Caderno de Partituras Do III ECB E Book
Caderno de Partituras Do III ECB E Book
Caderno de Partituras Do III ECB E Book
Produção e Comunicação
Prof. Me. Isac Almeida
Téc. Ângela Jardim
Téc. Waldenor Amaral
Bolsista Hanna Condurú Rezende
Bolsista Nayara Araújo Moraes
Organizadores
Prof. Me. Herson Mendes Amorim
Prof. Dr. Marcos Jacob Costa Cohen
Prof. Me. Thiago de Araújo Lopes
Prefácio 07
Sobre os Compositores 75
Prefácio
B elém do Pará tem uma longa história relacionada à composição musical.
Segundo Salles (1980, p.70), é possível que o primeiro compositor a
atuar nessa cidade tenha sido o clérigo paraense Lourenço Álvares Roxo de
Potflix (1699/1700 - 1756) que, ainda segundo Salles (p.68), provavelmente
também foi responsável pela criação do primeiro estabelecimento de
ensino musical no Pará, a Schola Cantorum. Desde então a atividade
composicional no Pará, e a sua relação com instituições de ensino, tem se
desenvolvido, atingindo aqui e ali momentos de grande intensidade.
É comum o período do Ciclo da Borracha no Século XIX ser citado
como um desses momentos de desenvolvimento especial da atividade
musical no Pará, envolvendo o surgimento de compositores e o nascimento
de instituições de ensino. Também são comuns as referências a importantes
compositores da primeira metade e de meados do Século XX. Em que pese
o fato de Belém nunca ter deixado de contar com a atuação de arranjadores
e compositores, porém, é importante destacar que as últimas décadas
do Século XX e as duas primeiras do Século XXI parecem testemunhar
mais um desses momentos de enriquecimento musical acompanhado do
ressurgimento amplo das atividades composicionais em estreita relação
com o desenvolvimento de instituições de ensino musical.
Belém, que já contava com a formação profissional oferecida no
Instituto Estadual Carlos Gomes e no Serviço de Atividades Musicais da
UFPA (atual Escola de Música da UFPA) e recebia projetos diversos que
colaboravam com a formação dos músicos locais, a partir da década de 1980
passa a assistir um processo de expansão e consolidação institucional que
alavancará a formação musical ampla e as atividades musicais na cidade.
Reconhecendo a insuficiência da lista a seguir, decorrente da ênfase em
eventos promovidos por instituições públicas, e por isso mesmo admitindo
os acréscimos que poderão ser sugeridos por leitores perspicazes e de viva
memória, é possível destacar alguns episódios que podem ser considerados
como marcos na pavimentação da via que conduziu ao atual estágio de
desenvolvimento da formação e prática musicais no Pará.
7
• Em 1987 ocorre o I Festival de Música de Câmara da Fundação
Carlos Gomes (atual Festival Internacional de Música do Pará, já
balzaquiano);
• Em 1989 é criado o primeiro curso superior de música do Pará,
o curso de Educação Artística com habilitação em Música, na
Universidade do Estado do Pará;
• Em 1991 a Universidade Federal do Pará também passa a ofertar
a Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Música;
• Em 1997 é ofertada a primeira turma do Bacharelado em Música
da Fundação Carlos Gomes em convênio com a Universidade
do Estado do Pará, que posteriormente passa a ofertar também a
habilitação em Composição e Arranjo;
• Em 2002 ocorre o I Festival de Ópera do Theatro daPaz;
• Em 2006 Belém recebe o IV Encontro Nacional de Compositores
Universitários (ENCUN);
• Em 2010 é ofertada a Especialização em Fundamentos da Criação
em Música pela Universidade Federal doPará;
• Em 2015 ocorre o I Encontro Internacional de Clarinetistas de Belém;
• Em 2017 é criado o Curso Técnico em Composição e Arranjo na
Escola de Música da UFPA.
