Dissertação Sobre Etnias, Gênero e Sexualidade
Dissertação Sobre Etnias, Gênero e Sexualidade
Dissertação Sobre Etnias, Gênero e Sexualidade
Jequié – BA
2017
RONIEL SANTOS FIGUEIREDO
Jequié – BA
2017
F49e Figueiredo, Roniel Santos.
“Eu comecei a ser vista na escola assim: a professora feiticeira, macumbeira, a professora que
trabalhava com viadagem [...]”: etnias, sexualidades e gêneros em [dis]curso / Roniel Santos
Figueiredo.- Jequié, 2017.
192f.; 30cm.
CDD – 305.8
BANCA EXAMINADORA
Jequié-BA
2017
À memória de minha bisavó Maria. Minha
Dindinha, que a minha força para seguir em
frente seja como a saudade que eu sinto de
ti, assim eu sei que nunca pararei. Te amo!
“A tua saudade corta como aço de „naváia‟”.
AGRADECIMENTOS
Rubem Alves
RESUMO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................14
CAPÍTULO 01 - CAMINHOS CRUZADOS: AS ENCRUZILHADAS
METODOLÓGICAS ....................................................................................................... 27
1.1 – Percursos Metodológicos ..................................................................................... 28
1.2- O encontro com a pesquisa[da] .............................................................................. 46
1.3 - A professora ......................................................................................................... 48
1.4 - “Se a partir de agora as portas não se abrirem... a gente arromba!” - A escola e a
comunidade escolar ......................................................................................................51
1.4.1 – Os/As Entrevistados/as .................................................................................. 55
CAPÍTULO 02 – “AVE MARIA, CHEGOU A MACUMBEIRA!”: A CONSTRUÇÃO
ESCOLAR DA DIFERENÇA ÉTNICA ...........................................................................57
2.1 – “Nem tudo que reluz é ouro”: tem uma feiticeira (professora) na escola .............. 64
2.1.2 –“Eu só fiz responder para eles assim: a macumba está ótima. Aí ele arregalou
os olhos para mim assim... e eu disse: “ a macumba é boa!” – A escola enquanto
campo de disputa ......................................................................................................75
2.2 – “É até uma forma de me proteger. Por que eu já sofri tanto preconceito na escola
e sofro ainda” – Armário, identidade e Educação ......................................................... 93
2.3 - “Por que apesar de vocês não se verem como negros, vocês são negros, apesar de
muitos não verem que tem na sua origem avós, bisavós, tataravós que foram negros, que
vieram da áfrica e foram massacrados, pisoteados” – Jogos das identidades no contexto
educacional .................................................................................................................. 98
CAPÍTULO 03 – “„COMO É QUE A SENHORA FALA ISSO, PROFESSORA?‟ – AVE
MARIA! FOI UM HORROR!”: GÊNEROS, SEXUALIDADES E DOCÊNCIAS EM
DISCURSO ................................................................................................................... 112
3.1 - “[...] eu comprava a briga para mim. Eu fazia a diretoria agir”: A sexualidade
[que escapa] da sala de aula ........................................................................................ 118
3.2 “Ele me mandou tomar naquele lugar”: Masculinidade e heteronormatividade em
jogo ............................................................................................................................ 128
3.3 - “Se você não quer se esclarecer, minha filha, é um problema seu, agora você me
respeite como profissional. Quem está falando aqui é uma profissional!”: Docência e
gênero ........................................................................................................................ 134
3.4 – “Por que é um desafio a ele próprio, porque quem tem que primeiro ser desafiado
é ele”: os avanços e retrocessos no fazer docente........................................................ 142
3.5 - “Ela fazia com que a gente fosse atrás, ela atiçava a gente e a escola”:
mobilizações e [des]caminhos .................................................................................... 151
NOTAS SOBRE RETICÊNCIAS E PALAVRAS... ....................................................... 166
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 172
APÊNDICES ................................................................................................................. 182
ANEXOS ....................................................................................................................... 188
Lista de Abreviaturas e Siglas
INTRODUÇÃO
1
Segundo Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p. 29) a heteronormatividade é a “crença na heterossexualidade
como característica do ser humano “normal”. Desse modo, qualquer pessoa que saia desse padrão é
considerada fora da norma, o que justificaria sua marginalização”. Miskolci (2007a, p. 6) acrescenta a essa
definição que “[...]Entre o terço final do século XIX e meados do século seguinte, a homossexualidade foi
inventada como patologia e crime e os saberes e práticas sociais normalizadores apelavam para medidas de
internação, prisão e tratamento psiquiátrico dos homo-orientados. A partir da segunda metade do século XX,
com a despatologização (1974) e descriminalização da homossexualidade, é visível o predomínio da
heteronormatividade como marco de controle e normalização da vida de gays e lésbicas, não mais para que se
“tornem heterossexuais”, mas com o objetivo de que vivam como eles”. Nesse sentido, acrescenta-se o
prefixo cis com a intenção de salientar que as normatizações visam não apenas que as pessoas vivam como
heterossexuais, mas que elas também assumam a cisgeneridade como premissa de vida.
17
rachadura da masculinidade ideal. Lembro, por muitas vezes, ter ouvido homens se
referirem a outros como “simpáticos”, uma forma de não utilizar a palavra bonito, pois
achar simpático é algo até permitido, faz pensar em uma relação de amizade. Considerar
outro homem bonito, no entanto, conota uma possibilidade de desejo e isso, na sociedade
contemporânea, é proibido para um dito “homem de verdade”. Após a saída das amigas de
minha mãe me recordo de ter apanhado bastante. Divago hoje pensando que a surra era
como um “tratamento de choque” para me trazer de volta à “normalidade”. Sei que nesta
situação o sofrimento foi mútuo: sofria minha mãe por ter um filho que gradualmente se
afastava do ideal hegemônico de masculinidade e eu sofria por não agradar e ser punido.
Essa situação e tantas outras me fazem questionar: se a heterossexualidade é mesmo
natural e destino de todas as pessoas, qual a necessidade de empreendimentos para
reiteração, a todo o momento para garanti-la? Parece que qualquer vivência fora da
heterossexualidade é um lugar de inferioridade. É um não lugar! Essa posição abjeta2 é
compartilhada pelas pessoas LGBTTI3, mulheres, negros, indígenas e tantos outros grupos
minoritários4 na atualidade. Esses grupos são as expressões vivas da subversão da norma
hegemônica e, por não se enquadrarem nos padrões eurocêntricos, sexistas e
heteronormativos, são foco de discriminações, preconceitos e agressões que funcionam
como uma “punição” por serem “diferentes”, dando indícios do quanto a nossa sociedade
não é acolhedora das diferenças na perspectiva que escreve Tomaz Tadeu da Silva (2002),
como movimento que rompe com a dicotomia, que mostra outros lugares, outras vivências
e outras possibilidades. “A diferença é mais da ordem da anomalia que da anormalidade:
mais do que um desvio da norma, a diferença é um movimento sem lei” (SILVA, 2002, p.
66).
2
Conforme Butler (2007, p. 153) “abjeto designa aqui precisamente aquelas zonas “inóspitas” e “inábitáveis”
da vida social, que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que não gozam do status de sujeito,
mas cujo habitar sob o signo do “inabitável” é necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito”.
Cabe pontuar que a posição abjeta não está ligada apenas às sexualidades e aos gêneros, ela diz de todas as
posições de sujeito que são consideradas socialmente inúteis, indevidas e indignas de serem vividas. Assim,
ser abjeto é ocupar os interstícios sociais na posição de um não-sujeito.
3
Sigla que se refere ao grupo constituído por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Intersexuais – LGBTTI. Adoto essa expressão com a intenção de destacar a diversidade de composições que
essa sigla recebe em diferentes contextos e movimentos sociais, sendo inclusive modificada ao decorrer do
tempo. No entanto, compreendo que outras nomenclaturas são adotadas para se referir a essas pessoas e que
há aquelas/es que não se sentem contempladas/os por essa expressão. Contudo, utilizarei essa sigla no
decorrer do texto para evitar a repetição das expressões que a compõem (MAIO; JUNIOR, 2014).
4
Entendo a expressão minoria/grupos minoritários como referente à quantidade de direitos e não ao número
populacional.
18
lugar, apenas por ter um processo de produção de minha masculinidade diferente daquele
preconizado. Nesse sentido eu percebo que gênero e sexualidade têm uma proximidade tão
grande que a transgressão dos aspectos hegemônicos do gênero, de certa forma, me
colocava em uma posição, até então desconhecida. Para aquelas pessoas eu não era
homem, embora eu tivesse o corpo biológico lido como masculino, não tinha as atitudes
esperadas para tal. Mas também não era uma mulher, por não ter a estrutura corporal
estabelecida como feminina, apesar de ter características esperadas para esse gênero.
Assim, eu ocupava o limbo, o não-lugar, como um terceiro gênero, ou quem sabe, um lugar
fora do gênero, um não-gênero.
Esse processo perverso perdurou durante toda a minha trajetória escolar, quando eu
percebia os olhares intrigados dos/das colegas sobre mim, olhares que indagavam quem ou
o que de fato eu era. Em alguns momentos, nesse frenesi de investimentos em saber o que
eu era, eu me sentia desumanizado, “coisificado”, em que todos os meus aspectos eram
secundarizados nesse processo de tantos questionamentos. Assim, como argumenta
Bauman: “As “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras
infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para
defender as primeiras em relação às últimas” (BAUMAN, 2005, p.17). Contudo, realizar
esse processo de defesa que Bauman convoca é muito difícil na educação básica em que as
forças e os discursos normatizadores operam potentemente sobre os corpos, ideias e ações
dos/as estudantes. Naquele momento eu não me sentia capaz de defender qualquer posição,
mais que isso, eu nem sabia que tinha alguma posição a ser defendida. Eu fui jogado em
um determinado lugar sem, a princípio, saber as razões.
Em outros momentos, algum/a colega mais próximo/a vinha me contar que viu
outra pessoa comentando que eu não era homem e sim gay. Aquilo me perturbou durante
muito tempo. Eu não me enxergava daquela forma que as pessoas falavam e eu não queria
ocupar aquele lugar de foco negativo dos comentários. Parecia que qualquer qualidade que
eu tivesse era diminuída, dissolvida em meio ao grande “pecado” da diferença.
Possivelmente, essa situação ajude a exemplificar o caráter relacional das diferenças, pois
eu só era diferente quando relacionado com aquelas pessoas que se julgavam
heterossexuais. Como percebe Kathryn Woodward (2009, p. 36): “[...] as identidades são
[...] formadas relativamente a outras identidades, relativamente ao “forasteiro” ou ao
“outro”, isto é, relativamente ao que não é. Essa construção aparece, mais comumente, sob
a forma de oposições binárias”.
20
Outra marca que me acompanhou durante toda a minha vida foi a do meu
pertencimento étnico. O fato de ser negro sempre me colocou em um lugar diferente dos
meus colegas brancos. Não que eu percebesse isso naquela época, ao menos no início, pois
eu me sentia como todas as outras crianças e não conseguia notar essa diferença, não
percebia que eu ocupava o lugar do “outro” nas instituições em que eu participava. Eu me
via como igual, mas eles me viam (liam) como diferente. Naquele contexto, principalmente
no ambiente educacional, fui hostilizado inúmeras vezes pelos xingamentos “nariz que o
boi pisou”, “nariz de pipoca”, “cabelo duro” e isso construiu em mim uma ideia de beleza
em que eu não me enquadrava, eu comecei a perceber que eu não estava no padrão de
beleza e comecei a persegui-lo dia após dia. Utilizei de diversos métodos na busca de
alcançar esse ideal, desde o alisamento do cabelo, até cremes clareadores. Cheguei, durante
muito tempo, a ter como objetivo principal angariar fundos para realizar uma cirurgia
plástica em meu nariz, uma cirurgia de “correção”, que me aproximaria do meu padrão
sonhado. Criaram em mim a “verdade” que eu era feio e passei a admirar o estilo europeu,
branco e elitista como uma forma de me aproximar daquele estilo, como uma forma de ser
aceito e ser visto como aquelas pessoas eram. Os discursos que eu ouvia incutiram em mim
que as manifestações da cultura negra eram ruins, feias e, por muitas vezes, demoníacas.
De alguma forma, durante muito tempo, eu tomei aversão ao que era negro, eu tinha medo
de ter contato. Eu quis me relacionar afetivo-sexualmente com pessoas brancas, não por
uma escolha consciente, mas por um processo perverso de produção do que era belo para
mim. Meu desejo foi produzido pelas forças desses discursos. Consegui transpor - e as
transponho todos os dias - essas barreiras, percebendo as grandezas de nossa cultura, a
beleza de nossa gente, a força do nosso povo e as marcas históricas de luta e resistência do
povo negro.
Hoje, pensando, em todas essas discriminações que sofri no ambiente escolar deixo
uma questão: onde estavam os/as professores/as nesses momentos? Lembro-me que essas
manifestações preconceituosas ocorriam em horário de aula e não apenas nos intervalos.
Não me recordo, de sequer uma vez, em que algum/a professor/a tenha se mobilizado
diretamente para intervir naquela situação. Essas agressões eram vistas como uma
indisciplina “normal”, cotidiana e eram tratadas como tal. O máximo que ocorria era o/a
docente usar da sua autoridade para solicitar que os/as alunos/as fizessem silêncio. Como
se apenas o silêncio fosse necessário para findar aquela situação, não eram realizadas
problematizações acerca daqueles eventos constantes e que inscreviam marcas em nossos
21
corpos e personalidades. Essas cenas eram naturalizadas, faziam parte do cotidiano escolar.
Acredito que se deve a isso o encanto com o contexto da minha pesquisa: ao pensar que
tantos/as professores/as que passaram por mim no decorrer da minha trajetória escolar se
silenciaram diante das ações excludentes que eu e alguns/mas outros/as colegas sofremos e
ter encontrado aqui em Jequié-Ba, uma professora que subverte essa situação e consegue,
no seu fazer docente, realizar um trabalho de intervenção e problematização das marcas da
diferença é algo que merece uma atenção especial.
Nesse sentido, é importante pensar a escola enquanto lugar em que, muitas vezes,
são [re]produzidos modelos, normas e lugares, sobretudo o lugar do diferente. Ela designa
a posição de sujeito de cada pessoa nessa estrutura marcada pelas hierarquizações e
hegemonias. No cerne dessas questões o sexismo é naturalizado por intermédio das
produções desiguais nas relações de gênero. Geralmente, a escola educa as meninas para
serem mães e mulheres submissas, recatadas e do lar. Aos meninos é dado o papel de
provedor da casa, de homem que mantém a família trabalhando externamente. A escola
educa para a perpetuação do sistema patriarcal que ainda é tido como modelo para a
sociedade contemporânea, apesar de tantos outros arranjos existentes como aponta Guacira
Lopes Louro:
Apesar de hoje perceber esses jogos de poderes que estiveram presentes em toda
minha vida, só passei a visualizar com maior clareza essas relações quando comecei a
lecionar nos anos finais do ensino fundamental, ainda nos primeiros semestres da
graduação, no município de Maracás-BA, cidade em que nasci. Como professor de
Ciências pude constatar o quanto essas discussões despertavam o interesse e atenção dos/as
22
alunos/as. As aulas que versavam sobre sistemas reprodutores5 eram as mais participativas
e tidas como interessantes pelos/as discentes, contudo, percebi que a abordagem e o tempo
eram insuficientes para dar conta das inquietações e curiosidades deles/as. Apesar de tentar
me posicionar de maneira dialógica, muitas vezes me sentia constrangido, por indagações,
as quais, não me sentia preparado para responder. Diante desses momentos de falta de
respostas, fui percebendo também com o avançar do curso de graduação em Ciências
Biológicas que não havia uma disciplina que me ofertasse subsídio para discutir aquelas
questões que eram levantadas, sendo as aulas de embriologia o que eu tinha mais próximo
do assunto abordado, favorecendo um estudo interessante, mas que não se aproximava das
dimensões subjetivas, humanas e sociais que se manifestavam veemente nas minhas aulas.
Eles/as não queriam saber apenas de anatomia, morfologia e fisiologia, queriam discutir as
questões sociais e os desdobramentos da sexualidade na sociedade.
No âmbito familiar também são escassos os diálogos com filhos e filhas sobre
questões relacionadas à sexualidade. Muitas famílias consideram esse assunto algo
proibido ou pecaminoso. Estes rótulos inibem as conversas domésticas, pois para muitas
famílias, dialogar sobre essas questões é conceder aos filhos e filhas muita liberdade,
servindo como uma espécie de estímulo de algo que desejam reprimir por essa visão
“pecaminosa e suja”, restando, muitas vezes, à escola o propósito de discutir a temática.
Assim, a escola e os/as professores/as atuam em um campo muito tênue e delicado,
pois os aspectos que envolvem a sexualidade e os gêneros são historicamente marcados e
estigmatizados, muitas vezes pela própria instituição. Nessa direção Gesser, Oltramari e
Nuernberg (2012) enxergam a escola como um local onde também ocorrem manifestações
de violência e exclusão às pessoas que não pertencem à sexualidade hegemônica: a
heterossexual e, em que, alguns grupos são supervalorizados, como ocorre com os homens
brancos e de condição financeira mais abastada, ficando à margem, aqueles/aquelas que
não fazem parte desses agrupamentos, sendo considerados como os/as excêntricos/as e
exagerados/as.
5
Uso essa nomenclatura, porque na época em que lecionei ensinava a sexualidade voltada para os aspectos
reprodutivos e preventivos. Hoje, no entanto, percebo que é mais adequado, segundo a perspectiva em que
penso e escrevo, dizer sistemas sexuais ou sistemas genitais, visando uma ruptura com esse modelo de ensino
que associa a região genital apenas aos aspectos reprodutivos, silenciados os grupos e pessoas que mantém
relação sexual sem o intuito de se reproduzirem. Contudo, compreendo que essa nomenclatura ainda carrega
marcas do discurso biológico, fragmentando o corpo em partes que são adequadas para a relação sexual e
regiões que não são apropriadas para esse fim. Esse argumento, muitas vezes é utilizado para designar o que
é ou não permitido no sexo e quais regiões [não] podem ser estimuladas, gerando, mais uma vez,
padronização e binarismo.
23
Nesse contexto, esta investigação tem como foco de estudo as vivências de uma
professora que discute cultura afro-brasileira, gênero e sexualidade em uma escola de
periferia do município de Jequié-BA e os discursos da comunidade escolar em relação ao
trabalho dela sobre essas questões, diferindo da maioria das pesquisas encontradas,
revelando especial importância social e acadêmica, além da de cunho pessoal já
apresentada, ao entender que a mobilização dessa professora fortalece as discussões sobre
gênero e sexualidade e a compressão desse processo pode contribuir para que outros/as
professores/as possam repensar o contato com a temática e, possivelmente, discuti-la
também em suas práticas pedagógicas.
Para conhecer o que tem sido produzido na academia, nas temáticas envolvendo
docência, gênero, sexualidade e cultura afro-brasileira, acessei uma base de dados de
relevância nacional, qual seja, Banco Digital de Teses e Dissertações - BDTD utilizando
uma séries de descritores, conforme a Tabela 1, para realizar a busca de pesquisas que se
aproximem desse trabalho.
Para fazer a leitura dos resumos dos trabalhos utilizei os seguintes critérios: a)
trabalhos escritos nos últimos dez anos (2006-2016); b) abordassem sobre professoras/
mulheres na docência; c) discutissem cultura afro-brasileira; gênero e sexualidade. Assim,
nessa primeira base de dados nenhum trabalho foi encontrado, indicando a originalidade
24
desse trabalho ao se debruçar sobre essas três categorias. Pois a maioria dos trabalhos
encontrados dizem de processos formativos realizados para professores sobre essas
questões, mas não adentram o campo da práxis educativa desses/as docentes e quando o
fazem, trabalham com um marcador ou outro (gênero, sexualidade, etnia), mas não se
debruçam sobre a intersecção dos três na prática docente. Dessa forma, mudei os critérios
de seleção para: a) trabalhos escritos nos últimos dez anos (2006-2016); b) falassem sobre
professoras/ mulheres na docência; c) discutissem aspectos das diferenças. Assim, foram
analisados cinco trabalhos encontrados com os descritores Professora; Cultura afro-
brasileira; Diferenças. Quando o resumo não era suficientemente claro, optei por ler o
texto na íntegra para realizar as discussões que pretendo. O grupo de trabalhos selecionado
é constituído por uma tese e quatro dissertações.
Borges (2007) e Silva (2010) realizaram pesquisas envolvendo o “Programa São
Paulo: educando pela diferença para a igualdade”, um projeto de formação realizada para
professores/as entre 2004 e 2006 no estado de São Paulo, para a implementação da Lei
10.639/03 que prevê a obrigatoriedade da discussão da temática História e cultura afro-
brasileira e africana na educação básica. Essa lei trata de um importante marco nas
discussões étnicas e todos os trabalhos encontrados se desdobram sobre a implementação
dessa normativa. Santana (2010) pesquisou sobre a forma em que essas discussões se dão
na disciplina de artes e percebeu que:
Ou seja, por mais que a temática adentre o ambiente escolar é vista de uma forma
marginalizada que ao invés de romper com os estigmas histórico-sociais que o povo negro
carregou/carrega, os fortalece ao transformá-los em “folclore”, como se fosse algo
excêntrico, fora da vivência escolar.
Onofre (2014) corrobora ao realizar a sua pesquisa em uma instituição de ensino
quilombola, percebendo que por mais que haja esforços da comunidade escolar para
realizar essas discussões, elas ocorrem de maneira rudimentar, inicial e que ainda há muito
por realizar para que os objetivos elencados pela normativa sejam alcançados.
25
Sena (2015), por sua vez, buscou conhecer os impactos dessas discussões na
educação infantil e concluiu que essas discussões são potentes para esse público, pois
possibilitam a percepção das diferenças ainda na infância e compreendam a necessidade do
respeito.
Na tentativa de encontrar trabalhos que discutissem também gênero e diversidade
sexual utilizei também os descritores Gênero; Sexualidade; Formação de professores e
foram encontrados quarenta e oito (48) trabalhos, sendo que desse total quarenta e seis (46)
foram escritos nos últimos dez (10) anos, mostrando um aumento nos estudos que se
debruçam a entender as relações de gênero e sexualidade no processo de formação de
professores/as. Sabe-se que o trabalho aqui proposto perpassará por esse campo, no entanto
ele não é o foco principal da pesquisa, portanto, não me estenderei em discuti-lo por
perceber que os estudos encontrados não possuem uma ligação direta com a pesquisa aqui
apresentada.
Nesse sentido, há trabalhos que apesar de não discutirem as relações étnicas
interseccionadas com as sexuais e de gênero, foram realizados com professores/as e
tiveram como resultado que eles/as não se percebem aptos/as a discutirem a temática, por
não terem tido uma formação que contemple essas discussões, e quando ousam trabalhar
com a temática, correm o risco de reiterarem preconceitos, como afirmam Costa e Marçal
(2008) que perceberam nos/nas professores/as inseguranças e equívocos ao discutir tal
temática. Muitas vezes, eles/elas utilizam subterfúgios para não serem confrontados/as e
“desestabilizados/as” por situações que, dependendo do contexto e dos valores do/a
educador/a, sejam constrangedoras.
