2014 - Analise de Biologia
2014 - Analise de Biologia
2014 - Analise de Biologia
SÃO PAULO
2014
1
ABOBACAR MUMADE ALI
SÃO PAULO
2014
2
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada à fonte.
Catalogação da publicação
Serviço de Documentação
CDD
3
ALI, Abobacar. Empregadas domésticas em Moçambique: classe e trabalho numa
sociedade pós-colonial. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do titulo de mestre em Sociologia.
Aprovado em:
Banca Examinadora
4
Em memoria dos meus entes queridos, que Deus os mantém num lugar
privilegiado! Este trabalho é vosso.
5
AGRADECIMENTOS
Muitas foram as pessoas e as instituições que tornaram possível este trabalho. Devo expressar
minha gratidão eterna, primeira a Deus o nosso Xikwembo Kulukumba em língua ronga,
em seguida aos meus pais, Mumade Abdula Ali e Saida Abobacar Ija, pela educação
fadas. Sou eternamente grato a minha avó materna, Cerine Hassane Djamal pelo seu
esforço para que eu pudesse continuar com os meus estudos na escola secundária Josina
Machel, quando tudo levava crer que ficaria sem vaga nessa escola.
Meu especial agradecimento a minha esposa Líbia Nara Cruz Do Nascimento pelo
wanga. Obrigado por fazer parte da minha vida mãe do Yussuf, meu querido e amado
filho. Agradeço a minha segunda mãe, Luci Aparecida Do Nascimento pelos incentivos
Meus irmãos, Ahmad Mumade Ali, Abdul Mumade Ali, Atuia Saida Ali,
Cerine Saida Ali e Atija Saida Ali, pelo carinho e apoio, vocês são os meus modelos.
pesquisa que deu origem ao projeto desta dissertação, e a Universidade de São Paulo,
6
O meu agradecimento ao professor Leonardo, meu orientador, por ter aberto as
demonstrado ao longo da nossa vivência acadêmica, espero que ao ler este trabalho,
Silva pelas riquíssimas contribuições no exame de qualificação, que foram uma valiosa
turma de 2012 com que tive varias oportunidades de dialogar: Benno Victor Warken
Alves, Thiago Agguiar, Thais Lapa, Diego Tavares, Juliana Vinuto Lima, Anouch
Neves de Oliveira Kurkdjian, Hugo Neri, Ivonne Martza Cácere Villota, Juliana Gomes
Eduardo Mondlane, em especial a minha “mãe acadêmica” assim como ela gosta lhe
chamemos Professora Doutora Nair Teles, aos mestres Peter Beck, Domingos Langa,
Baltazar Muianga.
Aos meus colegas e amigos da associação juvenil islâmica de Maputo os Sheiks Abdul
Carimo Sal, Mussa Tamimo Mussa, Abdul Hanna Hajat, Tayob Cadango, e a malta dos
7
Especial agradecimento aos moçambicanos: Joaquim Maloa e sua esposa, ao Tome
Maloa, Salvador, Lucia, Inês, Aniceto, Emanuel, Vicente, Milton, Hélio Maungue,
Também sou grato aos amigos, em especial aqueles que conheci depois de mudar
para São Paulo e àqueles que compartilharam comigo alguma parte, grande ou pequena,
8
Listas de ilustrações
TABELAS
FIGURAS
Mapa
9
Lista de abreviaturas
BM – Banco Mundial
10
RESUMO
11
ABSTRACT
whose focus is the daily life of that work in the city of Maputo. The study is composed
of two complementary analytical axes: housework during the colonial period and the
males saw in domestic employment a way to escape from "xibalo" or forced labour. The
goal of the Portuguese colonial State was to preserve the precariousness in the domestic
because after this process, domestic employment sector has been ignored by the
colonialism. For the accomplishment of this work were used analytical tools as semi-
Colonialism
12
Sumário
Introdução ................................................................................................................................... 16
I. CAPÍTULO ................................................................................................................................. 21
1.1. REVISÃO DA LITERATURA: INFLEXÃO COM HELEIETH SAFFIOTI, CASTEL-BRANCO, SUELY
KOFFES E CHIPENEMBE. .......................................................................................................... 22
1.2. Onde tudo começou ......................................................................................................... 29
1.3. Caminhos metodológicos ................................................................................................. 31
II. CAPÍTULO ................................................................................................................................ 35
II) TRABALHO DOMÉSTICO NO COLONIALISMO ..................................................................... 36
2.1. Legislação colonial sobre o trabalho doméstico. ............................................................. 37
2.2. Quem eram os empregados domésticos?........................................................................ 40
2.3. Relacionamento entre o patrão e o empregado .............................................................. 41
III. CAPÍTULO ............................................................................................................................... 46
MUDANÇA SOCIAL E SURGIMENTO DE NOVOS ATORES SOCIAIS NO TRABALHO DOMÉSTICO
................................................................................................................................................. 47
III. 1.1) Perfil sócio gráfico das empregadas domésticas ........................................................ 47
III.1.1.a) Idade...................................................................................................................... 47
III.1.1.b) Origem .................................................................................................................. 48
III.1.1.c) Escolaridade .......................................................................................................... 49
III.1.1.d) Anos de trabalho doméstico ................................................................................. 50
III.1.1.e) Local de moradia ................................................................................................... 50
III.2.1.f) Estado civil ............................................................................................................. 51
III.2.1.g) Local de trabalho ................................................................................................... 51
3.2. Emprego doméstico em Maputo: de criado a empregada doméstica............................. 52
3.3. Ser empregada doméstica................................................................................................ 59
3.4. Redes de contato para contratar novas empregadas domésticas ................................... 62
3.5. Razões para procura de emprego doméstico .................................................................. 63
3.5. Condições de trabalho doméstico: Jornadas, salários e regalias de trabalho.................... 66
3.5.1. Jornada de trabalho.................................................................................................... 69
3.5.2. Critérios de definição do salário. ............................................................................... 77
3.6. Relacionamento entre o patrão e o empregado .......................................................... 83
IV. CAPÍTULO ............................................................................................................................... 85
4.1. Trabalho doméstico e suas limitações no contexto moçambicano ................................. 86
4.2. Empregadas domésticas e o associativismo .................................................................... 90
4.3. As associações das empregadas domésticas ................................................................... 95
13
V. CAPÍTULO .............................................................................................................................. 100
4. SURGIMENTO DA NOVA ELITE NEGRA .............................................................................. 101
Considerações Finais ................................................................................................................. 105
Referência bibliográfica............................................................................................................. 108
ANEXOS ..................................................................................................................................... 120
Ondem trabalham as domésticas ......................................................................................... 120
Questionário direcionado as empregadas domesticas ......................................................... 122
Questionário dirigido às patroas ........................................................................................... 124
Modelo de contrato de trabalho ........................................................................................... 125
14
Mapa. 1.
15
Introdução
atividade, tendo como ponto de partida o período colonial. É nosso objetivo analisar
emprego doméstico.
Partimos do pressuposto de que esta será mais uma contribuição para a questão
problemática do emprego doméstico fomenta uma grande discussão nas esferas pública
e privada, pois ela é caraterizada pela precariedade, aliada tanto às péssimas condições
de trabalho, bem como à fraqueza do mecanismo jurídico-legal que regula este setor
informal.
16
Os artigos e reportagens referentes ao emprego doméstico têm estimulado
debates sobre a necessidade de se fortalecer um novo mecanismo criado com vista tanto
organizar, no mesmo espaço, relações sociais entre indivíduos de cor, classe e estatuto
contexto moçambicano a realidade é bem diferente, porque este setor de emprego tem
desempregados.
dependentes dedicando-se ao emprego doméstico dia após dia, ano após ano e geração
após geração (Sorato, 2006). O emprego doméstico constitui um dos setores do trabalho
feminino.
No período colonial o trabalho doméstico era caraterizado por ser feito na sua
maioria por indivíduos de sexo masculino, porque este era a única alternativa que os
nativos encontravam para não servir ao trabalho forçado. Para o governo colonial, o
trabalho era considerado o meio pelo qual os povos colonizados poderiam se libertar
17
dos seus usos e costumes. No período pós-independência, a maioria dos indivíduos que
deve advir do problema levantado pelo estudo, optamos por hipótese a seguinte: a
Neste trabalho enfatizamos que a única mudança ocorrida neste setor foi em
relação ao empregador, pois com a independência surgiu uma nova elite constituída na
sua maioria por indivíduos de pele negra em substituição aos colonos brancos.
de uma família, sendo que desse número 86,8% são mulheres e 13,2% são homens.
aos problemas dessa profissão e muitos terão que permanecer nela, seja quais forem às
18
Mostra-se sociologicamente pertinente fazer uma reflexão sobre a mudança
porque a sociologia, de uma forma geral, é uma ciência vocacionada aos estudos sociais,
isto é, ocupa-se, entre outros fatores, com as questões de interação dos atores sociais em
Tudo aquilo que as empregadas domésticas pensam reflete o que está objetivado
seja, a sua identidade subjetiva nada mais é do que o resultado do relacionamento delas
com o mundo objetivado. Como afirmam Berger e Luckmann (1995), tudo o que um
indivíduo objetiva é algo socialmente condicionado, pelo o que ele é e pelo o que ele
fala, pelo seu estudo e seu vocabulário; enfim, pelos seus valores.
inflexão dos teóricos que abordam o fenômeno emprego doméstico, abordamos também
o local onde ocorreu o trabalho de campo, assim como os caminhos metodológicos por
independente, tratamos das mudanças sociais ocorridas nesse setor do serviço informal,
19
traçamos os perfis das empregadas domésticas, assim como abordamos o emprego
nova elite negra em Moçambique. E por último as considerações finais sobre o trabalho
20
I. CAPÍTULO
21
1.1. REVISÃO DA LITERATURA: INFLEXÃO COM HELEIETH SAFFIOTI,
CASTEL-BRANCO, SUELY KOFFES E CHIPENEMBE.
fazer parte da agenda dos estudiosos a partir dos anos 1970, principalmente em sinal de
Cone Sul, defende que a discussão sobre o trabalho doméstico foi uma das bandeiras de
luta dos movimentos feministas nos anos 60/70. Ainda para a autora, esta questão foi
Carolina de Mello (2010), por sua vez, aborda as contribuições que os movimentos
feministas dos anos 60 trouxeram para a visibilidade do trabalho doméstico, pois ele
ainda não era abordado no meio acadêmico. Para autora, a discussão sobre a
22
Por exemplo, no caso sul-africano, segundo Castel-Branco, (2012) citando Cock
África do Sul, onde o trabalho doméstico reflete e reproduz uma das formas de
1978. 51).
questão pelo setor secundário bastante inexpressivo. Pois, para a autora, o modelo de
processo nas nações desenvolvidas (Saffioti, 1978). Todavia, essa realidade mudou a
23
necessitam auferir rendimentos para sua manutenção e o sustento de dependentes. Para
acreditava que esta atividade estava condenada a deixar de existir. Saffioti (1978)
dominante e pela mística feminina, pois já eram observáveis algumas mudanças, tais
Boserup (1970) e Chaplin (1973), citados por Castel-Branco (2012), por sua vez,
opressão sexual. No trabalho doméstico, por ser o trabalho realizado na sua maioria por
sendo algo natural, isto é, como se a mulher tivesse nascido para fazer esse tipo de
atividade.
