Monty Roberts O Homem Que Ouve Cavalos B-Ok - CC PDF
Monty Roberts O Homem Que Ouve Cavalos B-Ok - CC PDF
Monty Roberts O Homem Que Ouve Cavalos B-Ok - CC PDF
Roberts
Tradução
FAUSTO WOLFF
Revísão técnica
Bertrand Brasil
Copyright © Monty Roberts 1996
Fotos: gentilmente cedidas pelo autor, Express Newspapers plc e Frank Nolting.
Capa: Raul Fernandes
2012
R549h O homem que ouve cavalos / Monty Roberts; tradução de Fausto 17- ed.
Wolff; revisão técnica, Laura Rossetti Barretto Ribeiro. - 17- ed. - Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
350p.: [I2]p. de estampas : il.
CDD-843
Não tive outra escolha senão dedicar este livro para EQUUS: O ANIMAL
VOADOR. Na minha opinião devemos desculpas a essa espécie por fazê-la
suportar nossa falta de compreensão por milhares de anos. Equus tem sido meu
professor, meu amigo e meu sustento.
Preciso dizer com absoluta sinceridade que a sociedade com minha mulher, Pat,
foi a contribuição mais forte para o progresso da minha carreira. Seu trabalho
incansável no gerenciamento de nossa operação permitiu-me viajar de tempos
em tempos para estudar a minha arte. Seus sacrifícios foram monumentais.
Pat e nossos filhos devem receber meus mais profundos agradecimentos. Por seu
amor, paciência, tolerância e incrível carga de trabalho.
Se Equus foi meu grande professor, Marguerite Parsons, Irmã Agnes Patrícia,
Bill Dorrance, Don Dodge e o Dr. Bob Miller levam o crédito por criarem um
contexto no qual eu pude aprender.
— Monty?
— Sim.
É preciso dizer que John Bowles é homem capaz de passar trotes e foi nisso que
pensei na hora. Perguntei-lhe como ele, um simples John Bowles, se
transformara subitamente em mensageiro da Rainha da Inglaterra.
Respondeu-me que um amigo inglês, um certo Sir John Miller, fora responsável
pelos estábulos reais, e a Rainha lhe dera instruções para que me encontrasse.
Sua Majestade lera artigos de minha autoria publicados pelas revistas The Blood
Horse e Florida Horse nos quais eu explicava as demonstrações que dava, e
ficara intrigada.
John Bowles disse ainda que me encontrar fora a tarefa mais fácil que já lhe
haviam dado. Então não era fácil descobrir alguém que morava a dez
quilômetros de distância e que ele conhecia há mais de quinze anos?
Não muito tempo depois, Sir John Miller veio até a minha fazenda na Califórnia
para ver o que eu sabia fazer.
Ficou impressionado depois que lhe dei uma demonstração. Quando voltamos
para almoçar em casa e durante o almoço, ele começou a me falar de datas
específicas no ano seguinte — o itinerário de Sua Majestade. Ela estaria no
Castelo de Balmoral em tal e tal data, e assim por diante. Conjecturei que ele
estava para me encaixar na agenda da Rainha.
— Será que uma demonstração semelhante à que acabei de ver poderia ser
arranjada para Sua Majestade nas mews?
Na época eu não sabia que mews queria dizer estábulos, mas assegurei-lhe que
daria conta da tarefa.
Ele finalizou dizendo que, se a Rainha se convencesse de que meu trabalho valia
a pena, providenciaria para que eu fizesse uma excursão por cidades e vilas
britânicas. E o mais importante era que ela gostaria de incluir as cidades
escocesas de Gleneagles e Newmarket no roteiro.
Por diversas razões que se tornarão claras no decorrer deste livro, tive que
manter secreto o meu trabalho durante a maior parte da minha vida.
Nenhum deles ainda havia sido montado. Eram todos verdes e crus. Haviam sido
laçados e encabrestados. Eram os cavalos com os quais eu me comunicaria
durante a semana de demonstrações que daria no castelo.
Sir John me levou para a área dos estábulos num dos lados do castelo. Então era
nisso que ele falava quando se referira a mews.
Em seguida, fomos até a pista coberta. Parecia uma grande capela com janelas
góticas e um teto muito alto em forma de abóbada. Numa das extremidades
havia um balcão protegido por uma parede de vidro e madeira. Era uma espécie
de camarote gigantesco à prova de som, e dele a família real assistiria a meus
trabalhos com os cavalos.
De qualquer modo, não havia outra opção. Precisava acreditar que a tela circular
de arame seria barreira suficiente e não distrairia os animais em excesso.
Sir John me dissera que a Rainha convidara cerca de duzentas pessoas para
assistir à demonstração na semana seguinte. Ela própria só poderia me dispensar
uma hora na segunda-feira de manhã — seus compromissos anteriores não lhe
permitiam mais tempo —, mas provavelmente à noite veria os treinos do dia
num vídeo,
Pedi algumas vezes a assistência delas para levar os cavalos para dentro do
redondel, de modo que pudessem se habituar com a situação. Pretendia pegar um
por um — uma vez que, uns mais, outros menos, eram todos selvagens —, e
qualquer ajuda seria bem-vinda.
Por alguns dias eu andara pensando no termo apropriado que deveria usar, caso a
encontrasse. Considerei “Sua Alteza Real” ou “Sua Majestade”, mas não estava
certo sobre as diferenças entre uma forma e outra. Me perguntava se deveria
inclinar-me ou se um aperto de mão era a coisa própria a ser feita. De qualquer
modo, jamais fora dito oficialmente que eu a encontraria em pessoa.
— Venha, Sr. Roberts. Mostre-me essa jaula de leões que instalaram no centro
do meu picadeiro coberto. Gostaria que me falasse sobre ela.
— Tenho a impressão de que esse redondel é o tipo da coisa na qual você precisa
entrar com um chicote e uma cadeira.
Ao meio-dia de domingo chegaram minha mulher Pat, meu filho Marty e meu
cavaleiro, Sean McCarthy, e foram diretamente para o Castelo de Windsor.
Estou casado com Pat desde que eu tinha 21 anos. Sean McCarthy, na época, já
havia sido o cavaleiro principal no redondel por nove anos e já domara mais de
1.400 cavalos. Era agradável receber reforços — gente que estava do meu lado.
Juntamente com o major Dick Hearn — que fora o treinador dos cavalos da
Rainha por muitos anos — e sua mulher, Sheila, degustamos um excelente jantar
naquela noite, o que ajudou a relaxar meus nervos para o trabalho do dia
seguinte.
Sir John Miller nos apresentou como se não houvéssemos conversado no dia
anterior. O imenso camarote — mais uma galeria — protegido por' vidros à
prova de som, foi indicado para a comitiva real como o local de onde assistiria à
demonstração, como se não houvéssemos falado sobre isso nos últimos dois
dias.
Então a potranca foi trazida para dentro do redondel e deixada livre. Ela era
adolescente, estava assustada e seus olhos arregalados de medo.
Um ou dois minutos depois, senti que as coisas começavam a sair direito. Ela
começou a me dar os sinais que eu buscava. De repente, já podíamos dar início à
apresentação.
Nesse ponto, não vou começar a entrar em detalhes sobre a minha comunicação
com cavalos, pois farei isso mais tarde. O propósito deste livro é transmitir meu
conhecimento da linguagem equina do modo como ele chegou a mim, na
esperança de que a compreensão do leitor acabe sendo tão bem fundada em fatos
e observações como a minha.
Em quinze minutos, a jovem e forte puro-sangue, que jamais tivera qualquer tipo
de treinamento, estava parada, firme como uma rocha, enquanto eu lhe punha a
primeira sela da sua vida. E eu ainda não havia colocado nenhum tipo de freio
em sua cabeça.
A Rainha foi a primeira a emergir da porta que conectava a galeria à arena, Com
um caloroso sorriso, ela me estendeu a mão e disse:
— Foi lindo.
Disse ainda que estava maravilhada com o que acontecera e com a reação da
potranca. Aconselhou-me a sentir orgulho do trabalho que fazia.
Subitamente, me dei conta do longo tempo que esperara para ouvir alguém fazer
comentários tão positivos. Meu redondel, em casa, fora construído com paredes
sólidas e sem uma área para espectadores, exatamente para evitar que vissem o
que eu fazia e duvidassem de mim. Essa apresentação fora a mãe de todas, a
reviravolta em relação ao meu trabalho.
Pouco depois, o Príncipe Philip estava à minha frente. Depois de apertar minha
mão, perguntou se eu poderia trabalhar com o jovem que naquela semana estava
domando alguns dos seus pôneis Fell.
— Você fez uma das coisas mais maravilhosas que vi em toda a minha vida.
Ela estava realmente emocionada com o que vira a sua potranca fazer e por ter
testemunhado o que é possível em termos de comunicação entre homem e
animal.
Impressionado com a sua reação, esqueci quem ela era e onde estávamos.
Pareceu-me que a coisa mais apropriada a fazer era envolvê-la num gentil
abraço.
O resumo da minha visita ao Castelo de Windsor não acaba aí, mas é onde quero
deixá-lo por enquanto.
A primeira coisa que vi quando fui levado para fora de casa foram 2.300 acres de
terra de primeira localizada no que é conhecido como Tigela de Salada da
América — um solo fértil num clima temperado.
Entretanto, não era exatamente um cenário rural. Na verdade, estava situado nos
limites da cidade e era considerado área urbana — com uma diferença: todas as
construções tinham alguma coisa a ver com cavalos: estábulos, cocheiras,
piquetes de cria, pistas de equitação e picadeiros cobertos. Eram instalações para
cavalos.
Quando tinha apenas dois anos, já passava a maior parte do dia sobre um cavalo.
Estava certamente numa posição única. Existem poucas pessoas que podem
dizer que nasceram e foram criadas no solo da Pista de Rodeio de Salinas.
Esse local passou a existir por causa de um certo Sr. Sherwood, que, ao morrer,
deixou para a cidade de Salinas, em seu testamento, 2.300 acres de terra.
Estipulou, porém, que essas terras só poderiam ser utilizadas em atividades
relacionadas com cavalos.
As autoridades da cidade de Salinas chamaram meu pai para tomar conta das
terras. Ele concordou e logo depois foi iniciada a construção de 800 baias e uma
pista de provas com capacidade para 20 mil espectadores sentados. Isso tudo
ainda existe hoje em dia.
Além de ser o administrador geral, meu pai tinha a sua própria escola de
equitação. Todos os dias, minha mãe pegava uma perua, passava pelas escolas
locais, apanhava as crianças para as aulas de equitação e, acabada a aula, as
levava novamente para as respectivas escolas. As escolas primárias e
secundárias de Salinas tinham educação física no currículo, o que incluía
equitação, e os alunos se matriculavam na escola hípica do meu pai.
Ginger conhecia esse negócio de caubói de trás para frente, pois não fizera outra
coisa na vida. Não podia fazer nada se o garoto que o montava achava que podia
fazer ainda melhor. Ginger era paciente com o guri de três anos saltando sobre o
seu lombo e abanando os braços em todas as direções. Não se pode dizer que ele
teve uma aposentadoria nobre e pacífica, mas acho que se divertiu muito
também.
Claro que, na minha opinião, ele não errava nunca. Ele era o meu camarada.
Não demorou muito para meu pai notar que minhas habilidades sobre o cavalo
eram superiores ao normal. Eu podia fazer um cavalo andar, trotar e galopar.
Podia fazê-lo mudar de pé e manobrá-lo para que fizesse um oito. As manobras
me pareciam normais, mas lembro das pessoas comentando:
Meu pai tinha planos de tirar vantagem das minhas habilidades. Ainda não tinha
idade suficiente para frequentar o jardim-de-infância quando fui informado de
que precisava treinar mais forte e por mais tempo do que já treinava, Meu pai
contava mais comigo do que com meu irmão Larry, porque ele, além de ser mais
moço, nascera com problemas que nos seus primeiros anos fizeram com que
fosse, de certa forma, mais frágil do que eu. Larry precisava de cuidados
especiais. Eu podia ser forçado até o limite.
Quando me vejo montado sobre Ginger e o modo como puxava a sua boca,
maltratando-o — por pura ignorância —, fico muito triste, e espero que ele tenha
entendido que eu era apenas uma criança que não sabia o que estava fazendo.
Era a categoria júnior de stock horse de Salinas e a maioria dos meninos era
mais velha do que eu. Mas eu tinha Ginger do meu lado e ele sabia melhor do
que qualquer outro cavalo como conseguir notas altas nessas provas. Já fazia
isso havia anos em competições bem mais duras que as da escola. Tenho certeza
de que ele decidiu que seria bom levar o troféu para casa. E eu fui o campeão da
classe.
A publicidade que a minha família ganhou por causa dessa improvável vitória
minha e de Ginger teve um efeito intoxicante sobre os meus pais. De início,
houve um súbito progresso nos negócios. O Sr. e a Sra. Roberts eram certamente
os melhores professores, pois tinham um filho de apenas quatro anos que
ganhara um troféu.
Confirmara-se assim a crença do meu pai de que eu seria a criança que faria
famoso o nome dos Roberts no mundo dos shows equestres.
Vou aproveitar o momento para descrever meu pai, porque ele foi uma figura
importante na minha vida. Não quero dizer com isso que outros membros da
minha família fossem menos importantes. Ocorre apenas que minha família não
é o tema deste livro.
Minha mulher, meus filhos, nossos 47 filhos adotivos, meu irmão Larry e minha
mãe — nenhum deles aparece muito nas páginas que se seguirão, pois merecem
um livro somente para eles.
À parte do resto da minha família, peço permissão para descrever meu pai mais
detalhadamente, uma vez que tudo que consegui ocorreu por ele ter me
aproximado tão cedo dos cavalos. Ao mesmo tempo, se minha vida profissional
teve uma diretriz, ela foi a de opor-me a ele. O vigor com o qual me mantive
nessa diretriz é consequência da minha rebeldia contra ele e seus métodos.
Meu pai era um homem alto, musculoso, embora magro; feições bem-delineadas
sob cabelos castanho-claros. Era tão ordenado quanto as circunstâncias o
permitiam. Se encontrasse um amigo fraternal na cidade, diria que podia ser uma
pessoa amigável e sedutora.
Entretanto, desde o início ele manteve um olho clínico e crítico sobre mim. Não
perdoava e fiscalizava o que quer que eu fizesse, levando isso, às vezes, ao
ridículo.
Eu diria que seus métodos de tratar com cavalos eram convencionais, ou seja,
cruéis.
O método padrão de domar cavalos naquela época continua popular hoje em dia.
Um programa de televisão produzido em 1989 para celebrar os vinte anos das
viagens espaciais alegou que, enquanto o espaço era a grande fronteira de nossa
era, o “Oeste Selvagem” fora a fronteira anterior. Como o programa assinalou,
algumas coisas não mudaram desde aqueles tempos. Um dos exemplos
apresentados foi o modo de domar cavalos.
Meu pai mandara construir especialmente um redondel com seis moirões
solidamente fincados a distâncias iguais em volta do perímetro. Desse modo,
podia domar meia dúzia de cavalos ao mesmo tempo.
Desse modo, ele tinha seis animais, distantes dez metros um do outro, dentro dos
limites do curral. A essa altura, os cavalos já estavam aterrorizados.
A seguir, meu pai ficava no meio do redondel com um encerado ou com um saco
pesado preso à ponta de uma corda cuja outra ponta ficava presa na sua mão.
Então ele jogava o encerado sobre o lombo e em volta das pernas dos cavalos.
Quando o encerado atingia os animais, eles entravam em pânico. Seus olhos
reviravam, eles escoiceavam, empinavam e estiravam, a fim de se livrar daquilo
que restringia seus movimentos, como se suas vidas dependessem disso —
simplesmente porque aos seus olhos era o que estava acontecendo. Quem
poderia lhes dizer que aquilo não era o fim de tudo? O medo está na natureza dos
cavalos e aquele método os enlouquecia, fazendo com que lutassem por suas
vidas de todos os modos que pudessem. Suas cabeças e pescoços inchavam e
frequentemente se machucavam na tentativa de escapar do que para eles era uma
ameaça vital. O uso desse método era — e continua sendo — uma cena
desesperadoramente cruel aos meus olhos.
Este processo é chamado de “banho de saco”. Ele continua por mais quatro ou
cinco dias e o propósito é quebrar o espírito do cavalo e diminuir sua capacidade
de resistência.
Então, novamente com a posterior amarrada, colocam ama sela sobre o lombo do
animal Ele volta a resistir contra a incômoda novidade. O “banho de saco”
prossegue. Alguns lutam por muitas horas, outros se entregam mais rapidamente
e, confusos, aguardam por mais dor.
A essa altura já se passaram de oito a dez dias. Os cavalos sangram nas quartelas
onde as cordas estiveram amarradas. Em alguns lugares, já não há mais pelos,
graças à fricção. Frequentemente, todas as pernas apresentam equimoses ou
ferimentos ainda mais graves. A relação dos cavalos com seus mestres humanos
foi definida. Obedecem por causa do medo, e não porque assim decidiram.
Destruir a vontade de um cavalo é simplesmente uma coisa insana e
imperdoável. A força de vontade é uma das características dominantes do cavalo
e se for respeitada pode se tornar o aspecto mais sólido e gratificante do nosso
trabalho com eles. Nos cavalos que treinei durante minha vida, o que mais me
agradava era a vontade deles de fazer o que eu lhes pedia. Mas voltemos ao
“banho de saco”.
Quando meu pai montava um desses cavalos pela primeira vez, seus posteriores
eram amarrados para evitar que corcoveasse. Ele montava e desmontava do
animal, dava-lhe pontapés na barriga e tentava conseguir alguma reação violenta.
Se reagisse, era chicoteado.
Quando finalmente meu pai se convencia que havia “quebrado” o animal, ele o
desatava e o cavalgava dentro do redondel. Aqueles que ainda reagiam de
qualquer modo à carga sobre suas costas passavam parte do dia com uma das
pernas amarrada e puxada para cima.
O processo total para a doma dos seis cavalos levava no mínimo três semanas.
Meu pai estava sentado ao lado de um estranho quando acenou para mim,
pedindo que me aproximasse.
— Prazer.
Era 1940 e eu tinha cinco anos. Eu e meu irmão Larry estávamos concorrendo
ali nos Pickwick Riding Stables, de Burbank, Califórnia. Nessa área também
estavam localizados muitos estúdios de Hollywood, como a MGM, Paramount e
Warner Brothers.
Os dois olhavam para mim em expectativa, e eu estava curioso para saber o que
viria a seguir. O Sr. Page voltou a sentar-se para ficar no mesmo nível que eu e
explicou:
— Você sabe que as histórias sobre cavalos são muito populares no momento?
Você já viu alguma?
— O que acontece é o seguinte: todo mundo anda louco por histórias com
crianças e animais e coisas bonitas desse tipo para tentar esquecer os problemas
da vida, como a depressão econômica, a guerra na Europa, e assim por diante. O
problema é que não temos muitas crianças que montam cavalos.
Eu olhei meio de lado e comecei a entender o que ele estava querendo. Entendi
certo, pois logo surgiu um convite que eu estava pronto para agarrar com ambas
as mãos.
O Sr. Page sugeriu que ficássemos mais um dia e fôssemos até uma locação ali
perto onde a equipe de dublês do estúdio mantinha seus cavalos e treinava as
proezas que faria diante das câmeras. Meu pai concordou e nos preparamos para
um teste.
Na hora marcada nós aparecemos na locação e fomos recebidos por uma fila de
pessoas que esperavam para ver e julgar minha capacidade. Não sei quem eles
eram, mas imagino que fossem diretores. Só sei que disse um bocado de “alôs” e
apertei um bocado de mãos.
Isso eu fiz.
— Agora, volte da esquerda para a direita, se for possível.
— Agora, será que você pode esbarrá-lo e desmontar dele? — ele perguntou
isso como se duvidasse.
Comigo estava tudo bem. Eu já fazia esse tipo de coisas havia uns dois anos.
— Será que você poderia correr até lá e dar um jeito de cair do cavalo
enquanto ele ainda estiver se movendo?
Galopei o cavalo até o areal e caí para a direita. Uma salva de palmas se seguiu,
liderada, sem dúvida, pelo meu pai, que vira uma fila de automóveis último tipo,
novinhos, estacionados em frente ao estúdio.
— Você pode cair pela traseira do cavalo? Você pode passar por nós, mas
invisível, escondido do outro lado do cavalo?
Como a maioria da garotada, eu e meu irmão Larry havíamos visto filmes aos
sábados de manhã. Depois das sessões, eu e ele íamos para casa e tentávamos
copiar os truques que havíamos visto na tela. Até tínhamos uma sela própria para
fazer truques, que nosso pai comprara para nós numa velha selaria.
Eu deixei o estúdio com o corpo bastante dolorido, mas havia entrado no cinema
e nos próximos anos apareceria em muitos filmes.
— Ok, Monty, você laça o cavalo aqui no curral. Aquela linda garotinha
sentada sobre a cerca está te observando lá de cima Entendeu?
— Entendi.
— O cavalo te puxa, mas você se segura na corda como se tua vida dependesse
disso.
— Tudo bem.
— Entendi.
— Agora, se você for ao guarda-roupa, eles vão te dar umas calças iguaizinhas
às que Roddy McDowell está usando.
Era uma coisa simples, embora meu pai estivesse caminhando de um lado para
outro, atrás da câmera, sacudindo a cabeça e dizendo aos produtores quão
perigosa seria a sequência, sugerindo que o preço a ser pago deveria refletir o
nível do perigo a que seu filho se sujeitaria.
Então todos nós ouvimos aquele som de roupa se rasgando. O que ninguém
previra era que as calças que o departamento de figurino me dera eram feitas de
um material fino, quase um crepe, e a parte de trás foi arrancada com a violência
da cena.
E o que era pior: eles não tinham outro par de calças igual. As calças que eu
recebera foram trazidas para a locação especialmente para combinar com as que
Roddy McDowell usaria no resto da sequência, e eles não tinham outras iguais.
Quando fomos ver o filme acabado, havia uma parte em que Roddy McDowell
usava calças brancas num momento e logo depois, enquanto laçava um cavalo
que aparentava ser muito bravio, usava calças jeans para em seguida aparecer
novamente com as calças brancas. Foi quando descobrimos que não se pode
acreditar em tudo o que se vê na tela.
Dublei uma porção de crianças artistas. Fui Elizabeth Taylor em National Velvet.
Fui Mickey Rooney, Charlton Heston, Tab Hunter e muitos outros. Era uma boa
carreira para um menino que acabara de entrar para a escola primária.
Não sabia se havia mais cavalos ou pessoas, nem quem fazia mais barulho. A
multidão ameaçava me levar com ela e fui obrigado a ficar agarrado ao meu pai
para não me perder. Havia muitos gritos e chamadas, e o leiloeiro gritava no seu
agudo tom de voz. Todo tipo de cavalo era conduzido a uma pista para ser
exibido. Para um menino de sete anos, o leilão de cavalos era muito excitante.
Esprememo-nos perto da pista e olhamos os primeiros cavalos, sem que meu pai
demonstrasse qualquer interesse. Então, uma assustadiça potranca alazã, cuja
idade o programa do leilão dizia ser oito anos, entrou no tattersall. Ela brincava e
levantava a cabeça no ar, incomodada com a guia no pescoço, e atropelava o
homem que a anunciava como se tivesse apenas dois anos. Sem dúvida alguma,
era um animal com problemas e ninguém demonstrou interesse por ela. De
qualquer modo, ela era exatamente aquilo que meu pai estivera esperando. Ele
levantou o braço e a comprou por uma ninharia.
Pensei:
Meu pai deu a volta no tattersall e foi até as cocheiras para ver a potranca que
havia comprado. Eu corria atrás dele.
Quando pegou o animal, nos dirigimos rapidamente para um lugar onde não
poderíamos ser vistos pelos compradores de cavalos. No caminho, meu pai havia
apanhado uma guia, uma sela, uma cabeçada e um chicote.
Ele me deixou ali parado com as minhas instruções e correu de volta ao leilão
para concluir o negócio. Pelas próximas horas, seríamos apenas eu e a potranca
alazã.
Fiz com a potranca o que meu pai me pedira para fazer. Mas sempre que fazia
isso, tentava descobrir por mim mesmo qual realmente fora a causa do
comportamento problemático.
Ouvi a voz do leiloeiro se tornar mais rápida e mais alta enquanto o preço subia
duas, três vezes a mais da quantia que meu pai pagara pela potranca algumas
horas antes. Relembrando esse episódio, imagino que o leiloeiro devia saber o
que meu pai fazia. Não havia nada de ilegal naquilo, é claro, mas evidentemente
não era através dessa técnica que os problemas de qualquer cavalo em particular
podiam ser resolvidos; eles eram apenas mascarados. De qualquer modo, o
grande número de cavalos que montei criou uma experiência difícil de igualar.
Isso significa que desenvolvi a habilidade de ler e compreender os problemas
dos cavalos de modo rápido e acurado.
Durante os anos em que fiz esse tipo de coisas para o meu pai, tentei aprender o
que causava problemas aos cavalos, observando suas ações e reações.
Desenvolvi uma espécie de ouvido interior. Acreditava que os cavalos queriam
me transmitir alguma coisa e, o mais importante, passei a acreditar muito pouco
nas pessoas que lidavam com eles. Não que elas mentissem. Simplesmente não
ouviam.
O forte sol da Califórnia castigava a terra seca enquanto meu pai caminhava pelo
redondel no qual costumava “quebrar” os cavalos. Cada um dos seus
movimentos era seguido por uma profunda sombra negra, como uma presença da
qual ele não conseguia escapar. Ele foi até um dos seis moirões — quase tão alto
e magro quanto ele — nos quais costumava amarrar cavalos novos.
Ele estava enrolando uma corda para deixá-la amarrada no moirão, pronta para o
próximo pobre animal que dançaria na ponta dela como um peixe fisgado por
um anzol, quando sugeriu:
Quando ele fez a sugestão, não respondi. Não queria ter nada a ver com o tal de
“banho de saco”. Já havia visto os cavalos com uma perna amarrada, já havia
visto os cavalos sendo surrados e os ferimentos consequentes das surras. Até
mesmo os moirões em volta do perímetro do curral pareciam tétricas sentinelas,
guardando a reputação desse processo terrível.
— Além disso, não há mais nada que você não saiba fazer, embora seja apenas
um garoto.
Fomos caminhando até um curral próximo onde meu pai, debaixo do sol
inclemente, apontou para dois jovens cavalos.
“Não”, eu queria replicar, Eu não estava pronto para aquele negócio de bater nos
animais com sacos e nem para amarrar suas pernas. Nunca quis fazer isso e não
o faria se pudesse evitar durante toda a minha vida. Diante do meu silêncio, meu
pai continuou:
Perguntei:
Ele não sentiu minha relutância. Para ele, era incompreensível “quebrar” um
animal através de qualquer outro método que não fosse o dele.
— Alguns dias para quê? — ele perguntou.
— Talvez.
— Está bem, mas não tente nenhuma moda nova. Um cavalo é uma máquina
perigosa e você será inteligente se não se esquecer disso. É preciso machucá-los
primeiro, senão eles te machucarão.
Eu estava muito excitado com o que conseguira e corri imediatamente para casa,
a fim de contar tudo ao meu pai. Pedi a ele que viesse comigo e olhasse.
Ele me lembrou que havia dito para eu não tentar novidades enquanto me seguia
da casa até o redondel, a uma distância de pouco mais de 200 metros. Não dava
para eu julgar o seu humor. Talvez estivesse relutante em perder tempo para
nada. Talvez tenha sentido a minha desobediência e estivesse com raiva.
Quando chegamos, ele não disse nada. Não me perguntou o que veria nem que
diabos eu pretendia fazer. Simplesmente sentou- se na arquibancada, pouco
acima da cerca, e esperou.
Nesse ponto, olhei para cima, para o meu pai. Ele olhava para mim de boca
aberta. Não sabia como traduzir aquele olhar. Mas esperava que fosse de espanto
e talvez orgulho por eu haver domado o cavalo em apenas três dias.
Ele se levantou bem devagar, olhando fixamente para mim. Aquele olhar podia
querer dizer uma porção de coisas. Eis as primeiras palavras que gritou:
Acho que ele realmente acreditou que havia algo de maligno no que eu fizera.
Então, ele levantou a corrente e bateu com força nas minhas coxas e no meu
traseiro. Senti como que um choque elétrico do topo da cabeça à ponta dos pés e
senti o sangue ser drenado do meu crânio, como se fosse desmaiar. O impacto do
ferro sólido contra o meu corpo me deu certeza de que alguma coisa se
quebraria. Ainda lembro sua mão esquerda esmagando meu ombro. Era
impossível escapar. Usava a mão direita para me surrar com a corrente. A surra
continuou por diversos minutos. Finalmente fui deixado, em estado lamentável.
Ele usara comigo o mesmo tratamento que usava com os cavalos para levá-los à
submissão. Senti a mesma raiva, a mesma sensação de fracasso e — posso
informar agora — um ressentimento que duraria toda a vida. Era uma lição de
como não conquistar respeito e adesão. O que meu pai fez foi instalar o medo
dentro de mim e forçar-me a uma relutante obediência.
Com essa mancha de dor e decepção, aprendi uma segunda lição, Jamais voltaria
a mostrar ao meu pai qualquer parte do meu trabalho no treinamento de cavalos.
Isso eu prometi para mim mesmo.
Nunca mais me abri com ele — não por 44 anos. Em 1986, um pouco antes de
ele morrer aos 78 anos, eu o convidaria a se sentar na arquibancada de um
redondel novamente.
Era um homem encorpado, mais baixo do que o meu pai e com a compleição
atlética de um jogador de rúgbi — um centro de gravidade baixo. Vestia terno,
gravata e carregava uma pasta — não era coisa que se via muito por lá naqueles
tempos. Foi saudado por meu pai e minha mãe, e começaram a conversar de pé.
De onde eu e meu irmão estávamos, víamos nosso pai levantar a mão e apontar
em diversas direções. Quando começaram a caminhar, nós os seguimos a uma
certa distância, espiando por trás de celeiros para ver para onde se dirigiam.
Não demorou muito para descobrirmos que o estranho andava visitando locais
de concurso que não fossem parte costumeira da agenda de ninguém. Aos seis e
sete anos, Larry e eu adivinhávamos facilmente para onde as pessoas iam e por
quê. Enquanto os seguíamos, também sabíamos que alguma coisa esquisita
estava acontecendo.
De vez em quando, víamos o estranho tomar notas num bloco depois de dar
largas passadas, medindo os celeiros. Ele examinava, por exemplo, o perímetro
das cercas e voltava a tomar notas.
Um mês depois, chegou uma carta. Meu pai a leu em voz alta enquanto
escutávamos: “...foi confirmado que as instalações da Pista de Rodeio, de
propriedade da cidade de Salinas, deverão ser requisitadas para serem usadas
pelo governo dos Estados Unidos como um campo de concentração nipo-
americano.”
Mas essas pessoas eram nossos amigos e vizinhos. Alguns moravam nas
redondezas desde que podíamos nos lembrar. Estávamos definitivamente
confusos.
Nossos pais não podiam fazer mais nada a não ser prosseguir dizendo que as
coisas seriam diferentes enquanto a guerra continuasse. Os nipo-americanos que
vivessem na nossa área seriam trazidos para a Pista de Rodeio de Salinas.
Meu pai permaneceu calado por alguns instantes enquanto dava outra olhada na
carta. Leu em voz alta de novo: “Outros prédios serão construídos para
providenciar instalações de uso comunitário.”
Estou certo de que o Sr. Sherwood não previra tal reviravolta nos
acontecimentos ao doar as terras para a cidade de Salinas.
É claro que após alguns instantes ocorreu a mim e a Larry que os acontecimentos
não afetariam apenas os nossos amigos japoneses, mas também interfeririam em
nossas vidas. Tínhamos uma lista de perguntas para nossos pais.
Meu pai dobrou a carta e explicou que nos haviam pedido para escolher o menor
de dois males. Teríamos que reduzir a escola de equitação e o treinamento de
cavalos ao mínimo, quase zero, se quiséssemos continuar vivendo onde
vivíamos. Poderíamos também optar pela mudança.
Foi uma experiência traumática não apenas para mim e meu irmão, mas também
para nossos pais. Se decidíssemos continuar morando em nossa casa, viveríamos
em condições restritas, atrás de cercas de arame farpado, como se também
fôssemos prisioneiros. Ficássemos ou fôssemos, teríamos que vender quase
todos os nossos cavalos.
Para aumentar ainda mais a confusão, para mim e Larry era difícil entender por
que estávamos na guerra. Estudávamos na escola fundamental e tínhamos muitos
colegas japoneses. Alguns deles eram nossos amigos e viviam pertinho com seus
pais, que administravam fazendas com sucesso.
Agora, eles todos seriam aprisionados à volta da casa que chegáramos a pensar
como nossa, embora tecnicamente pertencesse ao município de Salinas.
Decidimos ir embora.
No que me dizia respeito, minha vida chegara a um fim. Não conseguia dormir e
chorava durante a noite. A maioria das minhas preocupações era egoísta, como
tendem a ser as preocupações infantis. Naquela época eu já me convencera de
que seria um cavaleiro campeão, com um belo futuro em concursos. E agora?
Todos os nossos cavalos e equipamentos seriam vendidos!
Para nos ajudar a compreender tal decisão, nos informaram que a carne de
cavalo era necessária para o esforço de guerra. Em quase todo o mundo,
soldados americanos, não muito mais velhos do que nós, estavam vivendo em
condições desesperadoras. O resultado positivo da guerra contra a tirania
dependia de quão bem alimentados mantivéssemos os nossos rapazes. A carne de
cavalo que providenciávamos iria para eles, que, de estômago cheio, venceriam a
guerra.
Na verdade, não havia outro lugar para mandar os cavalos. A gasolina estava
racionada e as pessoas não podiam nem mesmo pagar pelo transporte dos
animais.
Era uma casa construída nos anos 20, de madeira com lambris. Tinha três
quartos de dormir e um assoalho elevado. Tínhamos que passar por um longo
pórtico antes de entrar. Havia um pátio nos fundos, com uma magnólia, e logo
descobri que era alérgico a essas flores. Era uma casa urbana, com vizinhos por
todos os lados.
Isso era uma coisa diferente de qualquer outra que eu houvesse conhecido e não
gostei nem um pouco. Minha mãe tentou me consolar. Apanhou um enorme
globo do mundo, levou-o para o meu quarto e pediu-me que achasse o Japão.
Depois de algum tempo, acabei achando o local certo.
— Aqui.
— Agora, Monty, olhe para esses dois lugares. O Japão é uma coleção de
pequenas ilhas. Os Estados Unidos são um país imenso, não é mesmo? Ora, se
você comparar o tamanho do Japão com o dos Estados Unidos, vai compreender
por que em poucos meses a guerra terá acabado e poderemos voltar para nossa
casa.
Pediram ao meu pai para se tornar um policial. Ele tinha 34 anos e, por lei, não
podia entrar para as Forças Armadas, mas a carência de jovens e mais o fato de
ele ter sido guarda florestal um dia tornavam-no ideal para o departamento de
polícia de Salinas.
Quando soubemos que ele seria nomeado para a polícia, tive a impressão de que
a mudança em nossas vidas seria mais ou menos permanente. Nunca mais
voltaríamos à Pista de Rodeio.
De qualquer modo, aconteceu uma coisa que impediu a minha vida de se afastar
muito do curso que eu havia traçado tão firmemente para ela. Meu pai deu um
jeito de alugar um terreno nos limites da cidade. Era apenas um celeiro cercado
por poucos acres de terra. Não podia se comparar com ao que estávamos
acostumados, mas permitiria que mantivéssemos entre dez e quinze cavalos para
treinamento.
Embora meu pai fosse um homem cruel e amedrontador, ele me dera de volta o
que eu mais queria no mundo: um futuro com cavalos.
Brownie tinha pouco mais de um metro e meio. Sua mãe era uma égua
mustangue e seu pai um puro-sangue inglês — um dos garanhões de monta do
governo. Brownie era parte de um projeto no qual a cavalaria dos Estados
Unidos largava garanhões puro-sangue nas pradarias para se misturarem aos
mustangues selvagens. Os produtos dos garanhões puro-sangue com as éguas
mustangues eram perfeitos para a cavalaria. Para facilitar essa situação, o
exército pagava aos rancheiros pelo mustangue macho que matassem. Nascidos
e crescidos os potros, a cavalaria era chamada para capturá-los, deixando para os
rancheiros as potrancas como um pagamento adicional por sua colaboração na
iniciativa.
Como dizia o seu nome, Brownie era todo castanho-escuro, menos em algumas
polegadas do focinho, onde a cor se tornava mais clara. Tinha ainda um pequeno
ponto branco no centro, entre os olhos, o que lhe dava um olhar direto e
concentrado. Tinha cascos bem-formados, duros como pedras — uma lembrança
da sua parte mustangue.
No minuto em que Brownie chegou e eu soube que ele seria meu, quis me ligar a
ele como se fosse parte dele e vice-versa.
Senti um aperto no coração. Como eu poderia vir a ser o melhor amigo daquele
animal quando na sua primeira tentativa de confiar em seres humanos ele seria
violentado? Mas eu tinha muito medo do meu pai para falar qualquer coisa
Brownie foi tirado da baia e amarrado a um moirão que fora firmemente fincado
na terra para poder aguentar a reação do cavalo quando fosse punido. Ele ficou
parado pacientemente enquanto meu pai caminhava em volta dele e desenrolava
a corda.
De uma certa distância, meu pai bateu pesadamente com a corda e, ao contato da
pele com o papelão, Brownie pulou para um lado como se sua vida dependesse
daquilo — e, segundo sua visão, dependia. Tentou esticar a cabeça, mas foi
impedido pela corda. Isso foi apenas o começo.
A guerra precisava de todos os veículos e era difícil adquiri-los. Quando meu pai
entrou para o departamento, lhe disseram que ganharia um salário maior se
permitisse que equipassem seu carro como viatura policial.
Nosso carro era deveras singular. Lembro do meu pai chegar em casa um dia —
isso aconteceu quando ainda morávamos na Pista de Rodeio — e dizer que
precisávamos de um veículo maior por causa dos alunos de equitação. Disse que
os Müller, donos de uma funerária em Salinas, tinham exatamente do que
precisávamos.
Não era exatamente o rabecão, mas era a limusine em que a família do morto
viajava nas procissões fúnebres. Tratava-se de um Cadillac seda 1932, com
enormes estribos, e equipado com todos os acessórios existentes na face da Terra
— o tipo de carro que Al Capone dirigiria. Era imensamente espaçoso e
abrigaria muito mais alunos de equitação do que qualquer carro novo que
pudéssemos comprar pelo mesmo preço. Como muitos automóveis da época, não
tinha um porta-malas tradicional. O porta-malas se parecia mais com um enorme
baú de metal com um ferrolho, aparafusado na traseira do veículo.
Não levou muito tempo para os alunos reduzirem-no da sua condição imaculada
a uma coisa que mais parecia um estábulo sobre rodas.
Quando nos mudamos para a cidade em 1942, levamos conosco o carro que foi
posteriormente transformado em viatura policial. Lembro de andar nele com
meu pai quando ele recebia chamados radiofônicos, ou quando via alguém violar
algum regulamento de trânsito. A luz vermelha se acendia, a sirene começava a
soar e, a toda velocidade, íamos “apreender” o suspeito. Meu pai levava com ele,
o tempo todo, o seu distintivo, e no porta-luvas havia sempre um bloco de multas
e um par de algemas. O porta-luvas geralmente guardava também um revólver.
Tarde da noite, num dia de primavera de 1943, estávamos voltando de carro para
casa. Fora um longo dia. Treináramos muitos cavalos e cuidáramos do trato de
outros nas instalações de Villa Street, na zona rural Agora estava escurecendo.
— Estou.
Fui invadido pelo medo. Todas as outras vezes em que estivera no carro e ele
tivera que atender a um chamado, jamais precisara se defender com um revólver.
O velocímetro do Cadillac pulou para quase 100 quilômetros por hora. Ele ligou
as sirenes e a lanterna pisca-pisca vermelha. O carro balançava furiosamente de
um lado para outro enquanto cobria a distância até Chinatown. Os faróis
denunciavam gente correndo para sair do caminho.
Poderia dizer-se que nasci em 1943 com a idade de oito anos Antes daquele dia,
eu era uma pessoa inteiramente diferente.
Ao recontar esse caso, quero deixar claro que não estou tentando vilipendiar a
memória do meu pai. Ele nasceu e foi criado no mundo duro e muitas vezes
cruel dos pioneiros americanos. Sua educação e suas experiências fizeram dele o
homem que foi. A geração que nos separava podia ter cem anos em termos do
que houve na América durante as poucas décadas da virada do século. Enquanto
crescia, meu pai teve que se defrontar com a lei natural do “matar ou morrer”
quase diariamente.
Ele amoleceu um pouco com o correr dos anos. Quando minha mulher e meus
filhos foram conhecê-lo, já não era o homem frio e rígido que conheci na
infância. Conseguira livrar-se da luta dentro dele.
Fico sempre constrangido ao ter de mencionar a dificuldade que meu pai tinha
em relação ao tema racial. Meio índio cherokee, ele sofreu na carne o
preconceito racial enquanto crescia. Ainda assim, ficou irritado pelo fato de a II
Guerra Mundial ter trazido negros para nossa vizinhança, até então quase 100%
branca. As instalações militares do Forte Ord ficavam a vinte minutos de carro, e
muitos soldados negros estavam baseados lá. Talvez seja verdade que as vítimas
do preconceito racial sejam os primeiros a infligir racismo aos outros quando a
oportunidade se apresenta.
O que escrevi não é desculpa para o que aconteceu, mas uma tentativa de ganhar
do leitor uma visão mais compreensiva para as ações de meu pai, que sempre me
ensinou o que eu não deveria querer ser, em vez do que eu poderia vir a ser.
À medida que o carro corria para a cena do crime, meu pai me deu uma segunda
ordem:
A rua estava cheia de gente. Algumas pessoas falavam com meu pai e
apontavam em direção ao saloon. Estavam agitadas e sussurravam entre elas.
Pude ver que meu pai se preparava para entrar.
Repentinamente, tive a impressão de que todos fizeram silêncio, pois tudo o que
eu conseguia ouvir eram as batidas do meu coração enquanto deslizava para
dentro do bar.
Dentro, não mais do que dois metros afastado de mim, vi meu pai de costas para
a porta. Os empregados do bar estavam todos juntos, espremidos num canto do
balcão. A única pessoa que se movia era um negro alto e pesado.
Virou-se para o barman apontando uma faca quase do tamanho de uma espada.
O assaltante havia estirado seu paletó no balcão e sobre ele já havia carteiras,
relógios, anéis e pulseiras. Evidentemente, já limpara todos os presentes no bar e
agora se preparava para embolsar a féria. Acabado o serviço, faria do paletó uma
espécie de saco para o produto do roubo.
Nesse momento, meu pai levantou a insígnia policial bem para o alto, para que
todos pudessem claramente determinar sua autoridade, e berrou:
— Polícia! Fique onde está, deixe cair a faca e ponha as mãos sobre o balcão.
Então, em vez de obedecer ao meu pai, o negro voltou-se diretamente para ele
com a faca na mão.
Nesse momento, rezei em silêncio para que meu pai desistisse e saísse do
caminho do assaltante. Mas ele não fez isso. Ao contrário, deu um passo para a
frente, em direção à faca. Um ferimento grave ou até mesmo a morte
aguardavam por ele. Não tinha uma arma com que se defender. Tratava-se de um
ato de bravura, mas o terror tomou conta de mim. Naqueles poucos segundos
tive medo de ficar sem pai.
Tudo isso passou vertiginosamente pela minha cabeça, enquanto eu via meu pai
se aproximando do assaltante e dizendo:
— Não faça isso consigo mesmo. Ponha a faca no balcão. Vire-se e levante as
mãos. Desista, rapaz!
Meu pai tirou o corpo fora, fez um gesto com o braço e, quando vi, sua mão
segurava o pulso do negro, próximo ao cabo da faca.
Com um movimento ágil, levou o braço do homem para trás das costas e
obrigou-o a largar a arma, que caiu no chão. Em seguida empurrou o homem,
que caiu de costas, batendo com a cabeça na quina do balcão. Ele continuou
caindo e na queda bateu novamente com a cabeça no apoio de metal para pés, na
parte inferior do balcão.
Senti a emoção correr dentro de mim. Meu pai estava vivo e não precisara usar
uma arma para derrotar um criminoso armado.
Observei então quando meu pai ficou parado em frente à forma inconsciente do
homem. Vi-o levantar o corpo o mais alto que pôde. Então ele largou o corpo
que devia pesar mais de cem quilos. Enquanto caía, meu pai lhe deu um joelhaço
no peito com tanta força, que deve ter lhe quebrado algumas costelas.
Agora, eu não sabia mais o que deveria sentir. Meu pai batera num homem
desmaiado. Podia até ter cometido homicídio.
Meu pai algemou o homem. O pessoal do bar e o pessoal que a tudo assistia do
lado de fora da porta estavam agora conscientes de que a situação havia mudado
definitivamente. Já não eram mais as vítimas amedrontadas. Agora estavam do
lado vencedor.
Meu pai apanhou a faca pela ponta da lâmina e a entregou ao barman para que a
carregasse para ele. Segurou a corrente que ligava as algemas e arrastou o
homem, imóvel como um saco de batatas.
Quando se virou para o lado da porta, me dei conta de que eu estava onde não
deveria estar e corri para dentro do carro. Assim que bati a porta, olhei para fora
e vi meu pai emergir do bar cercado de gente. Deu mais um puxão na corrente
das algemas e deixou o corpo cair na calçada.
Meu pai deu a volta e abriu a porta de passageiros do carro. O barman lhe
entregou a faca e ele a colocou cuidadosamente no banco ao lado daquele onde
eu estava sentado.
Então ele foi para a parte de trás do Cadillac e abriu o enorme baú-porta-malas.
De dentro, tirou alguns sacos de aniagem vazios com os quais forrou a parte de
trás do carro, a fim de evitar que ficasse manchada de sangue. Abriu bem as
portas do carro e colocou o homem sobre os sacos. Depois, entrou no automóvel.
Como a faca ocupava o banco de passageiros, fiquei espremido contra o meu
pai, evitando encostar nela. Ele mandou que eu a apanhasse pela ponta da lâmina
e a colocasse dentro do porta-luvas. O fato de a arma caber direitinho no porta-
luvas dá uma idéia do seu tamanho.
