Equipes de Alta Performance
Equipes de Alta Performance
Equipes de Alta Performance
O
TEMA EQUIPES, per se, já é bastante tes transformações ocorridas na teoria das orga-
amplo, oferecendo superlativa gama nizações, que passou da perspectiva clássica,
de enfoques e discussões. O mesmo baseada, sobretudo, nos estudos de Frederick
tema pode se apresentar de forma W. Taylor (em empresas privadas) e Max Weber
ainda bem mais ampla se o considerarmos em (em empresas públicas), para a perspectiva
um contexto de equipes de alta performance. humanística (ou neo-clássica), fortemente
Após elucidar o problema de pesquisa e seu influenciada—nos seus primórdios—pelos estu-
objetivo central, este artigo realiza uma revisão dos de Marie Parker Follett e Chester Barnard.
das principais questões envolvidas com os temas De fato, parece difícil imaginarmos um traba-
liderança e motivação, para, em seguida, proce- lho de equipe em qualquer organização, que não
der a uma discussão do trabalho de Hilarie seja acompanhado por forte ênfase nos conceitos
Owen, que acompanhou por dois anos a RAF— de liderança e motivação, sendo esta questão um
Red Arrows.1 aspecto crítico tanto da administração de empre-
Como pesquisa de campo, acompanhamos o sas privadas como públicas. As organizações
trabalho do Esquadrão de Demonstração Aérea públicas, em particular, vêm sofrendo profundas
da Força Aérea Brasileira (EDA—FAB), procu- transformações, passando do estado burocrático
rando, neste acompanhamento, partindo do para a administração gerencial.5 Hilarie Owen6
enfoque aos principais achados empíricos da acompanhou durante dois anos a esquadrilha de
autora citada,2 verificar o grau de concordância aviação inglesa e traçou paralelos entre o traba-
dos aviadores brasileiros com os ingleses. lho de equipe, estilo de liderança, e motivação
verificadas junto ao grupo de aviadores da RAF, e
Problema de Pesquisa e Objetivo aqueles que são tradicionalmente encontrados e
aceitos em outros tipos de atividades organiza-
O problema de pesquisa deste artigo é a
das, públicas e privadas.
liderança e a motivação dos recursos humanos,
Nós verificamos o estilo de liderança e os
quando no trabalho em equipe, com ênfase na
aspectos motivacionais típicos do EDA—FAB e
discussão das características de uma equipe de
extraímos o grau de concordância da equipe
alta performance.
de aviadores brasileiros com os destaques da
O presente artigo pretende lançar luzes
equipe da RAF.7 Ao final, incorporamos ao arti-
sobre o conceito de equipes de alta perform-
go outras questões que, em nosso entender,
ance, e está baseado numa comparação entre
podem ajudar a focar a questão da liderança e
os relatos da pesquisadora inglesa,3 feitos com
motivação, sobretudo na gestão das organiza-
base na observação dos trabalhos em equipe
ções públicas, onde, tudo indica, esta questão
realizados na RAF—Red Arrows, e uma observa-
ainda não está muito bem sedimentada.
ção semelhante realizada junto ao EDA—FAB.
As tentativas de criar adesão e motivação dos
servidores públicos têm sido feitas principal-
Fundamentos Teóricos mente através de justas—e nem por isso excluí-
O tema equipes é sustentado e condicionado das de discussões sobre sua validade—reivindi-
por dois outros temas correlatos:4 liderança e cações de direitos trabalhistas, como estabilidade
motivação. Ademais, estes temas formam, no e plano de carreira.8,9 Quando o que parece ser
seu conjunto, a base de uma das mais importan- mais recomendado nesta questão de envolvi-
*A versão preliminar deste artigo foi discutida—e consta dos anais—no IX Seminário em Administração da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Gostaria de agradecer a toda a equipe do EDA, em particular ao TenCel
Av. Ricardo Reis Tavares e ao CapAv Jorge Wilson da Costa Mattos, a atenção especial que me foi dispensada na elaboração deste trabalho.
