Linguística e Ensino
Linguística e Ensino
Linguística e Ensino
O ponto importante a ser ressaltado aqui é que a língua, sob a perspectiva da LA, é
tomada em seu aspecto pragmático e interacional, centrada no uso do código, e não «o código
em si, o que implica pensar, segundo Moita Lopes (1998:52), "nas práticas de uso da linguagem
em tempos, lugares, sociedades e culturas específicas, relações antes consideradas
extralinguísticas, e, portanto, fora do escopo das ciências linguísticas".
Concepções de linguagem
O primeiro desafio a ser superado na abordagem do binómio linguística/ensino é o de
se chegar à resposta da seguinte pergunta: A partir de que concepção de linguagem serão
tratadas as questões linguísticas? Conforme Geraldi (1997), esse é um ponto crucial e
fundamental para a outra indagação que deve se constituir na reflexão maior dos docentes da
área de letras: Para que os alunos aprendem o que aprendem nas salas de aula de língua?
Outro contexto em que verificamos, numa distinta versão, a presença dessa concepção
é o tratamento da linguagem como fenómeno de comunicação e expressão, com base no
consagrado quadro de funções da linguagem proposto por Roman Jakobson, um dos mais
importantes membros do Círculo Linguístico de Praga, comunidade académica de tendência
funcionalista. Ocorre que, embora para o Círculo a língua fosse concebida como um sistema
funcional por conta do caráter de finalidade, de propósito comunicativo com que era tratada a
atividade linguística, parece ter havido, em termos de ensino, certa incompreensão dessa
proposta, com sua redução a um conjunto estruturado das seis "funções da linguagem".
Assim, na década de 1970, a influência desse tratamento chegou até a legislação oficial
com a fixação do rótulo "comunicação e expressão" para referência ao ensino de língua materna
no âmbito do "primeiro grau" de então, equivalente ao hoje denominado "ensino fundamental".
Por conta da nova tendência, os livros didáticos passaram a incluir, ao lado da descrição
fonético-fonológica e morfossintática da língua portuguesa, dos exercícios de leitura, de
interpretação e de redação, um detalhamento dos elementos envolvidos na situação
comunicativa — emissor, receptor, código, mensagem, canal e contexto.
Uma das grandes contribuições da abordagem variacionista para o ensino de língua foi
a possibilidade efetiva de se superar o tratamento estigmatizado dos usos linguísticos por
intermédio da consideração de que todas as expressões têm sua legitimação e motivação
justificadas pela multiplicidade de fatores intervenientes do âmbito social. Com base nessa
perspectiva, a chamada "norma culta" ou "língua padrão" passa a ser vista como mais uma
variante de uso, uma forma de expressão tão eficiente como todas as outras que circulam na
comunidade linguística, que assume a posição de forma modelar e exemplar do "bom" uso
idiomático mais por razões extralinguísticas, ligadas à situação de prestígio (social, político,
cultural, financeiro, por exemplo) do grupo que a detém. Assim, a norma culta passa a ser
entendida como uma, entre outras tantas possíveis, marca de status social; seu domínio é
entendido como o aprendizado de uma prática necessária à ocupação dos postos de prestígio,
uma ferramenta capaz de concorrer para a ascensão a lugares de maior visibilidade e mérito
social.
Como a abordagem funcionalista tem seu foco de investigação mais amplo, tratando
não só dos constituintes que se limitam ao período, mas chegando à análise da instância textual,
algumas das questões examinadas por essa abordagem são de interesse para as aulas de língua.
Nos dias atuais, em que o magistério se pergunta como lidar com o texto em sala de aula sem
transformá-lo em pretexto para continuar privilegiando antigas práticas de ensino de conteúdos
gramaticais, a abordagem funcionalista pode realmente trazer alguma luz a essa indagação.
Com o advento da pragmática, a concepção funcional do ensino de língua enriquece-se
pela incorporação, na investigação do fenómeno linguístico, de elementos constitutivos dos
contextos externos de produção e de recepção da linguagem sob o ponto de vista da interação
entre as pessoas. Ganham destaque os modos de dizer, as intenções (conscientes ou não)
comunicativas, as informações implícitas, a eficácia do ato de fala, isto é, as condições de
felicidade desse ato; enfim, privilegia-se o contexto extralinguístico e o ponto de vista do usuário
da língua para se atingir os sentidos veiculados pelo texto.
À luz dessas perspectivas o professor passa a ser visto e também a agir como um
mediador da tarefa de ensino-aprendizagem, deixando o lugar de centro, de primazia sobre um
saber preconcebido uma vez que, assim como o saber é coconstruído, as relações humanas
também o são, seja em que âmbito ocorram.