Parodia em Travisan

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“A PARÓDIA COMO RECURSO ESTILÍSTICO EM DALTON TREVISAN”

ANDREETTA, Sandra Goret Sauthier.(PDE – 07/Seed-Pr)


SIBIN, Elizabete Arcalá. (Orientadora)

Resumo
Este artigo visa apresentar um estudo da paródia nos contos de Dalton Trevisan,
realizado com alunos do Ensino Médio, professores e participantes do GTR (Grupo de
Trabalho em Rede) da Rede Pública do Estado do Paraná. Situa o conto no gênero
narrativo, na literatura contemporânea, conceitua e contextualiza historicamente a
paródia, já que a mesma é uma das principais características da obra de Dalton Trevisan.
Em seguida é feita uma análise do conto “Penélope”, do referido autor, sob a óptica da
paródia. A complementação é realizada com os resultados obtidos com a implementação
feita na Escola e colaboração dos participantes do GTR.

Palavras-chave:paródia, conto, Dalton Trevisan

Abstract
This article aims to present a study of parody in stories by Dalton Trevisan, performed
with the high school students, teachers and members of the TNG (the Working Network)
Network Service of the State of Parana. Located in the tale genre narrative in
contemporary literature, conceptual and historical background to parody, since it is one
of the main features of the work of Dalton Trevisan. Then an analysis is made of the tale
"Penelope" of the same author, in terms of parody. Supplementation is performed with
the results of the implementation done in school and collaboration of the participants of
GTR.

Key words: parody, tale, Dalton Trevisan

No acompanhamento do ensino de Literatura no Ensino Médio,


verifica-se que, na maioria das vezes, o professor preocupa-se com a
Literatura Brasileira em geral, sem entrar em detalhes relativos ao
paranaense Dalton Trevisan.

Dalton Trevisan, embora seja paranaense é pouco conhecido de


nossos alunos e suas obras pouco trabalhadas em sala de aula. Como
se utiliza muito da paródia em seus contos, faz-se necessário um estudo
sobre a mesma e conhecimento sobre a obra-matriz para entender o texto
parodiado.
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Considerado o contista maior do Brasil (nenhum outro escritor


nacional ao longo de nossa história se dedicou ao conto com tamanha
fidelidade), sempre foi aclamado pela crítica e negligenciado pelo público
que se choca com seus contos, talvez pela sua maneira direta de narrar,
seca, com extrema economia verbal, onde o cidadão do submundo é a sua
matéria, no que tem de mais sórdido, compulsivo e obsessivo a revelar
todas as suas taras.

A percepção das relações intertextuais, depende do repertório do


leitor, de seus conhecimentos literários e culturais. Daí a importância da
leitura, da observação dos diálogos que os textos travam entre si, da
compreensão da paráfrase e da paródia; principalmente da paródia, por
ser um efeito de linguagem que vem se tornando cada vez mais freqüente
nas obras contemporâneas.

[...] o brilhante estudo de Márcio Pinheiro da Silva se destaca


como uma importante contribuição para a ampliação da
fortuna crítica da obra de Dalton Trevisan e, também, para a
reflexão sobre o valor, a função e os modos de constituição da
intertextualidade na literatura contemporânea. Como se sabe,
parte significativa da produção literária contemporânea se destaca
pela presença de procedimentos de citação, alusão e apropriação
de tipos de texto, gêneros de discurso e obras canônicas.(JUNIOR
apud SILVA, 2007).

Torna-se necessário que o leitor seja experiente, isto é,que tenha


informação, conhecimento sobre a obra-matriz. Jauss explica que “a
experiência literária do leitor pressupõe um ‘saber prévio’, que funciona
como conjunto de saberes tanto literários, quanto da própria vida, com
base no qual o novo de que tomamos conhecimento faz-se experienciável,
ou seja, legível”.(JAUSS apud ZAPPONE, 2005).

O texto literário, enquanto cruzamento de outros textos, leituras e


falas, é visto como um instrumento capaz de levar nossos alunos a
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assumir o papel de leitores-sujeito, a um só tempo , críticos e criativos,


mas para que a leitura possa ser um agente de transformação social, é
preciso que seja entendida no seu sentido explícito e implícito, o que
requer do leitor não apenas o domínio do código lingüístico, mas também
e, principalmente, uma memória discursiva, o acesso aos sentidos de
determinado contexto histórico, que são retomados, na construção de
novos textos, estabelecendo um diálogo textual contínuo, que deve ser
interpretado em cada ato de leitura.

Para a Análise do Discurso, a concepção de sujeito – que vai


perdendo a polaridade centrada ora no eu, ora no tu e se enriquecendo
com uma relação ativa entre semelhanças e diferenças – que vai ocupar o
centro de suas preocupações atuais. Para ela, o centro da relação não está
nem no eu, nem no tu, mas no espaço discursivo criado entre ambos. O
sujeito só constrói sua identidade na interação com o outro. E o espaço
dessa interação é o texto.

Nos estudos lingüísticos contemporâneos, a linguagem passou a


ser entendida como incapaz de traduzir todas as intenções do falante. A
obra literária, sendo uma imagem simbólica do mundo que se deseja
conhecer, nunca se dá de maneira completa e fechada. Pelo contrário, sua
estrutura é marcada pelos vazios e pelo inacabamento das situações e
figuras propostas, reclama a intervenção de um leitor, o qual preenche
estas lacunas, dando vida ao mundo formulado pelo escritor.

