Psi Co Linguistic A
Psi Co Linguistic A
Psi Co Linguistic A
1. Introdução
Este capítulo tem como objetivo básico informar para os alunos a evolução da área
de Psicolingüística desde seu surgimento no início da década de 50 até os dias de hoje.
Apresentaremos, de forma resumida, um histórico das principais mudanças ocorridas na
pesquisa e na relação da psicolingüística com as teorias lingüísticas durante esse período de
consolidação da área. Além disso, focalizaremos a subárea da psicolingüística
experimental, mais especificamente a subárea do processamento lingüístico, cujos avanços
vêm se desdobrando rapidamente devido à utilização cada vez maior da tecnologia,
especificamente, de equipamentos utilizados nos experimentos científicos. Isso implica o
aumento das possibilidades de acesso aos processos que ocorrem na mente/cérebro
enquanto compreendemos e produzimos estímulos lingüísticos.
Serão explicitados os modelos teóricos que atualmente vigoram na área. Serão
também descritas e exemplificadas algumas das técnicas experimentais utilizadas no estudo
do processamento sentencial e do processamento da co-referência e, por fim, serão também
abordados alguns conceitos básicos dessas áreas do processamento. Todos os exemplos
serão baseados em estudos já realizados em português, para que seja mais fácil a
assimilação dos conceitos e da metodologia descritos.
Os conceitos com que a psicolingüística trabalha de alguma forma têm sua origem
nas idéias de Humboldt, retomadas por Wundt, psicólogo alemão que, na virada do século
XIX para o XX, já se mostrava preocupado com a relação entre os processos mentais e o
comportamento verbal. Entre outras coisas, Wundt defendia a impossibilidade de a
psicologia cognitiva ser autônoma em relação à lingüística e vice-versa. E é justamente na
1
Doutor em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
2
interação entre essas duas áreas das ciências cognitivas que a Psicolingüística vai surgir e se
desenvolver.
Como descreve Gardner (1995)2, a psicolingüística moderna começa como uma
aventura cooperativa entre lingüistas e psicólogos durante os primeiros anos da década de
1950. Em 1951, ocorre o seminário de verão de pesquisa entre psicologia e lingüística na
Universidade de Cornell, seguido, dois anos depois (1953), por outro seminário de verão
sobre Psicolingüística, na Universidade de Indiana, patrocinado pelo Conselho de Pesquisa
em Ciência Social (Social Science Research Council – SSRC) em que lingüistas e
psicólogos interagiram produtivamente, sendo assim, creditado a esse evento, o nascimento
da psicolingüística.
Nesse segundo seminário, foram expostos procedimentos, que refletiam um
consenso entre os participantes, de que as tarefas teóricas e metodológicas desenvolvidas
por psicólogos poderiam ser utilizadas para explorar e explicar as estruturas lingüísticas que
estavam sendo descobertas pelos lingüistas. Esse consenso foi o que delineou, naquele
momento, a agenda das pesquisas na área da psicolingüística.
Após isso, a história da psicolingüística atravessou 50 anos, em que ocorreram
mudanças radicais na abordagem dos estudos da cognição humana. Quando a
psicolingüística nasceu, teve suas raízes na tradição behaviorista, muito aceita e difundida
na época. Acreditava-se em uma teoria do aprendizado que tinha como base associações a
determinados comportamentos lingüísticos gerados em resposta a estímulos externos ao
indivíduo, que seriam fixados pela repetição. Acreditava-se que pela relação estímulo >
resposta, seria possível explicar a estrutura da linguagem, bem como essa linguagem seria
adquirida e utilizada por seus falantes.
Durante a década de 60, a psicolingüística foi dominada pela teoria chomskiana,3
que surge como uma revolução no campo da lingüística propondo explicações sobre a
natureza do conhecimento lingüístico contrárias à tradição behaviorista, ao mostrar que a
linguagem humana não pode ser caracterizada como um sistema de hábitos e repetições, já
que um dos princípios que norteiam a linguagem humana, distinguindo-a da linguagem
animal, é o da criatividade, ou seja, produzimos frases que nunca ouvimos ou lemos antes.
