Colectânea de Textos Maçónicos A PARTIR PEDRA. ANO (Índices Por Semestres)

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Colectânea de textos Maçónicos

A PARTIR PEDRA
http://a-partir-pedra.blogspot.pt/

ANO 2010

(índices por semestres)

Blogue sobre Maçonaria escrito por Mestres da


Loja Mestre Affonso Domingues
Contents
Blogue da R.·. L.·. Zarco a Oriente do Funchal 1

Máquina infernal... 4

O décimo oitavo Venerável Mestre 6

Entrar bem o ano 11

Amigos como os de infância 13

O ágape 17

A escola 21

exemplo (?) EXEMPLO (!!!) 24

Blog da ARLS Duque de Caxias IX, n.º 2198 26

Dançar, dançar, dançar... 29

Ansiedade 30

“M” ? 34

Visita à Loja Hippokrates 37

Portugal e Áustria - ligações históricas entre os dois 41


países, especialmente do ponto de vista maçónico

Intolerância 49
O maçom e a Política 54

O maçom e a Religião 58

O maçom e o conflito 63

A propósito de três perguntas que já não existem... 67

A Maçonaria não é uma religião 72

A viagem 77

Repto aceite 95

Réplica e tréplica 111

No Title 119

Loja Mestre Affonso Domingues: o sítio e o blogue 121

A Grande Máquina 126

Loja Mestre Affonso Domingues - 20 Anos de História 129

7º Encontro Nacional da APNF 132

As pranchas do livro 134

Eu serei, apenas, mais um! A partir pedra ao Vosso 138


lado… a bem da Ordem.

António Cunha Coutinho, maçom absoluto 142


Esclarecimento 147

30 de junho, 19 horas 152

Eleição do Grão Mestre 155

19 horas: Grémio Literário; até lá: Eça 156


Blogue da R.·. L.·. Zarco a Oriente do Funchal

January 06, 2010

Basta consultar os textos do marcador "Blogues outros" para se


verificar que aqui se está atento à "concorrência" e que, quando se
encontra um blogue que entendemos que o justifica, o divulgamos
através de um texto aqui no A Partir Pedra.

Hoje, é com indisfarçada satisfação que referencio aqui o Blogue


da R.·. L.·. Zarco a Oriente do Funchal (endereço:
http://joaogoncalveszarco.blogspot.com/), que, de alguma forma, se
inspira no A Partir Pedra mas que, certamente, fará o seu próprio
caminho, diferente - porventura melhor... - que o nosso.

A R.·. L.·. Mestre Affonso Domingues deu uma ajuda para o


alçamento de colunas da R.·. L.·. João Gonçalves Zarco, ao Oriente
do Funchal, acolhendo e preparando obreiros que iriam integrar
esta Loja, aliás presentemente liderada por um antigo obreiro da
R.·. L.·. Mestre Affonso Domingues.

1
Não admira, assim, que alguns dos projetos iniciais desta nóvel - e
visivelmente dinâmica - Loja se inspirem no que a R.·. L.·. Mestre
Affonso Domingues vem desenvolvendo - e, a partir dessa
inspiração, desenvolvendo os seus próprios caminhos, buscando
aperfeiçoar o modelo, expurgá-lo do que de menos bom tem,
melhorá-lo.

Nesse sentido, enquanto o A Partir Pedra se anuncia a si próprio


como o Blogue escrito por maçons da Loja Mestre Affonso
Domingues, o Blogue da R.·. L.·. Zarco a Oriente do Funchal
declara que Este blogue é feito pelos obreiros da R:. L:. João
Gonçalves Zarco, n.º 71 da Grande Loja Legal de Portugal - GLRP,
a Oriente do Funchal.

Um dos colaboradores do Blogue da R.·. L.·. Zarco a Oriente do


Funchal é T.:. P.:., que, sob o pseudónimo por extenso de
Templuum Petrus, já publicou alguns textos aqui.

Apontadas as semelhanças, anotem-se as diferenças. Desde logo,


de imagem, tendo o Blogue da R.·. L.·. Zarco a Oriente do Funchal
optado pelo tradicional fundo negro de muitos dos blogues de
temática maçónica. Mas, para além da "cosmética", é já possível
notar-se, apesar da juventude do blogue (teve os primeiros textos
publicados em 12 de novembro último) e do ainda reduzido (mas
significativo, para menos de dois meses de publicação) número de
textos (19, até ao final do ano de 2009), uma assinalável diferença -
para melhor, frise-se - em relação ao nosso blogue: a participação
de elementos daquela Respeitável Loja. Em 19 textos,
descortinamos, pelo menos, seis autores (Zarco, Nadir, T.:. P.:.,

2
tes.:o.dias, RF e H:. T:.), o que é quase o mesmo número de
autores de textos dos mais de mil já publicados aqui e,
comparativamente à dimensão das respetivas Lojas, denota uma
muito maior proporção de participação no Funchal do que em
Lisboa...

No Blogue da R.·. L.·. Zarco a Oriente do Funchal publicam-se,


segundo julgo perceber, pranchas ou sinopses de pranchas dos
obreiros daquela Loja, ao contrário do que, com as inevitáveis
exceções, tem sucedido aqui.

Estes dois aspetos - maior proporção de obreiros da Loja a


participarem no blogue e publicação nele das pranchas ou sinopses
de pranchas apresentadas em Loja - afiguram-se-me exemplos de
dois caminhos diversos do que este blogue vem seguindo, com
vantagem para os nossos Irmãos madeirenses.

Seguir o Blogue da R.·. L.·. Zarco a Oriente do Funchal é uma


maneira fácil de seguir e apreciar o trabalho dos maçons da, por
enquanto única, Loja Regular na Madeira. Eu, por mim, já me
inscrevi como seguidor...

E, claro!, este blogue passa a integrar a nossa lista de atalhos!

Assim a Maçonaria Regular portuguesa vai crescendo na


blogosfera. Já vamos em três blogues, oriundos de localizações tão
díspares como Lisboa, Madeira e Macau...

Rui Bandeira

3
Máquina infernal...

January 08, 2010

Só pode mesmo ser uma máquina infernal, destinada a


enlouquecer qualquer pobre afinador que tenha o arrojo de se
meter a afinar esta... coisa.

Mais uma vez um amigão quis partilhar comigo, e eu convosco,


uma curiosidade.

Desta vez trata-se de um objeto inqualificável para mim, mistura de


instrumento musical, robot, realejo, número de circo, ... que alguém
(não me disseram nada sobre a autoria da invenção) imaginou e
realizou e que alguém (outro ou o mesmo) resolveu transmitir para
a net.

Agora, mistério, mistério, então não é que toca música... mesmo ?

Embedded File ()

Para começar o ano com animação e imaginação.

A propósito desse tema ("começar o ano") tão espremido durante


estes dias passados, apetece-me reafirmar que o estado do mundo
em que vivemos e de que tanto todos se queixam, está
dependente, exclusivamente, daquilo que os homens quiserem
dele.

E até podemos pegar no exemplo do "instrumento" acima.

4
Porque razão havemos de ser tão complicados ?

Como diria o do anúncio, "se fosse mais simples também tocava,


mas não seria a mesma coisa..."

Os homens e o seu mundo (quem se lembra do "D.Camilo e o seu


pequeno mundo" ?) se fossem mais simples também existiriam...
mas não seria a mesma coisa !

Pois claro. Seria bem melhor.

JPSetúbal

5
O décimo oitavo Venerável Mestre

January 13, 2010

O décimo oitavo Venerável Mestre exerceu funções entre o


segundo sábado de setembro de 2007 e idêntico dia de 2008.
Dispensa aqui apresentações, pois é bem conhecido dos leitores
deste blogue, de que é fundador. O décimo oitavo Venerável
Mestre foi o nosso bem conhecido, e atual "animador" de fim de
semana do blogue, JPSetúbal.

JPSetúbal é - e já era, na altura em que exerceu o ofício de


Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues - o reformado
mais ocupado que conheço. Ele são os netos, ele são as

6
instituições de solidariedade que apoia, ele são as reparações de
material informático, ele é o sítio de informação regional, ele é a
televisão de informação regional (agora já são duas), ele é o tempo
que dedica aos amigos, conhecidos, companheiros, colegas e
ex-colegas, ele é o tempo que dedica à família (sempre pouco, no
dizer da sua permanentemente insatisfeita cara-metade.... como a
minha diz de mim... são feitios...), enfim, ele fica com pouco tempo
até para se coçar...

Mas, como todas as pessoas atarefadas, o JPSetúbal lá arranjou


ainda tempo para encaixar na sua vida mais uma responsabilidade:
dirigir, durante um ano, a Loja Mestre Affonso Domingues. Recebeu
a Loja organizada, como referi notexto sobre o seu antecessor, e
iniciou o seu mandato com evidente entusiasmo, logo apresentando
o seu Quadro de Oficiais e o seu plano das atividades previstas
(hábitos de gestor, que não se perdem com a reforma...).

A Loja recebeu o seu décimo oitavo Venerável Mestre com


indisfarçada expectativa e esperança de mais um ano bonançoso.
O JPSetúbal era, e é, um obreiro muito querido e considerado da
Loja Mestre Affonso Domingues. A sua bem disposta bonomia, a
sua serena competência, o seu estilo calmo, ponderado e
conciliador, enfim, o seu ar de "confortável avô", cativam todos os
demais e predispõem para que todos correspondam aos seus
pedidos e se enquadrem no cumprimento das tarefas por si
organizadas.

E o ano foi, efetivamente, bonançoso... até certo ponto - que os


imponderáveis espreitam sempre atrás da porta...

7
O JPSetúbal não propôs, nem preparou, nem organizou, nem
executou, nenhuma grandiosa iniciativa. nem era isso que se
propunha fazer - ou que tinha cabimento que fizesse. O JPSetúbal
fez precisamente aquilo que dele se esperava que fizesse: a gestão
calma, serena e normal de uma Loja maçónica em velocidade de
cruzeiro, sem especiais problemas nem visíveis desequilíbrios
relevantes, tomando o leme que o seu antecessor deixou entregue
ao seu cuidado e conduzindo a Loja no seu normal caminho até
chegar a altura de passar a direção da barca ao seu sucessor.

Assim, programou e executou o que, para a Loja Mestre Affonso


Domingues, já é, felizmente, o trivial e sem história particular: as
iniciações dos candidatos - que, na Loja Mestre Affonso
Domingues, nunca faltam e, até, têm de ficar em "lista de espera",
pois procuramos não exceder a nossa capacidade de
acompanhamento e enquadramento de Aprendizes -, as passagens
de grau dos que cumpriram com êxito a primeira parte do seu
trabalho e da sua integração, as elevações dos que concluíram a
sua fase de formação e estão prontos para a futura assunção de
responsabilidades na Loja, as pranchas, a atividade administrativa
e de representação da Loja, enfim, repito, o trivial...

Para além desse trivial, lembro-me que foi o JPSetúbal quem


diligenciou a fabricação e obtenção do segundo exemplar do
estandarte da Loja (já que o exemplar original foi objeto de uma
apropriação privada por parte de um anónimo, externo e
obviamente desconhecido colecionador - não sei se me faço
entender...), quem organizou e dirigiu a participação na Loja Mestre

8
Affonso Domingues na homenagem a Aristides de Sousa Mendes,
organizada pela Loja que ostenta o seu nome, quem organizou e
dirigiu mais uma sessão de dação de sangue (esta, afinal, está mal
colocada: façam o favor de a considerar enfileirada no "trivial" -
para nós, já o é), levou a cabo a formalização da geminação com a
Respeitável Loja Rigor, ao Oriente de Bragança, teve o encargo e
responsabilidade de realizar a intervenção de saudação ao
Grão-Mestre e a todas as Lojas na sessão de Grande Loja do
equinócio da primavera de 2008 - algo que, uma vez que só há
quatro sessões de Grande Lojas por ano e porque tal compete por
rotatividade entre as Lojas, não voltará a ocorrer senão daqui a
muitos anos, se é que volte a suceder! - e programou, organizou e
participou na visita da Loja gémea Fraternidade Atlântica à outra
Loja gémea, a Rigor. Deixou preparada e pronta para execução a
receção dos Irmãos da Fraternidade Atlântica em Lisboa.

Foi neste ponto do seu mandato que o imponderável exterior fez a


sua aparição e condicionou fortemente a atividade do JPSetúbal.
Precisamente quando se encontrava em Bragança, no encontro
com a Fraternidade Atlântica e a Rigor, a sua cônjuge adoeceu,
súbita e inesperadamente, com alguma gravidade. Teve de ser
submetida a duas intervenções cirúrgicas em Bragança e de ali
permanecer durante algum tempo. Obviamente que o JPSetúbal
teve de fazer o que era simultaneamente seu dever e sua vontade:
ficou em Bragança todo o tempo necessário, em ajuda e
companhia da sua cônjuge.

Praticamente toda a parte útil restante do seu mandato teve de ser


assegurada à distância. O que, obviamente, comprometeu os seus

9
projetos para a parte final do seu mandato. Mas o que tem de ser
tem muita força. E, pelo menos, resta a consolação de que o
trabalho feito até que surgiu o impedimento foi profícuo e relevante.
E que a Loja reagiu com naturalidade e sem problemas a mais
esta, para si inédita, experiência, de ficar, durante um tempo não
negligenciável, a ser dirigida à distância, em óbvios "serviços
mínimos", sendo a ausência física do seu líder suprida pelos
elementos que, nestes casos, têm de suprir essa ausência.

O previsível ano bonançoso teve, na sua parte final, esta pequena


tormenta. Que serviu para a Loja testar e executar a sua
capacidade de prosseguir o seu caminho normal, apesar da
inesperada dificuldade, suprida pela forma como está estabelecido
que seja suprida, sem problemas de maior. Enfim, mais uma
experiência bem sucedida!

Fora da Loja Mestre Affonso Domingues não se deu pela


ocorrência desta anormalidade. O que demonstra a preparação da
Loja para lidar com estes imponderáveis que - aprendemo-lo à
nossa custa! - podem surgir a qualquer tempo e sem pré-aviso.

Contas feitas, o mandato do JPSetúbal foi, afinal, um bom ano para


a Loja. Apesar do imponderável surgido, JPSetúbal entregou ao
seu sucessor uma Loja um pouco melhor, seguramente um pouco
mais adulta, do que a que recebeu do seu antecessor. Essa
maturidade acrescida veio a ser útil mais tarde...

Rui Bandeira

10
Entrar bem o ano

January 16, 2010

Porque Vocês merecem... Magnífico este slogan.

Ainda por cima verdadeiro, neste caso !

Pois porque Vocês merecem aqui Vos deixo mais um "boneco" da


Cristina Sampaio que ela quiz ter a simpatia de me mandar... com
os votos de um bom Ano Novo.

A Cristina, como todos os que seguem a sua arte bem sabem (no
Expresso e no Público é raro falhar um exemplar), tem uma visão
muito crítica da sociedade e não esconde, bem pelo contrário, nos
desenhos que faz.

Este é só mais um acerca do qual não vou tecer qualquer


comentário, mais ainda porque correria o risco de adulterar o
espírito que queremos que se mantenha neste espaço de formação
e informação.
Assim fiquem simplesmente com este "polvinho" assaz atrapalhado
para cumprir o ritual.

11
E tenham um bom fim de semana, sem copos excessivos e com os
pés (todos os possiveis) bem assentes no chão.
JPSetúbal

12
Amigos como os de infância

January 20, 2010


O grupo de maçons conversava descontraidamente. A reunião
formal terminara, a refeição que se lhe seguira também já fora
apreciada por todos. A conversa fluía com naturalidade. Embora
partindo do tema que iniciara o debate, cada um ia-se afastando
dele, ao sabor do curso dos seus pensamentos. Era um grupo de
amigos que conversava. Como qualquer outro grupo de amigos.
Talvez a mais notável diferença fosse que não havia ruído de fundo
de conversas cruzadas. Mesmo em descontração, aquele grupo de
maçons praticava a regra de que falava um de cada vez, para todo
o grupo, e cada um aguardava a sua vez de dar a sua opinião.

Rapidamente a conversa derivou para o significado que aquele


grupo, a Loja, tinha para cada um. O que cada um esperava. Do
que cada um pretendia que fosse, que fizesse.