Quando o carro partiu, ouvi sons provenientes da garganta do homem, mas meu
pai não parecia preocupado. Disse-me que o homem estava fingindo e
acrescentou:
Meu pai falava pelo rádio e explicava como o assaltante tentara cortá-lo com
uma faca. A história da prisão foi narrada em tom exibicionista.
Meu pai apanhou a corrente das algemas de novo, levantando a cabeça e o torso
do homem, e o foi arrastando escada acima em direção ao interior da delegacia.
Ele subia alguns degraus, sacudia o homem, outros degraus mais, mais
sacudidas.
Ninguém tentou achar uma padiola e ninguém o ajudou. Aquele era o seu troféu.
Ele o pegara e agora o levava para exibir aos seus irmãos policiais.
Eles riam atrás dele, seguindo a trilha de sangue deixada pelo homem. Dentro da
delegacia, no topo da escada, estava a mesa do sargento. Arrastando o homem
pelos poucos metros que faltavam, meu pai o largou no piso de concreto em
frente à mesa do sargento.
— Peguei uma carteira de motorista do bolso dele. Aqui está o nome. Registre
o bicho e peça a alguém para lhe tirar as impressões digitais.
Pessoas acendiam cigarros. Os policiais riram muito quando meu pai recontou a
história, dando ainda mais ênfase à violência e ao drama.
Implorei a meu pai que fizesse alguma coisa para ajudar o homem moribundo.
Ele olhou para baixo, olhou para mim e gritou:
— Cale a boca e volte já para o carro. Este sujeito é cheio de manhas. Está
fingindo. Não há nada de errado com ele.
Depois, virou-se e foi atrás do homem. Ele não havia ido longe. Tropeçara no
topo da escada e caíra até a calçada, batendo com a cabeça no tronco de uma
árvore. Mais uma vez ficou imóvel.
— Vá para o carro!
Corri para o Cadillac, abri a porta e enterrei a cabeça no estofamento. Então ouvi
o som da porta se abrindo, da porta se fechando e da chave do carro dando
partida. Estávamos indo para casa.
Quatro dias depois, perguntei ao meu pai o que acontecera com o homem que ele
prendera. Ele replicou:
Meu pai deve ter sentido o meu choque e inventou rapidamente uma história:
— Ele não morreu por causa dos ferimentos. Morreu de pneumonia. Aquele
garoto se recusava a se cobrir com a colcha durante a noite. Resultado: apanhou
uma pneumonia e morreu.
Anos depois, me informaram que o homem que meu pai prendera fora largado
numa cama com costelas quebradas, pulmões arrebentados e cabeça rachada...
até morrer.
Nesse sentido, hoje compreendo que me tornei uma vítima da agressão do meu
pai. Mas eu não via as coisas dessa maneira naquela época; tudo o que sabia era
o medo que ele me inspirava. Do momento do assalto até tornar-me um adulto
tive que controlar minha vida e tentar dirigi-la para longe da sua influência.
Certa noite, dois meses mais tarde, ele me disse que sairíamos juntos.
— Vamos ver as lutas — ele falou — e você vai encontrar lá um homem muito
especial.
Fomos de carro até a National Guard Armory e passamos por uma multidão que
estava do lado de fora do prédio.
Minha pulsação acelerou. Aquele era o primeiro da sua raça que eu via desde o
assalto.
— Venha, Monty, quero que você conheça Joe Lewis. Ele é o campeão
mundial dos pesos-pesados.
— Oi, Marvin.'
Na esperança de acabar com a minha timidez, Joe Lewis apontou para o próprio
ombro e disse.
— Ei, homenzinho, bata-me, eu o desafio.
Mas eu não consegui fazer a brincadeira. No final, ele apanhou minha mão,
fechou-a em forma de punho e bateu com ela contra seu ombro, fingindo que
havia sentido grande dor.
Um fotógrafo estava ajeitando a câmera ali perto e disse que estava pronto.
Meu pai passou o braço sobre os ombros de Joe Lewis e a foto foi batida.
Essa raça pequena e especial era decidida, de fácil trato, calma, com patas bem-
desenvolvidas. Esses cavalos podem ser comparados muscularmente ao
buldogue, com a garupa bem redonda e um belo coração.
Meu pai tinha atração por esse tipo de corrida. E eu adorava a emoção.
É claro que os garotos menores eram os preferidos para montar o quarto de
milha, pois o peso era mínimo para o animal. Naquela época eu montava um
quarto de milha por cinco dólares e ganhava dez se vencesse a corrida.
É claro que havia também quantias enormes trocando de mãos nas apostas entre
espectadores e proprietários. O jogo ainda não fora regularizado e não tinha a
sanção de nenhuma associação turfística. Isso, é claro, o tornava mais animado,
rápido e aguerrido — uma atmosfera intoxicante que é o alimento de qualquer
jogador inveterado.
Não havia licença para os jóqueis, pouca importância era dada à sua segurança, e
eu mesmo cansei de montar sem capacete.
O Sr. Frank Vessels era um dos principais proprietários desse tipo de cavalo e
seu treinador era um homem chamado Farrell Jones.
Nesse dia, Farrell Jones tinha um quarto de milha jovem, impaciente, atrás do
partidor. Olhava os partidores como se fossem bocas de jacaré prontas para
engoli-lo. Olhava temeroso para a pista, como se ela tivesse sido preparada
apenas para assustá-lo, com aqueles fardos quadrados de feno e alfaia prontos
para caírem nos seus flancos. Olhando para aquele cavalo, tive a impressão de
que ele estava com medo de que o chão afundasse e o céu caísse sobre sua
cabeça.
Acompanhando o animal estava uma égua veterana que sabia tudo sobre essas
corridas e que, se pudesse, contaria histórias sobre os tempos em que alcançara o
cavalo que estava na ponta no último fôlego, numa corrida que durava alguns
poucos segundos.
Isso continuou até que as poucas pessoas que, como eu, a tudo assistiam,
começaram a ficar tontas, e tenho quase certeza de que o cavalo estava morrendo
de tédio com aquela história de andar em círculos sem parar.
Então, Farrell o levou para dentro do boxe, fechou a porta da frente e ofereceu
ao cavalo um balde de ração para fazê-lo se sentir à vontade. A égua era
perfeitamente visível para o cavalo noviço, através dos intervalos entre os
sarrafos de ambos os lados do partidor.
Nós todos estávamos nos perguntando se aquele era um novo método para fazer
o cavalo, que ainda não estreara, disparar assim que o portão se abrisse.
Depois de ver que o cavalo estava à vontade dentro do boxe fechado, Farrell
mandou que abrissem os portões, mas não conduziu a montaria para fora. Oh,
não, isso seria demais. Deixou que o cavalo ficasse sozinho no boxe o tempo que
quisesse. Ele decidiria quando sair. Quando saiu, foi um momento excitante.
O que Farrell Jones fazia era tirar do cavalo toda a pressão do método de
treinamento.
Algumas poucas horas depois, Farrell conduziu seu potro para o boxe com a
maior facilidade. Com o focinho apertado contra o portão da frente, ficou
esperando na maior antecipação, pensando apenas em ir para frente, pronto para
voar por sua própria vontade e ir ao encontro da égua que era mantida um pouco
atrás, de modo a permitir que o potro a alcançasse e “vencesse’' a corrida.
Eu estava impressionado com o que vira Farrell Jones fazer e queria saber tudo
sobre o assunto. Perguntei como chegara ao seu método.
Farrell Jones provou para mim que essa crueldade — chicotear os animais nos
boxes para amedrontá-los e fazer com que queiram sair — era não somente
desnecessária, mas também prejudicial, pois tinha um efeito contrário.
Esse exemplo tornou-se parte da minha filosofia de que o homem não deve
nunca dizer ao cavalo “você deve fazer isso”. Deve, isso sim, convidar o cavalo
a correr “porque você vai gostar de fazer isso”.
Levando a coisa um pouco mais adiante: pedir a um cavalo para fazer alguma
coisa não é tão inteligente quanto induzi-lo a querer fazer alguma coisa.
Cavalos querem correr, isso é natural para eles e se não são treinados direito
podem perder a vontade de fazer exatamente o que mais querem, correr seu
potencial ao máximo — e eles gostam tanto de correr quanto nós gostamos de
vê-los correr.
Como acabou acontecendo, eu trabalhei a maior parte da minha vida em corridas
de cavalos puro-sangue e até hoje continuo firme na minha crença de que os
chicotes deviam ser banidos. Não há razão para eles se os treinadores se
aproveitarem da vantagem que é a vontade do cavalo de correr. Certamente, eu
não quero nenhum chicote por perto dos lugares onde treino meus cavalos — por
motivo algum desse mundo.
Bem cedo, ele elevou a modalidade sprint, como são chamadas as corridas de
arranco e pouca distância, à mesma classe das corridas de puros-sangues.
Poucos meses antes de 1949, montei minha última corrida em King City,
Califórnia. Era apenas uma cidade rancheira, mas lá havia dois proprietários que
se tornariam muito importantes nas corridas de quarto de milha: Gyle Norris e os
irmãos McKensie. Os irmãos McKensie eram donos de uma égua de primeira
ciasse chamada Lady Lee, que tive a sorte de montar algumas vezes. Eram
também proprietários de um quarto de milha chamado Dee Dee, que foi em 1946
o mais velho campeão da sua linhagem.
Farrell Jones se tornou o líder nas estatísticas dos treinadores de cavalos puro-
sangue nos Estados Unidos. Seus métodos e seu pensamento original
mantiveram-me na boa estrada, pois foi ele quem me deu a primeira lição. Seu
filho, Gary Jones, é atualmente um dos melhores treinadores do país.
Montados sobre cavalos de um tipo particular naqueles tempos pioneiros e
naquelas pistas improvisadas, nós todos começamos a indústria de corridas de
quarto de milha, uma universidade para mim no que diz respeito aos partidores.
Quando eu tinha nove anos, meu tio Ray me contou uma história antiga: a
história da nossa descendência de cherokees.
Meu avô nascera no País de Gales, Reino Unido, em 1870. Meu amor por
cavalos talvez se deva a ele, que os usava na agricultura, para caçar raposas e
pelo prazer de montar. Ele se chamava Earl Roberts e emigrou para os Estados
Unidos aos 17 anos.
Quando meu avô Earl foi para o oeste para construir essas estradas através de
Serra Nevada, as turmas de trabalhadores só podiam trabalhar seis meses por
ano. O resto do tempo, os caminhos estavam bloqueados. Só posso imaginar o
trabalho que deve ter sido cortar essas montanhas usando apenas homens e
animais.
Earl fora contratado para prover cavalos de carga nesses projetos rodoviários e
também cavalos de sela para os capatazes que dirigiam as turmas de
trabalhadores.
Os trabalhadores eram imigrantes como ele, mas havia também índios da nação
cherokee que tinham sido trazidos para Nevada, pelo governo dos Estados
Unidos, de suas reservas no meio-oeste.
Entre eles havia uma mulher que se tornaria minha avó, uma jovem cherokee de
menos de vinte anos, Ela se chamava Sweeney, nome tirado do sobrenome do
agente que transportou sua família para Nevada ...
Entre as poucas coisas que tinha, havia documentos que a classificavam como
uma cherokee puro-sangue, com direitos especiais desde o berço.
Earl pediu à família de Sweeney para casar-se com ela, e ela lhe deu nove filhos,
um atrás do outro, dos quais cinco sobreviveram, entre eles meu pai e meu tio
Ray.
Quando Ray, o filho mais moço, tinha 11 anos, Sweeney decidiu que cumprira
sua parte do contrato de casamento com Earl. Um dia, quando a família acordou
pela manhã, ela havia partido.
Pouco depois disso, Ray, que tinha 11 anos, pegou pneumonia. Earl decidiu levá-
lo de volta para Sweeney, na reserva dos cherokees onde ele foi adotado pela
tribo e criado até se tornar adulto. Teve a vantagem de aprender tanto os
costumes índios como os brancos.
Meu tio Ray me disse que, antigamente, quando os cherokees queriam capturar
cavalos selvagens nas grandes planícies do meio-oeste americano, eram
confrontados sempre com o problema de como chegar perto deles o suficiente
para laçá-los. Acabaram superando esse obstáculo de modo extraordinário.
Então, quando decidiam que era a hora certa, os cherokees davam a volta e
passavam a andar na direção oposta à dos cavalos selvagens.
Os índios simplesmente guiavam os cavalos até currais que mediam entre dois e
cinco acres.
Mas para o menino de nove anos que eu era quando o tio Ray me contou a
história, aquilo era um mistério. Acreditei que fosse verdade, mas não sabia por
quê.
No pequeno mundo de um menino entre oito e onze anos, naquela época, nos
meus sonhos, a morte me pareceu uma certeza durante algum tempo, logo depois
que nos mudamos da Pista de Rodeio.
Agora, com o fim da guerra, era muito confuso para qualquer um voltar à
normalidade. Para meu pai, isso equivalia a lutar para retornarmos à Pista de
Rodeio. Significava também me inscrever no maior número possível de provas
pelo país inteiro.
Isso era exatamente o que eu queria fazer, mas era uma coisa muito frenética. O
retorno à Pista foi como um circo, um festival.
Os japoneses haviam retornado para suas casas, mas o local ficara em condições
horríveis. Tivemos que empurrar localizadores magnéticos de um lado para outro
durante semanas, pois os trabalhadores que haviam desmantelado as instalações
onde viveram os prisioneiros deixaram pregos, parafusos e tachinhas no chão, o
que era uma ameaça para os pés dos cavalos.
Meu pai mandou serrar o teto do Cadillac para transformá-lo numa picape e eu
passava os dias indo e vindo do depósito de lixo.
Com o custo do equipamento — para não falar dos cavalos —, havia muito risco
envolvendo nossa volta aos negócios. Tínhamos seguidas reuniões de família em
volta da mesa de jantar da nossa antiga casa.
Meu pai nos disse que se quiséssemos ser bem-sucedidos teríamos que contar
apenas conosco, sem o auxílio de empregados. Só podíamos nos dar ao luxo de
contratar um homem, Wendell Gillott, que já havia trabalhado para nós e que
havia acabado de retornar do Havaí. Era um bom sujeito. Não tinha o maior Q. I.
do mundo, mas era doido, engraçado e trabalhador.
Eu e meu irmão Larry fomos informados que nosso período escolar seria
mínimo, para que pudéssemos ajudar Wendell em tudo o que fosse necessário.
Eu pulava da cama, às vezes antes das cinco da manhã, para dentro das mesmas
calças que usara no dia anterior e que deixara no chão do quarto. Tinha pressa —
precisava limpar 22 baias antes do café da manhã. Logo, meu irmão Larry
estaria me fazendo companhia. Ele tinha dez baias para limpar — menos do que
eu por ser mais jovem e menos forte, graças à doença que o atacou quando era
pouco mais do que um bebê.
Eu dava um “alô” rápido para Wendell antes de limpar uma baia de alto a baixo,
repor a serragem necessária e partir para outra.
Enquanto trabalhava, ia contando o tempo. A idéia era não levar mais de três
minutos e meio em cada baia, de modo que as 22 estivessem limpas em menos
de uma hora e meia. Era como uma corrida. Quando jogava o ancinho contra a
parede, levantava as mãos para o ar como os vaqueiros fazem para informar ao
cronometrista do rodeio que o bezerro está no chão com as quatro pernas
amarradas.
Então, todos nós — meu pai, minha mãe, Larry e eu — dávamos aulas de
equitação. As turmas tinham entre seis e doze alunos. Havia crianças de todo
tipo. Uns morriam de medo de cavalos, outros eram valentes e até
irresponsáveis, outros prestavam atenção. Nós fazíamos o melhor que podíamos.
Às 5h30min da tarde, minha mãe deixava as crianças da vizinhança em suas
casas.
Minha mãe, por volta das 6h30min, já estava preparando o jantar e eu era o seu
ajudante, o que fez com que me interessasse por culinária. Depois do jantar,
tínhamos os deveres escolares.
Embora eu só estivesse na escola 10% do tempo normal, meu pai insistia para
que eu tirasse as melhores notas. De qualquer ponto de vista, ele era um incrível
cobrador de tarefas.
A capacidade de uma criança da minha idade na época é muito elástica, mas ele
esticou a minha ao último limite. Talvez crédito igual deva ser dado à Srta.
Parsons, que me tutorava e fazia com que eu quisesse passar em todas as
sabatinas e exames. Sua bondade, paciência e compreensão permitiram que eu
ganhasse nota dez em quase todas as matérias, apesar de passar tanto tempo
ausente da escola.
Acho que tinha uma cenoura amarrada na frente do meu rosto e um chicote atrás,
como nos desenhos animados.
Entre os fazendeiros locais virara moda andar de um lado para outro dentro de
jipes militares quase novos em folha, que eles compravam por pouquíssimo
dinheiro. Desconfio que, de um modo ou outro, compravam também muitas
armas militares.
Meu pai também foi contagiado pela febre de comprar equipamento militar, mas
de um modo bem diverso. Dito hoje, isso parece extraordinário, mas ele
arrendou um vagão da cavalaria do exército americano. E lá estava ele, imenso
como a vida, o nosso próprio vagão de transporte. O pagamento para garanti-lo
por muitos anos era mínimo. Desenhado para transportar montarias de oficiais
pelo país sobre os trilhos das diversas estradas de ferro, tinha baias para quinze
cavalos.
Meu pai raciocinou que, embora houvesse menos provas e mesmo essas fossem
menos propagandeadas do que antes da guerra, com o vagão chegaríamos a
qualquer rodeio, por mais distante que fosse.
Além disso, com o fim da guerra as provas tenderiam a aumentar e ele queria
tirar todas as vantagens do retorno à vida normal.
Pelos dez anos que se seguiram, aquele vagão seria o meu lar longe do lar
durante os longos verões.
Meu pai ficava para trás, a fim de atender seus compromissos de policial e
empresário-treinador de cavalos. No vagão, viajavam comigo, além do meu
favorito, Brownie, até oito cavalos, um tratador e a Srta. Marguerite Parsons.
Alguns anos depois eu viria a descobrir que aquele era o som de uma mulher
tirando e botando a roupa de baixo, mas naquele momento o ruído simplesmente
se juntava às misteriosas qualidades da minha professora.
Uma das primeiras ocasiões em que usamos o vagão foi para ir a uma prova em
Pomona, no sul da Califórnia.
A Srta. Parsons, por sua vez, antes das viagens, estava sempre ocupada
preparando os deveres escolares que eu teria que fazer para manter-me em pé de
igualdade com os outros alunos que ficavam na escola.
O trem da Southern Pacific nos levou para o sul. Passamos por San Luis Obispo,
Santa Bárbara e Ventura em direção à bacia de Los Angeles. Espiando para fora,
pela malha de arame que protegia as janelas do vagão, vi uma paisagem
extraordinária antes e depois de o trem cortar as montanhas. Creio que passamos
por uns quatorze túneis.
Wendell cuidava dos cavalos e do equipamento. Teve que repregar uma ferradura
numa das mãos de Brownie e se ocupava o resto do tempo checando uma
segunda vez o equipamento.
Outro fato curioso: o dono do local da prova — o Sr. Kellogg, dos cereais
Kellogg’s — mandara instalar trilhos que o conectavam com a rede principal da
Southern Pacific. Desse modo, não precisamos parar num desvio e transportar
nossos cavalos e equipamento para o local da prova. Nosso vagão foi até o local
e tudo o que tivemos que fazer foi colocar uma rampa para os cavalos descerem
quase em frente ao picadeiro.
À medida que eu conduzia Brownie para fora e voltava para ajudar Wendell com
os outros cavalos, uma fila de crianças começou a nos observar, nossa primeira
audiência. Continuavam observando enquanto eu treinava Brownie para aquecer
seus músculos, ligamentos e tendões, como faria qualquer atleta depois de uma
longa jornada de exercícios inadequados.
Quando me aproximei um pouco mais, pude notar — com enorme alívio — que
o cavaleiro era um adulto e não competiria na minha categoria, mas sim na
divisão aberta. Aproximando-me um pouco mais, reconheci Clyde Kennedy
montando Rango, o cavalo vaqueiro campeão do sul da Califórnia. Agora eu
sabia por que ficara impressionado mesmo à distância. Decidi que tinha que
conhecê-lo.
Na hora dos esbarros, Brownie foi razoavelmente rápido, mas não obtivemos
maiores reações da plateia. Do terceiro esbarro eu lembro até hoje porque disse a
Brownie “Ôooo!” quando galopávamos em alta velocidade no centro da arena e
ele deslizou para um trepidante, perfeito esbarro em menos de oito metros. Nós
estávamos no meio de uma nuvem de poeira quando ouvi a plateia gritar; os
aplausos ecoaram como quando um atleta faz o gol da vitória num jogo de
futebol. Eu soube então, antes mesmo de fazermos os recuos e spinners e o
exercício de desmontar e montar com o cavalo em movimento, que havíamos
nos saído muito bem.
Naquela noite, Clyde Kennedy, a Srta. Parsons e eu fomos jantar na cafeteria dos
ferroviários, perto da estação. Enquanto comíamos, fui informado da rivalidade
entre Jimmy Williams, o favorito local em Pomona, e Clyde. Nos próximos dois
dias essa rivalidade seria assentada.
Clyde continuou a fazer perguntas sobre o nosso vagão. A Srta. Parsons, toda
orgulhosa, lhe disse como estávamos amarrados a um orçamento muito restrito.
Não havia nem balas e nem refrigerantes para o jovem Monty Roberts, não,
senhor. Ele teria sorte se encontrasse tempo para juntar garrafas vazias de Coca-
Cola e levá-las de volta ao trem para recolher os depósitos e com eles comprar
um refrigerante.
Naquela noite não consegui dormir. Enquanto estava deitado dentro do vagão,
podia ver crianças sussurrando do lado de fora à procura de Brownie, que já
virara uma espécie de herói. Certamente, no dia seguinte o cavalo estaria
recebendo uma fila de jovens visitantes perguntando: “Posso dar uma cenoura ao
Brownie?” ou “Posso fazer um afago no focinho dele?” Havia toda uma fila de
escarapelas presas do lado de fora do vagão, bem como esporas, fivelas e outros
prêmios. Brownie demonstrava essa celebridade na sua passada larga, como se
pensasse que aquilo lhe era devido. Não que ele fosse um cavalo arrogante; era
simplesmente um caráter firme que permanecia despreocupado diante das mais
variadas experiências — desde que não envolvessem papel ou papelão.
Jimmy era bom — seu cavalo Red Hawk (Falcão Vermelho) podia girar em volta
de uma moeda de um dólar e apartar uma novilha de um lote movendo-se tão
agilmente como se fosse um cão e não um cavalo. Quando esbarrava, podia ser
visto a quilômetros graças à poeira que levantava e que parecia sinais cherokee.
Também ajudava o fato de a torcida estar do seu lado.
Toda a minha vida estava à minha frente. Parecia tão direta e descomplicada
como os próprios trilhos da estrada de ferro.
— Como assim?
— Venha, que vou te mostrar. — Fiz uma picada entre a vegetação rasteira e
subimos o vale, uma curta distância. — Aposto que vamos, encontrar uma linha
de trem abandonada, um pouco mais acima.
Ela olhou para mim como se eu fosse louco, mas continuou me seguindo.
— Está vendo? — continuei. Uma linha de trem. Eu desci aqui quando era
menino.
Descemos pelo leito dos trilhos até chegarmos ao local onde se realizara a prova.
Mostrei para Pat o lugar de onde fora demolida a tribuna de honra, mas o
picadeiro principal ainda era discernível. As balaustradas estavam cobertas de
vegetação, e o próprio tattersall era visível apenas como uma forma oval.
De repente, aquele dia, meio século antes, surgiu nítido na minha memória e
revivi o triunfo e a excitação. A realidade do lugar e o terreno da prova foram
sendo vagarosamente destruídos pela erosão e pela vegetação selvagem; aquele
evento do passado vivia apenas na mente daqueles que dele haviam participado.
Não demoraria muito e todos os vestígios da ocasião desapareceriam.
Ficamos parados ali, um casal unido há quarenta anos, com filhos crescidos e
vidas que não trilharam linhas retas de modo algum, e nos sentimos bem, tendo
atingido nossa maturidade, e mais: tínhamos orgulho das nossas lembranças.
Membro destacado da nossa comunidade, ele era, num sentido mais amplo, de
grande ajuda para os irmãos Roberts. Não foram poucas as vezes em que nos deu
um dólar para tomarmos conta dos seus cavalos e depois mais dois dólares ao
verificar que havíamos feito um bom trabalho. Eu e meu irmão competíamos,
brincando, é claro, para ver até onde poderíamos levar essa busca pela
excelência no que se referia ao trato dos cavalos de Doc Leach.
Nessa ocasião, quando fui vê-lo, levava comigo uma idéia mais elaborada para
apresentar. Dirigindo-me agora oficialmente ao presidente da associação que
fiscalizava a Pista de Rodeio, perguntei-lhe:
— Nós temos uma equipe de limpeza, mas nunca falamos sobre o espaço
debaixo das cadeiras.
— Nós limpamos debaixo dos assentos, Larry e eu. Vamos limpar tudo
direitinho e em pagamento só queremos as moedas e coisas que acharmos.
— Mas isso vai levar muito tempo para vocês, não vai?
— Prometo ao senhor que eu e meu irmão vamos limpar tudo muito bem e
rapidamente. Nada de papéis, vidros quebrados e assim por diante.
Doc Leach não sabia que eu estava atrás das garrafas de Coca-Cola que caíam na
divisão entre as cadeiras. De qualquer modo, ele nem saberia do sistema de
depósito, pois ele não existia antes da II Guerra Mundial, e além do mais Doc
não era tão moderno a ponto de ter Coca-Cola em sua geladeira.
Ainda não havíamos aberto os portões para ver nossos despojos, mas eu já havia
pedido ao meu pai para me pôr em contato com um representante da
engarrafadora da Coca-Cola, pois imaginara que precisaríamos de muitas caixas
para garrafas vazias, que ficariam empilhadas junto aos portões enquanto uma
fila de caminhões estaria à espera para carregá-las. Estava certo de que eu e
Larry teríamos um longo e lucrativo dia pela frente.
Avançamos para dentro do mar de papel, ansiosos por achar a nossa primeira
garrafa. Quando a achamos, a colocamos contra a luz do sol para ver se estava
quebrada. Não estava. Em verdade, naquele dia, não encontramos um só casco
quebrado. Estávamos salvos.
Eu e meu irmão levamos dois meses e meio para limpar embaixo das cadeiras! A
maior parte do trabalho era feita à noite para não interferir na lista de tarefas que
nosso pai preparava todos os dias para executarmos. Precisamos do auxílio de
luz extra para podermos ver o que fazíamos.
No final, havíamos encontrado 80 mil garrafas intactas e, como eu havia
imaginado, tinha uma fila de caminhões esperando do lado de fora dos portões
para transportá-las. Havia uma garrafa intacta para cada bilhete vendido nos
quatro dias de rodeio.
Isso foi o suficiente para que eu e Larry ganhássemos, cada um, oitocentos
dólares — uma pequena fortuna, na época.
Doc Leach escreveu um artigo a respeito no jornal local. Com humor, ele
admitiu o seu erro e nos acusou de sermos dois empreiteiros que lhe passaram a
perna. Admitiu também que a Associação de Rodeios perdera a oportunidade de
ter um bom lucro. Admirou a engenhosidade com que o acordo com os irmãos
Roberts funcionara antes do rodeio, mas manteve a sua palavra. Acho que
também deu umas boas risadas.
Mas ele não repetiria o mesmo erro. Nos anos seguintes, como parte do contrato,
a equipe de limpeza teria que limpar, também, debaixo dos assentos.
Não preciso me esforçar muito para reviver a mesma sensação de conquista que
senti no longínquo passado, quando, aos dez e onze anos, Larry e eu ganhamos
uma enorme quantia em dinheiro graças ao ingênuo Doc Leach.
Em 1947 foi difícil para Doc Leach arranjar cavalos selvagens para a corrida da
Salinas Rodeo, parte muito importante da prova.
Normalmente, teria sido fácil. Ele reuniria o mesmo pessoal de sempre e diria:
Ainda entusiasmado com o negócio dos cascos de Coca-Cola, fiz uma proposta a
Doc Leach.
— Não. Durante nossos shows por lá, fizemos uma porção de amigos. Sei que
posso pedir ajuda no rancho Campbell. Podemos levar nossos próprios cavalos e
Tony Vargas dirigirá o caminhão. Ele tem carteira de motorista e talvez
possamos fazer um bom negócio para o senhor.
Como já disse, ele tinha um senso de humor sofisticado, mas não gostei do fato
de não nos levar a sério. Afinal de contas, fomos nós que rimos por último no
negócio das garrafas vazias de Coca- Cola. Continuei:
Doc Leach passou seu cachimbo de um canto da boca para o outro e piscou
algumas vezes. Deu para ver que começava a pensar seriamente no assunto.
Finalmente, ele perguntou:
Expliquei a Doc Leach que talvez ele não tivesse de mandar cavalo algum para o
matadouro naquele ano. Fui em frente:
Mas ele continuava a pensar no assunto sem me dar uma resposta. Insisti:
— Além disso, o leilão talvez renda mais para a Associação de Rodeio do que
a venda dos animais para o matadouro.
Doc Leach tinha suas suspeitas desde que lhe passamos a perna no negócio das
garrafas e quis saber todos os aspectos da operação para verificar se não havia
deixado de perceber alguma coisa. Quando viu que não poderia ser enganado,
concordou.
— Ok. Não vejo nada de errado nisso. Vamos ver como vocês se saem na
empreitada. De qualquer modo, nada pode ser pior do que a prova do ano
passado.
Por fim, chegamos a um acordo sobre o lucro. Para cada cavalo leiloado, metade
iria para a associação e a outra metade para mim e meu irmão.
Pelos três anos seguintes eu subi a Serra Nevada e fui para o alto deserto, além
dela, para viver perto das manadas selvagens por semanas. Essa terra é chamada
de Terra Federal, logo ao norte de Battle Mountain, porque pertence ao Birô de
Administração de Terras. Um vazio imenso.
Em junho de 1948, portanto, Dick Gillott, Tony Vargas, meu irmão e eu pusemos
nosso equipamento na van e seguimos em frente. Ziguezagueamos pelos
contrafortes, por montanhas menores, antes de subirmos a Serra Nevada,
dirigindo ao longo de estradas cortadas por nossos ancestrais para dentro da
paisagem inóspita e agressiva.
O ar era mais rarefeito. Essa foi a primeira coisa que notei assim que saí da van.
Descendo do carro, logo compreendi que aquela paisagem não seria parecida
com nada que eu já houvesse visto. Os horizontes se deitavam contra o céu mais
alto que eu já vira, o que me dava a sensação de estar em outro planeta. A terra
que era sedosa e fria ao toque pela manhã, queimava nossos pés ao meio-dia; era
como uma paisagem lunar coberta por vegetação agreste e cortada por barrancos
profundos onde cresciam inúmeras árvores.
O alto deserto... em algum lugar naquela terra imensa e brava estavam os cavalos
que queríamos.
O rancho Campbell tinha alguns peões índios que foram indicados para nos
ajudar, Eu meio que esperava que eles recomendassem o mesmo truque que meu
tio Ray explicara anos antes. Como relatei anteriormente, Ray me dissera que
nossos ancestrais cherokees antes de conduzirem os mustangues até as
armadilhas, os perseguiam na direção oposta por um dia ou dois. A tendência
dos cavalos seria seguir os índios, pressionando-os como haviam sido
pressionados.
De qualquer modo, este não era o caso presente. Os peões índios nos explicaram
o modo como fariam os mustangues caírem em suas armadilhas.
Era uma viagem de dois dias até o curral. Quando chegamos os peões nos
mostraram o local e explicaram como os animais seriam perseguidos até o
barranco, forçados a descê-lo e finalmente afunilados na parte mais estreita da
área circular, onde relentariam e se veriam obrigados a tentar voltar.
Acostumados a descer o barranco, não veriam nenhum veículo, prédio ou cerca
que pudesse assustá-los.
Os índios apontavam para frente e para trás, para a direita e para a esquerda, sem
adivinhar onde poderiam ser localizados os animais. Ficaram muito felizes em
deixar que eu e Larry iniciássemos a busca e começássemos a pressionar os
cavalos em direção ao curral. Eles, os peões, tinham trabalho a fazer no rancho,
mas voltariam para nos ajudar.
Eu tinha dois cavalos de sela e dois de carga para a empreitada. Brownie era o
meu cavalo de sela número um. Mas além dele eu tinha Sergeant. Os cavalos de
carga eram Burgundy e Oriel. As trilhas seriam inóspitas e os barrancos
dificultariam a marcha, isso significava que boa parte do tempo eu caminharia à
frente de Brownie, levando-o pelas rédeas. Precioso para mim, pretendia salvá-lo
de qualquer esforço desnecessário.
Dei-me conta de que tomara tanto o lado dos cavalos que era como se quisesse
ser um deles. Esses cavalos não eram apenas irmãos e irmãs de Brownie. Eram
também meus irmãos. Talvez tanto quanto Larry. Eu queria entendê-los e estava
mais certo do que nunca de que não sabia tanto quanto pensava.
Todos esses sinais são óbvios para qualquer um que tenha alguma coisa a ver
com cavalos. As orelhas apontadas para frente demonstram interesse por alguma
coisa atrás ou à frente. Orelhas apontadas para frente e pescoço esticado para
cima denotam interesse em algo à frente, mas mais à distância. Orelhas
apontadas e cabeça baixa indicam interesse em algo vizinho, próximo ao chão.
A cabeça na posição normal, com uma orelha para frente e outra para trás mostra
o interesse do animal em alguma coisa à frente, mas também uma preocupação
com algo atrás dele—de um modo geral, nós, humanos. As orelhas nos
indicavam o que chamava a atenção da manada. Se as orelhas estavam
penduradas, relaxadas, e os cavalos parados, talvez dando descanso a um dos
pés, era sinal de que não tinham consciência da nossa presença, minha e de
Larry. Isso significava que estavam despreocupados e se sentiam seguros.
Uma ou duas vezes, vimos um garanhão fixar as orelhas para trás e espichar o
pescoço para frente ao máximo, de modo que, a partir da paleta em direção ao
pescoço e à cabeça, ele parecia uma flecha cuja ponta era o focinho. Olhos duros
e inflexíveis, ele se movia para frente de modo arrogante. Só pela sua postura
podíamos dizer que se tratava de um animal possuidor de testículos, muito
ativos. Esse movimento é praticamente exclusivo do macho completamente
adulto. Esse tipo de atitude só ocorre quando o macho atinge seu potencial de
supremacia dentro do círculo da família.
Enquanto Larry e eu cercávamos esse primeiro grupo e o pressionávamos para
um e outro lado, mas sempre o mantendo na direção do curral no barranco,
descobri que o campo de visão de um cavalo é de quase 360 graus. Só não
enxerga uma porção mínima de terreno atrás e à frente dele. Enquanto
conduzíamos a manada e observávamos o macho alfa, o líder, manter-se em
posição de ataque quando manobrávamos os animais, descobrimos quão
completa era a sua cobertura visual de qualquer área determinada.
Pode parecer óbvio, mas é importante lembrar que, se lhe dermos o menor
motivo, o cavalo dirá: “Não quero estar perto de você. Vou embora. Sinto que
estarei em perigo se ficar por aqui. Estou pronto para voar.”
O animal voador só quer duas coisas — reproduzir e sobreviver. Isso deve ser
respeitado em qualquer contato com cavalos; caso contrário, o animal será mal
interpretado.
Se aprendi alguma coisa nessa primeira viagem foi que precisaria de mais tempo
se pretendesse alcançar o que queria — uma compreensão verdadeira de como o
animal se comporta em selvagem liberdade.
Saber o que eu queria me fez ficar mais próximo dos meus objetivos. Minha
frustração era que não conseguiria atingir meus intentos dentro das condições
daquela primeira viagem.
Corri para dentro de casa e estava orgulhoso em poder dizer aos meus pais o que
conquistara — e estava particularmente ansioso para lhes contar meus pianos
para o ano seguinte.
— Mae, no ano que vem vou ficar mais tempo nas pastagens e ver como as
coisas são de verdade.
Minha mãe foi receptiva e escutou atentamente.
— Não sei, mas alguma coisa. O modo como eles se comunicam, como se
fossem uma família. Isso é o que eu espero.
— Você vai descobrir é que à noite faz muito frio, e de dia, muito calor. Vai
descobrir também que os mustangues não querem ter nada a ver nem com você
nem com essas suas idéias esquisitas.
Não sei quantas pessoas assistiam a essa parte do rodeio, mas era um dos
acontecimentos mais importantes, de modo que a tribuna de honra e as
arquibancadas estavam quase lotadas; gente pronta para aplaudir, vaiar, gritar e
bater os pés. Larry e eu estávamos na multidão, espremidos contra a cerca.
Agora veríamos o que aconteceria com os nossos cavalos.
Firmes em seus calcanhares, os âncoras têm que manter esses animais selvagens
de quase 500 quilos cada um em seus lugares, o que não é tarefa fácil.
A essa altura, alguns dos cavaleiros já tinham conseguido encilhar seus cavalos e
tentavam desesperadamente se manter sobre o animal que corcoveava enquanto
esperavam que lhes passassem as guias, único meio de se manterem nas selas.
Vivi toda a emoção como qualquer menino de 13 anos criado dentro da cultura
da arte equestre, mas ao mesmo tempo lembro que sofri com a crueldade
infligida aos cavalos. Ocorreram algumas quedas violentas (de cavaleiro, ou de
cavaleiro e cavalo) e senti cada uma delas como se aquilo estivesse acontecendo
comigo. Um cavalo, soube mais tarde, quebrou o maxilar. Uma voz excitada
gritava logo atrás de mim cada vez que um animal caía e, em agonia, se movia
no chão:
Sobraram menos de 150 cavalos para nós na Pista de Rodeio naquele ano. Nós
os conduzimos para os currais Green, onde, não tenho dúvidas, ficaram muito
felizes por poderem relaxar um pouco, depois do trauma.
Não lhes permitiram descansar por muito tempo. Em outubro, eles seriam
vendidos em leilão. Coube a mim e a Larry “quebrar” o maior número possível
de mustangues em menos de 60 dias — durante agosto e setembro. Caso não
fizéssemos isso, eles seriam mandados para o matadouro de qualquer maneira,
feridos ou não. Nosso acordo com Doc Leach era provar que, para ele, os
animais valeriam mais vivos do que mortos. Eu e meu irmão concordamos que
eu domaria dois terços e ele o resto.
Minha preocupação maior era esconder do meu pai o meu novo modo de pensar.
Acreditava que devia concentrar-me nisso, não somente por causa do curto
espaço de tempo que tinha para domar os animais, mas também porque sentia
nos ossos que estava para descobrir algo novo que mudaria a relação entre
homens e cavalos.
Fui capaz de esconder do meu pai o fato de estar desenvolvendo uma nova
metodologia porque havia dois celeiros ladeando o lugar onde eu trabalhava com
os cavalos, o que nos deixava fora da sua visão.
Por enquanto, é suficiente dizer que eu sabia que a doma dos cavalos deveria
começar de modo a conquistar a confiança e estimular a cooperação deles.
Nunca duvidei disso desde o início do processo. Minha técnica era casual e
pouco refinada, mas atingi meus objetivos.
Depois do processo inicial, recrutei quatro ou cinco dos meus melhores alunos
para cavalgar para mim. Desse modo, levei a um bom padrão 80 dos meus 100
mustangues. Os alunos eram voluntários entusiasmados e juntos aprendemos
muito sobre cada um dos cavalos. Senti que realmente havia conseguido alguma
coisa.
No dia do leilão, galopei meus oitenta mustangues pelo ringue e meu irmão
galopou os seus trinta. No total, o produto das vendas resultou em pouco menos
de seis mil dólares.
Doc Leach ficou contente com o resultado. Não apenas recebeu de volta seu
investimento na manada — cinco mil dólares — como ainda teve algum lucro.
Isso, em verdade, foi um grande negócio para ele, pois se os cavalos fossem para
o matadouro ele perderia uma soma considerável.
Eu e meu irmão não estávamos tão felizes, financeiramente falando. Nossa parte
do lucro, por dois meses de trabalho, foi de 250 dólares para cada um. Mesmo
naqueles dias, não era um salário para você exibir orgulhosamente aos seus
amigos. Foi mais como um aperto de mão e um “obrigado”.
Sem dúvida, Doc Leach deve ter achado que havia nos passado a perna. Queria
poder ter dito a ele que, graças ao que aprendi naqueles poucos meses, me sentia
um campeão.
— Larry, você ficaria muito chateado se eu fosse sozinho a Nevada este ano?
Ele me olhou e pensou a respeito. Era o meu irmão mais moço e fazíamos uma
porção de coisas juntos. Ele poderia não gostar de me ver fazer alguma coisa por
conta própria.
De qualquer modo, só perguntei porque sabia que ele não queria ir.
A próxima pessoa com quem eu devia falar era Doc Leach. Ele estava quase
sempre na Pista de Rodeio porque era um membro da comissão que fiscalizava
as operações. Não foi difícil esbarrar nele.
— Doc?
— Bem — expliquei —, a verdade é que notei que você não usou todos os 150
cavalos. Você pegou os melhores dois terços.
— Eu mesmo, e assim vamos evitar trazer as éguas que ainda estão dando de
mamar, as prenhes, e os cavalos mais velhos.
Doc Leach sorriu:
Disse a Doc Leach que pretendia reunir 500 cabeças e escolher os melhores
potros e potrancas (que não estivessem prenhes). Potro em termos de mustangue
seria um animal entre três e cinco anos, pois seu ambiente e nutrição adiam a
maturidade.
Agora eu estava a caminho de Nevada outra vez, só que sem Larry e três
semanas antes dos meus ajudantes e dos caminhões. Eu tinha 14 anos e uma
carteira de motorista, mas ela não me permitia dirigir caminhões carregados com
cavalos. Por isso usei os serviços da companhia transportadora para conduzir a
mim, Brownie, Sergeant e Oriel até o rancho Campbell.
Eu ficaria lá em cima, só eu e meus cavalos, por três semanas. Teria tempo para
me movimentar bem devagar e observar os mus- tangues sem interagir
minimamente com eles.
Mais uma vez, eu estava contente por ter Brownie como meu cavalo de sela para
essa importante experiência. Fiz um agrado em seu pescoço enquanto subíamos
para o alto deserto. Oriel e Sergeant vinham logo atrás. Além disso, eu tinha um
cachorro, três pares de binóculos, um revólver e um rifle.
— Dessa vez nós vamos ver o que vai acontecer, não vamos, Brownie?
Era maravilhoso estar cavalgando novamente pelo imenso espaço aberto, com
seus cânions e barrancos rochosos onde cresciam paineiras e álamos. Sabia que
deveria estar sempre vigilante por causa das cascavéis e das invisíveis fendas
profundas que poderiam estar alguns metros à frente, um perigo para os cavalos.
Como da vez anterior, fazia calor de dia e frio à noite. Ocasionalmente, caía uma
tromba d’água que durava uma hora ou pouco mais. Das enormes e altas nuvens
do deserto saíam os raios da tempestade.
Para achar o primeiro grupo familiar de cavalos, eu tinha que descobrir onde eles
andavam pastando. Eles comeriam de tudo se estivessem desesperados; raízes e
até pó de serra. Mas preferiam qualquer tipo de gramínea.
Quando defrontei com o primeiro grupo, meu objetivo era integrar-me a ele o
mais próximo que pudesse. Ou eles me aceitariam como algo que não os
ameaçava — o que significava que teria que ficar a pouco mais de mil metros de
distância — ou eu teria que chegar mais perto sem ser detectado por eles.
Deixei Oriel, meu cavalo de carga, porque dessa vez ele andava muito
desajeitado, já havia tropeçado em várias pedras, e na montanha o som de um
casco contra uma pedra pode ser ouvido a longas distâncias. Não que ele se
importasse em ir ou ficar. Eu estava começando a me preocupar com o caráter de
Oriel. Suas orelhas estavam sempre no meio, nem para frente e nem para trás.
Ou era um grande pensador ou meio bobo. Talvez as duas coisas.
A manada selvagem sentiu que nos aproximávamos e foi uma proeza chegar a
uns 500 metros dela. Usando os barrancos para nos escondermos, caminhamos
vagarosamente, o tempo todo contra o vento.
Agora eu estava a 400 metros do bando e não podia me aproximar mais. Não
teríamos onde nos esconder e, mesmo contra o vento, eles não nos cederiam
mais terreno.
Por algum tempo, fiquei satisfeito com isso, Brownie e eu nos instalamos em
frente a uma paineira. Eu comecei a contar as cabeças e tentei registrar suas
características para aprender a distinguir um animal do outro.
Notei particularmente uma égua baia com uma lista negra atravessando as costas
e listas de zebra logo acima dos joelhos. Mais velha do que a maioria dos outros,
com uma barriga pesada que indicava ter tido muitos filhos, ela parecia dar
ordens ao grupo. Ela começava a andar e os outros a seguiam; ela parava e o
mesmo faziam os outros. Ela parecia ser a mais sábia e os cavalos pareciam
saber disso.
Cada vez que ele se comportava mal, a égua baia se aproximava um pouco mais.
Tive certeza de que ela vigiava para ver se o terrorista continuaria sua ação.
Embora não demonstrasse interesse, se aproximava cada vez mais do mal-
educado.
A égua baia não hesitou. Num instante, saiu ao estado de neutralidade para o de
raiva total; baixou as orelhas para trás e foi a toda velocidade em direção ao
potro castanho. Colidiu com ele e derrubou-o. Enquanto ele se esforçava para
ficar de pé outra vez, ela o empurrou, e ele caiu novamente.
A égua baia acabou expulsando o potro castanho uns 300 metros para longe da
tropa e o deixou ali, sozinho.
Ele estava aterrorizado por ter que ficar sozinho. Para um animal voador, isso
significava estar sob sentença de morte. Um cavalo separado do grupo é presa
fácil para predadores. Ele começou a caminhar para frente e para trás a cabeça
próxima do chão. Executou esses estranhos movimentos várias vezes. Tive a
impressão de que se tratava de um sinal de obediência, o modo equino de fazer
uma reverência, de demonstrar vassalagem.
Comecei a conduzir Brownie pelas rédeas para onde Sergeant e Oriel esperavam.
Pretendia encontrar um lugar de onde pudesse continuar observando o confronto
entre a égua baia e o potro castanho.
