Argumentação Pela Emoção Um Caminho para Persuadir-Min PDF
Argumentação Pela Emoção Um Caminho para Persuadir-Min PDF
Argumentação Pela Emoção Um Caminho para Persuadir-Min PDF
(1ª edição)
[2017]
Rio de Janeiro
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 2017
Sumário OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO E A LEITURA GUIADA
POR EMOÇÕES
Adriana Lopes Rodrigues Coelho (Doutoranda - UFRJ) ......................... 247
PERSUASÃO E EXPLORAÇÃO DOS LUGARES DA ARGUMENTAÇÃO Ramon Alves Siqueira (UFRJ) ................................................................. 305
EM CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS BRASILEIRAS
Raphaela Ribeiro Passos (UFRJ) .............................................................. 39
SOBRE A ORGANIZADORA .................................................................. 327
ETHOS, PATHOS E TOPOI NO PROJETO DE ARGUMENTAÇÃO E
SEDUÇÃO DE PEÇAS PUBLICITÁRIAS AUDIOVISUAIS SOBRE OS AUTORES ............................................................................ 327
Igor Peron Xavier Zimerer (UFRJ) ............................................................. 63
Argumentação pela emoção: um caminho para persuadir Seguindo na esteira de Aristóteles, Patrick Charaudeau – cri-
ador da Semiolinguística do Discurso – entende a argumentação
como um processo construído não apenas pela razão, mas também
Este e-book reúne onze artigos produzidos por alunos nos cur- pela emoção, ingrediente que contribui para convencer ou persuadir
sos de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em – finalidades do ato de argumentar. Charaudeau, porém, na condição
Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da UFRJ, por ocasião do de linguista, não se atém à emoção do ponto de vista de seus efeitos
curso ministrado pela Profa. Dra. Lúcia Helena Martins Gouvêa, em físicos. Ele concebe o pathos sob a perspectiva do que ele chama de
2016/01. patemização, uma categoria de efeito, o efeito produzido pelo orador
O curso caracterizou-se por estudar o fenômeno da patemiza- no auditório.
ção em gêneros jornalísticos e publicitários, visando a tratar do papel Dessa forma, o curso oferecido aos alunos de Pós-Graduação
das emoções na argumentação. Para isso, partiu da Retórica de Aris- pautou-se pelo tratamento dado, por Charaudeau, ao assunto, focali-
tóteles, arte de argumentar que se fundamenta em provas, em meios zando as estratégias linguístico-discursivas usadas pelo sujeito da
de persuasão. Segundo o filósofo, esses meios são de dois tipos: o enunciação para produzir determinadas emoções no destinatário.
meio não artístico, que se forma por intermédio de testemunhos ou Destaca-se, então, que as emoções são estudadas, levando-se em
contratos escritos; e o meio artístico, que equivale aos modos de per- conta os efeitos pretendidos pelo orador, e não o seu resultado, já
suasão criados pelo orador. que elas são possivelmente, mas não seguramente experienciadas
Focalizaram-se os meios artísticos de prova, os quais consti- pelo auditório.
tuem três categorias: o logos, o ethos e o pathos. O logos corres- Assim, a partir do enfoque a conceitos como pathos, patemi-
ponde aos meios derivados de argumentos verdadeiros ou prováveis, zação e outros derivados da Semiolinguística do Discurso, como con-
atuando sobre o ouvinte por intermédio do conteúdo proposicional trato de comunicação e modos de organização do discurso, o curso
dos enunciados. O ethos diz respeito ao caráter do orador, mais es- foi encaminhado e os artigos foram produzidos, resultando neste e-
pecificamente à imagem projetada por ele através de seu discurso. O book.
pathos, temática do curso ministrado, concerne às provas derivadas O primeiro artigo trabalha com um vídeo-comunicado de cará-
da emoção desencadeada pelo orador nos ouvintes, emoção que ter criminoso, analisando-o do ponto de vista da construção dos ar-
pode atingi-los de tal maneira que eles passem a aceitar as teses gumentos utilizados pelos sujeitos enunciadores para captar seu des-
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tinatários. Considerando o conceito de argumentação de base racio- que o veículo midiático pesquisado se destina a uma determinada ca-
nalizante e patemizante e o de visadas discursivas, o autor procura mada social e se caracteriza por uma veia próxima do humor.
identificar as estratégias exploradas pelos sujeitos para atingir seus O sexto artigo apresenta uma análise de cunho qualitativo de
objetivos comunicacionais. um discurso construído em uma reportagem publicada pela revista
O segundo artigo estuda o gênero discursivo publicidade por Isto É sobre o momento político brasileiro de 2016. Apresenta, igual-
meio de propagandas veiculadas pela televisão, internet e revistas. mente, um discurso elaborado pela então presidente da República,
Vale-se dos conceitos de pathos e lugares da argumentação, com a Dilma Rousseff, postado em sua página oficial do Facebook, em res-
finalidade de descobrir as estratégias empregadas nas campanhas posta à reportagem da revista Isto É. O objetivo da pesquisa é inves-
publicitárias constitutivas do corpus para persuadir o consumidor a tigar as estratégias de patemização empregadas pelos sujeitos enun-
adquirir certo produto ou serviço. ciadores para captar o público e garantir credibilidade.
Por intermédio de textos também do gênero publicitário, o ter- No sétimo artigo, observa-se um estudo sobre possíveis
ceiro artigo se propõe a analisar as estratégias linguístico-discursivas efeitos de patemização provocados, por uma reportagem publicada
exploradas pelos sujeitos enunciadores com o intuito de captar a ade- pelo jornal O Globo, em seus leitores. O artigo analisa os
são dos sujeitos interpretantes. Serve-se de conceitos como ethos, procedimentos linguístico-discursivos utilizados pelo sujeito
pathos e topos, a fim de mostrar que a construção das peças publici- enunciador para emocionar o auditório, induzindo-o a aderir às suas
tárias se ancora nos eixos da razão e da emoção. ideias. Analisa também a fotografia que acompanha a notícia,
O quarto artigo estrutura-se a partir da análise de um texto do identificando, nela, imagens que podem conduzir o leitor a
gênero artigo de opinião. O objetivo da pesquisa – que se fundamenta experimentar os mesmos sentimentos desencadeados pelo
em Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau – é mostrar que componente linguístico.
o ethos projetado por um indivíduo pode ser descontruído por meio O artigo oitavo constitui-se de uma investigação acerca das
da refutação de argumentos utilizados por ele e do emprego de es- estratégias patemizantes exploradas por um editorial do jornal O
tratégias patemizantes que neguem suas qualidades fundamentais. Globo para sensibilizar o leitor. Tendo em vista que o texto discute
O artigo quinto analisa o gênero manchete de jornal, usando, um acontecimento trágico – desmoronamento de terra e
como corpus, manchetes do Jornal Meia Hora. O objetivo do trabalho, desabamento de casas populares –, a autora do artigo destaca
cuja metodologia tem caráter qualitativo e quantitativo, é identificar as também o papel da temática como uma das condições para que o
estratégias patêmicas e as temáticas mais recorrentes, considerando texto atue emocionalmente sobre o auditório.
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O nono artigo trabalha com um texto do gênero artigo de Concluindo-se esta apresentação dos capítulos do e-book,
opinião, focalizando os processos de produção e recepção, na espera-se que a abordagem dos conteúdos argumentação,
medida em que os sentidos não se constroem apenas pelo sujeito da patemização, estratégias patemizantes, potencial patêmico, modos
enunciação; constroem-se também pelo sujeito destinatário. Por de organização do discurso, dentre outros, contribua para novos
intermédio do conceito de modos de organização do discurso, a estudos no campo da Semiolinguística do Discurso e da
autora analisa como se articulam as características de cada modo de argumentação.
organização, com a finalidade de direcionar o entendimento do leitor
e provocar-lhe emoções particulares, denotando a interação
Rio de Janeiro, junho de 2017.
autor/leitor.
Lúcia Helena Martins Gouvêa
Por meio de um texto do gênero reportagem, o décimo artigo
investiga os efeitos visados pelo sujeito da enunciação, considerando
os conceitos de patemização e modos de organização do discurso.
No que se refere às estratégias patemizantes reconhecidas no cor-
pus, identificaram-se o domínio do comportamento delocutivo na ela-
boração do texto, a escolha cuidadosa do léxico e o emprego da iro-
nia para desencadear, no leitor, os efeitos patêmicos de indignação e
angústia.
O último artigo, o décimo primeiro, trata do material verbal e
de imagens retirados de notícias publicadas em blogs e jornais da
internet, sobre manifestações dos bombeiros do Estado do Rio de Ja-
neiro. Para a análise, o autor do artigo valeu-se dos conceitos de
ethos, pathos e logos como meios de prova, objetivando mostrar o
caminho argumentativo utilizado pelos sujeitos da enunciação. Efe-
tuou, também, uma descrição de fotografias, demostrando que a
união entre o componente verbal e o componente imagético tem um
potencial patêmico bastante forte.
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ANÁLISE DE ARGUMENTOS PATÊMICOS EM UM 1. INTRODUÇÃO
DISCURSO DO PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL
O presente trabalho tem a finalidade de analisar um discurso
veiculado por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e
Welton Pereira e Silva - UFRJ/CAPES
midiatizado na tevê aberta. Nesse discurso, lido por um sujeito que
se posiciona como pertencente à facção, portanto, assumindo para si
RESUMO:
a identidade social e discursiva de um criminoso, alguns argumentos
O presente trabalho objetiva analisar a argumentação patêmica utilizada por
integrantes do Primeiro Comando da Capital, o PCC, em um discurso que são utilizados de modo a fazer com que os telespectadores
foi televisionado pela TV Globo em 2006, procurando entender a forma como
os sujeitos constroem seus argumentos visando a captar seus destinatários. conheçam um pouco mais acerca das práticas do PCC, vindo a crer
Para que nossos objetivos fossem atingidos, baseamos nossa análise nos em alguns de seus posicionamentos. Para isso, como veremos
postulados teóricos e metodológicos da Teoria Semiolinguística do Discurso,
de Patrick Charaudeau (2012; 2013). Após a análise do texto, notamos que adiante, o enunciador faz uso de argumentos patemizantes visando
as visadas discursivas de fazer-saber e de fazer-sentir, próprias do discurso
midiático, foram as preponderantes no discurso aqui analisado, já que o à captação de seus interlocutores.
enunciador faz uso de argumentos de base racionalizante e patemizante Para que nossos objetivos fossem alcançados, fizemos a
para atingir seus objetivos comunicacionais.
análise do material empírico apoiados nos postulados teóricos e
PALAVRAS-CHAVE: argumentação; emoção no discurso; discurso metodológicos da Teoria Semiolinguística do Discurso, de Patrick
midiatizado. Charaudeau (2012; 2013). Dessa forma, na primeira parte do
presente capítulo, apresentamos uma rápida contextualização acerca
RÉSUMÉ:
do vídeo divulgado pelo PCC; posteriormente, discorremos a respeito
Ce travail vise à analyser l'argumentation pathémique utilisée par des
membres du Primeiro Comando da Capital, le PCC, dans un discours qui a das bases teóricas sobre as quais se apoiam nossas análises, estas,
été transmis à TV Globo en 2006, en essayant de comprendre comment ces encontradas na terceira parte deste trabalho.
sujets-là construisent leurs arguments cherchant à capter leurs destinataires.
Pour que nos objectifs soient atteints, notre analyse a été basée sur les
postulats théoriques et méthodologiques de la Théorie sémiolinguistique du 2. O VÍDEO DO PCC NA MÍDIA
discours, de Patrick Charaudeau (2012; 2013). Après l'analyse du texte,
nous avons constaté que les visées discursives de faire-savoir et de faire-
sentir, propres au discours médiatique, y ont été prépondérantes, puisque O PCC é uma organização criminosa com grande influência
les énonciateur utilisent des arguments rationalisantset pathémiquespour
atteindre leurs objectifs de communication.
dentro e fora dos presídios paulistas. Segundo Dias (2011), essa
facção surgiu em 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, após alguns
MOTS-CLÉ: argumentation; émotion dans le discours; discours médiatisé. atos de rebelião, como a morte de dois presos e a ameaça de morte
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de outros cinco. Os presidiários oriundos da capital paulista que observados e se posiciona contra o Regime Disciplinar Diferenciado
começaram a constituir a organização criminosa passaram a estipular (RDD), medida que altera a Lei de Execuções Penais e o Código de
novas regras para o convívio social dos encarcerados. Ainda de Processo Penal no Brasil. Sobre esse regime, Dias (2011) nos diz:
acordo com Dias:
Desde que foi criado, o RDD tem como alvo
principal as lideranças da massa carcerária que,
O PCC surgiu em 1993, com um discurso sobre desde o final dos anos 1990, é composta por
dois pilares: de um lado, postulava a luta contra a presos pertencentes às organizações criminosas.
opressão do Estado e pela garantia dos direitos Tornou-se prática corriqueira das administrações
dos presos; e de outro, mas também como forma prisionais identificarem os líderes e providenciar
de atingir o primeiro objetivo, afirmava a sua remoção para regimes mais rigorosos de
necessidade de união e solidariedade entre a cumprimento de pena, como o RDD (DIAS, 2011,
população carcerária (DIAS, 2011, p. 204). p. 316).
É importante ressaltar que tomamos as emoções sob um violência urbana brasileira precisam ser trazidos à tona para que
ponto de vista linguístico-discursivo e não necessariamente determinadas emoções sejampassiveis de ser despertadas no
(2007), entendemos que, na Análise do Discurso, a emoção deve ser Além disso, é interessante ressaltar que, como nosso material
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de análise consiste em um discurso constituído com a pretensão de 4. ARGUMENTOS DESENCADEADORES DE EMOÇÃO EM UM
ser midiatizado, todo o processo discursivo gira em torno das visadas DISCURSO DO PCC
discursivas de fazer-saber e de fazer-sentir. Afinal, os integrantes do
PCC desejam informar os cidadãos e os governantes acerca de suas No discurso dos integrantes do Primeiro Comando da Capital
solicitações, bem como captar o público que terá acesso ao discurso. que foi veiculado para todo o Estado de São Paulo, em 2006, o sujeito
De acordo com Charaudeau: se posiciona na identidade de criminoso para passar algumas
informações e fazer determinadas solicitações encaminhadas para a
A finalidade do contrato de comunicação midiática sociedade em geral e aos governantes. Abaixo, trazemos a íntegra
se acha numa tensão entre duas visadas, que
correspondem, cada uma delas, a uma lógica do texto e, posteriormente, fazemos as análises de algumas partes
particular: uma visada de fazer saber, ou visada de mais relevantes para o que nos propusemos a abordar. O texto foi
informação propriamente dita, que tende a
produzir um objeto de saber segundo uma lógica retirado do site da Folha de São Paulo, disponível no link1 ao final
cívica: informar o cidadão; uma visada de fazer
sentir, ou visada de captação, que tende a produzir desta página. Segue o texto:
um objeto de consumo segundo uma lógica
comercial: captar as massas para sobreviver à
concorrência (CHARAUDEAU, 2013, p. 86). Como integrante do Primeiro Comando da Capital, o PCC,
venho pelo único meio encontrado por nós para transmitir um
Na medida em que o discurso midiático faz uso,
comunicado para a sociedade e os governantes.
principalmente, dessas duas visadas discursivas, tentaremos analisar
A introdução do Regime Disciplinar Diferenciado [RDD] pela
a forma como os sujeitos lançam mão de argumentos de cunho
Lei 10.792/2003, no interior da fase de execução penal,
racionalizante ou patêmico para atingir os seus objetivos
inverte a lógica da execução penal. E coerente com a
comunicacionais. Nosso foco de análise, no entanto, recairá sobre os
perspectiva de eliminação e inabilitação dos setores sociais
argumentos patêmicos.
redundantes, leia-se “a clientela do sistema penal”, a nova
punição disciplinar inaugura novos métodos de custódia e
controle da massa carcerária, conferindo à pena de prisão o
1
Folha Online. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u124974.shtml>.
Acesso em 20 mai. 2016.
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nítido caráter de castigo cruel. depósito humano, onde lá se jogam seres humanos como se
O Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da fossem animais.
ressocialização do sentenciado vigente na consciência O Regime Disciplinar Diferenciado é inconstitucional. O
mundial desde o ilusionismo e pedra angular do sistema Estado Democrático de Direito tem a obrigação e o dever de
penitenciário, a LEP. dar o mínimo de condições de sobrevivência para os
Já em seu primeiro artigo, traça como objetivo do sentenciados. Queremos que a lei seja cumprida na sua
cumprimento da pena a reintegração social do condenado, a totalidade. Não queremos obter nenhuma vantagem.
qual é indissociável da efetivação da sanção penal. Portanto, Apenas não queremos e não podemos sermos massacrados
qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não e oprimidos. Queremos que, um, as providência sejam
haja constância dos dois objetivos legais (castigo e a tomadas, pois não vamos aceitar e não ficaremos de braços
reintegração social), com observância apenas do primeiro, cruzados pelo que está acontecendo no sistema carcerário.
mostra-se ilegal, em contradição à Constituição Federal. Deixamos bem claro que nossa luta é contra os governantes
Queremos um sistema carcerário com condições humanas, e os policiais. E que não mexam com nossas famílias que não
não um sistema falido, desumano, no qual sofremos inúmeras mexeremos com as de vocês. A luta é nós e vocês.
humilhações e espancamentos.
Não estamos pedindo nada mais do que está dentro da lei. Se Antes de tudo, é necessário que se faça a configuração do
nossos governantes, juízes, desembargadores, senadores, gênero discursivo aqui analisado. Observa-se que o próprio sujeito
deputados e ministros trabalham em cima da lei, que se faça enunciador vê sua fala como um “comunicado”, no entanto, a
justiça em cima da injustiça que é o sistema carcerário, sem comunicação pura e simples não é a principal finalidade dessa
assistência médica, sem assistência jurídica, sem trabalho, situação de comunicação. Costa (2008) trata o vídeo veiculado na
sem escola, enfim, sem nada. emissora Globo como um vídeo-sequestro por ter sido transmitido em
Pedimos aos representantes da lei que se faça um mutirão um contexto de negociação do sequestro do funcionário da emissora.
judicial, pois existem muitos sentenciados com situação Apesar disso, o conteúdo proposicional do discurso não diz respeito
processual favorável, dentro do princípio da dignidade ao sequestro, mas a finalidade discursiva é fazer com que a
humana. população saiba da posição do PCC frente ao RDD e creia que o
O sistema penal brasileiro é, na verdade, um verdadeiro regime atenta contra os Direitos Humanos dos encarcerados.
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Além disso, há a utilização de ameaças veladas que Quadro: características discursivas e formais do
gênero vídeo-comunicado de caráter criminoso
funcionam como tentativas de persuadir as autoridades
governamentais e jurídicas a atenderem as reivindicações da Nível situacional Nível das restrições dis- Nível da configuração
(visadas predo- cursivas (Modos de Or- textual (composição, es-
organização criminosa. Desse modo, analisando essa situação de minantes) ganização) colhas lexicais)
comunicação à luz da Teoria Semiolinguística (CHARAUDEAU, Fa- A introdu- Argu- Portanto, qual- Compo- Identificação
zer- ção do men- quer modalidade sição com o PCC
2004), notamos que ela se configura em um gênero discursivo sa- Regime tativo de cumprimento textual Embasa-
ber Discipli- de pena em que mento jurí-
próprio, por possuir particularidades intrínsecas a ela, tanto no nível
nar Dife- não haja cons- dico
situacional, referente às finalidades da troca comunicativa, quanto no renciado tância dos dois Reivindica-
(...) in- objetivos legais ções
nível discursivo, referente ao modo como o discurso foi organizado. verte a ló- (...) mostra-se Ameaças
Da mesma forma, o que Charaudeau (2004) chama de nível da gica da ilegal, em con-
execução tradição à Cons-
configuração textual, observado a partir da composição textual, das penal. tituição Federal.
Fa- O Regime Des- (...) a nova puni- Léxico Lei
escolhas lexicais e da presença ou não de paratextos, também deve zer- Discipli- critivo ção disciplinar 10.792/2003
ser observado. Assim, apresentaremos as particularidades crer nar Dife- inaugura novos Fase de exe-
renciado métodos de cução
discursivas e composicionais do gênero vídeo-comunicado de caráter é inconsti- custódia e con- penal
tucional trole da massa Sanção penal
criminoso, no quadro abaixo: carcerária, con- Reintegração
ferindo à pena Mutirão judi-
de prisão o ní- cial
tido caráter de Sistema car-
castigo cruel. cerário
Fa- Pedimos Nar-
zer- aos repre- rativo
fazer sentantes
da lei que
se faça
um muti-
rão judi-
cial
Fonte: dados da pesquisa
3
A imagem foi retirada do vídeo que pode ser visto na íntegra no seguinte
endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=bwPHGk0ifb4>. Acesso em
22 mai. 2016.
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tram em contato com a imagem mostrada no vídeo. Essa imagem, famílias que não mexeremos com as de vocês”, o sujeito deixa clara
portanto, pode contribuir para o despertar de determinadas emoções, sua posição de delinquente disposto a lutar por aquilo que ele acredita
como a indignação ou o medo. ser seus direitos, criando, assim, um ethos de potência. Esse ethos
Além disso, conforme nos diz Galinari (2013), ao analisar uma discursivo, de alguém cruel e sem princípios, corroborado pela
imagem sob o arcabouço teórico e metodológico da Semiolinguística: imagem icônica de um criminoso, torna-se contraditório no momento
em que o sujeito enunciador afirma serem vítimas de um sistema
(...) o analista do discurso poderia também dar um desumano.
caráter argumentativo e/ou retórico à sua
abordagem das imagens, enriquecendo-a de Voltando à análise do texto propriamente dito, observamos
modo peculiar. A questão seria, então, saber como que o sujeito faz várias utilizações da estratégia patêmica ligada ao
a imagem a sua estrutura interna, aliadas a um
possível co-texto, projeta visualmente algo da princípio de avaliação, principalmente no que diz respeito à dicotomia
ordem do logos, do ethos e do pathos, em função
de uma conjuntura particular, instaurando adesões justiça/injustiça:
variadas, como fazer-crer (em teses), fazer-fazer
(uma ação ou comportamento) e fazer-sentir
(emoções), ou mesmo uma mescla de tudo isso (2) Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena
(GALINARI, 2013, p. 366).
em que não haja constância dos dois objetivos legais
Partindo desse ponto de vista, a imagem não funcionaria (castigo e a reintegração social), com observância apenas
apenas como uma ilustração do discurso, mas, com este, funcionaria do primeiro, mostra-se ilegal, em contradição à
como um conjunto significativo. Através da caracterização do membro Constituição Federal.
do PCC com um capuz e um colete à prova de balas, cria-se o ethos
de alguém vinculado ao mundo da criminalidade, já que não pode Observamos que o sujeito enunciador faz uso de um
mostrar seu rosto, impedindo sua identificação e prisão. Esse ethos argumento relacionado à avaliação acerca do que é justo ou injusto,
acaba por gerar certa credibilidade ao sujeito comunicante que já já que a causa da falta de constância dos dois objetivos legais
possui legitimidade por falar em nome do PCC. (castigo e reintegração social) ocasiona a consequência da
Dessa forma, quando ele faz uso de ameaças, o ethos de ilegalidade, ou seja, se não observada a Constituição Federal, a ação
criminoso pode vir a auxiliar no despertar de emoções como o medo passa a ser ilegal.
e a insegurança no sujeito interpretante, afinal, ao dizer que “não Nesses enunciados, a estratégia discursiva da legitimidade é
ficarão de braços cruzados” e pedirem “não mexam com nossas assegurada com a evocação do discurso jurídico, demonstrando que
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o sujeito que enuncia detém um conhecimento acerca da prática afinal, o sujeito declara que tomarão uma atitude, caso as
judicial. Esse ethos de inteligência, atrelado aos imaginários providências não sejam tomadas pelos responsáveis. Estamos, no
sociodiscursivos ligados aos valores de justiça/injustiça, portanto enunciado acima, diante da visada discursiva de fazer-saber, típica
relacionados ao domínio do ético (CHARAUDEAU, 2012), podem dos discursos midiáticos ao lado da visada de fazer-sentir. A
contribuir para o despertar de emoções referentes à piedade, em utilização dos enunciados “não vamos aceitar” e “não vamos ficar de
alguns interpretantes, ou indignação, em outros. Novamente, o braços cruzados” consiste na estratégia relacionada a enunciados
argumento produzirá as emoções permissíveis de acordo com o que podem produzir efeitos patêmicos listada por Gouvêa (2016), já
universo de crença de cada sujeito interpretante. que, na situação de comunicação aqui analisada, esses enunciados
Posteriormente, após o sujeito deixar claras as solicitações da funcionam como ameaças que podem despertar o medo, o pavor, em
facção criminosa, deparamo-nos com o seguinte argumento: parte do público.
