Eclesiastes Por Douglas WILSON

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 79

Alegria no limite das forças

A inescrutável sabedoria de Eclesiastes

Douglas Wilson
Copyright © 1999 de Douglas Wilson
Publicado originalmente em inglês sob o título
Joy at the End of the Tether: The Inscrutable Wisdom of Ecclesiastes
pela Canon Press,
P.O. Box 8729, Moscow, ID 83843, EUA.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970
Telefone: (61) 8116-7481 — Sítio: www.editoramonergismo.com.br

1a edição, 2015

Tradução: Marcos Vasconcelos


Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto e Rogério Portella
Capa: Márcio Santana Sobrinho


P ROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


Versão Almeida Revista e Atualizada (ARA),
salvo indicação em contrário.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Wilson, Douglas
Alegria no limite das forças: a inescrutável sabedoria de Eclesiastes / Douglas Wilson, tradução Marcos
Vasconcelos ― Brasília, DF: Editora Monergismo, 2015.

Título original: Joy at the End of the Tether: The Inscrutable Wisdom of Ecclesiastes
ISBN 978-85-62478-39-0
1. Bíblia 2. Antigo Testamento 3. Eclesiastes
CDD 230
Este livro é dedicado,
com imensa e calorosa afeição,
a todos os tolos da CRISTANDADE.
Sumário
1 De profundis
2 O significado da alegria
3 Sabor de nada
4 No limite das forças
5 A formosura no momento certo
6 O silêncio do desespero
7 Sacrifício de tolos
8 Justo juízo
9 Alminhas pequenininhas & juízos rigorosos
10 Andando nos corredores do poder
11 Ame sua esposa
12 Use a cabeça, amigo
13 Tempo de ser velhote
14 A conclusão
Capítulo 1
De Profundis[1]
Das profundezas clamo a ti, SENHOR.
SALMOS 130.1

A palavra profundeza vem do latim profundus, que significa profundo. A maior


parte de alegria no mundo é bem o contrário disso: superficial e rasa. Se for golpeada
com força, com certeza fará um barulho oco. Devemos destacar também que o
pensamento profundo demais é melancolia. Desses dados devemos concluir que ser
profundo significa ser triste e que a alegria é uma perda de tempo superficial.
O grande filósofo hebreu que escreveu este livro, chamado Eclesiastes,
convida-nos à alegria, mas à alegria pensante, que não retrocede diante de questões
difíceis. Ele nos chama à meditação, mas à meditação que não leva ao desespero. E,
como ele mostra repetidas vezes, fechando todas as vias de fuga, só os crentes podem
desfrutar da vaidade que nos cerca por todos os lados.
São exatamente estas as palavras de Deus.
1
Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém: 2Vaidade de vaidades, diz o
Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade. 3Que proveito tem o homem de todo o
seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol? (Ec 1.1-3)
O autor jamais se chama pelo nome Salomão, mas Qohelet — que significa
ajuntador, agregador ou pregador. Apesar disso, Qohelet identifica-se aqui como filho
de Davi e rei de Jerusalém. Mesmo sem nos envolvermos na descrição detalhada do
debate entre os estudiosos, inexiste razão definitiva para não atribuir o livro a Salomão.
A esse Salomão foi concedida grande sabedoria da parte do Senhor, mas, apesar
disso, no curso da sua vida, ele também caiu em grandes vilezas. No período de sua
apostasia, introduziu na vida pública de Israel a idolatria de algumas das esposas
estrangeiras. O livro de Eclesiastes foi escrito na sua velhice; um repúdio arrependido
da apostasia anterior. Não obstante, tamanha apostasia foi lastimosa e seus efeitos
sobre as gerações seguintes a Salomão foram mais duradouros que o impacto do seu
arrependimento.
Ora, além da filha de Faraó, amou Salomão muitas mulheres estrangeiras: moabitas,
amonitas, edomitas, sidônias e heteias, mulheres das nações de que havia o SENHOR dito
aos filhos de Israel: Não caseis com elas, nem casem elas convosco, pois vos
perverteriam o coração, para seguirdes os seus deuses. A estas se apegou Salomão pelo
amor. Tinha setecentas mulheres, princesas e trezentas concubinas; e suas mulheres lhe
perverteram o coração. Sendo já velho, suas mulheres lhe perverteram o coração para
seguir outros deuses; e o seu coração não era de todo fiel para com o SENHOR, seu Deus,
como fora o de Davi, seu pai. Salomão seguiu a Astarote, deusa dos sidônios, e a
Milcom, abominação dos amonitas. Assim, fez Salomão o que era mau perante o SENHOR
e não perseverou em seguir ao SENHOR, como Davi, seu pai. Nesse tempo, edificou
Salomão um santuário a Quemos, abominação de Moabe, sobre o monte fronteiro a
Jerusalém, e a Moloque, abominação dos filhos de Amom. Assim fez para com todas as
suas mulheres estrangeiras, as quais queimavam incenso e sacrificavam a seus deuses.
Pelo que o SENHOR se indignou contra Salomão, pois desviara o seu coração do SENHOR,
Deus de Israel, que duas vezes lhe aparecera. E acerca disso lhe tinha ordenado que não
seguisse a outros deuses. Ele, porém, não guardou o que o SENHOR lhe ordenara.
(1Rs 11.1-10)
No aspecto exterior, observamos esse pecado descrito nas histórias da
Escritura. Constatamos também as terríveis consequências que afligiram Israel nos
séculos que se seguiram a Salomão. Vemos esse pecado em seu aspecto íntimo, interior,
e o consequente arrependimento, nas páginas de Eclesiastes. O que a queda de Salomão
― e a queda de Israel ― significa? A resposta surpreendente é que ela não significa
nada ― vaidade. Como todo pecado e incredulidade, ela deu em… nada.
O livro demanda consideração criteriosa. Ao contrário dos liberais textuais,
devemos assumir uma única voz ao longo de todo o texto do livro. Ao contrário dos
pietistas, devemos rejeitar a tentação de aceitar as passagens “edificantes” e passar por
cima das que parecem difíceis. E, ao contrário dos hereges, devemos rejeitar a
supervalorização dos textos difíceis à custa da ortodoxia difusa do livro.
O livro de Eclesiastes tem quatro seções, ou divisões, básicas. Na primeira,
Eclesiastes 1.2—2.26, a experiência de Salomão mostra que a satisfação não pode
advir de nada ao alcance do poder e da competência do homem. Nos capítulos 3.1—
5.20, Deus é soberano sobre tudo. E, então, prossegue respondendo as objeções a essa
doutrina (sempre ofensiva). Na terceira parte, Eclesiastes 6.1—8.15, aplica-se a
doutrina, de sorte que só o Deus soberano dá a capacidade para se desfrutar desse
desfile de vaidades. Sem o entendimento do Onipotente, e sem perceber seus atributos,
natureza e caráter, o mundo não é nada, senão uma permanente vexação de espírito. E,
por fim, Eclesiastes 8.16—12.14 remove diversos obstáculos e inúmeras preocupações
de cunho prático.
Ao longo de todo o livro, podem-se ouvir dois grandiosos refrães. Quando
chegarmos a entender seus significados, então teremos a ciência de que não é possível
encontrar o sentido da vida tateando na escuridão. Em vez de vermos o livro como uma
série de declarações desconjuntadas, e às vezes contraditórias, devemos primeiro estar
prontos a ouvir os temas que abrangem o ensinamento do livro inteiro. Esses temas
estão espalhados pelas quatro seções.
O primeiro refrão resume-se à expressão “debaixo do sol” ― de suma
importância, que ocorre vezes sem conta. “Debaixo do sol” é o ambiente no qual reina
a vaidade e deve ser entendido como o mundo em si mesmo. O homem sábio sempre
considerará e refletirá acerca do que acontece “debaixo do sol”. Nesse lugar, o
trabalho não traz proveito (1.3; 2.11; 2.22); nada é realmente novo (1.9); tudo é vão
(1.14; 4.7); o trabalho é penoso (2.17); a fadiga é odiosa, pois outra pessoa colhe seu
fruto (2.18); há o risco do estulto se beneficiar do trabalho dos outros (2.19,20); a
igreja e o Estado são juntamente corruptos (3.16); os homens, é óbvio, são oprimidos
(4.1); quem ainda não nasceu goza de particular vantagem (4.3); a popularidade é
sempre transitória (4.15); as riquezas causam dano a seus possuidores (5.13); os ricos
não conseguem desfrutar da própria riqueza (6.1); não há como conhecer as gerações
futuras (6.12); os homens dominam sobre os outros e destroem a si mesmos (8.9); o
trabalho é incompreensível (8.17); o bom e o mau morrem da mesma maneira (9.3); as
emoções morrem conosco (9.6); o tempo e o acaso acometem a todos nós (9.11); os
ingratos desprezam os benefícios da sabedoria (9.13); e os governantes estabelecem a
cega insensatez do igualitarismo (10.5).
Tudo isso ― e muito mais circulando por aí ― ocorre debaixo do sol. Esses
lembretes persistentes espalhados por todo o livro fazem de Eclesiastes a ruína
absoluta dos tolos alegres.
Mas há outro tema, outro refrão, igualmente notável, que os cínicos não
conseguem captar. É o refrão que assinala os grandes feitos de Deus. Debaixo do sol, a
vaidade é o cetro de Deus (5.18; 8.15; 9.9). A quem o teme, ele concede o dom de
poder desfrutar de fato da grande banda marcial da futilidade ― com as tubas da
vaidade roubando a atenção para a retaguarda. Deus concede ao sábio o dom de
observar, com uma risada santa e grata, uma futilidade atrás da outra. Resumindo tudo,
a atividade furiosa do mundo é quase tão sem sentido quanto os shows alucinantes no
intervalo da decisão do campeonato de futebol americano. O sábio, porém, pode estar
lá e se deleitar. É esse o dom de Deus. O sábio perceberá o quanto essa questão é,
vezes sem conta, martelada por todo o livro. Aos poucos, começa-se a compreender
que, na realidade, esse é um livro de profundo… otimismo. “Sei que nada há melhor”
(3.12,13); “Pelo que vi não haver coisa melhor” (3.22); “Eis o que eu vi: boa e bela
coisa é” (5.18,19); “Então, exaltei eu a alegria” (8.15); “Vai, pois, come com alegria o
teu pão” (9.7-9).
Todas essas coisas são feitas por pessoas que temem a Deus debaixo do sol, da
mesma maneira que os infelizes suarão e trabalharão sem cessar debaixo do sol. Mas a
diferença, como sempre, deve ser achada na soberania e na graça de Deus. É por isso
que o fundamento doutrinal da alegria ― alegria que resiste até que as forças se
acabem ― deve ser entendido antes de tudo. Quando o homem o entende, e só depois
disso, ele pode comer seu pão, beber seu vinho, e regozijar-se. Pode ser que ele dê
duro cavando um buraco que outra pessoa, algum dia, vai tapar. Mas se ele for sábio,
entenderá que esse trabalho é vão e se alegrará nele de qualquer maneira. Esse é o dom
de Deus. Como é possível? A questão merece ser considerada.
Capítulo 2
O significado da alegria
Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça.
JOÃO 7.24

Devemos guardar a nós mesmos. Crentes sinceros e conscienciosos precisam


resistir a dois erros de interpretação, na medida em que buscam entender esse pequeno
livro de sabedoria. O primeiro erro é o de tratar a palavra vaidade como os
existencialistas modernos a tratariam, com o significado de falta absoluta de sentido. É
óbvio que, do princípio ao fim, incluindo-se Eclesiastes no meio do caminho, a Bíblia
rejeita tal erro. E, mais ainda, se Salomão estivesse arrazoando acerca da total falta de
sentido de absolutamente tudo, então por que deveríamos confiar em seu argumento? O
qual se acha também debaixo do sol. Como seria possível alguma coisa, ou alguma
palavra, significar a total falta de sentido? Toda vez que alguém proclamar que esse
negócio de verdade não existe, quem o escuta deveria sempre se perguntar se quem fala
acredita mesmo que seu discurso seja verdade. Salomão é sábio demais para cair na
idiotia do relativismo existencial moderno. Nesse livro, portanto, vaidade não quer
dizer o absurdo final e cabal; há algo mais em vista, que consideraremos no devido
lugar.[2]
Mas o outro erro, comum entre os fiéis, é o de tirar conclusões piedosas e
edificantes de imediato sem permitirmos antes que a força das observações e
argumentos de Salomão opere na alma. Não devemos nos precipitar para cuidarmos
dessa ferida específica de modo superficial. A falta de sentido generalizada, do modo
como Salomão a apresenta, precisa agir com profundidade nos ossos. Devemos deixar
a Palavra realizar esse trabalho antes de corrermos para tornar Eclesiastes uma
caixinha de surpresas de citações que nos inspiram. Se não formos criteriosos,
cairemos na cilada de escrever disparates piedosos afirmando que Salomão queria
dizer que em baixo é em cima em vez de dizer que em baixo é em baixo. Pode ser uma
experiência dolorosa ler a obra de comentadores piedosos trabalhando esforçadamente
no lugar errado quando tentam lixar as áreas ásperas de Eclesiastes ― que precisa
estar lisinho para ser edificante.
Se quisermos evitar essas armadilhas, temos de começar examinando algumas
páginas adiante. A primeira divisão do livro (Ec 1.2—2.26) pode ser subdividida em
três seções. Em breve consideraremos a primeira dessas subseções (1.4-11). Mas antes
de abordarmos esses versículos, devemos olhar adiante para a conclusão da primeira
divisão para vermos aonde o argumento de Salomão está nos levando. Aqui, formatei
em itálico uma modificação da versão bíblica inglesa Authorized Version.[3]
Não há no homem nenhum bem [inerente] pelo qual ele comeria e beberia, e sua alma
gozaria do bem no seu labor. Vi também que isso procedia da mão de Deus. Pois, quem
pode comer, ou se alegrar, à parte dele? Porque Deus concede a sabedoria, o
conhecimento e alegria ao homem que é bom à sua vista; mas ao pecador ele dá o
trabalho de juntar e de acumular, para que ele o dê àquele que é bom diante de Deus.
Isso também é vaidade e agarrar o vento. (Ec 2.24-26)
Obviamente, precisamos começar com os problemas de tradução. Em muitas
traduções, a seção começa com “Nada é melhor…”. Os estudiosos inseriram aqui a
palavra melhor, apesar de ela não existir no texto hebraico. Isso se faz porque essa
expressão é repetida várias vezes no livro e presume-se simplesmente que foi deixada
de fora nesse lugar. No entanto, da forma que está, deveria ser traduzida como “Não há
no homem nenhum bem [inerente] pelo qual ele…”.
Além disso, o versículo 25 não deveria ser “mais do que eu”, referindo-se a
Salomão, mas, antes, “à parte dele”, referindo-se a Deus. Essa é a interpretação seguida
por oito manuscritos hebraicos, a Septuaginta, a Siríaca, a Copta e a tradução de
Jerônimo para o latim. É também a interpretação que melhor se encaixa no contexto do
argumento.
Assim, a mensagem aqui é dupla. Deus é quem dá as coisas, Deus é quem
concede a capacidade para desfrutá-las. São dons distintos… da mesma maneira que a
lata de pêssegos e um abridor de latas são dádivas distintas. Só o primeiro é dado ao
incrédulo. Ao crente são dados os dois, o que é apenas outra forma de dizer que ele
recebeu a capacidade de desfrutar. Se nos lembrarmos de que essa é a conclusão do
argumento de Salomão na seção, isso pode nos ajudar a entender sua intenção na
medida em que ele expõe as premissas.
Bem-aventurados os que guardam suas prescrições
4
Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. 5Levanta-se o sol, e
põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. 6O vento vai para o sul e faz o
seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus
circuitos. 7Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde
correm os rios, para lá tornam eles a correr. 8Todas as coisas são canseiras tais, que
ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de
ouvir.
9
O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois,
novo debaixo do sol. 10Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já
foi nos séculos que foram antes de nós. 11Já não há lembrança das coisas que
precederam; e das coisas posteriores também não haverá memória entre os que hão de
vir depois delas. (Ec 1.4-11)
Como temos considerado, a vaidade não se refere à absoluta falta de sentido,
mas, vemos agora, refere-se à repetitividade inescrutável. Na noite passada, você lavou
os pratos, e eles estão aí de novo. Você trocou o óleo do carro três meses atrás, e agora
troca de novo. Tudo é vaidade. Esta camisa foi lavada ontem.
Salomão percebe que as gerações vão e vêm ― um grupo de pessoas substitui o
outro (v. 4), sem consciência real um do outro (v. 11). Debaixo delas, a terra permanece
obstinadamente no mesmo lugar (v. 4). Quando a história de grupos de pessoas que
viveram antes de nós esbarra em nós, por breve tempo nos divertimos ou ficamos
intrigados, mas nada chegamos a aprender de verdade. Além disso, esperaremos
sempre que nossos sucessores procedam da mesmíssima maneira para conosco.
Esvaímo-nos de suas memórias, como incontáveis gerações esvaíram-se da nossa. Isso
acontece sempre, e sempre, e sempre. Como disse o outro, a única coisa que
aprendemos com a história é que não aprendemos com a história.
O sol nasce, põe-se, e corre de volta para nascer de novo. Como o hipócrita em
suas orações, o sol se mete em vãs repetições. O sol que nasceu na manhã de hoje é o
mesmo que Abraão, Odisseu, Davi, Paulo, Voltaire, Isaac Watts, e Robert E. Lee viram.
E quando o sol se vai, ficamos na expectativa de vê-lo novamente. Ele, não
necessariamente, espera ver-nos outra vez.
As correntes de ar que circulam nas altas camadas da atmosfera também se
movimentam em círculos ― o mundo natural, segundo parece, roda em círculos. E nós
também. O que acontece lá em cima vem cá para baixo. O que acontece cá embaixo vai
lá para cima uma vez mais. Esse é o significado de vaidade. Como disse alguém no
rádio, as rodas de fiar têm de girar e girar. Pode-se buscar em vão por alguma novidade
no clima. A água evapora-se, chove, evapora-se, e chove de novo, e o oceano nunca
transborda. Para nós, o mundo inteiro é uma gigantesca ilustração desenhada em um
quadro-negro. Observe-a, assim como Salomão a observou, e aprenda uma lição
monótona e cansativa.
Podemos tentar escapar da repetição dizendo que ela não existe. Podemos
ignorar o passado e dizer: “Veja, isto é novo” (v. 9-11). O último de todos “seja lá o
que for” ecoará quando chegar o salvador que há de nos tirar do temporário abatimento
pós-moderno, da profunda depressão. Talvez a Internet, ou os computadores, ou os
arranha-céus, ou o ativismo ambiental, ou o snowboarding, ou outra coisa qualquer nos
salve. Mas isso não ajuda. Mesmo quem pratica snowboarding precisa retornar ao topo
do monte mais uma vez.
E, além de tudo, até esse erro é uma repetição. Quem diz que encontrou algo de
novo está sendo um tanto velho. Tão certo quanto o sol nasce, os homens continuarão a
cometer os mesmos erros, menos aqueles a quem Deus concede sabedoria. Todas as
manhãs a insensatez desponta no horizonte. Mais uma vez. Manhã, luz do sol. Hora de
servir o café de novo. Tudo novamente.
Para ser sábio, o homem tem de conhecer suas limitações. “Todas as coisas são
canseiras tais, que ninguém as pode exprimir” (v. 8). O crente sábio é quem conhece o
limite da sua força. É apenas mediante a sabedoria dada por Deus que ele consegue
desfrutar dessa limitação, dessa restrição, dessa vaidade. Não obstante o sábio possa
vir a gozar dessa vaidade, não consegue expressá-la de fato.
Capítulo 3
Sabor de nada
Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que
dará o homem em troca da sua alma?
MATEUS 16.26

Segundo nossas luzes, a teoria é clara e simples: nada vemos ao redor, exceto
repetição inescrutável. Mas aqui, é-nos oferecida a vivência de Salomão
proporcionando-nos melhor compreensão do mundo como um palco giratório vazio.

Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos!
12
Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém. 13Apliquei o coração a
esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu;
este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir.
14
Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e
correr atrás do vento. 15Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se
pode calcular. 16Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a
todos os que antes de mim existiram em Jerusalém; com efeito, o meu coração tem tido
larga experiência da sabedoria e do conhecimento. 17Apliquei o coração a conhecer a
sabedoria e a saber o que é loucura e o que é estultícia; e vim a saber que também isto é
correr atrás do vento. 18Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta
ciência aumenta tristeza. (Ec 1.12-18)

Tem início a descida ao inferno. Salomão impôs a si mesmo a missão particular


de entender tudo (1.12-18). Ele aplicou o coração a buscar (v. 13), trocou ideias com
ele quanto a isso (v. 16) e o fez ir em busca do conhecimento (v. 17). Esse é o
testemunho do mergulho na loucura e na estultícia. Ele caiu longe de Deus com os olhos
abertos, observando à sua volta o todo tempo. A investigação toda foi um
empreendimento triste, produzindo resultado lamentáveis.
O tolo empenha-se para corrigir o que está torto, mas Salomão, de olhos
abertos, viu a impossibilidade de endireitar o torto (1.15). E por que não? Olhando
adiante, saberemos que Deus o fez torto (7.13). Esse trabalho enfadonho é, portanto,
criado por Deus (1.13). Há um propósito por trás da falta de sentido ― é propósito e
intento de Deus que os pecadores não sejam capazes de endireitar o que ele fez torto.
Circula por aí a ideia popular de que Deus está acima de toda a bagunça
tortuosa daqui de baixo torcendo nervosamente as mãos sobre o mundo que deu errado.
Toda vez que uma calamidade despenca sobre nós, algum ministro piegas sente-se na
obrigação de obter algum tempo no ar para garantir que “o coração de Deus foi o
primeiro a se despedaçar”. A teologia “vamos-deixar-Deus-fora-da-responsabilidade-
de-toda-essa-coisa-ruim” procura, de maneira superficial, defender a honra de Deus. Se
Deus não está mesmo aqui, então não podemos culpá-lo pelo problema do mal.[4]
Assim arrazoamos no íntimo, imaginando que o homem, mediante seu livre-arbítrio, fez
alguma coisa torta que Deus, por razões diversas, não é capaz de endireitar. O
problema com essa ideia é que Salomão a enuncia ao contrário. O homem não pode
endireitar o que Deus entortou. Contrário a nossos modernos apóstolos evangelicais da
vida mansa, Deus nos deu esse “duro trabalho” (v. 13; TB).
Gostamos de pensar que Deus não “produz” terremotos. Asseguramos ao mundo
incrédulo que não servimos ao Deus que causa desastres naturais ou qualquer outro tipo
de desastre. Temos só um minúsculo problema com essa tese. “Sucederá algum mal à
cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?” (Am 3.6).
Sem dúvida, a sabedoria é algo incômodo. Dentro desses limites, a sabedoria
consegue apenas nos mostrar que Deus decidiu nos capturar na armadilha da existência
sem sentido. Assim, qualquer investigação inteligente do mundo e de seus prazeres só
servirá para multiplicar as tristezas (1.18). O tolo pensa estar acorrentado à muralha de
um calabouço; o inteligente sabe que, na verdade, é um labirinto. Prazeres, deleites,
sensações e todos os seus primos, apenas despacharão o homem, primeiro nessa missão
do tolo, e depois na outra.

Bendito és tu, SENHOR; ensina-me os teus preceitos.


1
Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas
também isso era vaidade. 2Do riso disse: é loucura; e da alegria: de que serve?
(Ec 2.1,2)

Ele chega primeiro a uma conclusão e depois à outra. Salomão procurou


descobrir de forma sistemática que sentido havia debaixo do sol, à parte da bênção e
do dom de Deus. Usando inteligência e sabedoria, buscou sondar as profundezas da
loucura e de toda estultícia. Talvez nisso seja possível encontrar algum tipo de resposta
(1.17). Para tanto, em sua sabedoria apelou a vários recursos.
O primeiro recurso foi o riso. Talvez seja possível encontrar na comédia a
solução para o problema apresentado por este mundo cíclico, talvez um lugar mais
vibrante se pudéssemos acrescentar-lhe a trilha sonora do riso. Sem a inteligência e a
sabedoria de Salomão, estamos tentando a mesma coisa em nossos dias. Talvez
achemos a salvação na comédia, mas a onipresente trilha de risadas por trás de todos
os nossos programas de humor proporciona um comentário pertinente em nossos dias
― ela não passa do comprido aguilhão para cutucar o gado da comédia, informando
atentamente ao rebanho o instante em que deve explodir em alegres mugidos. É a hora
da risada, diz nosso invisível senhor.
Mas a risada é vazia e as piadas inevitavelmente ocas. Os que fazem piadas de
nós desconhecem a situação debaixo do sol, quando são estúpidos, ou ignoram o quão
tudo é sombrio, quando quase não são engraçados. O humor debaixo do sol só consegue
preservar o próprio senso de… humor… mediante a insensatez cega.

Regozijo-me com o caminho dos teus testemunhos


3
Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e
entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens
debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida. (Ec 2.3)

Talvez baste só uma garrafa de vinho para causar o efeito desejado.


Experimente tomar duas. Mas que nada (2.3). Se esse paliativo particular fosse
removido, toda a nossa indústria de música country iria à falência. Pouco tempo depois
da Queda, os homens descobriram como se esquecer de seus problemas buscando um
agradável zumbido entre as orelhas. Às vezes o zumbido vinha de uvas, outras vezes de
cereais, e, ainda em outros casos, de vários tipos de vegetação.
Por vários motivos, não é fácil para os cristãos americanos concordarem com
isso. O primeiro motivo é não entenderem de fato o problema do modo apresentado por
Eclesiastes. Se alguém pensante observasse como o mundo é de fato acharia que todos
devem se embebedar. Depois que tudo passasse, veria também que não resultaria em
nenhum bem, mas, como nos mostra Salomão, seria compreensivelmente algo a se
tentar. A linha de raciocínio faz lembrar o apóstolo Paulo. Se Cristo não ressuscitou, a
coisa mais lógica a fazer é comer e beber e se divertir o quanto for possível a um
pedaço de protoplasma sem sentido. Se aqui, a única coisa a ser levada em
consideração for o que vemos debaixo do sol, então não faz nenhum sentido lutar em
defesa dos valores tradicionais.
O segundo motivo é que passamos maus bocados para entender a diferença entre
pecado e crime. Os americanos são naturalmente intrometidos. Se algo for
desaprovado, ou seja, se for considerado pecado, o próximo passo a dar é afirmar
“devia existir uma lei”. É claro que outras pessoas adotam a suposição cômoda de que,
seja lá o que for não deve ser crime, então seja lá o que for também não deve ser
pecado.
Antes de tratar da questão de Salomão sobre o vazio do zumbido, por favor,
deixe-me tratá-la à parte de algumas questões polêmicas. Não devia existir o combate
às drogas e as drogas não deviam ser ilegais. A cocaína deveria estar prontamente à
disposição em supermercados e lojas de conveniência ― e, se tivéssemos aprendido as
lições de Eclesiastes, nós a estocaríamos na seção de idiotices. Mas alguém vai
vasculhar a Bíblia em vão na caça de alguma indicação de que Deus quer que haja
penalidades civis para o uso de drogas, pura e simplesmente. Um em cada dois
adolescentes poderia ficar tão alto quanto os passarinhos, e esse dado continuaria sem
ser da conta do magistrado civil. Permanece a mera questão de se esse tipo de coisa
deveria ser crime ou não.
Salomão nos mostra a esterilidade do vinho como anestésico mental.
Simplesmente não funciona. O mesmo se aplica a tudo que se possa usar com o mesmo
propósito de torpor. Por isso um sábio como Salomão não achou nenhum contentamento
nele. E, como todo pecado, o resultado é vazio.
A embriaguez é tão vazia quanto a garrafa depois da bebedeira. O Novo
Testamento classifica o uso de drogas no mesmo escaninho: vazio. A palavra é
pharmakeia, da qual derivou a nossa farmácia, e as nossas traduções convencionais às
vezes são estranhas. Por exemplo, em Gálatas 5.20, é quase sempre vertida para
feitiçaria ou bruxaria. Mas Thayers dá a primeira definição como “uso ou
administração de drogas”, a segunda como envenenamento e a terceira, bruxaria. Liddel
e Scott fazem a mesmíssima coisa. Definem a primeira, como uso de “drogas, poções e
feitiços”. A segunda definição é envenenamento ou bruxaria.
Há uma conexão com feitiçaria, mas essa conexão se dá por intermédio de
drogas. Nos tempos bíblicos, as práticas do ocultismo eram usualmente atividades
veladas associadas com drogas. Saindo do vernáculo para o grego, se perguntássemos
que palavra grega descreveria as práticas de nossos modernos capelães militares, a
resposta seria pharmakeia.
Podemos raciocinar por analogia. O uso de drogas é vetado por visa levar a um
estado condenável ― confusão mental ― como uma das aplicações ilegítimas do
álcool.[5] “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos
do Espírito” (Ef 5.18). O álcool tem pelo menos cinco usos bíblicos legítimos:
sacramental (Mt 26.27,28), comemorativo (Sl 104.15), medicinal (1Tm 5.23), estético
(Jo 2.10) e a sede (Jo 19.28-30). Desses usos, o único para as drogas é o medicinal ―
e o uso para que se recorre às drogas é o uso negado ao álcool.
Embora o uso de drogas tenha apenas uma aplicação legítima, quando
consumidas de maneiras ilegítimas ainda podem ser usadas pelas mãos do Deus
soberano para mostrar ao homem quão inútil é sua vida. Nessa seção, a busca de
sentido no vinho empreendida por Salomão, levou-o exatamente a essa conclusão. Em
nossos dias, é comum ocorrer a mesma coisa. Muitos procuram achar alguma espécie
de sentido para a vida na ingestão de várias substâncias. Se a abordagem viver-melhor-
por-meio-de-químicos se dá mediante líquidos, fumaça, agulhas ou palha o resultado é
sempre o vazio. O tolo sempre descobrirá maneiras de achar uma saída, mas quando
consegue chegar lá, está sempre no fundo do poço.
Outros deleites epicuristas também se incluem nesse caso. Por óbvio, é
provável que os banquetes reais associavam a busca de sentido ao prazer de comer;
observe 1 Reis 4.22,23.
22
Era, pois, o provimento diário de Salomão trinta coros de flor de farinha e sessenta coros
de farinha; 23dez bois cevados, vinte bois de pasto e cem carneiros, afora os veados, as
gazelas, os corços e aves cevadas.
Eram necessárias 35 mil pessoas para consumir tudo isso. A dotação de
Salomão era considerável e impressionante. Talvez fosse possível encontrar aí o
sentido da vida. Comer e beber, comer e beber, loucura e insensatez. A resposta é
sempre a mesma: não.
Como o vinho, a comida é uma criação. Mais adiante em nosso estudo
chegaremos à função comemorativa dos dois, mas por enquanto vemos que boa comida,
bom café e bom vinho estão todos destinados ao mesmo lugar, que, na maioria dos
casos, é o sistema de esgotos sanitários. Como substituto para o sentido transcendente,
a comida tem um desempenho tão indigente quanto o do vinho. No entanto, em toda
cultura malsucedida no que tange ao sentido, o esnobismo relacionado aos melhores
restaurantes é sempre um ator essencial.

Meditarei nos teus preceitos


4
Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. 5Fiz
jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. 6Fiz
para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores.
7
Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e
ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém.
(Ec 2.4-7)
Salomão também procurou encontrar sentido para a vida na execução de
grandes realizações ― “Empreendi grandes obras…”. Salomão edificou casas, plantou
vinhedos, jardins, pomares e cavou poços de água; possuiu servos, rebanhos, prata e
ouro. Algumas dessas obras de Salomão ainda podem ser vistas hoje pelos turistas que
desejam admirar ruínas ozymandianas. Mas depois de construídos todos os
monumentos, e toda obra impressionante concluída, somente os tolos não reconhecem o
vazio. Ambrose Bierce certa feita definiu sarcasticamente que um mausoléu é a última e
mais divertida insensatez dos ricos. Sebna era alguém importante e para comprovar
isso erigiu uma sepultura para si (Is 22.15-19). Nós até já achamos uma verga dessa
sepultura. Pare com isso! Grande coisa!
Mas a busca de sentido no prazer não precisa de uma ética juvenil
malcomportada e insensata, como a dos membros de fraternidades universitárias
americanas. É possível ser um hedonista em busca de sentido e valor máximos em
prazeres estéticos não grosseiros ou ostentosos. Talvez seja possível encontrar sentido
passeando em um primoroso jardim japonês, contemplando lances de xadrez, ou
problemas de geometria. Apesar de ser com certeza mais refinado, os resultados ainda
dão no mesmo: sempre vazio.
Hoje, essa espécie de indivíduo, comprometido com a construção de projetos
como ele era, seria louvado pelo “espírito público” e pela dedicação ao “serviço
público”. Mas no final do dia tudo quanto ele teria feito seria construir edifícios ocos
para todas as pessoas ocas viverem neles.

Terei prazer nos teus decretos


8
Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me
de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres.
(Ec 2.8)
Tatear em busca de sentido mediante o cultivo do refinamento é compulsão
estética. Salomão adquiriu músicos, homens e mulheres, e todo tipo de instrumento
(2.8). Sem dúvida, esses músicos da corte eram excelentes em seu mister. No entanto,
após o realizarem, tudo terminava de fato e o salão enchia-se uma vez mais de um vazio
silencioso. Nós hoje procuramos resolver esse problema recusando-nos a permitir a
existência do silêncio em toda parte, mas o silêncio ainda consegue se intrometer em
momentos inconvenientes. Mas trabalhamos com ardor seguindo avante. Rodeamo-nos
de ruídos agradáveis o tempo todo. Houve um tempo no qual só os reis tinham condição
de ter músicos à sua disposição para proporcionarem o agradável som tocando ao
fundo, mas agora, graças à tecnologia, podemos levá-lo a toda parte. Podemos ter
música no interior de todo e qualquer espaço vazio imaginável. Buscamos a paz pela
eliminação da própria ideia de um momento de paz.
Salomão tinha um gosto refinado ― ele obteve músicos talentosos. Nossos
gostos não são tão refinados ― adquirimos sistemas de som automotivo capazes de
chacoalharem nossos ossos até ficarem frouxos com as estrondosas vibrações dos alto-
falantes graves. Em ambos os casos, porém, sentido e propósito não são um problema
acústico.
Pessoas com sensibilidades refinadas talvez torçam o nariz para a música pop
estúpida e o garoto que se delicia com a coisa talvez revire os olhos adolescentes só ao
pensar em música erudita. Mas tudo isso é inútil e causador de desvios.

Não me esquecerei da tua palavra


9
Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém;
perseverou também comigo a minha sabedoria. 10Tudo quanto desejaram os meus olhos
não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com
todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. 11Considerei todas as
obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia
feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia
debaixo do sol. (Ec 2.9-11)
Então, o mesmo Salomão que se havia engrandecido, também começou a
debater-se. Ele buscou com empenho qualquer tipo de prazer. Teria deixado algo de
fora? Não mesmo. Salomão afirmou que fazia tudo quanto lhe agradava (2.10). Ele
permitiu-se qualquer prazer imaginável que um rei na sua posição poderia desejar. São
grandes as possibilidades de Salomão ter cedido a todo tipo de vício. Mas nada de bom
resultou disso. Quando um prazer legítimo é desfrutado à parte do dom de Deus, nada
bom pode proceder dele. E quando Deus permite o gozo de prazeres ilegítimos, ele
nunca dá junto com eles o contentamento. Em cada caso, a única coisa restante é a
nódoa na consciência e o lançamento do pecado na contabilidade divina. Lançamento
cujo total, como sempre, é zero.
Pense um pouco acerca do que Salomão podia fazer na posição em que estava.
Devemos pensar brevemente a respeito do que ele provavelmente fez. Ele tinha mil
mulheres, todas totalmente dele, e de boa aparência. Ele tinha mais dinheiro do que
alguém conseguiria gastar. Dispunha de tempo para ir à caça de todo prazer possível em
cada recanto de seus palácios.
Mas tudo era um montão de nada. “Considerei…”. Quando estava nas últimas,
Salomão viu que não teve nenhum lucro. E, uma vez que corremos atrás da mesma
coisa, também nada lucramos. Essa estrada já foi palmilhada antes. Quando chegamos
no fim da linha, a estrada simplesmente acaba, quase sem espaço para darmos meia-
volta no carro.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): O contentamento não pode proceder de nada que
esteja na capacidade do homem. Esse argumento pode ser confirmado em dois lugares.
Primeira subdivisão (1.2-11): A natureza mostra uma repetição inescrutável. Segunda
subdivisão (1.12-2.11): A experiência vazia mostra a Salomão que a experiência é
vazia.
Segunda divisão (3.1—5.20): Deus é soberano sobre tudo quanto existe. Todo
os que sustentam essa doutrina têm sido sempre obrigados a responder objeções a ela, e
Salomão não é diferente.
Terceira divisão (6.1—8.15): A doutrina tem sempre a finalidade de ser
aplicada e, portanto, Salomão põe em prática sua doutrina, qual seja: só a soberania de
Deus concede a capacidade de desfrutar a vaidade.
Quarta divisão (8.16—12.14): A última seção remove vários obstáculos e
desencorajamentos e trata de questões de interesse prático.
Capítulo 4
No limite das forças
Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?
MARCOS 8.36

Como cortesia da Roma antiga, certo epitáfio resume bem a situação: “Banhos,
vinho e casos de amor ― essas coisas machucam o corpo, mas fazem a vida valer à
pena. Aproveitei os meus dias. Diverti-me e bebi o quanto quis. Antes eu não era,
depois eu era, e agora, uma vez mais, nada sou, mas não dou a mínima!”. Na beira do
abismo, vemos o grito desafiador de outro tolo que sabe das coisas. Mas mesmo o tolo
consciente não enxerga longe o bastante.

Cumprirei os teus decretos; não me desampares jamais


12
Então, passei a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultícia. Que fará o homem
que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram. 13Então, vi que a sabedoria é mais
proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais proveito do que as trevas. 14Os
olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi que
o mesmo lhes sucede a ambos. 15Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto,
assim me sucede a mim; por que, pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim
mesmo que também isso era vaidade. 16Pois, tanto do sábio como do estulto, a memória
não durará para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah!
Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto!
Considere os resultados do experimento até aqui. Salomão já viu que o céu é
impenetrável. Assim, deu a volta e passou a experimentar tudo o que poderia comer,
beber, fumar ou com quem dormir, e descobriu que não pode encontrar sentido nesses
prazeres. Ele agora se volta (v. 12) e olha panoramicamente para trás, para o território
pelo qual viajou.
Isso o faz afirmar o óbvio. Vemos que, mesmo na experimentação do pecado,
Salomão não se tornou relativista. A despeito da falta de sentido, ele conclui que a
sabedoria é melhor que a estultícia. É melhor galgar o precipício de olhos abertos que
com eles fechados. É melhor, como diz o outro, ser Sócrates com fome que um porco
saciado. Todo indivíduo acostumado a pensar percebe de forma instintiva que essa é a
melhor opção, mas defender essa escolha debaixo do sol é uma questão das mais
arriscadas. Por que razão seríamos rejeitados se alguém se prontificasse a nos
converter em uma vaquinha satisfeita? Ou em uma tartaruga de aquário?
Mas tanto o sábio como o estulto têm o mesmo destino. Embora a sabedoria seja
melhor, Salomão ainda não sabe nos dizer o porquê disso. A partir do que ocorre ao
sábio e ao estulto aqui, debaixo do sol, os resultados se afiguram os mesmos. Os dois
tipos de homem morrem. Ambos são sepultados. Ambos apodrecem. No entanto, é
possível perceber uma diferença. O sábio tem olhos na cabeça, e o estulto é cego. E,
não obstante, os dois ainda morrem (v. 16). Essa diferença, portanto, faz a diferença,
como veremos. Não é possível achar a redenção nem mesmo na reputação póstuma
(v. 16). Debaixo do sol, em algum momento, a sabedoria deixa de respirar da mesma
maneira que a insensatez (v. 14-16). A esse respeito, chegará o momento em que o
sábio, tanto quanto o estulto, assumirá serenamente a mesma temperatura do ambiente.
Salomão reconhece que a posição do sábio é melhor, mas não sabe dizer por
quê. Todos os dados que consegue achar debaixo do sol mostram que o sábio e o estulto
acabam na mesma sepultura. Assim, Salomão expressa preferência pela sabedoria; uma
preferência parada no ar, à boa moda kantiana. O imperativo categórico, a voz
imperativa provinda do vazio, tem de ser obedecida. Ao mesmo tempo, o sábio se
aborrece, pois não tem razão para confiar na própria razão e sabedoria nenhuma para
fundamentar a própria sabedoria.