Consoante a política editorial deste periódico, os artigos publicados representam pensamento de seus respectivos autores e não do Departamento
de Defesa, da Força Aérea, da Universidade da Força Aérea ou de qualquer outro órgão nacional ou estrangeiro.—Nota da ASPJ em português
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58 AIR & SPACE POWER JOURNAL
mento, adesão e motivação para o trabalho em que morreram estavam a menos de dez metros
equipes é o envolvimento de todos com o senti- do acampamento onde estavam os demais!
do maior da missão, identificação e vocação A segunda característica é que os membros de
para o trabalho a ser realizado.10 uma verdadeira equipe partilham entre si um
Owen11 enfatiza a diferença existente nas objetivo comum, uma visão em comum. E aqui
variadas definições de equipes, muitas delas poderíamos nos referenciar nos esforços que são
incluindo frases como “objetivos comuns” ou empreendidos por muitos administradores ao
“trabalho conjunto”. Se perguntarmos ao mem- tentarem definir e partilhar com seus colabora-
bro de um time de alta performance como este dores a missão, os valores e objetivos estratégicos
grupo pode ser definido, a resposta apareceria de suas empresas. Mas a pergunta que fica é: bas-
menos em forma de ações que caracterizariam a ta definir a missão e os valores, fixando-os em
equipe, e mais em forma de sentimentos posters espalhados por toda a empresa?
comuns que são partilhados pelo grupo. A terceira característica é que uma equipe
Para diferenciar equipes de simples grupos de alta performance não nasce simplesmente
de trabalho conjunto, a autora enfatiza existi- do nada, ou da noite para o dia. Isto, segundo
rem quatro importantes características nas a autora, requer trabalho árduo e contínuo,
verdadeiras equipes: como se sabe, mas precisa também proporcio-
A primeira característica é que uma equipe nar prazer e satisfação a todos os envolvidos. E
depende muito menos de sua estrutura, tama- a base de tudo está na capacidade do líder em
nho, ou até capacidade técnica de seus mem- coordenar isto, sobretudo convencendo os
bros, e muito mais do efeito sinergístico conse- componentes da equipe de que esta realiza-
guido por estes indivíduos. O que a autora do ção depende menos dos interesses individuais
livro sugere é que entre os membros de um gru- e mais do interesse coletivo.
po deve existir algo muito próximo daquilo que A quarta e última característica é a abertu-
vários autores de estratégia empresarial enfati- ra que precisa existir na equipe, permitindo
zam ser necessário, para justificar a existência que todos sejam sempre muito diretos uns
de diferentes unidades estratégicas de negócios com os outros. Os erros são discutidos aberta-
em uma empresa: o conceito de sinergia, ou mente e vistos como uma oportunidade de
efeito 2+2=5. Se o resultado dos esforços do gru- aprendizado e desenvolvimento, nunca como
po for igual à soma dos esforços individuais de punição aos que erraram.
cada um, o grupo nunca será uma equipe, mui- Owen confere muita ênfase à importância
to menos uma de alta performance. Simples- de se proporcionar o clima e cultura organi-
mente porque a maior complexidade de estru- zacionais adequados antes de se iniciar um
turação de uma equipe de alta performance trabalho de equipe:
reside nesta habilidade ímpar de coordenação, “Desenvolver equipes também significa desen-
que possibilita uma união de esforços superior, volver organizações, que precisam trabalhar
que não pode ser resumida à reunião de vários para criar o clima adequado para que as equi-
gênios trabalhando reunidos. pes floresçam”.12
Owen cita o caso da inglesa Rebecca Stevens, Em outras palavras, criando o clima adequado
que em 1993 conseguiu alcançar com sua equi- para que a equipe possa trabalhar em seu poten-
pe o pico do Everest, tornando-se a primeira cial máximo. Por que será que encontramos
mulher inglesa a fazê-lo. Poderíamos aproveitar tantos exemplos de equipes bem sucedidas em
aqui outro caso, não como exemplo de sinergia, esportes e atividades filantrópicas, e muito
mas de seu oposto, a entropia, que infelizmente menos no mundo empresarial? Segundo a auto-
aconteceu pela falta de integração entre os ra isto se deve ao fato de que em muitos casos os
membros de outro grupo de alpinistas que em gerentes ou diretores simplesmente não que-
1996 escalaram o mesmo pico. De onze alpinis- rem estimular o espírito de equipe, por verem
tas seis morreram no retorno da escalada, narra- nisto uma ameaça ao seu status ou poder.
da depois por um jornalista sobrevivente, em Possivelmente isto também esteja relaciona-
seu livro intitulado No Ar Rarefeito. Alguns dos do ao fato de que as empresas têm objetivos de
EQUIPES DE ALTA PERFORMANCE 59
da ênfase no poder para a ênfase na autoridade, outro lado os dirigentes muitas vezes “esque-
adquirida por reconhecido merecimento do cem-se” de fazê-lo, por razões que, segundo
líder, em função de sua excelência e domínio nas ela, devem-se principalmente à ganância de
ações inerentes às suas funções. chegar ao topo da pirâmide. Como este nor-
Segundo estudos realizados no Brasil20 a malmente é o objetivo máximo e decisivo de
NASA criou nos anos 70 os cursos de gerencia- qualquer executivo, quando lá eles chegam,
mento de recursos de cabine (Cockpit Resource pensam que nada mais há de importante a
Management—CRM) que são hoje considerados fazer, a não ser se manter naquela posição.