Continuando com a análise das reivindicações, deparamo-nos
(3) Queremos que, um, as providência sejam tomadas, pois com outros argumentos patêmicos. Observemos, por exemplo, o
não vamos aceitar e não ficaremos de braços seguinte enunciado:
cruzados pelo que está acontecendo no sistema
carcerário. (4) Queremos um sistema carcerário com condições
humanas, não um sistema falido, desumano, no qual
No enunciado acima, notamos que o sujeito faz uso de uma sofremos inúmeras humilhações e espancamentos.
explicação iniciada a partir do operador argumentativo “pois”. O uso
da primeira pessoa do plural indica um conjunto de delinquentes No argumento (4), vemos que o sujeito enunciador faz uso,
pertencentes à facção criminosa que se diz responsável pelas novamente, do princípio da avaliação acerca do sistema carcerário,
solicitações, e esses sujeitos afirmam que não ficarão inertes diante através, principalmente, dos adjetivos “falido”, “desumano”,
do que acontece no sistema carcerário. “inúmeras”, que também implica o princípio da enumeração, e dos
Com a utilização dos verbos na primeira pessoa do plural, substantivos “humilhações” e “espancamentos”, léxico capaz de gerar
“queremos”, “vamos”, “ficaremos”, o sujeito enunciador se insere na emoções ligadas à piedade em relação aos detentos e indignação em
organização criminosa e acaba por construir uma espécie de ethos relação ao sistema carcerário.
coletivo. Além disso, ocorre, nesse argumento, uma ameaça velada, Através da evocação dos direitos humanos e do relato de vio-
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lência física e moral sofrida pelos detentos, evocam-se certos valores Em outra ocasião, deparamo-nos com os seguintes
sociais ligados ao domínio do ético (CHARAUDEAU, 2012) argumentos:
correspondentes ao que é justo ou injusto. Esse argumento visa a
captar o sujeito destinatário do discurso, a sociedade como um todo (6) Se nossos governantes, juízes, desembargadores,
e os governantes, através do possível despertar da pena, da piedade, senadores, deputados e ministros trabalham em cima da
afinal, eles dizem lutar para que seus direitos sejam preservados. lei, que se faça justiça em cima da injustiça que é o
A insistência em lembrar que os presidiários são humanos e, sistema carcerário, semassistência médica,
como tal, precisam ser tratados de forma digna, transparece em outro semassistência jurídica, sem trabalho, sem escola,
argumento, também com forte teor patêmico: enfim, sem nada.
(5) O sistema penal brasileiro é, na verdade, um verdadeiro Novamente, os valores de justiça e injustiça foram evocados,
depósito humano, onde lá se jogam seres humanos e os membros do PCC reivindicam “que se faça justiça em cima da
como se fossem animais. injustiça”. Aqui, o sujeito enunciador lança mão da estratégia da
utilização de enunciados que podem despertar efeitos patêmicos ao
Aqui, observamos novamente que, de acordo com o sujeito afirmar que os encarcerados se encontram em uma situação precária,
argumentante, os presidiários têm seus direitos humanos violados sem assistência médica ou jurídica e sem condições de serem
nas penitenciárias, sendo “jogados” em um “depósito” “como se reintegrados à sociedade, já que não possuem “trabalho”, “escola”,
fossem animais”. Esses argumentos patêmicos e avaliativos, não possuem “nada”. Note-se que o sujeito apresenta seus
proferidos a partir do que Charaudeau (2010) chama de descrição argumentos em uma relação lógica do tipo “se X, então Y”, chamada
patêmica, indicam a intenção do sujeito que discursa em despertar de dedução condicional (CHARAUDEAU, 2012).
emoções relacionadas à piedade e à pena nos sujeitos destinatários, Apesar da evocação de valores ligados ao que é justo ou
já que posicionam os sentenciados em uma condição sub-humana, injusto, é interessante notar que o ethos construído pelo sujeito
bestializada. Os integrantes do PCC, no entanto, deixam claro que a comunicante, o porta-voz, parece não favorecer à visada discursiva
luta deles não é contra a sociedade, mas contra os governantes e relativa a fazer-sentir pena ou piedade, já que ele se veste, conforme
policiais. vimos acima, como um verdadeiro criminoso ao utilizar o capuz e o
colete à prova de balas. Por outro lado, esse ethos de criminoso pode
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favorecer o despertar da indignação em determinadas parcelas da Quanto aos imaginários sociodiscursivos evocados pelo
sociedade que acreditam que os criminosos precisam ser punidos de enunciador, podemos referenciar, principalmente, a utilização de
forma mais severa. vocábulos e expressões referentes aos valores de injustiça, como
Além das tentativas de despertar emoções relativas à piedade “ilegal”, “injustiça”, “sistema falido”, “castigo cruel” e “inconstitucional”
no sujeito interpretante, afirmando que os direitos humanos dos e vocábulos e expressões referentes aos direitos humanos, à justiça
encarcerados não estão sendo observados, há também a tentativa de que deveria ser observada, como “reintregação social”, “que se faça
despertar o medo e a insegurança, através das ameaças veladas que justiça”, “princípio da dignidade humana” e “ressocialização”. A
se cumpririam caso as exigências do PCC não fossem levadas a utilização desse léxico específico pode, de acordo com o contexto e
cabo. Assim, o sujeito enunciador, em nome do Primeiro Comando com os universos de crença dos intelocutores, desencadear
da Capital, utilizou-se de argumentos de cunho patemizante para determinadas emoções vividas de forma diferente por cada sujeito
explicar seu posicionamento a respeito da inserção do Regime interpretante do discurso proferido pelo enunciador. São as
Disciplinar Diferenciado. estratégias patêmicas que Gouvêa (2016) chamou de palavras ou
Observamos, dessa maneira, que as visadas predominantes enunciados que podem, de acordo com o contexto, produzir efeitos
do discurso midiático, nomeadamente as de fazer-saber e de fazer- patêmicos e o princípio de avaliação.
sentir, foram as mais recorrentes no discurso do PCC veiculado pela Apesar de estarmos diante de um discurso perpassado por
TV Globo como exigência para a libertação do funcionário da vários outros, como o discurso jurídico, sua natureza midiática veio à
emissora que havia sido capturado pela facção criminosa. Essa tona, visando a atingir a finalidade da situação de comunicação ali
questão é facilmente explicada quando pensamos na natureza da instaurada. Afinal, o discurso proferido pelos integrantes do PCC
situação de comunicação, já que os integrantes do PCC desejam tinha a finalidade de ser veiculado na tevê aberta.
informar à população e aos governantes sua insatisfação com o RDD,
bem como captar o interlocutor, através da utilização de argumentos 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
que visam a despertar a piedade e o medo nos sujeitos interpretantes.
Notamos, no entanto, que esses mesmos argumentos podem gerar Após a análise do discurso proferido por um sujeito que se
emoções relacionadas à indignação, caso o sujeito interpretante posiciona na identidade de criminoso afiliado ao Primeiro Comando
possua crenças relativas à aplicação de penas mais duras aos da Capital, observamos que a utilização de argumentos patêmicos se
encarcerados. alinhou a uma das principais visadas discursivas do discurso midiá-
35 36
tico, a de fazer-sentir. Através do uso de determinadas estratégias REFERÊNCIAS
patêmicas, os sujeitos procuram captar o sujeito interpretante de seu
discurso, posicionando-se como vítimas de um sistema penitenciário COSTA, Greciely Cristina da. Linguagens em funcionamento: sujeito
e criminalidade. Dissertação. Instituto de Estudos da Linguagem da
injusto e explicando os motivos pelos quais são contrários à forma Universidade Estadual de Campinas, 2008.
como os encarcerados são tratados nas penitenciárias. Esses
______. Um Discurso do PCC: Corpo e Voz no Vídeo-Sequestro.
argumentos parecem ser capazes de despertar, principalmente a Travessias. Unioeste online, v. 6, p. 1-12, 2009.
pena, a piedade, o medo, o pavor ou a indignação nos sujeitos
CHARAUDEAU, Patrick.Visadas discursivas, gêneros situacionais e
interpretantes, a depender das crenças compartilhadas por estes construção textual. In: MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato de
últimos. (Org.). Gêneros: reflexões em análise do discurso. Belo Horizonte:
NAD/FALE/UFMG, 2004, p. 13-41.
Esses argumentos, como vimos, pautam-se sobre a afirmação
de que os encarcerados não são tratados como seres humanos, ______. Pathos e discurso político. In: MACHADO, Ida Lucia;
MENEZES, Willian; MENDES, Emilia (Org.). As Emoções no
tendo seus direitos violados, de acordo com o ponto de vista avaliativo Discurso, v. 1. Lucerna: Rio de Janeiro, 2007.
dos integrantes do PCC, que não medirão esforços para terem seus
______. A patemização na televisão como estratégia de
pedidos atendidos. Assim, ameaças veladas foram feitas. autenticidade. In: MENDES, Emília; MACHADO, Ida Lúcia. As
Durante a utilização desses argumentos patêmicos, o ethos emoções no discurso, v. II. Campinas: Mercado das Letras, 2010.
______. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo:
discursivo de criminoso transpareceu, auxiliado pela imagem do Contexto, 2012.
porta-voz que aparece no vídeo. Esse ethos corrobora os argumentos
______. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2013.
patêmicos que pretendem despertar o medo no sujeito interpretante,
no entanto, essa imagem pode fazer com que os argumentos ______. Discurso Político. São Paulo: Contexto, 2015.
patêmicos utilizados com a finalidade de despertar a piedade no DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da pulverização ao monopólio da
interlocutor não surtam o efeito desejado, vindo a, possivelmente, violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital
(PCC) no sistema carcerário paulista. Tese. Faculdade de Filosofia,
auxiliar no desencadeamento de emoções relacionadas à indignação, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2011.
por exemplo.
EMEDIATO, Wander. As emoções da notícia. In: MACHADO, Ida
Lucia; MENEZES, Willian; MENDES, Emilia (Org.). As Emoções no
Discurso, v. 1. Lucerna: Rio de Janeiro, 2007.
37 38
GALINARI, Meliandro Mendes. Hipóteses para uma análise
discursiva das imagens. In: MENDES, Emilia (Cord.); MACHADO, Ida
Lucia; DIAS, LYSARDO-DIAS, Dylia (Orgs). Imagem e discurso.
Fale/UFMG: Belo Horizonte, 2013.
PALAVRAS-CHAVE: lugares da argumentação; persuasão; emoções e como televisão, internet, revistas ou outdoors.
valores. Como base teórica, partiremos do conceito de pathos, de
Charaudeau (2007), e das considerações de Antônio Suárez Abreu
RÉSUMÉ :
L'objectif de cet article est celui de proposer une analyse des annonces sobre o trabalho com as emoções no discurso publicitário e o uso dos
publicitaires brésiliennes pour les différentes marques et produits répandues lugares da argumentação como estratégia persuasiva.
dans les médias comme la télévision, l'internet et les magazines. L'analyse
s'appuie sur le concept de pathos, défini par Charaudeau (2007) comme Na seção 2 deste artigo, intitulada Pressupostos teóricos,
l’effet qu'un orateur peut susciter chez ses interlocuteurs,et celui delieux de
l’argumentation, fondé sur les remarques d’Abreu (2004) dans son œuvre A
apresentaremos mais detalhadamente o suporte teórico usado como
arte de argumentar. Les lieux de l'argumentation sont des techniques referência para as análises feitas. Na seção 3, composta de seis
employées depuis l'Antiquité pour renforcer l'adhésion d’un public à certaines
valeurs. Cette étude analysera donc l'emploi de ces lieux de subitens, teremos as análises das campanhas publicitárias brasileiras
l’argumentationen tant que stratégies de persuasion du consommateurdans
e as estratégias de persuasão nelas empregadas com base nos
des campagnes publicitaires, afin de l’influencer à acheter un produit ou un
service. lugares da argumentação. Cada um dos subitens desta seção tratará
MOTS-CLÉ: lieux de l'argumentation; persuasion; émotions et valeurs
41 42
de um lugar específico da argumentação. Por fim, na seção 4, Abreu, em sua obra A Arte de Persuadir, fala um pouco sobre
encontram-se as considerações finais sobre este trabalho. a arte de persuasão empregada para convencer alguém a fazer
alguma coisa que queremos. Para persuadir, segundo o autor, é
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS preciso considerar o que o outro tem a ganhar com a nossa ação,
pois nossos próprios ganhos, desejos e vontades não são elementos
A argumentação pela emoção é uma estratégia bastante persuasivos. Considerar os benefícios que o outro pode obter é a
empregada por quem deseja convencer o outro de alguma coisa. base de uma venda bem sucedida.
Argumentar pelas emoções produz efeitos no auditório a que um Sob essa perspectiva, entretanto, como persuadir de maneira
orador se dirige, os chamados efeitos patêmicos, que podem ser eficaz? Como fazer o consumidor se dar conta de que determinada
trabalhados de modo a levar o outro a uma conclusão favorável venda, determinado produto, é benéfico para ele, que ele pode obter
àquele que discursa. Inserimos aqui a noção de pathos, que é, vantagens a partir de sua compra?
segundo a definição de Charaudeau (2007), o efeito que um orador O primeiro passo seria aquele que deseja persuadir alguém
pode provocar em seus interlocutores. educar sua própria sensibilidade para os valores do outro, ou seja, o
Essa noção é fundamental na criação de campanhas que o outro considera importante, fundamental ou indispensável.
publicitárias, pois, ao fazer uma publicidade, aquele que a produz Considerando isso, os efeitos patêmicos que a publicidade inspira
pretende convencer, persuadir seu público a fazer alguma coisa, são fundamentais na arte de persuadir, pois nossos valores estão
nesse caso, comprar o seu produto. Para isso, as campanhas ligados às nossas emoções, mais especificamente às nossas
publicitárias são criadas de forma a despertar certas emoções nos emoções eufóricas.
interlocutores, efeitos patêmicos que podem levá-los a serem Outro ponto importante a ser considerado na hora de
persuadidos. persuadir é entender que a sociedade como um todo não compartilha
Neste trabalho, veremos os efeitos patêmicos que as dos mesmos valores. Cada grupo, ou mesmo cada indivíduo, tem
propagandas publicitárias pretendem desencadear no público-alvo de valores próprios, que não serão iguais para outros grupos. Assim,
modo a convencê-lo a comprar determinado produto, partindo das aquele que quer persuadir deve reconhecer primeiramente quais são
colocações de Antônio Soares Abreu (2004), autor que trata da os valores de seu alvo, para que possa ajustar suas estratégias com
questão das emoções e valores aplicados como estratégia de base nesses valores.
persuasão no discurso publicitário. Reconhecer, porém, quais são os valores de seu público alvo
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não é o suficiente para persuadir alguém, pois os valores de cada Lugar de pessoa, que considera superior tudo o que está
indivíduo não têm a mesma importância. Considerando esse fato, ligado às pessoas, em detrimento do que está ligado a coisas;
Abreu apresenta o conceito de re-hierarquização de valores, que Lugar do existente, que valoriza o que já existe, em detrimento
nada mais é que o ato de, ao reconhecer os valores de seu público- do que ainda não existe de fato.
alvo, o sujeito comunicante selecione com qual, ou quais, pode
trabalhar sem ferir nenhum valor do sujeito interpretante. Ou seja, ao Como pudemos observar, considerar os valores do público
se deparar com alguma situação que envolva algo contrário a algum que se quer atingir, de forma a despertar as emoções certas que o
valor de seu receptor, o persuasor deve subordinar esse valor a outro tornem capaz de ser eficazmente persuadido, é fundamental numa
com que ele não apresente conflito, e, desse modo, possa levar situação de venda, já que o objetivo do vendedor é fazer com que as
adiante a situação comunicativa sem ferir nenhum valor do sujeito pessoas comprem seus produtos. Obviamente, ao fazer isso, o
alvo da persuasão. interesse do vendedor é lucrar, mas o bom vendedor jamais deixa
A estratégia que Abreu usa para realizar a re-hierquização de transparecer esse fato. Ele usa a publicidade a seu favor, para que o
valores de um público diz respeito à técnica chamada lugares da consumidor veja apenas o que ele próprio tem a ganhar com aquele
argumentação, “premissas de ordem geral utilizadas para reforçar a produto, quais serão os benefícios para ele, esquecendo-se do que a
adesão a determinados valores” (ABREU, 2004). Ao todo, podemos outra parte interessada nessa relação ganha com a situação.
considerar seis lugares da argumentação, sendo eles: Na seção seguinte deste artigo, analisaremos exemplos
concretos, encontrados na publicidade brasileira, nos quais os
Lugar de quantidade, segundo o qual uma coisa vale mais que lugares da argumentação são empregados de forma a despertar no
outra devido a razões quantitativas; público as emoções certas que o persuadam a comprar determinado
Lugar de qualidade, lugar que se contrapõe ao lugar de produto. Como poderemos ver, a partir da análise de publicidades de
quantidade na medida em que valoriza o único, o singular, o diferentes produtos e marcas, voltados para diferentes públicos-alvo,
raro, e não o número; as empresas se utilizam dos lugares da argumentação para
Lugar de ordem, que considera que o anterior é superior ao convencer o público de que seus produtos são os melhores, trarão
posterior; inúmeros benefícios para sua vida, tornando-se quase indispensáveis
Lugar de essência, que valoriza indivíduos considerados para ele.
como bons representantes de uma essência;
45 46
3. ANÁLISE DE PROPAGANDAS PUBLICITÁRIAS BRASILEIRAS empresas empregam para persuadir seus consumidores.
caseiro, com uma gravação caseira e a imagem de um bebê rindo. do existente é o lugar que dá preferência, como o próprio nome já diz,
Com isso, o Itaú destaca a importância das pessoas, coloca sua àquilo que já existe, que é real, palpável, em detrimento daquilo que
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ainda não existe, que são só planos e projeções futuras. com GPS integrado, mas o foco é nas aventuras que as pessoas
Para falar sobre o emprego do lugar do existente na estão vivendo. O carro é apenas o meio de transporte que leva as
publicidade, analisaremos uma propaganda, em vídeo, da empresa pessoas de uma aventura para outra. O GPS nada mais é do que um
de automóveis Renault. acessório que lhes permite encontrar a rota adequada para o próximo
A propaganda do automóvel Renault Sandero é um vídeo de destino emocionante.
um minuto de duração. Começa mostrando um homem de visual O que a campanha da Renault vende, mais do que um novo
casual/alternativo em frente ao que parece ser uma estação de trem, modelo de carro, é a oportunidade que este carro dará a quem o
segurando um cartaz e gritando “Ele me disse, o fim está próximo! comprar de curtir a vida, viver o momento, aproveitar cada
Cuidado! O fim está próximo”. No cartaz também se leem os dizeres oportunidade de diversão, sem a desperdiçar por não ter como
“O FIM ESTÁ PRÓXIMO”. chegar a determinado local. A Renault oferece a liberdade de se
Nesse momento, passa um homem em um carro Renault locomover pela cidade, com um veículo seguro e que possui funções
Sandero azul e, ao ver a cena, encosta o carro próximo ao homem para facilitar ainda mais a viagem, como o GPS.
que está com o cartaz e diz a ele: “Se o fim tá próximo, entra aí, vamos A persuasão é feita usando o lugar daquilo que existe, na
aproveitar”. Os dois então saem de carro para uma série de aventuras medida em que o carro permitirá, às pessoas, viver o hoje, o agora,
ao som da música Viva La Vida Loca. Entre uma parada e outra, eles pois, no amanhã, ninguém sabe o que poderá acontecer, se estará
se locomovem de carro. Quando o dia amanhece, o motorista que vivo, se o mundo será igual. Essa publicidade trabalha com as
convidou o homem do cartaz para uma aventura volta ao local em emoções das pessoas, despertando nelas o desejo de viver a mesma
que os dois se encontraram e lá se despendem. Ao sair do carro e liberdade e experiência de viver aventuras que os personagens
reerguer seu cartaz, o homem agora exibe os dizeres “VIVA LA VIDA apresentados no vídeo vivem. A compra do novo Renault Sandero,
LOCA”. Junto a esta última cena, entra a voz de locutor dizendo “Novo portanto, pode ajudar a tornar esses desejos realidade.
Renault Sandero. Viva o agora”. A propaganda se encerra com a
apresentação do logo da Renault. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
RESUMO:
Nesse artigo, propomos evidenciar que os textos publicitários, sobretudo as Nesta pesquisa, apresenta-se uma proposta de análise para
peças audiovisuais, encaixam-se num dispositivo argumentativo/persuasivo
a sistematização dos projetos de sedução e argumentação no gênero
em que o sujeito comunicante, valendo-se de estratégias para seduzir o
sujeito destinatário, serve-se não só do emprego dos elementos linguísticos campanha publicitária em mídia audiovisual, tendo como ponto de
– com uma seleção do léxico apropriado – mas também de toda uma
encenação dramatizante, em que o produto é reconstruído discursivamente partida a compreensão da atuação do ethos, do pathos e do topos no
a fim de criar a adesão do sujeito interpretante. Nesse âmbito de jogo entre
discurso publicitário, âmbito em que razão e emoção, lógica e efeitos
sedução e argumentação, pretendemos, com base em pressupostos da
Semiolinguística do Discurso, analisar peças publicitárias da Coca-cola, da afetivos, coadunam-se afim de compor o projeto de convencimento
C&A e da Becel a fim de colocar em causa a importante estratégia
argumentativa dos discursos que se ancoram em dois eixos do sujeito comunicante.
complementares: o da razão e o da emoção, articulação em cujas Mutatis mutandis, desde a tradição da retórica aristotélica até
engrenagens manifestam-se o ethos, os topoi e o pathos na construção do
logos, lógica que assegura a captação do público. os estudos mais recentes sobre linguagem e persuasão, discutem-se
PALAVRAS-CHAVE: ethos; pathos; topoi; peças publicitárias audiovisuais; os papéis da emoção e da razão em eventos nos quais a atividade
Semiolinguística. comunicativa visa ao convencimento do sujeito receptor.
