BELLI, Rodrigo. A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O IRRACIONALISMO PÓS-MODERNO PDF
BELLI, Rodrigo. A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O IRRACIONALISMO PÓS-MODERNO PDF
BELLI, Rodrigo. A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O IRRACIONALISMO PÓS-MODERNO PDF
MODERNO
Rodrigo Bischoff Belli1
Resumo: Este trabalho apresenta uma série de considerações sobre as possíveis relações
existentes entre a crise estrutural do capital e o debate ideológico existente na tentativa de
sua compreensão. Especificamente, o trabalho enfoca sobre os desdobramentos da opção
pela linha de menor resistência do capital como resposta à crise estrutural e o
desdobramento dessa opção ao nível ideológico, algo que produz uma alternativa que
busca compreender a realidade e, consequentemente, formular uma alternativa prática para
sua transformação distinta de tudo o que já existiu. Porém, dadas as determinações desse
processo, o que se tem é uma alternativa que resgata, mesmo que sob uma nova forma,
propostas completamente destoantes do ideário humanista ligado à tradição da esquerda, da
qual essa nova resposta pretende se filiar. Essa nova resposta, vinculada aquilo que
costuma se denominar pós-moderno, resgata o irracionalismo contra o qual a esquerda
sempre lutou e que sempre nutriu o reacionarismo das classes e grupos sociais ligados aos
interesses do capital.
Palavras-chave: irracionalismo; crise estrutural do capital; pós-moderno
Abstract: This article presents a series of considerations about the relationships possible
existents between the structural crisis of capital and the ideological debate existent in the
attempt of its understanding. Specifically, this article focuses on the unfolding of the
option for the line of least resistance to capital as answer to the structural crisis and the
unfolding of that option at ideological level, something which produces an alternative that
search understand the reality and, consequently, formulate a practical alternative for its
transformation different from everything which already existed. However, given the
determinations of that process, which one have is an alternative that rescues, even if under
a new form, proposals completely dissonant of the humanist ideas linked to the left’s
tradition, of which that new answer intends to affiliate. That new answer, bounded with
that denominate postmodern, rescues the irrationalism against which the left always
struggled and which always nurtured reactionism of the classes and the social groups
linked to the capital’s interests.
Keywords: irrationalism; structural crisis of capital; postmodern
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Professor, mestre em Ciências Sociais (Unesp – Marília) e membro do Espaço Marx – Maringá.
2
Introdução
Em geral, nos estudos sobre ideologia, existem trabalhos organizados da seguinte
maneira: primeiro se expõe toda a contextualização histórica que estaria atrelada à
constituição de determinada ideologia; depois, num segundo momento, trata-se
especificamente da ideologia em questão, promovendo uma análise, para que, numa
terceira e última etapa, se sintetize todas as informações obtidas.
Embora possa alcançar aspectos importantes da realidade, esse tipo de análise, tal
como é executada, tende a produzir um efeito nefasto, mesmo que involuntariamente: a
impressão de que toda e qualquer ideologia estaria dissociada da história, como se
possuísse uma autonomia grande o suficiente para que pudesse ser entendida de maneira
atomizada. Assim, toda a contextualização histórica que costuma ser relatada inicialmente
acaba apenas por apontar o plano de fundo no qual o objeto ideológico em questão
executaria seus movimentos. A ideologia, enquanto uma formulação humana, não se
constitui desse modo. Como lembra Lukács, o ser humano é um ser que dá respostas2, e
estas são, como verdadeiros atos históricos carregados de materialidade, frutos sintetizados
de uma série sem igual de determinações. A própria ideologia, enquanto formulação
humana, não escapa a isso. Portanto, ele não se destaca da história, ela é história. É por
esse motivo que o tratamento dado aos estudos sobre ideologia deve constantemente
relacionar determinadas escolhas, e as consequências destas escolhas a partir do momento
em que são executadas3, às necessidades e possibilidades do momento, indelevelmente
marcados pelos determinantes da luta de classes4.
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“Com justa razão se pode designar o homem que trabalha, ou seja, o animal tornado homem através do
trabalho, como um ser que dá respostas” (LUKÁCS, 1978, p. 5). Aqui, Lukács ressalta que a condição
humana possível uma característica ontologicamente social, distinta das outras formas de existência
(inorgânica e orgânica), dada a particularidade da categoria trabalho. Esta seria compreendida como a ação
de transformação da natureza para a satisfação das necessidades do ser, sempre mediada pela consciência.
