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N 1
TEMPO PSICANALÍTICO
50.1, 2018
Editor Responsável:
Pedro Sobrino Laureano Conselho Editorial
Ana Cleide Guedes Moreira - UFPA
Editora Adjunta: Ângela Maria Resende Vorcaro - UFMG
Daniela Teixeira Dutra Viola Anna Carolina Lo Bianco - UFRJ
Alexandra de Gouvêa Vianna Antônio Márcio Ribeiro Teixeira - UFMG
Edilene Freire de Queiroz - UNICAP
Comissão Executiva: Francisco Moacir de Melo Catunda Martins - UNB
Adelina Helena de Freitas Fuad Kyrillos Neto. UFSJ
José Durval C. Cavalcanti de Albuquerque
Luiz Augusto Monnerat Celes - UNB
Assistente de Edição: Luiz Eduardo Prado de Oliveira - Paris 7, França
Lucília Soares Marco Antônio Coutinho Jorge - UERJ
Marta Gerez Ambertín - UNT, Argentina
Revisão: Nelson da Silva Júnior - USP
Sandra Felgueiras Octavio Almeida de Souza - Fiocruz
Raul Albino Pacheco Filho - PUC - SP
Diagramação: Ricardo Salztrager - Unirio
Marco Aurélio Costa Santiago
ISSN 0101-4838
Linha Editorial
A revista Tempo Psicanalítico é uma publicação semestral de trabalhos originais que se
enquadrem em alguma das seguintes categorias: estudos teórico-clínicos, relatos de
pesquisa, revisões críticas da literatura, relatos de experiência profissional, notas técnicas
e resenhas na área da Psicanálise e áreas relacionadas. Excepcionalmente serão publicados
artigos não originais, de difícil acesso e/ou traduções.
SPID
Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle
Janeiro/Junho - 2018
Sumário
Editorial
Os tempos psicanalíticos
Daniela Teixeira Dutra Viola 6
Artigos
Musicalidade e psicanálise
Bruno Gonçalves dos Santos e
Gustavo Henrique Dionísio 301
Resenha
Ferenczi na contemporaneidade
Joel Birman 354
6l issn 0101-4838
Editorial
Os tempos psicanalíticos
Daniela Teixeira Dutra Viola*
até então, mas sim relativo a cada observador, estão plasmadas num
cenário cultural mais amplo com importantes implicações subjetivas. Nas
palavras de Stephen Hawking (1988/2015):
O fato de ninguém ter sugerido que o universo estivesse se expandindo
ou se contraindo é um reflexo interessante do clima geral do pensamento
anterior ao século XX. De modo geral, aceitava-se que ou o universo
sempre existira em um estado inalterado ou fora criado em um tempo
finito no passado, mais ou menos da maneira como o vemos hoje. Em
parte, isso talvez se devesse à tendência das pessoas de acreditar em
verdades perpétuas, bem como no conforto de pensar que, ainda que
venhamos a envelhecer e morrer, o universo é eterno e imutável. (p. 17)
Um tempo psicanalítico
A teoria freudiana do inconsciente – e, consequentemente, da
sexualidade – é também uma teoria sobre o tempo. Mais próximo da
temporalidade transcendental da terceira margem, de Rosa (1962/2005),
ou das figuras do rio, do tigre e do fogo, na metáfora de Borges
(1960/1999), que do tempo contado e apressado do relógio, cada vez
mais onipresente e acoplado aos corpos na era do smartphone, o tempo
psicanalítico não é óbvio, não é linear, não é cronológico. Desde o
início de sua obra, Freud apresenta uma abordagem original do tempo
a partir da experiência na clínica, espaço-tempo tecido por narrativas da
memória, do esquecimento e do imemorial. Para termos uma ideia da
abrangência do pensamento sobre o tempo ao longo da obra freudiana,
vamos sobrevoar, a seguir, algumas de suas vertentes.
No Projeto para uma psicologia científica (1895 [1950]/1996),
encontramos um importante extrato clínico, o “caso Emma”, que já
permite apreender a complexidade temporal em jogo no trauma. A
engenhosa apresentação das duas cenas que compõem essa condensada
história clínica põe em relevo um tempo peculiar. Na lógica narrativa,
um evento mais recente na linha cronológica é anterior a um mais
longínquo, pois este só passa a existir na fala da paciente a partir de um
movimento retroativo de ressignificação. “Constatamos invariavelmente
que se recalcam lembranças que só se tornaram traumáticas por ação
vida sensível, uma vez que esta não precisa sobreviver e, por isso, é
independente da duração absoluta do tempo. (p. 222).
Referências
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Rio de Janeiro: Editora Globo.
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trad., vol. 1). Rio de Janeiro: Imago. pp. 335-454.
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publicações psicanalíticas. (J. Salomão, trad., vol. 1). Rio de Janeiro:
Imago. pp. 285-304.
Freud, S. (1916/2015). Transitoriedade. S. Freud. Arte, literatura e os
artistas. (E. Chaves, trad.). Belo Horizonte: Autêntica. pp. 221-225.
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pessoa imparcial. S. Freud. Fundamentos da clínica psicanalítica. (C.
Dornbusch, trad.). Belo Horizonte: Autêntica. pp. 205-314.
Hawking, S. (1988/2015). Uma breve história do tempo. (C. A. Leite,
trad.). Rio de Janeiro: Intrínseca.
Rosa, J. G. (1962/2005). A terceira margem do rio. J. G. Rosa. Primeiras
estórias. São Paulo: Nova fronteira.
Resumo
Tendo como referência conceitos psicanalíticos, este texto se propõe
fazer o que poderíamos chamar de uma clínica do social. Ele defende
que a verdade subjetiva de uma dada sociedade não seria apreensível
em si, mas também não existiria apenas do lado de fora como algo
inalcançável. A verdade se produziria como efeito a partir da sustentação
das consequências da impossível colocação em cena da alteridade que nos
é mais íntima. Essa alteridade, que é o que chamaríamos de Outro, seria a
nossa ex-timidade inapreensível, ingovernável, que teria sido condenada
ao silêncio em nome da estabilização de um dado mundo.
Palavras-chave: sociedade; sujeito; verdade; alteridade; ideologia.
Resumen
Considerando como referencia conceptos psicoanalíticos, este texto
se propone a realizar aquello que podríamos denominar una clínica del
*
Professor do Programa de Pós-graduação do Departamento de Psicologia da
UFMG.
pode diminuir, pode ir além, muito além, como dizia Estamira; ele não
é limitado como pensa a administração. Território é definido por uma
frase: nós somos daqui e queremos ficar aqui.
Na rede de saúde mental, posso lembrar a sala de espera como um lugar onde
há indícios de território. As conversas rolam soltas, os gestos, a estratégia das
falas pouco tem a ver com o “diálogo” travado quando o paciente é levado
para a sala de atendimento. De repente, muda o cenário. Já não é o território,
nem as falas faladas no território (Garcia, 2011, p. 24-25).
Este termo, território, tão caro ao geógrafo Milton Santos (Santos, &
Becket, 2007), um dos primeiros a teorizá-lo, possibilita-nos conceber
o sujeito vinculado a um lançamento, a partir de acontecimentos
localmente situados, tornando operacionável uma conciliação impossível
que teria existido, no futuro do pretérito, entre o local e o global. Um
coletivo não é uma unidade fechada, mesmo que nele possamos conceber
um para todos. E sua efêmera e impalpável existência será aquela da
urgência que o determinou.
Um movimento que se possa chamar realmente de político não se
submete à objetividade das instituições e regras compartilhadas, apresenta-
se como uma afirmação genuína, independente das negatividades ou
oposições que vão se constituindo a partir de seu efeito subversivo. Uma
afirmação que se coloca não apenas como passo fundador, mas como o
motor de todo o processo, naquilo que Alain Badiou (2013) nomeou por
dialética afirmativa, em oposição à dialética hegeliana, na qual a negação
e a superação desta seriam a essência do pensamento. Essa afirmação
genuína, no lugar de se contrapor, se processaria como uma suplementação
subversiva, acabando por desembocar, num tempo posterior, não
propriamente na destruição da estabilidade que ficticiamente existiria
antes, mas na perda da necessidade de sua permanência.
A imanência da alteridade
Viveiros de Castro (2012), ao trabalhar o que ele considera serem
as questões fundamentais da antropologia na atualidade, nos diz de
um esmaecimento contemporâneo dos limites estanques não apenas
entre observador e observado, mas, mais radicalmente, entre natureza
e cultura. Essa oposição originária fundacional das ciências sociais teria
Semblante e verdade
Lacan propõe que “tudo o que é discurso só pode dar-se como
semblante” (Lacan, 1971/2009, p. 15). E, para ele, não há como escapar
do discurso, pois não há como existir sem estar referenciado a algum
tipo de laço social. Poderíamos, então, nos perguntarmos: condenados
que somos a transitar pelos semblantes, seria vedado, para nós, o acesso a
verdades? Estaríamos condenados, por meio de metalinguagens, a apenas
supor a existência de verdades, mas sem jamais sermos tocados por elas?
Lacan, porém, refuta a existência de metalinguagens que nos possibilitem
representar as verdades. Não existe, para ele, “semblante de discurso, não
existe metalinguagem para julgá-lo, não existe Outro do Outro, não existe
verdade sobre a verdade” (Lacan, 1971/2009, p. 14). Mas nem por isso, e
aqui o psicanalista francês é taxativo, a verdade, enquanto efeito, deixaria de
existir. E esse efeito, definitivamente, “não é semblante” (Lacan, 1971/2009,
p. 14). Baseando-se na banda de Moebius (olha ela aqui de novo!), Lacan vai
dizer que a verdade “só é verdadeira por suas consequências, [...] na medida
em que é verdadeiramente seguida” (Lacan, 1971/2009, p. 13).
Tendo como referência essas considerações, e introduzindo para
a discussão o Real lacaniano, o filósofo esloveno Slavoj Zizek propõe
retirarmos daí consequências políticas:
O mínimo que se pode dizer é que a teoria de Lacan abre um outro
caminho, o que se pode chamar de uma política de travessia da fantasia:
uma política que não ofusca os antagonismos sociais, mas confronta-os,
uma política que não visa apenas “realizar um sonho impossível” mas a
prática de um “discurso (laço social) que não seria o de um semblante”
(Lacan), um discurso que toca/perturba o Real (Zizek, 2016, p. 1).
No atrito entre dois mundos diferentes (seja entre duas culturas, seja
dentro de uma mesma cultura), trata-se, então, de apreender a diferença
não como absoluta falta de ressonância, mas de concebê-la como
Fantasia e ideologia
Para Zizek, a fantasia freudiana é o que concede sentido aos “pontos
de impossibilidade, bloqueios imanentes, antagonismos, em torno do
Real” (Zizek, 2016, p. 12). Mas ela, em si, é sem sentido. E uma das
formas de ela se operacionalizar, concedendo sentido, é pelo mecanismo
de projeção, fazendo existir “fora” o non-sense que lhe é inerente.
Imanentizar esse non-sense, escolha que o tornaria operacional sem
necessitar de segregações, seria o que Zizek propõe ser um dos objetivos,
talvez o principal, do processo analítico.
A fantasia é, ao mesmo tempo, o non-sense que nos inscreve, e aquilo
que permite o lançamento, a partir desse mesmo non-sense (ou seja, de si
Referências
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politique/#more-1354>.
Nota
Gerbase, J., Corpo furado, tórico, conferência proferida no “7 Encontro Brasileiro
1
A psicanálise e o
Um-dividualismo moderno
Márcia Rosa*
Resumo
Para tratar a relação da psicanálise com a modernidade e o individualismo,
para indagar a possibilidade de nos servirmos do percurso do ensino de
Lacan, que leva à existência e ao corpo, na discussão de questões políticas
contemporâneas, começamos por um debate sobre a comunidade proposto
pela Filosofia Política, com o qual interrogamos o “ser-em-comum” e o
“nada-em-comum”. Em seguida, encontramos Lacan e a tese de que “o
inconsciente é a política”. Com ela, passamos a nos servir do Discurso do
Mestre para pensar o Um, o Significante-Mestre em posição de agente do
laço social. A partir daí, o mestre contemporâneo nos mostra a dominação
de questões econômicas e não apenas políticas. Enfim, uma formulação
vinda da Sociologia, caracterizando como singleness a modernidade do
século XVIII e como uniqueness a modernidade do século XIX, nos dará
passagem para articularmos a tese lacaniana, “o inconsciente é a política”,
à existência e ao corpo.
Palavras-chave: psicanálise; modernidade; individualismo; comunidade;
singleness.
politics”. With it, we begin to use the Master’s Speech to think the One, the
Significant Master in the position of agent of the social bond. From there,
the contemporary master shows us the domination of economic issues, not just
political ones. In short, a formulation coming from Sociology, characterizing
as singleness the modernity of the eighteenth century and as uniqueness the
modernity of the nineteenth century, will give us passage to articulate the
Lacanian thesis, “the unconscious is politics”, to the existence and the body.
Keywords: psychoanalysis; modernity; individualism; community; singleness.
Conclusão
Levantamos no decorrer deste trabalho a hipótese de que as políticas
regidas pela lógica das comunidades agrupadas em termos dos ideais ou
dos modos de gozo, i.é., através dos traços identificatórios (por exemplo,
movimentos feministas, LGBT, etc.) ou dos modos de gozo (comunidade
das anorexias-bulimias, etc.), são políticas do singleness, regidas pelo S1,
mesmo quando o Significante–Mestre (S1) opera aí como signo de gozo.
Por outro lado, em uma política tomada na vertente do uniqueness, os traços
identificatórios são franqueados e isso dá passagem para um registro e um
atravessamento da experiência de modo absolutamente só, singular, único.
Nesse caso, um mesmo acontecimento é registrado e assimilado de modo
absolutamente singular por cada um. Dizemos, então, de uma política do
sinthome na qual opera aquilo que o sujeito tem de mais singular.
Referências
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Minuit.
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Nota
No texto original em alemão, o termo para o individualismo qualitativo é Einzigkeit
1
Resumo
Neste artigo são propostas diretrizes para se pensar a noção
de inibição na teoria freudiana, entendendo-se por inibição a
experiência de se ter dificuldade de agir. Para tanto, é realizada uma
contextualização histórica do termo inibição no campo científico,
seguida da identificação dos diferentes usos que Freud dele faz em
sua obra. A partir da formulação de que a inibição é a restrição de
uma função do eu e indicação de alguns problemas de tradução do
termo, delimita-se seu contorno no interior da trama de conceitos
metapsicológicos. Finalmente, são apresentadas duas figuras: a
inibição dinâmica e a inibição econômica.