2
Essa é a data da primeira edição em Português. Em inglês, a data da primeira edição é 1985 com o título de
The Mind’s New Science: A History of Cognitive Revolution..
3
ver capítulo ????
3
4
Ver capítulo ??? da gerativa
4
3. A Psicolingüística Experimental
5
Os conceitos de desempenho e de competência são explicitados no capítulo de introdução a lingüística
gerativa.
6
Temos que mencionar aqui o capítulo sobre Psicolingüística escrito por Ari Pedro Balieiro Jr. contido em
MUSSALIM & BENTES (2001). Devemos, no entanto, ressaltar que o conteúdo tem um enfoque mais
abrangente e só tangencia em alguns momentos a área de processamento lingüístico.
7
Ver capítulo ?????
8
Como por exemplo, vem sendo feito no âmbito do Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da
Linguagem (LAPAL) da PUC-Rio, em que são executados experimentos sobre a aquisição do gênero de
nomes novos em bebês, entre outros estudos que estabelecem uma ponte entre aquisição da linguagem e
processamento lingüístico (Name, 2002; Corrêa & Name, 2003).
6
9
Uma definição genérica de afasia encontra-se em Ortiz (2005): “...uma alteração no conteúdo, na forma e no
uso da linguagem e de seus processos cognitivos subjacentes, tais como percepção e memória. Essa alteração
é caracterizada por redução e disfunção, que se manifestam tanto no aspecto expressivo quanto no receptivo
da linguagem oral e escrita, embora em diferentes graus em cada uma dessas modalidades. Tal dano cerebral
ocorre, com maior freqüência, em pacientes que sofrem um acidente vascular cerebral, ou seja, obstrução ou
ruptura de vaso sangüíneo que nutre parte de um hemisfério cerebral.”
10
As áreas de Broca e de Wernick têm esses nomes em função dos primeiros estudos relacionados a esses
tipos de distúrbio que foram feitos, respectivamente, por Paul Broca em 1861, e por Carl Wernicke em 1873.
8
algum modo, o que está sendo dito (ou escrito) e o que se vai ainda dizer (ou escrever).
Sendo assim, podemos dizer que a compreensão realimenta o sistema de produção da
linguagem, ao passo que a compreensão não tem uma realimentação equivalente:
compreendemos sem reproduzir o que compreendemos.
Feita essa distinção entre produção e compreensão, temos ainda que explicitar que,
apesar de os estudos de ambas serem extremamente relevantes para o entendimento do
processamento lingüístico, há um desequilíbrio notório a favor da compreensão em termos
do número de estudos, o que se refletirá nos exemplos comentados nesse capítulo, já que a
maioria dos estudos que serão mencionados são estudos sobre a compreensão da
linguagem.
Isso se explica, em grande medida, pelo mesmo fato, que há algum tempo atrás,
tornava os estudos sobre a modalidade escrita muito mais freqüentes do que os estudos
sobre a modalidade oral: há muito mais vantagens e facilidades metodológicas para
execução de experimentos sobre compreensão, do que sobre produção, assim como, antes
de existir a possibilidade de gravação dos sons da fala, era muito mais fácil estudar os
textos escritos.
Tentando entender os processos mentais relacionados à compreensão e à produção
da linguagem, a psicolingüística experimental investiga o processamento lingüístico nos
vários níveis gramaticais que estão envolvidos nesses processos (fonológico, morfológico,
sintático, semântico). Isso se reflete na especificidade de alguns campos de investigação:
a) estudos sobre a percepção da fala, em que se analisa o sinal acústico em seus vários
aspectos. Por exemplo, tentando entender como o processamento desse sinal acústico é
possível a partir de estímulos que são variáveis tanto em um indivíduo, quanto em uma
dada sociedade, ou ainda investigando como ocorre a segmentação desse sinal acústico que
se apresenta em um contínuo na fala, etc.;
b) estudos sobre o reconhecimento de palavras ou sobre o acesso lexical, que investigam
como as palavras (ou os elementos: morfemas, traços) que as compõem são acessados no
momento que as ouvimos ou as lemos;
c) estudos sobre o processamento de frases que investigam a organização da estrutura
sintática construída a partir do parser (ou processador sintático), que é uma espécie de
9
processador mental que analisa a sintaxe dos enunciados lingüísticos para que possamos
compreendê-los;
d) o estudo da interpretação semântica dos enunciados lingüísticos, que investiga como os
níveis lingüísticos (fonológico, morfológico, sintático) são integrados ao conjunto de
conhecimentos de mundo que os indivíduos têm, viabilizando uma interpretação mais
consciente e abrangente seja no escopo sentencial, seja no escopo discursivo.
