Construcao Da Identidade
Construcao Da Identidade
Construcao Da Identidade
i d o d a Vid
t
O Se n
eliz!
S e r F
Quem sou eu? Como me vejo? Como penso que os outros me vêem? Como os outros
me vêem de fato? Hoje eu sou a mesma pessoa de vinte anos atrás? Seria a mesma pessoa,
Refletindo sobre as duas primeiras indagações, podemos nos interrogar sobre o fato de
um de nós ser, por exemplo, homem, mas também pai, professor, membro da classe A,
militante do movimento negro, católico, nordestino, brasileiro... Este nosso “eu” imaginário,
como todos nós, possui várias facetas identitárias, mas alguma delas pode ter um “peso”
maior do que as outras. Nas suas atitudes e práticas políticas, por exemplo, que fator será
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José Carlos Castelo Branco Filho – E-mail: [email protected]
Psicólogo, mestre em Psicologia, na área de Processos psicopatológicos e ações terapêuticas e responsável pelo Castelo Branco -
Consultório de Psicologia, onde atende jovens, adultos e casais nas áreas Clínica, Hospitalar, Saúde Mental e Plantão Psicológico. Atua
como psicólogo hospitalar da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, na qual integra o NUPSI – Núcleo de Psicologia do Hospital
de Base de Brasília. É membro titular do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal. Tem realizado oficinas e palestras em empresas e órgãos públicos com vistas à melhoria da qualidade de vida e ao equilíbrio e
desenvolvimento pessoal e profissional. É membro da Sociedade Brasileira de Psicologia, da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar e
da World Association for Person-Centered and Experiential Psychotherapy and Counseling(Associação Mundial para Psicoterapia e
Aconselhamento Centrado na Pessoa e Experiencial).
determinante? A classe social ou a condição de militante negro? Será que sempre prevalecerá
uma mesma faceta identidária sobre as outras? Dito de outra forma: de que “lugar” este “eu”
fala? Fala sempre do mesmo “lugar”? Em que “lugar” se situa, ao “escutar” um determinado 2
discurso de outro?
Essas poucas indagações mostram que tal complexidade torna necessário o estudo da
estruturas sociais.
o ser coloca-o numa perspectiva estática: o ser é, num dado espaço e tempo.
era do sensório como determinante de todos os fenômenos, quer sejam físicos, quer psíquicos.
despregar-se desse enfoque estático. Desta forma, o confronto do eu com os outros, com o
mediada pela adoção da melhor situação possível dentro de perspectivas locais. Introduz-se
realidade.
ciência. Cabe ressaltar que, embora este momento dito pós-moderno seja um momento da
sociedade ocidental, ele é usado aqui para representar uma transformação do caminho até
então percorrido pelo pensamento no Ocidente. Uma nova era se faz anunciar, onde possa
paradoxo, em suas manifestações mais singulares, tarefa esta já antevista por Heráclito de
social. Entretanto, o pensamento de tais cientistas não pode ser visto como um todo único,
Como produto desses atributos, existiriam, portanto, dois tipos de identidade social: a
Por identidade social virtual entende-se aquela imputada pela sociedade, de acordo
com as categorias e atributos esperados por esta, enquanto a identidade social real diz respeito
Goffman (1975), ao usar o termo “identidade pessoal”, define-o segundo suas básicas:
que, portanto, não se encontra presente de igual forma em nenhum outro, constituindo, assim, 4
questão subjetiva e reflexiva que deve necessariamente ser experimentada pelo indivíduo cuja
O fundamental nesta visão reside no fato de a identidade estar sendo analisada a partir
determinaria. Nota-se, permeando este enfoque, portanto, uma visão dicotômica entre
identidade social real e identidade social virtual, normal e marginal. Por fim, resta salientar o
identidade.
