, com um amplo centro de
conferências. Fora construído para desenvolver a
indústria do turismo na área e divulgar as atrações locais,
mediante congressos para empresários, artistas e outros
grupos.
Paramos lá para almoçar. Quando estávamos nos
dirigindo ao restaurante, notamos, pelas portas abertas,
que o grande salão de convenções estava cheio de gente.
Ao olharmos casualmente para o púlpito, ficamos
surpresos ao constatar que o orador era ninguém mais
que o pai da família que encontráramos no dia anterior.
Ele estava no final de um discurso de candidato, embora
não conseguíssemos descobrir a que cargo ou função.
Fiquei surpreso quando ele disse:
— ... Acreditem em mim. Eu não vou decepcionar
vocês.
Foi quando seus olhos se encontraram com o olhar
límpido e penetrante do Jovem Príncipe. Eu estava
dominado pela irreprimível vontade de denunciá-lo
publicamente, dizendo a todo mundo que naquela mesma
manhã ele nos decepcionara, abandonando à própria
sorte um cachorrinho indefeso.
Percebi com desgosto que o rosto do homem não
revelava culpa nem vergonha, provavelmente porque
essas emoções exigem um pouquinho de humanidade.
Na expressão do Jovem Príncipe, no entanto, não
havia nenhum traço de rancor ou dureza, apenas uma
grande luminosidade que sombra alguma poderia turvar.
Decidimos andar mais depressa até o restaurante,
antes que os polidos aplausos despertassem a plateia,
provavelmente faminta.
Estávamos iniciando a refeição quando o homem
entrou no recinto. Ao nos ver, encaminhou-se
diretamente para nossa mesa. Fiquei tenso, surpreso
com o fato de que aquele indivíduo tivesse a coragem de
nos encarar.
Mas o homem parecia calmo e relaxado. Aproximou-
se de nós com um sorriso nos lábios. Pousando uma das
mãos no ombro do Jovem Príncipe, disse:
— Foi maravilhoso o gesto de vocês, ontem à noite.
E eu entendo perfeitamente que tenham se arrependido.
O cachorro é mesmo especial. Mas devo dizer que as
crianças ficaram muito desapontadas quando não o
encontraram hoje de manhã...
— Eu não compreendo... — disse eu, lançando um
rápido olhar ao Jovem Príncipe, que se mantinha calmo e
impassível. — Como assim, eles não encontraram o
cachorro?
Mas o pai prosseguiu, ignorando minha interrupção.
— ... Se vocês pelo menos tivessem deixado um
bilhete, por exemplo, dizendo que amam muito o
cãozinho, teria sido mais fácil explicar para as crianças
que...
— Escute, por favor — disse eu em tom mais
enérgico, incapaz de lidar com o fato de que aquele
homem parecia compreensível e generoso, quando
deveria ser o contrário. — Meu jovem amigo aqui não se
arrepende de nada. Hoje de manhã, depois que vocês
partiram, nós descobrimos o cachorro no bosque e
achamos que...
— Que nós o tínhamos abandonado? — disse o pai,
finalizando a frase que eu não ousara completar. —
Abandonar esse filhote lindo e indefeso? Mas como você
pode pensar num absurdo desses? — perguntou o
homem com indignação.
Após um desconfortável momento de silêncio, em
que eu não soube o que dizer, o homem continuou:
— Talvez vocês tenham me visto ser severo com
meus filhos, mas eu não sou uma pessoa insensível e
sempre tentei não ser injusto. Simplesmente, acredito
que um pouco de disciplina é melhor que não ter limite
nenhum.
Depois de pensar por uns momentos, ele acrescentou:
— Não consigo entender o que pode ter acontecido, a
não ser que o cachorrinho tenha conseguido abrir a porta
do cubículo durante a noite e se perdido no bosque.