Cada intervenção era diferente da anterior. Mesmo quando


concordando com o que já fora dito, acrescentava-se sempre algo
de novo, alguma subtileza, uma nuance, um elemento, que tornava
diferente o que se declarava similar. Nada de extraordinário
naquele grupo. Há muito que era assim e assim se forjara a sua
identidade. Os novos que se juntavam aos que já estavam
depressa aprendiam como o grupo funcionava. Era através da
apresentação sucessiva de opiniões, posições, sugestões, nunca
completamente coincidentes, às vezes diversas e aparentemente
inconciliáveis, que, lentamente, naturalmente, sem esforço, emergia
a síntese que todos acabavam por adotar como a posição comum,

13
por todos aceite e respeitada. Às vezes não era fácil. Às vezes
durava mais tempo. Às vezes implicava duas, três, quatro, as
conversas que fossem necessárias. Mas, mais tarde ou mais cedo,
sempre a tal posição comummente adotada acabava por emergir.

A conversa espraiou-se por um tema que não era novo. Os mais


antigos no grupo sabiam que era ciclicamente abordado e
renovado. Era natural. O grupo alterava-se, renovava-se, havia
sempre novos elementos que nunca tinham abordado a questão. O
tema era o que fazer com o grupo. E, como sempre, derivava-se
sempre para as expectativas de cada um...

Um preferia o convívio. Outro apreciava mais o ritual. Um terceiro


dava muita importância à beneficência. Outro ainda gostava mesmo
era da apresentação de trabalhos. Houve mesmo outro que
declarou, enfaticamente, que o que buscava era que fossem
contraditadas as suas ideias feitas, de forma a poder
continuamente testar o seu pensamento e, assim, verificar quando
devia mudar de opinião. Um outro ainda, não menos enfaticamente,
esclarecia que considerava uma maçada as reuniões em que não
aprendia nada novo. Mas, no entanto, logo acrescentava que,
mesmo quando sabia que havia reuniões em que não aprendia
nada de novo, e que ele ia achar uma maçada, ainda assim
gostava de ir e... não sabia como, também essas acabavam por lhe
ser úteis.

E assim iam conversando, como alguns deles e outros assim


mesmo tinham conversado antes, e outros antes deles... Nada de
especialmente novo, pensava o velho maçom, sabendo, esperando

14
que, como sempre, algo de diferente acabasse por surgir, como
frequentemente acabava por suceder.

Foi então que um deles, pessoa de palavras não muito


complicadas, mais de fazer do que de falar, chegada a sua vez,
disse que o que ia dizer tinha-o ouvido a outro membro do grupo,
naquele dia não presente, mas que era isso mesmo o que sentia.

E disse então: a Loja é aquele sítio onde podemos ter amigos como
os de infância.

O velho maçom recostou-se na cadeira em que se sentava e sorriu


interiormente: a síntese daquela noite fora encontrada!

Tinha e tem toda a razão aquele maçom não especialmente dotado


para a palavra, mas que expressou a ideia melhor que os melhores
oradores. É precisamente isso que é uma Loja maçónica que se
preza de o ser: um local onde podemos encontrar amigos como os
da infância, um bem precioso de que a vida e as preocupações da
idade adulta geralmente nos privam de ir renovando. Amigos como
os da infância normalmente só na infância se fazem - e essa é uma
das razões por que esse período da vida é recordado
frequentemente com nostalgia... Passada a infância, podem
fazer-se amigos, fazem-se amigos, mas, em bom rigor, essas
novas amizades dificilmente têm a mesma pureza, o mesmo
desinteresse, a mesma naturalidade, das amizades de infância.

Mas, lembrou-o com acerto aquele maçom, e já o tinha notado o


outro maçom que ele citara, ali, na Loja, descobria-se um local

15
onde, afinal, se podia ter amigos como os de infância.

E esta é parte importante e imprescindível da essência da


Maçonaria.

A próxima vez que um profano me perguntar o que faz afinal um


grupo de homens adultos reunir-se frequentemente, tirando tempo
à sua família, aos seus afazeres, ao seu descanso, já sei
finalmente como lhe posso responder, para que entenda:
reunimo-nos em Loja, gostamos de o fazer, porque aquele é um
local onde podemos ter amigos como os de infância - e isso é raro,
muito raro, e precioso!

Rui Bandeira

16
O ágape

January 27, 2010

Este tema já foi objeto de um texto aquino blogue, nos idos de


setembro de 2006. A estrutura de um blogue tem a desvantagem
de sepultar nas profundezas dos índices os textos que vão ficando
antigos - e, na voracidade do tempo que é apanágio da Sociedade
de Informação, o mês passado já é tempo antigo, o ano transato já
cheira a antiguidade remota... Pouco terei a acrescentar ao texto
atrás referido, mas parece-me valer a pena retomar o tema e
relembrar para que serve e o que significa, para os maçons, o
ágape.

O ágape é a refeição que os maçons partilham logo após (de


preferência) ou imediatamente antes (se assim tiver de ser) de uma
reunião de Loja. É considerado a extensão dos trabalhos da Loja.

17
Destina-se a aprofundar os laços de amizade e fraternidade entre
os elementos que compõem a Loja e a debater assuntos de
interesse comum, num ambiente mais descontraído e informal do
que os trabalhos rituais.

Em termos de formalismo, o ágape pode ser ritual, formal com


libações ou informal.

O ágape ritual processa-se com a execução de um ritual próprio,


similar ao ritual dos trabalhos em Loja, com abertura, encerramento
e outros momentos próprios do trabalho em Loja.

Este tipo de ágape só ocasionalmente ocorre. As condições


logísticas, temporais e anímicas necessárias para um ágape deste
tipo são estritas e de difícil verificação. Para garantir a sua
simultânea existência, é necessário que a Loja antecipadamente
deseje, programe e organize um ágape desse género. É necessário
garantir um espaço adequado, exclusivamente destinado aos
intervenientes no ágape. Estes terão, obrigatoriamente, de ser
maçons, não sendo admitida a presença, ainda que ocasional ou
por curto período, de profanos. Isto implica que o ágape decorra, ou
nas instalações da Loja, ou em local cedido para acesso reservado
exclusivamente para os maçons participantes. Implica também que
os mantimentos a consumir sejam preparados pelos próprios
maçons, na hora ou pouco antes, ou que sejam encomendados e
recebidos já preparados antes de se iniciar o ágape. Implica a
disponibilidade de todo o equipamento necessário para uma
refeição de um considerável número de comensais: mesa de
tamanho adequado, cadeiras, toalhas, pratos, copos, talheres,

18
guardanapos, etc.. Implica prévia organização de como decorre o
repasto: quem faz o quê, quando e como. Enfim, é um tipo de
ágape que não é prático nem fácil organizar rotineiramente - e que,
portanto, só ocorre extraordinariamente, seja para celebrar algo,
seja para permitir aos seus participantes a experiência de um
ágape inteiramente ritual.

Acresce ainda que, saídos de uma reunião com ritual, não apetece
propriamente passar a uma refeição... igualmente ritual, com óbvia
proscrição da informalidade e diminuição da descontração...

O Antigo Grão-Mestre e Grão-Mestre ad vitam da G.·. L.·. L.·.


P.·./G.·. L.·. R.·. P.·. Luís Nandin de Carvalho elaborou, em 2002,
adaptado de vários rituais de tradição oral, portugueses e
franceses, um ritual de ágape que, segundo creio, nunca chegou a
ser formalmente adotado pela Obediência, mas que é detido por
várias Lojas, que o poderão, quando desejarem, executar.

O ágape formal com libações não é ritualizado, exceto quanto a


estas, mas seguem-se tradicionalmente algumas regras,
designadamente quanto à posição na mesa do Venerável Mestre
(e, quando possível, também dos Vigilantes), quanto à invocação
inicial e mais um ou outro aspeto, variável de Loja para Loja. As
libações, isto é, os brindes, são obrigatoriamente no mínimo de
sete e ocorrem segundo uma ordem determinada. Este tipo de
ágape pode ocorrer apenas com a presença de maçons ou também
como ágape branco, isto é, com a presença de profanos.

Finalmente, o ágape absolutamente informal destina-se

19
essencialmente ao convívio. Não ocorrem libações. É o ágape
possível quando apenas se tem disponível um local público, não
exclusivamente utilizado pelos maçons presentes.

Havendo condições para tal (local e tempo), pode e deve


providenciar-se para que, integrado no ágape, ocorra um debate
sobre qualquer tema, maçónico ou profano, ou a apresentação de
uma prancha, igualmente de cariz maçónico ou profano.
Obviamente que o debate ou apresentação de tema de cariz
maçónico só ocorre em ágapes em que estão exclusivamente
presentes maçons. Já os debates ou apresentações de temas
profanos podem ocorrer em ágapes de maçons ou ágapes brancos.

Podem ser convidados profanos a proferir uma comunicação ou a


intervir num debate, em ágape branco, em regra sobre temas
profanos da especialidade do convidado. Pode também ocorrer que
esse convidado, profano, conferencie sobre um tema de interesse
maçónico - do ponto de vista do profano.

As intervenções nos ágapes são abertas a todos - isto é, não vigora


no ágape a regra do silêncio de Aprendizes e Companheiros. O
ágape funciona, assim, como meio importante da integração dos
Aprendizes na Loja e reforço dessa integração, quanto aos
Companheiros.

Rui Bandeira

20
A escola

February 03, 2010

Uma Loja maçónica deve ser também uma escola. Uma escola
diferente. Não propriamente um local onde se ensina matéria única
para alunos múltiplos. Antes um meio de proporcionar a cada
elemento, que é ÚNICO, porque diferente de todos os outros, os
meios, o ambiente, a vontade, a orientação, para que ele apreenda
(mais do que simplesmente aprenda...) os múltiplos ensinamentos
éticos e morais que a vida nos ilustra e exige que um homem
verdadeiramente de bem pratique.

21
A Loja maçónica é uma escola que não ensina. Pelo menos, nada
ensina de novo. Ou nada que não possa ser aprendido noutros
locais, noutras escolas, em livros, publicações, etc.. No entanto, é
um lugar onde se aprende.

Aprende-se porque não se limita a ouvir uma palestra ou lição.


Aprende-se porque se vivem as situações que demonstram ou
sugerem os princípios ou ensinamentos éticos ou morais que se
tornam patentes até perante os olhos mais distraídos.

Aprende-se porque não é exibido ou induzido um pensamento


único, uma formatação, antes se facultam painéis de onde cada um
retira elementos para que seja a sua própria inteligência, a sua
própria vivência, a sua própria personalidade a formular o conceito,
a integrar o pensamento.

Aprende-se - sempre! Mesmo quando se "ensina". Sobretudo


então. Porque, ao apontar ao Aprendiz um símbolo, ao fornecer-lhe
pistas para que ele o interprete, ao executar o ritual para evidenciar
um dado ensinamento ético ou moral, o Mestre está, por sua vez,
ele próprio a aprender.

Aprende-se com o auxílio dos Mestres. Mas estes também


aprendem com o auxílio dos Aprendizes e Companheiros. Não há
alunos e professores. Há iguais descobrindo em conjunto como
cada um pode ser melhor.

Aprende-se, aprende-se mesmo, coisas novas, porque a maçonaria


procura pôr em prática o ideal iluminista em relação ao

22
conhecimento. E, portanto, todos sabem que, por muito que
saibam, muito mais desconhecem e podem aprender. Cada um
contribui com a sua área de conhecimento para ilustração dos
demais. E assim todos podem aprender um pouco de (quase) tudo.
E quanto mais diversificada for a Loja, mais se pode aprender.

Por isso, em Loja tanto valor tem o Professor Doutor como o


operário ou o indiferenciado. Aquele proporciona ensinamentos a
estes - mas também destes recolhe ensinamentos, que
complementam a sua profunda formação.

Em Loja, cada um põe em comum o que sabe e retira do bolo


comum o que precisa de saber, da forma como lhe dá jeito retirar,
ao ritmo a que lhe é possível retirar. Por isso em Loja não há
ideologias incensadas ou proscritas ou recomendadas, não há
conceitos únicos ou favorecidos ou aconselhados. Há um meio, um
espaço e um tempo para cada um se melhorar a si próprio,
aprendendo com os demais o que tiver de aprender, seguindo os
exemplos que entender dever seguir.

Em Loja, homens livres e de bons costumes cultivam a Liberdade


e, em espírito de Igualdade, Fraternalmente cooperam, no sentido
de todos e cada um, permanecerem livres, em si mesmos e de
preconceitos e de vícios, e sejam cada vez de melhores costumes.

Na escola que é a Loja maçónica, aprende-se e ajuda-se os outros


a aprender. Mas - sobretudo! - vive-se!

Rui Bandeira

23
exemplo (?) EXEMPLO (!!!)

February 06, 2010

Ora meus queridos Irmãos, Amigos e outros (os outros são poucos)
volto à cena depois de umas semanas de retiro trabalhoso, que
continua, mas este bocadinho hoje ninguém me tira.

Desde há algum tempo (alguns meses) tenho contactado na minha


outra vida, a profana, com um "artista" cá da minha praça, que tem
muito o hábito de utilizar a expressão:

- é preciso fazer um desenho ?

Compreende-se que é uma expressão bem desagradável, a entrar


no grosseiro com a força toda e representando uma arrogância que
não se atura.

Vem esta conversa a propósito de alguns dos escritos que por aqui
vão aparecendo de quando em vez, que me parece que nem com
desenho lá chegam.

Dei com um "desenho" que vos passo, e se por esta via ajudar os
que não entendem de outra forma, fico contente.

A minha opinião é a de que, muitas vezes, um exemplo prático


pode substituir uma biblioteca inteira de ciência teórica.

24
Ágape... não ? Bom, t'á certo.
Ritual... não ? Ok, fora.
Escola... também não ? Pronto, não há azar.

Como sabem fiz há poucos meses 69 anos (o Rui é muito seletivo


nos seus segredos...).

Não é mau !
Mas... mas já o meu avô dizia que "a tropa é qu'induca e a bola é
qu'instrói..."

Deixemos a tropa sossegada, mas vejamos a bola.


Façamos então esta tentativa.

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Meus Amigões, uma abração a todos. Bom fim de semana.

JPSetúbal

25
Blog da ARLS Duque de Caxias IX, n.º 2198

February 10, 2010

A Augusta e Respeitável Loja Simbólica Duque de Caxias IX, n.º


2198, ao Oriente de Belém do Pará, filiada no Grande Oriente do
Estado do Pará, integrado no Grande Oriente do Brasil, e que
trabalha o Rito de York, iniciou, em 23 de julho de 2009, o seu
blogue.

Proclamava o seu primeiro texto, à guisa de declaração de


princípios:

O nosso blog inicia em fase experimental, de aprendizagem total,


na qual esperamos contar com a participação e colaboração efetiva
dos valorosos Irmãos do quadro de Obreiros da Loja, bem como,
de todos os ilustres Irmãos iniciados na Sublime Ordem, através do
e-mail: [email protected].
Assumimos a iniciativa e o desafio de criá-lo com o objetivo de
disponibilizar um espaço destinado a divulgação das atividades
realizadas em nossa Oficina e para proporcionar a socialização de

26
assuntos voltados ao estudo e a pesquisa da infinita Sabedoria
Maçônica, por meio da apresentação de postagens, além da
discussão fraterna e do bom debate sobre assuntos relevantes da
Maçonaria Universal, sempre com o compromisso de fortalecermos
as Colunas e lutarmos pelo engrandecimento da Nação Brasileira,
respeitando a legislação Maçônica vigente.

Desde então, mais de ano e meio decorrido, podem os Irmãos


daquela ARLS estar tranquilos: o seu blogue atinge em pleno os
objetivos pretendidos - e com distinção!

Mais de trezentos textos, informativos, divulgadores, de discussão,


de análise, de aprofundamento, ilustram o sucesso do projeto.

Particularmente interessante e informativo é o conjunto de sete


textos "Perguntas e respostas da Maçonaria. Esclarecedor - para
maçons e para profanos!

Mas não só! Se se consultar, nos marcadores, a entrada "Artigos",


somos direcionados para - na data em que escrevo - 28 textos
muito interessantes e merecedores de reflexão.

Agrupados sob o título de "Minuto Maçônico", encontramos - para


já - 67 textos curtos esclarecendo ou definindo vários conceitos ou
termos maçónicos. Só para referir os últimos, ali se fica a saber um
pouco mais sobre a régua, o compasso, o cinzel, o que é "a
coberto" ou "estar a coberto".

No Blog da ARLS Duque de Caxias IX, n.º 2198, parte-se pedra

27
com qualidade e apresenta-se uma bela pedra polida.

Nós, aqui no nosso A Partir Pedra, aprendemos com os nossos


Irmãos desta Loja e deste blogue e - procuramos não ser
egoístas... - aqui divulgamos, assinalamos e recomendamos mais
um blogue maçónico, que merece estar incluído na lista dos
favoritos de quem se interessa por esta temática.

