19 - Lit1 - A Moreninha - Macedo
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19 - Lit1 - A Moreninha - Macedo
Nome do aluno:
Atividade 18
O sarau
Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhado abaixo. Em um sarau todo o mundo tem
que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos
murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas do seu
tempo, e o moço goza todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão
no seu elemento; aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por entre os
quais surde, às vezes, um bravíssimo inopinado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que acaba de
ganhar sua partida do écarté mesmo na ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando
um sustenido; daí a pouco vão outras pelo braço de seus pares, se deslizando pela sala e marchando em seu
passeio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que
conversam sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam
de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que vieram para o chá, e que ela leva
aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dândi que dirige mil finezas a uma
senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não é
essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns e regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos
olhos.
E o mais é que nós estamos num sarau: inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de...
senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida sociedade
enche a grande casa, que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.
Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam por ver
qual delas vence em graças, encantos e donaires, certo que sobrepuja a travessa Moreninha, princesa
daquela festa.
Hábil menina é ela! Nunca seu amor-próprio produziu com tanto estudo seu toucador e, contudo,
dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a
paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da rua do Ouvidor e
coberto seus colos com as mais ricas e preciosas joias, d. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que
deixou cair pela costa; não quis adornar o pescoço com seu adereço de brilhantes nem com seu lindo colar
de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante,
por não ser sobejamente comprido. Vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções.
Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava assim, para
ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura de seu vestido branco, e
para mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseava, e que seu pecado contra a
moda reinante não era senão um meio sutil de que se aproveitara para deixar ver o pezinho mais bem feito
e mais pequeno que se pode imaginar.
Sobre ela estão conversando agora mesmo Fabrício e Leopoldo; terminaram sem dúvida a sua
prática; não importa. Vamos ouvi-los.
— Está na verdade encantadora!... repetiu pela quarta vez aquele.
— Danças com ela? perguntou Leopoldo.
— Não, já estava engajada para doze quadrilhas.
— Oh! Lá vai ter com ela o nosso Augusto. Vamos apreciá-lo.
Os dois estudantes aproximaram-se de Augusto, que acabava de rogar à linda Moreninha a mercê
da terceira quadrilha.
— Leva de tábua, disse Fabrício ao ouvido de Leopoldo; é a mesma que eu lhe havia pedido.
Mas a jovenzinha pensou um momento antes de responder ao pretendente; olhou para Fabrício e
com particular mover de lábios pareceu mostrar-se descontente; depois riu-se e respondeu a Augusto:
— Com muito prazer.
— Mas minha senhora, disse Fabrício, vermelho de despeito e aturdido com um beliscão que lhe
dera Leopoldo; há cinco minutos que já estava engajada até á duodécima.
— E verdade, tornou d. Carolina; e agora só acabo de ratificar uma promessa; o sr. Augusto poderá
dizer se ontem pediu-me ou não a terceira contradança.
— Juro... balbuciou Augusto.
— Basta! acudiu Fabrício interrompendo-o; é inútil qualquer juramento de homem, depois das
palavras de uma senhora.
Fabrício e Leopoldo retiraram-se; d. Carolina, que tinha iludido o primeiro, vendo brilhar o prazer na
face de Augusto, e temendo que daquela ocorrência tirasse este alguma explicação lisonjeira demais, quis
aplicar um corretivo e, erguendo-se, tomou o braço de Augusto. Aproveitando o passeio, disse:
— Agradeço-lhe a condescendência com que ia tomar parte na minha mentira... foi necessário que
eu praticasse assim; quero antes dançar com qualquer, do que com aquele seu amigo.
— Ofendeu-a, minha senhora?
— Certo que não, mas diz-me coisas que não quero saber.
— Meu Deus! É um crime que também eu tenho estado bem perto de cometer!
— Pois bem, foi esta a única razão.
— Mas eu temo perder a minha contradança... alguns momentos mais e serei réu como Fabrício.
— A culpa será de seus lábios.
— Antes dos seus olhos, minha senhora.
— Cuidado, sr. Augusto! Lembre-se da contradança!
— Pois será preciso dizer que a detesto?...
— Basta não dizer que me ama.
— Ë não dizer o que sinto; eu não sei mentir. Ainda há pouco ia jurar falso...
