Isadora Talita Lunardi Diehl

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL

CARIJÓS, MULATAS E BASTARDOS:


A ADMINISTRAÇÃO INDÍGENA NOS CAMPOS DE VIAMÃO E NA VILA DE
CURITIBA DURANTE O SÉCULO XVIII

Dissertação de mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História da
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul como requisito
parcial para obtenção de grau de
Mestre em História.

Orientadora: Profª Drª. Helen Osório

Porto Alegre
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ISADORA TALITA LUNARDI DIEHL

CARIJÓS, MULATAS E BASTARDOS:


A ADMINISTRAÇÃO INDÍGENA NOS CAMPOS DE VIAMÃO E NA VILA DE
CURITIBA DURANTE O SÉCULO XVIII

Banca Examinadora:

_____________________________________
Profª.Drª. Maria Regina Celestino de Almeida.
Universidade Federal Fluminense.

_____________________________________
Profº. Drº. Fábio Kuhn .
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
_____________________________________
Profº. Drº. Eduardo dos Santos Neumann.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

_____________________________________
Profª. Drª. Helen Osório (Orientadora).
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Às mulheres indígenas do Brasil.
RESUMO
Esta dissertação trata dos lugares sociais que os indígenas ocuparam nas sociedades luso-
brasílica formadas em Curitiba e em Viamão durante o século XVIII. Assim, o foco
principal deste trabalho foi o de demonstrar a importância da mão de obra ameríndia,
utilizada principalmente através da chamada administração indígena, para a formação
daqueles povoados. A primeira parte deste estudo relacionou a expansão bandeirante para o
sul com o apresamento dos nativos. Também expôs a configuração legal e institucional da
administração particular de índios, além de compará-la com outras formas de exploração
de trabalho. A segunda parte desta dissertação utilizou registros paroquias, especialmente
batismos, para debater as categorias sociais nas quais os indígenas foram enquadrados nas
duas freguesias em estudo. Por fim, trouxe uma análise das transformações dos
classificativos étnicos, buscando explicitar a incorporação destes indígenas em uma
sociedade de livres e pobres.

Palavras-chave: administração indígena, escravidão indígena, século XVIII, bandeirantes,


Curitiba, Campos de Viamão.
ABSTRACT

This dissertation is about the social spot that the indigenous occupied in the Portuguese-
Brazilian societies formed in Curitiba and Viamão during the XVIII century. Thus, the
main focus of this work was of demonstrating the importance of the Amerindian labor, used
mainly through the so-called indigenous administration, to the formation of those towns.
The first section of this study related the bandeirante expansion to the south with the
entrapment of the natives. It also exposed the legal configuration and institutionalization of
the particular administration of the indigenous, besides comparing it with other forms of
labor exploitation. The second part of this dissertation utilized parochial records, especially
baptisms, to debate the social categories in which the indigenous were encompassed in the
two districts in study. Finally, it brought an analysis of the transformations of the ethnic
classifiers, seeking to detail the incorporation of these indigenous in a society of the free
and poor.

Key Words : indigenous administration, indigenous slavery, XVIII century, bandeirantes,


Curitiba, Campos de Viamão.
AGRADECIMENTOS
Escrevo estes agradecimentos no momento em que a primeira mulher presidenta do
Brasil foi afastada do cargo. Este é um capítulo triste para a história de um país tão
excludente. Não cabe aqui relembrar todos os erros de um governo que virou as costas para
as suas bases. Mas, este é o momento de agradecer os acertos. Essa dissertação só pode ser
escrita pelo financiamento do governo federal através do CNPQ, do qual fui bolsista nestes
dois anos. Da mesma maneira só pude realizar o curso de bacharelado e estar prestes a
concluir a licenciatura porque a Universidade Federal do Rio Grande do Sul é pública e
gratuita. Meu desejo é que assim se mantenha e que outras pessoas como eu possam ter a
oportunidade de estudar.
A realização deste trabalho foi um desafio, porque a vida exige em muitos âmbitos e
não é nada simples atender a todas as demandas. Quero, portanto, agradecer a todos que em
algum momento contribuíram direta ou indiretamente para a feitura desta dissertação.
Começo agradecendo às muitas pesquisadoras e pesquisadores que antes de mim se
debruçaram sobre estes temas e reflexões. Eu agradeço primeiramente, porque, ainda que
em diversos momentos tenha me contraposto a seus estudos ou conclusões, isso só foi
possível pelos esforços que realizaram em seus trabalhos.
Sou grata também aos meus professores e professoras, não só àqueles que nos
últimos anos tem contribuído fortemente para a minha formação universitária, mas também
aos que ensino básico me mostraram os caminhos da história. Foi lá em meados da 6º série
do ensino fundamental que me dei conta de que a nossa sociedade excluía os povos
indígenas e que sabíamos muito pouco sobre seu passado e seu presente. Desde lá, foi nos
caminhos apresentados pelos educadores, que pude buscar o que essa dissertação tem como
objetivo principal: demonstrar que os indígenas foram e são essenciais na formação da
nossa sociedade.
É por isso que agradeço intensamente aos professores Eduardo Neumann e Fábio
Kühn, figuras indispensáveis na minha formação e na bibliografia que compõem esta
dissertação. Sou também grata a eles por mais uma vez comporem uma banca que me
avalia. Da mesma forma agradeço a Profª. Maria Regina Celestino de Almeida por aceitar
este convite.
Agradeço também a outros professores e professoras que, na graduação e no pós,
contribuíram para minha formação: Jonas Vargas, Silvia Petersen, Benito Schmidt, Regina
Xavier, Adriana Dias, Arthur de Avila, Carla Meinerz, entre tantos outros.
Acima de tudo sou grata a minha orientadora Helen Osório. Desde 2010, quando me
tornei sua bolsista de iniciação científica, vem me ensinando. Obrigada pelo seu olhar
atento a minha pesquisa e principalmente pela forma humana com que sempre me tratou.
Agradeço imensamente pela sua compreensão nos momentos difíceis pelos quais passei ao
longo destes anos e pelo apoio e incentivo, se não fosse por eles não teria seguido tão
longe, não teria acreditado que poderia ser uma pesquisadora.
Ainda agradeço as minhas alunas e alunos que me ensinaram diversas formas
diferentes e complexas de pensar. Ensinaram-me também a ser mais paciente e me
divertiram imensamente.
Uma grande obrigada à Geórgia Manfroi, que colocou parte dos registros de
batismo de Curitiba no banco de dados. Aos colegas do grupo de estudos indígenas na
história pelas ricas discussões bibliográficas e pelas contribuições neste texto,
especialmente: Karina Melo, Soraia Dornelles e André Anzolin. Também à Marina Gris,
pela presença alegre e eficiência burocrática. Ainda à Giulia, amiga de infância, que me
recebeu duas vezes em Curitiba.
Sou grata principalmente aos amigos e amigas que fiz durante a graduação. Muitos
estiveram em diferentes âmbitos e seus nomes apareceriam repetidamente. Agradeço aos
companheiros e companheiras do (já tão antigo) CHIST, que em meados de 2008 fizeram
me sentir menos solitária na luta por um mundo mais justo. Às amigas feministas que me
ajudaram a acreditar mais em mim: Laura Galli, Linaia Palácio, Gabi Zepka e Nathália
Cadore. Ao Cláudio Klippel e ao Lennon pelas portas sempre abertas da Comuna dos
Vândalos. Aos que se engajaram em algum momento nas atividades realizadas enquanto
representação discente.
Não posso deixar de mencionar as pessoas que fizeram parte do meu nomadismo
constante e dividiram um lar comigo nos últimos anos: Alfredo, Milene, Camila, Júlia e
Mauri. A Júlia sou grata pelas madrugadas geladas em que ao invés de estudarmos
debatíamos acaloradamente diversos assuntos que ampliaram meus horizontes. Ao Mauri
agradeço pela amizade sincera, pelo apoio incondicional, pela coragem de construir uma
vida juntos. Obrigada, sem ti não teria conseguido.
Agradeço as minhas amigas mais antigas e mais corajosas, que resolveram cruzar
oceanos: minha irmã Augusta, com quem eu aprendi a importância de cuidar de alguém, e a
Pat, que me apoiou em tantos momentos difíceis. Aos meus irmãos: Eduardo, pela parceria
que construímos, e Nicolau, por ter sido sempre o esteio da minha vida. A minha cunhada
Elisa, pela positividade que sempre transmite e a minha sobrinha Cecília, pelo amor que é
capaz de gerar. A minha mãe, pela importância que sempre deu aos estudos, as minhas tias
e avós, mulheres fortes que me ensinaram muito. Ao Zeca, que sempre se esforçou para nos
sustentar e ama uma boa história.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACMRJ- Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.

AESP- Arquivo Estadual de São Paulo.

AHCMPA- Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.

AHESC-Arquivo Histórico Eclesiástico de Santa Catarina.

ANSLPC- Arquivo da Catedral Basílica Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.

DEAP – Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná.

APERS- Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul.

CEDOP/UFPR- Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios


Portugueses, Departamento de História da Universidade Federal do Paraná.

LB- Livro de Batismo.

LO- Livro de Óbitos.

LC- Livro de Casamentos.

PRFP- Projeto Resgate das Fontes Paroquiais.

f.- folha.

p.- página.

t.- termo.

v. – volume.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Origem dos proprietários de indígenas da Freguesia de Nossa Senhora da


Conceição de Viamão, 1751-1758 ...................................................................................... 47

Tabela 2. Total de indivíduos com classificativos indígenas na Freguesia de Nossa Senhora


da Luz Dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764 ..................................................................... 104

Tabela 3. Condição das Mães e pais na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba, 1737-1764........................................................................................................... 107

Tabela 4. Classificativos das mães e pais administrados na Freguesia de Nossa Senhora da


Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764............................................................................ 115

Tabela 5. Classificativo das mães e pais livres na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764.......................................................................................... 117

Tabela 6. Classificativo das mães e pais forros na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764.......................................................................................... 122

Tabela 7. Legitimidade por Grupo de mães na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764.......................................................................................... 139

Tabela 8. Legitimidade entre as mães sem classificativo na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764...................................................................................................... 144

Tabela 9. Legitimidade entre as mães livres na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba, 1737-1764......................................................................................................................... 145

Tabela 10. Legitimidade entre as mães forras na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba, 1737-1764......................................................................................................................... 145

Tabela 11. Legitimidade entre as mães escravas na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais
de Curitiba, 1737-1764. .................................................................................................................. 145

Tabela 12. Legitimidade entre as mães administradas na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764. ..................................................................................................... 146

Tabela 13. Condição das mães ao longo do tempo Nossa Senhora Luz dos Pinhais de Curitiba,
1737-1764. ...................................................................................................................................... 155
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico1. Desenvolvimento temporal da população nos Campos de Viamão, 1751-1758


............................................................................................................................................ 105

Gráfico 2. Categorias das mães ao longo do tempo na Freguesia de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764 (%) ........................................................................... 158

Gráfico 3. Uso do termo carijó e bastarda para classificar as mães nos batismos na
Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764 (nº) ................. 161

Gráfico 4. Desenvolvimento da População indígena nos Campos de Viamão, 1751-1758


(%) ..................................................................................................................................... 164

LISTA DE MAPAS

Mapa 1. Esquema geral das expedições de apresamento 1550-1720..... ............................ 31

Mapa 2. FARIA, José Custódio de Sá e. Exemplo geográfico do terreno que corre desde a
vila do Rio Grande de São Pedro até o distrito de Viamão, c.1763.................................... 34

Mapa 3. Mapa do Caminho das tropas (1780-1810) ......................................................... 39


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 12

CAPÍTULO 1. “O GENTIO EM PEQUENOS LOTES”: POVOAMENTO, LEGISLAÇÃO E


CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO INDÍGENA NO SUL SETECENTISTA .................... 25

1.1. BANDEIRANTISMO E CATIVEIRO INDÍGENA NO POVOAMENTO DO SUL DO BRASIL ................................ 26


1.1.1. Administração indígena: o povoamento bandeirante ................................................................ 36
1.2. “USAREM DE SUA LIBERDADE PARA SE REPARTIREM PELOS MORADORES”: LEI, COSTUME E
ADMINISTRAÇÃO INDÍGENA ..................................................................................................................... 46

1.2.1. A lei e a escravidão: o arbítrio privado e a ampla gama de legisladores ................................... 48


1.2.2. A mão de obra indígena em disputa .......................................................................................... 50
1.2.3. Configurações institucionais da administração indígena .......................................................... 54
1.2.4. Os poderes locais e a administração indígena .......................................................................... 57
1.2.5. “Que pessoa alguma chame negros aos índios”: o Diretório pombalino e os administrados do sul
......................................................................................................................................................... 62
1.3 ESCRAVIDÃO E CLIENTELISMO: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA PENSAR A ADMINISTRAÇÃO INDÍGENA 71
1.3.1. O conceito de escravidão ......................................................................................................... 72
1.3.2. Relações clientelares................................................................................................................ 74
1.3.3. Administração indígena em debate ........................................................................................... 78

CAPÍTULO 2. A ADMINISTRAÇÃO INDÍGENA SOB A ÓTICA DOS REGISTROS PAROQUIAIS


.................................................................................................................................................................. 86

2.1. CLASSIFICATIVOS SOCIAIS: UM CAMINHO PARA ENTENDER OS LUGARES SOCIAIS OCUPADOS PELOS
INDÍGENAS. ............................................................................................................................................ 88
2.1.2. Qualidades e condições jurídicas: a servidão dos indígenas no sul do Brasil ............................ 94
2.1.3. Os livros de batismo................................................................................................................. 96
2.2. A FORÇA DE TRABALHO INDÍGENA .................................................................................................. 103
2.2.1. Índios, tapes e gentio da terra ................................................................................................ 109
2.2.2 Administrados......................................................................................................................... 114
2.2.3 Bastardos: os índios livres e forros. ........................................................................................ 116
2.2.4. “Que foi administrado”: uma condição incerta ...................................................................... 124
2.3. O LÉXICO PAULISTA E OS LUGARES SOCIAIS DOS INDÍGENAS. ............................................................ 130

CAPÍTULO 3. UM MUNDO MESTIÇO ............................................................................................... 133

3.1. MESTIÇAGENS ............................................................................................................................... 134


3.1.1. Filhos ilegítimos .................................................................................................................... 137
3.1.2. Filhos legítimos ..................................................................................................................... 144
3.2. BASTARDOS E INGLÓRIOS: AS TRANSFORMAÇÕES DOS INDÍGENAS DO SUL. ........................................ 152
3.2.1. Presenças indígenas e transformações taxonômicas. .............................................................. 153
3.2.2. Pedidos de liberdade: tensionamentos da condição de administrados ..................................... 169
3.3. MUDANÇAS NOS CLASSIFICATIVOS SOCIAIS ..................................................................................... 174

CONCLUSÕES ...................................................................................................................................... 177

FONTES ................................................................................................................................................. 187

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 190


12

INTRODUÇÃO

Em janeiro de 1737, o vigário Manuel Domingues Leitão inaugurava o livro de


servos da Paróquia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba com o registro de batismo de
Paulo, filho da “solteira carijó administrada de José Leme”, o qual “deu-se por pai”
Nicolau Paes, também solteiro e natural da vila de Itu. Dez anos depois, principiavam-se os
assentos de Nossa Senhora da Conceição de Viamão, e foi registrado o batismo de
Domingos, filho de Raimundo Fernandes e Natária de Oliveira, ambos forros e do gentio
da terra. Estes primeiros batismos das duas freguesias já apontam a miríade de
denominações e situações sociais em que podemos encontrar os indígenas nestas
localidades durante o período colonial. No primeiro temos uma carijó administrada, que de
alguma forma se relacionou com um “paulista”. No segundo temos um casal indígena com
sobrenome e denominado de forros.
É justamente a partir da observação da complexidade de taxonomias presente nos
registros eclesiásticos que parte esta dissertação. Suponho que tais registros, junto a outros
tipos de fonte, ajudem a compreender a rota terrestre de povoamento dos territórios ao sul
de São Paulo. A hipótese da qual parto é que tal rota teria sido empreendida pelos paulistas
e que a captura de indígenas e sua administração por particulares tenham sido fatores que
impulsionaram e viabilizam a ocupação dos territórios sulinos. Logo, o foco principal desta
pesquisa é a questão da prática de cativeiro dos nativos, conhecida como administração
indígena, e as transformações das relações entre indígenas e não indígenas, nos núcleos
populacionais luso-basílicos em formação no século XVIII: Curitiba e os Campos de
Viamão.
Compreender os mecanismos de funcionamento da administração indígena nas
localidades em estudo parece-me ponto fulcral para entendermos as sociedades luso-
brasílicas que ali se formavam. É através das categorias sociais presentes na documentação
eclesiástica (notadamente os registros de batismo) das paróquias de Nossa Senhora da
Conceição de Viamão e de Nossa Senhora da Luz de Curitiba, que procuro compreender o
papel dos índios administrados no povoamento, colonização e conformação social dos
territórios do sul a partir da expansão paulista, durante o século XVIII. Foi também através
das transformações destas categorias que se puderam observar as dinâmicas dos lugares
13

sociais ocupados pelos indígenas nestas localidades.


As paróquias abarcavam uma área maior do que as atuais cidades de Viamão e
Curitiba. A primeira delas servia à população espalhada por uma área que englobava
praticamente toda a parte norte do atual Rio Grande do Sul, chamada pelos moradores de
Campos de Viamão. Por isso, a todo o momento, irei me referir aos Campos de Viamão e
não apenas o núcleo populacional de Viamão.
A freguesia de Curitiba também tinha uma jurisdição mais abrangente, mas que
ficou praticamente restrita à área da vila, ainda durante o século XVIII, com a criação de
outras freguesias bastante próximas. Portanto, neste caso na maior parte das vezes refiro-me
à área da própria vila1, que era partícipe da Capitania de São Paulo.
Nos registros paroquiais estão presentes diversas taxonomias que nos permitem
observar categorias que podem revelar hierarquias sociais e formas de mobilidade social,
sendo um veículo para acessarmos os papéis dos indígenas na conformação da sociedade
luso-brasílica no extremo sul da América portuguesa. Para encontrar tais categorias sociais,
utilizei os primeiros livros de registros de batismo (que incluem indígenas) conhecidos em
cada uma das regiões em estudo. Para Curitiba analisei o 4º Livro de batismo, que é um
livro de servos, cujos registros abrangem um período entre 1737 e 1764. No caso de
Viamão o primeiro livro contém assentos de indígenas, escravos e da população livre e
inicia-se em 1747 indo até 1759. Os registros paroquias utilizados foram os microfilmados
pelos “mórmons” e disponibilizados no site familysearch.org.
Estes registros de batismo abarcam períodos importantes para a compreensão das
relações entre indígenas e não indígenas. Por serem os primeiros disponíveis, são das
principais fontes que informam sobre a sociedade no período de fixação dos luso-brasílicos
no extremo sul, já que a documentação para o período é bastante escassa. Essa
documentação também ajudou a compreender um período de transformação no status dos
índios administrados. Como é possível observar através do Capítulo 1 desta dissertação, há
diversas tentativas de regulamentação legal das relações entre indígenas e colonos durante o
período, sendo a Lei de Liberdade dos índios, do ano de 1755, e o chamado Diretório dos

1
Atualmente Curitiba fica no estado do Paraná, que só passou a existir enquanto unidade político-
administrativa em 1853, quando foi desmembrado da Província de São Paulo. Logo, toda vez que me refiro a
algo “paranaense” quero dizer que está no território que posteriormente veio a se configurar como Paraná. Tal
anacronismo é um recurso por vezes necessário para evitar exaustivas explicações toda vez que me refiro
àquele território.
14

Índios (1758), considerados pela historiografia pontos de inflexão nesta legislação. Durante
todo este trabalho busquei demonstrar que a lei e a prática, ainda que pudessem se
influenciar mutuamente, eram, certamente, coisas distintas.
De forma complementar utilizei outras fontes, de origem eclesiástica ou não, como
os registros de óbito e casamento dos primeiros livros existentes para os Campos de
Viamão, cujas datas limítrofes são 1747 e 1769. Também utilizei os Róis de Confessados
de Viamão, de 1751, 1756, 1757 e 17582, que são listas nominativas, confeccionadas na
época da quaresma, quando o padre percorria as distintas famílias da paróquia tomando
confissões. Estes documentos apresentam um retrato aproximado de cada unidade familiar,
na qual é possível detectar a presença de indígenas convivendo com escravos de origem
africana e com luso-brasileiros3.
Para o planalto curitibano temos uma documentação parecida com os Róis, mas
produzida com a finalidade inicial de fazer o recrutamento militar: são as já conhecidas
Listas Nominativas ou Maços de população de São Paulo4. Para Curitiba tais listas iniciam-
se somente em 1776. Além disso, estes primeiros documentos tem apenas o número de
administrados e escravos, não sendo possível identificar quem são. Por isso, serviram
apenas como suporte da discussão apresentada no Capítulo 3 desta dissertação.
Também foram utilizados nesta pesquisa todas as vinte e oito Correições de
Ouvidores em Curitiba e as atas da Câmara de Vereadores, de 1700 a 1728 transcritas nos
Boletins do Arquivo Municipal de Curitiba. Além disso, foram consultadas Cartas, Ordens
Régias e Relatos de expedições5. Também para o Rio Grande do Sul pesquisei dois
primeiros livros de Atas da Câmara, que cobrem um período de 1766 a 1788, e

2
AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão 1751, 1756, 1757 e 1758
3
O primeiro autor a trabalhar com esta documentação foi KÜHN, Fábio. Gente da Fronteira: Família,
Sociedade e Poder no Sul da América Portuguesa- Século XVIII. UFF, Niterói: 2006. (Tese de doutorado).
Para uma análise mais completa dos indígenas nos Róis de Confessados ver: DIEHL, Isadora Lunardi.
“Administrando almas”: uma análise da escravidão indígena através das unidades familiares, Campos de
Viamão (1750-1760). UFRGS, 2012. (Trabalho de conclusão de curso).
4
Lista nominativa de Curitiba 1776, 1777, 1778, 1782, 1783, 1784, 1786, 1787, 1789, 1790, 1791, 1792,1793,
1794,1795. Transcrições do CEDOPE/ UFPR. Originais do AESP. Ver: BACELLAR, Carlos de Almeida
Prado. Arrolando os habitantes no passado: as listas nominativas sob um olhar crítico. Locus: Revista de
História. Juíz de Fora, v. 14, n.1. p. 113-132, 2008.
5
Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a história do Paraná. Curitiba: Typ. E lith a
Vapor Impressora Paranaense, 1906, Vol. 2. ;Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a
história do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924, Vol. 8. Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba:
Documentos para a história do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924. Vol. 10.
15

correspondência desta6.
Atualizei a linguagem de todas as transcrições realizadas no trabalho. Tal
procedimento, ainda que possa resultar em alguma perda, especialmente quando se está
analisando o vocabulário, me pareceu pertinente para facilitar a leitura.

****
Se a presença indígena no sul do Império português colonial é atestada pelos
registros eclesiásticos, reconstituir suas histórias não foi tarefa fácil. Escrever a história dos
indígenas no setecentos é escrever a partir de muitos silêncios. É refletir a partir de muitas
ausências. Em parte isso se dá pelo fato de que as populações nativas dos territórios que
viriam a ser a região sul do Brasil eram ágrafas e ainda que muitos indígenas tenham
escrito7, a maior parte da documentação em que poderíamos extrair informações sobre eles
foi escrita por outros, que não partilhavam por completo suas lógicas. Isso é especialmente
válido quando tratamos de contar a história de indígenas altamente integrados à população
de origem europeia, como os que este trabalho busca abordar. Portanto, esse é o primeiro
silêncio do qual precisamos partir.
O segundo silêncio refere-se à própria produção e conservação da documentação.
Em zonas de colonização “tardia”, como as que se estudou neste trabalho, os primeiros
documentos datam do fim do século XVII e início do XVIII, época do povoamento luso-
brasílico. Mas, mesmo para estes períodos são escassos os documentos escritos. Também as
péssimas condições de conservação da documentação ao longo dos séculos contribuíram
para que pouco chegasse até os nossos dias. Estes fatores colaboram para aprofundar o
silêncio sobre os índios.
Há muito sabemos que os estratos subalternos da população estão sempre menos
representados na documentação. Quando tratamos de índios que viviam em cativeiro o
silêncio aprofunda-se ainda mais. A escravização dos nativos da América havia sido

6
Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho. Registros de Correspondência da Câmara: Livro I
(1763-1834) e Livro II (1769-1819).; Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho. Termos de
Vereança: Livro I (1766-1780) e Livro II (1780-1788). O levantamento inicial destas atas foi feito enquanto
eu era Bolsista de Iniciação Científica no Projeto o Bom Governo das Gentes- CAPES/ COFECUB-
Coordenação de Fragoso e Schaub.
7
NEUMANN, Eduardo. Práticas letradas Guarani: produção e usos da escrita indígena (século XVII e
XVIII). Rio de Janeiro: UFRJ, 2005 (Tese de doutorado).
16

proibida pelo poder eclesiástico e, por consequência, pela Coroa portuguesa, ainda durante
os primeiros anos de colonização do Brasil. Exceto algumas situações específicas, era
proibido possuir cativos indígenas. No entanto, os colonos trataram de contornar esta
proibição e instituíram a chamada administração indígena. Logo, tratar dos índios
administrados é de certa forma estudar uma contravenção e a natureza da contravenção faz
dela algo oculto, e por isso difícil de estudar.
Ainda que seja difícil escrever a partir de tantos silêncios, a presença indígena no
nosso país é inegável e a historiografia têm se desenvolvido no sentido de dar visibilidade a
estas histórias. A partir dos anos de 1970, os estudos coloniais ganharam um novo impulso
e novas temáticas surgiram, fazendo abundar estudos sobre os escravos e a escravidão.
Estes estudos ajudaram a renovar o campo da história, trazendo do “silêncio dos arquivos”
aqueles agentes que até então estavam esquecidos. Além dos escravos, mulheres,
desclassificados, cristãos-novos, começam a ser objeto de pesquisas. Mas, ainda não seria
neste momento que a história dos indígenas ganharia atenção 8.
Logo, até os anos de 1980 existiam poucos trabalhos de história que tivessem por
objeto os indígenas. A maior parte da historiografia brasileira sobre os grupos ameríndios
estava pautada por uma visão eurocêntrica, no qual as lógicas e dinâmicas indígenas não
estavam presentes. O “índio” era comumente visto como “sem história”. Cristalizado ao
longo do tempo, não teria uma dinâmica que permitisse mudanças em suas manifestações
culturais, econômicas e sociais. Assim, tendia-se a procurar o “índio puro”, que mantivesse
seus traços culturais “originais” e “intocados”. Diante da impossibilidade de encontrar tais
indígenas, consolidou-se uma visão da extinção dos nativos da América 9.
No final dos anos 1980 as coisas começam a se modificar. Em Segredos Internos,
Stuart Schwartz10, apontou uma direção importante para o estudo das relações de trabalho:
a de perceber a escravidão dos indígenas integrada ao processo mais amplo da constituição
do sistema escravista no Brasil. Assim, o autor dedicou dois capítulos para demonstrar que,
apesar de proibida, a escravidão dos nativos esteve na base da constituição da lavoura

8
MONTEIRO. John Manuel. Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e do Indigenismo.
UNICAMP: Campinas, 2001. (Tese Apresentada para o Concurso de Livre Docência).p.07.
9
MONTEIRO, John Manuel. Armas e armadilhas: história e resistência dos índios. In: NOVAES, Adauto.
(Org.). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 237- 249.
10
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988.
17

açucareira na Bahia. A inserção dos indígenas nesta economia não respondeu apenas às
demandas dos colonizadores; as formas de produção obedeceram também às dinâmicas dos
nativos. O processo de transição dessa mão de obra para a africana é explicado como um
processo econômico, mas onde também pesam a política e a cultura.
Pouco tempo depois, é lançado Índios na história do Brasil (1992), organizado por
Manuela Carneiro da Cunha 11. Apesar de muitos dos artigos ali presentes não terem sido
escritos por historiadores, estes trabalhos foram importantes referenciais para os
subsequentes e, acima de tudo, colocam em pauta a necessidade da construção de uma
história indígena. O artigo de Beatriz Perrone-Moisés nesta coletânea, sobre a legislação
indigenista colonial é, até os dias de hoje, a grande referência da temática12.
O trabalho de John Monteiro- Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens
de São Paulo- revolucionou a visão sobre a história dos povos indígenas, já que evidenciou
a magnitude da servidão dos nativos em São Paulo. Em contraste com uma historiografia
tradicional que exaltava o movimento bandeirante paulista, o autor procurou desvendar a
dinâmica das bandeiras e demonstrar que a expansão das fronteiras só pode ser entendida a
partir da lógica de escravização dos ameríndios. Longe de minimizar o genocídio ou a
exploração, Monteiro propõe um novo olhar sobre os processos históricos, onde o índio não
é simplesmente manipulado, mas insere seus interesses na lógica do contato. Apesar da
importância desta obra, citada em todos os estudos sobre os indígenas no período colonial,
a ideia da relação entre povoamento e exploração do trabalho dos nativos foi pouco
desenvolvida posteriormente. Este estudo de Monteiro foi obra basilar na escrita desta
dissertação, pela convergência temática e pela afinidade que tenho com as reflexões do
autor13.
Ainda nesta década, o artigo de Renato Pinto Venâncio 14 sobre os carijós
escravizados em Minas Gerais entre 1711 e 1725, ainda que seja uma produção bastante
localizada do autor, demonstra a existência de um tipo de cativeiro pouco conhecido na
11
CUNHA, Manuela Carneiro (Org). Os índios na história do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
1992.
12
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e Índios escravos: os princípios da legislação indigenista do
período colonial (séculos XVI e XVIII) In: CUNHA, Manuela Carneiro (Org). Os índios na história do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.115-132.
13
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das Letras,1994.
14
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os últimos carijós: Escravidão indígena em Minas Gerais: 1711-1725. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v.17, nº 34. 1997. (Versão para a internet, sem paginação).
18

história brasileira e que, apesar de ligado aos bandeirantes paulistas, está localizado fora do
território e do período consagrados como tradicionais da escravidão ameríndia.
Os quinhentos anos do “descobrimento do Brasil” impulsionaram os estudos sobre
história indígena. Essa produção no campo da história foi influenciada por um diálogo mais
estreito com a antropologia, gerando novas perspectivas teórico-metodológicas para as duas
disciplinas. No campo específico da história indígena, uma visão historicizada das
trajetórias e uma decisiva guinada à compreensão de lógicas nativas foram as principais
consequências desta aproximação15. No bojo deste processo, desenvolveram-se trabalhos
que buscavam evidenciar o protagonismo indígena, demonstrando que estes foram capazes
de inserir seus interesses na lógica do contato com os colonizadores. Parte destas reflexões
passou pela desessencialização das lógicas identitárias e pela demonstração de que elas
estão em permanente processo de reconstrução. Os estudos desenvolvidos fora do Brasil,
sobre o contato de europeus e nativos do continente americano, foram essenciais para que
se processasse uma reinterpretação da história.
Ainda na década de 1990, o trabalho de Richard White, em The Middle Ground,
transformou definitivamente as concepções sobre a história colonial dos Estados Unidos 16.
Ao estudar as interações entre franceses, ingleses (e estadunidenses) e os indígenas da
região dos Grandes Lagos, o autor apontou para a formação de um “middle ground”, ou
seja, para a formação de um processo “fronteiriço” onde predominou, ao menos por um
tempo, o hibridismo cultural. Assim, White propõe uma nova interpretação para o processo
de interação entre índios e não índios, que se afasta da noção de aculturação, que
pressupõem que um grupo dominante impõe sua lógica sobre outro, incorporando dos
dominados apenas discretos traços culturais. Propõe que tenha se formado um modo
comum de agir (“middle ground”) entre franceses e Alonquians, que de certa forma
“dissolve as bordas” de seus mundos. O autor não minimiza a violência do contato, mas
salienta a necessidade dos europeus de negociarem com os indígenas, evidenciando o

15
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. História e antropologia. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da história. São Paulo: Editora Elsevier, 2011. p. 151-168.
16
Sobre o impacto deste livro na historiografia norte americana ver: ÁVILA, Arthur Lima. Rememorando os
filhos de Onontio: Richard White, The Middle Ground, e a escrita da história da América do Norte colonial.
História. São Paulo, v.30, nº1, p.265-286, jan/jun 2011.
19

protagonismo dos coletivos ameríndios neste processo 17. Tais considerações são-me caras
para pensar a situação de zonas fronteiriças como Curitiba e os Campos de Viamão, ainda
que os processos sejam bastante distintos em termos de correlação de forças nestas duas
freguesias portuguesas.
Da mesma forma, o trabalho de Serge Gruzinski, através do conceito de
pensamento mestiço contribui para uma nova visão sobre os processos de interação entre
colonizadores e populações nativas da América, não mais como uma simples imposição da
cultura dos primeiros sobre os segundos, mas como um encontro que modificou tanto
europeus quanto ameríndios18.
Essas reflexões são reputadas em minha pesquisa, já que trato de sociedades cuja
formação se dá pela tentativa de imposição dos preceitos do Antigo Regime europeu sobre
outras matrizes culturais (indígenas e africanas). Estas culturas eram internamente muito
diversificadas e dinâmicas, modificando constantemente as concepções de mundo dos
colonizadores e colonizados. Desta forma, acredito que as sociedades em formação nos
Campos de Viamão e em Curitiba devem ser entendidas a partir de uma “lógica mestiça”,
que se expunha a partir de códigos cristão, mas que continha em si a mistura de vários
mundos.
As mudanças identitárias operadas pelos próprios indígenas também são essenciais
para pensar este processo19. Guillaume Boccara, ao tratar dos índios da Araucania chilena,
também critica a visão de mestiçagem como processo unidirecional de diluição da
identidade cultural indígena, pois isto pressupõe pensar a cultura ameríndia em termos
essencialistas e minimiza o protagonismo das populações nativas diante das políticas
hispano-criollas. Propõem, então, que se pense a formação da identidade mapuche a partir
do processo de etnogênese, entendido como “reconfiguração social, política, econômica e
cultural que implica a redefinição do sentimento identitário” e desemboca na emergência de
uma nova identidade étnica 20.

17
WHITE, Richad. The Middle Ground: Indians, Empires and Republics in the Great Lakes Region, 1650-
1815. 9 ed. Cambrige: Cambrige University Press, 1991.
18
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
19
Sobre etnogênese ver: HILL, Jonathan D. (Ed.). History, Power, and Identity: ethnogenesis in the
Américas, 1492-1992. University of Iowa Press, 1996.
20
BOCCARA, Guillaume. Fronteras, mestizajen y etnogenesis en las Américas. In: MANDRINI, Raul J. y
PAZ, Carlos D. (comp.) Las fronteras hispanocriollas del mundo indígena latino-americano em los siglos
XVIII-XIX. Un estúdio comparativo. Tandil: IEHS, 2003.p.63-93.; BOCCARA, Guillaume. Poder e etnicidade
20

No Brasil, o trabalho de Maria Regina Celestino de Almeida, segue esta linha,


demonstrando que as reformulações identitárias dos índios aldeados do Rio de Janeiro são
também movidas pelos seus próprios interesses. Como coloca a autora:

Pensar a cultura em permanente reelaboração conduz à quebra da dualidade entre o


mundo dos brancos e o mundo dos índios, e as relações de contato e as mudanças
culturais vividas pelas populações indígenas deixam de ser vistas simplesmente
como aculturação ou resistência ou dualidade cultural21.

Nos últimos anos a história indígena têm se desenvolvido através de diferentes


temáticas nos programas de pós-graduação. Apesar da pujança desta produção, ela ainda
tem dialogado pouco com a produção sobre a história do trabalho e da escravidão.
A historiografia vem há bastante tempo complexificando a visão sobre o trabalho e
as relações sociais dele decorrentes no período colonial brasileiro. Se há muito as ideias
sobre a estrutura da escravidão têm sido matizadas, rompendo com a noção de que o Brasil
colonial era um enorme plantation e evidenciando outras formas de organização do
escravismo 22, também as noções sobre os escravizados se modificaram. Rompeu-se com a
associação entre subordinação e passividade, passou-se a enfatizar a negociação, a
iniciativa e a escolha dos escravos, mesmo que em condições de coerção extrema e,
principalmente, deu-se ênfase à experiência dos próprios escravizados23.
Entretanto, o afastamento destes campos não permitiu que algumas destas
discussões fossem incorporadas à história dos indígenas no Brasil. A afirmação de John
Monteiro sobre a separação dos campos da história indígena e africana segue válida nos
dias de hoje: “De maneira geral, têm-se enfocado as profundas diferenças culturais entre
índios e africanos, deixando-se de lado seu aspecto comum: a escravidão” 24.
Assim, são poucos os trabalhos que enfatizam a importância dos nativos como mão
de obra, especialmente quando se trata de períodos posteriores ao século XVI e XVII e de
regiões menos associadas à ocupação ameríndia. Como coloca Vânia Moreira “A convicção

no Chile: territorialização e reestruturação entre os Mapuche da época colonial. In: Revista Tempo. nº 23,
julho-dezembro 2007.
21
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.p. 259-260.
22
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em Bananal
(1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annablume,1999.
23
CHALHOUB, Sidney e SILVA, FERNANDO T.da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL. Campinas: UNICAMP, v.14. nº
26, 1º semestre de 2009, p. 19-20.
24
MONTEIRO. Negros da Terra...Op. Cit., p. 129-130.
21

de que os índios tiveram uma participação limitada na composição da força de trabalho que
deu sustentação ao desenvolvimento do Brasil é uma representação bastante consolidada na
historiografia”25. Tal invisibilidade, possivelmente, ainda é fruto de uma visão pouco
dinâmica das populações indígenas que continua promovendo a falta de interesse em
estudos das populações mais incorporadas às sociedades coloniais.
Esta dissertação, além de enfatizar a presença destes índios altamente integrados à
sociedade colonial, também procura demonstrar a importância das mulheres indígenas
como força de trabalho, e por consequência, como constituíram elemento essencial para a
edificação destes povoados. Tal perspectiva visa romper com um tipo de narrativa histórica
que delega a estas mulheres apenas o papel de reprodutoras e apontar outros caminhos para
entender a participação social das nativas no período colonial.
No que concerne à historiografia das regiões foco deste estudo, foi produzido, para
o caso parananense, o primeiro dos volumes da História do Paraná que apontou - já no
final dos anos de 1960- a importância da presença dos nativos como atrativo para a
ocupação bandeirante do planalto curitibano 26. Stuart Schwartz, em um artigo que compara
o compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia, também reforça esta presença,
demonstrando que nas primeiras décadas do setecentos a mão de obra predominante do
planalto curitibano era a dos administrados indígenas27.
A tese de Cacilda Machado sobre São José dos Pinhais, localidade hoje situada na
região metropolitana de Curitiba, ressalta a utilização dos classificativos presentes nas listas
nominativas e registros paroquiais como atuantes na “construção de uma hierarquia
informada pela escravidão”. Esta produção destaca-se por trabalhar a questão da
administração indígena integrada ao contexto escravista paranaense e por nos informar
algumas trajetórias de administrados, quando trata dos casamentos na freguesia 28.
Mais recentemente três trabalhos debateram a questão da utilização da mão de obra
indígena na região de Curitiba, todos eles envolvendo processos judiciais. O artigo de

25
MOREIRA, Vânia Maria Losada. A Conquista do trabalho indígena: Fé, razão e ciência no mundo colonial.
In: FORTES, Alexandre e outros. Cruzando fronteiras: Novos olhares sobre a história do trabalho. São Paulo:
Perseu Abramo, 2013( p. 133-165). p. 133.
26
BALHANA, Altiva Pilati, MACHADO, Brasil Pinheiro, WESTPHALEN, Cecília Maria. História do
Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969.
27
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru (SP): EDUSC, 2001.
28
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social do
Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. P. 267.
22

Joacir Borges29 e a dissertação de Lilian Ferraresi Brighente30 tiveram como objeto as


demandas judiciais envolvendo administrados na vila de Curitiba durante o século XVIII.
Borges analisou os pedidos de liberdade dos índios administrados ao Juízo Ordinário,
enquanto Brighente além de pesquisar este mesmo tipo de solicitação, estudou a presença
de administrados em inventários e outras transações, além da questão da guarda das
crianças indígenas. Os dois trabalhos foram importantes indicativos das fontes existentes no
Paraná. Em visita à Biblioteca da Câmara de Curitiba pude consultar os documentos citados
por Borges e no Arquivo Público do Paraná os citados por Brighente.
Posteriormente entrei em contato com a tese de Bruna Portela que descrevia com
detalhes a maioria dos casos citados pelos dois autores e acrescentava outros. Portela
analisou mais de dois mil processos judiciais da Comarca de Paranaguá que envolveram
negros, libertos ou escravos, e indígenas e seus descendentes. Destacou através de
cinquenta e sete destes processos, a importância da mão de obra indígena na primeira
metade do século XVIII e debateu o que considerou um processo de substituição do
trabalho indígena pelo africano na região. Diante do excelente trabalho de Portela com
estas fontes judiciais optei por não utilizar a documentação levantada em arquivos e me
servir, em muitos momentos, desta tese como suporte para as analises, corroborando
através dela as informações encontradas nos registros paroquiais 31.
Sobre os indígenas integrados aos povoados coloniais no Rio Grande do Sul, os
trabalhos de Elisa Frühauf Garcia são importantes referências. Em sua dissertação, abordou
os processos de classificação da população indígena de Viamão e Rio Grande, através dos
registros de batismo, casamento e óbito das duas localidades. Explicitou, de forma
precursora, a presença de administrados no Rio Grande de São Pedro. A autora tratou das
categorias utilizadas para designar os nativos, evidenciando suas transformações 32. O

29
BORGES, Joacir Navarro. As demandas judiciárias envolvendo administrados em Curitiba, século XVIII.
Almanaque brasiliensi, nº6. Nov/ 2007.
30
Este trabalho foi desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR. Mesmo assim a autora
dialoga com a historiografia sobre o assunto. Ver: BRIGHENTE, Lilian Ferraresi. Entre a liberdade e a
administração particular: A condição jurídica do indígena na vila de Curitiba (1700-1750). Curitiba: UFPR,
2012. (Dissertação de mestrado).
31
PORTELA, Bruna Marina. Gentio da Terra, gentio da Guiné: a transição da mão de obra escrava e
administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014.
(Tese de Doutorado).
32
GARCIA. A integração das populações indígenas nos povoados coloniais no Rio Grande de São Pedro:
Legislação, etnicidade e trabalho. UFF, Niterói: 2003. (Dissertação de mestrado).
23

trabalho aproxima-se bastante da analise que executei, mas acredito que ele não tenha
esgotado as possibilidades de pensar a administração indígena, especialmente pela
comparação com outras regiões.
Na tese As diversas formas de ser índio, Garcia construiu uma história a partir da
trajetória dos povos indígenas no Rio Grande do Sul, abrangendo diversos coletivos em sua
intersecção com o mundo colonial. Perpassando os acontecimentos marcantes da história do
Continente de São Pedro, como as guerras, conflitos e acordos, busca demonstrar que os
indígenas e as relações estabelecidas por eles são de suma importância para compreender as
questões políticas do período. Neste trabalho a autora também avança na reflexão, iniciada
em sua dissertação, sobre as consequências da aplicação do Diretório pombalino no Rio
Grande de São Pedro33. Seus dois trabalhos foram, portanto, indispensáveis na confecção
desta pesquisa.
Gente da Fronteira, de Fábio Kühn, também é obra imprescindível para a escrita
deste trabalho. Ainda que o livro não trate da temática indígena e sim da elite do Continente
do Rio Grande, ao buscar as estratégias de imigração destas famílias, o autor demonstra as
vinculações dos Campos de Viamão com Laguna. Traçando a trajetória dos primeiros
povoadores aponta para origens indígenas de alguns dos indivíduos. Foi também graças ao
“Projeto de Resgate de Fontes Paroquiais”, executado junto ao Professor Eduardo
Neumann, que tive acesso às transcrições dos documentos da freguesia de Nossa Senhora
da Conceição de Viamão34.
Portanto, ainda que a história dos índios administrados do sul do Brasil não tenha
sido tratada de maneira central em todos os trabalhos aqui expostos, muitos deles fazem
reflexões que puderam ser incorporadas às análises deste objeto de pesquisa. O que se
pretendeu foi, a partir deles, avançar no entendimento das relações sociais do século XVIII.
***
O primeiro capítulo desta dissertação tratou do povoamento do sul do Império
português buscando demonstrar a vinculação dos paulistas com o apresamento dos
indígenas e da importância disto para a ocupação destas áreas. Segue-se uma reflexão sobre

33
GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no
extremo sul da América Portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009.
34
KÜHN, Fábio. Gente da Fronteira: Família e poder no continente do Rio Grande (Campos de Viamão,
1720-1800). São Leopoldo: Oikos, 2014.
24

a legislação referente à administração indígena e a atuação das Câmaras e Ouvidores com


relação à questão da legislação indígena nas duas localidades em estudo. Da mesma forma,
procurou-se ressaltar que ordens reais e dos governadores chegaram á estas freguesias. A
última parte deste capítulo faz uma discussão teórica sobre o entendimento da
administração indígena, se deveria ser compreendida como escravidão ou como sendo mais
próxima das relações clientelares.
O segundo capítulo investigou o vocabulário presente nos registros de batismo
buscando compreender o significado social dos classificativos presentes naquela
documentação. Demonstrou-se os lugares sociais ocupados pelos indígenas e sua
importância como força de trabalho, ressaltando o papel das mulheres. Além disso, foi
possível depreender de alguns classificativos ambíguos a presença dos indígenas.
O terceiro capítulo analisou os lugares sociais ocupados pelos indígenas ao longo do
tempo, utilizando também os registros paroquiais. Deu-se ênfase ao processo de
mestiçagem como um diluidor das identidades étnicas e evidenciou-se a ação dos próprios
índios na busca pela liberdade. Entretanto, constatou-se que ainda que a administração
particular de índios estivesse em declínio não houve o processo de substituição completa
da mão de obra dos nativos, que foi apropriada de outras formas, inclusive incorporando
alguns indivíduos definitivamente à escravidão.
25

CAPÍTULO 1.
“O GENTIO EM PEQUENOS LOTES”: POVOAMENTO,
LEGISLAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
INDÍGENA NO SUL SETECENTISTA

Este capítulo debate as possibilidades de se pensar o povoamento do sul da América


portuguesa a partir da expansão paulista, tendo como foco o manifestado interesse dos
bandeirantes pelo cativeiro dos ameríndios. Duas localidades de povoamento luso-brasílico
tardio servem como base para pensar as conexões entre povoamento e cativeiro ameríndio:
Curitiba e os Campos de Viamão. A primeira destas localidades, ocupada pelos paulistas
nos anos finais do século XVII, em uma conjuntura de esvaziamento das possibilidades
mineradoras de suas cercanias, apresentou um estrutura socioeconômica notadamente
assentada sobre a mão de obra indígena durante a primeira metade do século XVIII. A outra
região, colonizada em um segundo movimento migratório dos paulistas, que primeiramente
haviam ocupado a vila de Laguna, hoje Santa Catarina, apresentou uma estrutura
precocemente baseada na escravidão africana, mas na qual era possível ainda identificar
cativos indígenas. Portanto, a primeira parte deste capítulo trata de aproximar o movimento
bandeirante em direção ao sul com a consolidação da utilização da força de trabalho
indígena através da administração particular.
A segunda parte do capítulo trata da evolução legal da administração indígena,
evidenciando a gradual abertura institucional da prática, ou seja, uma maior abertura das
autoridades régias para com a prática da administração particular dos nativos e seu
posterior movimento de retrocesso, com a Lei de Liberdades de 1755. Buscou-se também
compreender como foi a recepção, produção e fiscalização das autoridades locais de leis e
ordenações referentes à administração. Posteriormente, debateu-se as implicações do
Diretório dos índios para os indígenas integrados aos povoados luso-brasileiros. Por fim, o
capítulo traz uma reflexão teórica que busca, através da comparação entre conceitos de
escravidão e clientelismo, elucidar as características da administração indígena no sul do
Brasil setecentista.
26

1.1. Bandeirantismo e cativeiro indígena no povoamento do sul do Brasil

O empreendimento povoador português da região sul do continente americano seguiu


duas rotas distintas: a marítima e a terrestre. A primeira delas foi empreendida pelos
fluminenses e estaria mais ligada à utilização da mão de obra africana e interessada no
comércio com as possessões espanholas. A segunda foi empreendida pelos paulistas e
esteve intimamente conectada ao apresamento de índios e a administração particular
destes, além do preia do gado e da mineração. Afora estes dois grupos, que evidentemente
não eram nada homogêneos, as iniciativas de religiosos, especialmente jesuítas, e neste
caso sob a jurisdição da Coroa espanhola, foram importantes para o povoamento europeu
do sul do continente americano.
Como resumiu Russell-Wood:

O ímpeto de avançar para além dos povoamentos nucleares não partiu das
autoridades da Coroa, mas de três grupos, sendo que nenhum deles era central para
a sociedade metropolitana ou colonial: jesuítas e homens do clero em busca de
almas; paulistas em busca de índios; e fazendeiros de gado em busca de
pastagens.(...)35

As áreas que viriam a se tornar futuramente o Rio Grande do Sul e o Paraná ainda
não se configuravam enquanto tal, sendo um imenso território ainda pouco conhecido, mas
muito disputado pelos europeus. O avanço português nestas áreas rompia os limites
imaginários do Tratado de Tordesilhas (1494), que balizava as “fronteiras” entre o Império
espanhol e português até aquele momento. Tal divisão, como já é bastante sabido,
estabelecia uma partilha pouco clara entre os dois Impérios e o princípio de ocupação das
terras para efetivação da posse era algo muito mais premente. Para que tal ocupação se
efetivasse foi necessário estabelecer diversos tipos de relação com as populações indígenas.
Logo, ao tratar da consolidação destas fronteiras tal qual as conhecemos hoje, como frutos
da construção de estados nacionais, que só se deram no século XIX ou ainda mais tarde, há
de se levar em conta que este foi um processo dinâmico.

35
RUSSEL-WOOD, A. J. R. “Centro e periferia no mundo luso-brasileiro, 1500-1808” in: Revista Brasileira
de História. 1998, nº 36, p. 187-249 (Versão para a internet, sem paginação).
27

No vocabulário do século XVIII o termo fronteira era extremamente polissêmico 36,


mas se tomarmos a definição de Bluteau veremos que dentre os significados temos:
“fronteiras do Reino” ou ainda “confins” 37. Logo, deve-se ter em conta que estes eram
espaços de disputa entre as Coroas ibéricas, mas no quais também pesavam os interesses e a
capacidade de atuação das populações indígenas 38. E que, portanto, a consolidação destes
territórios enquanto pertencentes a um dos Impérios passou por longos embates. Fronteiras
devem aqui ser entendidas como um local de trocas, interpenetração, contato e conflito
entre grupos humanos e projetos sociais. Pensadas como algo muito distinto de um limite
definido39.
Destas rotas de ocupação que tomaram os portugueses, a marítima foi empreendida
pelos fluminenses, interessados no contrabando com o Rio da Prata e seguiu uma lógica
mais formal na ocupação do território. Aparentemente a rota marítima teve uma conexão
muito maior com a escravidão africana do que a terrestre, inicialmente mais caracterizada
pelo uso da mão de obra ameríndia.
O processo de ocupação oficializada pela Coroa portuguesa nas paragens do
extremo sul do Brasil se deu através da concessão de uma imensa porção de terras à
Salvador Correia de Sá. Assim, este território passou a fazer parte da Donataria dos Assecas
que se estendia do Paraná até o Prata. O interesse de Salvador Correira de Sá na região
relacionava-se intimamente ao comércio escravista, já que o gado cavalar da região poderia
se tornar importante moeda de troca na aquisição de escravos africanos em Angola 40.
Durante a vigência do Asiento negreiro, dominado pelos portugueses no período da União

36
GIL, Tiago Luís. Infiéis transgressores: elites e contrabandistas na fronteira do Rio Grande e Rio Pardo. Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007.p.34
37
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v.p.219.
38
NEUMANN, Eduardo. A fronteira tripartida: a formação do continente do Rio Grande- século XVIII. In:
GRIJÓ, Luiz Alberto; et al (Org.). Capítulos de história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2004.
39
OLIVEIRA, Márcio Gimene. A fronteira Brasil-Paraguai: principais fatores de tensão do período colonial
até a atualidade. Brasília: UNB, 2008. (Dissertação de Mestrado). p.19.
40
HAMEISTER, Martha Daisson. O Continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes de
relações e suas mercadorias semoventes (c.1727-c.1763). UFRJ: Rio de Janeiro, 2002. (Dissertação de
mestrado).p. 93-95.
28

Ibérica, o Rio da Prata tornou-se um dos pontos de recepção de escravos africanos, que
depois eram distribuídos pelo mercado hispano-americano41.
Ainda que a posse pelos Correia de Sá não tenha se efetivado, os portugueses
expandiram seus domínios para o sul. O marco dessa expansão foi a fundação de Colônia
do Sacramento, em 1680, situada em frente à Buenos Aires, na margem oposta do Rio da
Prata42. O povoamento desta região pode ser entendido sob a lógica de um comércio
transatlântico, cujo principal interesse era a comercialização com Buenos Aires, grande
escoadouro da prata espanhola. Toda esta vasta área pertenceria formalmente à Coroa
espanhola, e a ocupação portuguesa geraria uma série de conflitos que se traduziram em
vários ataques à Colônia do Sacramento (1680, 1704, 1735, 1762) e, posteriormente, a Rio
Grande (1763) e à Ilha de Santa Catarina (1777).
Como aponta Kühn, há fortes indícios de que a Colônia do Sacramento recebia mais
escravos do que outras zonas sul-rio-grandinas. A partir de 1750, o número de batismos de
africanos na Colônia do Sacramento aumentou consideravelmente, sendo significativa a
presença de batismos de escravos adultos nesta localidade 43. O autor também indica,
através dos registros de óbito dos escravos, as conexões existentes entre os traficantes
daquela praça e os do Rio de Janeiro, Salvador e Buenos Aires 44.
Hameister aponta que nas investidas a partir do Rio de Janeiro era costume se
solicitar as mercês de terras antes de ocupá-las, ao contrário do que faziam os paulistas 45.
Assim, a ocupação destes territórios seguiu uma lógica mais “formal”, sendo apoiada pelos

41
ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.p. 80-83.
42
PRADO, Fabrício Pereira. A Colônia do Sacramento: O extremo sul da América portuguesa no século
XVIII. Porto Alegre: -, 2002; POSSAMAI, Paulo César. A vida quotidiana na Colônia do Sacramento (1715-
1735). Lisboa: Livros do Brasil, 2006; KÜHN, Fábio. Clandestino e ilegal: notas sobre o contrabando de
escravos na colônia do sacramento (1750-1777). 5º Encontro de Escravidão e Liberdade. UFRGS. 2011.
43
O autor aponta que deve ser levado em consideração o fato de que os escravos oriundos da África ocidental
já vinham batizados e que os batismos possivelmente se referem apenas aos da Costa da Mina. Sendo assim é
provável que o número de cativos adultos desembarcado naquele porto fosse maior, já que a partir da década
de 1720 o número de escravos provenientes de Angola era muito mais significativo. O autor atesta através dos
registros de óbito, que os escravos da Costa da Mina eram apenas 10% do total de dos desembarcados na
Colônia do Sacramento.
44
KÜHN, Fábio. Um olhar sobre o tráfico negreiro para a Colônia do Sacramento a partir dos registros
paroquiais (1732-1777). Anais do 7º Encontro de Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba
(UFPR): 2015.
45
HAMEISTER. O Continente do Rio Grande de São Pedro... Op. Cit., p. 101.
29

comerciantes fluminenses e pela Coroa portuguesa46.