Castel-Branco (2013), citando Boris e Parreñas (2010), advoga que, nas últimas
décadas, o interesse pela área do trabalho doméstico remunerado, por parte dos
acadêmicos, tem coincidido com as grandes crises econômicas que o mundo tem
24
É neste período em que, por exemplo, Kofes (2001) traz à tona a realidade das
sendo este entendido como “um lugar espacial, a unidade doméstica, e seu caráter
A partir das noções utilizadas pelas entrevistadas em sua obra, ela propôs um
modelo das identidades, combinando uma possibilidade virtual com as categorias que
escrava, etc. Kofes (2001) faz uma viagem ao passado sobre o trabalho doméstico e diz
que existe uma ligação entre a escravidão e o emprego doméstico. Antes quem fazia o
trabalho doméstico era uma escrava e que não era paga; atualmente quem o faz é uma
empregada doméstica - na sua maioria negra- e que é paga por isso, apesar de serem
Para ela, a fala das empregadas sugere o recuo ao tempo passado “e ao fazê-lo
procuramos mostrar como era feito o trabalho doméstico no tempo colonial para melhor
25
No período colonial, o aspecto racial e o aspecto social eram os indicadores
sobre o tipo de trabalho que o indivíduo poderia exercer, assim como sobre as relações
(Kofes. 2001: 137). Assim, a autora afirma que não esta subsumindo a existência do
variadas: empregadas que não moram no local de trabalho e empregadas que moram no
Por sua vez, a organização diferenciada das famílias tem influenciado tanto na
elementos que diferenciam a organização delas, uma vez que vão definir a presença ou
26
As relações existentes entre patroa e empregada são categorias polares, isto é,
esta relação social tem dois pólos bem definidos, as que são “patroas” e as que são
“empregadas domésticas” (Kofes, 2001). O papel social que se espera das patroas é de
que tanto ordenem e coordenem as atividades exercidas pelas empregadas, assim como
manter o vínculo de trabalho com a trabalhadora. Por sua vez, espera-se que a
empregada exerça a profissão pela qual foi contratada com zelo e profissionalismo, isto
família para que seja remunerada e, por último, mantenha um vínculo saudável com a
dona da casa.
suas ritualizações, cujas falas dos empregadores e das empregadas são os elementos que
À empregada cabe aceitar os limites impostos. Kofes (2001) argumenta que existem
controlada em três domínios, a saber: nos alimentos, no cuidado com as crianças e por
27
O enfoque da obra da autora foi a relação entre patroas e empregadas
representadas em vários lugares. Ainda segundo a autora, a relação face a face esta
de organização da unidade doméstico” (Kofes, 2001; 32). Tais lugares podem vistos
em sindicatos.
existem escassos estudos que retratam o tema. Chipenembe (2010) no seu trabalho
dispor das empregadas e quais eram os critérios usados pelos mesmos na remuneração
das empregadas.
contingencias do capitalismo, uma vez que este também produz impacto no nível das
28
Ela entende o espaço social como local em que o mercado de trabalho doméstico
empregada/o.
Neste período o trabalho doméstico era caraterizado por abusos e desmandos por parte
dos patrões brancos contra os empregados negros, e “havia uma separação tácita entre
necessidade de contextualizar o local onde ele ocorre. Nesta pesquisa tomamos a cidade
Maputo foi erguida na baía do mesmo nome. Em 1887 a cidade de Lourenço Marques é
Moçambique” (Melo, 2013: 74). A mesma localizava-se no norte do país, isto é, na ilha
29
É na capital Maputo onde se encontram concentradas todas as instituições
pessoas oriundas de todas as províncias do país, bem como de outras partes de mundo.
ricos e pobres. O fenômeno de pobreza urbana, que se traduz num elevado índice de
de população jovem à procura de um aparente bem-estar, são alguns dos fatos que põem
2004).
maior, que é estrutural. Ele é o que mais emprega, com cerca de 37 mil trabalhadores
30
interior para a costa, ou por outra, do oeste para leste, assim como de norte para o sul,
região sul. Realçando as constatações do Censo de 1997, a zona sul tem as taxas de
da dissertação que aqui apresentamos. Ele se baseou nos seguintes passos: a revisão da
31
de nos apresentar, mostrando o nosso interesse em escrever sobre o trabalho das
domésticas.
sentido de compreender os sujeitos - empregadas domésticas - com base nos seus pontos
de Ali (2009), escolhemos a metodologia qualitativa, ainda, por esta nos permitir
Como afirmara Crespi (1997), o método qualitativo na sociologia tem sido usado em
além de ser uma opção do investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma
Assim, segundo o mesmo autor, “os estudos que empregam uma metodologia
32
O estudo de caso é também considerado uma metodologia qualitativa de estudo, pois
está direcionada em obter generalizações de estudo e nem tem preocupação
fundamentais com tratamentos estáticos e quantificações de dados em termos de
representações ou de índices (...) assim, pode-se realizar um estudo de caso
tipificando um individuo, uma comunidade, uma organização, um bairro comercial,
etc, para identificar as percepções e representações sociais.
(De Barros. A. J; Lehfeld, N. A de Souza 1999:55)
longo das entrevistas, poder esclarecer certas dúvidas que fossem surgindo durante elas.
caso, a amostra aleatória simples, que “atribui aos grupos da mesma quantidade de
grupo alvo foi constituído por vinte empregadas domésticas e quatro empregadores.
O trabalho de campo ocorreu na cidade de Maputo. Ela teve duas etapas que se
33
de campo foi composto por vinte e quatro entrevistas realizadas em dois momentos: o
primeiro momento ocorreu entre abril e maio de 2013; o segundo entre janeiro e
domésticas para, em seguida, combinar com elas a data para realizar as entrevistas.
utilizaríamos nomes fictícios no lugar dos seus nomes verdadeiros. Na terceira etapa,
foram realizadas as entrevistas com as empregadas domésticas que aceitaram fazer parte
deste estudo. A duração das entrevistas variou de uma hora (1h) a uma hora e meia
entrevistador e o entrevistado.
preconizavam a interrupção das entrevistas quando os donos da casa quisessem que elas
prosseguia.
34
II. CAPÍTULO
35
II) TRABALHO DOMÉSTICO NO COLONIALISMO
uma atividade historicamente associada aos negros. Para Valeriano (1998), a origem do
proprietário (Gonçalves, 1996). Kofes (2001), por exemplo, ao longo de sua pesquisa,
surge após a derrubada do estado de Gaza entre 1895/6 pelos portugueses chefiados por
começa com o processo de expropriação de bens e recursos naturais, tais como o gado e
as terras férteis; introduz imposto monetário na região e apela a uma “obrigação moral
remunerado.
colonialismo. Estavam abrangidos pelo trabalho forçado todos nativos entre os 15 anos
36
2.1. Legislação colonial sobre o trabalho doméstico.
colonial português, que obrigava aos abrangidos comprar uma chapa que provava que
regulamento de 1904 pelo sistema de registro urbano, que era mais abrangente, cujo
objetivo era limitar ainda mais a mobilidade e os salários dos trabalhadores negros. À
doméstico, ele tinha que comunicar tal fato a administração, local onde os aumentos
salariais deveriam ser submetidos para uma posterior aprovação ou não. Outro aspecto
cumprimento desta regra implicava castigos físicos, trabalho forçado e no caso extremo
37
Os negros em Moçambique foram obrigados a procurar os meios alternativos de
subsistência, pois o estado colonial português instituiu que “todos indígenas das
adquirir pelo trabalho os meios que lhes faltem, de substituir e de melhorar a própria
condição social” (Serra, 2000: 206). Tal lei visava à angariação de trabalhadores para
serviços particulares e públicos. O nativo que não tinha emprego era obrigado a ir para o
trabalho forçado, pois aos negros “(...) lhes reservava humilhações e dissabores de que
É neste período que o trabalho doméstico surge como alternativa a outros tipos
de trabalho, pois havia o medo de ir ao trabalho forçado, assim como de ser deportado.
O surgimento do empregado doméstico não teve o fator gênero como determinante (os
homens também podiam ser empregados domésticos); outros fatores contribuíram, tais
como a raça e classe, conforme Zamparoni, (1998). Penvenne (1995) atribui a fuga ao
trabalho doméstico.
vigor o regulamento dos empregados domésticos que dizia, no artigo 24, quanto aos
direitos dos patrões: exigir do empregado a prestação do trabalho que tiver sido
disciplina. Já no artigo 25, quanto aos deveres dos patrões estava: tratar os seus
38
assistência médica por acidentes de trabalho ou doenças profissionais e satisfazer as
empregado.
lealmente com o patrão e manter boas relações com os outros empregados, se os houver,
zelar pelos interesses do patrão. Os empregados domésticos, então, passaram a ter uma
Fig2. Exemplo duma carteira de trabalho doméstico de 1966. Retirado do texto de Castel-Branco
39
Perante esse conjunto de regras, pode-se ver que o trabalho doméstico no
domésticos teriam direito à folga, férias, entre outras regalias. A sua formalização ainda
(1998) havia notado que no período colonial, em Moçambique, o trabalho doméstico era
feito na sua maioria por indivíduos de sexo masculino. Chipenembe (2010), citando
Zamparoni (1998), diz que a ausência das mulheres negras no emprego doméstico
devia-se aos ciúmes que as senhoras e esposas brancas, proprietárias das casas, tinham
para satisfazer os seus desejos sexuais, pois acreditava-se que as mulheres negras eram
sexualmente atrativas e que isso faria com que o patrão branco as desejasse para
satisfazer suas fantasias sexuais. Também havia o receio, por parte dos homens
africanos, em ver as suas esposas envolvidas sexualmente com indivíduos brancos, por
isso eles as proibiam de exercer essa função fora das suas casas.