— Nas palavras de um anjo ou de uma...
— Acabe.
— Tentaçãozinha.
— Perdeu a terceira contradança.
— Misericórdia! Eu não falei em amor!...
Neste momento a orquestra assinalou o começo do sarau. E preciso antecipar que nos não vamos
dar ao trabalho de descrever este; é um sarau como todos os outros, basta dizer o seguinte:
Os velhos lembraram-se do passado, os moços aproveitaram o presente, ninguém cuidou do futuro.
Os solteiros fizeram por lembrar-se do casamento, os casados trabalharam por esquecer-se dele. Os
homens jogaram, falaram em política e requestaram as moças; as senhoras ouviram finezas, trataram de
modas e criticaram desapiedadamente umas às outras. As filhas deram carreirinhas ao som da música, as
mães, já idosas, receberam cumprimentos por amor daquelas e as avós, por não terem que fazer nem que
ouvir, levaram todo o tempo a endireitar as toucas e a comer doces. Tudo esteve debaixo destas regras
gerais; só basta dar conta das seguintes particularidades:
D. Carolina sempre dançou a terceira contradança com Augusto, mas, para isso, foi preciso que a
sra. d. Ana empenhasse todo o seu valimento; a tirana princesinha da festa esteve realmente desapiedada.
e não quis passear com o estudante.
A interessante d. Violante fez o diabo a quatro: tomou doze sorvetes, comeu pão-de-ló como
nenhuma, tocou em todos os doces, obrigou alguns moços a tomá-la por par, e até dançou uma valsa
corrupio.
Augusto apaixonou-se por seis senhoras com quem dançou; o rapaz é incorrigível. E assim tudo
mais.
Agora são quatro horas da manhã; o sarau está terminado, os convidados vão retirando-se e nós,
entrando no toilette, vamos ouvir quatro belas conhecidas nossas, que conversam com ardor e fogo.
— É possível?!... exclamou d. Quinquina, dirigindo-se à sua mana; pois é verdade que esse sr.
Augusto lhe fez uma declaração de amor?...
— Como quer que lhe diga, maninha!... Asseverou que meus olhos pretos davam à sua alma mais
luz do que aos seus olhos todos os candelabros da sala nesta noite, e mesmo do que o sol nos dias mais
brilhantes... palavras dele.
— Que insolente!... tornou d. Quinquina, ele mesmo, que me jurou ser a mais bela a seus olhos e a
mais cara ao seu coração, porque meus cabelos eram fios de ouro e a cor das minhas faces o rubor de um
belo amanhecer!... Palavras dele.
— Que atrevido!... bradou d. Clementina; o próprio que afirmou ser-lhe impossível viver sem
alentar-se com a esperança de possuir-me, porque eu sabia ferir corações com minhas vistas e curar
profundas mágoas com meus sorrisos!... Palavras dele.
— Oh! Que moço abominável, disse, por sua vez, d. Gabriela; e ousou dizer-me que me amava com
tão subida paixão que, se fora por mim amado e pudesse desejar e pedir algum extremo, não me pediria
como a outras, para beijar-me a face, porque das virgens do céu somente se beijam os pés, e de joelho!
Palavras dele.
— Mas isto é um insulto feito a todas nós!
— Como se estará ele rindo!
— Qual! Se ele está apaixonado... Apaixonado?... E por quem?...
— Por nós quatro... talvez por outras mais: ele pensa assim.
— Que maldito brasileiro com alma de mouro!...
— E havemos de ficar assim?...
— Não, acudiu d. Joaninha: vamos ter com ele, desmascaremo-lo.
— Isto é nada para quem não tem vergonha!...
— Pois troquemos os papéis: finjamos que estávamos tratadas para desafiar-lhe os requebros, e...
ridicularizemo-lo como for possível.
— Sim... obriguemo-lo a dizer qual de nós é a mais bonita; cada uma lhe pedirá um anel de seus
cabelos... uma prenda... uma lembrança... ponhamo-lo doido.
— Muito bem pensado! Vamos!
— Deus nos livre!... A vista de tanta gente!...
— Então, quando e aonde?
— Uma ideia... seja a zombaria completa: escreva-se uma carta anônima, convidando-o para estar
ao romper do dia na gruta.
— Bravo! Então escreva...