A tarefa de compreender quais são e como se dão os processos mentais envolvidos
no processamento lingüístico é complexa, entre outras coisas, por não se ter acesso in loco
aos procedimentos mentais que acontecem durante o processamento lingüístico. Ou seja,
apesar de as técnicas utilizadas pela neurolingüística, por exemplo, serem capazes de medir
o fluxo sangüíneo ou a atividade elétrica no cérebro durante uma tarefa lingüística, ainda
não há como estabelecer uma relação transparente e inequívoca entre essas medidas e os
processos mentais especificamente lingüísticos. Na verdade, isso vem sendo buscado pela
neurolingüística e muito já se caminhou nessa direção.
A psicolingüística, por sua vez, também busca entender esses processos e utiliza-se
de aferições mais indiretas por meio de experimentos denominados off-line e on-line. Os
experimentos off-line são baseados em respostas dadas por indivíduos após os mesmos
terem lido ou ouvido uma frase ou um texto, isto é, capturam-se reações após a
leitura/audição dessa frase ou desse texto, momento em que o processamento já foi
finalizado. Ao contrário disso, os experimentos on-line, como o próprio nome diz, se
baseiam em medidas a reações obtidas no momento em que a leitura/audição está em curso,
são medidas praticamente simultâneas ao processamento.
A distinção entre essas duas metodologias experimentais reflete os tipos de
informação lingüística que se quer capturar em tempo real. As aferições obtidas a partir de
experimentos off-line dão informação a respeito da interpretação (momento de reflexão) das
frases ou enunciados, ou seja, conseguem capturar reações a estímulos lingüísticos quando
já houve uma integração entre todos os níveis lingüísticos (fonológico, morfológico,
lexical, sintático e semântico), já as aferições obtidas a partir de experimentos on-line dão
informação a respeito de processos mentais que acontecem antes que a integração entre
todos esses níveis lingüísticos esteja completa (momento reflexo). Isso permite a
10
verificação e a análise de como esses níveis interagem e em que ordem temporal eles
atuam11.
Para que fique mais claro o que é um experimento off-line e o que é um experimento
on-line, descreveremos, na seção 5, alguns experimentos elaborados para estudar
fenômenos lingüísticos em português brasileiro (PB). Contudo, antes disso, descreveremos,
em linhas bem gerais, os três principais modelos da arquitetura de processamento sentencial
que de alguma forma vigoram e permeiam os estudos atuais na área da psicolingüística
experimental.
12
Essa média de tempo referente à escrita foi estabelecida por estudos de Sperling, G. (1960).
13
Essa média de tempo referente à fala foi estabelecida por estudos de Darvwin, Turvin & Crowder (1972).
12
“atriz” ou vice-versa. Essas são perguntas que interessam aos estudos de psicolingüística
experimental que buscam entender como o processamento lingüístico acontece.
A Teoria do Garden-Path (TGP) faz essa analogia ao labirinto de uma casa para
argumentar que, assim como ao entrarmos na casa só temos a informação que a estrutura
interna da casa nos dá a partir de suas paredes e portas, o processador de frases (parser) usa
o seu conhecimento gramatical (estrutura sintática) isoladamente do conhecimento de
mundo e de outras informações de caráter semântico para a identificação inicial das
relações entre as palavras e os sintagmas, ou seja, a TGP é uma teoria modularista14.