Palavras-chave: inibição; metapsicologia; psicanálise; Freud.
*
Psicólogo, doutorando no Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica
(UFRJ), bolsista da CAPES, membro do grupo de pesquisa Trauma e Catástrofe.
**
Psicanalista; Professora associada do Programa de Pós-graduação em Teoria
Psicanalítica do Instituto de Psicologia da UFRJ; Bolsista pesquisadora do
CNPq; Coordenadora do NEPECC (Núcleo de Estudos em Psicanálise e
Clínica da Contemporaneidade); Membro do Grupo de Pesquisa Trauma
e Catástrofe coordenado por Joel Birman (UFRJ) e Christian Hoffmann
(Université Paris-Diderot).
O último texto citado não apenas traz a inibição em seu título, como
também encerra uma tentativa de Freud em trabalhá-la conceitualmente.
Ora, segundo a definição psicanalítica de sintoma, não faz sentido a
distinção entre sintomas positivos e negativos: tal classificação não teria
outra função senão a de descrever fenômenos clínicos. Não obstante,
Freud (1926/2014) afirma que a inibição pode ser entendida como uma
noção metapsicológica. Isso significa dizer que ela não se confunde com
o conceito de sintoma e, ao mesmo tempo, que não se reduz – e muito
menos se adéqua – à categoria descritiva dos sintomas negativos.
Ao comparar a inibição com o sintoma, distingui-la do recalque e
entender que possui um mecanismo metapsicológico autônomo na trama
de conceitos metapsicológicos, Freud estabelece duas consequências de
peso para o estudo da inibição (Câmara, 2015). Em primeiro lugar, ela não
se inspira em uma acepção neurofisiológica, como foi o caso do conceito
de inibição enquanto ocupação neuronal lateral no Entwurf (Freud,
1895/1995). Ela se baseia, sim, no uso da palavra em um sentido descritivo,
tal como consolidado por Kraepelin e Bleuler na mesma época (década de
1920). Neste caso, a inibição é empregada no sentido de designar uma
limitação na capacidade funcional do sujeito (Freud, 1926/2014), e não
para elaborar um constructo teórico sobre o funcionamento do aparelho
psíquico. Em segundo lugar, este sentido de inibição – enquanto um termo
clínico-descritivo – é legitimado como matriz da noção metapsicológica
de inibição. Portanto, se a inibição atrelada a um sentido fisiológico foi
dispensada em detrimento do conceito de recalque, em uma acepção
descritiva, fenomenológica, clínica, foi eleita para se tornar a base a partir
da qual a noção de inibição deve ser construída.
Referências
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Janeiro: Jorge Zahar Ed.
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de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil.
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Cadernos de Psicanálise do CPRJ, 32(37), 159-173.
Câmara, L., & Herzog, R. (2017). Trauma e inibição. Artigo sob
avaliação.
Birman, J. (2003). Freud e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Breuer, J., & Freud, S. (2006). Estudos sobre histeria. In Freud, S.
[Autor], Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud, v. 2. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em
1895)
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[Autor], Gesammelte werke. (Band 1). London: Imago. (Original
publicado em 1892-1893)
Freud, S. (1955). Hemmung, Symptom und Angst. In Freud, S. [Autor],
Gesammelte werke. (Band 14). London: Imago. (Original publicado
em 1926)
Freud, S. (1976). Inhibición, síntoma y angustia. In Freud, S. [Autor],
Obras completas, v. 20. Buenos Aires: Amorrortu editores. (Original
publicado em 1926)
Freud, S. (1993). Inhibition, symptôme et angoisse. Paris: Presses
Universitaires de France. (Original publicado em 1926)
Freud, S. (1995). Projeto de uma psicologia. Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (2006a). Um caso de cura pelo hipnotismo. In Freud, S.
[Autor], Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud, v. I. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em
1892-1893)
Notas
1
Não apresentaremos todas as situações em que o termo aparece nos textos de
Freud. Para uma lista mais completa, vide Ribas, 1996.
2
Traduções consultadas: Freud, 1976; 1993; 2006g; 2014. Na tradução francesa
(Freud, 1993), os editores acrescentam um asterisco quando o termo aparece
como Inhibition ao invés de Hemmung. A propósito dessa distinção, conferir a
sequência de nossa argumentação.
Resumo
O presente estudo partiu de uma pesquisa-extensão com jovens que
se encontram em regime de Internação Provisória (IP), suspeitos de
terem cometido atos considerados infracionais. Através do dispositivo
que temos chamado de Rodas de R.A.P., oferecemos um espaço de
fala e de escuta a esse grupo de adolescentes que aguardava, em uma
Instituição Socioeducativa, a deliberação de uma sentença – uma
medida socioeducativa de meio aberto, de restrição ou de privação de
liberdade – ou mesmo de seu desligamento. Escolhemos a denominada
IP por esta ser a porta de entrada da Instituição e por considerarmos
esse momento inicial como um tempo de muita angústia, quando se
faz necessária uma escuta mais atenta aos meninos que se envolvem em
situações de conflito com a lei. Nessa experiência, ao debruçarmo-nos
sobre o tema da ética passível de sustentar a intervenção do pesquisador-
psicanalista na socioeducação, pretendemos problematizar a discussão
metodológica acerca da construção de dispositivos de escuta no âmbito
das Políticas Públicas infanto-juvenis, especialmente no que se refere às
políticas de socioeducação.
Palavras-chave: psicanálise; ética; adolescência; socioeducação; rap.
*
Psicanalista, membro da APPOA. Profª. do Departamento de Psicanálise e
Psicopatologia (UFRGS) e orientadora no Programa de Pós-graduação de
Psicanálise: clínica e cultura (UFRGS). Membro da Rede Internacional de
Infância e Adolescência (INFEIES). Co-coord. do Núcleo de Pesquisa em
Psicanálise, Educação e Cultura (NUPPEC). Pesquisadora colaboradora do
Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (USP). Autora do livro Três
Ensaios sobre Juventude e Violência (Escuta, 2012).
**
Psicóloga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Mestranda do Programa de Pós-graduação de Psicanálise: clínica e cultura
(UFRGS). Pesquisadora vinculada ao eixo Psicanálise, Educação, Adolescência
e Socioeducação do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura
(NUPPEC/UFRGS).
Abstract
The present study was based on a research-extension with adolescents who
are in a Provisional Internment (IP) regime, suspected of having committed
acts considered to be against the law. Trough the device we have named
R.A.P. Circles, we offer a space for talking and listening to this group of
adolescents who were waiting in a socioeducation institution for a sentence
– socioeducational measure of open way, of restriction or deprivation of
liberty – or even of its termination. We chose the so-called IP for this to
be the institution’s kind of input door and because we consider this initial
moment as a time of great distress, when it becomes necessary to listen more
attentively to the adolescents who are involved in situations of conflict with
the law. In this experience, as we look at the ethical issue that can sustain the
intervention of the psychoanalyst-researcher in the socioeducation system, we
intend to problematize a methodological discussion about the construction of
listening devices within the framework of the Public Policies for children and
youth, especially with regard to socio-educational policies.
Keywords: psychoanalysis; ethic; adolescence; socioeducation; rap.
Résumé
La présente étude a été basée sur un projet de recherche et extension avec
des jeunes qui sont dans un régime d’internat provisoire (IP), soupçonnés
d’avoir commis des actes considérés des infractions. À travers l’outil, que nous
convenons d´appeler RAP, nous offrons un espace pour faire parler et faire
écouter ce groupe d’adolescents qui attendent dans une institution socio-
éducative une décision juridique – une mesure socio-éducative de moyens
ouverts, de restriction ou de privation de liberté – ou même de son retrait.
Nous avons choisi la condition IP parce qu’elle est la porte d’entrée de
l’institution et parce que nous considérons ce moment initial une période de
grande angoisse, moment où il faut faire écouter très attentivement les enfants
impliqués dans des situations de conflit avec la loi. Dans cette expérience,
lorsque nous examinons le choix de l’éthique qui peut soutenir l’intervention
du psychanalyste-chercheur dans la socio-éducation, nous avons l’intention
de problématiser la discussion méthodologique axée sur la construction
d’appareils d’écoute dans le cadre des politiques publiques d’enfance et de
pátio quando os novos entram... Tu diz, ‘eu sou 1579, e tu? É que dá
preguiça de ter que repetir tudo de novo’”. Em um segundo momento,
no tempo só-depois à fala, sucedeu outra associação: “acho que também
é uma forma de não ter que relembrar tudo que o cara passou lá fora...”.
Ao intervirmos a partir da ética do Bem-dizer, desde a impossibilidade,
convidamos os adolescentes a desdobrarem na fala aquilo que,
inicialmente, aparece como um discurso unívoco e cristalizado, um
Resta Um em que não há resto possível, já que tudo parece encontrar-
se preenchido. Nesse diapasão, temos apostado na potência de estarmos
atravessados em nosso fazer pela metáfora do Resta Um – sejamos
pesquisadores em psicanálise, psicanalistas ou aqueles que trabalham com
seus operadores – naquilo que ela evoca de vazio, de uma falta que insiste
justamente como pré-condição para que se desvelem múltiplas jogadas-
movimentos. Tocado pela metáfora, aquele que escuta pode tranquilizar-
se quanto a sua posição sem vinculá-la ao compromisso do mestre:
suturar o espaço do Resta Um, suportando de outra forma aquilo que, do
lado dos sujeitos da socioeducação, sempre resta como falta, como aquilo
que, parafraseando Chico Buarque, “não tem medida, nem nunca terá; o
que não tem remédio, nem nunca terá; o que não tem receita”.
No fragmento de experiência, a partir da discussão no grupo, aquilo que
veio primeiro como “preguiça” pôde tomar um outro sentido, “um modo de
se defender de algo que causa sofrimento”. Acreditamos que é justamente na
sutileza dessas movimentações significantes que estão os efeitos mais potentes
de nosso trabalho, quando, a partir das intervenções, conseguimos auxiliar
os adolescentes a encontrarem brechas em suas narrativas. É como se aquele
que nos fala experimentasse, a partir da produção de pequenos e sutis efeitos
de sujeito, a força do sentimento de modificar a si mesmo tal como o ato
artístico-político relatado por Borges (1984/2010) de apanhar um singelo
pedaço de imensidão para, logo em seguida, largar os grãos de areia em outro
lugar ao lado e declarar: eu estou modificando o Saara!
Ao longo de nossa experiência com a pesquisa-extensão na
socioeducação, fomos tomando como problemática uma expressão
corriqueira dos discursos acadêmicos, inclusive do nosso próprio Grupo de
Pesquisa, a saber, “dar a palavra aos adolescentes”. A partir das discussões,
percebemos que, independente de nós, as palavras são proferidas,
Referências
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In Freud, S. [Autor], Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, v. XXII. Rio de Janeiro: Imago. (Original
publicado em 1933)
Freud, S. (1990). Projeto para uma psicologia científica. In Freud, S. [Autor],
Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud, v. I. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1895)
Freud, S. (2004). Diário de Sigmund Freud: 1929-1939. Crônicas breves.
Porto Alegre: Artmed.
Notas
1
O NUPPEC/UFRGS – Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e
Cultura é uma ação conjunta entre docentes da Faculdade de Educação e do
Instituto de Psicologia da UFRGS que ocorre no âmbito de dois Programas
de Pós-Graduação: Educação e Psicanálise: Clínica e Cultura. Participam do
Núcleo professores, pesquisadores e bolsistas das duas unidades – Psicologia
e Educação. Temos desenvolvido nossos trabalhos desde o eixo 3 do Núcleo,
denominado Psicanálise, Educação, Adolescência e Socioeducação. Ao final de
2014, iniciamos um trabalho de pesquisa em uma instituição socioeducativa
na tentativa de criar um espaço de escuta com os adolescentes que estavam em
restrição de liberdade. Inicialmente, com o projeto Os jovens em conflito com
a Lei, a Violência e o Laço Social e, depois, em 2015 e 2017, com o Ritmos,
9
Referência ao artigo 157 do código penal brasileiro. “Art. 157 - Subtrair coisa móvel
alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou
depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”
(Para mais informações, ver https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10619340/
artigo-157-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940).
As nominações na clínica
nodal de adolescentes
Carla Almeida Capanema*
Fabian Fajnwaks**
Ângela Maria Resende Vorcaro***
Resumo
O seminário lacaniano R. S. I. trabalha a possibilidade de se prescindir
do Nome-do-Pai como uma amarração para os três registros da realidade
psíquica. Nele, as nominações imaginária, simbólica e real são abordadas
como modalidades de um quarto elo do nó borromeano, que mantêm
enlaçados R, S e I como função de reparação do lapso do nó. Partindo
dessa teoria, este artigo objetiva trabalhar a clínica nodal de adolescentes,
tomada como um momento singular para a construção de uma nova
amarração R.S.I. Buscou-se trabalhar as nominações em um caso clínico de
um adolescente, explicitando os tipos de enlaçamento presentes nesse caso.
Lacan realiza a passagem do Nome-do-Pai aos Nomes do Pai, constatando
ao final que o nó borromeano de três elos é sempre falho e que as nominações
vêm reparar o lapso do nó para todo ser falante. Neste artigo, constata-se a
relevância do período da adolescência como um momento especial para a
construção dessa amarração que venha suportar o nó borromeano.
Palavras-chave: nominação; clínica nodal; adolescência; nó
borromeano, nomes-do-pai.
*
Psicanalista, Pós-Doutoranda em Teoria Psicanalítica pela UFMG (Bolsista da
CAPES/PNPD).
**
Psicanalista, Mestre de Conferências da Université de Paris VIII, Membro da
École de la Cause Freudienne e da Association Mondiale de Psychanalyse.
***
Psicanalista, Pesquisadora CNPQ, Professora Sênior do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da UFMG.
Introdução
O título do Seminário R. S. I. (1974-1975), na língua francesa, é
homofônico à palavra hérésie, ou seja, heresia. Portanto, ao mesmo tempo
que opera com letras para cifrar a necessária conjunção /distinção das
Relata que sua ex-namorada estava grávida e falou que “era dele”.
Inicialmente, não acreditou, pois afinal ela o havia traído. Esperaria a
criança nascer para fazer um exame de DNA. Ao conhecer a filha, Emerson
encantou-se com ela, assumindo sua paternidade sem fazer o exame
pretendido. Reatou o namoro com a mãe de sua filha e foram morar juntos.