Argumenta-se que tal fato deveu-se ao sistema colonial que restringia o acesso à
educação, ao trabalho e ao rendimento das mulheres nas cidades (Sheldon, 2003). Nessa
40
Outro fator apresentado para a fraca presença das mulheres no setor doméstico é
o sistema patriarcal, cujos homens podiam ou não autorizar as suas mulheres para o
Todavia, Penvenne (1995) acredita que a razão da escolha dos homens para exercer os
trabalhos domésticos - que a priori são tidos como sendo caraterísticos das mulheres -
mainatos e os cozinheiros (...). Dos 11.153 serviçais que a Cidade e subúrbio tinham,
em 1912, 7.650 eram homens (68,5%) sendo que a esmagadora maioria deles, ou seja,
como se estivessem tratando de crianças quando lhes dirigiam a palavra. O tom da voz
1
ENES, Antônio. Op. Cit. P. 75.
41
usado pelos patrões denotava certa agressividade, o que contribuía na demarcação de
ordens expressas, quer num tom amistoso quer aos gritos, como se os empregados
Aqui transparece a ideia de que o individuo da pele negra deveria ser tratado
como se trata uma criança, pois ele tinha uma dimensão cognitiva reduzida e que se
equiparava a ela
naquele tempo o criado2 circulava em poucos cantos da casa, não podia sentar nas
cadeiras e se era visto sentado nelas era castigado por ser insolente (Castigo, 2014).
sofriam ao circular dentro das casas dos seus patrões. Havia dois tipos de refeições em
uma casa: uma rica em nutrientes e vitaminas direcionada aos patrões; outra pobre em
2
Empregado doméstico.
42
Francisco é um trabalhador doméstico com mais de cinquenta anos
de profissão que recorda que o tempo colonial não é como
atualmente. Agora as coisas estão melhores, no tempo colonial
trabalhávamos como escravos e não tínhamos tempo de descanso,
tínhamos uma jornada laboral muito longa, e levávamos pancada.
(Castel-Branco 2013, 29)
Era corrente que “os patrões” aplicassem punições físicas aos seus
empregados domésticos (os criados) ou que as donas de casas portuguesas,
perante um erro, infração ou desobediência de um “criado”, o enviassem à
administração ou à estação de polícia com um bilhete no qual explicavam o
3
Na concepção colonial havia três categorias “sociais” na classificação dos indivíduos que viviam nas
colônias portuguesas: os indígenas que eram os nativos que eram regidos pelo seu direito privado
tradicional e que mantinham os seus direitos políticos pertinentes às instituições políticas tradicionais. Os
assimilados são os nativos que assimilaram a cultura portuguesa; esta assimilação é transmitida através da
escola, onde aprendiam os hábitos e costumes portugueses. (Moreira, 1956, 36). Os assimilados eram
tidos como uma classe intermediária essencial para a vitalidade do poder metropolitano. (Nascimento,
2012, 12)
43
“delito” e solicitavam punição física ou mesmo” uns dias de” calabouço”.
(Cabaço, 2007, 56).
Após receber a respectiva punição e como se de uma nota de presença no posto policial
56). Cabaço (2007) cita o poema do escritor moçambicano José Craveirinha, que
E chegamos à esquadra
Ao posto
Marques, e a maioria deles eram empregados domésticos na faixa etária de14 a 20 anos
(Castel-Branco, 2013: 28). Os castigos corporais em alguns casos levavam à morte dos
4
Mendes, Orlando, (1982) apud Cabaço, José Luís de oliveira (2007:56).
44
trabalhadores. Zamparoni (1998) relata o caso de um empregado negro que fora
acusado de ter roubado uma pasta após ter limpado o quarto onde estava hospedado um
inglês. O empregado jurava a sua inocência, mas os seus argumentos não convenciam as
autoridades e “como era hábito naqueles tempos, o administrador (...) mandou dar
palmatórias ao rapaz, mas este continuava a negar tudo, então mandaram chicotear com
o cavalo marinho (...) no dia seguinte o simpaio carcereiro dizia que o preso falecera
45
III. CAPÍTULO
46
MUDANÇA SOCIAL E SURGIMENTO DE NOVOS ATORES SOCIAIS NO
TRABALHO DOMÉSTICO
Neste subcapitulo vamos apresentar as variáveis que nos serão úteis em nosso
essa atividade na cidade de Maputo e seus arredores atualmente (INE, 2007). Neste
alvo.
III.1.1.a) Idade
Para melhor compreender o grupo etário, estabelecemos a escala de
diferenciação etária dentro do intervalo de quatro anos.
15-19 3 13,63
20-24 4 18,18
25-29 1 4,54
30-34 3 13,63
35-39 3 13,63
40-44 5 22,72
Mais de 45 3 13,63
Total 22 100
mais de 45 anos. Na faixa etária dos 15-19 anos, foram entrevistadas três empregadas
47
domésticas; o mesmo sucedeu para as faixas etárias 30-34 anos; 35-39 anos e a faixa de
etária de 40-44 anos é a mais alta com 22,72%; 18,18% das empregadas domésticas se
empregadas domésticas com as seguintes faixas etárias: com mais de 45 anos, as com
35-39 anos, 30-34 anos e 15-19 anos, com 13,63% cada respetivamente. Por último,
artigo 3, os empregados domésticos devem ter uma idade mínima de 15 anos de idade.
Caso tenham autorização dos respectivos representantes legais, podem exercer essa
III.1.1.b) Origem
No que concerne à naturalidade das empregadas domésticas entrevistadas, nota-
48
Sofala 1 5,54
Zambézia 3 13,63
Nampula 3 13,63
Total 22 100
terceira posição com 18,18%. Por sua vez, Zambézia e Nampula apresentam cada uma
13,63% de empregadas como originárias dessas províncias. Sofala, por fim, aparece
com 5,54%.
III.1.1.c) Escolaridade
Tabela 3: distribuição da escolaridade das entrevistadas.
Nível de escolaridade Empregadas domésticas Total
%
Analfabeta 11 50
Ensino primário 7 31,81
Ensino secundário 4 18,19
Total 22 100
correspondendo a 50% das inquiridas; 31,81% das domésticas têm o ensino primário, o
49
III.1.1.d) Anos de trabalho doméstico
Tabela 4: distribuição de anos de trabalho doméstico
mínimo de 1 ano e mais de 3 anos, conforme mostra a tabela. A maior parte das
50
Na tabela acima podemos observar que a maioria das entrevistadas vive nas
Mahotas, Zimpeto e Polana caniço apresentam 9,1% cada, das empregadas domésticas
que vivem nesses bairros. E, por último, 5,54% apresentaram os bairros da Liberdade,
casadas e outras 38,8% vivem maritalmente, seguidas das viúvas com 11,1%, e as
51
Segundo a tabela a maior parte das entrevistadas trabalha no bairro da
com 18,18% cada, e por último temos o bairro das Malhangalene com 9,1%.
colonial em Moçambique. Esta seção visa a descrever o que é ser empregada doméstica
2013:307).
com cerca de 40% da população ativa em situação de desemprego. É desse modo que o
famílias.
52
O governo moçambicano reconhece a importância do trabalho doméstico na
importância, no que diz respeito ao número de postos de trabalho que este sector possui,
quer no que se refere às implicações sociais e econômicas que dele decorrem” (Decreto
trabalho era feito na sua maioria por homens, no período pôs guerra passou a ser feito
formais quanto nas informais, assim como no setor de serviços, deveu-se também à
5
Nas últimas décadas do século XIX até 1975
6
No caso moçambicano a passagem da economia centralmente planificada para o liberalismo
econômico
53
O trabalho doméstico é geralmente relacionado como atividade exclusivamente
empregadas domésticas nas casas dos seus empregadores constitui uma das principais
pese o diferente contexto de que trata - nesse caso o contexto europeu no início do
permanecem os mesmos.
a atividades domésticas que são realizadas no interior da casa, como lavar roupa,
cozinhar, fazer limpeza, cuidar de crianças etc. Isso mostra que para a trabalhadora
doméstica não existe separação de tarefas, isto é, ela é contratada para fazer todas as
tarefas que se apresentam na casa. Por um lado, ela tem que fazer a faxina da casa e, por
outro, tem que lavar a roupa e preparar a alimentação para os membros da casa.
7
(CF. Gálvez e Todaro, 1989: 311-313)
54
Nesta relação ela funciona como moça para todos os serviços, que são
ilimitados, pelos quais ela se subordina à dona da casa enquanto pessoa precisamente
porque não há uma delimitação objetiva das tarefas, segundo Brandt (2003), citando
Maputo à procura de trabalho, sendo este o seu quarto emprego. Sempre trabalhou como
Você pode combinar uma coisa com o patrão, mas quando já estas a
trabalhar eles vão te mandar fazer outras coisas, eu, assim, por
exemplo, quando falamos sobre o que iria fazer, me disseram que
era para lavar a roupa, passar, cozinhar e limpar a casa, mas no
segundo mês de trabalho me mandavam cuidar do jardim, passear
com o cão deles, cuidar do pai da patroa que estava doente. Mas o
salário não aumenta, apenas aumentam as tarefas do empregado.