Carlos Pires
Outubro de 2018
SALLES, Vicente. A Música e o Tempo no Grão Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980.
8
Pendão da Esperança, para
Clarinete Solo
(e Dispositivo de Vaz Ad Libitum)
1. Outras obras minhas também propõem essa transição entre materiais amórficos e
elementos impregnados com alguma carga semântica. Ver “Quassus para Clarineta
Solo de Eli-Eri Moura (Parte 2) – Análise do Segundo Movimento e Considerações
Interpretativas” (<https://seer.ufmg.br/index.php/permusi/article/view/4184/8535>) e
“Processo Composicional de Desfragmentação” (<https://antigo.anppom.com.br/anais/
anaiscongresso_anppom_2006/CDROM/COM/07_Com_TeoComp/sessao05/07COM_
TeoComp_0503-099.pdf>).
9
Figura 1
Figura 2
10
Figura 3
11
a combinação de intervalos e ritmos, esses motivos demandam várias
técnicas expandidas, as quais representam os principais desafios técnico-
interpretativos para o clarinetista. No entanto, vale salientar que diversos
trechos usuais também precisam de estudo diligente, pois exigem controle
apurado de dinâmicas, domínio de staccatissimo e digitação rápida, dentre
outras habilidades. A seguir, ofereceremos algumas sugestões de como
executar as técnicas expandidas que oferecem maior desafio.
Em geral, o portamento descendente é extremamente difícil de executar,
uma vez que é necessário sincronizar controle da língua e da garganta, pressão
da embocadura e movimento dos dedos. Em Pendão, sugerimos um pequeno
pitch bend ascendente antes de fazer o portamento descendente – que deve
ser executado rapidamente. Sugerimos manter a digitação da primeira nota,
descendo a altura dela até uma terça menor e, em seguida, com a embocadura
folgada, deslizar os dedos suavemente em uma escala diatônica até a nota de
chegada. O efeito deve soar como um deslizar de som, como nos instrumentos
de corda, e não como uma escala tocada rapidamente.
Separadamente, o portamento ascendente e o frullato não são técnicas
muito difíceis. Todavia, a combinação dos dois muda esse contexto.
Para produzir o portamento, o clarinetista tem de folgar a embocadura e
manipular a língua e a garganta, ao mesmo tempo em que desliza os dedos
pelos orifícios e chaves. Já no frullato, o uso da língua, da pressão de ar e
da embocadura, necessário para produzi-lo, impede que ele seja mantido
enquanto o som desliza de uma nota para a outra. A solução encontrada
foi tocar a primeira nota com o frullato e interrompê-lo exatamente
no momento de fazer o portamento. Se o frullato for feito até o último
momento da primeira nota e o portamento for feito rapidamente nas notas
subsequentes, nossa memória auditiva associará os dois efeitos em um só.
O ato de cantar e tocar simultaneamente exige que o instrumentista
vibre as cordas vocais e, ao mesmo tempo, exale uma quantidade de ar
necessária para vibrar a palheta e produzir o som no clarinete (demandando
que a dinâmica da voz seja ampliada). No caso dos multifônicos, o fator
dificultante em produzi-los nessas condições é que nem todos respondem
facilmente quando aplicada a pressão de ar necessária para cantar e tocar.
Sugerimos ao clarinetista que, inicialmente, pratique os multifônicos
sem cantar. Depois de dominá-los, comece a cantar e faça os ajustes de
dinâmica para permitir que o multifônico saia simultaneamente ao canto.
O som de flauta é criado quando, removendo a boquilha, o clarinetista
sopra no canto do barrilete, numa técnica semelhante à usada para tocar
algumas flautas de tubo aberto. Inicialmente, o instrumentista pode ter
dificuldade em achar o ângulo correto para emitir o som. Nossa sugestão
é que ele pesquise a melhor posição, soprando para a frente, apoiando um
dos cantos da boca na borda do barrilete e, aos poucos, movimentando a
cabeça ou o clarinete, de modo a fazer com que o jato de ar bata na borda
interna do barrilete. Dessa forma, poderá encontrar o ângulo para produzir
a melhor sonoridade.