Borges e Meyer (2008), por sua vez, analisaram os limites e as possibilidades de
uma ação educativa na redução da vulnerabilidade à violência e à homofobia, dentro do
programa “Brasil Sem Homofobia”, do Ministério da Saúde e perceberam que os/as
professores/as tinham uma espécie de “pânico moral”, um medo de serem contaminados
pelas sexualidades dissidentes e que, muitas vezes, os/as colegas e familiares desses/as
docentes colocavam em xeque a sexualidade dos/as participantes do curso por estarem
participando da formação. Pois se acredita que para participar de um curso ou assumir esse
tipo de discussão é preciso fazer parte dos grupos “desviantes”.
Assim, como já dito, entendo que apesar de a relevância desses trabalhos, nenhum
deles se aproxima do presente. Portanto, essa pesquisa tem relevância acadêmica na
possibilidade de pensar (e não prescrever) possíveis caminhos para que as discussões das
26
CAPÍTULO 01
6
Partindo a partir de uma lógica binária em que essas forças são qualificadas enquanto bem e mal e, de
alguma forma, se relacionam nesses espaços.
28
certezas ou gerar verdades, compreendo, no entanto, que existem regimes de verdades que
são utilizados em caráter incompleto, provisório e cambiante. Nesse trabalho, não é
diferente, alguns regimes de verdades são operados e direcionam as reflexões, sobretudo,
aqueles que percebem os marcadores sociais da diferença como construções históricas e
sócio-culturais, rompendo com as naturalizações ou determinismos. Nesse sentido, o
interesse aqui é muito maior em refletir acerca dessas relações complexas estabelecidas no
campo social do que gerar verdades inquestionáveis e generalizantes.
Trago nesse capítulo, portanto, alguns caminhos que geraram e geram essa
encruzilhada, compreendendo que eles são maiores e mais complexos do que aquilo que a
linguagem me permite comunicar pela escrita.
Inicio essa seção do texto com uma afirmativa que desejo salientar em vários
momentos do texto: escrevo na primeira pessoa, sou eu quem falo! Apesar de saber que
não falo só, falam comigo os diversos textos que li e as pessoas com as quais tive contato
na minha trajetória. Os colegas do grupo de estudo também endossam a minha voz, o meu
orientador fala comigo por intermédio dos muitos momentos de orientação e amizade e
assim construo uma fala em que assumo a autoria, mas reconheço as contribuições que a
deram forma e existência. Ou seja, assumo a autoria do metatexto como algo político,
como uma pessoa envolvida e implicada na pesquisa, mas que tenho a fala composta das
vivências experienciadas no decorrer da minha vida. Busco romper com a ideia do
cientificismo imparcial, em que o pesquisador é um ser fora do seu trabalho, como se
fôssemos médiuns do conhecimento em que apenas mediamos a pesquisa sem ter
participação ou contato com o conteúdo dela. Ora, se a pesquisa perpassa por mim, como
dizer que não participo dela? Pensar que sou apenas quem a escreve, quem a faz acontecer
é muito pouco diante do meu envolvimento. Tenho participação em sua construção e sou
parte da pesquisa. Os aportes teóricos e metodológicos são escolhas que dizem das
experiências que tive no decorrer da minha trajetória acadêmica (ou talvez de vida). Dessa
forma reafirmo: a presente pesquisa perpassa por mim e a linguagem que optei por utilizar
refere-se às escolhas teóricas que fiz e serão apresentadas no decorrer do texto.
29
se de uma situação que destoa das demais, um caso que escapa do ordinário, um ponto fora
da linha. Dessa forma, esse trabalho se aproxima - sem pretensão de aprisionar-se - do que
Yin (2001) nomeia de estudo de caso. Segundo o autor: “[É] uma pesquisa empírica que
investiga um fenômeno contemporâneo em seu contexto [...], em situações em que as
fronteiras entre o contexto e o fenômeno não são claramente evidentes, utilizando
múltiplas fontes de evidência” (YIN, 2001, p. 23). Ou seja, essa metodologia pode ser
utilizada quando os aspectos que a pesquisa objetiva investigar se entrelaçam com o
contexto em que estão inseridos, não sendo possível perceber claramente qual o grau de
interferência de um no outro, eles vão sendo construídos e se constroem simultaneamente.
Para Stake o caso é uma unidade específica perpassada por relações complexas e
situações problemáticas, não podendo ser compreendido de maneira simplista e
reducionista, havendo, portanto, a necessidade da imersão dos contextos em que o caso é
situado (ALVES-MAZZOTI, 2006). Dessa forma Stake corrobora com Yin (2001), ao
compreender a importância do contexto na existência do caso. Essa interrelação de
dependência que há entre “o foco da pesquisa” e o contexto em que ele está inserido se
revela como um ponto relevante para a discussão do caso.
Assim, trazendo para o contexto da pesquisa é preciso reconhecer as relações que
são estabelecidas entre a professora e a comunidade escolar, no caso, aquelas relações
firmadas a partir da prática pedagógica dessa professora. Para Alves-Mazzoti (2006) há
uma visão deturpada desse tipo de metodologia nas ciências, sendo colocada inclusive, à
margem, por ser vista como algo simples de ser realizado e que não possibilita
generalizações. Neste trabalho, no entanto, como já dito, não busco generalizações ou
“inventar fórmulas” que podem ser aplicadas em outros espaços, detenho-me na
compreensão das particularidades, pensando que a produção desse conhecimento pode
ajudar (ou não) a apontar caminhos para contribuir em outros “casos” que, por ventura,
sejam semelhantes. Os/As que acreditam na fragilidade metodológica e que consideram o
estudo de caso como o “parente pobre” das outras metodologias nas ciências sociais, como
aponta Yin (2001) no prefácio de seu livro, estão geralmente pautados em uma visão
positivista, buscando por objetividade, neutralidade e “dureza”, vertentes que rejeitamos
nesse trabalho.
Saliento ainda, que este trabalho aposta em um rigor metodológico que possibilita a
percepção de outras nuances da situação estudada, se aproximando dos estudos pós-
críticos. Essa nomenclatura, segundo Alice Casimiro Lopes (2013), é aglutinadora de uma
32
7
O pós-estruturalismo é um movimento da filosofia iniciado na década de 1960, que extravasou sua
influência para diversos campos do conhecimento, como literatura, história, sociologia, arte e antropologia
(WILLIAMS, 2012).
33
Dagmar Estermann Meyer, Rosa Maria Bueno Fischer, Marlucy Paraíso, Rosângela de
Fátima Soares entre outras/os para discutir essa seção do texto.
Meu interesse em pensar esse movimento veio a partir das aulas de uma disciplina
do programa de pós-graduação em que um professor, com bastante domínio teórico-
filosófico marxista, reafirmava durante todo o tempo que os pesquisadores pós-
estruturalistas não lidavam com dados e que para esse movimento tudo servia, que tudo se
resumia na linguagem, afirmando ainda, que as práticas sociais eram invisibilizadas nessa
abordagem e, por fim, questionava, como poderia um/a pesquisador/a ser pós-estruturalista
e utilizar entrevistas?
Aquelas afirmações me assustaram durante algum tempo, por ter vindo de uma
formação inicial em uma área que considero hegemônica e que tem um conhecimento ao
qual, socialmente, foi conferido o valor de verdade, e por ter ouvido durante muitas vezes
que as ciências humanas e sociais eram menores e que não eram cientificamente
comprováveis. Então, perceber que também nesse campo do conhecimento há uma
perspectiva que é estigmatizada e considerada menor que as outras foi, no mínimo,
desconcertante para mim, que estava no processo inicial de inserção nessas discussões
assumidamente sociais, digo isso, por compreender que as discussões biológicas também
são instituídas no âmbito social, mesmo que isso seja, muitas vezes, negado. Com o tempo
pude pensar nessa situação vivenciada a partir das relações de poder que Foucault discute
ao longo dos seus trabalhos e perceber que o saber é um campo de disputa, em que
diversos estudiosos buscam “confeccionar” verdades. Dessa forma, uma perspectiva que
problematiza esses jogos de [des] construções e permite emergir o caráter transitório das
assertivas, inclusive “cientificamente comprovadas”, põe em xeque a autoridade que é
conferida a alguns campos do conhecimento e alguns sujeitos como “donos da verdade”,
talvez as aspas sejam desnecessárias, por essas pessoas/instituições serem, de fato,
proprietárias das verdades que constroem. Dagmar Estermann Meyer (2014) nos ajuda a
pensar nessa autoridade conferida ao campo científico:
Na busca de deslocar e desestabilizar “as verdades” que ouvi naquelas aulas, utilizo
os argumentos elencados insistentemente pelo professor para refletir sobre o pós-
estruturalismo. Para isso, ao mesmo tempo em que penso as afirmações do professor, dou
pistas e apresento algumas premissas importantes para uma abordagem pós-estruturalista,
segundo o referencial que eu sigo em minha pesquisa. Não tenho o intuito de criar
postulados ou prescrever a forma ideal de se fazer um trabalho nessa abordagem, pois essa
é um das primeiras premissas: não há uma forma ideal, não é possível estabelecer um
caminho único para que todos/as cheguem aos resultados de suas investigações.
O primeiro ponto: Por que damos tanta importância à linguagem? Tentarei trazer
elementos da fala do professor para não me afastar do exercício de pensar o seu discurso.
A autoridade que é conferida a esse professor é construída no campo da linguagem, ele
dotado das linguagens que o compõem enquanto professor universitário, estudioso e
pesquisador de alguma área do conhecimento, está autorizado a questionar a perspectiva
pós-estruturalista. Algo que, muito provavelmente, a minha mãe no interior da Bahia com
apenas a formação de ensino médio não se atreveria a questionar, afinal para ela o pós-
estruturalismo não existe, não faz parte do seu meio de vivência, não é compositor de sua
verdade. Logo, a linguagem compõe a nossa realidade. Está aí o nosso empreendimento em
pensar a linguagem enquanto construto e construtora social. Como minha mãe teria
autoridade para levantar questionamentos de algo que ela nunca ouviu falar, que ela nunca
se debruçou a estudar? É pouco provável que isso aconteça. Assim, partimos da ideia de
que as relações sociais ganham vida pela linguagem e as práticas sociais também são
construídas no âmbito da linguagem. Por exemplo, as desigualdades sociais e os processos
de hierarquizações, que formam uma base social como conhecemos hoje, são arquitetados
no interior de uma rede linguística. É pela linguagem que as pessoas são nomeadas, são
categorizadas, se colocam e são colocadas em determinados lugares e não em outros
(LOURO, 2007a; MEYER; SOARES, 2005).
Assim, o/a sujeito/a é considerado/a como um “efeito das linguagens” (PARAÍSO,
2014, p.31), ou seja, o/a sujeito/a ocupa a posição de uma produção discursiva, ele/a se
torna, como retoma Paraíso (2014 p. 31), “aquilo que dele se diz” e, acrescento, aquilo que
ele/a mesmo diz a respeito de si. Essa construção é contínua, incompleta, muitas vezes
35
incoerente e contraditória, tendo em vista os diversos contatos que o/a sujeito/a faz no
decorrer de sua história.
O segundo ponto: o que seriam esses dados que o professor falava e por que ele diz
que os trabalhos pós-estruturalistas não apresentam esses elementos? Acreditamos que os
materiais empíricos são produzidos e que diversos agentes e situações interferem e os
compõem, diferentemente de uma leitura crítica, em que esse material está “a espera” do/a
pesquisador/a para serem coletados. Assumimos também a posição que as produções
empíricas são leituras de um determinado contexto, possuindo, portanto, um caráter
parcial, incompleto e provisório, tendo em vista a subjetividade que está presente nos
resultados da pesquisa. Pois ela é produzida pelas diferentes experiências, pelas diferentes
vivências, pelos diversos materiais, pelas formas em que os/as sujeitos/as são descritos/as e
categorizados/as (MEYER; PARAÍSO, 2014). Dessa forma, uma busca constante por
objetividade consiste, nesse caso, em um exercício desnecessário, pois a subjetividade é
um elemento constitutivo da pesquisa.
Nesse sentindo, pensamos o material empírico como importante para pensarmos
sobre e não como capazes de definir e fixar uma verdade. Eles não são artefatos capazes de
reconstruir a verdade per si, as informações empíricas nos possibilitam (não apenas elas) a
reflexão sobre a temática que propomos discutir no desenho do trabalho, contudo,
compreendemos esse aspecto como interpretações e releituras de algo que os/as sujeitos/as
(inclusive o/a pesquisador/a) vivenciaram e trouxeram na forma de relatos, estes, por sua
vez, serão reinterpretados por nós, sem esgotar assim as possibilidades de reflexão, pois
eles podem ser novamente interpretados várias vezes, sob várias óticas. Como disseram
Meyer e Soares (2005 p. 41): “A “realidade” jamais terá apenas uma versão – ela é, ao
mesmo tempo, muitas coisas e tem muitas direções.” Buscamos caminhar nessas direções,
não com intuito de chegar ao final dessa trajetória ou de extirpar as possibilidades de
interpretações, até por que, acreditamos que isso não seja possível. O discurso sempre pode
ser “interpretado diferentemente, sempre pode ser interpretado outra vez, e ainda outra vez
e mais outra... [ele] desliza, escapa. Ao invés de lutar contra a fluidez da linguagem,
melhor seria explorar o jogo lúdico das palavras” (LOURO, 2007a, p. 237). Assim, cabe a
compreensão de que:
É esse desconforto que a fala do professor emerge. Nesse sentido, a pesquisa que
transita, que vai-vem e não fixa, incomoda o professor. A estabilidade não é um atributo
que buscamos em nossas investigações, queremos nos deleitar no instável, perceber o
movimento e o acompanhar.
Um terceiro ponto que o docente evoca é o discurso recorrente de que para o pós-
estruturalismo tudo serve. Partindo também dessa problemática, Marlucy Paraíso (2014)
elenca diversas premissas para demonstrar que diferente do propagado por algumas
pessoas, o pós-estruturalismo tem um direcionamento que pode desembocar em diversas
direções, as mais variadas possíveis, mas há pressupostos que aproximam o nosso trabalho
de uma abordagem comum, não são regras que fixam, mas, de alguma forma, são rótulos
que geram uma promessa (LOURO, 2007a). Paraíso (2014) aponta alguns direcionamentos
no decorrer do seu artigo intitulado “Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação
e currículo: trajetórias, pressupostos, procedimentos e estratégias analíticas”, os quais
sintetizo aqui:
Não irei discutir ponto a ponto esses pressupostos, pois a autora já o fez muito bem
em seu trabalho, mas os trago para pensar que eles são compartilhados por muitos/as (se
não maioria das/os) pesquisadores/as pós-estruturalistas e, portanto, direcionam meu
trabalho. Dessa forma, pensar que „tudo serve‟ para o pós-estruturalismo é um engano.
Nessa perspectiva, assim como qualquer outra, aparecem textos que não possuem o
aprofundamento teórico necessário para dar conta dos objetivos das pesquisas propostas,
no entanto, isso não pode ser argumento para generalizar a perspectiva enquanto episteme,
pois por buscar as fronteiras do conhecimento, borrando os limites que são definidos como
totalizantes é preciso que se tenha um arsenal teórico que possibilite refletir essas questões,
reconhecendo, todavia, os limites e contingência desse referencial utilizado (LOURO,
2007a; MEYER; SOARES, 2005).
Por fim, ainda pensando na argumentação apresentada pelo professor, me sinto
encorajado a refletir sobre as entrevistas, pois as escolhi como principais técnicas para a
produção do material empírico. Segundo Flick (2009), as entrevistas constituem uma
produção em que os pontos de vistas dos sujeitos são expressos, facilitando assim a
obtenção das informações, na pesquisa qualitativa. Não penso a entrevista como uma
técnica de produção em que o/a entrevistador/a (pesquisador/a) questiona o/a
entrevistado/a sem nenhuma participação no andamento da entrevista, nas informações que
são produzidas e nas falas que são gravadas. Compreendo assim como Rosa Maria Hessel
Silveira (2007), a entrevista como um jogo de poder, em uma perspectiva foucaultiana em
que esse poder circula e varia pelos envolvidos na relação. Ou seja, “[...] não se pode
pensar que haja encontros angelicais entre dois sujeitos, absolutamente divorciados de
referências de hierarquia, de poder e persuasão, ainda que as posições de domínio, direção
e supremacia sejam objeto constante de disputas” (SILVEIRA, 2007, p. 123).
Dessa forma, tenho a compreensão de que nessa relação de poder entre os/as
envolvidos na entrevista os/as entrevistados/as podem [ou não] utilizar de subterfúgios
para não responderem os questionamentos que lhe são dirigidos. Assim, as entrevistas não
são [completamente] previsíveis, as mudanças de rota podem ocorrer, os silêncios e
incertezas podem ser parte do processo de entrevista. Nessa pesquisa foram utilizados dois
tipos de entrevistas: narrativa para a professora e semiestrutura para os/as demais
participantes da pesquisa.
As entrevistas narrativas possibilitam o recordar de memórias das situações vividas,
em uma nova leitura, tratam-se de lembranças reelaboradas a partir de outras vivências. Ou
38
seja, a entrevista narrativa pode ajudar a trabalhar com as experiências, conforme Jorge
Larrosa Bondía (2002) entendidas como as situações que nos passam, nos impactam de
alguma forma e deixam as suas marcas. Isso não ocorre com todos os acontecimentos de
nossa vida, inclusive, acredito que a maioria deles não nos toca pela rotina mecanizada que
temos. O autor aponta outras questões que dificultam a vivência das experiências: excesso
de informação; excesso de opinião; falta de tempo e excesso de trabalho. Essas situações
estão ligadas diretamente a um cotidiano contemporâneo repleto de atividades que
precisam ser executadas cada vez em menor tempo, gerando um frenesi que dificulta as
vivências diárias com a profundidade necessária para que haja a experiência. Nesse sentido
cabe compreender que:
Dessa forma, nesse tipo de análise não se busca compreender o que está por trás do
dito, o que foi posto é o que realmente interessa. Ao analisar os discursos é interessante
voltar a atenção para quem fala, o que fala e quem está permitido a falar e em que
situações isso acontece, compreendendo as relações históricas que envolvem o discurso em
uma relação de poder (e saber). Como aponta Foucault (2006):
Eu parto dos discursos tal como é. [...] O tipo de análise que eu pratico
não se ocupa do problema do sujeito falante, mas examina as diferentes
maneiras pelas quais o discurso cumpre uma função dentro de um sistema
estratégico onde o poder está implicado e pelo qual o poder funciona. O
poder não está, pois, fora do discurso. O poder é algo que funciona
através do discurso, porque o discurso é ele mesmo, um elemento em um
8
Para mais informações ler: ORLANDI, E. P. Análise de Discurso - Princípios e Procedimentos. Campinas,
SP: Pontes, 6ª edição, 2005.
41
Os enunciados são compostos por signos, ou seja, por palavras compostas por
significantes e significados. No entanto, as palavras são cambiantes e fluídas, elas não dão
conta de trazer a coisa da qual se fala em sua materialidade e completude. Ao falarmos das
coisas, nós as construímos e as significamos dentro de um campo carregado de limitações
linguísticas. Assim, não é possível trazermos o elemento de uma forma essencialista, mas
em uma construção simbólica e codificada daquilo que se fala (VEIGA NETO, 2007).
Mesmo com essas limitações, as palavras e as linguagens são importantes aspectos na
construção do modelo de sociedade que conhecemos. Jorge Larrosa Bondía (2002)
corrobora com a compreensão da importância da linguagem, das palavras, dos enunciados
e, consequentemente, dos discursos no seguinte trecho retirado do seu trabalho Notas sobre
a experiência e o saber de experiência:
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos
coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco.
As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com
42
Nesse excerto retirado da primeira entrevista que realizei com a professora é possível
perceber a estigmatização da mulher enquanto sujeito do discurso. As pessoas que falam
sobre essa professora e a colocam nesse lugar marginalizado utilizam de discursos de
outras épocas (e também dessa), que percebem a diferença como sinônimo de desigualdade
e que estabelecem a posição da mulher, subjacente à do homem. Como o ser que deriva...
que veio depois, criado a partir da costela (LOURO, 1997). Falando em costela, outro
discurso que também ganha força é o religioso, em que é colocado como único caminho
para o matrimônio a inseparabilidade, uma sacramentalização que deve durar por toda a
vida. Isso é fortalecido pela célebre frase: “unidos até que a morte vos separe”. Então, o
fato de uma mulher buscar o divórcio e, consequentemente, a separação significa uma
ruptura com essa assertiva de caráter sagrado, é algo contra a lei de Deus, que nos
discursos diz “o que Deus uniu, o homem não separe”. Logo, uma mulher (apesar do
enunciado apenas falar de homem, mais uma vez colocando o homem como sujeito da
história e as mulheres como seres invisibilizados) que rompe com aquilo que Deus uniu, é
uma mulher que não serve para o casamento, não possui as características desejáveis para
uma esposa, ativando mais um discurso que classifica as mulheres como aquelas que
servem para casar e as que são apenas para o sexo. As primeiras serão “as senhoras da
sociedade”, dignas de respeito, representação que se aproxima, das significações aferidas a
virgem Maria, as segundas, no entanto, são marcadas como aquelas que qualquer um pode
ter, “as desesperadas atrás de sexo” como aponta a professora. Seriam essas as Marias
Madalenas contemporâneas?
Por fim, mais um discurso emerge da fala dessa professora que é o da necessidade da
presença de um homem na vida das mulheres, como se uma mulher que não possuísse um
homem que seja o provedor do lar e da família estivesse fadada à “desgraça” da
incompletude, a imperfeição, o que, possivelmente, também traz marcas do discurso
44
judaico-cristão em que “o homem foi feito para a mulher e a mulher para o homem”, em
uma relação “perfeita”. Qualquer desvio a essa “norma” é considerado como pernicioso e
as pessoas que o cometem sofrerão as marcas sociais, as marcas da diferença. Lembro-me
das muitas vezes que ouvia meu avô cheio de autoridade dizer: “que o homem era a
cumeeira da casa”. Hoje fico analisando aquela afirmativa e percebo os jogos de poder que
estavam implícitos naquele enunciado: a cumeeira é a parte mais alta do telhado e, ao
mesmo tempo, um ponto de intersecção e um divisor de águas. É como se fosse o
sustentáculo do lar, que, se não existisse, não haveria casa e, muito provavelmente, não
existiria uma família. Trago essa memória para pensar o quanto alguns discursos são
difundidos no decorrer da história pelas gerações, ganhando novas roupagens, outras
nomenclaturas, mas mantendo as mesmas ideias.
Outro ponto importante para análise nesses discursos é quem são as pessoas que
falam, qual a sua posição de sujeito diante daquela situação e o que os autoriza designar os
interstícios sociais para as mulheres divorciadas. A fala da professora não explicita as
outras marcas que compõem as identidades desses homens, no entanto, é possível inferir,
que, ao menos, a maioria deles esteja nas conformidades tidas como padrão e utilizam
dessa posição para designar o lugar do outro, para estabelecer a diferença, assunto que será
tratado com mais afinco no próximo capítulo.
Por fim, alguns questionamentos são importantes de serem realizados: por que o
discurso da mulher divorciada captura tanto essa professora? Quais os contatos que ela
estabeleceu no decorrer de sua vida para que esse discurso fosse significado dessa forma
para ela? Ela também se produz nesse lugar? Há fugas? Há escapes? Cabe refletir,
portanto, a posição de sujeitos/as do discurso em uma perspectiva foucaultiana, que assume
um caráter flexível, variável, descontínuo, incerto, permeável e múltiplo, questionando a
fixidez e a universalização. Assim, esse trabalho parte da compreensão de que o/a sujeito/a
e sua subjetividade são produzidas de acordo com os diversos discursos que tomam contato
no decorrer de sua vida (SALES, 2014). Há uma fragmentação do/a sujeito/a que
inviabiliza a ideia de centralidade, dando força ao entendimento de sujeito/a como “[...] um
lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente ocupado por indivíduos diferentes”
(FOUCAULT, 1986, p. 107).