O locutor não espera uma compreensão passiva do ouvinte,que


apenas duplicaria seu pensamento no espírito do outro, o que ele espera é
uma compreensão responsiva ativa, ou seja, uma resposta, uma
concordância,uma adesão, uma objeção, uma execução. É preciso que
haja uma relação dialética e dialógica entre o texto e o leitor: há
momentos em que o leitor preenche o texto e momentos em que o texto
preenche o leitor. A variedade dos gêneros do discurso pressupõe a
variedade dos propósitos intencionais daquele que fala ou escreve.
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Nesse sentido a comunicação seria extremamente difícil se, como


diz Bakhtin (1997, p. 302), os indivíduos não dominassem os gêneros de
discurso e tivessem de criá-los no processo de fala. As dificuldades da
criação de um gênero a cada construção de enunciado de modo
totalmente livre seriam sentidas na perda da agilidade do processo. Daí
ser necessário admitir, com Bakhtin, que a língua se realiza por meio de
enunciados (orais ou escritos). Dadas as diferentes situações de uso, os
enunciados vão sendo organizados, agrupados em tipos - de acordo com a
finalidade - e ensinados de forma a levar o aprendiz a tomar conhecimento
dos diferentes tipos e a usá-los de acordo com os objetivos que têm em
mente (Pasquier e Dolz, 1996).

Os enunciados - organizados e agrupados - são usados em toda e


qualquer atividade humana e cada esfera de atividade desenvolve tipos
relativamente estáveis de enunciados que passam a ser comumente
associados a elas. Bakhtin (1997) chama de gêneros de discurso esses
tipos estáveis de enunciados.

A escola precisa contemplar no seu currículo o trabalho com o


maior número possível de gêneros: narrar, expor, relatar, instruir,
argumentar. Gêneros são modelos de discurso que estão no inventário
social; cada vez que interagimos com o outro, vamos usar um destes
gêneros.

O conto faz parte do gênero de “narrar”. O objeto de nosso


interesse é o texto narrativo que, de acordo com Oliveira (2001), é uma
seqüência de fatos e se caracteriza: pela presença de ações, pelo
predomínio dos verbos no pretérito, sobretudo no perfeito, pela ocorrência
de personagens e por se referir os fatos ordenados cronologicamente.

Ainda com o mesmo autor (op. cit, p. 34), podemos dizer que:

O texto narrativo estrutura-se a partir de uma situação de


equilíbrio, perturbada por um fator qualquer de desequilíbrio, para o
qual surge uma solução, geradora de novo equilíbrio, podendo ocorrer
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no mesmo texto um ou mais trinômios desse tipo. É o que confirma BOSI:


no conto, deve acontecer a tensão, para que se torne uma narrativa
válida esteticamente. Isso acontece quando existe a agonia “entre a
opção narrativa e o mundo narrável” (BOSI, 1997).

O conto é uma narrativa mais curta, mas isso não quer dizer que
seja mais simples do que os outros tipos. Tem como característica central
condensar conflito, tempo, espaço e reduzir o número de personagens.
Trata-se de um gênero muito apreciado por autores e leitores, ainda que
tenha adquirido características diferentes, como, por exemplo, deixar de
lado a intenção moralizante e adotar o fantástico ou o psicológico para
elaborar o enredo. Pode abordar qualquer tipo de tema na construção de
um mundo particular.

Segundo Alfredo Bosi, 1997, o conto atende às exigências da ficção


contemporânea, visto se posicionar entre a narração realista, a fantasia e
o jogo verbal, assumindo formas variadas. Às vezes, apresenta caráter de
documento folclórico; às vezes, caráter de crônica da vida urbana; às
vezes, caráter de drama do cotidiano burguês; às vezes, caráter de poema
e, às vezes, sua grafia é o que chama a atenção por ser trabalhada com
esmero.

Essa plasticidade dificultou sua colocação em uma forma fixa de


gênero, pois como narrativa curta, acomoda no seu espaço, de forma
condensada, todas as possibilidades da ficção. Também, por não ser
extenso, exige técnicas apuradas de composição, o que o distingue
claramente do lírico e do dramático.

Por mudar de forma freqüentemente, além de abranger o conjunto


de temas do romance, o conto joga com os modos de composição
moderna para alcançar a forma sintética e a relação entre tons, gêneros e
significados. A escolha que o contista faz de seu universo, do tema, não é
aleatória. O conto busca situações marcantes, reais ou imaginárias, da
vida do homem moderno, unidas por um discurso.
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O Modernismo, esteticamente, foi muito importante para a


delimitação da estrutura do conto contemporâneo. Principalmente o novo
Realismo, que surgiu a partir de 1930. A literatura dos últimos 40 anos
valoriza o pluralismo de estilo e a mistura de gêneros. A arte pós-moderna
promove a incorporação de todas as estéticas passadas, misturando-as de
modo inovador. Os autores modernos não criaram uma nova escola
literária, com regras rígidas, mas sim, desligaram-se das teorias das
escolas anteriores e procuraram transmitir suas emoções, os fatos da vida
atual e a realidade do país de uma forma mais livre. Na prosa urbana, a
desumanidade, a violência, a solidão, a marginalização, o vazio associado
à vida moderna, a hipocrisia social, o conflito de classes e os outros males
das metrópoles são a matéria prima das obras ficcionais e o conto é o
gênero que melhor dá conta dessa problemática.

“O segundo modernismo e a literatura de fora mais divulgada a


partir de 40 foram, portanto, o principal quadro de referência estilístico do
conto brasileiro dos últimos vinte e cinco anos.” (BOSI, 1997).

Entre contistas e romancistas da atualidade, verificamos


ressonâncias dos escritores de 45, especialmente por meio de uma ficção
intimista que se ocupa em descobrir os conflitos do homem em sociedade,
provocando uma contínua reflexão sobre a vida moderna. Os contistas da
atualidade valem-se não só do realismo fantástico, mas também da
fragmentação dos elementos da narrativa para tematizar os problemas
psicológicos, filosóficos e morais,intensificados pelo drama de viver nos
grandes centros urbanos. Outra característica da produção
contemporânea é a retomada intencional de textos passados, relidos a
partir de uma visão paródica, com objetivo irônico. O “texto”, muitas
vezes, é o resultado de uma grande colagem de outros textos. As
fronteiras entre um texto e outro não são bem delimitadas. A origem de
um texto está centrada na relação que um texto estabelece com outro: e
não, com um texto pensado como ponto - primeiro. É importante
perceber, a partir desses “diálogos” travados em torno do mesmo tema,
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mas com tratamentos diferentes, a idéia de que a intertextualidade, a


paródia, pode ocorrer por relações de semelhanças e diferenças.