acontecimentos são mães de famílias. Para elas, o que as faz não reclamar sobre a
adição de tarefas que não constavam no acordo de trabalho é o fato de serem mães de
famílias com filhos que são seus dependentes, como atestam algumas falas das
domésticas: “Não falei nada porque tive medo de ser mandada embora. Se eu perder o
emprego como vou sustentar os meus filhos? Prefiro sofrer calada” (Zinha, empregada
doméstica), que acrescenta ainda: “Nem se quiseres reclamar, vão te dizer que eles que
55
te pagam, e se não queres trabalhar há muita gente que quer trabalhar”. Por sacrifício
trabalho são na maioria solteiras, sem filhos e jovens. Estas, quando observam que a
elas são incumbidas tarefas que não foram combinadas no contrato de trabalho, chamam
Eu não fui contratada para trocar fraldas duma pessoa adulta, o meu contrato
é para limpar a casa, cozinhar lavar e passar a roupa. Em nenhum momento
falamos sobre cuidar de doentes na família. Na casa onde eu trabalhava vivia
o casal e os filhos deles, e quando eu fui contratada tínhamos acordado o que
eu iria fazer. Em nenhum momento me disseram que era para cuidar dum
doente, o meu patrão como é o filho com mais recursos financeiros teve que
levar o pai para morar com ele, o velho está doente e não consegue se
locomover, faz todas as necessidades fisiológicas nas calças, e eles pensavam
que eu iria cuidar dele, eu disse que fui contratada para cozinhar, varrer, e
não para cuidar de idosos e doentes. Eles poderiam contratar uma pessoa
somente para cuidar do velho. (entrevista com Filomena, empregada
doméstica.).
diversas são as vezes que são chantageadas ou demitidas do emprego, pois as patroas
não gostam de empregadas que reclamam: “As minhas empregadas devem dançar a
minha música, se uma começa com reclamações eu lhe mando embora, não quero
Outras patroas justificam que algumas empregadas reclamam sem razão, como é
o caso relatado por Renata: “tinha uma empregada que reclamava muito, pedia que
lavasse o carro e ela refilava, pedia que fizesse mamadeira para meu filho e ela dizia
que não foi contratada para ser baba, tive que mandá-la embora porque ela não queria
56
trabalhar, só queria me deixar nervosa.” O comodismo apresentado pelas domésticas
está relacionado a
***
Neste estudo verificamos que a maior parte das mulheres que desempenham a
Maria: “[vim] por causa da guerra e para sobreviver tive que procurar o trabalho
veio a Maputo para fugir da guerra e como não tinha familiares foi acolhida por uma
família de origens em Gaza, para contribuir na renda lá em casa, arranjaram para mim,
emprego. Porém, chegados ao destino, encontram uma realidade diferente daquela que
era esperada e são coagidos pelas peripécias da vida a procurarem o refúgio no emprego
doméstico. É daí que alguns autores fazem uma ligação entre a migração de mulheres e
o trabalho doméstico.
8
Expressão que em Moçambique é usada para identificar os indivíduos de descendência indo-
paquistanesa.
57
Por exemplo, Rodrigues (sd) advoga que a migração de pessoas – mulheres -,
Existem casos em que as mulheres migram para outros países tendo como o objetivo
exercer o trabalho doméstico para “fazer a vida” ganhar o suficiente para juntar
economias, mandar remessas para a família (...) voltar e montar seu próprio negócio”
(Oliveira, 2011:3).
As trabalhadoras domésticas saem de uma região para outra dentro do país, como relata
Veronica, que veio de Nampula a procurar melhores condições de vida, uma vez que
nas grandes cidades existe muita oferta de emprego: “é mais fácil ter emprego na cidade
de Maputo, porque, aqui as oportunidades são maiores que na sua província de origem.
Aqui em Maputo é mais fácil arranjar emprego, basta ter vontade” (Veronica,
empregada doméstica).
prima me chamou e disse que aqui a pessoa consegue fazer a vida, e como sou mulher e
tenho domínio das tarefas domésticas foi fácil ela encontrar um emprego para mim”
58
3.3. Ser empregada doméstica
patrões bem sucedidos ou poderosos funciona como um atenuante para suportar o peso
da profissão, uma vez que esta última é socialmente desvalorizada. O estatuto social e a
a existência de dois grupos com respostas distintas. O primeiro grupo das entrevistadas
é constituído por mulheres, na sua maioria na faixa etária com mais de 35 anos em
constituído pelas mulheres mais novas, com o nível básico e secundário completo,
sendo que algumas delas, por sinal, ainda continuam a estudar, pois “o emprego
utilizado por parcela de mulheres pobres que desejam estudar no período da noite a fim
É ser uma trabalhadora como outra qualquer, apesar de ser um serviço feito
na casa dos outros. Eu cozinho na casa da família dum grande político daqui,
recebo pelo trabalho que faço, as pessoas têm na cabeça que de que lavamos
calcinhas das patroas, e não consideram este emprego, mas não é bem assim.
Por isso que não dão valor. Olha que eu trabalho na casa de pessoas
importantes neste país – a elite moçambicana. Sou doméstica desde 2004,
quando o meu marido faleceu. Eu, como não tenho estudos, um familiar meu
que trabalha como motorista lá na Sommerschield conseguiu esse emprego
para mim. (entrevista feita a Farida, empregada doméstica.).
59
O que me interessa é ter dinheiro para sustentar os meus filhos. Isso de que
eu não posso ser trabalhadora doméstica não é comigo. Tenho horário de
entrada e de saída; agora me diz se não é um trabalho normal! E nos fins de
semana, quando precisam do meu serviço, pagam horas extras. E olha que,
através do meu salário, meti o meu filho numa faculdade privada. Se o
emprego dá dinheiro, você deve ir trabalhar. (entrevista feita a Joana,
empregada doméstica).
Outra fala de Maria reforça as falas anteriores: “Eu sou doméstica sim, no fim do
mês tenho o meu salário, que não é pouco. Se passo ou limpo o chão isso não interessa,
o que interessa é ter pão para as crianças todos os dias. Não estou a mendigar nada a
doméstica).
inferiorizado. No entanto, esse juízo deve ser matizado pelo fato de o empregador ser de
uma classe social “respeitável” e elas receberem salários elevados em relação ao salário
mínimo nacional.
“biscate9”, porque elas almejam um bom emprego que as permita subir socialmente na
vida. Para elas, se surgir outra oportunidade de emprego, elas deixam o trabalho
notado que, pela sua natureza, isto é, um trabalho que não requer qualificações, as
mulheres com baixo nível de escolaridade eram admitidas facilmente, bastando somente
9
O termo refere-se ao emprego temporário. No caso brasileiro equivaleria ao termo bico.
60
que elas soubessem fazer trabalhos domésticos. Em contrapartida, as domésticas de
noite iam à escola a fim aumentar o seu nível de escolaridade para ascender
socialmente:
Encaro este trabalho como sendo um biscate, estou a estudar para ter um bom
emprego, tipo ser secretária, porque eu digo que é biscate? Ham, você pensa
que toda moça jovem quer ser empregada doméstica? Tenho planos na vida,
não sou como essas mamanas10 que se resignaram e aceitaram o trabalho
doméstico como sendo seu trabalho. Estou a fazer curso de secretariado,
quando tiver o diploma vou atrás dum emprego, emprego mesmo (entrevista
feita a Antonieta, empregada doméstica).
as necessidades das próprias domésticas e, por vezes, dos membros da família; todavia,
elas encaram-no como sendo apenas temporário. Por exemplo, em uma entrevista com
uma empregada doméstica, que por sinal trabalhava na casa de uma pessoa por nós
conhecida, disse que estava a fazer o trabalho doméstico, porque queria ter dinheiro
para comprar as coisas dela. Isso nos leva à ideia de que as jovens encontram o trabalho
doméstico o meio de ter a liberdade econômica em relação a sua família, mas com o
pensamento voltado para a ascensão social, de modo geral, através dos estudos:
10
Referente a mulheres mais velhas, idosas.
61
oportunidades de emprego para quem tem nível de escolaridade são diferentes daqueles
em que é através dela que se consegue arranjar empregos domésticos bem remunerados,
e de preferência nas zonas mais chiques da cidade, onde habitam indivíduos da elite.
Quando se começa um novo trabalho, temos que dar gás11 para que a patroa
fique feliz com o trabalho, isso é para ganharmos confiança delas, e assim
elas reconhecem as nossas capacidades e quando há alguém da amizade delas
querendo empregada doméstica elas nos perguntam se conhecemos alguém
assim como a gente e assim indicamos a pessoa da nossa confiança. Eu já
arranjei trabalho para duas primas, uma está a trabalhar perto da universidade
Eduardo Mondlane e outra aqui perto, depois daquela casa que tem portão
preto, ela trabalha ali. (Mariana, empregada doméstica).
mobilizado para justificar a sua situação perante os outros elementos da família, por
exemplo:
11
Significa Caprichar, esta expressão pertence a gíria moçambicana, usada pela juventude e que
transcende a idade dos seus falantes.
12
Governo em língua ronga.
62
Assim, é possível ver que a condição social dos empregadores, além de ser
motivo de escolha do trabalho doméstico por parte das domésticas, às vezes constitui
motivo de orgulho no seio da família, visto que as empregadas passam a ter acesso à
daquela.
costumes dos patrões, e por isso ganha uma porção de confiança por parte desses, além
de valorizá-la diante dos seus e de seu entorno social, quando então aparece como
alguém que detém um bem valioso, de interesse, que é o acesso à vida dos “de cima”
que, em condições normais, poucos têm. Porém, embora possível, esse não é um
não o exotismo - por estar trabalhando como doméstica sobressai diante dos demais.
Vamos estudar meus irmãos porque a pessoa que não tem estudos se for
mulher o único emprego que terá será o emprego doméstico, se for homem
será gayi-gayi13, se tiver sorte pode ser segurança. (provérbio popular)
causa que as faz procurar o trabalho doméstico. A maior parte das nossas inqueridas não
13
Carregador de sacos, ou estivador.
63
concluiu o ensino primário e isso teve um peso na procura de emprego. Algumas
não conseguiram colocação por apresentarem baixo nível de escolaridade. Várias são as
primária que as mulheres aprendem a desempenhar os seus papéis futuros, como donas
Outro fator que leva à procura do setor informal da economia - neste caso, o
14
Prato típico moçambicano feito a base de farrinha de milho.
64
menos qualificados trazia consigo grandes dificuldades, e esses recorriam às atividades
não industriais. De um modo geral, os trabalhos por eles obtidos eram de status inferior
mulheres são empregadas domésticas, não por opção, mas sim por necessidades
privadas, mas acabaram sendo demitidas, ora porque a empresa faliu, ora porque foi
acabou sendo empregada doméstica porque a empresa fechou. Ela procurou trabalho em
outras empresas, mas não conseguiu nenhuma vaga e como último recurso acabou
Outro caso foi contado por Felismina que, segundo ela, trabalhava nos CFM,
Eu trabalhava nos caminhos de ferro, mas tiveram que diminuir o pessoal, fui
uma das pessoas demitidas, e como não tenho nível acadêmico desejável,
estudei ate a 4ª classe não encontrei outro emprego e tive que me contentar
com o emprego doméstico. Antes de ir ao emprego doméstico, tentei abrir um
pequeno negócio em casa, - vendia pão-, mas o negócio não era rentável,
acabei falindo, agora estou aqui neste emprego há quatro anos”.