Rui Bandeira

28
Dançar, dançar, dançar...

February 13, 2010

A vontade de exercer uma atividade, qualquer que seja, se for


realmente forte é meio caminho andado para obtenção de exito no
exercício dessa mesma atividade.
Nunca tive a mais ténue habilidade para a dança, arte que
considero destinada a raros privilegiados da condição humana, mas
não perco a visão de uma boa dança sempre que possível.
Sempre me intrigou a capacidade de, através de movimentos do
corpo, se ser capaz de contar uma história, ainda que simples.
E algumas não são simples.
É uma maneira superior de transmitir os sentimentos, só acessível
realmente, a eleitos.
Este é um pequeníssimo e modestíssimo introito ao videozinho de
hoje.
A força interior, o querer, o gostar muito (mas mesmo muito) são
capazes de fazer milagres e aqui vai um belo exemplo disso
mesmo.

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Pronto, tenho que ir fechar a mala para a visita que faremos este
fim de semana prolongado aos nossos Irmãos Vienenses
(Respeitável Loja Hipokrates)

Bom fim de semana para todos.

JPSetúbal

29
Ansiedade

February 17, 2010

Um nosso leitor "brasileiro, nascido no Estado de São Paulo"


contactou-me pedindo que escrevesse algo sobre o tema da
ansiedade.

Não é propriamente um tema diretamente relacionado com a


Maçonaria e só marginalmente poderá ser associado a ela - abaixo
procurarei mostrar como.. Mas o pedido foi formulado de forma tão
simpática e tão eloquentemente fundamentado, que não posso
deixar de a ele corresponder.

Vejamos então o que a um maçom se oferece escrever sobre a


ansiedade...

A ansiedade não é um defeito - é um estado de espírito que a todos

30
pode acometer - e seguramente que a todos já acometeu. Em bom
rigor, tal como o medo é uma arma que a natureza nos confere em
prol da nossa preservação e segurança, a ansiedade é uma
munição posta à nossa disposição para aguçar o nosso espírito,
prepararmo-nos para o que aguardamos que venha aí. Em si
mesma, a ansiedade não é boa, nem má - é um facto da vida.

Porém, a ansiedade excessiva ou injustificada, essa sim, é um


problema que devemos aprender a ultrapassar e a dominar.

Muitas vezes confunde-se ansiedade com impaciência. São


semelhantes - mas diferentes. A impaciência desespera da espera.
A ansiedade não decorre propriamente da espera, mas do desejo -
ou temor - do que se aguarda que aí venha. Passa por cima da
espera para se fixar diretamente no que se aguarda esteja para
além dela.

Salvo quando patológica ou injustificada, a ansiedade é natural e


boa: prepara-nos para o que aí vem. Sabendo-se que algo de novo
(agradável, desagradável, ou simplesmente desconhecido) vai
surgir, a ansiedade ajuda-nos a prepararmo-nos. Antevemos o
momento feliz ou temido. Imaginamos e antecipamos como
podemos reagir.

Muitas vezes também a ansiedade se enlaça e se confunde com o


temor do desconhecido. Não se sabe se o que aí vem é bom ou
mau, se nos fará felizes ou infelizes, se melhorará as nossas
condições ou nos dificultará a vida. Mas uma e outro, ainda que
possam coexistir, são diferentes: a ansiedade prepara-nos,

31
alerta-nos; o temor do desconhecido apenas nos paralisa...

Na vida, temos muitas vezes que fazer opções sem que tenhamos
todos os dados disponíveis. Temos que assumir riscos. Que, por
muito calculados que sejam, continuam a ser riscos... Ainda que as
probabilidades de uma opção ter um resultado favorável sejam de
99 %, isso não é propriamente um grande conforto para aquele que
acaba por se deparar com a ocorrência do 1 % restante...

Aquele que experiencia alguma ansiedade pelo resultado da sua


opção, se for só isso e se for na medida certa, utiliza esse seu
estado para se preparar para aproveitar o que de bom ocorra ou
para minimizar o que de indesejado suceda. Aquele que se queda
pelo temor, pela indecisão, pela paralisia, enquanto não vê o
resultado da sua opção, nada está a influenciar no seu destino:
limita-se a suportar o que a sorte ou as circunstâncias lhe vierem a
colocar no seu caminho.

Também por vezes erradamente se designa por ansiedade o


estado em que a pessoa se encontra quando tem de escolher entre
duas opções, dois caminhos, duas ações. Isso não é ansiedade - é
indecisão. E a indecisão ultrapassa-se... decidindo! Decidindo o
melhor possível, em face dos elementos disponíveis. E, uma vez
lançados os dados (alea jacta est, frase célebre atribuída a Júlio
César), então, sim, pode-se ficar ansioso e porventura será bom
que se fique ansioso: a opção foi feita, cumpre-nos prepararmo-nos
o melhor possível para a consequência - boa ou má - que resultar
da nossa escolha.

32
Em Maçonaria, aprendemos a gerir e a não confundir a positiva,
desde que equilibrada, ansiedade, com a impaciência nem com a
indecisão, nem com o temor do desconhecido. E o maçom aprende
a fazê-lo... mesmo antes de o ser: o candidato à iniciação tem de
aguardar algum tempo, por vezes bastante, outras vezes muito,
algumas outras muitíssimo, até saber a decisão sobre a sua
candidatura.

Tomada a decisão de pedir a iniciação, já não é a indecisão que o


assalta. Não deve ser a impaciência a aguilhoar o seu espírito: não
ganha nada com isso, não depende dele... Também não se justifica
qualquer temor, embora desconheça o que aí vem - é-lhe garantido
que nada do que aí vier porá em causa a sua segurança ou
dignidade ou convicções. No entanto, durante todo o tempo de
espera, a ansiedade está lá - e é bom que esteja: alerta-o para
melhor viver o que virá a viver, desperta-o para melhor aprender o
que virá a aprender, prepara-o para melhor fruir o que virá a fruir.

Na Maçonaria, como na vida, a ansiedade não é para ser evitada,


nem lamentada: é para ser dominada e aproveitada!

Rui Bandeira

33
“M” ?

February 20, 2010

Como anunciei no final do meu último post, naquela altura fui


mesmo fazer a mala para uma visita aos nossos Irmãos vienenses.
Fomos e viemos (o Rui também, mas não só), com boas viagens
embora cansativas (mais chatas que cansativas) por não serem
voos diretos.
A temperatura máxima de 0 (ZERO, MÁXIMA...) graus que
encontramos e o pouco tempo disponível não foram de molde a
incentivar grandes devaneios turísticos pelo que nos tivemos de
concentrar em meia dúzia de pontos centrais da Viena, e sendo
assim uma visita compreensivelmente inevitável seria sempre a
casa de Mozart.
Deixarei a história da visita à nossa Loja Irmã Hipokrates para o
Rui, se ele entender que deve trazer para aqui detalhes dessa

34
visita.

Eu limitar-me-ei a trazer duas imagens, históricas para a Maçonaria


universal (os objetos representados, não as imagens !) que
mostram paramentos que pertenceram a Mozart.
Chamou-nos particularmente a atenção o facto de haver um “M” no
local onde sempre temos visto um “G”.
Se virem com atenção, no colar da 1ª foto consegue ver-se
claramento o "M" no espaço entre o Compasso e o Esquadro e,
que saibamos, Geometria não se escreve com "M".
Nem em "vianês"...
A razão, que tentàmos descobrir, acabou não ficando clara
deixando a ideia que seria possivelmente uma demonstração de
algum narcisismo mozartiano.
Este “M” é tipicamente um caso a tentar perceber a seguir.
Bom, não é um vídeo esta semana, mas são imagens que
possivelmente nem todos conhecem e o que me interessa é a
divulgação do que é interessante.

35
Bom fim de semana.
JPSetúbal

36
Visita à Loja Hippokrates

February 24, 2010

Uma delegação da Loja Mestre Affonso Domingues, na qual se


incluíram o JPSetúbal e eu próprio, efetuou, na passada semana,
uma visita à Loja Hippokrates, da Grande Loja da Áustria, que
reúne ao Oriente de Viena.

A Loja Hippokrates foi fundada em 1993. Como o seu nome indica,


o seu grupo fundador tinha uma grande prevalência de médicos.
Hoje, está diluída essa prevalência. Uma parte dos seus membros
são médicos, mas a Loja tem, presentemente, maçons exercendo
as mais variadas profissões, ostentando a diversidade que, em
Maçonaria, é uma riqueza.

A Loja Mestre Affonso Domingues e a Loja Hippokrates

37
geminaram-se em maio do ano passado e um dos pontos do
convénio de geminação respeita precisamente à promoção de
visitas mútuas entre os obreiros das duas Lojas.

A Loja Hippokrates trabalha o Rito de Schröder, um rito praticado


essencialmente nos países de língua alemã, de que reconheci
elementos dos ritos de York e Escocês Antigo e Aceite, mas que,
essencialmente, é um rito muito prático, simplificado e de rápida
execução. A eficiência germânica...

A Loja Hippokrates reúne semanalmente, às segundas-feiras. As


suas reuniões são rápidas - cerca de uma hora de duração - e são
seguidas de um ágape, servido numa sala reservada para o efeito
no edifício-sede da Grande Loja da Áustria. Por regra, em todas as
reuniões é apresentada uma prancha, que é seguidamente
discutida no ágape.

Em face da nossa visita, os nossos anfitriões tiveram a cortesia de


efetuar algumas alterações no seu procedimento habitual. Apenas
a abertura e o encerramento dos trabalhos rituais decorreram em
alemão. Todo o resto da reunião decorreu em inglês, de forma a
facilitar a comunicação entre anfitriões e visitantes. Também no
ágape a língua preferencial de comunicação foi o inglês.

O debate, no ágape, acabou por não incidir sobre a prancha


apresentada pelo Irmão E. C., austríaco casado com uma
portuguesa, dedicada ao tema das relações históricas entre a
Áustria e Portugal. A curiosidade dos nossos Irmãos austríacos
sobre a Maçonaria Regular em Portugal e a forma como trabalha

38
sobrepôs-se e o debate no ágape acabou por revestir a forma de
respostas dos visitantes a perguntas dos Irmãos austríacos,
satisfazendo o legítimo interesse destes em conhecer melhor a
forma como se trabalha por cá.

Foi uma agradável visita, em que fomos recebidos de forma


inexcedível pelos nossos Irmãos da Loja Hippokrates.

Na próxima semana, publicarei aqui a prancha lida na ocasião pelo


Irmão E. C..

Uma última nota, a propósito da interrogação deixada pelo


JPSetúbal no seu último texto aqui no blogue: o "M" que, em terras
de língua germânica, em tempos se colocava entre o esquadro e o
compasso era a inicial de "Maurerei", ou seja, Maçonaria. Nestas
coisas, os alemães, cultores da filosofia e com uma língua
especialmente adequada para a especulação filosófica, não
facilitam, nem suscitam dúvidas ou confusões... Assim, onde os
anglo-saxónicos punham o "G" de Geometria (que, nos tempos da
maçonaria operativa, era um termo sinónimo de Maçonaria, como
tive oportunidade de referir nos comentários à Lenda do Ofício), os
germanos foram diretamente ao assunto e colocaram o "M" e não
se fala mais nisso... Nos dias de hoje, nos países de língua
germânica, deixou de, por regra, se incluir qualquer letra no
símbolo maçónico por excelência: ou simplesmente se representa o
esquadro e o compasso, como se pode verificar no sítio na Internet
da Grande Loja Unida da Alemanha, ou se coloca entre ambas as
peças um fio de prumo, como se pode ver no símbolo do sítio da
Grande Loja da Áustria.

39
Rui Bandeira

40
Portugal e Áustria - ligações históricas entre os dois
países, especialmente do ponto de vista maçónico

March 03, 2010


Como referi no texto publicado na semana passada, hoje procedo à
publicação da prancha apresentada pelo Irmão E. C., da Loja
Hippokrates, na reunião daquela Loja em que uma delegação da
Loja Mestre Affonso Domingues efetuou uma visita àquela Loja.

Sabemos que alguns dos leitores deste blogue não dominam o


inglês e preferem sempre que publiquemos aqui apenas textos em
português. Mas, por vezes, justificam-se exceções - e este é um
desses casos. Trata-se de um trabalho feito por um Irmão
estrangeiro propositadamente para ser apresentado para o dia em
que estava programada a visita à sua Loja de Irmãos portugueses
da Loja Mestre Affonso Domingues. Ficámos, é óbvio, muito
sensibilizados. E uma forma de manifestar o nosso agrado é
publicar aqui o trabalho apresentado.

Portugal and Austria – historical links between the two countries


especially in regard of Freemasonry

Portugal and Austria can be regarded as two countries in Europe


which obviously differ in many aspects and in this way of course
contribute to the rich diversity within the European Union. Drawing
our attention to what we do have in common we can say that –
nowadays – both countries are of rather similar dimensions
concerning size and population: whereas within more than
92000km² of the parliamentary republic on the Iberian Peninsula

41
more than ten million people are living, the federal republic in
Central Europe is somewhat smaller, being inhabited by more than
eight million inhabitants at nearly 84000km² of surface size.
Nevertheless our subject is of historical interest – which means we
have to look backwards in history to examine commonness.

Alliances between Portugal and Austria

In spite of the fact that – as to the geographic distance – our two


countries are far apart from each other, several situations occurred
in the past at which Portugal and Austria had to deal with each other
in some ways; at first it seems worthwhile to consider matrimonial
alliances between the ruling houses of the Kingdom Portugal and
the Austrian Empire. Such marriages were very common in Europe
with its multitude of monarchies because they offered political
advantages, even though the territories of the participating countries
were at remote distance of each other. The Habsburg Family whose
empire was in the centre of the continent was eager to build
alliances with many European monarchies through marriages; in
this way a dense network of familiar and political relationships
developed in the whole of Europe – which means the confusion was
perfect …
The probably first union of such characteristics between Portugal
and Austria was concluded in the 15th century: it was the wedding
of the Austrian Emperor Friedrich V (III) (1415 – 1493) with Infanta
Leonor of Portugal (1436 – 1467); she then became the mother of
one of the most important Austrian Emperors, Maximilian I, called
“The last Knight”.
During the 16th century at least five alliances were concluded

42
between the House of Habsburg and Portuguese Nobility; therefore
it is not so easy to see through the complexities which were created
in this way: these marriages mainly concern the so called “Spanish
Line” of the Habsburg Family whose establisher Emperor Karl V (I)
(1500 – 1558) married his first cousin, Infanta Isabella of Portugal
(1503 – 1539) and who were a very happy married couple; their son
Phillip II (1527 – 1598) became husband of Princess Infanta Maria
Manuela of Portugal (1527 – 1545) and named as Phillip I was later
the King of Portugal. Karl’s sister Infanta Eleonore of Castile (1498
– 1558) became the third wife of the Portuguese King Dom Manuel I
(1469 – 1521); he was the father of Eleonore’s sister in law, the
mentioned Isabella, while Eleonore at the same time was the niece
of Dom Manuel’s first and second wives. Another child of Karl,
Archduchess Johanna of Austria (1535 – 1573), was married to a
Portuguese member of high nobility as well: Prince João Manuel of
Portugal (1537 – 1554), her first cousin. A second sister of Karl,
Archduchess Katharina of Austria (1507 – 1578), became the wife
of King Dom João III of Portugal (1502 – 1557). At this point the
confusion for the listener is too big to imagine all the relations; only
an illustration could help.
The next important matrimony between Portugal and Austria was
during the 18th century, when Archduchess Maria Anna of Austria
(1683 – 1754) married her cousin King Dom João V of Portugal
(1689 – 1750).
In the early 19th century, Archduchess Maria Leopoldine (1797 –
1826) became the wife of Dom Pedro I (1798 – 1834) who was the
Emperor of Brazil and also King of Portugal for a bit more than two
months. The Portuguese royal family had been living in Brazil in
exile for ten years, as a result of the Napoleonic Wars. And a few

43
generations later, the third wife of Archduke Karl Ludwig of Austria
(1833 – 1896) was Portuguese as well, the Infanta Maria Theresa of
Portugal (1855 – 1944) who died here in Vienna during the Second
World War.