Ainda dentro dessa visão moderna de identidade, encontramos posições teóricas mais
considerar a identidade como uma instância fixa, absorvedora de sentido, ou seja, fundada
numa exclusividade estática, “ser/não ser”. Vê-se, dessa maneira, uma tendência para
perceber os aspectos dinâmicos do processo. Berger e Luckman (1976) retratam bem esta
Por exemplo, desde cedo, a criança vai interiorizando e adotando os papéis e atitudes 5
de outras pessoas que se configuram como significativas; é através desta identificação com os
outros que ela passa a se identificar, a adquirir uma identidade subjetiva. Este processo se dá
através de uma dialética entre a identidade atribuída pelos outros e a identidade de que ela, a
Logo, é através dos processos sociais que a identidade vai sendo formada. É
porque esta deixa de ser concebida como um objeto último a ser atingido e passa a sê-lo de
uma forma mais dinâmica, pois através da dialética eu-outros a identidade é mantida,
modificada ou mesmo remodelada. Configura-se, desse modo, uma interação, pois não só a
estrutura social (através dos processos sociais) age sobre as identidades, como estas reagem
Por outro lado, coube à Psicologia Clínica desenvolver a noção de identidade pessoal,
dotada de uma certa constância e de uma certa unicidade”. (Lipiansky, 1992) apud Moreira e
Oliveira (2000).
sua articulação é, na maioria das vezes, implícita ou apenas esboçada. A identidade social
na Psicologia, traz em si mesmo um paradoxo crucial. Por um lado, ele remete às noções de
unicidade e especificidade (aquele que é único, o que caracteriza algo de alguém), portanto, o
que é diferente, mas, ao mesmo tempo, remete também à noção de semelhança (ao que é
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“Trata-se, ao meu ver, de um paradoxo e não de uma simples contradição; isto quer
dizer que os dois sentidos não funcionam segundo o princípio de exclusão (ou um ou
outro), mas que eles se apresentam concorrentemente (um e outro) e que,
fundamentalmente, a significação permanece impossível de ser separada".
Ter uma identidade é, ao mesmo tempo, ser alguém único, com características
idiossincráticas e ser alguém igual aos outros, no sentido de compartilhar com o grupo
(2000) como o conjunto de representações, sentimentos e opiniões que o sujeito tem sobre si
mesmo. Para esse autor (Tap, 1985), o sujeito constrói seu lugar e assume suas posições na
sociedade através da apropriação da cultura e das instituições sociais mediadas pelo outro. A
identidade, portanto, se forma no jogo das relações sociais na medida em que o sujeito se
Neste sentido, os grupos de referência, aos quais são associados modelos ideais e
a) a continuidade;
b) a coerência (unidade);
d) a diferenciação interna;
e) a diferenciação externa;
f) a afirmação de si;
g) a originalidade (unicidade).
Manter tais dimensões exige, por vezes, a utilização de estratégias defensivas. Por
exemplo, a identidade consolida-se na percepção que tem o sujeito do seu valor e do seu
rejeitado, desvalorizado, destituído de poder pelo grupo social de atingir a identidade pessoal
adolescência que ela se define, se encaminha para um perfil tornando esta experiência um dos
inicialmente com a mãe, logo em seguida com o pai e depois com os outros elementos da
Inicialmente, o bebê vive num estado de “fusão” com a mãe e, para ele, todo “o
universo” é constituído por ele próprio (incluindo a mãe). Aos poucos, a mãe (por “melhor”
que possa ser) vai introduzindo frustrações que permitem ao bebê perceber “a realidade”.
Permanece, entretanto, uma ligação importante com a mãe que exige uma “intromissão-
benéfica” do pai. Ele como que “rompe” este vínculo simbiótico e, ao se apresentar ao bebê e
à mãe, transforma o que era uma dupla em um triângulo. Ele se oferece, assim, como um
elemento importante e fundamental para identificação, agora não mais restrita à figura
outras pessoas da família, amigos e vizinhos se colocam para esta experiência identificatória
líder da turma.
identificarem.
condição de ser uma unidade pessoal ou entidade separada e distinta dos outros, permitindo-
plano social, à resultante de todas as identificações prévias feitas até o momento considerado.
Para Osório (1992), pode-se ainda acrescentar que o sentimento de identidade é função
SENTIMENTO DE
O que eu
IDENTIDADE
O que os penso que os
outros pensam outros pensam
que sou. que eu sou.
“O homem sempre buscou inspiração nos deuses e mestres para encontrar seus
próprios caminhos. E a psicologia nos tem ajudado perceber que desde cedo, como dito,
necessitamos do outro para definir nossa própria existência e identidade” (Levisky, 1998). 11
nossos pais, quando projetam no filho que há de vir aspectos de si mesmos. Assim, ninguém
por outra cultura. Assim, o canibalismo dos povos primitivos é hoje rejeitado pela cultura
movimentos psíquicos existentes na relação pais/filhos (as), com o (a) último (a)
modo de ser, pensar e viver. Nisso a cultura se faz presente, quer pelo modelo identificatório
dos pais, quer pela ação direta da própria cultura sobre os indivíduos, e em especial sobre as 12
crianças e adolescentes, por estarem num momento de construção das bases de suas
de, pelo menos, dois caminhos. O primeiro, observando a relação do indivíduo com ele
pensamentos considerados por ele como indesejáveis em sua pessoa, tais como certas
contemporânea. Observam-se uma liberação dos impulsos tanto amorosos quanto destrutivos
social.