Então olhou para o Jovem Príncipe.
— Os cães da raça kuvasz são muito irrequietos,
sabia? Você tem muita sorte de ter encontrado esse
filhote.
Eu ainda estava sem fala, incapaz de dizer qualquer
coisa, como uma criança que foi apanhada se
comportando mal.
— Vou me despedir agora. Boa viagem para vocês —
disse o homem.
Quando ele já estava se afastando, o Jovem Príncipe
o deteve.
— Onde eu posso encontrar os meninos? —
perguntou meu jovem acompanhante.
— Eles estão nos quartos 310 e 311. Vão adorar ver
você — disse o homem por sobre o ombro, caminhando
em direção a uma grande mesa, onde era esperado para
algum tipo de comemoração relativa à sua candidatura.
Mesmo conhecendo o Jovem Príncipe há
relativamente pouco tempo, eu já podia imaginar o que
iria acontecer: a nobreza de seu coração superaria sua
afeição por Asas.
Minutos depois, a porta do quarto 311 se abriu, e os
gritos das crianças novamente se misturaram aos latidos
deliciados do cãozinho. Asas reencontrara seus
estridentes donos.
No meio daquela tarde, de volta à estrada, prometi a
mim mesmo que, na dúvida, iria pensar o melhor das
pessoas, não o pior. Hoje, por mais que elas me
decepcionem, acredito que o próximo indivíduo que eu
encontrar merecerá meu amor e minha confiança. Agora
sou mais feliz e vejo o mundo como um lugar melhor.
As expectativas favoráveis que tenho das pessoas e
das circunstâncias têm atraído para mim pessoas e
circunstâncias positivas. É como se a realidade desejasse
fazer nossa vontade, para o melhor ou para o pior.
Talvez seja verdadeiro o ditado que diz: “Acreditando que
vai ter sucesso ou acreditando que vai fracassar, você
tem razão.”
Olhando para o Jovem Príncipe, vi que sua expressão
estava tranquila. Eu não conseguia me lembrar de
nenhuma ocasião, ao longo do dia, em que ele tivesse
manifestado qualquer opinião negativa sobre a família.
Eu condenara o pai, cega e precipitadamente. E o que
era pior: quando o vira no púlpito, percebera que, apesar
de todos os meus comentários sobre o perdão, eu não o
perdoara.
Por um momento, achei que o Jovem Príncipe
suspeitara da verdade desde o início e me deixara pensar
de forma errada. Mas bani esse pensamento de minha
mente. Neste exato momento, os lábios do Jovem
Príncipe se abriram em um sorriso luminoso e
angelical...
Logo estávamos de novo na autoestrada que,
serpenteando em meio a um vale, logo nos levaria à
cidade onde eu era esperado por um casal de amigos,
para ser o padrinho de seu primeiro filho.
Durante aquele terceiro dia, o Jovem Príncipe mal
pronunciou uma palavra. Escutava o que eu dizia e
mergulhava de novo em seus pensamentos, como se,
pressentindo o final de nossa viagem, desejasse absorver
toda a minha experiência.
— Por favor, me fale sobre a felicidade e o amor —
pediu ele subitamente.
— Que assunto! — disse eu com um suspiro. — Eu
poderia falar sobre isso com você por mais tempo que
Sherazade nas “Mil e Uma Noites”. Vou tentar lhe dar
uma ideia do que uma vida pode ser com ou sem amor e
felicidade, para que você mais tarde encontre seu próprio
caminho. A experiência — comecei — me ensinou que
não existe felicidade sem amor. Amor entendido como
uma permanente paixão pela vida e um constante
encantamento com tudo o que percebemos através de
nossos sentidos, sejam cores, movimentos, sons,
aromas ou formas.
— Você quer dizer — perguntou o Jovem Príncipe —
que devemos colocar amor em tudo o que fazemos?
— Exatamente — respondi. — E fazer isso com