Se por um lado, na tradição da arte e retórica, distinguem-se
RÉSUMÉ:
Dans cet article, nous proposons de mettre en évidence que les textes os binômios argumentação/lógica e sedução/emoção – em que
publicitaires, surtout les pièces audiovisuelles, s’insèrent dans un dispositif emoção e razão teriam funções distintas no projeto de mobilização do
argumentatif/persuasif où le sujet communiquant, en se servant des
stratégies pour inciter le sujet destinataire, s’utilisenon seulement des destinatário –, por outro, estudos recentes da Semiolinguística do
éléments linguistiques – le choix du lexique approprié– mais aussid’une
mise-en-scène dramatisante où le produit est reconstruit discursivementafin Discurso têm buscado demonstrar o fato de que, na realidade, há uma
de créerl'adhésion du sujet interprétant. Dans ce contexte où il y a un jeux complexa correlação entre razão e emoção em gêneros discursivos
entre la séduction et l'argumentation, nous avons l'intention d’employer les
présupposés de l’Analyse sémiolinguistique pour étudier quelques publicités de finalidade argumentativa.
de Coca-Cola, de C&A et de Becel afin de mettre en cause l’importante
stratégie argumentative des discours qui sont ancrés dans deux axes
Basta, a propósito de ilustração, que nos apropriemos de or-
complémentaires: celui de la raison et et celui de l'émotion, où les ganizações discursivas, sobretudo da esfera publicitária – como cam-
65 66
panhas e peças de publicidade, propagandas de conscientização, jin- As peças elegidas para a análise nesta pesquisa pertencem
gles publicitários etc –, para perceber que, em diversos contextos, às marcas Coca-cola, C&A e Becel, e consubstanciam-se em
emoção e razão caminham lado a lado, de modo que a argumentação propagandas veiculadas tanto em canais de televisão abertos quanto
se viabiliza, inclusive, pela sedução, que advém de determinadas em plataformas digitais (sites das empresas, redes sociais). A
emoções as quais se pretendem despertar no sujeito destinatário. escolha do corpus fundamenta-se em análise prévia qualitativa das
Nesse jogo entre razão e emoção, estudos sobre a linguagem peças publicitárias escolhidas em relação a recursos verbais e não
os quais se debruçam sobre gêneros argumentativos (sobretudo da verbais e ao alcance midiático dos textos em apreciação que, atuando
esfera publicitária), têm demonstrado que a análise do processo de sobre diferentes nichos sociais, têm circulação e veiculação de
convencimento exige, principalmente, a compreensão de recursos de massa.
sedução e argumentação que conduzem o sujeito receptor a um Para tanto, a fim de analisar a força persuasiva da emoção no
estado favorável à aceitação de uma tese. Tais recursos de discurso publicitário, este estudo se embasa nos seguintes objetivos
persuasão constituem-se de valores e crenças partilhados (topoi) e específicos: i) entender a correlação existente entre o discurso
pela imagem de si construída pelo enunciador (ethos), que podem argumentativo e as orientações emocionais; ii) compreender como o
despertar, de acordo com os efeitos visados, determinados estados pathos entra em ação com base em valores, crenças ou topoi
emocionais (pathos) no sujeito receptor. compartilhados, bem como na construção do ethos; e iii) apreender
Correspondente à manifestação dos topoi, há os lugares de que maneira a seleção lexical e demais recursos semióticos
comuns, as crenças e valores compartilhados socialmente – que constituem estratégias para seduzir o leitor ao evocarem os topoi, o
podem atuar na condução a lugares emocionais legitimadores de ethos e o pathos.
teses. Quanto ao ethos, trata-se da persuasão pelo caráter, ou pela Este artigo está assim organizado: na seção 2, traça-se um
imagem construída pelo sujeito enunciador, digno de fé – cuja paralelo entre visões que conceptualizam a razão e a emoção a
credibilidade conduz a um estado favorável para a adesão dos serviço da argumentação e da sedução. No item 3, apresentam-se as
sujeitos destinatários. Por fim, emerge, articulado com os lugares concepções de ethos, pathos e topos; na seção 4, a atuação do ethos,
comuns e com os lugares de fala, o pathos, que se consubstancia na pathos e topos a serviço de relações lógicas articuladas com a
paixão, na emoção despertada pelo e no discurso que propicia ao sedução para a captação do destinatário – âmbito em que se
sujeito enunciador edificar um estado afetivo ou emocional no envidencia a correlação entre emoção e razão no projeto de sedução
receptor favorável à aceitação de uma tese. e argumentação pelo discurso publicitário. Em 5, apresenta-se uma
67 68
proposta para a sistematização das estratégias a que recorrem peças argumentação e persuasão em termos de uma relação dialógica, uma
publicitárias audivisuais no processo de convencimento e persuasão. vez que
de legitimidade como pela estratégia de credibilidade. PATHOS pra sempre... é um simples ato de comer na mesma mesa
(...) dividindo as experiências do dia a dia (...)” (modalidade
No limite da interpretação, a lógica da argumentação e
delocutiva – fala da filha).
sedução desse discurso publicitário vale-se do desejo pela compra
Expressão patêmica: “abra a felicidade” (modalidade
dos valores e sentimentos encenados na dramatização: o público alocutiva – 2ª pessoa do discurso) – efeito patêmico de
seria capaz de resgatar, ao adquirir o refrigerante, o valor e a tradição excitação, vontade de se sentir bem e feliz com as pessoas
de trazer alegria e comunhão em refeições familiares: refeições, proporcionando alegria e prazer em comunhão.
Fonte: dados da pesquisa
81 82
5.2. Campanha da C&A: etiqueta sem gênero por meio da emoção de ser livre, liberto de amarras sociais. Desde
logo, os versos da música asseguram o intuito da peça publicitária de
Nessa peça publicitária audiovisual, há uma encenação cativar o público ao evidenciar a primazia de se conquistar a
dramatizante que capta o público ao colocar em evidência o prazer liberdade: “Baby have you heard the news?/ This is our time to be
proporcionado pela liberdade da indumentária. No videoclipe, há forte free/ They're talking about it on the streets/ This is our time to be free”5.
apelo erótico, edificado pela atuação de homens e mulheres seminus Todo esse conjunto de elementos linguístico-discursivos, associado
que correm em direção a uma colina, onde experimentam roupas de à expressão patêmica “misture, ouse, divirta-se” (modalidade
etiqueta sem gênero e conquistam a liberdade pela ousadia. alocutiva – 2ª pessoa), geram no público a emoção necessária para
que se assegure a lógica de que somente a C&A é capaz de promover
Figura 3: Etiqueta sem gênero
felicidade e sensualidade pela libertação de estilos engessados por
gêneros.
Em relação à construção de uma imagem ideal de companhia,
a marca é conhecida pela sua versatilidade e por seus slogans que
reiteram a variabilidade de estilos – o que garante a confiabilidade
que uma marca que propõe etiquetas sem gênero deve manifestar.
Finalmente, no que se refere à evocação dos lugares comuns, a
marca mostra a doxa de que o importante é ser livre e feliz e o topos
transgressor de que é errado conceber roupas apenas para mulheres
e roupas somente para homens.
Dessa forma, a marca garante a adesão do público pela
articulação sistemática entre ethos, pathos e topoi, os quais
© C&A | Fonte: Site M de Mulher
asseguram a lógica de que é preciso inovar para ser feliz e a tese de
que a C&A pode garantir liberdade e sensualidade pela ousadia da e-
A canção “Dare”4 (ousadia em inglês), que embala a
propaganda, tem função específica: mobilizar o sujeito interpretante
2
Em tradução livre: “Baby, você ouviu as notícias?/ Essa é a nossa hora de
1
A canção pode ser ouvida, com tradução, neste link: sermos livres/ Eles estão falando sobre isso nas ruas/ Essa é a nossa hora
<https://www.vagalume.com.br/raiza/dare-traducao.html>. de sermos livres”.
83 84
tiqueta sem gênero: Figura 4: Faz bem para o coração
Fonte: Rodrigues (2008) ethos neutro, objetivo ou estratégico” (EGGS, 2005, p. 39).
95 96
Por mais que esteja ligado ao locutor na medida emocionais. A expressão patêmica utiliza as enunciações elocutiva e
em que este se acha na origem da enunciação, é
a partir de dentro que o ethos caracteriza esse alocutiva com a finalidade de produzir um efeito no interlocutor. Por
locutor. Com efeito, o destinatário atribui a um outro lado, a descrição patêmica visa a produzir tal efeito através de
locutor inscrito no mundo extradiscursivo
características que são na realidade uma cena dramatizante, utilizando-se da modalidade delocutiva. O
intradiscursivas, porque estão associadas a um
modo de dizer (MAINGUENEAU, 2014, p.268). orador, por sua vez, não tem controle total da produção da emoção
no destinatário. Além da incerteza de que a emoção pretendida seja,
Retomando Aristóteles, o autor estabelece algumas teses de de fato, despertada, outras emoções não esperadas são passíveis de
base para o ethos: a) o ethos é uma noção discursiva, pois é emergirem no processo enunciativo.
construído por meio do discurso, em vez de ser uma "imagem" do Christian Plantin (1998) considera a emoção uma resposta a
locutor exterior à fala; b) o ethos está intrinsecamente ligado a um um estímulo situacional, definindo estímulo como um acontecimento
processo interativo de influência sobre o outro; c) o ethos é uma que afeta o corpo e a alma do sujeito. Assim, nessa afirmação é
noção intrinsecamente híbrida (sociodiscursiva), um comportamento evidenciado o caráter externo da reação emotiva.
socialmente avaliado que não pode ser apreendido fora de uma O termo pathos, abrangendo as emoções e os sentimentos, é
situação de comunicação precisa, ela mesma integrada a uma dada trabalhado por outros especialistas em Análise do Discurso. Neste
conjuntura sócio-histórica. trabalho, porém, serão abordados apenas os conceitos de
Charaudeau e Plantin, por se adequarem melhor a proposta do
2.2. O pathos e as emoções estudo.
A questão a seguir é: como emocionar? Essa questão pode
Patrick Charaudeau (2007) parte da hipótese de que as ser respondida através da investigação das estratégias linguísticas
emoções se originam de uma "racionalidade subjetiva" porque utilizadas pelo locutor para atuar sobre o alocutário. A Análise do
emanam de um sujeito do qual se supõe uma intencionalidade. Então, Discurso, no que diz respeito ao pathos e, de acordo com
as emoções são orientadas em direção a um objeto "imaginado"; a Charaudeau, visa a estudar o processo discursivo pelo qual as
relação entre o sujeito e esse objeto se faz pela mediação de emoções se desencadeiam7.
representações.
O linguista trata o pathos em termos de "efeitos patêmicos" 2
Para mais informações, conferir CHARAUDEAU, Patrick. Une problémati-
sation discursive de l´émotion: à propos de effets de pathémisation à la télé-
que se dão através da expressão e da descrição dos estados
vision. In: PLANTIN, C; DOURY, M e TRAVERSO, V. Les Émotions dans les
interactions. Lyon: Presses universitaires de Lyon, 2000, P. 136.
97 98
Lausberg (1960, apud PLANTIN, 1998) enumera maneiras de utilizar as listas de vocabulário construídas pelos psicólogos ou pelos
suscitar emoção, os princípios capazes de gerar emoção pela ação linguistas em torno dos termos de emoção e sentimento. A lista de
discursiva: a) identificação empática, expressa no imperativo "mostre- designação indireta abrange os termos das cores que, de acordo com
se emocionado". O enunciador precisa colocar-se, ou fingir estar, no o contexto, pode indicar a emoção no enunciado, também os verbos
estado emocional que deseja impor à plateia, recurso que se apoia que selecionam uma emoção. Citando Balibar-Mrabti, Plantin explica
diretamente no ethos do orador; b) exibição de imagens e objetos que alguns enunciados fazem aparecer um substantivo abstrato de
ligados à emoção. A apresentação ou descrição de objetos, como a sentimento:
faca de um assassino, de imagens, como a de uma pessoa ferida, ou
da própria emoção retratada, como a de uma vítima chorando, O verbo se consumir convoca, como tema, os
seguintes substantivos de sentimento: pesar,
contribui para a produção da emoção. O auditório deve ser levado a curiosidade, paixão, ódio, ciúme, raiva, remorso,
vivenciar a emoção presente nos elementos apresentados, podendo tristeza. Isso se dá sobre a base de um enunciado
como "Pedro se consumia". Assim sendo, é
tais dados ser amplificados, caso necessário. legítimo atribuir a Pedro um dos sentimentos
circunscritos pelo verbo (PLANTIN, 2010, p. 63).
Discorrendo sobre os recursos de que dispõe o locutor para
afetar emocionalmente o alocutário, Plantin (2010) afirma que o É possível ainda associar enunciados descritivos de atitude a
locutor pode valer-se do léxico das emoções e dos enunciados de emoções, também é possível partir de emoções do tipo emoções de
emoções. O linguista sistematiza uma lista, organizando os termos base: medo, cólera, alegria, etc., para se reconstruir emoções
em dois grupos: indeterminadas.
Segundo Ducrot (1989), deve-se levar em conta as indica-
1) designação direta, em que a emoção é claramente ções relacionadas à utilização de um enunciado visando às conclu-
designada por um termo de emoção; sões pretendidas nele, não apenas restringir-se ao seu conteúdo in-
2) designação indireta, reconstrução da emoção sobre a formativo. Os operadores argumentativos são marcas linguísticas da
base de índices linguísticos, ou sobre a base de lugares enunciação que delineiam o caminho argumentativo dos enunciados,
comuns situacionais e atitudinais. apontando para a intenção do locutor ao enunciá-los. Conjunções co-
ordenativas, subordinativas e advérbios são alguns deles.
O grupo dos termos da designação direta inclui os termos de Koch (2008) revisitou o conceito dos operadores
sentimento/emoção (substantivos, verbos e adjetivos). Podem-se argumentativos e contribuiu para a análise do pathos no discurso. A
99 100
autora afirma que, ao realizar seu discurso, o locutor apresenta suas características acerca do orador. Por meio do ethos mostrado,
intenções por meio dos enunciados produzidos. Da estratégia características implícitas, e do ethos dito, referências diretas de si
discursiva, fazem parte verbos performativos, advérbios mesmo, o enunciador une a sua imagem a estereótipos ligados ao
modalizadores e operadores argumentativos. A utilização das mundo ético, representações culturais fixas.
modalidades marca o maior ou menor grau de engajamento do É possível concluir que o ethos é construído por meio de uma
locutor em relação ao enunciado que produz. complexa rede de interações que inclui referências implícitas e
explícitas a si mesmo, associação de sua imagem com estereótipos,
3. A CONSTRUÇÃO E A DESCONSTRUÇÃO DO ETHOS marcando sua figura a um saber consolidado, a sabedoria e a
prudência na estruturação dos argumentos do discurso e a emoção e
Para Maingueneau (2014), o ethos, propriamente dito, resulta sentimentos com os quais o orador consegue afetar o destinatário.
da interação de diversos fatores: o ethos pré-discursivo, o ethos Assim, o locutor pode construir, reformular, manter e/ou consolidar o
mostrado e o ethos dito. ethos discursivo. A problemática da construção do ethos está na falta
O ethos pré-discursivo refere-se à imagem prévia que o de total domínio do ethos por parte do locutor, já que a contribuição
destinatário faz do enunciador, antes deste iniciar o seu discurso, do destinatário na construção do ethos do enunciador pode incorrer
ainda que ele nada saiba sobre o locutor. O ethos mostrado consiste em interpretações contrárias aos interesses dele.
em "pistas" de si demonstradas ao longo do discurso, são Na desconstrução de um ethos, o enunciador necessita,
características e informações não explícitas na fala, mas que inevitavelmente, reafirmar o próprio ethos para legitimar a sua fala
sugerem ao alocutário o que o locutor deseja que seja aceito como desconstrutora. Para isso, recorre à autoridade do seu lugar de fala.
imagem dele. O ethos dito, pelo contrário, é construído por O ethos discursivo previamente construído pode credenciar o
referências diretas à pessoa do orador, conferindo por ele mesmo enunciador a derrubar a imagem de si construída por outro enuncia-
determinadas características à sua imagem. Da interação desses dor. Para tanto, o locutor vale-se de seu próprio ethos, mas também,
elementos do ethos, resulta o ethos efetivo, que seria, na visão de ou na ausência de legitimidade pelo ethos, da força das provas
Maingueneau, o ethos construído por dado destinatário no momento argumentais, o logos e o pathos.
da enunciação. O enunciador utilizará, então, estratégias de persuasão bem
O ethos, então, associa-se ao orador pelas seleções estruturadas com a finalidade de alcançar a maior intensidade de
linguísticas feitas por ele. Tais escolhas revelam de maneira implícita adesão possível. Serão utilizadas, neste estudo, as denominações de
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enunciador e destinatário, para as pessoas envolvidas na Considerando que a construção do ethos se dá num processo
interlocução, e delocutado, para aquele de quem se fala, de acordo interativo entre locutor e alocutário, o enunciador conta com isso,
com o artigo Pronome, pessoa do discurso e possessividade, de depende disso, e precisa estar ciente disso, ou seja, da participação
Barros e Bittencourt (2005). do destinatário para a desconstrução do ethos de um delocutado. A
Ao desconstruir o ethos de um político com ethos consolidado, adesão, porém, é facultativa. O destinatário pode rejeitar a nova
cuja intensidade de adesão pode ser avaliada pelos votos alcançados imagem proposta, pode aceitá-la com ressalvas ou parcialmente,
no pleito, o enunciador precisa levar em consideração os pilares de pode também construir outra imagem mesclada com as propostas do
consolidação desse ethos. enunciador e com as suas próprias convicções e experiências.
O ethos político tem estreita ligação com o poder atribuído, Considerando ainda que a totalidade do ethos se encontra na
segundo Charaudeau (2007). Além do direito adquirido pela correta estruturação de três qualidades – prudência, virtude e
legitimidade da representatividade, ou seja, da delegação do poder benevolência – e, por isso, as três qualidades fundamentais alicerçam
pelo povo e pelas estratégias discursivas utilizadas para o ganho o ethos, o enunciador que intentar desconstruir um ethos, terá como
dessa legitimidade, os valores comuns que a instância política e a recurso refutar estas três qualidades. O caminho a trilhar será o
instância cidadã supostamente compartilham (logos e pathos), fazem apagamento das "pistas" do ethos mostrado e a negação do ethos
parte desses pilares. dito, o apontamento de falhas, incoerência, falta de prudência e
O linguista apresenta ainda duas classificações para o ethos sensatez nos argumentos do logos, o desvelamento, de maneira
político: o ethos de credibilidade e o ethos de identificação8. O denunciativa, da ausência de benevolência nas intenções e da virtude
primeiro diz respeito a um saber e um saber-fazer que o político de caráter. Desconstruindo-se as qualidades, desconstroem-se as
necessita atribuir a si mesmo, com a finalidade de se tornar credível; provas, desconstruindo-se as provas, desconstrói-se o ethos.
o segundo encontra-se na fronteira dos efeitos do pathos – o político
como enunciador precisa tocar o afeto do cidadão. Desta forma, 4. O CORPUS ANALISADO
reside nesse ponto uma problemática para a desconstrução do ethos
político, por tentar tocar emocionalmente um interlocutor já tocado Uma simples busca pelos sites de notícias da internet permite
pelo locutor político. verificar o quanto o ethos político do deputado federal Jair Bolsonaro
é polêmico. Em seu discurso, o deputado reivindica para si um ethos
3
Os dois tipos de ethos políticos são mais bem descritos em Discurso dito e um ethosmostrado de político cristão, comprometido com os va-
Político de Patrick Charaudeau (2015).
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lores cristãos e da família tradicional, educação voltada para o bom minorias, transgressor da Carta dos Direitos Humanos, detentor de
desenvolvimento desses valores, preservação da ética e da moral, um discurso de ódio e intolerância.
combate aos desvios morais e comportamentais dos bons costumes, A análise do corpus, o artigo de opinião de Celso Raedar A
defesa da ordem vigente, e a aplicação da lei, além da exigência à Lógica Bolsonaro, publicado no site Brasil 247, no dia 26 de abril de
obediência e ao respeito ao poder institucionalizado por todos os 2016, visa a investigar como um enunciador utiliza estratégias
cidadãos de bem. discursivas persuasivas com a finalidade de desconstruir o primeiro
Na personalidade, Bolsonaro atribui-se o ethos discursivo de ethos discursivo citado, aceito pelos seguidores do deputado Jair
homem franco, sem medo de falar a verdade, sincero em suas Bolsonaro.
intenções, que denuncia o erro doa a quem doer, pulso forte com os Veja-se o artigo:
transgressores da lei e criminosos, defensor dos homens de bem,
honesto, incorruptível, bom chefe de família, íntegro e reto em sua O deputado federal Jair Bolsonaro acredita ser vítima de uma
conduta. A adesão ao ethos descrito é notória na expressiva campanha difamatória. Para ele, ao homenagear o coronel
quantidade de votos obtidos pelo parlamentar nas últimas eleições e Carlos Alberto Brilhante Ustra, não estava enaltecendo a
no número crescente desses votos no decorrer de sua carreira prática da tortura, mas defendendo o princípio de que a ordem
política, o que tem garantido sua permanência em cargos legislativos estabelecida deve ser respeitada a qualquer preço. Sob a
por 25 anos. No pleito de 2010 foram cerca de 120 mil votos9, subindo ótica do parlamentar, Ustra não foi um torturador, mas um
em 2014 para mais de 464 mil votos10. servidor dedicado ao cumprimento da missão que lhe foi con-
Por outro lado, um número crescente de eleitores faz outra fiada, de sufocar a subversão daqueles que lutaram contra o
leitura do ethos discursivo do parlamentar: homem branco, machista, regime militar.
dominador, opressor, racista, misógino, xenófobo, homofóbico. Seu Jair Bolsonaro manipula a História para respaldar suas ideias
discurso é compreendido por essas pessoas como ditatorial, defensor e pensamentos. Ao citar o coronel Ustra, o deputado não
de práticas de tortura, preconceito e extrema violência contra cultuava o personagem em questão, mas todos aqueles a
quem couberam o triste e incompreendido papel de sujar as
4 mãos de sangue para manter a lei e a ordem. Essa é a "Lógica
Disponível em <http://noticias.uol.com.br/politica/politicos-
brasil/2010/deputado-federal/21031955-jair-bolsonaro.jhtm>. Acesso em 02 Bolsonaro", que tem como eixo central a redenção de todos
ago. 2016.
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Disponível em <http://www.eleicoes2014.com.br/jair-bolsonaro/>. Acesso os "cidadãos de bem", que se tornaram torturadores e assas-
em 02 ago. 2016.
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sinos por exigência do establishment. com legendas caluniosas e distorcidas da realidade. Não
A Lógica Bolsonaro é legalista sem se importar com a moral. tardará e teremos um cadáver, com direito a selfie.