Não escondas de mim os teus mandamentos


17
Pelo que aborreci a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim,
tudo é vaidade e correr atrás do vento. 18Também aborreci todo o meu trabalho, com
que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem
viesse depois de mim. 19E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá
domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também
isto é vaidade. 20Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo
trabalho com que me afadigara debaixo do sol. 21Porque há homem cujo trabalho é feito
com sabedoria, ciência e destreza; contudo, deixará o seu ganho como porção a quem
por ele não se esforçou; também isto é vaidade e grande mal. 22Pois que tem o homem
de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo
do sol? 23Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite
não descansa o seu coração; também isto é vaidade. (Ec 2.17-23)

Isso irritou tanto a Salomão que ele chega a dizer que não dava a mínima [à
vida].[6] “Pelo que aborreci a vida” (v. 17). Essa é a falta de sentido anterior à dádiva
de Deus que a faz deleitosa. Aqui, a palavra empregada para “aborreci” abrange a ideia
de desprezo e desdém. De fato, ele não poderia dar a mínima. Salomão está preparando
o caminho para que cheguemos à grande verdade. O dom divino não manda embora a
falta de sentido; o dom de Deus torna essa vaidade deleitosa.
Mas, nesse ínterim, somos instados a atentar para os tolos que virão depois. Ao
morrerem, os sábios têm de deixar o quanto fizeram para os outros. E, eles serão
sábios? Quem sabe? O resultado é aflição (v. 17), desesperança (v. 20), dores (v. 23),
desgosto (v. 23) e fadiga (v. 23). Salomão entrega o coração ao desespero (v. 20). Ele
se desespera em busca de uma saída debaixo do sol. Da mesma forma que antes se
entregara ao prazer, assim ele agora cede ao desespero.
O teu servo considerou nos teus decretos
24
Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem
do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, 25pois, separado
deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se? 26Porque Deus dá sabedoria,
conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao pecador dá trabalho, para que
ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e
correr atrás do vento. (Ec 2.24-26)

Essa é a conclusão da primeira parte do argumento de Salomão. A sabedoria


dele debaixo do sol, e todas as suas experimentações, levaram-no a um impasse. Mas
um impasse para o homem não é um impasse para Deus. Portanto, qual é a conclusão?
Lembre-se da controvérsia sobre a tradução deste trecho no começo do livro.
Não há no homem nenhum bem [inerente] pelo qual ele comeria e beberia, e sua alma
gozaria do bem no seu labor. Vi também que isso procedia da mão de Deus. Pois, quem
pode comer, ou se alegrar, à parte dele. Porque Deus concede a sabedoria, o
conhecimento e alegria ao homem que é bom à sua vista; mas ao pecador ele dá o
trabalho de juntar e de acumular, para que ele o dê àquele que é bom diante de Deus.
Isso também é vaidade e agarrar o vento. (Ec 2.24-26)
Não dá para imaginar que o homem seja um poço artesiano. Ele não tem em si
mesmo nada que o capacite para desfrutar seus confortos de criatura; não tem nenhuma
capacidade inata para o prazer. Ademais, é Deus quem faz isso ― foi ele quem impôs
sobre nós essa lei inexorável (v. 24,25). Quem é capaz de se deleitar, até mesmo na
própria comida, à parte de Deus?
Deus sempre dispensa os seus dons com soberania e graça sublimes. Os dons
são sabedoria, conhecimento e alegria. A sabedoria é graça, e o conhecimento é
também graça, mas note-se de forma especial o último desses dons: alegria. A alegria é
um dom supremo de Deus neste mundo sem sentido. Os serafins sentiam alegria na
presença de Deus, mas honestamente, é isso o que se deve esperar. No entanto, não é
aos anjos que ele socorre. Foi-nos dado o privilégio de experimentar a alegria aqui, no
meio do caos em curso, desobediente e que imbeciliza. Alegria, sem dúvida, mas
mirabile dictu, a alegria está aqui.
Nesse meio tempo, qual é a tarefa do pecador? Ele é chamado para acumular
pencas de coisas, para ajuntar essas boas coisas aos montes, empilhadas umas sobre as
outras. Coisas com as quais só os piedosos estão autorizados a se alegrar.
E quem herdará todos esses bens mundanos? Poucos versículos acima, não foi
possível responder a essa pergunta. Antes do dom de Deus, quem sabe se é o tolo quem
herdará os bens do sábio? Segundo nosso entendimento, quem pode dizer se o sábio ou
o tolo o herdará? Mas de acordo com a fé, a resposta agora é clara: os bons diante de
Deus. Os perversos são entregues às próprias aflições.
Em uma de suas canções, Bob Seger diz que a cabeça tem dois buracos através
dos quais se espera que entre a luz. E então, é? Como é possível a piedade não
investigada ser diferente das cegas apalpadelas do estulto? Qual é a marca registrada
da sabedoria no mundo caído? A resposta é a alegria no limite das forças. Mas antes de
podermos aprender o que é a alegria no limite das forças, precisamos saber que limite é
esse. O Senhor é bom, mas nós não o somos.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2–2.26): O contentamento não pode ser seduzido por nada
criado pela capacidade ou astúcia do homem. Primeira subdivisão (1.2-11): A natureza
repete-se sempre e sempre por nenhuma razão particular que possamos ver. Segunda
subdivisão (1.12-2.11): Salomão sabe, pela dura experiência, que sensações e
sentimentos são vazios. Terceira subdivisão (2.12-2.26): A sabedoria é melhor, mas só
Deus sabe por quê. Deus concede um dom maravilhoso: a alegria acorrentada a uma
muralha.
Segunda divisão (3.1—5.20): Todo o mundo quer que Deus seja soberano.
Ninguém parece querer que ele seja soberano em tudo e sobre tudo. Seja como for,
Salomão insiste na doutrina e defende-a das objeções.
Terceira divisão (6.1—8.15): Deus é soberano sobre tudo, e por isso tem o
poder de conceder a alegria aqui em baixo. Assim, Salomão aplica sua doutrina de que
só o Deus soberano dá a capacidade para se desfrutar a vaidade.
Quarta divisão (8.16—12.14): Por fim, assim como devem fazer todos os
mestres excelentes, Salomão volta para remover os vários obstáculos e
desencorajamentos, e para tratar das questões de interesse prático.
Capítulo 5
A formosura no momento certo

Sucederá algum mal à cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?


AMÓS 3.6

Uma ilustração comum sobre os caminhos de Deus e o entendimento humano é a


do tapete no tear. Da perspectiva de baixo pouco se enxerga, a não ser emaranhados e
nós. Mas de cima, pode-se ver a beleza da estampa da obra no tear. Como mostrou
Salomão, vivemos nossa vida debaixo do tear, e tudo quanto enxergamos é vaidade.
Portanto, como é possível discernir a estampa na parte de cima? A única resposta
possível é mediante a fé no Deus soberano.

Não me deixes fugir aos teus mandamentos


1
Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu:
2
há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se
plantou; 3tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar;
4
tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; 5tempo
de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se
de abraçar; 6tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar
fora; 7tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; 8tempo
de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz. 9Que proveito tem o
trabalhador naquilo com que se afadiga? 10Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos
homens, para com ele os afligir. (Ec 3.1-10)

A despeito da infelicidade de se tornar famosa por causa da banda americana de


roque The Byrds, essa passagem permanece uma expressão magnífica da maneira como
os homens vivem a vida perante o Senhor.
Começamos agora a segunda seção do argumento de Salomão e, portanto,
devíamos uma vez mais examinar à frente a conclusão da segunda etapa. É
indispensável que continuemos a manter os olhos em onde estamos indo. “Eis o que eu
vi: boa e bela coisa é comer e beber” (Ec 5.18-20). Jamais se deve esquecer que este é
um livro de exuberante, intensa e vigorosa alegria. Ao chegar às conclusões sobre a
alegria, Salomão não dá um salto existencialista na escuridão. Não tira um elefante da
cartola. O que ele afirma, resulta de suas premissas.
O fundamento dessa alegria é o princípio da soberania divina. Ora, os dias de
nossa vida estão nas mãos de Deus. Aqui, o primeiro versículo afirma que há tempo e
ocasião para tudo debaixo do sol (v. 1). Assim, quem reparte esses tempos e ocasiões?
Todos os trabalhos daí resultantes são dados por Deus (v. 10); ele é quem tudo faz
formoso no tempo devido (v. 11); as ações inescrutáveis (v. 11) de Deus duram
eternamente (v. 14). Se for bom, foi Deus quem o deu. Se for trabalho duro, então
também foi Deus quem deu. Resumindo, é ele quem reparte nosso quinhão, e uma vez
que o faz, é para sempre. A partir do nosso ponto de observação, a contemplação de
qualquer coisa (incluindo o fluxo das marés) é vaidade. Mas quando nos lembramos de
que Deus pôs todas as coisas onde agora estão, tudo (incluindo o fluxo das marés) é
formoso (v. 11). O leitor criterioso dará uma olhada adiante no versículo 14. Deus faz
tudo isso para que os homens temam diante dele. Quem lê a situação sem sentir temor, é
porque se esqueceu do Deus vivo.
Essa célebre passagem, porém, não é um conjunto de instruções dadas a nós.
Não é nenhuma agenda. Antes, é uma descrição das determinações de Deus. Não está
nos dizendo que agora é tempo de semear e, alguns meses depois, que é tempo de nos
apressar, correr à messe e ceifar. Está nos dizendo que fomos postos no mundo que não
foi criado nem organizado por nós, e que esse mundo tem diversos ciclos repetitivos,
aos quais fomos designados por alguém mais. Estamos debaixo da autoridade dessas
repetições e fomos postos sob essa autoridade pela mão e propósito de Deus.
É claro, há tempo de nascer e tempo de morrer. Quem define esses tempos?
Quem prescreveu e organizou o próprio nascimento? Deus estabelece o dia do nosso
nascimento e o do nosso funeral (v. 2). Ninguém, antes de nascer, pode ser visto sentado
em alguma mesa no mundo espiritual preenchendo o requerimento da sua vida. Ninguém
demandou o dia do próprio nascimento ― ele foi imposto a cada um de nós. Esse
conhecimento é tão negligenciado quanto óbvio. “Visto que os seus dias estão contados,
contigo está o número dos seus meses; tu ao homem puseste limites além dos quais não
passará” (Jó 14.5). Se mostrassem a Salomão um homem cujos dias não estivessem
ainda determinados, ele se espantaria com o prodígio e ia querer saber se aquele quem
estava sendo apresentado ainda estava no capítulo 1, enchendo a cara de vinho.
Mas Deus não só se importa com o homem. Sua soberania estende-se a tudo e
sobre tudo. Conforme ensinou nosso Senhor Jesus, ela inclui os cabelos da nossa
cabeça e os passarinhos em nosso gramado sendo perseguidos pelo gato do vizinho.
Aqui, Salomão mostra que a duração da vida das plantas no campo é determinada por
Deus. Há tempo de plantar e tempo de colher. Deus designa o dia do nascimento de
cada planta e o dia do funeral de cada planta (v. 2). Visto como essa doutrina fede em
nossas narinas, tendemos a estudar argumentos para descobrir uma saída. Mas Deus só
prometeu livramento para as tentações, não para as doutrinas desagradáveis ao paladar.
“Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o
consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça
estão contados” (Mt 10.29,30). Não ceifamos na primavera nem semeamos no inverno.
Não agimos assim, porque Deus determinou como deve ser.
Vemos tempo de matar e tempo de curar, os quais vêm também da mão de Deus.
Deus supervisiona quando os homens são executados ou quando são mortos na batalha.
Ele determina quando os homens são levantados e restaurados (v. 3). Quem poderia
dizer que só morreu porque Deus desviou o olhar por um instante? Quando os homens
são tragados pela engrenagem trituradora da guerra, os estultos que os cercam pensam
traçar o próprio destino. Mas cada flecha, cada bala, segue a trilha ordenada antes que
os mundos fossem feitos. O rei Acabe achou que poderia frustrar as palavras de Deus
vestindo roupas diferentes — como se Deus estivesse se esforçando para ver a batalha
de longe. Mas uma flecha atirada ao acaso feriu o rei por entre as juntas da armadura, e
nenhuma palavra do profeta caiu por terra (1Rs 22.28,34). Em tempos de guerra, o
homem acha-se no ápice da soberba. Ele é todo jactância, pois acha que derrotou o
inimigo ― ou pensa que pode fazê-lo. Mas não controlamos nosso destino na guerra.
Deus é quem traz a guerra e Deus é quem traz a paz uma vez mais (v. 8).
Há tempos em que os homens derrubam e destroem, seguidos por tempos nos
quais edificam novamente. Quando um e outro ocorrem, Deus está presente. Se é
destruição, então Deus estava na destruição. Se é edificação, então o Senhor estava na
edificação (v. 3). “O conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios do seu
coração, por todas as gerações” (Sl 33.11). Os homens podem se vangloriar no que
constroem, ou no que destroem, mas em ambos os casos, o Senhor está por trás deles,
manejando-os como instrumentos de suas poderosas mãos. A Assíria vangloriou-se no
seu poder para destruir Israel? Foi o Senhor quem brandiu o machado (Is 10.15). Algum
homem se vangloria da capacidade de ir a outra cidade e fazer fortuna lá? Ele deveria
testemunhar que o resultado depende da vontade de Deus (Tg 4.13-17).
Vem o tempo de chorar; volta o tempo de sorrirmos. Nossas lágrimas de pesar, e
as ocasiões que as originaram, procedem da mão de Deus. O mesmo ocorre com o riso
(v. 4). “Eu sou o SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e
crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas” (Is 46.6b,7). Quando as calamidades
chegaram e as lágrimas escorreram, o Senhor estava nelas. Quando o regozijo trouxe
alegria, o Senhor estava nele. Essa doutrina tem limites bem afiados e definidos, e mais
de uma pessoa cortou-se nela.
Chesterton certa vez comentou que se for verdade que alguém tem prazer em
esfolar um gato, então devemos negar que Deus existe, como faz o ateu, ou negar a
existência de comunhão entre Deus e o homem, como faz o cristão. Comentou ainda que
os novos teólogos entendem que negar o gato seja uma solução adequada.[7] De modo
comparativo, a calamidade e o mal nos confrontam no mundo como fatos brutos. Quem
pretende preservar o Deus da Bíblia e ainda fingir que ele não é soberano sobre tudo
não presta atenção ao argumento ou aos próprios jornais. O problema do mal é um dos
que atormenta os refinados pensadores dos departamentos de filosofia ao redor do
mundo. Gostaria de sugerir a algum crente audacioso que, no próximo jantar do corpo
docente, se levante e proponha um brinde ao problema do mal. Será uma proposta muito
abençoada.
Não é de surpreender, pois isso significa que a lamentação procede da vontade
divina. Deus determina o tempo de lamentar. Passa-se algum tempo, e então ele
determina que se dance (v. 4). Quando a alma do homem for abatida, ele pode voltar-se
para Deus em lamentação. “Por pão tenho comido cinza e misturado com lágrimas a
minha bebida, por causa da tua indignação e da tua ira, porque me elevaste e depois me
abateste. Como a sombra que declina, assim os meus dias, e eu me vou secando como a
relva” (Sl 102.9-11). E quando a oração for respondida, sua felicidade deve também
ser atribuída à bondade de quem a concedeu. “[Para] pôr sobre os que em Sião estão de
luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em
vez de espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo
SENHOR para a sua glória” (Is 61.3). Rasgamos nossas vestes por causa da aflição. Isso
procede do Senhor. A aflição é dom seu, tanto quanto a restauração (v. 7).
Às vezes espalhamos pedras, e em outras vezes as ajuntamos. Deus institui o
tempo de destruição; Deus institui o tempo de edificação (v. 5). Quando cai uma
edificação, pela intenção do homem ou não, o Senhor foi quem determinou o tempo.
Tudo que se constrói é fútil à parte do bom propósito de Deus. “Se o SENHOR não
edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o SENHOR não guardar a cidade,
em vão vigia a sentinela” (Sl 127.1).
Sustentar um ao outro procede de Deus. O abraço é dado desde o céu. A
abstinência também procede dele. Quando deixamos de abraçar, estamos cumprindo sua
vontade designada (v. 5). A esposa prudente vem do Senhor ― e também a atraente.
Quando abraçamos um ao outro, recebemos um dom precioso. Quando a brecha se abre,
ainda estamos sob seu decreto.
Algumas pessoas fazem fortuna vivendo em uma época favorável ao lucro.
Outras perdem demais. A prosperidade é dom de Deus, como a queda da bolsa de
valores (v. 6). Deus nos permite acumular até o máximo. Ele determina o dia em que
lançaremos fora, sem jamais pensar a respeito depois (v. 6). É Deus quem dá o poder
para obter riquezas (Dt 8.18). E quando os homens se esquecem dele, é ele quem lhes
traz a calamidade financeira: “Maldito o teu cesto e a tua amassadeira” (Dt 28.17). A
agitação do mercado de ações revela o orgulho arrogante melhor que quaisquer outras
coisas menores. Acreditamos que podemos injetar capital na Dow Jones para sempre e
fazer dinheiro a passos rápidos sem cessar… mas não podemos. Os ciclos ordenados
por Deus para tudo no mundo caído e insensato voltarão de novo, e muito milionário
empalidecerá de incredulidade. “Como pôde acontecer isso?”. Amigo, preste atenção
ao mundo. Como não poderia acontecer?
Deus permite que o homem não diga nada, ficando em silêncio. Deus lhe dá as
palavras para que fale (v. 7). “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta
certa dos lábios vem do SENHOR” (Pv 16.1). O homem pode achar que sabe qual a
importância do que afirma, mas só Deus conhece de fato o rumo das palavras. Silêncio
e eloquência são ambos dados por ele ― para cumprir o bom propósito e vontade do
Senhor.
Relacionamentos que se formam estão sob o desígnio da sua vontade soberana,
e os que se dissolvem também procedem dele (v. 8). Houve um tempo no qual Evódia e
Síntique eram íntimas, mas terminaram rompendo. Mas, debaixo do sol, jamais
reataram novamente. O tempo para as amizades e o tempo para as discórdias estão
todos designados. Nossa responsabilidade de evitar discórdias banais jamais põe em
risco a soberania do Senhor sobre nossa obediência ou desobediência. Gostamos de
combater essas verdades óbvias porque consideramos ameaças à santidade do caráter
divino dizer que Deus está acima de tudo. Mas lembre-se, ele é Deus.
Em tudo isso, em cada aspecto da vida, o Senhor Deus é totalmente soberano.
Não faz tal afirmação para contender com os infelizes irmãos que a questionam, mas
porque ela é o fundamento da argumentação de Salomão. O que, por sua vez, significa
que é o fundamento de toda alegria inteligente possível.
Os teus testemunhos são o meu prazer, são os meus conselheiros
11
Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do
homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao
fim. 12Sei que nada há melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada;
13
e também que é dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de
todo o seu trabalho. 14Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe
pode acrescentar e nada lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante
dele. 15O que é já foi, e o que há de ser também já foi; Deus fará renovar-se o que se
passou. (Ec 11.13-15)