Uma segunda “rota” povoadora seguiu o caminho terrestre que conectava o então
São Paulo, Paraná, Santa Catarina e o Continente de São Pedro. Antes do povoamento mais
efetivo destas áreas ligado à expansão por meio das bandeiras paulistas, diversas
expedições terrestres já haviam explorado o sul do Brasil e o interior do atual Paraná,
grande parte delas buscando chegar ao Paraguai e Peru. Como apontou a historiadora
Marta Hameister, os caminhos indígenas e a formação de alianças com estes “índios guias”
foram essenciais para realização destas expedições de “descobrimento” e povoamento 47.
Em 1516 houve o encontro oficial do rio da Prata por Juan Diaz Sólis. Em 1522, a
expedição de Aleixo Garcia percorreu em três anos o interior de Santa Catarina, Paraná,
Paraguai e Bolívia, chegando até o Peru. Francisco Chaves e Pero Lobo empreenderam
uma missão semelhante, mas acabaram sendo mortos pelos índios do território
“paranaense”, por volta de 1531. Por esta época também a expedição de Martim Afonso de
Souza tentou a posse do Rio da Prata. Dez anos mais tarde o Governador Cabeça de Vaca
também adentrou os sertões com objetivo de chegar ao Paraguai e deixou relatos
contumazes da presença indígena na região 48. Outro conhecido cronista, Hans Staden,
também esteve no litoral “paranaense”, no porto de Superagui, em 1550, onde teve contato
com os amistosos índios “tupiniquim” 49. Nesse interregno ocorreu a fundação de Buenos
Aires (1535) e a de Assunção (1536). Por volta de 1551, mais quatro expedições cortaram o
território: a de Diogo de Sanabria, a de Cristóvam de Saveedra, a de Hernando de Salazar, e
a de Ultich Schmidel. Por esta época, Ruy Dias de Melgarejo excursionou ao Guairá. Nos
anos que se seguiram outras tantas expedições foram feitas 50, algumas como o objetivo de
capturar índios do Guairá, como é o caso da expedição de Nuflo Chavez, vinda do
Paraguai51.

46
Para um exame mais detalhado da ocupação do território sul-rio-grandense como um todo ver: OSÓRIO,
Helen. Presídio, guardas e paróquias: economia e administração na estruturação do espaço português na
fronteira meridional da América. In: III Encontro do GT de História Rural / Anpuh-RS. Porto Alegre:
nov/2014. (Em breve disponível em e-book).
47
HAMEISTER. O Continente do Rio Grande de São Pedro... Op. Cit., p. 85.
48
CABEÇA DE VACA, Álvar Nuñes. Naufrágios e Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999.
49
Ver: STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil: Primeiros registros sobre o Brasil. Porto Alegre: L&PM,
2013.
50
São as expedições de: Francisco Gambarrota, Rodrigo de Vergara, Juan de Salazar e Cipriano de Góis.
51
CHAGAS, Nadia Moreira e MOTA, Lúcio Tadeu. O Guairá nos séculos XVI e XVII – as relações
interculturais. IN: Os professores e os desafios da escola pública paranaense. (versão online) Vol. 1.
Secretaria de educação do Governo do Estado do Paraná: 2007.
30

Nesta região fronteiriça, onde os limites entre o Império espanhol e português


estavam em constante disputa, estabeleceram-se, a partir de 1610, várias Missões Jesuíticas
que compunham a Província Jesuítica do Paraguai52, sob jurisdição da Coroa espanhola.
Estavam divididas em quatro grandes regiões: Tape, Guairá, Itatim e Iguazú- Acarai53. As
duas primeiras localizadas nos territórios que viriam a ser o Rio Grande do Sul e o Paraná,
respectivamente. Nesta vasta região vivia uma enorme quantidade de grupos étnicos54,
sendo o guarani utilizado como língua principal no processo de conversão. A fundação das
missões ocorreu quase que simultaneamente aos ataques bandeirante que assolaram a
região e levaram à reorganização dos povoados55.
Estes ataques às missões jesuíticas fizeram parte de um processo de reorientação das
bandeiras paulistas, realizado na primeira metade do século XVII. O Guairá 56, composto
por quinze missões, tornou-se então o principal alvo dos bandeirantes. Antes de 1628 já se
faziam pequenas expedições de apresamento para a região, mas foi nesta data que ocorreu a
grande expedição de Raposo Tavares 57. Além desta, outras invasões contribuíram para a
destruição destes aldeamentos.
As missões do Tape58, fundadas por volta de 1626, também foram assoladas pelas
bandeiras. Das seis existentes, três sucumbiram. As outras acabaram sendo transferidas para
outra margem do Uruguai. No Tape os sertanistas encontraram maior resistência dos índios.
A batalha de Mbororé (1641) foi um marco decisivo do fracasso dos apresadores.

52
Antes dos jesuítas os franciscanos haviam tentado o processo de conversão dos guaranis na região.
53
A província do Paraguai abarcava uma área enorme que hoje engloba o Paraguai, Uruguai e parte da
Argentina, além de zonas no Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Em 1618 sua
administração foi dividida, de forma pouco clara, entre Assunção e Buenos Aires. Ver: SPOSITO, Fernanda.
Santos, Heróis ou Demônios: Sobre as relações entre índios, jesuítas e colonizadores na América Meridional
(São Paulo e Paraguai/Rio da Prata, século XVI-XVIII). USP: São Paulo, 2012 (Tese de doutorado). p.25.
54
Sposito cita as seguintes etnias ou nações : Paiaguás, Guaicurus, Gualachos, agaces, querandis, caracás,
curuniacis, orejones, xareies, chalchaquis, chiringuanos, chiringuanás, frentones, charrua, pampas, pulares.
No entanto, Guillermo Wilde ressalta os pertencimentos indígenas tem menos relação com etnia do que com
parentescos e filiações políticas. Logo, a Cultura “guarani missioneira” é antes uma construção ideológica
eficaz e simplificadora, sendo o guarani missioneiro fruto da etnogenese que participaram vários grupos em
um longo período de tempo. Ver: SPOSITO, Fernanda. Santos, Heróis ou Demônios: Sobre as relações entre
índios, jesuítas e colonizadores na América Meridional (São Paulo e Paraguai/Rio da Prata, século XVI-
XVIII). USP: São Paulo, 2012 (Tese de doutorado). p.33.e WILDE, Guillermo. Religión y Poder En las
missiones de guaranies. Buenos Aires: SB, 2009.p.24.
55
WILDE. Religión y Poder...Op. Cit., p.90.
56
O Guairá situava-se.entre o rio Paranapanema até o rio Iguaçu, e do rio Paraná ao Tibagi, e pertencia até
1617 à Província do rio da Prata.
57
MONTEIRO, J. Op. Cit. Negros da Terra... p. 71.
58
As Missões do Tape ficavam nas áreas próximas ao rio Ibicuí e Jacuí no atual estado do Rio Grande do Sul.
31

Mapa 1- Esquema geral das expedições de apresamento 1550-1720. Apud Monteiro. Negros da terra... p.13.
32

Foi só a partir de 1682 que os jesuítas voltam a se fixar na margem oriental do rio
Uruguai. Lá foram fundados sete povos que contavam com uma população de milhares de
indígenas, e foram de longe a área mais povoada do território sulino 59. Esta região
missioneira pertencente hoje ao Rio Grande do Sul só viria a ser incorporada ao Império
português em 180160, após uma série de acordos malogrados e conflitos iniciados em 1750,
com o Tratado de Madri. Dentre estes conflitos destaca-se a chamada Guerra Guaranítica
(1754-1756), que opôs os índios das Missões Orientais, que se negavam a transmigrar para
o outro lado do rio Uruguai, às Coroas ibéricas.
Além do Guairá e do Tape, outro caminho sulino percorrido pelos paulistas era em
direção à futura vila de Laguna. Chamada Sertão dos Patos, a área concentrava um grande
número de índios guarani (Patos, Carijós ou Araxás), que foram escravizados e levados
para São Paulo61.
As incursões ao sul não resultaram em um povoamento efetivo destas paragens, ao
menos naquele momento, mas evidentemente legaram aos paulistas um conhecimento dos
caminhos e das potencialidades de utilização da mão de obra dos nativos. O povoamento do
sul, iniciado após as grandes bandeiras, pode ser entendido como resultado da necessidade
de reorientação das rotas de apresamento de indígenas.
Costumeiramente, a historiografia tendeu a separar o povoamento dos territórios ao
sul de São Paulo do apresamento de indígenas, salientado outros fatores motivacionais 62.
No entanto, John Monteiro, indo de encontro à historiografia mais tradicional do
movimento bandeirante, já apontara, na década de 1980, que o principal objetivo das
bandeiras paulistas era buscar cativos, e que a descoberta de metais e o povoamento devem
ser vistos como consequência desta prática:
Adotou-se a convenção de dividir os movimentos em fases distintas, abrangendo o
“bandeirantismo defensivo”, o apresamento, o movimento colonizador, as
atividades mercenárias e a busca por pedras preciosas. Contudo, apesar dos
pretextos e resultados variados que marcaram a trajetória das expedições, a

59
Sobre as Missões Orientais ver: NEUMANN, Eduardo. Práticas letradas Guarani: produção e usos da
escrita indígena (século XVII e XVIII). Rio de Janeiro: UFRJ, 2005 (Tese de doutorado).
60
Ver: GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no
extremo sul da América Portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009. p. 173 a 210.
61
MONTEIRO, J. Negros da Terra... Op. Cit. p. 64-65.
62
Hameister, por exemplo, ao citar os motivos dos povoadores que irradiavam a partir de São Paulo afirma
que “tinham por objetivo estabelecer populações, descobrir jazidas de minérios, explorar a terra na produção
agrícola e pecuária”. HAMEISTER. O Continente do Rio Grande de São Pedro... Op. Cit., p. 100 e 101.
33

penetração dos sertões sempre girou em torno do mesmo motivo básico: a


necessidade crônica da mão-de-obra indígena para tocar os empreendimentos
agrícolas dos paulistas63.

O apresamento de indígenas pelos bandeirantes começou ainda no século XVI,


quando a região de São Vicente foi povoada. Se inicialmente os bandeirantes dedicaram-se
à captura dos indígenas próximos, paulatinamente tiveram de se afastar dos núcleos iniciais
e empreender expedições que adentravam cada vez mais os sertões. São Paulo era ainda
naquele momento “um povoado de fronteira, com uma população em expansão e
comunidades satélites ao seu redor; mas era menos um núcleo do que o lugar de partida de
expedições de exploração (...).”64.
As buscas constantes pela mão de obra traziam consigo a necessidade de se fazer
arraiais que servissem para o abastecimento das expedições. Estes locais muitas vezes
acabaram tornando-se novos núcleos populacionais. Além disso, a pressão demográfica e o
esgotamento das terras fazia com que os luso-brasílicos buscassem formar novas vilas 65,
nas quais se reproduziam as “estruturas sociais, econômicas e institucionais” dos povoados
bandeirantes66. Se migração, o movimento e a ocupação de novas terras era a regra na
colonização da América portuguesa67, o apresamento dos cativos era o motor que punha em
marcha os paulistas em busca de novas terras. Logo, a ocupação luso-brasílica dos
territórios ao sul e sudeste da Capitania de São Paulo deve ser vista a partir das lógicas de
captura de índios destinados ao cativeiro.

63
MONTEIRO. Negros da Terra... Op. Cit. p. 57 (Grifos meus).
64
RUSSEL-WOOD.Centro e periferia no mundo luso-brasileiro...Op.Cit.
65
MONTEIRO. Negros da Terra...Op. Cit., p.105-107.
66
Idem, p.109.
67
FARIA. A Colônia em movimento... Op. Cit.
34

Mapa 2-FARIA, José Custódio de Sá e. Exemplo geográfico do terreno que corre desde a vila do Rio Grande
de São Pedro até o distrito de Viamão, c.1763. Arquivo Histórico do Itamarati. Mapoteca, nº779-56ª. Apud.
KÜHN. Gente da fronteira...p.473.
35

Cabe ressaltar que existiam conexões entre os caminhos marítimos e terrestres


trilhados pelos povoadores luso-brasílicos e fazer uma dura separação entre utilização da
mão de obra indígena e africana faz pouco sentido. O povoamento de Laguna e da ilha do
Desterro por paulistas aponta essa conexão. A primeira destas áreas litorâneas, como já foi
aludido, foi um importante ponto de captura de nativos e foi ocupada por paulistas no
século XVIII. A ilha do Desterro ou Ilha de Santa Catarina, atual Florianópolis, ainda que
estivesse mais ligada à rota marítima, servindo de entreposto para as expedições na bacia
do Prata, teve seus vínculos perenes mais relacionados aos preadores vicentinos. Os
bandeirantes já circulavam pela ilha desde 1603, quando esta passara a ser alvo de algumas
incursões que visavam capturar nativos e enviá-los a São Paulo. A povoação mais estável
da localidade inicia-se justamente com o conhecido bandeirante Francisco Dias Velho, que
se estabelece definitivamente na Ilha no ano de 1673. Sendo assim, o povoamento é
partícipe de um conjunto mais amplo de movimentos paulistanos direcionados ao sul:

Sob este fundo bandeirante peculiar se movimentam em Santa Catarina as


primeiras tentativas de povoamento, seja as que não tiveram sucesso (Manuel
Preto, Capitão Antônio Amaro Leitão), seja as que posteriormente tiveram
resultado (Francisco Dias Velho, na Ilha de Santa Catarina, Manuel Lourenço de
Andrade, em São Francisco, Domingos Brito Peixoto, em Laguna)68.

O modelo bandeirante de exploração do trabalho indígena aparece reproduzido


também na Ilha do Desterro. No I Livro de casamentos da freguesia encontramos vários
registros em que constam administrados ou gente “da administração de” algum senhor
local69. É o caso de Zalerio, do gentio da terra, que se casou com Ana, ambos da
administração de João Cortés. Ou também de Rosa que era “do cativeiro da administração
(sic) do Sargento Mor Manoel [Manso?]” 70.
Portanto, parece claro que, ainda que possamos utilizar como facilitador explicativo,
estes dois “modelos” estavam sobrepostos, já que um local como a Ilha de Santa Catarina,
importante porto marítimo na rota sul, reproduziu, ao menos até a metade do século XVIII,

68
PAULI, Evaldo. A fundação de Florianópolis. Florianópolis: Lunardelli, 1987 [1925], p.42.
69
AHE-SC, Livro Primeiro de Casamentos da Paróquia de Nossa Senhora do Desterro, 1714-1775. Agradeço
ao Prof. Henrique Espada Lima que gentilmente me cedeu seu banco de dados de registros paroquiais de
Santa Catarina de onde foram tiradas estas informações.
70
AHE-SC, Livro Primeiro de Casamentos da Paróquia de Nossa Senhora do Desterro. f.96; 06/01/1724 e
f.97-97v. ;03/06/1727.
36

práticas mais vinculadas ao povoamento bandeirante, tradicionalmente entendido como


uma ocupação por via terrestre.

1.1.1. Administração indígena: o povoamento bandeirante

Através da contínua captura de indígenas no interior do Brasil, os bandeirantes


conseguiram consolidar o chamado sistema de administração particular. Os índios e índias
apresados eram levados à força para São Paulo com o intuito de trabalharem em diferentes
serviços, notadamente na lavoura e no transporte de excedentes destinados ao restante do
Brasil. Tal sistema de administração aproximava-se muito da escravidão, já que os
indígenas estavam submetidos à vontade dos senhores, residiam em seus domínios e
trabalhavam sem remuneração alguma além da alimentação e vestimenta 71. No entanto, tal
sistema guardava diferenças com a escravidão, especialmente porque a propriedade dos
nativos da América era proibida desde o século XVI. Também porque os colonos
compreendiam a coerção que exerciam como uma tutela e não como escravidão. O direito
de tornar os indígenas cativos era concebido por eles como um serviço à Igreja e a Coroa,
além de um benefício para os próprios ameríndios. 72 Assim, se a escravidão indígena foi
proibida em 1570, os paulistas conseguiram moldar arranjos institucionais, com a
condescendência da Coroa, que permitiram manter o sistema de administração no mínimo
até o final do século XVIII73.
A manutenção do sistema de administração, assim como o da escravidão africana,
dependia da reprodução exógena. Diferentemente dos colonos nordestinos, os paulistas não
possuíam as conexões atlânticas que permitiriam a aquisição de cativos africanos74, assim
organizavam bandeiras por conta própria para conseguir mão de obra. A alta mortalidade
dos indígenas, causada pelo excesso de trabalho, mas principalmente pelas doenças trazidas
pelos europeus, fomentava mais e mais a necessidade de captura de novos cativos nos
sertões. Isso fez com que as bandeiras fossem cada vez mais longe e em lugares mais
arriscados na busca por indígenas.

71
Ver nesta dissertação: 1.3 Escravidão e clientelismo: contribuições teóricas para pensar a administração
indígena.
72
MONTEIRO. Negros da Terra...Op. Cit., p. 139.
73
Ver nessa dissertação: 1.2 “Usarem sua liberdade para se repartirem entre os moradores”...
74
ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 126.
37

Portanto, é a partir dos caminhos percorridos pelos bandeirantes e seus pombeiros


índios75 em busca de cativos que podemos entender o povoamento do sul da América
portuguesa. Como já apontado, desde o século XVI, os paulistas incursionavam ao
território do atual Paraná para “escravizar carijós”. Já em 1585, os moradores de São
Vicente, Santos e São Paulo, precisando da renovação de sua escravaria, pediam ao
Capitão-Mor a organização de bandeiras para caçar os índios carijós dos territórios
“paranaense” e “catarinense”, e advertiam que, se o capitão discordasse, protestavam “de
largar a terra e nos irmos viver onde tenhamos remédio de vida, porquanto não nos
podemos sustentar sem escravaria”76.
Essas rotas terrestres levaram os paulistas a ocupar a região litorânea de Paranaguá,
que se tornou vila em 1649. A área havia atraído um grande número de vicentinos que ao se
dedicarem a captura de nativos acabaram por descobrir a existência de minas. A exploração
do ouro era difícil na região. Os relatos da época apontam que os indígenas que poderiam
fornecer suprimento aos mineradores haviam fugido para o interior, assim sendo, se fazia
necessário levar os suprimentos por uma longa distância. Os minérios ficavam a quarenta
dias de São Paulo e o transporte era todo feito sobre o “lombo dos índios”. Para atalhar tais
viagens alguns luso-brasílicos se fixaram no litoral e no planalto curitibano 77.
O sonho de encontrar ouro e prata em grandes quantidades no território paranaense
não se consolidou. E o recrutamento de trabalhadores indígenas entre os paulistas, para
trabalhar nas minas de Paranaguá, causou conflitos, já que ninguém estava disposto a ceder
seus trabalhadores. No fim do século XVII, os moradores reclamavam mais índios
aldeados, já que aqueles que haviam sido trazidos morreram de bexiga. Com a descoberta
das minas em Cataguazes e Cuiabá a tentativa de exploração de Paranaguá arrefeceu 78, mas
o povoamento do planalto curitibano ganhou fôlego.

75
Pombeiro é uma palavra de origem africana que designava aqueles que iam ao interior buscar escravos. No
caso de São Paulo designava aqueles indígenas especializados no apresamento de índios. Ver em:
MONTEIRO, J. Negros da Terra... Op. Cit., p. 66.
76
Revista do Inst. Hist. Geogr. de S. Paulo, vol. 20, p. 715 apud BALHANA, Altiva Pilati; MACHADO,
Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Cecília Maria. História do Paraná- Volume 1. Curitiba: Grafipar, 1969, p.
27.
77
BALHANA, et al. História do Paraná... Op. Cit, p. 26 a 39.
78
Ibidem, p. 39.
38

O Ouvidor de São Paulo, Rafael Pires Pardinho, em carta ao rei, em 1720, ao


descrever a vila de Curitiba, destaca no processo de extração do ouro e exaustão das minas
a presença dos paulistas:

Há nos matos da Serra de Pernampiacaba em muitas faisqueiras de ouro, e lavras


de lavagem, de que se tirou bastante, e onde andavam lavrando muitos paulistas,
que as largaram para irem para as Minas dos Coitaguases, quando se descobriram;
mas alguns moradores as continuaram, ainda que com pouca frequência, e algum
ouro tirava para se remediarem: estes anos próximos as frequentaram alguns
paulistas, que agora largam com a notícia das grandezas do novo descobrimento
do Cuiabá.79

A criação de gado, em escala muito menor do que a do Rio Grande de São Pedro,
junto com a lavoura, parece ter sido desde o princípio a base econômica da região, atraindo
povoadores para o planalto. Tal atrativo não excluía outro: o da mão de obra indígena,
ainda que a esta altura os nativos já estivessem em menor número do que na época dos
grandes apresamentos. Outro incentivo ao povoamento da região, após a abertura do
caminho que a conectava com os Campos de Viamão, foi o de ser um entreposto para o
gado vindo do sul com destino à feira de Sorocaba ( Mapa 2) . A carta do Ouvidor Pires
Pardinho ao Rei João V demonstra a existência de todos estes estímulos:

Dizem aqueles moradores, que tem penetrado o sertão para o poente, que todo é de
campo seus capões, e restingas de matos, com boas águas e férteis currais, e
criações das quais se poderão fazer grandes fazendas se para eles se largarem os
gados: que gentio é muito pouco por ele se acham apenas alguns pequenos lotes.
Os mesmos campos vão correndo pelo pé dos matos da Serra de Piracicaba; e
alguns dizem ser fácil abrir por eles caminho da vila de Laguna, donde se lhes
podem introduzir gados, que se conduzam, e tragam pelas praias do Rio Grande de
São Pedro, com que brevemente se estabeleceram neles grandes fazendas de
currais.80

79
Carta do Ouvidor Rafael Pires Pardinho ao Rei D. João V, 30 de agosto de 1721. Revista Monumenta,
vol.03, nº10. p.22. (Grifo meu).
80
Carta do Ouvidor Rafael Pires Pardinho ao Rei D. João V, 30 de agosto de 1721. Revista Monumenta,
vol.03, nº10, p. 22-23. (Grifos meus).
39

Mapa 3- Mapa do Caminho das tropas (1780-1810). Apud GIL. Coisas do Caminho... p. 15.

Note-se, que a carta de Pardinho explicita ao próprio Rei o interesse dos colonos em
obter “lotes” de gentio, ainda que tal região já não fosse mais tão propícia para esta
finalidade81. Este trecho da carta também aponta para os caminhos que seguiam estas
pessoas, conectando redes de negócios que iam do Rio Grande de São Pedro, passavam por
Laguna e iam para Curitiba. Logo o que o trecho explicita é a conexão da região dos
negócios do gado e o uso da mão de obra indígena.
Segundo Monteiro, a fundação da vila de Curitiba faria parte de um processo mais
amplo de reorientação das bandeiras ocorrida após 1640, que teriam se tornado de menor
porte, se comparadas às expedições anteriores, e dirigiam-se a áreas mais próximas de São
Paulo82. A povoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba era freguesia de
Paranaguá desde 1654 e seu distrito desde 1660. Não se sabe exatamente a data de
fundação da capela da localidade 83. Certo é que sua jurisdição, até a década de 1750, tinha
como limites as localidades de São Francisco e Laguna ao sul e Iguape ao norte. Durante o
século XVIII, foram fundadas paróquias em São José dos Pinhais, muito próximo à

81
Sobre a correição de Pires Pardinho à vila de Curitiba ver 1.2 “Usarem de sua liberdade para se repartirem
entre os moradores”...
82
MONTEIRO. Negros da terra... Op. Cit., p. 79- 81.
83
BURMESTER, Ana Maria de O. A População de Curitiba no século XVIII – 1751-1800, segundo os
registros paroquiais. Curitiba: UFP, 1974. (Dissertação de mestrado). p.15.
40

Curitiba, Santo Antônio da Lapa e Santana do Iapó (Castro) que reduziram a abrangência
da paróquia de Nossa Senhora da Luz. A freguesia estava submetida ao Bispado do Rio de
Janeiro. Em 1693, Curitiba foi elevada à vila, fazendo parte da Capitania de São Paulo 84,
até o seu desmembramento, em 1853.
Apesar da utilização de escravizados africanos, os administrados indígenas foram
por um longo tempo mão de obra importante na região. A análise do 4º Livro da Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, referente aos servos, apontou que
os indígenas constituíram pelo menos 21% da mão de obra da região entre as décadas de
1730 e 1760. As mães, melhor contabilizadas, compuseram 47,3% deste livro ao longo de
todo o período85. Em outros tipos de documentação da época, como, por exemplo, a
judiciária, também foi possível encontrar referências a indígenas escravizados 86. O cativeiro
dos nativos na região parece ter perdurado ao menos até o final do século XVIII87.
Os Campos de Viamão também tiveram seu povoamento ligado aos paulistas, mas
de maneira mais indireta. Para compreendê-lo, temos que retomar a ocupação de Laguna, já
que é desta localidade que provém grande parte dos ocupantes pioneiros dos Campos de
Viamão.
A área que se tornaria a vila de Laguna foi ocupada primeiramente por Domingos
Brito Peixoto, vicentino morador de Santos. Conhecida como “Lagoa dos Patos”, fora
certamente o antigo “Sertão dos Patos” onde os paulistas se habituaram a prear índios.
Também o sonho de encontrar riquezas minerais impulsionou sua ocupação. Como afirma
Kühn:

Neste ponto o fundador de Laguna seguia o paradigma paulista do expansionismo


voltado para a fronteira em busca de riquezas do sertão, fossem elas o “ouro
vermelho” da mão de obra indígena, fossem as tão cobiçadas minas de prata, que se
supunha existissem por estas latitudes88.

84
O território de São Paulo inicialmente fazia parte da Capitania de São Vicente. Em 1711, D. João V o
comprou do Marquês do Cascais. Até 1720, fazia parte da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro
desmembrando-se neste ano.
85
Ver Capítulo 2 desta dissertação. Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
86
Ver: BORGES, Joacir Navarro. As demandas judiciárias envolvendo administrados em Curitiba, século
XVIII. Almanaque brasiliensis, nº6. Nov/ 2007. e PORTELA, Bruna Marina. Gentio da Terra, gentio da
Guiné: a transição da mão de obra escrava e administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de
São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014. (Tese de Doutorado).
87
Ver capítulo 3 desta dissertação.
88
KÜHN, Fábio. Gente da Fronteira: Família e poder no continente do Rio Grande (Campos de Viamão,
1720-1800). São Leopoldo: Oikos, 2014. p. 24.
41

O filho de Domingos, Francisco Brito Peixoto, ao relatar o povoamento da área,


afirma que “naquela vizinhança andava gentio brabo e vagabundo” e que temendo ataques
daqueles índios “trataram de os conquistar e repelir” 89. Certamente não apenas os repeliram
como também os tomaram para si. Infelizmente os primeiros livros de batismo da paróquia
de Laguna se perderam, o que nos impossibilita, até o momento, de saber a exata dimensão
do cativeiro indígena nesta localidade.
Em 1725, Francisco Brito Peixoto, mandara ao Rio Grande de São Pedro seu genro,
João de Magalhães, sendo esta considerada a primeira expedição àquelas paragens. João de
Magalhães possivelmente ia acompanhado de índios administrados, já que há relatos de
que junto a ele ia uma escravaria parda90. No retorno, esta bandeira trouxe para Laguna
quatorze índios. Ainda que o número de cativos não seja significativo, e o principal
objetivo da expedição tenha sido o de formar alianças com os Minuanos para assegurar a
passagem do abundante gado da região para as terras laguneneses, podemos notar aqui,
uma vez mais, que, nos caminhos percorridos pelos primeiros povoadores luso-brasílicos,
sempre havia o interesse e a prática de cativar ameríndios 91.
Este pequeno evento nos mostra que as alianças formadas com alguns indígenas não
excluíam a relação violenta travada com outros. Na carta resgatada por Kühn no Arquivo
Ultramarino, quando do episódio da prisão de Francisco Brito Peixoto, em 1720, o
governador de Santos informa sobre a conduta de seus filhos “mulatos”:

“Agora presentemente foram ao Rio Grande e trouxeram muitos cavalos e mataram


alguns índios fingindo se queriam levantar contra eles e até mataram o seu mesmo
confidente (...)”.

O Ouvidor Rafael Pires Pardinho, ao fazer uma devassa sobre a conduta de Brito
Peixoto, confirma a morte dos índios “nas campanhas do Rio Grande de São Pedro” 92.
A partir desta primeira expedição, os lagunistas, e outros povoadores oriundos das
mais diversas partes, foram paulatinamente ocupando um vasto território na porção norte

89
Ibidem, p. 23.
90
HAMEISTER. O Continente... Op. Cit., p. 33.
91
KÜHN. Gente da Fronteira...Op. Cit., p. 26. Sobre os contatos de portugueses e minuanos ver: GARCIA,
E. As diversas formas de ser índio... p. 227-258.
92
Arquivo Histórico Ultramarino- SP. Caixa 2, doc. 164 (Mendes Gouveia). Carta do governador [da praça]
de santos João da Costa Ferreira de Brito para o {governador e capitão-eralm da capitania do Rio de Janeiro,
Aires de Saldanha De Albuquerque Coutinho Matos e Noronha]queixando-se das intrigas que contra ele move
Luis [Antônio] de Sá [Quiroga]. Apud KÜHN. Gente da Fronteira...Op. Cit., p.32.
42

do Rio Grande de São Pedro, denominado de Campos de Viamão. Essa área situava-se
entre o Oceano Atlântico, o rio Mampituba, o Guaíba e a Lagoa dos Patos93. Neste território
estava instalada a freguesia de Viamão, mas também fazendas que viriam a se tornar
posteriormente os municípios de Triunfo, Vacaria, Tramandaí, Porto Alegre, etc.
A construção da capela de Nossa Senhora da Conceição de Viamão data de 1741.
Em 1747, tornou-se freguesia e foi providenciado um sacerdote para a capela, que antes era
atendida pelo Padre Mateus Pereira da Silva de Laguna. No tempo da fundação havia uma
controvérsia sobre os limites da diocese do Rio de Janeiro e a capela de Nossa Senhora da
Conceição acabou sendo fundada pelo bispo de São Paulo 94. Apesar de sua importância
política crescente, especialmente após a invasão espanhola à Rio Grande, Viamão não foi
elevada a categoria de vila até 1880.
O afluxo populacional de Laguna para o sul intensificou-se após a criação da
freguesia. Por volta de 1730, enquanto alguns lagunenses se transferiram em definitivo para
o sul outros seguiram vivendo ora na antiga vila, ora nos Campos de Viamão95. É por esta
época que se abrem os caminhos que conectam os Campos de Viamão à Curitiba. O
Caminho das Tropas começara a ser aberto em 1727, por Francisco de Souza Faria, sob
ordens do Governador de São Paulo. Mas a abertura desta estrada só foi concluída em
1732, por Cristóvão Pereira de Abreu. A finalidade desta empreitada era permitir a
condução do gado, concentrado nas vacarias rio-grandenses, até Curitiba, de onde seria
então enviado á Sorocaba96. Essa integração econômica do extremo sul com o restante do
Brasil faz parte de um movimento mais amplo de alargamento das relações econômicas
internas do país, gerado, em grande parte (mas não só), pelo descobrimento das Minas
Gerais e pelo grande afluxo populacional decorrente97.

93
KÜHN, Fábio. Os campos de Viamão: uma fronteira do império luso-brasileiro. In: BARROSO, Vera Lúcia
M. (Org.). Raízes de Viamão. Porto Alegre: EST, 2008.p. 81.
94
RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio grande do Sul: época colonial. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1994. p.72
95
KÜHN. Gente da Fronteira...Op.Cit., p. 47.
96
Sobre o desenvolvimento desta rota comercial do gado, ver: GIL, Tiago. Coisas do caminho: Tropeiros e
seus negócios do Viamão à Sorocaba (1780-1810). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. (Tese de doutorado).
97
Para um panorama geral das mudanças econômicas do século XVIII ver: FRAGOSO, João e GUEDES,
Roberto. Notas sobre transformações e a consolidação do sistema econômico do Atlântico luso no século
XVIII. IN: FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima (Org). O Brasil Colonial- Volume 3 ( 1720-
1821). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p.09-60.
43

Alguns dos primeiros povoadores da região dos Campos foram justamente as filhas
e genros de Francisco Brito Peixoto. Brito Peixoto não fora casado, no entanto teve oito
filhos, quatro delas eram mulheres. Ao que consta todas suas filhas eram fruto de relações
com índias. Duas delas, Ana da Guerra e Maria de Brito, eram filhas de índias
administradas98.Como apontou Elisa Garcia, estes mestiços, imersos na cultura indígena,
certamente tinham ferramentas que lhes proporcionavam maiores chances de adentrar o
interior e de manter seus cativos:

O fundamental desta mestiçagem é pensar na possibilidade dos filhos de Brito


Peixoto terem o domínio dos códigos de conduta tanto do mundo indígena como
luso-brasileiro. Esse domínio poderia facilitar a administração dos índios, visto que
estes estariam em uma relação com alguém que domina seus códigos, além de
viabilizar o contato com outras populações autóctones não submetidas diretamente
ao trabalho compulsório. O conhecimento dos costumes indígenas também era
fundamental nas expedições ao sertão, pois deste dependia a sobrevivência dos
colonos em territórios muitas vezes desconhecidos99.

Durante a década de 1750, observa-se um aumento considerável na população dos


Campos de Viamão. Em parte isso se deve ao “esvaziamento econômico” da vila de
Laguna e a consolidação da vila de Rio Grande como um ponto de referência para estes
migrantes100. Em 1751, os Campos contam com aproximadamente setecentas pessoas,
distribuídas em 132 fogos101 .
Nesta década, a análise dos Róis de Confessados de Viamão 102 aponta que os
indivíduos “brancos”103 compunham em média 55,4% (416 indivíduos) da população ao
longo da década, os “escravos” 41,4% (311 indivíduos) e os indígenas apenas 3,2%
(variando entre 28 e 20 indivíduos).104 Os livros de batismo da paróquia mostram indícios
de que a população ameríndia está subestimada nos Róis. Segundo Garcia, no 1º Livro
(1747-1759) os ameríndios são 17,8%, entre pais, avós, padrinhos e batizandos 105.

98
KÜHN. Gente da Fronteira..., p. 46.
99
GARCIA. As diversas formas de ser índio... Op.Cit. p. 35.-36.
100
KÜHN. Gente da Fronteira... Op. Cit, p. 70.
101
Ibidem, p. 75.
102
AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão: 1751, 1756, 1757 e 1758. Sobre os Róis de Confessados de
Viamão ver nesta dissertação 2.3 Os livros de batismo...
103
Para uma analise da cor e condição dos considerados “brancos” ver nesta dissertação: 2.5.3 Bastardos: os
índios livres e forros.
104
Para uma análise mais detalhada da presença indígena nos Róis de Confessados ver: DIEHL, Isadora.
“Administrando almas”: uma análise da escravidão indígena através das unidades familiares, Campos de
Viamão (1750-1760). UFRGS, 2012. (Trabalho de conclusão de curso).
105
GARCIA. Diversas formas de ser índio...Op. Cit., p. 66.
44

O modelo de povoamento dos Campos foi bastante semelhante ao de Curitiba,


apresentado as características típicas da expansão bandeirante. Mas, podemos observar que
em Viamão houve uma precoce introdução de cativos africanos já na década de 1750,
diferindo desta forma do padrão existente nas freguesias paulistanas para o período. Talvez
por esta menor representatividade, tenhamos menos informações dos administrados nos
Campos de Viamão do que os de Curitiba. Contudo, esse padrão de povoamento
bandeirante, permite depreender da documentação curitibana algumas informações que
certamente servem de auxílio para compreensão da administração particular na outra
localidade.
A reprodução deste padrão “paulistano” nos Campos de Viamão fica atestada pelo
fato de a maioria dos proprietários de indígenas ter esta origem. Analisando os senhores de
administrados presentes no 1º Livro de Batismos da freguesia, constatou-se que dos 08
proprietários que foi possível descobrir a naturalidade apenas um não tinha ligação direta
com Laguna ou com alguma vila da Capitania de São Paulo. A maioria ou era proveniente
destas regiões ou era casado com alguém desta procedência, o que indica que talvez estas
esposas tenham trazidos seus administrados como dote.
Esta hipótese, de que os administrados tenham migrado junto com seus senhores,
fica reforçada pelo fato de que alguns indígenas eram também provenientes de Laguna 106. É
o caso de Páscoa, “que foi administrada” de Ana da Guerra, e da mesma forma que sua
senhora era oriunda daquela vila 107.
A análise da procedência dos possuidores de administrados presentes nos Róis de
Confessados também corrobora esta hipótese. A Tabela 1 indica que a maioria dos
administradores tinha origens paulistas ou lagunenses. Contudo, colonos de outras
proveniências também aparecem como senhores de índios, o que indica a reprodução deste
tipo de escravismo por outros grupos de origem que não apenas a paulistas.
Vejamos por exemplo o caso de Jacinto Matheus da Silveira e sua esposa Isabel
Francisca de Bitencourt, que possuíam um administrado de nome Antônio no ano de
1776108. Seus registros nos revelam que eram “açorianos” 109
e partícipes do grupo de

106
Ver: AHCMPA- 1º LB de Viamão (1747-1759), 2º LB de Viamão (1759-1769), 1º LC de Viamão (1747-
1785), 1º LO de Viamão( 1748-1777).
107
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Páscoa, f. 125; 17/06/1756.
108
AHCMPA- Rol de Confessados de Viamão 1756.
45

pessoas que “sua Majestade manda para as Missões”110.

Tabela 2. Origem dos proprietários de indígenas da Freguesia de Nossa Senhora da


Conceição de Viamão, 1751-1758.

Casais com um dos


Fogos com Proprietários com a naturalidade
Ano membros lagunenses ou
indígenas localizada
paulistanos.

Nº Nº %
1751 18 14 10 71,4
1756 13 10 06 60,0
1757 07 06 05 83,3
1758 17 11 07 63,3
Fontes: AHCMPA- Viamão: Róis de Confessados 1751,1756, 1757, 1758; 1º LB (1747-1759), 2º LB (1759-
1769) , 1º LC (1747-1785), 1º LO ( 1748-1777).

Outros locais em que houve índios administrados também apresentaram fortes


ligações com o povoamento paulista. Mesmo em Minas Gerais, povoada por bandeirantes,
e área mais dinâmica da colônia no século XVIII, existiu a servidão dos nativos. Neste local
tão conectado ao comércio transatlântico, os indígenas eram apenas 2% da mão de obra,
enquanto que a maior parte dos cativos era composta por africanos111. Renato Pinto
Venâncio aponta que no termo da Vila do Carmo, futura Mariana, estima-se que os
administrados constituíam de 16 a 23% da força de trabalho em 1710. Mas quinze anos
depois eles tinham diminuído drasticamente, figurando apenas 0,4% do total de cativos. O
autor constituiu como principais causas para esta diminuição a alta mortalidade e o fim das
expedições de apresamento. Porém, ressalta que um dos fatores determinantes para essa
diminuição é que a rentável exploração do ouro permitiu que os bandeirantes transferissem
o trabalho de renovação dos plantéis para os traficantes do eixo Rio-Minas, conectando-se

109
Nem todos os considerados historicamente como açorianos eram de proveniente daquelas ilhas. Sobre isso
ver: HAMEISTER, Martha D. Notas sobre a construção de uma ‘identidade açoriana’ na colonização do Sul
do Brasil no século XVIII. Anos 90. Porto Alegre: v. 12, nº 21-22, p. 53-101, 2006.
110
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Maria, f. 51; 25/06/1754.
111
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Escravismo no Brasil. São Paulo: Edusp, 2010.p. 52 e 69.
46

desta maneira ao mercado de escravos africanos112.


Portanto, unindo os apontamentos da historiografia sobre as duas áreas em estudo,
foi possível elucidar alguma questões relativas à ocupação do sul do Brasil e sua relação
com o bandeirantismo, dando destaque aos indígenas tanto como atrativos para a ida dos
luso-brasílicos àquelas áreas quanto como fator de facilitação da permanência dos colonos
ali. Evidentemente não se trata de estabelecer uma monocausalidade para tal movimento de
ocupação, trata-se sim de enfatizar uma questão ainda pouco salientada na história destas
regiões, já que atrativos como, por exemplo, a possibilidade de comercialização do gado ou
a exploração de minerais, se tornaram motivações muito mais destacadas.

1.2. “Usarem de sua liberdade para se repartirem pelos moradores”: lei,


costume e administração indígena

“Entre o projeto colonial expresso nas leis e a prática há, nem é preciso dizer, uma
grande distância. A outros caberá falar sobre o que dele efetivamente resultou”. Tal frase
foi escrita por Beatriz Perrone-Moisés113 e encontra-se em seu clássico artigo sobre a
legislação indigenista no Brasil colonial. Apontou ali para a necessidade de atentar-se aos
aspectos propriamente jurídicos da questão indígena. Até aquele momento, pouco tinha se
feito com relação à sistematização do direito dos índios na América portuguesa colonial.
Seu trabalho foi, portanto, precursor na compilação e na discussão sobre a importância de
se estudar a documentação legislativa colonial.
Efetivamente, o estudo da legislação indigenista portuguesa parece necessário e têm
sido pouco tratado pelas historiadoras e historiadores. Como apontara a própria Perrone-
Moisés, um dos aspectos que foi escassamente trabalhado, e seguiu sendo assim, foi o da
legislação relativa à administração particular de indígenas. Se, por um lado, alguns estudos
dão visibilidade aos debates existentes em torno da questão da permissão ou não da
escravidão indígena na América portuguesa, por outro lado são raras as pesquisas que

112
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os últimos carijós: Escravidão indígena em Minas Gerais: 1711-1725. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v.17, nº 34. 1997. (Versão para internet, sem paginação).
113
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e Índios escravos: os princípios da legislação indigenista do
período colonial (séculos XVI e XVIII) In: CUNHA, Manuela Carneiro (Org). Os índios na história do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992 (p.115-132.), p. 116.
47

enfocam quais determinações legais permitiram ou regulamentaram a existência da


administração. Da mesma forma, também são raros os estudos que se refiram às
determinações locais relativas ao trabalho dos índios não aldeados. Ou seja, das
determinações produzidas por ouvidores e câmaras municipais relativas a este assunto.
Este subcapítulo pretende, portanto, levantar algumas questões referentes às
disposições legais que intencionaram de alguma forma pautar a chamada administração
indígena, até a Lei de Liberdade de 1755 e do Diretório dos Índios (1758) que, como
veremos, marcam a sistematização da legislação indigenista. Assim, procurou-se fazer um
levantamento geral da legislação referente ao assunto desde o século XVI, buscando
observar de que forma a Coroa tratou a temática e de que maneira as determinações régias
chegaram às áreas sulinas de Curitiba e Campos de Viamão, no século XVIII.
Defendo que as práticas sociais, especialmente relativas à servidão dos nativos,
foram distintas das determinações legais. É, portanto, pouco provável que encontremos as
contravenções na documentação oficial. Logo, as determinações nos permitem
compreender a malha legal que pautava a prática social. Mas a prática social não pode ser
reduzida ao seu viés legal. Contudo, há uma interlocução entre estas duas esferas, que
permitem vislumbrar momentos em que a legislação é forjada a partir da prática social, e
que a prática social tenciona mudanças nas leis.
Freitas, ao estudar a atuação da Câmara de São Paulo na promoção da escravidão
indígena, aponta no mesmo sentido, indicando que os “oficiais concelhios tinham a
intenção de ocultar, na medida do possível, seus procedimentos discordantes com a lei”114.
Portanto, o conteúdo das fontes oficiais sobre a escravidão indígena não deve ser
confundido com o que aconteceu no âmbito das relações sociais 115.
Entretanto, parece-me profícuo resgatar a legislação indigenista à medida que
permite formar um quadro geral das determinações legais e compreender as nuances em sua
apropriação nas localidades estudadas. A compilação e organização do conjunto de
determinações legais permitem, ainda que de forma limitada, em um momento posterior,
confrontar a legislação com a prática.

114
FREITAS, Ludmila Gomide. A Câmara Municipal da Vila de São Paulo e a escravidão indígena no século
XVII (1629-1696). Campinas: UNICAMP, 2008. (dissertação de mestrado). p. 08.
115
Para uma reflexão sobre a diferença da lei e da prática social ver: SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a
sombra: Política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras,
2006.
48

Este subcapítulo inicia-se pelas considerações a cerca da existência de um direito


brasileiro colonial e as implicações disto para a questão em debate. Em seguida, passa às
questões relativas à legislação sobre a escravidão no Brasil e posteriormente debate-se as
leis que se referem à administração indígena. Primeiramente a exposição sobre a legislação
foi até a promulgação da conhecida Lei de Liberdade, de 1755, que modifica, ao menos em
termos legais, as possibilidades de utilização do trabalho dos indígenas116. Em um segundo
momento, foram expostos alguns pontos do Diretório pombalino que podem ter
influenciado nas relações dos indígenas integrados aos povoados luso-brasileiros. Por
último, tentou-se identificar pontos relativos à administração nas localidades de Curitiba e
dos Campos de Viamão, através da atuação das Câmaras de Vereadores e do mapeamento
da documentação recebida por aqueles Concelhos. A intenção foi expor quais leis, ordens
régias, bandos e provisões foram recebidos e registrados naquelas paragens sulinas; e se
houve reações por parte dos vereadores e demais agentes locais. No caso curitibano,
assinalou-se a ação dos Ouvidores.

1.2.1. A lei e a escravidão: o arbítrio privado e a ampla gama de legisladores

As regras legais existentes no Brasil eram submetidas ao direito português. Inserido


no contexto europeu moderno, o direito português pode ser entendido através do conceito
de pluralismo jurídico, já que seu ordenamento era composto por diferentes disposições
jurídicas, tais quais: o direito comum temporal, o direito canônico, o direito do reino e
também aqueles estabelecidos pelos tribunais 117.
Logo, a principal base legal do Brasil no período eram as Ordenação Filipinas
(1603). No entanto, outras formas de legislar estavam presentes no direito colonial
brasileiro. Os principais instrumentos legislativos eram os Regimentos dos governadores
gerais, as cartas régias, leis, alvarás e provisões régias. O Conselho Ultramarino, a partir de

116
“Lei porque Vossa Majestade ha por bem restituir aos índios do Grão-Pará e Maranhão a liberdade de suas
pessoas, e bens, e comércio: na forma que nela se declarar”. Disponível em: Biblioteca Nacional de Portugal/
Biblioteca Nacional Digital.
117
HESPANHA, Antônio Manuel. Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro.
Comunicação ao Encontro Brasil-Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no Mundo Português-
séc. XVI a XVIII. Departamento de História Social da Cultural/PPGHIST, UFMG, Belo Horizonte. In:
Quaderni fiorentini per la Storia del pensiero giuridico moderno, 35 (2006), pp. 59-81. Disponível também
em: https://sites.google.com/site/antoniomanuelhespanha/home/textos-selecionados. Acesso: março/2015, p.
02
49

1643, se tornou o principal instrumento de emissão de pareceres que, ao serem assinados


pelo rei, ganhavam força de lei118. Ainda, os governadores podiam emitir decretos, alvarás
e bandos119. As Câmaras municipais administravam totalmente os assuntos locais e tinham
poderes que misturavam funções administrativas, judiciárias e tributárias e desta forma
tinha forte influência para normatizar a vida social. Verifica-se, portanto, um pluralismo e
até certa inconstância do direito no Brasil 120. Estas foram características herdadas da
estrutura do direito comum europeu, cujas regras eram também maleáveis 121.
Tal profusão de agentes e formas de normatizar- reflexo de um sistema político
corporativo122- demonstra que, ainda que submetido à legislação régia, o direito no Brasil
colonial mantinha certa independência da legislação do reino. Como apontou Antônio
Manuel Hespanha, a autonomia do direito em uma sociedade de Antigo Regime não
decorria do fato de existirem leis próprias, e sim da capacidade de “preencher os espaços
jurídicos de abertura ou indeterminação existentes na própria estrutura do direito comum”.
Assim, constata-se que poucas foram as leis referentes ao Brasil promulgadas pela
monarquia e as que o foram, normalmente, tratam de incumprimentos das determinações
enviadas da Corte123.
Desta forma, ao verificarmos a abundância de determinações legais que por vezes
podem parecer divergentes, não podemos afirmar que imperava um caos legislativo, mas
que o direito por si mesmo estava estruturado nas controvérsias e a solução dos casos

118
Foram consultados de forma pouco extensiva, os Catálogos de Documentos do Arquivo Histórico
Ultramarino referentes a São Paulo (já que a vila de Curitiba pertencia a esta Capitania) e Rio Grande do Sul,
sem que pudessem ser encontradas determinações específicas sobre a questão da administração indígena nas
duas localidades em estudo. BERWANGER, Ana Regina; OSÓRIO, Helen; SOUZA, Suzana Bleil de. (Orgs).
Catálogo de Documentos Manuscritos avulsos à Capitania do Rio Grande do Sul existentes no Arquivo
Histórico Ultramarino, Lisboa. Porto Alegre: CORAG, 2001. ; ARRUDA, José Jobson de Andrade
(Coordenação Geral); BELLOTTO, Heloísa Liberalli , REIS, Gilson Sérgio Matos. Documentos Manuscritos
Avulsos da Capitania de São Paulo, 2000-2002, 2 vol.
119
PERRONE-MOISÉS. Índios livres e Índios escravos ...Op. Cit,., p. 116.
120
Para uma analise da estrutura judiciária do Brasil ver: SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no
Brasil colônia: O tribunal superior da Bahia e seus Desembargadores (1609-1751) São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
121
HESPANHA, Antônio Manuel. Antigo Regime nos Trópicos? Um debate sobre o modelo político do
império colonial português. In: FRAGOSO, João e GOUVÊA, M. F. (orgs.) Na trama das redes: política e
negócio no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.p. 58.
122
Para uma análise da capacidade dos poderes locais de barrarem determinações reais ver: HESPANHA,
Antônio Manuel. Depois do Leviathan. In: Almanack brasiliensis, nº5, maio de 2007. (p. 55-66.) p.57.
123
HESPANHA. Porque é que existe...Op. Cit. p. 01 e 02.
50

deveria navegar nesse mar de possibilidades124. É nesta perspectiva que devemos pensar
tanto a questão da escravidão africana quanto da utilização do trabalho dos ameríndios.

1.2.2. A mão de obra indígena em disputa

Com relação à questão legal da escravidão- referente aos africanos- é possível


pontuar que não existiu uma codificação específica para o assunto, apesar do peso do
escravismo na constituição social da colônia 125. No período colonial, mesmo que a Coroa
interferisse em alguns assuntos, como o abuso dos castigos dados aos escravos, o governo
reafirmava a intenção de não imiscuir-se no poder dos senhores sobre seus escravos126. Isso
porque a legislação portuguesa era tributária do direito romano, calcado na noção do poder
ilimitado do paterfamilias na gestão doméstica, o que incluía aí a relação com os
escravos127.
Já a exploração da força de trabalho indígena foi alvo de disputa entre os diversos
agentes colonizadores. Ao longo do vasto território do Império português na América, e do
longo período colonial, pode-se, de maneira muito simplificada, apontar que existiram três
projetos básicos para a utilização dos índios como mão de obra. Estes três projetos foram
utilizados em momentos e locais variados e por vezes concomitantemente: a escravidão,
praticada pelos colonos; a tentativa da formação de um campesinato indígena, por parte dos
jesuítas e a integração dos indígenas individualmente como trabalhadores assalariados,
praticada por religiosos e colonos128.
Se as formas de exploração da mão de obra indígena foram alvo de debate, o
consenso legislativo é que eles estavam destinados ao trabalho:

Naturalmente, o lugar social e o estatuto jurídico dos índios não estavam


plenamente constituídos e consolidados e eram, além disso, objeto de acirrada
disputa na colônia e na metrópole (...). os testemunhos históricos oferecem sólidas

124
Idem.
125
SILVA JÚNIOR, Waldomiro Lourenço. Apontamentos sobre a tradição legal portuguesa a respeito da
escravidão negra na América. 3º Encontro de Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Florianópolis:
UFSC, 2007. p.01.
126
GRIMBERG, Keila. Keila Grinberg. Resenha de “Legislação sobre escravos africanos na América
Portuguesa" de LARA, Silvia Hunold. Tempo, vol. 9, núm. 17, julho/ 2004,( pp. 1-6) p. 05 e LARA, Silvia
(org.). Ordenações Filipinas: Livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
127
SILVA JÚNIOR. Apontamentos sobre a tradição legal...Op. Cit., p. 07.
128
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988.p. 45.
51

indicações de que a principal função e dever (officium) dos índios era trabalhar
para o Estado, para particulares e para si próprios (...). O que mais oscilava na
legislação, portanto, não era o officium dos índios, mas o melhor modo de eles
exercerem as funções que lhes eram reservadas no mundo colonial, e se deveriam
trabalhar como homens livres ou como cativos129.