Segundo Bosi, autores como Otto Lara Resende, Lygia Fagundes


Telles, Moreira Campos e Dalton Trevisan marcam suas obras pelo
essencial, pela comunicação clara e criam uma segunda natureza formal
baseada nos modelos de Graciliano, Marques Rebelo, Rubem Braga, mais
além, Tchekov, Maupassant, Eça de Queirós, Machado de Assis. Tradição
que zela a sociabilidade da escrita, traz inovações na linguagem, mas,
principalmente, que se enriquece “na hora das sínteses de pathos e
expressão, mimesis e expressão” (BOSI, 1997).

Os padrões mais constantes de constituição do conto de hoje, que


refletem situações diversas da vida real ou imaginária, são os de
escritores de 30 e de 40, que desenvolveram romances neo-realistas,
memórias ou crônicas do cotidiano.

O processo modernizador do capitalismo pôs à parte o regional e o


substituiu por modos fragmentários e violentos de expressão. Tal
literatura-verdade desde os anos 60 responde à tecnocracia, à cultura de
massas, às guerras, às ditaduras.

A ficção introspectiva, memorial e auto-analítica, atinge os


universos míticos ou surreais, numa tentativa de resolver os contrastes. O
homem da cidade serve-se da fantasia para buscar a continuidade à
perversão ou sonhar com um retorno à natureza, à estética e à comunhão
afetiva.

“É muito provável que o conto oscile ainda por muito tempo entre
o retrato fosco da brutalidade corrente e a sondagem mítica do
mundo, da consciência ou da pura palavra. Essas faces do mesmo
rosto talvez componham a máscara estética possível para os
nossos dias; e a literatura, enquanto literatura-para-a-literatura,
não tem meios de superá-la. Poderá representá-la, exprimi-la,
significá-la. E vivê-la e sofrê-la, até desafiá-la. Arrancá-la, não.
Para tanto, seria necessário que acontecesse quase o impossível.
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Que o homem de letras pudesse, de algum modo, deixar de o ser;


que o seu projeto fosse o mergulho de corpo inteiro no
pensamento e na ação dos semelhantes; que ele fizesse como o
grão da parábola evangélica: “Se o grão de trigo não cair na terra,
e não morrer, ficará só; se morrer, porém, dará muito fruto” (João,
12, 24).” (BOSI, 1997).

No conto simples ou tradicional,a ação e o conflito passam pelo


desenvolvimento até o desfecho, com crise e resolução final. O conto
contemporâneo não segue eixos fixos, ele desmonta este esquema, sua
estrutura reflete a própria vida cotidiana.

Considerando a produção narrativa de Dalton Trevisan, o título


“conto”, aplicado ao autor, precisa se redefinir, por inaugurar um novo
jeito de escrever contos, rompendo os paradigmas tradicionais, as formas
rígidas do conto simples. Nos contos de Dalton pode-se observar um
movimento que acentua o valor do discurso da personagem, que segundo
Berta Waldman,

“com o desaparecimento progressivo da voz do narrador, do


discurso indireto que passa a direto, este, por sua vez, passa a
cena, esta a diálogo em que uma das falas é eclipsada, apenas
suposta, até chegar, finalmente, à desestruturação do conto

convencional, transformado em micro narrativa, em fragmento.”


(WALDMAN,1989).

Ele usa de exagerada economia de linguagem, realizando a


façanha de muito dizer, pouco falando e técnicas de sugestão que levam o
leitor à co-autoria do texto. Não se encaixa nos moldes tradicionais,
mesmo em suas narrativas mais longas. A intriga é desvendada por
fragmentos do diálogo, não pela narrativa, nem pela descrição. O seu
texto não deve ser “desconstruído”, mas, ao contrário, construído, pois
nessa arte de repetições e elipses o leitor vê-se desafiado a contribuir. A
concisão é uma característica comum em seus contos, também as
mudanças no estilo do autor à medida que o tempo foi passando, são
evidentes. Os contos iniciais – os mais antigos – são literariamente mais
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elaborados apresentando, com freqüência frases poéticas de efeito


dramático ou irônico. Já os mais recentes possuem estrutura mais simples
e linguajar mais direto. O conto, enquanto possibilidade de manifestação
do múltiplo, é o meio de expressão mais adequado a um autor que investe
numa literatura de des e re-organização.

A elipse, a pausa, o corte abrupto, a fragmentação, as frases


reduzidas, o uso do clichê, a paródia, compõem as fortes marcas do estilo
de Dalton Trevisan. Com a redução da linguagem, que incorpora o não
dito, o implícito, pode-se observar uma área de silêncio que destrói o
sistema que garante a organização do texto, comprometendo o seu
desenvolvimento, também o uso de clichê é outro dado que remete ao
estranhamento do vazio no corpo da narrativa. No dizer de Berta
Waldman,

(...) o clichê fixa a linguagem e se institui como forma cristalizada


que é, por sua própria natureza, uma espécie de antilinguagem
que não comporta as possibilidades de atribuição de sentido à
experiência particular, estabelecendo a ruptura entre eu-discurso-
mundo. (WALDMAN, 1989).

Como decorrência dessa ausência de sujeito, há nos contos de Dalton


Trevisan uma “irresponsabilidade” com relação ao que se fala, a ponto de, em
certos momentos, o leitor não conseguir identificar o emissor que tanto pode ser
o narrador, como uma personagem, ou outra.