Além disso, a TGP argumenta que assim como na casa, vamos abrindo uma porta de
cada vez, seguindo cegamente sem testar as outras portas possíveis, no processamento de
frases também vamos cegamente seguindo uma das possibilidades e nos comprometendo
com uma estrutura sintática única, o que faz desse modelo um modelo serial.
Argumenta ainda a TGP que as escolhas que vão sendo feitas no momento do
processamento seguem princípios baseados na economia dos nossos recursos cognitivos
relacionados à linguagem, já que temos um sistema de memória com restrições de tempo de
armazenamento, ou seja, escolhemos geralmente a estrutura menos complexa
sintaticamente (ou com menos nós, se pensarmos em termos de árvore sintática), ou
escolhemos o caminho a seguir por meio de uma estratégia que onere menos a nossa
memória de trabalho.
Um outro modelo de processamento sentencial é o da Teoria Interativa
Incrementacional (TII) que ao invés de funcionar como a TGP de forma serial, funciona em
paralelo, pois antes de escolhermos uma das possibilidades da frase ambígua ou uma das
portas de dentro da casa para chegarmos ao quarto, esse modelo prevê que checaríamos as
outras possibilidades e portas, para só então decidirmos o caminho a seguir. Além disso, o
que também a TII diverge com a TGP é o fato de ser um modelo interativo, apesar de ser
modular, ou seja, argumenta que além de podermos ter acesso às possibilidades dos
caminhos a serem seguidos a cada momento da leitura/audição de frases, podemos também
ter acesso à informação de natureza léxico-semântica logo no início do processamento e
essa informação ajudaria a guiar o caminho do processamento. Voltando à metáfora da
casa, é como se agora entrássemos em uma casa com janelas e com um telhado de vidro, e
14
ver conceito de modularidade no capítulo ????
13
que, com as informações que temos acesso através dessas janelas e desse telhado,
pudéssemos mais facilmente nos guiar pelo labirinto de cômodos até chegarmos ao objetivo
que é o quarto, no caso da casa, e que é a estruturação e compreensão da frase no caso do
processamento sentencial.
Além desses modelos de processamento sentencial, temos o modelo conexionista da
Teoria da Satisfação de Condições (TSC) que é altamente interativo e não modular baseado
no sistema cerebral de redes neuronais. Esse modelo argumenta que o caminho que
seguimos no processamento de frases é guiado por uma constante e alta interação entre
todos os tipos de informação seja contextual, seja léxico-semântica, e, fundamentalmente,
informação relacionada à freqüência de uso das frases e das palavras que as constituem e de
suas estruturas sintáticas, ou seja, cada vez que usamos determinada estrutura isso contribui
para que as condições de processamento sejam satisfeitas.
Mais uma vez voltando à metáfora da casa, é como se não existisse mais a estrutura
física da casa, e sim só existisse o caminho que nos leva até onde fica o quarto e para
percorremos esse caminho temos como guia a nossa experiência lingüística que já fez e
refez o mesmo caminho muitas e muitas vezes, quanto mais vezes percorremos o caminho,
menos dificuldades teremos de processar as frases dentro de um contexto. Para
exemplificar com uma evidência empírica a importância da freqüência para esse modelo,
temos a frase a seguir:
entrar, quando nos deparamos com uma estrutura diferente surge o estranhamento e a
necessidade de uma reanálise da frase.
Esses são três dos principais modelos de processamento sentencial que ilustram as
vertentes teóricas que norteiam essa área da psicolingüística experimental. Como podemos
ver, os modelos se dividem em vertentes que têm como foco central a sintaxe (modelo da
TGP), sendo estes os modelos que dialogam produtivamente com a teoria gerativa atual,
conhecida como programa minimalista, e em modelos conexionistas que têm como foco a
semântica e que dialogam mais produtivamente com a teoria sócio-cognitiva15.