12
Para usar o Dispositivo de Vaz, o clarinetista precisa preparar
antecipadamente uma campana com o microfone que acompanha o
aparelho. A base do microfone deve ser colada com fita adesiva de forma
que tanto o microfone quanto sua haste fiquem inteiramente dentro da
parte inferior do instrumento. Recomenda-se ao clarinetista pesquisar a
altura em que o microfone deve ficar dentro do instrumento, assim como
girar a campana preparada para achar o ângulo que gere os sons que deseja
produzir. A caixa do dispositivo pode ficar tanto abaixo da campana,
como ao lado, sustentada por uma estante. O clarinetista deve se mover
constantemente para gerar os sons aleatórios característicos do dispositivo.
Alertamos que o uso desse aparelho compromete a dinâmica, assim como
algumas técnicas expandidas, algumas notas e a fidelidade da afinação,
mas o resultado sonoro é único e merece ser explorado criativamente pelo
intérprete.
Em diversas passagens da peça, Eli-Eri Moura explora o limite técnico
do instrumento. Cabe ao clarinetista tentar executar tais passagens
pesquisando técnicas que se encaixem na sua própria maneira de tocar. Mas
não se pode perder a perspectiva artística. Uma sugestão é que mantenha
atenção nos gestos musicais, enfatizando suas características particulares
através das articulações, dinâmicas e modos de tocar demandados na
partitura. Ao mesmo tempo, deve estar ciente de que a peça oferece
margem para diversas escolhas interpretativas, possibilitando que exercite
sua criatividade ao expressar o que está escrito no papel.
13
1 With no computer or software, connected to the Clarinet only by a portable microphone, and built with cheap and/or recycled
materials, the Vaz Device: 1) feedbacks the sounds of the instrument; 2) amplifies its noises; and 3) works as a playback engine
in mixed electroacoustic performance. Regarding this piece, only the first two functions apply. The Device increments certain
aspects of the piece, however it is not essential for a fully satisfactory performance. Accordingly, its use is AD LIBITUM, from
measure 120, where it must be turned on. For more information, please write to the composer: [email protected]
Sem necessidade de computador ou software, apenas conectado ao clarinete por um microfone portátil, e construído com
materiais baratos e/ou reciclados, o Dispositivo de Vaz: 1) retroalimenta os sons do instrumento, produzindo microfonia para
ser usada como efeito; 2) amplifica os seus ruídos; 3) e funciona como suporte fixo (tape) em performance eletroacústica
mista. No caso desta peça, apenas as duas primeiras funções são utilizadas. O Dispositivo incrementa certos aspectos da
peça. No entanto, ele não é indispensável para que a obra funcione plenamente. Dessa forma, seu uso é AD LIBITUM, a partir
do compasso 120, onde deve ser ligado. Para mais informações, favor escrever para o compositor: [email protected]
MOODS
Borderline
Eduardo Frigatti
Borderline.
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temporalmente separados, estes streams convivem na escuta devido à
memória, sobrepondo-seuns aos outros mentalmente. Essa convivência
cria uma polifonia latente, que existe somente no plano mnemônico. É
neste plano que a unidade do discurso musical se cria.
Algumas ferramentas composicionais foram utilizadas para facilitar
essa unidade no fluxo narrativo da obra. A primeira estratégia foi descrita
no parágrafo anterior, através da criação de streams entre eventos musicais
semelhantes, com o amparo da memória. A segunda, é a utilização de
elementos conectivos para ‘colar’ os afetos contrastantes uns aos outros. No
decorrer da peça, tais elementos se tornam maiores e passam a exercer um
papel de transição, enfraquecendo a sensação de ruptura entre os afetos. A
terceira estratégia adotada é o intercâmbio de características dos materiais
entre os diferentes acontecimentos. Tal estratégia é bem evidente próximo
ao gesto final da peça, quando o evento melancólico se apropria da região
do evento ansioso.