A mãe do adolescente mostrava-se preocupada com o “comodismo”do
filho. Também estava apreensiva, porque havia iniciado um namoro e temia a
reação de Emerson. Em relação ao namoro da mãe, ele diz: “fiz uma promessa
ao meu pai antes dele morrer, que não deixaria ela ter outro homem”. Sente-se
culpado por ter traído a promessa feita ao pai, pois deixou sua mãe continuar
o namoro sem intervir e até gostou do namorado dela.
Em sua análise foi possível trabalhar sobre a promessa feita ao pai
e mais ainda sobre o gozo transgressor deste pai. “Este ano tive muitas
mudanças em minha vida. Não foi fácil sair da vida do crime, dá muito
trabalho”. No atendimento seguinte, leva sua filha para que a analista
a conhecesse e fala que sua vida havia mudado muito depois de seu
nascimento. A analista atesta isso e ressalta sua escolha pela vida e não
pela morte – de uma outra construção possível da paternidade.
Nesse momento, Emerson relembra sua outra vida, a do crime, que
sempre escondeu: “Todos os homens da minha família ou estão mortos ou
presos. Só sobraram as mulheres!... [Depois que o pai morreu havia assumido
o seu lugar no crime]. Muito tiro, guerra e mortes. Era uma loucura!”.
Sua vida foi, então, ameaçada: levou um tiro de raspão e sua mãe o tirou
de lá: “Saí para não morrer ou ser preso. Não queria sair, mas agora não quero
voltar! Nunca achei que fosse seguir o caminho do crime, eu estudava e jogava
futebol. Sou muito novo, tenho 17 anos e toda a vida para aproveitar!”.
Relata um filme documentário do qual participou quando ainda
estava no morro: “Era um filme que mostrava a violência do morro.
Estava muito envolvido com o tráfico, andava armado, estava em guerra.
Me perguntaram sobre o porquê de estar nessa vida e eu falei da morte do
meu pai. Eu queria ver de novo esse filme!”.
De repente, surge uma nova mudança: Emerson vai morar com o
tio, e sua mulher e filha voltam para o morro. O ciúme de Emerson
retorna e ele chega a falar em tomar a criança da mulher. Em um
dos atendimentos chega ansioso: foram levar a filha ao hospital. Não
de outro lugar, sai da cena do filme. E ver-se de outro lugar é ver-se como
outro... Ele já não é mais o mesmo do filme.
Diferente das nominações imaginárias que Emerson colocou em jogo
anteriormente, agora ele encontra um uso sinthomático da paternidade que
caminha no sentido da invenção: sem recursos para encarnar essa função
paterna ele tem que se re-inventar como pai e encontrar um “savoir-
faire” para poder ocupar esse lugar. É o que nos permite diferenciar aqui
as nominações imaginárias precendentes, que tinham um laço com a
imagem de seu próprio pai, com a invençao de uma versão paterna que
lhe permite fazer um nome próprio no sentido do sinthoma.
Segundo Santiago (2006), quando se pode cifrar o gozo do pai como
sintoma é que se tem a chance de dispensá-lo, mas com a condição de
saber usar essa letra de gozo de forma que a satisfação pulsional se torne
mais compatível com a vida. O atendimento de Emerson possibilitou que
ele desse tratamento a essa letra de gozo a partir da presença da analista,
construindo uma amarração mais sólida de seu nó borromeano em uma
nominação sinthomática, entre Real e Simbólico, cernindo um pedaço
do Real e tornando possível fazer um laço com o Outro.
Conclusão
Se, por um lado, a prática psicanalítica contemporânea tem constatado
que a adolescência sugere o desatamento do nó que anteriormente
estabilizava a sua condição psíquica, por outro lado ela também explicita
que a própria adolescência se mostra como lugar particular em que o
sujeito destitui o que até então teria feito função paterna para construir,
elaborar e inventar uma versão nominadora, ou seja, um “Nome do
Nome do Nome” (Lacan, 1974/2003).
Desse modo, não se trata de forjar para os adolescentes uma nova
paternidade ou um novo pai, mas tomá-los em um dispositivo discursivo
que lhes permita inventar novas maneiras de amarrar sua subjetividade,
ultrapassando seja sua condição de impotência atribuída à carência de um
pai na infância, seja a nostalgia de um pai que lhes serviria de garantia.
Referências
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Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Original de 1974)
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por Jacques-Alain Miller). Rio de Janeiro: Jorge: Zahar. (Seminário
original de 1962-1963)
Lacan, J. (2007). O seminário, livro 23: o sinthoma. (Texto estabelecido
por Jacques-Alain Miller). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Seminário
original de 1975-1976)
Notas
1
Vale lembrar que, ao utilizar o termo dimensões, Lacan salienta que não se refere
a noção espacial intuitiva de dimensão, mas ao termo homófono dit-mansion
(Cf. Seminário 20 [2008] e 21 [1974-1975], além do artigo “O aturdito”
[2003].
2
Optou-se por traduzir nomination por nominação e não por nomeação. No
dicionário Houaiss, a nomeação é definida como o ato ou efeito de nomear
ou ser nomeado, ou ainda, como a designação para um cargo ou função. Já a
nominação é definida como uma figura de retórica que consiste em dar uma
denominação a algo que não tenha nome, e nesse sentido, leva-se em conta uma
modalização singular inventada pelo sujeito, dando nome ao que não tem nome.
3
Nome fictício atribuído ao adolescente visando garantir o sigilo.
4
Em 49 a.C., o general e estadista romano, Caio Júlio César, atravessou o rio
Rubicão com seu exército. O rio demarcava a fronteira entre a Gália Cisalpina,
aquém dos Alpes, e a Itália. Segundo a lei romana, se um procônsul atravessasse
o Rubicão com sua tropa de soldados, na margem norte da Cisalpina, rumo à
margem italiana do rio, ele seria considerado criminoso e expulso da República.
Com as palavras Alea jacta est! (A sorte está lançada!), César resolveu voltar com
suas legiões à cidade, declarando, com esse ato, guerra a Pompeu (http://www.
portalentretextos.com.br/materia/a-travessia-do-rio-rubicao-pelo-general-
caio-julio-cesar,5188).
Resumo
O texto procura investigar uma resposta lacaniana àquilo que ele
próprio chamou de crise da técnica analítica (1953/1998) entre os pós-
freudianos. Destaca alguns impasses decorrentes da noção de eu e suas
consequências clínicas e teóricas, bem como a tentativa de manutenção
de uma técnica padronizada e destituída de uma epistemologia freudiana
que resultou em desvios entre aqueles que Lacan chama de pós-freudianos.
Aponta o recurso à técnica zen no início do ensino de Lacan como uma
crítica a um desvio da prática, como um princípio não identitário e não
essencialista do eu. O zen não seria um recurso alegórico numa retórica
lacaniana, mas uma forma precisa de retomada de um pensamento da
negatividade em conformidade com uma epistemologia freudiana no
interior da prática analítica.
Palavras-chave: psicanálise; zen; técnica analítica.
Abstract
The text seeks to investigate a Lacanian response to what he himself called
the “crisis of analytic technique” among post-Freudians. It highlights some
impasses arising from the notion of “Ego” and its clinical and theoretical
consequences. It points to the use of the Zen technique, at the beginning of
Lacan’s teaching, as a critique of a deviation from practice, and as a non-
identitarian and non-essentialist principle of the self. Zen would not be an
allegorical feature in Lacanian rhetoric, but a precise form of resumption of
a thought of negativity within analytic practice.
Keywords: psychoanalysis; zen; analytical technique.
Résumé
Le texte cherche à étudier une réponse lacanienne à ce qu’il appelle la crise
postfreudienne de la technique analytique (1953/1998). Il met en évidence
certaines impasses découlant de la notion de moi et de ses conséquences cliniques
et théoriques. Ainsi que la tentative de maintenir une technique standardisée
dépourvue d’une épistémologie freudienne, qui a abouti à des déviations
entre celles que Lacan appelle postfreudiennes. Il souligne l’utilisation de
la technique zen au début de l’enseignement de Lacan comme une critique
d’une déviation de la pratique en tant que principe non identitaire et non
essentiel de moi. Le Zen ne serait pas un trait allégorique dans une rhétorique
Lacanienne, mais un moyen précis de reprendre une pensée de négativité en
accord avec une épistémologie freudienne dans la pratique analytique.
Mots clés: psychanalyse; zen; technique analytique.
Introdução
“O mestre interrompe o silêncio com qualquer coisa, um sarcasmo,
um pontapé. É assim que procede, na procura de sentido, um mestre
budista, segundo a técnica zen” (Lacan, 1953/1983, p. 9). Há um sentido
dialético preciso nesse método e uma aplicação discreta de seu princípio
na análise é admissível (Lacan, 1953/1998), uma vez que ele “só rompe o
discurso para parir a fala” (Lacan, 1953/1998, p. 317). Duas referências
de Lacan ao zen em dois momentos distintos no ano de 1953, no início
de seu ensino. Ambas convergentes para a questão da intervenção e do
que faz um analista.
Num momento em que Lacan procura firmar as bases de um
projeto de retorno a Freud e iniciar a integração da psicanálise numa
inteligibilidade científica da linguística estruturalista, não seria inusitada
uma referência exortatória ao zen e ao mestre zen? Não seria uma alegoria
arriscada demais frente a um empreendimento de tamanha importância e
seriedade? Qual o sentido de tais referências ao zen e ao mestre zen nesse
momento do início do ensino de Lacan em 1953?
Em uma leitura feita por Lacan (1954-1955/1987), até o ano de
1910 a técnica analítica trazia respostas claras; os pacientes melhoravam
da edição brasileira dos Escritos, algo sobre o método utilizado por ele em
sua relação com a técnica Zen.
Lacan já havia buscado, no mesmo texto, a referência ao dhvani, que
apresentava uma dificuldade no que diz respeito à língua original que
exigiria muito da maioria dos analistas. Agora ele volta ao Oriente para
uma referência à técnica zen que não exigiria a mesma proficiência, seja
do chinês ou do japonês, uma vez que aquilo de que trata passa muito
mais pelo corte, pelo ato, ou pelo apontar diretamente no uso do método
direto, do que por um uso de palavras que necessitem de uma tradução.
Como pode ser acompanhado ao longo do seminário Os escritos técnicos
de Freud a intervenção é pensada mais para o campo de uma ação, de um
corte e de uma interrupção.
A técnica zen, nesse caso, é uma referência bem melhor não só do
que o dhvani para discutir o que se deve buscar ou produzir em uma
análise, como também é bem melhor do que aquelas regras e estratégias
obsessivas que regiam a técnica analítica naquelas décadas. É melhor do
que aquilo que ele considera um grave desvio.
Lacan nos convida a ir a um campo no qual nunca se imaginaria
encontrar algo do princípio de uma intervenção da clínica descoberta
por Freud. É como se batesse na cabeça de todos com um bastão, ou
desse um pontapé, ou fizesse uma intervenção com um sarcasmo. Para
Lacan, parece que se pode encontrar mais claramente na técnica zen o
princípio que orienta a teoria da técnica da psicanálise do que em lugares
que advogariam sustentar uma técnica por um direito institucional.
Os princípios da experiência analítica freudiana estariam mais nessa
aparentemente distante e estranha técnica do que nos cânones outorgados
por uma psicanálise que se dizia oficial. Enquanto uma técnica se tornava
standard como efeito sintomático da manutenção de uma técnica depurada
de uma epistemologia freudiana, o projeto de um retorno a Freud exigia
uma técnica que não abdicasse do rigor dessa epistemologia. A ironia
talvez esteja na estratégia lacaniana de demonstrar que se pode ser mais fiel
à identidade epistemológica freudiana e pensar uma técnica convergente
à metapsicologia ao se valer de uma referência aparentemente anódina.
Não é na padronização de uma técnica sustentada institucionalmente que
se manterá o vigor de uma prática. Ao mesmo tempo que seu rigor não se
Considerações finais
Sem chegar a extremos a que é levada essa técnica (Lacan, 1953/1998),
pois isso seria contrário a algumas limitações que a técnica analítica se
impõe, uma aplicação discreta do princípio do vazio na análise parece
muito mais admissível do que a de certas modalidades ditas análises das
resistências, que são um dos focos das críticas lacanianas. O princípio
do vazio no zen poderia ser pensado em termos de um pensamento da
negatividade aplicado ao conceito de eu e de sujeito na psicanálise. Ou
seja, um princípio de irredutibilidade radical do eu a uma identidade e a
uma substância, sobretudo após a formulação da pulsão de morte.
Segundo ele, essas modalidades técnicas representam um sério desvio
dos ensinamentos de Freud. A análise das resistências, que representa aqui
um dos inúmeros exemplos de técnicas dos chamados pós-freudianos,
baseia-se na noção do eu como centro e, consequentemente, em uma
perspectiva imaginária da clínica, que facilmente favorece uma alienação
do sujeito. Por outro lado uma aplicação discreta do princípio do zen não
corre o risco de alienação, justamente por se tratar de um esvaziamento
do eu e das imagens que o alienam.
É uma técnica que rompe o discurso, seja com um sarcasmo, um
pontapé, ou com recursos de um método que pretende fazer com que o
sujeito possa se colocar a falar na procura do sentido. Uma experiência
da fala desprovida da centralidade do eu e de suas alienações. Uma fala a
partir de um vazio ou de uma negatividade terá que ser uma experiência
que suporte a presença do pathos no saber e uma identidade entre
pensamento e não-pensamento (Rancière, 2009). Uma experiência em
que o sentido seja entendido como uma verdade apartada do sujeito
(Lacan, 1953/1998) e não como complementaridade e adequação.
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Psicanálise e religião: o
deslocamento da problemática
filosófica, de Freud a Lacan
Carlos Roberto Drawin*
Fuad Kyrillos Neto**
Resumo
O intuito deste manuscrito é indicar o deslocamento da problemática
filosófica acerca da religião no interior do campo psicanalítico, tomando
como referência alguns textos de Freud e de Lacan. O eixo norteador do
argumento é a questão da interpretação tomada como algo privado e pessoal,
em um mundo completamente naturalizado. Para tanto, se apresenta de
forma breve e esquemática a concepção freudiana de religião, ressalvando
que, nessa perspectiva, as elaborações teóricas sobre o psiquismo surgem
imbricadas em suas teorias culturais. Posteriormente, elencam-se as objeções
à posição freudiana em seus aspectos epistemológico e antropológico.
Tais razões convidam a uma revisão da concepção freudiana de religião,
que é discutida na visada lacaniana, ressaltando a riqueza das perspectivas
de desenvolvimento de diálogo inauguradas pelo criador da psicanálise.