Rosa Maria Bueno Fischer sintetiza essas relações entre os sujeitos e os discursos
que os envolvem:
45
Não busco assim, a origem dos discursos, nem a intenção de quem os produz, mas
insisto na busca do por que aquilo é dito, quais as marcas históricas e culturais são trazidas
por aqueles discursos, problematizando as posições de sujeitos e as relações de poder que
são estabelecidas na enunciação dos discursos, ou seja, pensando na “condição de
existência” do discurso (SALES, 2014).
No decorrer desse capítulo apresento as/os participantes e descrevo os caminhos
que me levaram até essa pesquisa. Cabe salientar que as/os participantes foram
informados/as sobre a pesquisa, objetivos e metodologia utilizada, na certeza do anonimato
e confidencialidades das suas ideias e ações. Quem optou por participar, assinou o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que se encontra no Apêndice A, o Termo
de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), para os menores de 18 anos de idade, no
Apêndice B e o Termo de Autorização do Uso de Imagem, Apêndice C.
46
1.3 - A professora
Nessa seção, acho interessante que a professora se apresente. Ela diz quem é e
conta um pouco da sua trajetória. Acredito que isso seja um exercício importante que
praticarei, principalmente, nos próximos capítulos, a transcrição literal de trechos, das
histórias relatadas pela professora. Busco misturar a minha voz com a dos/as
interlocutores/as na composição desse trabalho. Não entendam essa atitude como um “dar
voz” como é utilizada na teoria crítica, pois não desejo essa autoridade de quem tem poder
para dar espaço para que o/a outro/a fale ou não. Afinal de contas, ela já fala, ela existe, ela
vive as suas experiências, não necessita de um pesquisador para dar voz às suas vivências,
o que fazemos é perceber essas vivências a partir de um olhar direcionado teórico-
metodologicamente. Assim, busco explicitar a importância dos/as pesquisados/as na
construção da pesquisa e, sobretudo, pensar que os caminhos que levam para a
investigação tem autoria compartilhada com os/as sujeitos/as da pesquisa. Pois, “aquele/a
que escreve só o faz a partir da experiência de ter estado lá e, a partir dessa experiência,
escrever aqui, produzindo uma nova narrativa em torno das narrativas dos/as [...]
entrevistados/as” (ANDRADE, 2008, p. 27).
No decorrer do texto uso o pseudônimo “Santos” para me referir a essa professora,
nome escolhido por ela, por se tratar de um dos seus sobrenomes. Fiquei pensando em
algumas formas de significar esse nome tão comum na forma de sobrenomes, de origem
portuguesa e que geralmente era dado às pessoas nascidas no dia 1º de novembro – dia de
todos os santos. Outros/as pesquisadores/as defendem que a popularização desse nome se
deu após a abolição da escravatura, quando diversas pessoas que foram libertas do regime
escravocrata receberam este sobrenome por residirem na Bahia de Todos os Santos
(MOTOMURA, 2017, s/p). Na Bahia é comum dizer que as pessoas que cultuam os orixás
são “povo de santo”. Assim, falo de uma professora que é “de santo”, que vivencia a sua
espiritualidade por intermédio dos santos, orixás e entidades, como ela relata ao se
apresentar9:
9
Texto escrito pela professora
49
espaços para que o “por vir” seja diferente do atual. Como já mencionado anteriormente, as
marcas do casamento e, consequentemente, da separação ainda são amarras importantes na
vida dessa professora, ao que parece, ela ainda é aprisionada pela sua concepção de
matrimônio (sacralização) que gera nela a ideia de antes de se perceber e denominar como
uma mulher solteira, percebe-se enquanto uma mulher separada ou divorciada. Além disso,
a religiosidade dela é um marcador importante na sua construção identitária e, em certa
medida, ela afere a sua crença o fato de trabalhar com as diferenças e essa marca religiosa
está diretamente ligada ao seu fazer docente, ela direciona a práxis educativa de Santos.
Nesse sentido, a fala da professora emerge dos seus espaços formativos que ela
participa/participou e o seu olhar traz para o presente, vivências passadas, como o
casamento/divórcio em uma perspectiva de superação. Assim, a docência dessa professora
é dirigida pela crença que a educação é um espaço de construção sócio-cultural em que é
possível superar as dificuldades impostas em uma perspectiva transformadora. Para isso a
professora traça o perfil dos/as discentes e projeta qual aluno e aluna ela deseja formar.
Esse processo transformador é atravessado por tensões, relações de poder e resistência
como será possível perceber no decorrer do texto.
série do ano anterior. Em 2016 a escola atendeu 1229 alunos/as e funcionou nos três
turnos.
A frase que intitula esse capítulo é um texto escrito na camisa de uma turma da
terceira série do ensino médio. A produção de uma camisa customizada no último ano na
escola é prática comum no interior da Bahia, no entanto, das mais variadas que tive contato
na minha trajetória escolar, em nenhuma eu percebi uma frase tão impactante. Ao ler
aquela frase, fiquei pensando na minha chegada naquele espaço, desde o primeiro dia, o
quanto foi difícil para mim, iniciar a pesquisa e adentrar naquele local marginalizado, no
sentido mais literal da palavra, à margem, geográfica e social. A professora leciona no
noturno e isso para mim se tornou uma dificuldade ainda maior, pois em alguns momentos
as falas que se referiam aquela região me imobilizavam e impediam que eu fosse realizar a
pesquisa, procrastinei o quanto pude e fui adiando... adiando... Depois eu percebi que a
minha dificuldade era resultado do medo reproduzido pelo imaginário social e que
colocava aquela escola em um lugar considerado ruim e perigoso. Percebi que a minha
atitude fortalecia esse sistema, logo eu que luto pelas quebras das marcas sociais que
produzem preconceitos e discriminações, estive [re]produzindo desigualdades.
Assim, fui a campo experimentando as incertezas sobre os desdobramentos da
pesquisa. Inicialmente fui a direção solicitar permissão para desenvolver a pesquisa no
espaço escolar, após obter a autorização, fui acompanhar as aulas da professora Santos.
Nesse período pude perceber que eu não era visto pelos alunos/as como um
integrante da comunidade escolar. Eram perceptíveis os olhares que me percebiam como
um ser fora daquele meio, de certa maneira, como um invasor. No primeiro dia que entrei
na sala de aula acompanhando Santos, as/os discentes apenas me olharam, me percebiam,
mas não ousaram questionar quem eu era.
Na semana subsequente, não pude participar das aulas e a professora me relatou que
as discentes lhe perguntaram se eu era filho dela. Com a resposta negativa, a professora
explicou que eu era um pesquisador da universidade e que acompanharia as aulas dela. No
entanto, aquela resposta parece que não foi o suficiente para elas/es. Em outra sala, com
alunos/as mais adultos, alguns aparentando mais velhos que eu, ao me notarem começaram
a gritar insistentemente “Tem aluno novo, tem aluno novo!”. Santos novamente explicou
quem eu era e o qual o meu objetivo em participar das aulas, mas me pareceu que eles/as
não compreenderam bem e acharam que eu era um vigia, alguém enviado pela secretaria
de educação para avaliá-los/as. Essa situação, obviamente, gerou um afastamento que
53
dificultou meu trabalho. Não queria que a relação firmada com esses/as alunos/as fosse tão
hierárquica e desigual como a que estava se desenrolado. Por fim, fui diretamente
interrogado por uma garota, em outra turma, que se aproximou de mim e disse: “E você, o
que é mesmo?”. Expliquei que era pesquisador e que estava ali para acompanhar as aulas
da professora Santos e por isso que eu fazia tantas anotações. Mas ela entendeu isso como
uma atividade de estágio, pois disse: “Ah, eu sei como é, meu irmão fez também. Ele ia
para a sala e acompanhava a professora, por que ele tinha que fazer isso para ser professor
igual a ela, da mesma matéria!”. Fico pensando, o quanto esse modelo de pesquisa
acadêmica ainda é algo muito distante da realidade da educação básica, o que dificulta e
até inviabiliza que os/as discentes percebam esse tipo de busca (em ciências humanas)
como uma forma de pesquisa, pois, geralmente, a pesquisa científica que é apresentada
para eles trata-se de uma figura do cientista em um laboratório fazendo uma série de
experimentos.
Os percalços que passei nesse processo de imersão no campo condiz com as
pontuações de Roy Wagner (2010) em seu célebre livro A Invenção da Cultura ao pensar a
entrada do/a pesquisador/a no lócus de estudo. Ele fala especificamente do/a
antropólogo/a, no entanto, acredito que quando adentramos e fazemos contato com outro
contexto, com outras culturas e com outros grupos os entraves existirão, dessa maneira,
somos antropólogos/as:
aquilo que antes soava como cotidiano e natural, julgo esse como um dos maiores desafios
da pesquisa: olhar com estranhamento aquilo que sempre vimos como “normal”.
Por fim, retorno a frase que dá nome a esse subcapítulo e que me capturou (p. 51).
O primeiro ponto que me chamou a atenção é o quanto a educação é pensada como uma
forma de mudança social, o quanto esse discurso é reproduzido, como uma forma de
mobilizar os sonhos, as esperanças e os objetivos das pessoas. Lembro-me das muitas
vezes que ouvi minha mãe falar: “o estudo é o que a gente tem de mais importante”. Ela
sempre colocou na educação a possibilidade de superação das dificuldades e incutiu em
mim esse discurso, de tal forma, que eu também sempre acreditei que a educação fosse o
único caminho para todos/as. Em certa medida também percebo esse discurso na
professora Santos. Contudo, hoje entendo que a escolaridade é um aspecto importante, mas
não é garantia, ou sinônimo de mudança ou/e ascensão social, pois há marcas que são
interpretadas como lugares fixos, estabilizadas no âmbito sociocultural e que, por muitas
vezes, dificultam as mudanças sociais, inclusive, alguns desses marcadores serão
discutidos no próximo capítulo. Sobre esse contexto Louro (2007b) pontua que:
CAPÍTULO 02
10
Expressão que está ligada à saudação do anjo à virgem Maria, mas que comumente é usada como uma
expressão de espanto, em um processo marcado pela duplicidade da saudação e do espanto.
58
quando não tinha nenhum conhecimento tido como científico sobre essas questões,
empiricamente tinha talhado em minha pele as marcas da diferença, sabia/sei que,
geralmente, eu não era/sou notado como as outras pessoas que estão no padrão hegemônico
e isso fazia/faz com que eu fosse/seja tratado de maneira não apenas diferente, mas
também desigual. O que eu não sabia era que existiam muitas outras pessoas que, assim
como eu, também ocupavam esses espaços, que também eram “os/as diferentes” nessas
intâncias. É sobre essas pessoas que esse trabalho vem discutir.
Parece-me que a lógica binária está tão presente em nosso cotidiano, que até a
teorização dos conceitos partem dos “opostos”, dos antônimos. A polarização está presente
também no jogo da linguagem, de signos, significados e significantes. Assim, duas
palavras ganham força nessa discussão: identidade e diferença. Iniciarei discutindo essa
díade, mas intento superar essa divisão no decorrer do trabalho.
Sempre que ouço a palavra identidade me vem à mente a ideia daquilo que nos
define, que nos coloca em um determinado lugar, que nos categoriza como pertencentes a
algum grupo. Contudo, o conceito de identidade é um conceito amplo, com um grande
arsenal de autores/as que o discutem, tendo como bases as mais variadas perspectivas e
escolas do pensamento, desde aqueles que a percebem como algo estático e essencializado
até os/as que percebem como mutável e flutuante. Stuart Hall (1997) compreende que
houve uma proliferação discursiva a respeito da[s] identidade[s], marcada por uma visão
pós-moderna de descentralização, descontinuidade e instabilidade. Em suas teorizações,
Deborah Britzman (1996) propõe a percepção das identidades por uma perspectiva parcial,
fluída, incompleta, cambiante e que se articula com elementos sociais, compreendendo que
as constituições identitárias estão para além das questões biológicas e/ou de nacionalidade,
em um processo hibridizante dos elementos identitários que desestabilizam a identidade
enquanto instância centralizada.
Segundo Hall (1997) há três concepções de identidades que foram construídas ao
longo da história. A primeira é a do sujeito do iluminismo que estava baseada em uma
compreensão centrada. Ou seja, uma identidade completamente estável e que possibilitava
a execução das ações de maneira consciente. Assim, entende o/a sujeito/a portador de um
“centro interno” que emergia no nascimento da pessoa e que o guiaria no decorrer de sua
trajetória. Esse centro era considerado a identidade da pessoa. É possível perceber o caráter
essencialista dessa concepção e o desprezo às relações sociais desenvolvidas no decorrer
existencial. A segunda, a identidade do sujeito sociológico, apresenta um viés
59
O exemplo dado por Woodward me fez recordar das tantas reuniões de familiares e
professores, aqui chamados de “plantões escolares”. Quando eu trabalhava em uma escola
da rede privada, tínhamos que estender o horário de atendimento aos familiares por
muitos/as não conseguirem liberação de seus trabalhos para acompanhar, minimamente, a
vida escolar de seus/suas filhos/as. Digamos que para o entendimento social um “bom
pai/mãe” é aquele que acompanha a vida escolar dos seus/suas filhos/as e, ao mesmo
tempo, que os/as sustentem sem deixar passar por necessidades materiais. Ou seja, por um
lado os pais e as mães queriam ser presentes na vida escolar dos/as filhos/as
acompanhando suas vivências, por outro precisavam trabalhar para garantir o sustento e as
condições para que os/as estudantes continuassem naquela escola. As identidades se
entrecruzam e entraram em conflito em diversos momentos. A identidade de operário/a não
é desativada para que a de familiar entre em cena, elas existem concomitantemente. Assim,
essas identidades são revestidas de fluidez que a desestabilizam, se tornando nesse jogo,
posições de sujeito/a, que são ocupadas de acordo com as situações e espaços que
vivenciamos/ocupamos durante nossas vidas. Como nos diz Hall (1997):
importante perceber que um signo não vem só, ele traz em si diversos elementos de
negação de outros signos. Por exemplo, quando no início do meu texto eu disse que era
“negro”, eu não disse apenas isso, outros elementos de negação estavam incorporados à
minha fala: no entendimento contemporâneo, eu também disse que não era branco, que não
era indígena, ou de qualquer outro grupo étnico. Eu digo a minha identidade, mas trago nas
entrelinhas quais os agrupamentos dos quais eu não faço parte, que se diferenciam de mim,
compondo a diferença. Dessa forma é possível perceber que a diferença, assim como a
identidade, não é natural, mas produzida discursivamente. A identidade traz a diferença e a
diferença traz a identidade em uma relação de interdependência. Como aponta Woodward
(2009):
da diferença, por outro esse afastar-se gera uma aproximação e uma relação de
dependência mútua. É uma relação de falta e excesso.
Nesse trabalho utilizo o termo identidade a partir da perspectiva de Stuart Hall
(2009) que a entende como:
(LOURO, 2007a, p. 242, grifos da autora). Essa situação também é perceptível com outros
marcadores sociais que compõem o binarismo diferença/identidade e identidade/diferença.
Britzman (1996) e Louro (1997) consideram como “marcadores sociais” gênero,
classe, sexualidade, aparência física, nacionalidade, etnia, estilo popular, raça, entre outras
categorias. Nesse trabalho opto por considerar essas categorias como marcadores sociais
da diferença, por entender que há elementos discursivos, linguísticos e culturais que estão
envolvidos nas produções dessas diferenças. Entendo também que o uso desse conceito
fortalece as discussões das diferenças. Apoio-me teoricamente em Laclau (1990):
Vencato (2014) corrobora entendendo que esse conceito “diz respeito à articulação
dos diferentes pertencimentos sociais de um indivíduo e de como eles produzem lugares
diferenciados socialmente a eles, dependendo de diversos níveis de participação na vida
social” (VENCATO, 2014, p. 25).
Neste trabalho, o marcador étnico que ganha força é o da religiosidade por separar e
delimitar um lugar para professora, sendo usado, por muitas pessoas da comunidade
escolar, como uma forma de destinar a docente um lugar subjacente. Nesse sentido, esse
marcador se tornou mais expressivo do que outros marcadores como classe social, lugar de
moradia ou raça que também são aspectos importantes na vivência de Santos.
2.1 – “Nem tudo que reluz é ouro”: tem uma feiticeira (professora) na escola
No final das aulas eu tirava sempre 10 minutos para fazer uma terapia
com eles e usava música... Aí nessa terapia, era relaxamento, eles
começaram a dizer que eu estava usando o ocultismo. Aí eu fiz o
primeiro relaxamento, fiz o segundo, no terceiro relaxamento eu não
consegui fazer mais, porque tinham oito alunos que não me deixavam
fazer. Eles diziam que eu estava trabalhando o ocultismo e o que eles
fizeram... Eles chegaram na igreja deles, por que eles eram evangélicos e
falaram para o pastor e a pessoa que conduzia eles (Lucas) que tinha uma
professora que trabalhava na escola viadagem e coisa diabólicas. Que
professora era essa? Era a professora de história e que trabalhava ética
também, que ela fazia isso na escola. A pessoa que era responsável por
eles ligou para a escola querendo saber da direção da escola quem era a
professora Santos. [...] Aí ele disse assim: “olha, por que os alunos
chegaram aqui na Igreja falando e relatou e eu estou ligando por que eu
sou ...”. Era um trabalho que ele desenvolvia com os meninos na igreja,
então como ele desenvolvia esse trabalho, ele não concordava que eu, a
professora na escola, fizesse esse trabalho com eles na escola por que eles
eram... por que eu estava fazendo um trabalho de ocultismo, que era um
trabalho diabólico e aí abriu o leque lá falando coisas pecaminosas, isso
por telefone e que ele não queria que eu continuasse na escola. Olha só
que confusão! Aí Lúcia disse assim: Não, mas a professora Santos é uma
professora que já trabalha há tanto tempo aqui na escola o projeto. Ela me
mostrou qual é o projeto que ela está trabalhando, eu autorizei ela a
trabalhar e ela não está fazendo nada disso [...]. Aquietou aí, aquietou
vírgula, os meninos continuaram levando para ele e aí Roni, eu comecei
a ser vista na escola assim: A professora feiticeira, macumbeira, a
professora que trabalhava com viadagem, que vivia na viad.... [...] Eu
entrava na sala [...] Eu dizia para eles: “inclusive vocês, por que apesar de
vocês não se verem como negros, mas vocês são negros, apesar de muitos
não verem que tem na sua origem avós, bisavós, tataravós que foram
negro africano, que veio da áfrica e que foram massacrados, pisoteados.
Apesar de vocês não perceberem isso, porque vocês não foram
informados, mas existe. Busquem a história de cada um de vocês, porque
vocês não conhecem”. O caso da igreja foi parar na DIREC (Diretoria
Regional de Educação), o homem foi para a DIREC. Na época quem era
o diretor da DIREC era o professor Flávio e ele foi conversar com o
professor Flávio, porque ele ia me tirar, ele ia me provar como ele ia me
tirar da escola, da educação. Como ele não recebeu na DIREC, na época,
o apoio que ele gostaria de receber, ele falou: “eu estou indo para
Salvador hoje à noite, na secretaria de Educação e mostrou a passagem,
porque eu só vim aqui informar, porque eu vou mostrar a vocês se eu vou
tirar ela ou não da educação e eu vou para FM (rádio de Frequência
Modulada) denunciar. Aí quando ele saiu gritando, esbravejando a pessoa
(Lucas) ligou para Lúcia: “Lúcia, o que é que está acontecendo com
Santos aí no Colégio?”Aí contou tudo... Lúcia entrou em desespero e me
ligou e disse: “Santos, você tem que procurar um advogado urgente,
imediatamente, por que ele disse que ele vai para Salvador hoje, mostrou
lá na DIREC que ele está com as passagens em mãos. Isso, Roniel, meu
nome estava andando em salão de beleza, supermercado como uma
pessoa diabólica que estava na sala de aula ensinando ocultismo aos
meninos e falando também sobre sexualidade (PROFESSORA
SANTOS).
66
Assim, a professora Santos foi acusada de trabalhar com a diferença, ela foi
marcada por realizar uma prática, que na sua perspectiva era um relaxamento e foi lida por
algumas/ns alunas/os como “ocultismo”. Ao ouvir a professora relatar essa situação, fiquei
bastante surpreso, pois nas escolas que já trabalhei muitos/as professores/as utilizam de
técnicas de relaxamento para serenar os/as discentes, por acreditarem que essa prática
favoreça o processo de ensino-aprendizagem. Mas nunca pensei que algum/a deles/as seria
acusado/a de estar realizando uma atividade de “ocultismo”. Talvez esse meu primeiro
pensamento também perpasse pela cabeça daqueles/as que se debrucem sobre a leitura
desse texto. Contudo, alguns pontos importantes são: quem é essa professora? O que ela
tem de diferente dos/as professores/as que realizam práticas semelhantes? Qual é a marca
social da diferença que ela carrega?
A professora que protagoniza essa situação é umbandista. Não me recordo de
nenhuma outro/a professor/a, na minha trajetória escolar, que se declarasse umbandista ou
de outra religião de matriz africana e esse aspecto da sua identidade tornou-se central na
composição dos discursos que a constituem enquanto sujeita e docente naquele espaço e
tempo. Dessa forma, o lugar que essa professora ocupa, ou melhor, o lugar em que ela é
colocada, é diferente da posição direcionada as/aos outros/as professores/as. Talvez, o fato
de eu não me recordar de outros/as professores/as assumidamente de religiões “marginais”
seja pela dificuldade que “muitas pessoas [...] têm [...] em se assumirem publicamente de
uma religião que tem o histórico de não ser reconhecida com respeito, ou mesmo de se
assumirem enquanto ateias por temerem rechaços e discriminações” (DUQUE, 2014, p.
62).
A professora Santos foi acusada de estar ensinando o ocultismo em suas aulas. É
necessário realizar alguns outros questionamentos para discutir melhor essa situação: o que
é ocultismo para essas pessoas? Porque há uma vigilância e perseguição à cultura afro-
brasileira? Porque as religiões de matriz africana são demonizadas?
Historicamente algumas religiões foram consideradas viáveis, caminhos reais para a
“salvação” e outras, no entanto, foram consideradas como menores, como cultos pagãos e
práticas demoníacas, que direcionava as pessoas à condenação. Mais uma vez o binarismo
se apresenta como uma forma de organização do mundo: salvação e condenação, o sagrado
e o profano. Há as religiões que são socialmente consideradas e reconhecidas como
sagradas, outras, todavia, são consideradas como profanas. Apesar desses contextos de
desigualdades, o velho jargão “O Brasil é um país laico”, comumente reproduzido, dá a
68
ideia de que as pessoas são livres pra vivenciarem as religiosidades que desejarem sem
serem estigmatizadas, porém, isso é algo que, muitas vezes, não acontece.
É perceptível não apenas nesse momento da trajetória de Santos como em outros
durante a entrevista realizada e as conversas informais o quanto a posição de sujeito que
ela ocupa como uma praticante das religiões de matriz africana lhe confere, de algum
modo, destaque. Ela é vista dessa forma como a mulher que carrega a diferença, mais que
isso, como a professora diferente, já que os adjetivos “feiticeira” e “macumbeira” estão
diretamente envolvidos na identidade docente dela, em uma articulação pejorativa. Assim,
ela deixa de ser simplesmente uma professora, para ser vista e lida como a professora
feiticeira e macumbeira. Essa identidade macumbeira compromete a docência. Ela é vista
como uma professora com menor autoridade. Aliás, ela é desautorizada por alguns/mas
alunos/as, colegas e no caso, o pastor da Igreja. Havendo, nesse processo, uma
absolutização da sua identidade, como comumente ocorre com as pessoas LGBTTI. Elas
deixam de ser caracterizadas por suas outras posições de sujeitos/as para serem lidas,
reduzidas, vistas e tratadas apenas pelas suas orientações sexuais e identidades de gênero.