Sebastião José de Carvalho e Melo

Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras and Marquês


de Pombal – the name under which he is known – was born on the
13th of May 1699 in Lisbon as son of Manuel de Carvalho e Ataíde
and Teresa Luísa de Mendonça e Melo. After his studies at the
famous University of Coimbra which – having been founded 1290 –
is one of the oldest universities in the world, he was sent to London
in 1738 as Portuguese Ambassador and after seven years went to
Vienna having been entrusted by King Dom João V with the same
function. It was here that Sebastião José de Carvalho e Melo got
married to Leonore Ernestina Gräfin von Daun, the daughter of the
Austrian Field Marshall Leopold Josef Graf von Daun in December
1745; the wedding had been made possible after the intervention of
the Portuguese Queen, Maria Ana de Áustria. King Dom João V
called him back to Lisbon; his son and successor Dom José I

44
appreciated him so much that he was appointed Minister of Foreign
Affaires and later even Prime Minister.
The 1st of November 1755 for sure was the most tremendous day
ever for Lisbon and probably one of the most significant days in the
life of Sebastião José de Carvalho e Melo: having survived luckily
he immediately organized help for the people who had survived as
well as the burying of the victims. Thanks to his efforts there were
no epidemics in the city which in the course of the earthquake had
suffered fires and a tsunami. To rebuild of a main part of the city
new technologies for construction of earthquake-proof buildings
were invented and tried for the first time. Dom José I – not being
interested in political matters – gave him plenty of freedom for his
official functions so that under this aspect Sebastião José de
Carvalho e Melo can be regarded as the actual ruler of Portugal in
the middle of the 18th century; the so-called Pombaline Reforms
represent the enlightenment in Portugal and affected not only
Lisbon’s renewal and modernization, but also the position of the
Church in Portugal, especially the problems which had been caused
by the Jesuits who continued to preach that the earthquake had
been God’s punishment for the previous reforms. Furthermore he
abolished slavery in Portugal and India, though not in Brazil, where
the position of the native population was defined; he reorganized
the Portuguese Army and Navy, and even regulated production and
trade of Port Wine by law.
For his merits Sebastião José de Carvalho e Melo received the title
of Conde de Oeiras in 1759 and was made Marquês de Pombal in
1770 though the high Portuguese Nobility refused to accept the
noble titles of Marquês de Pombal; shortly after the King’s death in
1777 the succeeding sovereign withdrew all power from the Marquis

45
who died on the 8th of May 1782 peacefully in Pombal.

Gomes Freire de Andrade

46
Gomes Freire de Andrade was born in Vienna on the 27th of
January 1757 as son of António Ambrósio Freire de Andrade e
Castro, Ambassador of Portugal to the Austrian Court and Elisabeth
Countess von Schaffgotsch who was descendant from an old and
distinguished family of Bohemia.
His father – who had been a great supplier of Marquês de Pombal
in the arduous campaign against the Jesuits in Portugal – sent
Gomes Freire de Andrade at the age of with 24 years to his actual
home country, to Portugal; it is said that Gomes Freire de Andrade
already by then had achieved the rank of commander in the Order
of Knights of Christ – which means that he had joined the Order in
Vienna. His military career began in 1782 and developed very well,
taking him around quite a lot. As he received permission to serve in
the army of Tsarina Catherine II in the war against Turkey he left for
Russia where he gained greatest sympathy at court, especially with
the Empress herself. Having been very successful in battles he was
awarded in 1790 by Catherine and was promoted to the rank of a
colonel which was confirmed in the Portuguese army – even though
he was absent in Portugal. By the time rumours of sympathy and
enthusiasm of the Tsarina towards Gomes Freire de Andrade came
up, apparently confirmed by the dissensions between him and
Prince Potemkin who had been her favourite. Back to Portugal his
life in battle continued when in 1793 he fought with his regiment in
Catalonia with the Spanish armed forces against the French Army
which constantly received reinforcements and finally won in the
following year. The so-called “Légion Portugaise” was integrated to
the French Army under its General Junot in 1808, had garrison in
Grenoble and even participated in the Russian campaign. But the
task Gomes Freire de Andrade was given by Napoleon in 1813 was

47
just to be the Governor of Dresden in this period.
After the defeat of Napoleon, Freire de Andrade again returned to
Portugal in 1815, where he was made a Lieutenant-General and –
became the Grand Master of Freemasonry in Portugal a year later.
As there were suspicions that Gomes Freire de Andrade had been a
leader in a conspiracy against the King Dom João VI he was
betrayed – according to the facts by three Portuguese masons –
and arrested. It was Gomes Freire’s position as grand master of the
Portuguese Freemasonry and his correspondence with masons in
other countries which gave him the appearance of being an
arch-conspirator. Many of the conspirators had been masons and
their secret meetings seem to have been partly disguised by
carrying out Masonic rituals. A day before his execution a British
officer who was a freemason offered to him the opportunity to
escape which he refused and so his execution took place on the
18th of October 1817 in the fortress Julião da Barra in Oeiras for the
crime of treason along with eleven other people. His body was
burned and the ashes were thrown into the Tejo River. This brutal
act, for which the commander of the British Army in Portugal, Lord
Beresford, was responsible, led to loud protests and intensified
anti-British tendencies in Portugal, having the Porto Revolution and
the fall of Beresford in 1820 as a consequence. Under this aspect
Gomes Freire de Andrade could be regarded as the first great
martyr of Portugal.

Prancha do Irmão E.·. C.·. da Loja Hippokrates, aqui publicada por

Rui Bandeira

48
Intolerância

March 10, 2010

Airton da Fonseca, maçom e editor do Novo Blog do Ferra Mula,


escreveu, em comentário ao texto "Ansiedade":

Muito se escreve sobre a Tolerância. Gostaria muito que o Ir.'.


fizesse uma peça de arquitetura sobre a Intolerância. É sabido que
a Tolerância é uma virtude que deve ser praticada pelos IIr.'., mas
me parece que do ponto de vista global, a intolerância é o mal do
século que se findou e continua mais evidente em nossos dias.

Correspondendo ao pedido, o tema de hoje é, então, a Intolerância.

À primeira vista, intolerância é o oposto de tolerância, virtude que,


como muito bem acentua Airton da Fonseca, deve ser praticada
pelos maçons. Bastaria então definir esta para, por oposição, nos
depararmos com aquela.

Este caminho é tentador. Recordo-me de uma frase que bastas


vezes ouvi a Fernando Teixeira, Grão-Mestre Fundador: "O limite

49
da Tolerância é a estupidez". Portanto, se a estupidez está fora da
tolerância, aí temos: a Intolerância não será, então, mais do que
uma estupidez!

O que apetece declarar ser uma grande verdade!

Mas, por muito tentador que seja proclamar isto, uma mais atenta
meditação permite-nos apreender que, em bom rigor, o oposto da
Tolerância não é a Intolerância, é o Preconceito.

O tolerante renega, rejeita o preconceito. O preconceituoso, esse,


não está disponível para tolerar a diferença, o que considera erro
ou o que vê como inferior.

Há mais de três anos, aqui no blogue, o José Ruah e eu


mantivemos uma não totalmente desinteressante polémica sobre o
conceito de Tolerância. Quem não a leu, ou dela não se recorda,
poderá através do marcador "Tolerância", localizar os doze textos
em que essa troca de opiniões se desenvolveu, publicados entre 16
de novembro de 2006 e 16 de janeiro de 2007.

O ponto de partida da controvérsia foi o entendimento do José


Ruah de que a tolerância pressupõe uma posição de superioridade
(moral, social, pessoal, conceptual, o que se quiser) do tolerante
em relação ao tolerado, ao que eu contrapus o meu entendimento
da igualdade essencial de planos entre ambos, no verdadeiro
conceito de Tolerância.

Recordo aqui esta troca de opiniões, porque precisamente entendo

50
que é o Preconceituoso que se pretende colocar numa posição de
superioridade, não o Tolerante que nela se coloca.

Curiosamente, não me parece que essa seja, necessariamente


(pode sê-la, mas não o é necessariamente) a posição do
Intolerante. Este, em relação ao objeto da sua Intolerância, não se
arroga necessariamente da condição de superioridade. Pode muito
bem atribuir ao objeto da sua postura uma posição no mesmo plano
da sua - ou pode mesmo reconhecer-lhe a prevalência - e
precisamente por isso contra o objeto da sua Intolerância lutar.

Porque a Intolerância não é, nunca, conceptualmente, passiva. É


sempre proativa, tendencialmente agressora, ou, pelo menos,
agressivamente opositora.

A Intolerância não é, pois, a mera antinomia, oposição, à


Tolerância. É bem mais do que isso, é um estado de espírito
tendencialmente militante, diverso, suscetível de assumir múltiplas
formas ou manifestações.

A Tolerância é sempre uma postura de ordem moral. A Intolerância


não é necessariamente uma postura de que a Moral está arredada.
Não se admire o leitor: não me enganei e quis mesmo escrever o
que acabei de escrever! Esclarecerei porquê.

É que, ao contrário do que me parece que entende o Airton, não


considero a Intolerância necessariamente um mal. Volte a leitor a
não se admirar. Novamente quis escrever o que acabei de
escrever. E repito: a Tolerância é sempre uma virtude, um bem; a

51
Intolerância - ao contrário do Preconceito - nem sempre é um mal.
Explico então, antes que o leitor conclua definitivamente que
ensandeci de vez.

Considero-me uma pessoa tolerante. Esforço-me por sê-lo e por


praticar esta virtude. Procuro banir o Preconceito da minha postura.
Mas entendo - e julgo que todos também assim o entenderão - que
há na Vida e no Mundo coisas e posturas e situações que não
podem, não devem, ser toleradas. Em relação às quais não só
podemos como devemos ser absoluta, completa e inamovivelmente
INTOLERANTES.

Sou completamente INTOLERANTE em relação à pedofilia, à


violação, à violência gratuita, ao abuso de poder, à opressão, aos
maus-tratos dos mais fracos. Só para dar alguns exemplos e
exemplos por todos pacificamente aceites.

Em termos morais, a Intolerância é, em si mesma, neutra. Não é


necessariamente um mal ou um bem. Depende do seu objeto.
Admito que muitas das intolerâncias com que nos deparamos são
um mal. Mas são-no em função do seu objeto. A Intolerância
religiosa, ou de cariz racial, ou derivada de preconceito social são
obviamente más. Era certamente nisso que o Airton pensava
quando escreveu o que acima se transcreveu. Mas são más EM
FUNÇÃO DO SEU OBJETO, não porque intrinsecamente a
intolerância seja necessariamente sempre má. Creio já ter acima
elucidado convenientemente que há intolerâncias que, atento o
caráter particularmente desprezível dos seus objetos, não são más
- pelo contrário, são socialmente úteis e devem ser cultivadas por

52
quem procura ser uma pessoa de bons costumes.

Portanto, e em conclusão: o oposto da Tolerância não é a


Intolerância - é o Preconceito. Em termos morais, a Tolerância é
boa, o Preconceito é mau, a Intolerância é neutra, sendo boa ou má
consoante o objeto sobre que se manifeste.

Surpreendido?

Rui Bandeira

53
O maçom e a Política

March 17, 2010

O sexto Landmark (princípio fundamental) da Maçonaria Regular


prescreve:
A Maçonaria impõe a todos os seus membros o respeito das
opiniões e crenças de cada um. Ela proíbe-lhes no seu seio
toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Ela é
ainda um centro permanente de união fraterna, onde reinam a
tolerante e frutuosa harmonia entre os homens, que sem ela
seriam estranhos uns aos outros.
No texto que, neste blogue, dediquei ao sexto Landmark, escrevi:
Por isso, em Loja não se discute Política nem Religião. Esta,
porque sendo do foro íntimo da cada um, não faz sentido discuti-la.
Aquela, porque sendo susceptível de grandes paixões poderia
cavar insanáveis conflitos entre Irmãos. Ademais, reconhecendo

54
cada maçon no seu Irmão um homem livre e de bons costumes,
grave atentado a essa liberdade seria não lhe reconhecer o direito
à sua crença religiosa e ao seu entendimento político. Não quer isto
dizer que um maçon não possa ou não deva afirmar a sua
convicção religiosa ou a sua posição política. Pode este, pode
aquele, pode aqueloutro, podem todos. Mas, isto feito, mais além
não se vai. Cada um crê no que crê, pensa como pensa, ponto
final! Não há lugar para discussões sobre se esta crença é melhor
do que aquela ou se aquele entendimento político é mais ou menos
adequado do que aqueloutro.
A controvérsia ou discussão política está, assim, completamente
banida em Loja, na Maçonaria Regular.
Este princípio implica um corolário, a que se chega por duas vias: a
Maçonaria Regular não toma posições políticas.
Não o faz, porque (1), uma vez que não existe discussão política
em Loja e, dado que as deliberações dos maçons são tomadas em
Loja, não há como tomar posição política que resulte de
deliberação validamente tomada; e porque (2), uma vez que a
tomada de uma posição política implica escolha - em favor de algo,
em detrimento de algo -, a instituição maçónica não toma posição,
pois, com toda a probabilidade, iria fazê-lo em concordância com
alguns dos seus membros, mas, por outro lado, afirmando
discordância em relação a outros. E a Maçonaria Regular não
privilegia nenhum dos seus elementos, nenhuma das ideias livres
de homens livres. Não se trata sequer de determinar maiorias e de
agir segundo as maiorias verificadas. Em matéria de ideias, tão
legítimas e respeitáveis são as ideias maioritárias como as
minoritárias. Afirmar uma posição institucional em detrimento do
livre entendimento de um elemento que seja seria desrespeitar

55
esse entendimento. A instituição é de todos, o espaço onde todos
cooperam para que cada um se aperfeiçoe e evolua. Não pode pois
privilegiar uns - ainda que porventura a maioria - em detrimento de
outros ou de apenas um que seja.
A Maçonaria Regular, enquanto instituição, não toma, pois,
posições políticas. A Maçonaria Regular não é monárquica nem
republicana. A Maçonaria Regular não é politicamente
conservadora, nem liberal, nem social-democrata, nem
progressista, não prossegue nem defende nenhum "ismo". A
Maçonaria Regular integra homens bons, que procuram ser
melhores, sejam monárquicos ou republicanos, conservadores ou
progressistas, liberais ou sociais-democratas, seja qual for o "ismo"
que prefiram.
Por seu turno, cada maçom tem as convicções políticas que
entende ter, toma e divulga (ou não...) as posições políticas que lhe
aprouver, declara (ou não...) as escolhas políticas que julga
adequado declarar, quando se lhe afigura oportuno, nos locais em
que pretenda e possa fazê-lo.
Cada maçom é, em suma, um homem livre, que assume e aceita e
com naturalidade pratica que há um espaço - a Loja - em que
convive e coopera com outros homens livres, que podem ter ideias
diversas das suas, sem que tal cause quaisquer dificuldades de
relacionamento. E assim a diversidade é, não causa de conflito,
mas catalisador de riqueza e abertura de espírito, de constante e
leal interação das ideias de todos com todos, cada um testando e
avaliando a validade das suas, a força das suas convicções, cada
um evoluindo em função da sadia análise das ideias e convicções
dos outros.

56
Fora do espaço da Loja, cada um é livre de assumir as posições
políticas que entenda, como entenda, quando entenda.
Por isso, e em suma, não há posições políticas da Maçonaria
Regular, mas cada maçom regular é livre de tomar e assumir e
divulgar as posições e convicções e escolhas políticas que muito
bem entenda. Que serão sempre suas e só suas e só a ele
vinculam.
Rui Bandeira

57
O maçom e a Religião

March 24, 2010

A Maçonaria não é uma religião. Mas a Maçonaria Regular lida com


a espiritualidade e, nesse sentido, atende inevitavelmente à
conceção religiosa dos seus obreiros.

Tal como em relação à Política, é vedada, no seio da Maçonaria


Regular, toda a discussão ou controvérsia religiosa. Mas, sendo
uma agremiação em que apenas são admitidos crentes,
obviamente que a espiritualidade, em geral, e as convicções
religiosas, em particular, são objeto da atenção dos maçons.

58
Como procedem então os maçons para satisfazer o seu interesse
na espiritualidade e nas convicções religiosas sem violar a
proibição de discussão ou controvérsia religiosa?

De uma forma espantosamente simples e de uma eficácia


comprovada ao longo de centenas de anos: estabeleceram o
denominador comum e, para além dele, deixam ao íntimo de cada
um as respetivas opções.

O maçom Regular é crente num Criador do Universo. Esse o


denominador comum. Quais as características, poderes, atuações,
propósitos, intervenções, etc., do Criador do Universo - isso é
matéria do foro íntimo de cada um. Cada um crê no Criador tal
como o concebe, tal como a religião que pratica o levou a entender,
aceitando ou discordando que tenha a característica A ou B, o
poder X ou Y, que atue no Universo criado, e como, ou não atue,
com plano específico ou sem ele, com ou sem intervenções
concretas. Isso é com cada um e ninguém tem nada com isso -
portanto, não se discute.

As religiões monoteístas têm diferentes designações para o


Criador: Jeovah (ou Javeh), Allah, Deus... Ao longo da história,
homens mataram homens em insanas guerras, uns lutando por
Deus e outros por Allah, outros ainda invocando Jeovah - todos
estupidamente esquecendo, ou escondendo, ou não atendendo,
que essas são todas designações que os humanos dão à mesma
Entidade...