Mesmo assim, a legislação referente à utilização do trabalho dos indígenas também


foi tomada na historiografia como contraditória e oscilante, já que por vezes instituía a
liberdade dos índios e, em outros momentos, voltava a reafirmar sua servidão. Segundo
Perrone-Moisés, tal visão resulta da indistinção dos analistas entre as leis destinadas aos
aliados e aquelas destinadas aos inimigos e aponta que a heterogeneização nestas duas
categorias ajuda a compreender melhor os parâmetros nos quais se baseavam as
determinações legais 130.
No entanto, parece-me pertinente a ideia de que efetivamente a Coroa necessitava
conciliar duas posições bastante contraditórias no que dizia respeito à relação dos índios
com a colonização. Se por um lado a catequização do gentio era parte da retórica que
justificava a ocupação das terras americanas, por outro eles deveriam também servir como
mão de obra. Assim, a catequese e a “civilização” são o núcleo legitimador de todos os
projetos voltados para os índios: desde os aldeamentos, passando pelas repartições de
trabalho, pela a administração jesuítica ou secular, até a escravização e a utilização da
violência131. Logo, a Coroa pretendia conciliar o princípio de “liberdade” dos índios com o
de trabalho obrigatório (em suas diferentes formas), através do discurso evangelizador da
catequese132.
Almeida resume que a legislação referente aos indígenas sempre foi uma
preocupação do Estado, pois isto se relacionava fortemente à possibilidade de utilização do
trabalho dos nativos:

Isto porque todas as leis gravitavam em torno da questão sobre quem exerce o
controle e a administração dos índios, no que de fundamental riqueza representam

129
MOREIRA, Vânia Maria Losada. A Conquista do trabalho indígena: Fé, razão e ciência no mundo
colonial. In: FORTES, Alexandre e outros. Cruzando fronteiras: Novos olhares sobre a história do trabalho.
São Paulo: Perseu Abramo, 2013.( p. 133-165) p. 139-140.
130
PERRONE-MOISÉS. Índios livres e Índios escravos ...Op. Cit., p. 117.
131
Ibidem, p. 122.
132
MOREIRA. A Conquista do trabalho indígena... Op. Cit., p. 140.
52

durante a colonização, ou seja, como população e força de trabalho133.

A questão da escravização dos índios começou a ser debatida já nos anos iniciais do
povoamento do Brasil pelos portugueses. As discussões a respeito da humanidade dos
nativos do Continente americano desenvolveram-se muito mais no Império espanhol do que
no português, mas este último apropriou-se bastante das discussões geradas pelos
hispânicos. Não obstante, predominou fortemente entre os lusos uma visão negativa dos
indígenas, calcada na repulsa pela antropofagia 134. A contestação da humanidade dos índios
tinha fortes relações com a possibilidade de escravização decorrente disto:

(...) contudo, torna-se difícil crer que algum branco tenha duvidado seriamente em
considerar os índios como homens realmente. O juízo sobre a raça americana
parece, pois, ter sido ditado antes pelo interesse de tipo econômico em encontrar
motivos justificativos para escravização do indígena135.

Desde o regimento de Tomé de Souza, de 1548, já há indicações de que os índios


aliados deveriam ser tratados como livres 136. No ano de 1570, através da determinação
régia de D. Sebastião, seguindo os preceitos da Bula papal de Paulo III promulgada em
1537137, os índios aliados foram considerados livres. Ainda durante o século XVI, outras
leis reafirmariam a liberdade dos índios amigos138. Neste momento, os jesuítas foram
instituídos como principais responsáveis pela política indigenista no Brasil 139.
Aos inimigos, durante quase todo o período colonial, foi reservado o cativeiro por
guerra justa. Essa era a principal justificativa legal para a escravidão. A guerra seria justa
quando os indígenas cometessem atos hostis aos portugueses e impedissem a disseminação
da fé católica. Como os colonos utilizaram a guerra justa como retórica para atacar povos
que muitas vezes eram pacíficos, progressivamente a Coroa foi limitando a possibilidade de
declará-la. A outra forma legal de escravidão seriam os resgates, que consistiriam no
salvamento dos indígenas cativos de guerra de sofrerem a antropofagia por outros índios.

133
ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: Um projeto de “civilização” no Brasil do século
XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p. 37.
134
THOMAS, Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil: 1500-1640. São Paulo: Ed. Loyola, 1981.
p.19-20.
135
Ibidem, p. 22-23.
136
Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548. Fonte original em:
Lisboa, AHU, códice 112, fls. 1-9.
137
CUNHA, Manuela Carneiro. Os direitos dos índios: ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.
05.
138
BRIGHENTE. Entre a liberdade e a administração...Op. Cit., p.44.
139
THOMAS. Política indigenista...Op. Cit., p. 135.
53

Os cristãos que os salvassem poderiam então tomá-los como escravos, mas por um tempo
limitado140.
De qualquer forma, a legislação portuguesa sempre resguardou o princípio de
liberdade natural dos nativos do continente americano. Como bem percebido por Luiz
Felipe Alencastro, enquanto os africanos eram denominados na documentação como
“escravos”, os indígenas apareciam como “cativos”, em uma clara demonstração de
princípios jurídicos diferenciados para cada um. O termo cativo denotaria um “estatuto
transitório, acidental de privação da liberdade”, enquanto o termo escravo revelaria um
estado permanente de sujeição 141.
Se juridicamente existiu o princípio de liberdade para os índios e a distinção entre
aliados e inimigos, na prática a questão se deu de outra forma. A escravidão durou pouco
em termos legais, mas outras maneiras de coerção se consolidaram como meios de
obtenção do trabalho indígena. A administração particular foi uma delas. Consistiu muito
mais em uma prática, socialmente legitimada, do que propriamente uma relação de trabalho
formalizada, seja através de estado jurídico (com, por exemplo, o era o do escravo
africano), seja através de um conjunto de leis claramente definido. O regime de trabalho da
administração assemelhava-se muito ao da escravidão, já que - a despeito das proibições da
Coroa - os colonos mantinham índios a seu serviço sem, contudo, remunerá-los. Como
afirma John Monteiro, a administração indígena foi um artifício institucional utilizado
pelos colonos para utilizar o trabalho dos ameríndios:

Apesar da legislação contrária ao trabalho forçado dos povos nativos, os paulistas


conseguiram contornar os obstáculos jurídicos e moldar um arranjo institucional
que ordenasse as relações senhores e escravos. Assumindo o papel de
administradores particulares dos índios – considerados como incapazes de
administrar a si mesmos- os colonos produziram um artifício no qual se
apropriaram do direito de exercer pleno controle sobre a pessoa e a propriedade dos
mesmos sem que isso fosse caracterizado juridicamente como escravidão142.

140
PERRONE-MOISÉS. Índios livres e Índios escravos... Op.Cit., passim.
141
ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.p. 87-88.
142
MONTEIRO. Negros da Terra...Op. Cit., p. 114.
54

1.2.3. Configurações institucionais da administração indígena

A prática da administração indígena remonta ao século XVI, mas pode-se verificar


uma progressiva institucionalização desta forma de exploração dos nativos 143. Logo, a
retomada de algumas leis e provisões permite entender como os agentes administrativos
lidaram com esta questão.
Durante o governo dos Habsburgo, as políticas indigenistas estiveram ainda mais
pautadas pela noção de que os gentios deveriam ser livres. No entanto, a busca por metais
preciosos era cara à Coroa espanhola e revelava, uma vez mais, a contradição entre o
projeto de exploração econômica da colônia e a dependência da mão de obra indígena. No
ano de 1604, o Governador Geral D. Diogo de Botelho solicitou ao Rei a introdução de um
sistema semelhante ao das encomiendas no Brasil144. Esta seria uma tentativa de tornar
legal a prática da administração indígena por particulares. No entanto, a determinação
subsequente, de 1605, manteve a escravidão dos índios como ilegal.
Em 1609, foi instaurada a Relação da Bahia, que, através do Tribunal da Colônia,
promulgou uma lei que extinguiu por completo o trabalho obrigatório dos índios, obrigando
qualquer um que utilizasse trabalhadores indígenas a pagar-lhes um salário, inclusive os
padres. A lei excluiu até mesmo a possibilidade de capturar índios em guerra justa e
determinava que os cativos fossem postos em liberdade. Desta forma, os indígenas foram
igualados aos trabalhadores livres145. Esta medida enfrentou forte resistência dos colonos e
acabou sendo derrubada pouco tempo depois. Como afirma Brighente:

A lei que mais ampla liberdade concedeu aos indígenas do Brasil desde o início do
povoamento da América portuguesa, acabou sem implementação na Colônia. Isto
mostra a grande força política dos moradores locais representados pelas Câmaras
Municipais, já que a sua atitude irredutível, aliada às objeções levantadas à lei pelo
Governador impediram as autoridades locais de obedecer aos ditames Reais. Pouco
depois de dois anos de sua promulgação e de um ano de seu conhecimento no
Brasil, o Rei derrogou a lei146.

Em 1611, um novo estatuto é promulgado por Felipe III. O conteúdo das


determinações do Rei demonstra que este cedeu aos colonos. Isso fica patente quando
143
Sobre a utilização do trabalho indígena no século XVI nos engenhos baianos ver: SCHWARTZ, Stuart B.
Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras,
1988.
144
SCHWARTZ. Burocracia e sociedade ...Op. Cit., p. 121 e 122.
145
Ibidem, p. 120-124.
146
BRIGHENTE. Entre a liberdade e a administração...Op. Cit., p. 48.
55

afirmou que, tendo colocado todos os índios em liberdade em 1609, percebeu os


“inconvenientes que se apresentaram conforme a importância da matéria e querendo atalhar
a eles” mandou fazer esta nova lei que restituía a escravidão do gentio em caso de este
mover guerra ou rebelião. A velha alegação de salvar os índios do canibalismo também
volta a aparecer como justificativa para a escravização:

tenho entendido que os ditos gentios em guerra uns com os outros que costumam
matar e comer todos os que nela cativam a que não fazem achando quem os
comprem desejando prover com remédio ao bem deles e salvação de suas almas
que se deve antepor a tudo147.

O conteúdo desta lei foi, portanto, um retrocesso em termos legais à liberdade dos
indígenas. Interessante notar que a Lei de 1611 está registrada nos livros da Câmara de
Curitiba no ano de 1733148. Ou seja, mais de cem anos depois, a Câmara desta localidade,
assim como outras pertencentes àquela comarca, interessou-se, justamente, em registrar
aquela, entre as várias leis que se referem aos índios, que mais beneficiava os senhores de
cativos. Logo, podemos supor que o registro desta lei visava assegurar aos colonos um
embasamento legal para a manutenção da posse de seus escravos índios.
Isto porque a lei abriu uma brecha para justificar a existência de cativos indígenas,
através da flexibilização da declaração de guerra justa. A regra reconheceu que, podendo
tardar a autorização do rei, se fizesse a guerra e “assente em um livro todo o gentio que se
cativar”. Permitiu ainda que se vendessem estes cativos. Está claro que os administrados
dos colonos curitibanos não haviam sido capturados através de guerras justas, mas o
registro da lei parece significativo para atestar a possibilidade de se ter posse de indígenas.
Outra questão importante é que a lei retirou dos padres jesuítas a exclusividade de
fazer os “descimentos”, ou seja, a partir daquele momento a fiscalização que os religiosos
poderiam exercer ficou minada, facilitando a apropriação dos indígenas por particulares.
Em tudo a lei de 1611 trouxe vantagens na obtenção de cativos ameríndios e o ato
de registrá-la na Câmara de Curitiba, mesmo havendo leis posteriores que reduziam os
privilégios dos colonos, demonstrou claramente a intenção dos moradores de assegurar uma

147
“Registro de cópia da lei sobre a liberdade do gentio da terra e guerra que se lhes pode fazer eh o seguinte”
IN: Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a história do Paraná. Curitiba: Typ. E lith a
Vapor Impressora Paranaense, 1906, Vol. 2, p. 29-35.
148
Idem.
56

baliza jurídica para suas ações de apresamento. Como coloca Schwartz, o estatuto de 1611,
a despeito da existência de leis posteriores, continuou sendo a “lei da terra”149.
Em São Paulo, a atuação da Câmara com relação à questão da escravidão indígena
seguiu a mesma linha. Se por um lado os vereadores estavam preocupados em demonstrar
que se guiavam pelos preceitos da Coroa no que dizia respeito à escravização dos índios,
por outro estavam pouco interessados em fiscalizar e punir os escravizadores. Assim:

Acreditamos que, ao dar seguimento às normas do reino, os oficiais concelhios


cumpriam o importante papel de manter a vila de São Paulo em conformidade com
a ordem institucional portuguesa. E, para vassalos tão isolados como eram os
moradores de São Paulo, manter a Câmara obediente à metrópole, ao menos
aparentemente, era uma das formas de sustentar o vínculo com o reino. Como em
qualquer outra região da Colônia, para os moradores paulistas era fundamental
sentirem-se partícipes do Império150.

Em 1680, uma nova lei régia buscou recuperar a liberdade dos índios e proibiu,
uma vez mais, toda a forma de escravidão. Essa lei não foi registrada nos livros da Câmara
de Curitiba nem na Câmara de Rio Grande com sede em Viamão 151.
Neste período os jesuítas já haviam perdido em parte a força que tinham em
controlar a apropriação do trabalho indígena por particulares. Em 1640, haviam sido
expulsos de São Paulo e seu retorno, em 1653, foi sob condição de não interferirem nas
questões que envolvessem os índios152.
Em 1696, após um embate entre os próprios jesuítas, uma Carta Régia torna oficial
a administração de indígenas pelos paulistas. A disputa travada entre os religiosos tinha de
um lado o Padre Antônio Vieira, que defendia a liberdade dos índios, e de outro o também
jesuíta Alexandre de Gusmão, favorável a administração153. Apesar das tentativas de Vieira
de demonstrar o quão semelhantes eram administração e a escravidão, elencando ponto por

149
SCHWARTZ, S. Burocracia e sociedade...Op. Cit., p. 123.
150
FREITAS. A Câmara municipal... Op. Cit., p. 133.
151
A Câmara com sede em Viamão havia sido instalada inicialmente na única vila do Continente de São
Pedro: Rio Grande, em 1751. No entanto, devido à invasão espanhola em 1763, a Câmara foi transferida para
a freguesia de Viamão. Os documentos dos anos iniciais se perderam quando da retirada de Rio Grande. Em
1773, o Governador da Capitania determinou a transferência da Câmara para Porto Alegre, que também não
era uma vila naquele momento. Note-se que o caso da Capitania do Rio Grande (1760) é peculiar já que por
quase todo o período colonial contou com apenas uma Câmara que tinha jurisdição sobre toda a área da
Capitania. Sobre o assunto ver: COMISSOLI, Adriano. Os homens bons e a Câmara Municipal de Porto
Alegre (1767-1808). Porto Alegre: Gráfica da UFRGS, 2008. p. 164.
152
Ver: MONTEIRO. Negros da Terra...Op. Cit., p. 141-146.
153
BRIGHENTE. Entre a liberdade e a administração...Op. Cit., p. 68.; FREITAS. A Câmara municipal...
Op. Cit., p. 168.
57

ponto as aproximações dos dois sistemas, parecem ter vencido os argumentos favoráveis à
administração indígena154.
Assim, a Coroa assegurou a posse dos índios do sertão àqueles que os tivessem
“descido”, mas a administração deles deveria ser feita em aldeias. As determinações régias
também previram algumas limitações ao uso dos índios e ameaçaram que o mau emprego
dos administrados faria com que a Coroa retomasse os aldeamentos. No entanto, estas
determinações parecem ter tido pouco ou nenhum efeito, já que os índios de São Paulo
seguiram vivendo na casa de seus administradores155.
Importa que tais determinações reconheceram o que já era de “uso e costume”
desde os primórdios da colonização, tornando a prática da administração de fato respaldada
pelo direito. A revogação da administração particular dos índios só se deu em 1755,
quando no bojo das reformas pombalinas, foi promulgada a Lei de Liberdade.

1.2.4. Os poderes locais e a administração indígena

No sul do Brasil colonial, lugares periféricos e de colonização “tardia”, como os


Campos de Viamão e a vila de Curitiba, foi pequena a preocupação dos poderes locais em
registrar e fiscalizar as questões relativas à utilização da mão de obra dos índios não
aldeados.
No âmbito da Câmara com sede em Viamão não foi possível localizar nenhuma ata
que se referisse aos índios administrados, aos apresamentos de nativos ou a apropriação dos
colonos de indígenas aldeados, desde o início das funções do concelho em Viamão, em
1766 e até o ano de 1788156. Como citado anteriormente, a Câmara inicialmente localizada
em Rio Grande, depois transferida para Viamão e posteriormente para Porto Alegre, era a
única atuante em todo o Rio Grande de São Pedro e por isso tinha jurisdição sobre todo
aquele território157.

154
Biblioteca Nacional. Voto do Padre Antônio Vieira sobre as dúvidas dos moradores de São Paulo a cerca
da administração dos índios. Bahia, 12/julho/1694. Tomo I das Obras Várias- p. 239-251. Referência: 15,
02,019.
155
FREITAS. A Câmara municipal... Op. Cit., p. 166-168.
156
Ver: Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho. Termos de Vereança: Livro I (1766-1780) e
Livro II (1780-1788). Os únicos momentos em que os índios aparecem como preocupação da câmara foi
quando se fizeram as arrematações do contrato de açougue da Aldeia de Nossa Senhora dos Anjos ou quando
o Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral enviou uma carta sobre a situação dos mesmos índios
aldeados.
157
Ver nota 151, p. 156.
58

Da mesma forma não temos para a localidade correições dos Ouvidores. Isso porque
os camaristas, assim como os governadores do Continente de São Pedro, se opunham as
intervenções da Ouvidoria, com sede em Santa Catarina. Assim, o governador José
Custódio de Sá e Faria conseguiu apoio do vice-rei para evitar as correições no ano de
1768. Posteriormente, a invasão espanhola à Ilha de Santa Catarina desestruturou a
Ouvidoria e só em 1780 aconteceu a primeira correição 158.
Já nos registros de entrada de documentação na Câmara de Viamão encontram-se
dois documentos que tratam dos índios. Ambos são Bandos do então Governador José
Marcelino de Figueiredo e datam respectivamente de 1759 e 1771. Ou seja, é uma
documentação posterior a Lei de Liberdades de 1755. Por isso tratarei dela no próximo
subcapítulo.
A Câmara de Curitiba demonstrou um pouco mais de zelo com a questão dos
trabalhadores indígenas. Talvez pelo fato de fazer parte da Capitania de São Paulo, local
onde, como já apontado, o debate sobre a administração particular foi mais intenso. No
entanto, suas preocupações estiveram restritas ao registro da legislação régia que proibia a
escravização do gentio. Não pude encontrar, até o momento, qualquer indício de que os
oficiais camarários daquela localidade estivessem preocupados com a aplicação da
legislação real ou estivessem eles mesmos emitindo ordens para coibir tais práticas 159.
Em 1733, a Câmara de Curitiba registrou uma Ordem Real, na qual comunicou que
havia ordenado, em 1726, ao então Governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Cézar
de Menezes, a observância da lei de 1611. A Ordem ressaltou a necessidade de conservação
da liberdade dos índios e determinou que fossem alocados “nas aldeias”. Observou que os
cativos deveriam ser exclusivamente aqueles tomados em guerra justa. Revelou ainda que a
lei não estava sendo cumprida, já que afirmava que se achavam “índios, índias e seus
descendentes em poder dos moradores desta capitania”. Além da prática da administração,
a Ordem Régia apontou que estava ocorrendo a venda de administrados. Determinava

158
COMISSOLI, Adriano. Os homens bons e a Câmara Municipal de Porto Alegre (1767-1808). Porto
Alegre: Gráfica da UFRGS, 2008. p. 164.
159
Termos de Vereança (1701-1711). In: IN: Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a
história do Paraná. Curitiba: Typ. E lith a Vapor Impressora Paranaense, 1906, Vol. 2 e Termos de Vereança
(1721-1728) . In: Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a história do Paraná. Curitiba:
Livraria Mundial, 1924. Vol. 10.
59

então que, aqueles que não houvessem sido obrigados pela justiça a permanecer na casa de
seus senhores, fossem alocados nas aldeias de Sua Majestade160.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a Coroa condenava a prática da
administração particular, ela a reconhecia para aqueles casos em que a justiça houvesse
obrigado. A justiça, evidentemente, era pouco acessível aos administrados, já que era
exercida pela elite local no âmbito da Câmara, cujos interesses estavam certamente mais
vinculados aos administradores de índios do que aos dos administrados. Talvez por que os
índios tivessem consciência disto, foram poucos os casos de pedidos de liberdade de
administrados que chegaram ao Juiz Ordinário da Câmara161. Nos que se pôde acompanhar
seu desfecho, a sentença obrigou-os a permanecer sob a administração162.
Outra questão presente aí, e que corrobora a ideia de que o entendimento legislativo
sobre os índios é de que eram livres, mas obrigados a trabalhar, é que a mesma Ordem régia
determinava que aqueles que haviam sido postos em liberdade por sentença judicial
deveriam ir para as aldeias e, assim, “usarem de sua liberdade para se repartirem pelos
moradores pagando-lhes o serviço”. Logo, fica patente que a diferença entre os índios livres
e não livres, para a Coroa, era que os primeiros deveriam viver nos aldeamentos e os
segundos na casa de seus senhores. O consenso é que tanto livres quanto cativos deveriam
obrigatoriamente trabalhar para os moradores.
Também se registrou uma resposta real ao requerimento do Governador de São
Paulo. Neste requerimento alegava o Governador que “não podem os paulistas sem gentio
talar os sertões nem fazer descobrimentos de ouro” e por isso solicitavam a administração
de todos aqueles “que conquistarem” e pediam autorização para transmiti-los por herança.
O Rei relembrou que a esse respeito já haviam sido passadas a resolução de 1696 e a lei de
1611. Assim, reconheceu os serviços executados pelos paulistas nos descobrimentos de
minas (de Cuiabá e Goiás), mas afirmou que a liberdade dos índios era tão estimável e de
direito natural que não deveriam ser cativos. Contudo, o Rei declarava que fossem dados
índios aos moradores que necessitassem deles para fazer descobrimentos ou outros

160
“Registro de uma ordem e lei de sua Majestade que Deus D. ge etc. que manda sobre os índios vinda por
mando do exmº Snr Gl. Conde de Sarzeda e é a seguinte”. In: Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba:
Documentos para a história do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924. Vol. 10, p. 05-06.
161
Ver nessa dissertação: 3.2.2 Pedidos de liberdade...
162
Ver: BORGES, Joacir Navarro. As demandas judiciárias envolvendo administrados em Curitiba, século
XVIII. Almanaque brasiliensi, nº6. Nov/ 2007.
60

serviços, desde que sob condição de bom tratamento. Segundo o monarca, isto faria com
que os índios voluntariamente “abracem este serviço”163.
Uma vez mais, a associação entre liberdade e obrigatoriedade do trabalho apareceu
nas determinações régias. Aqui, de forma bastante explícita, o Rei autorizou a
administração particular, impondo como único regulador desta relação o bom tratamento.
Importante salientar que nesta resposta foram citadas as duas resoluções reais (a lei de 1611
e a resolução de 1696) que mais deram espaço aos colonos para exercer a administração
particular. Neste momento, a Coroa, sob o domínio dos Bragança, parece menos
interessada na liberdade dos índios do que na perseguição dos metais preciosos. E, para
descobrir novos minérios, pareceu entender que precisava abrir concessões aos colonos.
Concessões estas que se referem diretamente à administração indígena.
Os Ouvidores, em correição a vila de Curitiba, também não demonstraram grande
interesse na fiscalização do cumprimento das leis referentes à escravização dos índios
naquelas localidades. Das vinte e oito correições realizadas entre os anos de 1721 e 1799,
apenas o primeira, do Ouvidor Rafael Pires Pardinho, apresentou alguma preocupação com
a prática de apresamento e escravização do gentio, as restantes não mencionaram indígenas.
Em suas provisões de 1721, Pardinho dispôs que a Câmara fiscalizasse as entradas
no sertão que tinham por finalidade “correr o gentio”, no entanto, não estabeleceu nenhuma
punição para quem o fizesse. Em compensação, no mesmo documento, o ouvidor impunha
duras punições a quem vendesse armas aos índios: pena de “morte natural” e confisco dos
bens164.
Outra preocupação do ouvidor Pardinho foi a de evitar os inconvenientes que a
partilha de indígenas em testamento poderia trazer, já que “a uns se dão pessoas escravas
165
que tem valor e estimação e a outros se dão os carijós, que não tem” . Percebe-se que a
preocupação do funcionário régio se referia muito mais aos problemas “econômicos” que
uma partilha injusta poderia ocasionar do que em assegurar a liberdade do gentio da terra.
163
“Outra ordem e lei sobre os carijós”. In: Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a
história do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924. Vol. 10, p. 07-08.
164
Provimento de Correições (1721-1812). Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a
história do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924, vol. 8, p. 25.
165
Provimento de Correições (1721-1812). Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a
história do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924, vol. 8, p. 37. Para os Campos de Viamão não foi
possível encontrar inventários e testamentos que fizessem referências a partilha de administrados. Sobre os
administrados em inventários de Curitiba ver BRIGHENTE. Entre a liberdade...Op. Cit., p.80 e PORTELA.
Gentio da Terra, gentio da Guiné... Op.Cit., p. 64.
61

Desta maneira, as correições e a prática da vereança através de seus silêncios


evidenciam que a administração particular dos indígenas era uma prática corriqueira e que
por isso não necessitava de grandes normatizações. As correições dos anos seguintes não
voltam a mencionar a questão indígena. Tampouco quando os vereadores se propõem a
executar as correições dos Ouvidores pôde-se encontrar qualquer indício de fiscalização do
cativeiro dos nativos. Antes pelo contrário, há indícios de que os próprios camaristas
tinham interesses na inaplicabilidade da fiscalização. Um desses indícios é que, no ano de
1725, o Juiz Ordinário Francisco Valente teve de ser substituído já que “está de viagem
para um descobrimento de minas” 166. Como indicado pelos próprios colonos, o
descobrimento de minas era impossível sem a presença dos índios.
Portanto, o que podemos perceber é que a legislação régia desenvolveu-se
gradualmente no sentido de permitir a prática da administração indígena. Se isso nunca foi
regulamentado explicitamente, o mapeamento da legislação permite encontrar algumas
brechas que possibilitaram que os colonos respaldassem legalmente suas ações. Estas
brechas permitiram à Coroa demonstrar atenção às necessidades de trabalhadores dos
moradores, ao mesmo tempo em que facultou aos colonos demonstrar vassalagem ao Rei.
Evidentemente as práticas dos administradores de índios guardaram enormes
distâncias das determinações legais e valeram-se da falta de fiscalização dos agentes locais
para burlar a lei. Ainda que se possa argumentar que o direito e a lei são questões
diferentes167, me parece bastante claro que a administração indígena, assim como as
relações escravistas, não podem ser entendidas apenas pela documentação legal. Tal
afirmação vale tanto para os textos legislativos, quanto para as decisões judiciais. Isto
porque especialmente a nível local, as autoridades tinham interesse em silenciar sobre o
assunto.
Logo, o objetivo aqui foi mostrar uma das faces das relações que envolviam a
administração indígena, aquela pautada pela institucionalidade, e que se refere muito mais
às formas como os poderes coloniais se relacionaram com a Monarquia do que da relação
dos senhores com seus administrados. Para compreender esta última relação deve-se

166
Termo de vereança de 20/05/1725. Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a história
do Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924. Vol. 10. p. 45.
167
HESPANHA, Antônio Manuel. Depois do Leviathan... Op. Cit., p. 55-66.
62

recorrer a outras fontes, que explicitem as negociações cotidianas estabelecidas entre os


agentes para a manutenção desta relação de trabalho, ou melhor, desta relação social 168.
Tais determinações também deixam claro que através da administração particular
seguia-se tentando conciliar os objetivos, aparentemente contraditórios, de catequização,
civilização, trabalho obrigatório e liberdade natural dos nativos da América.
Ao observarmos a ação das Câmaras e Ouvidores em interação com as
determinações régias e dos governadores foi possível constatar que, ainda que a prática da
administração fosse recorrente entre os curitibanos e colonos dos Campos de Viamão, os
camaristas estavam pouco preocupados com o assunto. Parece que aqui a questão da
administração particular foi tratada de forma muito semelhante à da escravidão: como um
assunto restrito ao âmbito doméstico.
A documentação recebida e registrada pela Câmara de Curitiba também permitiu
observar que ainda que a Coroa seguisse firme na manutenção do princípio de liberdade
natural dos ameríndios, a pressão exercida pelos colonos ganhou fôlego com a descoberta
de minérios, o que proporcionou uma maior abertura nas determinações legais para a
prática da administração indígena. Já a documentação recebida pela Câmara de Viamão
aponta que questão indígena se tornou uma preocupação na localidade depois de 1755, ao
que tudo indica disparada pela maior presença dos indígenas oriundos das missões, como
veremos a seguir.

1.2.5. “Que pessoa alguma chame negros aos índios”: o Diretório pombalino e os
administrados do sul

O Diretório pombalino ou Diretório dos Índios é considerado um marco nas


políticas indigenistas no Império português. O objetivo deste subcapítulo é apenas apontar a
existência desta modificação legal que já foi mais intensa e extensamente estudada169,
relativizando em parte a inovação trazida por essa legislação e, como isso, as consequências
efetivas de sua aplicação, especialmente no que concerne as relações com indígenas já

168
Para uma análise mais próxima das relações entre senhores e cativos indígenas ver capítulo 2 e 3 desta
dissertação.
169
Recentemente Maria Regina Celestino de Almeida sintetizou as inovações e consequência desta legislação,
para o norte e para o sul em: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Políticas indigenistas e políticas
indígenas no tempo das reformas pombalinas. In: FALCON, Francisco e RODRIGUES, Claudia (Org.). A
época pombalina no mundo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. p. 175-214.
63

anteriormente integrados às povoações luso-brasílicas. Também analisa a documentação


recebida pela Câmara de Viamão, evidenciando algumas convergências do conteúdo destes
documentos com a proposta do Diretório.
No ano de 1755 foi instituída a Lei de Liberdade dos índios170. Tal lei visava
extinguir o cativeiro dos índios, além de já apresentar o estímulo ao casamento de brancos
com índias, instigando o povoamento de novas áreas, questões estas que estariam
posteriormente presentes na legislação 171. Um documento que parece ter influenciado
fortemente tais medidas foram os Papeis a cerca da Liberdade e Resgate dos índios, escrito
por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador geral do Estado do Grão-Pará e
Maranhão, que havia participado das demarcações dos limites setentrionais do Brasil no
Tratado de Madri (1750). Além disso, era irmão do Marquês do Pombal, com quem
mantinha intensa correspondência acerca das questões indígenas. O autor já anunciava
neste documento sua contrariedade à prática dos jesuítas, acusados ali de escravizar os
índios172.
A Lei de 1755 foi complementada com uma série de determinações do Diretório
que se deve observar nas povoações dos Índios do Pará, e Maranhão (1757). O Diretório
foi aprovado mediante alvará régio no ano seguinte a sua feitura e, sequencialmente,
assinado pelo Marquês do Pombal, sendo estendido a todo o Brasil. Essa ideia de estender
políticas forjadas no contexto amazônico para outras realidades regionais já havia
acontecido antes da promulgação do Diretório dos Índios, não sendo, portanto, uma
novidade na maneira de operar a legislação 173.
Este documento não estava isolado na legislação portuguesa, estando associado a
uma série de cartas, papéis e alvarás preocupados com a questão da fronteira e, por
consequência, com a questão indígena. As determinações assimilacionistas do Diretório
aprofundam a ideia de “civilização” existente em toda a legislação do setecentos, que ao
mesmo tempo que liberava os índios da escravidão e apresentavam a abertura para
distinções étnicas e culturais, tinham como finalidade a universalização dos ideais da

170
Lei restituindo aos índios do Grão-Pará e Maranhão a liberdade de suas pessoas, [e bens, e comércio : na
forma que nella se declara]. Biblioteca Nacional de Portugal. [Documento digital].
171
ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: Um projeto de “civilização” no Brasil do século
XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p. 161.
172
Idem, p. 154-157.
173
Ibidem , p.38.
64

civilização ocidental. Mas, reforçou-se o papel do índio como povoador, tornando-os mais
úteis aos propósitos deste contexto de disputas nas fronteiras 174. Para Garcia, o objetivo do
Diretório era assimilação completa dos indígenas, dissolvendo quaisquer distinções entre
esses e os brancos, promovendo a completa homogeneização cultural. Assim, o status de
índio foi mantido, mas como algo transitório e superável175.
Entretanto, a aplicação do Diretório deparou-se com realidades muito distintas,
configurando-se de maneiras variadas. Essas variações tinham forte relação com a reação
dos nativos a esta política, que podiam ir desde a resistência até a colaboração. O trecho a
seguir, de autoria de Maria Regina Celestino de Almeida, resume bem este processo:

Assim, em algumas áreas efetuaram-se descimentos e criavam-se acordos com


lideranças nos sertões; enquanto em áreas de colonização mais antiga visava-se
extinguir as aldeias, acabando com a distinção entre os índios e os demais vassalos
do rei. Essas práticas podiam se desenvolver concomitantemente e em regiões
muito próximas (...). Práticas diversas, portanto, integravam uma mesma política
indigenista que procurava assimilar os “índios bravos” dos sertões e os índios
aliados das aldeias. Aos primeiros cabia atrair, aldear, civilizar e assimilar;
enquanto aos demais, já há séculos aldeados, cabia simplesmente assimilar,
misturá-los à massa populacional e extinguir as aldeias. A essas práticas, os índios
responderam de formas diversas. Se muitos resistiram através de fugas e rebeliões,
outros colaboraram e souberam valer-se da lei para assegurar possíveis ganhos176.

O Diretório dos Índios foi concebido como uma forma de corrigir algumas práticas
consideradas desviantes presentes no Regimento das Missões, entretanto, não se distingue
substancialmente dele177. Por exemplo, o Regimento das Missões de 1680, que seguia as
recomendações do padre Antônio Vieira, proibia a escravização dos índios. Também a
determinação do deslocamento dos indígenas para aldeamentos já estava ali contida 178,
sendo claro o objetivo de formação de vilas e cidades 179. O Regimento seguinte, de 1686, já
incorporava a experiência amazônica em suas regras, e apresenta-se como um
empreendimento positivo, de povoamento, e não mais de escravização dos nativos 180. A

174
Ibidem, p. 44.
175
GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no
extremo sul da América Portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009, p.75-76.
176
ALMEIDA. Políticas indigenistas e políticas indígenas... Op. Cit., p. 177.
177
ALMEIDA. O Diretório dos índios... Op. Cit, p. 162.
178
Idem, p. 41-42.
179
Idem, p. 47.
180
Idem, p.43.
65

divisão entre índios mansos e selvagens e a obrigação do trabalho compulsório também


aparecem neste Regimento181.
Mesmo partindo do pressuposto assimilacionista, o Diretório poderia significar a
aquisição de direitos por parte dos indígenas. Heather Flynn Roller, analisando a
participação voluntária dos indígenas nas expedições de coleta no sertão amazônico durante
a vigência do Diretório pombalino apontou que muitos dos nativos buscavam estes
trabalhos como uma forma angariar recursos materiais e evitar serviços mais onerosos,
podendo engajar-se nestas funções dentro de seus próprios termos182.
No extremo sul vemos que o Diretório dos Índios regeu quase que exclusivamente a
relação com as populações que antes habitavam o território missioneiro. Essas populações
estavam sendo disputadas no contexto das tentativas de demarcação das fronteiras que
culminou no Tratado de Madri (1750), que visava demarcar os limites entre os Impérios
espanhol e português, há muito confundidos pelas entradas portuguesas nos sertões. No que
concerne a sua parte sul, a demarcação previa a entrega da Colônia do Sacramento, praça
portuguesa na margem oposta ao porto de Buenos Aires, no rio da Prata, para os espanhóis.
Em troca os portugueses teriam a posse de uma vasta área a oeste, que incluíam as minas
descobertas em Cuiabá. Também ficariam com o território das sete missões jesuíticas na
margem oriental do rio Uruguai, pertencentes à Espanha. No acordo estava previsto que a
população guarani da região abandonaria a área, algo que os indígenas se opuseram
fortemente, levando as Coroas ibéricas a se unirem para derrotá-los.
Como apontou Neumann, a reação dos indígenas deu-se de duas maneiras: através
da produção escrita e da revolta armada 183. Contribuíram, desta forma, para que o acordo
fosse malogrado, sendo substituído em pelo de El Pardo, em 1761. Entretanto, a situação de
guerra e de instabilidade gerada pelas demarcações na região missioneira desencadeou um
processo de dispersão dos indígenas aldeados pelos territórios adjacentes. Muitos destes
adentraram então o território do Rio Grande de São Pedro.
Ao mesmo tempo, o governo português interessado na efetiva ocupação das
fronteiras havia iniciado, desde o começo das demarcações, uma campanha buscando trazer

181
ALMEIDA. Políticas indigenistas e políticas indígenas... Op. Cit, p. 179.
182
ROLLER, Heather Flynn. Expedições coloniais de coleta e a busca por oportunidades no sertão amazônico,
c. 1750 -1800. Revista de História. São Paulo, nº 168, p. 201-243, jan/jun 2013.
183
NEUMANN, Eduardo. Mientras volaban correos por los pueblos: Autogoverno e práticas letradas nas
Missões guarani- Século XVII. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: v.10, n.22, p.93-199, 2004. p. 94.
66

os índios para a vassalagem daquela Coroa. Assim, Gomes Freire de Andrade, capitão-
general do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, através de intensas negociações e
promessas, conseguiu ser acompanhado por três mil índios quando se retirou das
demarcações, em 1757 184. Para abrigar estes migrantes foram criados diversos aldeamentos,
o principal deles foi a Aldeia dos Anjos, muito próxima a Viamão 185.
Protásio Langer acredita que nas demarcações do Tratado de Madri já era possível
identificar na política de Gomes Freire com relação aos guarani um “macro projeto de
povoamento do Brasil”, cujas características estariam posteriormente presentes no
Diretório, editado sete anos depois186. Entretanto, seria apenas em 1768, no governo de
José Custódio de Sá e Faria, que se escreveriam as Instruções para a Aldeia dos Anjos e de
São Nicolau do Rio Pardo187, primeiras ordens efetivamente baseadas no Diretório
pombalino 188.
Como citado, no registro de entrada de documentação da Câmara de Viamão há dois
Bandos do Governador José Marcelino de Figueiredo, posteriores a Lei de liberdades de
1755.
O primeiro destes documentos é uma ordem para que os oficiais, moradores e
estancieiros do Continente não consintam com a presença dos “homens vagabundos”
naquele território, ou seja, dos “ladrões, facínoras, matadores, desertores e índios dispersos
por todas as partes desta Província”. 189 O governador dá ordens para que estes indivíduos
sejam remetidos aos comandantes de fronteiras ou as guardas militares. Mais adiante,
aponta que ninguém deve conservar em suas estâncias ou casas “índios e índias” sem
licença do comandante da fronteira de Rio Pardo, porque os indígenas “pertencem” a

184
Sobre as negociações entre indígenas e portugueses no Tratado de Madri ver: GARCIA, Elisa Frühauf. As
diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no extremo sul da América
Portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009.p. 29-72.
185
Sobre os aldeamentos ver: LANGER, Protasio Paulo. Os Guarani-Missioneiros e o colonialismo luso no
Brasil meridional. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2005, p.107-130. Sobre a Aldeia dos Anjos ver: KÜHN,
Fábio O “Governo dos Índios”: a Aldeia dos Anjos durante a administração de José Marcelino de Figueiredo
(1769-1780). Anais 3º Encontro de Escravidão e liberdade no Brasil meridional. Florianópolis: UFSC, 2007. e
SIRTORI, Bruna Entre a cruz, a espada, a senzala e a aldeia: Hierarquias sociais em uma área periférica de
Antigo Regime. UFRJ. Rio de Janeiro: 2008. (Dissertação de mestrado).
186
LANGER, Protasio Paulo. Os Guarani-Missioneiros e o colonialismo luso no Brasil meridional. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 2005. p.133-134.
187
Sobre o Aldeamento de São Nicolau ver: MELO, Karina. A aldeia de São Nicolau do Rio Pardo: histórias
vividas por índios guaranis (séculos XVIII-XIX). Porto Alegre: UFRGS, 2011 (Dissertação de mestrado).
188
LANGER. Os Guarani-Missioneiros...Op.Cit. p. 146 e 147.
189
Registro de um bando que mandou lançar o senhor coronel da cavalaria e governador do Cotinente de São
Pedro José Marcelino de Figueiredo.
67

“aldeia vizinha”, ou devem ser remetidos ao Capitão Antônio Pinto Carneiro, pois
pertenceriam “a Aldeia de Nossa Senhora dos Anjos”190.
Tais ordens parecem voltadas para os indígenas que migraram das missões jesuíticas
e estabeleceram-se no Continente do Rio Grande de São Pedro. É, portanto, uma ordem
partícipe da política de aldeamentos levada a cabo após as contendas com os guaranis da
fronteira e, acredito, diz pouco respeito aos indígenas que já viviam como administrados.
De qualquer forma, estabelece a dura punição da cadeia àqueles que abrigarem índios e
índias, sendo, talvez a primeira demonstração de que a prática da administração particular
começava perder a legitimidade nos Campos de Viamão. Por outro lado, atesta que era
comum (a ponto de ser emitida uma ordem contrária a isso) abrigar indígenas nas
residências, possivelmente para utilizá-los como força de trabalho. A abertura para emissão
de licenças também aponta um possível caminho para a continuidade da utilização do
trabalho dos índios.
O documento também permite observar que os indígenas “dispersos” eram vistos
como um risco à ordem social da Província, sendo colocado ao lado de criminosos como
uma ameaça.
O outro Bando, de nove de julho de 1771, faz referências mais diretas às propostas
do Diretório. Contudo, o governador não citou esta documentação ou a Lei de Liberdades
de 1755, e sim a Lei de 12 de setembro de 1653, emitida para o Grão-Pará e Maranhão191.
Determinou que aqui, assim como no norte, os índios fossem governados “no temporal”, ou
seja, deixassem de estar submetidos aos sacerdotes. Também que aqueles que se casassem
com índias não ficassem com “infâmia alguma”, pelo contrário, sendo inclusive preferidos
para a concessão de terras e seus filhos e descendentes capazes de qualquer “emprego,
honra ou dignidade”. O governador também apontou que deveria ali ser concedida a mesma
liberdade “para suas pessoas, bens e comércio” que foi concedida aos índios do Maranhão.
Além disso, acrescenta que os indígenas deveriam ser preferidos para os cargos de
190
APERS. Registro de um bando que mandou lanças o senhor Coronel Governador José Marcelino de
Figueiredo. Acervo: Câmara da Capitania do Rio Grande de São Pedro. Fundo: Câmara da Capitania do Rio
Grande de São Pedro. Registros Diversos. Livro I, p. 98-99.
191
Não pude encontrar o texto da referida lei. Uma Provisão Régia relativa os índios do Maranhão foi emitida
em 17/10/ 1763, na qual constam os casos passíveis de introdução dos indígenas na escravidão. Em sentido
oposto ao Bando, a provisão estabelece que os descimentos de índios do sertão devem ser feitos apenas por
jesuítas. Ver: PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e Índios escravos: os princípios da legislação
indigenista do período colonial (séculos XVI e XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro (Org). Os índios na
história do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 118.
68

vereadores, juiz ordinários e oficiais de justiça nas suas vilas de origem. Finaliza dizendo
que por serem “abundantes os miseráveis índios que habitam esta Província” deveriam ser
tratados com amizade, evitando assim a “volubilidade e fuga que são inclinados os ditos
índios”192.
Este último trecho deixa bastante claro os objetivos do governador em manter estes
índios sob a vassalagem portuguesa, evitando que saíssem da alçada dos aldeamentos, onde
acreditava ser possível exercer maior controle sobre os nativos. Os pontos elencados neste
bando são muito semelhantes a algumas determinações do Marquês do Pomba contidas no
Diretório e que será abordada adiante.
Não cabe aqui explicitar todos os pontos que o Diretório procurou estabelecer com
relação à integração dos indígenas. Mas, o estudo de Elisa Garcia deixa claro que estas
medidas visaram, no sul, os indígenas aldeados, especialmente os da Aldeia dos Anjos 193.
Logo, vou ater-me apenas a três pontos, presentes também no Bando, que potencialmente
poderiam ter transformado as relações com os índios já integrados às povoações luso-
brasileiras, em especial aqueles administrados.
A primeira questão é relativa ao trabalho. A Lei de Liberdade de 1755, proibia,
mais uma vez, a administração particular dos indígenas. No bando tal interdição também
está implícita na noção de que os índios deveriam ser considerados livres. Com o Diretório
e toda a política pombalina de expulsão dos jesuítas194, a tutela dos índios ficaria a cargo
dos diretores dos aldeamentos, responsáveis pela repartição do trabalho dos aldeados. Essa
administração laica, como citado, também aparece nas determinações de José Marcelino de
Figueiredo.
Tais determinações sobre o trabalho indígena podem ter influenciado a diminuição
gradual da prática da administração, até porque colocava a força de trabalho dos aldeados
mais à disposição dos moradores, mas certamente não acarretaram mudanças drásticas e
imediatas nas relações entre indígenas e não índios. Isto porque toda a legislação estava

192
APERS. Registro de um bando que mandou botar o Coronel Governador José Marcelino de Figueiredo.
Acervo: Câmara da Capitania do Rio Grande de São Pedro. Fundo: Câmara da Capitania do Rio Grande de
São Pedro. Registros Diversos. Livro I, p. 112-114.
193
Com relação à Curitiba não pude localizar nenhum trabalho que tratasse dos impactos do Diretório dos
Índios ali ou nas cercanias.
194
Sobre a expulsão dos jesuítas ver: AMANTINO, Márcia e CARVALHO, Marieta Pinheiro de. Pombal. A
riqueza dos jesuítas e a expulsão. In: FALCON, Francisco e RODRIGUES, Claudia (Org.). A época
pombalina no mundo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015, p. 60-90.
69

preocupada em dividir o trabalho dos índios aldeados e não regulamentar as relações


daqueles que já viviam fora de áreas de aldeamento. Vemos, por exemplo, que em Curitiba
o Diretório não extinguiu a prática da administração, sendo um exemplo disso a
permanência da presença de administrados nas Listas Nominativas da vila no final do
século XVIII195.
Outra questão interessante diz respeito ao incentivo dos casamentos entre brancos e
índias presente no Diretório e incentivado no bando de 1770. Estes matrimônios tinham o
objetivo de promover a indistinção destes grupos através da mestiçagem biológica. Garcia
coloca dentre as medidas de integração a concessão de dotes para estimular o casamento,
mas eles deveriam ser dados apenas àquelas que fossem consideradas “legitimamente
índias”196. Podemos especular, sem adentrar muito à questão, que o oferecimento de dotes
para índias que viviam em situação de cativeiro, e que possivelmente não gozavam de um
status de legítimas, tenha sido pouco comum nas duas regiões em estudo. Como veremos a
seguir, tanto em Curitiba quanto em Viamão já estava em curso um amplo processo de
mestiçagem. Talvez o Diretório tenha estimulado a oficialização destas uniões. Entretanto,
os altos índices de filhos ilegítimos entre as indígenas atesta que muitas destas uniões
seguiram sendo informais197.
Ainda o Diretório prescrevia a proibição de chamar os índios de “negros”. Tal
determinação interessa aqui, pois incide justamente sobre o foco desta dissertação: os
classificativos sociais. Vejamos o que diz o artigo dez sobre o assunto:

Entre os lastimosos princípios, e perniciosos abusos, de que tem resultado nos


Índios o abatimento ponderado, é sem dúvida um deles a injusta, e escandalosa
introdução de lhes chamarem Negros; querendo talvez com a infâmia, e vileza
deste nome, persuadir-lhes, que a natureza os tinha destinado para escravos dos
Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos Pretos da Costa da África.
E porque, além de ser prejudicialíssimo à civilidade dos mesmos Índios este
abominável abuso, seria indecoroso às Reais Leis de Sua Majestade chamar Negros
a uns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de
toda, e qualquer infâmia, habilitando-os para todo o emprego honorífico: Não
consentirão os Diretores daqui por diante, que pessoa alguma chame Negros aos
Índios, nem que eles mesmos usem entre si deste nome como até agora praticavam;
para que compreendendo eles, que lhes não compete a vileza do mesmo nome,
possam conceber aquelas nobres ideias, que naturalmente infundem nos homens a

195
Ver Capítulo 3 desta dissertação.
196
GARCIA. As diversas formas de ser índio...Op. Cit., p.87.
197
Ver 2.6.1 Filhos ilegítimos.
70

estimação, e a honra198.

Para além de demonstrar a efetiva importância que os classificativos assumiam


naquele momento, sendo uma janela que possibilitava visualizar os lugares sociais
ocupados pelos indivíduos dentro das coletividades, o texto aponta uma busca intensa pela
distinção entre os nativos das Américas, passíveis inclusive de “nobilitar”, dos do
Continente africano, cuja “natureza os tinha destinado para escravos”. Tal distinção, como
vimos, já estava presente desde as primeiras discussões teológicas a respeito da
humanidade dos índios, considerados livres por “natureza”. Entretanto, o Diretório busca
coibir a prática de persuadi-los de que eram iguais aos escravos através de classificativos
sociais que lhes imputavam aquele lugar.
O classificativo “negro/a”, todavia, foi pouco usado para classificar indígenas nas
freguesias em estudo, ainda que apareça em outros tipos de fonte que não as eclesiásticas,
como veremos no Capítulo 2. Outros adjetivos depreciativos, como mulata, continuaram
sendo usadas para se referir às índias. Mas, efetivamente, observa-se que houve um
progressivo desaparecimento dos classificativos que denotavam as origens indígenas dos
indivíduos ou até mesmo das categorias jurídicas que expressavam o estado servil dos
nativos. É possível que tal prática tenha sido influenciada pela política assimilacionista do
Diretório, mas acredito que seus efeitos não tenham sido imediatos.
Garcia coloca que o Diretório teria tornado pouco operacionais os designativos que
distinguiam os índios e sugere que a invisibilidade étnica foi uma forma de negar-lhes
direitos199. Efetivamente essa parece uma interessante explicação para o processo, mas que
ao meu ver não pode ser localizada apenas na política do Diretório, já que outras leis
anteriores legislavam sobre as relações com os indígenas e não tiveram eficácia. Como
mostra a mesma autora em outro trabalho, para os índios aldeados o Diretório foi uma
forma de manutenção de direitos200. Talvez esta legislação tenha contribuído para a
indistinção dos indígenas, mas este foi um processo de longo prazo, que certamente já
estava em curso devido às práticas de mestiçagem, cativeiro e relações de trabalho que

198
Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhão em quanto Sua
Magestade naõ mandar o contrario. - Lisboa : na Officina de Miguel Rodrigues, impressor do Eminentissimo
Senhor Cardial Patriarca, 1758. - 41 p. ; 2º (29 cm). Biblioteca Nacional de Portugal. [Documento digital].
199
GARCIA, Elisa Frühauf. A integração das populações indígenas nos povoados coloniais no Rio Grande de
São Pedro: Legislação, etnicidade e trabalho. UFF, Niterói: 2003. (Dissertação de mestrado), p. 85.
200
GARCIA. Diversas formas de ser índio....Op.Cit., p.113.
71

impunham complexas formas de classificar os indígenas no contexto das sociedades nas


quais estes atuavam.
Portanto, acredito, que o Diretório dos Índios, assim como as determinações
semelhantes a ele presentes no Bando do Governador José Marcelino de Figueiredo, ainda
que possa ter constituído uma inovação no campo legislativo, significou antes uma
sistematização das disputas em torno da força de trabalho e da vassalagem dos índios que já
vinham se delineando desde o início da colonização. Pode-se especular que tais
determinações, pensadas em um contexto de conflitos fronteiriços tenderam mais a
expressar uma prática que já estava em curso para os índios não arranchados das missões: a
da integração à população “branca”. É possível que as determinações legais tenham
imputado alguma celeridade neste processo, entretanto, acredito que o fundamental das
políticas de assimilação, especialmente no caso dos administrados já estava em curso muito
antes, como prática social.

1.3 Escravidão e clientelismo: contribuições teóricas para pensar a


administração indígena

A chamada administração indígena foi moldada progressivamente, quer em seus


arranjos sociais, quer em sua institucionalização. Entretanto, como já apontado, nunca
chegou a se formalizar totalmente. Por isso, parece-me profícuo compará-la, em termos
teóricos, à escravidão e as relações patrão-cliente. Acredito que tal comparação ajude a
compreender esta forma de trabalho - ainda tão pouco teorizada - a luz do que já foi
pensando pelas historiadoras e historiadores que trabalham com as temáticas da escravidão
e das relações clientelares.
Não se trata aqui de enquadrar a administração indígena em um desses modelos de
relação social, pelo contrário, a ideia é buscar através de pontos de aproximação e
distanciamento, aquilo que caracteriza a própria administração. Para isso, em um primeiro
momento, retomarei as características da escravidão através de dois autores que pensaram o
conceito. O segundo momento trata de uma reflexão teórica a cerca das relações patrão-
72

cliente. Por último retomo os pontos que me parecem chave para pensar a administração
indígena nos Campos de Viamão e em Curitiba, no século XVIII.