A eternidade foi implantada em nosso coração. Deus nos fez em relacionamento


com ele, e nada que fizermos poderá alterar isso. Ele é sempre aquele que nos fez, e
nós somos sempre os que foram feitos. Ele é sempre o Criador, e nós somos sempre
criados. O fato de o “mundo” ter sido colocado em nosso coração não significa que o
entendamos. A realidade é o contrário. Homem nenhum é capaz de descortinar a obra
que Deus realiza do princípio até o final. A resposta fiel é entregar-se de braços
abertos pela fé (não pelo desespero) e desfrutar o momento. Isso só pode ocorrer se
uma das obras que Deus estiver fazendo for a comunicação da fé verdadeira a algum
pobre tolo debaixo do sol.
Ora, Salomão vê mediante a fé o proveito das coisas e o trabalho imposto por
Deus (v. 9). O que Deus faz é formoso a seu tempo (v. 11). Por que razão queremos
entender tudo isso? Deus pôs a eternidade no nosso coração (v. 11), o que desperta em
nós uma sede desesperada sem que haja água. Mas mesmo com essa sede pelo que é
eterno, o homem não é o ponto de partida do conhecimento e não o pode ser. Temos de
começar com Deus, e não com alguma antiga divindade qualquer. Temos de começar
com o Deus que tudo governa, aquele que tudo arranjou em um formoso lugar. Temos de
adorar aquele que dirige todas as coisas para sua glória final. Até mesmo o pecado e o
mal? Até mesmo o monstruoso e o feio? A resposta tem de ser sim — somos chamados
para lembrar que a lista apresentada pela sabedoria inclui curar e matar, guerra e ódio,
choro e riso. Deus a tudo controla perfeitamente.
Resistimos ao ouvir essas coisas porque somos soberbos. Dizemos que não
queremos a santidade de Deus impugnada, mas na verdade não queremos que nossa
autonomia seja restringida. Se Deus designa todos os períodos da vida do homem, então
homem nenhum pode viver para si mesmo, e ninguém consegue encontrar dentro de si a
fonte da sabedoria. Se Deus decreta todas as coisas, então não podemos fugir dele, nem
mesmo nos afundando na depravação absoluta. O homem que abraça o mal, vê-se uma
ferramenta na mão do Onipotente. O homem que rejeita o mal e segue a sabedoria, vê-
se um filho, na família do Onipotente. A única opção que não temos é a de obstaculizar
e restringir os propósitos divinos.
Os que dizem que o Deus santo não pode manejar uma ferramenta má passaram
a acreditar na autoridade dos próprios sofismas. A Bíblia nos informa que Deus é santo,
e a Bíblia nos diz que Deus usa o ímpio com as mãos como um machado. Deus usou os
malignos assírios para julgar os judeus; Deus usou Herodes, Pôncio Pilatos, e todos os
judeus para condenarem seu Filho; Deus usou Judas para trair o Senhor; Deus usou
Absalão para coabitar com as concubinas de Davi. A lista é extensíssima e bem menos
agradável do que alguns cristãos desejariam.
Que devemos então fazer? Essa doutrina é o fundamento da alegria. Regozije-se,
faça o bem, como seu pão, beba seu vinho. Creia no Deus soberano e desfrute dessas
inescrutáveis repetições (v. 15). É dom de Deus (v. 13). Lembre-se de seus juízos
(v. 15) e sente-se para comer.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): A satisfação, é claro, não poder advir de nada
que esteja ao alcance do poder do homem; podemos saber disso assistindo ao canal do
tempo e observando nossa própria vida dando voltas e voltas.
Segunda divisão (3.1—5.20): Deus é soberano sobre tudo; Salomão responde a
objeções à doutrina. Primeira subdivisão (3.1-15): Na sua soberania, Deus coloca
todas as coisas em um formoso lugar com um olho perfeito e inerrante.
Terceira divisão (6.1—8.15): Salomão segue o modelo bíblico e aplica sua
doutrina segundo a qual só o Deus soberano concede a capacidade de desfrutar a
vaidade.
Quarta divisão (8.16—12.24): A última seção ataca e remove vários
problemas, e chega penetrantemente às questões práticas.
Capítulo 6
O silêncio do desespero

Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de
todos os homens.
1 CORÍNTIOS 15.19

Na consideração do livro de Eclesiastes, a questão não é de fato como


resguardar o livro de contradizer outras porções mais “respeitáveis” da Escritura. A
tarefa é lê-lo de forma a não contradizer a si mesmo. Estamos chegando a trechos do
livro comumente mal interpretados porque os leitores tentam mantê-los em pé
isoladamente, por si mesmos, e não como parte de um argumento sustentável.
Para entender o argumento devemos nos lembrar da natureza das perguntas
difíceis. O sábio sempre se lembrará dos limites estabelecidos por Salomão no
decorrer de todo o livro e as conclusões por todo ele as quais o autor insta com o leitor
para que as deduza. Essas conclusões não são as mesmas a que chegaríamos, se
deixados ao nosso próprio conselho. Se formos largados à nossa sabedoria carnal não
raciocinaríamos a partir das premissas da maneira como ele faz. Nesta seção, vemos
uma vez mais o estranho tipo de conclusão de Salomão, desta vez em 3.22: “Pelo que vi
não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque essa é a sua
recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?”. É isso que devemos
fazer. Como poderemos fazê-lo? É dom de Deus. Quando chegamos à conclusão do
argumento, e não sentimos vontade de nos alegrar, isso significa apenas que, fomos
deixados para trás na nossa estultice, incapazes de manter o passo. Lembrem-se de que
todas as objeções ensaiadas nesta seção continuam simplesmente no lugar em que
Salomão as abandonou de modo deliberado.
Além disso, a natureza dessas antiquíssimas questões e objeções serve para
mostrar como de fato nada há de novo debaixo do sol.

Ensina-me os teus preceitos


16
Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça,
maldade ainda. 17Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo
para todo propósito e para toda obra. (Ec 3.16,17)

Assim, a primeira objeção dá um passo à frente. “Mas... vemos maldade nas


cortes”. Como é possível afirmarmos que Deus se assenta no trono da alta justiça
quando nossos juízes, estabelecidos sobre a terra para refletirem essa justiça, não se
preocupam em cumpri-la (3.16)? Como é possível ele estar lá em cima, se eles estão cá
em baixo? Os problemas no judiciário não começaram com os juízes liberais do
presente século; Salomão conheceu muitos que torciam as palavras por trás da tribuna.
Agora, a perversidade dos juízes fornece matéria-prima para a difamação da verdade.
Salomão, porém, apressa-se em acrescentar que Deus consertará tudo no juízo final
(3.17).
Quando os homens se apartam da Palavra de Deus e são investidos de poder,
passam a acreditar que eles próprios são a lei. A forma como se vestem completa a
ilusão, tanto para nós como para eles. Durante algum tempo após a transição, todos
ainda cantamos mantras como a regra da lei, não de homens, mas ninguém mais a
entende. Não é possível encontrar nenhuma forma para trazer os homens debaixo da lei
a despeito das extravagâncias e desejos de homens caprichosos, à parte do
reconhecimento formal do rígido mestre da lei bíblica.
Os cristãos, que deviam ser os mais conhecedores, têm-se batido já há alguns
anos, para votarem no menor de dois males. Uma facção quer dirigir rumo ao penhasco
do juízo de Deus a cem quilômetros por hora, ao passo que a fiel oposição quer reduzir
a velocidade para sessenta. Cristãos trabalhadores e simplórios fazem das tripas
coração para colocar o último grupo no poder. E então, quando assumem o controle,
condescendem com o grupo alijado e estabelecem a velocidade moderada e bem
respeitada de noventa quilômetros.[8]
A Bíblia, porém, proíbe a investidura de um soberano ― seja governante ou
juiz ― que não tema a Deus. “Procura dentre o povo homens capazes, tementes a Deus,
homens de verdade, que aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de mil,
chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez” (Êx 18.21). Em vez disso, temos
dado posse a tolos e imbecis, homens que não temem a Deus, que adoram o engano, o
suborno e dinheiro por fora, e depois nos perguntamos por que nossas campanhas em
prol dos valores tradicionais parecem sempre ficar presas no atoleiro. “Por que, ó
Senhor, não nos livras dos secularistas?”. Claro que a resposta é que não temos deixado
de votar neles. Somos semelhantes aos que querem ser salvos do afogamento desde que
possam continuar no fundo da piscina.
Mas a oposição que Deus supre contra a tirania nas cortes é o conhecimento do
juízo vindouro. Não surpreende que governantes e juízes que não creem nessa justiça
não sejam refreados por ela. Mas o que há de estranho são os incontáveis milhares que
acreditam nessa justiça e creem que ela seja irrelevante nas considerações políticas. Só
o tolo investe alguém com verdadeiro poder sobre os semelhantes, quando a pessoa não
teme a Deus: “Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso” (v. 17).
Esse versículo prometendo justiça é de suma importância à medida que nos
acercarmos da próxima seção, pois muitos presumem que Salomão tem uma perspectiva
inteiramente centrada no mundo e em seus acontecimentos. Como mostra a passagem, o
juízo final está por demais evidente em todo esse livro sapiencial. E, é claro, devemos
também nos lembrar do último versículo do livro. Assim, a resposta à objeção
fundamentada na existência da opressão judicial é que o dom de Deus concede
sabedoria no juízo final. Esse conhecimento da justiça final põe em perspectiva toda
monstruosidade judicial. Em dias nos quais ela prolifera como cardos à luz do sol,
carecemos de encorajamento.

Faze-me atinar com o caminho dos teus preceitos


18
Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e
eles vejam que são em si mesmos como os animais. 19Porque o que sucede aos filhos
dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o
outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os
animais; porque tudo é vaidade. 20Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do
pó e ao pó tornarão. 21Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige
para cima e o dos animais para baixo, para a terra? 22Pelo que vi não haver coisa
melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque essa é a sua recompensa;
quem o fará voltar para ver o que será depois dele? (Ec 3.18-22)

Outra objeção se apresenta como voluntária: “Mas… tanto os homens como os


animais morrem”. Esse é o teste da mortalidade (3.18). Deus assegura que possamos
ver com nossos olhos que descemos à terra da mesmíssima maneira que os cães e os
porcos. Portanto, com base em quê dizemos haver diferença entre nós? A única base
possível é a declaração transcendente, vinda de fora do sistema, a declaração feita pela
Palavra de Deus. Quando lemos o versículo 21, nos lembramos do versículo 17.
Salomão acabou de nos ensinar a respeito de um juízo final. Mas dados os parâmetros
de autonomia, que diferença há? Essa não é uma questão relativista. Salomão não
pergunta: Quem sabe? Quem pode dizer? Deve-se entender isso como tendo em si uma
declaração indicativa implícita. O espírito do homem vai para cima; o espírito do
animal vai para baixo. Mas quem sabe disso? Deus sabe, mas o homem por si mesmo
não é capaz de saber.
Os homens sabem que estão em uma categoria à parte da dos animais. O
argumento de Salomão é que eles, em razão da epistemologia abraçada, não têm como
saber disso de forma consistente. Observe o que acontece ao cadáver de cada um deles.
A imago dei não retarda o processo de apodrecimento. Portanto, se for para isso que
olhamos a fim de descobrirmos essa imagem, então não chegaremos a nada, exceto ao
desespero. Em última análise, a única coisa que o cientista consegue medir é a
velocidade com que apodrecemos. O conhecimento do juízo final e da maneira como os
homens na qualidade de homens se postarão de pé diante de um grande trono não é
deduzido da dissecação de sapos.
Alguns verdinhos entusiasmados têm corrido para engolir a reductio [ad
absurdum]. “Beleza”, dizem eles, “o homem não é diferente dos animais. Toda vida
está no mesmo nível”. E então seguem adiante insistindo conosco para que salvemos as
baleias, como se fôssemos responsáveis por elas ou algo parecido. É possível negar a
singularidade do homem, mas não é possível fazê-la desaparecer. Os homens sempre
serão homens, mas à parte da consciência do juízo final, não podem ter a esperança de
prestarem conta razoável de si mesmos como homens.
Assim, precisamos nos lembrar de dar uma olhada lá na frente em 12.7. A
resposta a essa objeção à mortalidade é que o dom de Deus concede o conhecimento
acerca da nossa vida após a morte.

Fortalece-me segundo a tua palavra


1
Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram
oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem
que ninguém consolasse os oprimidos. 2Pelo que tenho por mais felizes os que já
morreram, mais do que os que ainda vivem; 3porém mais que uns e outros tenho por
feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más obras que se fazem debaixo do sol.
(Ec 4.1-3)

No entanto, as objeções não param. “Mas… os homens são oprimidos”. Os


homens não são oprimidos especificamente pelas cortes, como discutimos antes. São
oprimidos de forma geral por toda a vida nos negócios, no casamento, em diferentes
relacionamentos, por qualquer um que detenha o poder (4.1). É melhor estar morto ou
não ter nascido do que ser oprimido dessa maneira (4.2,3).
Os que já morreram estão em melhores condições que os homens vivos, ou que
ainda não nasceram. Na vida, os opressores detêm o poder, e sabem usá-lo. O oprimido
pode clamar e continuar a achar que não tem consolador.
Nascemos para a aflição, como as faíscas das brasas voam para cima. Nada
pode ser realizado negando-se a existência da tribulação. A única atitude que devemos
tomar é ansiar a morte, quando estaremos fora do alcance do opressor. Salomão já nos
tinha lembrado do juízo, e nos fará lembrar dele uma vez mais. Se entendermos isso, se
nos lembrarmos, então deixaremos o deserto e alcançaremos a consolação.
Portanto, a resposta aqui é que o dom de Deus concede consolação.

Favorece-me com a tua lei


4
Então, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem
contra o seu próximo. Também isto é vaidade e correr atrás do vento. 5O tolo cruza os
braços e come a própria carne, dizendo: 6Melhor é um punhado de descanso do que
ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento. (Ec 4.4-6)

Assim surge outra objeção. “Mas… os homens são invejosos e preguiçosos”.


Este é realmente o outro lado do problema anterior: antes, vimos o poderoso chutando o
impotente, mas agora vemos o impotente cuspindo em quem exerce o domínio criativo.
Quando o homem trabalha duro, e realiza muita coisa, seus vizinhos o invejam (4.4-6).
Quem inveja é quase sempre um canibal, devorando a si mesmo (v. 5). Mas o trabalho
duro, puro e simples também não consegue satisfazer.
Quando alguém trabalha com afinco ― e o faz bem ― seu próximo desdenha
dele. “Para você, falar é muito bom ― você consegue fácil!”. É claro que consegue
fácil, pois tem dado duro e agora goza do fruto do seu labor. Seu próximo vê isso como
injusto e atormenta-se demais com o problema.
Surgem, então, os demagogos inescrupulosos e prometem fazer os ricos pagarem
sua “cota justa”. Isso é um ritual complexo e de longo prazo no qual os pobres são
tosquiados em nome da tosquia dos ricos. Os pobres permitem que isso aconteça
porque ficam cegos pela própria inveja. Qualquer um que pretenda controlar as
engrenagens do Estado, para melhor levar a efeito sua pilhagem, sempre promete fazer
os grandes empreendimentos pagarem impostos ― e os invejosos vibram com isso.
Mas, é claro, empresa nenhuma jamais pagou impostos sem os repassar para os
consumidores e assim o invejoso termina pagando pelo saque que ele mesmo apoia com
todo ardor.
Mas não tenha pena dele. Esse indivíduo é um tolo invejoso e merece tudo
quanto recebe, tanto de bom como de duro.
O sábio detesta toda forma de inveja. A resposta dada por Salomão é que o dom
de Deus concede satisfação ao trabalho duro de cada um.

Escolhi o caminho da fidelidade


7
Então, considerei outra vaidade debaixo do sol, 8isto é, um homem sem ninguém, não
tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar, e seus olhos não se fartam de
riquezas; e não diz: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os bens da vida?
Também isto é vaidade e enfadonho trabalho. 9Melhor é serem dois do que um, porque
têm melhor paga do seu trabalho. 10Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai,
porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante. 11Também, se dois
dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? 12Se alguém quiser
prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras não se rebenta com
facilidade. (Ec 4.7-12)
Ainda mais um argumento. “Mas... os homens são solitários”. O avarento
obcecado pelo trabalho é solitário e industrioso, mas não tem razão para agir como age
(4.7,8). O homem foi feito para viver em comunidade e a solidão é um grande mal.
Trabalhar juntos trás satisfação, é frutífero, evita prejuízos, lhe mantém aquecido,
defende e preserva a unidade (4.9-12).
O homem trabalha para acumular sem parar, para fazer uma pergunta básica: por
que estou fazendo isso? Ele acumula uma pilha de dinheiro, mas não tem ninguém com
quem a compartilhar. Ele não se permite casar ou ter filhos, porque o afastariam do
trabalho. Não se permite ter amigos, porque todos os seus motivos seriam suspeitos.
Ele teria condição de pagar o almoço de todos no restaurante, mas ninguém quer se
sentar com ele. Tudo bem, ele também não quer se sentar com ninguém.
Mas o companheirismo é algo amável. Deus nos criou para a amizade, e há uma
maldição em todas as coisas que impedem as pessoas de fazerem amizades. Um dos
cúmplices nesse caso é o empenho para fazer dinheiro em grande escala.
A resposta, portanto, é que o dom de Deus concede companheirismo.

Tenho os teus juízos diante de mim


13
Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa
admoestar, 14ainda que aquele saia do cárcere para reinar ou nasça pobre no reino
deste. 15Vi todos os viventes que andam debaixo do sol com o jovem sucessor, que
ficará em lugar do rei. 16Era sem conta todo o povo que ele dominava; tampouco os que
virão depois se hão de regozijar nele. Na verdade, que também isto é vaidade e correr
atrás do vento. (Ec 4.13-16)

Então, a última objeção é apresentada. “Mas… a fama é transitória”. Isso é o


original bíblico da célebre máxima de Warhol, segundo a qual cada um terá seus quinze
minutos de fama (v. 4). O rei velho tornou-se irredutível e indisposto para ouvir
conselhos. Foi trocado por um jovem seguido por multidões… mas que, por sua vez, se
tornará impopular.
É assim que acontece, e é normal. É como Deus o designou. Quando nos
recusamos ser varridos com cada nova excitação política, quando tomarmos
conhecimento de que tudo isso já aconteceu muitas vezes antes, teremos crescido em
alguma medida na sabedoria. Conforme expressou Agostinho, em nossas questões
importantes, os mortos são sempre substituídos pelos que estão morrendo. Os
impopulares de hoje são sempre trocados pelos ainda não impopulares. Mas serão, e
por isso o sábio deve buscar melhor ponto de observação. A resposta aqui é que o dom
de Deus concede a aceitação com ele.
Devíamos acolher bem o silêncio do desespero. O desespero humano não tem
autoridade para contradizer o que Deus nos dá. Só pode contradizer o que ele vivencia,
ou seja, a vida debaixo do sol. Sem Deus e sem sua Palavra, que podemos dizer a
respeito dessas coisas? Temos que silenciar. Devemos desesperar… do nosso próprio
desespero.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): A essa altura, devíamos saber que a satisfação
não poder provir de nada ao alcance do poder do homem.
Segunda divisão (3.1—5.20): Visto que Deus é soberano por cada mínima coisa
do último instante, Salomão deve responder a objeções à doutrina. Primeira subdivisão
(3.1-15): Na sua soberania, Deus coloca todas as coisas no lugar com perfeição de
juízo. Segunda subdivisão (3.16—4.16): São replicadas seis objeções à soberania de
Deus.
Terceira divisão (6.1—8.15): Depois de havê-la estabelecido, Salomão aplica
a doutrina de que só a soberania de Deus concede a capacidade para se desfrutar a
vaidade.
Quarta divisão (8.16—12.14): A última seção do livro é uma miscelânea,
removendo diferentes obstáculos e abordando conselhos práticos.
Capítulo 7
Sacrifícios de tolos[9]

Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno.
MATEUS 5.37

Vimos que o tema de Eclesiastes é a existência da alegria e do prazer pela


graça, mediante a fé, não por meio de obras, para que ninguém se glorie. As
admoestações encontradas nessa passagem não são a maneira como adquirimos a
alegria, mas as características dela. O estulto aproxima-se de Deus de modo
inconsistente com a verdade, a sabedoria ou a alegria. O sábio ouve, e ouve tudo.
As objeções teóricas quanto à soberania de Deus foram tratadas na seção
anterior. Salomão volta-se agora para alguns obstáculos práticos que impedem a
compreensão dessa verdade. Obviamente, pelo menos duas coisas podem interferir na
percepção da gloriosa verdade sobre quem Deus é. A primeira diz respeito ao que
pensamos de Deus, e a segunda, como vivemos diante de Deus. Portanto, nessa parte
Salomão acautela-nos para que não ofereçamos a adoração prática dos estultos.

Percorrerei o caminho dos teus mandamentos


1
Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que
oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal. 2Não te precipites com a
tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus;
porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras.
3
Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias.
(Ec 5.1-3)

Vamos voltar e considerar o tolo em seu culto. A religiosidade adora encher


linguiça diante do Senhor. Religiosos adoram fazer orações prolixas. Para a carne, um
pressuposto natural na religião é que Deus fica de algum modo impressionado com o
montante de palavras, e tudo isso apesar da expressa injunção bíblica contrária (5.1-3).
Nosso Senhor orou noites inteiras, algumas vezes. “Naqueles dias, retirou-se
para o monte, a fim de orar, e passou a noite orando a Deus” (Lc 6.12). Somos instados
a orar sem cessar (1Ts 5.17) e a perseverar em oração (Cl 4.2). No entanto, nossas
lições bíblicas introdutórias sobre a oração enfatizam a brevidade. Ser um guerreiro na
oração — que expressão horrorosa para algo tão maravilhoso! ― não é o mesmo que
ser tagarela, loquaz, verboso, e assim por diante. Os crentes precisam primeiro
aprender a oferecer poucas palavras. Isso exige pensamento organizado. O fato de os
tolos serem verbosos quando oram não é uma lei modificada só porque as palavras “em
nome de Jesus, amém!” vêm atreladas ao final das orações.
Quando Jesus ensinou seus discípulos a orar, ele lhes deu uma oração bem
simples e breve. Somos mais sábios que tudo isso e, portanto, nossas palavras jorram
sem fim. Mas ele conhecia o coração dos homens, e por isso acrescentou uma
advertência expressa: “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque
presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos” (Mt 6.7). “Ué”, a gente se pergunta,
“que significa isso?”.