A ordem sempre deve estar acima da ética, da razão, de A Lógica Bolsonaro existe para que seu mentor ascenda ao
valores cujo conjunto convencionou-se chamar de Direitos poder. E suas chances aumentam quanto piores forem os
Humanos. Tem como base a segregação, a discriminação, o números da economia. Existe um eixo central que comanda
ódio, e depende de climas sociais conturbados para vicejar. toda a estratégia, que é a busca por aliados intolerantes com
Claramente inspirada na cartilha nazista, busca simpatizantes as minorias. Bolsonaro não tem diálogo sincero em defesa dos
contando com uma bem estruturada rede de colaboradores na negros, mulheres, homossexuais, índios, quilombolas e
Internet. nordestinos, por exemplo. Mas seu discurso soa como música
No livro "Os Carrascos Voluntários de Hitler", o professor de aos ouvidos de um desses Malafaias da vida. Com o apoio
Harvard, Daniel Jonah Goldhagen, busca compreender o dos mercadores da fé, é possível avançar na busca de votos
processo de lobotomia intelectual que transformou pessoas em segmentos sociais que ele simplesmente despreza. Para
comuns, pais de família, trabalhadores, gente que costumava alcançar esse objetivo, a Lógica Bolsonaro apelará para o
tomar cerveja no final de um dia de trabalho, em cúmplices de reducionismo, com o intuito de dividir o país entre
assassinos. O foco de sua investigação não são as "comunistas" e "capitalistas". Mas não existe plano perfeito.
atrocidades cometidas pelos militares que cumpriam ordens Tempos atrás, o líder de um grupo subversivo foi preso e
do Reich, mas a omissão e insensibilidade da população civil, barbaramente martirizado. Segundo relatos de testemunhas,
que testemunhava risonha a humilhação e violência a tortura praticada em praça pública serviria para desmoralizar
cometidas contra homens, mulheres e crianças, bem diante os insurgentes e mostrar ao povo quem mandava no pedaço.
dos seus olhos. Os militares aplicaram violenta surra de chicote, deixando seu
A Lógica Bolsonaro vem conseguindo bons resultados no corpo em carne viva. Negaram-lhe alimento e água, e a
processo de lobotomia intelectual dos seus seguidores. Hoje, humilhação e zombaria popular incitavam ainda mais o
se um sujeito notadamente de esquerda sair para jantar com sadismo dos torturadores. Morreu atravessado por um objeto
a esposa, será ofendido publicamente até que reaja. Aí logo cortante diante dos olhos de sua mãe. Vítima do coronel
aparecerá um celular gravando imagens para transformar o Ustra? Não! De Pôncio Pilatos.
agressor em vítima, que se espalharão pelas redes sociais Aí está o ponto vulnerável da Lógica Bolsonaro. Ao defender
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o uso da tortura no estrito cumprimento da Lei, o deputado Jair O artigo de opinião do jornalista Celso Raedar visa a
Bolsonaro redime o homem que autorizou todo o martírio de apresentar conceitos e práticas defendidas pelo deputado que não
Jesus Cristo. A lógica Bolsonaro compreende a crucificação condizem com os valores ético-morais e cristãos que este alega
do Homem de Nazaré como necessária para a manutenção defender. Para alcançar seus objetivos, o autor divide seu texto em
da ordem e autoridade do poder de Roma sobre Jerusalém e duas partes: a primeira, com três teses a respeito do parlamentar, as
no resto do seu império. Cada chicotada, cada prego cravado quais ele procura fundamentar com argumentos lógicos, ao mesmo
nas mãos e pés de Jesus foram, na concepção filosófica de tempo em que estes apresentam forte carga patêmica; na segunda
Bolsonaro, absolutamente necessários para sufocar o levante parte, apresenta a fragilidade da lógica do deputado, utilizando
que propunha a substituição de um regime de opressão por novamente recursos de "efeitos patêmicos" na tentativa de afetar
um mundo de amor. emocionalmente o destinatário.
Num país de população majoritariamente cristã, a ruína da A primeira tese, no segundo parágrafo, já apresenta, em sua
Lógica Bolsonaro ocorrerá pela opção equivocada do seu líder escolha lexical, o desejo de provocar emoção no alocutário:
em favor do assassino de Jesus Cristo. Como Silas Malafaia,
Edir Macedo e Valdomiro Santiago explicarão isso aos seus (1) Jair Bolsonaro manipula a História para respaldar suas
fiéis? Que argumento terá um bispo da Igreja Católica, ideias e pensamentos.
simpático da ultradireita, capaz de contrariar o símbolo
máximo da fé, que é o sacrifício de Jesus para salvar os O uso do verbo "manipular" visa a levar o destinatário a pro-
homens? blematizar o assunto. Bolsonaro é manipulador e como todo manipu-
A defesa e homenagem ao coronel Brilhante Ustra foi um lador requer atenção no trato.
arroubo impensado que custará muito caro ao deputado O argumento que sustenta a tese vem a seguir:
federal Jair Bolsonaro. Ele, que pretendia lutar usando a
estratégia da dualidade entre comunistas e capitalistas, (2) Ao citar o coronel Ustra, o deputado não cultuava o
acabou entregando aos grupos que se opõem à Lógica personagem em questão, mas todos aqueles a quem
Bolsonaro uma outra bandeira de luta. Agora, é Pilatos contra couberam o triste e incompreendido papel de sujar as
Jesus. mãos de sangue para manter a lei e a ordem.
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Para deixar clara a manipulação do deputado em relação ao cartilha nazista, busca simpatizantes contando com uma
fato histórico por meio do eufemismo, o jornalista utiliza as bem estruturada rede de colaboradores na Internet.
expressões: triste e incompreendido, sujar as mãos de sangue,
manter a ordem. E mais adiante: Neste ponto, é possível perceber a desconstrução do ethos:
Bolsonaro alega legislar pautado em princípios cristãos. A eunoia
(3) Essa é a "Lógica Bolsonaro", que tem como eixo central também é desconstruída, pois o parlamentar não busca o bem de
a redenção de todos os "cidadãos de bem", que se todos, mas de seus próprios interesses. A máxima cristã de zelar pelo
tornaram torturadores e assassinos por exigência do bem estar de todos, incondicionalmente, e acima de tudo, até da
establishment. ordem e da lei, não são encontrados no discurso do deputado, mas
os princípios nazistas de manutenção do poder vigente e a
Assim, o jornalista sugere a "leviandade" do deputado, ao supremacia dos indivíduos considerados "melhores e superiores".
atenuar um período negro e cruel da História brasileira, reduzindo os A escolha lexical do autor como "segregação",
crimes cometidos pelos torturadores ao cumprimento de dever de "discriminação", "ódio", termos de forte carga patêmica, reforça a
homens disciplinados e comprometidos com um bem maior para a oposição da prática do deputado em relação à prática proposta pelo
sociedade, tentando produzir no destinatário um efeito patêmico de cristianismo. Os efeitos patêmicos presentes nesse contexto são o
repúdio e comoção. afastamento, o desagrado e a rejeição de ideias por parte do leitor
No parágrafo seguinte, o autor compara os princípios do que professa alguma fé que pregue o amor ao próximo.
deputado, que deveriam ser princípios cristãos, a princípios nazistas: A segunda tese apresentada pelo autor encontra-se no quarto
e quinto parágrafos: o discurso de Bolsonaro é um processo de
(4) A Lógica Bolsonaro é legalista sem se importar com a lobotomia intelectual que visa a transformar pessoas comuns em
moral. A ordem sempre deve estar acima da ética, da cúmplices de assassinos:
razão, de valores cujo conjunto convencionou-se chamar
de Direitos Humanos. Tem como base a segregação, a (5) A Lógica Bolsonaro vem conseguindo bons resultados no
discriminação, o ódio, e depende de climas sociais processo de lobotomia intelectual dos seus seguidores.
conturbados para vicejar. Claramente inspirada na
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Como argumentos, Celso discorre sobre os dados da o efeito patêmico de indignação por um lado e de medo por outro.
investigação do professor de Harvard Daniel Jonah Goldhagen que, A última tese defendida pelo jornalista é a de que a
buscando compreender o processo de lobotomia intelectual na manipulação de fatos da História e a lobotomia intelectual presentes
Alemanha de Hitler, investigou e encontrou dados surpreendentes no discurso de Bolsonaro não passam de estratégias para fazê-lo
sobre a omissão e insensibilidade de pessoas comuns que ascender ao poder. Além disso, fariam parte do plano estratégico os
presenciavam as violências praticadas. O jornalista compara os números baixos da economia, a busca de aliados intolerantes com
dados da investigação de Goldhagen com acontecimentos divulgados minorias, mas com poder intelectual de um grupo grande de eleitores
na mídia nos últimos tempos. Para fazer a associação, ele faz uso de e o desenvolvimento de uma cultura de reducionismo, dividindo a
uma cena dramatizante, recurso sistematizado por Plantin como meio sociedade em dois grandes grupos: capitalistas e comunistas.
de suscitar emoção:
(7) A Lógica Bolsonaro existe para que seu mentor ascenda
(6) Hoje, se um sujeito notadamente de esquerda sair para ao poder. E suas chances aumentam quanto piores forem
jantar com a esposa, será ofendido publicamente até que os números da economia. Existe um eixo central que
reaja. Aí logo aparecerá um celular gravando imagens comanda toda a estratégia, que é a busca por aliados
para transformar o agressor em vítima, que se espalharão intolerantes com as minorias.Bolsonaro não tem diálogo
pelas redes sociais com legendas caluniosas e sincero em defesa dos negros, mulheres, homossexuais,
distorcidas da realidade. Não tardará e teremos um índios, quilombolas e nordestinos, por exemplo. Mas seu
cadáver, com direito a selfie. discurso soa como música aos ouvidos de um desses
Malafaias da vida. Com o apoio dos mercadores da fé, é
As intenções de despertar efeitos patêmicos no destinatário possível avançar na busca de votos em segmentos
encontram-se no interior do trecho, na seleção de expressões com sociais que ele simplesmente despreza. Para alcançar
designação direta de emoção − será ofendido até que reaja − e esse objetivo, a Lógica Bolsonaro apelará para o
termos com forte carga emotiva − agressor, vítima, caluniosas, reducionismo, com o intuito de dividir o país entre
cadáver. A descrição de uma cena de injustiça e provocação com "comunistas" e "capitalistas".
forte apelo emocional, associada às palavras internas do enunciado
e aos dados da investigação do professor de Harvard, pode provocar
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Nota-se que o uso de "Malafaias" como metonímia de aliados oposição das ideias apresentadas anteriormente e dividir o texto em
intolerantes e mercadores da fé, revela um falso interesse do duas partes que se opõem. O autor pretenderá, a partir desse ponto,
deputado nesses grupos, não uma associação aos seus valores e mostrar a fragilidade da lógica do deputado.
crenças, mas uma aproximação com o intuito de arrecadar votos em
qualquer segmento social. Isso seria uma grande incoerência do (9) Tempos atrás, o líder de um grupo subversivo foi preso e
deputado, visto que esses segmentos religiosos são constituídos na barbaramente martirizado. Segundo relatos de
maioria por negros, pobres, mulheres e nordestinos, pessoas testemunhas, a tortura praticada em praça pública serviria
afetadas pelas ideias dele por fazerem parte do grupo das minorias para desmoralizar os insurgentes e mostrar ao povo quem
na sociedade. mandava no pedaço. Os militares aplicaram violenta surra
Dessa forma, ao afirmar que o deputado não tem diálogo com de chicote, deixando seu corpo em carne viva. Negaram-
as minorias citadas, levanta a questão de Bolsonaro andar em lhe alimento e água, e a humilhação e zombaria popular
direção oposta às lutas sociais da atualidade por integração social e incitavam ainda mais o sadismo dos torturadores. Morreu
democracia, que visam a incluir as minorias, conferindo e protegendo atravessado por um objeto cortante diante dos olhos de
os principais direitos sociais. sua mãe. Vítima do coronel Ustra? Não! De Pôncio
Um destinatário que faça parte de um grupo religioso católico Pilatos.
ou evangélico e ao mesmo tempo esteja incluído em algum grupo das
minorias, poderia despertar o sentimento de estar sendo enganado e Mais uma vez, o jornalista recorre ao recurso da cena
manipulado, o que poderia provocar o efeito patêmico de vergonha dramatizante, carregada de expressões com força patêmica, para
e/ou de ira. demonstrar a sua última tese:
Veja-se o próximo recorte:
(10) Aí está o ponto vulnerável da Lógica Bolsonaro. Ao
(8) Mas não existe plano perfeito. defender o uso da tortura no estrito cumprimento da Lei,
o deputado Jair Bolsonaro redime o homem que autorizou
Como um divisor de águas, a oração adversativa acima, todo o martírio de Jesus Cristo.
estrategicamente colocada em um único parágrafo, apresenta duas
funções: anunciar que a sequência do texto apontará para uma
115 116
A narrativa de uma cena dramatizante de forte apelo demonstrados, estaria do lado do sistema que crucificou o maior
emocional a princípio leva o destinatário a imaginar a cena de tortura ícone da fé cristã que ele diz defender:
de um ativista insurgente contra as injustiças sociais, e a comover-se
com a violência. Nesse trecho, encontra-se a presença de termos de (11) A lógica Bolsonaro compreende a crucificação do Homem
designação direta da emoção: humilhação e zombaria, sadismo dos de Nazaré como necessária para a manutenção da ordem
torturadores; designação indireta da emoção: barbaramente e autoridade do poder de Roma sobre Jerusalém e no
martirizado, tortura e desmoralizar; além de enunciados orientados resto do seu império. Cada chicotada, cada prego
em direção à emoção, com a finalidade de produzir efeitos patêmicos: cravado nas mãos e pés de Jesus foram, na concepção
violenta surra de chicote, deixando seu corpo em carne viva, filosófica de Bolsonaro, absolutamente necessários para
Negaram-lhe alimento e água, Morreu atravessado por um objeto sufocar o levante que propunha a substituição de um
cortante diante dos olhos de sua mãe. Ao final do trecho, ao regime de opressão por um mundo de amor.
destinatário é revelado o personagem real da tortura narrada pela
revelação do opressor da vítima: Pôncio Pilatos. Com a referência de Com essa comparação clara e explícita, o jornalista
uma figura histórica bastante conhecida, remete-se à paixão de Jesus desconstrói de forma categórica o ethos de seguidor de Jesus Cristo
Cristo, símbolo máximo da fé cristã. e defensor dos princípios e valores cristãos que o deputado Jair
Ao associar a tortura de Cristo à tortura sofrida pelos Bolsonaro alega em seu ethos dito. Vê-se, nessa construção
insurgentes do período da ditadura (atenuado pelo deputado) e à discursiva do jornalista, um choque entre o ethos dito e o ethos
provável tortura dos insurgentes na atualidade − grupo de insurgentes evidenciado do delocutado: o parlamentar diz uma coisa, mas faz
composto pelas minorias agredidas, mas também daqueles que saem outra. Isso leva o destinatário à postura de descrédito e preocupação.
em sua defesa −, é clara a intenção do jornalista em provocar a A cena dramatizante de apelo afetivo e a comparação de
empatia do destinatário com os excluídos e torturados, pela mesma igualdade das lógicas são também reforçadas afetivamente por ex-
empatia que tem pelos sofrimentos de Cristo. Por outro lado, pressões geradoras de efeito patêmico −crucificação, cada chicotada,
sensibiliza e toca o coração. cada prego cravado. A comparação encerra-se com uma oposição
No parágrafo seguinte, ele faz uma comparação direta da clara do regime defendido por Bolsonaro em relação ao sistema de-
lógica Bolsonaro com a lógica dominante da época de Jesus, fendido por Cristo: "na concepção filosófica de Bolsonaro, absoluta-
mostrando que o deputado em coerência aos seus princípios mente necessários para sufocar o levante que propunha a substitui-
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ção de um regime de opressão por um mundo de amor". Assim, o cristãos como católicos e evangélicos, o país detém um grande
enunciador busca efetivamente despertar no interlocutor a não repre- número de praticantes de religiões que têm como alto grau religioso
sentatividade do deputado para um cristão, o interlocutor cristão dis- a pessoa de Cristo. As religiões africanas, o espiritismo kardecista,
tancia-se dos valores do deputado. O efeito patêmico gerado aqui é entre outras, não só incluem valores cristãos em suas doutrinas,
o de rejeição e antipatia dos valores do parlamentar e de sua imagem, como atribuem a Cristo a expressão máxima da fé e do amor. Dessa
já que o senso comum de amor ao próximo é muito forte em socieda- forma, a adesão de desconstrução do ethos do deputado tem grande
des de tradição judaico-cristã. chance de crescer entre os destinatários do discurso.
Para encerrar, no penúltimo parágrafo, o enunciador levanta
uma questão reflexiva: a problemática da impossibilidade de 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
explicação do posicionamento de valores do deputado, claramente
defensiva do assassino de Jesus Cristo, aos fieis dos ditos O enunciador partiu de um ethos discursivo previamente
"mercadores da fé", citado anteriormente, num país de população conhecido –ethos de Jair Bolsonaro −, para, por meio de um pequeno
majoritariamente cristã: discurso do deputado, desconstruir o seu ethos de cristão
comprometido com os valores cristãos. Esse ethos traz em si
(12) Como Silas Malafaia, Edir Macedo e Valdomiro Santiago elementos afetivos de carga emocional muito forte e potente, por isso,
explicarão isso aos seus fiéis? Que argumento terá um a necessidade de recursos patemizantes de forte carga afetiva
bispo da Igreja Católica, simpático da ultradireita, capaz associados à coerência e objetividade do logos.
de contrariar o símbolo máximo da fé, que é o sacrifício Esses recursos, como descritos por Charaudeau e Plantin,
de Jesus para salvar os homens? foram comprovadamente utilizados neste artigo de opinião com a
finalidade de produzir no destinatário o efeito patêmico de medo,
A pergunta "capciosa" tem por objetivo levar o destinatário a indignação, antipatia e rejeição. A somatória de estratégias como a
problematizar a questão, mas, por outro lado, desviar a reflexão para seleção lexical de termos, expressões e enunciados inteiros próprios
si mesmo. Como o próprio destinatário explicaria essa incoerência? para desencadear emoção, além das cenas dramatizantes apelativas
Levando-se em consideração que, além de o Brasil ser um país de emocionalmente contribuiu para a negação do ethos do deputado
maioria cristã, também é um país de diversidade religiosa e de construído ao longo dos anos e a construção de uma nova imagem
sincretismo religioso. Então, além de grupos religiosos estritamente para o delocutado.
119 120
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BARROS, Luiz M.; BITTENCOURT, Terezinha. Pronome, pessoa do MACHADO, Ida Lucia (Orgs). As emoções no discurso vol II. São
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______. Discurso Político. São Paulo: Contexto, 2015. campo da Análise do Discurso por Dominique Maingueneau. Signum:
Estud. Ling., Londrina, nº11/2, p.195-206, dezembro/2008. Disponível
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DUCROT, Oswald. Dizer e não dizer. Princípios de semântica
lingüística. Trad. Eduardo Guimarães, Campinas, São Paulo: Pontes,
1987.
Charaudeau (2008) também postula que, além das categorias Charaudeau, ao estudar o pathos, propõe o termo patemiza-
da língua, há outras estratégias enunciativas usadas para construção ção. Gouvêa (2016) aponta que, para estudar a patemização, é pre-
da enunciação, dentre as quais os modos de organização do ciso retomar a retórica aristotélica e os conceitos de ethos, pathos e
discurso. O autor ressalta que cada modo propõe, logos. O ethos corresponde à imagem veiculada pelo locutor a partir
concomitantemente, a organização do mundo referencial e da de seu discurso; o logos engloba o conteúdo composicional do enun-
encenação. Ele elenca quatro modos: enunciativo, descritivo, ciado, e o pathos é uma prova que leva o interactante a sentir emoção
narrativo e argumentativo. O enunciativo intervém na enunciação dos a partir de outro discurso. Esses conceitos, evidentemente, estão re-
três outros modos e, por isso, comanda, de alguma forma, os demais, lacionados e não podem ser completamente separados. Uma pessoa,
interferindo na mise-en-scène. Será, assim, o primeiro a ser discutido. ao se comunicar, sempre constrói seu ethos a partir de um logos, ge-
O modo enunciativo engloba três funções: estabelecer uma rando, naturalmente, efeitos patêmicos. A patemização não corres-
relação de influência entre locutor e interlocutor a partir de um ponde à emoção sentida pelos ouvintes/ leitores, pois não seria pos-
comportamento alocutivo, muitas vezes ligado à noção de pathos; sível mapeá-la efetivamente com nosso suporte teórico-metodoló-
revelar o ponto de vista do locutor, relacionado ao comportamento gico, mas aos efeitos possíveis causados no auditório (MENDES;
elocutivo e aoethos e retomar a fala de um terceiro a partir do MACHADO, 2010).
comportamento delocutivo, o que se relaciona ao conceito de logos.
Os demais modos de organização são procedimentos
131 132
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS Marcuschi (2008) defende a ideia de que sempre que nos
comunicamos estamos utilizando algum gênero textual em
Para este trabalho, adotamos uma metodologia de análise determinada instância discursiva. Não é possível estabelecer
qualitativa e quantitativa. Usamos, como amostra para nosso estudo, relações sociais sem passar pelo uso dos gêneros, constituindo uma
19 capas provenientes do jornal “Meia Hora”, do Rio de Janeiro, prática instituída socialmente a partir de determinadas necessidades
destacando o gênero textual manchete. Essa escolha foi motivada comunicativas e pressões discursivas. Sua existência depende do
pelas características do gênero e do jornal em questão. momento histórico em que os interactantes estão inseridos. Como
Os gêneros jornalísticos buscam passar imparcialidade, mas exemplo, podemos apontar que atualmente o chat é um gênero
a manchete alia tal questão a estratégias para chamar a atenção de recorrente e o telegrama pouco frequente, mas nem sempre essa
um possível leitor do jornal. Além disso, o “Meia hora”, relação ocorreu dessa forma. Há alguns anos, não havia o gênero
especificamente, é conhecido por suas capas com grande teor chat e o telegrama era bastante usado.
humorístico e seu forte apelo, sobretudo, a um público de classe Assim,
média baixa, que não costuma consumir outros jornais mais formais
(…) partimos da idéia de que a comunicação
e que contenham, talvez, menos marcas subjetivas. verbal só é possível por algum gênero textual.
Essa posição, defendida por Bakhtin (1997) e
também por Bronckart (1999) é adotada pela
4. O GÊNERO MANCHETE maioria dos autores que tratam a língua em seus
aspectos discursivos e enunciativos, e não em
suas peculiaridades formais. Esta visão segue
De acordo com Bakhtin (1997), os gêneros discursivos uma noção de língua como atividade social,
histórica e cognitiva. Privilegia a natureza funcional
constituem formas relativamente estáveis estabelecidas sócio- e interativa e não o aspecto formal e estrutural da
língua. Afirma o caráter de indeterminação e ao
historicamente para determinados fins comunicativos. O autor mesmo tempo de atividade constitutiva da língua,
apresenta três critérios para sua caracterização: estilo, conteúdo o que equivale a dizer que a língua não é vista
como um espelho da realidade, nem como um
temático e estrutura. O estilo compreende os recursos lexicais e instrumento de representação dos fatos
(MARCUSCHI, 2002, p. 21).
gramaticais e sua forma de organização no discurso; o conteúdo
temático engloba o que é/pode ser dito naquele gênero, e a estrutura
Charaudeau (2008) aponta que os gêneros discursivos podem
está relacionada às partes constitutivas de cada gênero e aos modos
coincidir com um modo de organização do discurso ou resultar da
de organização do discurso.
combinação de alguns desses modos, os quais, como vimos, cons-
133 134
tituem os princípios de organização da matéria linguística ligados às 5. ANÁLISE
intenções comunicativas dos sujeitos. Cada gênero, então, tem
características específicas e pode ser relacionado a diferentes Nossa análise mesclará aspectos qualitativos e quantitativos
necessidades comunicativas dos usuários da língua. Novas situações para que possamos discutir as hipóteses postuladas para o trabalho.
podem exigir novos gêneros ou, pelo menos, a retomada de velhos Segundo nossa primeira hipótese, a maior parte das capas
gêneros em interação com outros. analisadas teria, em sua manchete principal, o tema relacionado às
Os gêneros do âmbito jornalístico são, muito provavelmente, olimpíadas devido ao forte apelo dos jogos junto à população e,
os mais investigados em perspectiva linguística por, dentre outros portanto, ao público leitor. Primeiramente, no entanto, é preciso
motivos, haver a facilidade em seu acesso e as reflexões sobre eles observar uma manchete analisada por nós:
já terem sido, muitas vezes, efetuadas em literatura especializada. É
importante, assim, que entendamos que os gêneros da esfera Figura 2: capa com temática central
jornalística costumam ser caracterizados por: circulação em âmbito sobre tráfico nas olimpíadas
jornalístico, maior grau de formalidade, determinadas escolhas de
estrutura, estilo e conteúdo temático comuns.
Eles, porém, apresentam muitas especificidades. Um editorial
tem diferenças significativas em relação a uma notícia ou a uma
manchete. Além de uma organização discursiva específica e de
objetivos comunicativos relativamente diferentes, a manchete é um
gênero que se caracteriza, segundo Rangel (2010), por ser breve,
objetivo, instigante, com escolhas lexicais e gramaticais muito bem
definidas e pensadas (orações curtas e em ordem direta e sem
inversões sintáticas), além de apresentar elementos não verbais,
constituindo, recorrentemente, um texto multimodal. O contrato
comunicativo que caracteriza esse gênero envolve a tentativa de
neutralidade, mas também a aliança em chamar o público para o Fonte: Jornal Meia Hora
jornal/ reportagem, o que o diferencia de outros gêneros jornalísticos.