1.3.1. O conceito de escravidão

Grande parte dos autores que lidam com a temática utiliza o conceito de
administração indígena como sinônimo de escravidão sem, no entanto, explicitar em
termos teóricos esta aproximação201. A própria definição conceitual de escravidão aparece
em poucos trabalhos, ainda que a questão seja bastante cara à historiografia. Assim, foram
escolhidas as duas definições de escravidão mais encontradas em trabalhos sobre a
temática202. Claramente as teorizações não se esgotam nas obras aqui apresentadas, mas,
acredito, estas oferecem uma base para pensar a questão. Além disso, o conceito não parece
apresentar grandes variações.
A conceituação de David Brion Davis é a mais utilizada. O autor, em seu livro
intitulado O problema da escravidão na cultura ocidental, lançado em 1967, sintetiza em
poucas palavras o conceito. Elenca três características que definem a condição do escravo:
“sua pessoa é propriedade de outro homem, sua vontade está sujeita à autoridade de seu
proprietário e seu trabalho ou serviços são obtidos por meio de coerção.” Ainda, a
escravidão deve se dar fora das relações familiares. Acrescenta-se a estas características,
outras provenientes de sua definição como “bem móvel”: “Seu status não depende de sua
relação com um proprietário em particular e não é limitado pelo tempo ou espaço. Sua
condição é hereditária e a propriedade de sua pessoa é alienável” 203
Jacob Gorender, em o Escravismo Colonial, conceitualiza a escravidão de forma
muito semelhante à feita por Davis, inclusive citando este. Para ele, a característica mais
essencial do ser escravo é a “condição de ser propriedade de outro ser humano”. Citando
Aristóteles, conclui que a escravidão é uma relação assimétrica, já que a propriedade está
sujeita ao proprietário e o contrário não é verdadeiro. Entretanto, Gorender enfatiza que a

201
Ver entre outros: MONTEIRO. Negros da Terra...Op.Cit; SCHWARTZ. Segredos Internos...Op. Cit. e
VENÂNCIO. Os últimos carijós...Op. Cit.
202
Moses Finley também faz uma excelente análise teórica das características da escravidão, tomando como
base o mundo antigo. De maneira geral não contrasta com as duas definições aqui expostas. FINLEY, Moses
I. Escravidão antiga e ideologia moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1991.
203
DAVIS, David Brion. O problema da escravidão na cultura ocidental; tradução de Wanda Caldeira
Brandt. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 49-50.
73

sujeição pessoal antecede a propriedade, e que, a formalização da propriedade faz com que
a sujeição se torne decorrência dela 204.
O autor então retoma a primeira parte da definição de Davis, acima colocada, mas
faz uma ressalva que me parece bastante importante, já que a historiografia da escravidão
tem demonstrado através de diversos trabalhos a capacidade de negociação dos escravos na
relação com seus proprietários, levando assim a matizar a questão da sujeição pessoal:
“Propriedade e sujeição pessoal, com referência ao escravo, não se apresentam sempre na
qualificação absoluta, mas tendem sempre para ela”. Da mesma forma se o escravo era
“coisificado”, por ser entendido como propriedade, foram os próprios escravos os maiores
opositores da coisificação:

Primordialmente a contradição foi manifestada e desenvolvida pelos próprios


escravos, enquanto indivíduos concretos, porque se a sociedade os coisificou,
nunca pôde suprimir neles ao menos o resíduo último da pessoa humana 205.

Gorender, assim como Davis, coloca a questão da perpetuidade e da hereditariedade


da escravidão como decorrências da questão da propriedade: “O escravo o é por toda a vida
e sua condição social se transmite aos filhos. No direito romano e nos regimes escravistas
que nele se inspiram, a transmissão hereditária da condição servil se dava por linha
materna, segundo o princípio do partus sequitur ventrem” 206.
Ressalta ainda que a escravidão “completa” se dava quando existia propriedade e
em decorrência dela perpetuidade e hereditariedade, mas que existiram casos de escravidão
“incompleta”, em que os últimos dois quesitos não apareceriam. Para o autor, a escravidão
dos indígenas variou entre a forma completa e diferentes manifestações de formas
incompletas.
As formas completas de escravização dos indígenas seriam aquelas previstas em lei,
como nos casos de guerra justa e escravidão voluntária 207. A administração seria uma
forma de escravidão incompleta, análoga ao sistema de encomiendas, porém sem sua
formatação jurídica. Com o passar do tempo os índios administrados foram vendidos e
arrematados, fazendo com que tal sistema transitasse para o da escravidão completa 208.

204
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1980. 3ª ed. p. 60
205
Ibidem, p. 61- 63.
206
Idem.
207
Ibidem, p. 468-472.
208
Ibidem, p. 476-477.
74

Ainda que Gorender trate dos indígenas, essencialmente as definições do conceito


de escravidão baseiam-se nos mesmos pressupostos: elas são pensadas para a escravidão
dos africanos e seus descendentes e refletem sobre o conceito a partir da herança do direito
romano. Já as relações entre patrão e cliente foram analisadas a partir de contextos muito
diversos.

1.3.2. Relações clientelares

As relações clientelares foram pensadas como aspecto definidor da sociedade


brasileira. No lugar de instituições públicas “a ideologia do favor, as redes de compadrio e
a clientela” foram entendidas como a “mola-real da sociabilidade e das relações de
poder”209. O debate sobre a questão assumiu várias vertentes. A maior parte das reflexões
centra-se no período mais contemporâneo e vê a questão do voto como chave para o
entendimento desta relação 210.
Ainda que as relações clientelares tenham se focado no clientelismo político, alguns
autores trazem reflexões que podem ser úteis para pensar o período colonial e as relações
de trabalho que envolveram indígenas naquele contexto.
Carl Landé, por fazer uma análise estritamente teórica das relações patrão-cliente, é
um dos autores que pode contribuir para pensar a questão. Para ele, esta ligação é uma
relação diádica, ou seja, direta - que implica em ligação pessoal. É também uma relação
vertical, na qual “duas pessoas de status, poder ou recursos desiguais acham útil ter como
aliado alguém superior ou inferior a si mesmo”, sendo quem ocupa a posição superior da
relação denominado de patrão e outro de cliente211. Segundo o autor, as relações diádicas

209
VELLASCO, Ivan de Andrade. Clientelismo, ordem provada e Estado no Brasil oitocentista: notas para
debate. In: CARVALHO, José M; NEVES, Lúcia M. Bastos (org). Repensando o Brasil do oitocentos:
cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, (p. 71-100.) p. 73.
210
Segundo José Murilo de Carvalho, o conceito de clientelismo “indica um tipo de relação entre atores
políticos que envolve concessão de benefícios púbicos, na forma de empregos, vantagens fiscais, isenções, em
troca de apoio político, sobretudo na forma de voto”. CARVALHO, José Murilo. Mandonismo, coronelismo,
clientelismo: uma discussão conceitual. In: Pontos e bordados. Belo Horizonte: UFRMG, 1998, p. 130-153.
A questão da centralidade do voto também foi trabalhada por GRYNSZPAN, Mário. Os idiomas da
patronagem: um estudo da trajetória de Tenório Cavalcanti. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Rio de
Janeiro, n. 14, ano 5, out., 1990. p.73
211
LANDÉ, Carl H. A Base diádica do clientelismo. In: SCHIMIDT; S. W. (Eds.) Friends, followers and
factions. Berkeley: University of California Press, 1977, p. 13-137. (versão em português).p. 04 e 20.
75

“mais puras” são as voluntárias “pois refletem as livres escolhas de seus participantes e
dependem para sua resistência, da reação de cada membro à indução do outro” 212.
Landé salienta que a construção de alianças diádicas se dá na ausência de
instituições legais 213. Como estes laços firmados são não contratuais, métodos não formais
devem ser aplicados, junto à troca de favores, para garantir a manutenção da aliança. A
troca de favores que constitui a relação entre patrões e clientes normalmente está baseada
no fornecimento de bens materiais em espécie por parte dos primeiros em troca de trabalho
ou esforço por parte dos segundos. Os clientes buscam assistência econômica e proteção
física, em troca, os patrões esperam que eles empenhem a saúde e a reputação em prol de
seus interesses214.
Landé considera que a escravidão pode ser uma forma de relação patrão-cliente,
desde que tenha uma “addenda”. Segundo o autor, as relações institucionais de
subordinação como “a escravidão, a servidão, o arrendamento agrícola e o serviço
doméstico” são “essencialmente diádicas”, já que os subordinados estão diretamente
ligados aos seus patrões e dependem deles para sua subsistência. As addendas são
correções das deficiências institucionais, ou seja, são acréscimos às relações contratuais.
Por exemplo, em uma relação de escravidão- que pressupõe subordinação “legalmente
sancionada”- pode ter acrescentada a proteção do senhor ao seu escravo, tornando-se desta
forma uma relação diádica com addenda. Logo, somam-se relação institucionalizada
(escravidão) e diádica (aliança patrão-cliente):

Um “bom” escravo, servo arrendatário ou criado é quase por definição aquele que
se comporta como um bom cliente. Torna-se pessoalmente receptivo ao seu
superior e, em troca, tem o direito de receber lealdade e consideração pessoal 215.

James Scott define a relação patrão-cliente como uma relação vertical de deferência
e propõem um debate teórico de como estas estruturas adquirem ou perdem sua força
moral. Limitando-se ao âmbito agrário, restringe sua análise às relações entre proprietários

212
Ibidem, p. 04.
213
Ibidem, p. 10.
214
Ibidem, p. 20.
215
Ibidem, p. 23-24.
76

(terratenientes) e arrendatários, contudo, salienta que muitas das conclusões de seu texto
podem ser usadas para entender outros vínculos patrão-cliente216.
Conceitua a relação patrão-cliente como uma relação entre desiguais: “La base del
intercambio entre ambos se origina y refleja en la disparidad de su riqueza, poder y status
relativos”. O patrão tem a capacidade de fornecer bens e serviços que o cliente e sua família
não podem de outra forma acessar. Todavia, este vínculo não é uma simples forma de
dominação, ele pressupõem reciprocidade, situando-se em “algún lugar del continuum que
va desde los lazos personales que unen a los iguales hasta los vínculos puramente
coercitivos”217 Já que é uma relação pessoal e, portanto, não estabelecida formalmente por
meios legais, pode apresentar uma grande flexibilidade nas necessidades e recursos tanto do
patrão quanto do cliente.
O camponês deve servir ao patrão como mão de obra e demonstrar deferência. Em
troca, o patrão deveria garantir a ele meios de subsistência (principalmente acesso à terra),
em especial em momentos de crise (más colheitas, epidemias, etc.), e a integridade física,
seja contra inimigos pessoais ou bandidos, seja contra o poder público (soldados,
funcionários, receptores de impostos). Além disso, espera-se do patrão o papel de
mediação, ou seja, a capacidade de utilizar seu poder de negociação fora da comunidade
para conseguir benefícios para ele e seus clientes218.
Para Scott a questão central é a da legitimidade, por isso, pergunta-se como a
relação era sentida pelo cliente, se era como exploração ou como legítima. Salienta que é
certamente uma aliança baseada na submissão, no entanto, seu objetivo é compreender se o
camponês aprova ou não tal relação. Para ele a legitimidade da aliança é relacional, desta
forma, se mudam os termos da relação o camponês pode mudar sua concepção sobre a
legitimidade. Se um patrão deixa de prover a subsistência ao seu cliente- em uma relação
que até então era entendida como legítima- o camponês pode passar a compreendê-la como
ilegítima.
Isto ocorre porque as relações entre patrão e cliente baseiam-se em normas de
reciprocidade (“pacote” de direitos e obrigações) que se rompidas podem resultar no fim da

216
SCOTT, Jame. ¿Patronazgo o explotación?. In: GELLNER, Ernest (et al). Patronos y Clientes. Madrid:
Ediciones Júcar, 1986, p. 35.
217
Ibidem, p. 37.
218
Ibidem, p. 38.
77

legitimidade da relação. Assim, como na teoria de Thompson 219, Scott salienta que é à
tradição que os camponeses irão recorrer quando as normas de reciprocidade forem
quebradas, resistindo às mudanças220.
Scott minimiza o papel da coerção neste tipo de ligação. Coloca que, ainda que
muitos patrões utilizem a violência para dar menos e obter mais, o predomínio do uso da
força descaracteriza a relação patrão-cliente, já que o pressuposto deste vínculo é a
reciprocidade. Se predominarem os aspectos negativos desta ligação então ela se torna uma
221
relação de “dependencia forzosa sin vinculos de legitimidade” . Portanto, diferentemente
do que coloca Landé, podemos pressupor que para Scott, a escravidão não pode ser
caracterizada como uma relação clientelar.
Outros trabalhos que tratam das relações entre “superiores e inferiores”, ainda que
não especifiquem que estas sejam relações patrão-cliente, nos fornecem chaves para pensar
a participação dos indígenas no período colonial e imperial. A mobilização de forças em
contexto de guerra ou em zonas fronteiriças parece ser um elemento importante da inserção
dos indígenas na sociedade. Estes trabalhos permitem observar que a guerra poderia
fornecer ganhos materiais e sociais aos indígenas, assim como a outros componentes dos
estratos subalternos. Logo, observa-se que muitas vezes os indígenas se engajavam
voluntariamente nos conflitos bélicos, em busca de melhores oportunidades de vida 222. Por
outro lado, como demonstrou Vânia Moreira, os recrutamentos forçados podiam se
configurar como forma de obrigar os indígenas ao trabalho 223.

219
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
220
SCOTT. ¿Patronazgo o explotación?... Op. Cit., p. 43-47.
221
Ibidem, p. 57.
222
Ver por exemplo: GIL, Tiago. Infiéis transgressores: elites e contrabandistas na fronteira do Rio Grande e
Rio Pardo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007.: FRAGOSO, João. A nobreza vive em bandos: a
economia das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII. Algumas notas de pesquisa. Revista
Tempo, n 15, jul-dez, 2003,( p. 11-35);. NEUMANN, Eduardo. O lugar dos índios na Guerra dos Farrapos:
evidências, limites e possibilidades (1831-1851). In: Anais do XXVII Simpósio Nacional de História. Natal:
Anpuh, 2013,( p. 1-18).; FUENTE, Ariel de la. Los hijos de Facundo: caudillos y montoneras en la Província
de La Rioja durante el proceso de formación del Estado Nacional Argentino (1853-1870). Buenos Aires:
Prometeo libros, 2007.
223
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Vestir o uniforme em índios e torná-los cidadãos. Reflexões sobre o
recrutamento militar, reclassificação social e direitos civis no Brasil imperial. In: MUGGE, Miquéias H e
COMISSOLI, Adriano. Homens e armas: recrutamento militar no Brasil- Século XIX. São Leopoldo: Oikos,
2011.
78

1.3.3. Administração indígena em debate

A partir da teorização dos conceitos de escravidão e relação clientelar aqui exposta,


retomo então alguns pontos que permitem um maior entendimento teórico da
administração indígena, especialmente aquela desenvolvida no sul do Brasil no século
XVIII.
Os autores utilizados para definir a escravidão têm como questão central a noção de
que o escravo é uma propriedade. Nos Campos de Viamão ainda não foi possível localizar
registros de compra e venda de escravos indígenas e nem mesmo cartas de alforria que nos
elucidariam melhor como era entendida a posse dos administrados. Mas, na falta desses
registros, podemos identificar que alguns administrados trocavam de administrador ao
longo da vida224, sem precisar exatamente se isto se dava por meio de compra e se existia
alguma forma da garantia de posse225.
Temos um bom exemplo desta transmissão de propriedade no registro de casamento
de Manoel e (corr.) Pinta, então escravos de Dionísio Rodrigues Mendes. Nele afirma-se da
noiva: “administrada que foi de Antônio José Viegas” 226. É impossível afirmar com certeza
se Dionísio Rodrigues Mendes comprou a administrada de Antônio José Viegas, porém,
parece-nos bastante improvável que, em um contexto de grande valorização da mão de
obra, esta transmissão tenha respeitado apenas à vontade da administrada. Observe-se, que
nesta troca de senhores, a antes administrada passa a ser chamada de escrava.
Nos registros batismais de Curitiba encontramos muitos ex-administrados, que
receberam o classificativo de “administrado que foi”, como veremos no Capítulo 2 desta
dissertação. Nesta localidade também foi possível encontrar indígenas arrolados em
inventários, sendo avaliados e transmitidos por herança. Bruna Portela encontrou vinte e
cinco inventários no Arquivo Público do Paraná, sete destes documentos tinham “peças do
gentio” arroladas227. O inventário de João Leme da Silva, proprietário oriundo de São

224
Ver, por exemplo, AHCMPA [PRFP] – 1ºLC. Registro de Casamento de Manoel, f. 66, 1758.
225
John Monteiro encontrou indícios concretos da posse dos administrados em São Paulo. MONTEIRO, John
Manuel Alforrias, litígios e a desagregação da escravidão indígena em São Paulo. Revista História. São Paulo.
120, p.45-57, 1989.
226
AHCMPA [PRFP] – 1ºLC. Registro de Casamento de Manoel; f.66, 1758.
227
Ver em: PORTELA, Bruna Marina. Gentio da Terra, gentio da Guiné: a transição da mão de obra escrava e
administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014.
(Tese de Doutorado), p. 64-79.
79

Paulo, chama atenção pela grande quantidade de índios em seu plantel. Em 1698, ele
documentou que tinha 62 trabalhadores, sendo 36 deles indígenas e os outros 26 mulatos228.
Como se debaterá, o classificativo de mulato era também usado para designar ameríndios.
Estes administrados atingiam um alto valor nos inventários, durante a primeira
metade do século XVIII, mas parecem ter tido um processo de desvalorização com o passar
do tempo229. Helder Macedo, analisou os inventários da Comarca de Caicó, no Rio Grande
do Norte e encontrou dois “tapuias” arrolados em um inventário datado de 1737. Este dois
trabalhadores constituíam uma grande parte do patrimônio do falecido senhor 230. Renato
Pinto Venâncio também encontrou indígenas nos inventários da Vila do Carmo, em Minas
Gerais, e constatou, da mesma maneira, que eles constituíram uma parte vultuosa do
patrimônio de seus senhores. Contudo, o autor apontou que um escravo africano valia o
preço de dois ou três carijós adultos, em 1716 231.
Também em Curitiba existem processos de disputa pela posse de administrados que
revelam a prática de compra e venda de indígenas. Portela, ao relatar a contenda pela posse
do carijó Mathias, aponta que um colono, apesar de ter comprado alguns administrados,
tinha conhecimento de que a prática era proibida. O mesmo colono explicita o seu
entendimento da administração indígena ao afirmar que era o administrado quem deveria
escolher com quem queria ficar, já que seu senhor não garantia aos seus indígenas: ensino,
doutrina, vestuário e sustento232.
Logo, a prática de formalizar a posse dos indígenas existiu, ao menos em Curitiba.
Contudo, parece ter caído em desuso na segunda metade do século XVIII. No último dos
inventários curitibanos em que constam “peças administradas”, de 1733, os trabalhadores
índios estão ali arrolados, mas ao contrário dos africanos, não receberam valores 233. O fato
de não haverem mais registros formais da posse destes cativos não significa que na prática
eles não fossem entendidos enquanto propriedade.

228
DEAP BR PRAPPR PB 045 PC02.1. Autos de inventário de João Leme da Silva. Curitiba, 1698. Apud.
PORTELA. Gentio da Terra, gentio de Guiné... Op. Cit., p.68.
229
PORTELA. Gentio da Terra, gentio de Guiné... Op. Cit., p. 74.
230
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de Macedo. Escravidão indígena no sertão da Capitania do Rio
Grande do Norte. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 56, 2008, p.451-452.
231
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os últimos carijós: Escravidão indígena em Minas Gerais: 1711-1725. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v.17, nº 34. 1997. (Versão para a internet, sem paginação).
232
Ibidem, p. 59.
233
DEAP BR PRAPPR PB 045 PC105.3. Auto de inventário dos bens que ficaram por morte de Balthazar
Carrasco dos Reis. Curitiba, 1733. Apud. PORTELA. Gentio da Terra, gentio de Guiné... Op. Cit., p.75-76.
80

Em algumas fontes paroquiais podemos ter indícios de outra característica da


escravidão: a hereditariedade. Os registros de batismo da freguesia de Nossa Senhora da
Luz dos Pinhais de Curitiba não apontam se os filhos de administrados eram também assim
considerados. No entanto, os dos Campos de Viamão permitem identificar alguns
indivíduos que ao serem batizados já aparecem enquanto tal.
O caso de Josefa aponta bem a transmissão hereditária da situação de administrada.
No seu registro de batismo, os senhores abrem mão da administração dela em prol da
igreja, o que evidencia que ela herdara esta condição jurídica desde o nascimento.

Josefa inocente, filha de Catarina administrada de Francisco Rodrigues Machado e


sua mulher Ana Barbosa Maciel, naturais da cidade de São Paulo moradores nestes
Campos de Viamão e é dito que sedem da dita administração que tem da dita
inocente Josefa e a dão a Nossa Senhora da Conceição deste Viamão por sua livre
234
vontade, sem constrangimento de pessoa alguma (...) .

A notação de seu óbito, apenas oito dias mais tarde, corrobora esta afirmação.
Nele, ela já consta como administrada da Igreja235. Outros registros de falecimento de
crianças bastante pequenas também atestam esta hereditariedade 236. É o caso de Lázaro, que
tendo morrido aos cinco meses fora registrado como administrado 237.
No caso do Paraná existem processos de pedido de liberdade que explicitam a
hereditariedade da administração238. A maior parte das solicitações partiu de indivíduos
mestiços que buscaram provar que sendo filhos de homens livres, apesar de suas mães
serem administradas, deveriam ser postos em liberdade. Nestes casos em específico, a
condição jurídica não parecia seguir o ventre materno, sendo suficiente provar a condição
de liberdade do pai. De qualquer forma, destas peças processuais é possível depreender que
aqueles que não tinham um progenitor livre para transmitir essa condição eram
considerados, de forma hereditária, administrados. Em um desses pedidos judiciais de
liberdade podemos observar a aproximação da administração com a condição dos escravos.
Ao contestar a paternidade e a condição de livre de Francisca, filha de uma índia

234
AHCMPA – 1ºLB. Registro de batismo de Josefa, f. 90/90v. 11/01/1750.
235
AHCMPA [PRFP] – 1ºLO. Registro de óbito de Josefa, f. 92, t. 540, 19/01/1750.
236
Ver em: DIEHL, Isadora. “Administrando almas”: uma análise da escravidão indígena através das
unidades familiares, Campos de Viamão (1750-1760). UFRGS, 2012. (Trabalho de conclusão de curso), p.33-
36.
237
AHCMPA [PRFP] – 1ºLO. Registro óbito de Lázaro, f. 3v, t. 12, 27/12/1748.
238
Ver nesta dissertação: 3.2.2 Pedidos de liberdade...
81

administrada com seu senhor, uma das testemunhas do processo disse que ela “sempre
andara como escrava, vestida de tipoia, carregando água e lenha”239.
Com relação à sujeição da vontade do escravo ao senhor tendo a me aproximar da
posição de Jacob Gorender, que aponta que o jugo constitui apenas uma tendência. A meu
ver, não deve ser tomada como característica estruturante da escravidão, mesmo a africana,
já que a historiografia tem apontado para variadas formas de relação entre senhores e
escravos que evidenciam a capacidade de negociação dos últimos 240. Da mesma forma, a
administração não pode ser entendida exclusivamente como submissão já que mesmo sob
esta condição autores têm demonstrado a capacidade de agência dos indígenas 241.
Outra das propriedades do trabalho escravo colocada em destaque pelos autores é
que este seria obtido por meio de coerção. Acredito que esta é uma característica inerente
ao sistema de administração particular, tendo em vista que este não supunha uma
remuneração, o meio de obtenção do trabalho era a coação, ainda que esta pudesse assumir
formas bastante variadas. Tal qual a própria escravidão, a administração particular de
indígenas assumiu muitos matizes e, desta forma, sua estruturação dependeu das relações
estabelecidas entre os indivíduos envolvidos e do contexto histórico. Ou seja, no sistema de
administração, entendida pelos senhores como tutela, o trabalho dos indígenas pode ter
sido explorado através da violência, mas, assim como na escravidão, existiram negociações
que faziam com que esta não fosse a regra.
Referente às relações de tipo clientelar, certamente a administração indígena
preenche um dos “pré-requisitos” apontado pelos autores: é uma aliança diádica, ou seja,
pessoal. Ao contrário da escravidão, ela não é sancionada legalmente. Esse é um aspecto
fundamental de diferenciação destas relações. Conforme já colocado, os colonos tentavam
garantir a propriedade destes indígenas, mas o impedimento legal da escravidão evitou, em
muitos momentos, a formalização legal de tal vinculação. Desta forma, ainda que
sancionada socialmente, a administração era uma prática pessoalizada e, na forma como
era praticada, ilegal.

239
PORTELA. Gentio da Terra, gentio da Guiné...Op .Cit., p. 88.
240
CHALHOUB, Sidney e SILVA, FERNANDO T.da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cadernos AEL. Campinas: UNICAMP, v.14. nº
26, 1º semestre de 2009, p. 11-45.
241
MONTEIRO. Negros da terra...Op. Cit.
82

Seguramente essas também eram relações verticais. A bibliografia aponta para o


fato de os administradores de indígenas serem possuidores de poucos recursos242. No caso
dos Campos de Viamão, alguns deles foram até mesmo apontados como pobres 243. Apesar
de não formarem uma elite rica como a açucareira do nordeste, por exemplo, estes
indivíduos se destacavam do conjunto dos membros da sociedade. Infelizmente nos faltam
inventários que possibilitassem mapear os bens destas pessoas. Para a freguesia de Nossa
Senhora da Luz de Curitiba nenhum dos proprietários que possuíam cativos ameríndios e
que aparecem nos registros de batismo do 4º livro da freguesia teve seus inventários
preservados no Arquivo Estadual do Paraná 244. No caso dos Campos de Viamão apenas
dois senhores de cativos deixaram parcos inventários, que não trazem muitas
informações245.
Contudo, alguns indícios apontam que estes senhores de ameríndios eram
possuidores de terras e alguns deles eram inclusive sesmeiros. Balthazar Carrasco dos Reis,
além de proprietário de vários índios, era também beneficiários de uma sesmaria no
Barigui246. Também eram donos de escravos africanos, ainda que alguns tivessem apenas
pequenos plantéis247. A configuração do plantel do Doutor Antônio dos Santos Soares,
ainda que não possa ser considerado o padrão curitibano, que apresentava planteis menores,
explicita bem este poderio. No 4º Livro de Batismo de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais
há 86 registros de mães cujo senhor era o referido Antônio dos Santos Soares; dentre elas,
23 eram administradas e o restante escravas de origem africana 248.

242
ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000 e MONTEIRO. Negros da Terra...Op. Cit.
243
KÜHN, Fábio. Gente da Fronteira: Família e poder no continente do Rio Grande (Campos de Viamão,
1720-1800). São Leopoldo: Oikos, 2014.
244
A busca pela documentação nominal é feita pelos próprios funcionários do Arquivo que não encontraram
nenhum dos nomes solicitados por mim.
245
APERS. Inventário de José Brás Lopez. Porto Alegre, 1º Cartório de órfãos e ausentes. Estante:12, maço: 3,
autos: 25; Inventário de Margarida Gomes de Araújo e Antônio José Machado. Porto Alegre, 1º Cartório de
órfãos e ausentes. Estante: 31, maço: 13, autos 40 .
246
Baltazar não aparece nos registros de batismo do 4º Livro da Freguesia por ter falecido tempos antes. Seu
inventário data de 1697. BRIGHENTE, Lilian Ferraresi. Entre a liberdade e a administração particular: A
condição jurídica do indígena na vila de Curitiba (1700-1750). Curitiba: UFPR, 2012. (Dissertação de
mestrado), p.82.
247
No caso de Viamão a constatação de que possuíam alguns escravos africanos é possível de ser feita através
dos Róis de Confessados de Viamão. Ver: AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão 1751, 1756, 1757 e
1758.
248
ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
83

De qualquer forma, certamente estes senhores de cativos indígenas usufruíam de


recursos não disponíveis aos administrados, podendo oferecer a eles benefícios, como o
acesso à terra, por exemplo, que de outra maneira talvez não pudessem ser obtidos.
Outra maneira de identificar essa verticalização é que o próprio termo
“administrado” já demonstra que os indígenas eram entendidos como indivíduos de mais
baixo estatuto na sociedade. O termo provém da compreensão dos colonos de que os
indígenas não tinham a capacidade de administrar a si próprios e por isso necessitavam de
tutela. Outros classificativos utilizados para designar os ameríndios também atestam para
estas posições subalternas ocupadas pelos indígenas, como veremos nos capítulos que
seguem.
A questão da legitimidade das relações patrão-cliente, da forma como é entendida
por Scott também nos parece válida para pensar a situação dos índios administrados. O
autor salienta o caráter mutável e relacional do sentimento de exploração. Se em dadas
circunstâncias a administração poderia ser entendida pelos indígenas como legítima, em
outros momentos esta conformidade poderia ser abalada. Mudanças nas relações pessoais
ou na conjuntura social podem ter contribuído para o aumento significativo do número de
ex-administrados nas duas freguesias. 249. Também as seguidas reiterações da proibição da
prática da administração particular de indígenas, pode ter tido um efeito desestabilizador.
Como veremos no Capítulo 3, em Curitiba, as mudanças conjunturais fizeram com que
alguns administrados, que antes viviam em conformidade com seus senhores passassem a
entender a relação como exploração e entrassem na justiça reivindicando sua liberdade 250. É
o caso da já citada Francisca, que com a morte do pai, que era também seu senhor, acabou
entrando em conflito com sua nova proprietária e, por isso, contestando a administração251.
Uma diferenciação que parece central entre escravidão e relações patrão-cliente é a
de que a primeira é involuntária e a segunda, ainda que seja para maior parte dos autores
uma relação de submissão, pressupõem certo grau de voluntariedade.

249
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB [1747 - 1759].; ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
250
BORGES, Joacir Navarro. As demandas judiciárias envolvendo administrados em Curitiba, século XVIII.
Almanaque brasiliensi, nº6. Nov/ 2007; BRIGHENTE, Lilian Ferraresi. Entre a liberdade e a administração
particular: A condição jurídica do indígena na vila de Curitiba (1700-1750). UFPR, Curitiba: 2012.
(Dissertação de mestrado).
251
PORTELA. Gentio da Terra, gentio da Guiné...Op .Cit., p. 88.
84

Como indicado anteriormente, a forma predominante de inserção na administração


particular foi através dos apresamentos, ou seja, de maneira compulsória. Porém, a origem
de alguns dos indígenas presentes nos registros paroquiais dos Campos de Viamão permite
refletir sobre a pertinência da caracterização deste tipo de trabalho como sendo baseado em
uma relação entre patrão e cliente, já que através deste dado é possível debater a questão da
introdução voluntária na relação.
Dentre os administrados foi possível identificar vários indivíduos provenientes das
Missões. É possível que eles tenham entrado na administração de forma mais ou menos
voluntária. Isto porque, como visto, este era um momento de conflito na região devido ao
Tratado de Madri (1750) e, portanto, uma situação privilegiada para os indígenas buscarem
relações com um patrão que, em troca de sua mão de obra, lhes daria proteção e garantiria
sua subsistência em um momento em que a eminência de conflitos também poderia
desarticular a capacidade destes indivíduos de prover sua própria alimentação. Estes
elementos de troca são justamente os identificados por autores como Landé e Scott como
sendo característicos das relações patrão-cliente existentes em sociedades agrárias.
O que se pode perceber é que a administração incluía diferentes tipos de relação.
Podendo ser entendida como um contínuo de vai desde relações puramente coercitivas a
outras mais consensuais. Não pude ainda encontrar evidências mais concretas de que
algumas destas relações se davam de forma voluntária. A adesão a grupos bélicos pode ser
uma chave para compreender essa voluntariedade (ainda em termos bastante limitados).
Parece-me que os índios, assim como outros camponeses, estabeleciam estratégias de
sobrevivência que incluíam relações de tipo clientelar.
Monteiro, ao relatar o destino do índio “José Grande Carijó”, que participava do
bando de Bartolomeu Fernandes de Faria, apontou que este adotara o sobrenome do
senhor252. Esta prática era bastante comum nas duas freguesias em estudo. Tanto homens,
quanto mulheres adotavam o sobrenome de seus senhores, muitos deles após deixar a
administração. Germano de Siqueira, um “bastardo que foi administrado” de João de
Siqueira é um exemplo deste tipo de vinculação 253.

252
MONTEIRO. John Manuel. Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e do
Indigenismo. UNICAMP: Campinas, 2001. (Tese Apresentada para o Concurso de Livre Docência), p. 93.
253
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Salvador; p.140; 13/11/1758.
85

Em Curitiba, no ano de 1746, temos uma evidência da utilização de indígenas em


serviços bélicos. O então juiz ordinário da Câmara, ao demandar a contratação de Capitães
do Mato para prender e matar os quilombolas da região, coloca que estes devem ir em
companhia de “negros- carijós ou bastardos” fazer a perseguição aos contraventores254.
Outra evidência interessante está presente na Lista de milicianos desta mesma vila
no ano de 1776. Este é um momento no qual as identidades indígenas já aparecem muito
mais diluídas naquela localidade. Na descrição dos presentes na listagem não aparecem
índios assim descritos. No entanto, vários deles apresentam características físicas que
indicam origens indígenas. São majoritariamente descritos como homens sem barba, cabelo
preto e corredio255, de cor trigueira. É o caso do soldado Antônio Martins Filho descrito
como tendo “estatura ordinária, cara redonda, trigueiro, sem barba, cabelo preto e
corredio”256.
A partir do quadro teórico simplificado que serviu de base para a comparação com o
conceito de administração indígena, pôde-se concluir que, ainda que mais comumente a
administração indígena no período colonial tenha sido tratada como sinônimo de
escravidão e que muitas das características desta forma de exploração do trabalho estejam
presentes nos diversos arranjos de tal prática no sul do Brasil colonial durante o século
XVIII, essa associação não é a única possível. Alguns dos aspectos das relações clientelares
podem contribuir para pensá-la. Certamente as colocações aqui presentes não esgotam as
possibilidades de comparação e merecem ser mais elaboradas, inclusive através da
comparação com outros conceitos.
Os diferentes arranjos existentes nas sociedades de Antigo Regime permitiram que
alguns casos de administração indígena se aproximassem mais da escravidão, podendo ser
considerada como análoga a ela. Este parece ter sido o caso preponderante na primeira
metade do século XVII. Por outro lado, outras destas relações parecem ter guardado
características mais próximas às das relações estabelecidas entre patrões e clientes,
notadamente no final do século quando as identidades indígenas aparecem cada vez mais
diluídas.

254
Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba. Impressora Paranaense, 1924. Vol. 12, p. 05.
255
O “gentio do cabelo corredio” é uma das formas características de se referir aos indígenas.
256
Lista nominativa de Curitiba 1776. Transcrições do CEDOPE/ UFPR. Originais do AESP.
86

CAPÍTULO 2. A ADMINISTRAÇÃO INDÍGENA SOB A ÓTICA DOS


REGISTROS PAROQUIAIS

Este capítulo têm como fonte principal os registros de batismo. Segundo Faria257,
dentre os registros paroquiais, o batismo é para a Igreja e para os homens e mulheres do
período colonial o ritual mais importante e disseminado. Esta documentação tem a
qualidade de ser ao mesmo tempo individual e coletiva 258, podendo proporcionar
simultaneamente uma análise serial e cronológica e uma busca nominal que nos revele
características e interações de determinados indivíduos ao longo do tempo. Portanto,
elaborou-se uma pesquisa que utilizou métodos quantitativos e qualitativos em fontes
paroquiais, operando-se as categorias sociais como base de análise.
No contexto desta fonte, entendo por categorias sociais os diferentes designativos
com os quais os indivíduos aparecem registrados nos livros eclesiásticos. Para os indígenas
alguns dos exemplos são: pardo, administrado, negro, gentio, mulato, bastardo,
catecúmena, escrava, forra. Esta taxonomia permite acessar os lugares ocupados pelos
indígenas nas sociedades luso-brasílicas em formação no sul do Brasil, durante o século
XVIII. Também permite observar as mudanças operadas na identificação destes indivíduos
ao longo do tempo. Elas são, portanto, reveladoras dos códigos partilhados pela sociedade
que são definidores “dos lugares sociais ocupados pelos envolvidos na comunidade
local”259.
Certamente os registros paroquiais da época não permitem confeccionar dados
demográficos precisos, ainda mais se tratando da população ameríndia, que em grande parte
não estava submetida aos ritos católicos. Mas, se as estimativas demográficas para este
período são “grosseiras e subjetivas, normalmente aceitas, na falta de outras” 260, esta

257
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em movimento: Fortuna e Família no cotidiano colonial. São Paulo:
Nova Fronteira, 1998.
258
BASSANESI, Maria Silvia. Os eventos vitais na reconstituição da história. In: PINSKY, C. B e LUCA, T.
R. (Org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009. P. 141-172.
259
FARIA, S. Op. Cit., A Colônia em movimento... p. 310-312.
260
MARCÍLIO, Maria Luiza. Crescimento demográfico e evolução agrária paulista, 1700-1836. São Paulo:
Hucitec, 2000.p. 23.
87

deficiência pode ser sanada pelo que Giovanni Levi chama de descrição “com base em
indicações ricas e esporádicas, muito mais do que sobre séries homogêneas e comparáveis
de dados”261. No caso da minha pesquisa essas indicações foram feitas de duas formas, a
primeira delas é explicitando detalhadamente as formas como compreendo as categorias
utilizadas nas quantificações e a segunda através da busca nominal.
Carlo Ginzburg propõe a utilização do nome como fio condutor para contrabalançar
a investigação quantitativa. Como salienta o autor, o “jogo de vaivém” na cadeia de fontes
dadas pelo nome “não fecha necessariamente a porta da indagação serial. Serve-se dela. 262”.
Esse método, já bastante utilizado em outros trabalhos, permite a reconstrução do tecido
social em que o indivíduo está inserido, desde que conte com variados tipos de fontes.
Como a documentação é bastante escassa, especialmente com relação a estes
indígenas integrados, a opção teórico metodológica, dentro das possibilidades existentes,
foi compreender estes indivíduos inseridos dentro de uma lógica taxonômica que permeava
aquelas sociedades.
Logo, este capítulo trata basicamente dos classificativos dados aos indígenas e
evidencia a conexão dos significados destas categorias sociais com aqueles utilizados em
São Paulo, expondo, desta maneira, as relações escravistas estabelecidas com os indígenas
e suas manifestações na hierarquia destas sociedades.

261
LEVI, Giovanni. Herança Imaterial: Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.p. 90.
262
GUINZBURG. Carlo. O nome e o como. In: GUINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. (p. 169-178.) p. 175.
88

2.1. Classificativos sociais: um caminho para entender os lugares sociais


ocupados pelos indígenas.

A fundação das freguesias de Viamão e Curitiba, assim como várias outras no


Brasil, deve muito ao processo de expansão bandeirante paulista. Este movimento guardou,
como se tentou demonstrar no capítulo 1, íntima relação com o apresamento de índios.
Entretanto, é difícil compreender as formas como estes indígenas entenderam o processo de
integração forçada a esta sociedade. Até o momento não foi possível encontrar relatos dos
próprios indígenas sobre estes processos no sul do Império português. Na falta destes
escritos, o subterfúgio encontrado foi o de buscar nos registros paroquiais indícios dos
lugares sociais ocupados pelas indígenas incorporadas àquelas nascentes povoações
mestiças.
Os registros paroquiais, há muito utilizados em trabalhos de história demográfica e
social263, permitem observar uma parte da história dos indivíduos inseridos nas
comunidades cristãs. Evidentemente isso exclui grande parte dos sujeitos que não
partilhavam destes preceitos, notadamente os indígenas. Ainda assim, como a catequese e
os ritos católicos foram de suma importância para o projeto colonial, parece-me bastante
razoável buscar compreender através destas fontes as relações estabelecidas com e pelos
indígenas.
O batismo é o rito mais importante da Igreja Católica, é o primeiro de todos os
sacramentos e só a partir do recebimento dele é que se pode obter os outros. Este rito
também serve como absolvição de todos os pecados, “ainda que sejam muitos, e mui
graves” e também é ele que concede a salvação na morte264. Logo, esta era a forma de criar
um sério pacto, ao menos aos olhos católicos, com a Igreja e a cristandade. Para os
indígenas que se batizavam, mesmo coagidos, essa era uma forma importante de introdução
no mundo dos colonizadores.

263
BASSANESI. Os eventos vitais... Op. Cit.
264
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA [1707]. São Paulo: Typorafia de
Antônio Louzada Antunes, 1853, p. 13-14.
89

As Constituições Primeiras previam instruções especiais para que os escravos não


“aculturados” pudessem receber este sacramento. Ainda que não citados, podemos pensar
que para os índios recém-introduzidos na comunidade cristã o mesmo deveria valer.
Entretanto, muitos deles já estavam a mais de uma geração inseridos em uma sociedade
altamente ritualizada pelo catolicismo ou migraram, voluntária ou forçadamente, de
missões jesuíticas. Como coloca Wilde, o contato com os ritos católicos modificou toda a
estrutura organizacional e social dos indígenas265.
O aspecto religioso também foi de fundamental importância para a transformação
dos indígenas em escravizados. Através dos batismos, os índios eram introduzidos na
cristandade e os senhores podiam por meio dela reafirmar a lógica de dominação:

Se a transformação de índio em escravo exigiu ajustamentos por parte da camada


senhorial, também pressupunha um processo de mudança por parte dos índios. [...]
Um dos elementos centrais deste processo foi a religião que, em certo sentido,
servia de meio para se impor uma distância definitiva entre escravos índios e a
sociedade primitiva da qual foram bruscamente separados. Portanto, para senhores,
o sentido da conversão ia muito além das justificativas insistentes que empregavam
na defesa da escravidão266 .

Se os batismos foram utilizados como forma de controle da população cativa, isso


não exclui a dimensão religiosa do ato:

Argumentar-se-á, com meia razão, que os registros de batismo visavam controlar a


população e assegurar a propriedade escrava, mas até para esses fins, os senhores
precisavam ser minimamente cristãos, mesmo que de fachada. O batismo era um
ato religioso, e tentar controlar a população ou registrar a posse de escravos não
eram incompatíveis com o bem batizar, com o ser bom ou mau cristão267.

Mas, evidentemente, as práticas religiosas ultrapassavam em muito os preceitos da


Igreja. Como mostram os processos contra feitiçarias no Paraná, eram principalmente as
mulheres indígenas que praticavam crenças que se distanciavam das diretrizes católicas268.

265
O autor tratadas das transformações ocorridas nos Trinta Povos com a ação missionária jesuítica,
entretanto, me parece que algumas das metamorfoses culturais e hierárquicas operadas pelos ritos católicos
sejam semelhante, mas não iguais, fora do âmbito missioneiro. WILDE, Guillermo. Religión y Poder En las
missiones de guaranies. Buenos Aires: SB, 2009.
266
MONTEIRO. Negros da terra... Op. Cit., p. 159.
267
GUEDES. Roberto. Livros paroquiais de batismo, escravidão e qualidades de cor. (Santíssimo Sacramento
da Sé, Rio de Janeiro, Séculos XVII- XVIII). In: FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto e SAMPAIO, Antônio
Carlos Jucá de. Arquivos paroquiais e história social na América Lusa, séculos XVII e XVIII: métodos e
técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014, p. 131.
268
Através dos processos crime contra feitiçaria Portela constatou que a maioria das acusadas eram indígenas.
Ver: PORTELA, Bruna Marina. Gentio da Terra, gentio da Guiné: a transição da mão de obra escrava e
90

Com relação aos batismos não era diferente. O medo de que as crianças viessem a
falecer antes de sacramentado o batismo, e com isso ficassem presas no limbo, não estando
elas protegidas contra as forças do mal, fez com que na freguesia de Curitiba muitas vezes
se realizassem batismos domésticos, geralmente por alguém que não era clérigo. Essa
prática parece ter ganhado força no final do século XVIII, quando mesmo as crianças
saudáveis recebiam benzimentos em casa, adiando desta forma o batismo na Igreja269.
Nas fontes eclesiásticas, assim como em grande parte da documentação do período
colonial, é possível visualizar uma sociedade altamente hierarquizada. Os registros de
batismo trazem uma série de informações que poderia ser considerada padronizada, mas
que permite entrever classificativos sociais inseridos pelo padre naqueles registros. Como
apontou Sheila de Castro Faria, esses classificativos, ainda que anotados pelos padres, nos
contam sobre concepções partilhadas pelos membros da sociedade e permitem, desta forma,
identificar os lugares sociais ocupados por aqueles sujeitos:
A interpretação e a redação final, entretanto, ficavam a cargo do pároco. Era ele
que designava o “preto angola, mina, guiné” etc., o “pardo escravo de...” e o
“crioulo”. Nitidamente o vocabulário classificatório transcendia as informações
dadas pelos cativos. (...) Acho que o comum, entretanto, foi, no registro,
constarem nomes e indicações do conhecimento não só dele [pároco] como
também da comunidade [...] Os padres transmitiam o que ouviam. (...) Com base
nestas considerações, quero afirmar que a redação dos registros não se reduzia às
informações dadas pelos envolvidos e, nem mesmo pelos próprios padres.
Representava, através das escrituras dos padres, o que as pessoas indicavam sobre
elas próprias e o que a comunidade local sabia ou murmurava sobre elas. Explica-
se, assim, o motivo de se considerarem, neste trabalho, as referências contidas
nos registros paroquiais como definidoras dos lugares sociais ocupados pelos
envolvidos na comunidade local, certamente passando pelo crivo da
dominação270.

A ideia de distinguir os seres humanos uns dos outros através de classificações


permeia todas as sociedades humanas e já estava presente entre os nativos do continente
americano antes da chegada dos europeus. Entretanto, na Europa do Antigo Regime, tais
classificações são estruturantes de todas as relações sociais, já que são essenciais para a
inteligibilidade de um mundo que necessita enquadrar os sujeitos segundo seus
“privilégios”.

administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014.
(Tese de Doutorado), p. 126.
269
CARNEIRO, Marina Braga; CHAGAS, Paula Roberta; NADALIN, Sergio Odilon. Nascer e garantir-se no
Reino de Deus; Curitiba, séculos XVIII e XIX. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, v. 27, n. 2, p.
361-384, 2010. P. 366 e 378.
270
FARIA. A Colônia em movimento... Op. Cit., p. 310-312.
91

Segundo Antonio Manuel Hespanha, as sociedades europeias modernas estão


estruturadas na ideia de ordem. Em uma das noções cristãs, a Criação estaria ordenada
como um corpo “em que cada órgão competia uma função, e que estas funções estavam
hierarquizadas segundo a sua importância para a subsistência do todo”271. Disto deriva a
noção de que algumas pessoas eram mais dignas do que outras, em função dos ofícios que
lhes eram incumbidos. Logo, alguns “órgãos” deste corpo, cumpriam funções mais
importantes que outros. Tais distinções de papeis sociais legavam aos indivíduos diferentes
“privilégios” ou “direito particular”, traduzidos em “estados” diferenciados. A divisão mais
comum deste corpo era em três ofícios sociais: a milícia, a religião e a lavrança. Entretanto,
para Hespanha, nos diversos planos jurídicos (direito penal, fiscal, político...) os estados
eram mais abundantes. Nesta ordenação, a mobilidade social era excepcional e indesejável,
pois no plano ideológico buscava-se a estabilidade.
No mesmo sentido, Giovanni Levi procura, através do conceito de equidade,
caracterizar as sociedades mediterrâneas de Antigo Regime como comunidades que
buscavam a confirmação de uma estrutura social hierárquica. Estas eram coletividades que
se alicerçavam em desigualdades estratégicas, que eram aceitas e racionais, e que não
partilhavam o preceito moderno de igualdade entre os membros. Assim, o autor propõe que
as áreas mediterrâneas no Antigo Regime entendiam que o direito formulado de maneira
abstrata e geral era um erro, e que o equitativo era o justo em cada caso. Esse era, portanto,
um sistema de justiça distributiva, ou seja, “uma justiça que aspira a garantir a cada um o
272
que lhe corresponde segundo o seu status social” . Logo, o papel da lei aí era o de
acentuar as desigualdades sociais existentes, através dos sistemas de privilégio e de
classificação social.
Portanto, os classificativos sociais tinha um papel chave nestas sociedades, já que
era através deles que se poderia identificar a que “estado” pertencia cada sujeito e com isso
fazer valer os privilégios que lhes cabia. Ou, como coloca Levi, a respeito dos esforços

271
HESPANHA, Antônio Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010. p. 57-58.
272
LEVI, Giovanni. Reciprocidade mediterrânea. In: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho e OLIVEIRA,
Mônica Ribeiro de (Org.). Exercícios de Micro-história. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2009. p.53.
92

classificativos: eram “despedidos justamente para definir de maneira estável condições


sociais às quais se reconhecem privilégios específicos” 273.
Esses classificativos ou categorias sociais foram entendidos por Antônio Manuel
Hespanha como modelos de organização das percepções (da “realidade”), ou seja, eram
“imagens”, “representações” ou “conceitos” que tinham uma “capacidade ativa,
estruturante, criadora (poiética) na modelação do conhecimento”. Mesmo criticando os
autores que veem os discursos como palco de lutas sociais, o autor apontou que os “nomes”
eram mais do que palavras e denotavam estatutos com claras consequências político-
jurídicas:

Realmente, muitos nomes não são apenas nomes, “intelectual”, “burguês”,


“proletário”, “homem”, “demente”, “rústico”, são além de sons e letras, estatutos
sociais pelos quais se luta para entrar neles ou para sair deles. Numa sociedade de
classificações ratificadas pelo direito, como a sociedade de Antigo Regime, esses
estatutos eram coisas muito expressamente tangíveis, comportando direitos e
deveres específicos, taxativamente identificados pelo direito. Daí que, ter um ou
outro desses nomes era dispor de um ou outro estatuto. Daí que, por outro lado,
classificar alguém era marcar sua posição jurídica e política274 .

As ideias de que a ordem era central nas sociedades de Antigo Regime e que esta
percepção está presente na imaginação político-jurídica moderna me parecem muito úteis
para pensar as categorias sociais, já que, desta forma, elas seriam importante veículos de
estruturação hierárquica desta sociedade.
Se esta complexa organização hierárquica baseada em categorias sociais é tributária
da sociedade europeia de Antigo Regime, o contato com as sociedades americanas e
africanas só complexificou ainda mais estes classificativos e impôs a necessidade de
invenção de novas ordens classificatórias: pela mestiçagem biológica e cultural, pelas
especificidades étnicas e culturais e pelas modalidades de trabalho criadas ou intensificadas
na colônia.
Para João Fragoso, ainda que o Novo e o Velho Mundo partilhassem alguns
códigos, novas formas de estabelecimento de hierarquias foram criadas, sendo a conquista,
o parentesco e a escravidão centrais na organização destas sociedades:

[...] existia nos trópicos uma hierarquia social ciosa de suas diferenças e essa não
seguia inteiramente os padrões do Velho Mundo. Essa hierarquia, entre outros

273
Ibidem, p. 63.
274
HESPANHA. Imbecilitas... Op. Cit., p. 18.
93

fenômenos, fora gerada pela conquista e pelo idioma das relações de dependência
pessoal e do parentesco ritual, sendo estes realizados não só por europeus vindos do
Antigo Regime, mas também por escravos, provenientes das sociedades escravistas
da África. Apesar das diferenças entre tais mundos, tinham em comum, por
exemplo, a escravidão e o parentesco. Parece-me que essas categorias, na ausência
do senhorio jurisdicional, serviram como ferramentas vitais na organização da vida
social da América lusa275 .

Acredito que as vivências coloniais criaram lugares sociais e organizações políticas


novas, que ainda que discursivamente pretendessem se organizar conforme um molde
europeu, não passaram incólumes pelo encontro com a cultura indígena e africana, pelas
diferentes paisagens e recursos encontrados na América. Como aponta Hebe Mattos, a
situação colonial impôs a diversificação das categorias de classificação:

De fato, a contínua expansão e transformação da sociedade portuguesa na época


moderna tendeu a criar uma miríade de subdivisões e classificações no interior da
tradicional representação das três ordens medievais (clero, nobreza e povo),
expandindo a nobreza e seus privilégios, redefinindo funções, subdividindo o
“povo” entre estados “limpos” e “vis” (ofícios mecânicos). [...] Para que a
concepção corporativa de sociedade predominante no Império português pudesse
informar os quadros mentais e sociais de sua expansão, era necessária a existência
prévia (ou a produção) de categorias de classificação que definissem a função e o
lugar social dos novos conversos, fossem mouros, judeus, ameríndios ou africanos.
(MATTOS, 2001, p. 144) 276

Tal complexidade atingiu seu ápice no século XVIII. Devido à ampla mestiçagem,
tanto física quanto cultural, surgiu a necessidade de criação de novas categorias sociais que
dessem conta da multiplicidade existente. Como aponta Gruzinski para o contexto da
América espanhola:

No século XVIII, as misturas de população de origem europeia, indígena e africana


atingiu tamanho grau de diversidade que se sentiu a necessidade de diferenciar toda
uma série de grupos e subgrupos. O quadro das castas tinha a pretensão de mostrar
essa variedade aos europeus. Formavam um gênero novo, que exprime um esforço
inconcluso para delimitar categorias ultrapassadas pela realidade e, de fato,
ignoradas na vida cotidiana pelos próprios interessados 277.