Ensina-me, SENHOR, o caminho dos teus decretos


4
Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de
tolos. Cumpre o voto que fazes. 5Melhor é que não votes do que votes e não cumpras.
6
Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus
que foi inadvertência; por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de
destruir as obras das tuas mãos? 7Porque, como na multidão dos sonhos há vaidade,
assim também, nas muitas palavras; tu, porém, teme a Deus. (Ec 5.4-7)

Os tolos também adoram fazer votos impensados. Conversar sobre o que você
vai fazer é uma forma boa e barata de melhorar a reputação aqui em baixo na igreja.
Imagine uma tática semelhante à empregada pelos falecidos Ananias e Safira. Esta
seção de Eclesiastes refere-se a um compromisso financeiro, mas quando o emissário
do templo vem buscá-lo, a história contada por quem fez o voto agora é outra (v. 4-7).
Sonhadores gostam de falar, e faladores gostam de sonhar. Pague o que você votou,
Deus não se agrada de tolos. Você não quer colocar Deus contra si mesmo no seu
trabalho. Tema ao Senhor.
É caso de não pouco espanto tão poucas pessoas se preocuparem em saber se
Deus é contra ou a favor da obra que elas estão tentando realizar. A oração do sábio
busca o favor do Senhor sobre a obra realizada. “Seja sobre nós a graça do Senhor,
nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma a obra das
nossas mãos” (Sl 90.17).
O tolo desconsidera esse dever e ignora os desdobramentos de ter votado a
Deus algo que não cumpriu. Se Deus resolvesse destruir o empreendimento de alguém,
acaso teria alguma dificuldade para fazê-lo? Se Deus decidiu que a ruína financeira
acometerá outro tolo hoje, seria o tipo de coisa que algum analista financeiro poderia
interromper?
Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei
8
Se vires em alguma província opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da
justiça, não te maravilhes de semelhante caso; porque o que está alto tem acima de si
outro mais alto que o explora, e sobre estes há ainda outros mais elevados que também
exploram. 9O proveito da terra é para todos; até o rei se serve do campo. (Ec 5.8,9)

Os religiosos tolos também manifestam ingenuidade. Quase de imediato vêm à


lembrança os liberais teológicos. É preciso certo tipo de mente para achar que a paz
mundial pode ser prenunciada se todos nos dermos as mãos e concebermos
pensamentos felizes. Os braços são para abraços e algumas pessoas pensam que
visualizar a paz mundial tem um impacto e tanto. Mas olhe ao redor; veja os jornais. Os
homens são oprimidos o tempo todo ― os sábios não se espantam nem ficam
amargurados quando isso acontece (v. 8,9). O problema se estende até o topo. Mas
lembre-se de também que o rei, como qualquer outra pessoa, depende da agricultura.
O sábio, portanto, não se torna amargurado por causa dos pequenos tiranos que
ele vê nas províncias. As mesmas regras prevalecem em Washington. As pessoas se
candidatam porque almejam posições que lhes permitam começar a roubar dinheiro
com uma retroescavadeira. Isso está de algum modo infectado em nossa nação
exatamente pelo nosso excelente sistema de dois partidos, o que significa que temos
debates renhidos sobre qual deveria ser a cor da retroescavadeira. Somente Deus,
supremo acima de todos, está imune a tais corrupções.
Alguns homens são atraídos para o centro do poder político só para se
desiludirem com a chocante avareza encontrada lá. Muitos outros se sentem em casa
com a corrupção. Os sábios sabem disso sem que fiquem amargurados.

Inclina-me o coração aos teus testemunhos


10
Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da
renda; também isto é vaidade. 11Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os
que deles comem; que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus
olhos? (Ec 5.10,11)

Isso tem ligação com a cobiça. A concupiscência exige sempre cada vez mais, e
ainda mais e mais (v. 10-17). Mas como Salomão nos ensina aqui… você não pode
levar nada consigo. Esse bem conhecido clichê é ignorado na mesmo proporção em que
é enunciado ― e quase sempre pelas mesmas pessoas. Mas quem ama a fartura da prata
dorme com falsos amantes que não podem satisfazer (v. 10). O crescimento de bens traz
consigo o crescimento de contadores, advogados, funcionários, gerentes, e hostes de
consultores com um olhar faminto nos olhos (v. 11).
Os que constroem impérios o mais das vezes se descobrem segurando um urso
feroz pelas orelhas. Quanto mais fazem, menos são capazes de fazer. Quanto mais
controle acumulam, menos poderosos se sentem. Isso é porque a vaidade de crescer, a
futilidade da prata e do ouro, tem vida própria. O homem pode trabalhar arduamente
para adquirir dinheiro, só para descobrir no final do dia que, na verdade, foi o dinheiro
quem o adquiriu.
Poucos homens têm riquezas, e bem menos as controlam quando as têm.

Vivifica-me no teu caminho


12
Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco, quer muito; mas a fartura do rico não
o deixa dormir. 13Grave mal vi debaixo do sol: as riquezas que seus donos guardam
para o próprio dano. 14E, se tais riquezas se perdem por qualquer má aventura, ao filho
que gerou nada lhe fica na mão. 15Como saiu do ventre de sua mãe, assim nu voltará,
indo-se como veio; e do seu trabalho nada poderá levar consigo. 16Também isto é grave
mal: precisamente como veio, assim ele vai; e que proveito lhe vem de haver
trabalhado para o vento? 17Nas trevas, comeu em todos os seus dias, com muito enfado,
com enfermidades e indignação. (Ec 5.12-17)

Os cavadores de valas, diz-nos Salomão, dormem melhor que os ricos


dominados pela ansiedade (v. 12). O rico tolo é destruído pelas próprias bênçãos
(v. 13). Se esse rico tem um filho, este nascerá nu ― da mesma maneira que estará o
seu pai quando nascer no mundo por vir (v. 14,15). O homem chega ao mundo
desprovido de bens e o deixa desprovido de bens. No intervalo, enquanto possui todas
as suas coisas, não consegue dormir porque se preocupa com elas. Que grande negócio.
Mas se ele trabalha duro e aflige-se e preocupa-se demais, pode ter a certeza de que
suas excelentes roupas (pelo curto tempo que as possui) não passam de belo papel de
embrulho paras as úlceras (v. 17).
A isso, Salomão denomina grave mal. Aqui está o sujeito; lá se foi ele.
Trabalhou o tempo todo para o vento sibilante, mourejando para acumular seu tesouro
inalienável... de brisa enlatada. Para alcançar essa recompensa, fez refeições no escuro,
suportou momentos de tristeza e raiva, e acrescentou tudo ao seu mal-estar. Antes ele
que eu.
A exortação vem sem rodeios. Tema a Deus e rejeite a estupidez da ganância…
a grande gargantilha da sabedoria serena.
Desvia os meus olhos, para que não vejam a vaidade
18
Eis o que eu vi: boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o
seu trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos dias da vida que
Deus lhe deu; porque esta é a sua porção. 19Quanto ao homem a quem Deus conferiu
riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer, e receber a sua porção, e gozar do
seu trabalho, isto é dom de Deus. 20Porque não se lembrará muito dos dias da sua vida,
porquanto Deus lhe enche o coração de alegria. (Ec 5.18-20)

A conclusão dessa linha de argumentação irônica é paz e alegria. Nos


versículos 18-20, as frases cruciais são estas: “e lhe deu poder para deles comer” e
“isto é dom de Deus”. Deus, como parte da bondade da sua graça, mantém o homem
ocupado com seus afazeres, concedendo-lhe alegria. O fato de alguns homens poderem
recebê-la do jeito que vem, sem que se angustiem a todo instante em busca do sentido
último para as coisas, é dom de Deus (v. 20).
Precisamos retornar e dar uma olhada no terreno coberto pelos argumentos de
Salomão. Segundo a razão carnal, essa é realmente uma conclusão estranha. Salomão
está expondo diante de nós o que viu, e isso inclui a descrição nos versículos que
levam a essa conclusão. Mas inclui também o que ele vê nessa conclusão. É agradável
e gracioso erguer a taça e comer um bom pão. O homem pode receber sua porção de
trabalho debaixo do sol, e pode recebê-la com alegria. Quando recebe o que é dado por
Deus ― e só nesse caso ― o homem pode se regozijar plenamente. Sua porção é suave,
quando recebida como dádiva. Mas se for deixada por aí, sem ser examinada, tida por
banal, o acúmulo só acrescentará desespero.
Quando Deus concede a capacidade de se alegrar, o homem pode prosperar,
mesmo vivendo seus dias debaixo do sol moribundo.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): Nós, junto com o Rolling Stones, podemos não
ter satisfação. Nada ao alcance do poder do homem pode capacitá-lo a ter prazer.
Segunda divisão (3.1—5.20): O livro de Eclesiastes é explicitamente
calvinista. Deus é soberano sobre tudo, mas as objeções devem ser respondidas.
Primeira subdivisão (3.1-15): Na sua soberania, Deus dispõe todas as coisas conforme
seu bom conselho. Segunda subdivisão (3.16—4.16): Seis objeções à soberania de
Deus são levantadas e respondidas. Terceira subdivisão (5.1-20): Dada a soberania de
Deus, é preciso aplicações e cuidados práticos.
Terceira divisão (6.1-8.15): Salomão aplica sua doutrina segundo a qual só
Deus concede a capacidade para se desfrutar a vaidade.
Quarta divisão (8.16—12.14): A última seção do livro remove vários
obstáculos e desencorajamentos.
Capítulo 8
Justo juízo[10]
É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino
de Deus.
MATEUS 19.24

Vemos muitas iniquidades e injustiças evidentes na forma como Deus governa o


mundo. Por isso concluímos (embora alguns não o verbalizem) que Deus é injusto. Uma
grande parte do nosso problema é que pesamos a evidência com balanças erradas. Por
exemplo, pensamos que se cometeu injustiça só porque alguém é rico e outro é pobre.
Mas há mais coisas por trás da história.

Ajudem-me os teus juízos


1
Há um mal que vi debaixo do sol e que pesa sobre os homens: 2o homem a quem Deus
conferiu riquezas, bens e honra, e nada lhe falta de tudo quanto a sua alma deseja, mas
Deus não lhe concede que disso coma; antes, o estranho o come; também isto é vaidade
e grave aflição. 3Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e
se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto
é mais feliz do que ele; 4pois debalde vem o aborto e em trevas se vai, e de trevas se
cobre o seu nome; 5não viu o sol, nada conhece. Todavia, tem mais descanso do que o
outro, 6ainda que aquele vivesse duas vezes mil anos, mas não gozasse o bem.
Porventura, não vão todos para o mesmo lugar? 7Todo trabalho do homem é para a sua
boca; e, contudo, nunca se satisfaz o seu apetite. 8Pois que vantagem tem o sábio sobre
o tolo? Ou o pobre que sabe andar perante os vivos? 9Melhor é a vista dos olhos do que
o andar ocioso da cobiça; também isto é vaidade e correr atrás do vento. 10A tudo
quanto há de vir já se lhe deu o nome, e sabe-se o que é o homem, e que não pode
contender com quem é mais forte do que ele. 11É certo que há muitas coisas que só
aumentam a vaidade, mas que aproveita isto ao homem? 12Pois quem sabe o que é bom
para o homem durante os poucos dias da sua vida de vaidade, os quais gasta como
sombra? Quem pode declarar ao homem o que será depois dele debaixo do sol?
(Ec 6.1-12)
Os limites da prosperidade são estabelecidos por Deus. A prosperidade não é
necessariamente boa (Ec 6.1-12). Queremos avaliar tudo que desfila diante de nós de
maneira simplória, e afirmar que bênçãos materiais são sempre uma bênção e que a
adversidade é sempre uma maldição. Não é forçosamente assim. Não temos como dizer
com certeza a disposição de Deus acerca de alguém com base na condição exterior.
Todos conhecemos o homem que tem tudo. Muitas vezes Deus concede ao
homem bênçãos exteriores em profusão ― sem que lhes dê as papilas gustativas
espirituais para terem prazer no que têm. Essa é uma amarga aflição da parte do Senhor.
Aqui, se tivermos compreendido o argumento, vemos de forma metafórica alguém sem
as papilas gustativas com recursos para frequentar os restaurantes mais chiques. O mais
excelente chefe de cozinha do mundo pode lhe servir apenas um mingau de aveia frio e
escuro. Vemos um homem sexualmente impotente casado com uma mulher bonita. Os
sábios fariam bem em guardar o coração, recusando-se a desejar o leito onde nada
acontece. Às vezes, as pessoas mais invejadas são quase as mais infelizes sobre a face
da terra. Para elas, melhor seria jamais terem nascido (v. 1-6).
A lei da reciprocidade é óbvia. Trabalhamos para comer e comemos para
trabalhar. Mourejamos um círculo pequeno e apertado. A boca e o estômago demandam
isso de nós. É melhor desfrutar do que se tem que ter “desejos ociosos de cobiça”. Mas
à parte da graça de Deus, não é possível termos prazer no trabalho, só para podermos
comer (v. 7-9).
Todos estamos debaixo da mão de Deus. O homem não consegue escapar dessa
condição. O que o homem é “já se lhe deu o nome”. O homem tem braços curtos demais
para poder lutar boxe com Deus. À parte do dom divino, quanto mais o homem luta
contra suas condições, mais aumenta a vaidade (v. 10-12).
Se Deus não conceder a capacidade de se deleitar, então o homem não pode
saciar a si mesmo. Como Tântalo no Hades, tudo que ele estende a mão para colher,
desvia-se para longe do seu alcance. É um fato nu e cru que, na verdade, Deus dá
muitos bens aos homens aos quais não é dada a capacidade correspondente de comer
desses bens. O bom Senhor dá a seu povo um abridor de latas para acompanhar as latas
de peras com que o presenteia. Mas para o incrédulo, não dá forma nenhuma de prazer
genuíno. Em sendo assim o caso, não importa quantas latas o homem possa acumular.
Medimos a satisfação por aquilo que podemos acumular em pilhas, ou pelo que nos é
dado para desfrutar? Que fará o rico incrédulo? Lamber a foto da pera que está no
rótulo?
O tolo não pode desfrutar da bondade da terra. O sábio pode fazê-lo, mas não
por causa de alguma sabedoria inerente. Ele é o recipiente de uma dádiva.

Os teus juízos são bons


1
Melhor é a boa fama do que o unguento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia
do nascimento. 2Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois
naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração.
3
Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o
coração. 4O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da
alegria. 5Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir a canção do insensato.
6
Pois, qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal é a risada do insensato;
também isto é vaidade.
7
Verdadeiramente, a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o
coração. 8Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio; melhor é o paciente do que
o arrogante. 9Não te apresses em irar-te, porque a ira se abriga no íntimo dos
insensatos. 10Jamais digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Pois
não é sábio perguntar assim. 11Boa é a sabedoria, havendo herança, e de proveito, para
os que veem o sol. 12A sabedoria protege como protege o dinheiro; mas o proveito da
sabedoria é que ela dá vida ao seu possuidor. (Ec 7.1-12)

Nos provérbios acima temos um contraste com o argumento anterior. Como a


prosperidade não é sempre uma bênção, também a adversidade não é sempre algo ruim
(Ec 7.1-12). Estamos acostumados com a imagem da criança rica e mimada com um
cômodo da casa da família lotado de brinquedos caros. Ela se senta lá no canto
furiosamente mal-humorada. Entrementes, do outro lado da cidade, outra criança em
pleno contentamento com a bondade da vida, corre pelo quintal a tarde inteira, ocupada
maravilhosamente com um graveto. O quarto cheio de brinquedos é uma bênção? Só na
superfície. A pobreza do graveto é uma adversidade? De jeito nenhum ― é a chave
retorcida e nodosa que abre as portas de muitos mundos. Muitos de nós nos lembramos
com grande carinho quão abençoados éramos com tão ricos brinquedos.
O bom homem deseja ter um bom nome. O unguento precioso é uma grande
bênção, mas o bom nome é melhor (v. 1). Se alguém tivesse de escolher entre os dois, a
escolha seria simples... se a pessoa fosse sábia.
O dia da morte se aproxima de nós. O dia do nascimento parece prometer
grandes coisas. Mas o dia da morte é melhor (v. 1). Está alguém angustiado por
acercar-se da morte? Se viveu em sabedoria, sua morte inevitável é lucro. O viver é
Cristo, e o morrer é lucro. Mas o dia da morte só é melhor para quem sabe que é assim
e por que razão é assim.
O luto e o banquete procedem do Senhor. Mas o luto é melhor que o júbilo
vazio. O mundo insípido dos programas de humor e as gargalhadas nas séries de
comédias da TV e shows de stand-up são um monte de nada (v. 2-4). O homem que
sabe estar de luto sabe também o sentido da sólida risada. Mas se não conhece a
sabedoria do luto, não haverá risadas que bastem para preencher sua alma.
Admoestações e repreensões causam outro tipo de adversidade. Mas é melhor
ouvi-las que escutar as canções animadas dos insensatos (v. 5,6). No tempo de Salomão
não existiam as rádios pop, mas não é difícil resumir o que ele teria pensado a respeito
delas. Caso lhe fosse oferecida a escolha entre ouvir um sábio enumerando as suas
falhas e ouvir as Spice Girls tentando cantar alguma coisa, a escolha seria fácil.
O sábio, submetido à opressão, é capaz de perder o juízo ou de ser corrompido
pela propina (v. 7). Poderíamos desejar viver no mundo em que a sabedoria fosse
forjada em aço inoxidável e jamais degenerasse… mas não vivemos.
A sabedoria é indispensável para se saber o que são fins e o que são começos.
O soberbo de espírito vangloria-se no começo. O paciente vê e compreende (v. 8).
Nesse aspecto, o ímpio Acabe tinha certa dose de sabedoria. Quem veste a armadura
não deveria se gabar como quem a tira [1Rs 20.11]. A aflição de compreender algo com
total clareza é muito melhor que o prazer de se vangloriar de algo antes que aconteça.
Os insensatos não entendem a paciência nem a frustração. Os justos não são os
que jamais ficam irados. Mas os justos certamente não têm pressa para se irar. Quem
logo se ira, põe na porta de casa uma placa onde se lê: “Residência do Insensato”
(v. 9). O homem que se encoleriza com facilidade é apenas propaganda ambulante da
insensatez: “A ira do insensato num instante se conhece, mas o prudente oculta a
afronta” (Pv 12.16). Somos convocados para estar prontos a ouvir, mas para demorar a
falar e a ficar com raiva. No incidente do homem da mão ressequida, nosso Senhor
ficou irado, mas o resultado final da indignação foi a cura e a glória atribuídas a Deus.
O resultado final da ira do homem é louça quebrada.
Devemos entender também a aflição do momento presente. Por que deveríamos
lastimar a “mau rumo” que os eventos tomaram? Por que não estamos mais nos “bons
tempos de antigamente”? A resposta é que Deus não quer que estejamos. Ele é o
Governador de tudo. Talvez seja preciso que haja mais aflição (v. 10-12).
Talvez os dias bons do passado não fossem tão bons assim. E mesmo quando
fossem, não devemos nos revoltar contra a sabedoria divina na sua providência. Foi
Deus quem decretou que esses dias chegassem ao fim.