Quando voltei, Oriel estava com o focinho metido num arbusto. Um instante
depois, levantou a cabeça abruptamente. Seu corpo estava tenso de susto. Havia
uma nuvem de abelhas sobre a sua cabeça. Tratava-se de uma emergência. Oriel
deu uns passos para trás e tentou alguns para os lados. Depois baixou a cabeça e
levantou-a subitamente.
O luar pintou uma paisagem diversa, e uma vez que refletia de um vasto céu
distante, me pareceu que havia um bocado de luz disponível. Peguei meus
binóculos e verifiquei que podia ver claramente a uma longa distância. Em
verdade, sem que o soubesse, fui ajudado pelo fato de ser, e continuar sendo até
hoje, acromóptico. Meu caso é um caso raro, completamente diverso do
daltônico, que confunde cores ou não consegue separá-las. Quando eu era mais
jovem, ninguém acreditava que eu só podia enxergar em preto e branco. Mais
tarde, aprendi que vejo de um modo diferente das pessoas que possuem uma
visão normal.
O professor Oliver Sacks em seu estudo The Case of the Color-blind Painter (O
Caso do Pintor Acromóptico) descreve como um paciente seu teve um acidente
automobilístico que fez com que perdesse a percepção para as cores, Mas sua
visão se tornou mais aguçada, como a de uma águia. Podia reconhecer pessoas
que estavam a quase um quilômetro de distância. Particularmente à noite, o
paciente, que era um pintor, enxergava muito melhor do que uma pessoa normal.
Lia o número da placa de um carro estacionado a quatro quadras de distância.
Mas ficou tão deprimido com a perda da percepção para as cores, que acabou se
tornando uma pessoa noturna.
Para minha surpresa, a égua baia estava fazendo agrados ao potro castanho.
Esfregava seu pescoço no dele, dava-lhe mordidinhas carinhosas no quarto
traseiro, e o potro parecia muito feliz. Ela o deixara voltar à manada e agora o
mantinha próximo com tantas atenções.
Depois do purgatório... o céu.
Intrigado com tudo o que via, comecei a aprender a língua que hoje chamo de
“Equus”.
É claro que levei mais tempo do que as primeiras semanas que passei no alto
deserto de Nevada para entender bem essa língua silenciosa, mas eu continuaria
a reunir mustangues para o rodeio de Salinas por mais dois anos.
Era função da égua baia mantê-los na linha, e durante três semanas eu observei
todos os movimentos que pude.
Graças às suas aulas de disciplina, ela transformou o potro castanho num cristão
bem-comportado. Mas antes disso ele se revoltava por ser deixado sozinho, e
logo que se via outra vez no meio da tropa fazia alguma bobagem. Parecia
querer testar o sistema disciplinar e reconquistar o terreno que perdera.
Começava uma briga com outro potro ou incomodava uma jovem potranca.
Nessas ocasiões, a égua baia corria até ele e lhe dava outra lição. Parecia dizer:
“Não gosto do modo como você se comporta. Já para o castigo,”
Ele pecou ainda algumas vezes, mas foi sempre corrido. Ficava algum tempo de
castigo e depois era recebido com carinho entre a tropa, Da terceira vez que se
comportou mal, praticamente se afastou sozinho dos demais. Parecia resmungar
alguma coisa.
Quando a égua permitiu que voltasse, ele se agarrou ao grupo como cola. Era
realmente um chato. Agora parecia perguntar a todos: “Quem quer um afago?” E
tudo o que os outros queriam era que ele os deixasse pastar em paz. Por quatro
dias inteiros, a égua fez da educação do potro uma prioridade, mas valeu a pena.
Antes de tudo e principalmente, era uma linguagem silenciosa. Vale a pena nos
demorarmos nos aspectos silenciosos dos seus comandos porque é fácil
subestimar uma linguagem que usa um meio diferente do nosso.
A linguagem do corpo não é privilégio dos humanos e nem dos cavalos; ela
constituí a forma de comunicação mais usada entre objetos animados em terra
firme.
Ficavam contentes uns com os outros, irritados uns com os outros, guiavam uns
aos outros, advertiam uns aos outros. E tudo isso era feito silenciosamente.
Eu acabei por compreender que nada acontecia por casualidade. O mais sutil
grau de movimentação equina ocorre por alguma razão. Nada é trivial. Nada
pode ser descartado.
Deitado de bruços e observando esse grupo de cavalos com meus três diferentes
binóculos apertados por horas contra os olhos, me esforçando para ver tudo o
que podia, comecei a registrar seu vocabulário.
Descobri que o ingrediente chave da linguagem “Equus” é o posicionamento do
corpo e sua direção de viagem.
A égua baia ajustava contas com o potro adolescente fixando seus olhos nos
dele, enrijecendo a espinha e apontando a cabeça diretamente para ele quando
queria expulsá-lo do grupo. E ele entendia exatamente o que ela estava dizendo.
Enquanto sofria sozinho no purgatório — a uns 200, 300 metros de distância —
ele sabia pela posição do corpo dela se podia voltar ou não.
Se ela estivesse com os olhos fixos nele é porque o castigo não acabara. Se ela
exibisse para ele parte do seu longo eixo, ele podia começar a se considerar
convidado para voltar à manada. Antes de perdoá-lo, porém, ela esperava por
alguns sinais de arrependimento da parte dele. Os sinais dados pelo potro —
pedidos de desculpas — mais tarde seriam fundamentais para o desenvolvimento
da minha técnica.
Se ele andasse para frente e para trás com o focinho quase no chão, era porque
estava pedindo uma chance de renegociar seu caso com eia. Estava dizendo:
“Vou ser comportado e quero obedecer.” Se mostrasse a ela o longo eixo do seu
corpo, estava lhe oferecendo as áreas vulneráveis e pedindo perdão.
Quando um potro saía trotando para longe da manada a fim de cumprir seu
castigo e jogava o seu focinho para frente, fazendo movimentos circulares com a
cabeça, estava em verdade dizendo: “Eu não queria fazer aquilo, desculpe, não
foi idéia minha, aconteceu, sem querer, foi idéia do outro cara!”
Então a égua matriarca faria um julgamento. Deveria acreditar nele ou não? Pude
vê-la muitas vezes pensando a respeito. Às vezes acreditava no potro, outras não.
Quando fiz a conexão entre o método disciplinar da égua e a história do tio Ray,
foi como — lembro bem — se as sinapses do meu cérebro clicassem todas ao
mesmo tempo para dizer: “Achei o que estava procurando.” Uma frase iluminou
minha mente: “Avance e Recue.”
Depois de algum tempo observando esses sinais, pude ver quão exata era a
linguagem. Ela não tinha nada de acidental. Eram mensagens, frases inteiras que
sempre significavam a mesma coisa e tinham sempre o mesmo efeito. E isso
acontecia o tempo todo.
Oriel e Sergeant seguiam atrás de nós fazendo seus deveres de cavalo de carga e
cavalo de sela bastante bem. Oriel, inconscientemente, providenciava a diversão.
Era um cavalo propenso a sofrer acidentes, um caráter afável que volta e meia se
metia em encrencas e sempre dava um jeito de torná-las engraçadas. Um dia se
feriu. Não sei exatamente como conseguiu fazer isso — e só ele poderia ter feito
— mas apareceu com uma longa lasca de madeira de quase um metro que
atravessara seu focinho e entrara no céu da sua boca. Uma coisa dolorosa e nada
engraçada, tenho que concordar. Mas tratava-se de Oriel.
Ele estava muito triste, parecia sentir pena de si mesmo e paralelamente pedir
desculpas pelo que fizera. De boa vontade, permitiu que eu puxasse a lasca para
fora; tarefa terrível. Acabou com um furo do tamanho do meu polegar numa das
narinas, de onde saía muito sangue.
Tirei o lenço vermelho que usava no pescoço e com ele tapei o furo para
interromper o sangramento. E ali estava o nosso Oriel com um lenço para fora
do nariz. Toda vez que bebia água, ensopava o lenço e os pingos caíam de um
dos cantos daquela “bandeira” que voava no meio da sua cara. Uma visão
lastimável, mas engraçada.
Havia também um bando de solteiros esperando para saciar a sede. Eram jovens
machos que haviam deixado seus grupos familiares e andavam juntos,
praticando seus talentos para a luta, prontos para o dia em que desafiariam um
garanhão mais velho e lhe tomariam a manada.
Dessa vez, entretanto, ao abandonar o campo de luta ele não poderia sobreviver
por muito tempo. Eu sabia que a luta estava acabada e não demoraria muito
tempo para que os predadores se reunissem em volta daquele que seria a sua
alimentação para os próximos dois, três dias. Ele também sabia disso; dava para
ver. Muitas vezes, o cavalo batido comete uma espécie de suicídio, procurando
deliberadamente as áreas onde sabe que estão os felinos, quase se oferecendo
para ser morto.
Então, os peões me diziam onde o segundo grupo fora visto pela última vez.
Guiavam Brownie, eu e Oriel o mais próximo que as estradas de terra
permitissem, geralmente uma distância entre 25 e 30 quilômetros. Em seguida,
nos deixavam.
Enquanto voltavam, a cada dois quilômetros faziam uma trilha de alfafa para me
ajudar a estabelecer a direção na qual pressionaria os cavalos selvagens. Além
disso, alimentavam com alfafa os cavalos já presos no curral.
Embora jovem, eu sabia que estava aprendendo algo muito importante, o que me
enchia de entusiasmo. Estava ansioso por contar à minha mãe e ao meu irmão as
minhas descobertas. Sentia- me exuberante com o que já descobrira. Sentia que
tinha uma afinidade especial com cavalos e, agora que começava a aprender sua
língua silenciosa, podia esperar muito progresso.
Sentia-me impaciente para ver o que poderia fazer. Estava certo de que acabaria
entrando num entendimento com esses animais selvagens; um entendimento que
me permitiria mudar o modo como o homem se relaciona com cavalos. Via,
finalmente, um modo de realizar minhas ambições.
Tinha a impressão de que o ingrediente mágico nisso tudo era Brownie. Afinal
de contas, fora por causa dele que começara a procurar uma nova técnica de
domar cavalos. Ele me levou para o lugar onde nascera. Ele me conduzira e eu
tive a sorte de entender a sua mensagem.
Naquele ano tivemos uma Corrida de Cavalos Selvagens bem melhor. Mais
adequados para a tarefa, poucos cavalos sofreram ferimentos. Mais uma vez,
assisti a tudo da tribuna, mas não podia extrair nenhum prazer da experiência.
Jurei a mim mesmo que me comunicaria com cavalos o mais rapidamente
possível. Aparentemente, havia muitas desculpas a serem pedidas.
Era apenas um pouco mais de tempo do que meu pai levaria para “quebrar” meia
dúzia de animais com os seus métodos convencionais.
Como se pode imaginar fui forçado a aprender velozmente. O terreno era ideal
para testar minhas idéias: como criar um vínculo natural com um animal
selvagem; como deixar de ser um predador, algo que mete medo, para passar
para o lado deles; como me transformar na matriarca dominante e falar a
linguagem deles.
E tudo isso eu tinha que fazer mantendo um olho vigilante em meu pai, pois não
queria que ele interferisse. De qualquer modo, no fundo, eu ainda buscava a sua
aprovação.
Ele me lembrou das advertências de meu pai: minha idéias eram perigosas e eu
deveria me ater ao modo convencional de fazer as coisas. Eu, porém, continuei
insistindo para que ele me acompanhasse e observasse. Estava certo de que
poderia impressioná-lo a ponto de fazê-lo falar com meu pai de um modo
positivo.
Quando chegamos ao redondel, Ray subiu a rampa que dava para o deque de
observação e se encostou na cerca.
— Ok — disse ele, empurrando o chapéu para trás. — Vamos ver o que você
sabe fazer.
Fiquei no centro da arena com um potro de um ano de idade que, não fazia muito
tempo, escapara do trauma da Corrida de Cavalos Selvagens de Salinas.
O potro estava sem sela, sem arreios, cordas ou qualquer tipo de restrição. A
porteira do redondel estava fechada. Éramos só eu e ele.
Por já haver praticado isso mais de cem vezes, eu sabia o que deveria fazer.
Havia desenvolvido uma confiança que era visível na minha atitude.
Esperei alguns instantes para permitir que o mustangue selvagem e sem nome se
acostumasse com o redondel. Ele estava nervoso demais para dar um só passo
em minha direção, embora concentrasse em mim toda a sua atenção. Eu era a
ameaça imediata à sua segurança.
Ray não disse nada e eu pensei comigo mesmo que estava ali para provar alguma
coisa, e a melhor coisa a fazer era prová-la o mais rapidamente possível. Ray não
faria pergunta alguma.
— Essa linguagem é silenciosa. É uma linguagem corporal — continuei — e a
primeira coisa que vou pedir a este potro é que vá embora, que fuja de mim. Vou
fazer isso porque depois vou pedir a ele para voltar e se juntar a mim.
Continuei pressionando-o a “voar” como havia visto a matriarca baia fazer com
o potro castanho e tantos outros adolescentes. Continuei mantendo contato direto
com os olhos dele. Quem observasse diria que ele tinha uma guia invisível
amarrada ao pescoço, cujo fim estava nas minhas mãos, e que eu o obrigava a
dar voltas pelo cercado.
— Na sua própria linguagem, eu estou dizendo para ele: “Vá e se afaste, mas
não se afaste só um pouquinho, se afaste muito e continue fugindo. Por
enquanto, eu sou o chefe e continuarei mandando até que possamos fazer uma
sociedade. Está vendo, eu falo a sua língua.”
Eu tinha uma corda muito leve e a atirei em direção ao potro — não para atingi-
lo, mas para encorajá-lo a se manter afastado de mim.
E ele continuou "voando”. Enquanto ele dava voltas pela arena o mais
velozmente possível, continuei usando a corda e mantendo a mesma postura de
ombros, para não deixá-lo parar. Meus ombros estavam paralelos ao seu eixo
longo, meus olhos não deixavam os dele, e era como se meu corpo o
pressionasse a continuar correndo.
Desviei meus olhos ainda mais para baixo do seu pescoço e fui até a paleta... e
ele desacelerou um pouco mais; sua cabeça começou a virar um pouco para o
lado, a fim de me olhar ainda melhor. Quando desviei meus olhos para sua
garupa, ele reduziu a velocidade ainda mais e começou a se afastar da cerca, sem
parar de correr.
Voltei a fixar meus olhos nos dele e ele voltou a acelerar imediatamente. Ficou
bem junto à cerca e estava voando outra vez. Ele estava me lendo. Sabia que eu
falava a sua língua.
A cada volta, ele passava por baixo de onde Ray estava. Mantive-o correndo.
Disse a Ray:
— Só pra você saber, estou esperando que ele aponte suas orelhas para mim.
Estou esperando que ele comece a lamber os lábios e a mastigar. Estou
esperando que ele comece a correr com a cabeça quase tocando o chão.
Eu esperava que ele estivesse ouvindo o que eu dizia, pois era importante que
soubesse que eu podia prever o que aconteceria.
E permaneceu nessa posição enquanto ele corria. A orelha virada para a cerca
estava ligada nas áreas circundantes, indo para frente e para trás. O potro estava
dizendo: “Eu sei que você está aí. Eu sei que você é importante. Você tem o meu
respeito. Eu realmente não sei o que significa isso tudo, mas vou prestar atenção
a você e vamos ver o que vai acontecer.”
 cada volta ele passava por baixo de onde Ray estava, do outro lado da cerca.
Eu estava perfeitamente ciente de que ele nos observava. Sabia que não
interromperia, mas não descobriria o que ele pensava até que tudo tivesse
acabado.
Imediatamente, ele deu a volta e voou na direção oposta. O que fiz foi coisa
comum de se ver em treinos de cavalos, com uma diferença: o treinador
convencional guia sempre o cavalo com uma corda. Eu usava o redondel para
manter o potro dentro do raio da minha influência e usava a linguagem corporal
para controlar sua velocidade e direção.
Embora Ray Hackworth não pudesse saber o que deveria entender e por isso era
importante o que eu dizia para ele, de repente me dei conta de que podia estar
cometendo um erro. Um garoto de 14 anos explicando coisas para um adulto? Eu
só estava dizendo a ele o que faria em seguida e o que esperava que acontecesse,
mas poderia passar por arrogante. De qualquer modo, achava que o valor do que
eu demonstrava serviria de contra-ataque para uma presumível arrogância.
— Aí está! — gritei para Ray Hackworth. — Vê que ele está mastigando? Foi
exatamente isso que eu os vi fazer no campo. Isso significa que ele está pronto
para discutir a situação. Ele se afastou e eu o obriguei a se afastar ainda mais.
Ele reconheceu a minha vontade de me comunicar com ele. E agora ele gostaria
de ter a chance de renegociar.
Eu esperava que Ray Hackworth estivesse ouvindo o que eu dizia, pois para
manter os olhos no potro eu precisava circular, e metade do tempo estava de
costas para o veterano treinador de cavalos.
Então, veio o sinal definitivo que eu esperava. Enquanto trotava, o potro baixou
a cabeça e deixou-a apenas a alguns centímetros do chão.
— E agora vamos nós! — eu falei para Ray. — Ele baixou a cabeça e nem sei
lhe dizer o número de vezes que os vi fazer isso lá em Nevada, e sempre
significa a mesma coisa. Ele está dizendo: “Deixe-me voltar. Eu quero voltar.
Não quero mais continuar voando.”
Agora era a minha vez — exatamente como a égua fizera — de ficar passivo e
deixar o potro juntar-se a mim.
Desviei meus olhos do seu corpo e fiquei olhando para o chão, â uma distância
de uns cinco metros de onde ele estava. Encolhi meus ombros na direção do meu
olhar até que eles estivessem num ângulo de 45 graus do longo eixo da sua
espinha dorsal. Estava evitando o contato de olhos e mostrando-lhe meus
quadris.
Então ele veio diretamente para mim, e só parou quando seu focinho estava
quase tocando o meu ombro. Ele estava ali, ao meu lado.
Eu não podia falar. Gostaria de gritar para Ray Hackworth: “Está vendo? Foi
isso que eu quis dizer. Que tal isso? Não é fantástico?”
Mas eu não podia quebrar o encanto. E era isso mesmo. Era como mágica. O
potro confiou em mim. Agora, eu era parte do seu grupo. Deixara de ser um
predador para ficar do seu lado. Eu era a sua zona de segurança. Foi esse
fenômeno — o momento da aceitação — que eu batizei de “conjunção”. Isso, eu
descobrira, fora a minha conquista. Meu coração se encheu de emoção. “Iniciei”
mais de nove mil cavalos e sempre senti o coração acelerar na hora da
“conjunção”.
Claro que deixei que voltasse e quando voltou lhe fiz um carinho entre os olhos.
Embora eu não considere essencial o uso da área entre os olhos para se fazer
afago num cavalo, ela me parece mais efetiva que outras zonas do seu corpo.
Perguntei a especialistas em comportamento animal por que esta área funcionava
melhor que outras e houve um consenso geral: quando um cavalo permite que
você passe a mão numa zona do seu corpo que ele não pode enxergar, trata-se de
fundamental expressão de confiança.
Agora o potro andava atrás de mim; me seguia. Eu tinha certeza de que Ray
Hackworth, sentado no deque acima da cerca, estava atônito. Imaginei-o
contando para o meu pai sobre tudo que eu descobrira: “Vou lhe dizer uma coisa,
Marvin, vi aquele seu garoto ser seguido por um cavalo selvagem como se fosse
seu melhor amigo em menos de vinte e cinco minutos. Ele está trabalhando
numa coisa grandiosa. Venha e veja com seus próprios olhos.”
Então meu pai virilha com Ray Hackworth e me perguntaria o que estava
acontecendo. Eu não podia parar de prever o seu espanto.
Caminhei até o centro do redondel com o cavalo atrás de mim. Eu lhe fiz uns
afagos, conversei com ele testando quão receptivo era ao meu toque.
Falei com Ray — o mais calmamente possível, agora que o potro estava ao meu
lado:
— Ray, agora que ele se juntou a mim e estamos do mesmo lado, os afagos são
uma espécie de formalidade.
Quando tive certeza de que tinha a total confiança do potro, fui apanhar uma
guia, uma sela, bridão, uma manta e longos estribos.
Quando voltei e a porteira do redondel se fechou atrás de mim, a adrenalina do
potro disparou imediatamente. Ele vira algo de diferente — a pilha de
equipamentos — e ficara com medo. Ele tinha razões para o seu ceticismo, de
modo que decidi esperar.
Permiti que ele escolhesse entre mim e o equipamento jogado no chão no centro
da pista. Ele escolheu a mim e depois de alguns instantes se acalmou. Senti seu
nível de adrenalina baixar.
Ele estava usando a sua primeira sela — antes que qualquer corda houvesse sido
atada ao seu pescoço, para não falar de bridão. Ele estava me fazendo uma
porção de perguntas, as orelhas movendo-se para frente e para trás e as narinas
inflando, mas ele confiava em mim.
Nesse ponto eu dei um passo para trás, afastando-me dele, e o encarei, fazendo
com que se afastasse de mim. Não fiz isso, entretanto, de modo agressivo, mas
com a confiança que desenvolvi depois de já ter iniciado mais de 200 cavalos.
Ele começou a dar voltas pelo perímetro do redondel.
Ele corcoveou enquanto dava voltas e isso me agradou, pois não queria que Ray
pensasse que eu apenas tivera sorte. Eu mesmo custava a não acreditar que tudo
era uma questão de sorte, mas já “iniciara” cerca de 200 cavalos e a sequência de
eventos, depois de refinados, sempre foi a mesma.
Não o vi baixar a cabeça, mas, por experiências anteriores, sabia que isso não
ocorreria agora. Isso se deve ao fato de os mustangues encilhados não se
sentirem confortáveis com a cabeça abaixada. Havia alguma coisa estranha
acontecendo e eles não tinham certeza se era seguro baixar a cabeça.
Depois de três revoluções, o potro me dizia que estava pronto para voltar para
dentro do redondel.
Em seguida, peguei o bridão e o levantei para cima das suas orelhas. O potro
aceitou-o, reagindo apenas com um leve alçar de cabeça. Amarrei as rédeas na
parte de trás da sela e baixei os estribos, preparando-o para circular todo
equipado. Amarrei os dois estribos com a guia para garantir que não batessem
contra os lados do potro. Então lhe ordenei que desse voltas no perímetro. Ele
estava completamente equipado: manta, arreio, barrigueira, bridão, rédeas e as
guias.
Disse alto:
Embora estivesse falando com Ray, não ousava olhá-lo. Sentia os seus olhos em
mim e sabia que devia estar impressionado com o que via.
Disse a Ray:
— Quero ganhar a confiança dele e fazer com que se sinta contente com o
equipamento. Uma vez que ele vai fazer isso durante toda a sua vida de trabalho,
quero que seja uma boa experiência.
Fiz que ele desse mais umas cinco ou seis voltas antes de pará-lo. Ajustei
novamente a cilha e fiz uma leve massagem no seu pescoço e na barriga.
Levantei-me no estribo mas não passei a perna pelas suas costas. Em vez disso,
deitei-me sobre a sela por alguns instantes para ver se ele se sentia à vontade.
Qualquer pergunta que ele tivesse para me fazer, eu esperava estar respondendo
com as palavras que dizia a ele: “Nós vamos achar uma boa casa para você.
Quem sabe você não gostaria de ir para um rancho de cavalos ou fazer parte de
um show? Talvez você acabe com um bom garoto que queira aprender a
montar...”
Deixei que me visse com ambos os olhos, antes de levantar calmamente a outra
perna e montar na sela.
Ao olhar para Ray Hackworth, que me olhava intrigado, tive certeza de que ele
compreendera a incrível descoberta que eu fizera e que meu pai mudaria de
opinião graças às palavras desse homem que ele respeitava.
O som de sua voz coincidiu com os primeiros passos do cavalo e eu não tentei
pará-lo. Nós simplesmente prosseguimos dando a volta no redondel enquanto
Ray continuava gritando:
— Você faz muito mal em ir contra os conselhos de seu pai. Se eu fosse você,
parava com essas gracinhas. Você é capaz de terminar seriamente ferido, deitado
no meio da arena. Não gostaria de dizer que tipo de ferimento sofrerá, mas, para
começar, será es- coiceado.
Vidas amargas
Nessa ocasião, Jack Roddy marcou o tempo perfeitamente. Seu cavalo se movia
ansioso e, quando a lingueta soltou a corda, antes que ela caísse no chão ele já
estava galopando. Ele jogou o laço, e o troféu já era uma visão à minha frente.
Se eu fizesse a minha parte direito, terminaríamos antes que houvessem se
passado dez segundos.
O cavalo estava em seu boxe, movendo a cauda furiosamente, louco para sair
dali. Jack e eu, sobre nossos cavalos, estávamos nos boxes à direita e à esquerda
do cavalo de corridas. Jack montava um cavalo chamado Chango e já havia
recuado com ele para o fundo do boxe, de modo que a corda estaria caindo
quando ele passasse por ela em pleno galope.
Durante meus anos nas arenas de rodeio, lacei e amarrei mais novilhos do que
gosto de admitir. Nesse evento, um bezerro de pouco mais de cem quilos dispara
do boxe movendo-se com muito mais agilidade do que os animais maiores da
sua espécie. Um vaqueiro sai atrás dele e a partir daí o nome do jogo é destreza.
O laço está armado e ele se aproxima do novilho. Ele sabe da presença do cavalo
e do cavaleiro porque mantém a cabeça abaixada e as orelhas baixas, à espera de
que o perseguidor — como um predador — o ataque no pescoço. O caubói joga
o laço em volta do pescoço do novilho. A outra extremidade da corda está
fortemente amarrada na sela. O cavalo estaca subitamente e desequilibra o
novilho, que cai para um lado. O vaqueiro desmonta e corre até o novilho, mas
tem que esperar que ele se ponha de pé novamente. Agora, corda nas mãos, ele
tem que derrubar o animal novamente e amarrar três das suas patas, geralmente
as duas traseiras e uma dianteira. No momento em que o concorrente se ergue
outra vez e levanta ambas as mãos para o ar, o juiz de pista baixa a bandeira e o
cronômetro para.
Não é um evento muito bonito e não tem comparação com o que se passa num
rancho. Laçar e amarrar novilhos num rancho é uma prática necessária —
marcação, castração, curativos —, mas ao animal é permitido correr com a corda
no pescoço, de modo que possa parar com mais vagar. Geralmente são dois
vaqueiros a laçar e amarrar os animais, o que diminui a pressão sobre eles.
Se não se enganar e cair no chão, acabará sobre o pescoço do bovino. Ele se cola
literalmente ao animal para não acabar caindo sob seus cascos. Sua prioridade
agora é derrubar o novilho.
Ele passa um braço pelos chifres do animal e lhe dá uma gravata. O animal cai
para o lado — é como dar um golpe de judô num homem nu de 400 quilos.
Quando o flanco do animal bate na poeira, o cronômetro é paralisado. Os
machucados no animal são praticamente nulos. Já os dos vaqueiros podem ser
inúmeros.
Meu primeiro animal foi um boi enorme e vagaroso, e quando consegui jogá-lo
no chão haviam se passado 6,2 segundos. Nem bom nem ruim. Isso significava
que eu poderia ganhar o campeonato se me classificasse na segunda rodada, uma
vez que as notas eram somadas e delas extraído o tempo médio. Naquela mão
ainda não havia ganho o jogo, mas continuava sendo o concorrente que todos
tinham que bater.
O segundo boi foi talvez o melhor entre os que estavam disponíveis. Com aquele
animal, eu venceria o campeonato. De qualquer modo, para a segunda rodada
teria que esperar que o público se retirasse, o que só aconteceria bem tarde.
Ninguém na audiência saberia o resultado do bulldogging antes de chegar em
casa, o que pode parecer meio maluco. O negócio é que o boi que me foi
designado por sorteio teria que ser “buldogueado” sem a presença do público.
O cavaleiro que deveria se apresentar antes de mim já estava atrás do seu boi,
mas o cavalo do seu companheiro que deveria manter o boi correndo em linha
reta deslizou no barro e não conseguiu se levantar. O rapaz teria que
“buldoguear” seu boi sozinho. O boi desviou para a direita e o rapaz fez o
melhor que pôde para acompanhá-lo Em seguida, o boi começou a correr em
volta da cerca e, quando o concorrente se preparava para saltar, ele virou
subitamente para a esquerda em direção ao cavalo. O cavaleiro se viu alçado
para o ar e em cima do boi. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, já estava
batendo violentamente contra a cerca de metal. Bateu com a cabeça num pilar e
caiu ao chão, imóvel.
De repente, o torneio tornara-se uma questão de vida ou morte para todos nós ali
presentes.
Para tornar a situação ainda mais desesperadora, comecei a sentir náuseas. Era o
café agindo no meu corpo e produzindo uma reação alérgica que, conforme
soube mais tarde, eu deveria evitar a qualquer custo.
Enquanto meu estômago dava voltas, recuei com Miss Twist para o fundo do
boxe, tirei as mantas de cima dela e deixei-as mais ou menos abrigadas da chuva.
Fiz um sinal para meu companheiro de equipe, Jack Roddy, informando-lhe que
estava pronto. O novilho saiu disparado do seu boxe e eu disparei atrás dele.
Apesar da lama, Roddy obrigou o novilho a correr em linha reta. Saltei da minha
sela para o seu pescoço e com uma rápida gravata derrubei-o no chão em 4,3
segundos. No momento em que o bovino de 400 quilos caiu no chão, eu sabia
que havia vencido o campeonato mundial de bulldogging.
Senti que havia merecido aqueles 4,3 segundos; cada décimo deles.
Quando me casei, minha mulher pediu-me que eu parasse de montar touros, pois
a possibilidade de danos físicos sérios é muito grande. Argumentou que eu
melhoraria nas outras categorias se não tivesse que enfrentar a pressão de montar
no touro. Concordei em não mais participar da categoria e não levou muito
tempo para ela provar que estava certa. A verdade é que eu tinha estranhos
pressentimentos e vivia preocupado com o animal que me caberia. Sem ter
consciência disso, sofria enorme estresse antes e depois de montar em touros.
Quando parei, passei a me sair bem melhor nas outras categorias. Ela me dera
um bom conselho.
Quanto aos broncos, os cavalos xucros do oeste americano que todos certamente
já viram no cinema, gostaria de dizer que não são apenas animais selvagens, são
especialistas altamente considerados. Não há muitos cavalos que podem ser
broncos. Longe de ser um esporte cruel, essa é uma prova de rodeio — podem
ter certeza — na qual o animal se diverte. Um campeão bronco é um animal
valioso que recebe o melhor trato e nutrição. Ao contrário de outros cavalos nas
mais diversas categorias, o bronco não se entedia com exercícios repetitivos. É
respeitado como bronco e mantido xucro. Trata-se de uma coisa selvagem e
ninguém passa muito tempo tentando contrariá-lo.
O cavalo é colocado num boxe, o vaqueiro salta sobre ele, o portão do boxe se
abre e ele faz o que bem entender. É uma vida divertida. Quanto ao cavaleiro,
tenta ficar o maior tempo que puder sobre suas costas até saltar ou ser derrubado.
Pais de crianças de toda a nação inscreveram seus filhos. Em 1949, meu irmão
Larry e eu também entramos na competição. Lembro de tudo muito bem. Era um
dia muito quente em Santa Rosa, Califórnia, e fomos fritos de mais de uma
maneira. Perguntávamo-nos o que nos havia atropelado. Não há nada de
engraçado para contar sobre aquele dia. Não estávamos preparados, não nos
apresentamos bem e voltamos para casa com o rabo entre as pernas.
Eles haviam numerado diferentes partes do equipamento para cavalos. Uma das
perguntas era sobre os aspectos mais importantes do equipamento. Para cada
guia, arreio, freio ou bridão eu dava a mesma reposta. Os juízes podem ter me
julgado convencido ou podem ter pensado que eu era um garoto que não sabia as
respostas, mas durante a prova eles gostaram da filosofia por trás da frase que
repeti tantas vezes, e me deram as notas mais altas. Minha resposta fora: “A
parte mais importante de cada parte do equipamento são as mãos que a
seguram.”
Ganhei o campeonato de Palm Springs e não foi uma vitória surpreendente. Mais
uma vez tenho que relembrar a mim mesmo que treinei cavalos para aquele
evento por dois anos, do modo como um profissional adulto treinaria. Fui
colocado para concorrer com garotos que encaravam a equitação mais como um
hobby.
Fiz quinze anos enquanto viajava a Nova York para ganhar a final do
campeonato mundial com pontos de sobra. Quase todos os outros finalistas
tinham a idade máxima, 18 anos. Quinze vinham de vários estados norte-
americanos e os demais do Canadá, México, Panamá, Porto Rico, África do Sul
e Argentina.
Ela era de opinião que o conhecimento deve ser puxado para o cérebro pelo
próprio aluno e não empurrado para dentro do cérebro pelo professor. Ninguém
pode forçar uni estudante a adquirir conhecimento. O cérebro do estudante é que
deve ser receptivo, maleável e desejoso de adquirir conhecimento.
O rancho Laguna Seca fica a uns oito quilômetros da Pista de Rodeio, ao sul de
Salinas. É composto de seis mil acres que recuam até a reserva militar do Forte
Ord.
O rancho foi arrendado quase no fim dos anos 40 por uma senhora chamada
Dorothy Tavernetti. Pouco tempo depois, ela levou para morar no rancho um
namorado seu chamado Trevor Haggeman. Ele era um caubói entusiasmado por
rodeios e especialista em laçar e amarrar, e ela tornou-se a sua financiadora. Ela
comprou lotes de bois Mexican Corianti, de longos chifres com os quais ele
podia praticar a pega. Eu e meu irmão íamos ao rancho Laguna Seca três vezes
por semana para treinar.
Uma noite, o Sr. Carter apareceu com um plano. Antes de tudo, ele levaria uma
picape cheia de feno e alfafa para alimentar o gado em algumas áreas abertas e
espaçosas ao longo do lado sul do rancho.
Era verão e havia pouco suprimento de comida. Logo o gado descobriu a nova
fonte de alimentos. Logo também os animais passaram a prestar atenção na
picape que vinha com o feno por volta de nove, dez horas da noite. Passaram a
gostar do som daquele motor.
Então tínhamos que manter preso o boi cujos cornos havíamos laçado com a
corda firmemente amarrada à sela. Mantínhamos o animal laçado até que o Sr.
Carter voltasse com o trailer. Passávamos a corda na frente do trailer e em
seguida puxávamos os animais para dentro dele. O Sr. Carter guiava a picape
enquanto eu e Larry voltávamos cavalgando para o rancho.
Dessa vez, eu e Larry cavalgamos uns doze quilômetros para o norte do rancho e
do gado. Depois disso, começamos a cavalgar para o sul, obrigando qualquer
novilho que víssemos a ir para o pasto aberto.
Caí sobre a cabeça dele e acidentalmente minha mão ficou presa na cabeçada.
Surpreendi-me dentro de uma cova de mais de três metros com areia até os
joelhos. Na minha mão esquerda estavam a cabeçada e um pedaço de corda. Na
direita, o meu laço ainda preparado para ser lançado. Meu cavalo tinha areia
quase até a barriga.
Enganado por um boi! Fiquei chateado, mas não tanto quanto ao descobrir que
não sairia facilmente da cova, que tinha uns oito metros de largura. Eu corria até
uma extremidade e tentava a escalada. Ficava pendurado pela ponta dos dedos
em alguma fenda, apenas para deslizar novamente para baixo. Uma ou duas
vezes consegui atingir o topo da cova, mas não consegui convencer meu cavalo a
me acompanhar. Eu cuspia areia e poeira, e minhas botas estavam cheias de
pedrinhas.
Levei meia hora para sair dali com o meu cavalo. Na picape, meu irmão e o Sr.
Carter se perguntavam o que teria acontecido comigo.
Aprendemos que os bois só tinham medo dos cavalos, cujo cheiro podiam sentir
à distância. Os cavalos eram seus inimigos. De qualquer modo, gostavam do
ruído da picape e certamente queriam a forragem. O que fez o Sr. Carter? Botou-
me na carroceria da picape, debaixo de todo aquele feno, mas com o laço já
armado. A outra extremidade da corda estava bem amarrada no trailer. Ele
passou entre os bois com o carro enquanto eu, deitado na carroceria, jogava
forragem para eles sem que me vissem.
Eu achava que os bois estariam do lado direito da picape, mas eles deram uma
volta e decidiram se aproximar pela esquerda. Dei um pulo como sempre, mas
dessa vez tive que me virar para a direção oposta, a fim de poder jogar o laço.
Não parei para pensar sobre onde estava o resto da corda. Quando o Sr. Carter
acelerou, me dei conta que o resto estava enrolado em minhas pernas. Não tive
tempo de fazer nada antes que a corda subisse esticada, me apanhasse no rosto e
me jogasse de cabeça contra a parte traseira da carroceria.
O Sr. Carter arrastou o boi por uns 15 metros com aquela corda que saía do
engate do trailer, subia pela picape, passava pelo meu rosto e ia até o pescoço do
novilho, Não era um emprego que eu pudesse recomendar a qualquer um. Fiquei
inconsciente por várias horas. Acordei no hospital com o rosto coberto de
ataduras e me perguntando o que tinha acontecido.
Fora capturado, afastado do seu lar e levado para um ambiente estranho. Uma
das primeiras coisas que fizeram com ele foi surrá-lo até que o medo o induzisse
à submissão. Resolvi que deveria fazer alguma coisa para recompensá-lo pelo
“ensacamento” que sofreu nas mãos do meu pai. Eu falava com ele o tempo
todo, ouvia o que ele tinha a dizer, tentava me exceder nos cuidados com ele.
Queria o seu bem e queria fazer as coisas certas para que ele sempre se sentisse
bem. Sua saúde sempre foi boa e eu cuidava pessoalmente da sua dieta. Podia ler
o seu humor.
E ele sempre me respondeu. Ficou tão próximo de mim como se fosse um irmão.
Vivíamos e respirávamos o mesmo ar. Com exceção da sua fobia por papel, que
o acompanharia como uma sombra até o dia da sua morte, era um cavalo firme e
bem-ajustado. Em resumo, se recuperara como seria de se esperar.
Este era um dos requisitos necessários para cavalos de prova. Como cavalo de
rancho, ele precisava saber separar um novilho do grupo e o desafio era mantê-lo
afastado, impedi-lo de retornar à segurança coletiva. Trata-se de um trabalho
equivalente ao do cão pastor.
De qualquer modo, quando aumentei essa sua atividade favorita dentro do seu
esquema de treinamento, sua apatia aumentou. Para mim tratava-se de um
mistério que eu não conseguia explicar.
Eu juntara a minha vida à vida dele e as minhas ambições às dele. Tive certeza
de não estar errado a esse respeito.
Mais do que nunca, desejei que falássemos a mesma língua. Então, ele me diria
dos seus problemas e juntos poderíamos resolvê-los. Tentei de todas as maneiras
encontrar uma resposta para o impasse.
A baia de Brownie ficava num dos lados da divisão, com cavalos à direita e à
esquerda ao longo da cocheira. Apoiei meu cotovelo na divisão e tive uma
conversa com Brownie. Estava bem à minha frente e falei diretamente com ele.
Fiz um acordo.
Sabendo que ele não podia me entender e sabendo apenas o pouco que aprendera
em Nevada, prometi a ele que dedicaria a minha vida inteira para aprender sua
linguagem.
A promessa foi feita a ele, mas prometi a mesma coisa a mim mesmo. Foi uma
conversa para acertar um objetivo. Aquela conversa concentrou minha ambição
e deu um curso à minha vida.
Brownie ganhou todas as provas nas quais tomamos parte. Deu 100% de si
mesmo, Era como se ele houvesse entendido mesmo o que eu lhe dissera.
Meu pai empregara um homem para ir na frente e cuja função era arranjar
transporte, para nós, da estrada de ferro até o local das provas. Tinha ainda que
descobrir os locais para reestocar provisões e — o mais importante de tudo —
vender o maior número possível de tíquetes para uma “clínica” que eu dirigia,
geralmente às segundas-feiras à noite, depois das provas.
O homem que ia na frente (e que eu dificilmente via) também tinha que arranjar
o local para a clínica. Geralmente, vendia os bilhetes para clubes ou escolas
locais. A idéia era a seguinte: “Monty pode lhes mostrar como ser um vencedor.”
Olhando para trás, vejo que meu pai teve essa idéia da clínica para ajudar a
cobrir a considerável soma de dinheiro envolvida na manutenção desse vagão
rodando pelo país inteiro com tantos cavalos e duas pessoas empregadas em
tempo integral. Ele necessitava mais do que o dinheiro dos prêmios para manter
o espetáculo em andamento.
Nas provas, quase sempre eu ganhava tudo. E por que não faria? Não somente
tinha Brownie, como também oito cavalos excelentemente treinados para levar o
resto dos prêmios. Eu era um profissional com anos de experiência atrás de mim.
Pelo menos assim me reconhecia a Associação Americana de Concursos
Equestres, sem entretanto me impedir de entrar em competições de amadores,
desde que estivesse dentro da idade exigida. E eu competia com garotos que
participavam de uma ou duas provas durante todo o verão e que só praticavam
equitação nos fins de semana. Eles se divertiam montando, mas não pensavam
em fazer daquilo um meio de vida.
De certa forma, fui uma constante bizarra durante anos no circuito de provas.
Por isso meu pai pôde idealizar essas clínicas nas quais, esperávamos, eu
revelaria o segredo do meu sucesso para uma audiência entusiástica.
Muitos dos que compravam ingressos apareciam com seus trailers. Outros não
traziam cavalos e apareciam somente para assistir. A Srta. Parsons ficava com o
dinheiro da bilheteria e o depositava nos bancos de cada cidade por onde nos
apresentávamos. Ela mantinha as contas numa caixa de aço que seria aberta pelo
meu pai quando voltássemos para casa. Eu não era mantido a par de nada disso.
Depois que a clínica acabava, eu era cercado por uma fila de jovens que tinham
sempre uma ou outra pergunta para fazer. Mantinha Brownie por perto, de modo
que todos pudessem ver o famoso cavalo multicampeão.
É claro que, enquanto eu falava, explicava, dava exemplos, sabia que nenhum
garoto ou garota da audiência iria se dedicar à equitação seis, sete horas por dia,
como eu. Nem eles tinham pais que se dedicavam ao mesmo objetivo que os
filhos. Sabia, portanto, que os conselhos que dava não transformariam ninguém
num Monty Roberts. Nesse sentido, a premissa da clínica — a de fazer outros
jovens obterem o mesmo sucesso que eu — jamais seria concretizada.
Muitas vezes, eu sentia muito pelos jovens da plateia mas, mais vezes ainda,
sentia muito por mim. Eu equiparava o meu estilo de vida ao dos jovens
evangelistas que atravessam o país inteiro pregando; de muitas formas, era uma
existência penosa. Eu era um jovem a quem nunca fora dada a oportunidade de
se comportar como uma criança. Estava separado de todos e ocasionalmente
sentia esse isolamento. Dei-me conta de que tinha um senso de valores
completamente diferente da maioria das pessoas. Nunca estivera numa loja de
brinquedos — por exemplo —, uma coisa que não me pareceu estranha até bem
mais tarde, quando vi como era comum a experiência de uma criança chegar a
uma loja, apontar para um trenzinho ou para uma boneca e dizer: “Me dá este,
por favor.”
E porque meu mundo estava tão centrado em cavalos eu também estava pronto
para acreditar que era melhor do que qualquer outro e que possuía qualidades
que ninguém mais possuía.
Por sorte, a Srta. Parsons me mantinha na linha e fez com que toda a operação
circense se transformasse numa tremenda aventura e numa educação. Ela deixou
bem claro para mim que eu só avançara tanto na minha carreira graças às muitas
horas que dedicara ao trabalho, tempo que não estivera disponível para outros
garotos da minha idade.
Mesmo naquela época, portanto, eu já sabia o que sei agora: os resultados que
conquistei surgiram ano após ano de trabalho duro, estudo e prática; Não há
nenhuma qualidade mística inerente envolvida. Tem gente que quer ligar essas
qualidades ao meu trabalho, mas isso eu não aceito porque simplesmente não é
verdade.
Lembro de toda uma série de conversas que tive com meu pai, quando lhe pedi
para treinar cavalos usando meus próprios métodos.
Ele perguntava o que havia de errado com seus métodos. Ele se dera muito bem
com eles. O que havia para ser mudado? Ele queria que eu pensasse como ele.
Na sua mente não havia potencial algum para mim além daquilo que ele me
havia ensinado. Só em pensar nisso, já o enchia de raiva,
Eu também queria jogar futebol americano e treinar luta greco-romana, mas ele
não permitiu. Era como se houvesse lhe pedido para ir à lua. Era impossível
pensar em qualquer tipo de vida para mim além daquela que ele havia traçado.
Ele soprara a vida em meu corpo e, logo, tinha o direito de determinar o que eu
deveria fazer com a minha respiração desde o meu nascimento. Esse era o seu
modo de raciocinar.
Perguntei-lhe:
— Quem pagou pela tua educação? Quem pagou casa, comida e tudo o mais?
— Você.
— Eu, como seu pai, sou responsável por tudo o que você já fez. Logo, se
alguém deve alguma coisa a alguém, é você.
Sua interpretação era a de que eu jamais poderia me afastar da operação que ele
pusera em marcha. Eu tinha que continuar do ponto em que ele parasse. A
consequência disso era que eu obteria todos os benefícios do que fizéramos
juntos e por esse motivo não deveria tirar nada do nosso negócio e nem fazer
qualquer outra coisa com o dinheiro. De qualquer modo, jamais foi minha
intenção ser a sua sombra ou uma extensão do seu trabalho. Eu queria trilhar
meu próprio caminho.
— Esse assunto não vai ficar aqui — eu lhe assegurei. — Nós vamos nos livrar
dele, você vai ver. Nós vamos viver uma nova vida.
A próxima discussão surgiu quando eu estava em casa falando com minha mãe.
— Sabe duma coisa, mãe? Aprendi muito trabalhando com os mustangues nos
últimos anos.
Nesse momento, senti que havia outra pessoa conosco. Virei- me e vi meu pai.
Estava na porta e tinha os olhos fixos em mim. Pelo seu olhar, percebi que havia
ouvido parte da conversa. No momento em que ele deu um passo à frente, sem
deixar de me fixar com seu olhar inflexível, senti o sangue escorrer das minhas
veias para as minhas botas. Eu sabia o que aquele olhar significava.
— Pai...
Ele gritou mais alto. Uma das suas mãos transformou-se num punho e a outra
bateu no meu peito.