275
FRAGOSO, João. “Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor de engenho do Rio Grande, neto de
conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de
Janeiro, 1700-1760)” In. FRAGOSO, João e GOUVÊA, M. F. (orgs.) Na trama das redes: política e negócio
no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, (p. 243-294), p. 249.
276
MATTOS, Hebe Maria. A escravidão moderna nos quadros do Império português: O Antigo Regime em
perspectiva atlântica. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima (Org).
Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI- XVIII). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001( p. 141-161) , p. 144.
277
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 50.
94

2.1.2. Qualidades e condições jurídicas: a servidão dos indígenas no sul do Brasil

Podemos, grosso modo, dividir as categorias sociais existente em “qualidades” e


“condições jurídicas”. As condições jurídicas 278 são: livre, escravo e forro; mas há ainda
duas subcondições: a de coartado – escravo em período de libertação e que detinha certos
“direitos”, como não poder ser vendido ou alugado durante o período de coartação – e a de
administrado279. Essa última condição interessa muito aqui, pois nos permite compreender
melhor como viviam os indígenas em Curitiba no século XVIII.
A administração indígena foi uma prática bastante ambígua, baseada na noção
de que, ainda que os indígenas fossem juridicamente livres, deveriam servir aos colonos
sem remuneração. O funcionamento de tal sistema não estava especificado na
legislação régia, ao menos até 1696280, mas era de “uso e costume da terra”. Como
aponta Lilian Brighente: “O administrado não era nem um homem livre e nem um
escravo no que diz respeito ao seu estatuto jurídico, mas pertencia a um outro estado ou
condição, precisamente o de administrado”281.
Como já apontado ao longo desta dissertação, alguns autores tendem a aproximar a
administração particular da escravidão africana, outros frisam as diferenças entre as duas
formas de exploração da mão-de- obra282. Entretanto, como coloca Moreira, ainda que os
lugares sociais dos indígenas não estivessem consolidados, indubitavelmente a incumbência
deles na sociedade colonial era o trabalho:

Naturalmente, o lugar social e o estatuto jurídico dos índios não estavam

278
Libby e Frank consideram “condição legal- livre, forra e escrava” (grifo meu). LIBBY, Douglas Cole e
FRANK, Zephyr. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial: etnicidade em São José do Rio das
Mortes, 1780-1810. Revista Brasileira da História. São Paulo, v.29, nº58, p. 383- 415, 2009.
279
PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América entre os séculos XVI e
XVIII ( as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015, p.34.
280
Neste ano foi emitida uma Carta Régia que autorizava a administração particular de índios, desde que este
vivessem em aldeias, mas reiterava a liberdade absoluta deles. Logo, tal lei não desambiguava a condição do
administrado. Sobre o assunto, ver : FREITAS, Ludmila Gomide. A Câmara Municipal da Vila de São Paulo
e a escravidão indígena no século XVII (1629-1696). Dissertação (Mestrado em História). Campinas:
UNICAMP, 2008.
281
BRIGHENTE, Lilian Ferraresi. Entre a liberdade e a administração particular: A condição jurídica do
indígena na vila de Curitiba (1700-1750). Curitiba: UFPR, 2012. (Dissertação de mestrado). p. 76.
282
Ver nessa dissertação: 1.3. Escravidão e clientelismo...
95

plenamente constituídos e consolidados e eram, além disso, objeto de acirrada


disputa na colônia e na metrópole [...]. Os testemunhos históricos oferecem
sólidas indicações de que a principal função e dever (officium) dos índios era
trabalhar para o Estado, para particulares e para si próprios [...]. O que mais
oscilava na legislação, portanto, não era o officium dos índios, mas o melhor
modo de eles exercerem as funções que lhes eram reservadas no mundo colonial, e
se deveriam trabalhar como homens livres ou como cativos283.

As “qualidades” eram muitas e manifestavam-se em termos como bastardo, mulato,


pardo, serva, crioulo, mina, tape, preto, catecúmena, negra de Guiné, etc. Por vezes, tais
qualidades se revelavam através de conotativos ligados à cor, mas, para alguns autores, não
podem ser reduzidas a elas.
Segundo Hespanha, as representações de cor no mundo do Antigo Regime eram
uma construção social que provinha da relação interdependente entre identificação
cromática física e ordem cromática social; não se tratando de um mero jogo de
representação objetiva do mundo físico. As cores expressavam simbolismos ligados às
emoções e às formas de percepção carregadas de sentido social, pois tais atribuições
possibilitavam a localização e identificação de determinadas coisas e o reconhecimento
delas perante o mundo social284.
Já para Silvia Lara, no final do século XVIII, houve um processo de racialização em
que a condição social foi se subsumindo nas cores. A autora constatou tal fenômeno a
partir da investigação de como letrados e autoridades coloniais reputaram a presença de
libertos nas cidades. Para ela, esse processo de racialização relaciona-se justamente como a
presença destes libertos que queriam “viver sobre si”, assim:

(...) na segunda metade do século XVIII, as cores foram ganhando significados


cada vez mais classistas: eram escolhidas conforme a posição social ocupada por
quem chamava ou era chamado disso ou daquilo, eram usadas para restringir a
liberdade de alguns ou para diferenciar outros de escravos 285.

Como sugere Roberto Guedes, ainda que os livros de batismo (no seu caso, da
Freguesia da Sé, no Rio de Janeiro) estejam divididos entre brancos e forros de um lado e

283
MOREIRA, Vânia Maria Losada. A Conquista do trabalho indígena: Fé, razão e ciência no mundo
colonial. In: FORTES, Alexandre e outros. Cruzando fronteiras: Novos olhares sobre a história do trabalho.
São Paulo: Perseu Abramo, 2013( p. 133-165), p. 139-140.
284
HESPANHA, Antônio Manuel. As cores e a instituição da ordem no mundo do Antigo Regime. Phorensis:
Revista do Curso de Direito da FEAD, nº6, p. 09-24, jan-dez/2010. p. 2.
285
LARA, Silvia. No jogo das cores: liberdade e racialização das relações sociais na América portuguesa
setecentista. In: Xavier, Regina Célia Lima (Org). Escravidão e liberdade: temas, problemas e perspectivas
de análise. São Paulo: Alameda, 2012, p. 69-93.
96

pretos de outro, a realidade não era assim bipartida: relações pessoalizadas de dominação,
noções de casa e de família patriarcal, bandos políticos, parentelas, aspectos religiosos,
redes sociais, mestiçagens, etc., adicionaram parâmetros de hierarquia social na América
portuguesa de Antigo Regime para além de segmentações jurídicas escravistas manifestas
na qualidade de cor286.
Roxana Boixadós e Judith Farberman287, ao estudarem as categorias presentes nos
censos de Llanos, em Tucumán, uma área de fronteira em expansão, confeccionados nos
século XVIII, apontam que um dos critérios mais importantes para a classificação pelo
padre censista era o genealógico que, nesta localidade, possivelmente serviu como
elemento articulador dos demais critérios.
Logo, o que se percebe é que os classificativos manifestos nos registros eclesiásticos
são frutos de complexas interações entre fenótipo, religião, ascendência, língua falada pelo
sujeito, relações de trabalho, etc. Como coloca Eduardo Paiva:

As qualidades, portanto, diferenciavam, hierarquizavam e classificavam os


indivíduos e os grupos sociais a partir de um conjunto de aspectos (ascendência
familiar, proveniência, origem religiosa, traços fenotípicos, tais como cor da pele, o
tipo de cabelo e o formato do nariz e da boca), pelo menos quando isso era
possível. Quando não era possível essa conjunção, os elementos mais aparentes
e/ou convenientes eram acionados para que a identificação se efetuasse, o que
certamente variou de região para região, de época para época, em uma mesma
época e em uma mesma região288.

2.1.3. Os livros de batismo

Buscando compreender o significado e os usos dos classificativos sociais em área


de ocupação luso-brasílica “tardia” na colônia portuguesa na América, analisou-se o léxico
presente no 4º Livro de Batismos da freguesia de Nossa Senhora da Luz 289, em Curitiba, e
os existentes no 1º Livro de Batismos de Nossa Senhora da Conceição de Viamão 290,
buscando, através das categorias sociais em que os indígenas foram enquadrados,
compreender os lugares sociais ocupados por eles naquela localidade.

286
GUEDES. Livros paroquiais de batismo... Op. Cit., p.142.
287
BOIXADÓS, Roxana. e FARBERMAN, Judith. Una aproximación a la diversidad étnica y social en Los
Llanos. IN: FARBERMAN, Judith; RATTO, Silvia (coord). Historia mestizas em el Tucumán colonial y las
pampas, siglos XVII-XIX. Buenos Aires: Biblos, 2009.( p. 79-107) p. 108.
288
PAIVA. Dar nome ao novo...Op. Cit., p. 33.
289
ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
290
AHCMPA-1ºLB [1747 - 1759].
97

Antes de analisarmos os classificativos propriamente ditos, faz-se necessário


estabelecer algumas comparações entre os livros analisados. No 1º Livro de registro de
batismo de Viamão há um total de 559, e nestes registros estão contabilizados escravos e
livres. Na primeira página do livro o padre escreveu: “Livro, o 1º de Viamão de assentos de
Batismos de pessoas Livres e escravos. De escravos é de folhas 90 em diante.” 291 Na página
seguinte, após o registro de abertura do livro feito em Laguna em 1747, está escrito: “serve
para Brancos, e pretos, os pretos vão assentados as folhas noventa”. E, em seguida, ainda
na mesma página, reforça-se mais uma vez a separação: “os pretos vão assentados a f.90.”
Vê-se já na abertura do livro a complexidade dos classificativos sociais e a forte
hierarquização presente na sociedade. Mesmo assentados no mesmo livro, por falta de
outro, por três vezes o pároco marca a distinção entre os registrados ali. Se inicialmente
esta distinção é por condição, de livre ou escravo, passa em seguida para a de “cor”:
brancos versus pretos. Como os indígenas se encaixaram nesta divisão?
Segundo os dados de Blanco, das 64 crianças indígenas, que não era administradas,
batizadas entre 1747-1759 apenas 11 foram registradas na primeira parte do livro, ou seja,
entre os brancos, as outras 53 constam junto aos batismos de escravos. Entre os 17 filhos de
administradas, 11 foram registrados junto aos escravos 292.
O 4º Livro de registros de batismos de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba, era destinado ao “assento dos servos”, nele está registrado um total de 1271
assentos de batismos293. Os títulos internos deste volume, aqueles que separavam um ano
do outro, apontam claramente que o mesmo livro destinado aos escravos e seus
descendentes também era onde os indígenas deveriam ser assentados. Assim, temos “Titulo
dos Batizados pretos, e carijós do ano de 1744”; “Titulo dos batizados dos pretos e Servos
do ano de 1748”; “Titulo dos batizados dos escravos, e administrados do ano de 1752”.

291
AHCMPA- 1º LB. Termo de abertura, p.01-03.
292
BLANCO, Márcio Munhoz. Pelas veredas da senzala: família escrava e sociabilidades no mundo agrário
(Campos de Viamão, c.1740-c.1760). Porto Alegre: UFRGS, 2012. (Dissertação de mestrado).
293
ANSLPC- 4º LB. Termo de abertura. Tanto em Curitiba quanto em Viamão, considerei o registro de
gêmeos como dois registros diferentes, procurando facilita a contagem posterior de madrinhas e padrinhos.
Tal procedimento não altera tão fortemente os números dos registros por se tratarem de apenas de um casal de
gêmeos indígenas em Viamão e 12 duplas no total em Curitiba.
98

Para este mesmo período existem livros destinados aos “batizados de brancos” 294 ou aos
“batizados de gente branca” 295.
Outra distinção importante destes livros é que no caso da Paróquia de Nossa
Senhora da Conceição de Viamão o tipo de informação existente nos registros é muito
menos padronizada do que da Paróquia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba. Na primeira
houve vários casos em que classificativos foram usados para designar o batizando, por
vezes foi possível encontrar registrados os nomes dos avós paternos e maternos e também a
procedência dos pais. Por outro lado, como demonstra o segundo exemplo abaixo, em
alguns registros não houve madrinha no batismo e nada a respeito foi anotado. Em outros
batismos o padre escreveu informações bastante inusuais para esse tipo de documentação;
por exemplo:

“[...] batizei e pus os santos óleos a Mônica e a Inácio filhos legítimos de Silvestre
que mataram os índios nesta Campanha junto ao Rio de Guahiba e de Maria Rosa
todos índios da aldeia de São Borja [...]296”

“[...] batizei e pus os santos óleos a Maria Madalena filha legítima de Inácio José
de Mendonça e de Margarida da Exaltação, pardos forros, ele natural da vila de
Santo do bispado de São Paulo, filho natural do Padre José de Mendonça e de uma
escrava sua; ela filha natural de Manoel de Barros Pereira, menino diabo por
alcunha. Padrinho por procuração o Governador do Rio Grande Pascoal de
Azambuja e para constar [...]297”

Notadamente, essas informações são mais completas quanto mais alta posição os
indivíduos ocupam na hierarquia social; logo, os escravos e administrados costumam ter
menos informações em seus registros.
No caso curitibano as informações batismais são bastante padronizadas.
Possivelmente, isso se deve às recomendações feitas na visita, de 1723, do Padre José
Rodrigues França (por sinal um grande escravista da região) que deixou anotada a fórmula
que os batismos deveriam seguir 298. Contribui para essa uniformidade o fato de maioria dos

294
ANSLPC- Termo de abertura do 3º LB. [1734- 1754].
295
ANSLPC- Termo de abertura do 5º LB. [1755- 1772].
296
AHCMPA [PRFP] – Registro de batismo de Mônica e Inácio, 1º LB, fl. 136v.; 26/10/1753.
297
AHCMPA – Registro de batismo de Maria Madalena, 1ºLB, fl. 126v.; 10/09/1756;
298
CARNEIRO, Marina Braga; CHAGAS, Paula Roberta; NADALIN, Sergio Odilon. Nascer e garantir-se no
Reino de Deus; Curitiba, séculos XVIII e XIX. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, v. 27, n. 2, p.
361-384, 2010.p. 362.
99

registros (89,37%) terem sido feitos pelo Vigário Manoel Domingues Leitão 299 e, mesmo
aqueles que não foram feitos por ele, seguiram mais ou menos o seu padrão. Foi também o
Vigário Leitão que realizou quase todos os batismos da Igreja Matriz. Entretanto, no 4º
livro de batismos estão registradas também as cerimônias realizadas na Capela de Nossa
Senhora da Conceição do Tamanduá, na Capela do Capão Alto dos Religiosos de Nossa
Senhora do Carmo e na Capela de Santa Bárbara do Pitangui, nas quais variou
significativamente os eclesiásticos que puseram os santos óleos 300. Já no caso dos Campos
de Viamão, ainda que o Vigário José Carlos da Silva tenha aparentemente feito a maioria
dos assentos ao longo do livro, outros sacerdotes frequentemente lançaram os batismos 301.
Para os registros curitibanos foi elaborado um banco de dados, no Excel, com todos
os 1271 registros do “livro de servos”, no qual foram inseridas todas as informação de cada
um dos registros, fossem referentes aos livres, escravos ou administrados. Esse banco foi
elaborado em parte através das imagens do livro disponibilizadas no site
familysearch.org302 e em parte através da transcrição gentilmente disponibilizada pelo
CEDOP/UFPR303. Já para o 1º Livro de batismos de Viamão o procedimento foi outro.
Montei um banco de dados apenas com os registros referentes aos indígenas, que foram
procurados na transcrição feita pelo Projeto Resgate das Fontes Paroquiais 304. Isso porque
comparativamente os indígenas ali estavam em muito menor quantidade e inicialmente
acreditei que poderia usar dados quantitativos já disponíveis na historiografia, observando

299
O Padre Manoel Domingos Leitão viveu entre 1692 e 1782, sendo vigário da vila de Curitiba por nada
menos que cinquenta anos, de 1731 a 1782. Enquanto esteve em Curitiba envolveu-se intensamente em
transações econômicas, sendo um dos maiores usurários da vila, o que o levou a ser investigado. Ver:
BORGES, Joacir Navarro. O processo de endividamento em Curitiba no século XVIII. Temas Setecentistas.
Governos e Populações no Império português. Curitiba: UFPR/SCHLA/Fundação Araucária, 2008. p. 565-
566.
300
ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
301
Pude identificar registros feitos pelos padre Tomás Clarque e Mateus Pereira; e, em menor medida, do
Padre Bernardo Godói, Padre Antônio Sampaio e Padre Manoel Luís Vergueiro. AHCMPA [PRFP] – 1ºLB.
302
Este site contém milhares de imagens de livros paroquiais do mundo todo em diferentes épocas, feitas a
partir de microfilmes. Tal iniciativa da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias visa disponibilizar um acesso
facilitado às buscas genealógicas.
303
Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, Departamento de História da
Universidade Federal do Paraná (CEDOP/UFPR)
304
O Projeto Resgate das Fontes Paroquiais foi organizado pelos Prof. Eduardo Neumann e Fábio Kühn , que
junto a uma equipe realizaram a transcrição de nove livros paroquiais do século XVIII e disponibilizaram em
formato digital disponíveis em CD-ROM. Em alguns casos utilizei também as imagens do familysearch.org
para conferir as transcrições.
100

apenas os casos específicos. No entanto, como os critérios para a configuração destes dados
não eram precisos optei por refazê-los305.
Assim, metodologicamente aplicaram-se duas formas bastante distintas de análise.
Os registros paranaenses são utilizados dentro de sua totalidade e tendem ser exposto de
forma mais quantitativa. Os de Viamão são vistos de forma mais individualizada, mas em
alguns momentos também uso agregações para descrevê-los.
Tomei também o procedimento metodológico de dividir entre homens e mulheres
(no caso pais e mães) as análises dos livros em Curitiba, em parte porque a fonte estrutura-
se na família monogâmica cristã, mas principalmente porque esta metodologia permitiu a
visualização da importância da mão de obra das mulheres indígenas para a formação das
sociedades coloniais e romper com uma dupla invisibilidade: do trabalho indígena e
feminino no Brasil colonial. Analisar as mães separadamente também oportuniza uma visão
mais completa dos dados, devido ao grande número de pais incógnitos e que, por isso, não
temos nenhuma informação. Assim, em alguns momentos das análises que seguem estão
excluídos os pais incógnitos; eles são 388, logo, trabalhou-se com 882 registros em total.
Outras fontes foram utilizadas de forma suplementar. Especialmente os Róis de
Confessados de Viamão de 1751, 1756, 1757 e 1758306. Esta documentação foi pesquisada

305
Pretendia utilizar os dados de Elisa Garcia, porém a autora indica que os indígenas no 1º Livro de batismos
de Viamão são 17% do total, contabilizando batizandos, pais, padrinhos e avós, mas me parece difícil
compreender esta porcentagem já que ela não aponta o procedimento que utilizou para chegar ao 100% dos
indivíduos dos registros. Caso tenha contado um por um dos indivíduos que aparecem nos registros, a autora
não apresenta o total a que chegou. Da mesma forma seus dados são imprecisos no que considera “indígenas”.
Ver: GARCIA, Elisa Frühauf. A integração das populações indígenas nos povoados coloniais no Rio Grande
de São Pedro: Legislação, etnicidade e trabalho. UFF, Niterói: 2003. (Dissertação de mestrado). p. 66-69.
306
AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão 1751, 1756, 1757 e 1758 . Os róis utilizados são os hoje
conhecidos para a década. O rol do ano de 1760 é bastante distinto dos anteriores e por isso não foi utilizado;
tem uma disposição dos nomes diferente dos demais, não sendo uma lista separada por fogos e sim uma
relação com um nome abaixo do outro, sem separação; supõe-se que sua abrangência geográfica seja mais
limitada que toda a extensão dos Campos de Viamão. O rol do ano de 1762 foi analisado e não foram
encontrados indígenas, nem as famílias onde estavam inseridos e por isso também não consta nas análises. As
relações subsequentes são da década de 1770, sendo a primeira de 1776 e devido a grande lacuna não foram
utilizadas. As datas da documentação são aproximadas. Apenas o rol de 1756 possui a data anotada pelo
padre, o restante foi suposto por Vanessa Campos, arquivista e historiadora da Cúria Metropolitana de Porto
Alegre, que encontrou os Róis e desenvolveu uma longa análise da documentação, realizando as datações aqui
adotadas.
101

primeiramente por Fábio Kühn307, e meu trabalho de conclusão de curso analisou, a partir
desta fonte, questões referentes aos lugares sociais ocupados pelos indígenas 308.
Os Róis são listas nominativas, confeccionadas na época da quaresma, quando o
padre percorrria as distintas famílias da paróquia tomando as confissões. Ao anotar o nome
dos confessados, descreveu os presentes em cada unidade familiar (chamadas “fogo”).
Nessa fonte, foi possível detectar a presença de indígenas convivendo com escravos de
origem africana e com luso-brasileiros. Estes ameríndios apareceram aí, na maior parte das
ocorrências, ou com a denominação de administrados ou simplesmente de índios.
Nos Campos de Viamão, o Padre José Carlos da Silva 309 registrou no topo de cada
fogo: o chefe, em seguida sua esposa e filhos, posteriormente, quando havia, algum parente
menos próximo, como um sobrinho ou uma sogra. Um pouco separado da família nuclear
era escrita a palavra escravos e estes eram listados abaixo 310. Nos casos de domicílios com
poucos cativos, vinham diferenciados da família pela palavra escravo ou escrava ao lado de
seu nome.
O fogo de Ana da Guerra é o único em que a categoria administrados aparece da
mesma forma como apareceu escravos em outros domicílios, um pouco afastada da família
nuclear. Isso possivelmente se deveu ao fato de, nos anos iniciais, esta senhora ter possuído
cerca de 13 administrados e nenhum escravo de origem africana. Os demais administrados
e índios presentes nestes registros são denominações que aparecem ao lado dos nomes
destes indivíduos.

307
KÜHN, Fábio. Gente da Fronteira: Família, Sociedade e Poder no Sul da América Portuguesa- Século
XVIII. UFF, Niterói: 2006. (Tese de doutorado)
308
DIEHL, Isadora. “Administrando almas”: uma análise da escravidão indígena através das unidades
familiares, Campos de Viamão (1750-1760). UFRGS, 2012. (Trabalho de conclusão de curso).
309
Possivelmente os Róis foram escritos pelo Padre Tomás Clarque, que era escrivão da vara eclesiástica, mas
é provável é que este copiassem um borrador feito pelo próprio padre José Carlos, titular da paróquia entre
1750 e 1763. Em alguns momentos o padre José Carlos escreve pequenos complementos nos róis, como a
palavra “escravo” ou “administrado” ao lado de algum nome, ou ao final o número total de fregueses, o que
nos reforça a ideia de ter sido ele o confessor.
310
O fogo de Ana da Guerra é o único em que a categoria “administrados” aparece da mesma forma como
aparecia “escravos”, um pouco afastada da família nuclear. Isso possivelmente se deveu ao fato de, nos anos
iniciais, esta senhora ter possuído cerca de 13 administrados e nenhum escravo de origem africana. Os demais
administrados e “índios” presentes nestes registros são denominações que aparecem ao lado dos nomes destes
indivíduos.
102

Caso houvesse, abaixo dos escravos e separados destes por um espaço, vinham os
agregados311. Tal configuração nos permite reconstituir os fogos da freguesia e
compreender os lugares sociais ocupados pelos indígenas em cada um destes domicílios,
auxiliando, desta forma, a análise dos registros batismais. A respeito dos Róis de
Confessados e da capacidade de apreender deles hierarquias sociais, Sirtori afirma:

O estudo populacional a partir de róis de confessados é possível, desde que


estejamos atentos às limitações desta fonte, afinal só temos acesso às informações
sobre a existência ou não de hierarquias sociais e econômicas no interior da
população estudada de maneira indireta, uma vez que a documentação paroquial
em geral (registros batismais, matrimoniais e de óbito, além dos recenseamentos
eclesiásticos) tem por objetivo a segurança do cumprimento das obrigações
católicas pelos fregueses e não a distinção social. Com isso não negamos a
possibilidade de, em atos religiosos, se assegurar a distinção social e econômica
(seja através de relações de compadrio, seja através de rituais suntuosos).
Entretanto, destacamos que a hierarquia estabelecida na sociedade em questão
não está colocada nesta documentação objetivamente: podemos inferi-la (...) mas
não podemos esperar que essas informações estejam diretamente colocadas na
fonte312.

Outros documentos de origem eclesiástica foram utilizados como suporte de


pesquisa; a partir das informações gerais encontradas nos registros de batismo do banco,
busquei neles dados adicionais, por exemplo: informações sobre o senhor, origem dos pais,
ano da morte, etc, sem que isto significasse um trabalho mais intensivo com todo o
conjunto documental. Desta forma foram utilizados o 2º Livro de Batismo de Viamão
(1759-1769); o 1º Livro de Registro de Casamento de Viamão (1747-1785); o 1º Livro de
Óbito de Viamão (1748-1777). Todos eles já esão transcritos através do Projeto Resgate das
Fontes Paroquiais313. Da paróquia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba foram usados
seguintes livros de batismo, transcritos pelo CEDOP/UFRPR314: 3º Livro de “Batizado de
brancos” (1734-1754); 5º Livro de “Batizado de gente branca” (1755-1772); e o 6º Livro de
“Assento de batizados de escravos e bastardos” (1762- 1765).

311
Nos Róis da década de 1750 existem pouquíssimos agregados, descritos desta forma. Alguns indivíduos
foram considerados agregados por estarem um pouco separados dos escravos e possuírem sobrenomes.
312
SIRTORI, Bruna. Uma fonte inexplorada. Os róis de confessados possibilidades e limites documentais. ‘XII
Encontro Regional de História ANPUH-RJ. Rio de Janeiro: 2006.p.05.
313
Arquivo da Cúria Metropolitana de Porto Alegre- Projeto Resgate.
314
Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, Departamento de História da
Universidade Federal do Paraná.
103

2.2. A força de trabalho indígena

Os indígenas, especialmente as mulheres, foram de suma importância no início do


povoamento luso-brasílico nas duas freguesias em estudo. Em Curitiba a presença dos
ameríndios foi mais marcante, na condição de administrados e em outras. Estes dados, por
sua abundância, através da comparação com os dos Campos de Viamão, nos permitem
esclarecer alguns aspectos sobre os lugares sociais ocupados pelos indígenas no sul do
Brasil no século XVIII. Assim, através de aproximações e distanciamento dos usos do
léxico que classificou estas pessoas é possível observar este passado com mais clareza, e
destacar a presença dos indígenas na constituição dos povoados coloniais.
Em 1721 o Ouvidor Rafael Pires Pardinho relatou em carta ao Rei que existiam 200
casais e mais de 1400 “pessoas de confissão” nas duas freguesias da vila de Curitiba315.
Anos depois, em 1772, a população total estimada para a vila era de 1939, entre homens,
mulheres e escravos316. Meu levantamento apontou para uma importante presença indígena
nestes anos iniciais desta localidade.
No 4º Livro de Batismos da freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba estimo que os indígenas sejam 21% do total de indivíduos [Tabela 2]. Para chegar
a esta porcentagem somei todos aqueles classificativos que, ao longo da pesquisa, não
deixaram dúvidas de serem empregados para classificar indígenas. Assim, somei todas as
ocorrências de administrados, os que foram administrados e aqueles livres e forros
bastardos ou carijós e dividi pelo número total de pessoas encontradas em cada assento,
que era em média quatro por registro (mãe, pai, padrinho e madrinha 317).318
Tal porcentagem é, certamente, uma representação mínima. Os padrinhos e
madrinhas desta freguesia, por exemplo, não receberam qualquer designativo para além da

315
Uma das freguesias é a São José e do Senhor Bom Jesus do Perdão a outra é a que se estuda nesta
dissertação, a de Nossa Senhora da Luz de Curitiba.
316
BURMESTER, Ana Maria de O. A População de Curitiba no século XVIII – 1751-1800, segundo os
registros paroquiais. Curitiba: UFPR, 1974. (Dissertação de mestrado), p. 12.
317
Não foram contabilizados os batizandos porque nesta freguesia eles não receberam nenhum classificativo
que permitisse identificar se eram indígenas ou não.
318
Este procedimento foi necessário para ter uma estimativa aproximada da quantidade de indígenas na
freguesia, já que não era possível individualizar cada um dos 1751 registros e depreender se se tratava das
mesmas pessoas em mais de um assento.
104

condição, o que, portanto, nos permite contabilizar apenas os administrados/as e não os


livres de origem indígena. Também, como veremos neste capítulo, com estes classificativos
citados temos incontestavelmente indígenas ou seus descendentes, mas em outras
categorias também é possível encontrá-los.
Tabela 2. Total de ocorrências de classificativos indígenas na Freguesia de Nossa Senhora
da Luz Dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mães
Mães administradas 311
Mães livres e forras com classificativos indígenas 258
Mães condição incerta com classificativos indígenas 26
Total de mães indígenas 595
Total de mães nos registros de batismo 1257

Pais
Pais administrados 115
Pais livres e forros com classificativos indígenas 236
Pais condição incerta com classificativos indígenas 10
Total de pais indígenas 361
Total de pais nos registros de batismo 882

Madrinhas
Administradas= total de madrinhas indígenas 93
Total de madrinhas nos registros de batismo 1249

Padrinhos
Administrados= total de padrinhos indígenas 44
Total de padrinhos nos registros de batismo 1257

Totais
Total de mães indígenas 595
Total de pais indígenas 361
Total de madrinhas indígenas 93
Total de padrinhos indígenas 44
Total de ocorrências de indígenas 1093
Total de registros 1271

Média de indígenas por posição 273,25


Porcentagem de indígenas no total de registros 21, 47%
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
105

Se tomarmos apenas as mães desta freguesia, que foram descritas em suas condições
acrescidas de classificativos, teremos 595 ocorrências de mães indígenas, representando
47,3% do total de registros [Tabela 2]. Um percentual certamente mais próximo da real
representatividade indígena nesta região.
Pelos Róis de Confessados podemos observar que a população total dos Campos de
Viamão era de mais de 700 almas no ano de 1751, divididas em 132 fogos319. No ano de
1756 o padre José Carlos declarou:

Consta este rol de 187 fogos, assim casados como solteiros em que não [?] entram
escravos casados que são moradores deste continente de Viamão e por pessoas
assim pais de famílias como filhos e escravos e viandantes 1116 pessoas [CC] e só
9 não comungaram por serem menores (...)320”.

Fonte: AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão 1751, 1756, 1757 e 1758.

Nestas listas nominativas também podemos observar uma sub-representação dos


indígenas, mas desta vez ainda mais acentuada. Nos Róis, a média de indígenas ao longo da
década de 1750 foi de 3,2% (variando entre 28 e 20 indivíduos) do total da população,
enquanto os escravos eram em média 41% e o restante era composto por “brancos”. Se
compararmos com o percentual de mães indígenas do 1º livro de batismos da freguesia,

319
AHCMPA- Rol de Confessados de Viamão 1751.
320
AHCMPA- Rol de Confessados de Viamão 1756. [Transcrição de Vanessa Campos].
106

veremos que elas são 86, figurando 15% do total de mães. Logo, nos batismos temos uma
média bastante superior à apresentada nos Róis321.
Devemos recordar que os Campos de Viamão abrangiam uma enorme região, e,
portanto, estamos tratando de uma área menos densamente povoada por luso-brasílicos que
Curitiba, já que só na freguesia de Nossa Senhora da Luz cuja extensão era muito menor,
temos um número superior de fregueses.
A Tabela 3 aponta as formas de exploração de trabalho na Curitiba colonial. Pode-
se observar que os escravos (44,6%) e escravas (42,5%) constituíam boa parte da mão de
obra da localidade. A pouca diferença entre a porcentagem de escravos de origem africana
homens (pais) e mulheres (mães) é um indicativo da presença menos significativa do tráfico
atlântico de escravos; podendo indicar a reprodução endógena destes cativos, que resulta
em maior equilíbrio sexual da população.
Outro indicativo da reprodução endógena dos escravos é que dos 1271 batismos
apenas seis (0,39%) referem-se a adultos, sendo cinco deles escravos africanos. No batismo
de Ângela consta que ela é de nação escrava322, no de Miguel que é angolano323 e no
Felipe que é mina324, nos outros dois somente que são escravos. O outro adulto que
aparecem é Manoel da nação dos Paracizes, grupo indígena bastante escravizado na
capitania de São Paulo 325. Nos batismos de Viamão a única adulta batizada é Mônica, de
nação caiapó, outro grupo comumente escravizado durante o período colonial326.
Estes dados de Curitiba reforçam a hipótese da pouca vinculação da região com o
tráfico transatlântico e da necessidade de recorrer-se à mão de obra nativa para execução
dos trabalhos domésticos, de lavoura e criação.
Podemos observar [Tabela 3] que os indígenas administrados constituem uma parte
importante da força de trabalho em Curitiba. Ali, 424 indivíduos viveram sob esta

321
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Para calcular tal porcentagem supus que todos os 559 registros de batismo da
freguesia possuíam mãe declarada. Portanto, dividi o número de incidência de mães indígenas (86) pelo
número total de registros.
322
ANSLPC- 4ºLB. Registro de batismo de Ângela, p.24, 08/11/1740.
323
ANSLPC- 4ºLB. Registro de batismo de Miguel, p.112v, 24/02/1755.
324
ANSLPC- 4ºLB. Registro de batismo de Felipe, p.121, 07/03/1756.
325
O grupo dos Parecizes sofreu tão intenso processo de escravização que no ano de 1733 o Governador de
São Paulo ao se comunicar com o Rei afirma que retirou-os dos moradores e entregou-os aos Padres da
Companhia de Jesus. Documentos Interessantes para a história de São Paulo- Volume 24 Cartas Régias e
Provisões (1730-1736). p. 186-187. Disponível em: http://bibdig.biblioteca.unesp.br
326
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Mônica, p.6v, 09/02/1748. Sobre os caiapó ver mais
adiante no texto.
107

condição. Chama a atenção que o número de mulheres administradas (24,5%) era quase o
dobro do de homens (12,7%). Nos Campos de Viamão tivemos um cenário bastante
parecido. No universo de 89 batismos em que a mãe, o pai ou o batizando eram indígenas,
foi possível encontrar 16 mães administradas e apenas 01 pai nesta condição 327.
Tal distribuição desigual da categoria administrado pode ser atribuída a uma
concepção de dupla tutela sobre as mulheres indígenas. Entendidas como incapazes de se
“auto administrar” tanto por sua condição de indígena quanto pela de mulher. O que vemos
registrada é a pretensão de domínio sobre elas; mas as mulheres do período colonial não
foram tão submissas quanto se pretendeu. As subversões cometidas pelas livres e pobres
também estavam abertas às indígenas em suas variadas condições:
O ideal da mulher enclausurada, casando virgem, responsável pela casa e pelo bem-
estar da família, subjugada pelo marido, era a situação sonhada por todos que
teriam algo a perder socialmente caso não fossem alcançados tais objetivos. Nada
mais ilusório. A população pobre agia, reagia e possuía regras de conduta próprias.
Processos de rapto, divórcio, filhos adulterinos e crianças expostas denotavam
práticas frequentemente encontradas, demonstrando que as regras podiam existir,
mas mecanismos de rebeldia e tensão estavam sempre presentes328.

Tabela 3. Condição das mães e pais na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba, 1737-1764.
Mãe Pai
Condição % Nº % Nº
Livre 22,7 288 32,0 285
Escravo (a) 42,5 540 44,6 397
Administrado (a) 24,5 311 12,7 113
Forro(a) 4,4 56 7,4 66
“Indefinido (a)” 6,0 76 3,4 30
Total 100% 1271 100% 891
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Estes dados evidenciam, claramente, que as mulheres indígenas constituíram


importante mão de obra no período colonial. Contudo, as relações de trabalho destas
mulheres foram pouco estudadas. Normalmente, as nativas foram vistas exclusivamente

327
Entre os batizandos de Nossa Senhora da Conceição de Viamão os administrados são um do sexo feminino
e outro masculino.
328
FARIA. A colônia em movimento... Op. Cit., p.48.
108

como veículo da mestiçagem biológica. Logo, sua participação nas dinâmicas coloniais fica
exclusivamente atrelada à questão sexual329 ou à formação de alianças através de
casamentos, esquecendo-se da sua importância enquanto trabalhadoras. Como aponta
Suelen Siqueira Julio, faz-se necessária uma abordagem histórica das mulheres indígenas
para evitar seu “confinamento num passado remoto de nossa história, no qual teriam sido
objetos sexuais, seja por sua sexualidade exacerbada ou por estarem sujeitas a abusos por
parte dos europeus”330. Tal omissão é fruto de concepções pré-estabelecidas, neste caso,
que hierarquizam implicitamente os relatos históricos, dando centralidade ao homem
branco331.
Portanto, a visão de que essas indígenas deveriam ser tuteladas serviu como
pretexto, ainda mais que para os homens, para utilização desta importante força de trabalho
sem remuneração. A análise do inventário de Leonor Alves traz a seguinte informação:
Foi visto e avaliado um negro do gentio da terra por nome Julio e a mulher
[Messia] ambos velhos em 50 mil réis.
(...) uma negra do gentio da terra por nome Andresa em 110 mil réis.
(...) uma negra do gentio da terra por nome Thomazia em 100 mil réis.
(...) uma negra do gentio da terra por nome Vitoria em 110 mil réis.
(...) um rapaz do gentio da terra por nome Patricio em 10 mil réis.
(...) uma negra do gentio da terra por nome Filisia em 130 mil réis.
(...) um rapaz do gentio da terra por nome Braz por 80 mil réis.
(...) um rapaz do gentio da terra por nome Roque em 40 mil reis332.

Nota-se que as mulheres atingiram um valor superior ao dos homens na avaliação


do inventário. Como bem aponta Portela é provável que isso se devesse à valorização das
mulheres no trabalho do campo. Responsáveis pela lavoura, desde a organização pré-
colonial, as indígenas de vários grupos eram tradicionalmente consideradas mais aptas ao
trabalho agrícola:
329
No Pensamento Mestiço, de Serge Gruzinski: “As índias eram presas fáceis dos invasores, que mantiveram
com essas mulheres relações quase sempre violentas e efêmeras, sem se preocupar com as jovens criaturas
que deixavam atrás de si” GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras,
2001, p. 78.
330
JULIO, Suelen Siqueira. Mulheres indígenas na América Latina Colonial. In: XXVIII Simpósio Nacional de
História- lugares dos historiadores: velhos e novos desafios. Florianópolis, 2015. (Anais eletrônicos), p. 1.
331
Como aponta Joan Scott a respeito da história das mulheres: “A solicitação supostamente modesta de que a
história seja suplementada com informações sobre as mulheres sugere, não apenas que a história como está é
incompleta, mas também que o domínio que os historiadores têm do passado é necessariamente parcial”
SCOTT, Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da História: novas perspectivas.
São Paulo: Unesp, 1992. p.79.
332
Arquivo Estadual do Paraná. DEAP BR PRAPPR PB045 PC06.1. Auto de inventário dos bens que ficaram
por morte de Leonor Gonçalves. Curitiba, 1714. Apud PORTELA, B., Op. Cit, Gentio da terra, gentio de
Guiné... p. 73.
109

A explicação para os preços mais altos atribuídos às mulheres pode estar no fato de
que elas é que desempenhavam as atividades da lavoura. Tradicionalmente, na
sociedade indígena guarani, a mulher cuidava da agricultura e o homem da caça e
os paulistas, pelo menos até certo ponto, se utilizaram dessa mesma divisão do
trabalho em suas lavouras.333

Como apontado no Capítulo 1 desta dissertação334, aos homens indígenas estiveram


abertas maiores possibilidades de engajar-se socialmente, através do conjunto de relações
que podem ser resumidas como “clientelares”. Assim, me parece possível explicar esta
diferença sexual do emprego da categoria social de administrado/a a partir da ideia de que
os homens tinham maior facilidade de alcançar uma autonomia relativa, seja através do
engajamento em conflitos bélicos, seja através da migração; enquanto que para as mulheres
existiam menos alternativas para fugir do sistema de administração particular.

2.2.1. Índios, tapes e gentio da terra

Ainda que o uso do termo índio/ indígena tenha se disseminado nas colônias ibero-
americanas já no século XVI335 seu emprego na freguesia curitibana parece ter sido pouco
comum. O vocabulário era também bastante incomum para designar os indígenas na São
Paulo do século XVII, como aponta Monteiro:

O próprio termo índio- redefinido no decorrer do século- figura como testemunho


deste processo: na documentação da época o termo referia-se tão-somente aos
integrantes dos aldeamentos da região, reservando-se para a vasta maioria da
população indígena a sugestiva denominação “negros da terra”336.

No 4ª Livro de Curitiba os termos índio/índia aparecem para designar apenas 03


mães e 05 pais, sendo um deles índio que foi administrado. Somente sobre Catarina de
Oliveira temos maiores informações, consta que é da “Aldeia de Barueri, distrito de São
Paulo”337.
No caso da freguesia de Viamão esse adjetivo é muito mais frequente. Das 85 mães
indígenas, 28 (32,94%) recebem este designativo. A maioria destas índias parece ser livre,
já que não constam senhores. Apenas uma aparece como índia administrada e outra
contraditoriamente como “administrada do mesmo [senhor], forra”. Entre os pais indígenas

333
Idem.
334
Ver nessa dissertação: 1.3. Escravidão e clientelismo...
335
PAIVA. Dar nome ao novo... Op. Cit., p. 177.
336
MONTEIRO. Negros da terra... Op. Cit., p.155 (Grifo meu).
337
ANSLPC- 4ºLB . Registro de batismo de Gertrudes, p.148, 24/02/1760.
110

da freguesia 15 são denominados índio. A maioria destes casais provém de aldeamentos.


Predominam aqueles vindos das missões jesuíticas espanholas, especialmente da Aldeia de
São Borges, outros vinham das Missões de Buenos Aires, Santa Fé ou Santo Ângelo. Temos
ainda o caso de Raimundo Fernandes e sua esposa Natária que vieram da “Aldeia de Cotia
junto a cidade de São Paulo”338; e ainda um casal oriundo de aldeamento não jesuítico,
Micaela e Adriam, que vieram da “Aldeia Nova que se acha na guarda do Viamão”, para
batizar seu filho 339. Devido a grafia espanholada destes nomes, é possível que sejam
migrantes das reduções espanholas. Também entre os batizandos há 20 designados
índios/índia, dois deles “da Aldeia da Patrulha”340 e outros 03 das missões; alguns
certamente já eram adultos, apesar de não aparecerem desta forma designados. De todos os
progenitores e batizandos nomeados índios, apenas em dois casos (dos que consta a
proveniência) eram de outras localidades que não os aldeamentos, sendo uma mãe da Ilha
de Santa Catarina e outra de Laguna.
Essa predominância do uso da categoria índio para os aldeados (e ex-aldeados) nas
duas freguesias em estudo parece corroborar a afirmação de John Monteiro sobre o uso
deste classificativo. Pode-se acrescentar a isso a ideia de que esse era uma forma de marcar
a liberdade destes indivíduos, já que eram tutelados pelos padres não deviam estar sujeitos
à servidão.
Outros indígenas na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Viamão eram
aqueles designados Tapes. O nome faz alusão às antigas missões do Tape, que ficavam no
atual Rio Grande do Sul e foram destruídas pelos bandeirantes ainda no século XVII 341.
Ainda que elas tenham desaparecido quase um século antes destes registros batismais, o
designativo aparentemente continuou sendo usado para designar aqueles índios
missioneiros provenientes da margem oriental do rio Uruguai.
Eduardo Neumann demonstrou que a construção da identidade “tape” entre os
guaranis da margem oriental deu-se em oposição à presença portuguesa na área. Pelo maior
contato que aquele território proporcionou entre estas duas populações, os guaranis

338
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Ângelo, p. 97v.; 29/08/175.
339
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Miguel, p.131; 10/01/1758.
340
A Aldeia da Patrulha ficava no atual município de Santo Antônio da Patrulha, onde havia um registro de
gado. Outros designativos da localidade são: Aldeia Nova, Santo Antônio da Guarda Velha, registro de
Vaimão. LANGER, Protasio Paulo. Os Guarani-Missioneiros e o colonialismo luso no Brasil meridional.
Porto Alegre: Martins Livreiro, 2005, p. 123.
341
Ver nessa dissertação: 1.1. Bandeirantismo e cativeiro indígena no sul do Brasil.
111

construíram os lusitanos como inimigos históricos, a partir de episódios que remontam às


invasões bandeirantes às Missões do Tape, passando pelas batalhas travadas em disputa
pela Colônia do Sacramento e culminando nos conflitos das demarcações do Tratado de
Madri. Resumidamente:

Pelo fato de conviverem seguidamente com as pretensões portuguesas no rio da


Prata seguidamente surgiam oportunidades que facultavam principalmente aos
guarani orientais reelaborarem o seu entendimento quanto ao opositor «lusitano»
momento em que igualmente reafirmavam a própria identidade regional atribuída
(tape)342.

Eram tapes 05 das mães, 06 dos pais e 02 batizandos de Viamão. Em quatro


registros temos a indicação de que eram mesmo missioneiros. No batismo de Isabel ela
própria é designada “índia tape dos que vieram das Missões” 343; no de Lourenço tanto ele
quanto seus pais são ditos “índios das Missões de São Miguel” 344; no batismo de Manoel,
“índio das Missões”, os pais são designados “tapes das aldeias”345. Ainda o pai de Pedro,
Inácio, citado adiante, é das “missões de São Borges” 346.
Também estes missioneiros tape parecem ser entendidos à época como livres,
entretanto essa liberdade não parece tão “natural” como aquela atribuída aos designados
índios. Os casos da “índia tape forra” Isabel347 e do “índio tape de nação livre” Inácio348
parecem reforçar a ideia de que a liberdade deles não era autoevidente através do
classificativo e que precisava ser reforçada na explicitação de sua condição, talvez
sugerindo que a regra era outra, a de não livres.
Outros dois classificativos usados para descrever mães complexificam o significado
do termo tape. Madalena e Francisca são designadas “carijó de nação tape”. Carijó, como
se discutirá adiante, tinha menos relação com um designativo étnico do que com a
associação com a escravidão. Logo o que temos aqui é junção de dois designativos
“étnicos”, mas que na verdade informariam sobre a região de proveniência e condição; no
entanto estas duas mulheres tape carijó não eram administradas. Bruna Portela, ao trabalhar

342
NEUMANN, Eduardo. Fronteira e identidade: confrontos luso-guarani na Banda Oriental 1680-1757.
Revista Complutense de Historia de América, n. 26, p. 73-92, 2000, p 92.
343
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Isabel, p.114; 19/04/1754.
344
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Lourenço, p.137v.; 30/10/1753.
345
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Manoel, p. 130v.; 13/11/1757.
346
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Pedro, p. 118v.; 18/05/1755.
347
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Clemente, p. 8; 28/05/1748.
348
AHCMPA [PRFP]- 1ºLB. Registro de batismo de Pedro, p. 118v.; 18/05/1755.
112

com os processos judiciais curitibanos também encontra classificação semelhante à de


carijó tape. A expressão foi usada para caracterizar um peão de tropas que possivelmente
tinha vindo do Rio Grande de São Pedro349.
É curioso encontrar também em Curitiba o designativo tape e de nação tape.
Andreza e José são designados tapes no batismo de seu filho José 350. No batismo de
Francisco351 e de Lucrécia352 a mãe é Maria de nação tapes; no primeiro consta que ela
“está em casa de Salvador de Candia” e no outro “que assiste em casa de José Dias Cortes”.
Em ambos os casos o pai é desconhecido. Não sabemos se é a mesma Maria nos dois
registros, no entanto, em um e outro parece que esta índia vivia agregada, o que nos dá
pistas sobre o lugar que estes tapes migrantes, possivelmente vindos do extremo sul,
ocuparam nesta sociedade. Aponta também para a intensa mobilidade destes indivíduos que
estavam sempre em circulação nestes territórios sulinos.
Se os tapes migraram rumo a Curitiba também o gentio da terra deslocou-se para os
Campos de Viamão. No registro batismal de Anacleto podemos ter ideia destes caminhos
que se cruzam. Sua mãe Cristina Pedrosa veio de Curitiba e casou-se com André Lamim,
oriundo do “rio São Francisco do Sul”, ambos eram do gentio da terra353.
O termo gentio está associado à ideia de “bárbaro” e “selvagem” 354. Segundo
Mariza de Carvalho Soares a palavra indica aqueles que seguem a lei natural,
diferentemente dos judeus e cristãos, e por isso designa os que são alvo da catequese 355.
Aparece entre as mães curitibanas sempre agregado à administração particular e representa
3% das administradas [Tabela 4]. Entre os homens há apenas 02 assim classificados, sendo
um deles administrado e outro forro.
Elisa Garcia ao analisar os registros do 1º Livro Batismos de Viamão coloca que
gentio indica o nascimento fora da sociedade colonial e aproximava os índios da
escravidão. Segundo a autora, mesmo que os assim classificados não estivessem

349
PORTELA, Bruna Marina. Gentio da Terra, gentio da Guiné: a transição da mão de obra escrava e
administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014.
(Tese de Doutorado), p. 34.
350
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de José, p. 186; 11/03/1764.
351
ANSLPC- 4ºLB. Registro de batismo de Francisco, p.138v; 08/09/1758.
352
ANSLPC- 4ºLB. Registro de batismo de Lucrécia, p.174v; 02/02/1763.
353
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Batismo de Anacleto, p. 119v; 29/06/1755.
354
PAIVA, E., Op. Cit, Dar nome ao novo..., p. 193).
355
SOARES, Mariza de Carvalho. Mina, Angola e Guiné: Nomes d’África no Rio de Janeiro Setecentista.
Tempo, Vol.3 – nº 6, Dez/1998, p.03.
113

submetidos ao trabalho compulsório (o que é deprendido do fato de não possuírem


senhores), eles estavam mais próximo da escravidão. Assim: “Considerados ‘gentio’,
vinculavam-se à ideia de conversão e eram passíveis de coerções para aceitarem a fé cristã,
coerções estas relacionadas ao trabalho forçado”356. Para Curitiba tal afirmação parece fazer
sentido, já que lá a expressão está associada à administração particular. No entanto, para
Viamão tal associação não me parece correta.
O termo gentio aparece nos batismos de duas maneiras: associado a “de Guiné”,
relativo a escravos africanos, ou “da terra” relativo a indígenas. Ainda que possamos
considerar, a partir disto, uma associação com a escravidão neste dois usos, outros aspectos
os distanciam. Primeiro, nos Campos de Viamão, outro termo semelhante também aparece
para designar esses índios: gente da terra, que certamente é sinônimo de gentio da terra.
No batismo de José ele é designado gente da terra, enquanto seus pais são gentio da
terra357. Se o caso de pais e filhos não é conclusivo, o de que uma mesma pessoa é
designada das duas formas parece ser. Joana Correia, casada com Francisco de Almeida, no
batismo de sua filha Maria foi designada gentio da terra358, seis anos mais tarde, quando
deu a luz a Brízida, aparece como gente da terra359. Em absolutamente todos os usos de
360
gente da terra (07 ocorrências) e de gentio da terra (35 casos) não há qualquer
referência a senhor ou condição que permita depreender aproximação com a escravidão;
pelo contrário, todos os indivíduos possuem sobrenome, o que é um indício de sua
condição de livres361.
Evidentemente a linha que separava o trabalho coercitivo e o livre era muito tênue
naquela sociedade, o que faz com que não se exclua que também estes designados gentio

356
GARCIA.A integração das populações..Op. Cit., p. 69.
357
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de José. p.134v.; 03/09/1758.
358
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Maria. p. 28v.; 11/08/1752.
359
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Brizida. p. 87; 07/05/1758.
360
Contabilizando batizandos, mães e pais.
361
Weimer aponta para a importância do sobrenome como marcador do usufruto da cidadania em oposição à
situação de cativeiro: “Se direitos liberais clássicos- de ir e vir, à família e à propriedade- foram construídos
em oposição à experiência do cativeiro, pode-se observar que a aquisição de um sobrenome era análoga à
negação da condição de “negro” ou “preto”, ou seja, em ambos os casos, o abandono de signos distintivos do
não-cidadão, do segregado, do marginal”. Ainda que a reflexão do autor tenha sido feita a partir de um
contexto muito distinto, o do pós-abolição, me parece válida para pensar a distinção entre o ter ou não um
sobrenome. WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Os nomes da Liberdade: Experiências de autonomia e práticas
de nomeação em um município da serra rio-grandense nas duas últimas décadas do século XIX. São
Leopoldo: Unisinos, 2007. p. 224 [Dissertação de mestrado].
114

estivessem sumetidosà servidão; mas aparentemente eles ocupavam lugares sociais mais
elevados, nos Campos de Viamão, do que aqueles lá designados administrados.
Parece-me que em Viamão e Curitiba gentio assumiu dois significados distintos;
ambos descritos no dicionário de Bluteau. O primeiro dele é sinônimo de “pagão” e parece
ter sido mais apropriado pela historiografia. Em Curitiba possivelmente o emprego, ainda
que raro, teve relação com esta definição. Em Viamão, inclusive pelo uso da expressão
gente da terra com sentido parecido, gentio talvez expresse: “gente baixa, popular” 362. Tal
definição não rejeita a associação com a ascendência indígena, pelo contrário, esta gente é
baixa justamente pelos seus antepassados nativos. Podemos suspeitar, mas não afirmar, que
talvez os gentios sejam mestiços e o classificativo tivesse um emprego muito semelhante
àquele de bastardo em Curitiba.

2.2.2 Administrados

No livro de batismo de Nossa Senhora da Luz de Curitiba, na categoria jurídica


administrado temos mais que o dobro de mulheres que homens. Destas administradas a
maioria recebeu o classificativo de carijó [Tabela 4]. Este é também o designativo que
mais aparece nos processos judiciais em que constam indígenas 363.
Carijó era inicialmente usado para designar pessoas dos grupos guarani, alvo
principal das bandeiras paulistas de apresamento até aproximadamente 1640.
Curiosamente, foi apenas após cessar o fluxo de cativos guarani e heterogeneizarem-se os
plantéis paulistas de escravos índios que o termo passou a ser usado com mais frequência
naquela região. Esse processo de classificação dos indígenas como carijó uma vez mais nos
aponta não para a efetiva origem étnica dos membros desta sociedade, e sim para um
processo de associação da condição jurídica a uma “qualidade” que reforçava a posição de
cativo:

Em suma, o enquadramento da população cativa numa categoria étnica padronizada


representava muito mais do que uma política expressa da camada senhorial ou um
simples exercício semântico; tratava-se, antes, de todo um processo histórico

362
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v. p. 57.
363
PORTELA. Gentio da terra, gentio de Guiné... Op. Cit., p.33.
115

envolvendo a transformação de índios em escravos 364.