Eis que tenho suspirado pelos teus preceitos


13
Atenta para as obras de Deus, pois quem poderá endireitar o que ele torceu? 14No dia
da prosperidade, goza do bem; mas, no dia da adversidade, considera em que Deus fez
tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele.
15
Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há
perverso que prolonga os seus dias na sua perversidade. (Ec 7.13-15)

Corra em busca da percepção da sabedoria. Considere a obra de Deus em tudo


isso. O sábio jamais recalcitra contra os aguilhões. Quem poderá endireitar o que Deus
entortou? Que homem poderia torcer o mundo para o lado contrário ao que o Onipotente
o torceu? É indispensável deixarmos que essa doutrina central do livro entre
profundamente em nossa alma. A coisa está entortada? Então, foi o Senhor Deus que a
fez assim. Mas por quê? Se ele quisesse que soubéssemos o porquê, ele nos teria dito.
O mais perto que chegamos da explicação está em Romanos 9:

Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder,
suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de
que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que
para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só
dentre os judeus, mas também dentre os gentios? (Rm 9.22-24)

A explicação definitiva é que Deus faz todas as coisas para glorificar seu nome
e exaltar sua majestade. Mas a despeito de várias razões para a tortuosidade do mundo,
a verdade é que a Bíblia ratifica a soberania de Deus sobre o que está torcido. Ele é
verdadeiramente o único Senhor.
Devemos receber nossa prosperidade como se procedesse dele, porque procede
dele (v. 14). Mas no dia da adversidade, devemos também nos lembrar da nossa
doutrina acerca da soberania divina. Foi Deus que fez tanto um dia como o outro
(v. 14). O Senhor traz a primavera, e o Senhor traz os terremotos. O Senhor concede
mais um ano de vida, e o Senhor designa o dia do luto. Jó aconselhou sua esposa da
forma correta. Ela estava falando como se tivesse adotado a teologia da mulher
insensata. “Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida; temos recebido o bem
de Deus e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus
lábios” (Jó 2.10). A igreja hoje está dominada pela teologia de mulheres tolas. Deus
nunca faz coisas ruins; ele só faz coisas boas. Ele faz as flores e os gatinhos, não o
trovão, o raio nem a chuva azul.
Adoramos a Deus, que é Sabedoria Inescrutável. O que vemos não encerra a
questão.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): A satisfação não vem de dentro do homem.
Segunda divisão (3.1—5.20): Deus é soberano sobre todas as coisas. As
objeções são descartadas.
Terceira divisão (6.1—8.15): Salomão aplica sua doutrina de que só o Deus
soberano concede regozijo na vaidade. Primeira subdivisão (6.1—7.15): Devemos
avaliar da forma apropriada nossa condição exterior.
Quarta divisão (8.16—12.14): A última seção soluciona os problemas restantes.
Capítulo 9
Alminhas pequenininhas & juízos rigorosos
Vendo isto, indignaram-se os discípulos e disseram: Para que este desperdício? Pois
este perfume podia ser vendido por muito dinheiro e dar-se aos pobres.
MATEUS 26.8,9

Vimos na seção anterior que nada é como parece aos nossos olhos. A
prosperidade pode ser o mal camuflado; o homem pode estar rodeado de riquezas nas
quais não se deleita. A adversidade pode ser o meio pelo qual Deus traz grandes
bênçãos; como sabia Rutherford, quando no porão da angústia, o homem é capaz de
encontrar os vinhos mais seletos de Deus. Todas as situações não são o que parecem
ser.
Nesta seção, vemos que os homens não são o que aparentam ser. Podemos
chegar a conclusões erradas acerca do mundo ao nosso redor, porque julgamos com
base nas experiências externas. Cristo, porém, proíbe todos os juízos superficiais.

Tenho esperado nos teus juízos


16
Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a
ti mesmo? 17Não sejas demasiadamente perverso, nem sejas louco; por que morrerias
fora do teu tempo? 18Bom é que retenhas isto e também daquilo não retires a mão; pois
quem teme a Deus de tudo isto sai ileso. 19A sabedoria fortalece ao sábio, mais do que
dez poderosos que haja na cidade. 20Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e
que não peque. 21Não apliques o coração a todas as palavras que se dizem, para que
não venhas a ouvir o teu servo a amaldiçoar-te, 22pois tu sabes que muitas vezes tu
mesmo tens amaldiçoado a outros. (Ec 7.16-22)

O que significa ser demasiadamente justo? É claro que Deus é perfeitamente


justo, mas não significa que ele exagera. Com certeza, Salomão aqui não se refere à
piedade, retidão ou sabedoria genuínas. Ele fala do que, com muita frequência, se passa
pelo que é justo. Então, o que significa isso? Falando sem rodeios, sendo curto e
grosso, significa… um crente “legal”. Crente pedante. Crente santarrão. Crente
rigoroso. Crente cara-amarrada. Crente cricri. Crente insuportável. Crente melindroso.
Crente só-minha-doutrina-é-a-certa. Crente sabe-tudo. Crente ostentação. Crente hora-
tranquila-todo-dia-senão-eu-vou-pro-inferno. Crente metido. Crente certinho. Crente
não-crente.
O fato de Cristo ter feito uma obra extraordinária ao demolir a reputação dos
fariseus, quase sempre oculta de nós que, antes dos ataques do Messias, eles, de modo
geral e por causa da vida piedosa que levavam, gozavam de bom conceito no meio do
povo. Eram um grupo bem respeitado de teólogos conservadores. Na religião, o que
agrada aos homens não é necessariamente o mesmo que agrada a Deus. O que os
homens admiram, nem sempre é o que Deus admira. “Mas Jesus lhes disse: Vós sois os
que vos justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece o vosso
coração; pois aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus”
(Lc 16.15).
Não devemos ser autônomos, seja para o bem ou para o mal. Não devemos ser
voluntariosos para o mal. É suicídio. Também não devemos ser voluntariosos para fazer
o que definimos como bem. É autodestruição (v. 16,17). Todos sabemos a respeito de
sujeitos que levantam o punho contra o céu e de como, depois, há um agudo suspiro por
todo o santuário. Mas nós, então, nas garras do que sentimos ser certo e verdadeiro,
fazemos exatamente o contrário do que a Bíblia diz para fazermos. Os exemplos dessa
religiosidade eram muitos nos dias de Cristo, e a tribo deles não parece ter diminuído
de lá para cá. Dizemos que o corpo é o templo do Espírito Santo e, portanto, nos
abstemos do tabaco. Paulo disse que estava falando sobre a imoralidade sexual, além
de acrescentar que não falava a respeito de nenhum outro tipo de pecado, seja qual for.
Mas ainda nos sentindo dispostos a considerar que fumar tem de ser impiedade, e por
isso nos agarramos às nossas convicções. Cristo disse que não orássemos para ser
vistos pelos homens, mas marcamos reuniões de oração na escadaria do congresso
nacional torcendo para que alguma rede de notícias as divulgue. Dizemos que o álcool
tem de ser pecado porque algumas fanáticas do século XIX decidiram assim. O Senhor
produziu cerca de seiscentos litros do melhor vinho para ajudar na continuação das
festividades. E a sabedoria é justificada por seus filhos [Lc 7.35].
O antídoto contra essa religiosidade é o temor de Deus, e não a moderação
pagã. Se o homem teme a Deus sinceramente, não cairá na insensatez religiosa (v. 18).
A verdadeira sabedoria é força, ao passo que o desejo de parecer sábio é suicídio. A
verdadeira sabedoria, como poderiam dizer os jovens esqueitistas de hoje, “detona” a
casa (v. 19). E veja que eles nada sabem a esse respeito.
A agitação dos que não conhecem a Deus pode ser bem grande. As mentiras, os
fingimentos e as hipocrisias podem ser tão lustradas a ponto de reluzirem como o
mármore. Além disse, um dos maiores fingimentos em toda essa balbúrdia é a noção de
que as pessoas envolvidas na bagunça religiosa não pecam. Mas todo o mundo peca.
Julguem os homens conforme a Escritura, diz Salomão, e não pelo que aparentam ser na
igreja (v. 20). Todos pecam.
Por isso Salomão nos adverte para não exagerarmos os pecados dos outros.
Supõe que alguém ouviu outra pessoa amaldiçoá-lo? Não dá para se preocupar ―
deixe para lá o desrespeito dele. Pode ser que quem escutou já fez o mesmo uma ou
duas vezes. Não se deve correr por aí aplicando os procedimentos disciplinares de
Mateus 18 a tudo que se move (v. 21,22). Há um zelo pela retidão que desconhece o
próprio espírito (Lc 9.55).
A conclusão é que nem tudo quanto é “reto” é tão bom. Nem tudo que é
“pecado” é tão mal. Só os tolos precipitam-se em tirar conclusões piedosas e
edificantes.

Venham também sobre mim as tuas misericórdias


23
Tudo isto experimentei pela sabedoria; e disse: tornar-me-ei sábio, mas a sabedoria
estava longe de mim. 24O que está longe e mui profundo, quem o achará? 25Apliquei-me
a conhecer, e a investigar, e a buscar a sabedoria e meu juízo de tudo, e a conhecer que
a perversidade é insensatez e a insensatez, loucura. 26Achei coisa mais amarga do que a
morte: a mulher cujo coração são redes e laços e cujas mãos são grilhões; quem for
bom diante de Deus fugirá dela, mas o pecador virá a ser seu prisioneiro. 27Eis o que
achei, diz o Pregador, conferindo uma coisa com outra, para a respeito delas formar o
meu juízo, 28juízo que ainda procuro e não o achei: entre mil homens achei um como
esperava, mas entre tantas mulheres não achei nem sequer uma. (Ec 7.23-28)

Embora a sabedoria suprema esteja acima e além do sol, Salomão alcançou


grande entendimento mediante a sabedoria que há debaixo do sol (v. 23). Ele testava e
investigava a sabedoria por meio da sabedoria. Ao mesmo tempo, quando disse
“tornar-me-ei sábio”, a sabedoria fugiu dele imediatamente (v. 23,24). Apesar das
limitações, é-lhe possível conhecer algumas coisas ― como a perversidade da
insensatez. Ele passa a tratar da insensatez sexual.
Há uma mulher que caça à noite, em cuja armadilha se cai com prazer. Como o
caçador que conhece a presa, a mulher imoral sabe como conseguir os resultados
desejados (v. 26a). “Cova profunda é a prostituta, poço estreito, a alheia. Ela, como
salteador, se põe a espreitar e multiplica entre os homens os infiéis” (Pv 23.27,28).
Não que a tarefa seja assim tão difícil… não mais que cair de cara no chão. Só o prazer
de Deus pode livrar o homem das suas garras. Os homens imorais dizem a si mesmos
que estão escapando das restrições divinas no instante exato em que caem na armadilha
que ele lhes preparou (v. 26b). Certo escritor comentou que o homem em rebelião
contra Deus erguerá contra ele o punho, nas agitações ou revoluções civis, ou o falo, em
suas fornicações insolentes.[11] Nessas fornicações, eles se revoltam contra a
maturidade sexual e manifestam sua ignorância bestial da imago Dei.
Nisso, os homens em suas fornicações e adultérios imaginam escapar de Deus:
“Cova profunda é a boca da mulher estranha; aquele contra quem o SENHOR se irar cairá
nela” (Pv 22.14). Mas o único a escapar é o que agrada a Deus (v. 26). Os tolos
acreditam ter encontrado a liberdade sexual justo quando Deus os capturou com o
próprio ídolo deles, pequeno e desejado, para lançá-los contras as rochas. A excitante
sensação de liberdade é apenas temporária ― é queda livre com a morte ao final.
Quanto a isso, Salomão pode falar por experiência própria. Na busca pela
sabedoria, ele achou um homem entre mil, mas nenhuma mulher (v. 28). Em outro lugar
Salomão enaltece a sabedoria feminina (na verdade, ele personifica a sabedoria como
uma mulher em Provérbios 8). Mas em sua busca, Salomão não achou quase nenhum
homem de integridade na corte, e no restante da investigação, levada a cabo na maior
parte do tempo com as luzes baixas, não achou em seu harém nenhuma mulher de
integridade. Essa observação não pode servir de base para a soberba masculina.
Mesmo com essa amostra limitada de pessoas, os homens são só um décimo de um por
cento melhores que as mulheres. O argumento é claro: os homens de integridade na
corte de Salomão eram raros demais, e as mulheres de integridade, inexistentes.

Não tires jamais de minha boca a palavra da verdade


29
Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas
astúcias. (Ec 7.29)

O coração do homem tem inventado muitos artifícios. Na nossa criação, fomos


feitos na retidão de Adão. Ele se rebelou, e daí em diante continuamos a usar os dons
concedidos por Deus para destruir a nós mesmos. Alguns deles são óbvios, como a
corda da malícia e da rebelião. Usamos nossa rebeldia como meio para enforcar a nós
mesmos, como o fez Judas, de uma árvore alta.
Outro tipo de artifício é o truque da justiça própria. O veneno de efeito
retardado que corrompe e polui o homem interior. Os religiosos tomados pela justiça
própria são, para usar as palavras de John Randolph, como o peixe morto à beira-mar
sob o luar. Eles “brilham e fedem” ao mesmo tempo. O que os religiosos estimam não é
o que Deus estima. Nossas orações precisam de oração. Nossas lágrimas precisam ser
lavadas. Nosso arrependimento carece de se arrepender.
Deus nos fez retos, mas temos ido em busca de muitas artimanhas. A retidão do
Outro é a única resposta.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): A satisfação não vem de dentro do homem.
Segunda divisão (3.1—5.20): Para quem acaba de se juntar a nós, Deus é
soberano sobre todas as coisas, ou seja, Deus é Deus. Salomão responde às perenes
objeções a essa doutrina não objetável.
Terceira divisão (6.1—8.15): Só Deus concede a capacidade para se desfrutar
da vaidade. Primeira subdivisão (6.1—7.15): Devemos avaliar da forma apropriada
nossa condição exterior. Segunda subdivisão (7.16-29): Devemos avaliar os homens
apropriadamente.
Quarta divisão (8.16—12.14): A última seção lida com vários detalhes e as
preocupações que ainda restarem.
Capítulo 10
Andando nos corredores do poder

Naquela mesma hora, alguns fariseus vieram para dizer-lhe: Retira-te e vai-te daqui,
porque Herodes quer matar-te. Ele, porém, lhes respondeu: Ide dizer a essa raposa que,
hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei.
LUCAS 13.31,32

À medida que consideramos as evidentes iniquidades de nossa vida debaixo do


sol, esta seção de Eclesiastes nos ensina que temos de avaliar a situação da forma
apropriada — a aflição nem sempre é má, e a prosperidade nem sempre é boa. Pela
mesma razão, temos aprendido que devemos avaliar o homem da forma correta. Os
justos nem sempre são tão justos assim, e os ímpios nem sempre são tão maus quanto
podemos achar. Agora, é indispensável vermos que o governo pautado na retidão,
mesmo no mundo caído, poderia melhorar algumas das evidentes iniquidades. Ao
mesmo tempo, sabemos que a atenuação do mal não é o mesmo que sua remoção total…
e, de qualquer maneira, essa possível diminuição do mal nem sempre ocorre.

Também falarei dos teus testemunhos na presença dos reis


1
Quem é como o sábio? E quem sabe a interpretação das coisas? A sabedoria do
homem faz reluzir o seu rosto, e muda-se a dureza da sua face. 2Eu te digo: observa o
mandamento do rei, e isso por causa do teu juramento feito a Deus. 3Não te apresses em
deixar a presença dele, nem te obstines em coisa má, porque ele faz o que bem entende.
4
Porque a palavra do rei tem autoridade suprema; e quem lhe dirá: Que fazes? 5Quem
guarda o mandamento não experimenta nenhum mal; e o coração do sábio conhece o
tempo e o modo. 6Porque para todo propósito há tempo e modo; porquanto é grande o
mal que pesa sobre o homem. 7Porque este não sabe o que há de suceder; e, como há de
ser, ninguém há que lho declare. 8Não há nenhum homem que tenha domínio sobre o
vento para o reter; nem tampouco tem ele poder sobre o dia da morte; nem há tréguas
nesta peleja; nem tampouco a perversidade livrará aquele que a ela se entrega.(Ec 8.1-
8)

A Palavra aconselha tanto ao rei como ao cortesão, e, portanto, aqui


encontramos instrução para quem pode vir a influenciar o soberano. Isso não supõe a
aprovação “de fio a pavio” do rei no poder agora. Na verdade, ela presume o contrário.
O sábio, na presença do rei, pode exercer sua capacidade de interpretação e sua
sabedoria lhe faz brilhar a face (v. 1). São transmitidas várias instruções ao cortesão
que goza dessa posição ― o que deve proceder com sabedoria na corte.
A primeira coisa a considerar é o Juramento de Lealdade.[12] Lembre-se de
que nenhum voto de lealdade a um pecador pode ser absoluto, não obstante seja genuíno
e conforme a lei. O cortesão deve ser leal por causa do seu juramento (v. 2). A perfídia
é a moeda corrente dos traficantes de poder; os piedosos não devem ter parte nenhuma
nela.
O cortesão sábio tem de evitar cair sobre a própria espada, fugir à mentalidade
“tudo ou nada”; não deve ter pressa em se ausentar da corte (cheio de zelo pelas
propostas rejeitadas); nem deve se envolver com projetos malignos (v. 3). Se os
relativistas forem à caça de mentes ocas, os piedosos não devem reagir edificando
mentes de madeira sólida. Flexibilidade e prudência não podem ser confundidas com
transigência e medo.
A prudência restringe o homem da mesma maneira que o juramento. O rei tem
poder. Quem está em posição de lhe responder com afoiteza (v. 4)? Prudência não é
necessariamente covardia ou transigência. Dessa maneira, o cortesão escolhe suas
batalhas com cautela, com cuidado para não morrer em cada outeiro. O cortesão deve
manter o silêncio e obedecer às ordens do rei, discernir o tempo e o lugar certos para
se mover ― isso é sabedoria. A proximidade do sofrimento não muda isso (v. 5,6).
O perverso rei Acabe tinha um ministro justo que alguns crentes demitiriam
como um transigente covarde. De que maneira alguém piedoso poderia servir no
governo desse homem? A nossos olhos, o raciocínio parece certo, mas a Bíblia vai no
sentido contrário do nosso juízo.
Acabe chamou a Obadias, o mordomo. (Obadias temia muito ao SENHOR, porque, quando
Jezabel exterminava os profetas do SENHOR, Obadias tomou cem profetas, e de cinquenta
em cinquenta os escondeu numa cova, e os sustentou com pão e água.) (1Rs 18.3,4)
O cortesão é um breve vapor dando conselho ao rei que é um breve vapor ―
ninguém sabe absolutamente nada do que acontecerá nos dias por virem (v. 7). Todo o
mundo, rei e cortesãos igualmente, está em guerra contra a morte. Ninguém é capaz de
preservar o espírito no corpo, nem consegue a dispensa do combate que se avizinha, o
qual todos irão perder (v. 8). Todas as batalhas políticas devem ser mantidas no devido
lugar. Ninguém é capaz o bastante para lutar a batalha final entre a luz e as trevas aqui
debaixo do sol, e ninguém devia fingir que está tentando.