Borderline explora os aspectos de segregação de streams, gerando
eventos separados, mas que aos poucos se unem para constituírem uma
direcionalidade maior. Trata-se de uma polifonia latente a nível formal,
na qual os diferentes streams caminham em diferentes planos. Tais planos
são criados através do uso de rupturas que se tornam menos intensas no
transcorrer da peça. Assim, esses acontecimentos que inicialmente se
apresentam desvinculados, aos poucos convergem para formar um único
fluxo, uma única consciência.
24
Instante II
Salatiel Ferreira
29
A presença do motivo no segundo caráter, Ansioso – compassos 12 ao
18 –, é mais sutil: da primeira vez, nos compassos 13 e 14, é apresentado
invertido e deslocando a nota Si Bemol, que aparece no final de um grupo
de quatro colcheias, semelhante ao compasso cinco; da segunda vez,
nos compassos 16 e 17, as notas do motivo servem como ponto de apoio
dentro de uma pequena cadência e, desta vez, omitindo a nota Si – apesar
de aparecer como appoggiatura no segundo tempo do compasso dois. A
cadência é finalizada no compasso 18, sem a presença do motivo.
Depois de estabelecido os dois caracteres - compasso 19 ao final –,
segue o que consideramos ser o desenvolvimento, onde os mesmos serão
elaborados e transformados. A alternância entre Mediativo e Ansioso torna-
se mais frequente e o motivo continua mais evidente no primeiro caráter.
O motivo é apresentado no início do compasso 19, com todas as notas,
dando origem a uma sequência rítmica derivada das quatro primeiras
colcheias. O Ansioso, no segundo tempo do compasso 21, tem um grupo
de fusas derivados do primeiro caráter – compassos 5 e 6) O motivo
aparece no terceiro e quarto tempos do compasso 22, fazendo referência
aos compassos 5 e 6, com a nota Si Bemol deslocada, encaminhando-se
para o final da frase e se conectando ao próximo Mediativo.
No Mediativo do compasso 23, o motivo é transformado por meio da
inversão, já utilizada anteriormente, do alargamento rítmico e da utilização
de multifônicos. A enarmonia foi aplicada por conta da digitação dos
multifônicos e a indicação de tempo – semínima igual a 50 – foi alterada
para facilitar a leitura.
Na última aparição do caráter Ansioso, o motivo aparece no compasso
30 e é semelhante ao início da peça: com as três notas inicias Si - Lá Bemol
- Si Bemol. A nota Ré Bemol aparece no compasso 31, fazendo referência
ao compasso 2)
Finalmente, o último Mediativo – compasso 34 – traz de volta o “ar”
sonhador do início da peça. O motivo é apresentado novamente invertido,
deslocando o Si Bemol para o compasso 35, aparecendo incompleto no
compasso 38. Nos dois últimos compassos, após um molto acelerando e
molto alargando, as três primeiras notas do motivo são apresentadas de
forma retrógrada, concluindo-se assim, com a mesma nota Si que iniciou a
peça, usando o slap tongue.
Instante II combina escrita tradicional com o uso tímido de algumas
técnicas expandidas. Os termos “Mediativo” e “Ansioso” fazem alusão ao
período vivido pelo compositor em Portugal, em que este encontrou na
realização de um sonho – continuar seus estudos em outro país – os anseios
de corresponder a si próprio as questões e intempéries que esta experiência
lhe proporcionou.
30
MA-TIN-TA
Gustavo Velasco
33
a ganhar sua batalha e a matéria sucumbe ao terceiro multifônico. A escala
original já não pode ser reconhecida e, ao invés disso, distorções de sua
imagem foram calculadas a partir da série original e inseridas.