A fala de Lúcia nos ajuda pensar sobre essa questão:
11
Disponível em: http://editorabetel.com.br/auxilio/adolescer/2017/2tri/licao03.pdf. Acesso em 22/07/2017.
12
Disponível em: http://www.carloribas.com.br/wp-content/uploads/2016/06/BRUXARIA-O-Desvendar-de-
Segredos-Ocultos.pdf . Acesso em 22/07/2017.
70
demoníacas. Fica implícito também que há pessoas que se apresentam como cristãs, mas
não agem como um/a verdadeiro/a cristão/ã. Assim, é gerada uma forma idealizada de ser
cristão/a e são instauradas as normas para se chegar a esse próposito, uma delas é negar,
perseguir e exterminar o ocultismo. É instigado, nesse sentido ao/a leitor/a apurar o olhar,
isso em certa medida, é uma forma de colocar sob suspeita todas as pessoas que o/a leitor/a
tem contato, inclusive familiares, colegas, professores/as etc. Como é apresentado no final
do artigo quando é dito: “nem tudo que reluz é ouro”. Ou seja, a vigilância deve ser
constante, pois há pessoas e situações que se apresentam de maneira “reluzente”, mas que
podem ser utilizadas pelo “demônio” em seus jogos.
O texto ainda faz menção às situações vivenciadas em sala de aula e a forma em
que o “ocultismo” pode adentrar nesses espaços. Inserindo a escola nesse campo de
disputa: Deus e Diabo; Cristão e Ocultista; Bem e Mal. Mais uma vez o binarismo é
empregado como forma de organização dos poderes, como é possível notar no fragmento
retirado do texto:
imagens de rituais de religiões de matriz africana para convencer o/a leitor/a de que as
religiões afro-brasileiras são diabólicas por realizarem “sacrifícios de animais, transe de
possessão por espíritos, culto aos mortos, uso da magia para fazer malefícios etc.” (SILVA,
2007, p. 213-214). As imagens que são aferidas buscam levar o entendimento que essas
religiões são sanguinárias, maléficas e pouco “evoluídas”.
diversos meios sobretudo aqueles liderados pelas igrejas pentecostais como rádios e canais
de televisão. Pois, ao interligarem o mal à ação do demônio e realizarem exorcismos em
seus púlpitos, em que o mal eliminado é comumente uma entidade das religiões
afrobrasileiras, elas reiteram a associação dessas religiões aos cultos não divinos. Essa
situação é potencializada por uma visão em que todas as ações cotidianas, por mais
corriqueiras que sejam, estão relacionadas às forças sobrenaturais. Em uma lógica binária:
se é algo bom: Deus quem fez; Se algo ruim acontece, o Diabo agiu sobre aquele fato.
Contudo, ao negar e combater a fé de matriz africana os neopentecostais, paradoxalmente,
legitimam as práticas dos terreiros, como ações poderosas que são capazes de intervir na
vida das pessoas que dela participam. Em um processo de ressignificação as entidades que
estão nos terreiros como santos ou espíritos bons são trazidas para essas igrejas como
demônios. Ou seja, esses espíritos também fazem parte da vivência religiosa
neopentecostal, eles/as legitimam que o ocultismo existe, produzindo assim, o próprio
ocultismo. Como aponta Mariano (1996) ao analisar essas questões na IURD:
2.1.2 –“Eu só fiz responder para eles assim: a macumba está ótima. Aí ele
arregalou os olhos para mim assim... e eu disse: “ a macumba é boa!” – A escola
enquanto campo de disputa
Acho que foi em uma segunda feira. Estavam todos os alunos na área, né?
E aí uma colega pediu para que eu fizesse uma oração. Quando eu peguei
o microfone um aluno disse: Que ruflem os tambores e aí começou bater
na mesa assim (como se tocasse o instrumento de percussão),
indiretamente eu entendi o porquê ele falou, né? Na verdade assim,
naquele momento fiz de conta que não estava ouvindo nada, fui
indiferente a fala dele. Por isso acontecer sempre, sempre... eu fui
indiferente, mas intimamente eu me sentir angustiada. Assim... A gente se
sente assim, como se fosse algo diferente, ta entendendo? De imediato,
naquele momento, dentro de mim, lá dentro de mim, eu fiquei triste, por
que eu entendi que aquilo era falta de respeito, era intolerância, por eles
saberem qual era a minha religião e por eu também discutir a cultura afro,
por que só em discutir a cultura afro, muito deles já acham que é
macumba, que é coisa demoníaca. Mas eu não deixei transparecer que
esse questionamento dele tinha me angustiado. Fiz a oração, encerrei e aí
acabou (PROFESSORA SANTOS).
Nas três situações narradas é possível perceber que as interpelações realizadas pelos
discentes visam o silenciamento da professora. Eles desejavam que ela se calasse, que de
alguma forma, se submetesse a autoridade dos discursos evocados por suas vozes. Na
primeira narrativa, o aluno agiu afrontosamente após a professora o reclamar, a docente
ainda associou essa atitude ao fato de ela estar usando branco em uma sexta feira dia
consagrado pelo povo de santo ao orixá Òsàlá (Oxalá), por ser considerado uma divindade
da cor branca, chamada de funfun na cultura yorubá. Após ser impelida a professora se
manteve calada por não perceber nenhuma possibilidade de intervenção, contudo, outro
aluno repreendeu a atitude do colega, mostrando que as vozes que a discriminam não são
unívocas. Existem também vozes que apoiam a professora e elas são importantes nesse
processo de significação das práticas pedagógicas de Santos.
Na segunda situação o aluno traz o tambor enquanto elemento religioso para mais
uma vez demarcar a religiosidade da professora em um momento em que ela foi convidada
77
a fazer uma oração. Deslegitimando ela enquanto pessoa capaz de orar, de ter um vínculo
de proximidade com Deus. Assim, é possível perceber que os/as discentes, muitas vezes
tem conhecimento de aspectos, instrumentos e práticas das religiões de matriz africana e
utilizam deles para constranger e silenciar a professora Santos.
Na terceira situação, a professora, diferentemente das outras narrativas, responde ao
aluno dizendo que a macumba está boa, que ser macumbeira é ótimo. Nesse momento a
professora desestabiliza a lógica empreendida pelo aluno, em que ser macumbeiro/a é uma
ofensa e que a professora deveria se sentir inibida e acuada diante de “acusações” com esse
teor. Naquele momento a professora rompeu, ao menos temporariamente, com o estigma. É
como se dissesse “sou macumbeira sim e não há problema nenhum com isso”. Ela
positivou o termo e isso gerou surpresa por parte do aluno por não esperar aquilo, como ela
disse, ele “arregalou os olhos”. A positivação de termos usados pejorativamente é um dos
achados da teoria queer, pois o próprio nome da teoria é um termo inglês usado para
ofender as pessoas homossexuais. Como aponta Judith Butler: “Queer adquiere todo su
poder precisamente a través de la invocación reiterada que lo relaciona con acusaciones,
patologías e insultos” (BUTLER, 2002, p. 58). Guacira Lopes Louro (2013) corrobora com
Butler ao dizer que:
Queer é tudo isso: é estranho, raro, esquisito, queer é, também, o sujeito
da sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transexuais,
travestis, Drags. É o excêntrico que não deseja ser “integrado” e muito
menos “tolerado”. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o
centro nem o quer como referência, um jeito de pensar que desafia as
normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da
ambiguidade, do “entre lugares”, do indecidível. Queer é um corpo
estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina (LOURO, 2013, p.7-
8).
Ou seja, é estar à/na margem, mas não entender isso como algo ruim que deve ser
eliminado, problematizando as posições sociais sem perseguir o centro como foco, mas
visa transcorrer nos limites, fronteiras e ambiguidades. Um ponto importante e que conecta
as duas situações vivenciadas pela professora é: as atitudes discriminatórias dos alunos
vieram após a professora os reclamar, ou seja, exercer sobre eles a autoridade que a
posição docente lhe confere. Não quero dizer com isso, que as discriminações não existam
ou que elas não fazem parte do cotidiano escolar (elas fazem!), mas não desejo restringir a
reflexão apenas a elas por si só. Pois, essas discriminações estão entrelaçadas às relações
78
Desse modo, as colocações de Silveira (2007) são pertinentes ao dizer que não se
pode pensar que os encontros entre dois/duas sujeitos/as sejam desligados das relações de
poder, mesmo que estas sejam constantemente disputadas, elas estão presentes nas relações
sociais. Assim, as atitudes dos/as discentes estão ligadas também a forma com que as
relações escolares são produzidas. Como aponta o porteiro Pedro ao dizer que:
Olha, sempre tem alunos, tinha alunos, que, por exemplo, que quando tá
chateado com o porteiro, ou com o professor eles acham sempre uma...
procura sempre uma picuinha, né? Para jogar no ventilador 13
(PORTEIRO PEDRO).
13
Expressão usada como uma forma de dizer, que os alunos escandalizam, expondo as pessoas que desejam
atacar.
79
ruim, a veem como uma pessoa que faz mal a sociedade, ou ao menos, que tem potencial
para isso já que frequenta terreiros e participa de rituais “macabros”. Ao polarizarem essas
duas identidades os discentes agem como se esses dois aspectos fossem inconciliáveis, ou
seja, ela não pode ser, ao mesmo tempo, macumbeira e professora. O aluno Bruno
contribuiu para a reflexão desse processo de estigmatização que a professora Santos sofre,
com base na leitura dos estudantes:
[...] sobre a religião dela, tinha algumas pessoas que por não entender
sobre a religião, por só crer sobre a sua religião, elas tinham um certo
preconceito pelas vestes, pelo falar, pelo que ela trazia. Aí tinha
algumas pessoas que não entendia. O que eu mais gostava era que
independente da religião dela, ela sempre trazia Deus em primeiro lugar.
Ela sempre falava em Deus e tinha algumas pessoas que pela religião dela
achavam que ela não gostava de Deus ou que era outro Deus ou era outra
coisa. Tinha gente que não entendia, julgava ela, sem ao menos conhecer
o que era a religião dela (ALUNO BRUNO).
eles/as nem conseguiam entender os/as indígenas enquanto humanos portadores de uma
cultura diferente da deles. A diferença não foi considerada uma possibilidade, foi entendida
como um desvio de rota, ao qual, era preciso retornar ao caminho “certo” (DUQUE, 2014).
Esse tipo de pensamento é considerado etnocêntrico, pois está julgando a cultura do
“outro”, usando como parâmetro a cultura do “eu”. “[...] isso resulta [...] num julgamento
valorativo em que a cultura do “eu” é vista como a “verdadeira”, “correta”, “adequada”,
“certa” etc., e a do outro, em oposição, não” (VENCATO, 2014, p. 37).
Essa lógica etnocêntrica investe na modificação da cultura do outro. Isso também
ocorreu com os africanos que foram trazidos para o Brasil e foram escravizados, como
aponta Carlos Rodrigues Brandão (1986):
Aos/Às africanos/as chegados/as no Brasil não era permitido o culto aos seus
deuses e entidades espirituais, eles eram obrigados a prestar culto ao Deus venerado pelos
senhores ao qual “pertenciam”. As diferenças precisavam ser minimizadas para que a
relação de poder fosse mais efetiva e a religião foi utilizada como uma forma de exercer o
controle. Na contemporaneidade as religiões ainda funcionam como dispositivos de
controle e utilizam de diversas “técnicas” para exercer essa função. A própria ideia de
pecado, demônios e inferno corroboram para a manutenção desse processo, pois
implicitamente a esses conceitos vai sendo instaurada a promoção da culpa. Essa, por sua
vez, desempenha o principal papel nesse controle, pois a intenção é que as pessoas
sucumbam os seus desejos por acreditarem que esses são pecados e lhes privaram da “vida
eterna”. Esse mecanismo de controle é tão eficiente que a própria religião se apropria do
poder de ouvir os “pecados”, julgá-los, puni-los (penitências) e os absolver (BERNARDI,
1985). A religião católica, por exemplo, sacramentalizou esse mecanismo de poder como
aponta Foucault (1988):
82
Apesar dessa dimensão sincrética, algumas crenças ainda são consideradas menos
valiosas e importantes quando comparadas com outras. O processo de tornar o Estado laico
também incutiu alguns pensamentos no imaginário social, como o de que a escola não é
lugar para falar sobre religiões. A escola é tida para muitos/as como o lugar no qual não se
deve falar de nada que seja considerado da ordem do pessoal/privado. À escola, nesse
entendimento, cabe, falar do público, do civilizatório e não problematizar as questões
sociais. Esse processo de apagamento das experiências do/a sujeito/a corrobora para a
uniformização dos corpos, das experiências com intuito de que sejam diferenciadas, a
longas distâncias, as pessoas que foram escolarizadas daquelas que não foram, tornado isso
uma forma de distinção social (LOURO, 2007b).
84
Apesar deles argumentarem que se fosse alguém da crença deles que estivesse
levando aspectos da religião para a sala de aula eles discordariam, como já foi discutido, é
notável que essa ideia de ocultismo está diretamente ligada às religiões de matriz africana e
que se fosse um/a professor/a da religião judaico-cristã que realizasse a prática de
relaxamento, possivelmente, não seria acusada de realizar ocultismo, como apontou Lúcia:
[...] dei boa noite para eles e disse a eles “eu me chamo Santos, sou
professora na rede pública estadual 28 anos, sempre trabalhei na
educação acreditando no melhor para o estudante, que eles têm que estar
informados de tudo, mas que eles têm também toda liberdade de escolha.
Primeiro eu quero informar aos senhores que eu não trabalho com
religião. O que eu trabalho é relaxamento. Por que eu trabalho com
relaxamento? Por que os alunos eles são inquietos, eles não se
concentram para estudar, terminar de se explica um assunto, volta a
pergunta para eles e eles não sabem responder o que foi explicado. Isso,
então eles estão desconcentrados, eles não têm concentração. Então eu fiz
o projeto – peguei o projeto – apresentei para a diretora e disse para ela
que eu ia trabalhar com eles dez minutos de cada aula o relaxamento,
com um compositor alemão chamado Beethoven [...] Aí mostrei o Cd
86
para eles. Virei para Carlos 14– eu me lembro como agora – Carlos estava
perto do som. Eu falei: “Por favor Carlos, coloca aí professor esse cd aí.”
Ele colocou aí tocou... “Desliga agora, por favor.” Aí eu falei com eles:
“Aqui está meu planejamento, para os senhores ver o que é que eu
trabalho na sala de aula e só para vocês terem uma ideia. Olha a data, ele
não foi feito ontem ou hoje, olhem aí a data. Eu estou trabalhando
embasada, dentro das normas da escola, mesmo porque a constituição no
artigo ela fala isso... o Eca isso isso e isso... Nisso eu ia pegando e
mostrando, viu?! Eu não estou fora da lei, das normas, não estou
desrespeitando ninguém, não estou sonegando o conhecimento ao aluno.
Ao contrário, eu estou informando aos alunos, porque eles precisam da
informação. Agora, se com tudo isso os senhores acham que eu estou
errada, eu só quero dizer aos senhores uma coisa, os senhores têm todo
direito de irem para a secretaria do estado, os senhores têm todo direito
de buscar os meios de comunicação. É um direito dos senhores. Agora eu
quero informá-los que é um direito meu também me defender e se for
necessário eu entrar na justiça cobrando dos senhores o respeito eu vou
entrar. Porque eu sou uma profissional.” Aí eu quietei. Os professores
estavam lá e tem um que já foi pastor. Aí ele falou assim: “Oxente! Mas
eu não estou entendendo. Olha aqui, como é seu nome mesmo? –
Perguntou para o pastor e o pastor falou – Eu sou pastor e eu vou lhe
dizer o trabalho que a professora Santos desenvolve aqui é um trabalho
que todos nós deveríamos desenvolver. Vocês conhecem esses alunos que
estão falando dela? Porque aqui na escola esses alunos aqui – aí falou,
descreveu como os alunos eram em sala de aula, o comportamento dos
meninos.”. Todos os colegas das outras disciplinas falaram quem eram os
alunos. Menino, quando terminou e todo mundo falou, os colegas
levantaram. Eles ficaram – o pastor e o outro - ficaram inquietos e aí
pediram desculpas, pediram desculpas porque na verdade eles não sabiam
que a coisa tinham sido daquele jeito. Eu saí da sala, deixei eles lá
conversando com a diretora. Aí eles pediram desculpa a Lúcia e disse que
iam conversar com os meninos, mas eu fiquei visada na escola, porque o
caso continuou com os alunos... (PROFESSORA SANTOS).
A professora nos dá algumas pistas que ela utilizou para contornar a problemática e
que são importantes para as discussões da temática em sala de aula, as quais sintetizo aqui:
O tempo de regência em sala de aula confere autoridade à professora, isso possibilita
pensar que professores/as com maior tempo na docência possuem mais autonomia em
discutir temáticas que são consideradas como “polêmicas” ou inadequadas para o ambiente
escolar; clareza nos objetivos do trabalho e um planejamento consolidado que apresente
densamente as etapas que serão realizados no trabalho proposto; apoio da equipe diretiva e
da comunidade escolar, para que o/a professor/a sinta-se respaldado em sua prática
pedagógica.
Reafirmo, contudo, que esses itens elencados não são fórmulas generalizantes e que
não se aplicam a todos os contextos e pessoas, inclusive, eles não foram suficientes para
14
Professor da instituição
87
evitar que Santos passasse por essa situação coerciva. Ou seja, não existem garantias, não é
possível prescrever procedimentos que sejam aplicáveis em quaisquer situações, sendo
necessárias, por algumas vezes a existência de normativas e leis que assegurem a presença
dessas discussões no ambiente escolar, como será discutido no próximo subcapítulo.
2.2 - “[...] a lei deu uma segurança muito grande para o professor que quer
trabalhar com a temática.” – entre leis, relações étnicas e pertencimentos
Tinha uma menina que ela era casada com o pastor no primeiro ano,
quando eu fui discutir na sala o cemitério bizantino, quando eu fui
discutir o capítulo que falava sobre os bizantinos [...] a menina saiu. Ela
trabalhava no salão e ela contava para todo mundo no salão que a
professora Santos trabalhava o ocultismo dentro da sala de aula e
continuou a confusão... A ponto de uma pessoa do salão, uma professora,
ter ido fazer unha com ela e me conhecia e ligou para Lúcia perguntando
o que é que eu tava fazendo na escola que a menina tava falando no salão.
Aí Lúcia me falou, eu falei: “Meu Deus, ainda não parou?” Lúcia falou
assim: “O que nós vamos fazer com ela, Santos?” eu falei: “ela é maior
de idade, nós vamos pegar ela e vamos conversar com ela. Eu vou dizer a
ela que se ela não parar eu vou processar ela”. E foi isso que aconteceu.
Nós chamamos ela e eu falei: “olha, você me respeite que você não me
conhece, eu sou uma profissional. Trabalhar o bizantino, você não leu o
capítulo – eu disse para ela - porque se você tivesse lido o capítulo você
não tava falando bobagem, porque isso é coisa de gente desinformada.
Você leia o capítulo, depois você vem discutir comigo, agora eu quero
lhe dizer uma coisa, se você continuar com meu nome no seu trabalho, eu
vou entrar com uma ação na justiça contra você, porque você é maior de
idade e você vai responder na justiça, você me respeite, por que eu sou
uma profissional [...] Você vai responder na justiça, por que eu estou
cheia, farta de ser acusada de coisas que eu não cometo. Se você não quer
se esclarecer, minha filha, é um problema seu, agora você me respeite
como profissional. Quem está falando aqui é uma profissional!” –
[...]coloquei ela no lugar dela, ela preferiu sair da escola, ela saiu da
escola, trancou a matrícula, do que continuar estudando, sendo minha
aluna. Aí eu cheguei na turma dela e falei: “a partir de hoje nós estamos
colocando um ponto final no desrespeito de vocês para comigo como
profissional, não é para comigo como Santos, porque contra Santos vocês
não têm nada. É com a profissional, porque eu sou uma profissional, eu
trabalho aqui, eu não estou sonegando informação. Então vocês me
respeitem! Eu vou continuar trabalhando a lei 10.639 sim[...]por que
eu estou dentro da lei, estou trazendo informação para o meu aluno que
desconhece e que precisa respeitar e se alguém continuar falando de mim
por aí e se chegar aos meus ouvidos vai responder na justiça, porque eu já
tenho um advogado. Aí eles pararam. Pararam de fazer esse comentário,
mas ainda fazem comentários... (PROFESSORA SANTOS).
88
Durante muito tempo o estudo da história africana foi [e ainda é] feito pelo viés da
escravidão e abolição em uma perspectiva superficial. Os/As negros/as sempre foram
apresentados como escravos, que obedeciam as ordens dos seus senhores de maneira
passiva, sem resistência e luta. Assim, essa Lei possibilita um novo entendimento da
história dos negros e negras, positivando a ideia do ser negro, que comumente é associada
a menos inteligente, sem cultura, sem inteligência, enfim, com menor valor (SENA, 2015).
Dessa forma, apesar de todo o avanço que a implementação dessa legislação
demonstra, é preciso uma análise problematizadora do ensino das africanidades brasileiras
para compreender as dimensões em que essas discussões estão adentrando a escola.
Pereira, Gonçalves Junior e Silva (2009) analisaram a forma em que as africanidades são
trabalhadas nas aulas de educação física após a lei, já que segundo a legislação: “Os
conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de
todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e
História Brasileiras.” (BRASIL, 2003). Os autores notaram que ainda é disseminada uma
visão pessimista e discriminatória das africanidades, como algo menor, que está fora do
currículo escolar, que para ser trabalhado há a necessidade de um dia especial. Geralmente,
a cultura afro-brasileira e africana adentram a escola pelo viés do exótico, como algo
pontual, uma “data comemorativa”, um dia extra-ordinário para se falar de algo incomum,
algo que está fora da vivência escolar. Dessa forma, são trabalhados a culinária, a dança, os
jogos, as músicas, mas os aspectos de luta, de discriminações e resistências que permeiam
essas manifestações culturais não são levados em consideração (SILVA, 2005).
90
César e Lima (2005) refletem sobre essa inserção marginal da cultura afro-
brasileira e percebem que:
As contribuições das culturas africanas no contexto escolar,
normalmente, só são lembradas no Dia do Folclore - lembramos o quanto
a palavra folclore tem um sentido negativizado - ou apenas no dia 20 de
novembro, como se o único herói negro na história do Brasil fosse
Zumbi. Sem falar que, no livro didático, o dia dedicado aos negros ainda
é o 13 de maio, mostrando-os como submissos, libertados por uma
princesa branca, sem consideração da situação pós abolição e também da
resistência que conduziu à abolição e que marca a trajetória desses no
país (CESÁR; LIMA, 2005, p. 07).