Tabela 4. Classificativos das mães e pais administrados na Freguesia de Nossa Senhora da


Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mãe Pai

Classificativo % Nº % Nº

Administrados
17,04 53 4,24 05
carijós
Administrados
3,54 11 1,77 02
bastardos
Administrados
2,57 08 0,88 01
gentio da terra
Administrados
1,61 05 0 0
mulatos
Administrados sem
75,24 234 105 92,92
classificativo
Total de
100% 311 100% 113
administrados
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Bluteau nos traz mais uma vez pistas sobre o significado do léxico. Ele defini os
carijós como a “mais dócil e acomodada nação de toda a costa do Brasil e sobre tudo
singular em não comer carne humana” 365. Tal visão, extraída do Padre e escritor Simão de
Vasconcelos, parece acrescer a ideia de que estes eram os escravos ideais, já que possuíam
a docilidade necessária.
Contrastando com as 17, 04% de mulheres carijós administradas nesta freguesia os
homens nesta categoria são apenas 4,24% e apenas 05 deles receberam o designativo carijó
(0,42%), sendo que a maioria (93%) não recebeu nenhum classificativo [Tabela 4]. Há
também em outras condições jurídicas o predomínio absoluto de mulheres carijó, são 60 ao

364
MONTEIRO. Negros da terra...Op. Cit., p. 166.
365
Apontando também que eram naturais da Cananeia e, apesar da doçura afirmada, viviam em conflito com
os Goitacazes. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ...
Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v. p. 149.
116

todo, entre forras, administradas e livres. Já os homens recebem apenas 06 vezes este
classificativo, todos na condição de administrados. Tal predomínio de carijós entre as
mulheres também pôde ser verificado nos Campos de Viamão. Entre as 16 administradas366
daquela localidade há duas mulheres carijós, enquanto o classificativo não parece nenhuma
vez para os homens.
Levando em conta a proposição de John Monteiro, de que o classificativo carijó
denota a transformação dos índios em escravos, podemos depreender que as mulheres
estavam mais submetidas que os homens à servidão nas duas localidades. Assim, como já
proposto, parece pesar ainda mais sobre as indígenas a noção de que precisavam ser
tuteladas. Tal tutela mascarava o fato de serem importante mão de obra para aqueles que as
administravam. Se para os homens indígenas havia uma maior variabilidade das
possibilidades de enganche social, para as mulheres este leque era mais restrito,
empurrando-as à condição de cativas, manifestada pelo vocabulário da época.

2.2.3 Bastardos: os índios livres e forros.

Além de administrados, na freguesia curitibana, foi possível encontrar indígenas em


todas as outras condições, com exceção da escrava 367. Ainda que o livro fosse destinado aos
servos, boa parte 1271 registros é composta por pais (32,0%) e mães que puderam ser
considerados livres (22,7%) [Tabela 3]. Foram assim considerados todos aqueles que não
tinham classificativos que indicassem servidão (escravo (a), servo (a), administrado(a)) e
que não tivessem senhores ou senhoras informados. Muitos dos que aqui ponderei serem
livres possuíam sobrenome.
Certamente a população livre listada neste livro de servos trazia consigo alguma
marca do cativeiro, seja em seu próprio passado, seja em sua ascendência. Logo, seria um
erro considerarmos estas pessoas brancas e até mesmo livres. Tal afirmação já é temerosa
para aqueles arrolados nos livros de “batizados de brancos” 368 ou de “batizados de gente

366
Além das 16 administradas constam duas indígenas que “foi administrada” e uma “administrada do mesmo
[senhor], forra”.
367
Em todas as outras condições foi possível detectar a presença de indígenas através do significado dos
classificativos sociais, como se demonstrará ao longo do texto.
368
ANSLPC- 3ºLB. [1734- 1754].
117

branca”369, já que historiadoras e historiadores têm contestado a relação do uso do


classificativo com a questão exclusivamente fenotípica 370.

Tabela 5. Classificativo das mães e pais livres na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mãe Pai

Classificativo % Nº % Nº

Livres carijós 0,69 02 0 0

Livres bastardos 69,79 201 65,61 187

Livres mulatos 1,74 05 3,16 09

Livres índias 1,04 03 1,40 04

Livres crioulos 0 00 0,35 01

Livres sem 27 77 29,47 84


classificativo
Total de livres 100% 288 100% 285

Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

O estudo de Libby e Frank aponta nesse sentido. Ao compararem os batismos aos


Róis de Confessados de São José das Mortes, os autores perceberam que o silêncio sobre a
cor não indica brancura. Aquela localidade tem a vantagem de que nos Róis de Confessado
todos os sujeitos tiveram sua cor descrita (inclusive os brancos) e o confronto com os
batismos apontou que pelo menos metade das mulheres cuja designação étnica e a origem
não estavam notadas nos batismos eram livres ou forras e tinham ascendência africana, ao
menos parcialmente371. Portanto, os autores confirmam que:

(...) em vez de supor que aqueles espaços em branco dos registros paroquiais

369
ANSLPC - 5º LB [1755- 1772].
370
BOIXADÓS E FARBERMAN, Una aproximación a la diversidad... Op. Cit., p. 89.
371
LIBBY, Douglas Cole e FRANK, Zephyr. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial: etnicidade
em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. Revista Brasileira da História. São Paulo, v.29, nº58, p. 383-
415, 2009. p. 393.
118

signifiquem ‘brancura’, os achados deste estudo demonstram que não poucos dos
homens e mulheres arrolados sem qualquer designação racial eram, de fato, pessoas
‘de cor’372.

Como os estudos de John Monteiro já demonstraram, a proximidade entre os


senhores e os cativos, mesmo em termos étnicos, era muito grande em São Paulo. O autor
relata diversos casos em que os senhores vendiam e negociavam parentes próximos que
eram então seus administrados373. Estes mesmos senhores estavam longe de serem brancos,
eram, sem dúvida, mestiços. O trabalho de Silvana Godoy aponta para a mesma
proximidade parental entre senhores e indígenas, que engendravam relações de afeto sem
que isso signifique o abandono das relações coercitivas:

(...) as relações entre indígenas e colonos (ainda que permeadas pela violência)
eram marcadas por ambiguidades: ao mesmo tempo em que eram tratados como
peças, sendo repartidos em heranças, dados como garantia de empréstimo ou dotes,
os colonos tinham relações afetivas e sexuais com as índias, alforriavam seus filhos
bastardos, preservavam suas famílias, legavam-lhes bens374.

Da mesma forma, como já indicado pela bibliografia, os primeiros povoadores dos


Campos de Viamão e de Curitiba tiveram filhos com indígenas 375. Estes filhos mestiços,
ainda que em muitos casos tenham empobrecido, ocuparam um lugar importante na
hierarquia social e não tiveram sua cor assinalada nos registros paroquiais, o que faria com
que os considerássemos brancos. É o caso de duas das filhas do já bastante citado povoador
dos Campos de Viamão, o capitão-mor Francisco Brito Peixoto. Maria de Brito Peixoto, era
filha de uma índia administrada e sua irmã Ana da Guerra, senhora do maior plantel de
administrados da região, filha de uma índia carijó livre 376. Nenhuma das duas aparece nas
fontes eclesiásticas como indígena ou sequer como mestiça 377. Como apontou Kühn, isso
não significa que elas não tivessem um status social mais baixo, especialmente no contexto
mais geral da colônia, e não apenas no povoado de Viamão. O autor sinaliza que o capitão-
mor optou por deixar seus bens a uma sobrinha, que desposara um figurão de Santos, em

372
Idem, p. 384.
373
MONTEIRO. Negros da terra... Op. Cit, p. 211.
374
GODOY, Silvana. Vidas entrelaçadas: índios e bandeirantes na São Paulo Colonial. Recôncavo: Revista
de História da UNIABEU. Ano 1. Número 1. Agosto-Dezembro, 2011.
375
Ver nesta dissertação Capítulo 1.
376
KÜHN. Gente da fronteira... Op. Cit., p. 46.
377
Buscou-se as duas nos AHCMPA [PRFP] – 1ºLB.;AHCMPA [PRFP] – 1ºLC.;AHCMPA [PRFP] – 1ºLO.
119

detrimento de seus filhos bastardos, procurando assim reforçar o status aristocrático de sua
casa378.
É ainda través da história de Francisco Brito Peixoto, ao relatar uma contenda entre
o capitão-mor e o juiz ordinário de Laguna, que Fábio Kühn nos fornece um bom exemplo
da “brancura” como construção social.

“Conforme Brito Peixoto, o juiz não era capaz para empenhar a vara de sua
Majestade, que Deus guarde, que seu princípio na mesma povoação [Laguna] foi
pior do que um negro, eu o fiz branco, pois o fiz mestre da lancha do Sargento-Mor
[Manoel Gonçalves de Aguiar]...” 379

Dentre os pais e mães considerados livres [Tabela 5] a grande maioria recebeu


algum classificativo que marcava sua origem indígena, sendo em muito menor medida
utilizadas as expressões que denotam africanidade. O termo crioulo, que designa
afrodescendentes nascidos no Brasil, apareceu em apenas um caso entre os livres; foi
também pouquíssimo usual em outras categorias legais, apenas 07 casos entre batizandos,
pais, madrinhas e padrinhos380. Os mulatos e mulatas, como discutiremos adiante, não
necessariamente tinham só antepassados africanos, ao menos nas duas freguesias em
estudo.
Em contraste com o predomínio absoluto de bastardas (69,79%) e bastardos
(65,61%) da freguesia curitibana [Tabela 5], em Viamão o termo apareceu apenas três
vezes381. Uma dessas para classificar um casal que possui nome e sobrenome e foram
notados como “bastardos da terra”382. Nas outras duas vezes, denominou mulheres, uma
delas administrada383 e a outra é uma madrinha, possivelmente livre 384.
O termo bastardo designava os filhos de pais brancos e mães indígenas. Ao
contrário da associação comum com a ilegitimidade, nas regiões povoadas pelos paulistas
esta expressão, no setecentos, designava qualquer um de descendência ameríndia. Nadalin,

378
Idem, p. 43.
379
Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, v. XXXII, anexo K, p.280: carta do
capitão-mor Francisco de Brito Peixoto ao governador de São Paulo, Rodrigo César de Menezes. Laguna,
15.12.1722 (grifo do autor).KÜHN, Fábio. Gente da Fronteira: Família e poder no continente do Rio Grande
(Campos de Viamão, 1720-1800). São Leopoldo: Oikos, 2014. p.34, nota 14 (grifo do autor).
380
ANSLPC- 4ºLB .
381
Elisa Garcia encontrou apenas um registro de “bastardo da terra”, não tendo contabilizado as mulheres
citadas como bastardas. Ver: GARCIA, E., Op. Cit. A integração das populações indígenas... p. 76.
382
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Manoel; f. 127; 29/09/1756.
383
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Maria; f. 109v.; 25/07/1753.
384
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Vitória; f. 132; 29/03/1758.
120

ao analisar os batismos de Curitiba apontou para esta interpretação: “Realmente, o


significado da bastardia era mais amplo e, principalmente considerando a cultura colonial,
denotava ‘alguma diferença na casta’, ou seja, uma condição social definida pela
mestiçagem”385.
Este classificativo foi frequentemente confundido com mameluco, que também
designava os frutos da mesma mestiçagem. No entanto, antes do século XVIII, os
mamelucos eram aqueles que tinham a paternidade do pai branco reconhecida, enquanto os
bastardos não, e seguiam vinculados às origens indígenas maternas. Posteriormente, o
vocábulo mameluco parou de ser usado em São Paulo e o classificativo bastardo
generalizou-se, sendo usado para todos os mestiços indígenas386. Mas, em Minas Gerais,
por exemplo, a expressão mameluco continuou aparecendo no século XVIII 387.
Estranhamente, o termo não aparece nenhuma vez nos registros paroquiais curitibanos e
apenas uma vez aparece nos registros de Viamão. Neste assento, de 1747, o batizando
Jacinto é filho de Bartolomeu Sanches mameluco e da escrava Antônia Tapanhuna388.
Tapanhuna ou Tapanhuno, em língua geral significa “gente preta”389 e foi muito
usado pelos paulistas para designar escravos africanos. Apareceu com frequência nos dois
primeiros anos dos registros de batismos de Viamão, 1747 e 1748. Os padres que
confeccionavam os batismos naquele momento eram Antônio de Sampaio, oriundo de
Paranaguá, e Manuel Luís Vergueiro, que já havia sido pároco em Paranapanema e São
Francisco do Sul390. Estes clérigos possivelmente já estavam familiarizados com o
vocabulário paulistano. Nos anos que seguem o designativo desaparece.
Em Curitiba tapanhuno não foi usado nos registros de batismo, mas aparece em um
processo de pedido de liberdade em que os autores expõem sua genealogia até a bisavó
indígena, que havia sido preada. O réu do processo apresentou uma árvore genealógica
diferente, na qual os autores seriam descendentes de uma escrava de Angola:

“(...) que os autores Aleixo e sua mãe Faustina e todos os mais irmãos filhos desta

385
NADALIN, Sérgio Odilon. A demografia numa perspectiva histórica. Belo Horizonte: ABEP, 1994.p.23.
386
MONTEIRO. Negros da terra... Op. Cit., p. 167.
387
PAIVA. Dar nome ao novo... Op. Cit, p. 188.
388
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de Batismo de Jacinto, f.5v.; 08/12/1747.
389
PORCHAT, Edith. Informações históricas sobre São Paulo no século de sua fundação. Editora Iluminuras,
1993 [1956]. p.165.
390
RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio grande do Sul: época colonial. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1994. p. 71.
121

são descendentes de uma preta tapanhuna chamada Madalena que pela língua da
terra se diz Manga e por haver outra em casa do mesmo nome lhe vieram a chamar
Manga guaçu a qual era oriunda da costa de Angola e arrematou em praça na vila
de Santos Antônio de Oliveira, bisavô do dito réu.391”

O processo evidencia as disputas em torno da identidade indígena, que poderia


resultar em liberdade. Também expõem os usos de palavras de origem indígena como
forma de classificar os sujeitos, evidenciado aqui pelo léxico tapanhuna, guaçu
(aumentativo), mirim (diminuitivo). Pouco documentado, o uso de diferentes línguas
indígenas e africanas certamente era de uso corrente no vocabulário local, e possivelmente
impunha outros classificativos, também estes com consequência na normatização
hierárquica que, infelizmente, não nos é possível resgatar.
Outro processo também levantado por Portela traz um fragmento dessa convivência
linguística. A autora relata que um dos indígenas que prestou depoimento em um processo
de feitiçaria precisou da ajuda de um intérprete “por não saber falar a língua portuguesa
mais que tão somente a língua da terra”392.
Um classificativo comumente empregado para adjetivar mestiços: cabra – que
designa a mescla de índios e negros – também não consta nos assentos do quarto livro de
batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba, e aparece apenas uma vez nos
registros de Viamão. É no registro de Jerônimo que encontramos seu pai: José Cabra,
forro393. Em Minas Gerais, era muito comum que o qualificativo cabras da terra fosse
usado para designar indígenas em meados do século XVIII394.
Se a qualidade de bastardo que marcava a ancestralidade indígena estava
fortemente presente entre as mães e pais livres, não era diferente entre os forros e libertos.
O Vigário Inácio Lopes, de Nossa Senhora da Conceição de Viamão, que realizou o
batismo de Mathias deu o qualificativo de forro ao pai da criança, mas não à sua mãe,
mesmo sendo “todos da Aldeia dos Pinheiros, em São Paulo”395. Ainda que sabido que o
casal era de índios aldeados e, portanto, não deveriam estar submetidos à servidão ou a

391
DEAP BR PRAPPR PB 045 PC1730.52. Traslado do segundo apenso da causa que correu entre partes
Aleixo dos Reis Pinto e o Doutor Matheus da Costa Rosa. Paranaguá, 1771. p. 14. Apud PORTELA. Gentio
da terra, gentio de Guiné... Op. Cit., p. 99.
392
Ibidem , p. 125.
393
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Jerônimo; f. 131; 03/12/1757.
394
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os últimos carijós: Escravidão indígena em Minas Gerais: 1711-1725. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v.17, nº 34. 1997.
395
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Mathias; p.28v; 23/02/1741.
122

administração, o clérigo marcou uma distinção entre eles, talvez reforçando a liberdade do
pai através do adjetivo forro.
Na Bahia quinhentista, o termo forro designava aqueles indígenas que estavam sob
a autoridade portuguesa, porém não eram escravizados; mais comumente nomeava aqueles
submetidos à autoridade dos jesuítas396. Acredito que a categoria forro não necessariamente
exprimia a passagem pela servidão, mas aponta a necessidade de marcar que indívíduos de
determinada raça ou etnia, que poderia estar sujeita à servidão, não estavam na condição de
cativos.
Entre as mães forras de Curitiba as bastardas e as “forras bastardas que foram
administradas” figuram em mais da metade dos registros (62%). Entre os pais o número é
ainda maior (67%) [Tabela 6].

Tabela 6. Classificativo das mães e pais forros na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mãe Pai
Classificativos % Nº % Nº
Forros carijós 3,95 03 0 00
Forros bastardos 56,58 43 60,61 40
Forros bastardos 5,26 04 6,06 04
que foram
administrados
Forros mulatos 14,47 11 16,67 11
Forro livre 1,32 01 0 00
Forros gentio da 0 00 1,52 01
terra
Forros pretos 0 00 1,52 01
Forros sem 18,42 14 13,64 09
classificativo
Total de forros 100% 76 100% 66
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Além das bastardas, também observamos outras “qualidades” entre as forras que
marcam suas origens indígenas, como carijó (3,95%) e mulata (14,47%). Entre os homens
novamente não se encontra o qualificativo carijó, mas aparece o de gentio da terra (1%) e

396
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.58.
123

o de preto (1%). Voltaremos aos pretos adiante. Os pais forros receberam ainda mais que a
mãe o qualitativo de mulato (17%).
À primeira vista pode parecer mais comum que a qualidade de mulata seja aplicada
àquelas reconhecidas socialmente como tendo origens africanas. Os registros de batismos
dos filhos e filhas de Antônia, Raquel, Tereza, Eugênia e Bernarda 397 nos explicitam outra
realidade. Estas mães são designadas ao mesmo tempo como administradas – categoria
jurídica que nos remete à atribuição de uma identidade indígena – e mulatas— termo
comumente associado, no século XVIII, aos mestiços de africanos e brancos. Assim, na
comparação entre administradas e escravas com o designativo de mulata temos exatamente
o mesmo número de mães desta forma descritas nas duas categorias jurídicas: 05. Portanto,
não há preponderância do uso do termo mulata para classificar as africanas em detrimento
das indígenas. Entre as escravas, as mulatas são apenas 1% de 523 mães398; entre as
administradas elas são 2% do total de 311. Logo, proporcionalmente, mais indígenas foram
classificadas como mulatas do que afrodescendentes.
Nos batismos de Viamão foi possível encontrar doze crianças sendo denominadas
de mulato/mulata no momento de seu batismo. Dessas, dez, ou seja, 83,3%, tinham o pai
incógnito. As outras duas eram filhas de indígenas e escravos. É o caso de Anastácio
mulato; ele é filho de Bárbara, índia administrada forra, e de Manoel Angola399. Também é
o caso de Felícia mulata, filha de Luís índio e Cipriana escrava400. Este me parece um forte
indício de que também nos Campos de Viamão o designativo mulato, neste momento, tinha
relação com a ascendência indígena.
Vemos, portanto, que nos registros de batismo de Viamão nenhuma dos
classificados como mulatos era “filha e filho de branca e negra (sic) ou de negro e mulher
branca”, como define Bluteau 401. Todos eram filhos de africanos ou africanas e indígenas.
Dado o critério estabelecido pelo pároco para classificar como mulato é bastante possível

397
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Leonor, f.28v; 11/05/1741; Registro de batismo de Antônio, 30v
20/08/1741;Registro de batismo de Francisca, f. 80v, 25/11/1750; Registro de batismo de Antônia, f. 144;
15/03/1749; Registro de batismo de Salvador, f.85v; 16/11/1751.
398
A maioria das mães escravas não recebeu nenhuma “qualidade” (98%). Além das 5 mulatas, 3 escravas
aparecem como “crioula”, 3 como “gentio da Guiné” e 1 como “mina”.
399
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Anastácio, p. 136v.; 26/10/1753.
400
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB.registro de batismo de Felícia, p. 106v.; 25/12/1752.
401
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v.p.628.
124

que no restante dos registros de crianças mulatas houvesse, entre os pais incógnitos,
indígenas.
É mais uma vez através da história de Francisco Brito Peixoto e sua prole que
vamos ilustrar o emprego do vocabulário. O povoador dos Campos de Viamão teve ao
menos 4 filhos homens e 4 filhas mulheres, todas com índias de sua administração ou
não402. Entretanto, em correspondência entre o governador de Santos e o do Rio de Janeiro
os filhos de Brito Peixoto são chamados de mulatos:

[...] No que toca ao Brito, me parecia que não tornasse a Laguna; e se tornar seus
filhos mulatos que lá vem para cá primeiro e vão para Benguela e em minha
consciência se lhes não rouba a justiça e se faz serviço a Deus e a El-Rey 403.

Sendo assim, o vocábulo mulato, tanto nos campos sulinos como no planalto
curitibano, aproxima-se muito do significado existente na São Paulo colonial, onde
designava a “prole de uniões afro-indígenas”404. Também em Minas, outro reduto de
ocupação paulista, o termo mulato pode ter sido empregado para classificar “indivíduos
com graus variados de ascendência indígena” 405. Tal constatação nos remete, uma vez mais,
para a efetiva transferência destes designativos, e de suas consequências hierárquicas, para
os novos povoamentos do Império português.

2.2.4. “Que foi administrado”: uma condição incerta

Na categoria “indefinidos” [Tabela 3] agreguei aqueles sem uma condição jurídica


passível de precisar. Aí aparecem aqueles que foram administrados ou que constam como
bastardo que foi administrado. A condição jurídica neste caso é difícil de identificar, já que
não são forros, pois oficialmente não foram escravizados. Não que a expressão forro não
esteja associada aos indígenas [Tabela 5], como vimos, inclusive índios aldeados foram
assim considerados.

402
KÜHN. Família e poder... Op. Cit., p. 42.
403
Arquivo Histórico Ultramarino- SP. Caixa 2, doc. 164 (Mendes Gouveia). Carta do governador [da praça]
de santos João da Costa Ferreira de Brito para o {governador e capitão-geral da capitania do Rio de Janeiro,
Aires de Saldanha De Albuquerque Coutinho Matos e Noronha]queixando-se das intrigas que contra ele move
Luis [ Antônio] de Sá [Quiroga]. Apud KÜHN. Família e poder... Op. Cit, p.32.
404
MONTEIRO. Negros da terra... Op. Cit. p. 155.
405
LIBBY e FRANK. Voltando aos registros paroquiais... Op. Cit., p. 387.
125

Dentre as mães o mais comum é que apareçam designadas administrada que foi (15
casos entre os 56 “indefinidas”)406 e o nome do antigo senhor ou senhora; esta informação
aparece bem menos entre os pais (2 casos de 30). Também é comum que apareçam
agregados os classificativos que denotam mestiçagem (bastardo/ bastarda) e a passagem
pela situação de cativeiro. É o caso dos pais de Tomás no registro a seguir.
Aos dez dias do mês de Abril de mil de setecentos e cinquenta e sete anos, nesta
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Lux, da vila de Curitiba, batizei, e pus os santos
óleos a Thomás inocente, filho de Antônio Palhano, e de sua mulher Andreza
ambos bastardos e (que) foram administrados de Luis Palhano (...)407

Anos antes o mesmo casal batizara seu filho Manoel, e neste registro consta que os
pais eram “bastardos forros”, sem, contudo, constar o nome do administrador408. Tal
situação aponta que não podemos entender o afastamento do cativeiro como progressivo, se
em um primeiro momento o casal é forro, tempos depois volta a ser lembrado inclusive
quem havia sido o senhor; demonstrando a permanência destas marcas do cativeiro ao
longo da vida. Note-se que, após a passagem pela administração particular, o pai, Antônio,
adotou o sobrenome do antigo administrador, prática bastante frequente entre os ex-
escravos e, como pude constatar, nada incomum entre os ex-administrados. Como tratado
anteriormente tal costume de adoção do sobrenome 409 pode significar a permanência do
vínculo com o antigo senhor.
Ainda entre as mães cuja condição jurídica não foi possível precisar, encontramos
03 servas, uma delas designada serva bastarda. Entre os pais temos apenas um caso de
servo. O termo servo, segundo o dicionário de Antônio de Moraes Silva (1789), é sinônimo
de escravo ou designa aquele que, condenado à morte, é privado de todo o seu direito
civil410. A palavra servo também aparece nos títulos internos, que separam um ano do outro
no 4º livro de batismos de Curitiba. Para Monteiro é uma das palavras que passaram a
designar administrados depois que começaram a ser introduzidos os cativos africanos nos
plantéis paulistanos:

406
No total de registros apenas um casal consta como “escravos que foram”.
407
ANSLPC- 4ª LB. Batismo de Tomás, f. 128v.; 10/04/1757.
408
ANSLPC- 4ª LB. Batismo de Manoel, f.110v; 13/11/1754.
409
Ver nesta dissertação: Escravidão e clientelismo...
410
SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate
agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por ANTONIO DE MORAES
SILVA. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813. Disponível em:
http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/2. p. 695.
126

Até os últimos anos do século XVII, o termo preferido em alusão aos índios era
negro, sendo que este cedeu lugar a outros termos em decorrência de uma crescente
presença de africanos nos plantéis paulistas. Assim, surgiram expressões como:
gentio do cabelo corredio, administrados (em deferência a carta régia de 1696),
servos, pardos e finalmente, carijós411.

Como houve uma incidência muito pequena desta designação, não foi possível
ainda precisar exatamente quais as condições dos trabalhadores e trabalhadoras que eram
desta forma classificados. Entretanto, em caso relatado por Portela, no translado de um
registro de batismos anexado em processo de pedido de liberdade, a administrada Francisca
aparece como serva, além de filha, de Francisco Leme. No processo, a mesma Francisca,
apesar de suas origens indígenas, também é designada como escrava412. Reforça-se, assim,
a ideia de que os servos fossem administrados.
Ainda podemos especular que muitos dos pardos eram indígenas. Dentre as
discussões sobre o significado do termo pardo, pouco se tem pensando que pode ter sido
usado para designar os nativos americanos413; talvez porque os indígenas sejam raramente
lembrados quando se trata da história da escravidão, talvez porque a própria definição da
época induza a tal conclusão. O termo designava a cor entre branco e preto, e aparece como
sinônimo de mulato414. No entanto, como vimos, nas duas freguesias sulinas, mulato
guardava relação com origens indígenas; com os pardos é possível que ocorresse algo
semelhante.
Apesar desta descrição, para Paiva pardo era mais uma “qualidade” do que uma
“cor”:

A “qualidade” pardo raramente aparece como “cor”, isto é, não encontrei muitas
menções a alguém que fosse descrito como de cor parda. Muito mais comuns, em
toda a Ibero-América, foram indicações nos documentos de escravos pardos,
pardos forros, ou pardos simplesmente, o que indicava possivelmente serem
nascidos livres. É interessante perceber essas particularidades, pois a “cor/color
baça”, nas definições dos antigos vocabulários e dicionários espanhóis e
portugueses, aproxima-se, justamente da tonalidade “parda”. Entretanto, pelo que
se encontra frequentemente nas fontes consultadas a “cor” era baça, enquanto a

411
MONTEIRO, J. 1994, Op. Cit., p. 165. (Grifo meu).
412
PORTELA, Bruna Marina. Gentio da Terra, gentio da Guiné: a transição da mão de obra escrava e
administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014.
(Tese de Doutorado). p.87-88.
413
Para uma apanhado geral do assunto ver: GUEDES. Roberto. Escravidão e cor nos censos de Porto Feliz
(São Paulo, século XIX). Caderno de Ciências Humanas- Especiarias, v.10, nº18, p. 489-519, jul/dez 2008.
414
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v.p. 165
127

“qualidade” era parda415.

Ao contrário, Silvia Lara, através da análise do vocábulo, coloca que pardo é cor 416,
e que foi um termo utilizado “por aqueles que reivindicavam privilégios e tratamentos
específicos”. No século XVIII, pardo passou a contrastar com o adjetivo de mulato, o
primeiro configurando-se como uma identidade positiva e reivindicada e o segundo sendo
utilizado para desqualificar 417.
Em Curitiba apenas dois indivíduos são designados pardos, ambos padrinhos. Um
deles é oriundo da cidade de São Paulo e possui sobrenome 418 e o outro é um pardo
forro419. Já em Viamão são 68 pardos entre batizandos, pais, avós e padrinhos. Na maior
parte das incidências o classificativo foi associado à condição de forro/forra. Tal
associação talvez remeta para a ligação desta “cor” com a condição de liberdade, sem
deixar de marcar a condição de ex-cativo.
Roberto Guedes aponta neste sentido, que o uso do classificativo pardo depende
fortemente da posição social ocupada pelo sujeito na sociedade. Ao analisar as listas
nominativas de Porto Feliz, em São Paulo, durante o século XIX, o autor sugere um
processo de branqueamento dos livres e um enquadramento dos escravos na condição de
negros, enquanto que aos agregados seria reservado o classificativo de pardo 420. Tais
considerações não me parecem poder ser extrapoladas para todas as localidades e épocas,
até porque em Porto Feliz não há pardos escravos421, ao contrário dos Campos de Viamão,
mas indica um processo interessante de relação entre condição legal, demarcações de cor e
lugar ocupado na hierarquia social.
Como dito, puderam ser encontradas nos Campos de Viamão algumas pardas
escravas. O que indica que o emprego do designativo não era de exclusividade para os
indígenas, mas, certamente, ali foi empregado também para os nativos americanos. Maria
da Silva quando do batismo de seu filho Francisco foi classificada como “parda forra do
gentio da terra”, já a avó materna da criança parece apenas como parda forra422. A parda

415
PAIVA. Dar nome ao novo... Op. Cit. p. 159.
416
LARA, Silvia. Op. Cit. No jogo das cores... p.73.
417
Ibidem, p. 75-76.
418
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Amaro, p.26v; 06/02/1741.
419
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Maria, p. 128v; 28/02/1757.
420
GUEDES. R., Op.Cit , Escravidão e cor nos censos... p. 497
421
Ibidem, p. 503.
422
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Francisco, p. 134; 20/05/1758.
128

forra Rosa, caracterizada da mesma forma que sua mãe, foi batizada na Aldeia da Patrulha;
o que talvez indique que era indígena 423. A partir disso, podemos conjecturar que ao menos
alguns destes pardos forros eram indígenas. Tal qual indicado, não era incomum que os
índios fossem designados forros.
Também o qualificativo cativo associado a pardo pode significar que estes eram
indígenas. Segundo Alencastro, cativo era um das formas comuns de designar os índios
aprisionados, sendo distinto de escravo pelo seu estatuto de transitoriedade 424. No batismo
de Lucas, o pai Teodoro é designado pardo cativo enquanto a mãe Rosa é parda forra425.
Ocultar estas origens indígenas, restringindo estes indivíduos à condição de libertos
e a descrição de sua “cor” pode ter sido uma estratégia, evidentemente não deliberada, de
conformá-los a um estrato mais baixo da hierarquia, negando-lhes os direitos reservados
aos índios. Segundo Aladrén, o termo pardo utilizado para descrever os indígenas seria uma
forma de aproximação da escravidão:

Existia a possibilidade de integração de indígenas na sociedade rio-grandense a


partir da categoria “pardo”, quer no período colonial, quer ao longo do século XIX.
Pode-se considerar que essa era uma tentativa de aproximá-los do mundo da
escravidão, seja para mantê-los como cativos, seja para enquadrá-los em um lugar
social específico e restritivo na hierarquia do mundo dos livres426.

Como apontado por Monteiro, era comum o uso da palavra negro ou a expressão
negro da terra para caracterizar os índios em São Paulo 427. Tal adjetivo não aparece em
nenhum dos dois livros de batismo do século XVIII que analiso. Entretanto, Baltazar
Carrasco dos Reis, sesmeiro do Barigui, em Curitiba, que morreu nos sertões em 1697,
deixou entre a descrição de seus bens dois negros do gentio da terra e uma negra boçal do
gentio da terra428. Também no inventário de Leonor Gonçalves há sete indígenas avaliados,

423
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Rosa. p.131v.; 11/01/1758.
424
ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p.88.
425
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Batismos de Lucas. p.122; 12/12/1755.
426
ALADRÉN, Gabriel. Liberdades Negras nas paragens do sul:alforria e inserção social de libertos em Porto
Alegre, 1800-1835. Rio de Janeiro, RJ: FVG, 2009. p. 138-139.(Grifos meu).
427
MONTEIRO. Negros da Terra... Op. Cit., p.165.
428
LEÃO, Ermelino Agostinho de. Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, vol. II. Curitiba: Instituto
Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1994. p. 1070. Apud PORTELA, Bruna Marina. Gentio da
Terra, gentio da Guiné: a transição da mão de obra escrava e administrada indígena para a escravidão africana
(Capitania de São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014 (Tese de Doutorado), p. 65.
129

as mulheres são ali chamadas de negras do gentio da terra.429 Ainda, em um processo de


disputa pela posse de Egrácia, de 1722, na mesma localidade, essa é chamada de negra em
diferentes momentos, mas se tratava de uma negra do gentio da terra 430. Estes exemplos
talvez nos apontem que o uso da expressão era mais corrente no final do século XVII e
início do XVIII, sendo a introdução de cativos africanos também aqui um fator para que a
expressão fosse menos usada para os índios.
Como exposto, apenas um dos forros do 4º Livro de Batismos de Nossa Senhora da
Luz era preto. A palavra preto foi frequentemente usada em outras freguesias para designar
escravos africanos, porém em Curitiba esta categoria aparece apenas quatro vezes,
incluindo padrinhos nesta contagem. Três destes pretos de Curitiba eram forros e um era
preto bastardo. Podemos especular que talvez este último fosse fruto de uma relação entre
indígena e negra/o, resultando em um fenótipo mais escuro que talvez o aproximasse da
ascendência africana. Em Viamão, apesar de preto estar no título do livro, a cor aparece
apenas três vezes, designando uma preta solteira431, uma preta forra432 e uma preta da
Costa da Mina433. Os crioulos e crioulas, todavia, são muitos naquela localidade,
ultrapassando 30 indivíduos.
Esta pouca presença preta, somada a pequena presença de crioulos, sugere que
existia pouca necessidade de classificar os descendentes de escravos africanos em Curitiba.
Porventura isto seja reflexo da pequena população livre ou liberta de origem africana, pois
como apontado, entre os forros há apenas um crioulo, sendo a maioria de ascendência
indígena. Assim, os lugares sociais dos afrodescendentes já estariam marcados pela
condição escrava, não sendo necessário acrescer outras marcas hierarquizantes a esta
população. Note-se que 95,5% das mães escravas não receberam qualquer outro
designativo que não fosse este. Os indígenas ao contrário foram bastante sub categorizados,

429
Arquivo Estadual do Paraná. DEAP BR PRAPPR PB045 PC06.1. Auto de inventário dos bens que ficaram
por morte de Leonor Gonçalves. Curitiba, 1714. Apud PORTELA, B., Op. Cit, Gentio da terra, gentio de
Guiné... p. 73.
430
Arquivo Público do Paraná DEAP “Carta de emquirição que vejo do juizo ordinario que veio da Villa de
parnagua, p.ͣ este juízo entre partes, embargante Fran.ͨ ͦ Peres Bicudo embargado Simão Borges Serquera”.
1722. Autos BR PRAPPR PB 045 PC13.1, Cx. 1. Juízo Ordinário da Vila de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba. Apud BRIGHENTE, Lilian Ferraresi. Entre a liberdade e a administração particular: A
condição jurídica do indígena na vila de Curitiba (1700-1750). Curitiba: UFPR, 2012. (Dissertação de
mestrado), p. 24.
431
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB.Batismo de Luis, f. 106; 24/12/1752.
432
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB Batismo de Maria, f. 132v.; 30/03/1758.
433
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB Batismo de José, f. 99; 02/11/1751.
130

possivelmente buscando distingui-los uns dos outros e demarcar suas posições na


hierarquia social.
Em Viamão, o quadro parece ser outro. Houve ali um arraigo precoce do sistema
escravista baseado na força de trabalho africana, que desde o começo do povoamento luso-
brasílico da área esteve amplamente disseminado entre os moradores. Kühn, ao analisar o
Rol de Confessados de 1751, aponta neste sentido:

Outro dado significativo para a compreensão da disseminação de propriedade


escravista em Viamão refere-se ao fato de que, em 74 dos fogos analisados (62%),
havia cativos, indicando uma grande dispersão no padrão de posse de escravos. Isso
também se reflete na relativamente baixa posse média de cativos por fogo,
equivalente a quatro escravos por unidade doméstica (considerando-se o conjunto
de fogos em que havia trabalhadores servis)434.

É, portanto, possível que nesta localidade fosse necessário distinguir as pessoas de


origem africana, através de adjetivos como crioulo, imprimindo marcas mais nítidas nas
identidades daqueles que recorriam a Igreja em busca dos sacramentos.

2.3. O léxico paulista e os lugares sociais dos indígenas.

Através dos batismos de Nossa Senhora da Luz de Curitiba e Nossa Senhora da


Conceição de Viamão foi possível identificar alguns dos lugares sociais ocupados pelos
indígenas. Para compreendê-los foi necessário refletir acerca dos significados dos
classificativos na sociedade colonial; apontando-os como derivados das noções de
“estados” ou “privilégios” existentes na Europa de Antigo Regime, mas fortemente
alterados pelas realidades e interações presentes nas colônias. Destacou-se, assim, a
centralidade dos classificativos nestas sociedades e sua capacidade de informar sobre os
lugares sociais nela existentes.
Partindo das reflexões sobre as diferenças existentes nos livros de batismos
analisados, foi possível estabelecer uma metodologia centrada nas análises quantitativas,
mas pontuada por casos elucidativos da constituição hierárquica colonial. Da mesma forma,
a partir da constatação de que a historiografia minimizava o papel das mulheres indígenas
enquanto força de trabalho, tomei como opção metodológica analisá-las separadamente dos

434
KÜHN, Fábio, Os campos de Viamão: uma fronteira do império luso-brasileiro. In: BARROSO, Vera
Lúcia M. (Org.). Raízes de Viamão. Porto Alegre: EST, 2008, p. 111.
131

homens, obtendo, desta maneira, uma visão mais clara sobre a importância delas na
constituição dos povoados sulinos.
Os registros eclesiásticos das duas freguesias em estudo apontaram para a inegável
presença indígena na região, configurando uma importante força de trabalho que permitiu o
povoamento luso-brasílico do sul do Império português. Ao lado da escravidão africana, os
registros atestam a importância que teve a administração particular de índios nestas áreas.
Os Róis de Confessados dos Viamão e o Primeiro Livro de Batismos da freguesia
evidenciam a presença acentuada de escravos e escravas de origem africana já no início do
povoamento da área. A análise desta documentação também foi capaz de demonstra um
fluxo de indígenas missioneiros, especialmente migrados das possessões espanholas, que
vieram se incorporar, sob condições diversas, à sociedade luso-brasílica. Já a análise do 4º
Livro de Batismo de Curitiba, referente aos “servos”, apontou que grande parte da mão de
obra curitibana era composta por indígenas em variadas condições, com forte presença de
mulheres administradas.
O estudo do léxico batismal também demonstrou a transferência do vocabulário
classificativo utilizado em São Paulo para estas novas áreas de povoamento, apontando,
desta forma, a manutenção de certo tipo de relações hierárquicas baseadas na exploração da
mão de obra indígena. Assim, foi possível identificar uma variedade de classificativos
utilizados para designar os indígenas que os aproximava da condição servil: é o caso do
classificativo carijó, utilizado em São Paulo como sinônimo de escravo e empregado da
mesma forma nas freguesias em estudo.
Este capítulo também assinalou que alguns classificativos que à primeira vista
pareciam não possuir relação com os indígenas também foram usados para qualificá-los. É
o caso do qualificativo bastardo(a) que aponta a mestiçagem de indígenas e brancos (as);
amplamente utilizado em Curitiba, notadamente entre aqueles servos e servas que puderam
ser considerados livres, pois não tinham indicativos de senhores nos registros batismais. É
também o caso do adjetivo mulato (a), comumente atribuído aos descendentes de africanos,
mas que em ambas as freguesias foi usado para designar mestiços de índios.
Começamos, pois, a registrar as dinâmicas de transformação de uma sociedade na
qual a mestiçagem e a concessão da liberdade tiveram um papel crucial na composição de
132

uma população livre, mas marcada pelo estigma da servidão; tema que será melhor tratado
no próximo capítulo.
Também através do estudo dos batismos de Curitiba foi possível atestar a
importância das mulheres indígenas como força de trabalho, contestando um tipo de visão
histórica que restringe a participação social das ameríndias à questão sexual. Vimos,
portanto, que elas compõem o dobro da mão de obra administrada na freguesia, assim como
estão muito presentes entre as forras. Entretanto, foram mais estigmatizadas, recebendo
mais que os homens classificativos, como carijó, que carregam a marca da servidão.
Portanto, a visão de que essas indígenas deveriam ser tuteladas serviu como pretexto, ainda
mais que para os homens, para utilização desta importante força de trabalho sem
remuneração.
133

CAPÍTULO 3. UM MUNDO MESTIÇO

Este capítulo trata da questão das mestiçagens nos freguesia de Nossa Senhora da
Luz dos Pinhais e especialmente em Nossa Senhora da Conceição de Curitiba. Através das
reflexões sobre as especificidades dos processos de mestiçagem, analisaram-se os padrões
de legitimidade e contatou-se que as administradas era o grupo com maiores índices de
filhos ilegítimos. Da mesma forma, também se observou que era entre elas que se
encontravam os menores índices de “endogamia”, entendida aqui como filhos gerados com
alguém de mesma condição jurídica. Destes dados depreendeu-se a existência de um
processo amplo de miscigenação nestas localidades.
Em seguida, o capítulo discute a questão da substituição da mão de obra indígena
pela africana. Analisaram-se os batismos ao longo de um período de aproximadamente
trinta anos, estabelecendo nuances neste processo de mudança e assinalando tendência que
ultrapassam esta temporalidade. Contrapondo-se à ideia de desaparecimento físico dos
indígenas, busco demonstrar que, ao contrário do que a historiografia vem frisando, os
indígenas seguiram existindo nas duas localidades. Entretanto, as modificações
taxonômicas, geradas por um contexto de progressiva mestiçagem, repetidas proibições
legais e busca pela liberdade, acabaram por encobrir estas identidades étnicas.
134

3.1. Mestiçagens

A análise dos processos de mestiçagem, biológica e cultural, é tarefa bastante


complicada. Primeiramente, pela ambiguidade de seus resultados, se de alguma forma elas
podiam engendrar relações “positivas”, manifestas inclusive no processo de ascensão
social, por outro podiam revelar o caráter violento destas relações:

Por un lado, el mestizaje se vincula a un proceso violento, cuyos fenómenos más


conocidos son la proceación de hijos mestizos engendrados por la fuerza, la
deculturación, la intolerancia de la alteridade, la perdida de identidad y de derechos
e incluso el etnocidio. Pero, por otro lado,y como proceso espontaneo, el mestizage
también és sinónimo de encuentro, de intermediación cultural, de creación de
prácticas y producciones culturales novedosas 435.

Este caráter opressivo dos processos de mestiçagem, traduzidos inclusive na coação


sexual, existiu, mas, como colocam Garavaglia e Marchena, certamente não foi
exclusivo 436. Para eles, as relações sexuais resultaram, na maioria das vezes, de uma prévia
proximidade cultural e social e do compartilhamento de situações pelos agentes envolvidos.
Os autores fazem uma inversão: a mestiçagem não seria o resultado do encontro entre dois
indivíduos de raças distintas, mas sim o mecanismo social que possibilitaria o encontro
entre eles437.
Depois, porque partimos de pressuposto de que antes da mistura existe algo puro.
Como já apontara Gruzinski, ao pensarmos nos mestiços, temos a tendência a imaginar que

435
FARBERMAN, Judith; RATTO, Silvia (coord). Historia mestizas em el Tucumán colonial y las pampas,
siglos XVII-XIX. Buenos Aires: Biblos, 2009. p.09.
436
Como apontaram Garavaglia e Marchena: “Dejando de lado los casos (que en los primeiros contactos
suponemos que pueden haber sido más abundantes) de auténticas violaciones por parte de hombres blancos de
mujeres indígenas, no parece serio suponer que toda la sociedade multirracial de la colonia se ha edificado
durante tres largos siglos sobre la violencia sexual ( no parece serio pensar que e esta sociedad, este infame
mecanismo era más importante que en otras sociedades comparables de la época; em todo caso, no hay
estudios específicos que nos permitan extraer conclusiones a este respecto). Nos parece que pensar esto es em
realidad valorizar de forma excesivamente negativa a esta sociedad; y, probablemente, idealizar un tanto la
nuestra...” GARAVAGLIA, J. C. & MARCHENA, J. América Latina de los orígenes a la independencia.
Barcelona: Critica, 2005. vol 2, p.355.
437
GARAVAGLIA, J. C. & MARCHENA. América latina... Op. Cit., p.355-356.
135

são frutos da interação de duas coisas que antes eram “puras” e só depois tornaram-se
misturadas.

A mestiçagem biológica pressupõe a existência de grupos humanos puros,


fisicamente distintos e separados por fronteiras que a mistura de corpos, sob a
influência do desejo e da sexualidade viriam a pulverizar. Assim, ativando
circulações e intercâmbios, provocando deslocamentos e invasões, a história poria
um termo ao que a natureza teria delimitado originária e biologicamente.
Pressuposto constrangedor para todos os que tentam se livrar da noção de raça438.

A essencialização apontada, muitas vezes traduzida em termos raciais, não auxilia


na compreensão do povoamento do sul do Império português pelos vassalos da Coroa
portuguesa. Mesmo que tomemos os reinóis como um grupo mais ou menos homogêneo, o
que efetivamente não existiu, os povoadores dos Campos de Viamão e de Curitiba estavam
muito distantes de serem “portugueses puros”, assim como os “índios” só podem ser vistos
como um bloco monolítico em uma visão ultra reducionista. Portanto, ao partirmos da ideia
de mestiçagem, faz-se necessário descontruir noções de purezas intrínsecas e desviar-nos de
uma interpretação biologizante.
No que diz respeito à mestiçagem “cultural”, também Gruziski aponta que ela não
é uma solução fácil, pois ainda que existam indivíduos mestiços o “desenvolvimento de
formas de vida misturadas, procedendo de fontes múltiplas” não está necessariamente
ligado à mescla biológica 439. Ao analisar os livros de batismos de Curitiba e Viamão e
constatar a gama de classificativos e, por consequência, a variedade de lugares sociais lá
existentes, já se viu que não é possível estabelecer a ideia de que aquelas sociedades eram
conformadas por conjuntos monolíticos. Nem a cultura de Antigo Regime europeia pode
ser assim entendida, nem a cultura dos nativos americanos. Certamente estas sociedades
sulinas são mais compreensíveis em seus aspectos “intermediários” ou “entre-dois-
mundos”, evitando-se, assim, a interpretação mais fácil de entendê-las como uma totalidade
coerente e estável, de interpretação totalmente tangível 440.
Esse “entre-mundos” evidentemente já ultrapassava o equilíbrio de forças
necessário para a constituição de um “middles ground”. O termo cunhado por Richard
White foi pensado para um momento em que franceses e Alonquians, criaram um modo

438
GRUZINSKI. O pensamento mestiço...Op. Cit.p.42 e 43.
439
Idem.
440
Ibidem, p.47 a 54.
136

comum de agir (“middle ground”), que de certa forma “dissolveu as bordas” de seus
mundos. Um momento em que nenhum dos dois grupos podia se impor sobre o outro. Teria
predominado por um tempo, naquela região dos Grandes Lagos, um processo “fronteiriço”,
de hibridismo cultural441.
No Brasil do XVIII, há muito o domínio colonial já havia se imposto. Se nestas
áreas fronteiriças do sul do Império português este domínio era ainda muito frágil, foi
justamente através do discurso da cristandade que os europeus auferiram sua supremacia
cultural. Como já colocado, neste período, há muito estava em curso a interação entre
gentes de todo o mundo. Para os indígenas, as epidemias, a escravização e a
desestruturação dos modos de vida tradicionais, já haviam operado fortes transformações.
Fragoso e Guedes apontam que teriam desembarcado neste período milhares de
africanos nos portos das conquistas lusas. Além destes, estavam chegando ao Brasil
açorianos, minhotos e outros reinóis. Ainda que esqueçam de mencionar os nativos
americanos, já apontei até aqui sua indubitável presença. Contudo, eles indicam que havia
um domínio cultural de matriz católica e europeia. Esta babel de culturas e povos seria
integrada pela cultura política da monarquia católica lusa, com suas ideias de hierarquia
estamental, república, escravidão e família bem como de sociedade naturalmente
organizada pela disciplina social católica, na qual os mortos dominavam os vivos 442.
Concordo com os autores com relação a este domínio, entretanto, acredito que
mesmo estas noções de hierarquia, escravidão e família, no Brasil, só podem ser entendidas
a partir da análise de sua integração com as culturas não europeias. Mesmo porque o
contato dos europeus com o Novo Mundo transformou amplamente o pensamento do Velho
Continente, que ainda que buscasse se sustentar nas tradições não passou incólume por esta
ampliação de horizontes culturais. Logo, no século XVIII, há muito estava em curso um
amplo processo de mistura cultural que modificou substancialmente o pensamento europeu,
assim como produziu um nível de interações biológicas que em várias regiões do Brasil
impossibilitava inclusive a elite de se distanciar das raízes indígenas.

441
WHITE, Richard. The Middle Ground: Indians, Empires and Republics in the Great Lakes Region, 1650-
1815. 9 ed. Cambrige: Cambrige University Press, 1991.
442
FRAGOSO, João e GUEDES, Roberto. Notas sobre transformação e consolidação do sistema econômico
do Atlântico luso no século XVIII. In: FRAGOSO, João Luís Ribeiro e GOUVÊA, Maria de Fátima (org). O
Brasil Colonial- Volume 3 ( 1720-1821). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. (p. 9-60). p.09-10.
137

Observamos nestas duas freguesias um efetivo processo de construção de uma


sociedade mestiça, cuja hierarquia social baseava-se nos preceitos do Antigo Regime.
Contudo, esta sociedade só pode ser entendida a partir dos contextos concretos em que o
vocabulário da mestiçagem foi empregado, possibilitando desvendar um mundo onde os
códigos europeus foram transformados para explicitar hierarquias americanas.
Desta forma, devemos, como sugeriu Guillaume Boccara, parar de ver estas
sociedade mestiças como frutos de um processo em um só sentido: o da perda e da diluição
cultural e não mais entender as mudanças identitárias operadas como um processo de
“perda da pureza original” 443.
Ivane Stolze Lima também aponta neste sentido. Estudando o século XIX, a autora
chama a atenção para o fato de a mestiçagem ter se manifestado de formas variadas,
gerando uma enorme gama de qualificativos dados aos mestiços. Essa “polissemia da
mestiçagem”, não pode ser entendida como um processo contínuo que ao longo do tempo
mantém algo de essencial. A questão da raça precisa ser desnaturalizada para que possam
compreender as formas variadas que assumiu, analisando a linguagem de maneira que
exponha sua complexidade:

Outro cuidado é não subestimar o léxico profuso de designações raciais, nem


reduzi-lo a termos que tornem pobre a dinâmica social. Tudo isso aponta, em
síntese, para a historicidade e complexidade das percepções e classificações
raciais444.

3.1.1. Filhos ilegítimos

Sheila de Castro Faria, questionando a ideia corrente de que a ilegitimidade era o


modelo das relações no período colonial, apontou que o padrão era outro, e que apenas nos
centros urbanos e mineradores a legitimidade de livres e escravos chegou a menos de 50%.
Mesmo nestes locais os frutos de relações ilegítimas só alcançaram níveis elevados no
século XIX, quando ascenderam os índices de alforrias 445.