paixão, seja no trabalho, na arte, na amizade, no esporte,
na filantropia ou no romance. A felicidade — prossegui
— é também um equilíbrio que requer a satisfação de
uma ampla gama de necessidades humanas, das mais
básicas, como comida, moradia, proximidade humana e
estímulos sociais, até a criatividade, o reconhecimento, a
produtividade e a variedade, inclusive outras ainda mais
altas, como a necessidade de transcendência, o amor, o
altruísmo e o propósito da própria vida. Somente nossa
inteligência pode satisfazer essas necessidades de forma
harmoniosa, de acordo com quem somos.
— Como posso saber se fui bem-sucedido? —
perguntou o Jovem Príncipe.
— A felicidade — expliquei — não é tanto o objetivo
final que alcançamos, como se fosse a estação final de
um trem, mas um modo de viajar, ou seja, de viver.
— Um trem...? — começou a dizer o Jovem
Príncipe.
— Não é um sentimento passivo — continuei,
ignorando a interrupção. — Ao contrário, a felicidade
exige atenção e trabalho diário para ser alcançada e
aumentada.
— Por que você sempre diz primeiro o que alguma
coisa não é? — reclamou o Jovem Príncipe. — Você
economizaria metade do tempo se não fizesse isso.
E antes que eu pudesse dizer algo a respeito de nossa
realidade bipolar, ele insistiu:
— O que é um trem?
— Um grupo de vagões puxado por uma locomotiva.
Correm em dois trilhos que geralmente chamamos de
ferrovia — respondi sucintamente, tentando não dizer o
que um trem não era.
— Se é difícil sair de uma autoestrada — observou o
Jovem Príncipe —, deve ser quase impossível sair de
uma ferrovia.
Meu silêncio confirmou sua intuição.
— Parece haver muito pouca liberdade neste planeta
— concluiu ele.
Parecia inútil iniciar uma discussão sobre a questão
do livre-arbítrio, portanto retornei ao assunto anterior.
— Viver feliz requer uma defesa da liberdade, mas
também da vida, da ética, da autoestima, da lealdade e da
paz. Isso é dever de todo ser humano que queira viver
melhor e também uma atitude honesta com nós mesmos
e com as outras pessoas.
— O que significa “viver melhor”? — perguntou o
Jovem Príncipe.
— Viver melhor é exercer a capacidade de viver
plenamente, atraindo o que nos enriquece em termos
emocionais, materiais e espirituais.
Fiz um esforço para me controlar e não explicar que o
contrário de viver melhor é sobreviver, o que implica
viver com o mínimo possível. Mas me sentia ferido no
orgulho e não estava disposto a explicar mais que o
necessário, mesmo que isso significasse não me fazer
bastante claro.
— Parece que nós precisamos de um monte de coisas
para sermos felizes — disse o Jovem Príncipe.
— Na verdade, não precisamos — contrapus
rapidamente. — A felicidade é oriunda do ser e não do
ter; de apreciarmos o que já possuímos, não de
tentarmos conseguir o que não temos. Muitas vezes, o
que não temos pode ser uma fonte de felicidade, pois
permite que outros indivíduos complementem nossas
posses. Se fôssemos tão perfeitos a ponto de ter tudo,
como poderíamos nos relacionar com os outros?
Alguém disse uma vez que não é nossa força que nos
aquece durante a noite; é nossa ternura que faz com que
outras pessoas queiram nos proteger.
Depois de alguns momentos em silêncio, vendo que
meu jovem amigo estava ouvindo atentamente,
prossegui.
— No que diz respeito ao amor, acho que a maior
verdade já dita sobre ele é que aprendemos a amar,
amando. Todos nós temos uma grande capacidade para
dar amor. Até com um pequeno gesto ou um sorriso,