— Você é burro demais para fazer qualquer coisa sem a minha ajuda.
Engoli em seco sabendo o que estava por vir. Minha mãe interferiu.
Dito isso, ele levantou o punho e me deu um soco no queixo. Era um choque
familiar mas, ao mesmo tempo, lembro-me que minha mãe deu um grito.
Agradeci a Deus por ela estar lá, pois na sua presença ele não iria tão longe
quanto costumava ir.
E eu estava certo, pois, quando ele avançou novamente para me bater, ela lhe
disse:
Senti que a pulsação do meu pai baixou e com ela o seu temperamento caiu para
um nível dialogável.
— Escutar, hein? — ele disse com algum sarcasmo, como se qualquer coisa
que eu tivesse para dizer não valesse a pena ser ouvida.
Fomos para a sala de estar e me lembro que ele sentou num sofá, sozinho, e
minha mãe ficou perto de mim para me proteger. De repente, reconheci minha
oportunidade. Isso não seria apenas uma conversa. Eu ia lhe dizer o que
aconteceria.
— Quero começar a trabalhar por conta própria. Acredito que existam pessoas
que me darão cavalos para treinar e quero poder treiná-los do modo que acho
correto. Quero uma chance de provar que posso fazer isso. Não vou pedir muito,
apenas o que qualquer outro cidadão de Salinas pode lhe pedir — ou seja,
arrendar parte das instalações para trabalhar com cavalos na Pista de Rodeio.
Como fazem Ray Hackworth e tantos outros.
Houve uma pausa durante a qual meu pai digeriu o que acabara de ouvir. Fiquei
observando-o. Ele não podia acreditar no que ouvira. Finalmente, disse:
— Ótimo, você pode fazer isso mesmo. Vou lhe alugar o galpão número oito,
claro que vou. E nós vamos ver como você se sai. — Então ele se levantou e
apontou um dedo para mim. — E já que você é tão danado de adulto, pode pagar
para morar aqui, pagar por seu próprio carro e pelas suas próprias roupas. —
Como se estivesse pondo um ponto final na conversa, ainda disse: -— O aluguel
pelo seu quarto aqui em casa é 35 dólares.
Embora ele estivesse dizendo o que eu queria ouvir, na verdade dizia que eu iria
falhar. Por toda a casa em Church Street nós pagávamos 35 dólares mensais.
Provavelmente por isso essa soma apareceu na sua cabeça. Queria demonstrar o
tipo de pagamentos com os quais ele tinha que lidar.
Peguei-o pela palavra, o que, de certa forma, deve tê-lo surpreendido. Aluguei o
galpão número oito e espalhei que era treinador independente de cavalos de
provas e de rancho para trabalhar com gado. Deixei bem claro para todos que era
dono do meu próprio destino. Agora não fazia mais só rodeios. Além de treinar
cavalos, entrei para a equipe de futebol americano da escola com colegas que já
treinavam havia quatro anos. Além disso, me inscrevi no curso de luta greco-
romana. Comecei a estender as asas, enfim.
No que diz respeito a ganhar a vida por mim mesmo — bem, eu era um
cavaleiro campeão do mundo, não era? Claro que outras pessoas me dariam
cavalos para treinar, o que me permitida viver decentemente, não é verdade?
Pensei que não teria problemas de espécie alguma.
Ela roubava onde podia. Chegou a ponto de comprar roupas para meu pai que
eram do meu número só para dá-las a mim. Sem a ajuda dela, meu pai estaria
certo e eu não teria sobrevivido.
Mas, graças a ela, eu consegui sair de baixo dele pela primeira vez na minha
vida. Era um começo.
Estalei a língua e ele deu um pulo para frente como sempre fazia. Era o seu
exercício favorito. Ele já havia corrido até aquele grupo algumas vezes e os
animais sabiam o que estava para acontecer, de modo que corriam em todas as
direções como bolas de bilhar.
Brownie disparou e obrigou uma novilha a sair de um canto, fazendo-a correr em
volta da cerca, o que era sua especialidade. Era difícil evitar que ele fizesse isso.
Subitamente, alguma coisa aconteceu com ele. Era como se seu sistema nervoso
estivesse ligado ao meu. Brownie sentiu um agudo e amedrontador baque no seu
sistema. Senti a mesma coisa ao mesmo tempo, como se fôssemos um só corpo.
Ele caiu como um saco. Não se tratava de uma queda provocada por terreno
acidentado. Era como se houvessem puxado o tapete de baixo de suas patas.
Ao sair de cima dele e me levantar, sabia que estava morto. Estava quieto
demais. Deitado no chão, não movia um músculo.
Fui invadido por uma terrível tristeza. Não podia imaginar-me sem meu cavalo,
amigo e companheiro. Tratava-se da pior perda, até então, da minha vida.
Durante muito tempo fiquei olhando para ele em silêncio, incapaz de fazer
qualquer coisa.
Parado em frente a ele, tive a impressão de ver sua vida passar pelos meus olhos.
Lembrei-me da primeira vez que o vi — ele tinha aquele único ponto branco
entre os olhos — e ouvi o seu nome, Brownie. Parado em frente a Oriel, sob a
luz de um pálido luar no alto da montanha em Nevada. Balançando para frente e
para trás no vagão e mantendo o equilíbrio. Trotando para receber tantos e tantos
troféus de campeão entre os cavalos de rancho. Desalojando bois do canto do
curral...
Torci para que ele houvesse entendido meu pedido de desculpas no ano que
passara. Certamente, depois daquela prova em Salinas, nossa amizade se
aprofundou ainda mais. Dei-lhe muito tempo de folga para que ficasse longe de
mim e das minhas preocupações pessoais. E quando voltou para mim, voltou
com entusiasmo ainda maior e as forças renovadas.
Pensei: “Descanse em paz.” Falei sério, sinceramente. Era isso que ele deveria
fazer.
O Sr. Fowler caminhava de um lado para outro na frente da classe enquanto nós,
alunos, aguardávamos com os lápis sobre o papel. Um homem alto, postura
ereta, pele morena, estava sempre imaculadamente vestido.
— Quero que vocês todos pensem nisso com muito cuidado — disse o senhor
Fowler enquanto movia suas mãos longas e elegantes. — Como será se vocês
pintarem suas vidas no futuro, como se houvessem realizado todas as suas
ambições?
— O trabalho deve ser uma narrativa sincera e acurada sobre onde eu poderei
encontrá-los se for visitá-los quando vocês tiverem trinta e tantos anos. A
composição deve se chamar “Meus Objetivos na Vida” e deve ser entregue a
mim dentro de três semanas.
— Você sabe que a minha última instrução foi a de que queria realismo na
projeção do futuro?
— Você tem idéia de quanto ganha por ano, em média, o cidadão americano?
— ele perguntou.
Esperei que ele continuasse, mas tinha uma idéia bem clara do que ele diria a
seguir.
— Quantos anos você teria que trabalhar para economizar o suficiente para
realizar seu plano? — ele perguntou.
— Não sei.
Ele bateu com o dedo indicador na nota “F” que havia me dado.
Foi como se ele houvesse enfiado uma faca no meu corpo, tão inesperada foi a
sua reação. Ele me despertara subitamente para a realidade financeira e me
defrontei com a possibilidade de que meus sonhos jamais se realizariam.
— Bem, se este é realmente o sonho da sua vida, acho que você pode atingi-lo.
Acho que você deve considerar a possibilidade de devolver seu trabalho ao
professor sem mudança alguma — e acrescentou — mas, se você achar que ele é
irrealizável, não há por que não mudá-lo. Por outro lado, não creio que seja
função de um professor de escola secundária estabelecer um nível para suas
esperanças e sonhos.
Voltei à escola e devolvi o trabalho como o havia escrito da primeira vez, com
um adendo. Nele, dizia ao professor que sua percepção de que meu sonho não
era possível era bastante justa, mas a minha própria percepção me dizia que meu
projeto era atingível como um plano de vida e não achava que ele tinha o direito
de ignorá-la. Deveria me dar a nota que julgasse adequada.
Quando o boletim foi enviado pelo correio verifiquei ter recebido a nota
máxima, “A”, no curso do professor Fowler. Jamais descobri o quanto ele
mudou a sua nota original, mas não teria conseguido um “A” como média se ele
houvesse deixado aquele “F” no meu trabalho.
Eu ainda não sabia, mas viria a entrar em contato com o Sr. Fowler outra vez, em
1987. Mas, então, a história foi outra.
Ainda era uma situação estranha não ter Brownie comigo. Aquele cavalo
castanho com o ponto branco entre os olhos era como uma presença
fantasmagórica. Havíamos passado tanto tempo juntos chacoalhando dentro
daquela estrutura de madeira enquanto ela rolava pelo imenso país americano,
que eu podia sentir a presença de Brownie, particularmente à noite.
Pat Burden era uma garota que estivera um ano atrás de mim durante toda a
escola primária e secundária. Seu pai era o dono de uma companhia que lidava
com perfuração e instalação de poços de água. Ela também tinha parentes
envolvidos no negócio de cavalos e rodeios.
Com ela entrando na minha cabeça daquele jeito, o pensamento sobre o que eu
devia fazer em seguida tomou conta de mim. Não era como se eu houvesse
tomado uma decisão. Era como se alguém estivesse puxando as cordas e eu não
passasse de uma marionete.
Assim que retornei, fui até o saguão da escola secundária Salinas Union e
simplesmente a informei—como se estivesse fazendo um anúncio — de que ela
era a moça que eu escolhera para ser minha mulher. Mas ela não via a coisa da
mesma maneira e me mandou passear.
Algum tempo mais tarde, ela estava com seus amigos Sally e Jim Martins — que
por acaso também eram aparentados com a minha família — e contou-lhes que
eu estava infernizando a vida dela todos os dias, tentando marcar um encontro e
falando de um mundo de coisas que poderíamos fazer juntos.
Eles a desafiaram a sair comigo só uma vez. Não sendo o tipo que costuma fugir
da raia, ela aceitou o desafio e disse que se encontraria comigo.
No dia seguinte, lhe perguntei, como fazia sempre, se sairia comigo. Dessa vez,
ela disse que sim.
Fomos jantar e depois ao cinema. Estamos juntos desde aquela noite, há quarenta
anos.
Se chamaria East of Eden (no Brasil, Vidas Amargas) e era uma adaptação do
romance de mesmo nome de John Steinbeck, que morara em Salinas nos
primeiros anos do século. Eu havia ido à escola com membros da sua família.
O diretor seria o famoso cineasta Elia Kazan. Para o papel principal, ele
convidara um rapaz de uma escola de teatro de Nova York. Os produtores,
naturalmente, estavam preocupados com as diferenças que o ator encontraria
quando se visse na Califórnia, fazendo o papel de um habitante de Salinas.
Nosso velho amigo, o Sr. Don Page, era o primeiro-assistente do diretor e veio
falar comigo. Sugeriu que eu pusesse o ator sob as minhas asas e andasse com
ele pela cidade para ajudá-lo a respirar a atmosfera da nossa parte do mundo.
— Posso ir um pouco mais longe e pedir que ele more com você por algum
tempo?
Concordei e perguntei-lhe:
Ele tinha 23 e eu 20 anos, mas parecia que eu era o mais velho. Ele era jovem
para a sua idade.
Peguei sua valise, levei-o para o meu quarto e lhe disse que sua cama seria a
superior do beliche.
Foi quando notei suas botas. Seus jeans eram alguns centímetros mais curtos
para poder exibi-las. Coisa horrível.
Por algum tempo não disse nada, mas chegou uma hora em que não me aguentei.
Nós tínhamos autorização para gastar dinheiro em roupas e sugeri que fôssemos
até a loja do Sr. Garcia para comprar-lhe umas botas de verdade.
Jimmy topou, mas quis continuar com as suas botas. Eu lhe adverti:
— Se você não tiver queimado essas botas antes de o filme começar, não terei
feito o meu trabalho direito.
Alguns dias mais tarde, depois de se acomodar dentro das novas botas, ele me
informou que havia dado as suas antigas de presente.
Isso alavancou a nossa relação. Logo nos tornamos bons amigos. Ele ficava
sentado na cerca vendo eu e Pat cavalgarmos, quer em provas, quer nos currais
onde praticávamos. Fomos jantar os três no café Mac’s e o apresentamos a todo
mundo que conhecíamos.
Jim era tímido. Parecia que ia derreter nos cantos dos lugares. Vivia passando a
mão pelos cabelos por puro embaraço. Aconselhei-o a sair da sua concha e parar
de recuar o tempo todo, se quisesse realmente se parecer com um morador de
Salinas, estilo Steinbeck.
Ele achava que saber abrir o laço seria o seu bilhete de ingresso no ambiente
social em que se encontrava. E estava certo. Aprendeu a abrir o laço e se exibia
onde tivesse uma oportunidade, sempre com aprovação da plateia.
Ele também queria chaparreiras de couro dessas usadas pelos vaqueiros. Volta e
meia descobria que ele havia apanhado as minhas. Surpreendi-o usando-as em
muitas provas onde eu me apresentava. Acabei dando-lhe um par velho do meu
pai e ele ficou muito contente.
Passados os três meses, o Sr. Page e Elia Kazan me convocaram para uma
reunião. Estavam prontos para começar a filmagem e queriam saber como ia
indo o jovem ator.
Disse-lhes que realmente gostava do cara. Era como um irmão para mim, e eu
estava impressionado com o seu caráter e com tudo a seu respeito.
Tive que acrescentar que, na minha opinião, ele jamais seria um ator. Graças aos
meus trabalhos como dublê conhecia muitos atores, e Jim não era nenhum John
Wayne ou Roddy McDowell. Ele não era gregário, não engajava pessoas em
conversações, não evocava entusiasmo ou participação. Para mim, ele
simplesmente não parecia um ator.
Agradeceram minha opinião e eu fui embora para tratar das várias funções que
tinha no filme. Tinha que tomar conta dos cavalos que meu pai providenciara
para a fita. Seria ainda dublê e extra.
Ao ver Jim, maior que a vida, na tela enorme, disse a mim mesmo que daquele
dia em diante manteria a boca fechada. Voltei diretamente à minha posição de
consultor ambiental e nunca mais disse uma palavra sobre a capacidade de Jim
de atuar. Ele tinha uma nova espécie de mágica e isso se tornou óbvio para
todos. Ele era elétrico.
Quando saímos juntos à noite, Jim fez alguns improvisos para nos divertir.
Primeiro, fingiu estar ao telefone falando com alguém, comentando o grande
sucesso que ele era. Ele atuava como se fosse um astro de Hollywood. Não sabia
o que fazer com todo o dinheiro que ganhava e nem com o bando de garotas que
vivia batendo à sua porta. Iria comprar tudo o que visse e mais um imenso
rancho que eu e Pat administraríamos para ele. Voaria para o rancho de qualquer
parte do mundo onde estivesse fazendo um filme.
O fenomenal sucesso de James Dean, hoje, faz parte da história deste século.
Estive com ele quando atuou em Rebel Without a Cause {Juventude Transviada)
e em Giant {Assim Caminha a Humanidade), com Elizabeth Taylor e Rock
Hudson. Jim acabou mesmo sendo um astro de Hollywood e fez realmente uma
fortuna.
Havia uma propriedade para vender perto de Salinas. O Sr. Pedrazzi havia
falecido algum tempo antes e nós chegamos a ir ver suas terras.
Jim iria participar de uma corrida de carros em Salinas. Ele viria com seu
mecânico no seu Porsche Spyder e ficaria conosco na casa dos pais de Pat.
Iríamos olhar as terras. Eu e Pat tínhamos certeza de que nosso futuro estava
assegurado. Graças à nossa amizade com o jovem ator, nossas vidas trilhariam
um novo caminho cheio de promessas.
No dia 30 de setembro de 1955, esperávamos por ele. Pedíramos a ele que nos
telefonasse quando estivesse perto de Salinas e nos desse a hora certa da sua
chegada. Estaríamos à sua espera.
Como todos sabem, eles colidiram com um outro carro. O outro motorista
acabou com um arranhão no nariz. Weutherich quebrou uma perna e o maxilar.
No ano seguinte minha carreira como jogador de futebol chegou ao fim por
causa de um ferimento no joelho que não conseguiu ser curado. De qualquer
modo, ainda pratiquei um pouco de luta greco-romana.
Registrei-me para ser recrutado pelo exército mas não fui chamado, pois
descobriram que; eu só enxergava em preto e branco. Foi a primeira vez que
alguém confirmou isso para mim e fiquei contente, pois provei que sempre
estivera certo. Eu enxergava de um modo diferente do das outras pessoas.
Percebia-os movimentos mais claramente e a uma distância muito maior. Eu
podia enxergar melhor do que as outras pessoas à noite, Muito mais tarde,
quando já tinha 61 anos, fui ver um especialista na Inglaterra que me deu umas
lentes de contato que me ofereceram uma visão interior de como é ver colorido.
Fiquei atônito. Fui invadido por uma intensa energia que me causou grande
agitação. Pensei: “Se é isso que as pessoas normais têm que enfrentar, não é de
estranhar que sejam tão distraídas e nervosas.” Foi uma revelação e sei que não
poderia ter feito todas as coisas que fiz em minha vida se fosse capaz de ver em
cores.
Em verdade, estava mais para bangalô do que para casa. Haviam acabado com
uma estrada ali perto e Woody Proud comprara diversas cabines de motel.
Colocara as cabines dentro de suas terras.
De qualquer modo, isso permitiu que eu ficasse com os meus três cavalos de
rodeio — Miss Twist, Finito e Hyena — e ainda pudesse frequentar a
universidade. Desde o início pratiquei arduamente com a equipe de rodeio da
universidade, Para eles foi uma boa notícia saber que eu era um atleta que
participaria em quatro categorias, e eu estava me entrosando bem na equipe.
Um dos primeiros rodeios dos quais nossa equipe participou foi durante outubro
de 1955 em Eugene, Oregon. Viajamos longas distâncias por terreno
montanhoso e deserto. Eu começara a me interessar pelo modo que os cavalos
viajam dentro de trailers — como se confrontam com o esforço e a pressão de
viajar por estradas. Um ou dois anos mais tarde, eu e Sheila Varian faríamos um
profundo estudo sobre o assunto, transportando cavalos por estradas cheias de
curvas por longos períodos. Decidimos usar um caminhão de carroceria aberta e
sem divisões. A idéia era que, se os cavalos se sentissem livres, encontrariam a
posição mais confortável para viajar.
Quase 100% das vezes, os animais escolhiam viajar não olhando para a frente,
não olhando para trás, mas a uns 45 graus da estrada. Nessa posição, eles
enfrentavam melhor as freadas e partidas e os puxões nas curvas. Graças a essa
experiência, mais tarde eu levei meu velho trailer para um soldador e pedi-lhe
que mudasse as divisórias de modo que elas pudessem se abrir e todas fossem
fixadas por meio de dobradiças numa parede. Desse modo, os cavalos viajariam
a 45 graus da estrada. Isso aconteceu nos anos 60 e, pelo que sei, o meu foi o
primeiro trailer a ser adaptado desse modo. Nunca dei muita importância a isso
até ver que todo mundo começou a fazer a mesma coisa. Ousaria dizer que 80%
dos cavalos de prova, hoje em dia, são transportados a 45 graus.
Eu viajava com Don Switzer numa picape à qual estava enganchado um trailer.
Dentro dele estavam Miss Twist e o cavalo de Don, que haviam feito muito
sucesso no rodeio. Dentro do trailer, a calefação estava no máximo e nós
progredíamos devagar mas firmemente através de um cenário que parecia um
gigantesco lençol branco, sem qualquer casa ou veículo à vista. E a neve caindo.
— Estepe?
Ele fez um gesto negativo com a cabeça.
Saímos da picape e ficamos olhando para o pneu furado, a geada seca voando à
nossa volta. Aliás, a neve chegava quase aos nossos joelhos.
Não havia nada que pudéssemos fazer a não ser tirar os cavalos do trailer. Don
teria que seguir na picape até a cidade mais próxima, Weed. Não sabíamos a que
distância exata ela ficava.
Acenei para Don até ver as luzes traseiras do trailer, que andava em ziguezague,
desaparecerem na nevasca.
Miss Twist parecia muito infeliz por causa da neve e não entendia o que estava
acontecendo. Ela continuava andando em círculos, mantendo a garupa para a
direção do vento de modo a proteger a cabeça. Eu me perguntava o que poderia
fazer para manter minha égua e o cavalo de Don do modo mais confortável
possível, diante das circunstâncias, enquanto esperávamos pela picape, o trailer e
o pneu novo. Decidi descer a estrada com eles, pois, mesmo que não
encontrássemos abrigo, pelo menos encontraríamos a picape mais cedo, na sua
volta.
O prédio estava congelado. Olhei pelo vidro da porta mas não vi sinal de vida.
Imaginei que não houvesse ninguém. Não pensariam em vender gasolina numa
situação como aquela. Não havia uma viva alma na estrada.
Tinha que apanhar meus cavalos, o que seria fácil, uma vez que bastaria seguir
suas pegadas na neve. Haviam descido o barranco na parte de trás do posto e eu
fui em frente.
É claro que eu não sabia, mas na depressão onde eu estava havia um riacho que
congelara e que agora estava coberto de neve. Talvez nada acontecesse se eu não
houvesse tentado seguir diretamente as pegadas dos animais, pois o gelo talvez
aguentasse o meu peso.
Mas eu segui as pegadas e, é claro, nos locais onde os cavalos haviam pisado o
gelo se quebrara. E de repente me vi coberto de água até a cintura.
Não havia nada a fazer a não ser ir em frente seguindo as pegadas dos cavalos.
Caminhava rapidamente para manter meu corpo aquecido.
Ela dissera: “Você está arruinando o meu negócio!” Que espécie de maluca seria
aquela mulher? Ela provavelmente não vira um carro por lá desde o fim da
guerra.
Encostei-me no tronco e olhei para as rédeas nas minhas mãos. Enquanto elas
permanecessem ali, estaríamos todos bem. Para dizer a verdade, o frio era tanto,
que eu nem podia abrir as mãos, mas aquilo aparentemente não me incomodou
na ocasião. Fora os tremores ocasionais, comecei a me sentir euforicamente
aquecido. Não me importava o fato de não poder mover um osso do meu corpo;
eu estava bem, mas não graças àquela mulher. Quem seria ela? Ninguém com
quem devesse me preocupar. Eu estava surpreendentemente feliz, agora. Talvez,
apenas um pouco cansado.
Nenhum sinal.
Foi então que ele descobriu que a árvore passara pelo equivalente ao que seria
uma avalanche. A neve acumulada nos galhos superiores caíra sobre os galhos
inferiores e assim por diante, provocando o efeito avalanche. Toda a neve que se
encontrava na árvore acumulou-se na base. Longe de ser um abrigo, poderia ser
uma tumba.
Don sabia o bastante sobre neve para compreender o que acontecera, e depois de
amarrar rapidamente os cavalos se meteu a mexer na neve e a gritar o meu nome.
Achou meu chapéu e começou a cavar o mais rapidamente possível.
Puxou-me para fora da neve e me levou para dentro da picape. Minhas roupas
haviam congelado e estavam coladas ao meu corpo, mas ele conseguiu tirá-las e
me enrolou nos cobertores dos cavalos. Então ele embarcou os cavalos no trailer
e seguiu para o hospital. Ele, sem dúvida, salvou minha vida.
Continuo intrigado com aquela mulher. Onde ela estará, agora? Se foi para o céu,
deve estar trabalhando numa espécie de show: almas penitentes pedem ajuda e
ela as expulsa. Ela gostaria de fazer isso por toda a eternidade, não há dúvida.
Enquanto esperava pelo seu diploma em administração, Pat abriu uma loja na
qual pôde colocar o famoso nome de “Garcia”. Era uma espécie de franquia,
uma das primeiras. Garcia tinha a melhor selaria do oeste americano e a loja de
Pat estava convenientemente localizada entre Cal-Poly e o rancho Proud.
Ele me deu dois ou três dos seus cavalos para treinar e ficou impressionado com
o meu método. Decidiu que queria achar uma propriedade perto do mar — nos
arredores de San Luis Obispo — e decidiu também que eu deveria ajudá-lo a
criar um centro de treinamento de cavalos e administrá-lo para ele. Quando
ficasse mais velho — dizia ele —, pretendia se aposentar no local.
Achei para ele uma propriedade de 80 acres, perto de Edna, Califórnia, a menos
de dez quilômetros da praia de Pismo. Naquela época, a praia de Pismo não
estava tão desenvolvida quanto hoje e a área era uma das mais bonitas que
poderiam ser encontradas ao longo da costa.
Achávamos que a sorte havia batido à nossa porta, e nessa ocasião nasceu Lori, a
nossa segunda filha. Estávamos para nos formar na faculdade e ganhar a vida
fazendo o que gostávamos de fazer. Éramos jovens e naturalmente otimistas.
Estava tudo certo.
Os anos 60 estimularam uma era de mudanças. Os jovens tendiam
marcadamente para a esquerda no espectro político. Enquanto os rapazes
queimavam os papéis de convocação militar, as moças faziam o mesmo com os
sutiãs.
Devo confessar que essas mudanças passaram por nós despercebidas. Nossos
valores estavam enraizados num sistema diferente e víamos o novo modo de
pensar como uma espécie de moda que logo passaria.
Não posso dizer que acertamos na nossa previsão, mas estávamos muito
ocupados para pensar nisso. Tínhamos duas filhas pequenas, Debbie e Lori, e um
filho, Marty, a caminho. Tínhamos uma casa térrea de fazenda de 500 metros
quadrados, tínhamos nossos cavalos e ainda tínhamos que construir os anexos na
propriedade de Homer Mitchell, Laurellinda.
Quando nos mudamos para Laurellinda havia apenas 80 acres com dois
barracões em mau estado. Homer apontou para eles e disse:
Pat e eu perguntamos:
— Vocês terão que alugar uma casa na cidade e dirigir todos os dias para cá. O
dinheiro é um ditador e ele acha que devemos construir as instalações para
treinamento de cavalos antes da casa de vocês.
Pat e eu não queríamos alugar uma casa na cidade. Além de não termos o
dinheiro, não queríamos dirigir todos os dias para trabalhar. Os cavalos não são
como um emprego que vai das nove da manhã às cinco da tarde. São um
emprego de tempo integral.
Os cavalos não chegaram, e mais: grávida, Pat abrira mão da sua loja.
Eu não sabia o que fazer com todos aqueles cavalos que os proprietários não
estavam mandando para mim. Tinha algumas poucas éguas para cruzar e dava
algumas poucas aulas de equitação. Isso, porém, não respondia à pergunta: “O
que vamos fazer depois?” Eu estava treinando apenas três cavalos já pagos, e
estava desesperado, Tentava arduamente conseguir prêmios em dinheiro nos
torneios, mas ganhava muito menos do que necessitávamos. Precisava achar
mais trabalho.
Eu conhecia Don Dodge, é claro — todo mundo o conhecia. Era o mais bem-
sucedido treinador de cavalos da região, e mais: tinha, sim, uma fila de vans
carregadas de cavalos, esperando para serem treinados por ele.
— Mostre a ele quem você é. Dê a ele 100%. Se ele acreditar, você estará
feito. Ele vai recomendar que mandem cavalos para você.
O que é que eu tinha a perder? Telefonei e disse que queria trabalhar com ele por
algum tempo.
— Tudo bem. Venha para cá se quiser, mas se prepare para trabalhar. Pode
trazer um par de seus cavalos e, quando chegar a hora de você ir embora, vou ver
quanto me deve — pausa — porque eu vou lhe ensinar alguma coisa. E Deus
sabe o quanto você está precisando de algumas lições.
— O quê?
— Você tem que prometer que fará exatamente o que eu lhe disser.
— Prometo.
Levei dois dos meus cavalos — Selah Reed e Finito — para treinar e viajei com
eles para o número 3.400 do North Del Paso Boulevard, North Sacramento,
Califórnia. O endereço continua gravado na minha memória.
Don Dodge tinha cerca de 40 cavalos em treinamento para alguns dos maiores e
melhores proprietários do mundo. Tinha 44 anos, cabelos escuros e quase um
metro e noventa de altura. Era magro, de nariz aquilino e os olhos bem
próximos, o que lhe dava um olhar intenso que as mulheres adoravam. Era
elegante em cima de um cavalo, também.
Ele acenou para um garoto ruivo que corria de um lado para outro, carregando
baldes de água.
Por volta das sete da noite, eu e Billy acabamos e entramos na casa. Eu estava
querendo tomar um banho, mudar de roupa e então, talvez, jantar com Don.
Imaginei que tomaríamos uns drinques, conversaríamos e durante o jantar eu
poderia começar a cultivar a sua amizade.
— Não tenho.
— Oh...
— Logo ali, descendo a estrada, tem uma espécie de pensão, a Old Mother
Harris.
Don foi ao telefone e informou à mãe Harris que eu estava indo para lá.
Acrescentou, depois de desligar:
Sem poder acreditar no que ouvira e amaldiçoando Don, dirigi até a pensão. Mãe
Harris, a dona, me informou que um quarto com pensão custaria... bem...
custaria um preço que eu nem poderia sonhar em pagar.
Um quarto sem pensão custava dois dólares por noite e tive que aceitar; não
havia outra opção.
Telefonei para Pat — o barracão caindo sobre sua cabeça e os filhos gritando nos
fundos — e perguntei se tínhamos algum dinheiro. Ela, é claro, respondeu que
não, e tivemos que nos ajeitar como pudemos.
Em resumo, a única coisa que meu dinheiro permitia que comesse era um
negócio chamado MetraCal, uma espécie de substância grudenta para gente que
quer perder peso. Custava 90 centavos a lata e vivi disso durante dez semanas.
Mas havia o lado positivo da coisa: diferentes sabores. Eu podia escolher entre
Chocolate-MetraCal, Baunilha-MetraCal e Morango-MetraCal. Você fazia a sua
escolha, dois furos numa das extremidades da lata e bebia o troço.
Aprendi um bocado.
Sempre que estava próximo dos meus dois cavalos, Don Dodge me fazia uma
porção de perguntas sobre os dois outros que eu havia deixado em casa. Cercado
pelo grande número de cavalos que ele tinha, era penoso conversar sobre os
quatro que eu treinava. Falei-lhe a respeito de um deles, um garanhão de
propriedade de Lawson Williams chamado Panamá Buck, que tentaria cruzar
com seu reflexo, caso o surpreendesse no espelho. Contei-lhe uma porção de
outros detalhes como quem eram os outros proprietários e quanto eu cobrava
pelo trato e treinamento dos animais. Por que ele estaria tão interessado? Será
que lhe agradava saber como eu andava mal?
— Bem, Monty, já tenho uma idéia de você. Você tem algum talento que talvez
possa melhorar. Mas, agora, a coisa é diferente. Não tem nada a ver com essa
brincadeira de time de rodeio de faculdade.
— Claro que não. Sei muito bem disso, mas espero estar pronto para trabalhar
por conta própria.
— Você vai ter que trabalhar muito mais do que eu o fiz trabalhar se quiser
fazer algum progresso.
Não podia acreditar no que ele estava dizendo. De repente, estava tão exausto e
tão espiritualmente quebrado que poderia bater nele de punhos cerrados.
— Bem — continuou ele — ainda tem a questão da sua promessa de fazer tudo
que eu mandasse.
Assenti.
— Eu quero que você vá para casa, telefone a Lawsori Williams e lhe diga que
seu cavalo não é bom e que ele está jogando dinheiro fora. Diga a ele para passar
em Laurellinda e apanhá-lo imediatamente. Depois, faça a mesma coisa com o
outro cavalo que você tem por lá.
— Como é que eu posso fazer uma coisa dessas? Só tenho quatro cavalos e
você está pedindo para cortar o que ganho pela metade? Por quê? Por que é que
eu deveria fazer uma loucura dessas?
— Não lhe devo uma explicação, mas, já que você está perguntando, eu
respondo. Você vai fazer isso por uma boa razão. Vai fazer isso porque o
Williams vai ficar impressionado contigo. O cavalo dele não vai a lugar algum.
Você sabe disso e eu sei disso. Você vai lhe dizer a verdade, e ele vai respeitá-lo
por isso e lhe mandar mais cinco animais.
Deixei que as palavras dele penetrassem fundo dentro de mim. Podia entender a
sua psicologia, mas me parecia muito arriscada. Alguém que só tem quatro
cavalos pode abrir mão de dois voluntariamente?
Esperei que ele me desse parabéns pelo duro trabalho. Quem sabe ele
compararia o meu estado físico com o dele e enfiaria alguns dólares na minha
mão. Em vez disso, ele disse:
Subi no carro e fui dirigindo para casa com o rabo entre as pernas. Quando
mostrei a conta para Pat e contei-lhe a história, ela ficou tão desapontada quanto
eu.
De qualquer modo, talvez pelo fato de eu ter pago tanto pelo conselho, ele
começou a me parecer bom. Passei a gostar do gosto dele. Seria um ato de
bravura, mas eu não tinha muitas outras opções para me agarrar.
Retardei a coisa por algum tempo, tentando achar o melhor meio de enunciá-la.
Mas não havia outra saída. Telefonei para Lawson Williams:
— Senhor Williams?
— Sim?
— Senhor Williams, não quero que o senhor jogue dinheiro fora. Na minha
opinião não vale a pena o senhor gastar mais dinheiro em Panamá Buck.
Gostaria que o senhor passasse aqui para apanhá-lo...
— Seu filho da puta inútil, você não reconheceria um bom cavalo se ele falasse
contigo. Esse é o último cavalo que você terá de mim.
Pouco depois disso, Selah Reed, o único cavalo em treinamento que prometia
alguma coisa, quebrou uma perna e teve que ser sacrificado.
Eu estava correndo no vazio. Estava tão por baixo, tão deprimido, que pensava
em suicídio o tempo todo. As coisas andavam muito mal e eu estava
desapontando a minha família. Não valia a pena continuar.
— Alô, aqui quem fala é o senhor Gray, Joe Gray. Eu sou empreiteiro e estou
instalando condutores de petróleo.
— Almocei com o Sr. Williams ontem e ele se queixou muito de você. Pelo
que ele me disse, entretanto, você deve ser o único treinador de cavalos honesto
de quem já ouvi falar.
A sensação no meu coração era a de que eu havia dobrado uma esquina e podia
ver um pouco de luz novamente.
— Estou um pouco preocupado com a segurança das minhas filhas. Tenho essa
égua de seis anos, uma quarto de milha, tordilha e pequena. Acreditei que ela
pudesse ser um bom animal de concurso para as meninas. Ela foi treinada
intensamente, mas alguma coisa deu errado e agora ninguém pode com ela.
— Ela é perigosa?
Ele mandou-me a égua com instruções para vendê-la. A família passaria três
semanas de férias no lago Shasta e, independentemente do preço que eu
conseguisse, deveria encontrar um comprador para ela até que retornassem.
Quando ela saiu da van, vi que era uma égua bonita, que se movimentava bem e
tinha os olhos vivos. Fiquei ansioso para montá-la.
Para minha surpresa, descobri que My Blue Heaven era uma égua bem-treinada.
Quando estava amedrontada, aí sim era impossível controlá-la — isso eu logo
descobri. Mas descobri também que ela era o melhor animal que eu já havia
montado num picadeiro até aquele momento.
Tirei o hackamore da sua cabeça e mais a sela e a soltei no redondel. Ela não
tinha no corpo um resquício de corda, de couro, de nada. Com isso, queria
ganhar a confiança dela. Só depois disso eu poderia encorajá-la a se divertir com
os treinamentos; depois de tirá-la do círculo vicioso de crime e castigo dentro do
qual ela se encontrava.
Enquadrei meu corpo com o dela e a mandei embora. Joguei uma corda leve em
direção a ela e pressionei-a a ficar distante de mim. Finalmente, ela começou a
rodar pelo redondel. Fixei meus olhos nos dela.
Ela começou a fazer aquele estranho sinal, informando que estava disposta a
falar. Vi sua língua por um breve momento e em seguida as mandíbulas, como se
estivessem mastigando alguma coisa. Eia mantinha uma orelha fixa em minha
direção. Ela baixou a cabeça.
Alguns momentos depois, ela deu o primeiro passo em minha direção. Então
outro.
De repente, ela estava ao meu lado. Fiz-lhe um afago e disse que não abusaria da
sua confiança. Trabalharíamos juntos e ajudaríamos um ao outro. Ela me
ajudaria a fazer uma reputação como treinador de cavalos. Eu a ajudaria a
escapar daqueles freios que tanto a machucaram.
Minha intenção era fazê-la gostar de fazer as paradas; ensiná-la com os sinais do
meu corpo e minha voz, a fim de que se sentisse tranquila. Tentei colocar o
mínimo de pressão na sua boca. Criei situações nas quais ela própria quis fazer
as paradas — a pressionava a ponto de ela mesma decidir parar. A expressão
“Ôooo!” e o meu peso pressionando na parte posterior da sela começaram a ser
bem recebidos,
Duas semanas depois que os Grays saíram de férias, houve uma prova no rancho
Alisal Guest, no Vale Santa Ynez. Tratava-se de uma prova de qualidade
superior e bastante popular. Achei que, se conseguisse fazer com que My Blue
Heaven se apresentasse bem, conseguiria um preço melhor por ela.
Não pude entrar em contato com os Grays porque estavam nas montanhas perto
do lago Shasta, onde não havia meios de comunicação. Eu mesmo nos inscrevi e
continuei a treinar a égua.
Havia uma razoável quantia em dinheiro como prêmio, mas o mais importante
era que com ele vinha também uma sela Jedlicka, uma sela do oeste, de couro, e
feita toda à mão. E as letras com o nome do troféu estavam gravadas no couro da
sela. Esta sela estaria valendo hoje cinco mil dólares.
Eu não fiquei surpreso, mas devo dizer que foi uma situação mágica. O conselho
de Don Dodge fazia maravilhas. Eu estava conseguindo o que queria, My Blue
Heaven conseguia o que queria, e as filhas do Sr. Cray ganhariam o que não
mais esperavam: um animal de provas de primeira linha.
Chamei alguns amigos dos Gray em Santa Maria que haviam sido encarregados
pela família de dar de comer aos cães e gatos e molhar as plantas. Por intermédio
deles, consegui entrar na casa e deixar a sela no meio da sala de estar com um
bilhete em que dizia que precisava falar com a família antes de vender a égua.
Joe Gray e sua família voltaram na data marcada e ficaram exultantes com a sela
e a notícia da vitória de My Blue Heaven, As filhas se emocionaram
particularmente e ficou decidido que eu deveria continuar treinando o animal.
No ano seguinte, ela ganhou o campeonato da divisão de cavalo de gado. Duas
vezes foi vice-campeã do mundo. E só foi vice porque teve que se defrontar com
Mona Lisa, um dos maiores cavalos de gado de todos os tempos. Mona Lisa foi
apresentada por seu proprietário, que não era outro senão o próprio Don Dodge.
Depois de exibi-la por duas temporadas, ela foi competir tendo as filhas de Gray
como amazonas. Fizeram sucesso por todo o país. Por fim, consegui pagar o que
devia a Don Dodge. Escrevi a ele, agradecendo o melhor conselho que já
recebera na vida. Seis meses após o conselho, eu já estava treinando quinze
cavalos.
No dia 1º de fevereiro nasceu o meu filho Marty. Achei que era uma boa ocasião
para receber a visita dos meus pais. Eles desceram de Salinas para nos ver.
Meu pai deu uma olhada nos cavalos que eu estava treinando. Enquanto
caminhávamos pela propriedade, ele começou com a mesma velha cantilena.
— Você pode ter certeza de que vai acontecer o que estou dizendo. Esse cavalo
bastardo vai se vingar de você. Ao se sentir livre, vai atrás de você. É preciso
manter esses bichos acuados o tempo todo.
Ele não podia mais me machucar. Olhei para as rugas, agora bem mais marcadas
em seu rosto, e disse para mim mesmo que eu tinha 26 e ele 54 anos. Eu
escapara dele e suas opiniões se tornaram irrelevantes. Mesmo assim, a raiva que
senti parecia tão nova como quando ele a produziu pela primeira vez. Não queria
que nenhum dos meus cavalos jamais sentisse a mesma raiva, medo e
ressentimento.
Mais tarde, durante aquela visita, ele brincou com os netos. Debbie tinha cinco
anos, Lori três, e Marty era recém-nascido.
Debbie e Lori tinham pequenas responsabilidades diárias tais como manter seu
quarto arrumado. Cada uma tinha um cavalo e brincavam com eles todos os dias.
— Sabe de uma coisa, Monty? Acho que você é muito duro com essas
crianças.
Nesse momento, minha mãe saiu da sala, Ela não podia acreditar no que ouvira.
O mundo parecia ter parado de girar. Como é que ele poderia ter dito uma coisa
dessas?
— Eu, duro? — repliquei. — Será que você, por acaso, se lembra de como me
tratava?
Ele comentou:
Eu estava chocado.
— E eu não era?
O que esvaziava os argumentos do meu pai, mais do que qualquer outra coisa,
era que o meu método de treinar cavalos funcionava. E funcionava
principalmente com cavalos que haviam sido maltratados.
Hey Sam era um puro-sangue que me foi trazido em 1961. Fora criado no rancho
Parker, no Havaí, e adquirido por Robert Anderson. Eu o “iniciei” e lhe dei o
treinamento antes de selá-lo e mandá-lo para correr no hipódromo de Hollywood
Park.
Hey Sam começou bem e foi para a raia de corridas em forma excepcional, mas
depois foi entregue a um treinador que não fora a primeira escolha de Anderson.
Hey Sam passou a saber quando estava para ser exercitado (o que aconteceria de
qualquer maneira) e pensava que depois iria para casa. Ele se comportava na
pista da maneira mais dramática, quisesse ou não o seu jóquei.
O problema ocorria na marca dos 800 metros, quando ele ainda tinha mais outros
800 metros para chegar à linha final. Hey Sam corria para a cerca externa e
quase se enterrava naquele limite, Chegava à faixa final com os nervos
destroçados.
O jóquei achava que podia curá-lo desse mau hábito aplicando-lhe duramente o
chicote antes dos 800 metros para que ultrapassasse a distância e corresse até o
final sem problemas.
Esse método funcionou durante algum tempo, mas, quando apareci para vê-lo, o
máximo que haviam conseguido fora fazer com que Hey Sam apressasse o passo
antes dos primeiros 800 metros. Assim que visse uma chance, tentaria ir para
fora violentamente e pararia na cerca externa, esperando pelo chicote mas se
recusando a continuar.
Para mim, isso foi uma decepção. Eu treinara o cavalo e o mandara para o
hipódromo em boas condições, pronto para correr. A minha reputação, bem
como a do seu treinador, estavam em jogo.
Não havia outra alternativa a não ser levar o cavalo para casa e retreiná-lo.
Transportamo-lo para Laurellinda, onde comecei novamente todo o processo de
restabelecer comunicação.
Mais uma vez, voltei às lições que aprendera com outros cavalos como Brownie.
Os cavalos não se afastam da pressão. Você os pressiona e eles pressionam de
volta, particularmente se a pressão é aplicada nos seus flancos. Os cães
selvagens, que caçam cavalos em todos os continentes, atacam-nos na barriga na
tentativa de abrir um buraco para a saída dos intestinos. Depois disso, os
cachorros não fazem outra coisa além de seguir a presa, pois sabem que logo
logo ela cairá morta e eles poderão se alimentar. A melhor tática defensiva que o
cavalo pode empregar para essa forma de ataque não é fugir, mas virar-se contra
o agressor e escoicear — pois, se correrem de uma mordida, a probabilidade de
sua pele rasgar é muito maior. Na minha opinião, é isso que causa o fenômeno
reconhecido por todos os bons treinadores: se você apertar o dedo contra o
flanco de um cavalo, ele se moverá em direção à pressão e não o contrário. Essa
é talvez a coisa mais importante a ser lembrada no treinamento de cavalos.
Cavalos são animais que pressionam contra a pressão.
Eu sabia que as chicotadas aplicadas no flanco direito de Hey Sam por seu
jóqueis faziam-no querer ir mais para a direita. Isso teria de ser mudado.
Trabalhei com ele durante seis meses, tirando toda a pressão da cerca externa.
Em vez disso, passei a usar a minha perna no seu flanco esquerdo, ou seja, na
direção da cerca interna. Ensinei-lhe a manter-se mais do lado interno e a se
sentir bem fazendo isso.
Hey Sam não era um mau cavalo e não havia maldade dentro dele. Ele aprendeu
e mudou significativamente. Quando voltou às pistas, pude mandá-lo para Farrel
Jones, que eu já conhecia havia muitos anos. Essa foi a melhor coisa que poderia
ter acontecido com ele.
Farrel me viu montar Hey Sam na pista de corridas de Golden Gate Fields, no
norte da Califórnia, e então o entregou a um jóquei que passou a empregar as
minhas táticas.
Logo ele foi inscrito na sua primeira corrida e ganhou com um rateio de
cinquenta dólares por um. Meu coração se encheu de orgulho: Hey Sam estava
trilhando seu caminho para o sucesso. Senti sua vitória como um triunfo pessoal.
Hey Sam acabou vencendo doze corridas e rendeu ao seu dono mais de cem mil
dólares.
Talvez o cavalo que mais amei na minha vida tenha sido Johnny Tivio. Era um
garanhão quarto de milha registrado, tinha um metro e quarenta e cinco
centímetros e pesava cerca de 500 quilos. Era um castanho-claro, mas seu pelo
tinha aquele tom de cobre que parece refulgir. Eu já o vira em provas, brilhando
como sempre. Mesmo quando não estava sendo mantido nas melhores
condições, seu pelo brilhava mais do que o de qualquer outra montaria. O brilho
parecia vir da sua alma e do seu coração, e não da escova do tratador. Por causa
disso tudo, eu andava de olho nele já havia algum tempo.
Seu treinador, Harry Rose, fez muito sucesso com ele. Harry era um homem
rude, embora boa pessoa. Tinha uma vida dura e por isso jogava duro também.
Nós estávamos de volta ao meu antigo lar — a Pista de Rodeio de Salinas — não
para uma visita, mas para participar de um concurso. Era quase uma première,
digna do status da Pista de Rodeio.
Na manhã seguinte, acordamos bem cedo para preparar nossos dois cavalos para
as eliminatórias do programa do dia. A duas quadras do bar estava o trailer, em
frente a uma pequena casa — ainda com Johnny Tivio e o outro cavalo no seu
interior. Haviam ficado ali, de pé, a noite inteira.