Como resolvem os maçons esta questão? Sempre com a mesma

59
eficaz simplicidade: coletivamente, designam o Criador por uma
denominação que - mais uma vez - é um denominador comum -
Grande Arquiteto do Universo. E cada um, no seu íntimo, perante a
sua religião, designa-o como entende.

No entanto, seria estulto não reconhecer que a religião condiciona


a cultura de homens e de sociedades. A cultura judaica resulta de
manifesta influência da religião judaica. O mesmo se pode referir
em relação à cultura e religião islâmicas e, ressalvadas as
assinaláveis diferenças internas, à cultura e religião cristãs.

Como conciliar estas diferenças? Ainda e sempre, com a eficaz


simplicidade que resulta da Tolerância e da Harmonia: o meu Irmão
é, enquanto individualidade, importante para mim, como eu sou
para ele - não importam as diferenças culturais ou de pensamento
religioso. Tal como não faria sentido distinguir entre louros e
moremos, entre os que têm olhos azuis e os que os têm castanhos
, entre os que são altos e os que são baixos, não faz sentido
distinguir entre os que professam a religião A ou a crença B.

Pelo contrário, é muito mais frutuosa a cooperação, a interajuda


dos diferentes. O louro reage melhor ao frio, o moreno suporta
melhor o sol - distribuamos tarefas aproveitando essas diferentes
potencialidades. O de olho azul vê melhor com pouca luz e o de
olho castanho tem olho de águia com a mais intensa luminosidade -
atribuamos esforços tendo isso em conta. Os altos arrumam melhor
as prateleiras e os baixos encontram melhor o que está no fundo
dos armários baixos - aqueles que tratem das prateleiras, enquanto
estes se ocupam dos armários...

60
Ainda e sempre, o que os maçons há muito aprenderam e
diariamente aplicam é que a diversidade é uma riqueza, uma
vantagem, não um ónus, não algo que se deva corrigir.

Portanto, não me interessa a religião específica de meu Irmão.


Basta-me a nossa crença comum no Grande Arquiteto do Universo.
Este plano comum é apto e suficiente à nossa vivência em comum
da espiritualidade. Não perdemos tempo em discutir as diferenças,
não entramos no que seria um infantil jogo de "o meu Deus é mais
poderoso que o teu" (afinal, é o mesmo...), "a minha maneira de ver
o meu Deus lava mais branco do que a tua" (afinal, o que
realmente importa é como cada um se aperfeiçoa, melhora, se
dignifica na sua passagem por esta vida e se prepara para o
Mistério que está para além do Oriente). Achamos que é muito
mais útil, mais eficaz, mais inteligente, retirarmos da vivência
espiritual do outro as lições e as técnicas e os princípios que nos
sejam úteis para melhor aperfeiçoarmos a nossa própria vivência.
E, ao mesmo tempo, abrirmos ao outro a nossa própria vivência
espiritual, para que o outro dela retire e aprenda e utilize o que para
ele seja mais útil.

No fim de contas, se fôssemos todos iguais, se pensássemos todos


da mesma maneira, se professássemos todos idênticas convicções
religiosas - o que é que cada um podia aprender com os demais?
Mais do mesmo?

Para o maçom, a religião, as diferentes religiões não são pomos de


discórdia, de discussão, de controvérsia. São oportunidades de

61
diálogo, de aprendizagem, de cooperação no crescimento de cada
um.

E isto, meu caro leitor, os maçons praticam-no em Loja e procuram


também assim o fazer fora de Loja, entre si e com todas as demais
pessoas. Com a certeza que, se algum dia se conseguir que todos
identicamente se comportem, o Mundo será muito melhor.!

Rui Bandeira

62
O maçom e o conflito

March 31, 2010

O conflito faz parte das nossas vidas. Quer queiramos, quer não.
Existem interesses divergentes, quantas vezes inconciliáveis.
Quando tal sucede, várias formas de lidar com o assunto existem: a
força, a imposição de poder, a desistência, a conciliação, a
cooperação, a hierarquização, etc..
Os maçons também vivem e estão sujeitos a conflitos. Tanto como
qualquer outra pessoa vivendo em sociedade.
Mas os maçons aprendem a lidar melhor com o conflito. Desde
logo, porque aprendem, interiorizam e procuram praticar a
Tolerância. Esta postura não elimina, obviamente, os conflitos, nem

63
leva quem a pratica a deles fugir, ou a ceder para os evitar. Pelo
contrário, ensina e possibilita a melhor gerir o conflito. E mais bem
gerir um conflito não é procurar ganhar a todo o custo. Mais bem
gerir um conflito consiste em detetar e obter a melhor solução
possível para o mesmo. Por vezes, "vencer" o conflito pode parecer
a melhor solução no curto prazo, mas revelar-se desastrosa depois.
O maçom aprende a gerir o conflito, desde logo treinando-se a
fazer algo que, sendo básico, é muitas vezes esquecido: ouvir!
Ouvir o outro, as suas razões, pretensões. Ouvir o outro não é
apenas deixá-lo falar. É prestar efetivamente atenção ao que diz e
como o diz. Para procurar determinar porque o diz e para que o diz.
E assim lobrigar exatamente em que medida existe realmente
conflito de interesses entre si e o outro - ou se existe apenas uma
aparência de conflito de interesses, por deficiente entendimento, de
uma ou das duas partes, de propósitos, intenções, objetivos.
Ouvir o outro é o primeiro exercício prático da Tolerância, da
verdadeira Tolerância. Porque esta não é o ato de,
condescentemente, admitir que o outro tenha uma posição
diferente da nossa e permitirmos-lhe, "generosamente", que a
tenha. A verdadeira Tolerância não é um ponto de chegada - é uma
base de partida. A verdadeira Tolerância resulta do pressuposto
filosófico de que ninguém está imune ao erro. Nem nós - por
maioria de razão. Portanto, tolerar a opinião do outro, a exposição
do seu interesse, porventura confituais com a nossa opinião e o
nosso interesse, não é um ato de generosidade, de condescente
superioridade. É a consequência da nossa consciência da
Igualdade fundamental entre nós e o outro. Que implica o inevitável
corolário de que, sendo diferentes as opiniões, se alguém está
errado, tanto pode ser o outro como podemos ser nós. A Tolerância

64
não é um ponto de chegada - é uma base de partida. Não é demais
repeti-lo.
Porque a consciência disto possibilita a primeira ferramenta para a
gestão do conflito: a disponibilidade para cooperar com o outro,
para determinar (1) se existe verdadeiramente divergência entre
ambos; (2) existindo, qual é ela, precisamente; (3) em que medida
é essa divergência, superável, total ou parcialmente; (4) ocorrendo
superação parcial da divergência, se o conflito se mantém e,
mantendo-se, se conserva a mesma gravidade; (5) finalmente, em
que medida é possível harmonizar os interesses conflituantes: cada
um abdicando de parte do seu interesse inicial? Garantindo ambos
os interesses, seja em tempos diferentes, seja em planos diversos?
Treinando-se na prática da Tolerância, o maçom aprende a lidar
melhor com o conflito, porque é capaz de, em primeiro lugar,
determinar se existe mesmo conflito, em segundo lugar
predispõe-se para cooperar na superação do conflito e finalmente
adquire a consciência de que existem várias, e por vezes
insuspeitas, formas de superar, controlar, diminuir, resolver,
conflitos - quantas vezes logrando-se garantir o essencial dos
interesses inicialmente em confronto.
E tudo, afinal, começa por saber ouvir e por saber tolerar (o que
implica entender) a posição do outro.
Por isso o primeiro exercício que é exigido ao maçom é a prática do
silêncio. Para que aprenda a ouvir, para que se aperceba do que
realmente é dito, para que reflita sobre a melhor forma de resolver
os problemas que ouça expostos.
Através do silêncio, aprende o maçom a sair de si e a atender ao
Outro. Através da Tolerância da posição do Outro, aprende o
maçom a descobrir a forma de harmonizá-la com a sua. Através da

65
busca da Harmonia, aprende o maçom a gerir os conflitos. Através
da gestão dos conflitos, torna-se o maçom melhor, mais eficiente,
mais bem sucedido.
Rui Bandeira

66
A propósito de três perguntas que já não existem...

April 07, 2010

Um leitor deste blogue deixou, num comentário que posteriormente


ele próprio eliminou, três perguntas, a propósito do texto O maçom
e a Religião. Ausente do país na última semana, li o comentário,
mas não lhe respondi por duas razões: em primeiro lugar, a minha
ausência e menor disponibilidade; em segundo, o facto de ter logo
decidido que as pertinentes questões mereciam ser respondidas
num texto autónomo e não em simples comentário.

Regressado, verifiquei que o autor do comentário o eliminara, não


sei por que razão. Terá receado serem as três perguntas
demasiado incómodas? Se foi esse o motivo, o receio foi
infundado: neste espaço já várias vezes ficou patente que as
perguntas pertinentes, cómodas ou incómodas, têm sempre a
melhor resposta que somos capazes de lhes dar. Terá duvidado da
pertinência das perguntas? Asseguro que as considero pertinentes

67
- tanto que reservei um texto para lhes responder... Terá, relido o
comentário, dele discordado ao ponto de ter achado melhor
eliminá-lo? Ou simplesmente decidiu não gastar cera com este ruim
defunto?

Não sei qual a motivação da retirada do comentário. Mas só me


cabe acatar a decisão do seu autor.

Tenho arquivado o texto do comentário eliminado (maravilhas da


tecnologia... e perigos dela, também... ) e poderia responder às
perguntas, já que as conheço, as acho pertinentes e
suficientemente interessantes para terem resposta no espaço
principal do blogue. Mas não seria correto fazê-lo. Por muito que
discorde da decisão de eliminação do comentário, por muito
pertinente que o tenha achado, por muito interessante que eu ache
a elaboração de um texto de resposta às tais ditas questões, se o
autor do comentário entendeu por bem eliminá-lo, não tenho o
direito de agir como se não o tivesse feito. As razões da sua
decisão são dele e, convenha-me ou não a dita decisão, concorde
ou não com ela, tenho de, sobretudo, a respeitar. Não o fazer seria
defraudar tudo o que postulo neste espaço.

A Maçonaria é - tem de ser, só faz sentido sendo-o - também ética.


E a ética manda que se faça o que se deve fazer, convenha-nos ou
não.

Fiquei, porém, com a necessidade de resolver outro dilema: por um


lado, entendo não dever responder a um comentário que o seu
autor entendeu por bem eliminar - apesar de o ter achado

68
pertinente e que seria interessante para os leitores deste blogue
apreciarem as perguntas feitas e as respostas que julgo asado
dar-lhes; por outro, não é justo privar os leitores do blogue de uma
matéria que eu julguei que seria interessante ser objeto de um
texto...

Nem de propósito, após ter publicado um texto sobre O maçom e o


conflito, necessito de, "ao vivo e a cores", em frente de todos vós e
de quem mais isto leia, gerir e, se possível, resolver ou atenuar
este conflito entre o respeito pela decisão do comentador
arrependido e o que eu considero ser do interesse dos leitores do
blogue de serem aqui tratados os assuntos objeto das perguntas
publicamente eliminadas. Vejamos então se e como aplico eu na
prática a "receita" que tive o arrojo de proclamar...

Respeito a decisão do comentador arrependido. Esse é o ponto de


partida reafirmado. Mas será que existe realmente conflito entre a
decisão dele de apagar o comentário e a minha pretensão de às
perguntas nele formuladas responder? Para o apurar, necessito de
saber qual a razão, qual o motivo, da decisão de apagar o
comentário e, designadamente, se a mesma resultou de
(injustificado, já o afirmei) temor de ofender ou de ter formulado
perguntas impertinentes. Se assim foi - ou situação similar - fica o
comentador arrependido sabedor de que considero esse temor
injustificado e que, não só nada me desagradou nas questões,
como gostaria de a elas responder.

Importa, portanto, antes do mais, ouvir o interessado - se ele


entender por bem esclarecer-me, é óbvio. Convido assim o

69
comentador arrependido (sei quem é, mas obviamente que não
julgo pertinente aqui designá-lo...) a, em comentário a este texto ou
através de mensagem privada, esclarecer se, no seu juízo - que
sem reserva será absolutamente respeitado - entende dever ficar
definitivamente esquecido que alguma vez elaborou o comentário
que apagou, ou se concorda em que eu divulgue as três perguntas
que fez e a elas procure responder.

Consoante a existência ou ausência de resposta e, existindo, o teor


da dita, assim definirei o texto da próxima semana.

Portanto, e para quem se deu ao trabalho de reler o texto sobre o


maçom e o conflito, minimizo ou anulo o conflito acima exposto,
procurando reduzi-lo à sua real dimensão (não está em causa todo
o comentário, mas apenas as três perguntas a que desejo
responder) e inquiro se, com esta menor dimensão, o conflito
persiste.

Se souber que não persiste, o texto da próxima semana conterá as


ditas perguntas e as respostas que for capaz de lhe dar. Se
persistir, procurarei harmonizar os interesses em tempos e planos
diversos: por um lado, não mais me referirei ao comentário
apagado; por outro, oportunamente arranjarei maneira de escrever
um ou mais textos em que o tema será o correspondente às tais
perguntas, mas obviamente sem que quem o(s) ler (exceto o
comentador arrependido e eu) se aperceba da origem desse(s)
tema(s).

Os problemas, pequenos ou grandes, existem para serem

70
resolvidos...

Rui Bandeira

71
A Maçonaria não é uma religião

April 14, 2010

M. A., em comentário a O maçom e a Religião, formulou as


seguintes questões:

Sendo a Respeitável Loja um espaço sagrado, para os maçons, um


espaço onde se executam determinados rituais (agora não em
causa) e um templo, não será a Maçonaria, ela mesmo, uma
religião?

Não será a fusão das várias religiões, profanas, na cultura de um

72
único grande Arquitecto, também um movimento orgânico de
criação de uma religião própria, em alternativa às várias confissões,
religiões existentes?

Não será esta uma forma de criar uma religião alternativa, agarrada
a um lema, “profano”, da necessidade de o homem se tornar livre,
honrado e mais culto, uma forma de “angariar novos membros para
essa tal e hipotética nova religião?

As perguntas colocadas e as respostas que tenho para elas


fazem-me lembrar uma peça processual que há muitos anos vi,
escrita por um antigo, patusco e bem-humorado Advogado, uma
contestação a uma ação em que eram alegados três factos.
Escreveu então o meu bem-humorado Colega:

Art. 1.º: Não.

Art. 2.º: Não.

Art. 3.º: Não.

Art. 4.º: Resumindo: não, não e não!

Já sabe M. A. quais as minhas respostas às três perguntas! Mas,


obviamente que não vou ser tão sintético como o meu
bem~humorado Colega.

Não, a Maçonaria não é, nem pretende ser, uma religião. Não


prega, não detém, não apregoa, não oferece, qualquer Salvação. A

73
Religião é a ligação entre os homens e o Divino. A Maçonaria
Regular limita-se - e muito é! - a buscar a melhoria dos homens que
crêem no Divino.

A Religião é o conjunto de preceitos seguido por um crente para se


ligar, ascender, ao Divino. A Maçonaria não intemedeia entre o
Homem e o Divino, destina-se unicamente ao Homem, enquanto
tal. É um meio, um método, um ambiente destinado a favorecer o
aperfeiçoamento, a melhoria, o crescimento, dos homens crentes.
Mas cada um seguindo a sua crença, a sua religião, e nos termos
em que entende praticá-la.

A Maçonaria nasce na Europa cristã. É completa e absolutamente


teísta e cristã, na sua origem. Perante as lutas, dissensões,
querelas, entre católicos e protestantes, fez ressaltar esta simples
verdade: uns e outros criam no mesmo Deus, sendo insano
matarem-se uns aos aos outros em nome das suas diferentes
formas de se relacionarem com o mesmo Deus. Esta base cristã
demorou poucos anos a alargar-se ao judaísmo: também o Deus
da religião judaica é o mesmo... E seguidamente a lógica impunha
o alargamento ao islamismo: o Deus permanece o mesmo, o nome
é que muda, as culturas é que divergem. E, partindo-se de uma
base monoteísta, em que existe um único Deus, qualquer que seja
a sua designação, racionalmente é indiferente que outras religiões
(hinduísmo, por exemplo) sejam politeístas: para o monoteísta, o
politeísmo mais não é do que diferentes manifestações do mesmo
e único Deus...