[...] depois da lei, nós fomos para Salvador para um encontro de dez anos
da lei e aí depois da lei a gente teve uma segurança. Por que se existe a
lei, inclusive chegaram os livros, nós recebemos os livros , se existe a lei
você está dentro da lei para cobrar, porque no dia que nós fizemos essa
reunião com o procurador público, com NRE, conselho tutelar, nós
falamos com os pastores da lei, eu acho que a lei nos assegurou. Eu acho
que a lei foi assim, um suporte muito grande para que a gente
trabalhe seguro. Porque as vezes a gente poderia trabalhar... Eu acho
que a lei deu uma segurança muito grande para o professor que quer
trabalhar com a temática (DIRETORA LÚCIA).
questões não são pertinentes de serem discutidas na escola, havendo a necessidade de uma
normativa que gere a obrigatoriedade dessas discussões no ambiente formal de educação
para que, só assim, o/a professor/a possa ter a autonomia de realizar essas discussões.
Ainda assim, para Gomes (2008), essas discussões devem adentrar o ambiente escolar:
Se entendermos que conhecer a nossa história e herança africana faz parte
do processo de formação dos sujeitos sociais e se reconhecermos que uma
parte significativa da nossa formação histórica e cultural referente à
África e à cultura afro-brasileira não tem sido trabalhada a contento 'e/ou
negado' pela escola, só poderemos confirmar a importância da inclusão
dessa discussão no currículo escolar, mesmo que seja por força da lei
(GOMES, 2008, p. 71).
15
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
92
Assim, é possível perceber que a cultura possui um papel importante nas relações
sociais que são desenvolvidas pelos grupos étnicos, contudo, é importante sublinhar que
não necessariamente os/as participantes desses agrupamentos têm comportamentos e ideais
semelhantes. Pensar em uma super cultura que agregue todas as pessoas que compõem um
grupo constitui um engano epistemológico. Ou seja, dentro do próprio grupo étnico há
agentes que apresentam aspectos culturais diferentes, dada as subjetividades dos/as
participantes envolvidos/as nessas relações. Além disso, destaca-se que as culturas se
embrenham, se conectam e dialogam entre si, caso contrário somos levados a imaginar:
“[...] cada grupo desenvolvendo sua forma cultural e social em isolamento relativo [...].
Essa história produziu um mundo de povos separados, cada um com sua cultura própria e
organizado numa sociedade que podemos legitimamente isolar para descrevê-la como se
fosse uma ilha.” (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 199 ).
Após pontuar brevemente sobre as culturas e seus efeitos, retorno para a fala de
Lúcia para problematizar de qual cultura ela se refere. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
(2005) entende que o Brasil se projetou sobre uma cultura branca, em que não há espaços
para negros, indígenas e mestiços. Assim, a branquitude tornou-se uma norma, de tal
forma, que as pessoas brancas não se sentem pertencentes a um grupo étnico. Assim, os/as
sujeitos/as são percebidos/as de maneira diferente, mesmo que a constituição federal
assegure que todos/as são iguais perante a lei. No contexto social as desigualdades estão
presentes e as diferenças tornam-se sinônimo, muitas vezes, de relações assimétricas de
poder (SILVA, 2005). Portanto, quando Lúcia diz que é cultural não se falar sobre as
questões étnicas do grupo afro-brasileiro e africano, ela percebe que durante o contexto
histórico educacional essas representações foram silenciadas e culturalmente foi aprendido
93
que é do ponto de vista europeu que a história deva ser contada. Ou seja, uma história
construída pelos brancos, sobre eles, para uma população que se reconhece,
majoritariamente, como branca. Digo isso, baseado na mesma autora ao afirmar também
que a migração europeia tinha como objetivo o clareamento da população, acreditando, que
em um processo histórico de mestiçagem, fossem prevalecer as características da “raça
branca” (SILVA, 2007).
Esse processo de colonização ocidentalizada que coloca o branco como grupo
étnico primário infiltrou com tanta força nos contextos sociais que as pessoas têm
dificuldade em se reconhecerem enquanto negras. Afinal, durante muito tempo ser negro/a
foi considerado como algo pejorativo e indesejável, inclusive como uma forma subumana,
como se fossem animais que se assemelhavam aos humanos. A positivação desse termo
veio a partir do movimento negro, que buscou/busca a autoafirmação como estratégia para
redução dos preconceitos e discriminações que esse grupo sofre no decorrer da história.
Apesar de reconhecer a importância de normativas que garantam que “as
diferenças” sejam trabalhadas em sala de aula, é preciso problematizar a necessidade
dessas leis e a autoridade que é dada ao campo jurídico. Pois essa mesma autoridade que
confere permissão para que determinadas discussões sejam realizadas, também é utilizada
para impedir, como ocorreu em 2015 quando foi discutido o Plano Municipal de Educação
- PME das cidades e havia uma pauta a ser votada pelas Câmaras Municipais de
Vereadores sobre a inclusão das discussões sobre gênero e sexualidade nesses planos.
Algumas autoridades religiosas cristãs se posicionaram veemente contra essa inclusão,
direcionando missivas às câmaras solicitando aos vereadores que votassem a favor da
família tradicional, enxergando, essas discussões como desestabilizadoras das estruturas
familiares. Em um contexto nacional a maioria das câmaras votou pela extinção dos termos
no PME, fortalecendo que os gêneros e expressões da sexualidade sejam compreendidos de
maneira naturalizada, inerente e intrínseca, gerando a ideia de afastamento do grupo
LGBTTI do seu “destino biológico”.
2.2 – “É até uma forma de me proteger. Por que eu já sofri tanto preconceito na
escola e sofro ainda” – Armário, identidade e Educação
A princípio talvez pareça que a professora assumia a sua religiosidade perante toda
a comunidade escolar e que essa identificação exógena parta de uma autoafirmação dela,
no entanto, quando questionado sobre isso o aluno Bruno disse que:
94
Não, não é que todo mundo sabia. Assim mesmo, eu fui saber quando ela
começou a ser minha professora mesmo, a partir do primeiro ano. Aí eu
vim saber da religião dela, da cultura dela e algumas pessoas dela tinham
um certo preconceito não era nem saber da religião dela, por que tinha
gente que deduzia a religião dela por conta das vestes dela. Ela não falava
diretamente, mas quem tinha um conhecimento através da disciplina todo
mundo dava para identificar (ALUNO BRUNO).
É possível perceber que nesse caso a identificação étnica se deu a partir de um olhar
de estranhamento, é comum pensar na ideia que o/a “forasteiro/a” carrega marcas que o
identifica, como se a identidade/identificação pertencesse unicamente a pessoa. Nesse
sentido, é possível compreender que a identificação étnica resulta da soma dos elementos
étnicos com o olhar subjetivo que os significam em um contexto sócio-cultural. Assim,
ninguém é “estranho/a” por si só, pois esse adjetivo é significado na fricção cultural de
olhares e posicionamentos que o/a colocam nesse lugar. As nossas identidades são
produzidas conjuntamente em arranjos diversos. O fato de a professora ser produzida
enquanto macumbeira lhe deu um lugar e em determinados momentos ela se colocou
também nesse lugar. A sua composição identitária foi/é gerada nos limites dessas vivências
e confrontos. Como é apontado nesse fragmento retirado de uma conversa que tivemos no
decorrer da pesquisa:
vivência sexual dessas pessoas, movidas, na maioria das vezes por receio do contexto
discriminatório e hostil para a diversidade que atravessa a contemporaneidade. Como
mostra Sedgwick (2007):
Dessa forma, o armário está sempre com a porta aberta, a espera de situações em
que as pessoas não se sintam confortáveis em se expor e acabam cedendo às pressões
sociais, retornando assim ao armário. O retorno para o armário, geralmente, é marcado
pelo silêncio que deixa nas entrelinhas que aquela pessoa está dentro dos parâmetros da
norma social. Por exemplo, se tratando de sexualidade, a heterossexualidade é assumida,
mesmo que a pessoa não diga ser heterossexual. Ao se tratar de religiosidade, são
assumidas as religiões judaico-cristãs. Por serem essas as premissas consideradas corretas
ficam subscrita e não precisam ser ditas. Apesar de entender que sexualidade e
religiosidade são talhadas em campos diferentes da experiência humana, acredito que essas
reflexões entrecruzam ambos marcadores Sedgwick (2007) discute que a epistemologia do
armário opera sobretudo nos marcadores que não são perceptíveis no primeiro olhar
diferente de negros, mulheres, velhos/as, gordos/as que ela chama de estigmas visíveis.
Nesse sentido, em suas palavras:
reduziriam as agressões que ela sofreu/sofre. Ao apontar o isolamento que a sua prática
pedagógica/de vida lhe confere, ela demonstra a necessidade que mais professores/as
assumam discussões voltadas para a diferença, criando uma rede que fortaleça não apenas
as discussões, mas também os/as docentes que se proponham a refletir essas questões. O
desejo em forma um grupo da professora, provavelmente, está ligado à ideia que é muito
mais fácil atingir uma pessoa que destoa do corpo docente da instituição do que um grupo
de professores/as consolidado teórico-metodologicamente que defenda essas questões. O
aluno Bruno também conseguiu perceber esse isolamento da professora Santos ao tratar
das questões das diferenças, dizendo inclusive que percebia nela o desejo de extrapolar os
limites das suas aulas para o contexto escolar, levando essas discussões para o âmbito da
instituição.
Olha, eu acho que a escola tem que ser aberta para todo tipo de temática,
por que assim, se nós estamos trabalhando com educação a gente tem que
.... Os estudantes eles têm que estar informados de tudo que acontece
(DIRETORA LÚCIA)
2.3 - “Por que apesar de vocês não se verem como negros, vocês são negros,
apesar de muitos não verem que tem na sua origem avós, bisavós, tataravós que
foram negros, que vieram da áfrica e foram massacrados, pisoteados” – Jogos
das identidades no contexto educacional
questões é que se por um lado é perceptível que os alunos e as alunas designam uma
posição de sujeito para a professora e esperem dela atitudes que consideram pertinentes
para uma professora, segundo a leitura deles/as do que é ser um professor ou professor -
como já foi argumentado nesse capítulo - por outro lado, a professora também se inscreve
nessa disputa e busca colocar os/as seus/as alunos/as em um determinado lugar. Ela espera
deles uma posição de sujeito, que se reconheçam enquanto pessoas negras. Como é
evidenciado no fragmento já citado e que intitula esse subcapítulo: “inclusive vocês, por
que apesar de vocês não se verem como negros, mas vocês são negros, apesar de muitos
não verem que tem na sua origem avós, bisavós, tataravós que foram negro africano, que
veio da áfrica e que foram massacrados, pisoteados. Apesar de vocês não perceberem isso,
porque vocês não foram informados, mas existe. Busquem a história de cada um de vocês,
porque vocês não conhecem” (PROFESSORA SANTOS).
A professora trabalha com a premissa de que seus/as alunos/as desconhecem a sua
genealogia e por falta de informação não se reconhecem como negros e negras e, de
alguma forma, ela toma para si o dever de informá-los/as sobre o processo de construção
identitária e empoderamento necessário para que se reconheçam como negros e negras
como ela mostra ao narrar as dificuldades vivenciadas em suas aulas naquele período:
sua origem comum devia ser o parâmetro para que eles se identificassem desta ou daquela
forma. É importante salientar que para a professora Santos, ser negro também faz parte de
um posicionamento político, pois o ato de se reconhecer como negro/a estaria ligado às
atitudes, uma delas, seria não a discriminarem por realizar discussões sobre a cultura afro-
brasileira, que seguindo o pensamento da professora, seria a cultura desses/as alunos/as, ou
ao menos, deveria ser. Ou seja, a professora esperava empatia dos/as discentes em uma
visão fatalista linear em que, se eles são negros/as, possuem uma cultura negra e devem ter
reconhecimento de grupo, lutando pela resistência negra no ambiente escolar, assim como
ela faz. Contudo, os desdobramentos já discutidos mostraram que os arranjos identitários
não se configuram dessa forma como nos ajuda pensar Hall (1997):
Ao sugerir que usemos identificação ao invés de identidade Hall revela esse caráter
dinâmico das identidades em que são geradas por uma série de fatores e situações que a
pessoa experiencia e faz contato no decorrer de sua vida, sempre em uma visão inconclusa,
cambiante e incompleta, nas palavras do autor, sendo um/a sujeito/a descentrado/a. A
identificação funciona como uma sutura, um processo de costura de uma colcha de retalhos
em que apesar de unidos são tecidos diferentes que a compõe, não havendo um ajuste
completo.
Proponho-me a pensar nesse trabalho a categoria “negros e negritudes” com base
nas narrativas dessa professora - partindo da ideia que a identidade traz consigo a diferença
nesse jogo de construção mútua penso simultaneamente “brancos e branquitudes” – por
meio de um referencial que descentraliza essas identidades, desestabilizando a concepção
dessas etnias como lugares estáveis, fixos e necessariamente vitalícios, me baseando mais
uma vez em Zygmunt Bauman:
forma de organização social, com uma importância que pode variar de acordo com fatores
temporais, geográficos e situacionais (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998).
A raça, nesse pensamento, representa uma “aparência exterior” que está
diretamente ligada à hereditariedade, sem uma dimensão sociológica em si, apresentando
esse aspecto nas significações que são atribuídas aos fenótipos, construídas socialmente,
gerando, relações de dominação ou de poder. Os respingos desses processos geradores de
desigualdades recaem sobre as atividades sociais contemporâneas e há grupos que são
discriminados, que têm suas práticas culturais e religiosas consideradas como de menor
valor, sendo muitas vezes associadas a práticas demonizadas. Essa visão segregante está
diretamente ligada ao processo de colonização que tivemos no decorrer da história, em que
religiões europeias foram impostas aos nativos do Brasil pelo processo de catequização.
Qualquer outra manifestação que escape desse padrão eurocêntrico, na maioria das vezes, é
visto de maneira pessimista. Esse processo é reiterado por uma:
Para exemplificar, trago as falas de Lúcia e Pedro quando questionados sobre seus
pertencimentos étnicos:
104
Eu vejo todos iguais. Por que Jesus quando ele criou o homem, ele criou
do pó da Terra e nós somos todos iguais, perante a Lei e perante Deus
(PORTEIRO PEDRO).
No relato de Lúcia, ela se considera negra, todavia ao se afirmar como tal foi
questionada pela mulher participante da situação descrita. É perceptível que essa mulher
utilizou da autoridade conferida pelo pensamento social que para ser negro é preciso ter a
pele retinta. Ela usou um parâmetro (que comumente é usado socialmente) para designar a
que grupo aquela gestora [não] deveria se atribuir, pois a questão da tonalidade de pele
intefere na produção da identidade étnica. Desse modo, o poder de auto-nomeação da
diretora foi questionado, a tal ponto, de ela ter dificuldade de dizer a sua pertença étnica. O
filho de Lúcia, no entanto, utilizou de outro critério para classificar a mãe e ele como
negros, partindo da ideia da origem comum, em que os graus de parentescos são
importantes atributos para o pertencimento étnico. Esse tipo de pensamento, geralmente,
diferencia os grupos étnicos de outros grupos organizados, como os religiosos, ou de classe
social (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998). Não tenho a intenção de definir
critérios que sejam utilizados para “classificar” uma pessoa como de uma etnia ou não,
busco apenas emergir essas relações problemáticas que ocorrem a partir da alteridade entre
o “Eu” e o “Outro”. É nesse contexto de disputas e negociações que a etnicidade é gerada,
assim como as identidades e diferenças.
Esse processo fortalece a ideia de que a atribuição a uma etnia não é feita apenas de
maneira individual, ela ocorre também por atribuição de outros agentes, inclusive, de
outros grupos. Ao perceberem as diferenças, que manifestam em diversos aspectos da vida
dos/das indivíduos/as, as fronteiras são estabelecidas e as categorias étnicas se levantam
nesse processo e tornam-se motivos de estranhamento, de diferença e, por muitas vezes, de
desigualdade e relações assimétricas. Lidar com essas diferenças é o principal aspecto que
105
deve ser pensado ao trabalharmos etnia, gênero e sexualidade. A compreensão que essas
diferenças se dão em todos os espaços e que devem ser acolhidas é um problema
contemporâneo.
Pedro utilizou o argumento religioso cristão para dizer da sua etnicidade, revelando
um pensamento muito comum que é baseado na “democracia racial”, em que ao pensar no
país enquanto um espaço de mestiçagem em que a etnia da pessoa não é utilizada como
aspecto importante para a mobilidade e inserção social, apagando as diferenças, gerando
uma ideia de uniformização. Sobre esse fenômeno Gonçalves e Silva (2002) pontuam que:
[...] eu tenho as três culturas na minha formação. Minha avó foi pega por
dente de cachorro 16. Tenho o sangue indígena. Tenho o sangue negro,
16
Expressão utilizada para designar as índias que fugiam da aldeia pela mata e eram encontradas por
cachorros.
106
por que meu avô era negro, negro, negro. E meu pai é descendente de
europeu. Meu pai era louro, louro de olhos azuis. A família do meu pai
todinha... (PROFESSORA SANTOS).
Retornando para o exemplo do texto marcado por canetas coloridas, se formos ler o
mesmo texto amanhã ou no próximo mês, poderemos destacar os mesmos ou outros
trechos, tendo em vista, as diversas situações em que fazemos contato no decorrer daquele
tempo e que podem nos fazer ressignificar aquilo que antes considerávamos importante. O
mesmo acontece com as identidades ou identificações étnicas que assumimos no decorrer
de nossa vida. Não quero dizer com isso que não existam sentimentos de pertença étnica,
tão pouco quero conduzir a discussão para a reflexão de que uma pessoa não possa assumir
a mesma identidade durante toda a sua vida. Quero argumentar, no entanto, que as
identidades não são naturais ou naturalmente dadas, elas são compostas no bojo de uma
sociedade e são diversos os aspectos culturais, sociais, individuais e temporais que se
embrenham nesse processo. Pensar etnicidade conduz um olhar para além das informações
carregadas pelos genes e fenótipos, é preciso adentrar no campo sócio-cultural para
conversar sobre/com o movimento, percebendo que para além do grupo há os sentimentos
individuais. Nessa perspectiva, buscar uma materialidade étnica a partir de um pressuposto
biológico que determina e define, desde o nascimento [ou até antes dele], a qual grupo uma
pessoa faz ou não parte, é, possivelmente, um engano.
Seguindo esse pensamento, Stuart Hall (1997) reflete sobre as identidades nacionais
e percebe que assim como a etnia, a identidade nacional também é vista como se fosse uma
informação biológica, incontestável. Esses discursos também contribuem na nossa
formação enquanto sujeitos/as e mudam a forma em que pensamos e olhamos para nós
mesmos, eles operam em uma tentativa de homogeneização do grupo, em um processo de
absolutização das identidades e apagamentos das diferenças e singularidades. Nas palavras
do autor:
A etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos às características
culturais – língua, religião, costume, tradições, sentimento de “lugar” –
que são partilhadas por um povo. É tentador, portanto, tentar usar a etnia
dessa forma “fundacional”. Mas essa crença acaba, no mundo moderno,
por ser um mito. A Europa Ocidental não tem qualquer nação que seja
composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As
nações modernas são, todas, híbridas culturais (HALL, 1997, p. 62).
Diferentemente do que nos diz Hall talvez essa crença ainda não tenha acabado,
afinal as perspectivas racializadas, muitas vezes, são baseadas em discussões separatistas e
classificatórias. Entendo, nesse sentido, que ser e assumir o sentimento de pertença negra,
em um contexto diaspórico brasileiro, é muito mais um posicionamento político -
estabelecido em um âmbito sócio-cultural - que uma determinação biológica, em que um
109
conjunto de genes ou tonalidade de pele possa definir. Não quero dizer com isso que não
existam as raças ou que elas não são fatores importantes na contemporaneidade e nas
organizações sociais, pois elas são, inclusive, o substrato para o racismo enquanto campo
ideológico que se baseia nesse aparato biológico. Intento, no entanto, refletir que apenas
esse fator não dá conta de compreender ou determinar o pertencimento étnico de uma
pessoa, a pertença é resultante da fricção do que me é designado exogenamente com os
processos subjetivos e individuais do/a sujeito/a. Assim, são várias as nuances envolvidas
nesse processo, é preciso, portanto, “perseguir” essas muitas direções, na tentativa de se
aproximar desses discursos que constroem o pertencimento étnico, tendo em vista que esse
movimento é uma fonte inesgotável de possibilidades. Seguindo essa perspectiva Barth
(1998) diz que:
As categorias étnicas fornecem um cadinho organizacional dentro do qual
podem ser colocados conteúdos de formas e dimensões várias em
diferentes sistemas socioculturais. Tais categorias podem ter grande
importância para o comportamento e permear toda a vida dos sujeitos,
mas também podem ser relevantes apenas para setores limitados de
atividade (BARTH, 1998, p. 194).
ensinadas. Reitero, portanto, que elas não são naturais, ou estáveis. No relato da professora
é notória a tensão que há entre o que a professora aprendeu com a sua avó e com os novos
conhecimentos aprendidos na família que se inseriu, pois houve um investimento em uma
perspectiva eurocêntrica do que indígena ou africana.
Ao elencar elementos de cada cultura que faz parte do seu pertencimento étnico a
Professora Santos reproduz o discurso de educações culturais separadas, em que há
elementos que são de cada cultura. Defendo, no entanto, que em muitos momentos esses
elementos se misturam, se fragmentam e/ou se completam. Somos todos e todas, em maior
ou menor escala, envolvidos nesse processo, em tempos atuais.
Evidentemente em uma sociedade movida pelo sistema identidade/diferença os
elementos que são tidos como identitários são positivados e reproduzidos em maior escala,
afinal, eles são valorativamente considerados melhores, superiores e verdadeiros e os que
são das culturas não-hegemônicas são perseguidos, contudo isso não consegue apagar
completamente os elementos étnicos, como a professora mesmo diz ao encerrar seu
depoimento: “E assim, então quando eu fui criada e passei para outra família foi retirado
tudo isso de mim, eu passei para outra família eu ia fazer ainda 6 anos, aí isso tudo foi
esquecido”. Apesar de entender que tudo aquilo das vivências negras e indígenas foram
tirados dela ao ser criada por uma família com educação “europia”, esse desligamento com
as culturas “marginais” não foi suficiente para apagar nela as marcas dessas vivências. Por
exemplo, o tempero que a sua avó usou para dar sabor a comida ficou marcado em sua
memória. Esse apagamento apesar de potencializar a dificuldade que a professora Santos
tem em assumir a sua religião não foi suficiente para manter a professora Santos distante
das religiões de matriz africana. Ou seja, a resistência faz parte do cotidiano desses grupos
étnicos, eles sobrevivem e mantém as suas marcas e contribuições no decorrer da história
apesar de todos os esforços para eliminá-los, em outras palavras, essa “ruptura” não foi/é
capaz de silenciar as culturas afro-brasileiras. Nesse sentido, é perceptível que apesar de se
apontar etnicamente híbrida a sua etnicidade negra é preponderante na forma que ela se ver
e produz enquanto mulher e professora sobretudo nos aspectos políticos.