443
BOCCARA, Guillaume. Poder e etnicidade no Chile: territorialização e reestruturação entre os Mapuche da
época colonial. In: Revista Tempo. São Paulo, nº 23, jul/dez 2007, p.69-70.
444
LIMA, Ivana Stolze. Cores, marcas e falas: sentidos da mestiçagem no Império do Brasil. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 2003, p. 17-18.
445
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em movimento: Fortuna e Família no cotidiano colonial.. São Paulo:
Nova Fronteira, 1998. p. 53-58.
138

Curitiba apresenta um índice de legitimidade de 68,7% nos registros de batismos


entre 1737 e 1764446, lembrando que este é um livro de “servos”, mas que contém 22,7% de
mães e 32% de pais que puderam ser considerados livres nele [Tabela 2]. Tais índices são
próximos às médias (entre livres e escravos) encontradas em outras zonas rurais durante o
período colonial447.
Entretanto, mesmo tendo em consideração as dificuldades de se levar um
matrimônio a cabo durante o período colonial, especialmente para os cativos, a taxa de
ilegitimidade (31,3%) parece-me bastante elevada para uma sociedade que discursivamente
pretendia estabelecer um padrão de monogamia e de contratos maritais exclusivos. Mesmo
porque nesta freguesia a maior parte dos filhos ilegítimos (96,7%) não teve o pai
reconhecido ou “deu-se” algum pai na hora do batismo. Ou seja, a maioria dos filhos
ilegítimos não era apenas filho de solteiros, mas sim de alguém cuja paternidade não podia
ser reconhecida publicamente. Poucas vezes o designativo de natural apareceu. Natural era
a forma decorosa, segundo Bluteau, de chamar os filhos tidos antes do casamento 448. Ou
seja, era fruto da relação de duas pessoas que, apesar de não serem casadas, não tinham
maiores impedimentos.
São vinte os casos de pais declarados na pia batismal. Eles nos permitem
compreender um pouco destas relações “ilícitas”, percebendo que eram bastante variadas;
podiam se dar dentro da própria casa onde viviam, entre pessoas de estratos diferentes e que
não viviam juntas, mas que estabeleciam de alguma forma maneiras de perpetrar seus
encontros sexuais. Quando a escrava Clara levou seu filho Benedito para receber o
sacramento declarou que a criança era filha de Nicolau, um forro que “assistia na mesma
casa”449. Já Perpétua, que deu a luz a gêmeos, apontou o administrado de outro senhor,
Domingos, como pai das crianças 450. No batismo de Antônia é o padrinho, informado pela
mãe, quem declara o nome do pai:

446
ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
447
FARIA. A Colônia em movimento ...Op. Cit., p. 55, Quadro 1.1.
448
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v. p. 68, vocábulo natural.
449
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Benedito, p.67v; 23/12/1748.
450
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de João e Luzia, p. 45v; 21/12/1743.
139

[...] Antônia inocente, filha de Martha solteira administrada de Vitoria de


jesus, e declarou o Padrinho ser filha de Paulo Moreira de Albuquerque
solteiro, pelo assim dizer a mães da dita criança [...]451

Tabela 7. Legitimidade por Grupo de mães na Freguesia de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Grupo por condição jurídica %

Administradas 46,62

Escravas 69,44

Forras 86,84

Livres 88,16
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Ao contrário da concentração de frutos ilegítimos entre as mães forras, comum a


outras freguesias452, em Curitiba foi entre as administradas que encontramos os maiores
índices de filhos ilegítimos (53,38%). Assim, entre essas indígenas era mais comum ter
filhos fora do que dentro das relações matrimoniais.
Contrasta com estes números a alta taxa de legitimidade apresentada pelas escravas
nesta freguesia. Ainda mais surpreendente é a legitimidade entre as forras, que se aproxima
muito do índice das livres [Tabela 7]. Como já apresentado, a maior parte das livres é
bastarda, designativo que remete à mistura entre índios e brancos. Ou seja, as mães
mestiças tiveram muito mais sucesso estabelecer relações matrimoniais que geraram filhos
do que as administradas.
Entre os indígenas dos Campos de Viamão há um percentual de 18% de pais
incógnitos, que, somados aos filhos naturais, figuram 33,7% de ilegítimos. Possivelmente
houve mais filhos ilegítimos naquela freguesia, mas os padres que fizeram os registros não
eram muito cuidadosos com os dados relativos aos frutos dos relacionamentos adulterinos.

451
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Antônia, p.181v; 07/10/1763.
452
O dado é de FARIA. A colônia em movimento... Op. Cit. p.54. Em São José das Mortes “a taxa de
legitimidade das forras ficou em 1,8%, resultado que corrobora estudos anteriores sugerindo um aumento
constante da legitimidade entre as libertas no decorrer do século XVIII”. LIBBY, Douglas Cole e FRANK,
Zephyr. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial: etnicidade em São José do Rio das Mortes,
1780-1810. Revista Brasileira da História. São Paulo, v.29, nº58, p. 383- 415, 2009, p. 395.
140

Dentre as mulheres que tiveram filhos com pais incógnitos, 73,33% eram administradas.
As que mais tiveram filhos naturais foram aquelas enquadradas na categoria índias ou
gentio da terra.
Alguns destes filhos naturais nascidos nos Campos de Viamão eram frutos de
relações entre índias e soldados. Foi o caso da índia Petronilha dos Santos que teve um
filho natural com o soldado Francisco Xavier 453. Também o da índia forra Tomásia, que
deu a luz a João, classificado como índio, mesmo que seu pai, Bonifácio Pereira, não fosse
indígena, e sim um soldado da guarda de Viamão454. Há mais um caso de relação entre
uma índia das Missões de Buenos Aires e um soldado da serraria, só que desta vez o filho
do casal é legítimo 455. Em Curitiba, pelo contrário, não encontramos nenhum filho de
soldado.
Estes casos viamenses apontam para a especificidade desta zona fronteiriça sempre
em constante disputa com o Império espanhol. Os três batismos ocorreram no momento em
que estavam acontecendo as demarcações do Tratado de Madri (1750) que, como
exploramos anteriormente, causaram grande dispersão dos guaranis pelo então Continente
do Rio Grande de São Pedro e provocaram uma maior interação entre a população
missioneira e os agentes da Coroa portuguesa, entre eles os soldados. Um dos planos dos
agentes da Coroa para atração destes índios missioneiros para o lado português era,
justamente, a promoção de casamentos mistos entre soldados e índias missioneiras 456.
Elisa Garcia ao constatar esse predomínio de pais incógnitos entre os filhos de mães
administradas propõem, sem restringir a elas, que eram frutos de relações violentas:

A subordinação pessoal a um administrado afastou-as de uma tutela estatal que


incentivava a constituição do matrimônio. Por outro lado, a administração era uma
experiência que tinha uma de suas bases na violência, da qual fazia parte, inclusive,
a violência sexual457.

Consensuais ou não, um dos fatores que talvez expliquem essa alta taxa de pais
incógnitos entre os filhos de administradas, nas duas freguesias, seja que estas crianças

453
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Nicolau, p. 25; 26/12/1751.
454
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de João. p. 97; 12/06/1751. A Guarda de Viamão, ou
Guarda Velha, era o local onde ficava o registro de pessoas e do gado, que posteriormente veio a ser a vila de
Santo Antônio da Patrulha e onde foi feito um aldeamento de guaranis oriundos das Missões
455
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Francisco, p. 101; 03/04/1752.
456
GARCIA, Elisa Frühauf. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no
extremo sul da América Portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009, p.34.
457
GARCIA. A integração das populações indígenas... Op. Cit., p. 71.
141

eram filhas dos administradores de suas mães ou de “brancos” casados e que por isso não
tenham sido reveladas as paternidades no momento do batismo. Tal ocultamento da
paternidade, quando passível de “escândalo” está inclusive previsto nas Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia:

E quando o batizado não for havido de legítimo matrimônio, também se declarará


no mesmo assento do livro o nome de seus pais se for cousa notória, e sabida, e não
houver escândalo; porem havendo escândalo em se declarar o nome do pai, só se
declarará o nome da mãe, se também não houver escândalo, nem perigo de haver
[...]458.

Certamente a violência sexual existiu, mas é possível que muitas destas mulheres
administradas tenham seguido seus desejos ou tenham utilizado como estratégia 459 de
ascensão social ter um filho com um não índio. O batismo de Maria nos aponta para o
primeiro caso. Luzia era uma administrada casada, mas Maria foi gerada fora do
casamento, com um “homem [de] andança”, talvez algum forasteiro que estando de
passagem pelos campos arrebatou o coração desta índia 460.
A “estratégia” de ter filho com um homem branco é mais difícil de ser mapeada; no
entanto, os indícios de mestiçagem são fortes em ambas as freguesias. Talvez o fato de
gerar um filho com um homem branco auxiliasse estas mulheres a saírem da condição de
administradas. A grande quantidade de bastardos livres, filhos da mistura de brancos/as e
indígenas, em Curitiba atesta, ao menos, a existência dessa mestiçagem.
Galvão e Nadalin utilizando os registros de batismo de Curitiba, através da
amostragem de um ano a cada dez, desde 1680 constataram um pico de ilegimidade em
1760 e 1770 entre administradas e escravas, chegando aos 83%. Entre 1716 e 1777, os
autores observam que com relação às administradas a ilegimidade diminui com o tempo,
passando de 78% a 8%; já entre as escravas ela aumenta de 4,3% para 48%. Para eles, “a
explicação é um tanto evidente, pois parece acompanhar a gradativa diminuição da

458
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA [1707]. São Paulo: Typorafia de
Antônio Louzada Antunes, 1853, p.30.
459
Estratégia aqui não é entendida como algo estritamente “racional”. Entendo-a dentro de uma lógica tal qual
Levi propõem: “Uma racionalidade seletiva e limitada explica comportamentos individuais como fruto do
compromisso entre um comportamento subjetivamente desejado e aquele socialmente exigido, entre a
liberdade a constrição.” LEVI, Giovanni. Herança Imaterial: Trajetória de um exorcista no Piemonte do
século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.46.
460
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Maria, p. 72v.; 27/05/1756.
142

escravidão indígena nos campos curitibanos e a lenta e segura introdução dos africanos” 461.
No entanto, no período estudado por mim, as africanas sempre foram numericamente
superiores às administradas, mas mesmo assim era entre as últimas que predominava a
ilegimidade. Ou seja, o aumento da ilegimidade entre as escravas não pode se atribuído
exclusivamente a sua predominância entre as mães, ainda que possamos considerar que o
aumento total delas tenha tido impacto sobre a questão da legitimidade.
Acredito que uma das hipóteses para explicar porque em um primeiro momento as
administradas tiveram mais filhos ilegítimos e depois passam a ser as escravas seja a
proximidade entre aqueles que se consideravam e eram considerados como brancos e as
indígenas. Tal aproximação, inclusive parental, talvez gerasse uma menor estigmatização
social das índias, escolhidas como parceiras sexuais preferenciais pelos homens “brancos”.
Porém o reconhecimento dos filhos dependia da posição social que ocupavam estas
mulheres; assim, vimos que as forras, que ocupavam um lugar mais elevado na hierarquia
social, tinham mais filhos legítimos, enquanto entre as administradas predominavam os
pais incógnitos. É possível que, naquele momento, os “brancos” ainda não se sentissem
socialmente dispostos a reconhecer os filhos que tiveram com as administradas. Contudo, o
estigma social pesava, naquele momento, de forma ainda mais contundente sobre as
escravas de origem africana, com quem os homens “brancos” parecem ter tido menos
relações.
Libby e Frank demonstram um cenário semelhante nos registros paroquiais de
Minas colonial, ainda que seja em relação às preferências matrimoniais. Segundo os
autores, naquela localidade os casamentos entre pessoas de “diferentes tonalidades de pele”
representavam 13,4% de todos os matrimônios, sendo mais da metade entre homens
brancos e mulheres pardas, não havendo nenhuma união sacramentada entre branco e
mulher de “‘pura’ ascendência africana”. Do que os autores concluem que:

Por um lado, tem-se a impressão de que as uniões entre brancos e pardas ainda
eram aceitáveis uma sociedade que, havia relativamente pouco tempo, emergira de
uma situação de escassez crônica de mulheres. Por outro lado, fica bastante claro
que as uniões formais entre brancos e negros simplesmente não eram permitidas

461
GALVÃO, Rafael Ribas e NADALI, Sergio Odilon. Arquivos Paroquiais e Bastardia: Mães solteiras na
sociedade setecentista. Anais do XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. MG: Caxambu,
set. 2004, p.02-03.
143

por uma hierarquia racial que ditava o comportamento aceitável para os brancos 462.

A concentração de casos de mães administradas e pais incógnitos em alguns


plantéis da freguesia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba talvez possa indicar, mas de
forma pouco conclusiva, que estas crianças eram filhas dos administradores de suas mães.
Por exemplo, no plantel de Vitorino Teixeira de Azevedo há 11 registros de batismo. Em
08 deles a mãe era administrada e o pai incógnito. Logo, havia uma predominância
absoluta de relações ilegítimas ali. Nota-se que as mães se repetem nos batismos de
ilegítimos. A carijó Tomásia teve dois filhos ilegítimos, assim como a carijó Vitória. Nos
outros quatro batismos a mãe se chamava Inácia, e em um deles está referida como Inácia
Alves Teixeira. Não temos como saber com certeza se era a mesma administrada, mas a
adoção do sobrenome do senhor talvez indique que esta mulher estabeleceu maior
proximidade com Vitorino. Em nenhum momento Vitorino aparece como pai dos filhos de
suas índias, no entanto ele era um homem casado463, o que podemos conjecturar ser um
motivo para não tornar pública esta paternidade.
Sabemos um pouco mais das relações que Vitorino Teixeira estabelecia com as suas
administradas porque Vitória perpetrou na Ouvidoria de Paranaguá um pedido de liberdade
contra seu administrador. No processo fica implícito que a solicitação foi motivada por
maus-tratos. Como resultado, Vitória foi recolhida ao presídio de Curitiba após a denuncia,
e a sentença impôs que a administrada ou voltasse para o antigo administrador, ou que fosse
para um aldeamento. Ela preferiu retornar ao antigo lar a ir para um lugar onde não tinha
laços sociais constituídos464.
Já no batismo de Sebastião “deu-se” como pai José Martins465. A mãe da criança,
Rosa Fernandes era administrada do Capitão José Martins Leme, e provavelmente o pai
declarado era o filho de seu senhor, que na época era ainda homem solteiro 466. Portanto,
aqui a paternidade de um homem “branco”, ainda que não reconhecida, foi socialmente
legitimada por tratar-se de uma pessoa sem maiores impedimentos.

462
LIBBY e FRANK. Voltando aos registros...Op. Cit., p. 397.
463
Casado com Isabel de Farias. Ver no ANSLPC- 3º LB.
464
BIBLIOTECA DA CÂMARA DE CURITIBA. Livro de audiências dos Juízes Ordinários, 1733-1738.
f.3v-4/ f.40. Apud. BORGES, Joacir Navarro. As demandas judiciárias envolvendo administrados em
Curitiba, século XVIII. Almanaque brasiliensi, nº6. Nov/ 2007, p. 80.
465
ANSLPC- 4ºLB. Registro de batismos de Sebastião, p.65; 10/10/1748.
466
Ver no ANSLPC- 3º LB.
144

3.1.2. Filhos legítimos

A Igreja Católica considera legítimos aqueles filhos frutos de relações


sacramentadas, através do casamento. Nos batismos do 4º Livro de Nossa Senhora da
Conceição de Curitiba constam 870 legítimos em um total de 1271 registros (68%). Ou
seja, ainda que se tenha frisado a importância das relações ilegítimas, a maior parte das
crianças batizadas era filha de pais formalmente casados.
O padrão das relações legítimas é o da “endogamia” 467. Observou-se que em todos
os grupos houve mais filhos cujos pais pertenciam a mesma categoria jurídica.
Desconsiderando os pais incógnitos, dentre os nascimentos de crianças legítimas, vemos
que das mães livres 95,5% tiveram filhos com pais livres; das forras 85,1% tiveram filhos
com homens também libertos, entre as escravas 92,1% optaram por ter filhos com homens
na mesma condição [Tabelas 9, 10 e 11].

Tabela 8. Legitimidade entre as mães sem classificativo na Freguesia


Nº %
de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mães sem classificativo e pais escravos 00 0,0
Mães sem classificativo e pais administrados 03 8,8
Mães sem classificativo e pais forros 01 2,9
Mães sem classificativo e pais livres 11 32,4
Mães sem classificativo e pais não consta 19 55,9
Mães sem classificativo: total sem pais incógnitos 34 100
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

467
“Endogamia” está sendo usado apenas levando em conta a categoria jurídica dos pais, sem analisar se
pertencem ao mesmo grupo étnico, se vivem no mesmo plantel, etc. Fatores estes certamente relevantes para
compreender realmente um processo de reprodução dentro de um mesmo grupo.
145

Tabela 9. Legitimidade entre as mães livres na Freguesia de Nossa


Nº %
Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mães livres e pais escravos 02 0,7
Mães livres e pais administrados 03 1,1
Mães escravas e pais forros 04 1,5
Mães livres e pais livres 255 95,5
Mães livres e pais sem classificativo 03 1,1
Mães livres e pais incógnito 21 7,9
Mães livres: total sem pais incógnitos 267 100
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Tabela 10. Legitimidade entre as mães forras na Freguesia de Nossa


Nº %
Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mães forra e pai escravo 09 13,4
Mães forras e pais administrados 00 0,0
Mães forras e pais forros 57 85,1
Mães forras e pais livres 01 1,5
Mães forras e pais sem classificativo 00 0,0
Mães forras e pais incógnitos 09 13,4
Mães forras: total sem pais incógnitos 67 100
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Tabela 11. Legitimidade entre as mães escravas na Freguesia de


Nº %
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mães escravas e pais escravos 350 92,1
Mães escravas e pais administrados 20 5,3
Mães escravas e pais forros 03 0,8
Mães escravas e pais livres 07 1,8
Mães escravas e pais sem classificativo 00 0,0
Mães escravas: total sem pais incógnitos 380 100,0%
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Em parte, pode-se imputar tal padrão de reprodução à tendência de serem atribuídos


os mesmos classificativos para o pai e a mãe nos registros batismais, sem que isso reflita,
146

necessariamente, a realidade da condição jurídica destes indivíduos. Infelizmente é


impossível mensurar em que medida mães foram classificadas com as condições dos pais e
vice-versa sem que isso fosse verdadeiro. Não é nada incomum que a categoria dos
progenitores fosse dada conjuntamente, nas duas freguesias em estudo:

(...) batizei, e pus os Santos óleos a Juliana inocente, filha de Domingos, e de sua
mulher Sebastiana ambos carijós administrados de Manoel Pinto do Rego468(...).

(...) batizou, e pôs os santos óleos o Reverendo Padre comissário Frei Joze de Santa
Úrsula Pacheco, na minha ausência a Francisco inocente, filho de Thomás, e de sua
mulher Thereza ambos escravos que foram dos Reverendos Padres da
Companhia469(...) .

(...) batizei e pus os santos óleos a Sebastião índio filho legítimo de Sebastião tonto
e de Isabel, índios naturais da Aldeia de Santo Ângelo das missões de Buenos Aires
(...)470.

Entre as mães administradas [Tabela 12], podemos observar que, ainda que haja
uma predominância dos filhos gerados dentro do mesmo grupo (59,3%), também
apresentam intercursos sexuais com homens de outras categorias jurídicas. Sendo assim, as
administradas não apenas concentram as filiações ilegítimas como são o único grupo com
menos de 85% de endogamia 471.

Tabela 12. Legitimidade entre as mães administradas na Freguesia


Nº %
de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, 1737-1764.
Mães administradas e pais escravos 38 25,3
Mãe administradas e pais administrados 89 59,3
Mães administradas e pais forros 2 1,3
Mães administradas e pais livres 11 7,3
Mães administradas e pais sem classificativo 10 6,7
Mães administradas: total sem pai incógnito 150 100,0
Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].

Vemos que várias das mães administradas tiveram filhos com escravos (25,3%).
Muitas destas relações certamente foram engendradas pelo interesse destas próprias

468
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Juliana, f. 04, 21/01/1737 (grifo meu).
469
ANSLPC- 4ª LB. Registro de batismo de Thomás, f. 182 v., 06/11/1763(grifo meu).
470
AHCMPA – 1ºLB. Registro de batismo de Sebastião, f. 123v, 23/04/1756 (grifo meu).
471
Desconsiderando o grupo das mães sem classificativo, já que não sabemos a que categoria pertencem.
147

indígenas que, ao conviver com estes cativos de origem africana, optaram por ter filhos
com eles. Entretanto, lembremos que se tratam de filhos legítimos, logo, a prole de casais
cuja união foi sacramentada pela Igreja, o que necessariamente contou com a conivência
dos senhores para oficialização destas uniões. Como colocou Robert Slenes, ao estudar as
famílias escravas em Campinas, durante o século XIX, há motivos para pensar porque
alguns casais cativos conseguiram oficializar uniões enquanto outros não:

(...) os fatores complexos que levaram certos casais escravos a procurarem o


casamento religiosos e a receberem a permissão para isso de seus senhores
provavelmente não incidiam de forma aleatória sobre o grupo de cativos que vivia
“maritalmente”472.

Podemos especular que o estímulo a uniões afro-indígenas era uma forma dos
senhores garantirem a permanência destas mulheres administradas junto aos seus esposos e
ainda aumentarem seus plantéis com as crianças geradas destas relações, mesmo que elas
fossem formalmente livres. Sendo assim, esta se configurava como uma dupla estratégia de
manutenção da escravaria: utilizava-se a força de trabalho do cônjuge dos escravos e os
possíveis filhos desta relação. Schwartz já apontara que esta era uma prática comum na
Bahia do século XVI. Lá os senhores de engenho estimularam as uniões entre indígenas e
cativos africanos como forma de aumentar sua força de trabalho 473.
No primeiro livro de Batismo de Nossa Senhora da Conceição de Viamão em
apenas três registros de crianças legítimas consta que a mãe é administrada. Todos são
referentes à Laura de Brito e seu esposo José Pinto Siqueira. Podemos observar, através do
acompanhamento deste casal no tempo, que as categorias utilizadas pra classificar um
mesmo indivíduo podiam variar. Talvez isso refletisse diferentes posições ocupadas por
eles na hierarquia social ao longo de suas trajetórias de vida.
No registro de união do casal, do ao de 1750, constatamos que a história dos
administrados se entrelaça a dos povoadores dos Campos de Viamão. Nele consta que
Laura da Guerra é administrada de Ana da Guerra, assim como fora sua mãe Antônia. O
pai de Laura havia sido cativo do Capitão mor de Laguna, Francisco Brito Peixoto. Já José
era oriundo de São Paulo, e aparece no registro de casamento como índio forro, mesmo

472
SLENES, Robert W. Na senzala uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava- Brasil
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.p. 88.
473
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988. p.48.
148

classificativo delegado aos seus pais 474. Entretanto, pouco tempo depois os dois constam
como administrados da viúva Ana da Guerra, designação também utilizada para classificar
o batizando Malaquias, que ali aparece como índio administrado475. No ano de 1754, o
casal registra outro filho: Simiano, neste batismo apenas Laura consta com administrada476.
No ano de 1756, quando é registrado o terceiro filho do casal, José e a esposa voltam a ser
designados administrados477. Em setembro e dezembro do ano de 1758, no assento de
batismo de Januária478 e Eugênia479, os pais são designados respectivamente “gentio da
terra” e “gente da terra”. Observamos aqui que não houve uma trajetória linear rumo à
ascensão social, se em um momento José é forro, volta a aparecer como administrado no
momento seguinte.
Contudo, acompanhando o casal nos Róis de Confessados observamos que eles
aparecem nos anos iniciais da década de 1750 arrolados entre os administrados da viúva
Ana da Guerra, deixando de constar no rol de 1758. Este último momento coincide com os
batismos em que passaram a ser designados como “gentio da terra” ou “gente da terra”.
Como já mencionei no capítulo anterior, estes classificativos procuravam demarcar aqueles
nativos que possuíam uma condição um pouco mais elevada do que aqueles classificados
de índios ou carijós. É possível, portanto, que o casal tenha saído do domicílio em que
viviam anteriormente sob jugo de uma senhora e, ao fazer isso, tenham adquirido, frente ao
padre da paróquia, um status mais elevado.
Nesta freguesia de Viamão apenas seis casais eram “mistos”, ou seja, compostos por
apenas um indivíduo indígena, tiveram filhos legítimos. É o caso o caso de duas escravas: a
mulata Laureana que teve uma filha com o carijó forro Manoel de Lima480, e a parda
Helena que teve um filho com Inácio, um tape de nação livre481. E também o caso de Rosa,
índia forra, que, no ano de 1754, teve um filho (o índio Amaro) com o escravo Caetano
Angola482. Rosa Maria uma índia forra, batizou sua filha Egrácia, tida com o pardo forro

474
AHCMPA [PRFP] – 1ºLC. Registro de casamento de José de Siqueira e Laura da Guerra, f. 12, 1750.
475
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Malaquias, f.99v.; 13/11/1751.
476
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Simiano, f. 116; 28/10/1754.
477
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de André, f.138; 08/12/1756.
478
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Januária, f.134v.; 20/09/1758.
479
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de André, f.135; 08/12/1758.
480
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Perpétua, f.13; 01/04/1749.
481
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Pedro, f.118..; 18/05/1755.
482
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Amaro, f.112v.; 13/02/1754.
149

Manoel Dias, assim como Josefa Pinheiro do gentio da terra teve um filho com o pardo
forro Manoel Ribeiro483.
Somam-se a estes um único caso em que uma administrada teve filho com um
homem que podemos deduzir que era socialmente considerado branco, pois não teve sua
cor marcada. Foi a índia Madalena Maria da Conceição, que já se mencionou ter tido um
filho legítimo com o soldado da serraria Feliciano de Souza484. Chama a atenção que este
batismo tenha sido considerado legítimo, pois no registro de união dos pais não foi dada a
benção “por ser público que era mulher meretriz”485. Em caso semelhante, o índio Borocy
Paulo, também teve o matrimônio negado por ser sua mulher meretriz 486.
Ainda outra indígena foi considerada desta forma nos registros paroquiais de Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Viamão. No batismo de Guilherme, a índia forra
Maria de Brito “não deu pai por ser meretriz” 487. Certamente, registrar no batismo de uma
criança que sua mãe é meretriz era uma enorme carga social a ser carregada por toda a vida,
que demonstra um dos lugares sociais reservado às mulheres indígenas e sua prole nesta
sociedade excludente.
Marcio Blanco, questionando porque o adjetivo foi atribuído apenas a três
indígenas, sugere que esta era uma das formas de inferiorizar estas mulheres, já que, para o
autor certamente havia pessoas brancas com esta profissão:

Não passa despercebido o fato de que as qualificações depreciativas fossem


atribuídas, sobretudo, a afrodescendentes e indígenas, reforçando a percepção de
que estes povos eram naturalmente inferiores aos cristãos488.

Não podemos afirmar que outras mulheres eram meretrizes, mas certamente a
exploração sexual das indígenas era prática comum no Brasil colonial. Se algumas optavam
pela prostituição de forma mais ou menos voluntária, impelidas pela necessidade de
sustento, há relatos contumazes de exploração sexual de índias nos Campos de Viamão.

483
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de José, f. 134v.; 03/09/1758.
484
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Francisco, f. 101; 03/04/1752.
485
AHCMPA [PRFP] – 1ºLC. Registro de casamento de Feliciano de Souza e Madalena Maria da Conceição
f. 07, 02/1750.
486
AHCMPA [PRFP] – 1ºLC. Registro de casamento de Paulo e [não consta] , f. 68, 26/04/1759.
487
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Guilherme. f.113; 17/02/1754.
488
BLANCO, Márcio Munhoz. Pelas veredas da senzala: família escrava e sociabilidades no mundo agrário
(Campos de Viamão, c.1740-c.1760). Porto Alegre: UFRGS, 2012. (Dissertação de mestrado), p.55.
150

Elisa Garcia relatou o caso de Suzana uma índia administrada que foi obrigada por sua
senhora a “fazer mau uso de si” e sofria todo tipo de violências 489.
Analisando o auto de denúncia contra esta senhora, Joana Garcia Maciel, “pelo
escândalo público com que vive e desonesto procedimento”490, as testemunhas oferecem
um quadro mais completo deste caso. Segundo um dos depoimentos, consta que era
“público que ela mandava ao ganho [a índia administrada] a ter com seus amigos para lhe
trazer jornal”491. Em pergunta feita a outra testemunha acrescenta-se o dado de que a
prostituição se dava em troca de dinheiro e água ardente:

E sendo lhe perguntado se sabia que a dita Joana Macial Garcia tinha uma [índia]
sua administrada a quem tratava mal, de pancadas e obrigava que fosse ter com
seus amigos e usar mal de si e que lhe faz buscar dinheiros e águas ardentes,
respondeu que era público e notório e que a índia a não [corroído] tratar pelas
injúrias que lhe fazia e que fugindo-lhe estes dias de casa andava morta para a
matá-la porque não confessava que a sua administradora fazia492.

As testemunhas do caso também apontam que os maus tratos não eram direcionados
apenas a índia Suzana, mas a todas as indígenas em posse daquela senhora e que o padre,
para proteger a administrada, a enviou para São Paulo. Infelizmente, não sabemos o
paradeiro de Suzana. Pode ser que ter sido enviada para um aldeamento, mas o processo
não trás maiores informações, além da que fora degredada.
A peça processual explicita uma prática de submissão que parece ter sido comum
entre os senhores e senhoras de indígenas, a de “enfiar algo entre as pernas” delas para
subjugá-las493.

E perguntado a ele testemunha que a dita denunciada mandava umas Índias suas
administradas que se fossem ao ganho para lhe trazerem dinheiro e aguardente e se
as tratava mal por conta desta diligência. Respondeu que era público em toda esta
vizinhança que a dita denunciada tratava tão mal, de pancadas, mortas de fome e
nuas, mas que até a uma delas por nome Susana lhe meteu um tição de fogo por
entre as pernas, por cuja razão o Capelão que exercia nesta freguesia, Manuel Luís
Vergueiro [corroído] a dita índia e a degradou para São Paulo por evitar para que a
dita denunciada não matasse a dita índia494.

489
GARCIA, E. Op. Cit. A integração das populações indígenas... p. 71
490
AHCMPA. Processos do Juízo Eclesiástico, 1757, nº 7, p.01 [Processo transcrito].
491
Ibidem, p. 05v.
492
Ibidem, p.04.
493
Ver caso muito semelhante em: MONTEIRO. John Manuel. Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de
História Indígena e do Indigenismo. UNICAMP: Campinas, 2001. (Tese Apresentada para o Concurso de
Livre Docência), p. 95.
494
AHCMP, Processos do Juízo Eclesiástico, 1757, nº 7, p.06v. [Processo transcrito].
151

O processo é interessante porque é um dos raros momentos onde podemos ter noção
das formas violentas que a administração indígena assumiu nas áreas sulinas. Contudo este
parece ter sido um padrão desviante das relações, que seguramente não baseavam-se apenas
na violência. Também importa observar que o processo é carregado de acusações a Joana
Garcia Maciel que, não despretensiosamente, são todas de cunho sexual. A senhora é
acusada de copular com o filho, de mandar estuprar as cunhadas e de explorar sexualmente
a administrada, além de fazer feitiçarias. É possível que o teor destes testemunhos esteja
impregnado pelo pensamento da época do que era ser uma má cristã, talvez atribuindo um
“pacote” de maus procedimentos que não fosse de todo verídico.
Mas vamos retornar às crianças legítimas da paróquia de Nossa Senhora da
Conceição de Viamão. Aqui observamos que a grande maioria das mulheres indígenas
optou por ter filhos com um parceiro também indígena. Em grande parte são casais
formados por dois membros provenientes das Missões.
São 42 casais com filhos legítimos em que os dois membros são ameríndios 495.
Garcia chega a esta mesma conclusão 496 e lança duas hipóteses para que isso ocorra, com as
quais eu concordo:

Primeiro, os índios realmente casavam-se com parceiros próximos não apenas


socialmente, mas também etnicamente, reforçando as fronteiras que classificavam e
segmentavam a sociedade. Por outro lado, esta unificação pode ter sido dada pelo
pároco no momento do batismo, estabelecendo ele os critérios de classificação.
Sendo ambos os pais pertencentes a populações autóctones, outorgava ao pai e a
mãe classificações e origem que poderiam pertencer a apenas um deles.
Novamente, seriam reforçadas, mas também formadas, as fronteiras étnicas497.

Max Ribeiro analisando os registros batismais de Santa Maria, no Rio Grande do


Sul, na primeira metade do século XXI, encontra um padrão de endogamia dos indígenas
migrantes das Missões jesuíticas. Para ele, tais práticas faziam parte de uma estratégia

495
Há um casal em que apenas a mãe Simõa da Cunha recebe o designativo de gentio da terra, mas antes, em
outro batismo, o esposo também recebera o mesmo designativo e por isso foram contabilizados aqui como um
casal em que os dois membros eram indígenas. Ver: AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de
Manoel f. 90v.; 27/02/1758 e AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Rita f. 68v.50; 30/11/1755.
496
A autora encontrou apenas 35 casais de indígenas com filhos legítimos, 5 naturais e dois em que nada
constava, mas também chega a conclusão de que os índios casavam entre si. GARCIA.A integração das
populações indígenas... Op. Cit., p. 72.
497
Idem, p.73.
152

familiar que buscava reiterar, para além do território missioneiro, as estruturas


organizacionais guaranis 498.
Temos ainda seis casos de batizandos que receberam designativos indígenas, mas
seus pais não foram identificados enquanto tal, ainda que em alguns casos possamos
deduzir que eram indígenas499. É o caso de Miguel, índio da Aldeia da Patrulha, em que a
mãe Maria Rosa e o pai, Anastácio Berenguera, não receberam nenhum classificativo 500.
Estes padrões de relações legítimas dentro das mesmas categorias sociais reforça a
ideia já apontada quando se analisaram as relações ilegítimas, de que havia uma tendência
destas sociedades em rejeitar, apenas no âmbito público, relações com pessoas de estratos
hierárquicos diferenciados, mesmo que, como vimos, não houvesse grandes distinções entre
brancos e não brancos.

3.2. Bastardos e inglórios: as transformações dos indígenas do sul.

Tendo em vista a forma como se estruturaram as categorias jurídicas e o significado


destes classificativos, além de termos estabelecido a existência do processo de mestiçagem
nas freguesias em análise, este subcapítulo pretende dar conta dos processos de
transformação das categorias nas quais os indígenas foram enquadrados, demonstrando que
as mudanças progressivas naquelas sociedades não geraram o desaparecimento dos
ameríndios. Assim, procura-se contestar a ideia de substituição da mão de obra indígena
pela africana, propondo que os primeiros tenham engrossado uma camada de gente mestiça
e pobre, classificada como livre ou forra, mas que nem por isso deixou de servir como força
de trabalho. Também observou-se o processo contrário, em que indígenas perderam toda
sua identificação étnica e passaram a ser classificados apenas como escravos.
Nestas análises estou seguindo a trilha investigativa proposta por John Monteiro que
assinalou para São Paulo a formação de uma população pobre e mestiça com ascendência

498
RIBEIRO, Max Roberto Pereira. Estratégia indígenas na fronteira meridional: os guaranis missioneiros
após a conquista lusitana ( Rio Grande de São Pedro, 1801-1834. UFRGS: Porto Alegre, 2013 (Dissertação de
mestrado), p.105.
499
Em um dos casos apenas a mãe e filha constam como indígena e sobre o pai nada consta, mas por constar
que a batizanda é “índia tape dos que vieram das missões” e sua a mãe Francisca, ser também tape, supus que
o pai talvez fosse também indígena e o contabilizei entre os casais indígenas, mas pode ser que não fosse.
Ver: AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Isabel, f. 114; 19/04/1754.
500
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro de batismo de Miguel, f.135v.; 20/12/1758.
153

indígena no século XVIII. O autor apontou que para isso pesaram a diminuição das
expedições preadoras de índios e as alforrias conquistadas pelos mesmos 501.
Renato Pinto Venâncio também apontou processo semelhante para Minas Gerais. A
drástica diminuição dos indígenas escravizados, entre 1710 e 1730, no termo da Vila do
Carmo, futura Mariana, foi explicada pelo autor como fruto da alta mortalidade e fim das
expedições de apresamento. A rentável exploração do ouro permitiu que os bandeirantes
transferissem o trabalho de renovação dos plantéis para os traficantes do eixo Rio-Minas.
Contudo, o autor também apontou que muitos dos nativos que fugiam devem ter
“engrossado a massa de pobres e desclassificados sociais das vilas e arraiais mineiros”.
Assim,

Ano após ano, o carijó escravo vai dando lugar ao carijó livre; homem fora da lei
ou imerso no universo da pobreza. Em meados do século XVIII, pouca lembrança
restará do ameríndio utilizado como instrumento de colonização. A partir de então,
o escravismo indígena tende a deslocar-se para as áreas periféricas à mineração502.

Busco aqui explicitar que houve um processo semelhante nos Campos de Viamão e
em Curitiba. A mestiçagem e a busca por liberdade dos indígenas possivelmente também
ali constituíram elementos chave para compreender as transformações destas sociedades.

3.2.1. Presenças indígenas e transformações taxonômicas

A quantidade de batismos realizada durante os 27 anos de análise do 4º Livro de


Batismo de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba oscilou, não apresentando
evolução significativa, ao menos até a década de 1760 [Tabela 13]. Indicando um
crescimento lento da população da freguesia.
Pode-se observar que também o número de escravas que batizou seus filhos oscilou
bastante ao longo do tempo, não assinalando um aumento contínuo na presença africana, ao
menos neste recorte temporal [Tabela 13]. É provável que a maioria dessas escravas fosse
de origem africana, mas não está excluída a possibilidade de que houvesse índias assim
descritas.

501
MONTEIRO, J, 1994, Op. Cit, p. 209 -210.
502
VENÂNCIO, Renato Pinto. Os últimos carijós: Escravidão indígena em Minas Gerais: 1711-1725. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v.17, nº 34. 1997. ( Versão para internet).
154

Um caso dos Campos de Viamão ilustra bem essa perspectiva. Quando Mônica uma
carijó catecúmena de nação caiapó foi batizada, consta que era escrava de João de
Magalhães e sua esposa Joana Maciel503. Este registro nos expõe que ser escrava não era
incompatível com ser indígena. Caso semelhante, portanto, ao classificativo de mulata,
citado do capítulo anterior. Também aponta que, ainda em 1748, estavam sendo
introduzidos cativos indígenas nos plantéis de Viamão. Isso porque catecúmeno designa
“aquele que se prepara e instrui para receber o batismo” e também “aquele que acaba de ser
admitido em determinada instituição e guarda todo seu entusiasmo por este motivo
(neófito)”504. Portanto, possivelmente, Mônica era uma índia recém-escravizada, trazida
dos sertões do Goiás, triângulo mineiro, leste do Mato Grosso ou norte de São Paulo; áreas
onde circulavam os caiapós. Não por acaso, a nação caiapó foi um grupo bastante
combatido durante a expansão em busca de minérios, durante o século XVIII e XIX 505.
Portanto, esse batismo de Viamão, além de explicitar a associação do termo escrava com a
qualidade de carijó, nos dá pistas de que a prática de utilização da mão de obra ameríndia
não estava em completo declínio.

503
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. Registro batismo de Mônica. p. 6v.; 09/02/1748.
504
FERREIRA, Aurélio B. Hollanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1975.
505
GIRALDIN, Odair. Renascendo das cinzas. Um histórico da presença dos Cayapó-Panara em Goiás e no
Triângulo mineiro. Sociedade e Cultura, v. 3, n. 1 e 2, jan/dez. 2000, p. 161-184. p.164.
155

Tabela 13. Condição das mães ao longo do tempo Nossa Senhora Luz dos Pinhais de
Curitiba

Total de
registros
(incluídos
Ano Administradas Escravas Forras Livres "Indefinidas" Total
casos sem
mães)

1737 18 23 1 1 1 44
1738 13 15 0 3 0 31
1739 16 26 0 2 0 44
1740 12 14 1 8 4 39 40 adulto
1741 24 28 1 3 2 58
1742 14 17 0 4 3 38
1743 7 12 1 5 1 26
1744 4 10 0 3 0 17
1745 8 13 2 8 1 32 33
1746 8 18 2 10 1 39
1747 3 16 2 3 3 27
1748 8 29 0 6 0 43
1749 19 19 8 3 2 51
1750 13 24 2 4 0 43
1751 8 17 1 3 1 30
1752 16 22 1 4 1 44 45 adulto
1753 12 33 8 1 0 54 56 adulto
1754 17 23 10 13 2 65 66 adulto
1755 8 17 1 17 4 47 48 adulto
1756 14 21 3 13 0 51 52 adulto
1757 11 22 5 10 3 51
1758 8 15 4 14 8 49
1759 7 14 11 14 3 49
1760 6 23 2 29 3 63
1761 12 18 5 31 1 67
1762 14 31 4 25 0 74
1763 9 19 5 36 2 71
1764 0 1 11 1 2 15
Nota: O ano de 1764 vai apenas até o mês de março. Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
156

Voltando a Tabela 13 percebemos que o pico de quantidade de mães escravas nos


registros de Curitiba, em 1753, se dá no momento próximo em que há incidência de
batismos de escravos adultos, podendo significar uma maior entrada de cativos africanos a
partir daquele momento. A maior presença de escravos nos plantéis curitibanos foi
frequentemente interpretada pela historiografia como uma substituição da mão de obra
indígena pela africana.
Bruna Portela identificou que na segunda metade do século XVIII há uma significa
diminuição da presença dos indígenas em processos judiciais e o progressivo aumento dos
africanos e seus descendentes, do que a autora depreende um processo de transição da mão
de obra indígena para a africana.

Uma consulta aos documentos deixou claro que durante a primeira metade do
século XVIII a presença de índios era bastante significativa, ao passo que a dos
escravos negros era até então relativamente rara. Após o ano de 1750 os indígenas,
por sua vez, tornam-se cada vez mais raros na documentação, acontecendo
justamente o inverso com a população negra, escrava e liberta. Estas primeiras
impressões condiziam com o que é proposto pela historiografia sobre o período em
que se deu o processo de transição do uso da mão de obra indígena para a africana
na Capitania de São Paulo506.

Stuart Schwartz também identifica esse processo de substituição, apontando que a


partir da década de 1750 passam a predominar os africanos nos registros paroquiais.
Segundo Schwartz, nos primeiros anos do século XVIII, os indígenas constituíam cerca de
60% da mão de obra da freguesia. Só em 1740 o número de africanos superou o de
indígenas nos registros de batismo. As proporções entre o número de indígenas e africanos
praticamente se inverteram a partir da década de 1751: se antes predominavam os indígenas
depois passaram a predominar os africanos507.
No entanto, os números do 4ª Livro não indicam um processo progressivo de
introdução de africanos [Gráfico 2]. Na segunda metade dos anos 1730 observamos quase
um equilíbrio entre escravas e administradas e uma parca presença de forras e livres. Na
década de 1740 a porcentagem de escravas aumenta, mas volta a se igualar com a das

506
PORTELA, Bruna Marina. Gentio da Terra, gentio da Guiné: a transição da mão de obra escrava e
administrada indígena para a escravidão africana (Capitania de São Paulo, 1697-1780). Curitiba: UFPR, 2014.
(Tese de Doutorado). p. 14.
507
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru (SP): EDUSC, 2001. p. 270.
157

administradas no final do período. A partir daquele momento o número de escravas se


eleva, mas para em seguida ser igualado às livres e depois ultrapassado por elas; lembrando
que essas são apenas as livres existentes no livro de “servos”. Concomitantemente, há a
diminuição, mas não o desaparecimento das administradas.
Os dados para período subsequente também não corroboram a ideia de uma
completa substituição da mão de obra indígena pela africana, apresentando inclusive uma
diminuição na quantidade de cativos na população total. Através da análise das Listas
Nominativas, Westphalen apontou que a população escrava do “Paraná”, em 1772, perfazia
apenas 22,4% do total508. Em Curitiba e São José dos Pinhais, neste mesmo ano, os
escravos eram somente 9%. Em 1798, teve-se a maior porcentagem de escravos no total da
população atingindo apenas 17,6%; proporção esta que só diminuiu até a primeira metade
do século XIX. Entretanto, as análises por cor do planalto demonstram uma presença mais
acentuada de pessoas “de cor”:

Em todo o período os pardos e pretos foram superiores a 31,0%, atingindo 37,9%


em 1816 (...). Talvez autores menos acostumados ao trato exaustivo da
documentação histórica, tenham apreendido apenas alguns dados pontuais relativos
ao planalto curitibano em determinados momentos e extrapolado para todo o
Paraná em todo o período da pré-imigração europeia e por isso mesmo apresentado
a hipótese, não verificada, da inexistência do trabalho escravo e, principalmente, da
presença de africanos e seus descendentes na composição da população
tradicional509.

508
WESTPHALEN, Cecília Maria. Afinal, existiu ou não, regime escravo no Paraná? Revista da SBPH, nº 13,
Curitiba: 1997. p.26
509
Ibidem, p. 33-34.
158

Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].


159

Portanto, vemos que a população não branca era considerável no planalto, mas a
escravidão, ainda que existente, não era tão vultosa. Observe-se que a autora, mesmo
contestando a historiografia que não viu os escravos, não cogitou, neste momento, a
presença indígena entre os não brancos. Octavio Ianni também atesta essa diminuição da
escravidão africana no final do século XVIII. Apesar de o autor tratar intensamente da
escravidão indígena no período inicial de povoamento de Curitiba, para o século em
questão ele salientou a possibilidade da presença de negros e mulatos e não de indígenas
entre a população livre.

Como a expansão econômica da área se efetuava em ritmo lento, não exigindo um


afluxo intenso de escravos, é possível que uma parte da responsabilidade pela
queda da participação relativa do grupo escravo se devesse ao crescimento
vegetativo maior dos brancos, o que seria explicável pelas suas condições de vida.
É preciso considerar, entretanto, que a população escrava não reúne o total dos
habitantes negros e pardos da população. A miscigenação, que já se vinha
verificando anteriormente, continua atuando como processo diversificador da
estrutura demográfica da comunidade. É de supor, pois, que houvesse uma parcela
de negros e mulatos livres510.

O Gráfico 2 demonstra que ao contrário de uma substituição da mão de obra


administrada pela africana, podemos observar, na metade do século XVIII, uma tendência
ao aumento das livres e forras em Curitiba, podendo, portanto, significar um progressivo
enquadramento das mulheres indígenas nestas categorias. Como visto através da análise do
4º Livro de batismos da freguesia, tanto forras quanto livres eram predominantemente
mulheres mestiças com origens indígenas. Também há um aumento, ainda que não tão
significativo, da presença daquelas “indefinidas”, grupo no qual predominavam as
indígenas que foram administradas.
A desproporção do crescimento da população livre com relação à escrava seguiu
esta tendência nos anos seguintes, adentrando o século XIX. Entre 1782 e 1830 a população
livre de Curitiba cresceu 191,5%, enquanto a cativa apenas 33% 511.
Do Gráfico 3 também podemos depreender um processo similar. Ele indica o
aumento da mestiçagem nos campos curitibanos e a formação de uma população livre e

510
IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil meridional. São
Paulo: Hucitec/ Curitiba: Scientia et Labor, 1988, 2ed. p. 71.
511
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades. Negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social
do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.p. 44.
160

possivelmente pobre, já que com marcas hierárquicas que remetem ao cativeiro, com fortes
elementos indígenas. Assim, observa-se que nas décadas de 1730 e 1740 predominavam as
mães administradas carijós. O classificativo carijó, como já apontei no capítulo anterior,
alude a condição escrava. A partir de 1750, passam a predominar as administradas e forras
bastardas. Como frisado, bastarda era um adjetivo que remetia à miscigenação entre
indígenas e brancos. Na década de 1760, as forras bastardas eram a maioria, e só
residualmente o classificativo carijó apareceu. Portanto, o câmbio de termos, daqueles que
aproximam os nativos americanos da escravidão para aqueles que os marcam como
mestiços, apontam que talvez o melhor caminho para investigação não seja o de pensar a
substituição de uns agentes por outros, mas as próprias trocas de forma de identificação dos
agentes indígenas.
De tais análises, no máximo, poderíamos apontar que houve a alteração étnica dos
quadros cativos. Contudo, o progressivo abandono da administração particular de índios
não indica o fim da utilização da força de trabalho dos nativos americanos, que se
configurou de novas maneiras. Isto porque certamente os ameríndios, ainda que apareçam
sob outros qualificativos como os de livre pobre, ex-administrado ou forro, continuaram
servindo como trabalhadores e trabalhadoras, mesmo que não escravizados. Um exemplo
disso pode ser visto no Capítulo 1, quando constatou-se que boa parte dos soldados de
Ordenanças tinha características físicas que remetem à origens ameríndias. Ou seja, os
indígenas não desapareceram como sugere, ainda que sem este propósito, a ideia de
substituição. Não obstante, este processo também não significou o abandono completo da
prática da administração em Curitiba.
161

Fonte: ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].


162

As listas nominativas de Curitiba atestam para a continuidade da administração


indígena na localidade, ao menos até o final do século XVIII. Também chamadas de Maços
de População de São Paulo, foram realizadas em todas as áreas da Capitania a partir de
1765 e tiveram, inicialmente, como finalidade o recrutamento militar. Como aponta
Bacellar, tais listas vão se tornando mais detalhadas com o passar do tempo devido às
crescentes exigências da administração monárquica512. No caso de Curitiba as primeiras
listas conhecidas são de 1776. Os administrados aparecem ocasionalmente, mas não em
números significativos. Por exemplo, nesta primeira lista, da 2º Companhia de Ordenanças,
temos sete administrados, cinco homens e duas mulheres, distribuídos em três fogos513.
Certamente a presença dos administrados está extremamente subestimada nestes
registros. Em nenhuma das listas de Curitiba, do século XVIII, consta o nome dos escravos,
apenas a sua quantidade por domicílio. Esse procedimento pode ter ocultado os indígenas
do cômputo, já que poderiam estar arrolados junto aos escravos, aparecendo apenas no
número total de cativos daquele domicílio. Tal processo de subsunção dos administrados
no grupo dos escravos no final do século XVIII, como veremos adiante, não se deu apenas
em Curitiba, ocorreu também nos Campos de Viamão.
Ainda é possível que muitos senhores não informassem corretamente o número de
indígenas que residiam em seus fogos, evitando com isso a perda desta mão de obra para
recrutamento militar. Ou, novamente, a questão que sempre retorna quando tratamos da
administração particular de índios, é que ela era uma contravenção legal e, mais uma vez,
pode ter havido a intenção de ocultá-la dos representantes dos poderes régios. Lembrando
que este era um momento posterior a Lei de liberdade de 1755. Logo, é um momento em
que as mudanças na legislação e a própria mobilização dos indígenas iriam colocar
barreiras na pretensão da manutenção do sistema de administração particular, sem que isso
resultasse efetivamente no fim da utilização coercitiva da força de trabalho nativa.
Ainda assim, já no limiar do século XIX, em 1795, as listas nominativas
apresentam, mesmo que em pequena quantidade, administrados. Dentre os fogos arrolados
na 2ª Companhia de Ordenanças temos o domicílio de Isabel Martins Valença, onde residia
a administrada Tereza, de 61 anos. Além dos filhos da chefa do fogo, viviam junto à

512
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Arrolando os habitantes no passado: as listas nominativas sob um
olhar crítico. Locus: Revista de História. Juíz de Fora, v. 14, n.1. p. 113-132, 2008. p. 114.
513
Lista nominativa de Curitiba 1776. Transcrições do CEDOPE/ UFPR. Originais do AESP.
163

Tereza, três moças expostas, além de vinte e seis escravos. Já no fogo de Francisco de
Souza Rocha predominavam os indígenas. O senhor possuía apenas um escravo e seis
administrados. Entretanto, é na Capela de Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá que
encontramos o maior número de indígenas administrados, eram 22, sob o mando do Padre
Francisco José dos Santos Pinheiro 514. Nesta capela, entre os anos de 1737 e 1764, 22% das
mães de batizandos eram administradas515.
O conjunto destes dados evidencia, portanto, que mesmo que não encontremos mais
tantos administrados nas fontes históricas de Curitiba, alguns indivíduos sob esta
denominação ainda estão presentes ali, demonstrando que o cativeiro indígena não se
extinguiu por completo. Da mesma forma, aponta que a população livre da freguesia
aumentou, podendo indicar um caminho de incorporação da população indígena da
localidade entre os livres “de cor”.
Nos Campos de Viamão a análise dos Róis de Confessados também sugere um
processo semelhante. Porém, lembremos que a mão de obra da região estruturou-se de
maneira muito distinta, sendo a presença africana muito marcada desde o começo do
povoamento luso-brasileiro na área, mantendo-se sempre como principal força de trabalho.
Ainda sim, observa-se também ali um decréscimo da população indígena, que passou de
4,5% para 2,5% do total de confessados na freguesia [Gráfico 4]. Esse descenso
demográfico não informa o desaparecimento dos indígenas de maneira geral e sim um
apagamento étnico. Na verdade, a população indígena da região aumentou no período, já
que após o início da demarcação do Tratado de Madri (1750), e a consequente Guerra
Guaranítica (1754-1756), existiu uma gradual dispersão dos grupos missioneiros pelo
território do Continente do Rio Grande de São Pedro.

514
A Capela de Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá foi construída pelos em 1709 em madeira, sendo
em 1727 erigida a capela em alvenaria, nas terras de Antônio Luiz Lamin (também chamado Antônio Tigre).
Tamanduá foi desmembrada de Curitiba em 1813, nesta época já pertencia aos carmelitas, e em 1820 a cede
da paróquia foi transferida para Palmeira. Informações retiradas de: PARANÁ (Estado). Secretaria de Estado
da Cultura. Coordenação de Patrimônio Cultural. Capela da Nossa Senhora da Conceição. Disponível em <
http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=95>. Acesso em :
20/02/2016.
515
ANSLPC- 4ª LB [1737- 1764].
164

Fonte: AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão: 1751, 1756, 1757 e 1758.

