Pedagogias Das Encruzilhadas - Luiz Rufino Rodrigues Junior
Pedagogias Das Encruzilhadas - Luiz Rufino Rodrigues Junior
Pedagogias Das Encruzilhadas - Luiz Rufino Rodrigues Junior
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Resumo: este artigo é resultado de uma Tese de doutorado em Educação intitulada Exu
e a Pedagogia das Encruzilhadas. O mesmo tem como proposta desenvolver a crítica e
propor outros caminhos no que tange as problemáticas do racismo, colonialismo e da
educação. A ação aqui é invocar e encarnar as potências de Exu, divindade iorubana
transladada na diáspora, para propor uma Pedagogia das Encruzilhadas. Parto da defesa
da não redenção do colonialismo, problematizando a continuidade de seus efeitos na
formação de um mundo múltiplo e inacabado, lido, aqui, a partir da disponibilidade
conceitual assente na encruzilhada de Exu ‒ que emerge, assim, como símbolo de um
projeto político/poético/educativo outro. A pedagogia encarnada pelas potências do
orixá tece um balaio de múltiplos conceitos que confrontam a arrogância e a primazia
dos modos edificados pela lógica colonial. Dessa forma, mais que confrontar os limites
da razão dominante, a proposta que por ora se lança aponta outros caminhos: a partir de
invenções paridas nas fronteiras e nos vazios deixados, são sabedorias reconstrutoras
dos seres que, na invenção do Novo Mundo, foram submetidos à política de
subordinação, encarceramento e morte da raça/racismo. A educação, nesse sentido, é
apresentada como caminhos enquanto possibilidades de reinvenção de seres, uma
resposta responsável e comprometida com a justiça cognitiva/social e com a vida em
sua diversidade e imanência.
Abstract: This article is the result of a Doctoral thesis in Education entitled Exu and the
Pedagogy of the Crossroads. I set from the defense of the redemption of colonialism.
However, I question the continuity of its effects in the formation of a multiple and
unfinished world, that is herein read, from the conceptual availability defined in the
encruzilhada of Exu. Thus, it emerges as a symbol of an anti-racist/decolonial
political/poetic/educational project. The pedagogy incarnated by the orixá's powers
weaves a basket of multiple concepts that face the arrogance and the primacy of the
modes fortified by colonial logic. This way, more than confronting the limits of the
dominant reasoning, the proposition herein issued indicates other paths. Those paths
emerge from inventions birthed in the limits and in the gaps that were left. Those are
reconstructive wisdoms of the beings that were subject to the politics of subordination,
1
Doutor em Educação (UERJ), Mestre em Educação (UERJ), pedagogo (UERJ), professor substituto
(UFRRJ-IM).
incarceration and death of race/racism in the invention of the New World. Education is
herein presented as paths to possibilities of reinvention of the beings, a responsible
answer dedicated to cognitive/social justice and life in its diversity and immanence.
O que marca o nosso tempo? Reivindico como abertura de caminhos para essa
travessia textual o questionamento feito por Césarie (2008) e também soprado por
Fanon (2008). Ambos são aqui invocados como cumbas2, pretos-velhos da afro-
diáspora, que escarafunchando o embaralhamento de signos da linguagem foram
capazes de produzir perguntas que nos fazem esquivar do esquecimento propagado pelo
colonialismo. Césarie e Fanon, junto a tantos outros, são aqui chamados para nos fazer
lembrar que outros caminhos são possíveis. Assim, nos cabe, a partir do diálogo com as
suas presenças atarmos respostas responsáveis, ações comprometidas com a vida.
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Cumba na cultura do jongo é o conceito utilizado para designar a sabedoria dos mais velhos,
praticantes versados nos segredos e encantamentos da palavra e das magias que compreendem o rito.
O termo cumba traz a noção de “poeta feiticeiro” ou “poeta encantador da palavra”. Em Rufino (2014),
trago a noção como parte constituinte do pensamento jongueiro na tessitura de uma filosofia da
linguagem.
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Máxima filosófica versada na cultura da capoeira: “Iê, campo de batalha! Iê, campo de mandinga!”.
enquanto demanda a ser vencida, devemos nos ater a forma que atravessaremos. Dessa
maneira, quais sabedorias invocaremos para nos encarnar nesse jogo? É nessa
perspectiva que emerge uma outra questão também enlaçada por Césarie (2008) e Fanon
(2008), como nos reconstruímos diante do trauma vivido e nos lançamos nas batalhas
contra a violência imposta por esse sistema? Somado a essas questões lanço uma outra:
Quais caminhos se abrem enquanto possibilidade?
Assim, as potências assentes nesse signo são aqui invocadas e encarnadas como
força motriz capaz de produzir um atravessamento nos padrões de poder/ser/saber
instituídos pelo colonialismo. Isso se dá, uma vez que, o mesmo é o elemento que versa
acerca de todo e qualquer ato criativo, inclusive no que tange à capacidade de
reconstrução dos seres. Ele é também o elemento dinamizador que nos possibilita
pensar uma educação, uma vez que, em seus domínios operam os efeitos que movem os
aprendizes, a dúvida como elemento propulsor, a experiência enquanto acontecimento e
o devir.
fundamentada em seus domínios não versa, meramente, por uma subversão. Dessa
forma, não se objetiva, meramente, a substituição de uma perspectiva por outra. A
sugestão pelas encruzilhadas é a de transgressão, é a traquinagem própria do signo aqui
invocado. São as potências do domínio de Enugbarijó, a boca que tudo engole e cospe o
que engoliu de forma transformada.
