Afranio Coutinho Literatura No Brasil Romantismo
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125 O neologismo é para enfatizar a mistura da postura marginal da poesia e a postura tropicalista da mú
sica que parecem emergir da poesia de Carneiro.
início da (sua) poesia: aquilo que ainda não estava “contaminado” pelas fixações que a
labuta poética pode causar. É, em outras palavras, como se fosse possível um retorno ao
“o tal do és pó e ao pós retornarás” (CARNEIRO, 2010, p.49) pelo caminho inverso,
pois seria, aqui, não necessariamente, uma referência a morte, mas sim ao nascimento.
O que era o homem antes do poeta? “Mero” homem. É, assim sendo, um retorno ao
nascimento do poeta. Dessa forma o poeta vai se desconstruindo ao olhar o passado,
pois é só no passado que ele pode se desfazer em nada, em não-poeta. No futuro, ainda
que venha a morte (digo ainda, pois “se um dia for ceifado deste mundo/(como se vê, é
um otimista irredutível)” (CARNEIRO, 2010, p.103)), a figura do poeta já está fixada
no tempo: mesmo que morra ele é (poeta) – e sempre será (só em algum lugar do
passado ele não foi). Portanto, é o passado que apaga o poeta e não o porvir – pois “um
dia hei de ser múltiplo de mim/ do fim até o princípio” (CARNEIRO, 2010, p.50).
Um exemplo da importância desse movimento em direção ao passado (seja para
“dissolver” ou “desvendar” algo) pode ser expresso em Poemas Reunidos pela figura do
poeta por excelência: Orfeu, que é construído, desconstruído, perdido e encontrando por
entre os livros de Carneiro, ganhando capítulos, poemas e se desdobrado em/por
Odisseu, Eurídice, Prometeu (todos envoltos pelo “eu”) e dos quais acaba se
confundindo não apenas com o próprio poeta, mas com os outros poetas que perduram
na poesia de Geraldo Carneiro: William Shakespeare (de quem encaixa, muito bem, em
alguns versos, as sentenças do bardo inglês “pela eternidade e mais um dia”
(CARNEIRO, 2010, p.28) e até a língua inglesa em alguns poemas), Dante, Poe,
Mallarmé, numa lista que seria quase interminável em meio a alusões diretas e indiretas
– como reforça o poema “autorretrato deprê” (que está no último livro, “balada do
impostor”, 2006 – portanto, primeiro de Poemas Reunidos):