65
Devido às dificuldades que as mulheres enfrentam para terem acesso ao emprego
formal, “e dado o reduzido leque de emprego assalariado não industrial disponível, não
João, por exemplo, trabalhava na fábrica de bolachas quando foi demitida porque a
empresa não conseguia cobrir com todas as despesas; teve, então, no trabalho doméstico
o seu refúgio, como ela conta: “eu trabalhava na fábrica de bolacha, mas tiveram que
diminuir o pessoal, fui uma das pessoas demitidas, e como não tenho nível acadêmico
desejável, - estudou ate a 4ª classe - não encontrei outro emprego e tive que me
doméstico funciona como o refúgio para as mulheres sem escolaridade e que foram
demitidas. Mais do que isso, o emprego doméstico é único que sempre tem vagas a
serem preenchidas.
desde o tempo colonial que este é caraterizado por pagar baixos salários e propiciar
poucas regalias (Zamparoni, 1989). “Os salários e regalias sempre foram baixos e
66
Atualmente as condições do trabalho doméstico ainda são precárias devido ao
baixo salario, à excessiva carga laboral, aliando-se à ausência de regalias sociais, tais
como o direito de gozo de férias, folgas nos feriados ou nos fins de semanas. As
existem prédios com sete ou mais andares, onde em cada andar há um banheiro
localizado fora dos apartamentos que está destinada apenas aos empregados domésticos
desse mesmo andar. Estes banheiros, no final de corredor em cada andar, foram
altura.
É vedado aos empregados o uso dos banheiros dentro dos apartamentos: “Não
mas o comportamento ainda está vivo, parece que temos doenças contagiosas e se
obrigados a formar fila no corredor porque foram vedados a utilizar os banheiros dentro
Várias são as histórias contadas pelos trabalhadores, como conta Cacilda: “aqui
se você estiver apertada passas mal. Há uma colega nossa que fez xixi nas capulana15,
porque estava alguém na casa de banho” (Cacilda, empregada doméstica). Devido a essa
15
Peça de tecido usada pelas mulheres da cintura para baixo, parecendo-se com uma saia.
67
criaram a consciência de interajuda, que consiste na utilização, por parte dos
desocupado.
Por causa dessa condição que os patrões nos impuseram, acabamos criando
união entre nós aqui. A empregada do terceiro andar quando estiver aflita
pode fazer uso do banheiro do primeiro andar, ou vice-versa. Eu antes de
ontem – terça-feira- fiquei apertada, mas a casa de banho estava ocupada,
tive que descer até ao primeiro andar.
serem bairros constituídos na sua maioria por vivendas geralmente com dependências
com um quarto e banheiro anexados, foram construídas no tempo colonial com objetivo
de servir aos empregados domésticos. Logo, a priori já foi delimitado o problema dos
banheiros.
grupo que consome o mesmo tipo de refeição com seus patrões; a segunda é do grupo
que deve consumir outro tipo de refeição, totalmente diferentes daquela que é
para as empregadas domésticas, porque, segundo elas, a refeição que elas preparam é
destinada a todos os membros que vivem na casa e os que nela trabalham. Todavia, a
68
3.5.1. Jornada de trabalho
que definia a carga horária de serviço. Assim sendo, não havia delimitação do tempo de
laborais.
em tempo parcial. O primeiro grupo é constituído na sua maioria por jovens solteiras, na
vieram a Maputo, através do acordo feito entre os seus patrões com seus pais para, em
íntegra pelos patrões, pois estas se tornam domésticas em tempo integral, por viverem
na casa dos patrões, o que faz com que a sua carga horária seja muito elevada. Elas, por
dia, despendem cerca de quinze horas de trabalho, o que vai contra o regulamento de
Todos os dias, acordo antes de o sol nascer, por volta das 5h ou 5h20,
começo a preparar o mata-bicho16 da família porque os filhos da tia Judite
entram as 6h30 na escola, e saem de casa as 7h. Quando todos vão embora
começo a varrer e limpar a sala primeiro, em seguida arrumo os quartos
começando pelo quarto do casal em seguida os quartos dos filhos. Quando
16
Pequeno almoço.
69
termino a arrumação dos quartos limpo a casa de banho. Depois é que sento
um pouco para mata-bichar também.
uma parte das domésticas não recebe salário referente ao trabalho doméstico, porque
“dizem que eu como, bebo e durmo aqui, por isso não tenho direito a salário, e se eu
quiser salário tenho que arranjar um lugar para viver”. Esta é a justificativa dada a
Raquelina, que saiu de Inhambane através do acordo feito por seu pai com o
empregador, com a garantia de que ela iria ajudar nas lides domésticas e em
exemplo, algumas recebem 90017 meticais mensais. Elas têm noção que o salário não é
“O meu salário não é muito, guardo uma parte do dinheiro e outra envio para
a minha mãe, mas também não posso reclamar porque aqui em Maputo não
conheço ninguém, e se voltar para casa dos meus pais, eles não vão gostar
disso, porque o pouco dinheiro que mando para eles ajuda. Eu também não
quero voltar para a província, prefiro arranjar outro emprego aqui em
Maputo.” (Antonieta, empregada doméstica).
oportunidades de emprego, assim como as condições que essa cidade apresenta para as
Não penso em voltar para Homoine, lá não há coisas que há aqui em Maputo.
Lá não se ganha como se ganha aqui, ser empregada doméstica lá é
sofrimento, você recebe 200 mtn, e nem comes a comida que fazes para os
patrões. Aqui eu tenho direito de passar refeições no serviço e nem sou
descontado como faziam lá. Meu irmão lá a vida é difícil, parece que Maputo
é outro país. Se estivesse lá nem celular teria. Agora estou a juntar dinheiro
17
1 real= 15 meticais
90 reais=900 meticais
70
para trazer minha irmã mais nova. Ela sabe fazer trabalho doméstico fomos
criadas juntas. Pelo menos assim ela foge do sofrimento. (empregada
doméstica)
Em relação aos dias de folga, geralmente as domésticas que vivem na casa dos
seus patrões têm a insatisfação de ver seu tempo quase na totalidade à disposição dos
interesses da família empregadora (Kofes, 2001). “Eu trabalho feito burro, não tenho
folga, trabalho de segunda a domingo, todos os dias me pedem algo por fazer, se não
são os patrões são os filhos e às vezes os familiares a que vem visitar, até eles manda-
me fazer alguma coisa para eles, se fosse os patrões aqueles que me pagam valia a pena,
mas receber ordem dos outros não dá” (Joana, empregada doméstica).
suas empregadas. É nessas folgas que elas aproveitam para passear e fazer amizades.
“Às vezes me dão folga no domingo e aproveito para ir passear conhecer a cidade, ver
as montras das lojas, conversar e ir à praia de Catembe com meu amigo (risos tímidos)”
Para outra empregada, o domingo é o dia em que ela vai à igreja, porque lá
encontra suas amigas que, por sinal, também são domésticas e conversam sobre tudo,
mas como a semana é muito corrida e elas andam atarefadas não há muito tempo para
conversar: “É no domingo que eu tenho folga, saio de casa às 8h. Primeiro vou à igreja,
depois vou conversar com minhas amigas, só volto a casa por volta das 17h. A patroa
71
Em relação ao mesmo tópico, as empregadas que não vivem nas casas dos seus
O meu tempo livre- domingo- aproveito para fazer limpeza na minha casa,
organizar as coisas, depois vou à igreja. Quando saiu da igreja passo na
associação. Tenho que ir à associação porque ela defende os nossos
interesses. Lá discutimos assuntos do nosso dia a dia. É importante participar
nesses encontros, porque só assim podemos ter nossos direitos reconhecidos.
(Mariana, empregada doméstica).
situações em que elas podem ficar durante doze ou mais horas no serviço.
Em geral, elas iniciam a sua jornada laboral por volta das 6h, pois a maioria vive
elas são obrigadas a sair muito cedo de casa, segundo Castel-Branco (2012). As
chapa cem18.
As domésticas devem chegar à casa do seu empregador antes deste sair de casa.
São as domésticas que preparam o café da manhã dos seus patrões, daí a necessidade de
chegar muito cedo. “Saio de casa todos os dias por volta das 6 horas, todos os dias sou
obrigada a fazer ligação do chapa cem, porque sempre passam cheios”. (Carolina
domésticas sofrerem descontos em seus salários por terem chegado tarde aos seus
18
Transporte semicoletivo de passageiros.
72
No dia que me atrasei, a minha patroa ficou zangada e disse que iria me
descontar o atraso no meu salário. Mas ela sabe que eu vivo longe. De
liberdade para aqui (Sommerschield) não é fácil chegar todos os dias na hora
que eles querem. (Rosa)
Quando chegam à casa dos seus patrões, as domésticas sabem qual é a primeira
há uma rotinização de seus procedimentos diários. Isso demonstra que toda atividade
humana está sujeita ao hábito, uma vez que “qualquer ação frequentemente repetida
torna-se moldada em um padrão, que pode em seguida ser reproduzida com economia
de esforço e que, ipso facto, é apreendido pelo executante como tal padrão” (Berger e
diária. Outras empregadas perguntam as suas patroas quais serão as tarefas do dia
seguinte, e elas vão para casa sabendo o tipo de atividade que terão que exercer no dia
Bem, pela experiência que tenho de trabalho doméstico, eu pedi à patroa que
me adiantasse o trabalho do dia seguinte, assim eu fico preparada. Até que é
muito bom, porque você vai para casa sabendo o que irá fazer amanhã no
trabalho. (Antônia)
tarefas terá de fazer no dia seguinte na casa de seus patrões. Segundo ela, “ontem
quando saí do trabalho a patroa disse que hoje eu teria que limpar a garagem, passar a
roupa das crianças e fazer o almoço. Acho que assim é melhor porque, quando você
chega à casa da patroa não fica refém das recomendações diárias”. (Tereza João).