A frase (5) pode ser interpretada de duas maneiras, uma em que o policial tinha um
binóculo e, de posse do mesmo, viu o turista, e outra em que o policial viu o turista que
portava um binóculo. Há nessa frase uma ambigüidade que só contextualmente poderia ser
desfeita. Trata-se de uma ambigüidade estrutural permanente. Já na frase (6) temos uma
ambigüidade local e temporária, ou seja, a ambigüidade não se mantém até o final da leitura
da frase, permanece apenas até o momento em que se lê o segmento final da frase que
começa com a conjunção coordenativa “e” ou quando se tem a ausência dela. A
ambigüidade dessa frase consiste na interpretação da palavra suspeita como um adjetivo,
“a mãe que é suspeita”, ou da interpretação da palavra suspeita como terceira pessoa do
singular do presente do indicativo do verbo suspeitar, “a mãe suspeita de alguma coisa”.
15
Ver capítulo ???
16
Essas estruturas foram estudadas com base em experimentos off-line e on-line em Maia, Alcântara, Buarque
& Faria (2005).
15
A pergunta seria: quem estava na varanda? Essa pergunta poderia ser respondida
tanto com: o empregado é que estava na varanda, quanto com: a atriz é que estava na
varanda, pois a sentença relativa “que estava na varanda” pode ser ligada a empregado ou a
atriz. Com base nessa ambigüidade estrutural, foram elaborados vários experimentos,
usando uma vasta gama de procedimentos metodológicos que capturaram qual a tendência
entre as duas possibilidades de resposta, o que indicaria um caminho preferencial seguido
no processamento.
Foi elaborada uma série de experimentos off-line que consistiam da aplicação de um
questionário em que várias frases com a mesma estrutura de (7) fossem lidas por sujeitos
voluntários ao experimento que logo em seguida a cada frase respondiam a pergunta
correspondente. Após a leitura e a resposta de um número determinado de pessoas, os
resultados foram analisados estatisticamente, isto é, observando-se a probabilidade de a
diferença entre o número de respostas que acharam que era o empregado e o número de
17
Para maior detalhamento dos estudos sobre relativas em português, ver Ribeiro, A. (1998, 2005), Maia, M.
& Maia, J. (2005), Lourenço-Gomes, M. (2005), que serviram como referência para este capítulo.
16
respostas que acharam que era a atriz que estava na varanda não seja uma diferença que
possa ter acontecido casualmente.
Nos experimentos off-line aplicados a falantes do PB, os resultados foram os
seguintes: a maioria dos sujeitos respondeu que quem estava na varanda era o “empregado”
e a minoria respondeu que era a “atriz” que estava na varanda. Isso é um indício de que os
sujeitos que têm como língua materna o português brasileiro processam a sentença relativa
ligada ao sintagma nominal “empregado” semelhante ao que acontece no espanhol e
diferentemente do que ocorre no inglês em que os sujeitos tendem a ligar a relativa à
“atriz”.
Por ser um experimento off-line, não podemos dizer com esses resultados que o
parser, ou processador sintático, tenha analisado exatamente dessa forma a estrutura
sintática do tipo (7), pois as respostas dadas são medidas ou capturadas depois que o
processamento já ocorreu na mente dos sujeitos do experimento. Sendo assim, a partir
desses resultados foram elaborados experimentos on-line para tentar capturar essa ligação
ou aposição da sentença relativa com o sintagma nominal “empregado” em (7), no curso do
processamento e não depois do seu término como nos experimentos baseados no estudo de
questionário (off-line) anterior.
Para que essa aferição on-line possa ocorrer, utiliza-se, por exemplo, uma técnica
experimental denominada self-paced reading ou leitura automonitorada em português, em
que se segmenta a frase e o sujeito tem a tarefa de ler cada segmento que aparece na tela de
um computador, tendo, ele mesmo, o controle sobre o tempo de leitura de cada segmento,
apertando um botão, sendo esse tempo registrado também pelo computador. Diferenças de
tempo aferidas em um experimento (on-line) no curso do processamento podem indicar a
maneira como as demandas cognitivas relacionadas à linguagem atuam, já que operações
mais complexas cognitivamente demandam mais tempo do que outras mais simples, ou que
possíveis dificuldades no processamento podem se materializar em uma demanda de tempo
também maior.
Com esse procedimento é possível capturar efeitos durante a leitura da frase.