Minutos antes das oito, vimos o carro de Harry Rose descer correndo a planície
com o trailer ziguezagueando atrás dele. Os cavalos lutavam para manter o
equilíbrio. Ele parou bruscamente, puxou do carro uma jovem vistosa e depois
desembarcou os dois cavalos.
Encilhou Johnny Tivio, montou nele, puxou a garota para a garupa e ficou se
exibindo.
Quando a prova acabou, Johnny Tivio vencera todos os prêmios à vista. Havia
sido mantido trancado no trailer a noite inteira e não tivera um momento de
preparação. Ainda assim, bateu meus dois animais com facilidade. Entrou na
arena como se fosse dono do lugar e como se tivéssemos sorte em acompanhá-
lo.
Eu estava meio fascinado e meio irritado com Harry Rose por tratar tão mal um
animal tão maravilhoso. Comentei com Pat:
— Negócio fechado.
Johnny Tivio havia definhado, estava em mau estado e suas ferraduras pareciam
entrar nos cascos, mas era meu. Cuidamos dele e tratamos dos seus cascos. Ele
sempre fora um animal disposto mas tornava-se mais forte e melhor a cada
palavra gentil que se lhe dizia ou gesto carinhoso que se lhe fazia.
Atentem bem para isso: do momento em que entrou em Laurellinda parecia que
o patrão era ele, Johnny Tivio. Parecia que nós trabalhávamos para ele e não o
contrário. Ele tinha várias queixas sobre a sua baia, de modo que tivemos que
deslocar a palha onde ele se deitava para que pudesse estrumar num canto
particular de sua preferência. Ele nos mantinha na linha com seus modos na
cocheira e sua atitude superior. Ele era certamente o melhor cavalo que ele
mesmo já vira. Ele daria permissão para outros cavalos existirem, sim, mas sob
sua liderança, e não suportava palominos, não, senhor. Simplesmente, não
gostava da raça. Tivera um palomino como companheiro de estábulo no passado
e, no que lhe dizia respeito, cavalos dessa raça não existiam. Não suportava nem
vê-los.
— O quê?
— Olhe isso — disse Slim, e jogou o pedaço de madeira para o ar. O palomino
foi correndo até onde estava o toco e o agarrou entre os dentes. Então,
mordiscando a madeira, ele voltou até onde Slim estava.
— Incrível! — concordei. Conhecia Slim Pickens desde criança e ele era como
um tio para mim.
Virou-se para o potrinho e bateu no próprio peito enquanto dizia: “Hup! Hup!”
O potro ficou de pé nas duas pernas e botou as mãos sobre os ombros de Slim.
— Viu? — interrogou Slim. — Você não acha que este vai ser o mais brilhante
cavalo estilo Walt Disney do mundo?
Slim Pickens era ator e um estúdio o contratara para trabalhar num filme
chamado O Cavalo com a Cauda Voadora, que seria produzido por Disney. Era
sobre um cavalo saltador palomino.
O pessoal do estúdio que usaria o potrinho para fazer a parte do cavalo palomino
quando jovem estava na fazenda de Slim em Soledad. Iam rodar algumas
sequências, tendo Slim como ator principal.
Mais tarde, já com dois anos, Barlet ainda achava divertido fazer o mesmo tipo
de truques.
Martin Clark exibiu o potro por todo o oeste dos Estados Unidos e ele era
praticamente imbatível como cavalo de halter. Era quase certo que seria o
campeão nacional no próximo ano.
Ele instalara um circuito elétrico na baia. Não apenas a baia estava cercada de
fios subindo pela parede como também o topo. Se alguém desligasse a corrente
elétrica, Barlet pularia imediatamente sobre a parede frontal do boxe.
Quando Martin queria tirá-lo da baia, tinha que desligar o carregador de bateria
para poder abrir a porta. Nesse momento, Barlet parecia mais com um tigre do
que com um cavalo. Atacava Martin literalmente.
Depois de se preparar por mais de um dia para a prova, Martin não conseguia
fazer com que Barlet saísse da baia; simplesmente não conseguia mais dominar o
cavalo.
— Se você conseguir tirar Barlet da baia, levá-lo até o picadeiro e vencer com
ele, lhe dou metade de seu valor. Depois você leva ele contigo para San Luis
Obispo e recomeça o treinamento.
Ora, Barlet era o garanhão favorito para o campeonato nacional do ano. Seu
valor devia estar estimado entre 30 e 40 mil dólares. Clark não estava me
fazendo uma oferta mesquinha. Para mim foi um desafio excitante, e além disso
eu não acreditava que houvesse um cavalo com o qual não conseguisse me
entender.
Dei um pulo para trás e fechei a porta. Incapaz de chegar perto o suficiente até
mesmo para olhar nos seus olhos, tive que reexaminar a situação. O cavalo
estava nervoso demais até mesmo para eu pedir sua confiança. Fora estragado
desde potrinho — não por maldade, mas por desconhecimento. Fora treinado
como um cachorrinho de colo e, em algum ponto, a psicologia dera errado.
Fui até o meu quarto de arreios e peguei uma corda de laçar. Voltei e consegui
laçá-lo e mantê-lo a uma distância razoável. Em seguida, dei um jeito de botar
em sua cabeça um equipamento que Don Dodge me ensinara a usar. “Nós o
chamamos de ‘Vem Comigo’”, dissera-me ele.
Conduzi Barlet para fora da baía e comecei a “iniciação” com os métodos que já
descrevi anteriormente. Meu objetivo era restaurar a sua confiança. Levou muito
mais tempo do que com My Blue Heaven e os resultados não foram tão
consistentes. Finalmente, consegui sua confiança... até certo ponto.
Levei-o para casa em San Luis Obispo, onde o trabalhei e de lá ele saiu para
vencer extensivamente durante os anos que se seguiram. Embora capaz de
apresentá-lo e com ele vencer principalmente na divisão de cavalo de gado,
tenho que admitir que, depois de ser estragado quando potro, jamais se tornou
um cavalo mentalmente equilibrado. Gente bem-intencionada como Slim
Pickens mima demais os cavalos quando ainda potros, tornando-os não
confiáveis. Esse tipo de animal só pode ser trabalhado por profissionais que
sabem 100% com quem estão lidando. Caso contrário, as consequências podem
ser graves.
Barlet foi um cavalo maldoso durante todo o tempo em que lidei com ele e
chegou a me atacar muitas vezes. Era terrivelmente problemático e só podemos
tentar adivinhar o que terá disparado o seu desapontamento com a espécie
humana. Eu e ele nos entendíamos baseados num bem desenvolvido sistema de
disciplina e prêmio. Só assim consegui controlar sua neurose por três ou quatro
anos.
Infelizmente, seus problemas acabaram por vencê-lo e ele morreu numa luta
contra um cavalo castrado na minha fazenda em San Luis Obispo. Quebrou a
cerca para atacar o outro animal e durante a luta fraturou uma perna.
Nessa época, nós tínhamos um veterinário chamado Jim Burns. Um dia, ele me
disse que estivera presente a um leilão de cavalos quarto de milha no Vale Santa
Ynez, perto de Solvang. Aparentemente, um homem comprara muitos animais
lá. Riquíssimo, tinha propriedades no Vale Santa Ynez e em Montecito, sendo
esta última uma das quatro áreas mais caras de toda a Califórnia, comparável a
Beverly Hills.
O doutor Burns me disse que o nome do homem era Hastings Harcourt, filho do
fundador da editora Harcourt Brace & World.
Casado, com um filho já adulto, o Sr. Harcourt tinha mais ou menos uns 60 anos,
e era considerado um milionário excêntrico.
O doutor Burns me informou que trabalhava para o filho e a nora do Sr. Harcourt
e que os muitos cavalos que comprara haviam sido transportados para a sua
propriedade no Vale Santa Ynez. A opinião do veterinário era que ele gostaria
que alguns dos cavalos que adquirira fossem treinados. Jim Burns disse que teria
prazer em recomendar meus serviços à família.
Uma semana depois, eu telefonei para o Sr. Harcourt a fim de informá-lo sobre o
treinamento. Disse-lhe que entre os seus animais havia um cavalo de três anos
que me impressionara e tinha talento suficiente para competir na categoria
western pleasure. Ele aparentemente gostou dá notícia e me convidou para
conhecê-lo pessoalmente.
Pat e eu fomos de carro até o Vale Santa Ynez, onde o Sr. e a Sra. Harcourt
tomavam sol na varanda de uma de suas propriedades, chamada Juniper Farms.
Minha primeira impressão sobre ele foi a de que se tratava de um homem infeliz.
Tinha um problema de pele e seu rosto estava cheio de marcas e pintas. Além
disso era gordo, e seu sorriso, pude perceber, chegava à boca mas jamais aos
olhos.
A Sra. Harcourt praticamente não nos notou; não estava interessada. Sua atitude
parecia ser uma reação à nova “mania” do marido. Algo como: “Aí vamos nós
outra vez!”
Apesar da minha primeira impressão, acabei por julgá-lo uma boa pessoa que
estava gostando da primeira emoção de se envolver no negócio de cavalos. Na
verdade, admitiu imediatamente que não entendia nada do assunto.
No dia seguinte, comecei a trabalhar para apresentar seu cavalo, Travel’s Echo,
no já mencionado concurso de Santa Bárbara.
É difícil que alguém espere que um cavalo com menos de 90 dias de treinamento
possa se apresentar favoravelmente numa prova de alto calibre, mas não deixei
que esse pensamento me dissuadisse. Trabalhei o animal com uma atitude muito
positiva e ele reagiu à altura.
Pat e eu tínhamos alguns belos cavalos inscritos naquele evento. Pelo menos os
Harcourt veriam cavalos de classe internacional trabalhados pelo treinador do
seu “novato”. Mesmo que ele não se saísse muito bem, saberiam que estava em
boas mãos. Eu inscrevera, entre outros, Johnny Tivio, que, como de hábito, se
encarregaria de arrebanhar a maioria dos troféus, Pat inscrevera Julia’s Doll,
uma égua com fama estabelecida, na categoria pleasure-borse.
Johnny Tivio, mais uma vez, atuou esplendidamente e eu tinha certeza de que os
Harcourt haviam se impressionado. Night Mist ganhou os dois concursos nos
quais foi inscrita. Julia’s Doll estava em excelente forma e venceu montada por
Pat.
Ao entrar na arena, levei um choque ao verificar que teríamos que concorrer com
mais cinquenta cavalos. A verdade é que, aparentemente, Travel’s Echo entendeu
a importância do dia e se apresentou como se houvesse tido três anos de
treinamento concentrado.
Ao passar pelos Harcourt, notei que se voltavam para os amigos que entendiam
mais de cavalos do que eles para perguntar o que aconteceria em seguida ou
como ia a atuação de Travel’s Echo.
À medida que o evento evoluía, os amigos devem ter dito aos Harcourt para não
esperarem muito, pois o cavalo deles era jovem e tinha apenas três meses de
treinamento.
Mas, como se viu, Travel’s Echo surpreendeu-os, uma vez que ficou entre os dez
finalistas. Os Harcourt me pareceram entusiasmadíssimos.
Três dias depois, o Sr. e a Sra. Harcourt desembarcaram de seu avião particular
na minha fazenda. Ele queria ver como eu trabalhava e discutir um maior
envolvimento comigo e Pat.
Disse-me que era dono de alguns puros-sangues, mas temia que não fossem tão
bons quanto deveriam ser. De trás das lentes grossas de seus óculos de armação
negra, ele me perguntou:
Repliquei:
O Sr. Harcourt fez os arranjos necessários para que seu avião me conduzisse dois
dias depois a três locais diversos para ver uma seleção de éguas puro-sangue,
três potros e dois potrinhos de um ano de idade. Ele estava certo. Conforme
notifiquei, nenhum dos animais tinha condições de fazer sucesso nas pistas de
corrida da Califórnia.
Pouco depois disso, Harcourt deu seu próximo passo. Sugeriu mandar-me para
Del Mar, a fim de assistir ao leilão de cavalos puro-sangue com menos de um
ano. Disse que eu poderia usar até 20 mil dólares na compra de dois potros que
julgasse capazes de disputar corridas com chances de vitória.
Ele me oferecia uma oportunidade que só surge uma vez na vida, e eu estava
todo entusiasmado. Já havia adquirido cavalos puro-sangue para outros clientes
cujos limites de despesas eram de dois mil dólares por cavalo. Correriam em
corridas de classe extremamente inferior. Os potros que comprei por essa quantia
haviam se saído bastante bem se considerarmos a linhagem deles. Eu fiquei
contente, pois descobrira que tinha a habilidade para escolher cavalos que
podiam correr e permanecer aptos.
O que Harcourt me oferecia agora era uma história totalmente diversa. Eu e Pat
tínhamos talento e Harcourt era o homem que poderia nos dar a chance de provar
isso para nós mesmos.
Fui para Del Mar e jamais esquecerei o momento em que vi um potro alazão
galopando a uns 40 metros de distância. Ele chamou minha atenção como
nenhum outro puro-sangue fizera antes. Tinha equilíbrio e simetria perfeitos
quando estava parado. Quando se movia, a simetria e o equilíbrio se mantinham
de um modo único para mim até então.
Fui imediatamente para a cocheira onde mantinham o alazão. Pedi para vê-lo, e
ao inspecioná-lo de perto me pareceu ainda mais impressionante.
Além disso, adquiri para o Sr. Harcourt um potro castanho que batizamos de
Bahroona. Acabamos descobrindo que o castanho era mais precoce que o alazão
e estava pronto para correr em junho do ano seguinte — 1965 — ocasião em que
ganhou o seu primeiro prêmio por quinze corpos.
O barulho da festa parecia diminuir enquanto eu ouvia cada uma das suas
palavras:
— Tenho uma propriedade no Vale Santa Ynez. O que você acha daquela área
para criar um centro de treinamento para cavalos puro-sangue?
O sonho da minha vida sempre fora fazer parte de uma operação equestre no
Vale Santa Ynez. Sentindo-me meio deslocado, falando tão seriamente no meio
da hilariedade geral da festa, lhe disse que o clima e a terra em Santa Ynez eram,
na minha opinião, superiores aos de qualquer outro lugar nos Estados Unidos.
Seria o local ideal para criar cavalos puro-sangue e montar uma fazenda de
treinamento.
Eu fora educado para aquela missão desde menino. Com a minha própria
experiência e formado pela Cal-Poly em três especialidades que lidavam com a
profissão, sabia sobre terra, forragem, pasto, fertilização, instalações para
cavalos, arquitetura, conformações, pedigrees e, principalmente, técnicas de
treinamento.
Depois de inspecionar por alguns dias as áreas onde o Sr. Harcourt tinha
propriedades, eu já sabia que nenhuma delas era adequada para o que
pretendíamos. Uma tinha árvores demais, outra era muito rochosa, a terceira não
tinha suprimento de água.
Alertei-o de que para uma operação de primeira linha necessitávamos estar ao
longo do rio. Descobri uma área, pouco além dos limites da cidade de Solvang, e
o informei sobre ela. Tratava-se de um microvale de três quilômetros de largura
por seis de comprimento, estava quase no nível do mar e a profundidade
superficial do solo era de quase três metros. Mais importante ainda, abaixo da
profundidade superficial havia uma generosa camada de material diatomáceo, ou
seja, uma camada de microscópicas conchas marinhas que, com a compressão,
criaram uma espécie de terra parecida com giz. Parte do vale já estivera sob o
mar milhares de anos atrás, Esse material liberava no solo da superfície
considerável quantidade de cálcio e outros minerais,
Além disso, havia fissuras nas rochas subterrâneas que abrigavam água. Isso
significava que se perfurássemos poços encontraríamos água a 20 metros de
profundidade. Poderíamos bombear, nessas condições, cerca de 600 galões de
água por minuto. Não poderia ser melhor.
O Sr. Harcourt começou a comprar. Começou com os 100 acres do Sr. Jacobson
e depois se espalhou pela vizinhança, fazendo ofertas que os proprietários não
podiam recusar. Comprou outros 100 acres do Sr. McGuire, mais 50 do Sr.
Petersen, e assim por diante.
— Ok, Johnny Tivio, você vai poder viver no estilo em que gostaria. Que tal
desenhar um piano para o seu pequeno palácio?
Se alguma vez houve um cavalo que julgasse que deveria morar num lugar de
primeira classe para animais puro-sangue, esse cavalo foi Johnny Tivio,
Essa informação não poderia ser mais estranha. Depois de digeri-la, fiquei
arrasado. Simplesmente não podia entender. Apenas algumas horas antes,
estávamos ambos correndo como se nossas vidas dependessem do centro de
treinamento de cavalos.
Passei boa parte da noite acordado, pensando no que deveria fazer em seguida.
Mas todos os caminhos me pareciam becos sem saída. De repente, me dei conta
de que a secretária não dissera que o meu encontro com o Sr. Harcourt fora
cancelado, pelo menos não exatamente,
Uma vez que não tivera contato direto com ele, decidi ir à sua casa na hora
marcada, como se jamais houvesse falado com a sua secretária. Pelo menos
ouviria uma explicação cara a cara.
No dia seguinte viajei os quase 200 quilômetros até Montecito, Santa Bárbara,
com o coração na boca. Não sabia o que me aguardava.
Quando parei junto aos portões da casa para falar no interfone da segurança,
quase temia que me negassem ingresso, mas os portões se abriram. Entrei com
meu carro por uma alameda arborizada que dava para um estacionamento
circular junto a uma fonte, os pneus rangendo sobre o cascalho. Estava tudo
muito silencioso e tive tempo de dar uma olhada em volta como se visse a
propriedade pela primeira vez. À esquerda havia uma casa de hóspedes que
sozinha já era suficientemente bonita. Bem no centro do círculo estava a
residência dos Harcourt, um exemplo do estilo californiano do princípio dos
anos 20. Olhando-a mais de perto, verifiquei que sofrera muitas modificações e
adendos. Tratava-se de uma residência impressionante.
Como haviam permitido que eu entrasse pelos portões, supus que deveria haver
alguém na, casa. Lembrei-me que levava algum tempo para se andar de uma
extremidade da casa à outra, de modo que aguardei um pouco mais do que o
tempo normal antes de apertar a campainha pela segunda vez.
Eu fizera tudo direito, mas chegáramos a um ponto morto. Telefonei à noite para
a casa do Sr. Harcourt mas recebi informações de uma empregada de que ele não
estava disponível.
Pat tomou uma atitude filosófica: deveríamos seguir em frente com nossas vidas,
como se o Sr. Harcourt e sua mulher jamais houvessem existido. Mesmo que ele
ligasse para se desculpar, deveríamos ignorá-lo, pois obviamente tratava-se de
uma pessoa patentemente instável.
Segui as instruções dele e fiz o resumo de um contrato que me pareceu justo para
ambas as partes.
Peguei um avião e voei para a Inglaterra, onde me encontrei com Tim Vigors.
Ele era agente de cavalos puro-sangue. Era ainda um gentleman com fazendas na
Irlanda e na Inglaterra. Para concluir, fora piloto durante a II Guerra Mundial.
Para mim, foi como um curso universitário inteiro no que diz respeito ao
desenho e à administração de instalações para cavalos de corrida.
Então voamos da França para a Alemanha e em seguida para a Irlanda. Não sei
se todos esses voos foram estritamente legais, mas voamos de qualquer maneira.
Enquanto estive fora, o Sr. Harcourt lera sobre operações em outras parte do
mundo. Mal cheguei e já estava voando para a Argentina, Austrália e Nova
Zelândia com a mesma missão.
Eu e Pat preparamos nossa família para uma atividade intensa, que levaria de 12
a 18 meses e incluía planejar, construir e abrir a operação da Flag Is Up Farms
Incorporated, Solvang, Califórnia.
Primeiro, havia uma instalação para procriação e criação, com um galpão para
garanhões, piquetes de cria, um laboratório, um redondel, um complexo para
escritórios, um galpão com oito baias para potros, além de área residencial para
oito empregados.
Na terceira área havia um hospital e uma zona de reabilitação que incluía espaço
para 40 cavalos, uma piscina para terapia, uma instalação para raios X, um
conjunto de escritórios, padoques e mais uma área residencial para seis
empregados.
Finalmente, havia a casa principal, que ficava sobre uma colina de uns 70 metros
na extremidade norte da propriedade. Foi projetada na tradição californiana do
princípio dos anos 20, embora tivesse muito mais vidro do que o normal. Das
janelas panorâmicas podia-se ver todo o vale.
Não apenas a ambição da minha vida tomava forma em frente aos meus olhos,
mas a casa também era perfeita para a minha família. Estávamos por cima e
continuávamos disparando.
Em outubro, nossa família se mudou para a maravilhosa casa nova com vista
para a fazenda e o Vale Santa Ynez. A fortuna sorrira para nós e apanhamos a
oportunidade com ambas as mãos. Era trabalho duro, mas um trabalho duro que
nos fazia felizes.
Coloquei-o sobre o seu primeiro cavalo daquele ano e desde então ele vem
trabalhando entre oito e doze cavalos para mim todos os dias, com exceção de
dois breves períodos em que trabalhou para amigos meus. Mas não tinha
motivação suficiente para ser jóquei.
Ele casou-se e formou família em 1975. Sempre trabalhou duro e sempre foi um
bom pai. Agora tem dois filhos crescidos e continua pesando menos de 50
quilos.
Hector passou mais tempo comigo no redondel do que qualquer outra pessoa.
Seu tamanho e peso são ideais para a pista de treinamento e ele é, talvez, o
primeiro cavaleiro a montar mais de 1.500 cavalos diversos nos 30 anos em que
trabalha comigo.
Pouco depois que nos mudamos, meu pai e minha mãe nos visitaram para
inspecionar as novas circunstâncias. Fui o guia turístico deles.
— Essas árvores são um erro. Estão sempre no caminho quando você quer
mudar alguma coisa. Espere só para ver como elas vão tirar o seu chapéu quando
você passar por baixo!
Achou que a pista de corridas deveria ser maior e, na sua opinião, o silo fora
construído de modo errado. Deveria haver areia no corredor do galpão de
treinamento e eu gastara muito dinheiro com os redondéis.
Os anos entre 1967 e 1970 foram anos de muito sucesso para a Flag Is Up
Farms.
Ele tirou seus óculos de grossas lentes e armação pesada e subitamente seus
olhos estavam nus, úmidos de emoção.
— Isso não é modo de ninguém viver. Ninguém pode viver com a minha
doença — ele exclamou, batendo no próprio peito. Então, passou a descrever os
efeitos do que chamou de sua “enfermidade bipolar”. Graças à sua condição,
sofria de mania depressiva desde criança.
Senti pena dele, mas não sabia como poderia ajudá-lo. Ele continuou explicando
que fora esse problema psicológico que o afastara dos negócios da família e que
acabara com muitas sociedades que tivera em outras empresas. As pessoas não
se demonstravam dispostas a entender seu problema.
Tive a impressão de que ele ia me pedir para cuidar dele e tentar compreender
cada um dos seus caprichos, por mais ilógicos que fossem,
— Caro.
— Ela sabe lidar comigo. Quando viajo para a lua, ela me traz novamente para
a terra. Quando ando aos trancos e barrancos pelo porão, no escuro, ela sabe
como me conduzir de volta.
Nas suas relações comerciais, entretanto, ele disse que as pessoas se chocavam
com seu comportamento mercurial e acabavam derrotadas pela prova.
— Bem, suponho que, na maioria das vezes, negócio é uma coisa lógica.
— Você sabe, Monty — ele disse como se não houvesse escutado o que eu
dissera; como se quisesse expulsar alguma coisa do seu peito —, minha relação
com a sua família e com o que estamos fazendo aqui na Flag Is Up Farms é a
coisa mais importante da minha vida e eu não quero que meus problemas
interfiram na nossa amizade.
— Quero que você saiba como lidar comigo. Se você conseguir fazer isso,
nossa relação durará até o fim dos meus dias.
— Vou lhe dizer o que fazer — ele sugeriu. — Vou marcar uma consulta para
você com o meu psiquiatra. Vou pagar pela consulta. Com ele, você pode
aprender a lidar comigo. Estou certo de que sua inteligência vai permitir que
você faça isso. Você saberá lidar comigo exatamente como Fran.
Eu estava contente por ele ter desabafado e até ter feito um plano para tratar a
situação. Também senti uma certa responsabilidade por aquele homem digno de
lástima.
O Sr. Harcourt fez o que disse que faria e marcou uma consulta para mim com
seu psiquiatra no Centro Médico de Santa Bárbara. Era um homem de quase 50
anos, esbelto, com uma fala macia, genuína e sofisticada.
O psiquiatra não ficou muito contente com a nossa reunião. Checou muito
cuidadosamente nossas percepções para ver se descobria por que estávamos no
seu consultório. De fato, na minha primeira visita, isso foi tudo o que ele fez.
Imagino que estivesse preocupado em revelar matéria confidencial, mesmo com
a permissão do seu cliente.
Na minha segunda visita, tornou-se claro que ele sabia tudo sobre Pat e eu. Seu
conhecimento do nosso passado e das nossas famílias era extenso e acurado.
Então, ele disse uma coisa curiosa. Descreveu o problema psicológico do Sr.
Harcourt como “síndrome do castelo de areia”. Explicou:
Naquele fim de tarde, fiquei algum tempo no terraço de casa, olhando os celeiros
lá embaixo e as outras instalações cuidadosamente dispostas numa larga faixa de
boa terra. O sol começava a se esconder atrás das montanhas e lembrei o quase
selvagem entusiasmo do Sr. Harcourt e sua total dedicação e absorção no projeto
que planejáramos e construíramos juntos, parte por parte — compreendi que
havíamos construído um castelo de areia para o Sr. Hastings Harcourt.
Os olhos dos dois estavam fixos em mim. Harcourt tirou do bolso do seu paletó
um estojo de prata que colocou na mesa entre nós. Ele o abriu e revelou cerca de
20 tabletes dos mais variados formatos, tamanhos e cores.
Olhou para mim, e meus pelos da nuca se arrepiaram. Era um olhar penetrante,
frio e funesto, que fez com que eu sentisse meus ossos gelarem. Compreendi que
o que tanto temia estava para acontecer.
Harcourt disse:
— Só quero que você compreenda que preciso de todas essas pílulas para
atravessar um só dia. Você conhece o meu médico e conhece os meus problemas.
Não vou chateá-lo com uma porção de detalhes, mas estou certo de que você
compreende que a minha situação é grave.
Ele fez uma pausa mas eu não abri a boca. Ele prosseguiu:
— Sinto muito por ter desapontado você e sua família, mas isso precisava ser
feito.
Então ele se virou e desapareceu para dentro da casa, deixando intocado o seu
café sobre a mesa.
Brazelton disse para eu me sentar com um tom de quem não tinha dúvidas sobre
nada.
Brazelton anunciou:
— Quero tirar o Sr. Harcourt do negócio o mais rapidamente possível e espero
que você não se meta no meu caminho. Podemos trabalhar juntos e eu posso
ajudá-lo a fazer a transição.
Ele continuou:
— O Sr. Harcourt deixou claro para mim que o pessoal no negócio de cavalos
ficaria mais sensibilizado se pudesse comprar a propriedade com você dentro
dela. Sua reputação e aprovação dariam um valor significativo ao negócio e
aumentariam a agilidade da transação.
— Justo.
— Ele gostaria que você explicasse a cada comprador potencial que você tem
uma participação de 5% no negócio, isto é, dinheiro que eles não teriam que
desembolsar. Você dirá a eles também que comprará no mínimo 10% dos cavalos
e o Sr. Harcourt não exigirá que você lhe pague esses 10%. Desse modo, você
terá uma comissão de 10% na venda.
Rezei para que tudo continuasse correndo de modo tão fácil. Parecia que eu teria
minha rota de fuga e que Harcourt estava agindo com sensibilidade.
Brazelton acrescentou:
— Ele pode até considerar 15% ou 20%, dependendo das condições da venda.
— Muito generoso.
Cheio de descrença e tristeza, uma grande pergunta me veio à mente: “Mas por
quê, meu Deus...?”
Brazelton interrompeu:
— O Sr. Harcourt não quer que ninguém mais tenha Travel’s Echo. Ele prefere
que você, pessoalmente, o execute com um tiro a vê-lo ir para outras mãos.
Eu não disse nada. Estava completamente confuso. Essa história de não querer
que o cavalo fosse para outra pessoa era uma noção sentimental, mas havia tal
crueldade em seu cerne, que a tornava ilógica — e de repente me lembrei das
palavras de Harcourt: “Eles estão sendo lógicos enquanto eu sou ilógico.”
Os Brazelton continuou:
A Sra. Harcourt havia comprado um par de pôneis que pretendia montar de vez
em quando. Mas ela jamais os montara e os animais eram mantidos em boas
condições pela equipe da Flag Is Up Farms.
Brazelton repetiu:
Então ele se levantou e foi encontrar-se com o Sr. Harcourt, que o esperava no
carro.
Ele me deixou dominado pelo choque, sentado no pátio, olhando para a fazenda
que eu criara.
De qualquer forma, de uma coisa eu sabia: não tinha tempo para ficar sentindo
pena de mim mesmo, porque se não agisse rapidamente perderia o controle da
situação. Comecei a caminhar nervosamente de um lado para outro, pensando no
que deveria fazer. Eu tinha o direito de assinar documentos e, consequentemente,
havia opções abertas para mim. Precisava encontrar um modo de salvar a vida
dos animais.
Fui até as baias dos dois animais e olhei para eles. Era doloroso pensar o quanto
eles desconheciam o que estava se passando. Eu os tranquilizei, afaguei seus
focinhos enquanto tentava pensar no que fazer.
Ao serem transferidos das suas baias para a van, Cherokee Arrow e Veiled
Wonder aceitaram a coisa como rotina. Não sabiam que estavam indo para o
outro lado do mundo nem que tinham acabado de escapar da morte certa,
Estavam relaxados, em excelentes condições, e entraram na van com as orelhas
apontadas para frente.
Não podia entender as ações do Sr. Harcourt. O que se passaria pela cabeça dele?
Como reagiria se viesse a saber que eu me recusara a destruir seus cavalos?
A próxima coisa a fazer era resolver o problema dos pôneis. Telefonei para uma
senhora que lhes daria um bom lar e antes que uma hora houvesse se passado ela
apareceu para levá-los embora.
Eu os conduzi das suas baias para dentro da van. Eram criaturas pequenas e
cheias de vida, cuja potencialidade nunca havia sido usada adequadamente.
Esperava que tivessem uma vida melhor dali em diante.
— Não posso lhe dizer, mas, acredite, a vida do animal está em perigo. Quero
que você fique com ele em sua fazenda e não diga nada a ninguém.
Conduzi Travel’s Echo para fora da sua baia e embarquei-o em uma das nossas
vans. Ele foi levado para um lugar a menos de 1.600 metros de distância e lá
ficaria escondido até que todos esses acontecimentos fizessem algum sentido.
Essa atividade frenética me ocupou durante toda a tarde até quase de madrugada.
A última coisa que fiz foi visitar Johnny Tivio em sua baia, apenas para me
certificar de que ele continuava ali são e salvo. Como sempre, sua baia estava
imaculadamente limpa. Seu estrume empilhado num canto, fora do caminho.
Dificilmente ele urinava na baia. Eu lhe disse:
— Você é um bicho bem civilizado, sabia? Você não quer se mudar para um
quarto lá em casa?
— Senhor Roberts?
Era uma voz de mulher, normal e desinteressada. O tipo de voz que você ouve
quando vai a uma loja se queixar de que a máquina de lavar pratos, recentemente
comprada, não funciona.
É ele.
— Sim?
— O senhor pode confirmar para mim que o cavalo chamado Travel’s Echo foi
destruído?
Eu tinha que mentir, mas senti a mentira como se ela estivesse grudada na minha
garganta. Nunca estivera numa situação que exigisse que eu enganasse alguém.
Agora a mentira era fundamental.
— Sim.
Dois meses mais tarde, na primeira semana de dezembro daquele ano, Rudolf
Greenbaum finalmente concordou em comprar a Flag Is Up, bem como doze
potrinhos com menos de um ano de idade, os dois garanhões Gladwin e Petrone,
os veículos e o equipamento. Em outras palavras, o negócio em atividade.
Estávamos salvos, e não apenas isso: estávamos numa situação melhor do que
antes, uma vez que não tínhamos mais que lidar com os problemas psicológicos
de Hastings e Fran Harcourt.
— Paguei o justo valor de mercado — afirmei — e, uma vez que ele queria
matá-los, ganhou 6.500 dólares a mais do que deveria receber.
— Quando eu acabar contigo, você vai se parecer com Jesse James, que
também roubava cavalos.
Fiquei sentado ali, pensando como havia podido me meter naquela situação
impossível. Era realmente inacreditável. Não queria ser conhecido como ladrão
de cavalos, não queria matar cavalos, não queria ser julgado por causa daquele
homem doente — eu queria ir montar Johnny Tívio e esquecer tudo.
Em vez disso, fui preso sob a acusação de roubo de cavalos e o Sr. Harcourt usou
seu poder de influência e seu dinheiro para perseguir sistematicamente a mim e à
minha família. Encontrei-me sentado dentro de uma cela com o meu caso
fornecendo manchetes para a maioria dos jornais do oeste americano. E mais: vi
o meu nome honrado ser destruído pela cobertura da imprensa, vi minha família
preocupada e o nosso futuro acabado.
Era uma delícia dirigir o Oldsmobile. Estávamos ouvindo Herb Alpert and the
Tijuana Brass, uma fita que alguém me dera de presente. Estávamos realmente
felizes. Para mim, a música que ouvíamos era a mais bela do mundo. Era uma
sensação extremamente agradável dirigir na autoestrada ouvindo Herb Alpert
and the Tijuana Brass. E lá estávamos nós, deixando Huron para trás,
transportando os dois melhores cavalos que jamais existiram, dirigindo um
magnífico Oldsmobile azul-escuro. Eu disse a Hoss:
— Este é o carro mais bonito e melhor que já tive. É um prazer dirigi-lo. Pode
haver vida melhor do que esta?
Mal havia pronunciado essas palavras e ouvimos uma grande explosão debaixo
do capô do carro. Um jato de fogo saiu do painel e veio diretamente para nós.
Olhei para Hoss e ele estava branco de medo.
Desviei o automóvel para fora da estrada. O fogo era intenso no motor do carro e
as chamas saíam pelo capô.
A primeira coisa que fiz foi apanhar minhas fitas de Herb Alpert e jogá-las
intactas no terreno deserto. Hoss saltou do lado do carona e eu pela minha porta
do lado esquerdo com as chaves na mão, pois pensava nos cavalos —Johnny
Tivio!
Assim que Johnny Tivio se viu livre, tomou conta da situação. Para ele, tudo
aquilo ocorrera para diverti-lo e provavelmente queria um pouco mais. Ele não
estava muito certo de que havia conseguido os melhores lugares na plateia e
geralmente se queixava com o gerente.
Logo depois disso ouvi sirenes à distância e em seguida o mais incrível carro de
bombeiros que já vira na vida, embora Johnny Tivio não houvesse se
impressionado absolutamente. Provavelmente produzido durante os anos 30, o
carro de bombeiros parecia ter saído diretamente de um filme de Hollywood,
com escadas e homens pendurados por todos os lados. Os bombeiros, que
vestiam camisetas por causa do calor, estacionaram o carro bem no meio da
estrada, acenderam a luz vermelha e pararam o trânsito. Levou uns quatro
minutos para que a água, finalmente, saísse das mangueiras e dois minutos
depois as chamas se extinguiram. O carro parecia um marshmallow. Não havia
sobrado muito.
Ele já havia falado com a polícia e aparentemente ela tinha um terreno ao lado da
delegacia onde poderíamos deixar o trailer com os cavalos amarrados e
alimentá-los com feno e água.
— Não tem lugar algum, com exceção do bordel com uma garota em cada
quarto.
Sacudi a cabeça.
— Bem, você é bem-vindo para dormir numa das camas-beliche de uma das
celas.
Sentado na cela, me lembrei que quando cheguei em casa, tantos anos antes,
havia uma carta esperando por mim. Perguntavam se eu poderia levar o
Oldsmobile para a garagem para alguns ajustes. Haviam descoberto uma falha
que poderia causar um incêndio no motor!
Agora, alguém estava dizendo o meu nome. Fui levado da cela e me defrontei
com um policial na porta do corredor.
— Alô? — disse.
— Glen! ?
Era incrível ouvir uma voz que eu conhecia; a voz de um amigo e de um homem
decente.
— Estou a caminho de uma reunião na sua casa. Quero que você saiba que um
monte de gente da nossa comunidade acredita em você e quer parar Harcourt.
— Bem, a sua fiança é de 50 mil dólares e eu estou aqui sentado com uma
sacola de compras contendo essa quantia na minha frente. Vou participar da
reunião na sua casa e depois passo aí para pegá-lo.
Quando saí da cadeia no dia seguinte, a Flag Is Up estava cercada por guardas de
segurança portando poderosas lanternas.
Haviam sido pagos por Harcourt. Nosso advogados nos aconselharam a deixar a
propriedade imediatamente.
Não tínhamos um carro, uma vez que todos os veículos pertenciam à Flag Is Up
Farms. Slick, o filho da Sra. Gardner, chegou em seu carro em poucos minutos e
ajudou Pat a acomodar as coisas de que precisaríamos para nos hospedar no
rancho dos Gardners.
Enquanto selava Johnny Tivio, uma empregada do escritório veio me dizer que
os cavalos tinham que permanecer na fazenda até que ficasse estabelecido a
quem eles realmente pertenciam.
Sorri para ela e continuei encilhando. Ela sabia a quem os três cavalos
pertenciam... sabia que Harcourt queria que eu matasse animais a torto e a
direito... sabia que nem um exército conseguiria me separar de Johnny Tivio a
não ser enterrando um à distância do outro.
Carreguei meus três cavalos com o máximo de equipamento que pude, montei
Johnny Tivio, conduzi os outros dois pela longa alameda e passei pelos prédios
que projetara com tanto carinho e pelos padoques que usara nos últimos seis
anos. Tudo parecia em paz e bem-cuidado. A beleza do local tinha sempre o
mesmo efeito sobre mim: eu me sentia orgulhoso. Eu erguera as cercas e agora
elas eram como linhas retas correndo através do prado. Eu colocara o desenho no
papel e canalizara as águas. Os cavalos que pastavam nos padoques — alguns eu
estava treinando, alguns eu já iniciara e outros tomariam ainda as primeiras
lições. Pensei, emocionado: eles não sabem dos nossos problemas e nós não
sabemos o suficiente sobre os problemas deles — mas eu queria saber, e senti
uma resolução renovada de concentrar-me em meu trabalho; de desenvolver
minhas habilidades com animais necessitados; de renovar minhas técnicas de
iniciar jovens animais.
Johnny Tivio trotava, se perguntando, talvez, para onde iria nessa estranha
jornada, mas sempre atento a tudo, como de hábito.
Suas orelhas se moviam para frente, para trás e para os lados, ouvindo o que eu
lhe dizia e checando o que havia à frente e nas laterais. A autoconfiança de
Johnny Tivio e sua natural superioridade em relação a todos à sua volta eram
como poeira de ouro para mim naquele momento. Uma coisa mágica que
dinheiro algum pode pagar Eu amava aquele cavalo.
Continuei subindo pelo corredor da entrada e sentia grande alívio a cada passo
dado por Johnny Tivio que me conduzia para longe dos nossos problemas.
Aproximamo-nos do conjunto de prédios brancos empoleirados de um lado da
montanha e que constituíam o rancho Gardner. Eu estava muito agradecido a
Peggy e Slick por nos terem oferecido imediatamente um abrigo seguro. Eu não
tinha idéia do tempo que ficaria com eles — um dia, uma semana, um ano.
Eu estava no centro do litígio, cujos detalhes espero nunca mais ouvir na minha
vida. Só a idéia de descrevê-los é exaustiva e imagino que ninguém deva ser
forçado a lê-los.
Meu advogado criminal queria uma vitória sem acusação de qualquer delito.
Harcourt, agora, tinha que lutar para manter-se fora da prisão, pois era acusado
de perseguição.
O juiz aguentou a gritaria por algum tempo e depois bateu o martelo, exigindo
silêncio. Anunciou que lera os depoimentos e os documentos de evidência e não
vira delito algum — pelo menos nenhum delito cometido pelo acusado — eu.
Gostei do juiz. Eu queria sorrir. Não lembrava quando havia sorrido pela última
vez. A impressão era de que tinha sido há muito tempo.
Sentei confortavelmente na minha cadeira e esperei.
Assim que o Sr. Harcourt se deu conta da fragilidade do seu caso, entrou em
pânico e começou a vender lotes da Flag Is Up Farms por bem menos que seu
valor real. No final, meus advogados me chamaram e disseram que tinham uma
proposta. Não estavam certos de que se tratava de uma boa oferta, mas se
sentiam na obrigação de explicá-la a mim.
Se eu quisesse levar meus perseguidores à barra do tribunal, teria que lutar com
os advogados de Harcourt, talvez, por alguns anos.
Por último, mas não menos importante, a Flag Is Up Farms era nossa. A
compensação que o Sr. Harcourt pagou por sua perseguição nos permitiu
comprar nossa fazenda de volta. Estava tudo acabado. Podíamos ir para casa.
A essa altura, já se havia passado um ano desde que Pat, eu, Debbie, Lori e
Marty havíamos deixado a Flag is Up Farms.
Johnny Tivío gostou de rever a sua velha baia. Tenho certeza de que jamais lhe
ocorreu que não podia voltar para ela quando quisesse, mas ele estava
definitivamente feliz em ver seu antigo lar novamente; em ver o gracioso
estábulo e sentir a sensação de espaço nos padoques, lado a lado sobre o leito
desse belo vale.
Não havia mobília alguma e o eco ressoava quando pisávamos sobre o assoalho
de madeira. Teias de aranha balançavam nos caibros do telhado e podíamos
sentir no ar a estranha presença dos eventos que precederam a nossa partida.
Depois de algum tempo principiamos a nos dar conta de que a Flag Is Up era
nossa e que começávamos a nos restabelecer como uma família.
Johnny Tivio estava de volta à sua cocheira e nós éramos nossos próprios
patrões. Um novo começo.
Era pungente fazer novamente aquilo em que eu era bom: cuidar de cavalos.
Talvez essa energia renovada tenha me levado a ser zeloso demais e a cometer
um erro de julgamento crucial em relação a um cavalo chamado Fancy Heels.
Eu falara com meus amigos Dave e Sue Abel, de Elko, Nevada, sobre a
possibilidade de dar um pulo por lá para ver um concurso. Queria inspecionar
um grande contingente de cavalos de gado que competem em Elko todos os
anos. Esses animais vinham de ranchos onde trabalhavam por longas horas todos
os dias, sem ter que sofrer os enfadonhos exercícios necessários para os rodeios,
que acabam fazendo os cavalos se ressentirem com as atuações, Por isso, muitas
vezes, é possível encontrar maravilhosos atletas equinos nas provas de Elko;
animais de excelentes hábitos de trabalho e boas atitudes. Fui para lá.
Logo descobri um cavalo que me impressionou muito. Seu nome era Fancy
Heels e ele demonstrou habilidade com o gado, excelente capacidade atlética e,
além do mais, tinha uma boca sensível e atraente. Achei que se o levasse para a
Califórnia poderia fazê-lo progredir a ponto de vencer algumas das maiores
provas. Não julguei que precisaria trabalhá-lo muito — um toque aqui e outro ali
fariam milagres, transformariam um bom cavalo de fazenda num cavalo de
prova de primeira categoria.
No sábado, Fancy Heels venceu entre os cavalos de sua classe. Isso o habilitou a
concorrer no domingo entre os cavalos de primeira categoria de todas as classes.
De qualquer forma, eu estava ansioso para comprá-lo antes que ele começasse a
ganhar qualquer campeonato. Por isso mesmo, sábado à tarde fui à baia de Fancy
Heels em companhia de Dave Abel para conhecer o seu proprietário, Randy
Bunch.
— Ele está à venda, sim, senhor — admitiu Randy. — Essa foi a razão
principal de eu trazê-lo à cidade. Eu preferiria estar no meu rancho agora, mas
precisava vendê-lo.
Espantado, eu disse:
— Espere um pouco. Eu nunca o montei e, além disso, não tenho nem roupas e
nem equipamento.
Fancy Heels foi para um lado quando entramos pelos fundos da sua baia.
— Tive que beber metade deste bourbon para passar pelas eliminatórias. Não
quero beber a garrafa toda para passar pelo campeonato. Eu vim para a cidade
para vender Fancy Heels. Eu o vendi e agora vou voltar para o meu rancho antes
das dez da noite. Boa sorte. O show é seu.
Olhei para Dave Abel, estampando no rosto um pedido de ajuda. Dave encolheu
os ombros:
— O pessoal aqui é desse jeito. Acho que você vai ter que apresentar o cavalo.
Posso lhe arranjar um par de chaparreiras e uma tralha.
Montei Fancy Heels por uma hora mais ou menos só para ter uma idéia dele. Na
manhã seguinte rodei com ele por mais meia hora, para aquecê-lo.
Quando me dei conta, estava na arena, no meio de um gado para separar uma
rês, sobre um cavalo que eu montara por menos de duas horas.
Nosso trabalho com o gado foi muito bom e Fancy Heels liderava a competição,
preparando-se para entrar na fase da rês isolada. Nosso trabalho com a rês
isolada foi aceitável, mas alguma coisa não funcionou aqui e ali. Depois disso,
veio o que chamamos de trabalho seco. Esbarrar e voltar sem trabalhar animais,
isso saiu bem e acabamos em segundo lugar em todo o campeonato.
Arrumei as coisas para Fancy Heels ser transportado para a Flag Is Up Farms, na
Califórnia. Estava ansioso para trabalhar com ele e inscrevê-lo na competição
nacional aberta.
Depois de trabalhar uma semana com Fancy Heels, passei a respeitar Randy
Bunch um bocado. Era claro que as mudanças necessárias seriam mais difíceis
de serem feitas do que havia pensado inicialmente. Fancy Heels era um cavalo
de trabalho, maduro, com hábitos bem estabelecidos e eu não conseguia me
entender com ele.
Depois de um mês, tive que reconhecer que Fancy Heels era 10% menos efetivo
do que quando atuara na prova de Elko.
Depois de dois meses, sua eficiência baixara em mais 10%. Pensei comigo
mesmo: “Calma, rapaz! Você é o maior treinador de cavalos puro-sangue da
região e já trabalhou muitos cavalos de gado campeões, inclusive o lendário
Johnny Tivio. Você sabe que pode fazer o serviço.”