73
Em relação à hora de saída, a maioria das domésticas sai às 17h30. Todavia,
outras afirmam que só têm horário de entrada, mas não de saída. Quando questionadas
Os patrões chegam tarde a casa, e sou obrigada a esperar por eles para eu
poder ir embora, não posso sair e deixar a casa sem ninguém, se eles me
deixaram aqui, tem que voltar e verem que as coisas deles não foram
roubadas. Já me cansei de perguntar o motivo de atraso, mas eles sempre
contam a mesma historia de que havia grande engarrafamento na estrada, ou
porque o pneu do carro se furou. Mas meu irmão, quando sou eu a chegar
tarde sou ameaçado de corte do salário, hum, são patrões, que fazer?” (Maria)
patrões quanto a sua saída tardia do trabalho. Isso acontece devido ao fato de que, de um
lado são os patrões, aqueles que lhe pagam o salário e, do outro, a trabalhadora
doméstica, aquela que precisa do trabalho para ajudar a família. Para outras domésticas
a hora de saída sempre oscila e essa oscilação em termos de horário é considerável. Por
A hora de saída oscila: há dias que saio às 17h, e outros que saio por volta
das 21h, o que me faz chegar à casa muito tarde. Quando atrasam eles dizem
que tiveram muito trabalho no serviço por isso que chegaram tarde. Se eles
põem isso como hora extra? (risos) nada, não põem nada, se fazem de
esquecidos (Felismina, empregada doméstica).
A falta de confiança dos patrões para com os empregados é outro motivo que
corrobora para a saída tardia destes do seu local de trabalho. Devido à desconfiança os
Trabalhei para um casal de jovens, nos primeiro dias quando saíam de casa
me trancavam dentro e só abriam quando voltavam, e antes de eu ir embora
faziam uma inspeção na casa para verem se falta alguma coisa. Eles nem
deixavam comida para mim eu tinha que trazer de casa, eles trancavam a
geladeira, a dispensa, a casa ficava vazia sem nada para eu comer. A minha
função lá era fazer limpeza, lavar a roupa. Acabei deixando porque me
tratavam como um animal, nem pareciam que estavam a tratar uma pessoa
como eles, ainda por cima são negros, parecem monhes.
74
O fato de serem pessoas negras a praticar estes atos provoca certa estranheza nas
As empregadas, por mais que passem por uma situação de perigo dentro de casa,
não podem sair enquanto o seu patrão não regressar à casa, conforme (Chipenembe,
2010: 118). A justificativa dos patrões em trancar as empregadas dentro de casa deve-se
horas declaradas como sendo horas médias de trabalho “não correspondem à realidade,
uma vez que existem empregados que têm sido trancados pelos seus patrões durante o
que trabalham para os monhes são as que mais reclamam da carga horária, pois para
elas:
Se você trabalha para uma monhe quando nesse dia você tem pouco trabalho
na casa dela, ela te manda para casa dos parentes dela para ajudares a outra
trabalhadora, elas pensam que como elas são familiares nós podemos fazer
trabalho nas casas delas, mas se esquecem de que acordamos que o trabalho
seria na casa dela. Elas separam os pratos que serão usados pelas empregadas
e os dos donos da casa, eu quando trabalhava para um monhe, tinha um parto
e copo de alumínio, quando a comida e o chá estivessem quentes era uma
tortura para mim, não conseguia me alimentar no tempo que eles diziam que
era de descanso, porque tinha que deixar a comida arrefecer para depois
comer.
75
Para Chipenembe (2010) a vulnerabilidade econômica apresentada pelas
empregadas domésticas levam-nas a aceitar as imposições dos seus patrões. Aos olhos
Em relação aos patrões, quando questionados sobre a carga laboral dos seus
empregados, reconhecem que esta é elevada e que o salário pago não corresponde às
horas de trabalho, e que infligem o regulamento de 2008: “Sei que minha empregada
tem trabalhado acima do previsto pela lei, mas não há maneira, há dias que preciso dos
quando trabalha até passar a hora dela, para compensar ofereço alguma comida para dar
aos filhos dela porque quando chegar na casa dela pelo menos tem a comida feita. Ah,
isso é para acalmar ela, sabe que quando uma pessoa trabalha e passa a hora espera
Pudemos concluir que todos os grupos são submetidos a cargas laborais acima
do que foi definido pelo regulamento de 2008, que estipula que o período normal de
trabalho efetivo não pode ser superior a 54 horas por semana e 9 horas por dia. Todavia,
o medo em perder o emprego por parte das empregadas doméstico funciona como o
atenuante.
76
3.5.2. Critérios de definição do salário.
novidade. O trabalho doméstico na cidade de Maputo desde o tempo colonial até nos
trabalho doméstico de 2008 não especifica o salário mínimo que se deve pagar às
salário das domésticas, ele torna o emprego doméstico o mais vulnerável à precariedade.
2013:07).
O que nos despertou atenção ao longo do trabalho de campo foi termos nos
defende que, se o governo estipular um salário mínimo para este estrato social, poderia
salário mínimo e contratar outras com salário relativamente baixo. Este receio é das
domésticas que auferem salários que estão acima do mínimo nacional estipulado pelo
77
Os salários das empregadas domésticas questionadas variam entre 700 mtn a
6000 mtn19. As domésticas temem a lógica empresarial que, quando se pretende reduzir
são contra a fixação da tabela salarial mínima defendem que se o governo afixar uma
A discordância também está no lado do patronato, pois para eles não se pode estipular
um salário mínimo no emprego doméstico porque este é feito nas casas de pessoas e
elas pagam de acordo com as suas capacidades financeiras. Os que defendem essa
opinião são os reformados que dependem da disponibilidade dos seus rendimentos e que
não são regulares para pagar os seus empregados. Para eles, a abertura dada pelo
19
1 real = 13.62 mtn. Fonte: www.forextick.com acessado em setembro de 2014.
78
permite que eles paguem às empregadas aquilo que acham justo, segundo seus
rendimentos.
Sou velho aposentado e dependo do meu dinheiro da reforma, neste tiro uma
parte para pagar a minha empregada e o restante fica comigo para tentar
sobreviver. Se o governo disser que o salário mínimo duma criada, por
exemplo, são 3000 mtn, eu serei obrigado a despedir a minha empregada,
porque ela vai ficar com a maior parte do meu salário. A minha empregada
recebe 1000 mtn não é muito, mas aqui quase não tem trabalho para ela vivo
com a minha esposa que também ajuda às vezes, a empregada aqui só lava
cozinha e arruma a casa20.
emprego doméstico deixaria de ser caraterizado como aquele tipo de trabalho mal
remunerado.
20
Senhor Paulo, entrevista realizada em Maio de 2014.
79
empregadas domésticas exercem nas casas dos seus empregadores, os seus salários
variam de acordo com o bairro onde elas trabalham. Há bairros em que os patrões
oferecem salários altos e isto se deve, sobretudo, aos rendimentos financeiros dos
Malhangalene, que tem os salários mais baixos (900 mtn). A causa dessa disparidade de
salários deve-se aos critérios tomados pelos empregadores, bem como a sua situação
ocupacional.
salário mínimo estabelecido pelo governo moçambicano, além de viverem, nesse bairro,
muitos indivíduos vindos da Europa ocidental. A razão pela qual os domésticos têm
salários elevados é devido ao fato de que os seus salários são pagos pelas empresas onde
mínimo nacional (Chipenembe, 2010). Este pode ser um dos motivos pela procura do
Nesta pesquisa encontramos quatro critérios usados pelos patrões para se atribuir
21
Bairro onde vive a maior parte da elite moçambicana, as embaixadas e consulados encontram-se ai
localizado. Vivem também nesse bairro nobre de Maputo, estrangeiros e empresários de sucesso
moçambicanos. As moradias apresentam uma estrutura ocidental.
80
Tabela: critérios da definição do salário.
Critérios usados para definição de salário. Nr
Acordo mútuo: o empregador e a empregada entram em acordo sobre o salário a ser pago. 2
Rendimento do empregador. 3
Quando fui à casa dos patrões eles me perguntaram quanto queria receber,
antes de ir lá perguntei algumas pessoas que trabalham naquelas zonas sobre
quanto é que se pagava, já sabia quanto iria dizer. Para garantir o salário disse
um valor um pouquinho acima do que pagavam na zona, e eles disseram que
era muito e que só poderiam pagar X, (risos, porque perguntamos quanto é
que ela ganha) nada, não vou te dizer, juro, para escreveres e as pessoas
ficarem, a saber, que fulana recebe X, mas posso-te dizer que recebo
razoavelmente bem em relação a muitas colegas de profissão.
demais, se informarem sobre o tipo de salário que se paga, pois elas não querem
Por outro lado, essa estratégia de perguntar quanto é que a doméstica quer receber pode
Por exemplo, se uma empregada está aflita ou é nova nessa profissão, ela
geralmente ela pede um salário baixo para ter o emprego, com a expectativa de que em
81
Nós perguntamos sempre às empregadas que tivemos sobre quanto
elas queriam receber, elas quase sempre diziam um salário muito
baixo, e nós aceitávamos. Afinal, elas que escolheram o seu salário.