“O conjunto desses elementos precipitadores da criação do espaço oco


no interior da linguagem pode ser apontado como o responsável pela
fragmentação do conto de Dalton Trevisan. Reduzida a narrativa a um quase-
aforismo, à sua instância mínima, ela alcança repetir a desarticulação do mundo,
contando o vazio do cotidiano.” (WALDMAN, 1989).

“Quanto mais sintético o conto, mais intenso tende a ser o conflito


dramático ali expresso, mais despojado de elementos acessórios e inúteis,
portanto, maior o impacto da narrativa sobre o leitor”. (JUNIOR, 2004).
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Dalton Trevisan é um escritor fortemente representativo das


tendências contemporâneas. Suas histórias curtas, com voluntária
pobreza de meios, apresentam um neo-realismo que combina frieza e
desespero existencial, retratando as obsessões e as misérias morais de
um indivíduo qualquer, ambientado no meio curitibano.

A concisão, essencial em Dalton Trevisan, beira a crônica, mas


foge a ela devido o tom grotesco ou pungente que dirige as frases,
trazendo à tona o desamparo e a crueldade dos homens na cidade da
modernidade, mas apesar das cenas de violência e degradação dos contos
de Dalton, seu estilo vigiado não é brutal. A brutalidade de estilo cabe
melhor a uma forma de escrita criada nos anos 60, quando ocorreu uma
nova explosão do capitalismo selvagem. A “imagem do caos e da agonia
de valores que a tecnocracia produz num país de Terceiro Mundo” (BOSI,
1997).

Dalton Jérson Trevisan, um dos melhores contistas brasileiros


contemporâneos. Nasceu em Curitiba, Paraná, em 14 de junho de 1925.
Mestre na arte do conto curto e cruel, é criador de uma espécie de
mitologia de sua cidade natal, Curitiba. A sua obra capta flagrantes do dia
a dia, do ambiente domestico à marginalidade, revelando o lado
genuinamente popular, que valoriza os mínimos detalhes das relações
afetivas com uma forte dimensão existencial e transbordante de humor,
muitas vezes, impiedoso. Dalton Trevisan é um escritor regional, seus
contos, amores e desgostos estão ambientados em uma redoma de vidro
chamada Curitiba. Ele é um apaixonado pela cidade, o que não impede
que a cidade seja alvo das mais ácidas críticas em seus textos.

Mestre na arte do conto curto e cruel, é criador de uma espécie de


mitologia de sua cidade natal, Curitiba. A sua obra capta flagrantes do dia
a dia, do ambiente domestico à marginalidade, revelando o lado
genuinamente popular, que valoriza os mínimos detalhes das relações
afetivas com uma forte dimensão existencial e transbordante de humor,
muitas vezes, impiedoso. Dalton Trevisan é um escritor regional, seus
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contos, amores e desgostos estão ambientados em uma redoma de vidro


chamada Curitiba. Ele é um apaixonado pela cidade, o que não impede
que a cidade seja alvo das mais ácidas críticas em seus textos.

É comum autores tomarem da realidade e construírem sua ficção.


Dalton Trevisan parece fazer o contrário: usa das armas da ficção para
despejar dentro de seus contos o mais sórdido da tragédia humana, de tal
forma, que as mazelas do homem se apresentam mais contundentes e
piores do que são. Sua maior crítica parece ser contra os sistemas
conservadores, a aristocracia e o tradicionalismo.

Dalton Trevisan usa a intertextualidade (retomada do discurso do


outro) e a intratextualidade (retomada do próprio discurso) em seus
contos, isto é, utiliza-se dá paródia como recurso estilístico.

A paródia é um efeito de linguagem que vem se tornando cada vez


mais freqüente nas obras contemporâneas. A freqüência com que
aparecem textos parodísticos, nos mostra que a arte contemporânea é
condescendente com a linguagem que se dobra sobre si mesma num jogo
de espelhos, ma nem por isso a parodia é uma invenção recente. Ela
existiu na Grécia, em Roma e na Idade Média. O que faz com que ela
pareça um traço de nossa época, talvez seja o fato de ter ocorrido uma
intensificação do seu uso na modernidade.

Aristóteles atribui, em sua Poética, a Hegemon de Thaso (séc. 5


a.C.) a origem da paródia como arte, ao utilizar o gênero épico para
representar os homens como seres comuns inseridos na vida diária e não
como seres superiores. Paródia significa canto paralelo (de para = ao lado
de e ode = canto), implicando a idéia de uma canção que era cantada ao
lado de outra, como uma espécie de contra canto. A origem, portanto,
parece ser, musical. O significado mais tradicional é contracanto, mas há
um segundo sentido para isso. O prefixo “para” também significa “ao
longo de”, e sugere um acordo entre as partes, em vez de um contraste.
Hutcheon (1985) trabalha com a segunda significação, pois esta “alarga o
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escopo pragmático da paródia de modo útil para as discussões das formas


de artes modernas”. Diz a autora

“que o prazer da ironia da paródia não provém do humor em


particular, mas do grau de empenhamento do leitor no ‘vaivém
intertextual’, quando o leitor consegue identificá-la com alguma
passagem ou evento conhecido. Por vezes, são as convenções
tanto como as obras individuais que são parodiadas”.(HUTCHEON,
1985).

Falar de paródia, é falar de Bakhtin, referência obrigatória nos


estudos sobre paródia. Preocupado em caracterizar os efeitos cômicos de
diversas obras literárias, acabou extrapolando e dando uma grande
contribuição aos estudos sócio-literários modernos, formulando a teoria da
Carnavalização.

A Carnavalização dos textos se confunde com o que se


convencionou de nominar polifonia discursiva; para distinguir a
multiplicidade de vozes, de certos textos, do dialogismo constitutivo de
todo discurso.