Discute-se como o retorno a Freud, proposto por Lacan, impacta no cerne
da problemática religiosa com o afastamento da psicanálise dos pressupostos
epistemológicos e antropológicos freudianos de conceber a religião. Nesses
termos, destaca-se na abordagem lacaniana o problema epistemológico,
ou seja, a questão da ciência e a sua referência à verdade. O problema
antropológico, por sua vez, nos remete à questão do sujeito em sua referência
ao real. A título de conclusão, sublinha-se a impossibilidade de preencher o
vazio reiterado pelo real. A psicanálise deixa para o sujeito, nas possibilidades
de sua singularidade, o encargo de atribuir um sentido ao Nome que se
esquiva a todo ato determinante de nominação.
Palavras- chave: psicanálise; religião; filosofia.
*
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Docente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia (FAJE).
**
Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal
de São João del-Rei (UFSJ).
Abstract
The purpose of this manuscript is to indicate the displacement of
the philosophical problematic about religion in the psychoanalytic
field, taking as reference some texts of Freud and Lacan. The guiding
axis of argument is the question of interpretation taken as private and
personal in a completely naturalized world. So, the Freudian conception
of religion is presented in a brief and schematic way, observing that,
in this perspective, the theoretical elaborations on the psychism appear
articulated of its cultural theories. Afterwards, the objections of Freudian
position are listed the in its epistemological and anthropological aspects.
Such reasons invite a revision of the Freudian conception of religion
that is discussed in the Lacanian view, emphasizing the abundance of
development perspectives of dialogue inaugurated by psychoanalysis
creator. It discusses how the return to Freud, proposed by Lacan, impacts
at the religious problematic core, with the distancing from the Freudian
epistemological and anthropological presuppositions psychoanalysis of
conceiving the religion. In these terms, the Lacanian approach highlights
the epistemological problem, it means, the question of science and its
reference to truth. The anthropological problem, in turn, refers us to the
question of the subject in his/her reference to the real. As a conclusion,
it underlines that it is impossibility to fill the gap reiterated by the real.
Psychoanalysis leaves to the subject, in his/her singularity possibilities, the
charge of assigning a meaning to the Name that evades every decisive act
of nomination.
Keywords: psychoanalysis; religion; philosophy.
Resumen
El propósito de este manuscrito es indicar el desplazamiento de la
problemática filosófica acerca de la religión en el interior del campo
psicoanalítico, teniendo como referencia algunos textos de Freud y de
Lacan. El eje orientador del argumento es la cuestión de la interpretación
entendido como algo privado y personal, en un mundo completamente
naturalizado. Para tanto, se presenta de forma breve y esquemática la
concepción freudiana de la religión, observando que, en esta perspectiva,
Freud e a religião
A visão corrente dos psicanalistas se apoiou muitas vezes na
concepção do criador da psicanálise, segundo a qual existe um conflito
insuperável entre razão e fé, conflito ainda mais evidente com o avanço
das ciências da natureza apoiadas no rigor metodológico e no ideal da
comprovação intersubjetiva. Alguns textos de Freud parecem bem
claros a esse respeito, como na célebre passagem de “O futuro de uma
ilusão”, quando, após louvar a modéstia realista do “nosso Deus logos”,
ele define a religião como ilusão e afirma enfaticamente, com base nos
numerosos resultados obtidos pela ciência: “não, nossa ciência não é
uma ilusão” (Freud, 1927/1999, p. 380). Certamente a compreensão
freudiana da religião não pode se liminar nem a essa obra e nem a essa
passagem. Aqui visamos tão simplesmente recortar, sem generalizar, um
elemento filosófico significativo: o de legitimar epistemologicamente
o novo empreendimento teórico, mostrando o seu alinhamento com
establishment científico da época. Por outro lado, a psicanálise, considerada
como uma “nova disciplina científica” de caráter empírico (als empirische
Wissenschaft), semelhante à Física e à Química, se singulariza por estudar
a dinâmica e o desenvolvimento dos processos psíquicos inconscientes e
não poderia deixar de lado a investigação da gênese das crenças religiosas
(Freud, 1923/1999).
Desse modo a Psicanálise enquanto ciência do psiquismo deve
abordar a experiência, a crença e a prática religiosas como aspectos não
negligenciáveis de seu objeto de estudo. De fato, de 1907 a 1939, Freud
publica uma série de textos sobre o assunto: desde “Atos obsessivos e
práticas religiosas” (1907), passando por “Totem e tabu” (1913), “O
futuro de uma ilusão” (1927), “Sobre uma visão de mundo” (1933), até
“O homem Moisés e a religião monoteísta” (1939). Neles, como mostram
os autores acima citados (Morano, 2003; Araújo, 2014), emergem dois
modelos hermenêuticos na análise crítica da religião: o primeiro é o da
fazê-lo senão por meio do pai no real, aquele que marca o real como o
lugar estrutural e indestrutível, no qual Deus, mesmo morto, está e não
cessa de suscitar o movimento de um sentido impossível de estancar ou
de ser estabilizado numa certeza doutrinária? (Julien, 2008).
Não há como preencher o vazio sempre reiterado pelo real impossível
de ser simbolizado. A psicanálise não quer e nem pode ir além, deixando
para o sujeito, na solidão de sua singularidade, a tarefa impossível,
porém incontornável, de dar Nome à experiência que se furta a todo ato
determinante de nominação.
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abstração versus a riqueza do ser. São Leopoldo: Editora Unisinos.
Resumo
O crescimento da clínica psicanalítica com bebês provoca a articulação
entre a psicanálise e vários outros saberes, mas não perde o foco da
importância da detecção precoce de sinais de sofrimento que servem
como entraves à constituição psíquica e da análise de sua influência direta
nas alterações e atrasos do desenvolvimento. Assim, uma vez detectados
esses sinais, a psicanálise destaca a necessidade de se intervir o quanto
antes, assegurando o lugar dos pais no tratamento e tomando os bebês
como sujeitos em constituição. Porém, as intervenções precoces, defendidas
pela psicanálise, diferem sobremaneira das chamadas estimulações precoces,
de modo que propomos uma discussão a respeito dos efeitos esperados
e provocados por ambas, questionando o lugar do sujeito de desejo – da
maior importância na clínica psicanalítica – nas terapias que têm como
foco principal a estimulação, visando o restabelecimento psicomotor e a
“adaptação” ao meio.
Palavras-chave: autismo; Intervenção Precoce; psicanálise; bebês.
Abstract
The current growth of psychoanalytic clinical practices with infants
triggers the articulation between psychoanalysis and several other fields of
study. Nonetheless such a intertwining does not disregard the importance
of early detection of signs of suffering – which serve as obstacles to the
psychic constitution – or the analysis of its direct influence on alterations
and developmental delays. Once these signs are detected, psychoanalytic
*
Psicanalista. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Institucional da UFES; bolsista da CAPES.
**
Psicanalista. Doutora em Psicologia. Professora colaboradora e pós-doutoranda
do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional da UFES; bolsista
da FAPES/CAPES.
Résumé
La croissance de la clinique psychanalytique avec des bébés provoque
l’articulation entre la psychanalyse et plusieurs autres savoirs, mais sans perdre
la focalisation dans l’importance de la détection précoce des signes de souffrance
qui servent comme entraves à la constitution psychique et de l’analyse de son
influence directe dans les altérations et retards du développement. Ainsi, une
fois détectés ces signes, on met en relief le besoin d’intervenir le plus tôt possible,
en assurant la place des parents lors du traitement et prenant les bébés comme
sujets en constitution. Pourtant, les interventions précoces, défendues par la
psychanalyse, diffèrent extrêmement des stimulations précoces, de manière
qu’on propose une discussion en ce qui concerne les effets attendus et provoqués
par toutes les deux, remettant en cause la place du sujet de désir – de la plus
grande importance dans la clinique psychanalytique – dans les thérapies qui ont
comme but principal la stimulation, visant le rétablissement psychomoteur et
l’“adaptation” au milieu.
Mots clés: autisme; Intervention Précoce; psychanalyse; bébé.
Estimular
Apoiados em um discurso científico de objetivação, comumente
os serviços responsáveis pelo acompanhamento de crianças muito
pequenas baseiam suas ações em critérios psicométricos e em um olhar
Intervir
Marie-Christine Laznik, psicanalista e grande referência na clínica com
bebês com sinais de risco de se tornarem autistas, ao longo de sua produção
sobre o tema tem sustentado um posicionamento quanto à etiologia do
autismo que considera a multifatorialidade e não descarta a hipótese de que
esses bebês apresentem uma “hipersensibilidade” desde o nascimento. Em
trabalho recente2, levanta a hipótese de essa hipersensibilidade se vincular
às sensações de dor – em oposição às vivências de prazer descritas por
Freud quando da primeira experiência de alimentação –, como nos casos
de grave refluxo gastroesofágico, tão comuns em bebês que se tornaram
autistas3. Mais sensíveis que os outros bebês aos estímulos do ambiente, aos
traços faciais ou à voz reveladora de afetos variados, esses bebês estariam
menos abertos ao estabelecimento do laço com o outro encarregado de seus
primeiros cuidados (Outro primordial).
Neste sentido, Laznik (2011) afirma deixar de lado toda causalidade
para interrogar laços entre acontecimentos simultâneos, voltando seu
olhar ao bebê e ao sofrimento psíquico que motivaria seu fechamento
e distanciamento do mundo relacional. Afinal, se o autismo é uma
doença neurodesenvolvimental, a intervenção precoce pode mudar
os rumos desse desenvolvimento, em especial quando consideramos a
neuroplasticidade dos bebês. Além disso, aponta que
do ponto de vista psicanalítico, a plena manifestação de uma síndrome
autística pode ser considerada como tradução clínica da não-
instauração de um certo número de estruturas psíquicas que, por sua
Posição ética
Ansermet (2003), ao localizar a criança entre a medicina e a psicanálise,
destaca que pela linguagem somos levados para além do organismo,
além da natureza das determinações biológicas. Por esse motivo, em se
tratando do sujeito autista, não convém nos situarmos em relação a uma
lógica etiológica, mas sim na lógica da resposta que o sujeito dará diante
do problema apresentado em seu organismo, tomando-o como um ser
em sofrimento e não como alguém que manifesta um defeito orgânico ou
mental, segundo uma lógica da deficiência. Completa:
demonstrar uma base orgânica no autismo ou em qualquer outro distúrbio
psíquico não esclarece o que o sujeito fará, qual o modo de resposta que
inventará para o problema que lhe é imposto pelo desenvolvimento do
organismo. Nesse plano, só há respostas singulares, e são essas que devem
ser buscadas na clínica (Ansermet, 2003, p. 83).
Considerações finais
Partindo do pressuposto de que as condições para a saúde mental
se estabelecem nos primeiros anos de vida e dependem das relações
corporais, afetivas e simbólicas que se organizam entre o bebê e seus
cuidadores, tornando indissociáveis a motricidade, inteligência,
socialização, domínio da linguagem e o psiquismo (Zimmermann, 2017,
p. 48), o objetivo dessa discussão foi ressaltar a aposta psicanalítica em
uma mudança de paradigmas no cuidado com a primeira infância, indo
do referencial nosológico dos manuais diagnósticos, dos quais o DSM-V
é exemplo, à lógica da promoção de saúde mental e das condições para a
constituição subjetiva numa criança.
Para Julieta Jerusalinsky (2015) é central que possamos considerar que
o atendimento ao sofrimento psíquico de bebês e crianças pequenas exige
que se deixe para trás uma concepção patologizante, centrada na doença
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adolescência (p. 103-116). São Paulo: Escuta.
Notas
1
É nesse sentido que Elsa Coriat (1997), grande referência na clínica com bebês,
usa o termo estimulação, mas, no presente artigo, entendemos ser importante
utilizar terminologias diferentes para caracterizar abordagens que priorizam
aspectos distintos no cuidado com o bebê. Adotamos o termo “intervenção
precoce” para localizar a proposta psicanalítica, enquanto as chamadas
“estimulações” aparecem aqui referidas ao modelo terapêutico que toma as
tabelas do desenvolvimento não como parte daquilo que o profissional deve
conhecer para sua própria referência, mas transformadas em metas a serem
alcançadas pelo bebê como objetivo do tratamento.
2
Lucero, A., & Laznik, M.-C. (2017). Transitivismo e empatia emocional.
Apresentação oral no V Seminário Internacional Transdisciplinar sobre o bebê.
Paris, FR: Paris VII.
3
Correlação não negligenciada pelo site Autism Speaks, ao chamar um especialista
para reconhecer sinais de refluxos de ácido gástrico dolorosos em pacientes
autistas não verbais. Disponível em <https://www.autismspeaks.org/science/
science-news/office-hours-gi-specialist-tim-buie-acid-reflux-and-autism>.
Resumo
A narrativa de Louis Althusser em O futuro dura muito tempo (1992)
interessa por fornecer o testemunho da sua constante tentativa de
responder pelo homicídio que protagoniza. Ele considera a impronúncia,
tida por ele como a pedra sepulcral do silêncio, um castigo mais violento
do que qualquer sentença poderia ser. Para se desvencilhar dela Althusser
escreve a sua história fraturada pelo encontro com o real. Assumir a pena
da escrita do testemunho possibilita mover a pedra do silêncio liberando
o acesso a outros caminhos, ainda que não seja possível de todo removê-
la. Desse modo, a partir da narrativa deixada por Althusser, propomos
no presente artigo extrair alguns elementos para pensar a relação entre
Psicanálise e testemunho.
Palavras-chave: psicanálise; trauma; testemunho; Althusser.
Abstract
Louis Althusser’s narrative in The future lasts a long time (1992) interests
for providing the testimony of his constant attempt to answer for the murder
he had committed. He regards to be declared unfit to plead, he speaks as tomb
stone of silence, a more violent punishment than any sentence could be. In
order to get rid of it Althusser writes his fractured history by the encounter
with the real. To assume the penalty of writing the testimony makes possible to
move the stone of silence, liberating access to other paths, even it is not possible
at all to remove it. Thereby, based on the narrative left by Althusser we propose
in present the article to extract some elements to ponder the relation between
Psychoanalysis and testimony.
Keywords: psychoanalysis; trauma; testimony; Althusser.
*
Psicóloga, Psicanalista, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas.