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A compreensão da ação humana como intervenção na realidade, dada a sua condição ontológica social,
identifica dois momentos distintos, mas inseparáveis: o da objetivação, quando uma ideia pré-idealizada, de
acordo com uma gama de saberes adquiridos pela consciência, é posta em prática na realidade, tornando-se
concreta; e o da exteriorização, quando se relaciona os elementos apreensíveis da realidade, incluindo os
próprios atos do ser, na consciência. Agir e pensar sobre o agir são dois atos inseparáveis e próprios da
condição humana, mesmo que ocorram com intensidades distintas de indivíduo para indivíduo.
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Como lembra Lukács (1978, p. 9): “Tais posições são extremamente importantes para que a atividade
produtiva possa se manter e reproduzir. Isto porque as formações sociais se desenvolvem a tal ponto que o
modo de manifestar da necessidade cada vez mais se caracteriza por orientar, de qualquer modo, os
indivíduos a tomarem ou não determinadas posições teleológicas. As posições teleológicas secundárias
tornam-se cada vez mais decisivas no desenvolvimento social que, “com a diferenciação social de nível
superior, com o nascimento das classes sociais com interesses antagônicos, esse tipo de posição teleológica
se torna a base espiritual-estruturante do que o marxismo chama ideologia”.
3
Com esta compreensão, apresenta-se aqui parte dos resultados de uma pesquisa5
que apontam para a observação de um fenômeno ideológico próprio ao momento de crise
estrutural do capital.
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A pesquisa em questão foi realizada entre os anos de 2009 e 2012, como forma de obtenção do título de
mestre junto ao Programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Unesp de Marília. Com o título “Os
descaminhos da bem-aventurança: um estudo sobre a origem e os desdobramentos da concepção de crise
paradigmática de Boaventura de Sousa Santos”, orientado pela Profª. Drª. Fátima Aparecida Cabral, e com o
auxílio financeiro da Capes, a pesquisa traçou como objetivo central a avaliação da concepção do sociólogo
português Boaventura de Sousa Santos sobre a crise paradigmática sociológica enquanto ideologia, isto é,
enquanto ação orientada para a resolução de conflitos sociais. Isto exigiu uma análise que, além do aspecto
gnosiológico, tratasse de maneira articulada os parâmetros socioeconômicos e dos principais movimentos
políticos e científicos envolvidos no momento histórico de sua produção e reprodução, apurando, assim, o
seu grau de compreensão da realidade.
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A ideia de uma linha de menor resistência é utilizada na argumentação de Mèszàros para destacar aspectos
importantes da chamada “ordem sociometabólica do capital”: o reconhecimento de que existem forças
alheias à vontade humana possuidoras de uma legalidade própria não pode significar a negação da afirmativa
de que ainda são os seres humanos que fazem a sua história. A humanidade não realiza seu caminho, seja
para sua realização cada vez maior enquanto gênero, seja para sua própria destruição, sem a constante
resolução de problemas de toda a ordem através de intervenções diretas em sua relação com a natureza e
consigo mesma. E essas ações só podem ocorrer com um mínimo de consciência sobre a conjuntura. Seja o
conhecimento desta consciência limitado ou de tendências universalizantes, o importante é que toda a ação é
o desdobramento de uma ideia que se possui de uma situação. Ideias são elementos importantes nas relações
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2. O retorno do irracionalismo
A virada da década de 1960 a 1970 é, sem dúvida, um momento decisivo na
constituição do fenômeno de ressurgimento do irracionalismo sob uma nova faceta. É
nesse período que uma série de fatores, relacionados tanto com a atividade diretamente
econômica quanto com aspectos ideológicos, se entrelaçam de uma maneira tal que a
compreensão das transformações realmente ocorridas no momento torna-se bastante
prejudicada.
sociais, e não podem deixar de ser objeto de conflito. Quem é capaz de transformar ideais a seu favor tem
maiores chances de levar adiante os planos para a satisfação de suas necessidades. A resposta do tipo da linha
de menor resistência se caracterizaria pela adoção de uma ideologia e de uma prática de mudanças de
características da ordem atual incapazes de oferecer uma mudança radical de sua essência, mas cuja
aparência demonstraria o contrário.
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Aqui cabe a referência a Giuseppe Tomasi di Lampedusa, escritor italiano da virada do século XIX ao XX,
que descreve justamente o período do Risorgimento, da unificação nacional italiana que definitivamente
insere a economia capitalista de maneira predominante naquele país. Em sua obra mais famosa, O leopardo,
Lampedusa descreve esse processo, focando especificamente na alteração na configuração do conflito de
classes, onde a aristocracia decadente precisa ceder espaço à burguesia para manter minimamente seu status e
seu controle social. É famosa a frase que expressa essa conduta e que justifica a caracterização da linha de
menor resistência do capital como algo lampedusiano: “Se queremos que tudo fique como está, é preciso que
tudo mude.” (LAMPEDUSA, 2003, p. 42).