As vivências de Santos colocam no cerne uma necessidade contemporânea e que o
movimento pós-estruturalista tem refletindo: a superação das dicotomias sociais. Se em
algum momento histórico as separações dualísticas foram importantes, na
contemporaneidade, impera a necessidade de compreensão dos movimentos identitários
como híbridos e múltiplos. Desestabilizar a ponto de romper a lógica identidade/diferença
111
CAPÍTULO 03
Além de ser marcada por trabalhar e trazer consigo/em si aspectos da cultura afro-
brasileira a professora Santos também é estigmatizada por discutir sobre gênero e
sexualidade em suas aulas, como já dito anteriormente. Ela foi e talvez ainda seja
considerada a professora que trabalha com a viadagem e que, provavelmente por esse
motivo, viva na viadagem. Ao refletir sobre o contexto apresentado na introdução desse
trabalho em que muitos/as professores/as se eximem de discutir essas questões fiquei
especialmente interessado em saber o que a mobilizou em discutir temáticas que ocupam,
na maioria das vezes, a margem do currículo escolar. Partirei do relato da professora sobre
o momento em que ela decidiu assumir essas discussões em sua docência:
Destaquei os momentos em que Santos decidiu discutir essas temáticas como uma
forma de desestabilizar o argumento corriqueiro que há pessoas “naturalmente” mais
preparadas para discutir essas questões, como se elas fossem vocacionadas em falar sobre o
“transgressor”, como será mais bem explorado no decorrer desse capítulo. Santos sinaliza
que houve um momento em que ela decidiu, a partir de sua vivência enquanto professora,
assumir essas discussões. Em outras palavras, falar sobre sexualidade e gênero se
estabelece no campo da escolha. Contudo, partindo da compreensão de que o sujeito é
produzido também pelos discursos que tem contato no decorrer de sua vida e que nossas
“escolhas” também estão inscritas nesses processos produtivos, é pertinente questionar: o
que leva uma pessoa optar por discutir temáticas como essas? O que é preciso para que
professores/as discutam essas questões?
Esses questionamentos são importantes indagações que podem contribuir para que os
processos formativos possam mobilizar os/as docentes para esse debate. Ao retirar as
discussões sobre sexualidade do campo vocacional, é possível posicioná-las nos limites
discursivos, ou seja, perceber as condições de existência dos discursos que produzem
pessoas “capacitadas” para falarem sobre essa temática. São esses limites discursivos que
serão emersos nessa seção do texto, a partir das vivências da professora Santos, que em
muito se entrelaça com as experiências dela para além da docência.
Nos últimos séculos, especialmente a partir do final do século XVIII houve uma
proliferação dos discursos sobre a sexualidade, como afirma Foucault (1988) em seu livro
História da sexualidade I – a vontade de saber. Fato que ele chama de “explosão
discursiva”. No entanto, mudou a forma em que as coisas são ditas, os nomes, as
linguagens utilizadas, os locutores que podem falar entre si. Foucault ainda ressalta que
“[...] estabeleceram-se, assim, regiões senão de silêncio absoluto, pelo menos de tato e
114
discrição: entre pais e filhos, por exemplo, ou educadores e alunos, patrões e serviçais”
(FOUCAULT, 1988, p. 22, grifos meus). Ou seja, com a mesma intensidade que esses
discursos foram incorporados ao cotidiano social, diversas formas de controle e
normatização se infiltraram nas relações que são estabelecidas com a temática. Nessa ótica,
escolas, famílias e igrejas assumiram a autoridade para falar sobre o sexo, mais que isso,
para definir o que se pode ou não ser dito, feito e pensado pelos/as sujeitos/as. No processo
de autorização em que espaços e pessoas são permitidos a falar sobre o sexo, alguns são
marcados pelos silenciamentos, dentre eles a educação ao se tratar de algumas temáticas
consideradas menos importantes, perigosas, polêmicas ou complexas. Esses argumentos
contribuem para a manutenção dos silêncios e demarcação do que deve ou não ser tratado
nos ambientes educacionais (FERRARI; MARQUES, 2011). É nesse contexto que a
sexualidade e gênero [não] são ensinados para meninos e meninas.
A fala que intitula esse capítulo está no âmbito dessas relações “vigiadas” e
ponderadas em que os/as alunos/as questionam a professora pelo fato dela falar coisas que,
segundo o entendimento deles/as, não deveriam ser tratados/as na escola. Esse
questionamento juntamente com a expressão da professora ao falar da reação dos/as
discentes “Ave Maria, foi um horror” mostra o quanto a abordagem de gênero e
sexualidade se torna um fato extraordinário no cotidiano escolar, ou melhor, falar sobre
sexualidades não hegemônicas é uma eventualidade e causa espanto. Nesse sentido, falar
sobre sexualidade já possui por si só um teor de transgressão, como se fosse uma forma de
desestabilizar as normas, em medida, estabelecer rupturas. Esse contexto é fortalecido ao
se falar de sexualidade na escola, pois no decorrer da história da sexualidade foram
estabelecidos lugares e pessoas que estão autorizadas a falar sobre essa temática e outros
dos quais ela deve ser escamoteada. Assim, falar sobre sexualidade para alunos da
educação básica é gozar do que Foucault (1988) chama de “benefício do locutor”, ou seja,
“ quem emprega essa linguagem coloca-se, até certo ponto, fora do alcance do poder;
desordena a lei; antecipa, por menos que seja, a liberdade futura” (FOUCAULT, 1988, p.
12). Nesse sentido, ao trabalhar com essas temáticas a professora Santos desestabiliza o
cotidiano escolar, ela desordena em muitos aspectos as vivências das pessoas que têm
contato com o seu trabalho docente e isso lhe confere destaque.
Na situação que Santos narrou é importante questionar: por que enquanto a
professora estava falando da sexualidade hegemônica (heterossexual) ela não foi impelida,
mas ao cogitar a possibilidade de que existam pessoas não heterossexuais no ambiente
115
[...] não pretendo afirmar que o sexo não tenha sido proibido, bloqueado,
mascarado ou desconhecido desde a época clássica; nem mesmo afirmo
que a partir daí ele o tenha sido menos do que antes. Não digo que a
interdição do sexo é uma ilusão; e sim que a ilusão está em fazer dessa
interdição o elemento fundamental e constituinte a partir do qual se
poderia escrever a história do que foi dito do sexo a partir da Idade
Moderna. Todos esses elementos negativos – proibições, recusas,
censuras, negações – que a hipótese repressiva agrupa num grande
mecanismo central destinado a dizer não, sem dúvida, são somente peças
que têm uma função local e tática numa colocação discursiva, numa
técnica de poder, numa vontade de saber que estão longe de se reduzirem
a isso (FOUCAULT, 1988, p. 17).
Foucault (1987) ainda traz que os sujeitos são produzidos nesses processos de
disciplinamento:
Teve uma época até que tinha dois homossexuais aqui, né? Alunos...
Conhecidíssimos daqui. Para eles chegarem aqui na escola eles eram
muito vaiados, mas só que o pessoal acolhia eles aqui... A gente até
ajudava, a gente levava para a secretaria, mas só que hoje em dia, hoje
em dia eu falo assim, depois de dois anos atrás, se eles chegarem aqui vão
ser recebidos normalmente, claro vai ter olhares paralelos, mas mudou
muito. Até no convívio aí, porque eles são daqui mesmo. Mudou muito.
Hoje eles já têm a profissão deles, eles trabalham com o setor de
manicure, cabeleireiro. Agora um detalhe interessante, eles não
119
Pedro disse que os dois alunos homossexuais eram “acolhidos” pelos funcionários da
escola, contudo, percebo a necessidade de problematizar a forma em que essa acolhida se
dava: eles eram retirados daqueles espaços e eram levados à direção da escola. A princípio
talvez essa seja considerada a atitude mais sensata, mas desde algum tempo, tenho me
questionado sobre essas formas de “acolher”, principalmente após assistir um vídeo de
curta-metragem do diretor e roteirista espanhol Sergi Pérez (2007) intitulado Vestido Novo
(Vestido Nuevo) em que um garoto (Mário) vai para a escola, no carnaval, trajando um
vestido e aquilo gera uma confusão, pois os/as alunos/as ficam agitados/as em verem um
menino trajando uma roupa que socialmente é designada para meninas. Um aluno chamado
Santos - coincidentemente, o mesmo nome que utilizo para chamar a professora com a qual
realizo essa pesquisa – começa a chamar o garoto de viadinho, mariquinha... Em toda essa
situação o que me chama a atenção é a atitude da professora que retira Mário da sala o
encaminha para a direção, aguardando até que seu pai chegue à escola. Com a chegada do
familiar, o diretor o responsabiliza, por permitir que o garoto se traje daquela forma e por
fim, o enviam para casa.
Outra situação que contribuiu para aumentar o meu incômodo sobre a forma em que
essas diferenças são tratadas no ambiente escolar foi encontrada em um trabalho de Ferrari
(2011) que propôs refletir sobre silêncios e silenciamentos, principalmente escolares.
Nesse artigo ele discorreu sobre uma situação vivenciada em uma escola em Juiz de Fora-
MG, na qual uma professora de Biologia decidiu discutir sobre a diferença entre “ficar” e
namorar, reiterando que os/as alunos/as poderiam trazer exemplos pessoais ou de pessoas
conhecidas para a discussão. Com o avançar da aula, um aluno assumidamente
homossexual quis relatar as suas experiências a partir do universo gay no qual estava
inserido e foi repreendido pela professora que o silenciou e, após insistência do aluno em
falar, o retirou da sala para depois do fim da aula conversar com ele.
As três situações apresentadas (narrativa de Pedro, curta metragem, trabalho de
Ferrari) se assemelham em um ponto principal: o diferente foi retirado do ambiente, o que
causa incômodo foi levado para outro lugar, em dois casos (relatado por Pedro e do curta-
metragem) “os dissidentes” foram confrontados com o máximo do poder da hierarquia
escolar (o/a diretor/a).
121
Calar o aluno e, além disso, colocá-lo para fora da sala são formas de
silenciamento. Por um lado, porque evita a discussão das
homossexualidades como práticas possíveis. Por outro, ao retirar o aluno
da sala, estabelece uma ruptura entre ele e a turma, entre as
homossexualidades (corporificada no aluno homossexual) que foram
evitadas e colocadas para fora da sala de aula e as heterossexualidades
que permaneceram na sala e discutidas como práticas válidas e de que se
pode falar (FERRARI, 2011, p. 95).
Por fim, retornando ao relato de Pedro, ele ainda diz sobre o avanço da comunidade
escolar para lidar com essas questões, dizendo que se esses mesmos rapazes voltassem a
escola, eles não passariam por essa situação de hostilidade, que eles seriam recebidos
“normalmente”, mas adverte: “claro vai ter olhares paralelos, mas mudou muito.” Ou seja,
tendo a heterossexualidade e as pessoas heterossexuais como norma, é perceptível que os
homossexuais não seriam vistos normalmente, pois ainda haveria olhares atravessados que
marcariam a experiência desses sujeitos, como indesejáveis, ao adentrar o espaço escolar.
Segundo Junqueira (2012), para quem escapa das normas de sexo, gênero e de
sexualidade, nossas escolas ainda se pautam em duas pedagogias: a do insulto e a do armário.
Na primeira os/as alunos/as que não se enquadram no modelo hegemônico são ofendidos/as
por insultos, apelidos e vexações, conduzindo-os/as à segunda pedagogia, submetendo
estes/estas discentes ao esconderijo do segredo e dos silenciamentos de suas ações que são
122
Bruno utilizou estratégias para se desvencilhar das agressões a que foi exposto na sua
trajetória escolar. Uma delas foi se tornar próximo dos garotos. Essa proximidade
estratégica lhe deu, em certa medida, proteção. Geralmente a heteronormatividade tem seus
desdobramentos de forma mais explícita sobre o gênero masculino, havendo uma vigilância
constante sobre os garotos e as formas pelas quais lidam com outros meninos, para evitar que
eles não se toquem, demonstrem carinho, afetividade, fragilidade ou desejo, ou seja, é um
empreendimento para que os garotos não ultrapassem do limite definido como plausível para
123
Bruno 17foi meu aluno desde a 7ª série, que é hoje o 8º ano. Mas Bruno,
eu acho que é uma coisa dele, da índole dele. Devido também aos
sofrimentos, a família e tudo. Ele empoderou-se do que ele é. Ele é gay,
ele gosta de homens, ele gosta de beijar homens e acabou. Ele diz isso
abertamente e quem não gostar que saia de junto dele. Entendeu?
(PROFESSORA SANTOS).
E hoje em dia nós tínhamos aqui Bruno que ele é homossexual assumido,
os meninos tinham o maior carinho. Ninguém falava nada contra. Tu
precisava ver. Bruno era uma pessoa normal aqui (DIRETORA LÚCIA).
Talvez, essa proteção dada a Bruno pelos outros garotos pode estar ligada ao
contexto geográfico em que ele faz parte, por ser morador de um bairro periférico. As
pessoas que vivem na periferia, muitas vezes, buscam proteger mutuamente os seus/as
moradores/as. Como uma forma de minimizar as estigmatizações que a localidade de
moradia lhes confere, pois esses lugares são, na maioria das vezes, associados à
criminalidade. Como aponta Sarti:
Não quero dizer com isso que todas as pessoas que vivem nas periferias possuem esse
“espírito solidário”, pois nesses espaços também ocorrem corriqueiramente agressões simbólicas e
físicas às pessoas LGBTTI, contudo a situação de Bruno emerge algumas relações que ocorrem no
âmbito da periferia e que geralmente não são consideradas. Apesar de não me debruçar sobre essa
questão é interessante indagar: Quais aspectos o aluno Bruno apresenta para que seja “aceito” pelo
grupo dos garotos, sem que com isso tenha a sua masculinidade questionada?
17
Em substituição ao nome do aluno.
124
Eu fazia a escola lidar com essas situações, não era nem a escola que
lidava. Eu obrigava, eu era xingado, eu já ia lá na diretoria. Eu dizia: “Ó
pró Lúcia, tá acontecendo isso e isso. Ou a senhora resolve ou vai ser o
jeito eu mesmo. Aí a pró Lúcia, chamava, conversava, tal e tal . Aí era
assim eu trazia a briga dentro da diretoria ou então ia acontecer algo pior
porque eu não aceitava. E se eu visse alguma cena de racismo ou
preconceito eu tomava logo a dor, eu comprava a briga para a mim. Eu
fazia a diretoria agir (ALUNO BRUNO).
Tinha uma menina que, no primeiro ano dela na escola, ela assumiu que
era lésbica e ela se apaixonou por uma professora. Menino, por uma
professora [...] que terminou não entendendo na verdade, talvez aquele
sentimento que ela dizia nem era um sentimento... eu achava assim que
envolvia também família e tudo e terminou vendo naquela professora,
assim o que ela gostaria de ter também na família, uma admiração... Mas
ela não soube talvez separar e disse que estava apaixonada pela
professora. [...] Esse caso foi de tamanho conflito dentro da escola que a
professora espalhou para todo mundo dentro da escola e a menina
terminou sendo exposta... A menina foi exposta perante todos os colegas
professores, perante todos os colegas dela... que quase - quase a menina
entrou em um estado depressivo e aí aquilo que muitos autores falam, né?
Aquele aluno que está sentando sempre sozinho, no final, lá no canto e
ela sempre de cabeça baixa e eu ficava observando. “Meu Deus, fulana
sempre foi uma menina assim, por quê? E aí eu fui me aproximando dela,
me aproximando, me aproximando e um dia ela falou, né? E eu chamei a
diretora e falei e contei o que estava acontecendo. A professora já tinha
feito o sensacionalismo dela a ponto de chegar na DIREC [Diretoria
Regional de Educação] , na época, e a diretora na época da direc,
orientasse a Lúcia que a única pessoa em Jequié que tinha respaldo para
fazer a discussão para conversar com a aluna e com a professora era
Marcos18. Aí Marcos foi chamado na escola e Marcos conversou com ela,
né? Com a menina. A menina chorou muito, né? E conversou com ela e
conversou com Lúcia depois para que procurasse o que ela gostasse mais
de fazer. Ela adorava handebol e terminou até colocando ela na UESB
para praticar esporte. Como ajuda mesmo, como auto ajuda. Por que a
gente ficou muito preocupado que ela pudesse até praticar o suicídio. Ela
terminou um dia falando com a colega, diante do ridículo que ela ficou.”
(A PROFESSORA SANTOS).
Sobre essas questões é possível perceber o quanto a pessoa LGBTTI que assume a
sua expressão sexual ou de gênero que não está nos parâmetros considerados normais é
ridicularizada e exposta. Algumas pessoas que dizem aceitar as
homossexualidades/lesbianidades/bissexualidades ditam as formas em que elas são
aceitáveis, comumente baseadas em um discurso considerado “politicamente correto”.
Assim, são comuns frases como: “tudo bem ser gay, agora precisa desmunhecar tanto?”;
“Não tenho nada contra lésbicas, mas elas também não precisam se vestir como se fossem
caminhoneiros!”; “Ou se é uma coisa, ou se é outra. Bissexualidade é falta de vergonha na
cara ou indecisão”. Falas com esse teor fortalecem o discurso que a homossexualidade não
é uma forma válida de vivência sexual, mas caso a pessoa seja orientada sexualmente [para
muitos ainda é uma opção] para isso, que o faça em âmbito privado. O que pode incomodar
é o confronto direto com as formas não-heterossexuais, as expressões públicas que
18
Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e orientador dessa pesquisa.
126
palavras com as quais iniciei a reflexão sobre essa temática, mas agora em forma de
questionamento: Será mesmo que as nossas escolas não ensinam nada sobre gênero e
sexualidade?
Para ampliar as discussões suscitadas nesse capítulo, trago o relato de uma situação
que observei no primeiro dia em que estive na escola para acompanhar a professora em
suas aulas. Utilizarei essa história para direcionar algumas discussões sobre gênero,
sexualidade e docência que realizarei nos subcapítulos 2.2 e 2.3. Algumas outras narrativas
e cenas serão incorporadas no decorrer das discussões que farei, possibilitando
compreender alguns desdobramentos e os discursos que são emitidos nessa escola, contudo
essa primeira cena será o eixo direcionador. Assim, estarei retornando a ela em diferentes
momentos do texto. Para facilitar a leitura e compreensão do texto me referirei a CENA 1
quando se tratar dela.
************************************************************************
CENA 1:
Cheguei ao portão da escola, enquanto aguardava o funcionário para que tivesse acesso à
escola, ouvi ecoar vozes que, aparentemente, eram de rapazes conversando que falavam
sobre trivialidades, até que em um dado momento um deles disse repetidamente: “Tu é
viado, vei? Tu só pode ser viado!”. O outro retrucou: “Tá doido é? Lá ele, Deus é mais!”.
Após entrar na escola não consegui avistar quem eram os sujeitos das falas, mas já comecei
a pensar nessas questões desde ali... Dirigi-me para a sala dos/as professores/as para
aguardar a professora Santos. Ao adentrar o espaço, ela encontrou com um professor, a
quem chamarei de Cláudio, e o questionou se ele estava mais calmo. Ele de maneira
furiosa disparou a falar sobre a situação de um aluno que estuda no matutino e que lhe
agrediu verbalmente o mandando “tomar naquele lugar”. Cláudio indignado relatou que
aguardava providência da escola. Salienta também que essa situação já ocorreu com duas
outras professoras, mas que com ele seria diferente, dizendo: “por que eu sou homem e não
129
mulher e não aceitarei ser tratado desta forma”. Santos interviu dizendo que era mulher e
que mulher também não merece ser maltratada. Por fim, o sinal tocou e ambos foram para
suas salas.
************************************************************************
Parece que quando vamos para a escola com a intenção de encontrar marcas de
gênero, sexualidade e etnia, elas se apresentam mais facilmente, contudo, o que muda não
é a frequência com que essas situações ocorrem, mas o nosso olhar que se atenta para as
situações corriqueiras da rotina escolar. Em outras palavras, ser pesquisador ou
pesquisadora do cotidiano escolar é olhar com estranhamento as situações que durante a
nossa trajetória escolar foram naturalizadas. Assim, essa situação vivenciada entre o
professor Cláudio e a professora Santos, me fez pensar em duas questões que discutirei
mais demoradamente no decorrer desse subcapítulo: qual o processo de construção de
masculinidade daquele professor? Qual o lugar da mulher/professora no ambiente escolar?
Sublinho que não intento fazer juízo de valor sobre a postura do aluno, me detenho a
pensar a produção da masculinidade de Cláudio e, possivelmente, a daquele aluno. Por que
ser mandado tomar “naquele lugar” foi uma ofensa tão grande para aquele professor? Por
que aquele aluno optou especificamente por aquele xingamento? Por que ao ser
questionado sobre uma possível homossexualidade o rapaz, que ouvi antes de entrar na
escola, se esquivou com tanta avidez?
Acredito que essas questões estejam ligadas diretamente ao processo de produção da
masculinidade desses homens, pois é legitimada socialmente para o homem apenas uma
vivência sexual (heterossexual), com apenas uma prática, a de quem penetra, quem
“domina”. Ser penetrado é destoar do que é preconizado como masculino, é assumir um
lugar tido como de mulher. O professor sequer reproduziu na íntegra a fala do aluno. Ao
trocar a palavra “cu” pela expressão “aquele lugar” o docente mostra o quanto a atitude do
aluno o afetou e incomodou, a ponto de ele não conseguir ou não julgar pertinente
reproduzir esse termo.
Em uma sociedade de limites binários tão bem demarcados penetrar o ânus do
homem é extrapolar a barreira do aceito e ter o ânus penetrado (por homens, por mulheres,
por objetos etc.) é ter a masculinidade deslegitimada (SOUZA NETO; RIOS, 2015). Esse
contexto também é vivenciado por homens que se relacionam sexualmente com outros
homens, como concluíram Souza Neto e Rios (2015) em um trabalho no qual pesquisaram
130
Talvez, por isso o aluno escolheu essa “ofensa” para se dirigir ao professor, pois o
mandando tomar “naquele lugar” foi o mesmo que dizer “seja penetrado, assim como uma
mulher é”. Essa aproximação com o feminino gera desconforto, inclusive para esses
homens é uma forma de ter a sua masculinidade descaracterizada, pois uma das premissas
da masculinidade “ideal” é o afastamento de tudo que é feminino, em uma negação
insistente dos aspectos que possam aproximá-los de serem lidos como mulheres.
Falar em masculinidades e heterossexualidades é abordar ao mesmo tempo gênero e
sexualidade, que apesar de tratarem de questões diferentes, se embrenham, se relacionam e,
são, em muitos casos, interdependentes. Como afirma Louro (2009, p. 91): “temos de
reconhecer que sexualidade e gênero estão profundamente articulados, talvez mesmo,
muito freqüentemente, se mostrem confundidos”. Assim, falar em ser “homem de
verdade”, ou “mulher de verdade” traz nas entrelinhas a heterossexualidade enquanto algo
dado, como diz Weeks (2007, p. 70): “Não são muitas as pessoas que podemos ouvir
afirmando “eu sou heterossexual”, porque esse é o grande pressuposto”.
Segundo Miskolci (2013) há três conceitos importantes nessas produções que
carregam a ideia da heterossexualidade enquanto natural e caminho para todas as pessoas:
Em outras palavras, é um ciclo formado por quatro etapas: acreditar, investir, vigiar e
punir, que ocorre concomitantemente. A crença de que todas as pessoas são ou deveriam
ser heterossexuais é a propulsora desse ciclo e, ao crerem nisso as pessoas investem na
132
20
Expressão utilizada para designar as pessoas que possuem uma espécie de radar para identificar
homossexuais. Essa possível identificação do outro é baseada sobretudo nas construções sociais de
comportamentos esperados para gays.
133
pode ser perigoso, pois fomenta, muitas vezes, a ideia que ser diferente é sempre uma
escolha, portanto, pode ser mudada e pode ser escolhida outra forma de viver,
fundamentando as práticas de alguns sujeitos e instâncias que investem arduamente no
retorno dos/as dissidentes para o caminho “normal/natural”. Tomaz Tadeu da Silva (2009)
discute os perigos em compreender uma determinada identidade enquanto normal/natural:
3.3 - “Se você não quer se esclarecer, minha filha, é um problema seu, agora você
me respeite como profissional. Quem está falando aqui é uma profissional!”:
Docência e gênero
A frase com a qual inicio esse subcapítulo foi proferida pela professora Santos ao ser
desacatada por uma aluna por estar discutindo as diferenças em sala de aula. Julgo
pertinente iniciar dessa forma, pois ela diz de uma questão que desejo centralizar nessa
parte do texto: a profissionalização da docência feminina, ou em outras palavras, a
descontinuidade de um processo representativo que instituiu a docência feminina como
uma extensão da maternidade.