que gratificam tanto a pessoa que dá quanto a que
recebe.
— Acho que este planeta seria muito agradável se
seus habitantes se cumprimentassem com um sorriso
quando se encontrassem — disse o Jovem Príncipe.
— O verdadeiro amor — continuei — se concentra
no que é bom para a outra pessoa, esquecendo o que é
bom para nós. Para esse amor, que aceita tudo e perdoa
tudo, nada é impossível. Se tratarmos os outros pelo que
são, eles continuarão do mesmo jeito, mas se tratarmos
os outros pelo que poderiam ser, eles alcançarão a
verdadeira plenitude. Esse é o amor altruísta, que torna
tudo melhor em seu caminho e não deixa nada nem
ninguém indiferente a ele.
— Mas mesmo com um grande amor, nós não
podemos resolver tudo — disse o Jovem Príncipe, talvez
com saudade de sua flor ou do asteroide perdido no
espaço, com dois vulcões a ponto de explodir.
— Mas você sempre pode fazer algo, não se esqueça
disso — respondi. — Amar é não desistir de fazer essa
coisa. Se tudo o que tem é o amor, você irá descobrir
que o amor é suficiente.
— Deve ser muito triste não ser amado — observou
o Jovem Príncipe.
— Mais triste ainda é não ser capaz de amar — disse
eu e complementei: — Existem aqueles que concebem o
mal como uma força poderosa oposta ao amor. Eu acho
que nossa maior tragédia acontece quando deixamos de
amar. A falta de amor: isso é que é o Inferno.
— O que acontece quando você comete um erro e
fracassa em seu amor?
— Eu não vejo os erros como fracassos, pois nós
podemos aprender com eles. O único fracasso é não
tentar outra vez, e mais outra, de formas novas e
inventivas. Se você simplesmente repetir o que fez antes,
vai obter sempre o mesmo resultado. Portanto, você
nunca fracassa no amor: o único fracasso é não amar.
— Como posso saber quem merece minha ajuda e
meu amor? — perguntou o Jovem Príncipe.
— É comum nós ajudarmos apenas aqueles que
merecem nossa ajuda. Isso está errado, pois nossa tarefa
não é julgar méritos, uma coisa dificílima de fazer, mas
apenas amar. Assim como acontece com o perdão,
aquele que mais ama é quem se torna mais rico. Afinal,
se Deus ama todos os seres humanos de forma igual,
por que iríamos excluir alguns e preferir outros? Tenha
piedade daqueles que se aproveitam de sua bondade.
Para finalizar — disse eu —, se você dedicar a vida a
extrair o que há de melhor nas pessoas, vai acabar
encontrando o que há de melhor em você mesmo.
— O medo da morte — perguntou o Jovem Príncipe
subitamente — não impede a pessoa de ser feliz?
— Há muitas pessoas que se preocupam com o fim
de suas vidas; elas deviam se preocupar mais em dar um
verdadeiro significado à vida que têm, uma verdadeira
utilidade. Eu acredito que alma nenhuma está realmente
perdida e que todos nós iremos alcançar nosso destino.
Mas se formos julgados algum dia, eu não tenho dúvida
de que a pergunta vai ser: “Quanto você amou?”
Ninguém vai nos perguntar: “Quanto você ganhou?”, e
sim, “Quanto você deu aos outros?” A grandeza aparente
não terá importância, somente aquilo que doamos é que
vai contar.
Depois de uma breve pausa, acrescentei com mal
contida emoção:
— Quer saber de uma coisa? O amor é mais forte até
que a morte. Tive um irmão que adorava asas. Tinha
asas de todas as cores. Dizem que morreu, mas ele ainda
está vivo em nossos corações. Portanto, acredito que os
únicos indivíduos que estão realmente mortos são
aqueles que nunca amaram e que não desejam mais
amar.
Capítulo XIX