Discurso de Bakhtin sobre a questão da literatura carnavalesca ao


descrever as festas medievais na obra de Rabelais (1974). “Ofereciam
uma visão do mundo, do homem e das relações humanas totalmente
diferentes, deliberadamente não-oficial, exterior à Igreja e ao Estado”.

Em outras palavras, com a festa, o mundo era colocado do avesso,


vivia-se uma vida ao contrário, pela suspensão das leis e restrições da
vida normal. Invertia-se a ordem hierárquica, acabava-se a veneração,
aboliam-se as distâncias entre os homens, instalava-se uma nova forma
de relações humanas, renovava-se o mundo. A festa que mais plenamente
assumiu essa renovação universal foi o carnaval.

Bakhtin vê a paródia como “elemento inseparável” da sátira


menipéia e de todos os gêneros carnavalizados. Na paródia, “o discurso se
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converte em palco de luta entre duas vozes” (1970) e, como num espelho
de diversas faces, apresenta a imagem invertida, ampliada ou reduzida.

Segundo Bella Jozef, a paródia

[...] denuncia e faz falar aquilo que a linguagem normal oculta,


pela contradição e relativização que se manifesta no dialogismo
essencial do carnaval, através de um discurso descentralizado. O
autor introduz uma significação contraditória à palavra da
sociedade. Ela só existe dentro de um sistema que tende à
maturidade, pois é uma critica ao próprio sistema. Através dela
cria-se um distanciamento em relação à verdade comum e opera-
se a liberdade de uma outra verdade. Na tentativa de descongelar
o lugar-comum, a paródia põe em confronto uma multiplicidade de
visões, apresentando o processo de produção do texto.(JOZEF,
1980).

A paródia, por estar do lado do novo e do diferente, é sempre


inauguradora de um novo paradigma. Falar de paródia é falar de
intertextualidade das diferenças.

O texto parodístico é o resultado de algumas modificações do texto


original, podendo apresentar: zombaria, substituição de palavras, com
uma conotação especial, geralmente com objetivo de crítica.

Como a linguagem literária disputa com textos jornalísticos, de


televisão, cinema, etc., muitas vezes acabou por alargar seu espaço
internamente, de diferentes estilos e formas que tornam o texto literário
um código que só os iniciados podem decodificar. Dentro disso surge a
paródia, como efeito metalingüístico e podemos distinguir não apenas
uma paródia de textos alheios, como uma paródia dos próprios textos.

Em literatura, acabaria por ter uma conotação mais específica: O


próprio Shipley, no seu dicionário de literatura, discrimina três tipos
básicos de paródia: verbal – com a alteração de uma ou outra palavra do
texto; formal – em que o estilo e os efeitos técnicos de um escritor são
usados como forma de zombaria; temática – em que se faz a caricatura
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da forma e do espírito de um autor. Modernamente a paródia se define


através de um jogo intertextual (SANT’ANNA, 2006).

A intertextualidade em Dalton Trevisan se dá nos títulos de obras


consagradas da literatura e, também do cinema e da música popular, da
mesma forma no corpo dos contos. Ex:”Em busca de Curitiba Perdida”,
“João, o estripador”, “Apanhei-te cavaquinho”, “Canção do Exílio”.

A apropriação estilístico-discursiva presencia-se nos contos que


imitam o discurso jurídico como “Certidão”, “Debaixo da ponte preta” e
nos que imitam textos bíblicos como “Lamentações de Curitiba” e
“Cantares de Sulamita”.

Um exemplo parodístico de deslocação de elementos e criação de


uma tensão semântica com o texto original é “Chapeuzinho Vermelho”.
Após a caracterização e identificação dos personagens do conto
daltoniano com os personagens do conto-de-fadas percebemos que
Trevisan se aproxima da versão de Perrault, pois como em Perrault a
punição está implícita na ação de atender seus impulsos. Nelsinho deixa-
se seduzir, e levado pela sua natureza de vampiro, a fazer mais uma
vítima. Por fim, ele próprio, vítima de seus impulsos é punido. Nesse
processo, Nelsinho percorre um caminho de degradação que se
caracteriza pela mudança de papéis. Enquanto no início do livro, os contos
narram seus encontros com mulheres jovens, nos quais Nelsinho é o
perseguidor insaciável e as mulheres suas vítimas, nas últimas narrativas
ele se encontra com mulheres mais velhas, que figuram como caçadoras
invertendo os papéis.

A intratextualidade é criada pela retomada dos seus próprios


contos, trazendo personagens e trechos de outros contos seus para formar
“novos” contos. Um exemplo disso é o haicai (miniconto) transcrito da
página 23 do livro “Ah, é?”, é um fragmento de um conto com o título
“Com o facão, dói” do livro “Em busca de Curitiba Perdida”.

Mal a pobre se queixa:


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- Ai, que vida infeliz.


Ele a cobre de soco e pontapé:
- E agora? Está se divertindo?
Apanha ela (grávida de três meses) e apanham as cinco pestinhas.
Uma das
menores
fica de joelho e mão posta:
- Sai sangue, pai. Não com o facão, paizinho.
Com o facão, dói.” (p. 23)
(Ah, é?, Dalton Trevisan)

Dalton Trevisan, antecipa o pós-modernismo fazendo paródia dele


mesmo, dos críticos que falam de seus contos; crítica de a ele mesmo,
Trevisan põe um conto nas orelhas do livro Macho não ganha flor, de
sugestivo título: “Ei, Vampiro, qual é a tua?”. Desta vez, a narrativa pode
ser entendida mais como uma auto-análise ou anti-manifesto do que como
obra de ficção. Este conto é, de cara, o que se tem de mais “diferente” no
volume. Neste texto temos um valioso depoimento de Trevisan sobre sua
obra, mesmo que seja dito em tom de deboche, meio que de ironia ou sob
o prisma e a licença da ficção.