— Eu, não, escreva você...
— Deus me defenda! ... escreva d. Gabriela, que tem boa letra...
— Então, nenhuma escreve? Pois tiremos por sorte.
A ideia foi recebida com aprovação e a sorte destinou para secretária d. Clementina, que tirando de
seu álbum um lápis uma tira de papel, escreveu sem hesitar:
"Senhor: — Uma jovem que vos ama e que de vós escutou palavras de ternura tem um segredo a
confiar-vos: ao ralar da aurora a encontrareis no banco de relva da gruta; sede circunspecto e vereis a
quem, por meia hora ainda, quer ser apenas — Uma incógnita".
— Bem, disse d. Quinquina, eu me encarrego de fazer-lhe receber a carta. Saiamos.
As quatro moças iam sair, quando um suspiro as suspendeu; mais alguém estava no toilette. D.
Joaninha, medrosa de que uma testemunha tivesse presenciado a cena que se acabava de passar, voltou-se
para o fundo do gabinete e o susto logo se dissipou.
— Vejam como ela dorme! ... disse.
Com efeito, recostada em uma cadeira de braços, d. Carolina estava profundamente adormecida.
A Moreninha se mostrava, na verdade, encantadora no mole descuido de seu dormir, e à mercê de
um doce resfolegar, os desejos se agitavam entre seus seios; seu pezinho bem à mostra, suas tranças
dobradas no colo, seus lábios entreabertos e como por costume amoldados àquele sorrir cheio de malícia e
de encanto que já lhe conhecemos e, finalmente, suas pálpebras cerradas e coroadas por bastos e negros
supercílios, a tornavam mais feiticeira que nunca.
D. Clementina não pôde resistir a tantas graças: correu para ela... dois rostos angélicos se
aproximaram... quatro lábios cor-de-rosa se tocaram e este toque fez acordar d. Carolina.
Um beijo tinha despertado um anjo, se é que o anjo realmente dormia.
[MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha. São Paulo: Ática. 1992]
a) O que é um sarau? Sarau é um tipo de reunião que pode-se dançar, escutar música, conversar, ler
poemas.
Verifique o sentimento em um dicionário - Significado de Sarau
substantivo masculino Conjunto de pessoas que se reúnem para fazer atividades recreativas como: ouvir
músicas, recitar poesias, conversar etc; serão. Show ou concerto musical que ocorre durante à
noite.Reunião literária noturna. https://www.dicio.com.br/sarau/
c) Nas observações feitas pelo narrador, logo no início, todos têm o que fazer num sarau. Explique
concisamente o que fazem. Todos tem o que fazer no Sarau, pois há muitas formas de divertir. Diplomatas
fazem reuniões de negócios, os mais velhos lembram de seu tempo de mais novos, os moços aproveitam a
juventude, as moças brilham e observam os rapazes. Uns cantam, outros jogam, conversam, dançam,
comem. Cada um faz uma atividade.
2. No fragmento lido, os personagens que participam podem se enquadrar em grupos com variadas faixas
etárias. Qual é a faixa etária predominantemente? De jovens a pessoas mais velhas.
3. Socialmente, que tipo de pessoa faz parte do sarau? Justifique. São pessoas consideradas pela
sociedade senhoras e senhores, moças e rapazes (filhos de pessoas influentes) com importância perante a
sociedade.
E o mais é que nós estamos num sarau: inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de...
senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida.
4. Qual é o objetivo maior do sarau? Reunir pessoas e oferecer uma forma de entretenimento e lazer.
5. Além de um evento que proporciona reunião de pessoas, o sarau cumpre uma função importante de
entretenimento. Que situações, no trecho lido, sustentam essa ideia?
D. Carolina sempre dançou a terceira contradança com Augusto, mas, para isso, foi preciso que a
sra. d. Ana empenhasse todo o seu valimento; a tirana princesinha da festa esteve realmente desapiedada.
e não quis passear com o estudante.
A interessante d. Violante fez o diabo a quatro: tomou doze sorvetes, comeu pão-de-ló como
nenhuma, tocou em todos os doces, obrigou alguns moços a tomá-la por par, e até dançou uma valsa
corrupio.
Augusto apaixonou-se por seis senhoras com quem dançou; o rapaz é incorrigível. E assim tudo
mais.