Résumé
Le récit de Louis Althusser dans L’avenir dure longtemps (1992) intéressé à
fournir un témoignage de leur effort constant de répondre pour le meurtre qu’il
avait commis. Il considère qu’il destin du non-lieu, la pierre tombale du silence, une
punition plus violente que n’importe quelle peine pourrait être. Pour s’en débarrasser,
Althusser écrit son histoire fracturée par la rencontre avec le réel. Prenez la peine
d’écrire le témoignage permet de déplacer la pierre du silence, de libérer l’accès à
d’autres chemins, même s’il n’est pas possible de l’éliminer. Ainsi, à partir base du
récit laissé par Althusser, nous proposons actuellement l’article pour extraire certains
éléments pour réfléchir à la relation entre la psychanalyse et le témoignage.
Mots clés: psychanalyse; traumatisme; témoignage; Althusser.
O testemunho em um recorte
Nascido em 16 de outubro de 1918, o filósofo é batizado com o
nome do tio, irmão do seu pai, para quem sua mãe fora prometida e que
morreu antes de contrair as núpcias. Sobre o seu nome, afirma que
talvez esse nome dissesse um pouco demais, em meu lugar: oui, e eu me
revoltava contra esse “sim” que era o “sim” ao desejo de minha mãe, não ao
meu. E, sobretudo, ele dizia: lui, esse pronome de terceira pessoa que, soando
como a chamada a um terceiro anônimo, me despojava de toda personalidade
própria, e fazia alusão a esse homem às minhas costas: Lui, c’était Louis, meu
tio, que minha mãe amava, e não eu (Althusser, 1992, p. 42).
De fato, tanto para Hélène quanto para Althusser, era tarde demais.
Althusser matou sem saber que o fazia, num gesto corriqueiro e recorrente
entre o casal, que até então não parecera com o ato de um assassino. De
acordo com um amigo do filósofo “bastaria talvez que Hélène lhe desse
uma boa bofetada ou fizesse um gesto sério para tirá-lo da sua inconsciência
[...] Ora, ela nada fez” (Althusser, 1992, p. 247). Assim, Althusser matava
Podemos colocar entre aspas para indicar que ele pode renascer disso, mas
renasce diferente”. O ato, então, que visa o cerne do sujeito em seu gozo
é apontado como suicídio. No caso Althusser, Hélène se interpôs ao ato,
ainda que de forma não idêntica àquela que Althusser pôde formular.
E assim o filósofo marxista finaliza o seu testemunho:
então, a vida ainda pode, apesar de seus dramas, ser bela. Tenho sessenta
e sete anos, mas finalmente sinto-me, eu que não tive juventude, pois não
fui amado por mim mesmo, sinto-me jovem como nunca, ainda que a
história deva acabar brevemente. Sim, o futuro então dura muito tempo
(Althusser, 1992, p. 245).
Mover a pedra
Encontramos em Althusser um sujeito legalmente impossibilitado de
dizer do seu ato, mas que pela escrita busca a construção de uma resposta.
Tal construção consistiria de um reinvestimento na realidade e estaria
associada à criação de uma unidade da associação entre fragmentos de
sentido (Dunker, Paulon, & Milán-Ramos, 2016). Seria, portanto, fruto
do trabalho de costura dos pedacinhos de sentido e de memórias que
uma unidade, tal como uma colcha de retalhos, pôde ser construída.
O convite a responder pelo ato que não veio do outro social surge
como um imperativo imposto desde dentro. A resposta construída por
Althusser está atrelada à leitura que ele fez do seu ato e do que foi possível
produzir com os recursos que lhe foram oferecidos. Toda a pesquisa
realizada sobre a percepção dos amigos e das reportagens publicadas a seu
respeito conferiu um meio de amarrar a sua própria versão dos fatos ao
contexto externo. Tal como se ele precisasse de uma confirmação desde
fora para dizer da própria experiência. Isso corrobora a inferência de que
há um direcionamento de Althusser ao ordenamento social – ele quer
responder ao outro com elementos que o outro seja capaz de reconhecer.
Conclusão
Através do livro O futuro dura muito tempo Althusser testemunha
a sua história fraturada e desafia a impronúncia. Ele faz da sua escrita
um estandarte que marca a sua posição de sujeito e questiona seu
lugar de louco diante do Direito, da Psiquiatria e da sociedade que
o fizeram calar. Ele confia a sua escrita ao público para que possa
“entrar definitivamente no anonimato, não mais da pedra sepulcral da
impronúncia, mas da publicação de tudo o que se pode saber sobre
mim” (Althusser, 1992, p. 188). Em sua escrita alucinada ele visita a
história dos pais e aquilo que considerou essencial em sua constituição.
Ele rememora, por um longo e sinuoso caminho, situações da infância,
da guerra, da Escola Normal Superior, do Partido Comunista, do
encontro com a psicanálise, dos encontros amorosos até chegar à morte
de Hélène, para a qual busca uma resposta. Um retorno principalmente
para si, mas não somente, pois ele escreve para o outro que lhe vetou a
voz. Sua narrativa toma a forma de um diálogo com o outro que, se não
imaginado, é ao menos desejado.
E assim o seu relato nos convida a também testemunhar do silêncio
imposto e de uma vida marcada por um ato. Por fim, nos colocamos
também como testemunhas daquilo que foi possível a Althusser
costurar da sua história. Reintegrar o seu testemunho à cultura é uma
possibilidade de reintegrá-lo à condição de cidadão, é dar-lhe um lugar
no coletivo humano.
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Resumo
Pretendemos no presente trabalho investigar algumas contribuições
originais de André Green trazidas pelo conceito de “trabalho do negativo”,
a partir de suas vinculações com as metas das pulsões de vida e de morte,
resultando no que o autor designou de “função objetalizante” e “função
desobjetalizante”. Considerando o papel do objeto primário para a
constituição psíquica do sujeito, tomamos o desligamento por ele operado
no trabalho do negativo como eixo de compreensão, propondo uma leitura
na qual a função desobjetalizante desse objeto estaria também associada à sua
própria pulsão de vida.
Palavras-chave: André Green; trabalho do negativo; pulsões; função
objetalizante; função desobjetalizante.
The work of the negative and its relationship to the life and
death drives
Abstract
This paper analyzes some of Andre Green’s original contributions regarding
the concept of the “work of the negative”, particularly its relationship to “the
objectalizing and disobjectalizing function” of the life and death drives.
*
Psicanalista. Doutorando em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Especialista em Saúde Mental pelo Instituto
de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do
LABPSI – Laboratório de Pesquisa: Constituição Psíquica e Clínica Psicanalítica.
**
Membro psicanalista da SPID, professora associada do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio), Coordenadora do curso de especialização em Psicologia Clínica
com Crianças, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Coordenadora do LABPSI – Laboratório de Pesquisa: Constituição Psíquica e
Clínica Psicanalítica.
It also stresses the fundamental role of the primary object’s investment for
the psychic constitution of the subject, indicating however that the object’s
disobjectalizing function is as primordial as the objectalizing one and can
also be put to the service of life drives.
Keywords: André Green; work of the negative; drives; objectalizing
function; disobjectalizing function.
Résumé
Dans ce texte, les auteurs analysent les contributions uniques d’André Green
sur le concept de “travail du négatif” à partir de son lien avec les objectifs des
pulsions de vie et de mort dans le sens de ce que l’auteur a appelé “la fonction
objectalisante” et “la fonction désobjectalisante”. Considérant le rôle de l’objet
primaire dans la constitution psychique du sujet, les auteurs font l’hypothèse
de considérer le desinvestissement de l’object opéré par le travail du négatif, sa
fonction désobjectalisante, comme manifestation de la pulsion de vie.
Mots clés: André Green; travail du négatif; pulsions; fonction objectalisante;
fonction désobjectalisante.
Introdução
André Green (1927-2012) buscou criar uma teoria para descrever
operações psíquicas relativas à temática do negativo, designando-as pela
expressão “trabalho do negativo”. Sua rica concepção decorre de amplo
estudo, o qual tem a obra freudiana não só como ponto de partida, mas
também como ponto transversal, atravessando desse modo toda sua
construção desse conceito, culminando na publicação em 1993 de seu
livro Le travail du négatif.
Podemos encontrar na obra freudiana referências explícitas ao termo
“negativo”, as quais Green utilizou para a elaboração de sua teoria acerca
do trabalho do negativo, são elas: a alucinação negativa, a transferência
negativa, a reação terapêutica negativa, a neurose como negativo da
perversão e o artigo “A negativa” – Verneinung – (Freud, 1925/1996).
Quanto a este último, o autor confere relevante destaque afirmando:
“Esse artigo por si só justificaria o conceito de trabalho do negativo”
(Green, 2008, p. 261).
Green, pode se dar de tal modo que “[...] o próprio Ego se empobrece
e se desagrega ao ponto de perder sua consistência, homogeneidade,
identidade e organização” (Green, 2008, p. 271).
A gravidade desse eu empobrecido, desorganizado e desagregado
lança-o a uma condição de intensa vulnerabilidade psíquica, abrindo as
portas para a instalação de um quadro patológico que, ao longo de sua
obra, Green designa de “caso-limite”. Na origem desse quadro, o objeto
não pôde efetuar uma retirada cuidadosa dos investimentos no sujeito,
isto é, um desligamento de forma a que este pudesse assimilá-lo. Essa
forma cuidadosa, não traumatogênica, de desligamento, seria, como
vimos trazendo como hipótese ao longo destas linhas, operada pela função
desobjetalizante acionada pelas pulsões de vida desse objeto primário.
Considerações finais
Esperamos com este artigo ter contribuído para a ampliação do estudo
sobre a concepção original do que Green designou como trabalho do
negativo. Vimos que o autor explora as metas de ligação e de desligamento,
provenientes respectivamente da pulsão de vida e da pulsão de morte,
apresentadas por Freud no contexto da segunda teoria pulsional (Freud,
1920/1996). Uma das formulações originais de Green a respeito desse
conceito refere-se à associação dessas metas a duas diferentes funções, que
chamará de objetalizante e desobjetalizante. Considerando as vinculações
do trabalho do negativo com as pulsões de vida e de morte, Green propõe,
quanto às citadas funções, uma nova visada para a meta da pulsão de vida,
em que esta poderia também ser responsável pelo desligamento com os
vínculos estabelecidos e mantidos com o objeto (Green, 1993, p. 121-
122), à qual acrescentamos, como possibilidade de leitura, a capacidade
desta pulsão de também acionar a função desobjetalizante.
Nessa perspectiva, tomando como eixo de compreensão o papel das
pulsões do objeto primário para o trabalho do negativo, no contexto da
constituição psíquica do sujeito, o êxito desse trabalho incluiria uma dupla
atividade, qual seja, a da ligação e do desligamento, ambos promovidos
pela pulsão de vida desse objeto. Nesse caso, portanto, como procuramos
sustentar ao longo destas linhas, a função desobjetalizante do objeto passa a
ser incluída como trabalho de desligamento da pulsão de vida.
Nota-se, por fim, que o desdobramento exitoso do trabalho
do negativo, no contexto da constituição psíquica, culmina com a
instauração, no sujeito, de uma estrutura enquadrante, que funciona
como alicerce de seu modo de funcionamento psíquico. Por outro lado,
no campo das psicopatologias, o insucesso do referido trabalho dificultará
a instauração dessa estrutura.
Referências
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(Original publicado em 1973)
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de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1917 [1915])
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Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud, v. 18. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1920)
Freud, S. (1996) O ego e o id. In Freud, S. [Autor], Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 19. Rio
de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1923)
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brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 19. Rio
de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1925)
Freud, S. (1996). Conferência XXXII: angústia e vida pulsional. In Freud, S.
[Autor], Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud, v. 22. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1933 [1932])
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standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud,
v. 23. Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1940 [1938])
Notas
1
No Brasil, o livro foi traduzido e publicado em 2010, pela Editora Artmed,
recebendo o título O trabalho do negativo. Utilizaremos, ao longo do presente
artigo, a versão original, de 1993, com tradução livre, nossa.
2
Uma detalhada exposição das origens das problemáticas acerca do negativo é
apresentada por Green na introdução do livro, intitulada “Para introduzir o
negativo em psicanálise” (Green, 1993, p. 9-27).
3
Em nota de rodapé na edição em português, há uma informação de que o
artigo citado foi publicado pela primeira vez em 1975, no The International
Journal of Psycho-Analysis, 56, tendo sido escrito em homenagem à memória de
Winnicott (falecido em 1971).
Resumo
O presente trabalho propõe uma análise crítica do conceito psicanalítico
de sublimação, explorando trilhas que permitam alçar novas perspectivas
para sua compreensão. A partir do texto “O Eu e o Isso” de 1923, sob o viés
da segunda tópica, identificou-se a relação entre a noção de Pulsão de Morte
e o conceito de sublimação. Isso permite conceber a sublimação como um
processo desorganizador do circuito narcísico-pulsional do sujeito que,
ao contrário de conduzir imediatamente a recursos defensivos e à fixação
psicopatológica, leva a uma experiência de desterritorialização subjetiva.
Por esta análise, a sublimação diz muito sobre a plasticidade psíquica, sobre
a relação dos sujeitos com a diferença e o novo suscitados pela experiência
estética, na contramão da ideia de uma “purificação pulsional” frente ao
sexual, conforme vislumbrado por Freud na esteira da primeira tópica.
Palavras-chave: sublimação; plasticidade psíquica; pulsão de morte.
Abstract
This paper proposes a critical analysis of the psychoanalytical concept
of sublimation, exploring trails that allow raising new perspectives for your
understanding. From the text “O Eu e o Isso” of 1923, under the bias of the
second topical, identified the close relationship between the notion of Death
Drive and the concept of sublimation. This allows conceiving the sublimation
as a disorganizing process of the narcissist-drive circuit of the subject that, as
opposed to immediately leading to defensive resources and psychopathological
fixation, leads to an experience of subjective deterritorialization. By this
*
Doutora em Memória Social, docente e pesquisadora no Programa de Mestrado
Profissional em Governança e Sustentabilidade (PPGS/ISAE) e no curso de
graduação em Psicologia da FAE Centro Universitário (Curitiba-PR).
**
Doutora em Psicologia, professora titular da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (PPMS/
Unirio) e no Departamento de Ciências Sociais.
analysis, the sublimation says much about the psychic plasticity, about the
relation of the subjects with the difference and the new one raised by the
aesthetic experience, in opposition to the idea of a ‘drive purification’ versus
the sexual, as Freud envisions in the wake of first topical.
Keywords: sublimation; psychic plasticity; death drive.