Assim, observarei de contínuo a tua lei, para todo o sempre


9
Tudo isto vi quando me apliquei a toda obra que se faz debaixo do sol; há tempo em
que um homem tem domínio sobre outro homem, para arruiná-lo. 10Assim também vi os
perversos receberem sepultura e entrarem no repouso, ao passo que os que
frequentavam o lugar santo foram esquecidos na cidade onde fizeram o bem; também
isto é vaidade. 11Visto como se não executa logo a sentença sobre a má obra, o coração
dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal. 12Ainda que o
pecador faça o mal cem vezes, e os dias se lhe prolonguem, eu sei com certeza que bem
sucede aos que temem a Deus. 13Mas o perverso não irá bem, nem prolongará os seus
dias; será como a sombra, visto que não teme diante de Deus. 14Ainda há outra vaidade
sobre a terra: justos a quem sucede segundo as obras dos perversos, e perversos a quem
sucede segundo as obras dos justos. Digo que também isto é vaidade. 15Então, exaltei eu
a alegria, porquanto para o homem nenhuma coisa há melhor debaixo do sol do que
comer, beber e alegrar-se; pois isso o acompanhará no seu trabalho nos dias da vida
que Deus lhe dá debaixo do sol. (Ec 8.9-15)

Apesar de tudo, a perversidade impera algumas vezes. Há ocasiões em que os


homens dominam sobre outros homens para feri-los. É verdade que existem políticas
imbecis e perversas (v. 9). Os perversos são às vezes sepultados com grandes honras e
homenageados com feriados nacionais, depois de emporcalhar a vida inteira o lugar da
“santidade”. Isso, provavelmente, refere-se ao tribunal. Nesse lugar, a justiça devia ter
sido garantida, mas não foi (v. 10). Mas depois os perversos são por sua vez
esquecidos. Isso também é vaidade.
Sabemos como devia funcionar ― a justiça rápida provê um dissuasivo para o
crime (v. 11). Castiguem-se os insensatos e o simples aprenderá a sabedoria. Recusem-
se a fazer assim e a insensatez reinará. A insensatez é sábia o bastante para reconhecer
a hora da oportunidade. Vivemos agora na época em que o valor dissuasivo da rápida
justiça é negado pelos iluminados. Mas os piedosos sabem o que enxames de
sociólogos ignoram, ou seja, que o castigo rápido e impreterível dissuade os perversos.
Essa verdade óbvia é aqui enunciada por Salomão.[13]
O homem precisa se lembrar do juízo vindouro. O sucesso repetido no pecado
não descarta a realidade da justiça final (v. 12,13). Embora pareça que a injustiça
triunfe ― às vezes os homens bons perdem, e os maus vencem (v. 14) ― esse triunfo
aparente também é vaidade.
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Deve desfrutar desse dom divino a quem
ele foi concedido. A conclusão da questão? O que deve fazer o homem no mundo de
reis poderosos e de pessoas perversas que parecem se dar bem nele, escapando das
consequências? Deve se preparar para celebrar, deve se regozijar — deve comer,
beber e alegrar-se todos os seus dias debaixo do sol (v. 15). Outra vez, Salomão chega
a uma conclusão inesperada. O fato de os homens exercerem o poder, às vezes com
injustiça, é ocasião para festejar e desfrutar a vida com qualquer um a quem foi
concedido o dom dessa sabedoria.
Visão geral e revisão
Primeira divisão (1.2—2.26): A capacidade de desfrutar qualquer coisa não
surge de dentro do homem.
Segunda divisão (3.1—5.20): Sabemos que Deus é soberano sobre todas as
coisas, mas pelo fato de algumas pessoas detestarem saber disso, Salomão responde as
objeções à doutrina.
Terceira divisão (6.1—8.15): Só Deus concede a capacidade de desfrutar da
vaidade. O ensinamento é aplicado. Primeira subdivisão (6.1—7.15): Devemos avaliar
da forma apropriada a condição exterior dos homens. Segunda subdivisão (7.16-29):
Também devemos avaliar os homens apropriadamente. Terceira subdivisão (8.1-5): O
pecado de homens poderosos pode tapar a visão da paisagem.
Quarta divisão (8.16—12.14): Ainda podem restar vários obstáculos e
desencorajamentos na mente de alguns, e por isso Salomão trata dessas preocupações
práticas.
Capítulo 11
Ame sua esposa[14]
Os teus beijos são como o bom vinho,
vinho que se escoa suavemente para o meu amado...
CÂNTICO DOS CÂNTICOS 7.9

Devemos ter em mente que Salomão não está apenas se repetindo pelo livro
inteiro. Seu argumento, convincente e irrefutável, edifica. Ao longo de toda a
argumentação, ele retorna muitas vezes às lições básicas que devemos aprender, se
quisermos nos tornar sábios, mas ele também sempre amplia esse fundamento.

Terei prazer nos teus mandamentos


16
Aplicando-me a conhecer a sabedoria e a ver o trabalho que há sobre a terra ― pois
nem de dia nem de noite vê o homem sono nos seus olhos ―, 17então, contemplei toda a
obra de Deus e vi que o homem não pode compreender a obra que se faz debaixo do
sol; por mais que trabalhe o homem para a descobrir, não a entenderá; e, ainda que diga
o sábio que a virá a conhecer, nem por isso a poderá achar. 9.1Deveras me apliquei a
todas estas coisas para claramente entender tudo isto: que os justos, e os sábios, e os
seus feitos estão nas mãos de Deus; e, se é amor ou se é ódio que está à sua espera, não
o sabe o homem. Tudo lhe está oculto no futuro. 2Tudo sucede igualmente a todos: o
mesmo sucede ao justo e ao perverso; ao bom, ao puro e ao impuro; tanto ao que
sacrifica como ao que não sacrifica; ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que
teme o juramento. 3Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos
sucede o mesmo; também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há
desvarios enquanto vivem; depois, rumo aos mortos. (Ec 8.16—9.3)

A despeito do que pensamos, Deus é Senhor. Voltamos agora à verdade


estabelecida no começo do livro. Uma vez mais, a sabedoria preconizada por Salomão
não é possível à parte do claro reconhecimento da soberania divina sobre todas as
coisas. Uma vez que seu coração buscava o conhecimento, Salomão dedicou-se a essa
tarefa. Ele se dispôs a conhecer a obra realizada sobre a terra. Trabalho que ele impôs
a si mesmo, resultando em noites insones (v. 16).
Mas o homem é incapaz de saber. O resultado foi a percepção de que o homem
não pode compreender o que Deus está fazendo (v. 17). Isso é sabedoria, sabedoria
descoberta por um homem sapientíssimo. O sábio sabe identificar o que não pode ser
conhecido. Salomão não se refere às ações de Deus do outro lado do universo (que, na
verdade, ninguém acha que sejamos capazes de conhecer), mas a seu governo sobre
nossa vida, aqui e agora. Deus impõe limitações ao homem (v. 17) e não só a Salomão
e seus empreendimentos. Olhe o tanto que quiser a seu redor; você não sabe o que está
acontecendo.
A Sabedoria não procura explicar a soberania de Deus. Ironicamente, os que
aceitam essa verdade são comumente acusados de tentar explicar a mecânica da
soberania de Deus acerca de “tudo quanto acontece”. Mas essa nossa capacidade é algo
que rejeitamos com ênfase absoluta. Nessa parte do livro, Salomão afirma sem rodeios
que Deus controla todas as coisas. Ele não diz como Deus faz isso. Só mesmo uma
tremenda besta quadrada poderia pretender explicar o modo como Deus se revela por
meio de suas obras.
Pensar sobre o que acontece diante de nós, não pode nos levar a conclusão
nenhuma. Tendemos a assumir, repetindo Shakespeare, que a história de todas as coisas
é uma fábula contada por um idiota, repleta de fúria e tumulto, sem significado. Antes, é
uma fábula contada a idiotas. Justos e ímpios estão na mão de Deus. Não somos
capazes de dizer o que ocorre por meio do que lhes acontece, até onde podemos ver
(9.1). Deus me ama ou me odeia? A pergunta não pode ser respondida apelando-se a
“bênçãos” e “maldições” externas. O teste verdadeiro é a sabedoria ― a atitude
sincera de gratidão e de fé.
O homem que amaldiçoa e o que abençoa recebem chuva (v. 1). A luz do sol
brilha sobre o fiel e sobre o infiel (v. 2,3a). Isso é uma “mal”, mas é um mal que casa
com a bondade essencial de Deus. Confrontados com essa realidade, devemos honrar a
Deus como Deus e render-lhe graças.

Levantarei as mãos e meditarei nos teus decretos


4
Para aquele que está entre os vivos há esperança; porque mais vale um cão vivo do
que um leão morto. 5Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não
sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz
no esquecimento. 6Amor, ódio e inveja para eles já pereceram; para sempre não têm
eles parte em coisa alguma do que se faz debaixo do sol. (Ec 9.4-6)

Não obstante, o pecado é loucura. Observe como Salomão rechaça a sabedoria


e autonomia humanas. Embora não consigamos perceber nenhuma diferença entre o
justo e o ímpio, é loucura limitarmo-nos à nossa perspectiva. É loucura ignorar Deus.
Todavia, os homens vivem assim ao mesmo tempo em que sabem que cada um deles
morrerá! A loucura vive sem fé, sem olhos.
Hoje, ao ouvir a voz de Deus, o homem não deve endurecer o coração. Quando
morre o ímpio, extingue-se a esperança. Ao homem está ordenado morrer uma só vez,
vindo, depois disso, o juízo. Nesse contexto, Salomão diz que estar vivo como um
cachorro ordinário é melhor que estar morto e acabado… embora as pessoas
consideradas grandes possam achar que você esteja morto. Quando a vida cessa, acaba
a oportunidade de aprender a sabedoria. A parte que cabe ao morto ficou para trás
(v. 4-6). Quando a vida acaba, também acaba a oportunidade de arrependimento.

Meditarei nos teus decretos


7
Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de
antemão se agrada das tuas obras. 8Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais
falte o óleo sobre a tua cabeça. 9Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de
tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol; porque esta é a tua porção nesta
vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo do sol. (Ec 9.7-9)

A conclusão, uma vez mais, só pode vir da mão do Deus soberano. Só ele pode
conceder dádiva tão gloriosa neste mundo fútil. “Vai…”. A razão da admoestação é
clara: “Deus já de antemão se agrada das tuas obra” (v. 7). Começamos com a
justificação, depois avançamos para como devemos crescer na santificação ― em
conformidade com a Palavra de Deus.
O teor do que devemos fazer nessa santificação é claro. Primeiro, devemos
comer nosso pão (v. 7), e comê-lo com alegria. Segundo, devemos beber nosso vinho
com o coração cheio de alegria. Por acaso, a palavra hebraica para vinho é yayin ―
bebida alcoólica. Nossas roupas devem ser sempre alegres. Devemos cuidar de nós
mesmos.
Passando a tratar dos relacionamentos, Salomão diz que os homens devem viver
alegremente com sua esposa por todos os seus dias estúpidos. Achamos que isso
pareceria terrível em um cartão de aniversário de casamento ― porque somos
governados mais pelo sentimento que pela sabedoria. Como isso é possível? À parte da
graça de Deus, não é possível.
A linguagem do romantismo sentimental não é a linguagem da Bíblia. Quando os
homens entendem a futilidade da existência terrena e a compreendem da forma como
Salomão a apresenta para nós, estarão preparados para se deleitar com seu pão pela
primeira vez, e podem ficar maravilhados com a vermelhidão do vinho e achar graça
disso com uma alegria sábia e satisfeita. Devem amar sua esposa, não porque o amor
sexual seja eterno, mas, ao contrário, porque não é. No mundo das criaturas, só
podemos desfrutar do que não adoramos.
Mas só poderemos ter prazer em nossa vida tola quando entendermos que ela é
a porção a nós designada pela sabedoria infinita. Só poderemos entender de fato que é
a nossa porção quando tivermos fé no Deus que a concede. Essas coisas, as quais
devemos desfrutar, são passadas para nós pela mão de Deus. Assim, aqui está a palavra
do Senhor. Deus já aprovou sua obediência. Cheio de gratidão ― coma seu pão, beba
seu vinho, vista-se de branco, e faça amor com sua esposa.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): A satisfação não procede do homem.
Segunda divisão (3.1—5.20): Deus é soberano sobre todas as coisas.
Terceira divisão (6.1—8.15): Visto que é soberano, Deus pode conceder a
capacidade para se desfrutar da vaidade. Salomão aplica essa doutrina.
Quarta divisão (8.16—12.14): São tratados vários obstáculos e
desencorajamentos. Primeira subdivisão (8.16—9.9): As inconsistências ainda
restantes não devem abater nossa alegria.
Capítulo 12
Use a cabeça, amigo[15]
Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora
ROMANOS 8.22
Considerando o que nos tem sido ensinado neste livro sapiencial acerca da vida
debaixo do sol, e a despeito de quaisquer pequenas falhas e incoerência restantes,
devemos trabalhar com total empenho, e isso com um bom senso fundamentado e
honesto.

Lembra-te da promessa que fizeste ao teu servo


10
Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além,
para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.
11
Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória,
nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos
inteligentes, o favor; porém tudo depende do tempo e do acaso. 12Pois o homem não
sabe a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede traiçoeira e como os
passarinhos que se prendem com o laço, assim se enredam também os filhos dos
homens no tempo da calamidade, quando cai de repente sobre eles. (Ec 9.10-12)

O tempo e o acaso têm cada um deles a sua vez. Devemos trabalhar duro agora
porque a noite vem, quando ninguém pode trabalhar (9.10). Somos chamados ao dever
de trabalhar e não ao dever de predizer resultados. A palavra hebraica aqui para acaso
(pega) não se refere à aleatoriedade filosófica, mas significa apenas “ocorrência”. O
evento não é planejado por nós. No que tange a nós, tudo pode acontecer.
Dizer que as coisas ocorrem por “acaso”, se não for apenas uma figura de
linguagem usada por nós, é ser incoerente tanto do ponto de vista teológico quanto do
filosófico. Tudo que ocorre é causado por alguma coisa. A Bíblia ensina que é causado
por alguém. Dizermos que algo ocorre por acaso significa apenas confessar nossa
ignorância da causa.
Queremos ter alguma medida de controle. Queremos nós mesmos estabelecer as
probabilidades. Mas Salomão sabe que os resultados não são previsíveis por nenhum
dos que vivem debaixo do sol. “Quem teria imaginado que…?”. Os resultados de todos
os nossos esforços estão completamente nas mãos de Deus.
O tempo em que teremos de cessar nosso labor se abaterá sobre nós (9.12). A
morte chega de repente, portanto, trabalhe como se essa noite estivesse chegando…
porque ela está.
A tua palavra me vivifica
13
Também vi este exemplo de sabedoria debaixo do sol, que foi para mim grande.
14
Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens; veio contra ela um grande
rei, sitiou-a e levantou contra ela grandes baluartes. 15Encontrou-se nela um homem
pobre, porém sábio, que a livrou pela sua sabedoria; contudo, ninguém se lembrou mais
daquele pobre. 16Então, disse eu: melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a
sabedoria do pobre é desprezada, e as suas palavras não são ouvidas. 17As palavras
dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre
tolos. 18Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra, mas um só pecador destrói
muitas coisas boas. (Ec 9.13-18)
A lição da singela situação descrita pode ser a de ingratidão ou a de conselho
não aceito. Aqui, seria preferível a última. A sabedoria do homem poderia ter salvado
a cidade, mas seu conselho não foi aceito. Mas a sabedoria ainda é melhor que a
insensatez, mesmo quando é deixada fora de uso. A voz do sábio é melhor que a gritaria
do demagogo ― mas um único pecador também pode causar uma tremenda confusão.

Todavia, não me afasto da tua lei


1
Qual a mosca morta faz o unguento do perfumador exalar mau cheiro, assim é para a
sabedoria e a honra um pouco de estultícia. (Ec 10.1)

Chegamos agora a um ataque furioso de um provérbio. Salomão martela esse


argumento repetidas vezes, fixando-o com muitos pregos, conforme menciona mais
tarde (12.11). Trabalhe duro, insiste ele, diante do Senhor com um bom senso honesto.
Os provérbios nos estimulam ao bom senso.
As moscas mortas no unguento têm uma lição para dar (10.1). A pequena
insensatez do homem sábio e muitíssimo mais visível que a mínima sabedoria do tolo.
O sábio, é claro, tem mais a perder. Ketchup na camisa branca é muito visível.

Lembro-me dos teus juízos de outrora


2
O coração do sábio se inclina para o lado direito, mas o do estulto, para o da
esquerda. 3Quando o tolo vai pelo caminho, falta-lhe o entendimento; e, assim, a todos
mostra que é estulto. (Ec 10.2,3)

A sabedoria está à mão (10.2). Ela manifesta uma criteriosa destreza, ao passo
que a insensatez se atrapalha. A insensatez conserva a posição de destaque (10.3). O
insensato não consegue descer a rua sem se atrapalhar nas pernas. Enquanto vivemos e
respiramos manifestamos o que somos. Se formos insensatos, o povo vê quando a gente
chega. Se formos sábios, essa competência também é visível.

Os teus decretos são motivo dos meus cânticos


4
Levantando-se contra ti a indignação do governador, não deixes o teu lugar, porque o
ânimo sereno acalma grandes ofensores. 5Ainda há um mal que vi debaixo do sol, erro
que procede do governador: 6o tolo posto em grandes alturas, mas os ricos assentados
em lugar baixo. 7Vi servos a cavalo e príncipes andando a pé como servos sobre a
terra. (Ec 10.4-7)

Manter a cabeça no lugar é importante (10.4). O cortezão sábio não entra em


pânico ao primeiro sinal de problema. Isso é bom, pois a estupidez geralmente tem o
controle dos lugares elevados (10.5-7). O igualitarismo procede do topo, e a negação
da nobreza é a insensatez dos nobres. O espírito igualitário predomina no Ocidente
desde os dias da Revolução Francesa, e questionar sua legitimidade pode fazer este
nosso livrinho incorrer em alguma proibição oficial ou coisa parecida.
Embora todos os homens permaneçam diante do trono do juízo de Cristo em pé
de igualdade, e embora nossas cortes de justiça devam refletir a mesma imparcialidade,
prevalece o fato de que alguns homens e mulheres são superiores a outros homens e
mulheres. Alguns são nobres, outros não. Alguns são inteligentes, outros não. Conquanto
todos sejam portadores da imagem divina, não é comum todos terem os mesmos dons e
habilidades. É uma insensatez peculiar de alguns nobres negar o óbvio e procurar
entronizar o homem comum, tudo em nome do “povo”. Em sua manifestação moderna,
nós a chamamos democracia. É uma velha vestimenta, Salomão a chamava insensatez.
O igualitarismo demanda de nós esforços hercúleos ao tentarmos conciliar
nosso dogma com a maneira como o mundo está estabelecido. A insensatez do
igualitarismo é a fonte principal dos ismos modernos ― feminismo, socialismo,
fascismo, racismo, comunismo etc. Como bem disse o poeta, mantenha distância de
todos os ismos, com a exceção do iatismo.

Lembro-me, SENHOR, do teu nome


8
Quem abre uma cova nela cairá, e quem rompe um muro, mordê-lo-á uma cobra.
9
Quem arranca pedras será maltratado por elas, e o que racha lenha expõe-se ao perigo.
10
Se o ferro está embotado, e não se lhe afia o corte, é preciso redobrar a força; mas a
sabedoria resolve com bom êxito. (Ec 10.8-10)

O mundo está repleto de ações de consequência (10.8,9). Devemos conduzir


nosso trabalho com vigilância. O perigo espreita por todos os lados. É bom trabalhar
de forma inteligente (10.10). Vemos nesse provérbio um pouco do entendimento
salomônico. Aquele rapaz está tentando derrubar a árvore com um bastão de beisebol.
Se o lenhador parasse para afiar o machado, cortaria as achas de lenha um
pouco mais rápido. Se ele fizesse um pouco de manutenção, o carro rodaria por mais
tempo. Se ele pensasse com antecipação, não seria surpreendido por desastres e
problemas inescrutáveis com tanta frequência.

Eu disse que guardaria as tuas palavras


11
Se a cobra morder antes de estar encantada, não há vantagem no encantador.
(Ec 10.11)
É bom ser cauteloso. Deve-se sempre tratar o fofoqueiro com cuidado, como
quem lida com uma cobra venenosa. O fofoqueiro é uma cobra perigosa. A língua é um
fogo infatigável aceso pelo inferno. O problema não precisa ser tratado com malícia.
Um escrevinhador também pode causar muitos danos. Muitas vidas são despedaçadas
com a língua.

Volto os meus passos para os teus testemunhos


12
Nas palavras do sábio há favor, mas ao tolo os seus lábios devoram. 13As primeiras
palavras da boca do tolo são estultícia, e as últimas, loucura perversa. 14O estulto
multiplica as palavras, ainda que o homem não sabe o que sucederá; e quem lhe
manifestará o que será depois dele? (Ec 10.12-14)

A conversa vazia não leva a lugar nenhum. O insensato começa com a alienação
mental e termina com a imbecilidade ― e faz uma bela viagem entre uma e outra. As
palavras do sábio estão em gritante contraste com isso.
Os insensatos são loquazes. Os fatos nus e crus podem ser expostos diante dele,
mas ele não os compreende. Não podemos prever o futuro, mas quem consegue
transmitir isso ao insensato? Ele teima em comprar livros que preveem o futuro, quase
sempre de livrarias evangélicas especializadas em escatologia, marcas da besta,
computadores na Bélgica e os pequenos códigos de barra usados nos supermercados.

Não me esqueço da tua lei


15
O trabalho do tolo o fatiga, pois nem sabe ir à cidade. (Ec 10.15)

Algumas pessoas são esmagadas por nada. Vemos aqui mais algum
entendimento. Esse menino é capaz de se perder até na escada rolante.
Companheiro sou de todos os que te temem
16
Ai de ti, ó terra cujo rei é criança e cujos príncipes se banqueteiam já de manhã.
17
Ditosa, tu, ó terra cujo rei é filho de nobres e cujos príncipes se sentam à mesa a seu
tempo para refazerem as forças e não para bebedice. (Ec 10.16,17)

A nobreza arruinada procede da nobreza arruinada. Todo o cuidado é pouco


com príncipes e presidentes que gostam de mulheres promíscuas e de cocaína.