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O conceito de decadência ideológica, elaborado por Lukács designa a crise da produção intelectual da
burguesia após 1848. Para Lukács (2010b, p. 53) o que temos, com a evolução do pensamento social burguês,
é a liquidação de todas as tentativas anteriormente realizadas pelos ideólogos burgueses de maior
notabilidade, no sentido de compreender as verdadeiras forças motrizes da sociedade, sem que houvesse
medo pela consequência do esclarecimento das contradições que sustentassem seu modo de vida. O que
haveria, no momento de decadência, seria justamente o contrário: uma fuga da exposição das contradições
através de uma perspectiva pseudo-histórica construída e interpretada superficialmente, deformada em
sentido subjetivista e místico.
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ao objeto características que não lhe seriam imanentes. É deste modo, aliás, que o
irracionalismo constrói sua crítica à Razão (LUKÁCS, 1972, pp. 3-7).
Como uma formulação ideológica desse tipo, o irracionalismo precisa se constituir
como um conjunto claro de elementos configurados de maneira bastante particular. Ele,
enquanto formulação original de uma fração de classe ligada à classe dominante, tenderá
sempre a adotar uma postura de negação do ideário de esquerda. A caracterização dessa
postura ocorre na negação total dos elementos centrais do pensamento que nutria o ideário
de esquerda, em linhas gerais as noções de luta de classe e de totalidade. Por outro lado,
por não concordar mais com a tradição mais progressista do ideário liberal, o
irracionalismo não pode considerar mais relevantes aspectos próprios da ideologia liberal,
mas que não constituem o seu cerne, não abalando a sua condição de classe. É deste modo
que a questão da propriedade e da individualidade são resguardadas, até mesmo
exacerbadas, em detrimento das categorias da razão e da objetividade.
Ou seja, o irracionalismo se constitui numa ideologia negadora das categorias mais
avançadas da compreensão da realidade, como resposta reacionária ao momento vivido
pela luta de classes. Obviamente esta conduta extrapolou os limites da discussão
fraseológica e se constituiu em uma visão de mundo muito bem definida, que foi o
fascismo. A luta de classes ocorreu, assim, tanto ao nível político, da violência explícita,
quanto ao nível ideológico, na batalha das ideias.
A derrota do fascismo significou também a derrota do irracionalismo, mas não por
muito tempo. Se compararmos a descrição, mesmo que sucinta, do irracionalismo feita a
pouco com as formulações ditas pós-modernas, é possível encontrarmos muitos pontos em
comum. Está presente na teoria pós-moderna, de maneira generalizada, uma crítica à
racionalidade moderna muito parecida com aquela encontrada no irracionalismo, marcada
pela negação da objetividade e por uma supervalorização da subjetividade, como se
ocorresse uma espécie de identificação entre sujeito e objeto do saber. Com isso, a noção
de verdade, vinculada sempre a algo exterior ao indivíduo e como resultado de um
processo causal determinado, passa a ser compreendida de maneira mais plural,
comportando as mais variadas interpretações sobre um determinado fenômeno. E, assim,
para alguns de seus teóricos, deixaria de fazer sentido o suposto monopólio da ciência na
determinação do conhecimento. Se existisse alguma forma de saber que conseguisse
expressar tamanha pluralidade de interpretações a ponto de ser referência geral do saber,
este seria o senso comum. E o seria devido a sua forma de proceder, baseado sempre na
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São referências ao debate as obras de Offe (1994); Habermas (1968), Gorz (1982) e Kurz (1993).
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mesmos moldes da linha de menor resistência, ao basear suas formulações sobre o real
através da crítica contra as antigas formulações, conservadoras e combativas, e da adoção
de uma argumentação que esconde a raiz do problema, ao mesmo tempo em que toma para
si uma retórica transformadora que não se cumpre na realidade. Neste sentido, atribuindo a
crise não apenas ao capitalismo ou ao socialismo, mas sim ao conjunto da modernidade,
fundadora do pensamento mercadológico, acena-se ao caminho que levou o debate acerca
da centralidade do trabalho ao questionamento do projeto moderno.