Resumen
El trabajo propone un análisis crítico del concepto psicoanalítico de
sublimación, explorando sendas que permitan alzar nuevas perspectivas para
su comprensión. A partir del texto “El yo y el eso” de 1923, bajo el sesgo de la
segunda tópica, se identificó la relación entre la noción de Pulsión de Muerte y el
concepto de sublimación. Esto permite concebir la sublimación como un proceso
desorganizador del circuito narcisito-pulsional del sujeto que, a diferencia de
conducir inmediatamente a recursos defensivos y la fijación psicopatológica,
lleva a una experiencia de desterritorialización subjetiva. Por este análisis, la
sublimación dice mucho sobre la plasticidad psíquica, sobre la relación de los
sujetos con la diferencia y el “nuevo” suscitados por la experiencia estética, en
contra de la idea de una “purificación pulsional” frente al sexual, conforme
vislumbrado por Freud en la base de la primera tópica.
Palabras clave: sublimación; plasticidad psíquica; la pulsión de muerte.
Introdução
Referências
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Notas
1
Se por um lado Freud, em sua rica obra “O Eu e o Isso” (1923), deixou certos “fios sem
amarrações”, dando substrato para sustentar outros desenvolvimentos possíveis sobre
o conceito de sublimação, conforme veremos adiante; por outro lado, tal obra deixa
clara a necessidade de encontrar no aparelho psíquico desenvolvido pela psicanálise
um espaço para o elevado, para os ideais culturais e “funções psíquicas superiores –
situadas em pontos mais altos na nossa escala de valores” (Freud, 1923/2007, p. 39),
em detrimento do que a moral vitoriana considerara baixeza da sexualidade. Disso
decorrem os conceitos de Ideal de Eu e Supereu como diferenciações a partir do
Eu que acolheriam e internalizariam as exigências culturais, gerando novos processos
junto à realidade interna do sujeito, como a autocrítica e a consciência moral. A
sublimação surge ao lado desses novos conceitos como tábuas de salvação às quais
Freud se agarra, conceitos que são convocados como um piso mais elevado no
edifício do psiquismo para defender a psicanálise contra as fortes críticas atreladas a
um suposto imoralismo e pansexualismo.
2
Ainda que tal par antitético receba certo paradoxo, conforme raciocínio de
Figueiredo: “a sexualidade, a libido não milita apenas no partido das ligações,
mas também joga no outro time, o dos desligamentos [...] nem Eros liga nem
Tânatus desliga de forma tão inequívoca, ou seja, a dupla ‘ligação-desligamento’
nada tem de simples no pensamento psicanalítico” (1999, p. 37-38).
3
Duplo e paradoxal suporte etimológico da palavra resistência: aquilo que resiste
e suporta a pressão do meio, portanto, sob uma lógica adaptacionista e aquilo
que combate, confronta, resiste à ordem imposta, sob uma perspectiva política.
Resumo
A estrutura do cinema aproxima-nos da estrutura do quadro
na janela, na fantasia. Este artigo propõe recolher os efeitos das
possíveis interseções entre o cinema e a psicanálise a partir do filme
“Uma relação pornográfica”, de Frédéric Fonteyne. Retomamos a
ideia de que o quadro é construído a partir do buraco na janela
para destacar que no cinema e na psicanálise está em jogo o campo
do Outro. A aproximação dos dois campos em torno desse ponto,
a fantasia, será nosso objeto de estudo. O enredo evidencia que a
parceria do casal é fantasmática, repousando na impossibilidade de
se construir um amor. Veremos, ao longo do filme, a demonstração
de que “Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo”
(Lacan, 1962-1963/2005, p. 209). O filme ainda esclarece que o
sujeito tem como parceiro no Outro, essencialmente, o objeto a.
Palavras-chave: fantasia; amor; desejo; gozo.
The impossibility of love in the film “An affair of love”
Abstract
In this paper, we describe the effects of the intersections of the cinema
and psychoanalysis, using Frédéric Fonteyne’s film, “An affair of love” (Une
liaison pornographique). Both in cinema and in psychoanalysis, the frame,
built out of a hole in the wall, shows that what is at stake is the field of the
Other. We will bring together these two points in the fantome. The film’s
plot shows that the partnership of the couple is grounded in the realization
*
Mestre e Doutora pelo Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris
VIII. Professora Adjunta IV da Faculdade de Psicologia da PUC Minas.
Coordenadora e Professora do curso de especialização Clínica Psicanalítica na
Atualidade: Contribuições de Freud e Lacan.
**
Psicanalista. Professora Adjunta IV da Faculdade de Psicologia da PUC Minas.
Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas.
Doutora em Psicanálise pela Universidade de Paris VII.
of a fantasy, that is, in the impossibility of building a love relation. The film
demonstrates Lacan’s thesis that “Only love alows jouissance to condescend
to desire” (Lacan,1962-1963/2005, p. 209). It also brings to light that the
subject has, in the Other, essentially the objet a.
Keywords: fantasy; desire; love; jouissance.
Résumé
La structure du cinéma nous rapproche de la structure du tableau dans la
fenêtre, dans le fantasme. Cet article propose de recueillir les effets des possibles
intersections entre le cinéma et la psychanalyse à partir du film “Une liaison
pornographique”, de Frederic Fonteyne. Nous reprenons l’idée, selon laquelle, le
cadre est construit à partir du trou dans la fenêtre pour préciser que au cinéma
dans la psychanalyse, ce qui est en jeu, c’est le champ de l’Autre. Le rapprochement
de deux champs autour de ce point, le fantasme, sera notre objet d’étude. Le nœud
du film met en évidence que le ciment du couple est fantasmatique, laquelle prend
appui sur l’impossibilité de l’apparition de l’amour. Nous verrons, au long du
film, la démonstration que “Seul l’amour permet la jouissance de condescendre au
désir” (Lacan, 1962-1963/2005, p. 209). Le film, de plus, souligne que le sujet
a comme partenaire dans l’Autre, essentiellement, l’objet a.
Mots clés: fantasme, amour, désir, jouissance.
Considerações iniciais
O filme, “Uma relação pornográfica”, de Frédéric Fonteyne (1999),
conta a história de um casal que se encontra para a realização de uma
fantasia sexual. O roteiro cinematográfico é proveniente de uma entrevista
realizada com o casal. Vale ressaltar que essa entrevista ocorre separadamente
com cada um deles, ou seja, ora com a mulher, ora com o homem. Desde
o início, a partir dessa entrevista, observa-se que o aforismo lacaniano
(1972-1973/1985, p. 198) “A relação sexual não existe” já está posto. A
mulher relata que o contato foi realizado por um site na internet, enquanto
o homem relata que o contato foi realizado por um anúncio na revista.
Ela alega que não trocaram fotos, já ele alega o contrário. Ele afirma que
a relação durou seis meses e ela afirma que perdurou por três ou quatro
meses. A entrevista do casal é, provavelmente, uma forma de repetir um
gozo, já perdido e, assim, vivificá-lo através da fala. Há um gozo discursivo,
na luz, e é do olhar que recebo seu efeito”. O cinema, sendo uma projeção
de luz, esconde e presentifica o olhar, sendo este inapreensível e evasivo. A
projeção de luz faz vacilar o olhar, e acrescenta Mangiarotti (2011, p. 17):
“A luz que conduz e precede a resposta do nosso olhar é para Lacan uma
metáfora do grande Outro”. Frente ao enigma do olhar, à castração do
Outro, pode-se afirmar que a imagem está ligada ao desejo e à fantasia, já
que a fantasia é uma tela que serve de anteparo face ao encontro com o real.
É pela via da fantasia que o sujeito irá encobrir e obturar o insuportável.
Lacan (1962-1963/2005) comenta que o quadro ocupa o lugar do
buraco na janela, a janela é equivalente à falta de significante no campo
do Outro. Ele prossegue afirmando que se trata aqui da relação da
fantasia com o real: “A fantasia é vista além de um vidro, e por uma
janela que se abre. A fantasia é enquadrada” (Lacan, 1962-1963/2005, p.
85). Enquadrado pelo fato de emendar, aplainar e recortar o vivido. Há
a função de organização da realidade pela via da fantasia, pois a mesma
emoldura a correlação do sujeito com o gozo.
A partir da montagem do cinema, Rivera (2008, p. 47) diz: “A
lembrança encobridora é uma espécie de cena cinematográfica. Seu princípio
fundamental é o do cinema: a montagem”. A construção da fantasia e a
lembrança encobridora se relacionam com a imagem, com cada quadro no
cinema, já que se relacionam ao que ficou inapreensível, fora do quadro.
A fantasia aproxima-se da lembrança encobridora, já que ambas servem
de anteparo ao encontro do real, do traumático. Freud sublinha que toda
lembrança é encobridora, mostrando a realidade psíquica. Segundo Freud
(1899/1969, p. 287): “Nesses períodos de despertar, as lembranças infantis
não emergiram, como as pessoas costumam dizer; elas foram formadas nessa
época”. Devido à impossibilidade de alcançar o inapreensível, montamos a
lembrança encobridora e o quadro na janela. Assim, o método da montagem
do cinema nos remete à construção da fantasia, já que o corte na edição
é o momento em que passamos de uma tomada à outra, possibilitando a
suspensão ou o fechamento da significação. O filme é construído por cada
espectador tanto pelas imagens vistas quanto pelas imagens não vistas.
A estrutura do cinema aproxima-nos da estrutura do quadro na janela,
a fantasia. Retomamos a ideia de que o quadro é construído a partir do
buraco na janela para destacar que no cinema e na psicanálise está em
querer não ter nada a ver com o outro e fazer unicamente o necessário, o
que tem que ser feito e nada mais. Realiza-se assim um curto-circuito do
desejo. A estratégia é buscar a anulação do desejo.
O particular da neurose obsessiva é ter o privilégio de ter acesso ao
objeto a, ou seja, de conservar o gozo. Daí Melman (2004, p. 104) afirmar:
“Sabemos que o obsessivo é, por definição, um constipado”. Ele não quer
se separar, ceder, retendo o que há de mais precioso, o objeto a. Sendo
este mantido na cadeia simbólica, não é possível o aparecimento da falta,
e por consequência, do desejo. Constrói-se, assim, a impossibilidade do
desejo. Se não há queda do objeto a, o sujeito do inconsciente tampouco
existe. O sujeito desaparece, pois para ele existir é necessária uma certa
distância desse objeto.
A partir de Freud, podemos dizer que o amor é sempre narcisista,
entretanto sua concepção do amor não se reduz a uma teoria narcisista do
amor. Em “Introdução ao narcisismo”, Freud (1914/1987) esclarece que é
a mesma libido que circula do eu ao objeto e vice-versa e esse é um eixo
central do seu texto. Contudo, a descrição do amor em Freud não pode
ser entendida sem a função do Outro. É o que nos lembra Miller (2010),
retomando descrição do amor em Freud como um estado de dependência
em relação ao objeto. O investimento no objeto se faz em detrimento do
eu, que se empobrece quando a libido se dirige ao objeto. O eu só recupera
a libido investida no objeto se for correspondido. Ele faz do outro, no estado
amoroso, o lugar da verdade, do qual depende a autoestima do sujeito. Miller
(2010) conclui que Freud introduz o Outro no amor sob a forma de Ideal do
eu, o que não permite permanecer na teoria narcisista do amor. O amor não
é só narcisista, ele está condicionado a uma dependência.
Nosso casal se recusa a entrar nessa dialética amorosa, na qual o outro
ocupa o lugar da verdade, na qual advém o desejo implicando sempre
uma insatisfação. Se a pulsão é uma força que sempre se satisfaz, o desejo
é sempre insatisfação. Sendo assim, constata-se que o casal não constrói
uma ficção, uma história, um laço, impedindo a possibilidade de um
romance. Como o homem do casal afirma na entrevista (Fonteyne,
1999): “Havia uma regra implícita: não falamos de nossa vida, ou do
que habitualmente chamamos de nossa vida, idade, nome, profissão, nós
deixamos isso tudo de lado. Nada disso importava muito”. O gozo insiste
Considerações finais
Pode-se concluir que o amor é castrador, porque o amor não se funda
naquilo que o Outro tem, mas naquilo que falta. Esclarecendo, o que
amamos na falta do Outro é a nossa própria falta. Assim, atravessar a
castração e fazer valer a falta abre possibilidades para amar. O sujeito
habitado por uma falta fecha a via ao gozo do ser e abre o acesso ao desejo.
A impossibilidade de amar é patológica, na medida em que se caracteriza
pela defesa do sujeito frente à castração. E defender-se da castração gera
efeitos patológicos. A parceria fantasmática no filme ilustra que a fantasia é a
construção imaginária para se defender do furo, da castração, excluindo o real
e desconhecendo o simbólico. O desejo encontra-se aprisionado na fantasia.
A fantasia é a encenação do gozo como possível, pois ele está animado pelo
desejo adormecido. Como diz Braustein (1990/1992, p. 325): “A diferença
fundamental entre as psicoterapias e a psicanálise passa por essa opção ética
entre reanimar e corrigir a fantasia de um lado, e de outro, atravessá-lo e se
localizar além do seu tamponamento do desejo do outro”.
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A emergência da inquietante
estranheza: um ensaio de análise
fílmica de O estudante de Praga
Ana Paula Bellochio Thones*
Amadeu Weinmann**
Resumo
Este ensaio questiona as razões pelas quais o filme O estudante de
Praga é frequentemente tomado como referência para abordar o conceito
psicanalítico unheimlich. Propomos como pergunta: a experiência do
estranho-familiar poderia ocorrer de acordo com o encadeamento fílmico?
Com essa questão no horizonte, analisamos plano a plano uma cena, na
qual o personagem Scapinelli visita o quarto do protagonista Balduin
e lhe oferece uma quantia em dinheiro em troca de qualquer coisa do
estudante que esteja no local. O jovem perde sua imagem especular, que
se torna seu duplo, fenômeno apontado por Freud como um dos motivos
para o surgimento do afeto unheimlich. Ao dispor-se a renunciar ao
florete, que garante a Balduin o registro do Ideal do eu, constatamos que
o estudante fica refém de um jogo de imagens que favorece o surgimento
da experiência do unheimlich.
Palavras-chave: estranho; duplo; eu ideal; ideal do eu; análise fílmica.
Abstract
This essay questions the reasons why the movie The student of Prague
is frequently taken as reference to approach the unheimlich psychoanalytic
concept. We propose as a question: could an uncanny experience occur
according to the filmic chain? With this question on the horizon, we analyze
shot to shot a scene, in which Scapinelli character visits the Balduin’s room,
the main character, and offers him an amount of money in exchange for
*
Doutoranda no PPGEdu/UFRGS e integrante do Núcleo de Pesquisa Psicanálise,
Educação e Cultura (NUPPEC).