135 136
Ao analisarmos essa capa publicada no dia 12 de agosto de Gráfico 1: análise quantitativa da temática
2016, percebemos nitidamente que há mais de uma manchete nela. das manchetes centrais das capas
No entanto, também é notório que a manchete central é: “Maconha
que vinha para olimpíada é apreendida e doidos ficam sem 'tocha'”.
Destacamos essa capa para que seja possível perceber que uma só
capa traz diversas manchetes, que variam de acordo com a
quantidade de temas considerados relevantes e de recursos não
verbais utilizados. Caso haja muitas imagens ou letras em destaque,
é mais difícil colocar mais manchetes, mas, com menos figuras, é
Jogos olímpicos
possível a inclusão de diversas manchetes. Diante da capa Outros temas
apresentada, podemos concluir, então, que há diversas manchetes
Fonte: dados da pesquisa
concomitantes, mas uma apresenta maior destaque. Nossa primeira
hipótese refere-se a essa estratégia: postulamos que a temática das
Como vimos, a maior parte das manchetes centrais presentes
manchetes centrais será, principalmente, as olimpíadas do Rio de
na capa do jornal analisado focalizam efetivamente os jogos
Janeiro ocorridas em 2016, período em que, ressaltamos, foram
olímpicos, totalizando 73,7% (14 manchetes) e confirmando nossa
publicadas as edições analisadas por nós.
hipótese inicial contra 26,3% (5 manchetes) que não abordam
Recorremos ao gráfico a seguir para demonstrar como
diretamente o evento. A explicação para esses resultados está
ocorreu a escolha temática das manchetes centrais:
relacionada ao período olímpico vivido no Rio de Janeiro e pelo
natural anseio dos leitores em ler sobre o que estava ocorrendo ao
longo dos jogos. É necessário destacarmos, porém, que cinco das
manchetes centrais não abordavam a temática olímpica diretamente.
Para evidenciar tal análise, apresentaremos os exemplos a seguir:
137 138
Figura 3: capa com manchete central almejado: criar a imagem de mulheres que são capazes de opinar
sobre sedução e “azaração” nas olimpíadas sobre como “azarar” homens nas olimpíadas.
É preciso observar, porém, o exemplo a seguir:
PALAVRAS-CHAVE: enunciação; discurso político; mídias sociais. dido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff pelo deputado
cassado Eduardo Cunha, os debates sobre esse processo ocuparam
RÉSUMÉ: significativo espaço nas discussões de brasileiras e brasileiros. Evi-
Cet article vise à étudier le jeu de captation dans le discours médiatique sous
la perspective de la Théorie sémiolinguistiqueproposée par Patrick Charau- dentemente, coube aos veículos midiáticos, sejam tradicionais, sejam
deau (2008). Nous croyons que le moment politique brésilien actuel est un sociais, o papel de transmitir informações sobre os trâmites do impe-
sujet de discussion soit aux médias traditionnels soit aux médias sociaux qui
se répandentde jour en jour. Alors nous effectuerons une analyse qualitative achment. Assim, considerando a cobertura que a mídia faz desse mo-
de l'énonciation d’un reportage publié le 15 juillet 2016par le magazine Isto
É et de celle de la réponse de la présidente Dilma Rousseff dans un post à
mento histórico, não há dúvidas: a política também é tema do discurso
sa page officielle du Facebook. Ainsi, nous étudierons les effets pathémiques midiático.
utilisés dans ces textes pour atteindre la captation du public et pour assurer
la crédibilité du fait rapporté.
1. INTRODUÇÃO
Josiane Murillo Monteiro - UFRJ
PALAVRAS-CHAVE: efeitos patêmicos; estratégias linguístico-discursivas; visa a estudar o processo discursivo pelo qual a emoção pode ser
argumentação; persuasão. estabelecida, ou seja, tratá-la como efeito visado, sem ter garantias
sobre o efeito produzido. Já a respeito do que entendemos como es-
RÉSUMÉ:
Cet article, fondé sur des présupposés théoriques de la Sémiolinguistique du tratégia, de acordo com Charaudeau:
discours, de Patrick Charaudeau, vise à étudier les effets pathémiques
provoqué par un reportage publié au journal O Globo, de Rio de Janeiro. (...) a noção de estratégia repousa na hipótese de
Pour Charaudeau et Maingueneau (2014), la notion de pathos est utilisée que o sujeito comunicante concebe, organiza e en-
pour marquer les constructions discursives qui créent des effets émotionnels cena suas intenções de forma a produzir determi-
à des fins stratégiques. Charaudeau utilise le terme effets pathémiques pour nados efeitos de persuasão ou de sedução sobre
décrire l'agir du locuteur sur l'émotionnel de l’interlocuteur. Ainsi, l'orateur o sujeito interpretante (CHARAUDEAU, 2014, p.
utilise des stratégies discursives qui tendent à toucher l'émotion et les 56).
sentiments deson auditoire afin de le persuader. Dans ce travail, on vise à
examiner, dans le corpus évoqué au début, les procédés linguistico- Sendo assim, objetiva-se analisar os mecanismos linguístico-
discursifs utilisés par le sujet communiquant pour inciter le sujet interprétant
à adhérer à ses idées. discursivos empregados pelo jornalista para desencadear no leitor
algum tipo de reação afetiva, e as estratégias utilizadas para persua-
187 188
di-lo. Nesse aspecto, é relevante elencar-se algumas estratégias relevância: o princípio da alteridade e o princípio da identidade.
linguístico-discursivas que serão observadas: O princípio da alteridade propõe que o ato de comunicação é
uma situação de troca entre dois parceiros que se identificam, pois
palavras que suscitam emoções ou que as explicitam; compartilham saberes e têm características em comum. Esses par-
enunciados que podem produzir efeitos patêmicos; ceiros também se diferenciam, já que desempenham papéis distintos
expressões modalizadoras; no que se refere à troca linguageira. Sendo assim, um é emissor (su-
princípio da quantidade; jeito comunicante) e o outro receptor (sujeito interpretante).
verbos modais. Como o corpus deste trabalho é composto por um texto escrito
(reportagem), tem-se uma situação comunicativa em que o princípio
Dessa forma, por meio dessas marcas linguísticas, pretende- da alteridade se dá por meio da não copresença do jornalista e do
se comprovar a subjetividade nas notícias jornalísticas e, consequen- leitor, ou seja, a instância de produção e de recepção não se dá no
temente, reconhecer as intenções persuasivas do locutor sobre o au- mesmo tempo e espaço. Somando-se a isso, cabe ressaltar que, por
ditório. Além disso, objetiva-se identificar a construção dos efeitos pa- ser um gênero publicado no âmbito jornalístico, o leitor tem caráter
No tocante à fundamentação teórica, também serão conside- O princípio da identidade tem como foco o próprio indivíduo.
radas algumas abordagens de Christian Plantin, Ingedore Koch, Mel- Por meio desse princípio, ele pode definir quem realmente é e que
liandro M. Galinari e Oswald Ducrot. imagem de si projeta para o outro. Além disso, é importante ressaltar
que a identidade desse sujeito é bastante complexa, pois reúne da-
dos biológicos e psicossociais, constituindo duas identidades diferen-
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
tes: a identidade social e a discursiva.
A identidade social baseia-se na situação de comunicação do
A Teoria Semiolinguística, de Patrick Charaudeau – corrente
sujeito falante e necessita do reconhecimento por parte do ouvinte
teórica de análise do discurso que focaliza os estudos da enunciação
numa dada situação. Ela é o que confere ao sujeito seu ‘direito à
e a teoria argumentativa – entende a língua como meio de significar
palavra’, o que funda sua legitimidade. Sendo assim, Guito Moreto,
a relação que se estabelece entre sujeitos enunciadores. Nessa
autor da reportagem que será analisada neste trabalho, garante seu
perspectiva, no espaço enunciativo considerado de forma mais
direito à palavra em virtude de sua identidade social de jornalista, de
ampla, segundo Charaudeau (2007), dois princípios básicos ganham
189 190
sua experiência profissional veiculada a grandes empresas meio do EU enunciador (EUe). Já o processo de interpretação faz
jornalísticas. Desse modo, ele fundamenta sua legitimidade sendo parte do universo do TU interpretante (TUi), que constrói uma imagem
reconhecido por meio das normas sociais e de seus excelentes do EUc por intermédio do TUd. Desse modo, o EUc (ser de carne e
trabalhos. osso) constrói a figura de um EUe (ser discursivo) que se responsa-
Já a identidade discursiva, constrói-se baseada na forma com biliza pelo discurso.
que se toma a palavra, na organização enunciativa do discurso e na No tocante ao gênero reportagem, que compõe o escopo
manipulação dos imaginários sociodiscursivos. Resulta das escolhas deste trabalho, tem-se como seres do fazer (circuito externo) o
do sujeito, porém, certamente, precisa de uma base na identidade jornalista Guito Moreto – sujeito comunicante (EUc) e os leitores da
social. reportagem – sujeitos interpretantes (TUi). Já os seres do dizer
Na relação entre essas identidades, realiza-se a influência dis- (circuito interno), são o sujeito enunciador (EUe) – representado pela
cursiva. Dependendo de uma intencionalidade, os sujeitos, partici- imagem criada nas reportagens pelo EUc, e sujeito destinatário (TUd)
pantes do ato comunicativo podem valer-se de uma única identidade – imagem do público leitor idealizada pelo EUc.
– a identidade discursiva adere à identidade social, ou ainda, podem, Dentro dessa perspectiva, além dos princípios citados,
em consonância, formar uma identidade dupla. Cabe destacar que alteridade e identidade, dois outros, não menos importantes,
tudo isso é construído por meio do ato enunciativo. fundamentam a troca comunicativa: o da influência e o da regulação.
Nesse sentido, de acordo com a Teoria Semiolinguística, o ato Enquanto o primeiro trabalha para envolver e influenciar
de comunicação se dá a partir da combinação indissociável entre o emocionalmente o parceiro, o segundo ajusta as estratégias
dizer (circuito interno) e o fazer (circuito externo). O fazer é o lugar da necessárias à intercompreensão, impondo um conjunto de restrições
instância situacional onde atuam os parceiros – sujeitos comunicante do sistema à situação interacional.
e interpretante (seres sociais de troca); já o dizer é o lugar da instân- Sendo assim, os quatro princípios acima descritos –
cia discursiva, onde participam discursivamente os sujeitos enuncia- alteridade, identidade, influência e regulação – constroem o que
dores e destinatários (seres da palavra). Sendo assim, pode-se afir- Charaudeau chama de contrato de comunicação. Esse contrato
mar que há quatro sujeitos envolvidos na enunciação: dois sujeitos representa o conjunto das condições nas quais se realiza qualquer
sociais e dois sujeitos discursivos. ato comunicativo. É o que permite aos parceiros se reconhecerem um
O processo de produção faz parte do universo de produção do ao outro por meio de traços indentitários. Charaudeau, no tocante à
EU comunicante (EUc), que se dirige a um TU destinatário (TUd), por noção de contrato, pressupõe que
191 192
(...) os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de um texto jornalístico (escrito, filmado, televisionado), que é
de práticas sociais estejam suscetíveis de chegar
a um acordo sobre as representações linguageiras veiculado por órgãos da imprensa, resultado de uma atividade
dessas práticas sociais. Em decorrência disso, o jornalística (pesquisa, cobertura de eventos, seleção de dados,
sujeito comunicante sempre pode supor que o
outro possui uma competência linguageira de interpretação e tratamento) que basicamente consiste em adquirir
reconhecimento análoga à sua. Nessa
perspectiva, o ato de linguagem torna-se uma informações sobre determinado assunto ou acontecimento.
proposição que o EU faz ao TU e da qual espera Caracteriza-se principalmente por ser um gênero textual que tenta
uma contrapartida de conivência (CHARAUDEAU,
2014, p. 56). explicar um fenômeno social ou político, que por sua vez, não precisa
estar necessariamente ligado de maneira direta com a atualidade.
Pode-se perceber, conforme as palavras do autor, que
Sendo assim, observa-se, como espaço de restrição, o fato de
sujeitos que possuem as mesmas práticas sociais e uma relação de
a reportagem não tratar necessariamente de assuntos atuais. De um
convivência são regidos por um contrato social que os leva a um
modo geral, está atrelada a fatos preexistentes veiculados por meio
acordo sobre como deve ser estabelecida a comunicação entre eles.
de uma notícia. Além disso, também, é possível observar, como
Desse modo, o sujeito comunicante supõe que o outro disponha de
espaço de manobra, o fato de aparecerem marcas linguísticas
uma competência linguageira de reconhecimento compatível com a
indicadoras da subjetividade do locutor, embora a reportagem seja
sua.
um gênero textual voltado para a objetividade. Cabe lembrar que
O jornalismo, portanto, assim como todo discurso, está
essas marcas linguísticas constituirão o foco deste trabalho.
inserido num contrato de comunicação que envolve os jornalistas –
No tocante à estrutura do contrato de comunicação,
produtores da notícia –, os leitores e a própria notícia.
Charaudeau propõe três níveis: situacional, comunicacional e
No contrato de comunicação, existe um conjunto de restrições
discursivo. O nível situacional se refere ao espaço externo, que
e um conjunto de manobras. As restrições correspondem ao conjunto
determina a finalidade do ato comunicativo (para que se fala?), a
de regras que devem ser seguidas, sob pena de não se estabelecer
identidade dos parceiros (quem fala a quem?), o domínio do saber
a comunicação. As manobras compreendem os diferentes modos de
que é veiculado (sobre o que se fala?) e o dispositivo (em que
configurações discursivas que o sujeito comunicante pode recorrer
ambiente físico de espaço e tempo se fala?). O nível comunicacional
para atingir sua intenção comunicativa.
é o “lugar” em que estão especificadas as maneiras de falar
No que se refere à reportagem, constituindo, pois, um contrato
(escrever), em função da situação, ou seja, é o nível que vai definir o
de comunicação, esta apresenta espaços de restrição e de manobra
direito à fala dos sujeitos de acordo com seus papéis linguageiros (co-
relacionados às suas características. Segundo Costa (2008), trata-se
193 194
mo se fala?). Por último, o nível discursivo corresponde ao “lugar” de meio de argumentos lógicos e não-contraditórios. O último, diz res-
intervenção do sujeito enunciador, devendo atender às condições de peito à sedução, àquilo que atrai o interlocutor, agradando-o, levando-
legitimidade, credibilidade e de captação. o a sentir prazer, emoções, por meio de jogos de palavras e até de
A legitimidade é a condição que determina a posição de auto- discursos não-racionais e de imaginário mítico. Conforme foi pro-
ridade do sujeito, permitindo-lhe tomar a palavra. Segundo Fernandes posto, persuadir por meio da emoção é algo frequente no âmbito jor-
(2010), a estratégia de legitimidade é externa ao falante e é esta que nalístico. O jornal, com vistas a seduzir o leitor, não hesita, portanto,
dá o poder de dizer. No caso do âmbito jornalístico, a legitimidade é em utilizar estratégias de patemização.
explicitada com a publicação do nome do jornal, dos diretores, dos Nesse sentido, observa-se que, não só no jornalismo, mas
editores, do jornalista. também nos diversos tipos de discursos, a força dos argumentos em-
A credibilidade é uma estratégia que vai sendo adquirida ao pregados depende mais de sua carga emocional do que de seu rigor
longo do processo de trocas linguageiras. Para ser credível, o locutor lógico. Além disso, observa-se que esse fenômeno não se restringe
deve ser julgado como aquele que diz a verdade. Encontram-se, à atualidade. Há muito tempo, os filósofos constataram e até mesmo
nesse espaço, as estratégias que tendem a comprovar a habilidade celebraram o recurso às paixões. Dentro dessa concepção, Charau-
do locutor em “saber dizer”. O jornal, por exemplo, usa diversos re- deau, baseando-se na retórica clássica, dialoga com Aristóteles
cursos, como detalhamento do local, fotos, números, nomes, teste- (1998), que aponta entre os princípios que caracterizam o seu es-
munhas, apresentação do saber de especialistas, entrevistas etc. quema argumentativo, a distinção de duas categorias formais de per-
A captação é a condição que faz uso mais frequente do pathos suasão: provas não artísticas (não técnicas) e provas artísticas (téc-
(persuadir pela emoção). Conforme Charaudeau (1995), a estratégia nicas).
de captação consiste em tocar o afeto do auditório, em provocar nele As provas não artísticas têm como escopo estruturar um ra-
certo estado emocional que seja favorável a uma visada de influência ciocínio por meio de exemplos, ou seja, argumentos por intermédio
do sujeito falante. de fatos, documentação, objeto testemunhal. Já as provas artísticas
No jornalismo, o uso da captação, segundo Charaudeau (1996 constituem um meio de persuasão engendrado pelo orador.
apud Fernandes 2010), envolve três objetivos. O primeiro refere-se a
trazer algo novo ao leitor, ou seja, transmitir fragmentos de saber que
este parece ignorar. O segundo está relacionado à persuasão e con-
siste em atuar sobre o outro, em fazer-crer alguma coisa ao outro por
195 196
As provas artísticas dividem-se em três: 2) que o campo temático sobre o qual se apoia o dispositivo
preveja a existência de um universo de patemização. O texto
argumentação pelo caráter (Ethos) - a persuasão se
escolhido para análise trata da crise na educação no estado do Rio
dá pela imagem transmitida pelo orador através de
de Janeiro, o que facilmente produz emoção no sujeito leitor.
seu discurso, de sua credibilidade;
3) que no espaço da estratégia deixado disponível pelas res-
argumentação pela emoção (Pathos) - a persuasão
trições do dispositivo comunicativo, a instância de enunciação se va-
se dá pelos efeitos provocados pelo orador no
lha da encenação ou mise en scène discursiva com visada patemi-
auditório;
zante (CHARAUDEAU, 2004, p. 23). Sendo assim, a enunciação
argumentação pelo discurso (Logos) - a persuasão deve compreender uma encenação discursiva que trabalhe para um
se dá por intermédio do conteúdo informado pelo fazer-crer e um fazer-sentir.
orador, isto é, argumentação pelo discurso. Dessa forma, para que se consigam efeitos patemizantes, é
necessário que o discurso se inscreva em um dispositivo comunica-
A persuasão, portanto, poderá ser alcançada pelo caráter mo- tivo, que apresente temáticas aptas a provocar emoção e que se va-
ral do orador, pelo efeito emocional suscitado no auditório e pelo pró- lha da mise en scène discursiva peculiar da emoção.
prio discurso. Cabe lembrar que se dará ênfase, neste trabalho, à Nessa perspectiva, Gallinari (2007, p. 229) entende por
argumentação por meio da emoção (pathos). pathos:
Para Charaudeau e Maingueneau (2014), a noção de pathos (...) todos e quaisquer aspectos linguísticos discur-
é utilizada para assinalar as discursivizações que funcionam sobre sivos que, numa circunstância determinada, se-
riam capazes de desencadear no auditório algum
efeitos emocionais com fins estratégicos. Charaudeau se utiliza do tipo de reação afetiva. O pathos é, portanto, uma
tentativa, uma experiência ou uma possibilidade
termo efeitos patêmicos para descrever o agir do locutor sobre o sis- contida nos discursos sociais, no sentido de des-
tema emocional do interlocutor. pertar alguns sentimentos no alocutário. Nessa li-
nha de raciocínio, o pathos não compreende pro-
Charaudeau afirma, ainda, que qualquer estudo dos efeitos priamente as emoções, mas sim, as garantias sim-
bólicas ou, em termos linguísticos, os seus ele-
patêmicos deve se apoiar em três condições: mentos linguageiros deflagradores.
jornal O Globo, a fim de se identificar o uso dessas marcas na cons- RIO - Apesar da ordem judicial para Vim aqui, mas não encontrei
que o ano letivo fosse retomado nesta ninguém para nos dar informações,
trução dos efeitos patêmicos com vistas a persuadir o leitor. quinta-feira nas escolas estaduais só alunos. E não vai haver aula —
ocupadas, estudantes descumpriram lamentou Leonice.
a decisão em alguns colégios da rede. Integrante de uma associação
A sede da Secretaria estadual de Edu- de ex-alunos do Colégio Amaro
cação, no Santo Cristo, também não Cavalcanti, Gabriel Barbosa
foi liberada. A juíza Glória Heloíza Rodrigues está na ocupação desde o
Lima da Silva, da 2ª Vara da Infância, início. Segundo ele, a decisão judicial
da Juventude e do Idoso da Capital, será cumprida, mas não há
que exigiu o reinício das aulas, disse professores suficientes.
que “a ordem judicial será cumprida, — Há um contraponto. Cerca de 80%
quer queiram ou não”: dos professores da escola estão em
— Se for necessário, haverá greve. Os professores não grevistas
ação da polícia. A resistência será são minoria. A gente abre espaço
combatida à altura. para as aulas, mas não tem profes-
201 202
O clima também não foi amistoso -sores da escola estão em greve. Os Valente, de 18 anos, que mora na Pa- da da resistência. A equipe vai saber
nesta quinta-feira em frente ao Palácio professores não grevistas são vuna, chegou à escola por volta das quem está descumprindo a ordem,
Guanabara, em Laranjeiras, onde minoria. A gente abre espaço para 7h15m e foi impedida de entrar por para que seja responsabilizado. No
policiais, estudantes e professores se as aulas, mas não tem professor. seus colegas: caso dos adolescentes, os pais
enfrentaram durante um protesto. Em Eles não vieram. E aí, como é que — Simplesmente disseram para poderão ser responsabilizados e eles
meio à confusão, um aluno se feriu na faz? — indagou. A situação foi mim que não vai haver aula. Vou ter responderão pelo ato infracional.
cabeça. De acordo com o Sindicato semelhante no Colégio Estadual que voltar para casa. Vim na expecta- Em entrevista ao “RJ-TV”, da
Estadual dos Profissionais de Visconde de Cairu, no Méier. Lá, tiva de que ia recomeçar a estudar. No TV Globo, o secretário de Educação,
Educação (Sepe), o jovem teria alunos que não participam da portão, me perguntaram se era para Wagner Victer, disse que o ponto dos
tentado pular uma grade de proteção ocupação foram à escola na recarregar o cartão Riocard, eu disse professores em greve poderá ser cor-
e acabou caindo. Ele foi levado para o esperança de que o ano letivo que não, que era para ter aula, e me tado. Segundo ele, essa decisão ca-
Hospital Souza Aguiar, no Centro. recomeçasse. No entanto, o portão disseram que não haveria aula. Eu me berá à Justiça. Victer garantiu ainda
Segundo a Polícia Militar, um grupo de principal da unidade não foi aberto, e sinto frustrada. que o calendário letivo será cum-
manifestantes arremessou pedras e os alunos tiveram que entrar pela A dona de casa Leonice Duarte, prido, mesmo que as aulas tenham
tinta contra o Palácio Guanabara. porta lateral. Ninguém foi barrado, mãe de um aluno do 2º ano do ensino que ser estendidas até janeiro ou fe-
Ainda de acordo com a PM, houve mas, após uma reunião dentro do médio, acompanhou o filho até a porta vereiro.
tentativa de invasão da sede do colégio, ficou decidido que não do Amaro Cavalcanti. Mas foi em vão.
governo. Um policial militar também haveria aulas, e eles retornaram Assim como a estudante Maria Luiza,
ficou ferido. O movimento de para a casa. o filho de Leonice não teve aula. O Globo 2ª edição.
— Meu filho não apoia a ocupação. Sexta-feira. 03/06/2016
ocupação de escolas, iniciado em 21 Segundo a juíza Glória
de março, sofreu outra derrota ontem Heloíza, sua decisão não exige a
em Campos, onde a juíza Maria desocupação das escolas, apenas a
Daniella Binato de Castro, titular da liberação de áreas para que alunos A reportagem veiculada no jornal O Globo, no dia 03/06/2016,
Vara da Infância, da Juventude e do tenham aulas e funcionários voltem traz em sua temática a crise na educação no estado do Rio de janeiro.