Tais parâmetros são definidos pela cultura e expressam o ônus da civilização. Parece
existir, na atualidade, entre a maioria dos indivíduos, homens e mulheres, um certo estado de
ego com características específicas, ele possui um terreno fértil para sofrer induções,
sugestões, pregações de toda natureza, podendo ser utilizado como um “cidadão de papel”, na 13
processos internos da vida psíquica, marcados por características da evolução de cada época,
dos conhecimentos e da tecnologia, não dando tempo para que a mente humana se familiarize
Cassorla (1991) apud Levisky (1998) chama a atenção para riscos que existem na
empregado por Erikson para caracterizar o indivíduo que se identifica com o objeto caótico, 14
psicotizantes dos governantes, do desrespeito aos direitos humanos, das crises econômico-
e inseguros, temerosos na orientação de seus filhos, mobilizados que estão mais pelo medo do
objeto cultural intrafamiliar para poder se reidentificar com novos objetos descobertos fora
no cotidiano, nos grupos de contestação, nas músicas, vestuários, hábitos, manifestações que
podem ser equiparadas a uma destruição da cultura anterior para modernizá-la com novos
desorientados, e até mesmo perplexos, ante as mudanças que a cultura atual oferece. Vivem
mundos interno e externo. É a partir dessas relações que eles organizam suas experiências
pobre em alternativas a oferecer nessa busca de uma identidade mais profunda, há grande
formada por processos sociais. Uma vez cristalizada, é mantida, modificada ou mesmo
histórias no curso das quais emergem particulares identidades. Estas histórias, porém, são
Segundo eles, se tivermos em mente esta dialética podemos evitar a noção equivocada
estruturas sociais históricas particulares engendram tipos de identidade, que são reconhecíveis
em casos individuais.
sociedade. Os tipos de identidade, por outro lado, são produtos sociais tout court, elementos
relativamente estáveis da realidade social objetiva. Assim sendo, são o tema de alguma forma
de teorização em uma sociedade, mesmo quando são estáveis e a formação das identidades
sempre encaixadas em uma interpretação mais geral da realidade. São” embutidas “no
universo simbólico e suas legitimações teóricas, variando com o caráter destas últimas. A
fazer-se no quadro das interpretações teóricas em que são localizadas” (Berger e Luckmann,
1999).
Eles deixam claro que em seus estudos eles se referem às teorias sobre identidade
enquanto fenômeno social sem prejulgar nada quanto à aceitabilidade delas pela ciência
moderna.
“A emergência das psicologias introduz uma nova relação dialética entre identidade e
pretende definir e explicar. O nível dessa teorização pode naturalmente variar muito,
dimensão da realidade que tem a maior e mais contínua relev6ancia para todos os indivíduos.
intelectual alto, essas teorias podem ser ministradas por especialistas neste campo de
psicológicas penetram na vida cotidiana, fornecendo os esquemas interpretativos para que ele
sociais de identidade, ou entre a identidade e seu substrato biológico, podem ser classificados
fornecendo a ligação teórica entre a identidade e o mundo, tal como ambos são socialmente
realidade sua capacidade de gerar a realidade é uma característica, de que participam com
outras teorias legitimadoras. Contudo, seu poder realizador é particularmente grande, porque é
que pretende interpretar. Sua interiorização é acelerada pelo fato de referir-se à realidade
interna, de modo que o indivíduo a realiza no próprio ato de interiorização seja acompanhada
pela identificação, por conseguinte ipso facto é provável que seja formadora de identidade”
habitar um mundo com os outros. Este mundo torna-se para ele a realidade dominante e
definitiva. Seus limites são estabelecidos pela natureza, mas, uma vez construído este mundo
19
A existência do homem pode ser vista como uma contínua tentativa de “instalar-se” de
transformações. Ele tem de buscar uma ordem significativa entre suas experiências de vida
para este processo se dar. Quando se diz “buscar uma ordem significativa” refere-se ao fato de
mundo simbólico, com o qual organiza sua experiência pessoal por meio de construções sobre
o real em que são articuladas suas referências de mundo e de si mesmo – seus conceitos,
crenças, idéias, atribuições sobre si e sobre seu ambiente físico e social. Esse processo
aos outros como indivíduos e organizar suas ações em seu contexto de vida.