Alcançamos os arredores da cidade onde meus


amigos estavam à minha espera. Mas ninguém estaria
esperando o Jovem Príncipe — agora nem mesmo em
seu próprio planeta. O pensamento me entristeceu.
Convidei-o então a me acompanhar.
— A vida tem sido generosa comigo — disse eu —, e
eu gostaria de ajudá-lo enquanto você precisar.
— Obrigado — disse ele —, mas você já fez tanto...
Justamente naquele momento, próximo ao centro da
cidade, paramos em um sinal de trânsito. Um mendigo se
aproximou do carro e estendeu a palma da mão em
nossa direção. Quando o Jovem Príncipe abaixou o vidro
da janela, sentimos um forte fedor de álcool.
— Você tem dinheiro? — perguntou meu jovem
amigo.
— Acho que estou sem trocado — respondi.
— Então me dê o que você tem — insistiu ele.
— Você tem certeza? — perguntei em tom de dúvida,
enquanto tentava puxar minha carteira, presa no bolso
traseiro de minhas calças. — Ele vai gastar tudo em
bebida.
O sinal abriu e o carro atrás de nós sinalizou para que
nos movêssemos, com o mendigo ainda debruçado na
janela.
— Vá para o lado e deixe o carro passar — pediu
meu amigo.
Descobri então, mais uma vez, que era impossível
resistir a seus apelos; era como se viessem direto do
coração.
— Ainda há pouco você me disse que devemos doar
sem olhar a quem. Bem, eis um homem pedindo ajuda.
— Eu não creio que, neste caso, dinheiro resolverá os
problemas dele — disse eu, embora geralmente eu tente
ajudar sem pensar no assunto.
— Talvez o vinho sirva para diminuí-los — disse o
Jovem Príncipe. — A não ser que você queira ouvir a
história dele; só assim vai saber como realmente pode
ajudar. Sabe de uma coisa? — disse ele subitamente,
como se iluminado por um novo pensamento. — Acho
que é uma ótima ideia. Vou passar a noite aqui. Talvez eu
possa fazer alguma coisa por ele. Se não puder, um
pouco de atenção e companhia não farão mal nenhum.
— Mas você não pode simplesmente ficar aqui, na
calçada, sem saber quem é esse homem...
O Jovem Príncipe interrompeu minhas objeções.
— Não se esqueça de que três dias atrás eu também
estava à beira de uma estrada e você me ajudou. Qual é a
diferença? Nossa aparência? Você também disse que não
devemos nos guiar pelas aparências. Você fez sua boa
ação, deixe que eu faça a minha. Vá se encontrar com
seus amigos que querem sua companhia. Eu posso ser
mais útil aqui.
Como se o pensamento tivesse acabado de lhe
ocorrer, ele acrescentou:
— Volte amanhã, ao nascer do dia. Eu gostaria de
dizer adeus.
Com essas palavras, fechou a porta do carro e foi
sentar ao lado do mendigo. Como eu hesitava em me
afastar, resistindo à ideia de deixá-lo ali, ele gesticulou
para que eu partisse.
Não consegui parar de pensar no Jovem Príncipe,
nem nas circunstâncias em que nos separáramos. A
possibilidade de que ele pudesse entabular uma conversa
significativa com o mendigo era remota, pois quando
alguém escolhe o caminho da autodestruição é muito
difícil fazer com que retroceda. Era possível até que o
homem reagisse com violência a qualquer tentativa de
ajuda. Mas aquele jovem de coração puro e sorriso
transparente poderia conseguir o impossível, se é que
havia alguma coisa impossível para ele. No entanto,
sentado à esquina, com o boné virado ao contrário, ele
parecia mais um adolescente sem teto.
Durante a festa, enquanto eu compartilhava o alegre
momento com meus amigos, a imagem do Jovem
Príncipe desapareceu, como um espinho cravado em
nossa pele que deixa de doer. Quando fui dormir, porém,
não pude deixar de comparar minha cama quente e
macia com a calçada fria e dura. Por alguns instantes,
estive tentado a ir buscá-lo. Cheguei a deixar o quarto,
mas algo me recomendou que não o desobedecesse. Abri
a janela. Era uma agradável noite de primavera, embora a
brisa estivesse um tanto fria. A estrela da manhã estava
quase tão brilhante quanto a lua. Uma vez mais me
maravilhei com o céu estrelado da Patagônia, que nunca
deixa de deslumbrar mesmo os que sempre o
contemplam...
Capítulo XX