Em 1757 houve a transmigração “oficial” de missioneiros para os aldeamentos do


Rio Grande de São Pedro, como já se apontou no Capítulo 1. No entanto, condições
impostas pela guerra levaram alguns indígenas a buscar outras paragens antes disso. Indício
deste processo é que a partir de 1751 aparecem nos batismos de Viamão mães e pais
oriundos das Missões. Em 1753, temos uma clara demonstração da migração gerada pela
desestabilização do ambiente missioneiro; antes dos três registros de batismo do casal
Maria Madalena e Bonifácio, há a seguinte descrição: “Índios que vieram fugidos das
Missões a batizar-se nesta freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Viamão de que fiz
os assentos abaixo sucessivamente”516.
Este suposto declínio demográfico da população indígena na região também pôde
ser constatado na comparação dos dois primeiros livros de batismo de Viamão. Segundo
Garcia, no 2º Livro, cuja datação é de 1759 a 1769, os indígenas representavam apenas
2,5%, enquanto que no 1º Livro eram 17,5% 517. Para a autora, os fatores que explicam esta
diminuição são a proibição do uso da mão de obra indígena por particulares e a proposta do
516
AHCMPA [PRFP] – 1ºLB. p. 136; 26/10/1753 (Grifos meu).
517
Como já apontado não sabemos exatamente quais os critérios para o estabelecimento destas porcentagens,
no entanto, devem ter sido usados os mesmo para os dois livros, o que efetivamente indica uma diminuição na
população indígena. GARCIA, Elisa Frühauf. A integração das populações indígenas nos povoados coloniais
no Rio Grande de São Pedro: Legislação, etnicidade e trabalho. UFF, Niterói: 2003. (Dissertação de
mestrado), p. 66.
165

Diretório Pombalino (1758) de indistinção entre estes e os brancos. Assim, os


classificativos de diferenciação dos indígenas não seriam mais operacionais.
Ainda que, em minha opinião, a autora maximize os efeitos reais do Diretório no
processo de integração destas populações indígenas, pois, como discutimos no Capítulo 1,
este parece ter sido um processo mais gradual, ela aponta uma interessante questão ao
colocar a mestiçagem como uma das formas de causar a “invisibilidade étnica”. A respeito
do desaparecimento dos indígenas nas fontes considera:
O seu desaparecimento na documentação é uma questão bastante complexa.
Primeiro pensei que se tratasse de pura e simples omissão por parte das
autoridades, visando forçar a sua integração à sociedade colonial. Esta
perspectiva não me parece de todo equivocada, mas a situação é um pouco mais
complicada.(...) Provavelmente iniciou-se um processo de invisibilidade étnica.
Assim, a perspectiva de que estes se tornaram “mestiços”, “caboclos”, ou
“pardos” é também um discurso colonial que deve ser relativizado. Ao se referir
desta forma a estas populações, os agentes coloniais estavam negando-lhes
direitos que teriam se fossem socialmente reconhecidos como índios e, mais
importante, promovendo uma integração forçada, mas não em bases
igualitárias518.

Não que a mestiçagem, no sentido biológico, não tenha efetivamente ocorrido nas
duas freguesias. Como colocado, grande parte da população curitibana, chamada de
bastarda, era efetivamente composta por mestiços biológicos. Também já se sublinhou que
mesmo parte da elite dos Campos de Viamão era mestiça. Ainda, apontamos que nas duas
freguesias as administradas parecem ter tido vários filhos mestiços. Mas, aparentemente, a
segunda metade do século XVIII acelerou um processo de indistinção étnica dos indígenas,
especialmente aqueles frutos da mescla entre raças. Esse processo ainda que possa ter
significado a retirada dos estigmas que pesavam sobre alguns, como pretendia a política
pombalina, era também uma forma de negar-lhes direitos. Na condição de mestiços, muitas
vezes, nem a própria liberdade podia ser reivindicada.
No caso de Viamão parece-me que antes da migração massiva dos missioneiros para
o território português a identificação a partir de qualificativos que remetiam certa
“indianidade” era comumente dada àqueles que ocupavam um baixo estrato social. Como já
citado, as filhas mestiças de Francisco Brito Peixoto não eram identificadas como índias,
mas aquelas mulheres que viviam como administradas tinham sua etnia marcada, fosse
através da própria condição, fosse por qualificativos. Com a formação dos aldeamentos,

518
GARCIA. A integração das populações indígenas...Op. Cit., p. 85.
166

aparentemente aqueles ameríndios mais integrados à sociedade luso-brasílica deixaram de


ser identificados como tais, enquanto outros se incorporaram às aldeias e tiveram sua
identidade de indígenas reconhecida socialmente. Este processo, como indicou Elisa
Garcia, talvez não tenha se dado de forma deliberada, mas de qualquer forma gerou uma
transformação nas formas de identificação e, podemos especular, até mesmo de auto
identificação.
Segundo Giudicelli, os processos de identificação dos grupos tem íntima relação
com um esforço taxonômico. Estudando os Tepehuanes e Tarahuanes, de Nueva Vizcaya,
no atual México, durante o século XVII, o autor aponta que a distinção entre estes dois
grupos, longe de ser étnica, relaciona-se a um esforço de pacificação da fronteira que
instituiu que os inimigos eram os primeiros e os aliados os segundos. O “endurecimento
taxonômico” teve como objetivo circunscrever quem pertencia ao grupo potencialmente
inimigo e que acabou por ser escravizado e aquele com quem deveria se fazer um acordo de
paz519.
De forma semelhante, podemos dizer que a presença de índios missioneiros nos
Campos de Viamão tenha indicado aqueles que eram os verdadeiros “índios”, gerando
assim um fechamento taxonômico que excluía os indígenas mais integrados à população da
categoria de indígenas. Esse processo pôde ser amplamente verificado no Capítulo 2, onde
se constatou que o adjetivo índio foi exclusivamente utilizado para caracterizar gente
oriunda das missões. Assim, podemos entender o processo de marcação através destes
classificativos como constituinte das disputas por lugares sociais. Ou, como colocou
Boccara, a respeito da criação de etnias: “las luchas de clasificación que se desarollan em
torno de diferentes grupos ameríndios contituyen uma dimensión fundamental de toda
lucha social, de clase, o étnica” 520. Ou seja, se, como demonstrou Maria Regina Celestino
de Almeida, podemos entender os aldeados como um “grupo específico, diferentes de todos
os demais, unido e coeso, inúmeras vezes em torno de objetivos políticos e econômicos

519
GIUDICELLI, Christophe. Un cierre de fronteras... taxonómico. tepehuanes y tarahumara después de la
guerra de los tepehuanes.(1616-1631). Nuevo Mundo Mundos Nuevos (Nouveaux mondes mondes nouveaux),
revista eletrônica. Paris, 2008.
520
BOCCARA, Guillaume. Fronteras, mestizajen y etnogenesis en las Américas. In: MANDRINI, Raul J. y
PAZ, Carlos D. (comp.) Las fronteras hispanocriollas del mundo indígena latino-americano em los siglos
XVIII-XIX. Un estúdio comparativo. Tandil: IEHS, 2003.p.63-93, p. 68.
167

claramente definidos em suas petições” 521; podemos também pensar que a formação deste
grupo de aldeados excluí outros indivíduos destas categorias.
Mais uma vez a observação dos Róis de Confessados ao longo da década de 1750
pôde corroborar esta perspectiva. Vemos no Gráfico 5 que os administrados diminuíram
drasticamente no final da década de 1750. Se antes predominava esta categoria entre
ameríndios confessados, no ano de 1758 foram aqueles classificados de índios que passam
a prevalecer. Contudo, apesar da drástica redução numérica, o desaparecimento da condição
de administrado não é completo neste último Rol. Assim como nas Listas nominativas de
Curitiba, encontramos ainda administrados nos Campos de Viamão. São seis indivíduos
desta forma designados no ano de 1758. Isso demonstra que, apesar da redução da prática
do cativeiro dos ameríndios, ela ainda seguiu tendo aceitação naquela sociedade.
Analisando “mais de perto” esta documentação podemos perceber que além da
permanência residual da administração indígena, alguns dos que antes eram socialmente
marcados com a denominação de administrados passaram a ser categorizados como
escravos. Por outro lado, também temos pistas de que alguns dos indígenas que já viviam
de forma mais independente na freguesia tenham aproveitado o momento para incorporar-
se às aldeias que se formavam no Continente de São Pedro.
O fogo de Ana da Guerra é o que nos forneceu melhor exemplo do processo de
indistinção étnica entre indígenas e escravos de origem africana. No ano de 1751, a viúva é
proprietária de oito administrados. No ano de 1756, salta para quatorze o número de cativos
indígenas em seu domicílio, demonstrando que ainda durante a década de 1750 era possível
incorporar nativos à sociedade através da administração particular. No entanto, no ano de
1758 a proprietária passa a não ter mais nenhum administrado em seu fogo. Nesta data,
consta apenas a denominação de escravos para os treze indivíduos arrolados abaixo da
família nuclear. Disto, deduziríamos que são cativos de origem africana, no entanto, ao
observarmos os nomes, percebemos que nove deles são os mesmos administrados do ano
anterior: Maria, Escolástica, Catarina, Gaspar, Antônia, Teodora, Pedro, Ventura e
Anacleto522.

521
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p. 304.
522
AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão de 1751, 1756, 1757 e 1758.
168

Fonte: AHCMPA- Róis de Confessados de Viamão: 1751, 1756, 1757 e 1758

Já a situação de Raimundo e sua família nos deu pistas de outros lugares sociais
ocupados pelos indígenas naquele momento de transformações. Raimundo foi um dos dois
índios que aparecem como chefe de fogo nos Róis de Confessados da década de 1750.
Naquele documento apenas ele apareceu como índio. Porém, nos registros de óbito,
casamento e batismo ele e a esposa Natária foram descritos como“ índios forros” , “gentil
da terra” e também de “índios libertos” . A posição de chefe de fogo apontada pelo padre
confessor e a condição de forros nos demonstram que, ao mesmo tempo em que esta família
gozou de alguma independência naquela sociedade, eles estavam submetidos ao estigma da
servidão; mesmo que nunca tenham sido cativos, foram marcados como libertos.
Percorrendo os registros paroquiais sabemos que Raimundo era paulista e Natária oriunda
do Paraguai. Também que tiveram três filhos e que Raimundo morreu de “uma maligna da
aldeia”, no ano de 1758 523.
Bluteau nos informou que a enfermidade maligna é:

523
AHCMPA- [Projeto Resgate] – 1ºLB, Registro de Óbito de Ângelo, f. 94, t. 557,03/03/1753; 1ºLB,
Registro de Óbito de Raimundo, f. 103, t. 595,008/02/1758; 1ºLC, Registro de Casamento de Raimundo e
Natália, f. 4v, 03/12/1947; 1ºLB, Registro de Batismo de Inácia, f. 14v, 17/08/1749.
169

(...) aquela que segundo os médicos aplicando-se lhe os remédios convenientes,


sendo aliás curável, não obedece a eles, mas com certa dissimulação ofende pela
calada, e com ser muito perigosa não tira totalmente a esperança de vida. Febre
maligna.

Parece, portanto, que Raimundo, ainda que tenha vivido grande parte da sua vida
integrado à população luso-brasílica dos Campos de Viamão, acabou morrendo de uma
doença que aos europeus parecia curável, mas que aos índios matou silenciosamente. Seu
registro de óbito indica o retorno do convívio com os aldeamentos indígenas.
Possivelmente a “aldeia” referida no registro é a de Rio Pardo, criada em 1757. No entanto,
Raimundo não deve ter se juntado em definitivo aos guaranis missioneiro, já que seu óbito
foi registrado na capela de Viamão. Ele era um entre tantos indígenas que transitavam entre
diversos territórios, não só geográficos, mas também sociais e étnicos. Trilhou, assim, um
caminho distinto dos administrados de Ana da Guerra, aproximando-se mais dos lugares
sociais dos índios livres do que dos cativos.
Neste processo de intensificação das metamorfoses do status social dos índios, a
busca pela liberdade engendrada pelos próprios indígenas pesou fortemente na mudança
destas identificações.

3.2.2. Pedidos de liberdade: tensionamentos da condição de administrados

Os pedidos de liberdade de índios foram comuns em várias partes da colônia.


Márcia Eliane Alves de Souza e Mello, analisando os processos das Juntas das Missões
Ultramarinas, especialmente aqueles que referentes ao Estado do Grão-Pará e Maranhão,
durante o século XVII e XVII, salientou que aquele era um espaço de mediação entre os
interesses dos colonos e eclesiásticos, diferentemente dos juízos das Câmaras que tendiam a
favorecer os senhores. Assim, em 1733 foram criados os Juízos de Liberdade, ligados às
Ouvidorias, que deveriam acolher os pedidos de libertação dos nativos em primeira
instância, ficando a Junta das Missões como tribunal de segunda instância. Este último
órgão era menos suscetível aos interesses dos colonos e, por isso, os indígenas recorreram
diretamente a ele. Nos casos citados pela autora, as Juntas decidiram a favor dos cativos 524.

524
MELLO, Márcia Eliane Alves de Souza. As apelações de liberdade dos índios na América Portuguesa
(1735-1757). Anais do XXIII Simpósio Nacional de História. Londrina: 2005. E também em 524 MELLO,
Márcia Eliane Alves de Souza. A reconquista da liberdade. Índios da Amazônia recorriam aos tribunais do rei
para se livrarem da escravidão. In: FIGUEIREDO, Luciano (Org.) A Era da escravidão. Rio de Janeiro: Sabin,
2009.
170

Os casos de Curitiba, julgados em primeira instância, tiveram resultado distinto,


sempre legitimando a permanência da administração. Constata-se que o poder local, como
busquei explicitar anteriormente, não tendeu a favorecer os indígenas. Monteiro aponta que
também em São Paulo isto ocorreu. Segundo o autor, foi somente no final do século XVII,
quando foram implantadas reformas administrativas que pretendiam subordinar a região ao
poder central, que houve uma maior gerência nas relações entre colonos e indígenas,
proporcionando, desta maneira, uma maior abertura às causas indígenas. Antes disso, as
Câmaras municipais defendiam veementemente o costume da terra de se utilizar a mão de
obra dos nativos. Com tais mudanças os índios passaram a entrar com ações de litígio para
conquistar sua liberdade525.
Em Curitiba, partícipe da Capitania de São Paulo, tal movimento de busca pelo fim
do cativeiro é evidente, já no caso dos Campos de Viamão, não foi possível encontrar
pedidos de liberdade de indígenas526. Bruna Portela, Joacir Borges527 e Lilian Brighente528
demonstraram que no século XVIII avolumou-se na vila curitibana este tipo de solicitação.
Estas requisições tinham como plano de fundo o reconhecimento da liberdade legal dos
indígenas pelos próprios cativos, mas, concomitantemente também revelam que esta
liberdade estava condicionada a certas convenções sociais, que prevaleciam sobre a lei e
que tinham íntima relação com os processos de mestiçagem.
Portela, que analisou todos os processos do Arquivo Estadual do Paraná
confeccionados no século XVIII, encontrou três pedidos de liberdade de indígenas, datados

525
MONTEIRO, John Manuel Alforrias, litígios e a desagregação da escravidão indígena em São Paulo.
Revista História. São Paulo. v. 120, p.45-57, 1989 e também em MONTEIRO. Negros da terra...Op. Cit., p.
215-217.
526
Foram consultados todos os primeiros processos judiciais existentes no Arquivo Público do Rio Grande do
Sul. APERS. Acervo Judiciário. Comarca de Santa Catarina, 2ª Vara Cível e Crime. Crime. Caixa:
01/01/1778 a 31/12/1814 e APERS. Acervo Judiciário. Comarca de Santa Catarina, 2ª Vara Cível e Crime.
Inventários. Caixa: 01/01/1766 a 31/12/1787. Inventários. Caixa: 01/01/1766 a 31/12/1787.
527
Joacir Borges relata três casos de pedidos de liberdade registrados nos livros do Juízo Ordinário da Câmara
de Curitiba. Consultei este livro na BIBLIOTECA DA CÂMARA DE CURITIBA. (Livro de audiências dos
Juízes Ordinários, 1733-1738). Neles não constam processos propriamente ditos, apenas casos analisados pelo
Juízo. Portanto, não são muito detalhados e muitos deles aparecem dispersos nas páginas do livro, isso porque
foram registrados em ordem cronológica. Um dos casos relatado por Borges é o de José, analisado também
por Portela, a partir de outra fonte. Os outros dois casos foram citados anteriormente nesta dissertação em
1.3.3. A administração indígena em debate. Ver: BORGES, Joacir Navarro. As demandas judiciárias
envolvendo administrados em Curitiba, século XVIII. Almanaque brasiliensi, nº6. Nov/ 2007.p. 79-80
528
Lilian Brighente cita em primeira mão um dos casos analisado posteriormente por Portela, o da
administrada Francisca Leme. Ver: BRIGHENTE, Lilian Ferraresi. Entre a liberdade e a administração
particular: A condição jurídica do indígena na vila de Curitiba (1700-1750). Curitiba: UFPR, 2012.
(Dissertação de mestrado).
171

de 1729, 1733 e 1736 e um translado de processo de 1771, cuja data do processo é 1751.
Este translado é o único que não decorre de fatos sucedidos na vila de Curitiba e sim em
Paranaguá. Os três pedidos de liberdade curitibanos se embasam no fato de os
administrados serem filhos de homens brancos, e por isso não sujeitos ao cativeiro.
Aparentemente, o reconhecimento da paternidade por um home livre podia
influenciar fortemente a questão da liberdade. Monteiro, analisando os registros paroquiais
de Santo Amaro, entre 1686 e 1725, apontou que havia um grande número de batismos
onde constavam mães indígenas e bastardas com pais incógnitos. Naquela freguesia, as
crianças frutos destas relações foram sempre consideradas livres, contrariando o princípio
de seguir a condição jurídica das mães. O autor indica também que não era incomum que
senhores que tivessem filhos com suas administradas passassem, aos filhos e mães, carta de
alforria. Este, evidentemente, não era o padrão de Curitiba. Como vimos, várias mulheres
bastardas, ou seja, filhas de “branco/as” e indígenas, seguiam sob administração particular.
No entanto, também na freguesia paranaense estes processos de mestiçagem foram
mobilizados pelos próprios indígenas como forma de deslegitimar seus cativeiros.
Francisca solicitou seu pedido de liberdade ao Juízo Ordinário de Curitiba alegando
que seu administrador, já falecido, era seu pai. A defesa do cativeiro de Francisca, feita pela
viúva Maria Antunes, revela os signos sociais associados ao lugar das “servas”. Quando
Francisca afirmou que em seu batismo fora reconhecida a paternidade, Maria deslegitima
esse reconhecimento, colocando que era “costume” dos senhores registrarem os
administrados como seus filhos. Da mesma maneira, as testemunhas do processo
apontaram que a vestimenta era uma destas formas de se verificar a condição dos
indivíduos naquela sociedade, quando afirmam:

“anda a embargada com trapos de serva vestida com tipóia


servindo a embargante como sua Senhora e como tal sempre viveu (...)”.

“a embargada nunca tivera neste título [de filha do defunto] porque sempre andara
como escrava vestida de tipóia carregando água e lenha (...)”529.

Não obtendo sentença favorável no Juízo Ordinário, Francisca recorreu a Ouvidoria,


que emitiu a seguinte resolução, onde fica explicitado que o fato de o próprio pai ser o
administrador da Francisca sobrepõe-se à proibição legal do cativeiro:

529
BRIGHENTE. Entre a liberdade e a administração particular ...Op.Cit., p. 99.
172

(...) julgo por forra e liberta posto dos princípios e meios por ser filha de Francisco
Leme seu administrador segundo por ser oriunda do gentio da terra por parte
materna que como tal é de sua natureza segundo os direitos das majestades pelo
que a hei por forra e condeno a ré nas custas destes autos. Paranaguá 20 de
dezembro de [1730]530.

José também solicitou a manumissão à sua senhora, salientando, por meio de seu
procurador, que as leis “eclesiásticas e seculares” consideravam os indígenas livres 531. No
entanto, toda a defesa se desenvolveu em torno da ascendência do administrado. Assim, o
debate focou-se no fato do bastardo José ser ou não filho de um homem livre. Chama
atenção que o procurador de José no caso foi seu meio-irmão. Mais uma vez, o Juízo
Ordinário de Curitiba colocou-se ao lado da proprietária e negou o pedido de liberdade sob
argumento de que o administrado não provara a paternidade 532. Tal procedimento
demonstra que a administração era entendida como um direito adquirido sobre os índios e a
regra era considerá-los passíveis de cativeiro. José, assim como Francisca, também recorreu
à Ouvidoria, e obteve nesta outra instância sentença favorável, mas que o impunha à vida
em aldeamento533.
O pedido de liberdade de José foi feito em 1733, mesmo ano em que se registrou na
Câmara uma Ordem Real que determinava a observância da Lei de 1611. Considerado o
regulamento que mais contemplou o interesse dos administradores de índios, já que
reestabelecia casos legais do cativeiro e salientava que a justiça poderia obrigar os nativos à
administração. Comprova-se, portanto, que a atuação dos Juízes Ordinários buscava
respaldo legal, ainda que contrariando a ideia de liberdade natural dos indígenas, para uma
prática corrente de cativeiro dos indígenas. Contraditoriamente, o Ouvidor deve ter se
embasado na mesma Ordem régia para dar sentença distinta, já que nesta mesma também
estava contida a ideia de que os indígenas que não haviam sido obrigados pela justiça à

530
DEAP BR PRAPPR PB045 PC60.2. Petição em que é suplicante Francisca Leme e suplicada Maria
Antunez. Curitiba, 1729, p.48,49, 54. Apud. PORTELA. Gentio da terra, gentio de Guiné...Op.Cit. p. 89.
(Grifos meus)
531
Este mesmo caso consta no livro de registro da Câmara de Curitiba: BIBLIOTECA DA CÂMARA DE
CURITIBA. Livro de audiências dos Juízes Ordinários, 1733-1738. f.3v-4/ f.40. Apud. BORGES, Joacir
Navarro. As demandas judiciárias envolvendo administrados em Curitiba, século XVIII. Almanaque
brasiliensi, nº6. Nov/ 2007.
532
DEAP BR PRAPPR PB045 PC94.3. Petição em que é suplicante Anna Gonçalves e suplicado José, seu
administrado. Curitiba, 1733. Apud. PORTELA. Gentio da terra, gentio de Guiné...Op.Cit. p. 91-92.
533
PORTELA. Gentio da terra, gentio de Guiné...Op.Cit. p. 91-93.
173

administração deveriam viver em aldeamentos e trabalhar em troca de salários 534. É


exatamente o que acontece a José, que é compulsoriamente alocado em uma aldeia.
Em mais um processo descrito por Portela aparece, novamente, a relação com
homens “brancos” como justificativa para a liberdade. Entretanto, desta vez é a alegação de
que a administrada, Tereza Dias, havia tido três filhos com o seu senhor, o Capitão
Antônio da Veiga Bueno, que serve como argumentação central535. Assim, Tereza reclama
que havia sido dada como dote, junto com sua prole, à Joana, uma das filhas do Capitão.
Mais uma vez, ainda que a sentença ressalte o fato de a administrada ter uma condição
diferente da das escravas, o que proporciona sua liberdade é o fato de ter tido filhos com
seu senhor.

[...] e porque o suplicado, o cap. Antonio da Veiga Bueno, a quer reduzir outra vez
a sua administração sem fundamento, nem atender o suplicado que muito quer a
suplicante seja sua escrava, o que não é, ficava sendo liberta pela razão de ter
havido do suplicado os ditos filhos, que mais, sendo esta oriunda do gentio da terra
que por sua natureza são livres e isentos de toda obrigação servil [...]536

A autora não pode identificar o desfecho final do processo de Tereza, mas aponta
que este, assim como nos outros, o peso das decisões está na relação parental estabelecida
com os administrados:

Para além da legislação, que proibia a escravidão, parece que ter algum tipo de
relação familiar com o administrador ou com qualquer outro homem livre era algo
que pesava na decisão dos juízes, de acordo com normas não escritas e criadas
localmente, isto é, no mundo colonial537.

Estes processos de pedidos de liberdade, mais do que refletir uma realidade de


mudanças nas práticas legais, apontam que a mestiçagem foi um elemento complicador dos
lugares sociais ocupados por indígenas no sul do Império português. Se a cultura arraigada
do apresamento de índios havia gerado um aprendizado da escravidão entre os

534
Ver nesta dissertação: 1.2.5 Poderes locais e a administração indígena. “Registro de uma ordem e lei de
sua Majestade que Deus D. ge etc. que manda sobre os índios vinda por mando do exmº Snr Gl. Conde de
Sarzeda e é a seguinte”. In: Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba: Documentos para a história do
Paraná. Curitiba: Livraria Mundial, 1924. Vol. 10, p. 05-06.
535
DEAP BR PRAPPR PB045 PC179.6. Causa cível entre partes. Autora: Thereza Dias, Réu: Antonio da
Veiga Bueno. Curitiba, 1736, p. 3. Apud. PORTELA. Gentio da terra, gentio de Guiné...Op.Cit. p. 95.
Bueno. Curitiba, 1736, p. 3.
536
DEAP BR PRAPPR PB 045 PC1730.52. Traslado do segundo apenso da causa que correu entre partes
Aleixodos Reis Pinto e o Doutor Matheus da Costa Rosa. Paranaguá, 1771. p. 14 (Grifos meus).PORTELA.
Gentio da terra, gentio de Guiné...Op.Cit. p. 96-103.
537
PORTELA. Gentio da terra, gentio de Guiné... Op. Cit., p. 94.
174

bandeirantes, e até mesmo entre aquele que não eram oriundos de São Paulo, a luta pelo
reconhecimento da liberdade demonstra que os lugares ocupados pelos indígenas não eram
fixos e encontravam-se em plena transformação.

3.3. Mudanças nos classificativos sociais

Este capítulo pretendeu discutir os rumos tomados pela administração indígena ao


longo do século XVIII. Este processo foi explicado, em parte, através da miscigenação.
Assim, analisaram-se os nascimentos de crianças legítimas e ilegítimas. Estas análises
apontaram que as administradas tiveram mais crianças ilegítimas em ambas as freguesias
em estudo, indicando que estas crianças podem ter sido geradas com sujeitos que ocupavam
lugares mais elevados na estrutura social e que podem ter sido socialmente considerados
como brancos. Por outro lado, os dados também indicam a preferência da reprodução
dentro de uma mesma categoria “étnica” e jurídica, o que nos faz relativizar a miscigenação
biológica como único fator explicativo para a progressiva diminuição dos indígenas nas
duas freguesias.
A mestiçagem foi aqui entendida como um fator complicador dos lugares sociais
ocupados pelos indígenas, em uma sociedade que pretendia impor uma rígida hierarquia.
Contrastando com a ideia de desaparecimento dos indígenas o capítulo procurou explicitar
que mudanças nas categorias sociais podem ser um caminho para compreensão das
transformações operadas naquelas sociedades.
Logo analisaram-se os batismos e os Róis de Confessados ao longo do tempo,
constatando que ao contrário de uma substituição da mão de obra dos ameríndios pelos
africanos houve o aumento da população livre e de cor, podendo-se considerar por isso que
parte da população indígena tenha sido incorporada nestas categorias perdendo os
designativos étnico-raciais que lhes distinguiam.
Defendo, portanto, que o que observamos tanto nos Campos de Viamão quanto na
vila de Curitiba é um processo de mudança na identificação dos indígenas, que levou ao
encobrimento destas identidades étnicas. Se por um lado isso se dá em um momento
próximo ao da promulgação de uma legislação que procurou igualar os indígenas aos
“brancos”, o chamado Diretório dos índios, há muito já estava em curso um processo de
175

mestiçagem que confundia as categorias nas quais estes indivíduos podiam ser
enquadrados. Aparentemente, aqueles mestiços que ocupavam uma posição mais alta na
hierarquia social puderam ser “branqueados”, enquanto os subalternos acabaram sendo
incorporados às categorias genéricas de “gente de cor”, ou até mesmo à escravidão. Esses
processos de mudança de qualificativos certamente relacionavam-se a vários fatores das
trajetórias individuais e coletivas, que podiam empurrar os sujeitos para cima ou para baixo
na hierarquia social.
Acredito que tenhamos que observar a entrada da mão de obra africana como um
processo, no qual os fluxos são dinâmicos e relacionam-se com as mudanças estruturais que
estavam ocorrendo nas regiões em estudo, mas que, no entanto, não fizeram com que os
indígenas deixassem de existir. Como afirmou John Monteiro, para o contexto paulista, é
possível encontrar escravos africanos desde o início da povoação da área, sem que isso
indique um processo de substituição da mão de obra indígena para a africana. Para ele, é
após os anos de 1700 que os africanos entram mais intensamente na região, mas o processo
de substituição teria sido incompleto, consumando-se apenas no final do século XVIII
quando as descobertas das minas modificaram a economia da área538.
É possível que observemos este processo em andamento. Nos Campos de Viamão a
introdução precoce de cativos africanos não fez com que os índios desaparecessem, da
mesma maneira, na vila de Curitiba observamos que mesmo bem avançado o século XVIII
os indígenas seguiam sendo importantes como força de trabalho.
Logo, ao invés de falar em processo de substituição prefiro tratar como um processo
de modificação das identidades indígenas. Estas identificação se construiu associadas ao
trabalho e por isso aparecia através dos classificativos administrados, carijós, índio, etc. A
perda destes designativos fez com que fossem se misturando a crescente população “de
cor” destas sociedades coloniais.
Novamente, algo muito semelhante ao descrito por John Monteiro, que resume este
processo, apontando como resultado da ampla mestiçagem a transformação da hierarquia
baseada em designativos étnicos para aquela estruturada nas relações de produção.

A proximidade entre homens livres pobres e escravos índios tornava-se mais

538
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994, p. 216.
176

evidente. Em certo sentido, a distância social entre índios e brancos em São Paulo
sempre fora pequena, pois mesmo os maiores proprietários, aqueles que inclusive
se consideravam a nobreza da terra, enfrentavam dificuldades em esconder traços
de ascendência indígena em suas genealogias. A realidade de uma sociedade
fortemente miscigenada, na qual a bastardia sempre ocorreu em grande escala,
entrelaçava senhores e índios numa relação social fugidia, sempre encoberta pelas
malhas da dominação. Neste sentido, com a evolução da escravidão, a proximidade
étnica cedia lugar a distinções baseadas em posição social e nas relações de
produção, que permaneciam importantes para a maioria dos senhores de escravos
índios. (...) Portanto, a escravidão produziu constantemente situações que
demonstravam a proximidade entre brancos e índios, diluída pela existência de uma
larga camada de pessoas de condição incerta539. (1994, p.211)

Portanto, as mudanças na identificação dos indígenas nas fontes eclesiásticas,


propositalmente ou não, geraram formas de classificação que não mais remetiam às origens
étnicas destes indígenas. Um exemplo bastante claro parece ser que o adjetivo bastardo
perdeu qualquer conexão com seu significado de alusão às origens indígenas. Contudo,
muitas destas transformações refletidas nas fontes paroquiais, em especial nos batismos,
podem ter sido fruto de novas relações estabelecidas pelos indígenas que, com a
historiografia vem mostrando, muitas vezes optaram por desembaraçar-se dos
classificativos referentes à condição de nativos, identificando-se e auto identificando-se de
outras maneiras.
Contudo, podemos especular que este apagamento da identidade dos indígenas
enquanto trabalhadores tenha deixado marcas indeléveis na sociedade, que, infelizmente,
continua sem reconhecer o papel que exerceram na construção do Brasil.

539
Ibidem, p.211 [Grifo meu].
177

CONCLUSÕES
Procurou-se demonstrar aqui a inegável presença dos indígenas nos povoados do sul
do Império português durante a ocupação da região por luso-brasílicos. A afirmação pode
parecer um tanto óbvia, já que se trata da América, um continente eminentemente indígena.
Contudo, ainda predomina uma visão histórica que deu pouco ou nenhum espaço para o
papel dos índios na constituição dos povoados coloniais, especialmente no sul do Brasil.
Talvez em muitos momentos deste texto eu mesma tenha transmitido a ideia errada
ao tratar de povoamento. O que hoje é o sul do Brasil já era um território ocupado por
diferentes grupos indígenas há no mínimo 12 mil anos, portanto, um território já povoado.
Não obstante, este trabalho, pelos seus limites e objetivos, buscou compreender como os
europeus, indígenas e africanos construíram sociedades no século XVIII. Portanto, o foco
principal desta pesquisa foi o de evidenciar a prática de cativeiro dos nativos, conhecida
como administração indígena, e os lugares sociais ocupados pelos indígenas em Curitiba e
nos Campos de Viamão, durante o século XVIII.
Muito da invisibilidade historiográfica dos indígenas que viveram integrados às
sociedades de matriz europeia se deve à separação ainda forte entre a história da
escravidão, pensada essencialmente a partir dos africanos e afrodescendentes, e a história
dos nativos americanos. Foi a aproximação destes campos que permitiu, nesta dissertação,
analisar os indígenas mais integrados às povoações luso-brasílicas e evidenciar seu
protagonismo na constituição destas sociedades.
Compreendê-los como força de trabalho permitiu uma visão dinâmica destes
indivíduos, já que busquei identificar entre aqueles indivíduos altamente integrados à vida
cristã os que eram indígenas. Assim, o deslocamento da análise do lócus privilegiado de
observação da presença histórica dos indígenas, como os espaços das missões e dos
aldeamentos, permitiu realizar um exercício de desessencialização destes sujeitos, vistos
como dinâmicos e em constante transformação.
Contudo, estudar a população indígena e mestiça imbricada nos povoados coloniais
de Curitiba e na extensa área dos Campos de Viamão não foi uma tarefa fácil; a escassez de
fontes foi o primeiro empecilho. Analisar as categorias sociais presentes nos registros
178

batismais mostrou-se como uma alternativa para compreender os lugares sociais ocupados
por estes indivíduos cujos registros históricos foram pouco preservados.
Partindo da tese de John Monteiro de que a colonização de novas áreas pelos
paulistas deu-se pela constante busca de cativos indígenas, pude encontrar também nos
relatos das primeiras expedições de luso-brasílicos para o sul o interesse pela mão de obra
ameríndia.
Inicialmente, a ideia era fazer uma história que contemplasse toda a região sul,
notadamente dos povoados que vieram a se tornar as capitais contemporâneas dos três
estados sulinos. Contudo, o tempo de dois anos de um mestrado, o estado da documentação
de Santa Catarina e a maior vinculação desta região com os caminhos marítimos me fez
optar por um trabalho intensivo com os registros paroquiais das freguesias de Nossa
Senhora da Conceição de Viamão e de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.
Pude então constatar que para estas duas áreas o movimento de apresamento de
indígenas - fosse nas missões, fosse nos sertões - gerou o conhecimento das regiões pelos
bandeirantes, que posteriormente fundaram ali núcleos populacionais. Estes povoados
reproduziram muito das bases sociais e culturais existentes em São Paulo, fortemente
enraizadas na escravização dos nativos.
O povoamento mais efetivo do sul do Brasil pelas populações oriundas de São Paulo
se deu em um momento de escassez da mão de obra dos nativos nos arredores destes
núcleos populacionais e dos reveses sofridos pelos apresadores nas missões jesuíticas.
Assim, a ocupação do planalto curitibano e de Laguna, e posteriormente dos Campos de
Viamão, esteve inserida no processo de reorientação das rotas de apresamento de índios
que, junto ao interesse pelos minérios e pelo gado, foram atrativos para a ocupação
daquelas regiões.
A chamada administração indígena foi a forma encontrada pelos paulistas, ainda no
século XVI, de explorar a mão de obra dos nativos. Tal sistema baseava-se no apresamento
de cativos que eram obrigados a trabalhar sem remuneração para os colonos. Tanto em
Curitiba quanto em Viamão foi possível encontrar administrados.
Buscando compreender como se instauraram estas relações, ainda no primeiro
capítulo desta dissertação, percorri o caminho legal da formatação da administração
indígena. Assim, retrocedi no tempo buscando explicitar como se constituiu o direito
179

“brasileiro” em relação ao português, em especial no que dizia respeito aos escravos.


Consequentemente fui refazendo o caminho que percorreu a legislação com relação à
prática da administração desde o começo do século XVI, com as primeiras proibições do
cativeiro, até a lei de liberdade de 1755, considerada um marco legal na forma de
exploração do trabalho dos indígenas. Esta compilação permitiu observar que, se a
escravização indígena era proibida, havia um consenso legislativo de que os indígenas eram
obrigados a trabalhar.
Em prol da expansão do Império e da busca por metais preciosos, a Coroa
portuguesa manteve brechas na legislação que facultavam a posse de administrados. Nos
momentos em que tentou-se restringir o cativeiro dos índios, como na lei de 1609, houve
forte resistência dos colonos. Por outro lado, as ordens régias que possibilitavam a posse de
cativos, ainda que não exatamente da forma como era praticada, foram registradas como
forma de legitimar a administração diante da Coroa. Assim, foi possível observar que
legislação régia desenvolveu-se gradualmente no sentido de permitir a prática da
administração indígena. As brechas legais permitiram à Coroa demonstrar atenção às
necessidades de trabalhadores dos moradores, ao mesmo tempo em que facultou aos
colonos demonstrar vassalagem ao Rei.
Através das atas das câmaras e das correições dos ouvidores foi possível observar
que o assunto foi pouco debatido pelas autoridades locais, demonstrando que a
administração indígena, assim como a escravidão africana, era tratada como um assunto de
cunho doméstico. Tal caminho permitiu ver muito mais a relação dos colonos com a
Monarquia na busca pelo respaldo legal de sua prática, do que da relação dos colonos com
seus administrados. Contudo, apontou uma dimensão importante da administração
indígena, aquela que nos permite ver a relação do poder central com os poderes locais.
Ainda neste capítulo discutiu-se as conseqüências do chamado Diretório pombalino
para as relações estabelecidas com índios administrados. Inicialmente relativizou-se as
inovações trazidas por esta legislação, observando que muitos dos pontos presentes nela já
estavam contidos em outras regulamentações anteriores. Posteriormente foram elencados
três pontos em que o Diretório poderia ter influenciado as relações com os administrados.
No tocante à proibição da administração de indígenas contida na lei de 1755,
constatou-se que, se por um lado os aldeamentos podem ter possibilitado a repartição de
180

mão de obra entre os colonos, talvez contribuindo para uma menor “necessidade” de uso de
administrados, por outro lado não extinguiu a prática por completo. O segundo ponto,
relativo ao incentivo de casamentos mistos, também não parece ter tido o efeito esperado, já
que as indígenas seguiram tendo filhos ilegítimos em ambas as freguesias. Por último,
constatou-se que não pode ser atribuída exclusivamente à política pombalina a indistinção
dos índios dos brancos. Ainda que houvesse ordens para não aproximar os índios dos
negros, através da imposição de classificativos sociais que aproximassem os primeiros dos
segundos, e que esta legislação tenha de alguma forma colaborado para a indistinção dos
indígenas, leis anteriores também versavam sobre as relações com os indígenas e não
tiveram eficácia; logo, não há porque imaginar que esta tenha sido drasticamente diferente.
Assim, parece-me que o gradual desaparecimento de categorias sociais que denotavam
“indianidade” esteve relacionado com as práticas de mestiçagem, cativeiro e relações de
trabalho, que impuseram complexas formas de classificar os indígenas no contexto das
sociedades nas quais atuavam.
A terceira e última parte deste primeiro capítulo partiu da discussão sobre os
conceitos de escravidão e relações clientelares, comparando-as com algumas características
da administração indígena nas freguesias de Viamão e Curitiba. Assim, foi possível
perceber que vários dos atributos da escravidão estavam presentes na administração. Viu-se
casos em que os índios foram tratados como propriedade, tal qual o eram os escravos,
sendo transmitidos, vendidos ou comprados. Da mesma maneira, constatou-se que esta
condição era transmitida hereditariamente e que para sair dela muitas vezes os indígenas
precisavam recorrer à justiça. No entanto, outros casos parecem indicar que esta relação
tinha características semelhantes àquelas estabelecidas entre patrões e clientes, já que
alguns indígenas talvez tenham buscado voluntariamente senhores que pudessem lhes
fornecer terra, proteção e garantia de subsistência em troca de sua mão de obra.
Portanto, mais do que encerrar o debate sobre as características desta relação de
trabalho, pude observar que eram variadas as formas de exploração dos nativos e que
dependiam muito das reações dos próprios indígenas diante das tentativas de utilização do
seu trabalho. Assim, parece ter havido casos em que estas relações estavam mais próximas
da escravidão, enquanto que em outros, aproximavam-se mais de um tipo de relação
clientelar.
181

O segundo capítulo analisou os classificativos sociais utilizados para categorizar os


indígenas presentes no 1º livro de batismos de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba (1737- 1764) e no 4º livro de batismo de Nossa Senhora da Conceição de Viamão
(1747 – 1759). Partiu-se das reflexões acerca da importância dos ritos do batismo nas
sociedades católicas e como viabilizadores da introdução dos indígenas como escravos
nestas sociedades.
As categorias sociais presentes nos registros batismais nos mostraram uma
sociedade herdeira de concepções do Antigo Regime, nos quais imperavam noções de
privilégio, que distinguiam uns sujeitos de outros. Contudo, apontaram também que a
interação com o contexto colonial impôs novas ordens classificatórias, pelo contato com
africanos e indígenas, pelas misturas biológicas e culturais e pelas novas modalidades de
trabalho. Portanto, os classificativos foram importantes veículos de distinção social, sendo
uma porta de entrada para a compreensão dos lugares ocupados pelos indígenas nestas
hierarquias.
Estas categorias sociais apareceram divididas em qualidades e condições jurídicas.
A variedade com que estes classificativos apresentaram-se na documentação foi uma
primeira pista de que as hierarquias sociais não podiam ser reduzidas, naquele momento, a
uma mera divisão entre escravos e livres, sendo uma complexa interação entre fenótipo,
ascendência, língua falada e, principalmente, diferentes relações de trabalho.
Apesar de analisar os batismos nas duas freguesias, esta documentação apresentou
diferenças significativas quanto às informações contidas em cada um dos registros, quanto
à padronização do livro e quanto à quantidade total de assentos. Além disto, o de Curitiba
era exclusivo para registro de nascimentos de “servos”, enquanto no de Viamão constavam
livres e escravos. Assim, foram aplicados procedimentos metodológicos diversos. Em
Viamão foram selecionados apenas os indivíduos indígenas e em Curitiba foram inseridos
no banco de dados todos os 1271 registros do livro. Assim, a própria análise da
documentação foi distinta; enquanto os registros curitibanos foram trabalhados mais a partir
de quantificação, os de Viamão apareceram de forma mais individualizada. Além dos
classificativos sociais presentes nos batismos, em vários momentos recorri aos Róis de
Confessados de Viamão como forma de complementar as informações sobre os indígenas
da região.
182

Através destes registros observou-se a forte presença de indígenas em várias


categorias jurídicas. Em Curitiba estimou-se que constituíram no mínimo 21% dos registros
do 4º livro, sendo que as mães indígenas estiveram presentes em 43% dos assentos. Esta
era, certamente, uma representação mínima. Da mesma maneira, os Róis de Confessados
dos Campos de Viamão também expuseram uma sub-representação da população indígena.
Nos registros do 1º Livro daquela freguesia, as mães indígenas apareceram em 15% dos
batismos.
Observou-se a presença de escravos africanos nas duas freguesias. O padrão em
Curitiba, de equilíbrio sexual dos cativos e de parca presença de adultos, apontou que esta
era uma escravaria com reprodução endógena. Já nos Campos de Viamão, verificou-se que
houve a introdução precoce e massiva de escravos de origem africana. Concomitantemente
a esta presença africana, notou-se que os administrados constituíram boa parte da força de
trabalho das freguesias, especialmente em Curitiba. Nas duas localidades predominavam as
mulheres administradas.
O predomínio de mulheres nesta categoria foi explicado pela noção de tutela sobre
elas: por serem mulheres e indígenas foram vistas como duplamente incapazes de se “auto
administrar”. Assim, estavam mais sujeitas que os homens à administração e,
consequentemente, foram mão de obra essencial para constituição destes núcleos
populacionais.
Observou-se, portanto, que ainda que o padrão “bandeirante” de exploração do
trabalho estivesse presente em ambas as freguesias, ele não se deu da mesma maneira.
Enquanto em Curitiba a administração indígena manteve-se como principal forma de
obtenção do trabalho até bem adiantado o século XVIII, nos Campos de Viamão houve
uma introdução precoce de cativos africanos. Assim, para esta freguesia temos uma
quantidade menor de administrados e, por isso, menos fontes que nos informam sobre
como se deu o uso do trabalho dos índios. Porém, os casos curitibanos puderam contribuir
para uma compreensão mais geral da administração indígena que foi em alguns momentos
extrapolada para Viamão. Isso não significa que a administração particular de índios era
igual nas duas localidades; como dito, a maior presença africana, mas também a de índios
oriundos das missões, criou uma estrutura social diferente no extremo sul do Império
183

português daquela do planalto curitibano, fazendo com que os lugares sociais ocupados
pelos indígenas nem sempre coincidissem nas duas freguesias.
Viu-se, por exemplo, que o classificativo de índio quase não aparece em Curitiba,
enquanto que em Viamão foi usado com frequência, possivelmente para designar livres
oriundos das missões jesuíticas. Também o qualificativo de tape, utilizado para designar os
indígenas da margem ocidental do rio Uruguai, mostrou-se com mais frequência em
Viamão, mas consta também nos registros curitibanos, evidenciando os trânsitos destes
indígenas pelos caminhos sulinos.
O emprego do termo gentio também foi distinto nas duas freguesias. Em Curitiba
apareceu associado à condição jurídica de administrado, mas em Viamão designava, assim
como a expressão gente da terra, pessoas mais próximas da liberdade.
Junto à categoria jurídica de administrados encontrou-se repetidamente a palavra
carijó. Usada anteriormente para designar uma parcialidade guarani, passou a ser
empregada com a conotação de cativo. Mais uma vez, constatou-se a predominância deste
qualificativo para adjetivar mulheres, reforçando a ideia de que elas tiveram uma menor
gama de possibilidades de ocupar lugares sociais não associados ao cativeiro.
Constatou-se também a presença de livres nas freguesias, mas com designativos que
marcavam a proximidade com o cativeiro. Questionou-se a atribuição da cor branca àqueles
que não possuíam nenhum qualificativo e verificou-se que muitos dos indivíduos que
tinham origens indígenas e ocupavam lugares sociais mais elevados não tiveram sua
ascendência mestiça demarcada. Por outro lado, grande parte dos livres arrolados no livro
de servos curitibano recebeu algum designativo que marcava suas origens indígenas. Foi-
lhes atribuído especialmente o classificativo de bastardo, que designava mestiços de
indígenas e brancos(a). Este designativo também apareceu com frequência entre os forros e
libertos, que também foram designados como carijós e gentios da terra.
O vocabulário mulata (o) apareceu em ambas as freguesias, tanto para designar
pessoas de ascendência africana, quanto com origens indígenas. Este segundo uso
aproximava-se daquele existente na São Paulo colonial, remetendo, uma vez mais, para a
transferência destes designativos e suas consequências hierárquicas nos novos povoamentos
engendrados pelos bandeirantes.
184

A última parte do capítulo dois tratou dos grupos de pessoas cuja condição jurídica
era difícil de precisar: como a daqueles que “foram administrados”, ou dos “bastardos que
foram administrados” e ainda os designados servos. A análise de casos apontou que não
podemos ver o afastamento do cativeiro como um processo linear em direção à liberdade.
Retrocessos e avanços foram constantes nos processo de saída da administração.
Demonstrou-se que também os indígenas foram designados como pardos, evidenciando
mais uma vez a presença de nativos em categorias que comumente a historiografia associa
só aos afrodescendentes.
Na freguesia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba foi marcante o contraste entre a
ampla gama de categorias utilizadas para classificar os indígenas com a pequena presença
de adjetivos usados para categorizar os africanos. Termos como preto e crioulo, tiveram
ínfima presença nos registros da localidade, demonstrando que havia uma maior
necessidade de subcategorizar os indígenas, marcando suas diferentes posições sociais, do
que os africanos, agregados pela escravidão. Já em Viamão observamos a existência de
mais crioulos, o que possivelmente indica que naquela sociedade - que teve uma precoce
introdução de escravos africanos - as hierarquias com relação ao afrodescendentes já
haviam se complexificado.
O estudo do léxico batismal demonstrou a transferência do vocabulário
classificativo utilizado em São Paulo para estas novas áreas de povoamento, apontando,
desta forma, a manutenção de certo tipo de relações hierárquicas baseadas na exploração da
mão de obra indígena.
O último capítulo procurou caracterizar os processos de transformação daquelas
sociedades ao longo dos aproximadamente trinta anos dos registros batismais A formação
de uma sociedade mestiça esteve no cerne das reflexões. Assim, pontuou-se as dificuldades
de pensar a questão da mestiçagem, especialmente quando os documentos que servem de
fonte foram construídos sob uma lógica notadamente europeia. Busquei então compreender
estas sociedades pelos seus aspectos intermediários, levando em conta que, se o catolicismo
se impunha como lógica dominante, esta tradição não passou incólume pelos agentes e
contextos coloniais, modificando as formas de estabelecer hierarquias no continente
americano.
185

Os índices de ilegitimidade encontrados em Curitiba foram semelhantes ao de outras


zonas rurais no período. Porém, chamou a atenção o fato de que naquela freguesia a maior
concentração de filhos ilegítimos se deu entre as administradas e não entre as forras, como
era comum em outras localidades. As administradas de Viamão seguiram o mesmo padrão,
tendo majoritariamente filhos ilegítimos.
Levantou-se a hipótese de que o predomínio absoluto de crianças ilegítimas filhas
de mães administradas no período se deveu a menor estigmatização social das indígenas
com relação às escravas de origem africana. Assim, teriam sido escolhidas como parceiras
sexuais preferenciais pelos homens socialmente considerados brancos. Contudo, as
administradas participavam do mais baixo estrato social e muitos destes pais não
reconheceram sua prole.
Por outro lado, constatou-se que a maior parte das crianças batizadas em Curitiba
eram filhas de pais formalmente casados e com a mesma categoria jurídica. Livres, forras e
escravas tiveram majoritariamente filhos com homens na mesma condição. Mas,
novamente, foi entre as mães administradas que se constatou a menor endogamia, ou seja,
elas foram as que mais tiveram filhos com homens de condição jurídica distinta da sua. O
padrão de Viamão era o mesmo: os progenitores das crianças legítimas tinham
predominantemente a mesma condição, ou seja, havia a tendência de rejeitar, talvez apenas
publicamente, relações com pessoas de estratos sociais e étnicos distintos.
Em seguida propus um contraponto à visão de substituição da mão de obra indígena
pela africana, presente na historiografia. Constatou-se que, em Curitiba, a entrada de
africanos não foi um processo contínuo e que para o período subsequente houve inclusive a
diminuição da quantidade de escravos na população. Entretanto, observou-se um aumento
significativo de livres e forras, indicando que muitos indígenas podem ter sido incorporados
a estas categorias.
A transformação dos qualificativos apontou neste sentido. Gradualmente o termo
carijó, que marcava a proximidade com o cativeiro, foi desaparecendo e dando lugar a
qualidade de bastado. Estes dados indicaram que os indígenas não desapareceram e sim que
ocorreram transformações nas formas de designá-los, que os afastaram das suas origens
indígenas.
186

Atestou-se que apesar da diminuição da quantidade de administrados a prática da


administração particular de índios seguiu existindo no mínimo até o final do século XVIII.
Nos Campos de Viamão observou-se a diminuição dos indígenas nas fontes
paroquiais. Contudo, este decréscimo parece ter tido mais relação com a restrição da
categoria de índios do que propriamente o sumiço destes agentes. Isso porque a migração
dos missioneiros para aquela área aumentou a população indígena da freguesia, mas
concomitantemente parecer ter restringido os classificativos indígenas àqueles que viviam
nos aldeamentos. Através da análise dos Róis de Confessados, observou-se, por exemplo,
que alguns indígenas que antes eram identificados como administrados passaram a ser
descritos como escravos, demonstrando o apagamento étnico daqueles sujeitos.
Por fim, este capítulo trouxe uma reflexão sobre os processos de liberdade de índios
solicitados em Curitiba. Todos eles buscavam através do reconhecimento de relações,
especialmente de filiação com homens brancos, angariar a libertação. Estes processos
apontaram que a mestiçagem foi um elemento complicador dos lugares sociais ocupados
por indígenas no sul do Império português. Observou-se que estes espaços sociais estavam
em constante disputa e em processo de transformação.
Portanto, conclui-se que a segunda metade do século XVIII trouxe transformações
às sociedades luso-brasílicas que geraram mudanças nas formas de designar os indígenas
que, na maior parte vezes, os dissociou da etnicidade. Assim, passaram a fazer parte de uma
população livre e pobre, afastada do passado indígena.
O processo de dominação que caracterizou a utilização da mão de obra ameríndia
ajudou a engendrar, também em Viamão e Curitiba, “os extremos da estrutura de
dominação, estabelecendo os fundamentos de uma sociedade escravista bem
caracterizada”540. Ou seja, mais do que uma etapa mal sucedida das relações de exploração
colonial, o uso de trabalhadores e trabalhadoras indígenas foi partícipe da história da
construção das hierarquias sociais excludentes na América portuguesa.

540
MONTEIRO. Negros da terra...Op. Cit., p.210.
187

FONTES

Arquivo da Catedral Basílica Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba

4º Livro de batismos de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba (1737- 1764).

Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre

Processos do Juízo Eclesiástico, 1757, nº 7, p.01 (Processo transcrito).

Róis de Confessados de Viamão 1751, 1756, 1757 e 1758.

Projeto Resgate das fontes paroquiais (AHCMPA)

1º Livro de batismos de Viamão (1747 – 1759).

2º Livro de Batismo de Viamão (1759-1769).

1º Livro de Casamento de Viamão (1747-1785).

1º Livro de Óbito de Viamão (1748-1777).

Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho

Registros de Correspondência da Câmara: Livro I (1763-1834) e Livro II (1769-1819).

Termos de Vereança: Livro I (1766-1780) e Livro II (1780-1788).

Arquivo Público do Rio Grande do Sul

Inventário de José Brás Lopez. Porto Alegre, 1º Cartório de órfãos e ausentes. Estante:12,
maço: 3, autos: 25.
Inventário de Margarida Gomes de Araújo e Antônio José Machado. Porto Alegre, 1º
Cartório de órfãos e ausentes. Estante: 31, maço: 13, autos 40.
188

Registro de um bando que mandou lançar o senhor Coronel Governador José Marcelino de
Figueiredo. Acervo: Câmara da Capitania do Rio Grande de São Pedro. Fundo: Câmara da
Capitania do Rio Grande de São Pedro. Registros Diversos. Livro I, p. 98-99.

Registro de um bando que mandou botar o Coronel Governador José Marcelino de


Figueiredo. Acervo: Câmara da Capitania do Rio Grande de São Pedro. Fundo: Câmara da
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Referência: 15, 02,019.

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189

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