Idoso da comarca da cidade, ao trabalho. Hoje, ela terá uma
determinou a desocupação de seis reunião com representantes da Ao se iniciar a leitura do texto, percebe-se, já no título, uma escolha
colégios estaduais no município, num Secretaria de Educação, do
prazo de 24 horas. Ministério Público e da Defensoria lexical empregada para chamar a atenção do leitor. Conforme Gradim
A Secretaria estadual de Educa- Pública, para decidir como exigir o
ção informou que não sabia quantas cumprimento da ordem judicial. (2000, p. 68), “os títulos anunciam o texto jornalístico que encabeçam,
das 57escolas que estavam ocupadas
já tinham sido liberadas pelos alunos. “PAIS PODERÃO SER RESPON- e são aquilo que em primeiro lugar o leitor apreende quando se
SABILIZADOS”
FRUSTRAÇÃO PARA ESTUDAN- debruça sobre as páginas de um jornal”. Sendo assim, observem-se
TES A juíza disse que a secretaria a construção deste:
deve enviar uma lista das escolas
Para estudantes que tentaram onde os alunos estão impedindo o
voltar às aulas nesta quinta-feira, o dia reinício das aulas, para que a polícia
foi de frustração. Além da greve dos seja acionada. (1) Ordem judicial ignorada.
professores que continua sem prazo — O secretário José Mariano
para acabar, como decidido ontem em Beltrame (de Segurança) disse que
assembleia da categoria, alguns estu- precisava de respaldo, e eu dei. O adjetivo destacado já desperta no leitor um efeito patêmico
dantes sequer conseguiram entrar nas Assim que houver necessidade da
escolas, devido ao controle das unida- ação da polícia, vou determinar que de indignação, visto que ordens judiciais devem ser seguidas e não
des pelo movimento Ocupa. Foi o que uma equipe multidisciplinar do
aconteceu, por exemplo, no Colégio Tribunal de Justiça vá ao local, além ignoradas. Além do emprego do adjetivo “ignorada”, a foto utilizada
Estadual Amaro Cavalcanti, no Largo do Conselho Tutelar e da Defensoria
do Machado. Maria Luiza de Almeida Pública. A polícia vai atuar na medi- na matéria jornalística mostra um jovem estudante com as pernas no
203 204
ar sugerindo um chute. Veja-se: credibilidade/legitimidade o jornal O Globo e o jornalista Guito Moreto.
O primeiro por ser uma empresa sólida do ramo jornalístico e o
Figura: foto utilizada na matéria
segundo por ser graduado em jornalismo e por ser considerado um
indivíduo cujas opiniões e forma de expô-las são pertinentes. Todas
essas estratégias contribuem, pois, para a adesão do público leitor.
Dando prosseguimento às estratégias de patemização, serão
destacados alguns trechos do texto que as ilustram. Em primeiro
lugar, veja-se a estratégia “expressões modalizadoras” por meio do
Fonte: jornal O Globo
emprego de operadores argumentativos.
No início da matéria, há um operador argumentativo introdu-
O chute do rapaz pressupõe que este ignora e repudia a ordem
zindo uma relação de oposição:
judicial. Desse modo, foto e título representam um casamento perfeito
para se conseguir, antes mesmo da leitura do texto, um efeito
(3) Apesar da ordem judicial para que o ano letivo fosse
patêmico de indignação frente às atitudes dos jovens. A partir desse
retomado nesta quinta-feira nas escolas estaduais ocupadas,
efeito patêmico suscitado, neste primeiro momento, o leitor já inicia
estudantes descumpriram a decisão em alguns colégios da
sua leitura com um olhar negativo. O jornal se utiliza, portanto, da
rede.
estratégia de captação para seduzir e persuadir o alocutário.
Além da estratégia de captação, há também a estratégia de
Pode-se observar que, neste exemplo, o operador concessivo
legitimidade e de credibilidade no subtítulo:
apesar de, que tem por função contrapor argumentos orientados para
conclusões contrárias, introduz o primeiro enunciado “Apesar da
(2) Alunos mantêm escolas ocupadas e juíza diz que poderá
ordem judicial para que o ano letivo fosse retomado nesta quinta-feira
recorrer a polícia.
nas escolas estaduais ocupadas”, enquanto o segundo “estudantes
descumpriram a decisão em alguns colégios da rede” não é marcado
A juíza é detentora de legitimidade e credibilidade, o que lhe
por nenhum operador. O enunciado marcado pelo operador funciona,
confere recorrer à polícia. Ela sabe e pode dizer, já que é qualificada.
discursivamente, como argumento mais fraco do que o enunciado
Além disso, o que diz é credível, por sua atuação no âmbito jurídico.
que o sucede, este funcionando como mais forte. Desse modo, o ar-
Somando-se à juíza, são, também, detentores de
205 206
gumento mais fraco aponta para uma conclusão do tipo “logo as aulas (5) (...) Policiais, estudantes e professores se enfrentaram
devem ser retomadas” e o argumento mais forte aponta para a durante um protesto. Em meio à confusão, um aluno se feriu
conclusão contrária “logo as aulas não foram retomadas”. O na cabeça...
argumento mais forte, portanto, prevalecerá e despertará no leitor um (6) Um grupo de manifestantes arremessou pedras e tintas.
sentimento de indignação. (7) Um policial militar também ficou ferido.
Em seguida, no mesmo parágrafo, o operador também, que
introduz argumentos se somam, apontando para a mesma conclusão, Os termos em destaque vão corroborar a conclusão de que o
é empregado para destacar o fato de os alunos estarem ocupando ano letivo não foi retomado e que isso ocorreu porque o protesto foi
mais um local além das escolas - a Sede da secretaria de Educação. marcado por violências e confrontos. Dessa forma, aqueles que estão
Observe-se: reivindicando seus direitos são vistos negativamente pelo leitor.
Considerando-se a proposta de Abreu (1999), que faz
(4) A sede da Secretaria estadual de Educação, no Santo referência a técnicas argumentativas, vê-se no exemplo abaixo, o
Cristo, também não foi liberada. princípio da quantidade que pode despertar efeitos patêmicos.
Observe-se:
Nesse caso, “também” direciona para a conclusão anterior “o
ano letivo não foi retomado”. Diante disso, o leitor ficará mais (8) A Secretaria Estadual de Educação informou que não
indignado ainda, já que novamente não foi respeitada a ordem, o que sabia quantas das 57 escolas que estavam ocupadas já
comprova a insubordinação dos ocupantes. tinham sido liberadas.
Levando em conta a proposta de Plantin (1999b) para o fato
de que certos dados lexicais permitem recuperar a emoção nas Ao ler esse trecho e observar o número elevado de escolas
argumentações, e a proposta de Charaudeau (2000), que diz que é ocupadas, o leitor será direcionado argumentativamente a não apoiar
possível o desencadeamento de efeitos patêmicos por palavras que os manifestantes. Percebe-se que o objetivo é despertar nos leitores
não pertençam ao universo emocional, identificaram-se algumas o sentimento de repúdio, considerando, assim, a atitude dos alunos
palavras e expressões com potencial para provocar emoção e que como abusiva.
refletem a proporção do conflito entre policiais e estudantes. Vejam- Charaudeau (2000) propõe que o emprego de certas palavras,
se: como “raiva", "ansiedade", "horror", "indignação", que expressam de
207 208
modo transparente emoções, podem produzir efeitos patêmicos no O enunciado destacado faz referência à aluna Maria Luiza de
leitor. Vejam-se os exemplos: Almeida Valente, que chegou ao Colégio Estadual Amaro Cavalcanti
e não pôde entrar devido ao controle das unidades pelo movimento
(9) Para estudantes que tentaram voltar às aulas nesta quinta- Ocupa. Observa-se que o jornalista, por meio desse enunciado, quis
feira, o dia foi de frustração. provocar no leitor um sentimento de revolta em relação ao fato de a
(10) Vim na expectativa de que ia começar a estudar. discente não ter usufruído de um direito que lhe é assegurado cons-
(11) Eu me sinto frustrada. titucionalmente – o de estudar.
Em se tratando da estratégia expressões modalizadoras, no
As palavras destacadas pertencem ao universo emocional e enunciado abaixo há uma ocorrência de um verbo auxiliar modal:
foram utilizadas para suscitar, nos leitores sentimento de piedade em
(13) No caso dos adolescentes, os pais poderão ser respon-
relação aos alunos que, segundo o jornal, são impedidos de estudar
sabilizados e eles responderão pelo ato infracional.
devido às ocupações. Essas palavras contribuem, pois, para que o
leitor, penalizado, sinta mais indignação. Os estudantes querem es-
Segundo Koch (2009), os modalizadores revelam a atitude e
tudar, mas são impedidos. O interessante é que, mesmo com as es-
as intenções do enunciador perante o enunciado que produz. Na
colas desocupadas, estes não poderiam voltar a frequentar as esco-
parte final da reportagem, a juíza, citada no início do texto, volta à
las, já que os professores estavam em greve.
cena para apontar a possibilidade de os pais serem punidos pelos
Dentro dessa perspectiva, Plantin (2010) aponta que os lin-
atos infracionais de seus filhos. Observa-se que o uso do verbo modal
guistas que pesquisam a emoção no discurso baseiam-se não só nas
“poderão” marca um menor engajamento dela no seu discurso. Como
palavras que descrevem perfeitamente as emoções, mas também
a punição dos pais não é algo acertado e confirmado, a juíza modaliza
nos enunciados de emoções. Eis um exemplo abaixo:
seu discurso apresentando apenas a possibilidade de isso acontecer.
Dessa forma, isenta-se de maiores responsabilidades diante de sua
(12) Maria Luiza de Almeida Valente, de 18 anos, que mora
afirmação.
na Pavuna, chegou à escola por volta das 7h15m e foi
O jornalista, por sua vez, utilizando-se do discurso dela,
impedida de entrar.
produz no leitor o sentimento de alívio, já que, diante do
descumprimento da ordem da desocupação das escolas, os
responsáveis dos adolescentes, envolvidos no ato infracional, pode-
209 210
rão ser punidos. Dessa forma, o espírito de justiça envolve o leitor, emoções. Além disso, Ingedore Koch, com as marcas linguísticas da
que segue na esperança de que a impunidade, tão comum no Brasil, argumentação, e Oswald Ducrot, com o estudo dos operadores
chegue, finalmente, ao fim. argumentativos, também contribuíram significativamente para o
Na finalização do texto, a figura da juíza parece ter sido resultado deste trabalho.
utilizada para reafirmar a mesma estratégia argumentativa inicial. Ela Por meio da identificação de alguns mecanismos linguístico-
é detentora de credibilidade e legitimidade e, portanto, dá respaldo ao discursivos, comprovou-se a subjetividade no âmbito jornalístico. O
secretário de segurança, José Mariano Beltrame, que também é jornalista, sendo, pois, detentor de credibilidade e legitimidade, valeu-
detentor de credibilidade/legitimidade para tomar medidas mais se de diversas estratégias para captar e seduzir o leitor. Sendo assim,
drásticas em relação aos jovens. Além disso, completando as encontrou-se, no texto analisado, a ocorrência de “expressões
estratégias argumentativas, citam-se algumas Instituições como: modalizadoras”, “palavras que descrevem de modo transparente
Tribunal de Justiça, Conselho Tutelar e Defensoria Pública. Dessa emoções”, “enunciados que podem produzir efeitos patêmicos”,
forma, desperta-se, no leitor, um sentimento de amparo, ou seja, este “princípio da quantidade” e “palavras não relacionadas ao universo
é levado a sentir que pode contar com as autoridades e órgãos emocional, mas que podem provocar efeitos patêmicos”.
públicos no que se refere à ordem na cidade. O jornalista, portanto, Fica evidente que o jornalista apresenta grande variedade de
conclui seu texto induzindo possivelmente o leitor a repudiar atos de estratégias de patemização para tocar o auditório e, assim, persuadi-
manifestação, potencializar e acreditar na eficácia do Poder Público. lo. Comprovou-se, portanto, que a adesão do auditório pode ser
conquistada não só por meio de estratégias argumentativas que
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
utilizam o raciocínio lógico, mas também por meio da emoção. Dessa
forma, os sentimentos que podem ter sido provocados no leitor são
Este artigo apresentou um estudo dos efeitos patemizantes
os de indignação, piedade, repúdio, alívio, esperança e
possivelmente provocados por uma reportagem jornalística. A análise
outros.Acredita-se que esta pesquisa pode, pois, contribuir para o
do corpus permitiu identificar o potencial patêmico existente nos
campo da análise discursiva, já que apresenta um trabalho não
jornais.
apenas conceitual, mas também prático do estudo do pathos com
Como se pôde perceber, nas análises, os trabalhos de
base em conceitos da teoria Semiolinguística e da Argumentação.
Charaudeau em Semiolinguística e as propostas de Plantin em
argumentação oferecem as bases teóricas e as ferramentas
necessárias para uma análise discursiva do ponto de vista das
211 212
REFERÊNCIAS em sentenças judiciais. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ,
2002.
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução de Manuel Alexandre Júnior; ______. Patemização e discurso midiático: um estudo de
Paulo Farmhouse Alberto; Abel do Nascimento Pena. Lisboa: argumentação e persuasão na crônica jornalística. Artigo de Pós-
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998. Doutorado. 2016.
CHARAUDEAU, Patrick. ‘Ce que comunique veut dire.”Scienes
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Universidade da Beira Interior, 2000.
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PLANTIN, Christian. As razões das emoções. Trad. Emília Mendes.
______ ; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do In: MENDES, E.; MACHADO, I. L. (Org.). As emoções no discurso. V.
discurso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006 II. Campinas: Mercado de Letras, 2010. p. 57-80.
cedeu, soterrando o menino novamente. Os bombeiros e todos os desabrigadas ou provisoriamente desalojadas. Mas as condições
meteorológicas ainda são instáveis.
demais que auxiliavam no resgate perderam as esperanças ao ver
Não é difícil – na verdade é obrigatório – concluir que há fatores
toda aquela terra descer. Ouviram novamente o choro do menino e
comuns a todas as cenas que comoveram o país nos últimos dias.
as buscas recomeçaram. Após 15 horas soterrado, Felipe foi resga-
Um levantamento da Secretaria Nacional da Defesa Civil confirma:
tado com vida, entretanto, não resistiu no hospital. No momento do
metade da população favelada do Estado do Rio, de Minas e de São
desmoronamento, a terra invadiu o cômodo em que Felipe dormia Paulo vive em áreas de risco. Em qualquer ponto do país com alta
junto de seus outros irmãos e primos. Nenhum sobreviveu. concentração de população, os segmentos mais pobres estarão
No dia do enterro das crianças e de outras vítimas do Morro sempre nas áreas perigosas.
das Pedras e de outro morro vizinho, Vila Cafezal, moradores chega- E esses reféns do clima são a cada dia mais numerosos: entre 1991
vam para consolar as famílias ou para protestar contra a Prefeitura e 2000, afirma o lBGE, o fenômeno da subnormalidade habitacional
da cidade que permitiu a ocupação da população em área de risco. O – nome técnico da situação de risco – cresceu cinco vezes. Isso não
reflete, exclusiva ou necessariamente, aumento da pobreza. É
pai de Felipe informou aos jornais que um dia antes desta tragédia,
indício também da ocupação de todos os espaços disponíveis pelas
um fiscal da Prefeitura vistoriou algumas casas da comunidade no
favelas das grandes e médias cidades. Não há novidade nesses
Morro das Pedras e autorizou a permanência da família de Felipe em
dados. Infelizmente, também não existe surpresa no fato de que os
sua casa, atestando estar seguro, pois a família não corria risco imi-
diagnósticos não produziram, ainda, uma estratégia nacional à altura
nente. Após o desastre, esse fiscal, não identificado, foi afastado sob do problema.
suspeita de cometer falha técnica durante a vistoria. Certamente se conseguirá uma casa para a família de Felipe, duas
Após essa breve contextualização, passemos à apreciação do vezes encontrado antes do resgate que o país acompanhou, antes
texto selecionado para a análise. Trata-se de um Editorial de Jornal, de ser chocado por sua morte no hospital. E deve ser tida como certa
da empresa fluminense O Globo, publicado em 22/01/2003, cinco a punição severa do engenheiro que se recusou a inspecionar a
dias após a tragédia. casa de Felipe. Nada disso, no entanto, pode ser confundido com
qualquer avanço na busca de solução do problema permanente.
Reféns do clima Ele é localizado nas cidades grandes e médias; portanto, trata-se de
É muito cedo para qualquer previsão sobre os números trágicos das preocupação obrigatória em todos os níveis de governo. A questão
chuvas deste verão no Sudeste. Até agora, o maior número de é como conter o crescimento das favelas, mantendo-as longe de to-
229 230
das as áreas de risco – que quase sempre são também áreas de editorial, porque ele tem um interesse cognitivo (ele quer se inteirar
proteção ambiental obrigatória. sobre o assunto), e é detentor de um conhecimento de mundo com-
Trata-se, claro, de um alvo de longo prazo. O que não representa partilhado com os autores, por isso, já se mostrará emocionalmente
qualquer desculpa para não começar a agir em curtíssimo prazo.
abalado pela temática da publicação (interesse afetivo). Para este
texto, os leitores já podem pressupor, esperar, emoções disfóricas19
(Editorial de O Globo, 22/01/2003)
ao longo de toda a leitura. Como o editorial busca fazer o leitor refletir
sobre o assunto, pode ser também que o leitor resolva mergulhar na
Como estamos diante de um texto midiático, publicado em
leitura esperando encontrar alguma solução prática para o “problema
jornal, então, comecemos a análise pelo contrato de comunicação.
permanente”, na expectativa de encontrar algum sentimento de tran-
Nele, espera-se que os seres sociais (ou seja, as identidades sociais),
quilidade e de alívio (relacionado à euforia) para a sua consciência
neste caso, o EU-comunicante, “os autores do texto”, e o TU-
cidadã.
interpretante, “leitores”, desse contrato de comunicação pertençam
Ainda no que diz respeito ao contrato de comunicação, há a
ao mesmo corpo social e, por isso, é esperado que eles compartilhem
necessidade de os atores do ato comunicativo se reconhecerem
os mesmos conhecimentos de mundo relativos à sociedade a que
como parceiros para que não ocorram falhas ou problemas de inter-
pertençam, como vivências e experiências situadas no mesmo
pretação. Assim, precisam estabelecer uma relação de cumplicidade
tempo-espaço. Então, para que a comunicação se concretize, autor
em que serão respeitadas as “regras do jogo” comunicativo (espaço
e leitor precisam conhecer a realidade dos moradores de favelas nas
de restrições) e que, ao mesmo tempo, serão permitidas algumas “ex-
grandes cidades brasileiras. Necessitam ter o mesmo conhecimento
ceções às regras” (espaço de manobras).
linguístico, instrumento pelo qual o ato de comunicação verbal de um
O espaço de restrições está relacionado às regras que
editorial se realizará, bem como os usos de elementos coesivos
constituem um gênero discursivo. O editorial de jornal tem como
(anáfora/catáfora), seleção lexical, sequenciação textual, coerência
principal finalidade manifestar a opinião de seu veículo (neste caso,
etc., isto é, devem ter domínio da língua portuguesa.
a opinião da empresa O Globo) sobre um acontecimento importante,
Não há como precisar o público alvo de um editorial de jornal,
geralmente de cunho polêmico, justamente para que possamos le-
mas pode-se dizer que os leitores que leem o editorial buscam nesta
seção uma opinião formada e análises pormenorizadas dos fatos, já
que não se contentam apenas com as informações advindas das no- 19
“Disfórico”, segundo o dicionário eletrônico Houaiss (2009), é relativo a
disforia ou aquele que se encontra nesse estado (caracterizado por ansie-
tícias. Sendo assim, podemos afirmar que um leitor escolhe ler um
dade, depressão e inquietude).
231 232
vantar um debate a respeito de algum fato/evento político-econômico- comunicativo: os autores e os leitores. Devemos levar em conta que
social relevante. Em outras palavras, o editorial mostra a opinião do o título contém uma intencionalidade patêmica e uma
jornal sobre os problemas vividos pela população e objetiva fazer o intencionalidade informativa ao mesmo tempo, típicas dos gêneros
leitor refletir, buscando sua adesão. Por manifestar a opinião de um jornalísticos, com o objetivo de atingir e captar os leitores. Isso
grupo, obviamente o texto não contém assinatura. acontece porque os autores pressupõem que seus leitores têm tanto
O editorial revela-se como um texto opinativo de cunho infor- um interesse cognitivo (razão) de conhecer mais, como cidadão, o
mativo-argumentativo bastante equilibrado, tendo, como intuito, con- que está se passando na região atingida, quanto um interesse afetivo
vencer, persuadir os leitores a concordar com o julgamento atribuído (emoção), ou seja, motivados por uma atração por certos temas
pelos editorialistas sobre o fato discutido. Neste caso, como todo prazerosos ou trágicos, no caso deste texto, um tema trágico. Sendo
texto de opinião (dissertativo-argumentativo) haverá uma tese geral assim, o vocábulo “reféns”, escolhido pelos autores, já carrega uma
do texto (a opinião dos autores do texto sobre um tema-assunto) – emoção de “angústia”, de “medo”, de “pavor”.
No primeiro parágrafo, com o intuito de provocar emoção no
(1) (prevenção contra as consequências das chuvas) trata-se leitor, o sujeito comunicante usa o modo descritivo de organização do
de preocupação obrigatória em todos os níveis de go- discurso, detalhando o resultado das fortes chuvas:
verno –
(2) (...) ontem, contavam-se 44 mortes, 20 casas destruídas
encontrada no quinto parágrafo, a ser defendida por argumentos e mais de 70 em perigo, quase dez mil pessoas desabri-
como os fatos de que morreram muitas pessoas vítimas dos desliza- gadas ou provisoriamente desalojadas.
mentos de terra, de que muitos moradores ficaram desabrigados,
sem sua casa. Neste recorte, podem-se destacar os possíveis efeitos patê-
Considerando a teoria Semiolinguística do Discurso, comece- micos de angústia e de indignação, provocados pelos numerais pre-
mos, então, a análise propriamente dita do texto. sentes nos SNs “44 mortes”, “20 casas destruídas”, “70 [casas] em
O título “Reféns do clima” já abre o Universo Contextual (UC), perigo”, “quase dez mil pessoas desabrigadas ou provisoriamente de-
nos termos de Emediato (2007), isto é, o contexto global do que será salojadas”, através da estratégia patemizante princípio da quanti-
tratado neste texto e que estará intimamente associado ao dade.
conhecimento de mundo compartilhado entre os parceiros do ato Também destacamos os SNs axiológicos “números trágicos”,
233 234
“vítimas”, “instáveis”, os quais acionam primeiramente a cognição, o (4) Um levantamento da Secretaria Nacional de Defesa Civil
raciocínio lógico para então acionar a emoção, suscitando, confirma: metade da população favelada do Estado do
possivelmente, os sentimentos de receio, insegurança nos leitores. Rio, Minas e de São Paulo vive em áreas de risco.
Após a descrição, os autores ainda acrescentam:
Podemos observar aqui o pathos no logos (no conteúdo infor-
(3) (...) mas as condições meteorológicas ainda são instá- mativo da argumentação), em que os efeitos visados são de indigna-
veis, ção e ao mesmo tempo de compaixão pela situação de risco habita-
Provocando inquietação, ansiedade nos leitores pela mensagem cional que correm os pobres. Tal emoção pode ser provocada pelo
transmitida na proposição, pois, após tantos estragos e destruições, conteúdo informativo na asserção, assegurado pelo verbo “confir-
ainda pode haver mais pelas condições instáveis do tempo. mar”, na modalidade da certeza.