Tanto o indivíduo quanto suas concepções de realidade são constituídos nas relações
interpessoais. Essas inter-relações são mediadas por crenças, padrões, práticas e normas de
toda uma sociedade e esta, por sua vez, em parte, é construída por esses mesmo indivíduo
dela participante, em um processo contínuo e dinâmico de mútua construção, cuja direção não
é causal, mas determinada pelo somatório das ações políticas de todos os indivíduos que a
suas concepções de realidade, desenvolvem uma sociedade e cultura específicas nas quais se
inserem, sendo, concomitantemente, seu mundo simbólico por elas constituído, formando
o indivíduo constrói suas referências de mundo, incluindo aquelas através das quais ele pode
reconhecer-se como um determinado indivíduo – sua identidade. São referências em torno das
quais ele organiza a si mesmo e sua relação com o mundo, coletivamente compartilhadas,
conjunto organizado, como um sistema de construtos (Alvarez, 1992 apud Ferreira, 2000), e a
Assim, para Ferreira (2000), falar de identidade é falar de atores sociais voltados à
construção de uma trama gramática, podendo esta configurar-se em uma peça trash ou em um
belo drama.
construções de realidade por parte dos indivíduos, determinadas por sua participação em
Ciampa (1987) apud Ferreira (2000), considera a identidade não simplesmente como 21
uma representação da pessoa, como uma formulação de um centro estático e, sim, concebida
(2000), este último aspecto é de extrema importância para entender as questões apontadas
outros e, ao mesmo tempo, indicando uma semelhança sua em relação a determinado grupo de
referência, porém, mais do que isso – e o que é decisivo para o desenvolvimento da identidade
Adicionando-se a visão de Gadamer (1993) apud Ferreira (2000), para o qual a cultura
é o meio universal da experiência, significando ser o indivíduo por ela constituído, pode-se
seu aspecto físico. A visão deformada de tais qualidades, criada pelo europeu colonizador,
negativos.
constante transformação e constituída a partir de sua relação com o outro. Não é uma
multiplicidade, e, como sugere Coelho Jr. (1996) apud Ferreira (2000), ela seria mais bem
um sentido de autoria.
indivíduo se constrói; com concretude – não uma abstração ou uma mera representação do
indivíduo, articulando-se com uma vida concreta, vivida por um personagem concreto,
alicerce de uma sociedade igualmente concreta e constituída por vidas vividas; com
CONCLUSÃO
23
As indagações propostas no início deste trabalho são igualmente úteis para melhor
apreender algumas questões, sobre as quais existe um consenso nas variadas perspectivas não
deve-se destacar, em primeiro lugar, o entendimento da identidade, não como uma substância,
como algo dado e imutável, ou como uma condição, mas ao contrário, como um processo, um
interestruturação entre identidade individual e a identidade social dos atores sociais, em que
indivíduos, como sujeitos, como atores sociais. Mesmo com todo o peso das estruturas
possível clonar identidades, porque, mesmo possuindo um mesmo DNA, dois seres humanos
sucessivas mudanças de identidade, às vezes radicais; e até contraditórias entre si, mas que 24
Temos que considerar também um aspecto importante, que é a seguinte questão: que
modelos para a identificação dos adolescentes oferece a sociedade brasileira? São eles
Ele acredita ser desnecessário exemplificar tal posição, fazendo referência apenas ao
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
25
OUTEIRAL, José Ottoni. Adolescer - Estudos sobre adolescência. Artes Médicas. Porto
Alegre, 1994.
OSORIO, Luiz Carlos. Adolescente hoje. Artes Médicas. São Paulo, 1989.
MOREIRA, Antonia Silva Paredes & OLIVEIRA, Denize Cristina de (Orgs.). Estudos
Interdisciplinares de Representação Social. Editora Goiânia: AB. Goiânia, 2000.
2a. ed.
NUNES, Ângela Maria de Souza. Uma Reflexão acerca do conceito de identidade. In:
Arquivos Brasileiros de Psicologia. Vol. 38 – out./dez. No. 04 Fundação Getúlio
Vargas. São Paulo, 1986.