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Menção a uma das narrativas presente em um dos 256 odus Ifá, sistema poético que compreende os
princípios explicativos de mundo, as noções acerca dos seres e dos saberes na tradição iorubá.
Oritá Métà ou Igbá Keta é um dos títulos de Exu que confere a ele a condição de
o Senhor da terceira cabaça, podendo ser também conhecido como o Senhor da
encruzilhada de três caminhos. Em uma das narrativas compreendidas no sistema
poético de Ifá, conta-se que em tempos imemoráveis Exu recebeu a opção de escolher
entre duas cabaças. A primeira continha o pó mágico referente aos elementos que
positivavam a vida no universo, enquanto na segunda estava outro pó, referente aos
elementos que negativavam a vida no universo.
O sentido de Obá Oritá Metá/Igba Ketá vez por outra também é apresentado a
partir da interpretação de Exu como sendo o “+1”. Esse caráter o dimensiona enquanto
ser inacabado, como potência que pode vir a se somar e alterar toda e qualquer situação.
Assim, um de seus atributos diz respeito à regência das transformações do destino.
Existe uma série de passagens que narram como Exu, a partir de suas transgressões,
alterou de maneira improvável o desenrolar de situações limite. Cabe ressaltar, contudo,
que as duas interpretações ‒ dele enquanto 3 ou como +1 ‒ indicam a força dinâmica do
É a partir dessa perspectiva que lanço mão do que conceituo como cruzo, noção
que compreende os procedimentos teórico-metodológicos que se orientam pelas lógicas
assentes no signo Exu e em suas encruzilhadas. Os cruzos operam praticando rasuras e
ressignificações conceituais. No que tange as questões acerca da produção de
conhecimentos, essa noção versa-se como uma resposta responsável, fiel à noção de que
nossas práticas de saber se tecem a partir das relações, e das consequentes alterações e
acabamentos que nos é dado pelos outros.
Para nós, que vivemos em um mundo que edificou regimes de verdade a partir
da interdição e da descredibilização da diversidade, nos resta lançar nossos dilemas na
encruza, rasurá-los e reinscrevê-los de forma cruzada. Para que isso seja possível,
teremos de praticar Exu enquanto Oba Oritá Metá/Igba Ketá; é isso que propõe a noção
de cruzo assente na pedagogia das encruzilhadas. Essa noção está articulada a outras
duas operações integrantes do balaio tático exusíaco. São elas as noções de rolê
epistemológico e ebó epistemológico.
será preciso invocar um outro espírito que os restitua. Assim, o que nos resta na
tentativa de desfazer essas amarrações é esculhambá-las via os poderes do encante.
Lancemos mão do repertório de mirongas dos “negos véio”, já que se torna cada vez
mais necessário desobsediar os assombros e carregos alimentados pelo
racismo/colonialismo.
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O caráter de multiplicação a partir da fragmentação faz alusão ao protagonismo de Exu presente na
passagem atorun dorun esù, essa passagem integra o corpo poético de Ifá.
6
Menção ao pensamento de Spinoza em Ética (2007).
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Menção as inscrições urbanas: Só Jesus expulsa demônios das pessoas.
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Menção a narrativa popular que diz acerca de pactos feitos, a partir do aprisionamento de demônios
em garrafas. Essa narrativa tem inúmeras variações, algumas delas o referido demônio aparece na veste
de outras figuras da cultura popular brasileira, uma delas é o Saci-Pererê.
forma dessa expressão é também o que é soprado pela boca, no hálito ritmado, vestido
em sons e palavras. Nesse sentido, Exu nos dá importantes contribuições para o
alargamento dos conhecimentos, contrastando o que está posto pelas razões ocidentais.
Para as noções assentes em seu signo, não há separação entre corpo e mente, tão quanto
entre os discursos verbais e não verbais. É Bara e Elegbara que nos permitem trabalhar
com esferas de saber que revelam uma complementaridade entre os gestos e falas na
produção de presenças da afro-diáspora.
As noções de Bara (Dono do corpo), como o princípio das nossas
individualidades e de nossa fisicalidade, junto a Elegbara (Senhor do poder mágico),
princípio das potências encarnadas pelo corpo, como todo movimento e ação criativa,
são fundamentais para giros conceituais que nos permitam outras leituras sobre o corpo
e suas potências. Esses domínios, para perto dos quais também podemos trazer o de
Enugbarijó, serão responsáveis por nos apontar caminhos a partir da indagação que
problematiza as possibilidades corporais.
Dessa maneira, no que tange o corpo, a pedagogia das encruzilhadas o
compreende como suporte de memórias, saberes, matriz primeira e potência motriz.
Essa consideração está presente na noção de incorporação, conceito que circunscreve e
credibiliza a dimensão dos saberes praticados, partindo do pressuposto de que todo
saber, para se manifestar, necessita de um suporte físico. Assim, o suporte físico-corpo
é, por sua vez, parte do saber; não há separação entre eles. O suporte físico – corpo
humano ou outra materialidade – é incorporado por um efeito, um poder que o “monta”.
A noção de incorporação traz para encruzilhada também a de mandinga, que,
por sua vez, é versada aqui como umas das formas de sapiência do corpo vibradas nos
tons da magia e do encantamento. As mandingas ressaltam aspectos ímpares e estão
vinculadas aos saberes corporais envoltos a atmosferas mágicas, únicas e
intransferíveis; configuram aquele tipo de saber que não pode ser traduzido por outras
textualidades que não sejam as pertinentes aos limites da sua própria manifestação, e só
pode ser vislumbrada no rito, na performatividade, em consonância com os elementos
que compõem a dimensão da magia.
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Trecho de uma narrativa mítica que ressalta a proeminência de Exu.
Referências bibliográficas