No conto, o Vampiro faz um auto-exame. Logo no início o escritor


diz: “Buscando se livrar da pecha de repetitivo, o contista agregou ao seu
conhecido circo de horrores uma nova galeria de monstros morais. Perdido
entre a tautologia e a platitude, se pendura sobre o oco do seu próprio
coração (...)”.

Na seqüência do mesmo conto, é possível entender que o autor


esteja mandando um recado, chamando os novos escritores de
“transgressores”.

Vejamos o que Dalton Trevisan diz:

“Invertendo o axioma de que com bons sentimentos se faz a pior


literatura, ele (no caso o próprio Trevisan) escreve direito, mas
pensa oblíquo. Claro nas palavras, tortuoso no significado. Ora, não
bastam maus pensamentos para cometer boas letras”. (TREVISAN,
2006).
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Há tramas cheias de intertextualidade como o próprio título da


obra:”Capitu sou eu”, que entrelaça Flaubert (Madame Bovary ces t moi) e
o Machado de Assis de Dom Casmurro. Uma adúltera e uma meio acusada
de prevaricação. O conto homônimo, que aproxima uma professora de
Letras a um aluno relapso, insinua que vale mais um amor bandido, do
que uma conduta conseqüente. Ela e Capitu são mesmo “mulherinha(s) à
toa”.

Na paródia,o autor emprega a voz, o texto ou o tema de um outro


e introduz outra fala que apresenta uma intencionalidade que se opõe
diretamente à original. Por isso, a paródia por estar do lado do novo e do
diferente, é sempre inauguradora de um novo paradigma. De avanço em
avanço, ela constrói a evolução de um discurso, de uma linguagem.
(SANTANA, 1995).

Tomemos como exemplo, o conto “Penélope” de Dalton Trevisan,


pertencente ao livro “Novelas Nada Exemplares”, o próprio titulo do livro
já é uma paródia às Novelas Exemplares de Cervantes, também os contos
assumem um tom de crítica ou paródia, pois espelha personagens que
demonstram a pequenez do homem frente à fruição da vida e não a
exaltação ou nobreza diante de situações adversas. Inaugurando assim,
um novo paradigma, instaurando uma versão diferente, em que a família e
o matrimônio não são vistos como instituições sagradas, mas que podem
podem ser dissolvidas pelas atitudes do ser humano. É evidente, portanto,
o diálogo intertextual e parodístico que o autor faz com o mito grego de
Penélope, personagem famosa por sua fidelidade ao marido, numa espera
de vinte anos enquanto Ulisses estava ausente.

“Durante os vinte anos de ausência de Ulisses, no discurso e


depois da guerra de Tróia, Penélope guardou-lhe uma fidelidade à
prova de todas as solicitações. A sua beleza atraiu a Ítaca uma
centena de pretendentes, e ela soube sempre frustrar-lhes as
perseguições e desorientá-los com vários dolos. O primeiro artifício
foi prender ao tear um grande véu, declarando aos apaixonados
que não podia contrair novas núpcias antes de terminar aquele
17

manto, destinado a envolver o corpo do seu sogro Laertes quando


este morresse. Assim, durante três anos ela alegou esse
engenhoso pretexto, sem que jamais a tela terminasse, pois que à
noite desfazia o que tecera durante o dia. Daí vem a frase ‘a trama
de Penélope’, aplicada às obras em que sem cessar se trabalha
sem nunca termina-las.” (COMMELIN,1997).

O intertexto não se dá somente pelo nome do conto e da


personagem, mas, principalmente, pela simbologia da ficção. O autor vale-
se do mito de Penélope para “reinventar” a história, condizente com os
novos tempos e rumos da sociedade contemporânea. Propõe um mito às
avessas, expondo o lado doentio do ser humano que se deixa reger pela
influência do Filho da Noite, Thanatos, restringindo o campo de influência
de Eros,o deus do amor que rege e gera a vida.

No mito grego, Penélope é disputada por vários pretendentes e,


para despistá-los, cria (urde) um plano: tecer, antes da escolha, a
mortalha de Laerte, pai de Ulisses. Contudo, para ganhar tempo, desfazia
á noite o bordado feito durante o dia, até a volta do marido, quando é
recompensada por sua fidelidade.

Dalton faz referência à personagem da mitologia, mas através de


uma inversão irônica deste mito, pois na versão mitológica, o que está em
jogo é o amor, o encontro, a fidelidade e a indissolubilidade do casamento,
e, no conto, a morte, o drama da infidelidade e a dissolução do
casamento. O autor apresenta a instituição familiar de maneira negativa,
invertendo os famosos “finais felizes”, apresentando as misérias, os
dramas e as frustrações do homem em sociedade; parodia estes “finais
felizes” e desenvolve um contracanto, demonstrando que na sociedade
moderna, as pessoas convivem com todo tipo de dramas, traumas,
paranóias e medos.

No conto Penélope, de Dalton Trevisan, o enredo gira em torno de


um casal de velhos que tem sua vida metódica abalada por uma série de
cartas anônimas que promovem o ciúme paranóico do marido e o suicídio
da mulher.
18

Na narrativa, os pensamentos de Penélope são uma incógnita, pois


não se sabe seu ponto de vista em relação aos fatos, ela aparece sempre
tricotando sua toalhinha, envolta numa rede na qual é tanto senhora
quanto objeto da trama.

Mas este “silêncio” de Penélope não anula a importância da


personagem na trama, já, pela paródia, é possível recuperar informações
adicionais que não se encontram explícitas na narrativa. No conto,
Penélope às vezes se aproxima e às vezes se afasta da Penélope mítica
pela oposição Eros/Thanatos que remete à simbologia do ato de fiar. A
ação de tecer representa criação e vida, abrange o domínio do ritmo e da
continuidade, aos movimentos de ir e vir, fazer e desfazer: os elementos
vida e morte correspondem ao vaivém da urdidura. Assim como no mito,
Penélope tece uma toalhinha, fazendo e desfazendo pontos, num trabalho
que exige tempo e paciência. No mito, ao bordar a mortalha do sogro,
Penélope perpetua o amor ao marido, tecendo de longe a trama da vida e
do encontro; no conto, Penélope tece, perto do marido a mortalha da
morte e da separação – “Entrou na sala, viu a toalhinha na mesa – a
toalhinha de tricô. Penélope havia concluído a obra, era a própria mortalha
que tecia – o marido em casa”. (TREVISAN, 1979).