imprescindíveis para aumentar a segurança dos Ou então passam a tentar defender suas posi-
vôos. A primeira companhia aérea a utilizar este ções uns contra os outros, em detrimento do
ferramental foi a United Airlines, em 1981. O grupo como um todo, o que pode ser freqüente-
CRM pressupõe a utilização de todos os recursos mente constatado pelas reuniões do board de
disponíveis para aumentar a segurança e eficiên- muitas empresas, onde se vê o diretor de market-
cia das operações de vôo: equipamento, procedi- ing defendendo o marketing, o diretor de finan-
mentos e pessoal. O objetivo central do treina- ças defendendo as finanças e o diretor de produ-
mento é melhorar o processo decisório na cabine ção defendendo a produção. Algo que seria
“através da eficácia no uso destes recursos”. muito natural, não fossem os prejuízos evidentes
Citando vários exemplos de acidentes, para o trabalho em equipe, o que inspirou tam-
entre os quais o de um Boeing 737 que, sain- bém Gareth Morgan22 a estudar as organizações
do de Marabá para Belém, tomou o rumo através da metáfora dos sistemas políticos, que
errado e fez um pouso forçado na selva, em naturalmente passa a ser o quadro mais típico de
São José do Xingu, matando doze de seus funcionamento das organizações, sobretudo as
ocupantes, Branco Filho explica que o CRM públicas.23 Ou, como diz Owen em outra passa-
vem desenvolvendo-se de tal maneira que pas- gem de seu livro:
sou a chamar-se de Crew Resource Management, Foram-se os dias em que os gerentes mandavam
e passa a envolver todos os tripulantes, uma e os trabalhadores simplesmente executavam.
vez que: “o importante é o fluxo de informa- Performance e responsabilidade partilhada são
ção, independentemente de onde parta”. necessidades das organizações atuais. Não há me-
A posição de um comandante de avião, como lhor exemplo disto do que a RAF Red Arrows.24
dissemos, é a de autoridade máxima, o que não
implica dever ser uma posição hermética a As Percepções dos
outras informações, além das que o mesmo dis-
Aviadores do EDA—FAB:
põe diretamente em seu trabalho técnico.
Ademais, Owen21 sugere também que sejam Uma Pesquisa Exploratória
considerados, além do fluxo desimpedido de Como se sabe, o EDA—FAB, conhecido
informações—fluxo este muitas vezes erronea- carinhosamente pelo público brasileiro como
mente interrompido por alguns gerentes como “Esquadrilha da Fumaça”, é hoje um dos prin-
instrumento de poder—, os elogios, que não cipais símbolos nacionais. Esta equipe é reco-
devem ser poupados para que uma equipe nhecida nacional e internacionalmente como
esteja realmente envolvida e sintonizada. A uma equipe de alta performance devido ao
autora confere, inclusive, mais importância aos elevado grau de profissionalismo e rigor téc-
elogios do que à hierarquia. Segundo ela, em nico empregado pelos seus membros.
equipes de alta performance a hierarquia não A “Esquadrilha da Fumaça” opera em suas
é necessária, uma vez que a liderança é basea- demonstrações aéreas as aeronaves Tucano
da em respeito e não em delegação de poder. (T27), fabricadas no Brasil pela Embraer, o
A autora enfatiza ainda outro ponto central que faz ainda destes aviadores verdadeiros
nos esforços de compor uma equipe de alta “embaixadores” do Brasil no exterior.
performance, que é o fato de que, se por um Sinteticamente podemos afirmar que os prin-
lado cabe à alta cúpula, ou ao corpo diretivo, a cipais conceitos atribuídos por Owen25 à alta per-
responsabilidade pela integração de todos, por formance da equipe RAF—Red Arrows são:
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1 Discordo totalmente
2 Discordo
3 Concordo
4 Concordo totalmente
Na equipe do EDA todos partilhamos sentimentos e objetivos comuns. 60% 60% 54% 46%
O EDA consegue extrair muita sinergia dos esforços individuais. 60% 60% 46% 54%
Existe no EDA um forte sentido de equipe e cultura de cooperação entre todos. 60% 60% 67% 33%
pessoas, sua criatividade, sentimentos e inspira- hierarquia, exigindo alto grau de participação
ção—possa conduzir muitas das atuais equipes e envolvimento de diferentes áreas funcionais
para verdadeiras equipes de alta performance. de uma empresa. Owen31 também percebeu
Entre as diferentes metáforas que sugere30 este sentido de aprendizado contínuo junto à
para que se entenda uma empresa em toda a RAF—Red Arrows. Nós, no EDA—FAB.