Ensina-me os teus preceitos


18
Pela muita preguiça desaba o teto, e pela frouxidão das mãos goteja a casa. (Ec 10.18)

O rapaz preguiçoso não chega a nada. A ociosidade destrói, mas o insensato não
é capaz de ver isso. Seus olhos estão fechados ao que se revelou.

Ensina-me bom juízo e conhecimento


19
O festim faz-se para rir, o vinho alegra a vida, e o dinheiro atende a tudo. (Ec 10.19)

O dinheiro, como disse o outro, fala. Banquetes e vinho têm limitações debaixo
do sol. O dinheiro não. Nesse ponto Salomão recorre a uma hipérbole.

Creio nos teus mandamentos


20
Nem no teu pensamento amaldiçoes o rei, nem tampouco no mais interior do teu
quarto, o rico; porque as aves dos céus poderiam levar a tua voz, e o que tem asas daria
notícia das tuas palavras. (Ec 10.20)

Naquela época e agora, as paredes têm ouvidos. A prudência requer que


guardemos a língua no que diz respeito às pessoas no poder. Certo passarinho poderia
abrir o bico para o Washington Post, e coitado de mim por causa dos comentários que
fiz acima sobre presidentes, mulheres promíscuas e cocaína. É só uma pequena
ilustração homilética.

Tornou-se-lhes o coração insensível, como se fosse de sebo; mas eu me comprazo


na tua lei
1
Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás. 2Reparte com
sete e ainda com oito, porque não sabes que mal sobrevirá à terra. (Ec 11.1,2)
O negócio da generosidade é governado pelo Senhor com resultados
previsíveis. Jogar o pão às águas não significa dar comida aos patos. Salomão exorta-
nos para que tratemos as esmolas como um negócio, um investimento no Senhor. Aquele
que dá aos pobres está na verdade dando a Deus.
Pensar de trás para frente às vezes pode ser divertido (11.2). Há quem diga que
a vida é incerta e por isso devemos comer a sobremesa primeiro. Salomão ensina aqui
que, pelo fato de a vida ser incerta, devemos dar primeiro a sobremesa.

Ensina-me para que aprenda os teus mandamentos


3
Estando as nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra; caindo a árvore para o
sul ou para o norte, no lugar em que cair, aí ficará. (Ec 11.3)

É assim que as coisas são, diz ele. Receba a vida do jeito que ela vier. É isso
aí. E cá estamos. Tive uma deliciosa imagem do sentido de Eclesiastes alguns meses
atrás. Eu estava olhando a estrada que passa em frente à nossa propriedade, e um
sujeito em uma camionete seguia deliberadamente para o sul. “Bem”, pensei eu, “lá vai
ele!”.

Na tua palavra tenho esperado


4
Quem somente observa o vento nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca
segará. (Ec 11.4)

Quando se trata de trabalhar, basta agir com empenho e vontade. Desculpas


existem aos montes. Está calor demais. Está frio demais. É tarde demais.

Os teus juízos são justos


5
Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no
ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as
coisas. 6Semeia pela manhã a tua semente e à tarde não repouses a mão, porque não
sabes qual prosperará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente serão boas.
(Ec 11.5,6)

Lembre-se de suas limitações (11.5,6). Deus controla e faz tudo, e ele não nos
fez privar dos detalhes. Reconheça o que você não sabe (quase tudo), e aplique-se ao
que sabe (ao deveres designados). Trabalhe com empenho nesses deveres, pois não
sabe o que vai acontecer, se você vai para a direita ou para a esquerda.
Lembre-se sempre que Eclesiastes está em guerra contra a insensatez da
autossuficiência. A chave para a sabedoria é dar-se conta do que não sabemos.

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): A satisfação não surge do nada.
Segunda divisão (3.1—5.20): A soberania é do Senhor. Salomão responde às
objeções a essa ideia.
Terceira divisão (6.1—8.15): O desfrutar da vaidade é dom de Deus.
Quarta divisão (8.16—12.14): A última seção lida com vários problemas.
Primeira subdivisão (8.16—9.9): Com certeza, as inconsistências não devem jamais
diminuir o nosso gozo. Segunda subdivisão (9.10—11.6): Temos de trabalhar com
empenho e permanecer sensíveis a despeito das situações.
Capítulo 13
Tempo de ser velhote[16]
O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro no Líbano. Plantados na
Casa do SENHOR, florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice darão ainda frutos,
serão cheios de seiva e de verdor, para anunciar que o SENHOR é reto. Ele é a minha
rocha, e nele não há injustiça.
SALMOS 92.12-15

Salomão apresenta-nos agora a importantíssima introdução à questão da


velhice. A sábia preparação para ela começa muitos anos antes, nos dias da juventude.

Na tua lei está o meu prazer


7
Doce é a luz, e agradável aos olhos, ver o sol. 8Ainda que o homem viva muitos anos,
regozije-se em todos eles; contudo, deve lembrar-se de que há dias de trevas, porque
serão muitos. Tudo quanto sucede é vaidade. 9Alegra-te, jovem, na tua juventude, e
recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade; anda pelos caminhos que satisfazem
ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém, que de todas estas coisas Deus te
pedirá contas. 10Afasta, pois, do teu coração o desgosto e remove da tua carne a dor,
porque a juventude e a primavera da vida são vaidade. 12.1Lembra-te do teu Criador nos
dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais
dirás: Não tenho neles prazer; 2antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do
esplendor da tua vida, e tornem a vir as nuvens depois do aguaceiro. (Ec 11.7—12.2)

A injunção é clara ― alegrem-se e obedeçam. Salomão dirige-se aos jovens


para os encorajar a duas coisas: uma é característica da idade deles, a outra não.
Primeiro ele diz: “Alegrem-se agora!”. A luz do dia e o vigor da juventude são
realmente doces. Desfrute-os (v. 7). Para os jovens, esse é um conselho fácil de seguir.
Mas depois ele bate em uma tecla mais sombria: “enquanto podem”. O homem
que tem se alegrado por muitos anos ainda assim deve se preparar para os muitos dias
vindouros… dias de escuridão e vaidade (v. 8). Não podemos escapar da mentira
mentindo para nós mesmos a respeito dela. Devemos recebê-los da mão de Deus ― e
com a mente tranquila.
Salomão chega à “conclusão”. De várias maneiras os jovens são instados a
abraçarem a juventude e a rejeitarem o mal. Ele os chama para serem cheios de energia
e retidão. Regozijem-se na juventude, diz ele, e lembrem-se do juízo divino (v. 9).
Removam de si a angústia e o mal (v. 10). Embora nossa juventude seja vaidade, ela
deve ser desfrutada. Esse gozo só é possível se você se lembrar do Criador agora,
antes que cheguem os dias de dificuldades (12.1,2).
Meditarei nos teus preceitos
3
No dia em que tremerem os guardas da casa, os teus braços, e se curvarem os homens
outrora fortes, as tuas pernas, e cessarem os teus moedores da boca, por já serem
poucos, e se escurecerem os teus olhos nas janelas; 4e os teus lábios, quais portas da
rua, se fecharem; no dia em que não puderes falar em alta voz, te levantares à voz das
aves, e todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem; 5como também quando
temeres o que é alto, e te espantares no caminho, e te embranqueceres, como floresce a
amendoeira, e o gafanhoto te for um peso, e te perecer o apetite; porque vais à casa
eterna, e os pranteadores andem rodeando pela praça; 6antes que se rompa o fio de
prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a
roda junto ao poço, 7e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o
deu. (Ec 12.3-7)

Assim chegamos à queda da grande casa. Salomão nos leva à analogia


ampliada, retratando os problemas associados ao feroz ataque da velhice. Ele compara
a desintegração do corpo à miséria de uma grande casa em desespero crescente.
Os “guardas da casa” não funcionam (12.3). Mãos e braços tremem por causa
da fraqueza ou da paralisia. Os “homens fortes” lutam (12.3). As pernas se curvam sob
o peso da idade. Os “moedores” não cumprem mais o trabalho que lhes cabe (12.3). Os
dentes perdem a capacidade de mastigar.
Passa a ficar muito escuro, escuro demais para poder enxergar (12.3). Os olhos
perdem a visão. As portas estão “fechadas” (12.4). Pela falta dos dentes, a boca se
dobra para dentro. Tudo quanto se pode ouvir são sons ao longe (12.4). O som da
mastigação é baixinho.
Há mais um problema, o do “sono leve” (12.4). Os idosos são notórios pelo
sono leve. As “filhas da música” se vão (12.4). A capacidade de se deleitar com a
música declina.
Um novo medo ataca, o medo de alturas (12.5). Os que agora são velhos têm
medo de tropeçar e cair. Uma queda pode ter consequências muito piores que antes.
A “amendoeira” floresce (12.5). A cabeleira agora está branca ou cinzenta. A
pessoa aflita é agora um gafanhoto coxo (12.5). As pernas, agora, dobram-se sob o peso
da idade.
Obviamente, vemos o declínio sexual (12.5). O desejo pela atividade e
satisfação sexual acaba-se. O hebraico aqui é “o fruto da alcaparra [um afrodisíaco]
não funciona”. Nenhum dos velhos truques funciona mais. Essa é uma notícia
particularmente difícil para os modernos profetas e apóstolos da autonomia sexual. Mas
não importa mesmo, quer gostem ou não. Chega a hora na qual esse ídolo em particular
está totalmente acabado.
Todas essas coisas são preparatórias para morrer e para a morte (12.5). Antes
que chegue esse momento, lembre-se do seu Criador (v. 6). E assim chega a morte
(12.6). Aqui, as imagens obscuras indicam com toda a clareza o ponto de ruptura da
criação maravilhosa — o corpo humano. O pó do nosso corpo voltará à fonte, e nosso
espírito subirá para Deus (v. 7).

Seja o meu coração irrepreensível nos teus decretos


8
Vaidade de vaidade, diz o Pregador, tudo é vaidade. 9O Pregador, além de sábio, ainda
ensinou ao povo o conhecimento; e, atentando e esquadrinhando, compôs muitos
provérbios. 10Procurou o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão
palavras de verdade. 11As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem
fixados as sentenças coligidas, dadas pelo único Pastor. 12Demais, filho meu, atenta:
não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne. (Ec 12.8-12)

Esse comunicado sobre a vaidade é… vaidade (v. 8). O ensinamento recebido


em Eclesiastes não é fortuito ― os provérbios foram arrumados em ordem e ensinavam
conhecimento ao povo (v. 9). Da forma mais enfática possível, este não é um livro de
desespero niilista ― são palavras de verdade (v. 10). Salomão diz que nos martelou
para a sabedoria, e esses pregos foram fixados com precisão, sendo todos eles
direcionados por Deus (v. 11). Os que vierem a se arrepender da insensatez devem
deixar que Salomão a defina para eles com exatidão.
E, adverte-nos ele, se não formos ensinados por um pequeno livro como este, a
extensa fila dos grandes e grossos livros que ainda restam não será nada, a não ser
canseira e enfado (v. 12).

Visão geral e revisão


Primeira divisão (1.2—2.26): A satisfação não está em nós.
Segunda divisão (3.1—5.20): Deus é soberano sobre tudo. Objeções
respondidas.
Terceira divisão (6.1—8.15): Salomão aplica a doutrina segundo a qual Deus é
quem dá prazer na vaidade.
Quarta divisão (8.16—12.14): Vários obstáculos e desencorajamentos são
abordados. Primeira subdivisão (8.16—9.9): As incoerências restantes não devem
diminuir nossa alegria. Segunda subdivisão (9.10—11.6): Temos de trabalhar com
empenho e permanecer sensíveis a despeito das incongruências restantes. Terceira
subdivisão (11.7—12.12): Devemos nos preparar para a longa jornada ao longo da
velhice para a eternidade.
Capítulo 14
A conclusão[17]
Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma
por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos.
JOÃO 21.25

Guardarei os testemunhos oriundos de tua boca


13
De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos;
porque isto é o dever de todo homem. 14Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras,
até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más. (Ec 12.13-14)

Assim Salomão encerra o livro. Eis a conclusão de tudo ― é este o ponto a que
chegamos no final da argumentação. Tema a Deus, preconiza Salomão, e faça o que ele
diz. Essa é nossa porção, e nosso tudo, e quando a recebemos, recebemos alegria das
mãos de Deus.
Devemos observar que essa é a conclusão de Salomão. A dedução a qual ele
nos traz nesse lugar decorre das premissas. Para quem não acompanhou a
argumentação, é uma tentação afirmar que Salomão apenas incorreu em desespero
existencial e deu um salto de fé edificador. Mas não foi assim que ele agiu. A
lembrança do juízo final é a conclusão do seu argumento, e devemos nos lembrar de que
as capacidades de argumentação de Salomão eram consideráveis.
Portanto, Deus julgará as coisas secretas, todas elas, quer boas quer más. Mas
como é possível a ideia do julgamento de tudo, em todas as suas minúcias, trazer prazer
e encorajamento em qualquer lugar, em especial no meio da vaidade?
Eis, aqui, a palavra do Senhor: é o dom de Deus.

[1] Aqui não há notas de rodapé. O capítulo fala por si mesmo.


[2] Se o livro de Eclesiastes apresentasse o termo vaidade com o significado de absurdo total e absoluto, ele, então,
teria pouquíssimas argumentações e mais referências à torrada com manteiga, truta arco-íris, acompanhadas das
profecias veladas tentadas por Walt Whitman na poesia. Sendo de longe bem mais coerente com a “cosmovisão do
absurdo”, o que, é claro, tornaria o livro incoerente.
[3] Tenho uma imensa dívida com Walter Kaiser a respeito desse procedimento e pela forma como ele tratou os
problemas de tradução de Eclesiastes 2.24-26. Leia seu breve e excelente comentário sobre Eclesiastes (Walter
Kaiser, Ecclesiastes: Total Life [Chicago: Moody Press, 1979], 43-45).
[4] Pode-se encontrar uma boa representação desse tipo de pensamento na obra de Clark Pinnock e outros tipos de
“abertura de Deus”. Completamente à parte da heresia envolvida nessa abordagem minúscula, em que o argumento
de Eclesiastes como um todo é levado em conta, outro problema fundamental deve vir à mente. Essa heresia não é
apenas um erro cometido pela mente, é também um erro do coração. É um estraga prazeres doutrinários. O fato de
isso ser uma teologia presunçosa não carece de mais documentação senão a de ser InterVarsity Press que está
publicando essa coisa.
[5] A questão em tudo isso é de confusão mental, razão por que a discussão não tem ligação com cafeína, tabaco ou
sorvetes. Mas, uma vez que o tabaco anda a passos largos para ser declarado droga pelos feitores federais, também é
importante que a esse respeito pensemos aqui biblicamente. As drogas, a que nos referimos antes, são todas
alteradoras do estado mental. Com relação ao café e ao tabaco, ou outra coisa qualquer, a questão não é a perda da
razão, porque eles não são agentes alteradores do estado mental. A questão, que também não é da conta dos
magistrados, é outra ― a perda da alegria. É difícil demais subjugar o corpo (Rm 6.12) sem lhe dar em troca uma
porção de dependências extras. Não me deixarei dominar por nenhuma, assegura Paulo (1Co 6.12,13). Mas se a
alegria do apóstolo não for feita refém por seja lá o que for, ele pode seguir o exemplo de muitos dos mais eficazes
servos do Senhor, agradecer a Deus por essa sublime criação, o tabaco, e fumar como uma chaminé para a glória de
Deus.
[6] Obviamente, neste mundo vão, “ele não dava a mínima” significa o mesmo que “ele não dava a mínima”. E não
se surpreenda que, se ele não melhorar significa que não nos surpreenderíamos se ele melhorasse.
[7] G. K. Chesteron, Orthodoxy (London: Bodley Head, 1908), cap. 2.
[8] Alguns anos atrás, um amigo produziu um comentário fortuito que, para algumas pessoas, talvez pareça refletir a
fé deficitária na democracia americana. Ele disse: “Claro que ele é corrupto. Ele é candidato a presidente, não é?”. O
tempo passou e eu gostaria de alterar seu comentário só um pouco. Algumas pessoas, as cristãs em particular, logo
que entram no sistema político, não são de fato corruptas, ainda. Elas têm testemunhado os problemas da vida pública
e querem fazer a diferença. Nossas atrapalhadas e mal resolvidas questões públicas conseguiram espaço lateral
suficiente para que algumas almas puras arregacem as mangas decididas a se meter lá dentro para fazerem as coisas
funcionarem. Isso é como achar que “o remédio para a prostituição é encher de virgens as casas de tolerância”, como
comentou certa vez H. L. Mencken (Notes on Democracy [New York: Knopf, 1926]). Ainda assim, não tem jeito. O
sol se levanta e o sol de põe, e a uma sociedade em declínio jamais faltarão reformadores e patriotas às pencas. Eles
ou falham, e conservam a pureza, ou têm sucesso, e descobrem que essa coisa toda é bem mais complexa do que
achavam antes. No fim das contas, eles entraram para fazer a diferença, e só podem fazer a diferença se ficarem por
perto, e só podem ficar por perto se aprenderem a jogar o jogo. A Senhorita Realística é uma coisinha linda e sedutora,
mas sempre tem filhos feios. Quando o câncer da corrupção já está bem avançado na sociedade, os crentes podem
ser manobrados para que se enfeitem com os botões de campanha dos menos corruptos. Comparações do tipo relativo
entre “horrível” e “não tão ruim” podem parecer bastante austeras, além de imporem às campanhas políticas um
elevado valor de entretenimento, mas ainda não refletem os padrões da lei de Deus.

[9] Quando não tiver o que dizer, não fale.


[10] Idem à nota anterior.
[11] O autor foi Malcolm Muggeridge, mas não consigo me lembrar onde foi que ele disse isso.
[12] O ministro socialista Francis Bellamy publicou o Juramento de Lealdade (à bandeira e república americana) em
1892. Alunos do ensino fundamental recitaram-no pela primeira vez na dedicação da Feira Mundial de Chicago em
1892. Em 1945, o Juramento foi adotado pelo 79º Congresso, e nesse mesmo ano acrescentam-lhe as palavras
“debaixo de Deus”. Além disso, a bandeira dos EUA, o alvo do juramento, se ofereceu proteção mediante uma
emenda à Constituição proibindo que ela seja queimada. A emenda proposta, como o próprio Juramento, representa
um equívoco bem-intencionado do significado da verdadeira lealdade. Leve em consideração a palavra indivisível.
Esse vocábulo não reflete um desejo caridoso — “que a nação jamais seja dividida”. Antes, a palavra significa
“incapaz de ser dividido”. Isso representa uma reivindicação otológica e ultrapassa em muito o desejo bíblico de
estabilidade política. A mesma distinção pode ser observada entre o sonho pagão vazio, “Que o rei viva para sempre”,
e o desejo e esperança cristãos, “longa vida ao rei”.
O problema da reivindicação é sua inverdade. Os EUA, como toda e qualquer nação entre os homens, são capazes de
divisão. Podemos nos opor ou apoiar tal divisão se e quando ela ocorrer, mas todos deviam concordar que, com muito
mais certeza, não é uma impossibilidade. Mas se não é uma impossibilidade, então por que a alegamos? Os
confederados e os ianques mantinham perspectivas diferentes sobre a conveniência da separação, mas concordavam
de fato sobre uma coisa. Eles concordavam que a coisa poderia acontecer ― por isso houve a guerra. Qualquer um
que acredite na indivisibilidade dessa nação tratará todas as tentativas de secessão como o equivalente cívico de uma
máquina de movimento perpétuo.
Nossa cultura está correntemente em rebelião contra as leis do céu. A Bíblia nos diz que o trono se estabelece pela
justiça. O trono não se estabelece fazendo alunos do ensino fundamental dizerem coisas inverídicas, ou metendo as
pessoas no xilindró, caso elas queimem a bandeira. Tronos não são estabelecidos por juramentos ou castigos. A
Escritura nos diz que bendita é a nação cujo Deus é o Senhor. A Bíblia diz: “Tira da prata a escória, e sairá vaso para
o ourives; tira o perverso da presença do rei, e o seu trono se firmará na justiça” (Pv 25.4,5). Os cristãos devem ser
cidadãos leais, mas antes devem entender o fundamento da lealdade.
[13] Algumas pessoas pretendem nos dizer que a pena capital não tem valor dissuasivo. Mas certamente, no mínimo,
ela não dissuade quem é executado?
[14] Eu sei, a maior parte deste capítulo não foi sobre casamento.
[15] Aqui também não há notas. Perdoe-me.
[16] Nadica de nada.
[17] Zero.

Você também pode gostar