No conto, o tecer metaforiza duas situações distintas: enquanto a


mulher, literalmente, tece a toalhinha de tricô, dando segmento à vida, o
homem tece uma rede de fios imaginários que compõem a urdidura da
suposta infidelidade.

Desde a rua vigiava os passos da mulher dentro de casa. (...) no


olho o reflexo da gravata do outro. (...) Na ausência dela, abria o
guarda-roupa, enterrava a cabeça nos vestidos. Atrás da cortina
espionava os homens que cruzavam a calçada (...) Pela toalhinha
marcava o tempo. Sabia quantas linhas a mulher tricoteava e
quando, errando o ponto, devia desmanchá-lo, antes mesmo de
contar na ponta da agulha.(TREVISAN, 1979).

O narrador nos deixa entrever, através das características das


personagens do marido e da mulher, uma forte oposição entre Eros e
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Thanatos, amor e morte se entrelaçam o tempo todo na trama da vida. O


marido, por exemplo, é fortemente influenciado por Thanatos, pois ele
está sempre de mal com a vida – “Nem a uma rosa se atrevia a dar seu
gesto de amor” (TREVISAN, 1979). A sua visão pessimista da vida e o
ciúme doentio em relação à mulher provocam a supremacia da morte
sobre a vida.

A esposa parece ser um pouco mais feliz, mas tem sua voz
limitada e seus pensamentos silenciados, como se a influencia de Eros
fosse perdendo forças, ao longo do tempo, devido ao comportamento do
marido, possessivo, apresentando características patriarcais, que contribui
para o enfraquecimento das forças de Eros na vida do casal, a tal ponto
que ela decide pôr fim ao fio da vida e terminar com seu suplício ao invés
de ter que conviver com a desconfiança do marido.

Os sentimentos do marido, após a morte da esposa, nos deixam


perceber também características da cultura patriarcal – “Não sentiu
piedade, havia sido justo” (TREVISAN, 1979), como se tivesse lavado sua
honra com sangue.

O suicídio da esposa, conseqüência da impossibilidade de vida


conjugal, remete, figurativamente, ao término do tecido do tricô. O mito
clássico é parodiado por Dalton Trevisan, através de uma série de
inversões. Ele parte de um mote que, na tradição literária, seria uma
novela exemplar da capacidade vivificante do amor e da felicidade
conjugal e parodia-o, criando uma novela nada exemplar, mas que reflete
a sociedade contemporânea. E, nesta perspectiva, a criação literária do
autor está em sintonia com a proposta moderna: a ruptura com a tradição
e ao mesmo tempo o resgate da mesma para compor o novo e (re) criar.

Diante desses conhecimentos sobre intertextualidade, paródia,


conto e obras de Dalton Trevisan, desenvolveu-se um projeto com alunos
do Ensino médio, professores e participantes do GTR (Grupo de trabalho
em Rede) 2007, onde podemos confirmar na prática o que sentimos na
teoria:a maioria dos alunos e professores conhece pouco, ou quase nada
20

de Dalton Trevisan e suas obras. Os professores, por não as conhecerem


pois o trabalho com suas obras exige um pouco mais de preparo, mais
leitura, mais domínio do conteúdo e da paródia – não as trabalham em
sala de aula.

Gostar de ler, constituir-se como leitor, torna-se essencial para o


professor atuar como formador de leitores. Para fazer frente à prática
ineficaz da leitura é necessário trabalhar a mudança de postura do
docente. Em vez da prática voltada para o “hábito de ler” (conotação
mecânica da leitura), uma prática motivadora que permita desenvolver no
aluno o “gosto de ler”.

O papel da escola não é apenas desenvolver o hábito da leitura, já


que os primeiros contatos com a leitura acontecem na família, mas sim,
optar pela literatura. Muito mais do que o hábito, deve-se ensinar o prazer
de ler e não há prazer sem a percepção do belo. A literatura é indissociada
da beleza e do prazer, ela propicia o prazer pelas palavras, pela
experiência de viver paixões através do contar, ouvir e ler histórias, e,
através destas, conhecer. Numa época em que se destaca tanto a
influencia da linguagem visual, resgatar a literatura é tarefa emergencial.

A seguir comentários de alguns professores participantes do GTR


2007, após terem aplicado o referido projeto com seus alunos.

“O fato da obra de Dalton Trevisan estar permeada de


intertextualidade, utilizando a paródia como recurso
estilístico quando bem explorada, desperta a curiosidade do aluno
gerando uma aprendizagem significativa, pressuposto privilegiado
pelas Diretrizes Curriculares ao destacar a contextualização como
uma abordagem necessária no processo ensino-aprendizagem”
(...) (Elisabete Aparecida Alves Soares).

“A questão do uso das paródias como sugestão de metodologia de


trabalho é muito interessante e cativante tanto para o professor
quanto para o aluno, sendo esta usada de forma contextualizada,
buscando primeiramente o que o aluno conhece sobre
21

determinado assunto e levando a construir o conhecimento”.


(Jovana Bocchi Dengo).