Sobre a base teísta, acrescenta-se posteriormente e admite-se

74
também o crente deísta, isto é, aquele que prescinde da
intermediação da Revelação, da igreja, do sacerdote, na sua
relação com o Divino, aquele que crê poder estabelecer essa
relação sem necessidade dessa intermediação. A partir do
momento em que a maçonaria se alarga até este ponto, admite no
seu seio qualquer crente, qualquer que seja a sua crença individual.
Deixa portanto de ser essencial qualquer conceção de Criador, do
Divino. Porque reconhecida a liberdade individual de crença, é a
crença individual que conta. Uma ponte a todos une: a crença de
que somos mais do que mera carne e ossos e sangue e miolos, a
crença que somos também, ou quiçá principalmente, espírito, que
sobreviverá à extinção da chama da vida na carne, nos ossos, no
sangue e nos miolos. O que essencialmente conta é portanto a
crença na permanência da dimensão espiritual do Ser, chame-se
ela vida para além da vida, reencarnação, ressurreição, nirvana - o
que for. Assim a tónica se estende à espiritualidade, inclusiva, por
exemplo, dos budistas.

Não, a Maçonaria não é uma religião. É um espaço comum de


crentes em todas as religiões, organizadas ou individualmente
sentidas. É um espaço comum de convívio, de fraternidade e,
sobretudo, de instrumento para o aperfeiçoamento de cada um,
segundo a sua crença, a sua vontade, o seu caminho.

Rituais não são exclusivos de religião. Rituais existem em muitas


Tradições não religiosas (rituais de passagem, de acesso à idade
adulta, por exemplo). Templo é apenas designação, nada mais.

Nada se pretende ou cria em alternativa a nada. Acentua-se o que

75
de bom em todas as religiões existe. Mostra-se o que de
essencialmente semelhante em todas elas há. Deixa-se as
particularidades das diferenças para as práticas particulares de
cada um. A Maçonaria não é a religião das religiões. É, se se
quiser, o primeiro espaço ecuménico, em que os crentes das
diversas religiões desde sempre puderam confraternizar e
aperfeiçoar-se, nos aspetos comuns, sem se deixarem perturbar ou
afetar pelas diferenças. É portanto um espaço em que a diferença é
assumida, apreciada e valorizada. Nada se funde. Tudo se aceita
no que contribui para os demais.

Não se pretende criar alternativas a nada. Dentro do quadro do que


existe e do que cada um livremente crê e aceita, procura-se
aproveitar de cada um o que de útil possa dar aos demais,
recebendo cada um dos demais o que para si tenha de útil. Tão
simples...

Tão simples afinal como o ovo de Colombo. Só que, conta a


historieta, antes de Colombo ninguém se tinha lembrado de tão
simples forma de pôr o ovo em pé...

Rui Bandeira

76
A viagem

April 21, 2010

Hoje, resolvi elevar a qualidade deste blogue até ao nível que os


seus leitores merecem e, obviamente com a devida e indispensável
autorização do seu autor, publico aqui um texto que descobri
através do Grupo Maçônico Orvalho do Hermon e que foi já
publicado, pelo seu autor, no seu blogue Segredo Maçônico. O
texto é um pouco longo, mas vale a pena lê-lo e, sobretudo, a partir
dele meditar. Eis, portanto, da autoria de Charles Evaldo Boller,
Mestre Maçom da Augusta e Respeitável Loja Maçônica Apóstolo
da Caridade, n.º 21 da Grande Loja do Paraná,

77
A VIAGEM
Acompanhe-me numa singular viagem.
Para isto é necessário que você aceite alguns postulados e a pouca
consistência do que mostrarei, considerando que, em essência,
tudo não passa de simples fantasia, mas os conceitos são os mais
modernos de que a ciência dispõe. Façamos à semelhança de
nossas lendas na Maçonaria, que mesmo em sendo ficções,
pretendem transmitir profundos conhecimentos filosóficos,
dependendo apenas do grau de interesse e desenvolvimento de
cada indivíduo e da perseverança em alcançar o conhecimento que
leva a educação natural.
Tenha certeza que a pretensão é flutuar por caminhos fascinantes
que poderão revelar entendimento de verdades complexas e
difíceis de explicar de outra forma.
Preparando o Ambiente da Viagem
Façamos de conta que estamos parados no centro de uma loja
aberta ritualisticamente. Aparelhada com todos os instrumentos de
trabalho do maçom, bem como sua matéria prima: a pedra bruta.
Esotericamente falando, o teto não existe, então, vamos tirar de vez
esta cobertura do lugar de onde está e empurrá-la para bem longe,
tão longe que desapareça. Descortina-se sobre nós o espaço
infindo e ao longe brilha o sol.
Empurremos também as paredes de nosso templo para bem longe.
Estamos no centro do espaço infindo que só não é totalmente
negro porque a luz do luzeiro o ilumina.
Eliminemos igualmente o piso de nosso templo, afastando-o mais
devagar para que nossa mente se acostume lentamente com o
flutuar no espaço. Como não temos mais referenciais, não

78
sabemos ao certo se é o piso da loja e a Terra que estão se
afastando, ou se somos nós que estamos levitando, viajando
espaço afora.
Se pensar que paramos aí, enganou-se, agora possuímos poderes
sobrenaturais que nos permitem parar o tempo, o que fazemos.
Este é nosso novo Universo: nada ao nosso redor, o tempo parado
e apenas o Sol a nos iluminar. Neste ambiente especial construído
por nossa imaginação, apenas nós nos movemos. Estamos sem
ponto de referência a não ser o sol. Longe de tudo. Não existe
ruído ou necessidade de ar. Somos poderosos.
Olhamos ao redor e observamos a imensidão. Como é diminuta a
nossa estatura em relação a este Universo ilimitado e sem
horizonte.
Com nossa nova capacidade de imaginação deixamos nosso corpo
material e flutuamos para fora de nossa prisão. Olhamos para as
pedras brutas que somos pelo seu lado externo de formas como
nunca nos foram dadas observar. Observamos como é nosso
túmulo material. Como já aprendemos, o que este corpo tem por
fora é mero invólucro de nossa manifestação material no Universo
tridimensional, o importante desta massa é seu conteúdo interno,
algo que aos olhos materiais é impossível identificar.
Foi devido a esta limitação que saímos de nossos túmulos
materiais e estamos aqui fora olhando para eles.
Aqui somos finitos e infinitos. Nesta existência artificial não rege
tempo ou matéria, não existe início ou fim. Todas as coisas
materiais que possuímos em nossa efêmera vida material são nada
se comparados com a imensidão que ora contemplamos ao lado de
fora de nossos cárceres que nos servem apenas como
instrumentos de nossas experiências sensoriais.

79
Locke defendeu que as idéias são formadas a partir de
experiências sensoriais exteriores e que a reflexão interior colocava
em seu devido lugar. Combateu o Inatismo, filosofia que parte do
pressuposto do homem possuir idéia inata do Grande Arquiteto do
Universo; que esta idéia já nasce com a pessoa. Vamos comprovar
esta assertiva ao sairmos do nosso corpo apenas por força de
nosso pensamento e levarmos junto conosco apenas nossas
capacidades de ver e pensar.
Na Maçonaria nos é ensinado que nascemos livres porque
nascemos racionais e os seres humanos são, por isto,
considerados iguais, independente de governos e outros homens.
Usamos desta experimentação sensorial não apenas através de
nossos dispositivos de percepção da realidade, criamos uma nova
percepção, pela fantasia, e por um exercício do pensamento
estamos passeando fora de nossos corpos físicos pelo espaço
infindo.
Parece insanidade, mas é divertido. E como diz Domenico de Masi:
não sei se estou trabalhando, aprendendo ou me divertindo.
Os trabalhos do Rito Escocês Antigo e Aceito querem demonstrar
ser o homem infinito e que suas posses são finitas. Locke concebe
o infinito como resultante da unidade homogênea de espaço,
número e duração, e o que diferencia uma da outra é que o infinito
apenas não tem limite. Deduzimos que o homem material é finito
enquanto presa da materialidade e torna-se infinito quando
desperta para a liberdade da razão apoiada pelo conhecimento.
É isto a que este passeio conduz.
Início do Passeio
Percebe quão devagar estão nossos passos neste passeio? Não
há necessidade de correr. Nossas experiências mais eficientes não

80
ocorrem sempre aos saltos, mas em pequenos avanços de uma
dimensão para a outra de um conhecimento alicerçando o próximo,
ciclos eternos de tese, antítese e síntese. Assim se faz na
Maçonaria. O salto é dado pela mente e não pelo corpo material. É
disto que devemos nos libertar para penetrar nos segredos de nós
mesmos. Apenas em condições especiais obtemos a verdadeira luz
para investigar a verdade oculta em nós mesmos. Nossa fantasia
cria o ambiente, nossa racionalidade preenche os vazios.
Se olharmos todo o trajeto que nos trouxe até aqui é realmente um
salto imenso para a nossa pequenez de criatura vivente do espaço
tridimensional. Aqui só existe a noção de espaço porque trouxemos
junto conosco as carcaças que nos contêm. Qualquer forma que
adotarmos, seja ela material ou assim como nos imaginamos
agora, não passamos todos de simples viajantes espaciais, é o que
todos somos; astronautas deslocando-se permanentemente pelo
espaço sideral numa velocidade estonteante a um destino
desconhecido.
Vamos diminuir de tamanho, aliás, nós não temos dimensão,
podemos ser imensamente grandes ou infinitamente pequenos,
basta querer. Nossa mente vai fazer com que diminuamos de
tamanho lentamente, porque ainda faz pouco tempo que
abandonamos nossa clausura física e adentramos nesta nova
condição de existência.
Vamos encolher até que possamos entrar pelo ouvido do meu
corpo material aí em frente e que conheço bem, haja vista que já fiz
alguns passeios dentro dele ultimamente. Vamos diminuir de
tamanho até que possamos divisar as moléculas desta carcaça.
Percebeis como meu corpo está desaparecendo?
O corpo está se dissolvendo lentamente.

81
Porque será?
Um Universo Interior
Boyle foi o primeiro que não aceitou mais as teorias de Aristóteles
dos quatro elementos: água, terra, ar e fogo e formulou as bases e
conceitos dos elementos químicos.
A diversidade de moléculas com que um corpo físico é composto é
enorme, então escolhamos a primeira molécula que encontrarmos
e vamos continuar a diminuir de tamanho para podermos abordar
um dos átomos.
Sabia que não foi Boyle quem criou a idéia de átomo? Isto já foi
cogitado na antiga Grécia, por Demócrito; é dele a idéia que os
materiais são formados por partículas minúsculas. Hoje dispomos
deste conhecimento porque estamos apoiados nos ombros de
gigantes do passado.
Pode-se dizer que o átomo é formado por duas regiões que
ocupam o espaço: o núcleo, que é seu centro compacto e pesado,
e uma coroa ou eletrosfera. No núcleo estão os nêutrons e prótons
e na eletrosfera movem-se os elétrons em diversas órbitas.
Rutherford sugeriu que o tamanho do átomo seria algo em torno
0,000.000.01 centímetro. Para imaginarmos melhor o significado
desta dimensão consideremos o homem do tamanho de um átomo
e toda a população da Terra caberia na cabeça de um alfinete e
ainda sobraria muito espaço.
E nós estamos do tamanho de um átomo agora.
Só que não vemos nada.
Por quê? Se moléculas das mais diversas compõem um corpo
físico, elas deveriam estar em todo lugar, trilhões delas deveriam
estar presentes aqui, e deveriam obliterar a luz do sol.

82
Onde estarão?
A eletrosfera de um átomo é cerca de 10.000 a 100.000 vezes
maior que o núcleo. Então, porque não estamos vendo nada?
Vamos diminuir mais umas 100.000 vezes o nosso tamanho. Ainda
não vemos nada. O corpo pelo qual estamos viajando
simplesmente sumiu. O que existe ao nosso redor é apenas espaço
vazio. Só a luz do sol chega até nós.
Continuemos a procurar até encontrar um núcleo de átomo,
formado de prótons, nêutrons e outras partículas insignificantes, e
assim como nós, desloca-se solitário nesta imensidão do espaço. É
do tamanho de uma laranja, e cabe em nossa mão.
Onde estará o elétron que faz par com este núcleo?
Sabemos que a massa do elétron tem em torno de 1.840 vezes
menos massa que o núcleo. Muito pequenos para serem vistos,
mesmo com estes olhos que temos agora. Temos que diminuir
ainda mais de tamanho para divisar corpúsculo tão diminuto, será
por isto que não vemos o elétron?
Não! Ele não é visto porque nós paramos o tempo, lembra?
Somos criaturas muito poderosas em nosso mundo de fantasia.
O elétron deste átomo está parado em algum lugar que pode estar
em termos proporcionais a nossa atual estatura a alguns
quilômetros daqui, ou até bem perto como alguns centímetros. Não
o vemos apenas devido suas dimensões relativas diminutas.
Estou cansado. Vamos diminuir mais nossa estatura, até ficarmos
tão pequenos que possamos sentar confortavelmente sobre o
núcleo deste átomo.
Ainda não vemos o elétron, e teríamos que encolher ainda cerca de
quase umas 2.000 vezes a nossa atual estatura, e ainda assim

83
seria muito difícil encontrá-lo.
Vamos restaurar o fluxo do tempo.
Não se assuste com a escuridão!
Consegue imaginar o que aconteceu?
Porque esta escuridão súbita?
São os elétrons! Eles nos deixaram cegos! Esconderam o Sol.
O Mundo Material
Os elétrons em movimento impedem a luz de chegar até nós. Isto
porque a velocidade com que o elétron gira em torno do núcleo é
tão alta que mesmo com sua minúscula massa impede a passagem
da luz.
Sua velocidade é tal que pode ser comparada à própria velocidade
da luz.
A velocidade dos elétrons é de tal magnitude que num determinado
instante cada um deles pode estar ocupando qualquer espaço ao
redor do núcleo. Ele tem apenas uma probabilidade de estar
fisicamente num determinado lugar, num determinado instante. As
fórmulas matemáticas da mecânica da física quântica não oferecem
valores determinados, apenas probabilidades.
Compare com as hélices de um avião; as pás parecem estar em
todo o entorno de seu eixo ao mesmo tempo, podemos olhar
através delas porque sua velocidade é inferior a da luz. Mesmo
assim, as pás parecem estar em todo lugar ao mesmo tempo. Com
o elétron é parecido, mas em escala de velocidades imensamente
superior.
É assim que se forma a matéria sólida de que são formados nossos
corpos, o mausoléu de nossos pensamentos. A velocidade com
que os elétrons giram ao redor de seus núcleos cria a matéria, lhe

84
proporciona solidez. É como tudo no Universo físico é construído.
Esta é a assinatura do Grande Arquiteto do Universo dentro de nós
mesmos.
Isto até contradiz Locke, mas não esqueçamos que nossa
existência aqui é apenas resultado de ficção, do exercício de nossa
mente criativa.
Mesmo assim, esta constatação nos leva a inferir ser este, de fato,
o nosso local mais sagrado. Como é imenso o corpo físico de
qualquer ser vivente! O homem em sua inteireza, considerando a
carcaça, a mente, as emoções, sua espiritualidade e outros
detalhes é um universo tremendamente complexo, semelhante ao
grande Universo.
A este universo que existe dentro de cada ser vivente, devido
exatamente a esta diversidade e complexidade, denominamos
Macrocosmo apenas para simplificar nossas limitações de
entendimento.
É assim, de forma espantosa, com quase nada de matéria, com
quase absoluto espaço vazio que o Grande Arquiteto do Universo
produziu toda a matéria sólida do Universo.
Milagre ou realidade?
Será que legitima a expressão do penso, logo existo, de
Descartes?
Se tomarmos a realidade do ponto de vista em que nos
encontramos agora, certamente deduziríamos que nada somos.
Tudo o que existe é feito essencialmente de espaço vazio, somos
feitos do nada, então nada deveríamos ser. Existimos apenas como
que por milagre. Um maravilhoso feito do Incriado.

85
Heidegger argumentava que o ser se faz no tempo; e é o que
constatamos em nossa experiência; o ser é o nada que o constitui.

Platão afirmava que o Universo em que vive o homem é ilusório,


feito de sombras e aparências; em nossa experiência, quanto desta
assertiva é verdadeiro?

O que acabamos de afirmar e virtualmente constatar, foi baseado


na informação de que o elétron e o próton contêm massas, isto é,
que sejam efetivamente feitos de matéria sólida, mas que o
garante?

Existem considerações científicas atuais que dizem terem os


átomos ora o comportamento de partícula e ora de fenômeno
ondulatório, isto é, não possuírem massa e serem constituídas
exclusivamente de campos de força, de campos eletromagnéticos,
de energia.

Aí então a nossa pasma intelectualidade entra em pane!

Se os átomos não são nada mais que campos de força, então


somos efetivamente feitos de puro espaço vazio, nada somos!

Simples fótons?

Campos magnéticos em interação e deslocando-se à velocidade da


luz?