Esta negação dos valores da centralidade do trabalho abre outro ponto de
convergência entre todos os debates anteriormente apresentados e a teoria pós-moderna,
que é o da negação do marxismo enquanto teoria revolucionária. Seja enquanto
materialização por excelência dos procedimentos clássicos da sociologia e do pensamento
político clássico adotado pelos trabalhadores nas formas menos atuais do capitalismo, tal
como sugerem os teóricos que acreditam na descentralização da categoria trabalho, seja
como manifestação limítrofe do pensamento moderno que, mesmo possuindo ímpeto
revolucionário, não poderia cumprir seu projeto por estar fundamentado em uma lógica
que lhe mantém preso às análises exclusivamente econômicas – como a discussão sobre o
pós-moderno lhe apresenta – o marxismo não passaria de um antiquado relicário teórico.
Como exemplo dessa postura, cita-se o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (1999), que
assume posturas desse tipo nos debates em que participa, classificando o marxismo como
uma corrente teórica que expressaria o máximo do pensamento moderno, mas que ao
mesmo tempo não deixaria de ser expressão do moderno, contendo em si todos os supostos
equívocos de um pensamento que ignoraria a subjetividade, tornando-se, de certa forma,
totalitário, indiferente a outras formas de saber. Tratar-se-ia de uma forma de saber, de
uma teoria do conhecimento limitada, indolente, comprometida com a manutenção do
estado de coisas de seu tempo, mesmo que intencionalmente almeje o contrário. Santos
apresenta esta postura de maneira bastante evidente em seus textos, como em sua
perspectiva do que seria o socialismo, completamente diferente do sentido original do
termo e, consequentemente, do valor atribuído por Marx e toda a série de teóricos que
seguiram um caminho semelhante.
Essa caracterização não é própria apenas de Santos. Ela está difusa por todos os
debates, desde a postura de Lyotard sobre as metanarrativas, chegando ao posicionamento
do Kurz sobre o avanço da modernização como responsável pelas desigualdades nas
relações econômicas. Em todos eles é possível notar, ainda, que não se tratam de teorias de
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em uma visão de mundo bem definida. Essa tendência se confirma com o surgimento da
visão de mundo pós-moderna.
3. Conclusão
O pensamento pós-moderno, mais do que reafirmar todos os pressupostos
originados no período de retorno do irracionalismo, através dos debates das crises do
marxismo e da centralidade do trabalho – que, por sua vez, já eram formas ideológicas
originadas da tentativa de negação de outra crise, esta sim radical, que era a crise do capital
na transição da década de 1960 para 1970 –, o pós-moderno também assume uma agenda
política determinada. Essa agenda se faz por dois caminhos: o primeiro é o da tentativa de
estabelecer uma nova cultura, um novo padrão de sociabilidade, e o segundo é o de
afirmação de uma ação política que oriente para uma determinada transformação das
formas de organização da sociedade de uma maneira também determinada. No caso
específico do pós-moderno, a nova cultura que tenta ser estabelecida é a do senso-comum
como fonte primordial de conhecimento, adotado como método de compreensão da
realidade, e da valorização de toda a perspectiva possível através do diálogo entre elas
como ação política central. Deste modo, o pós-moderno, como o próprio sufixo aponta, se
coloca como alternativa negativa do pensamento moderno, o que significa dizer que ele
nega tanto a visão de mundo liberal-conservadora quanto a socialista-revolucionária,
aparentemente portadoras de características essenciais semelhantes.
Esse fenômeno de instituição de uma nova visão de mundo completa a cristalização
do irracionalismo como a alternativa da linha de menor resistência do capital. A crise do
capitalismo, o movimento dessa crise, cuja essência parece se confirmar como um
fenômeno estrutural, e a agudização das lutas de classes decorrentes dessa crise são
deslocadas dessas discussões teóricas e de suas consequentes derivações políticas. As
variações secundárias, as falsas questões e a elaboração de condutas políticas não radicais
surgem dos estreitos limites de compreensão de mundo oferecidos pelo pensamento
irracionalista, ao mesmo tempo em que compõem a função de manter as condições de
reprodução da vida favoráveis à classe dominante, favoráveis à burguesia.
As manifestações mais recentes da teoria pós-moderna se apresentam como frutos
maduros de todos esses debates. Especialmente aquelas que se colocam no campo da
transformação social. Elas representam a aproximação do pensamento de esquerda com
ideais conservadores, forjando um conjunto teoria completamente reconfigurado, que
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Bibliografia
ANDERSON, Perry. A crise da crise marxismo: introdução a um debate contemporâneo
[tradução de Denise Bottmann]. – 3ª ed. – São Paulo : Brasiliense, 1987.
___________. As origens da pós-modernidade [tradução de Marcos Penchel]. – Rio de
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COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. – 2ª ed. – São Paulo
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EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo [tradução de Elisabeth Barbosa]. –
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