(...) As Diretrizes Curriculares enfatizam muito o fato de não


trabalhar conteúdos ‘soltos’, sem que o aluno saiba por que está
estudando aquilo, mas sim, estar sempre tentando ligar o
conteúdo com a realidade, ou um conteúdo com outro, como faz a
intertextualidade, que liga um texto a outro. Outro ponto a ser
observado é o fato de a paródia ter normalmente objetivo de
crítica, o que pode ser muito importante para os alunos, para
alargar seu horizonte de leitura, pois eles muitas vezes têm uma
idéia de texto literário como algo que está longe, atrelado a
determinado contexto histórico e a um vocabulário mais formal.
Eles normalmente não vêem o texto literário como uma crítica a
outro texto. (Analu Tatiana Eberspacher).

“Sendo um escritor irreverente, Dalton Trevisan, ao escrever


contos curtos, cativa ainda mais aquele leitor que não reconhece
ainda a importância da leitura como acesso ao conhecimento. Os
contos que abordam flagrantes do cotidiano, com os de Dalton,
farão com que os alunos envolvam-se mais com a leitura e a
literatura, já que o conto é uma perfeita manifestação literária
contemporânea, por ser uma leitura concisa e mais objetiva e
sabemos, que na vida moderna, frequentemente, tornamo-nos
também mais imediatistas”. (Elisabete Aparecida Alves Soares).

“Este plano de trabalho dá enfoque a novas estratégias de


trabalhos com alunos da Educação Básica, proporcionando
atividades concretas de sala de aula, centradas em textos de
interação social, aprimorando a capacidade de pensamento crítico
e a sensibilidade estética de um gênero literário pouco
trabalhado”. (Valdir Paulino Leite).

É perfeitamente possível estudar Dalton Trevisan com os alunos,


basta que o professor esteja atualizado em suas leituras da obra do autor,
já que é um escritor de poucas palavras (diz muito, pouco falando), de
estilo minimalista, em que a abordagem de conflitos entre indivíduos e o
meio social genuinamente popular, urbano, são recriados por meio de
22

linguagem precisa, direta. Prefere “sugerir” que “dizer”. Sugestão que só


um leitor mais experiente, mais preparado poderá perceber.

A literatura minimalista é caracterizada pela economia de palavras.


Os autores minimalistas evitam advérbios e preferem sugerir contextos a
ditar significados. Espera-se dos leitores uma participação ativa na criação
da história, baseados em dicas e insinuações, ao invés de representações
diretas. Geralmente, as histórias são pedaços da vida.

No Brasil tem crescido muito a produção de minicontos (ou


microcontos), gênero associado ao minimalismo. Nesse sentido a obra Ah,
é?, publicada por Dalton Trevisan em 1994, é considerada obra-prima do
estilo minimalista.

Também, dentro de nossas aulas, é pertinente apresentarmos


autores paranaenses, resgatar nossa cultura, levar nossos alunos a
conhecer uma boa literatura de raízes paranaenses, tendo como objetivo
formar leitores capazes de sentir e de expressar o que sentiu, capaz de
desvendar posicionamentos ideológicos em nosso meio social e cultural.
Que segundo (LAJOLO, 2001) possibilite ao aluno “percepção e
reconhecimento – mesmo que inconscientemente – dos elementos de
linguagem que o texto manipula”. Isso é muito importante, pois na ânsia
de mostrarmos ao aluno um panorama da Literatura Brasileira,
esquecemo-nos, muitas vezes de debruçar-nos sobre um autor tão nosso
quanto Dalton Trevisan e tão bom, quanto os que já conhecemos e
trabalhamos em sala de aula.

Quanto à implementação do projeto na Escola, envolvendo


professores e alunos do Ensino Médio, do Colégio Estadual Jardim Nova
Itália, foi de grande valia. O empenho de alunos e professores envolvidos
na execução de todas as atividades propostas foi bastante significativo. O
conteúdo foi trabalhado de maneira inovadora e diferenciada pelos
professores, dependendo do grau de compatibilidade da turma com o
projeto.
23

Não digo que não existiram problemas, dificuldades, durante a


implementação, visto que, para que as atividades fossem realizadas a
contento, os alunos precisariam ter uma bagagem cultural e um
conhecimento de mundo que os conduzissem a um posicionamento sócio-
histórico-ideológico, e também, o acesso ao interdiscurso.

Para tanto, os professores não mediram esforços em atividades de


pesquisa, leitura, interdisciplinaridade com Arte e história, inclusive,
pedindo ajuda aos professores das referidas disciplinas, já que os alunos
demonstraram insegurança quando as questões dependiam de
conhecimento histórico.

Também ficou claro que o autor paranaense e suas obras são


desconhecidas de nossos alunos, como nos relata Iracema de Vasconcelos
Pancier

(...) “os alunos comentaram que não gostavam de ler, mas esse
escritor interessou, por sua linguagem simples, sugestiva e
insinuante. Ele é direto, ágil e determinado como uma verruma,
pois ler este contista é participar, sofrer, inquietar-se, ruir.”
(PANCIER, GTR 2007).

A importância da leitura foi muito destacada pelos professores.


Segundo Hulda Ladevig, 2007) “levar o aluno a conhecer o mundo da
leitura é o caminho mais importante na sua trajetória de vida para o
conhecimento global do mundo em que vive”.

Para Maria José Locatelli (2007), a intertextualidade é de suma


importância no ensino da Língua Portuguesa, visto que,

(...) “quanto mais lemos, mais ampliamos nossos horizontes e


nossas competências de estabelecer referências entre os textos
lidos. E é a partir daí que podemos perceber as relações de
semelhanças e diferenças entre um texto e outro, tornando assim
a leitura mais atraente e repleta de expectativas”.(LOCATELLI,
2007).
24

Este projeto, além de ampliar a ação prevista no PPP da escola,


auxiliou na intervenção pedagógica, dando à atividade de aprender um
sentido novo, um melhor conhecimento de suas potencialidades e
limitações, além de despertar o interesse pelo texto literário e pelas obras
e estilo do nosso paranaense Dalton Trevisan.

Referências Bibliográficas

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25

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