Ao fim do terceiro e ao fim do quarto mês, tive que reconhecer que, por culpa
minha, Fancy Heels havia regredido muito mais. Concluí que havia falhado e
devia desistir. A melhor coisa a fazer era vendê-lo para um bom rancheiro em
cuja fazenda ele pudesse fazer o trabalho de que gostava.
Durante o tempo em que montei Fancy Heels, não tenho idéia do número de
vezes em que disse a mim mesmo: “Não se podem ensinar novos truques a um
cachorro velho, mas sem dúvida era um número interessante.”
— Monty?
— Sim.
Crawford Hall era filho de Clark Hall, que administrava uma fazenda de gado
em Shandon, Califórnia, perto de onde James Dean morrera.
Clark era um homem esportivo, o tipo de pessoa que tenta um pouco de tudo. No
fim dos anos 40, ele era um bom laçador-amarrador em equipe, que costumava
vencer campeonatos na Califórnia central e competira na categoria em alguns
dos principais rodeios da região.
Eu competi ao lado de Clark quando tinha entre dez e doze anos, laçando e
amarrando novilhos. Aprendi a conhecê-lo bem e estive no seu rancho algumas
vezes. Crawford, seu filho, começava a crescer e já montava seus primeiros
cavalos naquela época. Era um garoto muito ativo e ajudava o pai a cuidar do
gado.
Mais tarde, quando eu já havia saído da faculdade, no começo dos anos 60, ele
começou a aparecer na minha casa, pois eu tinha uma aluna chamada Sandra
Lewis, por quem ele se encantou e com a qual acabou se casando.
Foi como uma celebração em família quando Sandra se casou com Crawford, e
graças a essa união eu passei a conhecê-lo bem melhor. Eles se mudaram para
Fallon, Nevada, onde Crawford administrava uma invernada para seu pai, mas
continuamos mantendo contato.
Em 1973, Crawford foi trabalhar em Tulare com Greg Ward, amigo íntimo e ex-
colega de faculdade, que treinava cavalos de gado, cavalos de rancho e cavalos
de quarto de milha. Crawford foi para lá como pau-pra-toda-obra, mas
principalmente para montar os cavalos de apartação e os cavalos de rancho. Era
também um bom cavaleiro de cavalos de corrida em treinamento.
Agora ele estava sendo forçado a encarar a realidade de nunca mais poder
montar.
— Crawford não pode sentir nada dos ombros para baixo. Isso significa que
será um tetraplégico e terá apenas entre 5% e 6% do uso dos braços. Ele se
acidentou gravemente e tem sorte de continuar vivo, mas temo que terá que se
exercitar muito.
Voltamos para o lado da cama de Crawford e esperamos para falar com ele.
Recordo-me muito bem o quanto Crawford lutou para aceitar o trauma quando
falou sobre ele pela primeira vez. Suas emoções estavam todas misturadas: um
pouco de esperança, muita depressão e choque permanente no olhar:
— Se eu não puder mais lidar com cavalos, não tem sentido continuar vivendo,
sabiam?
— Eu diria a mesma coisa; portanto, não se preocupe, que nós vamos
encontrar uma saída.
— O quê?
— Se eu não servir para mais nada além de vender lápis numa esquina, quero
que me deem pílulas suficientes para eu dormir para sempre.
— Que inferno! Talvez eu nem seja capaz de fazer isso. Tenho certeza de que
não vou conseguir nem levar as pílulas até a minha boca. Vocês vão ter que fazer
isso por mim.
— Ok, mas primeiro vamos ver o que você pode e não pode fazer.
— Garanto a vocês que vou fazer alguma coisa. Não vou simplesmente ficar
deitado nesta cama olhando o teto. Deve haver um local para mim em algum
lugar.
Era uma visão tão triste, que quase sufocou nossos corações.
Dave Abel concordou que seria uma boa idéia e estava entusiasmado com a
possibilidade de que nosso amigo talvez tivesse uma chance de continuar
lidando com cavalos, do que mais gostava na vida.
Dois ou três dias depois, liguei para o hospital e falei com Crawford sobre o
possível trabalho. Quatro ou cinco meses depois, ele veio de Fresno para
Solvang (com uma amiga, Lisa Guilden, que conhecera antes do acidente) para
dar uma olhada no lugar. A essa altura ele já tinha uma van especial, com
equipamentos que permitiam que sua cadeira rodasse para dentro e para fora
sempre que precisasse viajar. A operação era difícil e exigia muito esforço da
parte dele. Era uma sina cruel que poderia ter se abatido sobre qualquer um de
nós. Mas era Crawford que tinha que enfrentá-la. A situação toda não era nada
fácil.
Em pouco meses, Crawford estava vivendo na Flag Is Up, numa casa modular
providenciada por sua família que lhe permitia estar ali, na cena, 24 horas por
dia. Ele adquiriu uma boa cadeira e sobre ela andava muito bem pela fazenda.
Tive uma reunião com ele, ocasião em que lhe expliquei que tudo do que eu
necessitava era um par de olhos extra para inspecionar o lugar. Eu o empregava
para me relatar se visse acontecer coisas que poderiam ser mudadas para melhor.
No ano em que ele veio, adquiri um potrinho chamado An Act. O animal foi
uma boa escola para Crawford, pois provou ter futuro e acabou vencendo o
derby de Santa Anita.
No ano seguinte, comprei dois cavalos, Alleged e Super Pleasure. O mundo não
conheceria Super Pleasure como um grande cavalo de corridas, embora na minha
opinião ele tivesse tanto talento como qualquer outra montaria comprada ou
treinada por mim. Infelizmente, teve um problema de garganta que o relegou à
condição de só poder atuar em corridas de curta distância. Nunca saberemos se
seria um campeão em provas normais e de fundo.
De qualquer modo, com An Act, Alleged e Super Pleasure, Crawford tinha uma
base muito sólida para começar e estabelecer o gabarito dos demais cavalos. Os
anos somente aperfeiçoaram o seu profissionalismo e ele acabou se tornando um
dos maiores auxiliares que qualquer proprietário de cavalos pode desejar. Sua
vida gira em torno das operações do centro de treinamento da Flag Is Up e é um
grande trunfo para qualquer proprietário saber que seu cavalo está com alguém
que se concentra no trabalho 24 horas por dia, sete dias por semana.
Quando Crawford veio trabalhar comigo, sua abordagem no que diz respeito ao
treinamento de cavalos era convencional. Embora fosse um cavaleiro inteligente
e fizesse bom uso do cérebro, fora treinado por gente convencional. Natural,
portanto, que houvesse aprendido a fazer as coisas do modo que elas vêm sendo
feitas há centenas de anos. Com o correr do tempo, porém, acabou abraçando
algumas filosofias mais alinhadas com às minhas.
Atualmente, Crawford é famoso por trabalhar com os jovens que vêm à Flag Is
Up para montar nossos cavalos. Ele costuma dizer a eles:
— Como é que ele vai fazer isso? Você tem o Atlântico à direita e o Pacífico à
esquerda. Para onde ele vai? Se você deixar um cavalo livre para explorar suas
possibilidades, será mais fácil corrigido do que se você obrigá-lo à submissão
por meio de chicotadas.
De qualquer modo, exatamente pelo fato de ser tão magro, pude ver que ele tinha
o melhor equilíbrio esquelético que eu já vira num puro-sangue.
Levantei a mão.
Repliquei:
— O senhor tem seu sistema de círculos para ver se certas partes anatômicas se
encaixam ou deixam de se encaixar onde deveriam, não é mesmo?
— Correto.
O doutor Osbourn convidou-me para ir até onde ele estava e explicar minha
teoria triangular em relação à dele, circular.
Expliquei que meu triângulo procura descobrir o equilíbrio entre as duas maiores
estruturas esqueléticas num cavalo: a garupa e a paleta. São esses dois “motores”
que impulsionam o cavalo no terreno. A engenharia dessas duas estruturas
esqueléticas determina a eficiência com que o resto do corpo reage aos sinais do
cérebro.
— Para aqueles que continuam no escuro, quero informar que este cavalo foi
adquirido pelo Sr. Roberts quando tinha um ano, mais ou menos. Seu nome é ...
Alleged.
Foi Pat quem lhe deu este nome e ainda o tem na placa do nosso carro.
Alleged teve uma carreira marcada por estrondosos sucessos. Por fim, adquirido
por Robert Sangster e um consórcio de investidores, foi duas vezes campeão do
Grande Prêmio do Arco do Triunfo.
Entre os meus recortes favoritos do jornal Santa Ynez Valley News, está este, de
5 de outubro de 1978:
“Monty e Pat Roberts, da Flag Is Up Farms, aqui de Solvang, têm uma boa razão
para se sentirem felizes esta semana. Alleged venceu o 57? Grande Prêmio do
Arco do Triunfo, em Long Champs, França, no último domingo. Alleged,
montado por Lester Piggot, venceu facilmente com dois corpos de vantagem
sobre o segundo lugar, Trillion, num tempo de 2:36.5.”
Num dia nublado de novembro de 1977, eu cavalgava Johnny Tivio pela Flag Is
Up Farms como fazia frequentemente, para checar pastagens, cercas, cavalos e
assim por diante.
Há uma trilha num cânion num canto a noroeste da Flag Is Up que conduz a uma
área plana uns 50 metros acima das pastagens. Eu cavalgava por essa trilha
quando notei alguma atividade na colina depois do cânion.
Voltei meus olhos para a direção do som e vi que ele era provocado por um
grupo de coiotes que aparecia e desaparecia na vegetação. Estavam obviamente
desvairados a respeito de alguma coisa.
Decidi descer com meu cavalo para o fundo do cânion e depois subir pelo outro
lado, a fim de descobrir o que despertava a excitação dos coiotes.
Não pude fazer outra coisa a não ser tentar salvar a vida da velha corça. Montei
novamente em Johnny Tivio, desci a colina e fui até a fazenda, onde joguei uma
tela de cerca e alguns postes na picape. Chamei dois peões para me ajudarem e
nos aproximamos o máximo possível da corça. Quando desci da caminhonete,
notei que os coiotes voltaram a se aproximar. Corri em direção a eles, jogando
minha corda e batendo com as mãos nas pernas, a fim de desviar a atenção deles
da presa enquanto os peões levantavam uma cerca em volta dela. Por fim,
erguemos a cerca de tela de arame, uma espécie de jaula com teto, para evitar
que os coiotes tentassem invadir por cima, medindo cerca de seis metros de
diâmetro. Dentro da jaula, coloquei feno, alfafa e um balde de água.
Quando voltei na manhã seguinte, ela estava deitada apoiada nos joelhos; havia
comido um pouco e bebido alguma água. Isso era espantoso, pois corças
selvagens nem sempre se alimentam em cativeiro.
Antes que ela se recuperasse mais e não fizesse outra coisa além disso, decidi
que o melhor a fazer era habituá-la à minha presença para que não entrasse em
pânico sempre que me visse.
Ela ficou apenas duas ou três semanas na jaula antes que se sentisse
suficientemente forte e aproveitasse a oportunidade para sair. Quando abri a
porta, ela caminhou para fora daquele jeito imponente das corças, mas pude
notar que não tinha intenção de botar muita distância entre nós.
Retornei na manhã seguinte e verifiquei que ela estava a menos de cem metros
da jaula. Deixei mais alfafa e cereais. Construí um dispositivo de irrigação para
que ela pudesse ter água sem se afastar muito.
Fui para a área todos os dias e comecei a trabalhar com ela, usando os conceitos
de “Avançar e Recuar”.
Sempre que ela agia de modo a demonstrar que não me queria por perto, eu
deliberadamente a empurrava para longe e caminhava atrás dela, às vezes por
quase cinco quilômetros. Quando a via andar em círculos e me mostrar seus
flancos, pensando que estava na hora de renegociar a situação comigo, eu me
virava e andava em direção oposta, para longe dela.
Não fiz um trabalho perfeito de “conjunção”. Com ela, eram mais tentativas; não
era uma coisa muito sólida. De fato, levei vários anos até conseguir fazer com
que ela se afastasse do rebanho e ficasse ao meu lado como faziam os cavalos.
Essa lenta amizade, que culminou nesse evento simples e nada excitante, me
tocou enormemente.
Tornou-se claro para mim que através desse supersensível mecanismo de fuga
pode-se aprender a linguagem “Equus” de modo mais definitivo e acurado.
Descobri que podia diminuir o impulso do animal para “voar” movendo meus
olhos mais vagarosamente. Assim que compreendi isso, foi mais fácil trabalhar
com Grandma.
Verifiquei também que abrir as mãos e esticar os dedos, mover meus braços ou
passar da posição de recuar para a de avançar muito rapidamente poderia
confundi-la e tornar mais lento o processo de comunicação.
Mais uma vez, voltei a fazer experiências com os cavalos que estava “iniciando”.
Descobri que, quando abria os braços como parte do processo de afastá-los, eles
corriam em círculos mais rapidamente. Faziam o mesmo se eu também abrisse
ao máximo os dedos das mãos. Acho que isso tem a ver com tensão muscular;
faz parte da postura agressiva de muitos animais tentar parecer que são maiores
do que realmente são — como os pelos das costas do cachorro que se eriçam
quando ele se vê em perigo.
Sem a ajuda de Grandma eu jamais teria aprendido esse aspecto mais refinado da
linguagem. Era como se essa dama frágil e idosa estivesse me dando um curso
avançado de “Equus”, estivesse afinando minhas reações e me passando para um
nível mais alto. Talvez fosse o modo de ela me pagar por ter-lhe salvado a vida
no topo daquele cânion.
Do seu padoque, ele podia ver tudo o que acontecia. Seu padoque estava no
caminho das éguas que iam e voltavam do galpão de cobertura. Todas as vezes
que uma dama passava por ele, Johnny Tivio se comportava como se ainda fosse
o tal. Voltava a ser o garanhão malvado, fingindo que tinha apenas três anos de
idade. Quem sabe as coisas que dizia a elas quando passavam ao longo, da cerca!
Aparentemente, uma égua fora levada para o galpão de cobertura. Johnny Tivio a
vira e fora em sua direção, cauda abanando, tentando, talvez, conseguir o
número do telefone da fêmea, como era seu costume. No meio do caminho, caiu
duro como uma pedra. Morto. O doutor Van Snow, nosso veterinário, confirmou
que meu velho amigo morrera de um ataque do coração.
Embora chocado e tomado pela tristeza, minha primeira reação foi pensar
comigo mesmo: “Ótimo!” Ele começara a ter problemas com os cascos e eu
temia uma longa e penosa luta contra a morte; uma luta injusta para quem viveu
uma vida tão límpida e cheia de sucessos. Mais uma vez, Johnny Tivio não
falhara: sadio até o fim. Nosso esforço valera a pena.
Perguntei:
— Nós o deixamos onde ele caiu para que você pudesse vê-lo.
Fui até o pasto. Enquanto me aproximava do seu corpo, deitado ali, imóvel, senti
sua morte como um soco. Seus olhos estavam vazios; sua vida havia ido embora.
Ficar sentado ao lado dele foi como revisitar as mais maravilhosas lembranças.
Logo que começamos a trabalhar juntos, lembro que o exibi em Salinas, minha
terra natal, na arena da Pista de Rodeio, onde cresci. Tratava-se de um dos
eventos hípicos mais importantes de todo o norte dos Estados Unidos, e Johnny
Tivio era tão bom em tudo e tão disposto que não pude me decidir se o
inscreveria na categoria de apartação ou na de cowhorse.
Fingi não tê-la ouvido. Jamais alguém tinha feito isso. Era praticamente
impossível...
— Monty, você perdeu a cabeça? Não podemos deixar você atuar com Johnny
Tivio nas duas categorias. É ridículo pensar que ele possa se apresentar...
— É contra as regras? — perguntei.
— Bem, na verdade, não... mas não acho que você deva ser motivo de riso...
Eu estava preparando Johnny Tivio para os dois concursos. Nos treinamentos, fiz
com que usasse um tipo de embocadura para uma prova e outra para a outra
prova. Ele era tão inteligente que entendeu a situação perfeitamente. Para
encurtar a história, ele não só entrou em ambas as provas como também as
venceu. Nunca havia ocorrido antes tal fenômeno. E até hoje não voltou a
ocorrer.
Agora, ali estava ele, deitado de lado com aquele peso final, pesado, que só a
morte nos pode dar.
— Johnny Tivio.
— O que há com ele? — perguntei.
— Bem, ouvi dizer que você está com problemas. Você precisa de dinheiro
para pagar advogados. Bem, eu não dou dinheiro. Ninguém consegue me tirar
um tostão — fez uma pausa — mas dou tudo o que você quiser por este cavalo.
Agradeci mas lhe informei que vender Johnny Tivio estava fora de cogitação.
— Não — ela disse, irritada com a minha burrice. — Não estou dizendo que
vou levá-lo embora. Nunca faria uma coisa dessas, mas quero comprar os
documentos,
— Os documentos?
Em seguida, fomos até a casa e lhe dei os papéis enquanto sacudia a cabeça,
espantado com aquela mulher corajosa que tinha um modo todo seu de fazer as
coisas. Ela fez com que eu e Pat prometêssemos que lhe telefonaríamos se
precisássemos de um empréstimo para o nosso fundo de despesas legais.
Fui uma missão difícil. Parecia errada e ignóbil, e eu sabia que jamais teria um
amigo como ele outra vez em toda a minha vida.
Não tive coragem para cobrir meu amigo de terra. Já aguentara mais do que
podia. Nosso veterinário se ofereceu para fazer o serviço. Eu fui para o meu
quarto, me meti debaixo das cobertas e só saí na manhã seguinte.
Na placa sobre a pedra do seu túmulo pode-se ler: "Johnny Tivio, 24 de abril de
1956-24 de abril de 1981. Conhecido por todos como o maior de todos os
cavalos de rancho a entrar numa arena.” Ele morreu no dia em que completava
25 anos.
Eu estava subindo a ladeira que dá para os fundos da casa quando pisei de mau
jeito; senti uma pontada na parte inferior das costas e minhas pernas não
conseguiram mais me manter de pé. Fiquei no chão, indefeso, incapaz de mover
a parte inferior do meu corpo. Aliás, literalmente, não sentia nada nessa parte. A
imagem de Crawford Hall, imobilizado em sua cama de hospital, subitamente
me passou pela cabeça. Sete anos depois, chegara a minha vez.
Sentindo uma dor infernal, me arrastei ladeira acima com a ajuda dos braços. A
lista dos motivos para as minhas costas estarem em más condições era
suficientemente longa: dublê de cavaleiros no cinema, futebol americano, equipe
de laçar e amarrar, amarrar bezerros, montar touros, buldoguear. Todos esses
impactos extras na coluna dorsal acabaram por romper alguma coisa. Eu estava
para descobrir o preço de tudo o que fizera,
Eu tinha 46 anos.
O médico foi chamado e declarou que meu estado era crítico demais para que me
transportassem a um hospital. Antes, ele queria me estabilizar e fazer com que
eu voltasse a sentir as pernas.
Ele fez com que enviassem até a minha casa uma armação para alçar e suportar
pesos, mas que em verdade era um instrumento de tortura. Fiquei com parte do
corpo pendurado nessa engenhoca como um coelho num espeto durante 30 dias.
Acho que agora já posso dizer uma palavra de recomendação para a droga
morfina. Injetaram-me tanta que trabalhei como nunca antes. De fato, quando
tenho algum problema de difícil decisão, ainda hoje passa pela minha mente
alugar aquele instrumento de tortura de novo e chamar o médico para me injetar
mais morfina. Logo resolveria o problema, qualquer que fosse.
Assim que foi possível, me escanearam. Depois disso, o doutor Kerlan e sua
equipe vieram me fazer um relatório. Trouxeram com eles um modelo de
plástico de uma espinha dorsal humana e estavam todos prontos para me assustar
mortalmente.
— Muito bem! Você está vendo aqui, a parte de trás, do lado de baixo?
— Sim.
— Cada um desses cinco discos sofreu uma ruptura, graças aos constantes e
pesados impactos na sua coluna. Esses impactos causaram um vazamento que,
por sua vez, criou estalactites de material invasor. Isso é 30% do seu problema.
Os outros 70% são fraturas e bicos de papagaio ao longo da sua coluna. É isso
que causa as dores e a deterioração nervosa. Nós podemos entrar na sua espinha,
limpar as estalactites, remover os bicos de papagaio. Você ficará com cinco
discos iguais a rosquinhas — as partes macias do meio dos discos serão sugadas
para fora.
— Ok.
Pôr dois ou três dias me prepararam para a operação. Tiveram que parar com a
morfina e a dor foi incrível. Eu queria berrar “Pico!” a cada segundo de cada
minuto até explodir os pulmões.
Então, entrei na faca e uma câmera de vídeo foi posicionada para registrar todos
os detalhes.
Acordei dez horas mais tarde. Uma senhora negra e sorridente, dentro de um
uniforme branco perfeito, apareceu e parecia um anjo. Teria morrido e ido para o
céu?
— Muito bem, Sr. Roberts. Que tal nos vestirmos e visitarmos o banheiro?
Eia me segurava pelos ombros, mas cada vez que me largava eu caía, como se
houvessem instalado uma dobradiça no meio do meu corpo.
— Puxa, eles devem ter feito um bom trabalho com o senhor — ela disse.
Ela saiu e foi buscar ajuda. O anjo negro e outra enfermeira me ajudaram a
sentar numa geringonça sobre rodas que permitiu que eu me locomovesse.
Realmente, eu estava num estado lamentável.
Tenho uma cicatriz que vai da costela inferior esquerda ao cóccix. A parte
inferior da minha perna direita está tão morta quanto um prego na parede —
você pode apagar um cigarro nela, Mas ando normalmente e posso montar. O
doutor Bob Kerlan fez um trabalho melhor do que ele mesmo achava possível.
In Tissar era um garanhão, filho de Roberto com a égua Strip Poker — em outras
palavras, da melhor linhagem clássica. Era irmão próprio do campeão
Landaluce.
Foi comprado no Leilão Selecionado de July Keeneland de 1979 por 250 mil
dólares pelo Sr. Fustock, de Buckram Oak, e enviado para correr na França.
Logo se tornou um vencedor, mas pouco depois se acidentou e ofereceram 220
mil dólares por ele.
Vi uma boa oportunidade para formar um grupo econômico. Vai daí que
juntamente com meus sócios, o Sr. Katz e o Sr. Semler, comprei-o como
reprodutor. Era um garanhão bonito e orgulhoso, de alta linhagem.
Nós o transportamos para a Califórnia, onde colocamos à venda cada uma das
suas cotas de reprodução por 16 mil dólares. As 25 partes foram vendidas em
duas semanas. Eu e meus sócios recebemos 400 mil dólares e tivemos um lucro
inicial de 180 mil dólares. Além disso, reservamos cinco partes para serem
usadas em nossas próprias éguas. Esse foi um grande negócio. Nós íamos bem.
Criei um acordo sindical que sublinhava os deveres e responsabilidades da Flag
Is Up Farms e me nomeei administrador sindical.
In Tissar começou a cobrir éguas em 1983 e por metade da estação cobriu sem
maiores problemas. No meio da estação, porém, fui informado de que se tornara
agressivo.
Pareceu-me que a agressão era uma função da sua sexualidade. Por isso disse aos
peões que lhe colocassem uma focinheira com cabresto. Isso resolveu o
problema por uns dois dias.
Ficou decidido que, quando In Tissar fosse cobrir uma égua, a equipe conectaria
duas estacas de dois metros e meio ao seu cabresto para manter os homens que
lidavam com ele a uma distância segura. Desse modo, ele cobriu duas ou três
éguas e o problema parecia estar resolvido. As éguas foram cobertas e o pessoal
envolvido na operação ficou satisfeito. In Tissar estava feliz e não objetou ao
estranho método de controlá-lo à distância. Até parecia orgulhoso,
Na próxima vez que marcaram um encontro romântico para ele, eu desci para
observar e descobrir se havia algum modo de eu ajudar.
Trouxemos uma égua para o galpão, lhe demos um banho, envolvemos sua
cauda com ligas e a deixamos no centro da sala de reprodução, pronta para ser
coberta.
Dois homens entraram conduzindo In Tissar pela longa porta da parede norte da
sala quadrada, que media 12 x 12 metros. Conduziram-no dois metros sala
adentro, e ele se plantou para estudar a situação. Havia sete pessoas na sala: dois
homens com as estacas, um homem com a égua, o veterinário, seu assistente,
Darryl Skeiton e eu.
Fechei a porta atrás do garanhão e depois, juntamente com Darryl, caminhei até
a área onde estava o doutor Snow. In Tissar estava completamente imóvel.
Olhava em volta e depois olhava para a égua.
De repente, sem dar nenhum sinal de que faria isso, In Tissar levantou a mão
esquerda e bateu-a contra a estaca, arrancando-a da mão do homem. O peso do
seu corpo quebrou a estaca em dois pedaços. O homem daquele lado segurava
um pedaço quebrado da estaca e a outra parte balançava no ar, presa ao cabresto
do animal, o que acrescentava mais perigo à situação.
Um segundo mais tarde, ele levantou a mão direita e arrancou a estaca que
estava intacta das mãos do segundo homem. O cavalo foi perfeito em seus
movimentos. Eu tinha certeza de que ele calculara tudo e não fora por
coincidência que batera com a pata bem em cima de cada uma das estacas.
A segunda estaca não partiu ao meio como a outra. Foi simplesmente arrancada
das mãos do homem. Isso deixou In Tissar com uma estaca inteira de um lado e
uma quebrada com a extremidade cheia de pontas, do outro.
Foi direto para a égua, que continuava deitada no chão. Relinchou e deu umas
manoteadas no ar como os garanhões costumam fazer quando cortejam uma
égua. Ela, que tinha um grande talho no flanco esquerdo — o sangue pingava no
chão —, levantou- se bem devagar.
In Tissar meteu o focinho naquele flanco algumas vezes e seu membro estava
totalmente ereto. Por incrível que pareça, a égua levantou a cauda, revelando
estar receptiva a ele. Ele montou sobre ela, ainda com uma estaca e meia
balançando no seu cabresto.
Eu, o doutor Snow e Darryl caminhamos atrás deles. O doutor Snow disse,
enquanto sacudia a cabeça;
— De agora em diante vou carregar minha pistola comigo e, se ele fizer alguma
coisa parecida com o que vi hoje, terá que morrer. Não vou pôr a vida de
ninguém em risco.
Concordei. Alguma coisa dramática teria que ser feita antes que alguém fosse
morto.
Nós três concordamos que o garanhão não estava trabalhando o suficiente. Quem
sabe não estava sendo alimentado demais e trabalhando de menos? Se ele fosse
montado nas colinas — e realmente posto para trabalhar — talvez pudéssemos
mudar sua atitude.
Darryl se ofereceu para montá-lo todos os dias. O doutor Snow e eu lhe
dissemos que ele não deveria montar In Tissar sem que houvesse alguém por
perto para buscar ajuda se alguma coisa desse errado. Estávamos todos de
acordo com o que deveria ser feito.
No primeiro dia desse novo plano de ação resolvemos levar In Tissar para um
local onde tínhamos alguns currais muito sólidos e instalações para gado, bem
como uma rampa de embarque e um portão seguido de um corredor. Nós o
colocaríamos no corredor, o encilharíamos e só então Darryl o montaria e sairia
para galopar com ele.
Alguns minutos depois, Darryl perdeu o controle das rédeas e o animal estava
solto. Passou a correr por toda aquela área e, não importava aonde fôssemos,
estava sempre atrás de nós. Não éramos nós que o caçávamos mas o contrário.
Conseguimos evitar que nos atacasse, mas, se ele nos visse a uns 200 ou 300
metros de distância, partia para cima. Corríamos como os Keystone Cops, os
guardas cômicos do cinema mudo.
Então ele colocou a perna para baixo e pisou normalmente com ela. Algum pelo
havia se soltado na metade da canela. Não estava nem manco.
Darryl diminuiu o tempo de trabalho. Após o fim do segundo dia, quando Darryl
entrou com In Tissar no redondel para garanhões e tirou sua sela, foi atacado por
ele. Mais uma vez, um empregado da Flag Is Up teve que correr para salvar a
vida.
Essa foi a gota d’água. A essa altura, no curso normal das coisas, o cavalo teria
que ser sacrificado.
Ainda assim, eu não suportava a idéia de ter que matá-lo e comecei a pensar
numa resposta. O que dera errado? O cavalo se tornara tão perigoso, que não
dava nem para ajudá-lo.
Decidimos fazer uma última tentativa de salvar sua vida. Numa área próxima do
redondel para garanhões, e com ajuda de alguns operários de construção,
inventei e construí um sistema pelo qual In Tissar poderia ser alojado. O estábulo
poderia ser limpo, não ter a manutenção interrompida e o cavalo poderia se
escovado, ferrado, exercitado e ainda ter sua crina retocada — tudo isso sem ter
ninguém no recinto com ele.
Poderia também cobrir uma égua, ser banhado — como é necessário antes da
cobertura — e voltar para uma baía limpa e preparada, sem ter ninguém no
recinto com ele.
Ele foi criado dessa maneira durante doze anos. Durante todo esse tempo não
causou danos a égua alguma, a si mesmo, nem a nenhuma pessoa que
trabalhasse com ele.
Court Dance era de propriedade de Robert Sangster e John Magnier quando foi
mandado para a fazenda. Queriam que eu descobrisse quais eram os seus
problemas para depois vendê-lo. Logo verifiquei que se tratava de outro animal
muito perigoso. Não poderia ser vendido para ninguém, pois ninguém conseguia
controlá-lo, quanto mais transportá-lo.
Ele tem coberto éguas aqui durante os últimos três anos sob o mesmo sistema de
In Tissar e vai indo muito bem.
Numa escala de 1 a 10, In Tissar era um garanhão 9,9. Era inteligente, astucioso
e gostava de machucar pessoas. Alguma coisa no seu contexto fez dele um
cavalo mesquinho que nunca teve a intenção de ouvir ninguém.
Meus pais vieram para ficar. Isso era cada vez mais raro e o fato de eles
permanecerem aqui mais de uma semana nos disse que o câncer de minha mãe
provavelmente havia piorado.
Julgamos que ela estava fazendo a última tentativa, antes de morrer, para
remendar o relacionamento entre seu marido e seu filho.
As dúvidas logo se dissiparam. Ela planejara para que meu pai me visse
trabalhar no redondel. Ela se informara dos meus compromissos antes de marcar
a visita; ela arranjara um banco para ele se sentar confortavelmente, ela se
assegurara de que ele não poderia escapar. Ela praticamente lhe disse que ele
deveria sentar-se no banco, prestar atenção ao que eu faria e reconhecer que o
meu método funcionava.
Então, meu pai sentou-se no banco pronto para me ver “iniciar” um cavalo
xucro. Ele tinha setenta e tantos anos e, como já mencionei, sua opinião era
irrelevante para mim, pelo menos na superfície. Afinal de contas, àquela altura
eu já iniciara mais de 6.500 cavalos e, acima e além dos cavalos de rancho,
iniciara alguns maravilhosos cavalos puro-sangue que acabaram ganhando
corridas importantíssimas pelo mundo todo. Eu não era mais um garoto
desesperado pela aprovação paterna. Era um homem com mais de 40 anos que
queria que seus pais se sentissem bem um com o outro e bem com seu filho.
Pensei em dizer a ele que quando desenhara o redondel onde estávamos — uns
20 anos antes — propositalmente o fizera sem uma galeria para espectadores e
usara tábuas macho e fêmea, encaixadas umas nas outras, de modo que ninguém
pudesse espiar de fora para dentro. Apenas recentemente acrescentara a estrutura
onde ele estava e que permitia ver o redondel embaixo, onde eu estava para
iniciar uma potranca castanha — uma bela criatura.
Eu nunca a vira antes em minha vida. Não tinha idéia do seu caráter ou do seu
comportamento, embora visse imediatamente que ela era do tipo “rápido”, isto é,
rápida nas reações, nervosa mas inteligente.
Fiquei no centro do ringue e enrolei meu laço de corda leve. Movendo-me bem
devagar, pois ela poderia começar a “voar” facilmente, enquadrei meu corpo
com o dela, levantando um pouco os meus braços e esticando ao máximo os
dedos das mãos, conforme aprendera com a corça. Fixei meus olhos nos dela.
O efeito foi dramático. Ela começou a correr pelo perímetro exterior do redondel
em sentido anti-horário.
— Muito bem, papai — eu disse —, vou lhe dizer tudo o que acontecerá. É
como se você houvesse comprado ingressos para um show de mágica.
Eu praticamente não precisava da corda para fazê-la correr. Ela corria
confortavelmente do lado de fora do redondel e eu podia controlar sua
velocidade escolhendo a parte do seu corpo onde fixaria meu olhar. Se
mantivesse meus olhos nos dela, ela aumentaria a velocidade. Se desviasse meus
olhos para suas paletas, ela relentaria.
— Agora, o que estou esperando é que ela aponte a orelha da parte interna para
mim — eu disse a meu pai, que observava atento do seu banco —, o que deve
acontecer dentro de um minuto, talvez.
A potranca fez mais uma revolução em volta do redondel, e eu disse para o meu
pai:
— A próxima coisa que você vai ver será um outro sinal de respeito que ela vai
me transmitir. Você vai vê-la lamber os lábios e mover as mandíbulas como se
estivesse mastigando. Você vai ver sua língua aparecer entre os dentes. Logo
depois, ela começará a mastigar.
— Pronto — falei para o meu pai —, ela está me dizendo que é herbívora, está
perguntando se pode comer em segurança, se pode parar de correr. Está dizendo
que, se eu lhe der o sinal, poderemos entrar num acordo, poderemos marcar
nossas respectivas posições. Está dizendo que quer viver e deixar viver. Está
dizendo que quer conversar comigo.
Fazia cinco minutos que eu começara a iniciação e expliquei ao meu pai que
estava esperando pelo último sinal, antes da “conjunção” poder ser concretizada,
— Estou esperando que ela baixe a cabeça e corra com ela a apenas alguns
centímetros do chão.
— Ela está me dizendo que está tudo bem, que ela me entende, confia em
mim, sabe que conheço a sua língua.
Voltando meus ombros para um pouco além da ação da potranca, desviei o olhar.
Acabei com qualquer contato de olhos.
Senti que ela estava relutante. Estava achando difícil acreditar que eu falava a
sua língua. De qualquer forma, forcei-a a tomar conhecimento de que eu
respondera corretamente a todos os seus sinais.
Alguns momentos depois, ela estava parada ao meu lado, seu focinho no meu
ombro. Ela confiara em mim. Tratava-se de uma experiência nova e fantástica
para ela e eu provara que era a sua zona de segurança — alguém que entedia o
que ela comunicava.
Comecei a dar uma volta para a direita, bem devagar, e ela me seguiu. Dei a
volta para a esquerda e ela me seguiu. A conjunção com essa jovem fêmea
castanha foi absolutamente efetiva.
Ele perguntou:
— Conversa!!!
Á potranca estava esperando para ver o que aconteceria a seguir nesse dia
extraordinário em que tudo começara a mudar para ela. Lembrei a mim mesmo
que, embora esse fosse um acontecimento quase diário da minha vida, na dela
fora provavelmente o momento mais dramático e nervoso.
— Agora, vou investigar as áreas vulneráveis para ver se ela confia em mim
totalmente.
Em seguida passei minhas mãos vagarosamente pelos seus flancos e pela sua
barriga. Continuei explicando:
Essas foram as áreas que investiguei sob o olhar do meu pai. Confirmei a
confiança existente entre mim e o animal. Ela ficou parada, razoavelmente firme.
Uma ou duas vezes deu um passo para o lado. Continuei a afagá-la em todos os
pontos vulneráveis até não sentir qualquer tensão ou rejeição da parte dela.
Em seguida, peguei cada um dos seus cascos e passei as mãos do joelho até o
boleto e depois fiz o mesmo na parte interior da perna antes de pedir para
levantar as patas, uma por uma. Mantive cada uma delas afastada do chão por
um ou dois segundos.
Hector Valdez entrou no redondel carregando uma sela, uma manta, rédeas,
longos estribos de couro e uma guia. Hector montou mais cavalos do que se
pode lembrar. Tendo trabalhado comigo por tantos anos, ele sabia o que fazer tão
bem quanto eu. Depois de colocar o equipamento no meio do cercado, ele se
retirou.
Ela ficou do meu lado enquanto eu punha a sela nas suas costas. Ainda não havia
nenhuma corda na sua cabeça. Ela permitiu que eu passasse a barrigueira pela
sua barriga e a apertasse.
— Agora, quero que ela se habitue com a sela por algum tempo, antes de
Hector montá-la.
Afastei-me um passo da potranca, enquadrei-me com ela e fiz com que ela
recuasse. Eia começou a dar voltas no cercado, marchando de modo estranho,
uma vez que tinha que se adaptar à nova sensação de ter uma sela nas costas.
— Agora, vou fazer uma pequena experiência — falei, — Você verá que ela
tem um lugar preferido no redondel.
Apontei para o local onde, conforme verificara, ela me dava atenção total. Nos
outros pontos da arena, alguma coisa desviava a sua atenção: meu pai ou a porta
de entrada para o redondel, ou a lâmpada de luz afixada à viga.
Minha longa experiência me ensinou que todos os animais jovens têm um lugar
preferido e é sempre melhor esperar até que eles estejam nele antes de tentar os
sinais mais sutis de “Equus”. Continuei explicando ao meu pai:
— Vou manter minha mão em frente ao meu corpo, assim. Quando ela chegar
ao seu ponto preferido, eu apenas vou abrir os meus dedos, deixando-os, palma
aberta, bem afastados uns dos outros. Você vai notar que ela aumentará
consideravelmente a velocidade.
Fiz exatamente o que disse que faria e, quando estiquei os dedos, ela aumentou a
velocidade dos giros.
— Está vendo, papai? Ela está me lendo. Ela sabe que pode deixar um puma
passar bem em frente a ela, mas, se ele estiver com as garras abertas, ela tem que
voar, e bem rapidinho.
Apertei sua cilha um furo para me assegurar que a sela ficaria no lugar.
Depois disso, fiz a castanha recuar um passo. Mal ela recuou, aliviei a pressão da
corda, recompensando-a imediatamente. Apertei a barrigueira mais um furo e ela
estava pronta para ser montada por Hector.
Com muito cuidado, Hector passou uma perna sobre suas costas... e a potranca
estava sendo montada pela primeira vez.
Hector a fez caminhar em volta do ringue sem se preocupar com o que ela fazia
com a boca, ou se se afastava para a esquerda ou direita, ou se começava a trotar
ou com qualquer outra coisa que tentasse, a fim de entender o que estava se
passando nas suas costas.
Meu pai não falou muito naquele momento. Saiu do banco e foi falar com os
peões. Andou por toda a fazenda interrogando as pessoas sobre o que elas
faziam.
Depois, retornou para o seu banco. Minha mãe escolhera o dia certo e quando a
noite caiu eu já havia iniciado uns dez cavalos.
Lá pelo fim do dia, meu pai me vira domar mais cavalos do que ele poderia
“quebrar” em seis semanas. Ele desceu e ficou ao meu lado na parte exterior do
redondel e mal podíamos ver nossos rostos por causa da obscuridade.
Perguntei-lhe:
Mas ele não podia desistir do seu modo de viver. Mesmo diante de tantas provas,
era pedir demais para ele que concordasse que os métodos antigos não eram os
melhores.
Ele respondeu:
— Continue fazendo as coisas desse jeito e vai ver o que esses bichos farão
com você.
À noite, em casa, minha mãe estava particularmente ansiosa para saber a opinião
dele. Para ela, muita coisa dependia disso.
Tratava-se não só de uma questão de fazer justiça ao seu filho, acho, mas
também de um acordo a que poderiam chegar dois homens que ela amava
igualmente, mas de modo diverso. Um como filho e outro como marido.
Ela não tocou no assunto por algum tempo, como se a idéia não houvesse partido
dela. Então, não aguentou mais e perguntou: Então, Marvin, como você se sentiu
vendo o que viu hoje?
— Bem.
— É suicídio.
Ela simplesmente teria que continuar vivendo com a mesma lealdade dividida
com a qual vivia por tanto tempo.
O câncer intestinal da minha mãe a levou pouco tempo depois, e nos vimos
viajando a Salinas para o seu funeral.
Chegamos à casa deles, onde meu pai construíra alguns anos antes um bloco de
estábulos e alguns picadeiros. Até pouco tempo atrás, ele ainda dava aulas de
equitação e de um modo ou outro lidava com cavalos. Agora, com a morte de
sua mulher, ele estava num estado lamentável. Simplesmente não podia acreditar
no que ocorrera.
Quando chegamos, ele nos saudou com as seguintes palavras:
Pat e eu nos olhamos para confirmar que havíamos ouvido aquilo mesmo, e só
depois entramos na casa. Lembrei-o:
Quando nos encaminhávamos para o interior da funerária, meu pai disse outra
vez:
— Esperem um pouco. Temos que apanhar sua mãe.
Jim LaPorte nos informou que o estado em que meu pai se encontrava é muito
frequente entre gente mais idosa que se separa depois de muitos anos de vida em
comum.
O serviço religioso foi celebrado na igreja católica local. Poucas pessoas foram à
missa, e depois minha mãe foi levada embora e enterrada. Sua vida inteira fora
dedicada apenas a seu marido e filhos.
O médico informou que ele estava saudável como uma mula e que a última coisa
que queria no mundo era sair de sua casa. Havia uma mulher que aparecia todos
os dias para ver se ele estava bem. Mandou nos informar também que tinha o
suficiente para comer e que tudo o que deveríamos fazer era telefonar-lhe de vez
em quando e visitá-lo o mais frequentemente possível.
— Estou bem. Aquela potranca está entrando na linha e aquele palomino vai
acabar sendo um bom cavalo.
— Então, está.
Silêncio. Eu sabia que ele não estava movendo uma palha. Quase não saía de
casa.
— Papai, você não gostaria de se mudar para cá? Você pode morar conosco
por algum tempo. Pelo menos até ficar sobre seus próprios pés outra vez.
— De jeito nenhum. Eu não vou me mudar. Nem sei sobre o que você está
falando.
Quando Larry o visitou, nos ligou para informar que papai estava afundando
rapidamente. Não comia quase nada e estava descuidando do próprio corpo.
Estava visivelmente se acabando.
Eu disse que iria visitá-lo no dia seguinte. Na manhã seguinte, porém, Larry o
encontrou morto. Haviam se passado 42 dias da morte de mamãe.
Cheguei na hora marcada e Jim me deixou entrar. Levou-me até uma sala
pequena muito limpa e nua, exceto por uma coroa de flores e dois cavaletes
sobre os quais estava o caixão. Não havia luz na sala mas uma leve
luminescência atingia diretamente o rosto do meu pai.
Jim me deixou sozinho e fui até a frente para olhar o caixão. As palavras do meu
irmão Larry voltaram à minha mente: “Ele está encolhendo na minha frente.” Ele
parecia não ter mais de um metro e cinquenta e a carne quase desaparecera entre
os ossos e a pele.
Desde menino, sempre tive em minha mente este exato retrato do meu pai. Sabia
que chegaria uma hora em que ele estaria num caixão de madeira e eu olhando
para ele. Um retrato produzido pelos castigos e surras que ele me aplicara. Essa
imagem me perseguiu durante toda a vida e me obriguei a verificar se era mesmo
real. Protegendo-me dos seus tapas, quando ainda era uma criança, prometi a
mim mesmo que meu pai caberia em qualquer caixão normal e quando esse dia
chegasse ele não poderia mais me machucar.
Foi um momento catártico mas eu não derramei uma lágrima. A verdade é que o
fato de ele estar morto não me importava. Não acredito que minha reação
significasse que eu fosse uma pessoa incapaz de perdoar. Apenas sentia raiva
pelos castigos que ele me havia imposto, como se tudo tivesse ocorrido no dia
anterior, e não quarenta anos antes.
Bem, agora ele não poderia ferir mais ninguém. O que quer que tenha feito ele
ser do jeito que era já não estava com ele. E fosse o que fosse — violência, ira
— eu queria que desaparecesse completamente da terra. Visto do meu pequeno
canto do mundo, foi um grande momento.
Depois de deixar a funerária, algo fez com que eu dirigisse até Chinatown, mais
precisamente em direção ao Golden Dragon Saloon, onde, tantos anos atrás, eu
vira o modo cruel como meu pai prendera aquele homem negro.
Ainda era a área mais marginalizada da cidade e agora havia drogados deitados
debaixo das marquises, coisa que não acontecia em 1943.
Era uma rua de mão única, de modo que fiz o que meu pai fez naquela noite e
estacionei onde naquela época era a contramão da rua.
Dei uma olhada em volta, mas o Golden Dragon não existia mais. Enquanto
procurava por ele, passou um carro de polícia e pude ver que o motorista me
notara. Meu Lincoln não era veículo que se visse normalmente naquela região.
Ele estacionou precisamente atrás de mim.
— Não, não estou perdido. Estou aqui para uma visita. A última vez que andei
por aqui foi há 40 anos.
O fato de eu não ter pedido ajuda a ele para sair daquele buraco perigoso fez
com que suspeitasse que eu poderia estar atrás de drogas. Guarda que era, mais
em guarda ficou.
— Ah, é?
— Aqui costumava ter um saloon chamado Golden Dragon. Você sabe o que
houve com ele?
— Bem, quando estive aqui, 40 anos atrás, foi uma triste ocasião. Meu pai
prendeu um homem no saloon. Hoje decidi dar uma passada só para lembrar.
— Sim, era. Foi policial por doze anos. Mas aposentou-se há muito tempo.
— Marvin Roberts.
— Ah, é? Amanhã haverá um grande funeral para ele. Muitos policiais vão
estar presentes.
A igreja estava lotada. Seis semanas antes, durante a missa para a minha mãe, ela
estivera praticamente vazia.
Durante todo o tempo em que trabalhei com a velha corça a quem dei o nome de
Grandma, pensei como seria bom começar com um jovem cervo; um animal
com a mente maleável e que ainda não tivesse sido traumatizado pela realidade.
Queria verificar se responderia mais rapidamente do que Grandma, que
carregava com ela toda uma bagagem de vida.
Decidi pegar um pequeno cervo e trabalhar com ele. Mais tarde, o chamaria de
Yoplait, por causa da marca de iogurte da sua preferência. Estou certo de que foi
um aluno melhor do que Grandma, mas quando comecei com ele eu também
sabia muito mais sobre a sua linguagem.
Yoplait me ignorava por longos períodos de tempo: olhava para outro lado e não
prestava atenção em mim. Presumi que eu estava cometendo erros, o que era
verdade até certo ponto.