sua complexidade, Morgan fala das organiza-
Será que os administradores de empresas
ções como organismos de aprendizado contí-
abandonaram o maior dos bens que todos
nuo, cuja representação ideal seria a metáfora
do cérebro. Neste tipo de meta-organização, a adquirimos já ao nascer, e que Santo Agosti-
estrutura mais funcional seria a matricial, em nho (354-430) chamou de livre-arbítrio? Não
detrimento das clássicas e rígidas estruturas seria isto que os mesmos estariam fazendo, ao
hierárquicas. Na estrutura matricial a lideran- relegar a segundo plano sua subjetividade e
ça passa a ser por projetos, não por funções ou sentido de circunstancialidade?
EQUIPES DE ALTA PERFORMANCE 63
Não seria através da subjetividade e sentido 4. Antonio César A. Maximiano, Introdução à Administra-
ção, 6a ed (São Paulo: Atlas, 2004).
de circunstancialidade de todos os envolvidos 5. Luiz Carlos B. Pereira e Peter Spink orgs., Reforma do
com as organizações onde trabalham, que Estado e Administração Pública Gerencial (Rio de Janeiro: Edito-
encontraremos uma visão mais integrativa dos ra FGV, 2005).
6. Owen, op.cit.
problemas inerentes ao processo de lidar com 7. Ibid.
a incerteza, risco e tomada de decisões? Subje- 8. Érica M. Machado e Lícia M. Umbelino, A questão da
tividade entendida não como o que carece de estabilidade do setor público no Brasil: perspectivas de flexibilização
(Brasília: Textos para discussão ENAP, 2001).
comprovação científica, mas talvez—como 9. Paulo Modesto, Reforma Administrativa e Direito Adquiri-
estamos querendo sugerir neste artigo— do ao Regime da Função Pública (Brasília: Textos para discussão
como a mais nobre combinação entre livre- ENAP, 2001).
arbítrio e decisões inspiradas na ética. 10. Maximiano, op.cit.
11. Owen, op.cit.
Talvez para isto a ciência administrativa esteja 12. Ibid., 22.
carecendo de métodos de tomadas de decisões 13. Ibid.
mais flexíveis, que se sirvam mais do ferramen- 14. Gareth Morgan, Imagens da Organização (São Paulo:
Atlas, 1996).
tal qualitativo. Não em detrimento do ferra- 15. Owen, op.cit, 46.
mental quantitativo, mas complementando-o. 16. Robert Schlaifer, Probability and Statistics for Business
Pesquisas brasileiras descreveram32 os bene- Decisions (New York: McGraw-Hill, 1959).
17. James Surowiecki, The Wisdom of Crowds (New York:
fícios do uso da subjetividade em previsões, Doubleday, 2004).
inclusive propondo um método classificado 18. Owen, op.cit.
como híbrido,33 ou seja, aquele que combina o 19. Ibid., 67.
20. David Branco Filho, “Relação Afinada”, in Aero Maga-
ferramental quantitativo com o subjetivo. zine, Ano 4, número 47 (1998): 20-22.
Parece que muito ainda há que ser estuda- 21. Owen, op.cit.
do, proposto e aplicado. A pesquisa de campo 22. Morgan, op.cit.
23. Pereira e Spink, op.cit.
aqui discutida, exploratória, com baixa estabi- 24. Owen, op.cit., 98
lidade de medição quando se recorre ao teste 25. Ibid.
“alfa” de confiabilidade, ainda assim revelou 26. Ibid.
27. Schlaifer, op.cit.
grande e inequívoco grau de concordância 28. Surowiecki, op.cit.
total entre as opiniões de membros de equi- 29. Alvin Toffler e Heidi Toffler, Guerra e Anti-guerra: So-
pes de alta performance de dois países bastan- brevivência na Aurora do Terceiro Milênio (Rio de Janeiro: Biblio-
teca do Exército, 1995).
te distintos, como o Brasil e a Inglaterra. q 30. Morgan, op.cit.
31. Owen, op.cit.
Notas 32. Nadia Wacila H. Vianna, A Subjetividade no Processo de
Previsão (Tese de doutorado FEA/USP, 1989).
1. Hilarie Owen, Creating Top Flight Teams (London: Ko- 33. Luiz Maurício de A. Silva, Instrumentalização do Plane-
gan Page, 1996). jamento Estratégico: Aplicação no Setor Aeroviário Comercial Brasi-
2. Ibid. leiro (Tese de doutorado FEA/USP, 2000). http://www.teses.
3. Ibid. usp.br/teses/disponiveis/12/12134/tde-27032006-095314/.