**
Psicanalista, professor do PPG em Psicanálise: Clínica e Cultura / UFRGS e coordenador
do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise e Cinema (NUPPCINE).
anything in the place that belongs to the student. Balduin loses its mirror
image, which becomes a doppelganger, phenomenon pointed by Freud as one
of the causes for the appearance of unheimlich. When willing to waive his
rapier, which guarantees to Balduin the ego’s ideal record, the student becomes
hostage of an image game, which favors the unheimlich experience.
Keywords: uncanny; doppelganger; ideal ego; ego ideal; film analysis.
Resumen
Este ensayo cuestiona las razones por las que la película El estudiante
de Praga es a menudo tomada como referencia para abordar el concepto
psicoanalítico unheimlich. Proponemos como pregunta: ¿la experiencia del
siniestro-familiar podría ocurrir de acuerdo con el encadenamiento fílmico?
Con esta cuestión en el horizonte, analizamos plan a plan una escena, en la
que el personaje Scapinelli visita la habitación del protagonista Balduin y le
ofrece una cantidad en dinero a cambio de cualquier cosa del estudiante que
esté en el lugar. El joven pierde su imagen especular, que se convierte en su doble,
fenómeno señalado por Freud como uno de los motivos para el surgimiento del
afecto unheimlich. Al disponerse a renunciar al florete, que garantiza a Balduin
el registro del Ideal del yo, constatamos que el estudiante queda rehén de un
juego de imágenes que favorece el surgimiento de la experiencia del unheimlich.
Palabras clave: siniestro; doble; yo ideal; ideal del yo; análisis fílmico.
Apresentação
O filme O estudante de Praga é uma produção cinematográfica dos
primórdios do cinema, conhecido como um dos primeiros filmes de terror
da história. No meio acadêmico e psicanalítico, destaca-se por permitir a
abordagem dos temas do duplo – doppelganger – e do estranho: unheimlich.
No colóquio A inquietante estranheza: psicanálise, literatura e cinema,
promovido em 2015 pela Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA)
e pelo PPG em Psicanálise: Clínica e Cultura / UFRGS, o longa-metragem
do roteirista Hanns Heinz Ewers1 foi apresentado aos participantes, ao
final do evento. A versão exibida, de 1926, dirigida por Henrik Galeen,
despertou nosso interesse e nos levou a buscar os motivos pelos quais o filme
em questão é frequentemente tomado como modelo para pensar o conceito
unheimlich. Isso porque tal experiência deve ir além da mera aparição de um
ao registro do Ideal do eu. Em uma cena anterior, Balduin simula uma luta
de espada em frente ao espelho e, apostando no que este lhe devolve, vai
confiante ao encontro com a condessa. Aqui parece operar algo do registro
do Eu ideal. No momento em que o estudante admira-se no espelho, seu
investimento libidinal parece concentrar-se em uma imagem idealizada de
si. Se, no registro do Ideal do eu, o sujeito ocupa um lugar fálico, no do Eu
ideal ele é fálico, isto é, sobre ele a castração não incide.
O encontro com a amada frustra Balduin. Existe outro pretendente
que lhe dá um grande buquê de flores, enquanto o estudante leva para
ela um pequeno ramalhete. O encadeamento das cenas permite supor
uma equivalência simbólica entre o florete e o ramalhete. Tal troca não
favorece o protagonista. Nesse quesito, seu rival é mais potente. É essa
derrota que conduz à cena analisada, em uma espécie de deslizamento
metonímico: florete, flores, florins4.
O plano 19 mostra o contrato trazido por Scapinelli. Ele propõe
a troca de 600,000 florins por qualquer objeto presente no quarto. O
estudante imagina uma substituição daquilo que reconhece em si, mas
que é insuficiente para conquistar a condessa – seu florete, que alude a
sua condição de eminente esgrimista –, por uma imagem idealizada: a
de homem rico. É uma troca simples, aquilo que Balduin tem – o que
lhe confere um lugar simbólico – por aquilo que ele não é: o que produz
um dano em seu narcisismo. O modo como a sequência dos planos
se encadeia sugere que o que está presente (florete) é substituído, no
imaginário do protagonista, pelo que está ausente (florins), não abrindo
espaço para a falta.
De acordo com Lacan (1962-1963/2005), em O seminário, livro 10,
a imagem devolvida e autenticada pelo Outro é apenas a refletida de nós
mesmos. Mas ela se caracteriza por uma falta, porque o que se convoca
não pode aparecer. Em outras palavras, o desejo está velado e marcado por
uma ausência – a do objeto que lhe dá causa. No entanto, tal ausência não
impede a aparição de algo que está em um lugar inapreensível pelo sujeito:
Nesse lugar da falta onde algo pode aparecer, coloquei pela última vez,
e entre parênteses, o sinal (-phi). Ele lhes indica que aqui se perfila uma
relação com a reserva libidinal, ou seja, com esse algo que não se projeta,
não se investe no nível da imagem especular, que é irredutível a ela, em
imagem do que ele deseja. Era exatamente o que ele esperava, os 600,000
florins acordados, mas a visão de cada moeda se tornando real, uma
após a outra, mostradas de diversos ângulos, o seu movimento, a sua
repetição, a sua quantidade, o seu excesso de presença, a sua infinidade,
tudo isso vai trazendo a Balduin a certeza de que nada mais pode lhe
faltar. Nos planos 45, 47, 48, 49 e 51, o espectador vê o fluxo abundante
das moedas, sem que apareçam os personagens. No plano 46, Scapinelli
recobre as moedas com palavras de bruxaria. No 50, Balduin está tomado
por angústia. Entre os planos 47 e 49, o espectador, em sintonia com o
protagonista, é engolfado pela torrente de moedas. O objeto a aparece no
lugar indicado por (-phi).
O que o estudante imagina que entregará a Scapinelli é algo
perceptível, presente no quarto, em cima da mesa: seu florete. No entanto,
o que está escrito no contrato é que, em troca de 600,000 florins, o
senhor Scapinelli pode pegar qualquer coisa do quarto do protagonista.
No plano 64, o que o bruxo deseja obter de Balduin é algo inapreensível
pelo estudante (e pelo espectador), por estar fora de campo: a imagem
especular do protagonista. O plano 65 instaura uma posição de câmera
fundamental, aquela que endereça ao espectador a duplicação especular
tanto de Balduin, quanto de Scapinelli. No plano 66, a câmera fecha em
Scapinelli e seu duplo, lançando Balduin e sua imagem especular para
fora de campo. No 67, enuncia-se o que quer o bruxo: “sua imagem
especular. Seu segundo eu”. No plano 73 – o mais longo da sequência –,
o reflexo de Balduin irrompe em cena. O protagonista torna-se refém de
um jogo de imagens, que culmina em sua morte.
O paradoxal, no caso de Balduin, é uma conquista narcísica –
identificação ao Eu ideal – implicar um dano igualmente imaginário: a
dissociação da imagem de si e, ato contínuo, a perda do reflexo especular.
A partir disso, é possível compreender por que o duplo, em O estudante de
Praga, é interpretado por Rank como perturbador do amor. Por um lado,
ele retira a possibilidade de sucesso amoroso, por portar o que Balduin
tem de mais precioso, mais próprio e familiar: o resto da relação com o
Outro primordial. Por outro, ele testemunha a renúncia do protagonista às
insígnias fálicas que compõem o Ideal do eu, isto é, a renúncia de Balduin à
inscrição simbólica, que poderia sustentá-lo como sujeito desejante.
Considerações finais
Desde seu lançamento, O estudante de Praga convoca psicanalistas
a pensar. Em O duplo – obra que inaugura as reflexões psicanalíticas
sobre o fenômeno do doppelganger –, Otto Rank (1914/1976) o toma
como deflagrador de elaborações conceituais que serão retomadas
por Freud (1919/1986) em “O estranho”. A partir da interrogação
freudiana acerca do que torna unheimlich o doppelganger, procedemos
à decomposição plano a plano de uma cena que nos parece inquietante
e fundamental: aquela em que a imagem especular do protagonista
sai do espelho, configurando-se como seu duplo. Por meio dessa
abordagem metodológica, realçamos um processo formal de composição
da parte inicial da sequência: a tendência a preencher o campo visual,
especialmente mediante a técnica do campo / contracampo, de modo
que nada falte. Uma descontinuidade no processo de construção da cena,
no plano 35, prenuncia a irrupção de angústia no protagonista.
Parece-nos que o processo formal de construção da sequência
analisada duplica o que se passa com o protagonista. Este não tolera a
falta, assinalada pela não correspondência de seu amor pela condessa, e
literalmente vende a alma ao diabo. Por 600,000 florins, dispõe-se a abrir
mão do que indica sua potência na ordem fálica: seu florete. Renuncia
à filiação a um Ideal de eu em troca da identificação ao Eu ideal. Nesse
momento, algo aparece no lugar assinalado por (-phi): as moedas que
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Notas
1
A versão original de O estudante de Praga, de 1913, foi dirigida por Stellan Rye.
No entanto, o que se denomina filme de arte (kunstfilm), no período imperial
alemão, são filmes de autor (autorenfilm), isto é, escritos por autores famosos,
como H. H. Ewers (Müller, 2008). Além da versão de 1926, que utilizamos
neste artigo, há uma versão de 1935, dirigida por Arthur Robison.
2
A versão argentina traduzida diretamente do alemão, utilizada neste artigo, adota
o termo ominoso para se referir ao unheimlich. Durante o texto, frequentemente
optamos pelo uso da palavra estranho, difundida pela Imago (Freud, 1919/1996),
mas eventualmente a substituímos por inquietante, perturbador ou sinistro.
3
Todas as traduções de trechos de obras estrangeiras realizadas neste artigo são de
nossa responsabilidade.
4
Em alemão, florete é florett, flor é blüte ou blume e florins é florin ou gulden.
Portanto, na língua original de O estudante de Praga esses três termos não têm o
mesmo radical, como em português. Ainda assim, o modo como se encadeiam
no filme nos autoriza a sugerir uma equivalência simbólica entre eles.
Musicalidade e psicanálise
Bruno Gonçalves dos Santos*
Gustavo Henrique Dionísio**
Resumo
Seguindo a perspectiva de Freud e Lacan, este trabalho discorre
teoricamente sobre a musicalidade e suas implicações na constituição
psíquica do sujeito, considerando as peculiaridades que ocorrem na
dinâmica de significantes sonoros. Segundo nossos desdobramentos, a
musicalidade mantém em si a relação primordial do significante que não
foraclui o Real, evidenciando um processo de encadeamento significante
ainda anterior à produção de significação imaginária. Nesse sentido, a
musicalidade é tomada como produção de relação significantes sonoros
que mantêm em si a elementaridade do Real, demonstrando uma via
de intervenção na clínica pela via da musicalidade para a produção de
discurso sonoro, mesmo que sem significação, que dê vias ao sujeito de
tratamento de seu gozo. Para fundamentar tal hipótese, discorremos sobre
a Pulsão Invocante no que concerne à relação com o Outro primordial, e
a voz na qualidade de objeto a, como fenômeno diverso do som.
Palavras-chave: musicalidade; psicanálise e música; foraclusão; pulsão
invocante, voz.
Musicalité et psychanalyse
Résumé
À partir de la perspective de Freud et de Lacan, cet article veut discuter
théoriquement sur la musicalité et ses implications à la constitution psychique
du sujet, en considérant les particularités qui se produisent dans la dynamique
des signifiants sonores. Selon nos développements, la musicalité maintient en
soi la relation primordiale du signifiant qui n’inclut pas le Réel, mettant
en évidence un processus de chaînage significatif avant la production de
la signification imaginaire. En ce sens, la musicalité est considérée comme
produisant des relations sonores significatives qui maintiennent en soi
l’élémentarité du Réel, démontrant une manière d’intervenir dans la clinique
par voie musicale pour la production de discours sonores, même si sans
signification, qui donne au sujet un possible traitement de la juissance. Pour
étayer cette hypothèse, nous discutons la pulsion invocante en ce qui concerne
la relation avec l’Autre primordial, et la voix en tant qu’objet a, c’ést-à-dire,
phénomène différent du son.
Mots clés: musicalité; psychanalyse et musique; forclusion; pulsion
invoquant, voix.
Musicalidade e subjetivação
Sabemos que a musicalidade está em íntima ligação com a condição
humana de linguagem, o que compreenderia desde a centelha da
constituição psíquica à dinâmica complexa do enlaçamento social.
Contudo, poucos são os psicanalistas que se debruçaram sobre a
articulação dessas duas áreas; Freud, como se sabe, fez pouquíssimas
citações (quatro, para sermos mais precisos) acerca da musicalidade ao
de que se trata, e no qual o que se expressa é algo que está justo antes da
aparição do sujeito […] (Lacan, 1958-1959, p. 441).
A pulsão invocante
Como vimos, Lacan introduziu a pulsão invocante em seu ensino ao
tratar a voz como um dos objetos a, mas pouco discorreu sobre ela. Outros
autores, no entanto, se interessaram pela tarefa, tais como Didier-Weill,
Vivès e Catão, que retomaram a questão da pulsão invocante de maneira
mais detalhada. De modo geral, a pulsão invocante diz respeito à relação
com o Outro na sustentação de uma posição que fará com que o infans se
ratifique enquanto sujeito por vir. De forma diversa da demanda, a pulsão
invocante supõe “que uma alteridade possa advir, de onde o sujeito, pura
possibilidade, seria chamado a tornar-se” (Vivès, 2009a, p. 187-188). Por
meio da voz do Outro, a invocação chama pelo bebê e sustenta sua posição
como sujeito-vir-a-ser. Nesse sentido, invocação e demanda se distinguem
por uma diferença essencial: enquanto na demanda o infans está em posição
de dependência absoluta do Outro, ligada às necessidades corporais e
sujeita à sua disponibilidade em oferecer ou não significantes sonoros, a
invocação, por outro lado, está localizada no campo erógeno já que supõe
um sujeito que não está apenas em dependência vital mas em um campo
imaginarizado pelo Outro como uma promessa de intersubjetivação na
essa demanda. Pensando a pulsão em seus três tempos, Catão (2009) articula
a invocação da seguinte forma: 1) ouvir – lançamento significante do Outro;
2) se ouvir – quando a reposta do Outro sobre o grito sem direcionamento
do infans retorna em forma de demanda/significação imaginária; e, por fim,
3) se fazer ouvir – evanescência do sujeito da pulsão; atividade psíquica de
endereçamento. A invocação surge do movimento do segundo para o terceiro
tempo, isto é, quando o infans só se faz ouvir por um atravessamento Simbólico/
Imaginário do Outro sobre seu corpo. Assim, o grito da necessidade – que é
num primeiro momento pura manifestação de tensões orgânico-somáticas –
é convertido em grito de demanda na interpretação do Outro, e a resposta
do Outro a essa demanda impõe uma alteridade através de uma identificação
imaginária (Vorcaro, 1999). Nessa medida, é por um sentido no nível do
significado que o infans é arrancado do automatismo do fluxo vital e tem acesso
à voz do Outro, inclui e é incluído no Outro. “Num movimento ulterior, é
preciso que o sujeito, tendo sido destinatário da voz do Outro, agora a esqueça
para que possa dispor de sua própria voz sem ser invadido pela mensagem do
Outro” (Schwarz, & Moschen, 2012, p. 162).