Já no segundo parágrafo, podemos trabalhar o seguinte ima- Imaginando um possível leitor que viva em situação análoga
ginário sociodiscursivo20: a sociedade carrega um valor comparti- a dessas vítimas (mora em uma casa no morro em um dos Estados
lhado de que os mais desfavorecidos economicamente moram mal do Sudeste), podemos destacar também o SN “população favelada”
localizados nas grandes cidades. Então, no segundo parágrafo do como um caso de identificação, pois o leitor se identifica com as víti-
texto, os autores apresentam uma tese-menor contida no próprio pa- mas de Belo Horizonte e, por meio desse processo, podem surgir os
rágrafo de que os segmentos mais pobres estarão sempre nas áreas efeitos patêmicos de insegurança e de medo nesse leitor em especí-
perigosas. Para defender esta opinião, eles trazem um argumento de fico.
autoridade: No terceiro parágrafo é apresentada uma nova tese-menor:
(5) E esses reféns do clima são cada dia mais numerosos.
20
O “imaginário sociodiscursivo”, segundo Charaudeau (2015), é o lugar
comum existente em uma dada cultura, ou seja, o que faz ativar/despertar
na nossa mente em relação aos saberes e às crenças compartilhados do Para defender esta outra opinião dentro da temática geral, os
nosso meio sociocultural. O autor de um texto midiático deve levar em
consideração a importância do “imaginário sociodiscursivo”, pois, segundo autores trazem agora uma argumentação por dados estatísticos:
Melo (2010, p. 154), “a instância midiática deve proceder a uma encenação
sutil do discurso de informação, baseando-se ao mesmo tempo nos apelos
emocionais que prevalecem em cada comunidade sociocultural e no
conhecimento dos universos de crença que aí circulam, uma vez que as
emoções são socializadas, resultam da regulação coletiva das trocas e são
estruturadas por imaginários sociodiscursivos”.
235 236
(6) (...) entre 1991 a 2000, afirma o IBGE, o fenômeno da sub- de desagrado, de descontentamento, de insatisfação a partir do
normalidade habitacional – nome técnico da situação de crescente número de negações dos conteúdos proposicionais em:
risco – cresceu cinco vezes mais.
(7) “(...) não há novidades nesses dados”; “não existe
Também notamos aqui o pathos no logos em que os efeitos surpresa no fato”;
patêmicos podem ser de revolta e de indignação porque fica pressu- (8) “(...) não produziram, ainda, uma estratégia nacional”.
posta, pelo conteúdo proposicional, falta de gestão por parte das au-
toridades governamentais. Isso acontece porque os autores assegu- Relembrando o modelo, proposto por Charaudeau, de estru-
ram, através do verbo “afirmar” (modalidade da certeza), que o cres- turação dos contratos de comunicação – situacional, comunicacional
cimento populacional irregular foi cinco vezes maior, quando deveria e discursivo – observamos um exemplo do nível comunicacional no
ter havido um decréscimo, se os Governos fossem mais atuantes. quarto parágrafo, já que está relacionado aos modos de dizer, ao
Outra estratégia que pode gerar efeito patêmico de inconfor- materializar-se pelo encadeamento semântico-discursivo. Sendo as-
mação, de repulsa, baseia-se no princípio da quantidade, presente sim, com relação à argumentação neste parágrafo, revela-se uma in-
nos SNs “cinco vezes maior” e “1991 e 2000”, pelos motivos apresen- teressante estrutura argumentativa: os autores introduzem dois argu-
tados no parágrafo anterior. mentos de mesmo peso, através da conjunção “e”. Vejamos o pri-
No mesmo parágrafo, há também o SN axiológico “reféns do meiro e o segundo:
clima”, que funciona como estratégia de captação para prender a
atenção dos leitores na leitura deste texto. Esse SN, em si, não traz (9) (...) certamente se conseguirá uma casa para a família de
nenhum valor emocional intrínseco, mas, ao passar pelo aparato cog- Felipe.
nitivo do interlocutor, traz à tona toda uma situação de inquietação, e
dor e desespero pela qual passa a população carente (localizada nos (10) (...) deve ser tida como certa a punição severa do enge-
morros das grandes cidades do Sudeste), nessas ocasiões de chuvas nheiro que se recusou a inspecionar a casa de Felipe.
muito intensas. A expressão “reféns do clima” pode suscitar senti-
mentos de indignação e de repulsa no leitor. Ambos os argumentos apontam para uma conclusão R:
Vemos, ainda no terceiro parágrafo, uma construção conseguir uma casa para a família de Felipe e punir o engenheiro são
interessante: parece haver a pretensão de gerar um efeito emocional a solução do problema. Logo em seguida, os autores opõem os dois
237 238
primeiros argumentos com um argumento decisivo para a conclusão “morte”, por si só, pode gerar uma emoção negativa.
contrária não R, utilizando, assim, a estratégia do “suspense” (cf. No quinto parágrafo é encontrada a tese geral do texto como
GOUVÊA, 2002) por meio do operador argumentativo “no entanto”: já foi comentado anteriormente, mas a repetiremos aqui:
(11) Nada disso, no entanto, pode ser confundido com qual- (12) (...) trata-se de preocupação obrigatória em todos os ní-
quer avanço na busca de solução do problema perma- veis de governo.
nente.
Essa tese vem seguida por um enunciado por meio do qual
Ou seja, os autores reforçam a tese de que os governos de- pode ser vista a emoção na problematização, quando os autores con-
vem ter uma preocupação constante e atitude proativa em relação a vidam, implicitamente, os leitores a refletir sobre a questão do cresci-
esse crescimento de habitações irregulares nas grandes cidades e mento das favelas:
que não adianta contornar a situação com medidas paliativas como
punir o engenheiro e oferecer uma casa para os pais de Felipe, pois (13) A questão é como conter o crescimento das favelas, man-
essas duas medidas não solucionam o problema permanente: outras tendo-as longe de todas as áreas de risco – que quase
famílias podem ser reféns do clima como foram Felipe e seus irmãos. sempre são também áreas de proteção ambiental obriga-
Assim, é possível, a depender dos valores do sujeito interpretante, tória.
sentir uma emoção de raiva, de insatisfação por meio da argumenta-
ção contra o Governo, desde que o leitor se identifique com os argu- Ou seja, a visada subjacente é de “fazer-sentir” alguma emo-
mentos dos editorialistas. ção, trazendo o leitor para perto do problema e o convidando a cola-
Ainda neste parágrafo, mais emoções disfóricas podem ser borar com a sua resolução, a partir da visada de “fazer-pensar”, “fa-
sentidas. Novamente pelo princípio da quantidade, podemos zer-refletir”. Para fechar o texto, os autores problematizam o tema
identificar uma emoção de tristeza e comoção possivelmente sentida sem apresentarem de fato uma proposta de intervenção deixando a
pelos leitores quando é dito que o menino foi “duas vezes encontrado questão no ar, como a maioria dos editoriais:
antes do resgate”. Pode ocorrer também emoção a partir do SN de
identificação “família de Felipe”, pela possível aproximação entre
leitor e ‘família de Felipe’; e do SN afetivo “sua morte”. A palavra
239 240
(14) Trata-se, claro, de um alvo de longo prazo. O que não re- em relação ao conteúdo proposicional do texto.
presenta qualquer desculpa para não começar a agir em Sendo assim, temos a seguir mais marcas do comportamento
curtíssimo prazo. delocutivo do modo enunciativo de organização do discurso:
Retornando às características do gênero editorial de jornal, no (19) (a) “Não é difícil – na verdade é obrigatório – concluir que
que tange às características linguísticas do texto, o editorial repre- há fatores comuns (...)”; (b) “Infelizmente, também não
senta o periódico e, por essa razão, o texto deve ser explicitamente existe surpresa (...)”; (c) “Certamente se conseguirá uma
formal, tomando o padrão culto da língua como regra a ser seguida. casa (...)”; (d) “E deve ser tida como certa a punição se-
Desta forma, podemos notar, em todo o texto, o modo de organização vera (...)”; (e) “Trata-se, claro, de um alvo de longo prazo”;
enunciativo delocutivo, pois foi adotada a terceira pessoa do discurso, (f) “O que não representa qualquer desculpa para não co-
não havendo envolvimento explícito do sujeito da enunciação. Esses meçar a agir em curtíssimo prazo.
dados preservam o espaço de restrições, típico do editorial, como em:
Nas palavras de Gouvêa & Pauliukonis (2012):
(15) Mas as condições meteorológicas ainda são instáveis;
(16) E esses reféns do clima são cada vez mais numerosos; É importante assinalar que, embora os sujeitos
não estejam diretamente envolvidos no ato locu-
(17) Não há novidade nesses dados; tivo – no sentido de que não ocorrem marcas de 1ª
(18) Ele é localizado nas cidades grandes e médias. e 2ª pessoas –, o emprego do distanciamento tem
um significado: trata-se de uma estratégia do su-
jeito enunciador de inserir sua posição diante do
enunciado que produz, sem sinalizar concreta-
Ainda no que concerne às características formais do texto, e mente a sua presença (GOUVÊA & PAULIUKO-
ainda dentro do espaço de restrições, por se tratar de um texto NIS, 2012, p. 68).
Este artigo adotou a Teoria Semiolinguística do Discurso que, CHARAUDEAU, Patrick. El discurso mediático. Legitimidad,
credibilidad y captación. In: HARVEY, Anamaria (org.). En torno al
por meio de pistas linguísticas, consegue nos ajudar a levantar hipó-
discurso. Santiago: Universidad Católica de Chile, 2004, p. 310-316.
teses sobre as possíveis emoções sentidas pelo leitor durante o pro-
______. Uma análise semiolinguística do texto e do discurso. In:
cesso de leitura.
PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; GAVAZZI, Sigrid (orgs.). Da
Retomamos aqui os elementos do ato comunicativo que foram língua ao discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Ed.
Lucerna, 2007. 11-29.
focalizados na análise do texto selecionado para este artigo:
identidade social, interesse cognitivo e afetivo; contrato de ______. Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da
competência comunicacional. In: PIETROLUONGO, Márcia. (Org.) O
comunicação; modos de organização do discurso (descritivo e
trabalho da tradução. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009. p. 309-326.
narrativo a serviço do argumentativo); modalidade delocutiva; Disponível em <http://www.patrick-charaudeau.com/Identidade-
social-e-identidade.html>. Acesso em 02 jul. 2016.
princípio da quantidade; SN axiológico, afetivo e casos de identidade;
ethos, pathos, logos, imaginário sociodiscursivo; emoção na ______. Linguagem e discurso: modos de organização. 2. ed., 2a
impressão. São Paulo: Contexto, 2014.
tematização e na problematização; e os níveis discursivos,
comunicacionais e situacionais. ______. Discurso das mídias. 2.ed., 3a impressão. São Paulo:
Contexto, 2015.
245 246
EMEDIATO, Wander. As emoções da notícia. In: MACHADO, Ida MGTV. MGTV relembra tragédia no Morro das Pedras em 2003. In:
Lúcia; MENEZES, William; MENDES, Emília (orgs.). As emoções no G1 Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013. Disponível em
discurso. Vol. 1. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p. 290-309. <http://g1.globo.com/minas-gerais/videos/v/mgtv-relembra-tragedia-
no-morro-das-pedras-em-2003/24 138 35/>. Acesso em 02 jul. 2016.
FERNANDES, Adélia Barroso. A emoção no discurso jornalístico:
contar histórias e comover leitores. In: MENDES, Emília; MACHADO, SOUZA, Karen Pereira Fernandes de. “Exposição de moveis | A qual
Ida Lúcia (orgs.). As emoções no discurso. Vol. 2. Campinas, se fechará brevemente": Estudo de cláusulas relativas apositivas
Mercado de Letras, 2010. "desgarradas" em textos jornalísticos. Dissertação de Mestrado. Rio
de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2016.
FERRARI, Eduardo. Felipe e seus cinco irmãos são enterrados em
Belo Horizonte. In: Uol últimas notícias. Belo Horizonte, 2003.
Disponível em
<http://noticias.uol.com.br/inter/reuters/2003/01/18/ult27u30586.jhtm
>. Acesso em 02 jul. 2016.
(1) Monteiro Lobato deve estar chateado. O grande escritor, c) Com o surgimento das festas juninas, a deformação foi
com certeza não imaginou que seu personagem mais maior.
famoso, o Jeca-Tatu, pudesse servir ao preconceito
contra o campo. Pior: provocar a mistificação. Observe-se a seguir a descrição do personagem “Jeca-Tatu”,
apresentada pelo autor:
O trecho apresentado inicia-se com a tese “Monteiro Lobato
(2) O personagem dos livros infantis transmitia bondade;
deve estar chateado”, ou seja, uma afirmação que gera polêmica
pouco letrado, porém astuto; sem riquezas, mas cheio de
acerca do assunto a ser tratado e que vai ser defendida ao longo do
felicidade. Sua ingenuidade peculiar sensibilizou crianças
texto, servindo como uma estratégia para prender a atenção do leitor.
e adultos, permitindo iluminar o ser humano na atividade
Nesse trecho, ainda pode ser destacado o princípio da nomeação,
rural. Nobre caráter.
por meio do qual o autor identifica o personagem “Jeca-Tatu” que
serve de base para o desenvolvimento de sua argumentação. A partir
Na descrição apresentada, verifica-se o princípio da
da tese, o autor/enunciador desenvolve o texto, apresentando
qualificação em que o autor constrói pares adversos como “pouco
argumentos que sustentam sua opinião, fazendo descrições que
letrado, porém astuto” e “sem riquezas, mas cheio de felicidade” para
corroboram para a definição do “caipira” e narrando fatos e situações
apresentar características impostas pelo senso comum e outras
que podem auxiliar a argumentação a ser desenvolvida.
advindas de sua concepção para representar “o caipira”.
Em se tratando do caráter argumentativo, torna-se relevante
No texto, destaca-se a construção dos pares que, por meio
apresentar alguns argumentos utilizados pelo autor/enunciador ao
dos operadores argumentativos restritivos “porém” e “mas”, exerce
longo do texto. Ele diz que Monteiro Lobato deve estar chateado
influência sobre o leitor, na medida em que o orienta de modo a
porque:
conferir maior validade ao elemento acompanhando do operador.
Cabe destacar, ainda, que o autor alterna o modo descritivo com o
a) Seu personagem mais famoso serviu de preconceito
modo argumentativo, orientando o discurso sempre para o caminho
contra o campo.
positivo.
267 268
A seguir, apresentam-se os trechos correspondentes a espaço, a partir de sequências como “Mais tarde”, “nessa época,
sequências propriamente narrativas em que o autor/enunciador anos 1960” e “aqui no sudeste”. Com isso, o autor /enunciador
organiza o discurso por meio de ações sucessivas: organiza a sequência com base numa lógica normativa (cf.
CHARAUDEAU, 2008) demonstrando a sucessão dos fatos para o
(3) Mais tarde chegou o cinema. E o cândido Jeca-Tatu leitor.
acabou caricaturado na interpretação do famoso Outro fator importante é o potencial patêmico que se destaca
Mazzaropi. Foi quando inventaram o chapéu de palha na escolha lexical feita pelo autor/enunciador nas sequências “a
desfiado, a calça de pernas curtas mostrando a botina imagem cinematográfica desvirtuou”, “o caipira virou gozação”,
desbocada. A imagem cinematográfica desvirtuou o “arrebentando o mundo caboclo”, “uma deformação maior”,
sentido simbólico construído por Monteiro Lobato. O “elementos depreciativos”, “remendos fingidos”, “sardas
caipira virou gozação. esquisitas”, “enorme equívoco”, “imagem deformada”. A carga
semântica dos vocábulos escolhidos pelo autor busca influenciar o
(4) Nessa época, anos 1960, iniciou-se o fortíssimo ciclo da leitor a compartilhar sua opinião, ao considerar negativa toda a
urbanização brasileira, em simbiose com a imagem que se veicula atualmente do caipira, com a qual ele não
industrialização (...). Em pouco tempo, como nunca se concorda.
imaginara, o país passou de rural a urbano, arrebentando No que se refere à construção do ethos do sujeito falante,
o mundo caboclo. cabe mencionar que a imagem que o autor/enunciador projeta de si
no discurso ganha credibilidade, pois se trata de um indivíduo com
(5) Quando as festas juninas começaram a ser dominadas experiência e conhecimento do mundo rural, conferindo, portanto,
pelos representantes da cidade aconteceu a deformação autoridade nesse âmbito, possibilitando maior intensidade de adesão
maior (...).Os festejos nascidos no sudeste com o Bumba às suas teses e validade aos seus argumentos. O autor/enunciador
meu boi do sec. 18, aqui no sudeste, incorporaram traz para o leitor algumas informações que demonstram seu
elementos depreciativos carregados de preconceitos. conhecimento acerca da atividade rural, salientando sua significância
e sua representatividade no país. Observe-se esta sequência:
Nessa sequência narrativa, podem-se destacar dois fatores
importantes: primeiramente, o princípio da localização no tempo e no
269 270
(6) Após décadas de esquecimento, a agropecuária do país apresenta uma descrição do “caipira” a partir de uma seleção lexical
passa por um processo de revalorização, quase um que orienta o leitor/destinatário para uma interpretação positiva:
redescobrimento.(...)
(...) Há anos, do campo brotam boas notícias, recordes de (7) Caipira sim, mas estudado, bonito vivendo com qualidade
safras, exportações aquecidas, supremacia no de vida.
crescimento econômico, empregos, divisas fartas.
Felizmente a modernização superou, a duras penas, o No que se refere ao modo enunciativo de organização
sistema latifundiário do Brasil, gerando um modelo discursiva, vale mencionar que se destaca, no texto, a apresentação
tropical de agricultura capaz de obter elevadas dos atos delocutivos (ausência de 1ª e 2ª pessoas do discurso e
produtividades, garantir sustentabilidade e competir no presença de 3ª) e dos atos alocutivos (presença de 2ª pessoa do
mercado internacional. discurso), que são exemplificados, respectivamente, pelos seguintes
trechos:
O autor /enunciador, ao expressar essa preocupação em
demonstrar para o leitor o que de fato identifica a atividade rural, (8) Essa imagem deformada da gente da roça induz crianças
insere-se na problemática do logos (como organizar a descrição do e jovens, especialmente, a acreditar que os homens do
mundo que propomos, impomos ao outro?). Considerando que a campo são mal vestidos, sujos, desdentados, atrasados.
exposição dessa sequência reafirma a autoridade do (...)
autor/enunciador, conferindo legitimidade à tese “a agropecuária do
país passa por um processo de revalorização, quase um (9) Lembre-se disso, principalmente se estiver pensando na
redescobrimento” e aos seus argumentos “Há anos, do campo brotam próxima festa junina em vestir um chapéu desfiado (...)
boas notícias, recordes de safras, exportações aquecidas, esqueça o adereço. Tome seu quentão, dance quadrilha,
supremacia no crescimento econômico, empregos, divisas fartas curta o foguetório, mas reverencie o campo, valorizando-
(...)”, admite-se a existência de uma relação entre o ethos e o logos. o, em vez de estimular as diferenças.
É interessante mencionar que, após apresentar argumentos E, se encontrar alguma criança com o dentinhopintado de
que sustentam a imagem positiva do homem do campo, o autor preto, denuncie: preconceito é crime constitucional.
271 272
Os verbos – em 2ª pessoa do discurso e no imperativo – 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
destacados no último trecho correspondem à representação do ato
alocutivo, denotando uma atitude de sugestão, ou até conselho, do A análise realizada demonstra como os modos de organização
autor/enunciador em relação o leitor/destinatário, deixando clara a do discurso podem servir como mecanismos utilizados para que se
intencionalidade de fazer com que este último compartilhe de suas cumpra o objetivo de direcionar a interpretação de textos e permitir
ideias e concepções. que o autor/enunciador faça com que o leitor/destinatário compartilhe
Vale destacar, por fim, que determinadas sequências ao longo suas opiniões, ideias e concepções. Dessa forma, explora-se o
do texto contribuem para reafirmar o ponto de vista do potencial patêmico de determinadas estruturas para inserir a
autor/enunciador a respeito do tema tratado. A exemplo de tais afetividade no discurso. A análise realizada permitiu, portanto,
sequências, veem-se exclamações como “Deus do céu” e “Nada a verificar como se aplicam os princípios da teoria semiolinguística,
ver” demonstrando indignação em relação à imagem “desvirtuada” evidenciando que a comunicação se constrói com base em um
que se constrói do caipira. Além dessas sequências, observa-se o verdadeiro contrato, por meio de estratégias e articulações
vocábulo “felizmente”, que funciona como índice de atitude subjetiva discursivas que correspondem a um jogo de influências entre os
do locutor em face de seu enunciado, expressando a satisfação do sujeitos participantes.
autor ao exaltar a representatividade da atividade rural. Veja-se o
recorte: REFERÊNCIAS
(10) Felizmente, a modernização superou, a duras penas, o AMOSSY, RUTH. (Org.) Imagens de si no discurso: a construção do
ethos. Tradução de Deílson F. Da Cruz, Fabiana Comesu e Sírio
sistema latifundiário do Brasil, gerando um modelo
Possenti. São Paulo: Contexto, 2005.
tropical de agricultura capaz de obter elevadas
ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes,
produtividades, garantir sustentabilidade e competir no
2000.
mercado internacional.
CHARAUDEAU, Patrick. Langage e discours. Paris: Hachette, 1983.
De acordo com as autoras, essa imagem projetada pode ser um contrato de comunicação. De acordo com autor:
compõe o nosso corpus, fazem-se presentes as estratégias de O contrato de captação, segundo Emediato (2007),
legitimidade, de credibilidade e de captação. A estratégia da
(...) sugere que a instância de produção, enquanto
legitimidade garante o poder de dizer e é apontada com a publicação
empresa dotada de interesses, encontra-se em
do nome da empresa, por exemplo. A estratégia da credibilidade, uma forte zona de concorrência e, por isso,
necessita pôr em ação estratégias de
segundo Charaudeau (1995), é conquistada ao longo das trocas dramatização e de espetacularização capazes de
linguageiras. O locutor é julgado como aquele que diz a verdade. A captar o maior número de leitores, seduzindo-os
ou persuadindo-os a comprar o jornal (...)
estratégia de captação consiste em gerar no auditório algum estado (EMEDIATO,2007, p.293).
281 282
O contrato de captação não é apenas um espaço de interesse 3.1. O espaço da tematização
da instância de produção, mas também da instância de recepção, ou
seja, do leitorado, interessado no princípio do prazer. Segundo Segundo Emediato (2007), a tematização:
Emediato (2007), seriedade e prazer, informação e captação
parecem basear a relação contratual de que resulta a informação (...) alimenta e reforça a demanda de informação
do leitor, sua vontade de saber, de outro, a
jornalística. instância jornalística a atualiza considerando que
Emediato (2007) aborda que parte do imaginário jornalístico é o quadro temático apresentado é aquele pelo qual
esse leitor nutre um afeto particular, um desejo
construído com base nas leis de proximidade, ou seja, o jornalista singular que reconhece o tema como pertinente e
legítimo enquanto unidade cultural própria a seu
deve fazer escolhas pensando nos interesses e expectativas dos grupo de pertencimento (EMEDIATO, 2007, p.
leitores. 295).