Como eu deixara a janela aberta, para me sentir mais


próximo de meu jovem amigo, acordei com as primeiras
luzes do dia. Vesti-me rapidamente e, sem tomar o café
da manhã, dirigi até o lugar onde havíamos nos
separado.
O desconforto que eu sentia na boca do estômago
desapareceu quando o vi tagarelando com o mendigo,
como se fossem velhos amigos.
— Olá! — disse o Jovem Príncipe, adiantando-se
para me receber, bem-disposto como se tivesse dormido
sobre um colchão de pétalas de rosas.
— Olá! — respondi. Um tanto curioso, perguntei: —
Me diga, qual é a história dele?
— Ele é uma boa pessoa, se formou em uma
universidade e tinha uma boa posição econômica.
Durante um check-up de rotina, foi diagnosticado com
uma doença terminal: só tinha dois ou três meses de
vida. Ele saiu do consultório em completo desespero e,
para poupar a família de sofrimentos, resolveu dar fim à
própria vida. Felizmente, não teve coragem, ou melhor, a
covardia de fazer isso. Acabou tomando o primeiro trem
que encontrou e veio para este lugar, onde desistiu de
tudo.
Um sorriso surgiu no rosto do Jovem Príncipe,
quando ele percebeu meu assombro — uma prova de
que eu, mais uma vez, avaliara mal uma pessoa e uma
situação.
Mas ele continuou a história, sem mencionar que
notara mais uma falha de julgamento minha.
— Levei a noite inteira para convencê-lo de que ele
deveria voltar para casa e deixar que seus familiares o
cerquem de carinho, talvez retribuindo um pouco do que
receberam. O amor, mesmo que não seja eterno, pode
ser infinito enquanto dura.
— De fato — disse eu, comovido com a história. —
Já ouvi muitas vezes que os últimos momentos de vida
podem ser mais intensos que todos os anos anteriores.
Acho que o tempo não é, necessariamente, linear. Que
maravilha seria se pudéssemos viver cada dia como se
fosse o último! Quantas coisas iríamos fazer, e quantas
iríamos nos recusar a fazer! E também estou convencido
de que a morte só vem até nós depois que aprendemos
tudo o que viemos ao mundo para aprender. —
Finalmente, perguntei ao meu amigo: — O que você vai
fazer agora?
— Vou acompanhá-lo até sua casa e ficarei com ele e
sua família enquanto precisarem de mim. De qualquer
maneira, a gente nunca pode descartar a possibilidade de
um milagre — disse ele sorrindo. E acrescentou com
uma piscadela: — Às vezes os diagnósticos estão
errados.
Com essas palavras, ele me abraçou. Senti uma
corrente elétrica percorrer meu corpo, como se cada
artéria, cada nervo e cada célula tivessem sido
carregados com uma nova energia. Por um instante, tive
a sensação de estar suspenso no espaço. Depois, ainda
um tanto abalado, dei também uma piscadela e disse:
— É verdade, nunca devemos descartar a
possibilidade de um milagre.
O mendigo parecia cheio de uma nova vitalidade. Seu
rosto, antes sombrio e macilento, adquirira uma
expressão angelical e visionária.
Enquanto ambos se afastavam, tive a impressão de
que transportavam uma nova luz pelas ruas da cidade
ainda adormecida.
De súbito, comecei a ver tudo de forma diferente.
Senti que fora o Jovem Príncipe quem me guiara com
suas perguntas, das quais já sabia as respostas. Era eu
quem deveria tentar não ser massacrado por meus
problemas. Era eu quem deveria não me tornar um
fantasma ou uma pessoa séria. Era eu quem deveria
sentir mais afeição por um animal que por uma máquina;
eu quem deveria viver no presente, deixando de me
agarrar ao passado e ao futuro; eu quem deveria me
esquecer de ter e me concentrar em ser; quem deveria
deixar de me emaranhar nos meios para me concentrar
nos fins; quem deveria crescer no amor para ser feliz.
O Jovem Príncipe me permitira descobrir o melhor
que havia nele apenas para que eu pudesse descobrir o
melhor que havia em mim.
Foi um milagre que, em três dias, transformou-me
dos pés à cabeça. Um desses prodígios colossais que
ocorrem sem que ninguém os note, pois os milagres do
amor são imensos e simples assim.
Lágrimas de alegria turvaram minha visão. Era minha
hora de dizer “obrigado”, embora ele estivesse distante
demais para me escutar. Mesmo assim, naquele exato
momento, ele se virou e sorriu para mim. Mesmo àquela
distância, fui ofuscado por sua luz branca. Percebi então
que todo o universo sorria com ele.
“ Era eu quem deveria viver no presente,
deixando de me agarrar ao passado e
ao futuro.”
Epílogo