(patrão)
Outro fato que pudemos apurar foi que as empregadas solteiras e sem filhos
para os patrões não ter filhos e estar solteira influencia muito na definição do salário das
Não é justo pagar o mesmo salário a uma empregada com filhos e outra sem
filhos, aquela que tem filhos tem mais responsabilidades com a família. No
meu caso tenho duas empregadas a Laurinda tem cinco filhos e a Estrela que
fui buscar em Gaza- a segunda empregada aparenta ter 15anos a 17 anos- a
primeira recebe um salario que dá para ajudar no sustento da sua família, ela
tem encargos maiores por isso eu e meu marido preferimos pagar a ela 2.500
mtn, e a outra pagamos 1000 mtn além de que vive aqui conosco come, bebe
e dorme aqui em casa. O dinheiro dela parece que envia para os parentes em
Gaza. (patroa)
A maior parte das empregadas solteiras é mais jovem e vive no local de trabalho;
talvez esse fato explique o baixo salário delas. Mas também pode ser explicado pelo
fato de que as outras empregadas domésticas, que têm filhos ou são casadas, têm mais
encargos familiares, por isso são muitas vezes compensadas no salário, daí que é
Mais justo pagar um pouco mais aos empregados que tem responsabilidades
familiares, isto é, os que são casados, têm filhos ou vivem em agregados
numerosos do que aos que não têm responsabilidade, esta situação não difere
muito do que acontecia no tempo colonial onde os empregados do sexo
masculino recebiam de acordo com suas experiências e responsabilidades
familiares que assumiam. (Chipenembe, 2010:121)
82
umas por temerem as demissões e outras por quererem ver melhoradas as suas situações
financeiras.
ao longo das suas interações no quotidiano. Estas relações são categorias polares, isto é,
esta relação social tem dois pólos bem definidos, que são as patroas e as empregadas
domésticas. Espera-se que a patroa desempenhe o seu papel, cujo pressuposto é que ela
Por sua vez, em relação à empregada, dela espera-se que ela tanto realize o
trabalho para o qual foi contratada, assim como respeite os termos da relação e procure
2001).
maioria, ainda são caraterizadas pela delimitação dos limites que servem como
este era considerado e tratado como se fosse uma criança (Zamparoni, 1998), nos
83
tempos atuais, os patrões, majoritariamente negros, também usam do grito para falar
com suas empregadas domésticas. Defendem que as empregadas, por não terem níveis
Para chamar atenção à empregada, como ela não tem estudos torna-se lenta a
pensar, então tenho que lhe fazer recordar das tarefas, na minha casa a
empregada sabe perfeitamente qual é o seu lugar. E quem dita às regras aqui
sou eu, ela é apenas uma trabalhadora. Se tu não impões regras estas-
empregadas- acabam tomando a sua casa, fazendo o que elas querem.
(Valerdina, patroa).
Pois que, às vezes as empregadas merecem o grito, você diz para fazer X e ela
faz Y, se você não grita ela não ouve. Às vezes tenho que fazer as coisas
sozinha porque ela é atrapalhada e vai acumulando o trabalho e no fim do dia
não fez quase nada. (patroa).
A falta de escolaridade por parte das domésticas é vista como justificativa para o uso do
grito, porque, segundo os entrevistados: “uma pessoa pouco instruída não raciocina
rápido como a gente raciocina. Ela – a empregada - pensa na língua dela para depois
Do lado das empregadas, o grito das patroas é relacionado à posição que elas ocupam.
Ela é a patroa e pensa que está no seu direito gritar para a empregada. A minha
patroa grita para mim, às vezes dá-me vontade de responder, mas fazer o que,
estou na indústria da paciência. (Ana, empregada doméstica)
catalisar as reações negativas das empregadas domésticas. Ela é revelada através das
queixas por parte das trabalhadoras em relação à posição por elas ocupadas, que é
caraterizada pelo recebimento de ordens que devem ser acatadas e não questionadas.
84
IV. CAPÍTULO
85
4.1. Trabalho doméstico e suas limitações no contexto moçambicano
Esta é a razão que explica a criação tardia de um instrumento legal que defenda
os interesses dos empregados domésticos, em 2008. Essa é a possível causa do emprego
doméstico ter sido considerado como parte do setor informal em Moçambique. De 1975
até 2008, os empregados domésticos estavam excluídos dos sistemas de proteção
laboral; não havia nenhuma lei específica voltada para este setor de trabalho. Passados
33 anos depois de se tornar independente, mais precisamente em 2008, a Assembleia da
República de Moçambique emendou a lei de trabalho através do decreto 40/2008, que
estendeu proteções laborais aos trabalhadores domésticos.
86
Quadro comparativo1: regulamento colonial versus regulamento atual
tempo colonial foram: a fixação da jornada laboral, que são nove horas, com direito a
uma pausa de trinta minutos para refeição; direito de registro voluntário ao INSS;
87
crianças, pessoas idosas e doentes; e) tratamento e cuidado de animais domésticos; f)
série, nr48).
40/2008 ainda não defende o trabalhador doméstico. Dão como exemplo o parágrafo
que atribui ao empregador o direito de despedir por justa causa o empregado que faltar
ao trabalho.
22
Os trabalhos hoje conhecidos como de “care” (cuidados) poderiam se encaixar aqui.
88
também demoraram receber o seu salário. Se as leis fossem cumpridas muita
coisa iria andar, mas o trabalho doméstico não é considerado, nem férias
temos, todas domésticas sabem que se tirarem férias alguém vai ocupar o seu
lugar por isso que há domésticas com 3 anos, 4anos, 5 ou mais anos sem
nunca terem tirado férias, às vezes você pede férias e eles te dão quinze ou
trinta dias de férias e quando voltas das férias os patrões dizem que o lugar já
está ocupado porque eles não poderiam ficar esse tempo todo sem
empregada. Algumas empregadas, são poucas mesmo, é que recebem apoio
em caso de acidentes de trabalho ou doença profissional. Mas quando os
patrões vêem que a empregada tem uma doença crônica despedem a
empregada por justa causa, por isso que algumas colegas que conheço têm
doenças crônicas e necessitam de ajuda médica e os patrões se desligaram
delas logo que souberam que elas são doentes crônicas, pelo menos poderiam
dar auxílio médico como se dá nas empresas, eles se negam a isso. E
pergunto o que o regulamento diz sobre isso, nada. Só fala de assistência
médica em caso de acidente de trabalho, fora daí não há nada que se possa
fazer. Digo esse regulamento é limitado demais (Cacilda, empregada
doméstica)
Essas são algumas das limitações que tornam limitado o trabalho doméstico em
garantir o preenchimento das necessidades dos seus filhos e o resto da família, e teria
Outro elemento que mostra a desconfiança das empregadas domésticas foi a não
89
da aprovação do regulamento para testemunhar o momento histórico vivido
naquele local, depois de trinta e tal anos de independência os empregados
doméstico passariam a ter seu regulamento de trabalho. (secretária executiva
do SINED para a província e cidade de Maputo ).
Apesar das desconfianças as empregadas domésticas são regidas por meio desse
serviço e baixos salários (Chipenembe, 2010). O trabalho doméstico, por ser uma
profissão exercida em locais privados e isolados, isto é, nas casas particulares, “os
O movimento associativista em Moçambique não é uma coisa nova, pois ela tem
23
Para mais detalhes confira Rocha, A.A.N. (1991). Associativismo nativismo em Moçambique: o
grêmio de Lourenço Marques (1908-1938) faculdade de ciências sociais e humanas. Universidade Nova
de Lisboa.
90
com certos privilégios estatutários. Contudo, devido ao aumento do contingente humano
brancos como mecanismo de controle e atribuição de trabalho aos brancos nas indústrias
operário ser aceito na empresa ou fábrica o sindicato lhe passava a carteira profissional
para a proteção dos interesses dos trabalhadores brancos: “Os sindicatos passaram a
identificar os postos de trabalho que deviam cair sob seu controle, nas actividades
se deviam ao medo que os brancos com pouca instrução acadêmica tinham em relação à
alguma vez existiu uma associação ou sindicato direcionado a eles. Estes nunca se
91
comum, isto é, “enquanto um processo endógeno dos trabalhadores pela necessidade de
defesa dos seus interesses contra o patronato, mas como uma iniciativa do próprio
estruturas da FRELIMO, que tinham como objetivo “colaborar com o governo e nunca
A OTM, até 1990 a única organização sindical que respondia por interesses dos
1983. A OTM estava encarregada de formar outros sindicatos nacionais, pois ela
deveria coordenar a elaboração dos programas, a nomeação dos seus corpos diretivos e
pelo governo, apesar dos esforços que este tinha em tornar ampla a participação. Assim,
o que restava aos representantes dos trabalhadores era difundir as decisões tomadas pelo
92
O sindicalismo moçambicano devido à complexidade das suas causas apresenta
domésticos.
elas a difusão junto das outras empregadas do regulamento de trabalho doméstico, pois
“o estado não difunde e nem divulga o regulamento sobre o trabalho doméstico, por isso
93
Devido à fraca divulgação do regulamento por parte do Estado, as associações das
enfrentando vários problemas, uma vez que o trabalho doméstico tornou-se não só uma
2013).
94
4.3. As associações das empregadas domésticas
AEDOM, e o SINED. Essas três organizações são filiadas a OTM e as duas últimas
apenas a cidade de Maputo e conta atualmente com cerca de mil e quinhentos membros.
Ela funciona nas instalações cedidas pela OTM. O escritório da associação encontra-se
localizado no terceiro andar no lado direito para quem vem subindo as escadas; antes de
entrar no escritório, há uma porta de grade e outra que é a principal de madeira, pintada
de vermelho. Dentro há duas portas, uma que dá acesso à associação e outra à sala
tem uma mesa e duas cadeiras no canto do lado direito; a secretária da AEDOM,
médio onde guarda os documentos pertencentes à organização; do seu lado direito outro
depende de fundos próprios, por isso que capacitam os membros mais empenhados na
sua causa para elaborar estratégias de angariar mais membros. Segundo a secretária da
95
empregadas domésticas que procuram a associação para resolver os seus problemas. Por
exemplo:
Aos domingos de cada semana são realizadas as reuniões com objetivo de fazer
o balanço das atividades semanais. As reuniões começam por volta das 15 horas no
pátio do prédio. A escolha do domingo deve-se ao fato de ser o único dia de semana que
A SINED foi fundada em 2008 e conta atualmente com cerca de três mil
Nampula. Ela também funciona nas instalações cedidas pela OTM. O escritório da
no fundo dele. Ela dispõe de duas divisões: a sala de recepção que tem duas
uma divisão de tarefas. Por exemplo, existe a secretária geral, a secretária executiva de
Tal como acontece com a AEDOM, o sindicato também não tem financiamento
24
No Brasil o seu significado comum é edícula
96
passa pela angariação das cotas mensais dos seus membros e dos 15% descontados das
empregadas não membros que procuram o sindicato para mediar os conflitos laborais.
Assim como as outras organizações dos empregados domésticos, sempre que aparece
alguma empregada pedindo ajuda para a resolução dos conflitos laborais, aproveitam a
sindicato são feitos aos domingos de cada semana para fazerem o balanço das suas
As reuniões começam por volta das 15 horas em uma sala cedida pela OTM.
dispostas em formato de círculo; para quem entra na sala, a primeira pessoa que aparece
é a figura da secretária geral; esta se senta defronte à porta e ao seu lado fica o
AEDOM não temos membros mulatas” – diz uma das secretárias. Questionamos o
97
Apropriando-se deste excerto gostaríamos de compartilhar um paper de final de
disciplina25 que tinha como objetivo entender qual seria o lugar o mestiço na sociedade
25
Racismos e Construção de Diferenças - Uma Perspectiva Internacional, disciplina ministrada pelo Prof.