A terceira seção, C, é uma acumulação de energia que resulta num
último e longo grito de desespero. As dinâmicas excessivas no meio da
sessão C geram uma enorme pressão no fluxo de ar do instrumento. Os
sons começam a saturar progressivamente. A marcação da fórmula 2/2 no
meio da sessão C parece perder sentido em um ponto de vista mais amplo
da obra: o personagem material luta pela última vez em vão, antes de ser
engolido pela imaterialidade.
A obra é tomada por um grande silencio, um quasi coral de multifônicos
emerge. Na última seção, a coda, após a batalha sobrenatural, o tempo e
sons estáticos somem no ar.
34
Instruções para a Performance:
Outras indicações:
Frulatto.
Slaptongue.
Instruções metronômicas:
Yudae Costa
39
isso, ainda, com o ritmo harmônico de uma progressão de acordes, ou o
ritmo formal na estrutura de uma composição. Não são, enfim, categorias
isoladas, mas partes de um continuum, separadas apenas pela realidade
biológica de nossos corpos; um universo de proporções tão espetaculares
que é impossível percebê-lo simultaneamente em sua totalidade.
Podemos, no entanto, concebê-lo na nossa imaginação (que já é
pelo menos metade do plano de existência ocupado pela arte). De nossas
ideias, organizamos os elementos à nossa volta, dispondo-os, por técnica
ou inspiração ou ambos, de modo a criar sentidos, inauditos nos elementos
isolados, mas que neles já estavam, ocultos; as limitações da nossa
percepção são, então, efetivamente, superadas a partir da linguagem que
nasce dessas próprias limitações. É assim que os acidentes de percurso, as
“microvariações” de altura, todas as nuances e os sons imprevistos durante
a execução de um multifônico na clarineta – técnica que, por si só, já
revela o universo harmônico escondido no espectro sonoro de uma única
nota, que é nele como que olhada em um microscópio – podem sofrer uma
mudança de perspectiva e, movendo-se ao longo do eixo temporal liso-
estriado, transformar-se em um trecho brilhante e de caráter virtuosístico,
servindo-se de todas as doze notas temperadas, enquanto efeitos de
détimbré sobre uma única nota, repetida como que para que possamos
analisar seu perfil sonoro em plena execução da música, traçam o caminho
de volta (pois o contraste do contraste é a transição) para a interioridade
dos sons, na intimidade dos parciais que o compõem.
Fruindo-as enquanto objeto de arte, percebemos essas relações
da mesma maneira que notamos semelhanças ao comparar imagens de
microscópio com registros realizados por satélite; de repente, nesse
corte transversal, conectando as dimensões do som diante de nossos
ouvidos, invariâncias sobrepujam variações e até mesmo falar nos antigos
limiares parece deixar de fazer sentido. Como acontece com toda arte,
o foco no objeto dissipa-o e revela-nos nós mesmos, observando-o; mais
especificamente, a parte de nós que trava contato com o objeto, nossa
percepção. É nesse espaço intersticial, em que um começa e o outro
termina, que somos lembrados da parte da arte que ultrapassa os fenômenos
puramente físicos – nossa cultura – e, renovados, ouvimos os sons como se
novidade: música.
40
Entardeceres
Jailton de Oliveira
O título Entardeceres é apenas poético, não remete a nenhum elemento musical específico
utilizado na obra. Na verdade, “entardecer” é uma metáfora para “envelhecer”. É uma reflexão
do compositor sobre esta ação natural do tempo, que é comum a todos. A obra é dividida em
três movimentos: o primeiro e o terceiro são rápidos e o segundo, um pouco mais lento. Nos três
movimentos são explorados contrastes de dinâmica e articulação, além de variações bruscas nas
linhas melódicas, onde os movimentos em graus conjuntos estão intercalados entre saltos melódicos
que, muitas vezes, ultrapassam o intervalo de oitava. O ritmo é bastante contrastante e algumas
subdivisões rítmicas, como o uso de sextinas, dão um caráter ágil e virtuosístico a alguns trechos.