Alain Didier-Weill (1998) nos propõe que a invocação é o meio de
entrada do ser na linguagem através de dois pactos entre o sujeito nascente
e a estrutura simbólica. Tais pactos, que nos parecem coadunar com os
processos de alienação e separação propostos por Lacan, constituem,
num primeiro momento, a afirmação primordial do significante, através
de uma marca – o traço unário – que cria a distinção entre a presença e a
ausência, afirmando sua presença, isto é, o “há” significante. O segundo
momento consiste no que viria após o trauma do confrontamento com
a ausência do significante, o “não há”. Por meio do efeito do recalque
originário, o sujeito faz então uma aliança entre presença e ausência de
forma metafórica, ou seja, a presença na ausência (Lima, & Lerner, [s.d.],
p. 4). Segundo Didier-Weill (1997b), é a musicalidade presente na voz da
mãe que faz o traço onde posteriormente a palavra irá germinar, ou seja,
é o que estabelece a primeira afirmação, que, depois do Urverdrängung,
poderá dar passagem à palavra como possibilidade simbólica de fazer
presença naquilo que está ausente. O infans só poderá advir como sujeito
da fala se, num primeiro tempo, surgir como um efeito de musicalidade
dessa afirmação primordial. É na musicalidade da voz da mãe que um
Som e voz
Consideramos que a pulsão invocante traz o infans para uma
humanização no campo da linguagem em um processo que tem a voz
como elemento fundamental, e que acontece desde a relação primordial
entre o sujeito-vir-a-ser e o Outro. A voz, nesse sentido, pode ser pensada
Referências
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standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v.
XXI). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1930)
Notas
1
O texto original traz o conceito de instinto, o qual retraduzimos por pulsão.
2
Há ainda outro objeto a proposto por Lacan, o olhar, do qual não discorreremos
aqui.
3
Cabe-nos também considerar que, dependendo da fase de desenvolvimento em
que o feto se encontra, tal inscrição da rítmica de pulsação do corpo materno
também será capturada pelos mecanorreceptores de uma forma geral, como
por exemplo a estimulação tátil da pele do feto através da vibração sonora que
percorre o meio fluído do líquido amniótico.
Resumen
En la infancia se gesta el futuro del individuo durante todas las etapas
de la vida y la importancia que tiene esta para determinar la estructura
de personalidad del ser humano, destacándose que la gran mayoría de
los procesos psíquicos tienen su origen en la infancia. Además de esto
todos los eventos traumáticos que son vividos en esta etapa por el sujeto
son muchas veces detonantes de trastornos psicológicos en la adultez.
Por tal motivo el presente artículo describe aspectos esenciales desde el
psicoanálisis clásico y de los vínculos objetales, tanto en sus componentes
clínicos sanos y en las neurosis. El estudio de las etapas de maduración
afectiva tiene, pues una gran importancia. Permite conocer las dificultades
y problemas que le niño debe resolver en cada edad para formarse
psíquicamente, pone en evidencia como, con posibilidades corporales
y mentales todavía limitadas, el niño debe hacer frente a las exigencias
y obligaciones educativas. En el niño se producen modificaciones que
lo llevan a una conducta social debido a la dependencia en la que se
encuentra con respecto a sus progenitores tanto en el aspecto material
como en el emocional. Se destacan entre otras características las fases
libidinales, el amor y la rivalidad infantil en las neurosis y psicosis clínicas,
la compulsión a la repetición, satisfacción de las necesidades y derivación
de los impulsos; problemática psíquica del niño, mecanismos de defensa,
etapas del desarrollo del psiquismo en el infante y su vinculación objetal,
conceptos básicos relacionados con la castración y la culpabilidad con
respecto al edipo, procesos de maduración y el cuidado maternal.
Palabras clave: infancia; desarrollo psicosexual; vínculos objetales;
maduración afectiva, psicoanálisis clásico; vínculos objetales.
Resumo
Na infância é gestado o futuro do indivíduo em todas as fases da vida
e a importância que ela tem para determinar a estrutura da personalidade
humana, destacando-se que a grande maioria dos processos psiquicos tem suas
origens na infância. Além disso, todos os eventos traumáticos vividos nessa fase
pelo sujeito são muitas vezes desencadeadores de distúrbios psicológicos na fase
adulta. Por isso, este artigo descreve os aspectos essenciais através da psicanálise
clássica e dos vínculos objetais, tanto em seus componentes clínicos saudáveis
quanto nas neuroses. O estudo das etapas de maturação afetiva é, portanto,
de grande importância. Permite conhecer as dificuldades e problemas que
devem ser resolvidos pela criança em cada idade para formar-se psiquicamente,
evidencia como, apesar de com possibilidades limitadas de corpo e mente, ela
deve enfrentar as exigências e obrigações educacionais. Na criança se produzem
mudanças que a levam ao comportamento social por causa da dependência em
que se encontra em relação a seus pais, tanto material quanto emocionalmente
ocorrer. Destacam-se, entre outras características, fases libidinais, o amor e a
rivalidade infantil nas neuroses e psicoses clínicas, a compulsão à repetição,
satisfação das necessidades e derivação de impulsos; problemática psíquica
da criança, mecanismos de defesa, estágios de desenvolvimento da psique no
infante e sua vinculação objetal, conceitos básicos relacionados à castração e
à culpa com respeito ao Edipo, processos de maturação e o cuidado materno.
Palavras-chave: infância; desenvolvimento psicossexual; links de objetos;
a maturidade afetiva; psicanálise.
Abstract
In childhood, the future of the individual is generated during all stages
of life and the importance of this to determine the structure of personality of
the human being, emphasizing that the great majority of psychic processes
have their origin in childhood. In addition to this all the traumatic events
that are experienced at this stage by the subject are many times detonating
psychological disorders in adulthood. For this reason the present article describes
aspects essential from the classic psychoanalysis and the objeales bonds, both
in its healthy clinical components and in the neurosis. The study of the stages
of affective maturation is therefore of great importance. Allows to know the
difficulties and problems that the child must solve in each age to form psychically
shows how, with corporal and mental possibilities still limited, the child must
meet the educational demands and obligations. Modifications occur in the
child that lead to a social behavior due to the dependence in which it is with
respect to its parents in the material as in the emotional aspect. The libidinal
phases, love and child rivalry in clinical neuroses and psychoses, compulsion to
repetition, satisfaction of the needs and derivation of the impulses stand out
among other characteristics; Psychic problems of the child, defense mechanisms,
stages of infant psyche development and object linkage, basic concepts related to
castration and guilt regarding oedipus, maturation processes and maternal care.
Keywords: childhood; psychosexual development; objetales bonds; affective
maturation, psychoanalysis; objetal links.
Introducción
Tense en cuenta que la infancia gesta el futuro del individuo durante
todas las etapas de la vida y la importancia que tiene esta para determinar
la estructura de personalidad del ser humano, destacándose que la gran
mayoría de los procesos psíquicos tienen su origen en la infancia. Además
de esto todos los eventos traumáticos que son vividos en esta etapa por
el sujeto son muchas veces detonantes de trastornos psicológicos en la
adultez. Resulta muy importante destacar que los primeros años de vida
son decisivos para la formación de la personalidad, a medida que los niños
desarrollan conflictos entre sus impulsos biológicos innatos con relación a
la sexualidad y las restricciones de la sociedad. Resulta vital tener presente
lo expuesto por Choice (2005) donde plantea: lo que no le des a tu hijo
durante los primeros siete años se lo estarás debiendo toda la vida.
Por esta razón este artículo está enmarcado a estudiar y describir todos
los factores que fundamentan el desarrollo de la personalidad en la infancia,
y a determinar los diferentes aspectos que influyen entre la normalidad y
lo patológico en esta etapa de la vida tan importante para cada persona.
Es muy importante destacar que en la infancia se presentan una serie
de etapas que son muy importantes para determinar el desarrollo de la
personalidad, teniendo en cuenta que si se representan una fijación en
algunas de estas etapas el individuo podrá tener trastornos psíquicos en
son estimulantes y benéficas para la vida del grupo por cuanto producen
actitudes de sana competencia, es más frecuente que den origen a
tenciones entre el niño y sus contemporáneos y perturben el desarrollo
de actividades pacíficas y cooperativas en el seno de la comunidad de
los niños. Es significativo que tal conducta de parte del individuo no
precise ser ocasionada por una provocación real a la rivalidad y a los celos
que tenga su origen en otros, sino que constituya un resultado de sus
experiencias pasadas. Las figuras de la vida posterior representan para el
individuo las personas importantes de su más temprana niñez.
Por consiguiente, las trata sobre la base de sus propios méritos. En una
comunidad de niños (o adultos), tales tenencias se hallan naturalmente
presentes en todos los miembros individuales y producen de este modo
reacciones y contra- reacciones, tensiones y contra- tensiones.
Factores perturbadores de igual importancia se originan en la
apetencia agresiva. En los últimos años, en especial bajo la influencia
de la experiencia bélica, muchos han dicho y escrito los psicólogos y los
educadores de todas las naciones con respecto al papel de la agresión
en la vida emocional del niño y en el desarrollo de su carácter. Parece
reconocerse universalmente el hecho de que el desarrollo psicológico
normal y anormal no puede comprenderse sin explicar en forma
adecuada el papel desempeñado por las tendencias y actitudes agresivas
y destructivas. El problema de la agresión en los niños normales ha
sido estudiado en especial en relación con sus respuestas sociales. Se ha
mostrado, así, que en los niños anormales la agresión desempeña un papel
importante en cuanto produce o contribuye a enfermedades neuróticas y
psicóticas, así como al desarrollo antisocial y criminal.
El niño resuelve este conflicto temprano entre el amor y el odio de
modo que tiene graves consecuencias para sus relaciones adultas. En
su intento de mantener sus sentimientos por progenitores y hermanos
como puramente positivos y libres de agregados agresivos, puede
apartar de la familia todas sus tendencias hostiles y dirigirlas al mundo
exterior, tornándose suspicaz y crítico con todos los extraños, los
considera enemigos, se vuelve hipersensible con respecto a las cualidades
desagradables que puedan tener y responde con exagerada violencia a
los ataques imaginarios o a los más ligeros signos de hostilidad real que
Consideraciones finales
Se tiene entonces la Neurosis y la Neurosis Infantil. Es decir: no hay
diferencia entre neurosis infantil y neurosis del adulto, lo que existe son
síntomas que pueden manifestarse en cualquier momento del desarrollo, por
lo tanto un solo psicoanálisis que puede aplicarse tanto a niños como a adultos.
La neurosis fóbicas bien organizadas y sintomáticas es poco frecuente
en la clínica del niño pequeño. Aparecen generalmente entre los 4 y los 7
años de edad, al igual que en el adulto, la organización neurótica-fóbica
se suele manifestar a través de ciertos rasgos del comportamiento y del
carácter. Se trata de niños temerosos, huidizos, con comportamientos
emocionales evitativos.
Referencias
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Freud, S. [Autor], Obras completas, v. VII. Buenos Aires: Amorrortú.
(Original publicado en 1905a)
Ferenczi na contemporaneidade
Ferenczi in contemporaneity
Ferenczi dans l’époque contemporaine
Joel Birman*
que está presente na composição desse livro não é mais uma obra “sobre
Ferenczi”, mas um livro “com Ferenczi”, como se enuncia literalmente
no seu título. Assim, não obstante, se referiram e citaram fartamente
Ferenczi ao longo desse livro, se valendo do campo conceitual deste para
sustentar suas hipóteses de trabalho e seus comentários sobre a psicanálise
na atualidade, as autoras pretenderam realizar um estudo teórico-clínico
com Ferenczi nos diferentes registros da clínica, da subjetivação e da
política. Evidentemente, se tais registros são efetivamente diferentes, eles
são, em contrapartida, organicamente complementares.
Além disso, se a singularidade é a marca que se destaca na leitura do
sujeito pelo discurso psicanalítico, os ensaios constituintes dessa obra são
efetivamente singulares, de forma que cada uma das autoras assina as suas
contribuições de maneira singular e intransferível. Assim, nos diferentes
registros constitutivos do livro – clínica, subjetivação e política –, as
autoras compõem diferentes duetos sobre problemas similares, de maneira
que a obra em pauta evoca a construção de uma composição musical
cantada, na qual as duas vozes se intercalam de forma temperada, mas de
maneira repetida e regular. Enfim, a autoria se distribui então de forma
equivalente ao longo do livro, escrito que este foi a quatro mãos.
Contudo, a espinha dorsal que norteia certamente a composição do livro
em questão é a crítica sistemática da ideia de verticalidade e de hierarquia
bastante presentes no campo psicanalítico contemporâneo e a defesa, em
contrapartida, da ideia de horizontalidade nesse campo. Seria por conta
disso, com efeito, que a experiência analítica pode sustentar o enunciado da
singularidade do sujeito, que deve igualmente se inscrever na comunidade
institucional da psicanálise, como seu correlato. Foi ainda em decorrência
disso que as autoras escolheram realizar um livro com Ferenczi e não sobre
Ferenczi, para destacar seja a dimensão da horizontalidade na comunidade
psicanalítica, seja para respeitarem a dimensão da singularidade presente
em ato na experiência do sujeito na psicanálise.
Assim, Ferenczi foi convocado e evocado pelas autoras no confronto
direto que estas estabelecem no campo psicanalítico na contemporaneidade,
nos diferentes registros acima destacados. Com isso, Ferenczi se inscreve
decididamente numa comunidade de destino com as autoras da obra e não
numa comunidade de origem, que aludiria necessariamente às dimensões