Aplicando essa técnica experimental em sentenças relativas, temos frases experimentais
(com ambigüidade temporária) do tipo (8) e frases de controle (sem ambigüidade) do tipo
(9) a seguir:
17
(8) Alguém atirou no empregado da atriz/ que estava na varanda/ com seu marido.
(9) Alguém atirou na cabeça da atriz/ que estava na varanda/ com seu marido.
relativa “que estava na varanda”, e podemos a partir disso tirar conclusões a respeito de que
modelo de processamento pode dar conta mais adequadamente do processamento desse tipo
de estrutura.
O que os primeiros estudos18 mostram em experimentos com estruturas semelhantes
às que exemplificamos a cima é que, assim como os resultados dos experimentos off-line
demonstraram, a ligação preferencial em PB é pelo sintagma nominal “empregado”, pois os
tempos de leitura do segmento final em frases do tipo (8) foram significativamente mais
altos do que os tempos de leitura do mesmo segmento em frases do tipo (9). Dessa forma,
até onde os estudos recentes mostram, o PB se enquadraria no mesmo grupo de línguas que
o espanhol, o italiano, o francês, o alemão, o croata, o japonês, entre outras, que têm a
mesma preferência de ligação (ou aposição) pelo sintagma “empregado” , diferente do
outro grupo de línguas como o inglês, árabe, norueguês, romeno, sueco, entre outras, em
que a preferência de ligação (ou aposição) é pelo sintagma nominal “atriz”.
Outra área de interesse da psicolingüística experimental é a que investiga as
relações referenciais entre elementos de uma frase ou de um texto. Essas relações são
cruciais para a coesão e para a coerência textual/discursiva, já que servem como um
mecanismo que evita uma série de redundâncias e repetições que sobrecarregariam a
memória de trabalho se não existisse a possibilidade do estabelecimento de co-referência
(ou referir de novo) a partir de elementos lingüísticos já mencionados em um texto, ou
mesmo se não fosse possível fazer referência a elementos lingüísticos estocados na
memória lexical dos indivíduos, por meio de outros elementos que ativam ou reativam na
memória de trabalho esses referentes. Essa área é conhecida como Processamento Co-
referencial (ou Processamento da Co-referência, ou ainda Processamento anafórico) e tem
origem já no início dos estudos psicolingüísticos. Em relação à compreensão de frases,
Miller (1962), por exemplo, já discute o papel que o conhecimento gramatical desempenha
nesse processo de co-referência.
O estudo de Chang (1980) estabeleceu pioneiramente a chamada realidade
psicológica dos pronomes, em inglês, demonstrando que esses elementos possuem a
propriedade de facilitar a compreensão de um sintagma nominal mencionado
18
Os primeiros estudos experimentais feitos no Brasil referentes às orações relativas, utilizando, como
sujeitos voluntários, indivíduos monolíngues, falantes nativos do PB, foram executados por Ribeiro (1998), e
já nesses primeiros resultados foram encontrados resultados compatíveis com o espanhol em que a preferência
de aposição é alta.
19
Uma outra técnica experimental muito usada nos estudos de psicolingüística é a que
utiliza um aparelho denominado eye-tracker, ou monitorador ocular em português. Esse
equipamento é capaz de localizar onde está o foco de visão no momento em que se está
lendo uma frase ou um texto, ou mesmo quando se estão vendo figuras, e além de localizar
onde está o foco de visão o aparelho mede em milésimos de segundo quanto tempo esse
foco permanece em cada sílaba ou em cada palavra constituinte de uma frase ou texto.
Devido à precisão desse equipamento, a sua utilização fornece resultados mais sensíveis do
que a técnica de leitura automonitorada, pois são obtidas medidas em uma fase bem reflexa
ou inicial da leitura, além de permitir estudar os movimentos oculares regressivos, ou seja,
os movimentos que os olhos fazem retroativamente quando estão lendo uma frase ou um
texto.
6. Considerações Finais
BALIEIRO JR., Ari Pedro. 2001. Psicolingüística. In: BENTES, A. & MUSSALIM, F.
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