Esta é a história de minha jornada, caro leitor — e é para


que você não fique tão triste que me apresso em lhe
escrever.
Acho que você concordará que a vida agora ficou
mais bela e que não devemos nos preocupar tanto, pois o
Jovem Príncipe retornou, desta vez para viver entre nós.
Nunca mais o vi. Mas todas as vezes que sorrio, ou
tenho a chance de ser bom com alguém, sinto como se
uma onda começasse a se levantar. E se a pessoa que
estou ajudando estende a mão e sorri para outra pessoa,
seremos parte de uma maré que alcançará todas as
pessoas. Portanto, quando sinto falta do Jovem Príncipe,
inicio uma onda, sabendo que ela irá alcançá-lo. E se
estou triste e alguém sorri para mim — desde aquela
manhã em que o vi pela última vez —, sei que o Jovem
Príncipe sorriu, esteja ele longe ou perto.
Às vezes, quando passo por algum parque e vejo
jovens brincando, percebo que estou tentando vislumbrá-
lo. Mas então me lembro de uma coisa que ele falou:
“Você não deve se fechar a outras pessoas enquanto
estiver procurando um amigo.” Então compreendo que
não devo continuar a procurar por ele, pois posso
encontrá-lo em cada indivíduo com os olhos do coração.
Ao longo de minha vida, passei longas noites
procurando um amigo — de cidade em cidade, de
fronteira a fronteira —, até que, certa manhã, encontrei-
o sorrindo em meu coração...
Era uma agradável noite de primavera, embora a brisa
estivesse um tanto fria. A estrela da manhã estava quase
tão brilhante quanto a lua. Compreendi então que devia
erguer meus olhos para o céu!
De repente, ocorreu uma coisa assombrosa. As
estrelas pareceram sorrir para mim. E quando a brisa
soprou, elas repicaram como 500 milhões de sinos.
“ Você não deve se fechar a outras pessoas
enquanto estiver procurando um amigo.”
Dedico este livro:
A Jesus Cristo, a luz que me guia.
A minha avó, María Josefina Miller de Colman, a meu
irmão, Andreas Christian, a meus amigos Juan Angel
Saroba e Gerardo Leone, in memoriam.
A Antoine de Saint-Exupéry, que me deu forças para
preservar minha inocência e pureza de coração.
A meus pais, que ao longo dos anos conseguiram
fazer com que o amor vencesse.
A meus irmãos, minha querida família e amigos, pois
partilhar minha felicidade com eles aumenta minha
própria felicidade.
A meus professores, e às dificuldades que encontrei
em meu caminho, pois todos moldaram meu caráter,
permitindo que eu descobrisse meu espírito.
A meus deuses-meninos, que me fazem encarar o
futuro com alegria e entusiasmo.
A meu Jovem Príncipe, que teve outra chance para
ser feliz e não a recusou.
Agradecimentos

Meus mais profundos agradecimentos àqueles cujas


palavras e sabedoria podem estar, de alguma forma,
refletidas nesta história. Eu não tenho como especificar,
após tantas conversas, palestras, livros e publicações,
como cada um deles contribuiu para o modo como
penso e sinto hoje. Acredito que o melhor modo de
agradecer é partilhar esses ensinamentos que me foram
transmitidos e que funcionaram tão bem quando tentei
aplicá-los. Juntamente com minha própria experiência,
eles são a base sobre a qual, dia após dia, eu continuo a
construir minha felicidade e meu progresso espiritual.
Copyright © A. G. Roemmers, 2010
c/o Guillermo Schavelzon Literary Agency, Barcelona
www.schavelzon.com

Capa
© Mucho.es, adaptado por Luciana Gobbo

Ilustração de capa
Thomas Rochon

Revisão
Juliana Santana
Cristiane Pacanowski
Lilia Zanetti

Conversão para e-book


Abreu’s System Ltda., sob projeto de Luciana Gobbo

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R623r
Roemmers, Alejandro Guillermo
O retorno do jovem príncipe [recurso eletrônico] / Alejandro Guillermo
Roemmers ; tradução Paulo Afonso. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2011.
recurso digital
Tradução de: The return of the young prince
Formato: ePUB
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
91p. ISBN 978-85-390-0296-2 (recurso eletrônico)
1. Fábula argentina. 2. Livros eletrônicos. I. Afonso, Paulo. II. Título.
11-5796. CDD: 868.99323
CDU: 821.134.2(81)-3
Todos os direitos desta edição reservados à
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Sumário

Capa
Folha de Rosto
Prefácio
Algumas Palavras Introdutórias
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Epílogo
Dedicatória
Agradecimentos
Créditos

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