2008 - Arqueologia Da Psicanálise - o Problema Da Cura PDF
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Resumo
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DUNKER, C. I. L. - Arqueologia da Psicanálise: o problema da cura In: A Filosofia após
Freud.1 ed.São Paulo : Humanitas, 2008, v.1, p. 223-234.
1
Charcot, J.M. – Grande Histeria, Contracapa, Riod e Janeiro, 2003.
2
Roudinesco, E. – O Paciente, o Terapeuta e o Estado, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2005.
3
Freud, S. – História do movimento psicanalítico (1914), in AO, V. XIV:21.
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2. A Cura
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Hanns, L. – icionário Comentado do Alemão de Freud, Imago, Rio de Janeiro, 1996:332.
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influência que o analista exerce sobre seu analisante e, inversamente, que seu analisante
exerce sobre seu analista. Método sem ética ou ética sem método ? – como delimitar o
tipo de influência que encontramos na cura psicanalítica ? Aliás é sobre este tema que
Freud se detém no artigo sobre o Tratamento Psíquico:
3. O Poder
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Freud, S. – Tratamento psíquico (tratamento da alma) (1890), in AO, V. I:123.
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Lacan, J. – Direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958), in Escritos, Jorge Zahar, Rio de
Janeiro, 2001.
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Lacan, J. – Variantes do tratamento padrão (1955), in Escritos, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1998.
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4. Cuidado de Si e Soberania
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de Foucault 8 neste campo e é pouco provável que tivesse contato com o trabalho de
Hadot 9 . Sua fonte helenística disponível era, possivelmente, os trabalhos de
Festugière 10 , que incorporavam as práticas estóicas e a ascese filosófica à ascese
religiosa. No entanto quando Deleuze começa a recuperar os estóicos, principalmente
no que toca á sua concepção de linguagem, percebe-se uma imediata reação em Lacan.
Os textos do final da década de 60 e início dos anos 70 abundam em referências aos
estóicos.
Portanto não uma prática de vida, uma técnica da felicidade, para usar a
expressão de Freud, mas uma forma de ação e de desdobramento do conflito em uma
cena circunscrita exatamente entre o momento da organização social baseada no mito e
o momento de plena realização da filosofia como projeto político e ético. É este laço
entre tragédia e início da filosofia propriamente dita que interessou Lacan em várias de
suas considerações acerca do dispositivo clínico da psicanálise, veja-se, por exemplo, o
tema de Sócrates e o desejo do analista, o tema de Antígona, e as considerações sobre
Parmênides e pré-socráticos.
No conjunto os exercícios contidos nos diversas variantes do cuidado de si
testemunham um novo momento na forma de organizar o conflito. Se na tragédia o
conflito é tematizado como prova jurídica da verdade que decidirá a partilha entre
homens e deuses; se na retórica esta agonística se desloca para a relação de fala e
convencimento entre os mortais; com o cuidado de si o regime de fixação e regulação
do conflito se interioriza. O cuidado de si se forma no espaço deixado vazio tanto pela
cidade, quanto pelas leis e pela religião no que se refere a como conduzir a vida. Este
espaço será gradualmente revertido pelas técnicas de vida biopolíticas, religiosas e
11
jurídicas, que marcaram a idade média e a ascensão do cristianismo . Portanto a
discussão sobre o caráter confissional da psicanálise, sobre a presença de uma ética da
renúncia e da resignação, sobre sua dependência para com o dispositivo de sexualidade
tem como ponto de partida justamente este momento helênico do cuidado de si.
8
Gros, F. – Situação do Curso, in Foucault, M. – A Hermenêutica do Sujeito, Martins Fontes, São Paulo,
2004: 629.
9
Hadot, P. – Filosofia da Antiguidade,
10
Festugière, A.J. – Contemplation et vie contemplative selon Platon, Paris, 1950:70 ss.
11
Focuault, M. op. cit. 543.
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Op. cit:40.
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em família, quer outrossim, transformar seu status em uma ação política de governo
sobre os outros. Diante desta demanda Sócrates lhe responde que o exercício do poder
deve ser antecedido pelo cuidado de si. Sem a experiência do cuidado de si, na qual
Alcibíades se mostra ignorante, o poder se extrapola em excesso ou se corrompe em
tirania. Não que falte a Alcibíades formação (paidéia), experiência política ou virtude
(sabedoria, justiça, temperança e coragem), falta o cuidado de si. Como cuidar dos
outros, no sentido de ser soberano de uma cidade, sem antes saber como cuidar de si ?
Alcebíades é levado à reconhecer sua ignorância sobre o que é isso, o próprio eu, do
qual ele deve se ocupar. Portanto é a ignorância, reposta ao longo do percurso, como
uma espécie de paixão renitente, que conduz o cuidado de si. Como trata-se de um dos
diálogos aporéticos nele não se elucida propriamente a questão levantada não sendo
possível uma medida exata do que significaria o cuidado de si para Platão. Certo é que
ele inaugura um logo trajeto de absorção, de redução e de dominação do cuidado de si
pelo conhecimento de si. Ignorância se opõe à saber, mas como o próprio diálogo
mostra, é também fonte e origem do cuidado.
É no quadro do cuidado de si que uma série de técnicas, práticas e dispositivos
serão relidos e transformados sempre por meio de uma relação dialogal. O cuidado de si
é uma atividade para toda a vida, mas que se inicia e se transmite privilegiadamente em
uma relação finita. A imagem que podemos ter desse processo é a de uma série de
encontros, de duração variável, entre um mestre e um discípulo. Este conjunto de
encontros, pode incluir o exame de situações pontualmente problemáticas: a doença de
um ente querido, ser deserdado pelo pai, assumir ou não um posto ou um encargo,
enfim tudo o que pode ser fonte de maus encontros durante a vida cotidiana. O cuidado
de si é impossível sem a participação ativa e continuada do outro. O homem ama
demais a si mesmo para se libertar sozinho, afirma Galeno. Mas se é na esfera das
relações humanas que emergem as dificuldades não seria fora delas que estas se
resolveriam.
O outro, suporte e condição para o estabelecimento do cuidado de si, possui um
estatuto ambíguo, ora aproxima-se de um amigo, outras vezes de um conselheiro fixo e
ainda de um mestre ou médico da alma. Tais técnicas praticadas incluem a purificação
(catharsis), a concentração e dispersão da alma, o retiro e as provas. Incluem ainda a
preparação e exame dos sonhos, o exercício da memória sobre os atos que compõe a
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Foucault, M. op. cit: 306.
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5. Conclusão
Vimos então que a recusa da noção de cura em psicanálise pode ser lida como
resistência com relação às tradições psicoterapêutica e clínica, como uma ruptura com
relação à forma de poder que estas trazem consigo. Mas esta ruptura não deveria nos
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