Essa categoria emergiu a partir da cena 01 (p. 128), protagonizada pela professora
Santos e pelo professor Cláudio descrita no início desse capítulo, pois uma das questões
que ele apresenta é a posição [subalterna] da mulher, de maneira mais específica da
mulher-professora no ambiente escolar. Na fala do professor é possível perceber que para
ele o lugar da mulher é diferente daquele designado ao homem. No entanto, essa percepção
das diferenças o leva a pensar esses lugares como desiguais, deixando implícito que a
violência realizada pelo aluno era até aceitável quando realizada com professoras, mas com
ele, era inadmissível por ser homem.
A fala de Cláudio está carregada de marcas de discursos que foram construídos no
decorrer da história educacional. Por mais que hoje a docência seja uma atividade
majoritariamente desenvolvida por mulheres, o processo de inserção delas na carreira
docente foi marcado pelas percepções sociais de gênero. Afinal, normatizou-se que a
mulher é “naturalmente” um ser doce, meigo, que acalenta e aceita todas as situações
passivamente e era esperado [acredito que ainda seja] que as professoras mantivessem essa
característica para que não se afastassem completamente do que era/é designado para as
mulheres, já que no século XIX realizar trabalhos fora de casa era algo que destoava do
feminino. Dessa forma, era almejado que a docência constituísse uma extensão da
maternidade, destacando o cuidado e apoio aos/às alunos/as/filhos/as, enquanto ao
professor cabia ensinar o conhecimento e exercer autoridade (LOURO, 1997). As mulheres
foram [mais uma vez] silenciadas nesse processo histórico como afirma Louro (1997):
estudos sociais trazem novas perspectivas sobre essa questão, emergindo as diversas
formas de resistência de mulheres e a significativa perda de exercício do poder dos homens
no decorrer da história.
O domínio feminino sobre o campo da docência é um exemplo disso, outros
exemplos podem ser tomados, como as mulheres camponesas que transgrediam as normas
e trabalhavam fora do lar, nas lavouras para garantir a subsistência delas e de suas famílias.
Ou seja, nessa perspectiva não dá para pensar em uma relação de poder em que a
submissão é algo constante e sem resistências, em toda a história houve mulheres que
resistiram, antes mesmo da ascensão do movimento feminista. Assim, baseados
principalmente em Foucault esses estudos culturais percebem o poder como algo
multidirecional, não sendo “aprisionado/apropriado” por uma pessoa ou grupo durante
todo o tempo. Há, portanto, exercícios de poder, uma relação baseada em movimentos,
resistências. O poder é constituído no jogo do ir-e-vir, nos avanços e recuos e por mais que
haja um padrão hegemônico, aqueles/as que não estão nesse padrão não são anulados/as
como sujeitos/as, participando também, de alguma forma, dessa relação. Como é o caso da
professora Santos ou do aluno Bruno, eles se embrenham nas disputas por poder e usar
estratégias para driblar as imposições sociais (MEYER, 2013; LOURO, 1997;
FOUCAULT, 1988).
A luta pela diminuição das desigualdades de gênero foi, como já dito, o estopim das
lutas feministas, no entanto, houve a necessidade de perceber as diferenças dentro do
próprio movimento, rompendo com a imagem de uma mulher generalizada que
representava as demandas de todas as mulheres. Como aponta Louro (1997):
maioria das vezes, secundariza as pessoas que são marcadas dessa forma. Nas palavras de
Dias (2014):
A adoção do conceito de gênero no âmbito dos estudos de mulheres e
feministas tornou o gênero como campo científico. O conceito de gênero
é compreendido como um divisor de águas para outra fase distinta da
primeira onda do feminismo, e anunciador, de certa forma, da valorização
significativa do diferencialismo, da afirmação política das diferenças, dos
processos identitários e de igualdades; ou seja, o conceito chama a
atenção para a diversidade ou as diferenças dentro da diferença (DIAS,
2014, p. 57, grifos do autor).
apresentou no início do texto que havia uma forma convencional para significar o termo
gênero, gerando novo interesse em discutir essas questões.
Nesse sentido, ao entrar no campo de disputa da diferenciação sexual o termo
gênero assume diferentes significados de acordo com as instâncias e os grupos que o
utilizam, se tornando um constante lugar de contestações e questionamentos, de alguma
forma atendendo os propósitos para os quais foi criado: gerar questões, desestabilizar a
norma e a normalidade, possibilitando novos olhares e diálogos para as questões
cotidianas.
Essas informações nos ajudam a pensar no âmbito dessas relações de poder em que
os gêneros são instituídos, percebendo os contextos sociais em que os papéis são
designados para cada pessoa de acordo com seu gênero, no qual, a “lógica” que rege o
pensamento contemporâneo é que Sexo – Gênero – Sexualidade são itens intrínsecos e
naturais, ou seja, o sexo determinado unicamente pelo órgão genital aciona
automaticamente o gênero e, consequentemente, a sexualidade (heterossexual),
privilegiando uma abordagem altamente biológica. A ruptura dessa sequência linear é algo
ainda inaceitável para muitos/as e que gera um contra movimento. Apesar de os avanços
epistemológicos sobre os gêneros, ainda a estes é atribuída uma base biológica que o
antecede (sexo), gerando o entendimento de que o sexo é aquilo “dado” naturalmente e o
gênero seria o comportamento e atitude que a cultura inscreve nos corpos sexuados. Esse
conceito, no entanto, foi ressignificado por teóricas pós-estruturalistas como aponta
Dagmar Meyer (2013):
Ao dizer a sua aluna que a sua prática pedagógica não tem a função de agradar, a
professora contribui com a ruptura do perfil historicamente associado à docência feminina.
Isso por si só desestabiliza os diversos discursos que produzem a mulher e,
consequentemente, a professora como ser dócil e disciplinado, que deve agradar, sejam
seus familiares, marido ou filhos/as e alunos/as. Dessa forma, a professora reitera em
140
TPE que era acompanhada pela música um bom professor, um bom começo de Max
Haetinger, que tem a seguinte letra:
nessas propostas e que a gente sabe que a gente tem muitos colegas
que preferem não bater de frente, não ir para esse debate, por que é
mais cômodo e é por isso que nós estamos com essa sociedade
desinformada que não sabe quais são os seus direitos, que não cumpre
com os seus deveres e que continua fazendo de conta (PROFESSORA
SANTOS).
3.4 – “Por que é um desafio a ele próprio, porque quem tem que primeiro ser
desafiado é ele”: os avanços e retrocessos no fazer docente
Pude perceber no período em que estive na escola e nas entrevistas realizadas com a
professora Santos que além de reivindicar ser vista como profissional, como já discutido, a
docente desejava expandir as discussões sobre as diferenças em sua escola, possibilitando
que outros/as professores/as também levassem esses aspectos para as suas práticas
educativas. Esse aspecto também foi visualizado pelo aluno Bruno que disse:
Eu acho que Santos... Ela levava mais para a sala de aula, mas eu via nela
o desejo de levar aquilo para a escola, tipo um projeto tipo cultura afro,
que discutisse sobre a cultura afro, sobre a sexualidade. Eu vi aquele
desejo dela em trazer, mas ela não tinha esse apoio. O suporte da escola,
dos outros professores. Se ela tivesse eu acho que seria ótimo (ALUNO
BRUNO).
Não quero dizer com isso que todas as pessoas que participam das religiões
protestantes [re]produzem esses discursos, até por que, acredito que ao se tratar de
organizações sociais não existam homogeneizações absolutas e certamente há pessoas que,
mesmo participando dessas religiões, defendem outros posicionamentos. Contudo, saliento
que esses espaços, na maioria das vezes, investem fortemente na construção discursiva da
demarcação de lugares, produzindo e fortalecendo práticas discriminatórias.
Além disso, ao entender a presença de “gays bonzinhos” na mídia como algo que se
distancia da sua leitura do que é “verdade”, o professor Cláudio dicotomizou a expressão
como se as sentenças fossem opostas, entendendo que gays bons não existem. Ou seja, o
professor critica a mídia por produzir uma imagem positiva da homossexualidade, quando,
no seu entendimento, a homossexualidade é algo ruim. Ao associar a homossexualidade ao
mau-caratismo ele diz também que para ser bom é preciso ser heterossexual, ser gay, por si
só, para esse docente, já é sinônimo de ser alguém ruim. Ele também reitera que há um
incentivo ou investimento por parte das mídias televisivas em colocar a homossexualidade
como uma possibilidade de vivência da sexualidade, é perceptível que isso incomoda os
discursos normativos pautados na heteronormatividade. Dialogar sobre as ditas minorias
sexuais, no caso, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais no espaço
escolar é entendido pelo professor como falta de respeito. Este desrespeito se refere a não
seguir uma determinada lógica e moral fundamentada no discurso judaico-cristão que
compreende as outras expressões de gênero e sexualidade como demoníacas, antidivinas e
contrárias aos valores da “família tradicional”. Em outras palavras, faltar com o respeito é
não venerar ou obedecer esse discurso religioso (NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2013).
Muitas vezes dá a impressão que falar de homossexualidade ou de sexualidades
dissidentes só interessa às pessoas que participam desse grupo. Algumas/ns professoras/es
usam desse argumento para não trabalharem com essas questões, ou sequer, mostrarem-se
simpáticos/as às homossexualidades, por medo de serem percebidas/os como participantes
do grupo ou de serem acusadas/os de estar incentivando seus/as alunos/as a vivenciarem
sexualidades “desviantes”. Nesse sentido, a professora Santos disse ter sido questionada
por realizar esse tipo trabalho: “Os alunos, as vezes, eles perguntam se eu sou lésbica, né?
146
Por eu defender... Mas eu acho que tudo está vinculado à educação mesmo...”
(PROFESSORA SANTOS). Nesse sentido, Louro (2008) interpõe que:
Assim, cabe questionar: com essa expansão das pessoas que assumem outras formas
de vivências sexuais, quem, de fato, é ameaçado/a? Se a família “tradicional” é natural e
caminho para todos/as, por que é preciso um controle e aversão às outras formas de
arranjos familiares?
Por outro lado, é interessante perceber no momento da discussão sobre o curta, como
a colega inquietou Cláudio quando lhe perguntou sobre a possibilidade de Mário ser seu
filho. O silêncio foi a resposta dada pelo professor. A professora problematizou estas
questões ao se colocar daquela maneira, aproximando aquilo que o professor expressava
com repúdio da vivência dele, proporcionando a reflexão. Esse aspecto revela que há
posicionamentos sobre diversidade de gênero e sexual que desestabilizam as normatizações
e que também estão presentes nos ambientes educacionais.
Perguntas como essas são comuns de ocorrerem em processos formativos de
professores/as. No entanto, diferentemente do professor Cláudio que se silenciou, muitas
vezes as/os professoras/es argumentam que aceitariam seus filhos, mas não desejariam que
isso ocorresse, como apontam Souza e Santos (2014). No trabalho desses autores realizado
na formação em serviço de um grupo de professoras/es não licenciadas/os, os/as docentes
que disseram apoiar seus/as filhos/as, reiteram, na maioria das vezes, que não gostariam
que isso acontecesse. É como se dissessem “se não tiver jeito eu apoio, mas espero que isso
nunca ocorra”. Em outras palavras, a aceitação da homossexualidade/lesbianidade pelos/as
docentes é acompanhada do desejo que essa situação não passe de uma hipótese, revelando
também o quão forte é o discurso normativo na construção da identidade docente.
Voltando ao caso do espaço formativo realizado na escola em que a Professora
Santos trabalha, no segundo encontro, uma das professoras retomou o episódio ocorrido no
primeiro dia e comentou que, ao se falar sobre gênero e sexualidade, as pessoas levam tudo
para o lado religioso e que, portanto, se a gente não continuar na luta, pode ser cada vez
pior. Esta outra professora também destoa do primeiro docente e passa a questionar: por
147
que o discurso religioso é tão potente quando se fala destas questões? Porque esse
incômodo tão grande por parte de algumas pessoas? Como os professores/as têm lidado
com essas questões?
A atitude de Cláudio suscita algumas outras discussões sobretudo as formas em que
os/as docentes têm lidado com as questões de gênero e diversidade sexual. Por que há tanta
resistência em assumir essas discussões?
Como apontado na introdução desse trabalho, diversas pesquisas realizadas mostram
que os/as professores/as apresentam limitações em trabalhar com essa temática, como
apresenta Marcos Lopes de Souza (2016) que, após analisar um trabalho formativo sobre
gênero e sexualidade com professores/as e estudantes de licenciatura, notou que muitos/as,
mesmo após a realização da formação se eximem em discutir a temática por medo da
reação dos familiares (dos/as alunos/as e deles) e colegas de trabalho, apesar de
reconhecerem a importância dessas discussões nos ambientes formais de educação.
Na tentativa de rastrear mais elementos que atravessaram esse processo formativo
indaguei a diretora o porquê de ter havido baixa adesão dos/as professores/as. Ela
respondeu que:
Eu acho que é mais uma habilidade, que eles não têm! A questão é que
você discutir essa temática você tem que ter além da clareza, você tem
que ter um linguajar e também você tem que ter um aprofundamento de
estudo, você tem que estudar muito! Para você não estar passando algo
que você deturpou... Então eu acho que é mais isso. A questão de você
aprofundar e estudar mais, de ler mais. Eu acredito que seja isso: ele quer
ficar só na disciplina dele, agregando coisa que já passou pela
universidade na época dele. O que eu vejo, no meu pensar (DIRETORA
LÚCIA).
Lúcia aborda duas direções em sua fala: a falta de interesse em discutir essas
temáticas por parte dos/as docentes e a ausência de uma habilidade específica para dialogar
148
Certamente, há pessoas que possuem mais traquejo para discutirem essas temáticas
que outras, assim como há pessoas que em uma área do conhecimento tem mais habilidade
em discutir um tema que outro, no entanto, isso não impossibilita que essa pessoa discuta a
temática, mesmo que de maneira cambiante. É importante salientar que mesmo esse
traquejo é uma produção, ele é percebido e produzido por um entendimento de que existe
uma forma “correta” de se discutir determinadas questões. Assim, acredito que sempre
haverá um pouco de insegurança em discutir temáticas que lidam com subjetividades, pois
não há caminhos que sejam completamente eficazes para todos os contextos. Mas há a
ideia de que existem pessoas que são especialistas em discutir a temática e isso,
geralmente, é utilizado pelos/as professores/as para se desviarem da realização desse tipo
de trabalho, delegando aos/às “especialistas”, sobretudo, da área de saúde que apresentam,
na maioria das vezes, uma visão prescritiva e preventiva da sexualidade, associando todo o
tempo às patologias, e estabelecendo essas discussões nos limites do discurso médico.
Parto da premissa de que os professores e as professoras são agentes importantes na
comunidade escolar para trabalhar com as diferenças subvertendo o sistema de ensino, e
que para isso um processo formativo inicial e contínuo bem elaborado pode favorecer que
149
Talvez possamos dizer que ninguém é especialista nessa tarefa e que, por
outro lado, todos somos dela encarregados; por isso, parece impossível
tratar da educação da sexualidade de nossos alunos e alunas como se essa
não nos afetasse: somos todos e todas arrastados nesse processo
(LOURO, 2012, p. 100, grifos meus).
A professora Santos refletiu sobre esses desafios que são imputados às pessoas que
se aventuram a discutir temáticas que lidam com subjetividades, sujeitos/as e diferenças e
aponta as razões de os/as professores/as terem dificuldades em assumir as discussões sobre
essas temáticas:
temos para esse grupo que nós chamamos de minoria. Nós ainda temos
uma sociedade muito eurocêntrica, mas assim uma sociedade elitizada,
mesmo sendo assalariadas. As pessoas mesmo sendo assalariadas se
acham burguesas e por se acharem burguesas se omitem de fazer muita,
discutir como diz... negritude e viadagem isso é coisa de gentinha, não é
coisa de burguesia. Entendeu? Por que os burgueses eles não discutem,
eles convivem, eles sabem que existem homossexuais, eles têm
relacionamento um com o outro, uma com a outra, mas não fazem a
discussão. Então muitos colegas se sentem burgueses mesmo sendo
assalariados e fingem que não existe o problema (PROFESSORA
SANTOS).
A professora retoma a ideia aqui já mencionada que muitos/as acreditam que para
discutir diversidade étnica, sexual, de gênero e outros marcadores sociais da diferença é
preciso fazer parte do grupo, pois essas pessoas serão marcadas como “gentinha”,
expressão comumente usada para diminuir valorativamente um grupo. O termo “gentinha”
é, muitas vezes, utilizado como uma forma de ofensa, mas ao que parece para se falar de
gentinha (gays, lésbicas, negros, bissexuais, transexuais, travestis etc.) é preciso ser
gentinha também, descer (pensando em uma perspectiva social estratificada) ao nível
dos/as excluídos/as para, de fato, percebê-los/as enquanto seres humanos dignos de direitos
iguais aos/às dos/as que estão na conformidade da norma. Assim, a construção das
diferenças não é problematizada e muitos/as que dizem aceitar/respeitar os/as dissidentes
continuam entendendo que diferença é sinônimo de anormalidade.
Outro termo que a professora Santos sugere a reflexão é “minoria”, que foi
designado aos grupos que não são considerados hegemônicos, todavia, essa nomenclatura
reforçou a conformação social desigualitária, por compreender que esses grupos são
numericamente menor. Além disso, muitos/as acreditavam/acreditam que esses/as
sujeitos/as não merecem a inserção social por serem naturalmente inferiores. Acredito, no
entanto, que essa nomenclatura possui um teor qualitativo e não quantitativo, pois a
população de mulheres é estatisticamente maior que a de homens e elas são minorias ao se
pensar em direitos e representatividades (FACCO, 2009).
Ocupar o lugar designado às minorias e estar à margem social não é cômodo. Não
digo que estar na hegemonia e nos padrões normativos seja sempre confortável, mas
carregar em si e em sua trajetória os estigmas sociais da diferença é, geralmente, um
processo marcado por dores, sofrimentos e discriminações, não que isso seja o suficiente
para evitar que as pessoas ultrapassem a fronteira do que é “permitido”, pois, elas
atravessam o tempo todo e das mais variadas formas. Em outras palavras, os/as dissidentes
existem e resistem às investidas sociais ultrajantes. Dessa forma, reconhecendo a
151
3.5 - “Ela fazia com que a gente fosse atrás, ela atiçava a gente e a escola”:
mobilizações e [des]caminhos
cada espaço e tempo que muitas diferenças são produzidas, reproduzidas, ensinadas e
estigmatizadas.
Desse modo, trago as mobilizações dessa professora e o trabalho que ela realiza
inscritos em um contexto muito mais amplo do que apenas o que envolve a sua prática
pedagógica, aproximando-me assim, das suas vivências, das articulações que atravessam
suas outras posições de sujeita que interpelam um ser que não é unificado, mas que tem
como característica a articulação das suas vivências com as suas abordagens pedagógicas.
Assim, pensar as mobilizações e os caminhos que ela percorre nessas discussões é
uma forma de contribuir para os processos que se dedicam na formação de professores/as
para as diferenças. Pontuo, que esses caminhos se entrelaçam com outros descaminhos,
que produzem uma prática cambiante, marcada por recuos, insegurança, receios e que,
muitas vezes, pode ser considerada [in]coerente. Lidar com as subjetividades que emergem
dessas temáticas no campo educacional é rodear a incoerência, pois muitas vezes os nossos
discursos batem de frente com o modelo em que fomos e somos produzidos/as,
possibilitando um caminhar marcado por conflitos e confrontos que podem nos paralisar ou
mover, quando não os fazem concomitantemente. Ou seja, falar sobre etnia, sexualidade e
gênero é, a princípio, colocar sob suspeita as nossas construções, para compreender quais
os contextos que produzem os discursos que nos envolvem. Assim, nesse subcapítulo me
proponho a dialogar sobre as mobilizações da professora Santos e sobre os processos
formativos e instâncias que contribuem para a manutenção das suas discussões sobre as
temáticas supracitadas. Nesse sentido, deixo as seguintes perguntas que são recheadas de
subjetividades e poderiam ser realizadas a muitas pessoas que se embrenham nesse campo
do conhecimento: O que nos move a discutir gênero e sexualidade? Quando e por que
decidimos discutir essas questões? Quais aspectos ainda nos impedem de discutir com mais
propriedade?
Utilizo essas questões no plural, pois falar sobre as mobilizações dessa professora é
também me questionar enquanto pesquisador e professor que em algum momento da minha
trajetória profissional e de vida decidi discutir, mais que isso, decidi lançar um novo olhar
para as diferenças e para um modelo de ensino que naturaliza as agressões e marcas
sociais. Na tentativa de perseguir essas questões perguntei a professora Santos quais os
motivos que a mobilizaram para discutir essas temáticas. Ela disse que:
153
21
Nome fictício da filha da professora Santos.
22
Bairro periférico da Cidade de Jequié-BA.
154
trabalho dela era o quê? Era trabalhar assim... cabelo, ela trabalhava com
cabelo muito bem. Aí ela ficou uns 3, 4 anos aqui em casa, vinha, dormia.
A princípio João 23 ficava naquela preocupação do que o povo ia pensar.
Eu dizia: “João, eu não tenho nada com o povo, porque quem paga as
minhas despesas sou eu”, mas ele não tava preocupado... é com a pessoa
dele, o que as pessoas iam pensar com ele. E aí, tudo isso terminava me
aproximando mais ainda da discussão, quando eu via aquele
sofrimento dela assim, uma menina boa. Se ela achava que ela tinha
que ser tratada como uma mulher, por que não? Eu não ia dizer para ela
que ela era uma mulher ou não. Se ela achava que ela era uma mulher... e
realmente no seu estereótipo era muito feminino, né? E essas coisas todas
terminaram me levando a refletir e ver assim, as questões, na realidade
sobre diversidade sexual, elas precisam sim ser discutidas, porque na
verdade estamos em meio a uma sociedade diversa e que nós não somos
donos da verdade, que nós não temos o poder de determinar quem deve
gostar de quem, quem deve se relacionar com quem (PROFESSORA
SANTOS).
alteridade que põe sob suspeita os argumentos de que é preciso fazer parte do grupo
estigmatizado para assumir essas discussões.
Não quero com isso dizer que a experiência é sinônimo de sofrimento e dor, ou
dizer que a experiência tem o sofrimento como substrato necessário para a sua existência,
tampouco desejo definir os limites possíveis para que a experiência exista, pois acredito
que a experiência ocorre no âmbito da subjetividade de cada pessoa, não sendo assim
possível estabelecer as suas condições de existência. Assim, Minha intenção é de refletir
sobre alguns atravessamentos, que somado a tantos outros, nos levam a discutir sobre essas
temáticas.
Seguindo essa direção, percebo que o trabalho com as diferenças perpassa
fortemente pelo campo da experiência, trazendo esse conceito na perspectiva de Jorge
Larrosa Bondía (2002). Apesar de ter abordado sobre esse conceito em páginas anteriores
(p. 26-27), desejo recuperá-lo brevemente para potencializar as reflexões ensaiadas.