Ainda sem considerar a teoria das Supercordas que remetem até o

86
instante do inicio da expansão do Universo, o inicio de toda a
história que nossos cientistas sonhadores dão para o Universo e ao
qual denominam big bang, já nos satisfazemos com o fato de
constatar que existe um projeto racional e um objetivo válido para
tomar parte nesta grande orquestra da vida, esta milagrosa massa
de seres viventes. Porque olhando em nossa própria essência,
sequer deveríamos existir! É um milagre! Os fatos apontam para
uma realidade onde a vida tem uma insignificante possibilidade de
se manifestar.

A Improbabilidade da Vida
Partindo da constatação que as fórmulas da mecânica quântica nos
fornecem apenas probabilidades e nunca certezas qual seja a
verdadeira constituição do átomo. Acrescente-se que as moléculas
de que nossas carcaças são formadas constituem apenas um por
cento de toda a massa do Universo, isto porque, 75% de toda
matéria do Universo é formada por Hidrogênio, 24% é Hélio, e o
restante 1% (um por cento) é constituído por todos os demais
elementos da tabela periódica. Desde o lítio, passando pelo
carbono até chegar ao urânio.

A química que dá origem à vida é uma insignificância quantitativa


em relação ao gigantismo do Universo!

Daí nossa intelectualidade vir a se preocupar com a existência e a


realidade nos faz singelos na imensidão deste Universo -
especula-se que existam outros Universos. É deveras um milagre
possuirmos consciência!

87
Percebe a maravilha desta descoberta dentro de nós mesmos?

Consegue observar o quanto somos infinitos na forma em que nos


encontramos e o resto do Universo é finito? Em termos absolutos
poderíamos até dizer que nem infinitos somos, mas inexistentes.

Conscientizou-se agora do quanto somos livres e iguais neste


Universo criado pelo Grande Arquiteto do Universo?

É razão mais que suficiente para buscar o conhecimento para nos


entendermos melhor uns com os outros.

Fazer estes tipos de viagens é o único caminho que dispomos para


trilhar pelos caminhos que conduzem para a liberdade e perfeição;
simplesmente porque nos conscientizamos que existe um criador,
não é possível que tudo seja resultado de obras do acaso sem a
presença de uma mente pensante por traz de tudo o que se
manifesta na natureza.

Esta nossa realidade, esta nossa insignificância perante o milagre


da existência material já é suficiente para nos levar a entender do
porque o amor fraterno é o único caminho para a verdadeira
igualdade.

Na essência somos todos relacionados e iguais. Somos imperfeitos


em nossa materialidade, mas alcançamos a perfeição em nossa
racionalidade, da mesma forma como disse Platão: o único círculo
perfeito é a idéia de círculo que existe em nossa imaginação.

88
Abrangência do Mundo Interior
Estenda esta visão às outras dimensões que temos: espiritualidade,
emotividade, pensamentos, e outros. Este conhecimento de nós
mesmos não fica limitado ao que estamos percebendo neste
instante, este crescimento exige a perfeição tanto do espírito como
do coração.

Há necessidade de treinar nossas percepções tanto do visível


como do invisível, e tudo é dedutível por nossa capacidade de
abstração, de fantasia, até vir a comprovar-se pela experimentação
científica. Assim como aconteceu com Pitágoras, que na tradição
intelectual do mundo ocidental teve transformada a sua capacidade
de mística matemática numa espécie de ponte entre a razão
humana e a inteligência divina. De nossa parte, enquanto
sonhamos, não temos provas materiais da imaginação ser
realizável, ao menos enquanto estivermos restritos ao nosso
cárcere material, ao nosso corpo físico. Tampouco criamos
proposições que não possam ser questionadas, até contrariadas,
pois algo assim, nas palavras de Isaiah Berlin, não contém
informação.

Devemos procurar a justiça e a fraternidade, o amor fraterno, para


obter a possibilidade de, mesmo imperfeitos em alguns aspectos,
sermos levados à perfeição do intelecto e da espiritualidade pela
força do pensamento.

E assim como efetuamos nossa caminhada até ficarmos sentados


aqui nesta escuridão sem ter medo de nada, quando o tempo está
em marcha, aonde chegamos devagar, um passo de cada vez. A

89
Maçonaria nos ensina que o caminho da perfeição também não se
dá aos saltos, senão com muita prudência e lentidão. Velocidade é
coisa de elétron em sua órbita, nós devemos lentamente ir
formando uma base educacional em busca da verdadeira liberdade
que nos liberta do fanatismo, do ódio e outros vícios. Pois se
viéssemos até aqui na superfície deste núcleo de átomo num salto,
certamente desfaleceríamos. A escuridão nos enlouqueceria! Não
entenderíamos que na escuridão de nosso mais recôndito ser, na
falta da liberdade a que o elétron nos levou, nos sentiríamos
presos, imobilizados, com medo de nos mexer, inclusive de pensar.
E o medo desta prisão certamente nos induziria a adotar alguma
postura fanática e alienante, quem sabe até, num ato desesperado,
o suicídio.

Percebe o quanto a nossa capacidade de sonhar é infinita e como


isto nos diferencia do homem-fera primitivo? A filosofia do Rito
Escocês Antigo e Aceito está conectada ao conhecimento humano,
desde sua pequenez diante do Universo, até o gigantismo de sua
capacidade de sonhar e pensar. É pela capacidade racional
inteligente que todo maçom deriva conhecimentos detalhados e
genéricos para a sua própria sobrevivência física e intelectual. Uma
coisa puxa a outra.

O sonhar leva a predispor o iniciado na busca contínua de


instruções e conhecimentos. Isto o leva a efetuar saltos mentais e
lhe impõem denodo quando se interna na caminhada dos mundos
desconhecidos, reservados apenas aos que têm coragem de
enfrentar as veredas do desconhecido. Mesmo que lá reine
escuridão, a mente continuará a irradiar a luz do entendimento de

90
verdades cada vez mais complexas e intrincadas.

O peregrino cego carrega junto de si a luz do entendimento ao


buscar intensamente dentro de si mesmo o conhece-te a ti mesmo,
de Sócrates. O homem pensador passa a aperfeiçoar-se.

Depois que se aperfeiçoou e descansou parte em nova jornada, em


ciclos eternos de sonhos, racionalizações e sedimentações de
novos conceitos.

Fica evidente que ao adentrarmos no mausoléu que somos,


despertam idéias ocultas que até então não percebíamos.
Encontramos alguns porquês da existência: De onde venho? Para
onde vou? Algo que é possível descobrir com viagens ao interior de
nós mesmos. Faz da passagem para o oriente eterno apenas mais
uma etapa da vida; algo que alivia o constrangimento e medo da
morte. Este é o conhecimento, a luz que o profano busca em
nossos templos; é a travessia que o iniciado faz quando se desloca
do ocidente para a luz do oriente. Ao nos libertarmos do medo da
morte, rompem-se os grilhões da escravidão do mundo material e
passa a brilhar a luz da sabedoria do Grande Arquiteto do Universo.

Templos Vivos
Todo maçom é considerado de fato um templo vivo.

Só a partir desta constatação o maçom passa a considerar-se


criatura pura e sagrada. Certamente tudo faz para não conspurcar
o ambiente sagrado de que é constituído seu templo interior,
derivando que isto induza o desenvolvimento de conceitos morais e

91
éticos cujo objetivo preservará a pureza do lugar sagrado de seu
interior. Isto faz do mundo interior um lugar perenemente limpo e
puro.

Desperta adicionalmente que apenas limpar o templo interior não é


suficiente. A pureza moral e ética é insuficiente. Exige-se que o
interior do templo, local da razão e dos sentimentos equilibrados,
nutram o cérebro com estímulos que levem a buscar a perfeição.
Daí ressalta-se a importância em velar na maioria das vezes do
centro das emoções, o coração, de modo a mantê-lo subjugado à
mente, pois é considerado esotericamente um mausoléu e tudo
aponta para o coração como túmulo do maçom; ao menos
enquanto não morrer o maçom que o contém.

O caminho para a liberdade e perfeição do maçom é dominar suas


paixões com o objetivo de acabar com atitudes extremadas e
fanáticas. E a vereda do espírito passa pela capacidade de sonhar,
com grandes chances de converter a fera humana, apenas
controlada pelas leis, em ser humilde diante da grandiosidade do
que daqui divisamos.

Quando o tempo se desloca, em nosso interior reina escuridão


enquanto não efetuarmos um salto para dentro de nós mesmos
iluminados pela sabedoria do entendimento desta viagem. Este
deslocamento é realizado em pequenas estações, para que o
choque da descoberta desta escuridão não nos deixe cegos e com
medo, assim como fazemos em nossa evolução pelos graus do
Rito Escocês Antigo e Aceito.

92
O medo pode nos imobilizar e escravizar aos extremismos.

É necessária coragem para desbravar o caminho.

Agora que mostrei a minha senda, faça as tuas viagens a sós para
dentro de você mesmo e descubra teus próprios caminhos. Só não
se assuste com a escuridão do lugar, leve sempre junto a luz de tua
capacidade intelectual para de lá sair em segurança. Ao homem
maçom é dado caminhar só na busca de sua espiritualidade e
liberdade, exatamente porque ninguém a pode fazer por outrem. É
tarefa individual e intransferível.

E saiamos daqui, pois os trabalhos encerraram a meia-noite.


Bibliografia:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, Filosofando, Introdução à


Filosofia, Editora Moderna, 1993.
ASLAN, Nicola, Instruções Para loja de Perfeição para o Grande 4
ao 14, Quarta Edição, Editora Maçônica A Trolha Ltda., 2003.
BOSQUILHA, Gláucia Eliane, Minimanual compacto de Química,
Editora Rideel, 1999.
CAMINO, Rizzzardo da, os Graus Inefáveis, Loja de Perfeição,
Volume 1, Primeira Edição da Editora Maçônica A Trolha Ltda.,
1995.
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0,
2001.
GLEISER, Marcelo, Criação Imperfeita, ISBN 978-85-01-08977-7,
1ª edição, Editora Record, 366 páginas, São Paulo, 2010.
GUIMARÃES, João Francisco, Maçonaria, a Filosofia do

93
Conhecimento, Primeira Edição, Madras Editora Ltda., 2003.
LOCKE, John, Ensaio Acerca do Entendimento Humano, Editora
Nova Cultural Ltda., 2005
OLIVEIRA FILHO, Denizar Silveira de, Comentários aos grandes
Inefáveis do Rito Escocês Antigo e Aceito, primeira Edição,
Coleção Biblioteca do maçom, Editora Maçônica A Trolha Ltda.,
primeira Edição, 1997.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario, História da Filosofia, Volume
1, Editora Paulus, 9ª edição, 2005.
Com a devida vénia ao autor,

Rui Bandeira

94
Repto aceite

April 28, 2010

A publicação do interessante texto de Charles Evaldo Boller A


Viagem motivou, até o momento em que escrevo este texto, quatro
comentários. O primeiro a ser produzido, claramente crítico: "Li o
texto cuidadosamente e sou da opinião que o Mestre Maçon,
Charles Evaldo Boller, mistura alhos e bugalhos, faz várias
afirmações contraditórias e outras das quais não tem ideia
nenhuma. Nada das suas premissas lhe permite tirar qualquer
conclusão. Estou disposto a discutir consigo o artigo, ponto por
ponto." (Diogo). Depois, dois comentários sintéticos e adjetivantes:
"Inspirador e belo" (LuxAeterna) e "Maravilhoso" (Júnior).
Finalmente, um novo comentário de Diogo, no qual, em nove
pontos, procura concretizar as razões das suas considerações
inclusas no seu anterior texto.

95
Estas reações mostram-me que acertei ao ter pedido ao Irmão
Charles Evaldo Boller autorização para aqui publicar o seu texto: só
textos de qualidade são suscetíveis de gerar tão contraditoriamente
extremas reações...
Se aos comentários adjetivantes pouco mais há a acrescentar, os
comentários críticos - absolutamente legítimos - do Diogo abrem
perspetivas interessantes e que talvez propiciem um diálogo
frutuoso, de onde resulte um melhor entendimento do texto de
Charles Evaldo Boller.
Aceito a proposta do Diogo. Discutamos o texto, então. Troquemos
opiniões, analisemos o que nele se escreve. Vamos lá então, ponto
por ponto, conforme sugerido.

1 - «Este é nosso novo Universo: nada ao nosso redor, o tempo


parado e apenas o Sol a nos iluminar. Neste ambiente especial
construído por nossa imaginação, apenas nós nos movemos.
Estamos sem ponto de referência a não ser o sol. Longe de tudo.
Não existe ruído ou necessidade de ar. Somos poderosos.»

1 – Se estamos só nós e o Sol e sem ponto de referência a não ser


o Sol, não podemos afirmar que nos estamos a mover ou que o Sol
se está a mover. De facto, sem um terceiro ponto de referência,
nem sequer podemos afirmar que há movimento.

Esquece o Diogo que, assumidamente, o texto é uma alegoria - não


um tratado científico. Não atentou que, no próprio trecho que
transcreve, consta "Neste ambiente especial construído por nossa
imaginação".

96
A premissa apenas nós nos movemos é estabelecida pelo autor.
Faz parte da alegoria...

E, desculpar-me-á o Diogo, mas a sua afirmação de que, na


ausência de um terceiro ponto de referência nem sequer se pode
afirmar que há movimento, não está certa: se variar a posição
relativa entre o ponto A e o ponto B, é indesmentível que há
movimento. O que pode desconhecer-se, na ausência de um
terceiro ponto de referência, é se o movimento foi de A, foi de B ou
foi de ambos... Mas, mesmo assim, na economia da alegoria, uma
vez que um dos pontos é o observador e este é um ser senciente, é
possível ao observador afirmar que ele se move (porque sente o
movimento).

É certo que, mesmo com esta premissa, não se pode afirmar, com
certeza absoluta, que só o observador se move e o Sol está imóvel,
pois o observador sente o seu movimento, verifica a diferença de
posição relativa em relação ao Sol, mas não pode afirmar, com
absoluta certeza que essa variação de posição relativa se deve
apenas ao seu movimento ou também ao movimento do Sol. Mas,
mesmo considerando este aspeto, a objeção do Diogo carece, a
meu ver, de sentido, em face do enquadramento semântico da
frase: o Sol - o segundo ponto de referência, na economia do texto
está fora do ambiente referido pelo autor. É assim logicamente
correta a afirmação de que Neste ambiente especial construído por
nossa imaginação, apenas nós nos movemos.

Parece-me, consequentemente, infundamentada esta primeira


objeção do Diogo.

97
2 - «Olhamos ao redor e observamos a imensidão. Como é
diminuta a nossa estatura em relação a este Universo ilimitado e
sem horizonte. »

2 – Que imensidão, se existo apenas eu e o Sol? Novamente


preciso de outro ponto de referência para medir um espaço (a tal
imensidão).

Esquece o Diogo, ao formular esta sua objeção, que o ponto de


partida da alegoria não é um observador absoluta e completamente
desconhecedor do mundo e da vida e das leis da Natureza. A
alegoria coloca um ser vivente, que viveu, que sentiu, que viu, que
algo sabe, enfim, um ser humano normal - metaforicamente o leitor
que acompanha o autor na viagem - na situação descrita. Ora, o
observador assim hipotizado tem uma experiência de vida, um
conhecimento ao menos empírico, que lhe permitem interpretar as
suas sensações. Esse conhecimento empírico permite-lhe recordar
a dimensão normal como o Sol é visto, no dia a dia, o
conhecimento do seu tamanho e a noção de perspetiva. Logo, em
função do tamanho aparente da estrela e da noção empírica de
perspetiva, qualquer observador mediano pode ter uma noção,
ainda que porventura não precisamente precisa da distância a que
estará o objeto observado, de forma a poder considerá-la uma
imensidão.

Mais uma vez, não é absolutamente necessário o terceiro ponto de


referência pretendido pelo Diogo, pelo que também me parece
infundamentada esta segunda objeção.

98
3 - «não passamos todos de simples viajantes espaciais, é o que
todos somos; astronautas deslocando-se permanentemente pelo
espaço sideral numa velocidade estonteante a um destino
desconhecido. »

3 – Mais uma vez, sem outros pontos de referência, tanto de


espaço como de tempo, não posso ter nenhuma ideia de
velocidade.

Não atenta o Diogo no contexto da frase, que demonstra que a


situação descrita é a hipotizada. A afirmação de que a velocidade
de deslocação é estonteada não é uma conclusão - é uma
premissa.

Ora leia lá o parágrafo todo:

Se olharmos todo o trajeto que nos trouxe até aqui é realmente um


salto imenso para a nossa pequenez de criatura vivente do espaço
tridimensional. Aqui só existe a noção de espaço porque trouxemos
junto conosco as carcaças que nos contêm. Qualquer forma que
adotarmos, seja ela material ou assim como nos imaginamos
agora, não passamos todos de simples viajantes espaciais, é o que
todos somos; astronautas deslocando-se permanentemente pelo
espaço sideral numa velocidade estonteante a um destino
desconhecido.