Mais tarde tentei uma experiência. No dia da minha partida, tirei uma camiseta
que usara e deixei-a perto de uma árvore. Quando saí, pedi a alguns empregados
para observarem suas reações. Mais tarde, me disseram que ele se deitava perto
da camiseta por períodos indeterminados de tempo, até a minha volta.
Algum tempo depois, peguei várias camisetas usadas e as coloquei numa sacola
plástica que fechei com um nó a fim de que meu cheiro não escapasse. Deixei-a
com os empregados pedindo que trocassem a camiseta perto da árvore a cada
quatro ou cinco dias. Estava condicionando Yoplait a pensar que eu não saíra.
A coisa pareceu funcionar. Sem as camisetas, ele ficava inquieto e muitas vezes
deixava a fazenda. Foi visto entrando na vila de Solvang quando eu me afastava
por períodos maiores.
Até hoje, reservar algumas camisetas usadas para os cervos e corças faz parte da
minha rotina. Quando me afastava por muito tempo, tinha que enviar camisetas
usadas para a fazenda, a fim de deixar todo mundo calmo.
Certa vez, quando estive ausente por um bom período, Pat decidiu plantar
algumas flores no pátio dos fundos da casa. A essa altura já havia na fazenda
entre 60 e 70 cervos e corças. Muitos deles passavam a maior parte de suas vidas
próximos da casa e eram poucas as plantas que eles não comiam.
De qualquer forma, Pat descobriu que eles não comiam flores azuis. Nessa
ocasião, começou a plantar as flores azuis que os cervos não tocavam do lado de
fora da lavanderia e da cozinha. De repente, notou que estava sendo seguida por
Yoplait. Ele simplesmente arrancava as flores que minha mulher tinha acabado
de plantar e as jogava no chão, sem tentar comê-las.
Ela pegou uma vassoura e ameaçou o cervo com ela. Yoplait entendem o recado,
desceu a colina e fugiu para a fazenda.
Irritada com o trabalho inútil que tivera, Pat foi à garagem e aqueceu o motor do
seu Jaguar; depois abriu a porta para que a fumaça saísse. Em seguida, entrou em
casa para apanhar algumas coisas de que necessitaria no escritório.
Temo que me levem para um hospício em camisa-de-força por escrever isso, mas
a verdade é que Yoplait deu um jeito de arrancar, com os chifres, presumo, uma
foto de Pat e Jay que estava na parede da garagem. Havia pelo menos 50 fotos
nas paredes da garagem e ele desalojou precisamente aquela. Pat encontrou o
vidro e a moldura da foto quebrados no chão. E cobertos com fezes de cervo.
Quero informar que considero isso uma coincidência — assim evito que me
levem para o hospício — mas que é uma coincidência muito estranha, ah, lá isso
é.
Naquela noite, Pat me telefonou e sugeriu-me que ela poderia estar comendo
carne de veado (veação) no jantar. .
— Lyman Fowler!
— Isso mesmo. Não sei se você se lembra, mas fui seu professor na escola
secundária.
— Então você talvez também lembre que lhe pedi para fazer uma redação?
— Lembro perfeitamente.
— Vá em frente.
— Sou o diretor social do meu grupo da igreja e todos os anos a gente tenta ir
para algum lugar bonito... você sabe, algum lugar civilizado. Nada muito
complicado, pois, como você deve imaginar somos um grupo quase geriátrico.
— Pensei que talvez pudesse levar meu grupo para ver sua fazenda. Não
causaríamos grandes transtornos. Tomaríamos no máximo uma ou duas horas do
seu tempo. Como lemos sobre você nos jornais, admiti que a idéia era uma
possibilidade.
— Tudo bem, não tem problema. Vamos fazer um passeio turístico pela
fazenda.
Foi num belo dia de verão que o ônibus chegou à Flags Is Up Farms, e o Sr.
Fowler foi o primeiro a sair dele. Ele era um homem muito alto — com mais de
um metro e noventa de altura — mas não andava inclinado de modo algum.
Estava elegantemente vestido, a mesma tez morena e olhos proeminentes. Seus
cabelos, agora, estavam completamente grisalhos e havia algumas rugas em seu
rosto. Fora isso, era o mesmo homem.
— Alô, Monty!
Continuou avançando para mim e me deu um abraço apertado, o que não era do
seu feitio.
— Senhoras e senhores, este é Monty Roberts, sobre quem lhes falei. Ele
gentilmente se ofereceu para nos mostrar o seu estabelecimento, a Flag Is Up
Farms.
Depois de uma volta pelas imediações, o resto do passeio turístico teve que ser
feito de ônibus, pois afinal de contas o grupo era de pessoas idosas.
Depois de dar toda a volta pela propriedade, subimos até a casa na colina. Todos
entraram para dar uma olhada. Depois se dirigiram ao terraço de onde podiam
ver toda a fazenda. Providenciei refrigerantes e alguns me perguntaram sobre os
cervos e corças que haviam visto.
O Sr. Fowler fez um discurso com sua voz precisa e articulada que jamais
esquecerei. Estávamos juntos quando ele disse:
— Como vocês todos sabem, conheci Monty quando ele era um rapazinho.
Apesar da juventude ele me ensinou uma coisa; provavelmente a lição mais
valiosa que recebi na vida.
— Um professor não tem o direito de reprimir as aspirações dos seus alunos, não
importa quão irrealistas possam ser essas aspirações. — Fez um largo e elegante
gesto em direção aos prédios e padoques abaixo de nós. — Houve uma época em
que eu disse a Monty que isto tudo era irrealizável. Agora que vocês deram uma
boa olhada em tudo, também tiveram a oportunidade de ver como ele provou que
eu estava errado.
Senti uma grande ternura pelo Sr. Fowler, pois vi o quanto ele gostou de contar
essa fábula.
O impacto dessa visita sobre mim pode muito bem ser imaginado. Foi como se,
de repente, me permitissem sair para a luz do dia, piscando os olhos para o
penetrante olhar da publicidade — mas com meu trabalho reconhecido como
válido e genuíno. É preciso lembrar que não havia muito tempo que eu erguera a
galeria para audiência sobre o redondel da Flag Is Up, onde minha mãe instalara
o banco para meu pai me ver iniciar cavalos. Antes disso, eu não mostrara o que
era capaz de fazer para ninguém. Isso porque pensava: “Já me provaram que as
pessoas não aceitam meus métodos.” Agora, uma das mais importantes figuras
do mundo, grande especialista em cavalos, tomava parte ativa na promoção das
minhas demonstrações ao público. Era o selo de aprovação de que o público
necessitava para acreditar que o que viam não era um truque, mas um genuíno
exemplo da comunicação entre homem e cavalos, usando a língua “Equus”.
O que quero deixar claro — que foi necessário que alguém com a autoridade da
Rainha acreditasse em mim, antes que qualquer outra pessoa o fizesse — me foi
provado de modo conclusivo no curso daquele dia nas cocheiras reais.
Depois disso, fomos com Sir John Miller e cerca de doze pessoas, a maioria
jornalistas, ao restaurante Savile Gardens, em Windsor Park. Feliz e excitado
com a reação de todos, estávamos ansiosos para nos apresentarmos na sessão da
tarde para uma audiência diversa.
Durante o almoço, Sir John trocou de lugar várias vezes para falar pelo rádio. Eu
não ouvira o que fora dito, mas, quando nos preparávamos para sair, retornar ao
castelo e continuar nossas demonstrações, ele mencionou que a equipe das
cocheiras havia selecionado dois novos cavalos.
Mais tarde, de qualquer modo, eu viria a saber que a Rainha falara com sua
equipe e que eles teriam sugerido a ela que eu fazia alguma coisa por baixo do
pano com os cavalos quando supostamente os levava pelo ringue para aclimatá-
los. Em síntese: suspeitavam de algum truque.
Eles sugeriram que um caminhão fosse enviado para Hampton Court para
apanhar dois enormes garanhões pampas de três anos, muito xucros, com os
quais praticamente ninguém tinha lidado; eles certamente jamais haviam visto a
mim ou ao redondel.
Sir John me pediu que iniciasse esses cavalos sem aclimatá-los ao ringue. Como
meus métodos de trabalho eram novos para ele, suponho que suas palavras
foram mais do que apenas um pedido. De qualquer modo, não é justo que se
espere que cavalos passem por uma experiência, talvez das mais traumáticas de
suas vidas, e ao mesmo tempo sejam apresentados a um contexto novo e
atemorizante.
Esse novo plano dizia respeito a mim, pois havia muita pressão sobre o evento.
Eu estava num aquário. Era importante que tudo saísse direito e naturalmente eu
queria que fossem tomadas as medidas certas que me proporcionassem as
melhores chances.
Eu não estava nada satisfeito com a nova situação que me parecia, além de
injusta, perigosa. Aquele animal era agressivo e sua atenção era desviada
constantemente pelos relinchos do companheiro que ficara do lado de fora do
prédio.
De repente, todo mundo se levantou. A Rainha entrara. Sua presença não estava
programada, mas ela resolvera ver como tudo acabaria. Ela dirigiu-se para a área
de trás, onde estavam as cadeiras, e fez um gesto para que todos voltassem a
sentar.
Não pude fazer outra coisa senão entrar na pista com minha corda leve e
começar o show.
O imenso pampa começou a andar à minha volta agindo com arrogante macheza.
Eu o pressionei com firmeza para que se afastasse e ele fez exatamente isso. No
que se afastou e começou a galopar dando a volta pela arena, bem junto à cerca,
esqueceu-se do seu companheiro e ficou ligado na minha presença e no que eu
fazia. Ele estava trabalhando duro para mim.
— Estou procurando conversar com ele e posso lhes assegurar que ele falará
comigo. Observem a orelha interna. Agora vejam como lambe os lábios e
começa a mastigar. Vejam como baixa a cabeça e corre com ela a poucos
centímetros do chão. Ótimo, e aí vem ele.
Queria fazer com que o pessoal das estrebarias entendesse que meu processo era
legítimo; que o cavalo se correspondia comigo. Sem dúvida, me sentia mais à
vontade conversando com o garanhão pampa do que explicando meu trabalho
para eles. Afinal de contas, o potro acreditara em mim em poucos instantes e eu
ganhara a confiança dele depois de apenas sete minutos.
Eles voltaram e se alinharam novamente contra a parede, creio que, dessa vez,
com as mentes um pouco mais abertas. Comecei o segundo cavalo e finalizei a
demonstração com Sean trotando sobre ele sem problema algum.
Quando John Bowles chegou à área das cocheiras, eu estava falando com a
Rainha. Ele veio por de trás de Sua Majestade, desviou para um lado e, sem
saber quem ela era, deu um grande sorriso e estendeu a mão enorme para mim.
Quando, de repente, se deu conta de que interrompera a minha conversa com
ninguém menos que a Rainha da Inglaterra, um olhar de consternação tomou
conta de seu rosto.
Na ocasião, eu já estava na Inglaterra havia três dias, sempre em contato com Sir
isso e aquilo e Lady fulana e beltrana, de modo que, quando meu vizinho
apareceu, eu apertei sua mão e disse com toda a naturalidade:
Durante aquela semana iniciamos 16 cavalos para a Rainha, quatro pôneis para o
Príncipe Philip, a potranca para a Rainha-Mãe e um cavalo de salto em
potencial, de propriedade de um amigo da Rainha — um total de 22 animais em
cinco dias.
Aquela sexta-feira de abril de 1989 deveria entrar para o livro de recordes como
um dos mais gloriosos e ensolarados dias já experimentados pelo povo de
Londres. O céu estava azul, com apenas uma ou outra nuvem branca ocasional
navegando por ele. Windsor estava maravilhoso, civilizado e antigo como só a
Inglaterra pode ser.
Foi até a sua potranca, lhe fez um afago no focinho e falou com Sean. Em
seguida cumprimentou Roger Oliver e disse alô a Sir John e à minha mulher.
Naquela tarde, voltamos a Shotover House para passar a noite. Sean estava
particularmente interessado em rever o mordomo de Sir John — um homem cujo
sobrenome era Horseman (cavaleiro, homem-cavalo ou tratador de cavalos). A
esposa de Horseman, que também trabalhava em Shotover House, era chamada
de “Horsewoman” por Sir John.
Quando estive pela primeira vez em Shotover House, fui recebido por
Horseman. Enquanto ele se apressava para vir do pórtico à entrada central
daquela graciosa casa de campo, verifiquei que era exatamente o que se poderia
imaginar que fosse um mordomo inglês.
Provavelmente não tinha mais de 60, mas parecia ter uns 85 anos. Inclinado e
grisalho, tinha uma cara triste e abatida; olhos enormes, constantemente úmidos.
Estava vestido adequadamente, mas seu colarinho e punhos da camisa pareciam
tão antigos quanto ele. Embora tentasse caminhar rapidamente, confundia os pés
como se tivesse sérios problemas nas juntas. A cada passo que dava, resmungava
alguma coisa. Eventualmente, os resmungos tornavam-se mais altos e pareciam
sufocá-lo, deixando-nos com a impressão de que ele estava para morrer. Mas ele
simplesmente voltava ao resmungo regular, como se nada houvesse acontecido.
Ele jamais deu uma explicação para esse comportamento e certamente jamais
esperou qualquer reação da minha parte.
Quando cheguei a Shotover House pela primeira vez, ele trotou o mais rápido
que pôde pelo terreno de cascalho e tentou levantar minha mala:
Não me pareceu justo pedir-lhe que carregasse qualquer coisa, mas ele não quis
saber de nada.
Ele me mostrou o quarto, banheiro e assim por diante. Tive a impressão de que
fez umas quatro ou cinco viagens para buscar toalhas e finalmente mais uma
para trazer-me um jarro com água e um copo. Cada vez que saía do quarto eu me
perguntava se sobreviveria para voltar.
Quando Sean chegou, alguns dias mais tarde, veio diretamente para mim,
espantadíssimo:
Uma noite, Sir John esperava uma visita importante para jantar e disse a
Horseman:
— Será que poderíamos ter a sala de estar em perfeitas condições hoje à noite,
por favor? Gostaria que você se esmerasse na arrumação e na limpeza.
O dia já estava acabando e Horseman ainda não havia conseguido chegar ao item
da sala de estar constante na sua lista de deveres. Ele estava muito apressado e,
por acaso, pudemos testemunhar a sua versão de “esmero na arrumação e
limpeza”. Entrou na sala de estar esbaforido e resmungando, tendo na mão um
espanador com o qual batia em qualquer coisa que aparecesse em sua frente. Em
seguida, pegou as cortinas de seis metros de altura e bateu-as contra a parede
algumas vezes. Finalmente, pegou uns jornais que estavam no centro de uma
mesinha e puxou-os para um canto, e a sala de estar estava arrumada.
Antes do jantar, estávamos todos na sala de estar enquanto Sir John se envolvia
numa longa conversa telefônica. Horseman recebeu os pedidos de drinques e
desapareceu.
A essa altura Sean estava na frente dele, que imediatamente começou a mexer
nas várias garrafas como se fossem peças de xadrez, enquanto resmungava. Dos
resmungos, Sean conseguiu entender que aparentemente era necessário que ele
provasse de cada garrafa para poder saber qual delas continha qual vinho.
Sean e eu realmente admirávamos aquele homem. Ele não tinha preço. Ele e sua
mulher estão ambos mortos, mas nos deram muitas alegrias e tenho certeza de
que Sir John também deve sentir sua falta.
O tempo era hostil — ventos fortes e chuva no segundo dia — e eu não podia
imaginar que alguém sairia de casa para me ver iniciar aqueles cavalos
selvagens. Mas as pessoas saíram e eram quase 300. Enfrentaram o tempo
horrível e os cavalos se comportaram muito bem. A iniciação de um deles foi
filmada pelo Canal 4 e o programa transmitido por todas as ilhas britânicas. O
Xeque Mohammed e um contingente de pessoas dos Emirados Árabes
compareceram e fui informado de que todos gostaram do que viram.
Foi na Escócia que Sean disse uma coisa que me fez rir. Ele acabara de montar
um garanhão de quatro anos — se bem me lembro, um animal agressivo com
quase um metro e setenta de altura e quase 600 quilos cheios de fibra. Quando
começou a responder aos meus sinais e esqueceu-se de que era um garanhão,
comportou-se com extrema docilidade, Das costas do animal que era montado
pela primeira vez, Sean pôde relaxar e gritou para mim, voz bem alta:
— Vocês sabem que, onde quer que nos apresentemos, tem sempre alguém que
diz que tudo o que fazemos não passa de um golpe de sorte ou que acertamos por
acaso. Já nos divertimos antecipando o fato de que alguém duvidará da nossa
apresentação. Uma nova audiência, um novo golpe de sorte. Bem, como Sean
mencionou, este foi o nosso quinquagésimo primeiro golpe de sorte seguido
neste país — e não estou nem contando as centenas de cavalos que já iniciei
antes de desembarcar no aeroporto de Heathrow!
Depois disso, fomos de avião até a ilha de Man, onde tivemos, talvez, a nossa
experiência mais estranha.
Ela mandou seu pessoal comprar mais tábuas e construir um redondel sólido. O
problema era que desse modo seria difícil para a audiência ver o que se passava
na arena.
Depois disso, levou-nos para a área do estábulo e disse que ela e o marido
viviam naquele bloco, pois a casa principal ficara grande demais apenas para
eles dois.
Quando passamos pelo quarto de arreios, vi uma mesa posta com frios, queijos,
saladas, ovos etc. Como nada disso estava coberto, pensamos que a proprietária
se preparava para dar uma festa.
Havia de tudo: velhas e imensas toaletes cheias de aranhas, cadeiras que rangiam
quando alguém se aproximava, restos da idade das trevas. Quando se abria uma
torneira, saía uma água amarela misturada com folhas de árvores.
Estávamos alguns metros atrás de Dizzy quando ela entrou no quarto de dormir e
de repente começou a gritar com toda a capacidade dos seus pulmões. Não
sabíamos o que estava acontecendo e nos apressamos para ajudá-la, talvez,
contra alguma gangue de intrusos. Mas o que vimos foi Dizzy expulsando um
bando de cães de cima da cama. Eles passaram por nós em disparada, hounds,
spaniels e setters.
Uma garota muito bonita era responsável pela cozinha e deu um jeito de preparar
um excelente jantar, mas o tempo todo eu me perguntava o que teria ocorrido
com a mesa posta no quarto de arreios. Esperava que alguém houvesse comido
as saladas e os frios.
Billy Wriggle, cabelos brancos penteados para trás e lá mantidos por alguma
brilhantina, sentou-se numa extremidade da mesa em sua cadeira de rodas.
Estoico em seu comportamento, sua voz parecia uma trompa de caça; espalhou
generosas quantidades de comida no seu suéter amarelo-canário.
— Sei. São aquelas coisas dentro de uma cesta e que têm bom cheiro.
— Bem, uma pessoa se lavar não faz bem para a saúde. Todos esses sabões e
sabonetes são destrutivos para a pele.
— Compreendo...
— Tomar banho não é um hábito inteligente, pode ter certeza. Nosso ancestrais
sabiam disso. Nos tempos antigos, eles não faziam essa besteira de ficar se
lavando. Quando iam à toalete, simplesmente afundavam as mãos numa tigela de
pot-pourri e estavam refrescados e cheios de fragrância.
Quando as mulheres se retiraram, Billy Wriggle tinha nas mãos uma caixa de
charutos Havana que pareciam estar por ali desde os tempos da construção da
casa, e todos começaram a tentar acende-los. O vinho do Porto foi servido e todo
o cenário se parecia com uma pintura que se vê nas galerias de arte de Bond
Street.
Mais perguntas, mais discordâncias, mais discussões e muito mais bebida. Então,
brindaram à Rainha. Um por um, cada homem levantou-se da sua cadeira e
recitou o que me pareceu ser um daqueles velhos discursos militares. Sean e eu
estávamos de boca aberta. Jamais havíamos visto nada parecido na Califórnia.
Depois de cada pronunciamento em estilo militar, vinha o brinde: “Deus salve a
Rainha!”
Quando chegou a hora de Billy Wriggle falar, ele ficou muito animado e fez o
seu pronunciamento de um modo deliberadamente emocional. De tempos em
tempos, batia com o punho na mesa, o que fazia com que o vinho caísse do copo
que estava na outra mão sobre o seu suéter amarelo. Logo depois, outra batida de
punho na mesa, um gole de vinho para ele e outro para o seu suéter.
Pat, Sean e eu nos despedimos e nos retiramos para nossos quartos — embora,
tenho certeza, outros convidados tenham continuado festejando até o sol raiar.
Na manhã seguinte, nós três fomos caminhando até a área das cocheiras para
saber das novidades. Quando nos aproximamos, vimos o mesmo bando de
cachorros, reunido em círculo, focinhos para baixo e as caudas abanando.
Perguntamo-nos o que teriam encontrado. Pensei num coelho ou num rato. Mas
quando eles se separaram à nossa frente, vimos no chão um pequeno lago de
sangue.
Alguns minutos depois, nos encontramos com Dizzy Wriggle e ela nos disse que
tivera uma noite terrível. Dirigiu a curta distância até sua casa no bloco dos
estábulos sem maiores problemas, mas na hora de transferir o marido do carro
para a cadeira de rodas, deixou-o cair. Na queda, ele se feriu e sofreu um talho
profundo na perna. Era o sangue dele que vimos entre a alameda pavimentada de
pedras redondas.
Dizzy teve que deixar Billy deitado ali enquanto corria para o telefone, a fim de
chamar uma ambulância. Ele ainda estava no hospital se recuperando.
Rapazes, tivemos uma bela prova do velho estilo de vida da classe alta inglesa.
Quando apanhamos o avião de volta, vimos a bela garota que tomara conta da
cozinha durante o jantar. Era a neta dos Wriggles.
Quase não ousei perguntar seu primeiro nome, pois temi que seria algo como
“Twiggy Wriggle” ou “Piggy Wriggle” ou qualquer coisa no gênero.
Parecia ainda que a minha ligação com os cavalos da família real ia continuar. A
rainha mandou perguntar se poderia mandar gente para a Califórnia, a fim de
estudar minhas técnicas. Queria que voltassem à Inglaterra e iniciassem seus
cavalos mais jovens usando o método que ela testemunhara.
Victor Blackman, responsável pelas cocheiras de Dick Hearn e mais tarde pelas
de Lord Huntington, fez exatamente isso e depois se responsabilizou pela
iniciação da nova geração de potros e potrancas.
Meu contato irlandês era Hugh McCusker, famoso por seus cavalos de caça. Isso
seria algo de diferente e abriria um mundo totalmente novo para mim. O apelido
de Hugh no cenário dos concursos era “O Irlandês Flamboyant” e sou obrigado a
concordar com essa descrição.
Depois que o potro de tração foi retirado, trabalhei com as duas potrancas, que se
comportaram bem e passaram a impressão de que fariam uma bela
demonstração. Achei que seria melhor iniciar apenas as duas, uma vez que, com
introdução, perguntas, respostas, a iniciação de cada animal levava quase uma
hora. Na minha opinião, duas horas de iniciação eram mais do que suficientes.
Alguém anunciou ao microfone que Stanley seria iniciado logo após o intervalo
— e tive a impressão de que todo o público estava familiarizado com o nome do
animal. Uma corrente de excitação parecia percorrer os espectadores. Minha
experiência com shows e rodeios em pequenas cidades do interior dos Estados
Unidos me dizia que havia definitivamente alguma coisa no ar.
Perguntei a McCusker como isso tinha ocorrido. Ele disse que, quando a
audiência soube que Stanley seria iniciado sem uma guia ao pescoço, muitos
correram ao telefone e convidaram os amigos para ver um treinador ser comido
vivo.
Stanley foi conduzido para dentro do prédio pelos dois tratadores, com duas
cordas no pescoço. Ambos caminhavam a uma respeitosa distância do garanhão
e uma senhora andava atrás dele, incentivando-o a andar para a frente aos gritos
de “Xô!”.
Com a adrenalina surgindo em seu corpo graças às luzes que iluminavam a arena
e às quase 600 pessoas da plateia, Stanley começou a marchar em volta do
redondel e parecia estar muito senhor da situação. Ninguém precisava me dizer
que aquele potro tinha alguma reputação.
Liguei o meu microfone de lapela e anunciei que estava pronto para prosseguir.
No momento em que caminhei em direção ao portão que levava ao redondel, se
alguém deixasse um alfinete cair ao chão, todos ouviriam. De repente, não se
ouvia mais uma cadeira ranger, um papel ser amassado e nem mesmo uma tosse.
Eu disse à audiência:
Silêncio absoluto.
Depois de ficar parado ali por algum tempo, me sentei numa cadeira próxima ao
portão do redondel, dando a impressão de que eu estava muito preocupado;
como se estivesse pensando: “Entro ou não entro para enfrentar esse animal?”
Ninguém se movia, não se ouvia qualquer ruído. Com exceção do cavalo que
bufava e batia com as patas no chão, o silêncio era simplesmente mortal.
Então, eu disse:
— Bem, parece que eu mesmo vou ter que lidar com ele.
Fui até a minha valise de equipamentos, apanhei meu laço de náilon e deixei
minha corda leve fora do cercado.
Bem, é preciso que se diga que esse jovem cavalo de tração irlandês jamais vira
um caubói. Por causa disso, ficou longe e começou a se mover, nervoso, pelo
perímetro do redondel, enquanto olhava as minhas manobras. Ele estava confuso
com o laço que eu rodava sobre minha cabeça. Pensou duas vezes e acabou
chegando à conclusão de que não me atacaria enquanto eu estivesse rodando a
corda.
Na hora certa, joguei-lhe o laço, que o pegou em volta do pescoço. Era coisa do
oeste para valer, e eu havia feito aquilo quase toda a minha vida.
Quando verifiquei que estava mais calmo, pus a sela nas suas costas. Ele
reclamou, mas não muito. Sua batida cardíaca diminuiu; ele começava a dar
sinais de que confiava em mim. Coloquei-lhe as rédeas e passei as rédeas longas
em seu pescoço. Com elas, fiz com que ele galopasse pelo cercado por uns bons
dez, doze minutos. Depois disso, meu cavaleiro entrou e o montou. E devo dizer,
era um garoto corajoso. Imaginem, montar um animal selvagem com a força de
dois cavalos!
Essa acabou sendo uma das melhores demonstrações que já dei. As pessoas
estavam maravilhadas e fizeram dezenas de perguntas. Poderia ter ficado ali por
horas conversando com eles sobre o que haviam visto, mas os organizadores me
carregaram para uma festa na casa do proprietário de Stanley.
Ao ouvir isso, fiquei ainda mais contente por ter libertado o animal da escuridão.
Agora, ele podia viver a sua reputação e deixar o trauma para trás, desde que
fosse tratado adequadamente.
— Monty, este é Stanley. Hoje, ele é o melhor cavalo de tiro de salto da Irlanda.
— Trouxeram Stanley para a pista e seu cavaleiro o fez saltar os obstáculos,
missão da qual se desincumbiu magnificamente. Todo o seu poder e graça
haviam sido fluentemente controlados. Foi uma grande experiência.
E, para confirmar o que ele dizia, a brava gente irlandesa apareceu para assistir
às diversas demonstrações. Quando cheguei, devia haver umas três mil pessoas.
O lugar parecia Woodstock, com a diferença de que todo mundo usava capas de
chuva e botas impermeáveis.
E eu:
— É, o microfone de lapela.
Mas eles também tinham uma solução para isso, Fizeram com que eu tirasse o
paletó e a camisa e prenderam o microfone ao meu peito com fita adesiva. Então,
torceram a minha roupa, de onde tiraram baldes de água, e permitiram que eu a
vestisse outra vez.
— Senhoras e senhores...
Então, vi Hugh McCusker correr para a cabine de locução. Segundos mais tarde
ouvi sua voz, alta e clara, pelos alto-falantes: — O microfone de Monty Roberts
enguiçou, de modo que terei que ser a sua voz. Sei que ele diria alguma coisa
parecida com isso. — E passou a falar como se fosse eu. — Boa-tarde, senhoras
e senhores, meu nome é Monty Roberts e estamos aqui hoje para...
E ele foi mesmo a minha voz, e saiu-se muito bem. Provavelmente os cavalos
queriam sair da chuva tanto quanto nós e simplesmente imploraram pela
“conjunção”. Não tenho certeza do que aconteceu naquela ocasião, Não sei se os
cavalos se juntaram a mim ou se eu a eles. Aliás, não sei nem como eles
conseguiram manter as ferraduras e eu os meus sapatos. Tudo o que eles queriam
era parar de dar voltas pela lama.
Quando deixei a Irlanda e voltei à Califórnia, juro que ainda saíam eflúvios de
vapor das minhas costas e havia lama sob as minhas unhas.
Ninguém sabia.
Pensei que se conseguisse engessar sua perna talvez pudesse salvar-lhe a vida.
Com a ajuda do veterinário, fiz uma tentativa. Mas Yoplait não quis saber de
outra pessoa, além de mim, tentando engessar sua perna. Devido à sua
resistência, aquilo acabaria lhe fazendo mais mal do que bem.
Tive que tentar salvá-lo sozinho. Ele se acalmou o suficiente para eu poder
acomodá-lo numa cama funda com muita palha. Era preciso recolocar sua perna
quebrada no lugar. Botei feno, cereais e água ao seu alcance. Ali, ele
permaneceu deitado por duas semanas sem ficar de pé. Só depois de duas
semanas pude vê-lo se levantar. Notei que sua perna começara a melhorar e já
estava razoavelmente rígida.
Ele não a forçou por duas a três semanas e a perna acabou ficando boa.
Foi apenas em 1990 que comecei a trabalhar com uma corcinha chamada
Patrícia. Ela é parecida com Yoplait, no sentido de que pode ser distante e
ignorar-me por longos períodos, mas é praticamente inexpressiva na sua
comunicação.
Alguns anos mais tarde, comecei a trabalhar com outra fêmea chamada Feline.
Há diferenças muito distintas entre a personalidade dela e a de Patrícia. Feline é
a mais doce, querida e atenta corça que já encontrei. Não me ignora e suas
reações são dramáticas. Quando digo a ela para ir embora, ela expressa grande
desprazer, como se considerasse isso uma forma horrível de disciplina. Ela
sacode a cabeça, torce o focinho, balança o traseiro e pula na minha frente; uma
reação similar à do cavalo quando ele estica o pescoço e começa a girá-lo: “Não
quero ir embora! Eu não quis fazer aquilo! Sinto muito pelo que fiz!”
Quando a convido de volta, quase posso vê-la sorrir. Ela retorna rapidamente,
ágil na reação, exatamente o contrário de Patrícia, embora eu tenha trabalhado
com as duas simultaneamente.
Certa manhã, Feline apareceu na casa e comecei a trabalhar com ela. Num certo
ponto, notei que havia sido mordida por uma aranha ou algum inseto. Seu
focinho estava inchado e praticamente dobrara de tamanho. Comer era difícil
para ela, pois suas gengivas também haviam inchado.
Quase todos os cervos e corças com que trabalhei, assim que sofrem algum
ferimento ou sentem alguma dor, aparecem no gramado em frente de casa, como
se estivessem dizendo: “Preciso da sua ajuda e da sua atenção.”
Certa vez, havia uma corça que dera à luz gêmeos (o que é comum na raça), uma
fêmea e um macho. Depois do parto, a mãe se afastou deles. Eu os vi umas duas
vezes num lado da colina a uma distância de quase 300 metros da casa. Da
primeira vez, eles ainda estavam molhados, recém-nascidos e incapazes de
andar. Cerca de quatro ou cinco horas mais tarde, passei pelos gêmeos e a mãe
ainda não havia retornado. Dessa vez, eles já davam os primeiros passos, mas
estavam fracos e famintos.
Quando o crepúsculo chegou no mesmo dia, não havia mãe à vista. Os gêmeos já
haviam descido a colina uns 20 metros. Estavam aos encontrões, como se
perguntassem “Onde é que vamos mamar?” Resolvi deixá-los ali durante a noite
para ver o que aconteceria no dia seguinte. Estava torcendo para que a mãe
retornasse para amamentá-los durante a noite.
Na manhã seguinte, eles haviam descido mais uns 20 metros de colina e nada da
mãe. A essa altura pareciam muito tristes. Decidi esperar até o meio-dia para ver
se a corça voltava.
Ao nascer do dia seguinte, a mãe ainda não havia dado o ar da sua graça. Levei
os dois bebês para o galpão de cria e comecei a alimentá-los com o leite de cabra
de quatro em quatro horas, por três dias seguidos.
Devo dizer que, num certo sentido, esses cervos e corças que escolhi para
trabalhar não receberam grandes favores da minha parte. Viver a vida selvagem é
um desafio para eles depois de perderem o impulso total de fugir do perigo.
Assumi a responsabilidade pela proteção de todos os animais com os quais
trabalho. Aprendi a deixar as coisas correrem do modo mais natural possível,
com exceção dos treinos de comunicação.
Quando falo com gente que lida com cavalos pelo mundo inteiro e lhes digo que
trabalho com corças e cervos selvagens, eles respondem que isso é impossível;
que eles fogem quando alguém se aproxima e que não há modo de se comunicar
com eles.
Preciso ser duplamente tenaz e duplamente delicado nas minhas reações, mas
funciona.
Não há modo de ele substituir Brownie e Johnny Tivio, mas Dually é o sucessor
natural deles — em meu afeto e nas suas qualidades naturais. Ele também é um
campeão mundial por seus próprios méritos.
Dually tem grande ânimo, o que não poderia ser melhor, uma vez que treiná-lo
em métodos experimentais exige paciência e muito trabalho de ambos, cavalo e
cavaleiro. De qualquer modo, graças às experiências com Brownie e Fancy
Heels, entre centenas de outros animais, tive muito cuidado para garantir que sua
vontade de trabalhar não esmorecesse devido à repetição de exercícios e excesso
de trabalho; é essencial, para que tudo saia sempre bem, que ele permaneça
interessado e curioso.
Ele agora tem seis anos e está no auge da juventude. A compreensão entre nós é
madura e bem-fundamentada e nos divertimos, quer durante uma prova, quer
passeando simplesmente por essa bela fazenda: ele, é claro, sem preocupação
alguma no mundo, e eu, pensando em como lidar com esse ou aquele cavalo, ou
como evitar que as corças e cervos se transformem em seres humanos.
No trato com cavalos, havia a minha vida antes de Johnny Tivio e depois dele.
Jamais lidei com um cavalo que tivesse um cérebro como o dele. Aliás, foi ele
que me treinou e não o contrário.
Então, talvez, exista o Monty Roberts de antes de abril de 1989, quando passei
minha primeira semana com a Rainha e sua família, e o Monty Roberts de
depois desse evento.
Depois de 15, 20 minutos, ele foi retirado da corrida e teve que voltar para casa,
onde voltaria a treinar para retornar outro dia.
Ele foi o último cavalo a ser encaminhado para o seu boxe no partidor. Mas não
quis entrar. Os outros animais esperaram por cerca de 20 minutos enquanto
jóquei e pungas lutavam para que Lomitas entrasse em seu boxe. Por fim, o
vendaram e alçaram sua cauda até suas costas. A essa altura, uma dúzia de
homens tentava fazê-lo entrar no boxe. E a essa altura, também, Lomitas se
irritou e atacou as pessoas mais próximas, causando-lhes danos físicos.
Exausto da luta, Lomitas deitou-se no chão. A corrida começou com ele imóvel,
deitado de lado, atrás do partidor.
E foi assim que, no dia 12 de junho, deixei a Califórnia com destino à Alemanha.
Eu não sabia a sua idade mas ele me pareceu jovem demais para alguém que
conquistara tantas vitórias.
Entrei na sua baia e lá estava ele, virando a cabeça para mim. Um garanhão
puro-sangue, registrado, nascido em 1988, com quase l,63m de altura, quase 560
quilos, castanho com quartelas brancas, uma estrela entre os olhos com uma
faixa que descia até o meio das suas narinas. Eu gritei, admirado, em voz alta:
‘‘Maravilhoso!” Pude ver cada ponto da sua formação esquelética na marcação
certa. Tinha a conformação de um perfeito puro-sangue.
Fui até onde ele mastigava feno. Encostado na parede da baia, cumprimentei-o,
com uma batidinha no seu pescoço.
Continuei passando a mão pelo seu corpo e notei que ele queria se mover na
direção da minha mão, para longe da parede. Continuei pressionando com a mão
e ele imediatamente começou a dar coices para trás.
Anotei mentalmente que isso poderia ser uma possível reação para um bom
número de coisas. Ele realmente era uma criatura de tirar o fôlego e seus olhos
me diziam que era altamente inteligente. Eu fizera uma longa viagem para estar
naquela baia e subitamente vi que estava contente por estar ali.
Então, estávamos ali — e. minha missão era curar esse magnífico e inteligente
animal do seu medo do partidor.
À medida que essa história progredir, vocês verão que, para um caso de cura
bem-sucedido, as pessoas são tão importantes como os cavalos. Simon Stokes
tinha l,60m de altura e pesava pouco mais de 50 quilos. Fora cavaleiro de salto
em Chichester, na Inglaterra, e quebrara o nariz várias vezes quando seus cavalos
se recusavam a ultrapassar o obstáculo. Ele os ultrapassava, mas sem os animais,
daí as fraturas,
Além das corridas com obstáculos, ele também corria páreos sem obstáculos e
era assistente de Andreas. Já vivia na Alemanha havia onze anos e era fluente na
língua. Eu não poderia ter sonhado com nada melhor: um assistente que falava a
língua do país, entendia de cavalos e falava inglês.
Oito horas da manhã do dia 13 de junho de 1991, Uma seleção de cavalos deixa
as cocheiras de Andreas Wohler e caminha a curta distância até a pista de
corridas para treinamento. Eu dissera a Andreas que, enquanto ele treinava seus
cavalos, eu levaria Lomitas para o picadeiro coberto, a fim de passar algum
tempo com ele e conhecê-lo melhor.
Este picadeiro era na verdade como uma pequena pista de corridas oval, com
quase seis metros de largura e um telhado. Uma volta inteira pela arena oval
equivalia a pouco menos de 200 metros.
Conduzi Lomitas com uma guia até o interior da arena e fiquei parado ao lado
dele. Então fui até a ponta da guia e pedi-lhe que viesse em minha direção. Ele
pareceu relutante em entrar no meu espaço.
Levantei um braço com força sobre a minha cabeça. E então o outro. Ele não me
pareceu muito alarmado, o que me indicou que não fora abusado com o tipo de
punição que se inicia com a mão levantada.
A próxima coisa que fiz foi ir até ele e levantar o joelho contra a sua barriga, sem
tocá-la, entretanto. Não encolheu os músculos do abdome, não relinchou nem
levantou o tórax. Estava claro que ninguém o machucara nessas áreas, também.
Então, peguei uma parte da corda e comecei a rodá-la perto da sua cabeça. Ele
ficou parado, olhou para mim e se moveu para um lado, depois parou outra vez.
Estava doido de vontade de me entender — e do modo mais inteligente — mas a
falta de pânico me disse que ninguém o havia chicoteado.
Finalmente, o levei para perto da parede. Apertei minhas mãos contra seu flanco,
numa atitude de quem quer mantê-lo contra o muro. Imediatamente, ele saiu
daquela posição dando um coice para trás: clássico sinal de claustrofobia.
O que tínhamos então? Um animal que tinha boas relações com seres humanos
mas que não queria ser trancado em boxes de largada e nem espremido dentro de
vans. Quando isso acontecia, ele não fazia cerimônia para demonstrar seu
desconforto, tornando-se agressivo com quem quisesse aprisioná-lo.
Fiz uma pausa para permitir que ambos respirássemos. Olhando para a sua bela
conformação e para seus olhos extraordinariamente inteligentes, pensei comigo
mesmo: “Estou na presença da grandeza. É melhor ser paciente; preciso fazer
meu trabalho com diligente competência porque estou na presença de uma
criatura muito especial.”
Não se tratava de um cavalo maltratado, mas ele acreditava ter sido maltratado
porque o colocaram em estruturas claustrofóbicas. Segundo ele, os humanos o
tratavam de modo injusto.
O fato de eu ter testado Lomitas para ver se fora ou não abusado não significava
que eu desconfiasse dos meus novos conhecidos, Andreas e Simon. Acontece
que respeito os animais e gosto de pedir-lhes que falem por si mesmos. Muitos
seres humanos já mentiram para mim, mas os cavalos não mentem. Isso vai além
das suas capacidades.
Lomitas me dissera: “Acho que fui tratado de maneira injusta. Tenho medo que
isso piore.”
— Será que eu não podia usar um redondel ou um ringue aqui por perto para
poder trabalhar com Lomitas?
Simon traduzia para Andreas o que eu dizia e vice-versa. Era sempre um ato
duplo que devia ser muito cômico.
Respondi:
— Um dia ele terá que aprender a entrar dentro de vans como um cavalheiro,
de modo que é melhor que comece já. Vamos deixá-lo no meio do pátio e fazer a
coisa direito desde o início.
— Não, deixem a rampa onde está porque eu vou sair e voltar com ele para
dentro da van várias vezes.
— Não faça isso. Se ele sair, nunca mais conseguiremos embarcá-lo de novo.
Chegamos e deparei com um prédio de boa base mas com cerca de 50 metros de
comprimento por 35 de largura. Para o que pretendia fazer, precisava de um
redondel de uns 18 metros.
Havia por ali uma porção de balizas e obstáculos e isso permitiu que eu erguesse
um redondel num canto. Aliás, o ergui na frente de Lomitas, que ficou me
observando. Depois fui trabalhar.
Era um cavalo dos mais inteligentes; não se passaram nem 15 minutos e ele já
estava conversando comigo. Estava claro que não haveria problemas de modo
algum. A conjunção deu-se rapidamente. O cavalo confiava em mim.
Mais tarde, naquela mesma manhã, Simon o encilhou e montou. Com a guia, eu
o conduzi para dentro e para fora do boxe. Depois de algum tempo, fechamos o
portão do boxe atrás dele e iniciamos o processo de deixá-lo entrar de modo bem
relaxado.
Andreas me disse que haveria uma corrida em Bremen no dia 23 de junho e que
ele gostaria de inscrever Lomitas. O pessoal da comissão de corridas disse que
isso requereria um outro teste — e gostaria que o animal estivesse quase
perfeito. Só consideraria sua volta às pistas depois desse segundo teste.
Na hora do páreo, parecia que 20 mil pessoas me olhavam quando fui para o
partidor que fora instalado na reta final, pois o percurso era de 2.200 metros.
Tive também a impressão de que os 20 mil espectadores deram um jeito de se
aproximar do partidor para ver seu herói nacional, Lomitas, que se tornara algo
como uma lenda — o cavalo que lutou com seus treinadores e se recusou a
correr. Essa era a sua reputação entre o público turfista.
Quando cheguei atrás dos boxes de largada e comecei a dar voltas com Lomitas,
havia pais segurando filhos no colo atrás das cercas, e eles diziam; “Oh, Lomi,
Lomi, Lomi!”
Tive a impressão de caminhar com Lomitas atrás dos boxes por uma eternidade
de tempo. Finalmente, compreendi que alguma coisa estava errada. Todos os
outros cavalos inscritos na corrida estavam juntos num canto, com seus jóqueis
batendo papo. Andreas estava falando com o chefe dos juízes de partida e com
um grupo de diretores. Todos falavam em alemão e eu não sabia nada do que
estava se passando.
Eu disse que não tinha importância; para mim não faria diferença alguma e
Lomitas entraria em primeiro lugar, Andreas passou a informação para o chefe
dos juízes, que chamou os jóqueis: "Vamos para os boxes, rapazes!”
Eles apontaram para Lomitas e eu caminhei com ele para dentro do boxe. Uma
beleza!
De qualquer modo, Lomitas ficou em seu boxe parado, com toda a calma do
mundo, enquanto os demais cavalos entravam com seus jóqueis nos seus. Por
suprema ironia, tiveram muito trabalho para conseguir que um dos outros
cavalos entrasse em seu boxe. Isso me pareceu uma espécie de justiça poética.
Depois que todos os cavalos estavam em seus boxes, um atendente veio fechar o
portão em frente a Lomitas e eu consegui escapar da minha precária posição.
Assim que foi dada a partida, Lomitas de um salto para fora do boxe, o mais
animado de todos. Ao ver seu pulo — que o catapultou claramente à frente dos
demais competidores —, meu coração também pulou de alegria. Era prazer em
estado puro ver esse cavalo complexo e inteligente percorrer toda a raia à frente
de todos do princípio ao fim — e tomar seu lugar de direito para a tradicional
foto da vitória.
Esse triunfo foi o primeiro de uma série que fez de Lomitas por três anos
campeão do ano e mais: o cavalo do ano. Recebeu prêmios que chegaram a um
milhão e seiscentos mil marcos alemães.
Passar por tal emoção com um animal de tal qualidade cria uma associação
íntima entre homem e cavalo que não é fácil de descrever. Num curto espaço de
tempo, senti por Lomitas o mesmo amor que dedicava a Ginger, Brownie e
Johnny Tivio.
Lembro que tive uma conversa com Pat, pouco depois disso. Disse-lhe que além
de todas as coisas que temos que passar no negócio de cavalos, além de todos os
problemas que aparecem e que temos que resolver, assim que superamos tudo,
aparece um maluco que quer extorquir dinheiro do proprietário, ameaçando a
vida do animal,
Guardas extras com cães policiais foram contratados para vigiar Lomitas 24
horas por dia. Novos seguranças foram acrescentados à equipe do hipódromo de
Bremen.
Após o páreo, ficou claro para todos que Lomitas não era o mesmo de sempre.
Transportaram-no de volta para o Gestut Fahrhof para testes, a fim de ver se o
autor das cartas anônimas o havia sabotado de algum modo. Quando chegamos
ao haras, uma carta nos esperava. Dizia, em síntese, o seguinte; “Só lhe demos o
suficiente para que ficasse doente.”
Não fora a intenção do criminoso matar o cavalo, mas simplesmente provar que
podia fazê-lo se o dinheiro não fosse pago.
— Esse homem não vai me impedir de ver meu cavalo correr se eu assim o
quiser.
Tivemos que esperar por 15 dias, pois ele estava mesmo muito doente. A carta
nos dissera que ele fora envenenado com uma substância metálica que lhe
afetaria seriamente o fígado e outros órgãos vitais. Era triste vê-lo em tal estado.