De maneira bastante simplificada e talvez precipitada é possível dizer que a
experiência é “aquilo que nos acontece”, como algo que se experimenta, que se vive de
maneira singular e que passa a ter significância na vida do/da “sujeito/a da experiência”. É
importante perceber que nós estamos envolvidos no acontecimento, sendo assim, ele nos
passa, nos toca, nos [trans]forma. Outra característica da experiência é o movimento, ela
gera ação e mobilização dos/as sujeitos/as que a vivenciam. Em outras palavras, a
experiência é algo externo que reflete e mobiliza o interior daqueles/as que se expõem e
são expostos/as, pois outro princípio necessário para que haja a experiência é assumir o
risco da exposição, do toque, do contato. Ela é um atravessamento, nas palavras de
Larrosa: “[...] a experiência supõe que o acontecimento afeta a mim, que produz efeitos em
mim, no que eu sou, no que eu penso, no que eu sinto, no que eu sei, no que eu quero etc.”
(LARROSA, 2011, p. 7).
É importante salientar que a experiência é individual, ela é envolta nas
subjetividades dos/as sujeito/as, não é possível indicar caminhos “corretos” para se
vivenciar a experiência. Ou seja, é possível que várias pessoas vivenciem situações
semelhantes, mas que apenas [alg]uma[s] delas se permita[m] tocar, esteja[m] receptiva[s]
a vivenciar a transformação que a experiência produz. Dessa forma, ao fazer uma analogia
com a figura do pirata, Larrosa (2002) diz que: “O[/A] sujeito[/a] da experiência tem algo
desse ser fascinante [pirata] que se expõe atravessando um espaço indeterminado e
156
perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião”
(LARROSA, 2002, p. 25), e acrescenta em outro texto que o sujeito da experiência:
Foucault (2004) nos diz que: “uma experiência é sempre uma ficção; é algo que se
fabrica para si mesmo, que não existe antes e que existirá depois” (FOUCAULT, 2004, p.
45 apud FERRARI, 2013, p. 18). Ou seja, pensar na experiência é se atentar aos processos
de objetivação e subjetivação que envolvem as identificações que constroem os/as outros e
a nós mesmos, é um processo de ficção que fricciona as vivências do/a sujeito/a. Dessa
forma, a professora Santos enquanto sujeita da experiência, foi atravessada pelas vivências
que observou, e que também lhe tocaram, pois nesse processo houve a sua [trans]formação.
Ou seja, a experiência pode ocorrer de diversas formas, inclusive, a partir do olhar sensível
para a história do/a outro/a. É assim, um desprender-se de si mesmo, como nos diz
Foucault (2009) a experiência permite “[...] desgarrar al sujeto de sí mismo, de manera que
no sea ya el sujeto como tal, que sea completamente outro de sí mismo, de modo de llegar
a su aniquilación, su disociación[...]” (FOUCAULT, 2009, p. 12).
Além da proximidade com as pessoas LGBTTI, a professora também aponta as
formações que participou como potencializadoras do seu processo decisório.
24
Instituto Anísio Teixeira
25
Expressão comumente usada na Bahia como forma carinhosa de chamar as professoras.
157
Ou seja, ao que parece essa formação foi antecedida pelo desejo da professora em
discutir a diversidade sexual. Dessa forma, apesar das contribuições formativas na decisão
da docente em assumir essas discussões, o desejo antecedeu a formação. Ferrari e Castro
(2013) percebem que os/as professores/as que buscam processos formativos sobre
diversidade de gênero e sexual, geralmente, já lidam com as sexualidades dissidentes e
possuem o desejo de trabalhar com elas, de fazer relação com esse outro, mesmo que com
intuito de conhecer para dominar, corrigir e estabelecer essas vivências sexuais no campo
da diferença. Ou seja, os/as professores/as que se predispõem a participar de cursos sobre
essas temáticas são movidos, geralmente, pelo desejo, sentimento este que pode se
estabelecer em diversas perspectivas, mas que se destacam duas: o desejo de acolher e
respeitar e o desejo de corrigir e normatizar.
Talvez seja esse o motivo pelo qual tantos/as professores/as desistem dos cursos de
formação sobre gênero e sexualidade no decorrer do processo formativo, como pude
perceber ao lecionar durante o estágio docente realizado no mestrado em um curso de
extensão promovido pelo Orgão de Educação e Relações Étnicas - ODEERE. Quando
trabalhei no curso com o tema diversidade sexual muitos/as participantes buscaram
explicações com o teor: “de onde vem a homossexualidade?”, “Os homossexuais são
pessoas que foram abusadas na infância?”, “Como evitar que uma pessoa seja
homossexual?”. No entanto, não encontraram respostas para seus questionamentos, pois
problematizei quais discursos estavam envolvidos nessas perguntas, emergindo os
processos heteronormativos que nos fazem questionar, patologizar e buscar corrigir as
sexualidades dissidentes. Com o avançar do curso pude perceber uma evasão significativa
dos/as participantes, que talvez tenha ocorrido por não terem encontrado o apoio e o
receituário que promovessem as correções que desejavam, popularmente conhecida como
“cura gay”.
Nessa direção, Souza (2016) apresentou e discutiu sobre um curso de formação
sobre diversidade de gênero e sexual, realizado pela UESB, percebendo que a evasão é
corriqueira nos processos formativos que discutem essa temática. Pois, nos três anos em
que o curso foi ofertado (2009, 2010 e 2011) houve taxa alta de desistência, a saber,
respectivamente, 54%, 66% e 27,6%. Sobre essa questão o autor pontua três possíveis
barreiras que contribuem para essa desistência, quais sejam: “a) dificuldade em
158
discutir/debater sobre gênero e diversidade sexual especialmente por conta das questões
envolvendo homossexualidade e transexualidade; b) incompatibilidade de horário [...] e c)
o acúmulo de atividades nas escolas [...]” (SOUZA, 2016, p. 984).
Dessa forma, talvez seja pertinente dizer que o sucesso dos processos formativos
também depende do perfil do grupo e da disponibilidade de tempo. Retornando para a
formação vivenciada por Santos, ela contou sobre o projeto de intervenção que
desenvolveu na escola, que foi realizado em três etapas:
Apresentação e discussão do filme Longe do paraíso26;
Pesquisa de campo realizada pelos alunos com a comunidade escolar sobre a
homossexualidade;
Palestra com o professor que orienta essa dissertação sobre sexualidade e gênero.
Engraçado, Roni que a medida que as coisas iam acontecendo eles iam
mudando o olhar deles em relação à diversidade sexual, mesmo eles
achando que a bíblia condena, no caso, a homossexualidade, mas eu
deixava que a sociedade não deveria pensar desse jeito, deveria respeitar
a escolha de cada um. Eu achava isso fantástico. Por que eles diziam
assim: “professora, eu não concordo porque a Bíblia diz isso e isso e
isso... Agora eu acho que... por que eu tenho amigo que é, eu tenho amiga
que é.... que tem que ser respeitado a escolha de cada um”. Então a
medida que a gente ia fazendo a discussão eles iam se empoderando
dessas discussões e iam modificando também o pensamento deles e
isso terminava me dando cada vez mais assim, me encorajando para
que eu continuasse fazendo as discussões (PROFESSORA SANTOS).
26
“A história passa-se na América dos anos 50 e centra-se numa família "ideal" dos anos 50: Cathy é uma
dona de casa, mãe de crianças saudáveis e adoráveis, com um marido rico e preeminência social. Certa noite,
Cathy surpreende o marido na cama com outro homem e a sua vida parece entrar em colapso... Sem saber
bem o que fazer, Cathy vai encontrar um ombro amigo no jardineiro, Raymond, um afro-americano. Mas a
situação está longe de se tornar menos penosa, num período de acentuadas tensões raciais...”
Fonte: https://mag.sapo.pt/cinema/filmes/longe-do-paraiso
159
Chegou o dia de Marcos ir. Eu acho que Marcos passou um vídeo... Não
me lembro bem... Eu sei que ele foi e fez um trabalho muito bom com
eles e eu tinha dito para eles assim: “No final, vocês vão me dar um
relatório geral de todas as etapas, que é em cima desse relatório de vocês
que eu vou apresentar no final do curso”. Aí eles fizeram, depois eu levei
os resultados, apresentei e qual foi a minha conclusão, como eles também
disseram na sala. Teve uma aluna que disse assim: “Professora, nós só
temos dois grupos que nós ouvimos – isso é tão forte para mim que eu
não esqueço – nós só temos dois grupos que nós ouvimos, a família
que diz que é errado e a igreja que diz que é errado. A escola
professora, a escola não faz a discussão. A escola não faz a discussão
sobre a cultura afro, a escola não faz a discussão sobre a diversidade
160
como é que a gente tem feito?” [...] Tanto é, que depois do filme eu ainda
não consegui fazer a discussão com eles por uma coisa ou outra, quando
foi essa semana eles me chamaram e falaram: “Professora, nós queremos
que a senhora venha fazer a discussão do filme. Nós queremos discutir
com a senhora”. Eles pedem a discussão (PROFESSORA SANTOS).
O local de realização do evento estava lotado de pessoas que transitavam para vários
espaços, enquanto no palco cinco pastores fizeram, um a um, pregações que tinham como
foco a história do protestantismo. O que me chamou mais a atenção foi o último pastor a
discursar, que, após a sua explanação disse que não poderia deixar de citar uma questão,
dizendo que todos/as os/as protestantes deveriam protestar contra a perniciosa “ideologia
de gênero” e foi apresentando todos aqueles argumentos que são comumente utilizados
como forma de depreciar qualquer coisa que envolva gênero, como: “querem destruir
nossas famílias”, “querem nos dizer com quem devemos nos relacionar”, “querem dizer
que homem não é homem e mulher não é mulher”, “querem ensinar essas “idiotices” para
os nossos filhos” etc... Ele inclusive utilizou argumentos biológicos para legitimar a sua
abordagem. Por fim, ele disse: “Nós temos que declarar guerra contra a ideologia de
gênero e contra esses propagadores, a nossa ideologia é a ideologia de Gênesis. Se eles
estão querendo guerra, guerra eles terão!”. Nisso, as pessoas, como soldados/as prontos/as
para guerrear, aplaudiam entusiasmadamente, gritavam e falavam frases de acepção ao que
o pastor havia dito. Por fim, incomodado com essa situação, fui para casa antes mesmo do
início do show.
Percebo, portanto, que a relação de confronto e influência dessas instâncias na
educação é cada vez mais forte, como nos diz Junqueira:
[...] Não por acaso, o mundo da escola tem recebido grande atenção dos
integrantes dos movimentos antigênero. Ali, a defesa da primazia da
família na educação moral dos filhos se faz acompanhar de ataques aos
currículos e à liberdade docente, em nome do “direito a uma escola não-
ideológica” ou a uma “escola sem gênero”. Propostas educacionais
inclusivas, antidiscriminatórias, voltadas a valorizar a laicidade, o
pluralismo, a promover o reconhecimento da diferença e garantir o
caráter público e cidadão da formação escolar, tendem a ser percebidas e
denunciadas por esses movimentos como uma “ameaça à liberdade de
expressão, crença e consciência” daquelas famílias cujos valores morais e
religiosos (de ordem estritamente privada) são, segundo eles mesmos,
inconciliáveis com as normativas sobre direitos humanos produzidas por
instituições, como a ONU, “colonizadas pela agenda do gender”[...]
(JUNQUEIRA, 2017, p. 44).
atravessam, vigiam e definem qual o currículo que pode ser ensinado. O aluno
entrevistado, Bruno, também desejava que essas temáticas fossem discutidas:
Eu acho que Santos traz muito o que a escola precisa, não era nem tanto
que ela trazia aquilo por causa da religião dela ou por causa do trabalho
dela sobre sexualidade. Ela trazia isso porque ela via a necessidade que
outros professores podiam trabalhar e não trabalhavam e ela via a
carência que a escola tinha, por que ela podia muito bem trazer sobre a
história que estava lá no livro, mandar a gente ler e fazer um resumo e
pronto... O dinheiro dela ela estava ganhando, mas não ela se importava
em trazer outras coisas a mais, ela trazia a sexualidade, ela trazia oficina.
Ela fazia com que a gente fosse atrás, ela atiçava a gente e a escola
também (ALUNO BRUNO).
A professora Santos disse perceber o respeito que a comunidade escolar tem por
ela, dizendo: “Eu sei... Olha, eu sei que meus colegas me respeitam muito. Todos eles me
respeitam”. Assim, ao ser questionada sobre por qual motivo ela acreditava ter essa
notoriedade e respeito da comunidade escolar, ela disse que:
Sim, as nossas lutas são importantes e elas produzem efeitos e impactos, muitas
vezes precisamos recuar, redirecionar a nossa prática, reavaliando os nossos
enfrentamentos e modificando as nossas formas de agir para que as resistências sejam mais
efetivas, como também ocorreu com Santos, no decorrer do seu caminhar nessas
discussões. Ela modificou as suas estratégias, como fica marcado nesse excerto:
Sobre essa questão podemos refletir acerca do que poderia significar criar
uma “caixinha” na escola para colocar a sexualidade e sua discussão.
Imagino que poder-se-ia abrir a caixa, deixá-la visível, manipulável, fazê-
la falar e deixar que se fale dela. De outro modo, pode-se também fechar
a caixa, cercá-la de segredos, mistificá-la, conceder suas chaves somente
165
demérito. Na verdade, não acredito que em algum momento esse trabalho antigiu a
completude, pois as possibilidades de reflexões são inesgotáveis. Finalizo o texto por falta
de tempo, por necessidade de cumprir os prazos, mais que isso, para singrar novos
caminhos com a bagagem construída nesses trajetos já percorridos. Talvez esse seja um
processo de desprender-me. Assim, considero essa seção do texto como uma cortina que se
fecha abruptamente enquanto o espetáculo continua a acontecer, como uma forma de
obrigar os espectadores a se levantarem levando consigo o desejo de permanecer. Ainda
havia muito a ser vivido, dito e escrito. Dessa forma, ao invés de pensar em concluir eu
prefiro me deter em apenas uma questão: o que ficou de todo esse processo?
Trago esse questionamento de maneira bastante particular, pois acredito que cada
pessoa que participou ou leu [d]esse trabalho poderia respondê-lo de maneira diferente. O
que fica é sempre uma propriedade do sujeito estabelecida no âmbito de sua subjetividade.
Assim, antes de compartilhar os meus pensamentos, quero convidar você, leitor ou/e
leitora, a refletir sobre o que ficou para você nessa leitura. Como nos diz Larrosa (2011),
quando eu leio qualquer texto o importante não é a forma em que o/a autor/a pensa, ou o
que eu posso pensar sobre aquilo que o/a autor/a escreveu, “[...] o importante, desde o
ponto de vista da experiência, é que a leitura [...] pode ajudar-me a formar ou transformar
meu próprio pensamento, a pensar por mim mesmo, em primeira pessoa, com minhas
próprias ideias” (LARROSA, 2011, p. 11). Assim, acho que mais importante do que
fornecer respostas prontas ou conclusões bem elaboradas é suscitar reflexões.
Na tentativa de ensaiar mais algumas reflexões, recupero a questão que direcionou
essa pesquisa: quais os discursos sobre etnicidade, gênero e sexualidade que emergem do
trabalho desenvolvido por uma professora com as questões das diferenças em uma escola
periférica? É bastante tentador responder essa questão de maneira consonante com as
tantas teses e dissertações que demonstram que os/as professores/as não discutem essas
questões e quando o fazem reiteram preconceitos, normatizações e olhares discriminatórios
para as diferenças. Apesar de compreender que essas reflexões dizem de uma realidade
corriqueira nos espaços educativos e que também foi apresentada nessa pesquisa, tenho
especial interesse em emergir as resistências que estiveram presentes nessa pesquisa, pois
esse é o foco dela. Falar sobre uma professora que trabalha essas questões em sua prática
pedagógica cotidiana é trazer a resistência para o cerne da pesquisa, fazendo desse aspecto
uma forma de direcionar o pensamento, como uma bússola invertida que aponta outras
direções para além do norte.
168
Dessa forma, talvez seja interessante nos questionar: por que essas religiões
possuem tanta autoridade no ambiente educativo? Quais as contribuições e perdas que são
geradas por esse adentrar religioso no campo educacional? Algumas vezes tenho a
impressão que a educação é o espaço em que todos/as se sentem com autoridade para
opinar, mais que isso, para determinar como ela deve direcionar suas práticas e isso tem
feito da escola, muitas vezes, um espaço potencializador dos estigmas sociais. Não quero
defender aqui uma educação totalitarista, mas penso que a educação deve ter uma
“substância”, uma direção pautada no direito à diferença, assim, defendo um
posicionamento que direcione uma prática educativa não discriminatória acolhedora da
diversidade étnica, racial, de gênero e sexual.
Em tempos de disputas, muitas vezes marcados por retrocessos e conservadorismos,
como o que temos vivido nos últimos anos, talvez pareça utópico pensar nessa educação
idealizada. Mas penso que é necessário resistirmos, como a professora Santos que
modificou a rota, que alterou a forma de realizar o trabalho, mas não abriu mão de lutar
pelo que acredita e de perceber a escola como espaço importante para as discussões sobre
etnia, gênero e sexualidade. Assim, é preciso reconhecer que recuar e dar alguns passos
para trás nem sempre é sinal de desistência ou fraqueza, mas pode ser também uma forma
astuta de enfrentar, de existir e resistir. É também importante perceber que por mais que as
forças concorrentes falem alto, gritem e se posicionem veemente, possibilitando que o
sentimento de solidão insista em se fazer presente, é necessário reconhecer que o apoio
também existe, há pessoas que concordam com as nossas lutas, com as nossas discussões e
que, de alguma forma, estão conosco, mesmo que elas não expressem da forma que
desejamos, mesmo que o apoio não seja demonstrado por palavras, mas por olhares,
sorrisos e até silenciamentos.
Ainda assim, se faz necessário que mais professores/as se juntem na manutenção
dessas discussões nas escolas, que outras vozes de apoio ecoem, formando uma rede de
profissionais comprometidos/as e implicados/as com essas temáticas, a fim de tornar essas
questões mais cotidianas, diminuindo, desse modo, o caráter de eventualidade que perpassa
esses conteúdos. Talvez os discursos conservadoristas avançaram tão fortemente sobre a
prática pedagógica da professora Santos por ela não ter o apoio que necessitava para
romper com o estigma gerado por falar do que mais ninguém abordava na instituição.
Enquanto muitos/as docentes insistem em escamotear as discussões sobre os
marcadores sociais da diferença das suas práticas pedagógica, destaca-se a coragem da
170
[...] los libros que escribo representan para mi uma experiência que deseo
que se alo más rica posible. Al atravesar uma experiencia, se produce um
cambio. Si tuviera que escribir um libro para comunicar lo que ya sé,
nunca tendría el valor de comenzarlo. Escribo precisamente porque no sé
todavia qué pensar sobre um tema que atrae mi atención. Al plantearlo
así, el libro me transforma, cambia mis puntos de vista. Como
consecuencia, cada nuevo libro altera profundamente los términos de los
conceptos alcanzados em los trabajos anteriores (FOUCAULT, 2009, p.
9).
Assim, o que posso dizer é que para mim fica a esperança e o sentimento de que por
mais fortes que sejam as normatizações e forças sociais que nos empurram para lugares
subjacentes, há pessoas que se mobilizam e buscam, mesmo com todas as limitações, fazer
da educação um espaço de acolhida e respeito às diferenças. Somo-me enquanto
pesquisador e, principalmente, como professor a esses profissionais que movimentam essas
questões nos espaços escolares, que assumem as discussões da diferença por acreditarem
que a transformação ocorre também pelo conhecimento construído nesses espaços. Assim,
me sinto encorajado a assumir as palavras de Paulo Freire:
171
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR. S. O segundo sexo: fatos e mitos. 4ª Ed. São Paulo: Difusão Europeia do
Livro, 1970.
BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo; In: LOURO, G. L.
(org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica,
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FERRARI, A. Você já deve saber sobre minha “orientação sexual” (se não sabia, ficou
sabendo agora, hehe!) – subjetividades e sujeitos e negociação. In: FERRARI, A. Sujeitos,
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Investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lamparina Editora, 2007.
WAGNER, R. A Invenção da Cultura. 3ª. ed. São Paulo: COSAC NAIFY, 2010.
APÊNDICES
Prezado(a),
Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar da pesquisa
““Discutindo Gênero, Sexualidade e Cultura Afro-Brasileira Em Uma Escola
Periférica: As Mobilizações De Uma Professora””. Neste estudo pretendemos Analisar
os discursos sobre etnicidade, gênero e sexualidade que emergem do trabalho desenvolvido
por uma professora com as questões das diferenças em uma escola periférica. O motivo
que nos leva a estudar esse assunto é a necessidade da inclusão das discussões das
diferenças no ambiente escolar, favorecendo a redução dos processos discriminatórios e
excludentes que pessoas que não estão no padrão sofrem no decorrer de suas vidas. Para
este estudo adotaremos o(s) seguinte(s) procedimento(s): entrevista com perguntas
relacionadas a inserção das discussões sobre cultura afro-brasileira, gênero e diversidade
sexual, bem como o trabalho que a professora tem realizado nessa escola.
Você não terá nenhum custo, nem receberá qualquer vantagem financeira. Você
será esclarecido(a) em todas as formas que desejar e estará livre para participar ou recusar-
se. Você poderá retirar o consentimento ou interromper a sua participação a qualquer
momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não causará qualquer
punição ou modificação na forma em que é atendido(a) pelo pesquisador que irá tratar a
sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Você não será identificado em
nenhuma publicação. Este estudo apresenta risco mínimo, como não se sentir a vontade em
responder alguma pergunta, no entanto, poderá a qualquer momento dizer que não deseja
responder aquela pergunta, ou até que não quer realizar a entrevista. Além disso, você tem
assegurado o direito a compensação ou indenização no caso de quaisquer danos
eventualmente produzidos pela pesquisa. Os benefícios deste estudo são: contribuir para o
campo das discussões a cerca das diferenças, ao entender que a mobilização de uma
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professora que discute essas temáticas fortalece as discussões sobre gênero, cultura afro-
brasileira e sexualidade. A compreensão desse movimento pode contribuir para que
outros/as professores/as repensem o contato com a temática e, possivelmente, a discutam
em suas práticas pedagógicas.
Além disso, contribuirá também para gerar um mapeamento dos limites e
possibilidades da inserção dessas temáticas no ambiente escolar, bem como, sugerir formas
metodológicas em que essas abordagens sejam trabalhadas.
Os resultados estarão à sua disposição quando finalizados. Seu nome ou o material
que indique sua participação não será liberado sem a sua permissão. Os dados e
instrumentos utilizados na pesquisa ficarão arquivados com o pesquisador responsável por
um período de 5 anos, e após esse tempo serão destruídos. Este termo de consentimento
encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada pelo pesquisador
responsável, e a outra será fornecida a você.
________________________________
________________________________
Assinatura do(a) pesquisador(a)
Assinatura do(a) participante
TERMO DE ASSENTIMENTO
Este estudo apresenta risco mínimo, isto é, o mesmo risco existente em atividades rotineiras como
conversar, tomar banho, ler etc.
Os resultados estarão à sua disposição quando finalizada. Seu nome ou o material que
indique sua participação não será liberado sem a permissão do responsável por você. Os dados e
instrumentos utilizados na pesquisa ficarão arquivados com o pesquisador responsável por um
período de 5 anos, e após esse tempo serão destruídos. Este termo de consentimento encontra-se
impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada pelo pesquisador responsável, e a outra
será fornecida a você.
___________________________ ________________________________
Assinatura do(a) menor Assinatura do(a) pesquisador(a)
_________________________ _________________________
Participante da pesquisa Pesquisador responsável pelo projeto
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ANEXOS