As construções melódicas têm como base a “escala dos harmônicos”, além de alguns trechos com
cromatismo. No primeiro movimento é utilizada a escala dos harmônicos a partir da nota Dó (Dó
-Ré - Mi - Fá Sustenido - Sol - Lá Bemol - Si Bemol - Si); no segundo movimento, a partir de Ré; no
3º movimento, a partir de Dó (compassos 01 ao 44) e a partir de Sol (compassos 45 ao 73). Outra
característica da obra são as constantes passagens pelas regiões aguda, média e grave do instrumento,
proporcionando a exploração de diferentes nuances timbrísticas.
43
Igarapés
Gilson Santos
51
Solo de Clarineta
1 Disponível em https://www.haryschweizer.com.br/Musicas/Flavio_trio_choro.pdf.
2 Disponível emhttps://www.haryschweizer.com.br/Musicas/variacoes_flavio.pdf.
57
mas o objetivo é a exploração máxima da sonoridade do instrumento de
forma abrangente, acrescentando uma pitada de desafio individual que se
perpetua do começo ao fim. A intenção foi criar uma amarra interpretativa
que, em contrapartida, desse liberdade ao instrumentista para encontrar
uma forma pessoal de apresentar a obra. Minha sugestão ao clarinetista
é que tente exagerar ao máximo possível todos os elementos de dinâmica
da obra; por meio desse ‘estudo exagerado’ é possível um resultado de
exploração permanente e de infinitas possibilidades de timbres em todas as
regiões do instrumento.
Outra característica da obra que pode gerar dúvidas são as apoggiaturas
com fermata: o importante é tocar as duas notas à vontade e rapidamente,
de acordo com a dinâmica proposta. Quanto mais exageradas as ligaduras
e articulações, mais interessante o efeito das possibilidades de dinâmica.
Esse tipo de apoggiatura é utilizada e explorada em meu Divertimento para
Trio de Palhetas (1993)3, bem como os elementos de exagero de dinâmicas
e contrastes de ligaduras e acentos. Solo de Clarineta apresenta, ainda,
um momento breve de cadência livre, escrita como passagem para o
prestíssimo final da obra.
Essas informações do Solo de Clarineta e das outras obras citadas
ilustram ideias que foram desenvolvidas ao longo do tempo e revelam
algumas de minhas características psicológicas e emocionais. Na época
em que foi concebido o Solo de Clarineta, repercutia em mim um momento
psicológico recortado por crises emocionais; embora rico por um lado, os
sentimentos vividos bruscamente revelavam um sofrimento encoberto pelo
inconsciente. Essa dicotomia interna é bem aparente na peça e retrata meu
mundo interior à época.
Portanto, considero essa obra uma síntese desse período de minha
vida, considerando que, depois dela, retomei o contato com a composição
e passei a escrever de maneira diferente do que fazia anteriormente,
influenciado pelo trabalho de orquestra como fagotista, pelo que estudei
em psicologia e, principalmente, pelas descobertas e encantamento
psicológico que afloraram do meu inconsciente individual e coletivo após
sua concepção.
3 Disponível em https://www.haryschweizer.com.br/Musicas/Flavio_trio_ob_cl_fag_grade.pdf.
Baião Seresteiro
Rafael Fortaleza
G êneros tradicionais da música nordestina, Baião e Seresta, se misturam nesta peça que se propõe
a explorar as sonoridades da clarineta obtidas a partir do uso de multifônicos1, simulando uma
progressão harmônica.