O belo cavalo vivia com a cabeça abaixada e seu olhar perdera o interesse por
qualquer coisa. Ele estava voltado para si mesmo, concentrado na dor e na
doença. Estávamos todos com muita raiva, pois não compreendíamos como
alguém era capaz de cometer tal crime contra um animal que não tinha como se
defender.
Mas Lomitas era um lutador e em dez dias o veneno já não produzia mais efeito.
Voltou a empinar a cabeça e a comer um pouco. Seus olhos voltaram a brilhar.
McKinley me perguntou:
Era possível ver a banda de tecido enegrecido em volta de toda a pata. À medida
que o casco crescia para baixo, essa área se tornara mais crítica devido ao
esforço da parte de trás, o que motivou as rachaduras.
Sua próxima corrida foi em abril, em Hollywood Park, mas saiu nove corpos
atrasado porque alguma coisa o distraiu no partidor no momento em que o
portão do seu boxe se abriu. Ao fazerem a curva para a reta final, ele estava
quase 15 corpos atrás.
Então, ele fez um voo desesperado. Correu o último quarto de milha como
ninguém ainda havia corrido em Hollywood Park. Por dois décimos de segundo
não bateu o recorde mundial.
Embora sua atuação nos Estados Unidos houvesse sido muito abaixo das minhas
expectativas, ganhou 100 mil dólares em prêmios e, com todos os seus
problemas, demonstrou-se um formidável concorrente.
Será interessante ficar observando para ver se Lomitas transmitirá seu talento
para as novas gerações. Espero que essa história esteja apenas começando.
Ao apertar o cordão do meu robe, olhei o relógio e vi que eram três horas da
manhã. Saí do meu quarto e comecei a andar de um lado para outro no corredor
do primeiro andar. O que faria com o cavalo Prince of Darkness? Qual a
resposta? Onde eu falhara ao tentar entender esse grande animal, tido em
altíssima conta?
— Cheguei até a deitar numa banheira com água quente, mas parece que não
consigo fazer meu cérebro parar de trabalhar.
Sir Mark foi até a janela; sua face iluminada pelo luar.
— O quê? — perguntei.
— Venha ver.
Ele apontou:
— Olhe...
Prince of Darkness estava sendo treinado por Sir Mark Prescott em Newmarket e
era propriedade de Pinoak Stables, de Kentucky, com sócios ingleses que
incluíam Graham Rock, Graham Moore, Neil Greig e Wally Sturt.
A partir desse dia desenvolveu uma atitude negativa em relação aos boxes, seja
caminhando em direção a eles, entrando neles ou parado, uma vez lá dentro.
Eu estava desapontado. Tenho orgulho do meu trabalho. Sir Mark concordou que
eu voasse à Inglaterra, sem cobrar, para tentar resolver o problema.
Então, ali estava eu de volta, com um verdadeiro quebra-cabeças que não nos
deixava dormir.
Assim que seu longo corpo entrava no boxe, ele saía disparado pelo portão da
frente, muito irritado com a situação.
Não podia entender o que acontecera para que ele mudasse tanto, pois eu o fizera
entrar e sair dos boxes inúmeras vezes sem problema algum.
Naquela noite, durante o jantar, perguntei a Sir Mark como Prince of Darkness
se comportava na baia da van que o transportava para os treinos. Disse que não
causava problemas, fossem as baias largas ou estreitas. Era difícil de acreditar,
depois dos problemas que tivera com ele à tarde nos boxes. Sir Mark sugeriu que
alugássemos uma van com baias ajustáveis, de modo que eu pudesse ver com
meus olhos.
Na manhã seguinte, uma van chegou bem cedo e eu instruí o motorista enquanto
nos familiarizávamos com o interior do veículo.
— Ok. Vamos fazer o seguinte. Você dirige enquanto eu fico parado aqui, de
frente para a cabeça do cavalo. Assim, vou poder conversar com você e observá-
lo ao mesmo tempo.
— Tudo bem.
— Primeiro vamos embarcá-lo e lhe dar uma baia bem larga e comprida. —
Mostrei onde queria que as laterais da baia fossem fixadas dentro da van. —
Depois disso, você dirige bem devagar, não importa para onde, e eu vou ficar de
olho.
— Ok.
Pedi ao motorista para aumentar a velocidade e fazer curvas mais fechadas. Ele
fez o que lhe pedi.
Perguntei:
Qual seria, portanto, a diferença entre a baia da van, dentro da qual ele se sentia
perfeitamente à vontade, e o boxe do partidor, que ele queria destruir?
Naquela noite cheguei a pensar em dizer a Sir Mark que iria desistir e lhe
devolveria o dinheiro que ele havia pago. Mas não encontrava palavras para
formar a frase. Pensar que não conseguira fazer meu trabalho direito me
enlouquecia. Já estava em Newmarket havia três dias e não me sentia nem perto
de ter conseguido algum resultado positivo. De qualquer modo, decidi fazer mais
uma tentativa,
O dia seguinte foi o mais duro de todos. Fiquei tentando durante oito, nove horas
cansativas e perigosas. Geraldine Rees, uma amiga de Sir Mark, foi conosco e
observou tudo pacientemente.
Fiquei bem em frente a Prince of Darkness enquanto ele era conduzido para o
boxe. Queria analisar cada nuance do seu comportamento enquanto ele entrava,
e tentar descobrir a razão do seu medo.
Ele entrou no boxe fazendo a maior confusão. Disparou para fora como se
houvesse uma porção de índios nos dois lados do boxe espetando-o com suas
lanças. Pouco se importou com o fato de eu estar na sua frente e me atirou ao
chão quando tentei saltar para um lado.
Mais uma vez, ele pulou do boxe e dessa vez conseguiu atingir meu pé, minha
orelha e um lado do meu corpo. Então ele correu até o limite da minha corda
“Vem Comigo” amarrada ao seu pescoço, virou-se e ficou com os olhos fixos em
mim, a uma distância de uns cinco metros.
Depois de alguns poucos testes, tive certeza de que não estava errado. Tinha
sorte de continuar com ambas as orelhas coladas à cabeça e estar com os ossos
intactos, mas tinha a resposta. Se não fosse por aqueles trilhos suspensos em
ambos os lados da baia ele poderia participar da corrida de amanhã.
Não demorou muito tempo, porém, para nos darmos conta de que, se
removêssemos os anteparos de um boxe, removeríamos também os anteparos
dos boxes dos lados, pois essa é a forma como eles são montados. É claro que a
comissão de corridas não aceitaria uma coisa dessas.
Bem cedo, na manhã seguinte—lembro que era o dia anterior à Sexta-Feira
Santa — eu delineei uma idéia que começava a tomar forma em minha mente.
Se pudéssemos manufaturar alguma coisa parecida com a proteção usada pelo
cavalo do picador na arena de touros — suficientemente pesada para proteger
seus flancos dos chifres do touro — talvez pudéssemos convencer Prince of
Darkness de que isso seria suficiente para protegê-lo daqueles malignos
anteparos do boxe de largada.
Era apenas uma idéia maluca e eu realmente não achava que seria prática.
Muitos anos antes, eu usara umas capas de couro que se encaixavam sobre as
ancas dos cavalos. Elas eram conectadas à sela western. Quando eu pedia ao
cavalo em velocidade para fazer uma parada súbita, a capa o encorajava a baixar
as ancas para manter seus posteriores fincados no chão.
Eu achava que, se conseguisse fazer alguma coisa como aquelas capas para
proteger os flancos de Prince of Darkness das laterais do boxe, ele talvez
aceitasse entrar nele.
Quando coloquei Prince of Darkness, com seu carpete forrado de capa, dentro do
boxe de partida, vi imediatamente que estava na trilha certa. Dei uma palmada
nas costas de Geraldine:
— Olhe, ele ainda está com medo e não está muito confiante. Mas ficou dentro
do boxe.
Foi muito bom ficar parado na frente daquele animal colossal e, finalmente, me
manter parado sobre meus pés.
Sir Mark tivera que viajar para a França e deixara instruções para inscrevermos o
cavalo na corrida em Warwick na terça-feira seguinte, de modo que no domingo
demos um jeito de levar Prince of Darkness para os boxes de largada. Fiz o
exercício de rotina de deixá-lo largar do boxe bem devagar, usando a capa como
proteção. Ele reagiu muito bem.
— Um carpete-capa.
Garanti a ele que esse era o único modo de fazer Prince of Darkness entrar e
ficar no boxe de largada.
Quando o páreo estava para começar, fui ver Prince of Darkness no partidor. O
juiz da largada estava bastante apreensivo por causa do carpete, mas, como dera
permissão a Sir Mark para introduzir o estranho aparato na corrida, não pôde
voltar atrás.
Pus o acessório atrás de George Duffield, o que certamente motivou uma série de
comentários irônicos dos demais jóqueis — e havia um toque de patético ter
alguém atrás do cavalo segurando um pedaço de corda a poucos segundos da
partida. Quando conduzimos Prince of Darkness para dentro do seu boxe, eu
torcia para que a invenção desse certo da primeira vez. Invenções raramente dão
certo na primeira experiência.
No dia 19 de outubro de 1952, ele dirigia um trator numa fazenda perto de sua
casa para ganhar um dinheirinho extra. Com esse extra, pretendia comprar e
manter um cavalo, a fim de aprender a cavalgar.
Passou muitas semanas no hospital, onde colocaram uma placa de metal na sua
cabeça. Aos poucos, seus músculos voltaram ao normal e ele voltou a enxergar,
mas sem a visão periférica.
Logo que ficou suficientemente bom, seus pais o ajudaram a comprar seu
primeiro cavalo, cujo nome glamoroso era Blackie. Blackie tinha cerca de oito
anos quando Greg o comprou por 350 dólares, e que incluía uma boa sela como
parte da barganha.
Hoje em dia, quando olho para o passado, vejo como estive errado ao rir daquele
cavalo. Para Greg, ele era o cavalo mais importante da face da Terra. Na
verdade, ele foi um dos mais importantes animais para toda a indústria de
cavalos de prova de laço, porque estava ensinando Greg Ward, que se tornou um
dos maiores cavaleiros de todos os tempos. Eu deveria ter pensado um pouco
antes de rir. Pois não tivera também um cavalo chamado Brownie que fora tão
importante para mim?
Mas não sabia que ele aprenderia tudo muito bem e rapidamente. Greg
finalmente acabou entrando para a equipe de rodeio da universidade e, enquanto
ainda estava aprendendo, contribuiu com pontos para dois campeonatos
nacionais que ganhamos em 1958 e 1959.
Greg casou-se com Laura Odle em 1957 enquanto ainda estudava na Cal-Poly.
Em 1959, nasceu John, o filho deles, seguido de Wendy, em 1961, e Amy, em
1963. Todos três cavalgaram e deram demonstrações no seu centro. As filhas
hoje estão casadas e longe do rancho, mas John continua nas pegadas do pai e é
praticamente quem administra tudo hoje em dia.
Os animais treinados no rancho Ward, quer pelo pai, quer pelo filho,
conquistaram inúmeros recordes nos últimos 30 anos. Venceram 12 campeonatos
mundiais em várias especialidades; Ganharam literalmente milhões de dólares
em prêmios.
Além disso, os jovens animais criados no rancho foram vendidos por milhões e
venceram milhões de dólares em provas. O garanhão mais popular da indústria
deles no momento é Dual Pep, que nasceu e foi criado no rancho e cujo valor
anda em torno dos dois milhões de dólares; Dual Pep já venceu mais de 300 mil
dólares em prêmios e rende a seus donos cerca de meio milhão de dólares anuais
como reprodutor.
Como atualmente John faz a maior parte do trabalho no rancho, Greg tem a
possibilidade de experimentar técnicas de treinamento que de outro modo não
poderia.
Isso me traz de volta ao motivo por que quero descrever uma cena particular que
pode ser vista no rancho Ward quando Greg inicia o treinamento de seus potros.
Esses não são potros baratos. O último grupo de 32 animais está provavelmente
avaliado entre 2,5 e 3 milhões de dólares. Dizem que apenas um dos potros vale
cerca de um milhão.
Por motivos de ordem econômica, é claro que os potros de Greg precisam atuar
magnificamente nas competições, a fim de devolver aos donos o dinheiro que
custaram,
O que estou tentando dizer é que os métodos de treinamento de Greg não são o
resultado de alguma noção açucarada que ele possa ter em relação a ser bom
com os animais — embora sempre tenha sido gentil e respeitoso com seus
cavalos. Seus métodos são os melhores e mais gentis, e já provaram seu valor
nas competições mais duras.
— Monty — ele disse. — Venha aqui e dê uma olhada nos meus novos bebês.
Vi umas cinco pessoas conduzindo jovens potros no campo, sem nem ao menos
puxar as rédeas. Simplesmente deixavam que os cavalos fossem aonde
quisessem e se limitavam a segui-los. Faziam isso até o momento de tirar
vantagem da própria vontade do animal de entrar na pista. Estavam selados e os
cavaleiros os montavam com muito cuidado.
— Durante os primeiros 20 dias com a sela, nós permitimos que façam o que
quiserem. Não há a mínima tensão nas rédeas.
— Não importa a direção que eles tomem. Podem fazer o que bem
entenderem.
— Cerca de 20 dias.
Fiquei maravilhado com a cena e com o correto raciocínio que havia por trás
dela. Esses cavalos estavam aprendendo a carregar o peso dos cavaleiros e é
claro que não tinham a mínima suspeita de que poderiam ser punidos por
qualquer pessoa. Gradualmente, se acostumavam com a idéia de terem
cavaleiros montados nas suas costas. Não havia a menor possibilidade de eles
cultivarem ressentimentos ou abrigarem tendências agressivas em relação aos
seus parceiros humanos.
Por causa do sucesso de métodos como esse e de outros que descrevi no decorrer
deste livro é que tenho a convicção de que — reunindo todas essas evidências
eles constituem um novo começo na relação entre homem e cavalo e é um
privilégio para mim ter dado a minha contribuição para esse espírito de
entendimento. A cena que vi no rancho de Greg é a que mais se ajusta ao que
disse acima; uma cena que demonstra o total compromisso com as teorias nas
quais acredito.
Ele apontou:
Era difícil acreditar que lá estava eu completamente sozinho tomando chá com a
Rainha da Inglaterra no meio do gramado em frente ao Castelo de Windsor,
conversando como se fôssemos velhos amigos.
Da minha parte, eu estava muito contente por poder descrever a ela o curso que
está sendo ministrado em West Oxfordshire College sob a direção de Kelly
Marks e dedicado a expandir os métodos de treinamento que descrevi neste livro
— a primeira vez que um curso dessa natureza é criado especificamente e
incluído no currículo.
Finalmente, muito depois da hora marcada para o fim do nosso chá, nos
levantamos. Nosso encontro fora realmente genuíno e informal. Ela retornou
para o castelo enquanto eu atravessei o gramado em direção ao local onde Terry
Pendry me aguardava.
Tive uma visão súbita de como essa cena pareceria para alguém que a visse de
uma das janelas do castelo. O quadrado branco da mesa disposta no meio do
gramado verde, o que sobrara do nosso chá, as cadeiras inclinadas sobre a mesa,
a Rainha da Inglaterra caminhando em direção ao castelo e este caubói da
Califórnia andando na direção oposta, sacudindo a cabeça como se não
acreditasse nas curiosas circunstâncias em que se encontrava.
Seu maior aliado nessa incrível expansão de poder e influência foi o cavalo.
Usando cordas, chicotes e qualquer tática cruel que pudesse engendrar, Genghis
Khan utilizou a força, a estamina e a velocidade do cavalo.
Os cavalos não tinham como reagir àquela crueldade. Eles não tinham voz.
Mas... eles tinham uma língua. Ninguém viu isso, ninguém tentou ver isso, mas
ela estava lá; ela existia naqueles tempos como existe hoje. É uma linguagem
que existe há 45 milhões de anos e permaneceu praticamente a mesma. Só para
pôr isso na perspectiva correta: o homem vive neste planeta há apenas algumas
centenas de milhares de anos e sua comunicação já se fragmentou em milhares
de línguas diferentes.
A ausência de diálogo entre homem e cavalo nos levou a uma desastrosa história
de crueldade e abuso. E isso tudo veio também em nosso detrimento. Há
milhares de anos poderíamos ter capturado a vontade do cavalo de cooperar e
não o fizemos. Perdemos muito, tanto em termos emocionais como em termos da
performance e do trabalho que egoisticamente teríamos recebido deles.
Tentar compensar o cavalo por tudo que lhe fizemos é meu trabalho de uma vida
inteira. Faço isso há 61 anos e continuo firme e forte.
Conjunção - um guia, passo a passo,
do método de Monty Roberts
Para começar, gostaria que você descartasse todas as suas noções preconcebidas
sobre como iniciar um cavalo. Quero, porém, que você mantenha as experiências
que lhe ensinaram a não temê-lo, bem como sua habilidade de andar perto dele
de modo seguro e eficaz.
Tenha sempre em mente o fato de que o cavalo não erra. Todas as suas ações,
provavelmente, foram motivadas por você, principalmente em se tratando de
cavalos jovens e ainda não iniciados. Nós, os cavaleiros, podemos fazer muito
pouco no que diz respeito a ensinar o cavalo. O que podemos fazer é criar um
ambiente em que ele queira aprender. Acredito que, mais ou menos, a mesma
coisa acontece com as pessoas. O jovem estudante que tem o conhecimento
empurrado para dentro do cérebro aprende pouco, mas pode absorver muito se
decidir aprender.
Considere por um momento o que você sentiria se, no seu primeiro dia de escola,
seu professor pusesse uma corrente dentro da sua boca ou sobre o seu nariz para
então dar-lhe um safanão, e quando você se afastasse, ele pegasse um chicote.
Como seria o balanço da sua relação com ele? E qual seria a sua opinião sobre a
escola a partir de então?
Embora o cérebro do cavalo não seja tão complexo como o humano, até certo
ponto as reações são as mesmas. O objetivo do meu método é criar uma relação
baseada na confiança; uma relação que faça com que o cavalo queira a
CONJUNÇÃO; queira ser parte do time; vestir a mesma camisa. A minha
opinião é que o cavalo iniciado “convencionalmente” cria uma relação de
inimizade com as pessoas para as quais trabalha. Pode até concordar em fazer o
que as pessoas querem, mas sua atitude será sempre relutante.
A primeira regra do método ao iniciar um cavalo novo é que a iniciação deve ser
feita SEM DOR.
Nós não vamos bater, chutar, dar safanões, empurrar, puxar, amarrar ou impedir
seus movimentos. Se tivermos que aplicar qualquer restrição, ela deve ser de
natureza cordial e sem o sentimento de que “você deve” comunicar-se com o
cavalo. Queremos eliminar esse sentimento no ambiente que criamos.
De preferência, devemos sugerir que “gostaríamos” que ele fizesse alguma coisa,
e não que “ele deve”. Se alguma restrição precisa ser usada, deve ser a que
incentiva o cavalo a ficar com você, e não a que exige que ele fique com você.
O cavalo é a quintessência do animal voador. Seu instinto lhe diz que ele deve
disparar, fugir. Se alguma pressão é aplicada na relação entre homem e cavalo,
ele preferirá sempre fugir em vez de lutar. Foi com isso em mente que
desenvolvi o conhecimento de um fenômeno que ocorre com a maioria dos
animais do planeta. “Avançar e Recuar” são movimentos óbvios nas relações
entre animais da mesma espécie ou de espécies diversas. "Avançar e Recuar” são
movimentos óbvios também nas relações humanas. Nós usamos o “Avançar e
Recuar” todos os dias quando tentamos impor uma situação para então
recuarmos, a fim de observar o resultado, isso é evidente nas relações tanto
pessoais quanto profissionais. Um bom exemplo é o do garoto de 14 anos que
está começando a escola secundária. Ele se sente atraído por uma garota da sua
classe e a segue incessantemente. Ela deixa claro que não gosta dele e se afasta.
Geralmente, ele insistirá durante uns seis dias para depois desistir. Logo veremos
que ela começará a aparecer onde sabe que ele estará e começará a demonstrar
interesse por aquele garoto a quem deixara claro seu desinteresse.
Vamos agora nos transferir para o ato prático de iniciar o jovem cavalo (eu nunca
uso os verbos domar ou quebrar). Nossa intenção é fazer com que o animal
aceite a sela, as rédeas e o cavaleiro sem traumas. Dou demonstrações nas quais
pego um jovem cavalo que jamais foi selado e tento fazê-lo aceitar sela, rédeas e
montaria em aproximadamente 30 minutos. Se eu demonstrar com um cavalo
que já foi montado, o espectador pode duvidar do meu trabalho. Mas, deixando
de lado a demonstração, é melhor tirar alguns dias para acostumar o cavalo novo
ao freio e a alguma comunicação através das rédeas longas e da boca do animal,
do que ir diretamente para o método da iniciação.
1. Conjunção
2. Acompanhamento
3. Áreas vulneráveis
4. Levantamento de pés
5. Manta
6. Sela
7. Cabeçada
8. Rédeas longas
9. Cavaleiro
LISTA DE EQUIPAMENTOS
1 Manta
1 Loro extra
Cabresto no cavalo
Eu uso um redondel para o meu trabalho e, embora isso não seja absolutamente
necessário, torna tudo mais fácil. Meu redondel de 16 metros de diâmetro tem
um telhado e uma sólida parede de 2,4 metros. É coberto de areia com cerca de
seis centímetros de profundidade. De qualquer modo, já iniciei cavalos em
campo aberto, sem cercas, e cavalguei um cavalo auxiliar em viagem. Um
cercado quadrado pode ser usado, mas será melhor arredondar os cantos. Um
redondel de 16 metros de diâmetro é o melhor na minha opinião para cavalos de
tamanho médio. Uma base de terra sólida (posteriormente coberta de areia) é
importante para a segurança das pessoas e dos animais.
Traga o cavalo para dentro do redondel já com o cabresto e tenha uma longa
guia, de preferência leve, e de uns nove metros. Fique perto do centro do
redondel e se apresente ao cavalo afagando a testa dele com a palma da mão,
mesmo que vocês já se conheçam. Nada de palmadinhas. Agora vá para trás do
cavalo, mas longe da sua área de coice. Quando estiver atrás dele ou se ele
disparar, o que ocorrer primeiro, jogue a corda nos seus posteriores. A corda
pode cair nele, mas você NÃO DEVE BATER no animal com ela. A essa altura,
quase todos os potros começam a correr, dando a volta no redondel. O cavalo
está recuando, de modo que você deve avançar. Mantenha a pressão. Jogue a
corda a cada duas voltas ou as vezes que julgar necessárias para manter a
pressão, Você deve manter uma atitude agressiva; olhos fixos nos olhos dele e os
ombros enquadrados com a cabeça dele. Mova-se sempre para frente, mas
mantenha-se longe da área de coice. Você deve tentar fazê-lo completar cinco ou
seis voltas para um lado, depois para outro e repetir a operação. Você estará
preparando o cavalo para enviar-lhe a mensagem de que ele gostaria de parar
com essa correria toda. Olhe particularmente para a orelha voltada para dentro
do redondel. Isso fará com que ele corra mais devagar ou pare simplesmente.
Enquanto isso, a orelha do lado da cerca continuará se movendo em todas as
direções para observar o ambiente. A cabeça do animal começará a baixar e
subir, como se ele estivesse cumprimentando, as orelhas serão apontadas para
dentro e o focinho para fora. O pescoço se inclinará levemente para aproximar a
cabeça do centro do círculo. Ele provavelmente começará a lamber os lábios, pôr
a língua para fora, entre os dentes semicerrados, e mastigar o ar. Finalmente, ele
abaixará a cabeça quase até a superfície do solo. As orelhas demonstram o
respeito dele por você. Chegar mais perto significa exatamente isso. Lamber os
lábios e mastigar significa: “Sou um animal voador. Estou comendo; logo, você
não precisa ter medo de mim.” Abaixar a cabeça quase até o chão significa: “Se
nós pudermos renegociar a situação, vou deixar você ser o chefe.” A experiência
afinará sua sensibilidade para os sinais, mas, quando observar o cavalo fazendo
esse gesto, pode ter certeza de que ele está pedindo para você parar de pressioná-
lo. Ele quer parar de correr.
Nesse ponto, você deve enrolar sua corda, assumir uma atitude submissa... olhos
para baixo. Não olhe nos olhos dele. Ponha o eixo dos seus ombros numa
posição de 45 graus. Esse é o seu convite para que ele venha até você ou para
que, pelo menos, olhe em sua direção e pare de recuar. Se ele se aproximar,
ótimo! Se ele parar, ficar olhando para você, mas não se aproximar, então você
deve chegar mais perto dele. Faça isso, porém, dando voltas ou semicírculos.
Não vá diretamente para ele. Se ele se afastar, ponha-o para trabalhar mais umas
voltas e repita todo o processo.
Quando você se aproximar dele, faça-o com os ombros na posição de 45 graus,
quase mostrando suas costas para ele. Voluntariamente, ele deverá se aproximar
e encostar a cabeça em seu ombro. Essa é a CONJUNÇÃO.
Quando puder, se aproxime dele e lhe faça um bom afago entre os olhos e depois
se afaste caminhando em círculos. Eu gosto de me afastar andando para a direita,
uns três metros e meio de diâmetro. Finalizado o círculo à direita, faça a mesma
coisa para a esquerda. Repita isso várias vezes. O cavalo deverá segui-lo ou pelo
menos se moverá para manter, a cabeça na sua direção. Se isso não acontecer,
você se verá olhando para o traseiro dele. Nesse caso, deve botá-lo para trabalhar
outra vez. Mantenha-se longe da área do coice. Trabalhando desse modo você
conseguirá realizar a CONJUNÇÃO e o ACOMPANHAMENTO.
Tendo concluído essas etapas preliminares, você estará pronto para apanhar seu
equipamento e colocá-lo no meio do redondel. Dê uma chance ao cavalo para
inspecionar o equipamento e mova-se constantemente entre os dois. Caminhe
várias vezes entre o cavalo e o equipamento até chegar o instante em que ele
preferirá seguir você. Assim que tiver sua atenção total, engate uma guia ao
cabresto dele. Pegue a guia e fique com ela na mão direita a uma distância de um
metro. Pegue a manta e a coloque gentilmente sobre as costas dele. Primeiro, um
pouco além da paleta, para depois ajustá-la no lugar certo. Se ele se afastar, nada
de punições. Apenas o afaste com os olhos e repita o processo até a
CONJUNÇÃO e o ACOMPANHAMENTO. São pouquíssimos os cavalos que
se afastam a essa altura da iniciação. Depois que a manta estiver nas costas do
animal, pegue a sela com a barrigueira sobre o assento. Coloque-se em frente ao
pescoço, na altura da paleta. A sela deve estar apoiada no seu quadril direito.
Gentilmente, ponha a sela sobre as costas do animal. Passe agora pela frente dele
e lhe faça um afago no flanco. Baixe a barrigueira devagar e suavemente, mas
sem hesitação, ajuste-a de modo a alcançar aproximadamente o meio da
quartela. Vá até a frente do cavalo e afague-o entre os olhos. Depois, fique em
frente às mãos, pegue a barrigueira e ponha o lático da frente na ponteira da
frente. Aperte a barrigueira, mas observe as reações do animal, de modo a não
apertá-la muito. Por outro lado, não a deixe tão solta a ponto de a sela sair do
lugar caso ele empine. Agora, pegue o lático traseiro e aperte a barrigueira um
pouco mais do que fez com o dianteiro. Volte ao lático da frente e encontre um
equilíbrio entre ele e o posterior. Tire a guia do cabresto e se afaste
cautelosamente — corda na mão — do animal. Com a corda, mande-o afastar-se
de você.
FIQUE CALMO
Seu cavalo deve acreditar que ele é o único irritado com a sela. Caso contrário,
sua inclinação será de corcovear. Aguarde pelos sinais informando que ele quer
parar de dar voltas e juntar-se a você. Só permita que ele faça isso quando notar
que já se acostumou e está à vontade com a sela.
Quando ele voltar até você, coloque-lhe o bridão e ponha as rédeas debaixo da
parte de trás da sela. Deixe as rédeas folgadas.
Agora pegue seu loro extra e passe-o pelo estribo da direita, de forma que fique
pendurado pela metade. Depois vá para a esquerda e cuidadosamente pegue as
duas pontas do loro, afivelando-o através do estribo esquerdo. Assim, os estribos
ficam afivelados juntos sob o cavalo. Pegue as duas guias pela ponta do
mosquetão e coloque uma sobre o assento da sela, deixando o mosquetão chegar
quase ao chão do lado direito. Aí passe o segundo mosquetão pelo estribo direito
(de trás para frente} e o encaixe do lado esquerdo do bridão. Vá para o lado
direito e repita a operação. Volte ao lado esquerdo. Pegue as duas guias nos lados
do cavalo e se mova para trás e lateralmente, fora da zona de coice do cavalo, em
direção à garupa. Você agora tem como movê-lo para frente balançando a rédea
direita sobre sua garupa. Se você não tem o hábito de charretear, vá com calma.
Busque um pouco de comunicação através da boca, mas com cuidado. Uma boa
idéia é treinar este processo com cavalos mais velhos por um tempo antes de
pegar um novato. Você pode se machucar, ou a seu cavalo. Se você tem
experiência com rédeas longas, faça seu cavalo andar em círculos ao galope e ao
trote para os dois lados. Peça que ele vire e pare. Finalmente, faça-o parar de
costas para o meio do círculo e peça que ele recue um passo.
A essa altura a maioria aos cavalos que eu faço já está pronta para ser montada.
Você pode montar ou pedir a alguém que monte, tanto faz. Certifique-se de que a
sela está em ordem e de que a barrigueira está apertada o suficiente para a sela
não virar. Se você estiver usando um cavaleiro, traga-o neste ponto para dentro
junto com o equipamento. Prenda uma guia na argola esquerda do bridão. Dê ao
seu cavaleiro um ou dois minutos para se acostumar com o cavalo, afagando-o
dos dois lados, tratando-o como você tratou. Eu dou pezinho para meus
cavaleiros montarem. Primeiro, eu peço que eles só se apoiem com a barriga na
sela (a fivela do cinto no cepilho). Daí eu movimento o cavalo com cuidado,
primeiro em dois ou três círculos à esquerda; e depois à direita, duas ou três
vezes. Se o cavalo estiver satisfeito e aceitando o cavaleiro sobre ele, você guia o
pé do cavaleiro para o estribo esquerdo e ele monta. Repita os círculos. Se seu
cavalo estiver relaxado e aceitando o cavaleiro montado, faça círculos cada vez
maiores, levando o cavalo para perto do perímetro. Cuidadosamente abra o
mosquetão e solte a guia, ajudando o cavaleiro a efetuar um círculo em cada
direção. Não galope; passo e trote são suficientes. Após cada círculo, eu gosto
que meus cavaleiros recuem um passo.
Não tente ser um herói, caso seu cavalo não esteja pronto para ser montado.
Lembre-se que, quando dou uma demonstração, ela é dada de uma só vez; caso
contrário, o espectador não vê todo o processo. Isso não significa que você deva
fazer a mesma coisa. Esse sistema lhe poupará tanto tempo, que, de qualquer
modo, você estará muito adiantado em relação aos que usam os métodos
convencionais. É a qualidade do seu trabalho que importa, e não a rapidez com
que você o executa. No final, todos queremos a mesma coisa: um cavalo feliz e
bem-comportado. Será por isso que você será julgado.
A essa altura, você terá alcançado o objetivo de fazer com que seu cavalo aceite
a sela, rédeas e cavaleiro. O cavalo NÃO deve estar traumatizado e deve preferir
ficar com você a se afastar de você.
Lembre-se: deixe o seu animal sentir-se livre. NÃO O RESTRINJA. Faça com
que ele se sinta bem junto a você e ponha-o para trabalhar, caso ele queira se
afastar de você.
SEM DOR
Se você puder executar todo o processo, terá me ajudado na minha luta para
fazer do mundo um lugar melhor para os cavalos.
Todos me diziam que eu era louco; que era muito perigoso. Impossível!
Ninguém podia fazer uma coisa dessas. Era pedir para ser morto.
À medida que envelhecia, dizia a mim mesmo que não, que eu tinha 62 anos, me
faltava um bom pedaço da espinha dorsal e jamais conseguiria realizar minha
ambição.
Este livro foi publicado pela primeira vez no outono de 1996. Seis meses mais
tarde, em fevereiro de 1997, me foi oferecida a chance de tentar realizar o meu
sonho. Este P.S. que escrevi para a edição de bolso do livro relata a aventura.
Ocorreu, portanto, que a primeira coisa que tive que fazer foi entrar numa loteria
— e essa loteria não acontece todas as semanas; trata-se de um evento ocasional.
E nós já estávamos em fevereiro.
Assim que o pessoal do QED me informou que tinha recursos para o programa,
ocorreu uma coincidência, juro por Deus. Um estudante apareceu na Flag Is Up
Farms e me disse que um evento de adoção aconteceria no dia seguinte em Paso
Robles.
Anunciaram 49 nomes e o meu não estava entre eles. Teria que abandonar a idéia
e voltar para casa. 51 nomes anunciados e nada de Monty Roberts. Eu já estava
me preparando para ligar para o QED na Inglaterra e dizer-lhes para cancelar a
filmagem. O número 52 era o meu nome. Eu fui o último nome a sair sorteado
do chapéu.
Eu precisava de três cavalos. Um, a primeira escolha, teria que ser o mais bonito
possível por causa das câmeras, e dois substitutos.
Eu precisava dos substitutos porque várias coisas fora do meu controle poderiam
acontecer. O mustangue poderia mancar no meio da filmagem. Ou poderia ser
mordido por uma cascavel. Com os recursos reunidos para a produção, seria
melhor planejar as coisas de modo eficaz. Dificilmente teríamos uma segunda
chance.
Meus três potros desceram a rampa sem saber que haviam sido adotados para um
projeto único.
Eu teria que levá-los para um rancho, mas não podia ser um rancho qualquer.
Tinha que ser o mais parecido possível com o habitat natural dos animais. Os
ranchos no alto deserto de Nevada chegam a ter 40 mil acres e a única coisa que
nos lembra que não estamos em território virgem são as cercas de arame farpado
a cada 30, 40 quilômetros.
Por outro lado, não poderíamos dizer às cobras: “Voltem para suas covas;
continuem hibernadas!”
Continuamos trabalhando.
No sábado, dia 29 de março, eu e a equipe nos encontramos no Maverick
Saloon, em Santa Ynez. A banda de Art Greer estava tocando e havia gente
dançando quadrilhas. A equipe de televisão ficou contente em encontrar o
veterano Dutch Wilson dizendo a quem quer que encontrasse:
Naquela noite eu estava relaxado e pronto como jamais estarei. Se não realizasse
meu sonho não seria porque ninguém me dera uma chance.
Eu estava preparado para uma longa cavalgada; coisa de dois dias sem parar.
Havia descoberto um material feito pela companhia 3M. É uma espécie de fita
adesiva que você põe sobre a pele e, meia hora depois, já não consegue encontrá-
la; é como se fosse uma segunda pele. É usada por corredores de maratona, por
atletas de triatlo e assim por diante. Com essa fita, mais ceroulas, meias elásticas
e calças com proteção de couro, eu esperava minimizar os ferimentos que
sofreria durante o que provavelmente seria um dia, uma noite e um outro dia
cavalgando. Para a minha coluna, usaria anti-inflamatórios e tinha uma cinta
elástica preparada.
Às nove e meia daquele sábado à noite, entrei no meu trailer e viajei com meus
três cavalos — Dually, Big Red Fox e The Cadet — para o primeiro rancho,
Chimeneas.
Essa parte dos Estados Unidos é grande em todos os sentidos da palavra, É aqui
que eles vêm filmar os comerciais de Marlboro. O primeiro sol da manhã enche
o lugar de vida. Notei as colmeias brancas das abelhas que se alimentam do
pólen das salvas. Os plátanos se alinham nos vales às margens dos rios. Os
cactos crescem na areia.
A idéia era levar a manada para o oeste, separar o mustangue e espantá-lo para o
leste, para o território aberto e selvagem.
Em termos de redondel, isso era como mandar o cavalo correr com ajuda da
corda leve. Em termos da psicologia da manada selvagem, eu era a égua
dominante correndo atrás de um adolescente, expulsando-o do grupo para
demonstrar meu desgosto em relação a ele; exigindo dele respeito e
consideração.
Eu não havia pensado no pânico criado pelo helicóptero, Deveria ter pedido para
que nos seguisse apenas pelos primeiros 20 minutos e depois retornasse ao
rancho. Desse modo, poderíamos nos reagrupar e analisar a situação à medida
que ela fosse se desenvolvendo.
Em vez disso, o helicóptero nos fez correr quase até a morte. Cobrimos quase
200 quilômetros no primeiro dia; o mustangue galopando a toda, continuamente,
por uma hora e meia. Foi uma cavalgada inesquecível.
Assim, o primeiro dia foi traumático. Esgotei completamente The Cadet, o meu
primeiro cavalo. Acabou com as pernas esfoladas, mas, felizmente, não sofreu
danos maiores.
Como eu havia previsto, as cercas eram uma preocupação horrível, mas nesse
ponto o helicóptero foi de ajuda, pois espantava o mustangue para longe do
arame farpado. Havia mais de 20 quilômetros entre uma cerca e outra, mas os
mustangues não conhecem arame farpado; simplesmente não o veem.
Então aconteceu uma outra coisa que me disse que o projeto iria dar certo. Tomei
a decisão de montar durante a noite um cavalo chamado Big Red Fox.
Big. Red Fox era um puro-sangue aposentado das pistas de corrida e mantido em
ótimas condições por seus proprietários na Flag Is Up Farms. Volta e meia eles
apareciam para montá-lo. Não era um cavalo bonito, e consequentemente eu não
deveria usá-lo durante o dia em frente às câmeras.
Estava escuro, mas uma meia lua nos mostrava o mustangue um pouco adiante
de nós. Era uma pequena parte da pradaria, cheia de buracos, mas conseguimos
não cair em nenhum deles.
Eu permiti que descansasse, que comesse e bebesse, mas não tirei os olhos dele,
Eu precisava manter a pressão, exatamente como fazia no redondel ao pressionar
o cavalo para longe de mim, mantendo-o dando voltas até que enviasse os sinais,
sugerindo a conjunção.
Do mesmo modo, eu estava informando àquele cavalo solto no espaço aberto
que eu estava ali, de olho nele. Movimentava-me de modo calmo, mas
pressionando-o, à luz do luar, o tempo todo. A minha visão em preto e branco me
deu uma vantagem porque — segundo me dizem — à noite eu vejo melhor do
que as pessoas de visão normal.
Estou desesperado. Se perdê-lo, vou ter que começar a coisa toda novamente.
Mas Big Red Fox me manteve na cola dele. Ele mesmo parava, ele mesmo
avançava; me levava para a esquerda e para a direita. Big Red Fox não se
afastava do mustangue. Era como se o cavalo selvagem tivesse um desses
aparelhos que nos filmes policiais indicam no carro dos mocinhos para onde está
indo o carro dos bandidos. Eu poderia ser cego, mas montado em Big Red Fox
não perderia a pista do mustangue.
Larguei as rédeas e deixei Big Red Fox fazer o trabalho. Nós parávamos e eu
tentava olhar através da neblina. De repente, via o mustangue a dois metros de
nós. Mágica pura! Meus pelos da nuca se arrepiaram todos. Big Red Fox estava
sempre colado rio cavalo selvagem. Eu via uma sombra. Big Red Fox me levava
até ela e a sombra se transformava no mustangue.
Passamos a noite inteira desse modo. Era como se houvessem lançado um feitiço
sobre toda a pradaria.
Às quatro horas da manhã, uma luminescência surgiu a leste e Big Red Fox
começou a andar mais rapidamente. Estávamos trotando e, quando a luz
aumentou, começamos a galopar.
Não havia câmeras, eu já estava montado havia 24 horas, mas não largava o
mustangue.
Por volta das cinco da manhã, Pat Russell, que estava em terreno mais elevado,
com seus binóculos, me descobriu cavalgando em alta velocidade, tentando
alcançar o topo daquele vale.
Ao mesmo tempo — assim quis a sorte — ele viu a equipe de televisão com suas
câmeras aparecer a nordeste. Cavalgou até eles e informou-lhes onde poderiam
me interceptar.
Posteriormente, descobri que essa área de chão plano era a zona de conforto dos
mustangues; um lugar onde o capim era alto e eles podiam pastar sem ter que
abaixar muito a cabeça e sem parar. Além disso, também havia água. Os
mustangues são sobreviventes; sabem reconhecer um bom lugar quando o
encontram.
Então, de repente, ele começou a olhar para mim, Ele estava me passando uma
informação. Fugir a toda não estava funcionando e ele precisava pedir a minha
ajuda. Meu trabalho, agora, era reconhecer sua linguagem e responder;
responder que sim, que eu iria ajudá-lo, que eu estava do seu lado.
Eu tinha uma lanterna muito forte com a qual podia indicar minha posição até
mesmo à luz do dia. Fiz sinais com a lanterna, informando à equipe que queria
troçar de cavalo. E o cavalo tinha que ser Dually.
Aconteceu a conjunção.
Foi um momento mágico. Juntamente com Caleb Twisselman, ficamos tão perto
dele e ele permitiu que o tocássemos. Ainda estava arisco, pronto para sair
voando, mas confiou em nós. Realmente incrível.
E ainda mais, eu sabia que a coisa estava feita. Fora a possibilidade de ele ser
mordido por uma cascavel, não havia por que temer um insucesso.
A essa altura, Dually já cansara de carregar o meu peso e mudei para um quarto
cavalo em 36 horas. Ele não me pertencia. Era um cavalo de rancho chamado
George.
E isso foi o suficiente para o seu primeiro dia. Shy Boy podia descansar agora,
repensar as novas experiências, pastar e beber água.
Eu, por minha vez, estava feliz da vida por poder ir ao Buckhorn Hotel, fazer
uma refeição completa e celebrar.
Montara por 36 horas, mas me sentia bem. Minhas costas não reclamaram em
momento algum. Minha espinha dorsal meio desvertebrada aguentara o esforço e
não precisei usar a cinta elástica uma única vez.
Além disso, quando tirei toda a roupa do corpo, notei que minha pele nada
sofrera graças à milagrosa fita feita pela 3M.
Enquanto isso, Shy Boy descansava naquela área plana do terreno, sua zona de
conforto. Os cavalos do rancho não estavam muito distantes e ele estava
contente com a proximidade.
Ele seria checado durante a noite, mas eu tinha certeza de que não se desgarraria.
Na manhã seguinte, ao acordar, fui informado de que Shy Boy havia fugido;
tentara atravessar a autoestrada e fora atropelado por um carro. Fiquei gelado
antes de me dar conta do dia em que estávamos.
Primeiro de abril!!!
Mas a coisa começou calma; tudo segundo as regras. Usei um fio de quase dois
metros com um pequeno gancho na ponta para pegar a fivela debaixo do seu
estômago e ele tinha que aprender que aquilo não era uma cobra.
A sela era outra novidade para ele. Começamos com uma sela para crianças,
mas, ainda assim, quando caminhei em direção a ele com a sela pendurada no
meu braço, Shy Boy estava bem certo de que eu era um predador; um problema
que se aproximava.
Precisamos de três selas: a pequena, a média e a normal. Cada passo era dado
com grande cuidado. A confiança era como um fio de algodão entre nós; não
podia ser rompida.
Chegara a hora de verificar quão perigoso ele permanecera. Scott Silvera iria
montá-lo.
Eu gostaria de poder montá-lo pela primeira vez, mas não poderia fazer isso.
Além de eu pesar mais do que um jovem de peso médio, havia a questão da
minha idade e do perigo, tanto para mim como para o cavalo.
Da primeira vez que Scott Silvera se aproximou, Shy Boy empinou e escoiceou
o ar com as mãos.
Foi necessário que todos nós nos muníssemos de calma; puséssemos em nossas
mentes que aquilo não era uma empreitada urgente. É preciso ser muito paciente
com esses cavalos. Se você agir como se tivesse apenas 15 minutos, acabará
necessitando do dia inteiro. Se, ao contrário, agir como se tivesse o dia inteiro,
tudo levará menos de 15 minutos.
Vocês podem imaginar o quanto esse momento foi emocionante para mim.
Por uma hora e meia Scott Silvera montou o mustangue com toda cautela. Fez
com que ele caminhasse e trotasse. Fazia com que recuasse um passo depois de
cada manobra.
Então, Scott Silvera cavalgou com Shy Boy até o rancho de Pat Russell,
exatamente como eu fizera 45 anos antes para um rancho diferente depois das
minhas expedições em Nevada.
Naquela época, fui ouvido com total descrédito por meu pai e outros vaqueiros
quando descrevi o que descobrira entre a manada de cavalos selvagens. Dessa
vez, recebi aplausos e congratulações dos meus amigos e colegas; tudo
devidamente gravado pela equipe da televisão inglesa. Uma sensação incrível.
Meu objetivo é deixar o mundo sabendo que é um lugar melhor para cavalos e
pessoas do que aquele que encontrei.
Telefone: código dos Estados Unidos + 805 658 4264 Home page:
www.MontyRoberts.com e-mail: [email protected]
Agradecimentos
Tenho um débito de gratidão para com todos aqueles que se esforçaram para
criar este. livro: Sue Freestone, minha editora, que entusiasticamente me apoiou
durante a minha primeira aventura no mundo literário; Sam North, que viajou
pela metade do mundo para passar muitas semanas conosco, trabalhando
diligentemente para dar brilho às minhas palavras; Jane Turnbull, minha agente
literária entusiasta e solidária que me apoiou desde o início; Kelly Marks, que
organizou as coisas magnificamente para mim na Inglaterra; aos meus clientes
que ficaram do meu lado durante todo o projeto, além de Sir Mark Prescott,
Henry Cecil, Walther J. Jacobs e o doutor Andreas Jacobs.
Preciso dar crédito a meus nove alunos que alcançaram o nível de “Profissional
Avançado”: Crawford Hall, Sean McCarthy, Kelly Marks, Richard Maxwell,
Terry Pendry, Tim Piper, Satish Seemar, Simon Stokes e Hector Valadez.
QUANDO MONTY ROBERTS TINHA 13 ANOS, FOI SOZINHO PARA O
DESERTO DE NEVADA ONDE OBSERVOU AS MANADAS DE
MUSTANGUES SELVAGENS. O QUE APRENDEU COM OS MÉTODOS DE
COMUNICAÇÃO DOS ANIMAIS MUDOU SUA VIDA PARA SEMPRE.
Spectator
Sporting Life
“Para quem quer que se importe com animais, não apenas cavalos, ler este livro
é uma obrigação.”