Percebe-se que o sujeito enunciador, no trecho acima, (3) Nas contas correntes das pessoas, só até um limite de
procura desencadear no interlocutor um efeito patêmico de medo ou NCz$ 50.000,00 será convertido em cruzeiros, que pode-
293 294
rão ser usados normalmente. O que exceder disso (5) (...) O plano de ajuste anunciado por Collor mexe com
continua cruzado novo – e só 18 meses depois, virtualmente tudo na vida dos brasileiros. Os preços dos
engordado com correção monetária e juros de 6% ao ano, principais produtos serão tabelados, de acordo com listas
começa a ser resgatado em 12 parcelas mensais iguais e que serão divulgadas a partir de hoje pela Sunab, e só
não corrigidas. poderá ser alterado mediante autorização do governo,
(4) (...) O plano de ajuste anunciado por Collor mexe com num esquema que dura até 1o de maio. Os salários, no
virtualmente tudo na vida dos brasileiros. Os preços dos dia 1o de abril, serão corrigidos pela inflação de fevereiro
principais produtos serão tabelados, de acordo com listas – 72,78%. A partir do mês seguinte, porém, também
que serão divulgadas a partir de hoje pela Sunab, e só passam a ser corrigidos de acordo com a prefixação
poderá ser alterado mediante autorização do governo, estabelecida pelo governo.
num esquema que dura até 1o de maio.
Percebe-se ao longo do texto que, quanto mais a situação é
No que se refere ao modo enunciativo, o texto é construído explicada, quanto mais a estratégia da credibilidade é efetivada, mais
pelo comportamento delocutivo, o qual se caracteriza pela ausência indignação/ revolta pode vir a causar.
de marcas de 1ª e 2ª pessoas do discurso e pela presença da 3ª Além disso, o espaço da tematização está bem construído a
pessoa. Isso significa que se tem um texto de caráter formal, já que o partir dos contratos de informação e captação, apresentados
sujeito da enunciação não se mostra explicitamente. anteriormente. No que se refere ao espaço da problematização, o
Eis o recorte que se segue, trecho em que podemos observar, universo contextual, a escolha do léxico, as implicações e
além do comportamento delocutivo, o modo argumentativo de proposições colaboram para a produção de efeitos patêmicos, em
organização do discurso, por intermédio da tese – “O plano de ajuste sua maioria, de revolta e indignação. Vejamos a análise desses
anunciado por Collor mexe com virtualmente tudo na vida dos aspectos abaixo, no fragmento (6).
brasileiros” – e de argumentos – “Os preços dos principais produtos
serão tabelados”; “Os salários, no dia 1o de abril, serão corrigidos (6) (...) Na verdade, a troca de unidade monetária, serve
pela inflação de fevereiro (72,78%).” fundamentalmente para promover o monumental
bloqueio do dinheiro em poder do público. Nas contas
correntes das pessoas,sóaté um limite deNCz$ 50.000,00
295 296
será convertido em cruzeiros, que poderão ser usados palavra terremoto pode provocar um efeito patêmico de curiosidade
normalmente. O que exceder disso continua cruzado e, ao mesmo tempo, de preocupação no leitor, já que indica que o
novo – e só18 mesesdepois, engordado com correção texto trará notícias ruins. Em seguida, o parágrafo inicial do texto gera
monetária e juros de 6% ao ano, começa a ser resgatado uma expectativa positiva no interlocutor que logo depois é
em 12 parcelas mensais iguais e não corrigidas. "quebrada". Vejamos:
O nível situacional compreendido na reportagem caracteriza- (7) Em seu primeiro dia de governo, o presidente Fernando
se pela presença de um sujeito enunciador (o repórter) que relata Collor de Mello colocou em funcionamento, ontem, o mais
informações aos leitores sobre a situação política e econômica da amplo, radical e audacioso plano econômico já
época, através de um canal - o Jornal do Brasil. experimentado no Brasil, cujo elemento mais explosivo é
O nível comunicacional pode ser observado no decorrer do um bloqueio em contas correntes, cadernetas de
corpus. Destacamos, no entanto, o fragmento (6), que mostra como poupança, overnight e demais aplicações financeiras que
o sujeito enunciador articula a informação mais importante, ou aquela configura um virtual confisco de extensa parcela do
que provavelmente poderia impactar com mais intensidade o leitor, dinheiro em poder das pessoas e das empresas. "Não
no final da enunciação, utilizando-se do operador argumentativo "só" temos alternativas", disse Collor, durante a reunião em
para intensificar o pânico no leitor. Se o limite de conversão será só que, presentes seus ministros e líderes partidários,
de NCz$ 50.000,00, então ficará pouco dinheiro para o correntista. anunciou as linhas gerais do plano, às 7h da manhã. "O
Se só 18 meses depois o dinheiro poderá ser resgatado, então o Brasil não aceita mais derrotas. Agora é vencer ou
correntista poderá passar sérios problemas financeiros. Essas vencer. Que Deus nos ajude."
informações marcadas porsóe pelo valor de conversão e pelo número
de meses – 18 – intensificará o pânico no leitor. Da mesma forma, o O trecho sublinhado mostra a presença de uma sequência
princípio da quantidade – 12 parcelas –, além de poder suscitar descritiva, e a expectativa positiva (o mais amplo, radical e audacioso
pânico no leitor, pode também desencadear um sentimento de plano econômico já experimentado no Brasil), sendo posteriormente
indignação, revolta. "derrubada" (cujo elemento mais explosivo é um bloqueio em contas
O título da reportagem – REFORMA DE COLLOR FAZ correntes, cadernetas de poupança, overnight e demais aplicações
TERREMOTO NA ECONOMIA – abre o universo contextual, e a financeiras que configura um virtual confisco de extensa parcela do
297 298
dinheiro em poder das pessoas e das empresas). plano de Collor não tem comparações, em seu alcance e
Além disso, é possível perceber que o universo contextual e a profundidade, no Brasil ou em qualquer país senão com
escolha lexical (como a escolha das palavras terremoto, audacioso, mudanças produzidas por guerras ou revoluções – e
draconiano, por exemplo) usada na descrição do plano econômico mexeu muito mais, de uma vez só, nas relações dos
podem gerar, no leitor, os efeitos patêmicos de revolta ou indignação. empresários com seu dinheiro, do que toda a Constituinte
O sujeito Collor tenta promover um ethos de benfeitor, ou seja, em 20 meses.
de ser solidário com a situação que o país vivia naquele momento.
No entanto, sua ação permite gerar em parte da população o efeito Os enunciados destacados produzem efeitos patemizantes no
patêmico de indignação, de revolta, enquanto no governo, pode gerar leitor. Além disso, ilustra a modalidade assertiva, de certeza,
o de tranquilidade. ratificando, desse modo, o ato delocutivo – "Considerado em seu
Destaca-se no segundo, terceiro e quarto parágrafos da todo, o plano de Collor não tem comparações, em seu alcance e
reportagem, o uso da modalidade assertiva, ratificando o ato profundidade, no Brasil ou em qualquer país senão com mudanças
delocutivo, como em: produzidas por guerras ou revoluções – e mexeu muito mais, de uma
vez só, nas relações dos empresários com seu dinheiro, do que toda
(8) O plano de ajuste anunciado por Collor mexe com a Constituinte em 20 meses." Há novamente o uso do princípio de
virtualmente tudo na vida dos brasileiros. Os preços dos quantidade para marcar valores e prazos – como 72,78%, em 20
principais produtos serão tabelados, de acordo com listas meses – e o uso do princípio da proximidade e do distanciamento –
que serão divulgadas a partir de hoje pela Sunab, e só como 1º de maio, 20 meses.
poderá ser alterado mediante autorização do governo, O princípio da quantidade também é uma estratégia patêmica.
num esquema que dura até 1o de maio. A partir daí, Na reportagem, além da quantificação, a narração promove
começará a ser observado o índice de inflação prefixada indignação no leitor. Vejamos:
a ser estabelecido antes de cada mês. Os salários, no dia
1o de abril, serão corrigidos pela inflação de fevereiro – (9) Nesta edição, um suplemento com o Plano Collor e outro
72,78%. A partir do mês seguinte, porém, também com as íntegras das principais medidas dá novo perfil ao
passam a ser corrigidos de acordo com a prefixação governo. Tão ampla e radical quanto plano econômico, a
estabelecida pelo governo. Considerado em seu todo, o reforma administrativa do governo Collor determinou a ex-
299 300
tinção de 11 ministérios, 5 autarquias, 8 fundações, 3 começam a ser contabilizados segunda-feira, quando o
empresas públicas e 8sociedades de economia mista, funcionalismo voltar as repartições. Os que não têm
além de dezenas de comissões, secretarias e outros estabilidade – contratados com nexos de cinco anos – e
órgãos; colocou à venda virtualmente a totalidade dos trabalham nos órgãos extintos serão demitidos. Os que
imóveis funcionais do Executivo e mansões, dos têm estabilidade vão para casa, em disponibilidade,
automóveis (calcula-se que mais de três mil) e aviões aguardando realocação, e os que têm duplo emprego
(algo em torno de uma centena) do governo; criou novos terão que optar por um. Na área de pessoal foram
e fundiu vários órgãos públicos; proibiu a contratação e o revogadas as cessões de funcionários, obrigando todos
acúmulo de cargos, regulou a dispensa de funcionários e os cedidos a se reapresentarem às repartições de origem
criou um banco de recursos humanos para cuidar da até o dia 1o de maio. Além disso, foi abolido o sistema de
situação dos funcionários excedentes. contratação tanto de pessoal como de veículos de
empresas particulares prestadoras de serviços. Novas
Os verbos destacados ratificam a presença da modalidade do normas restringem grandemente as viagens ao exterior.
discurso relatado, modalidade do comportamento delocutivo. Além
disso, a quantificação da extinção de ministérios, autarquias etc. pode Percebemos que os funcionários que não têm estabilidade
suscitar efeito patêmico de indignação nos prejudicados, mas, no sentem-se insatisfeitos com a decisão do Governo, podendo
leitor, pode provocar outro sentimento, já que estavam sendo experimentar um efeito patêmico de revolta, indignação, angústia. Por
cortados os excessos. outro lado, aqueles que têm estabilidade sentem-se aliviados com a
O sexto parágrafo da reportagem pode provocar efeito determinação do Governo, podendo experimentar o efeito patêmico
patêmico misto, já que, dependendo do tipo de leitor, o efeito de alívio.
patêmico a ser produzido poderá ser de alívio / tranquilidade ou de Os dois últimos parágrafos da reportagem não são tão ricos
insatisfação/angústica/indignação. Vejamos: em estratégias patemizantes quanto os anteriores, no entanto,
apresentam o princípio da enumeração, ao elencar algumas
(10) De acordo com cálculos da ministra da Economia, Zélia autarquias extintas e secretarias criadas. Ademais, é possível
Cardoso de Mello, a reforma deverá representar uma perceber a ratificação do comportamento delocutivo, característico do
economia para o governo de US$ 2 bilhões, que gênero reportagem. Eis os dois parágrafos:
301 302
(11) Entre as autarquias extintas estão o Instituto Brasileiro do 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Café (IBC), o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o
Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Foi possível observar, na análise do texto, que as estratégias
Das oito fundações que acabaram, destacam-se a Funarte de patemização foram utilizadas para provocar algumas emoções no
(Fundação | Nacional de Artes), Pró-Memória (Fundação leitor da reportagem. A Teoria Semiolinguística do Discurso,
Nacional Pró-Memória) e Fundação para Educação de Jovens entretanto, só consegue dar conta das possíveis emoções sentidas
e Adultos (Educar). Não mais existem a Portobrás (Empresa pelo leitor por meio da escolha lexical e das estratégias patêmicas,
de Portos do Brasil S. A.), EBTU (Empresa Brasileira de como a do princípio de quantidade e a descrição, por exemplo,
Transportes Urbanos) e Embrater (Empresa Brasileira de estando impossibilitada de captar a manifestação física do leitor.
Assistência Técnica e Extensão Rural). Nas sociedades de Verificamos, no texto analisado, que o efeito patêmico de
economia mista foram atingidas, entre outras, a Petrobrás indignação foi o mais evidente, o comportamento delocutivo foi o
Comércio Internacional (Interbrás), a Siderbrás (Siderurgia único trabalhado – característica do gênero reportagem –, os modos
Brasileira S.A.) e o BNCC (Banco Nacional de Crédito narrativo, descritivo e argumentativo estruturaram o texto e a
Cooperativo S.A.). modalidade assertiva foi a mais usada pela instância de produção. O
A Presidência da República cresceu, com a criação das sujeito enunciador conseguiu passar credibilidade ao leitor, criando
secretarias de Administração Federal, Assuntos Estratégicos, uma imagem de alguém confiável, ou seja, partiu do princípio de
Ciência e Tecnologia, Cultura, Meio Ambiente, revelar a verdade, a realidade, ao público. Foi possível perceber,
Desenvolvimento Regional e Desportos. O IAPS (Instituto de então, que os contratos referentes às instâncias de produção e de
Administração da Previdência Social) fundiu-se, dando origem recepção foram bem executados.
ao novo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), Esta investigação permitiu-nos delinear uma análise das
subordinado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. emoções que um texto pode gerar no leitor, como essas emoções
Para reduzir a interferência do Estado na vida e nas atividades podem ser estabelecidas em um texto e como podem ser tratadas
do indivíduo, foi criado o Programa Federal de pela Teoria aplicada neste estudo.
Desregulamentação. Esperamos que esta análise de emoções visadas presentes
neste discurso, no nosso caso, nesta reportagem, possa contribuir de
303 304
alguma forma para a aplicação da Teoria Semiolinguística do
Discurso e para os estudos de patemização.
REFERÊNCIAS
RÉSUMÉ:
parece demonstrar (logos).
Cet article a comme objet d’étude le matériel verbal et les images publiées Dialogando com Aristóteles, Charaudeau resgata de certa
par quelques blogs et quelques journaux en ligne au sujet des manifestations forma a importância das emoções nos estudos de Análise do
organisées par les pompiers de l’État de Rio de Janeiro et propose une
analyse où seront discutés les concepts d’ethos, de pathos et de logos. Nous Discurso. Usando o termo patemização, traz uma abordagem levando
utiliserons les présupposés de la Rhétorique d’Aristote selon lesquels les
preuves fournies par le discours sont de trois sortes : celles qui concernent em consideração os possíveis efeitos causados pelo sujeito
le caractère moral (Ethos), celles qui concernent les dispositions créées chez comunicante no sujeito interpretante.
l’auditoire (Pathos) et celles qui concernent le discours, dans ce qu’il
démontre ou semble démontrer (Logos). Nous utiliserons surtout les études De posse desses conceitos, analisaremos as imagens que fo-
de Patrick Charaudeau au sujet de l’ethos et du pathos, puisque ce linguiste
analyse les questions relatives à l’énonciation et au sujet de l’énonciation à ram divulgadas em um site do jornal O Globo e no site do jornal Vice.
partir de la confluence des Études rhétoriques et de l’Analyse du discours. Em ambos são apresentadas imagens de manifestações de bombei-
MOTS-CLÉ: Analyse du discours; ethos; pathos; logos; Aristote. ros, manifestações por meio das quais eles buscam o apoio da popu-
307 308
lação para que tenham de alguma maneira suas reivindicações aten- sempre, através do discurso, tentando convencer, influenciar,
didas por parte do governo. persuadir o outro.
Além do texto escrito, as imagens também serão analisadas, Voltando à Retórica de Aristóteles, verifica-se que ela
tendo em vista que elas também constituem um ato de comunicação. apresenta o que chama de provas, e as divide em dois grupos: o
Vale a pena recorrer a uma frase do pensador, filósofo e político primeiro grupo diz respeito às provas que não dependem da arte, e o
chinês, Confúcio, que diz: “uma imagem vale mais do que mil segundo, das provas que dependem da arte. Esse segundo grupo
palavras”. Essa frase tem sido muito utilizada hoje na comunicação será importante para o desenvolvimento do nosso trabalho, pois é o
visual. que contém as provas fornecidas pelo discurso. Ele se distingue em
três espécies: as provas que residem no caráter (ethos), as que estão
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS nas disposições que se criaram no ouvinte (pathos) e as que estão
no próprio discurso, pelo que ele demonstra ou parece demonstrar
Aristóteles (1966) é o ponto de partida para muitos (logos).
pesquisadores da Análise do Discurso, tendo em vista que esse Tendo essa premissa teórica, podemos esquematizar uma
pensador se propõe a descobrir o que é próprio para persuadir. O fórmula para a persuasão:
filósofo grego, que viveu no século IV a.C, escreveu vários tratados
sobre diversos assuntos, dentre eles, a Retórica. Esta obra nos
servirá de alicerce.
Atualmente, o discurso tem sido objeto de estudos e
pesquisas. Desde muito tempo, é de extrema importância para a
humanidade o ato de comunicação. Através do discurso
influenciamos, conquistamos e convencemos.
Charaudeau (2005, p. 15), ao tratar do princípio de influência,
diz que “todo o sujeito que produz um ato de linguagem visa a atingir
seu parceiro, seja para fazê-lo agir, seja para afetá-lo
emocionalmente, seja para orientar seu pensamento”. Estamos
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Figura 1: Persuasão = ethos + pathos + logos orador, como traços que exercem forte influência sobre seus
ouvintes, podendo afetar as decisões e escolhas do público.
Aristóteles demonstrava uma certa preocupação com tal situação,
sabendo que isso poderia, de alguma maneira, contribuir ou
comprometer o discurso:
LOGOS
Fazer/saber Obtém-se a persuasão por efeito do caráter moral,
CONHECIMENT quando o discurso procede de maneira que deixa
O RAZÃO a impressão de o orador ser digno de confiança.
LÓGICA
As pessoas de bem inspiram confiança mais
A própria
comunicação eficazmente e mais rapidamente em todos os
assuntos, de um modo geral; mas nas questões
em que não há possibilidade de ter certeza e que
se prestam a dúvida, essa confiança reveste
PERSUASÃO particular importância. É preciso também que este
Fazer/fazer resultado seja obtido pelo discurso sem que
intervenha qualquer preconceito favorável ao
ETHOS PATHOS caráter do orador. Muito errônea é a afirmação de
Fazer/crer Fazer/sentir certos autores de artes oratórias, segundo a qual
CARATER EMOÇÃO a probidade do orador em nada contribuiria para a
CONFIANÇA SENTIMENTO persuasão pelo discurso. Muito pelo contrário, o
CREDIBILIDADE EMPATIA caráter moral deste constitui por assim dizer, a
Sujeito Sujeito prova determinante por excelência
Comunicante Interpretante
(ARISTÓTELES, 1996, p. 33).
participar de um treinamento na cidade de Niterói, viu-se obrigado a cartaz com o seguinte dizer: “Meu pai é bombeiro e é meu herói!”. É
fazer o percurso caminhando, pois, por estar com o pagamento mais uma imagem que descreve uma situação de injustiça, retratando
atrasado, não teve dinheiro para pagar uma condução. Mais uma vez, o próprio filho da vítima. O fato de ser uma criança causa no leitor
os bombeiros foram às ruas, buscando o apoio da população, e o certa compaixão, já que, costumeiramente,as pessoas se
assunto foi notícia em vários jornais: sensibilizam ao se deparar com crianças fragilizadas.
A imagem expressa um ethos do menino, pois quem está
falando é ele próprio, demonstrando admiração e orgulho pelo pai.
Trata-se de um ethos que suscita credibilidade, na medida em que se
tem a imagem de um garoto corajoso – com coragem de participar de
uma passeata – e com muito amor pelo pai – os filhos, na pré-
adolescência, costumam ter vergonha dos pais. Ele evoca uma
imagem de pai ideal, o imaginário de super-herói, com o poder de
fazer com que o leitor também passe a admirar seu pai-bombeiro. Co-
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mo o menino, o leitor também enxerga um pai-herói que salva, É a oportunidade de a vítima salvar o herói. O discurso organizado
protege, ajuda, socorre e, portanto, merece respeito. apresenta fatos e argumentos plausíveis, descrevendo, através das
Esta figura representa uma enunciação da expressão imagens, cenas dramáticas com o poder de proporcionar a
patêmica, pois se identifica, no texto, o comportamento elocutivo, por possibilidade de o sujeito interpretante conseguir enxergar e entender
meio da 1º pessoa do discurso – meu pai –, produzindo emoção no o que o sujeito comunicante esperava. O resultado mostrou o êxito
leitor. Também é identificada uma enunciação da descrição patêmica, dos bombeiros.
já que o menino trata de uma 3º pessoa: o bombeiro herói. O garoto Foi possível observar que os conceitos de ethos, pathos e
se manifesta em defesa do pai, cena dramática suscetível de produzir logos continuam tendo um valor considerável para se pensar o
efeito patêmico. discurso e, através dele, argumentar com maior eficiência. Apesar de
Após a análise do material verbal e das imagens, vejam-se as Aristóteles e Charaudeau estarem separados por séculos de
considerações finais. distância, possibilitaram um diálogo fantástico, mostrando que as
emoções no discurso estiveram, estão e sempre estarão presentes
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS na argumentação.
LÚCIA HELENA MARTINS GOUVÊA tem graduação em Letras pela de Janeiro. Mestre em Linguística e Licenciado em Letras na habilitação
Fundação Universidade Federal do Rio Grande (1980), mestrado em Letras Português e Literaturas pela mesma instituição. Desenvolve a tese
pela Universidade Federal Fluminense (1990), doutorado em Letras (Letras Referenciação e suporte na construção do gênero entrevista e suas
Vernáculas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002) e pós- implicações para o ensino. Áreas de atuação/interesse: linguística do texto;
doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal Fluminense funcionalismo norte-americano; análise de gêneros; análise do discurso;
Contato: [email protected]
Contato: [email protected]
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JOSIANE MURILLO MONTEIRO é graduada em Letras - Português / RACHEL DE CARVALHO PINTO ESCOBAR SILVESTRE tem experiência
Espanhol pelo Centro Universitário da Cidade (2005). Especialista em na área de Letras, com ênfase em língua portuguesa. Cursa mestrado em
Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2012). Língua Portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participa do
Mestranda em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de projeto de pesquisa "Cláusulas Hipotáticas: interface Sintaxe & Prosódia",
Janeiro, onde desenvolve pesquisa em Semiolinguística do Discurso sob sob coordenação da orientadora Violeta Virginia Rodrigues.
orientação da Profa. Dra. Lúcia Helena Martins Gouvêa. Além disso, é
professora de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino. Contato: [email protected]
Contato: [email protected] RAMON ALVES SIQUEIRA possui graduação em Letras: Português – Grego
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013). Atualmente, é aluno de
KAREN PEREIRA FERNANDES DE SOUZA é formada no curso de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas – Modos e
Graduação (2011) e de Licenciatura (2013) em Letras Português-Francês Tons do Discurso Grego – na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa) pela mesma instituição, sob orientação da Profa. Dra. Contato: [email protected]
Violeta Virginia Rodrigues. Doutoranda em Letras Vernáculas, departamento
no qual também atua como Professora Substituta. RAPHAELA RIBEIRO PASSOS possui graduação em Letras – Português e
Espanhol pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2015). Atualmente,
Contato: [email protected] é mestranda do Programa de Pós Graduação em Letras Vernáculas –
Língua Portuguesa – pela mesma instituição.
MÁRCIA REGINA MENEZES possui Graduação em Letras
Português/Grego pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2014) e Contato: [email protected]
Bacharelado EAD em Pedagogia Cristã na Estrutura do Ensino pela
CETEHCER (2007). Tem experiência no ensino de Grego Clássico (dialeto WELTON PEREIRA E SILVA é doutorando em Letras Vernáculas: Língua
Koiné), atuando pelas instituições FAIT Teologia e FAIT Idiomas ao longo Portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde desenvolve
dos últimos anos. Atualmente, cursa Mestrado em Letras Clássicas pela pesquisa em Semiolinguística do Discurso sob a orientação da Profa. Dra.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde desenvolve projeto de Lúcia Helena Martins Gouvêa. Mestre em Letras: Estudos Linguísticos pela
pesquisa sobre a Comédia Antiga. Universidade Federal de Viçosa. Graduado em Letras: Português e
Literatura pela Universidade Federal de Viçosa – MG. Licenciado em
Contato: [email protected] Português pela Universidade de Coimbra – Portugal – através do Programa
331 332
de Licenciaturas Internacionais (PLI) da Capes.
Contato: [email protected]