Sendo um instrumento melódico, em teoria, a clarineta não é capaz de produzir harmonia, no
sentido estreito da palavra, isto é, produzir sons simultâneos com sentido harmônico (tonal). Entretanto,
ao explorar os timbres resultantes dos multifônicos e justapô-los de modo a emular uma progressão,
em comunhão com o ouvinte, que “monta” essa harmonia em sua mente, na Seresta, o resultado visa
à produção de uma textura homofônica (melodia acompanhada) e que se contrapõe ao Baião, que
consiste, por sua vez, numa textura monofônica, quase percussiva, na medida em que se atém ao
groove que caracteriza esse gênero da música nordestina.
Esta obra, portanto, propõe um certo grau de abertura, no sentido em que a pensava o filósofo
italiano Umberto Eco: “abertura não somente de significados musicais, mas em termos de performance,
demandando do ouvinte, assim, um engajamento com a obra que a ‘componha’, juntamente com o
intérprete, a partir dos elementos já pré-determinados na composição da peça, numa performance
formativa”.
Matéria desta peça, a música nordestina, sempre presente em minha vida, devido às minhas
origens alencarinas, marcou-me sempre o universo sonoro no qual criei minha sensibilidade musical,
somando-se, posteriormente, a oportunidades nas quais pude atuar como instrumentista em orquestras
de sopros, nas quais toquei música popular e jazz brasileiro, criadas por compositores daquela região,
com arranjos de obras de Luiz Gonzaga e peças de Hermeto Pascoal. O ostinato rítmico inconfundível
do Baião sempre atraiu meus ouvidos, bem como as escalas modais.
O conflito de caráter existente entre o ímpeto do Baião e a melodiosidade da Seresta estão
em amplo e constante conflito por toda a peça. Entretanto, no final, a prevalência melódica faz
transparecer a doçura como vencedora dessa disputa, na medida em que a melodia diatônica repetida
até o completo desaparecimento do som evoca a Seresta enquanto síntese: os intervalos de sétima se
tornam intervalos de segunda, e tal síntese é também referente ao Baião, que se apoia sobre aqueles
intervalos em sua constituição.
Um conflito tão comum, que é entre impulsividade e calma, traduzido em sonoridades da clarineta,
visa a remeter o ouvinte, por analogia, a conflitos que são tão humanos quanto a própria música e,
1 Disponíveis em https://.wfg.woodwind.org/clarinet/cl_mult_1.html.
63
nessa dialética, trazer ao centro da discussão, por ressonância estrutural,
aquilo que é eminentemente característico da linguagem musical, que é o
contraste entre sonoridades. Nesse sentido, parto de um valor não musical
(o conflito emocional, que auditivamente é dado da realidade histórico-
musical que nos foi legada, sobretudo aquela tradição estética ligada aos
afetos, que vê a arte musical como direta expressão de sentimentos) para
planejar uma peça cuja preocupação é resolver um problema musical (qual
seja, a disputa entre sonoridades).
Entretanto, a resolução deste conflito não se dá através da superação de
uma realidade sonora pela outra, mas, e sobretudo, pela síntese intervalar
alcançada através da inversão dos intervalos de sétima e nona. Nesse
sentido, temos, por um lado, mais uma vez, o processo de intermediação
de valores musicais e não musicais na constituição da musicalidade da
peça. E, por outro lado, a síntese como resposta efetiva de conflitos, quer
musicais, quer humanos.
Esse processo de imiscuir elementos não musicais de modo a formar
a obra, isto é, constituí-la em sua necessidade de ser forma acabada, faz
parte de meus processos criativos atuais em virtude de minha pesquisa
de doutorado. A transposição de elementos não musicais em realidades
sonoras não mira um resultado estético que visa transmitir uma história
ou narrativa, mas apenas fornecer elementos de coerência formal na
constituição daquilo que compreendo como discurso musical, ou seja, um
discurso cujo escopo é expor música em suas dinâmicas próprias, em seus
desacordos e acordos linguísticos, com valor de positividade e presença:
positividade de elementos sonoros cujo significado musical é evidente no
contexto, e presença porque é aquilo que se ouve quando se ouve a peça.