Sérgio Guimarães foi escrito em Novembro de 2012, cujo tema era: O lugar do mestiço na sociedade
moçambicana.
26
Para Thomaz (2008:72,73) o termo foi auto atribuído por um grupo social aos indivíduos africanos que
compartilhavam as mesmas condições materiais e culturais, moldadas pela experiência do processo de
implantação do colonialismo português em Lourenço Marques. Todavia a terminologia não foi originária
do sul de Moçambique do século XIX. Havia indivíduos que se reconheciam e eram reconhecidos como
tal em outras localidades e épocas. Por exemplo, na Senegâmbia dos séculos XVI e XVII.
27
Em relação à cidade de Lourenço Marques, existia uma pequena burguesia dita filhos da terra que era
constituída na sua maioria por mestiços descendentes da relação entre os brancos europeus e negros,
assim como entre asiáticos e negros. No centro de Moçambique havia os mestiços denominados de
muzungos, que eram os representantes naturais dos interesses coloniais portugueses. Os muzungos
casavam entre si ou com indivíduos brancos ou com outros de descendência asiática. Quanto mais clara a
cor da pele significava que mais era o poder que eles tinham e mais submissos eram as populações locais.
98
Os mestiços e os negros instruídos academicamente pertenciam à mesma
categoria social criada pelo colonialismo, como barreira social, o assimilado.
Entre os assimilados havia focos de “discriminação baseados na cor da pele,
porque muitas das mais antigas famílias mestiças haviam interiorizado os
estereótipos de classe e raça dominante, separando-se, assim, de todos os
negros e protegendo o vestígio do seu poder e prestigio” (Thomaz, 2008:79).
O mestiço sempre se considerou de estatuto social superior ao negro. Por isso
que, por exemplo, “nas cerimônias festivas do Grêmio Africano de Lourenço
Marques28, as mulheres mestiças recusavam-se a dançar com homens negros
e os associados de pele mais escura eram frequentemente afastados pelos de
pele mais clara”, (Thomaz, 2008:79). Esta atitude dos mestiços deveu se ao
valor social que eles tinham, uma vez que “o mulato vale mais do que o
negro e o branco vale mais do que todos eles. Onde a cor e o sexo
determinam o estatuto de um de um ser humano” (Chiziane, 2008:27).
Depois da independência, a FRELIMO, partido no poder, tentou eliminar as
barreiras raciais e sociais, contudo, o mestiço ainda manteve no seu interior
que pertencia a um estatuto social superior ao de negro. A nossa hipótese foi
que a posição social aliado ao estatuto social que o mestiço tinha no período
colonial pode ter influenciado uma toda geração mestiça atual. Por isso que
na sociedade moçambicana há papéis e posições sociais esperados para
mestiço, negro, etc.
Através desse excerto acabamos descobrindo que tanto a vergonha em participar nos
movimentos associativistas das empregadas domésticas, assim como mostrar que são
longo da história. Como advoga Djálo (2012), citando Balandier (1963), os comportamentos
atuais dos indivíduos são condicionados pelo passado, uma vez que as formas de organização
moderna são marcadas pela influência das instituições mais antigas, como por exemplo, no caso
africano, em particular o caso moçambicano, cujas classificações atuais sobre que emprego se
28
Segundo Rocha (1990:156-57) foi uma associação que se propunha defender os interesses do grupo e
da globalidade da população negra, contra as novas tendências discriminatórias. Associou-se ao grupo
totalidade da população, negros e mulatos, aos quais se juntaram alguns brancos e Goeses que tinham em
comum objetivo primário a educação e promoção dos indígenas, a esmagadora maioria da população.
99
V. CAPÍTULO
100
4. SURGIMENTO DA NOVA ELITE NEGRA
Assumamos que em todas as áreas de atividade humana atribuamos a cada
indivíduo um valor que sirva como indicador da sua capacidade, da mesma
forma que se atribuem notas para as várias matérias nos exames escolares. O
melhor tipo de advogado, no caso, receberá 10. Àquele que não consegue um
cliente será dado 1 – reservando zero para o que for um completo idiota. Para
o homem que ganhou os seus milhões – não importa se honesta ou
desonestamente –, daremos 10. Para o homem que ganhou milhares, daremos
6; para aquele que mal escapa à indigência, 1, guardando o zero para aqueles
que não escapam. [...] Façamos, então, uma classe com aquelas pessoas que
têm os maiores graus nas suas áreas de atividade e a chamemos elite
(PARETO, 1935: 1421-1423).
sistema de governo. Poucos anos após a sua independência, o país viu-se envolvido em
uma situação de carência material e de recursos humanos. Tal situação deveu-se à saída
uma abertura de oportunidade para a população negra Ela, contudo, estava ocupada
cantoneiros, etc.
causas foram a nacionalização de serviços diversos que outrora eram ocupados pela elite
experiência administrativa.
FRELIMO colocou o país numa situação de tormento, uma vez que durou dezesseis
anos, terminando por arrastar consigo o grosso da mão de obra, além das terras férteis e
101
das vias de comunicação que serviam de vias de escoamento de cargas e de pessoas.
Moçambique, assim como aconteceu com outros países da África, América Latina e
dentre elas, o corte das despesas públicas, inclusive sociais (Nobre, 2004: 64).
criação de uma classe empresarial nacional” (Matsinhe, 2011:48). Por sua vez, o PRE
preços. Foi nesse período que muitas famílias que dependiam do subsídio do Estado
102
ficaram sem saber o que fazer, nem para onde ir; foi um “adeus ao papai Estado”, nas
nova elite, e Wright-Mills (1981) define essa elite como sendo a elite do poder que vai
sendo:
Isso quer dizer que as privatizações impostas pela FMI e BM criaram condições
103
Maloa (2012), citando António M de Almeida Serra, chama este grupo de:
A elite no poder, constituída na sua maioria por negros, torna-se a nova classe
mesma cor. Essa elite do poder que “se formou com base em mecanismos corruptos,
criou condições para a implantação de uma nova forma de capitalismo “selvagem” que
Outro elemento que beneficiou a elite emergente foi a corrupção, uma vez que
valores morais da sociedade como foi também através da corrupção que houve desvio
de seus potenciais aliados. É perante este cenário que surgiu a elite negra em
internacionais que criaram condições propícias para que isso acontecesse. Este foi o
caminho levado para a criação da atual elite moçambicana, aquela que criou o
instrumento jurídico-legal.
104
Considerações Finais
de Maputo. Contudo, em ciências sociais uma pesquisa qualitativa pode dentro dos
de trabalho aos africanos do sexo masculino, quer por imposição, ou por incentivo.
prestarem o xibalo, outros eram deportados para a ilha de São Tomé e Príncipe. Como
forma de não prestarem o trabalho forçado, o emprego doméstico foi visto como
indígenas no seu todo eram considerados e tratados como crianças grandes, dai que para
empregadores não seguiam a lei na risca. Este setor do emprego era caraterizado pelas
estava repleta de arbitrariedades praticadas pelos últimos em relação aos primeiros. Pois
que, se o empregado doméstico não completasse uma atividade doméstica, lhe era
105
esperado o devido castigo, não interessava ao patrão as causas. Varias eram as vezes
cor de pele branca, e passou a ser de cor de pele negra, porque com a independência os
doméstico remunerado, dentre eles a guerra dos “desasseais anos” que envolveu a
colonialismo, visto que, para a liderança do partido no poder, o emprego doméstico era
tido como sendo a continuação da exploração colonial. O emprego doméstico não foi
integrado nas novas estruturas trabalhistas, tais como, o grupo dinamizador, etc.
Este fato justificou a houvesse ausência na lei trabalhista um instrumento legal referente
ao emprego doméstico. O regulamento demorou trinta e três anos para ser criado, o
mesmo apesar das suas limitações é ele que salvaguarda os interesses dos empregados
domésticos.
106
O trabalho doméstico remunerado ainda mantém as caraterísticas coloniais.
garantam uma convivência pacifica no mesmo espaço por ambas as partes é o elemento
Finalmente cabe dizer que para o regulamento do emprego doméstico deve ser
reformulada com vista a torna-lo forte. Deve-se estabelecer o salário mínimo no setor do
emprego doméstico, pois que esse é o único meio pelo qual se pode assegurar a
Moçambique em geral, uma vez que neste setor informal ainda se verificam salários
do trabalho doméstico, e para os que não a cumprem deveria haver penas pesadas.
107
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119
ANEXOS
120
Fig.4. Membros do SINED trajadas com blusas vermelhas, chapéus e com capulanas amarradas
na cintura.
121
Questionário direcionado as empregadas domesticas
QUESTIONÁRIO
1 Nome (opcional)
1.2 Idade
1.2.1 Sexo
3 Residência?
.
1
3 Profissão?
.
3
5 Qual é a tua
função?
7 Como é o relacionamento
com a tua patroa?
122
10 Qual era a tua ocupação
antes de ser empregada
doméstica?
12 Como é o relacionamento
com a tua patroa?
Obrigado!!!
123
Questionário dirigido às patroas
QUESTIONÁRIO
1 Nome (opcional)
1.2 Idade
1.2.1 Sexo
2 Estado civil Casada Divorciada Solteira
3.1 Residência?
3.3 Profissão?
Obrigado!!!
124
Modelo de contrato de trabalho ( adaptado através do boletim da república, 2008)
Legenda
1 Nome completo do empregador
2 Indicar a localização da residência: Rua/Av., n.º da casa, quarteirão, bairro, etc.
3 Nome completo do trabalhador
4 Indicar a localização da residência: Rua/Av., n.º da casa, quarteirão, bairro, etc.
5 Identificar o local de trabalho
6 Indicar o tipo de trabalho ou tarefas acordadas
7 Indicar se o contrato é por tempo indeterminado ou a prazo certo
8 Preencher apenas nos contratos a prazo certo
9 Preencher apenas nos contratos a prazo certo
10 Indicar o valor da remuneração em algarismos e por extenso
11 Pagamentos semanal, quinzenal ou mensal.
125