Por sua vez, a abertura como leque de possibilidades hermenêuticas é
dado inerente, a meu ver, a toda e qualquer arte. A riqueza interpretativa e
fruitiva, nesse sentido, diz respeito, no caso da música, da possibilidade de que,
sendo feita de sons sem sentido que não seja musical, seja possível abstrair,
a partir dos sons objetivamente ouvidos, múltiplas e ricas interpretações.
Nesse sentido, não surgem como condicionantes aquilo que expus de meu
processo poético com relação à analogia da forma – uma poética musical da
representação –, e tampouco espero que os ouvintes ouçam uma espécie de
conflito emocional existencial de uma personagem representada pela clarineta
ou pelo clarinetista, mas somente em que medida tal processo poético, ao
embasar a formação dos elementos musicais que constituem a peça, ao ser sua
matéria, conformam e condicionam o número de possibilidades interpretativas,
já que possibilitam propor ao ouvinte um universo sonoro limitado, fazendo
com que se atenha àquilo que se ouve, uma vez que falar de coisas que não
estão na peça seria propriamente desdobrá-la, recriá-la.
Finalmente, assim como viajei no processo criativo desta peça, espero
que o ouvinte viaje pelas sonoridades da clarineta, e que o título evocativo,
quase programático, possa suscitar-lhe as mais variadas impressões de
poesia e artisticidade que os sons sejam capazes de suscitar.
64
Regional
André Gesiel
69
Durante a parte B existem momentos de tensão que remetem ao tema inicial e às células rítmicas
derivadas dos movimentos citados inicialmente, porém se resolve em mais umas melodias simplistas
que remetem à textura graciosamente descomprometida de uma modinha.
A volta ao tema inicial deve ser executada com o mesmo vigor do inicio da obra e com as
articulações precisas, sempre respeitando as expressões contidas nas indicações. A volta do tema
apresenta mais trinados, que devem ser executados intensamente.
O final da obra corresponde às finalizações típicas do Carimbó, com seus cromatismos e
finalização de dominante para tônica, discorrida em fragmentos de escala.
Essa obra foi uma maneira de agrupar vários conhecimentos adquiridos em vivências de grupos
tradicionais, bandas, pássaros, bois etc., assim como as técnicas aprendidas na Escola de Música da
UFPA e na Graduação em Música da UFPA, aproveitando a vivência com peças contemporâneas,
principalmente, as de Osvaldo Lacerda para clarineta solo e clarineta e piano, as quais digo que são,
sem dúvida, minhas favoritas.
70
Sobre os Compositores
Eli-Eri Moura
(Campina Grande - PB, 1963)
Eduardo Frigatti
75
Salatiel Ferreira
76
Yudae Costa
Jailton de Oliveira
Gilson Santos
77
teve algumas obras estreadas no Brasil: “Choro Trompetístico No. 1”, “Prog
#1”, para trompete e percussão), “O Caminho das Pedras”, para quinteto de
metais, “Libras”, para octeto de trompetes, “Pequena Fantasia Ouro Negro”,
para trompa e orquestra sinfônica, “Gilesantaneando”, para Jazz Band,
e o “Dobrado No. 1”, para banda sinfônica. Iniciou em 2017 a Oficina
Clube do Trompete, voltada aos estudantes de trompete do Rio de Janeiro,
preparando-os para o mercado de trabalho e difundindo a música brasileira
pelas ruas da cidade; dentro da mesma oficina, iniciou um projeto social,
onde ensina música gratuitamente para as crianças da Tijuca, Andaraí e
comunidades da Grande Tijuca.
78
Yampolschi. Concluiu em fevereiro de 2018 o Doutorado Sanduíche no
Dipartimento delle Arti Visive, Performative e Mediali da Universidade de
Bolonha, Itália, sob a orientação de Maurizio Giani.
79