Atente lá: Aqui só existe a noção de espaço porque trouxemos


junto conosco as carcaças que nos contêm. A premissa dada é que

99
existe noção de espaço, logo de dimensão, logo - e mais uma vez
sensorialmente se usando a perspetiva e a sensação de movimento
- é possível a noção de velocidade, independentemente de "outros
pontos de referência" (que, aliás, nesta passagem do texto se não
diz que não existam; apenas não são expressamente referidos,
obviamente por desnecessários para a exposição...).

Também rejeito, consequentemente, a pertinência desta terceira


objeção do Diogo. E atrevo-me a inferir que, subjacente a estas
infundadas objeções do Diogo está sempre a desatenção a que se
está perante e numa alegoria, em que assumidamente o autor -
logo no início! - declara ser necessário utilizar a imaginação, a
fantasia.

E, por favor, não me objete, Diogo, que a imaginação não tem lugar
no pensamento científico. Se me fizesse essa objeção, de novo
teria de afirmar estar errado: a própria ciência experimental
baseia-se na confirmação, repetida, através de experiências
práticas, de hipóteses colocadas como objeto de investigação. De
onde surgem essas hipóteses iniciais senão da imaginação, da
capacidade de considerar algo que pode ser verdadeiro ou falso (as
experiências o confirmarão ou infirmarão...)?

4 - «Vamos restaurar o fluxo do tempo. »

4 – O que é o Tempo? Há algum relógio universal a medir o


Tempo?

Esta pergunta, Diogo, tenho-a por retórica... Então o nosso cético,

100
hiper-racionalista Diogo esqueceu-se da teoria do Big Bang e de
que ela postula que com o dito cujo se criou o Universo, o espaço e
o tempo (conferir
http://pt.shvoong.com/exact-sciences/496537-teoria-da-grande-explos%C3
Meu caro Diogo, essa sua pergunta deveria ter sido formulada ao
Einstein, não ao Irmão Charles Evaldo Boller...

Não lhe faço a injúria de considerar que estava a colocar esta


objeção a sério... Assentemos em que estava só a testar se eu
estava distraído...

5 - «É assim, de forma espantosa, com quase nada de matéria,


com quase absoluto espaço vazio que o Grande Arquiteto do
Universo produziu toda a matéria sólida do Universo. »

5 – Mas haverá matéria sólida? Se continuar a diminuir de tamanho


e entrar dentro dos núcleos dos átomos e dos electrões não irá
perceber que afinal todo o Universo é apenas energia?

Meu caríssimo Diogo, está a objetar a quê? Esta sua afirmação é


precisamente a afirmação do texto do Irmão Charles Evaldo
Boller...

Ora atente lá nesta passagem do texto do Irmão Boller:

É assim que se forma a matéria sólida de que são formados nossos


corpos, o mausoléu de nossos pensamentos. A velocidade com
que os elétrons giram ao redor de seus núcleos cria a matéria, lhe
proporciona solidez. É como tudo no Universo físico é construído.

101
Esta é a assinatura do Grande Arquiteto do Universo dentro de nós
mesmos.
E releia mais esta passagem:

O que acabamos de afirmar e virtualmente constatar, foi baseado


na informação de que o elétron e o próton contêm massas, isto é,
que sejam efetivamente feitos de matéria sólida, mas que o
garante?

Existem considerações científicas atuais que dizem terem os


átomos ora o comportamento de partícula e ora de fenômeno
ondulatório, isto é, não possuírem massa e serem constituídas
exclusivamente de campos de força, de campos eletromagnéticos,
de energia.

Aí então a nossa pasma intelectualidade entra em pane!

Se os átomos não são nada mais que campos de força, então


somos efetivamente feitos de puro espaço vazio, nada somos!

Diogo, cuidado! Onde pensava haver divergência, há, afinal,


correspondência de pontos de vista!

6 - «Será que legitima a expressão do penso, logo existo, de


Descartes? »

6 – Legitima. O facto de pensar implica a existência de algo que


pensa.

102
Corretíssimo, Diogo. Se reparar bem, a pergunta do texto do Irmão
Boller é meramente retórica. Ele também pensa assim - igualzinho
ao Diogo!

Mau! Duas vezes seguidas o Diogo a pensar o mesmo que um


maçom? Onde é que este mundo vai parar? (Não se zangue com a
brincadeira, Diogo! Isto só demonstra que les bons esprits se
rencontrent...)

7 - «Tudo o que existe é feito essencialmente de espaço vazio,


somos feitos do nada, então nada deveríamos ser. Existimos
apenas como que por milagre. Um maravilhoso feito do Incriado.
Heidegger argumentava que o ser se faz no tempo; e é o que
constatamos em nossa experiência; o ser é o nada que o constitui.
»

7 – O nada de Heidegger é energia.

Bem, Diogo, aqui confesso a minha ignorância! O que não quer


dizer falta de diligência... Da breve busca que fiz, apurei que a
primeira obra importante de Heidegger se intitulou O Ser e o Tempo
- daí talvez a referência do Irmão Boller.

Mas nada encontrei que confirmasse a sua afirmação de que "o


nada de Heidegger é energia" (confira-se, designadamente, na
Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Martin_Heidegger - e em
http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com/2008/07/sobre-ser-e-tempo-de-hei

8 - «Porque olhando em nossa própria essência, sequer

103
deveríamos existir! É um milagre! Os fatos apontam para uma
realidade onde a vida tem uma insignificante possibilidade de se
manifestar… Conscientizou-se agora do quanto somos livres e
iguais neste Universo criado pelo Grande Arquiteto do Universo? »

8 – Como é damos o salto da existência da vida para a existência


de um Grande Arquitecto? Não é muito mais simples aceitar o
aparecimento da vida no Universo do que a existência de um
«Grande Arquitecto»? Porquê a existência de um «Grande
Arquitecto» que criou um Universo e depois criou a vida?

Diogo, para o peditório do debate entre crentes e ateus (ou


agnósticos) já dei... Se quiser fazer o favor de conferir o que escrevi
no texto Serei crente?, já há mais de dois anos, entenderá
perfeitamente a minha posição sobre a inutilidade desse debate:

Deparei há dias com um notável texto intitulado , que me inspira o


texto de hoje. Não é uma resposta, nem uma manifestação de
desacordo - pelo contrário! O meu propósito é tão somente
complementar as ideias expressas naquele texto com o meu, de
algum modo simétrico, entendimento. Daí, aliás, a escolha do titulo
deste meu escrito...

Mas, para bem entender ao que aqui venho, faça o leitor, antes de
mais, a fineza de aproveitar o atalho que acima coloquei e ler o dito
texto Serei ateu?, da autoria de Carl Sagan. Vale a pena!

Já está? Prossigamos, então!

Ao ler o referenciado texto de Carl Sagan, a minha primeira

104
reacção foi de admiração por ser possível uma tão grande
comunhão de pensamento entre duas pessoas que, de alguma
forma, estruturaram a sua forma de ver o mundo a partir de
pressupostos opostos: noventa e muitos por cento daquilo que Carl
Sagan naquele texto escreveu poderia ter sido escrito por mim - se,
para tanto, tivesse tido engenho e arte... No entanto, enquanto Carl
Sagan se define como ateu (embora colocando na devida
perspectiva a sua posição), eu defino-me como crente. E,
parafraseando o que Carl Sagan escreveu, também eu julgo
adequado colocar um ponto de interrogação à frente da minha
afirmação, porquanto também eu, na mesma linha, me considero
crente até que alguém me prove racional e definitivamente que não
existe um Criador.

Concordo plenamente com o entendimento de Carl Sagan sobre a


racionalidade, o método científico, o cepticismo, a invenção de
seres sobrenaturais pelo Homem, a inocuidade moral do ateísmo,
as religiões, os fundamentalismos e os princípios que nos unem na
Augusta Ordem Maçónica, independentemente das suas variantes!

No entanto, com essa tão grande, tão extensa, concordância,


definimo-nos simetricamente: ele ateu, eu crente; ambos cum
granum salis, o que vale por dizer, salvo melhor opinião e com
reserva de mudança de opinião, se sobrevierem elementos que
levem ao convencimento da necessidade dessa mudança.

Como é isso possível? Como é possível que tão similar forma de


pensar conduza a conclusões diversas e, não diria opostas, mas
simétricas? Será que a um se sobrepõe a Fé à Razão, ao contrário

105
do outro? A tentação primária é afirmá-lo. Mas creio que seguir tal
tentação seria um erro!

Pelo contrário, julgo ser asado concluir que ambos baseamos a


nossa postura não só em postulados racionais, como até no
mesmo postulado essencial: pese embora todo o Conhecimento
Científico, toda a Especulação Racional, todos os Postulados
de todas as Crenças, há duas afirmações opostas que, até
agora, são racional e cientificamente indemonstráveis e
racional e cientificamente irrefutáveis em absoluto: Deus
existe; Deus não existe!

Para cada argumento que se possa aduzir em abono de que Deus


existe, existe um argumento com igual força que o refuta; para cada
argumento que se apresente demonstrando que Deus não existe,
existe um outro, de igual fortaleza que defende essa existência.

Para não alongar muito este texto, apresento uma sumaríssima


demonstração desta realidade, a um nível propositadamente
primário: à pergunta quem criou o Mundo?, respondem os crentes
que foi Deus; mas de imediato surge então a irrespondível pergunta
de quem criou Deus?; similarmente, a tese da Ciência
contemporânea de que o Universo teve origem num Big Bang é
reduzida à sua dimensão de nada realmente explicar se se
pergunta o que (ou quem...) criou, originou esse Big Bang, como e
de onde surgiu essa tão fenomenal e extraordinária Força que do
Nada fez surgir o Tudo. E, sendo postulado da Ciência que tudo o
que existe pode ser reproduzido (e nisso se baseia a Ciência
Experimental), como se explica que, desde há biliões e biliões de

106
anos, só haja conhecimento de UM Big Bang, quando seria de
esperar uma repetição do fenómeno?

E por aí fora se poderia, horas e dias e meses e anos, argumentar,


especular, refutar, insistir. Bem o pontua Carl Sagan: não é
possível, à luz dos nossos conhecimentos e da nossa razão, nem
provar, nem refutar a existência de Deus.

Carl Sagan, legitimamente, acolhe-se ao seu cepticismo científico


para concluir (se bem ajuízo): porque não está provado que exista
Deus, não creio que exista e portanto classifico-me como ateu; não
posso, no entanto, excluir que se possa vir a provar que existe e, se
assim vier a suceder, mudarei de posição.

Com igual legitimidade, a minha posição é a de que se não pode


provar e se não provou que Deus não exista e a única explicação
que encontro para o Universo e para o sentido da Vida é essa
existência e portanto classifico-me como crente; não posso, no
entanto, excluir que outras prova e explicação possam vir a surgir
e, logo, mantenho a minha mente aberta e atenta...

Quando olho, numa noite sem nuvens, o Firmamento e vejo


milhares e milhares de pontos de luz, maravilho-me com a
grandeza, o rigor, a precisão, do Universo e concluo que só uma
Vontade Superior e uma Capacidade inentendível ao nível humano
pode ter criado toda aquela incomensurável maravilha e mais a
Vida que alberga e mais o Homem e a sua capacidade de
abstracção, de ética, de razão... Penso que, se tudo isto fosse
tentado explicar como um mero fenómeno natural, então ficava por
explicar como e porque foi único, e assim, e de onde veio a força, e

107
a matéria, e...

É exactamente pelo mesmo uso da Razão que sou crente. É por ter
o mesmo cepticismo que Carl Sagan que, como ele, acrescento um
ponto de interrogação ao meu postulado.

Temos a mesma ética, os mesmos princípios. Olhamos ambos para


a mesma cerca - só que cada um do seu lado. O que não é
nenhuma tragédia... O que nos diferencia não é a Razão, que
ambos partilhamos, nem a Fé, que, penso, ambos admitimos
apenas como possível consequência, nunca fundamento. O que
nos diferencia, creio, é algo intermédio: a Convicção. A Convicção
que se funda na Razão e que, quando a Razão não sabe, não
pode, dar resposta, parte dela para ir além dela. A Convicção que
parte da Razão para, de braço dado com a Intuição, procurar
descortinar para além do ponto de partida e do horizonte que nele é
visível.

É por isso que dois homens habituados a ser racionais e cépticos


podem, sem desdouro nem problema, ter diferentes convicções.
Até ao horizonte, vêem o mesmo e de igual forma; para além do
horizonte, cada um interpreta os elementos que tem e intui o que
pensa que para lá estará.

Respondendo diretamente às suas perguntas, Diogo, o significado


da Vida e da criação (ou da primitiva aparição) da Vida é o Grande
Enigma. Uns, como eu, crêem só poder ter sucedido e existir pela
intervenção de um Poder Criador (que eu designo por Grande
Arquiteto do Universo); outros acreditam que a Vida surgiu de uma

108
enorme e incalculável sucessão de acasos cumulativos, que
superam em milhões de milhões de milhões (e ponha ainda mais
milhões aí...) de vezes as probabilidade de ganhar o Euromilhões.
Por mim, tudo bem: cada um acredita no que acredita. Mas, se eu
sou crente, quem acredita nessa incalculável megassucessão de
mega-acasos, o que é? Talvez... crédulo???

Nesta grande interrogação, o que impera é a convicção. Fique cada


um com a sua e não apode quem tem diferente convicção de
errado.

Neste ponto, Diogo, assentemos num empate! Nenhum de nós


pode provar ou infirmar aquilo em que acredita!

9 - «O caminho para a liberdade e perfeição do maçom é dominar


suas paixões com o objetivo de acabar com atitudes extremadas e
fanáticas. E a vereda do espírito passa pela capacidade de sonhar,
com grandes chances de converter a fera humana, apenas
controlada pelas leis, em ser humilde diante da grandiosidade do
que daqui divisamos. »

9 – Quase nada separa a maçonaria das outras grandes religiões.

Quase que fui tentado a pensar que todo o seu comentário foi uma
introdução a esta frase final, Diogo...

Pois bem, Diogo, não vá por aí: releia o texto precisamente anterior
ao que motivou o seu comentário (A Maçonaria não é uma religião)
e não insista em afirmações inconsequentes como a da sua última

109
frase: além do mais, esta tecla de afirmar que a Maçonaria é uma
religião é normalmente tocada pelos fundamentalistas evangélicos
americanos - e o Diogo vale muito mais que isso e do que eles!

Rui Bandeira

110
Réplica e tréplica

May 05, 2010

Na sequência dos textos A viagem e Repto aceite, Diogo


apresentou a seguinte réplica:

Confesso que no meu comentário anterior me desviei da alegoria


de Charles Evaldo Boller para mergulhar de cabeça nos aspectos
físicos da questão. Com isso ter-me-ei agarrado ao acessório
científico e perdido o essencial do pensamento filosófico do autor.
Peço desculpa ao Rui por isso. Li e reli de novo o artigo. Não
consigo deixar de fazer um paralelismo entre a maçonaria e um

111
misto de teísmo [O Grande Arquitecto, o Sol que tudo ilumina] e de
Budismo – a constante procura da perfeição pessoal: Retirado de
“O que é o budismo?” - «no entanto, o praticante Vajrayana iniciado
nas instruções secretas, muitas delas dadas somente de mestre
para discípulo oralmente, também denominadas, verdades
sussurradas ao ouvido, iria pelo rio em busca das bagas
venenosas, para as retirar directamente do rio, e assim todos
poderem livremente beber a água o mais rápido possível.» Mas eu
sou ateu. A minha filosofia de vida é aprender o mais possível (não
num sentido moral) e fazer conscientemente o máximo de bem e o
mínimo de mal. Bom, posto isto, vamos então ao debate: Rui: «E,
desculpar-me-á o Diogo, mas a sua afirmação de que, na ausência
de um terceiro ponto de referência nem sequer se pode afirmar que
há movimento, não está certa: se variar a posição relativa entre o
ponto A e o ponto B, é indesmentível que há movimento. O que
pode desconhecer-se, na ausência de um terceiro ponto de
referência, é se o movimento foi de A, foi de B ou foi de ambos...»
Sem um terceiro ponto de referência não pode afirmar que há
movimento. O movimento é sempre relativo. A move-se em relação
a B em função de C. Mais, o movimento é uma função do espaço e
do tempo. Pior, o tempo é uma função de um movimento em
relação a outro movimento. Enfim, uma grande salgalhada.
Evidentemente, estou a falar num sentido estritamente físico, o que
não era a intenção do autor. Quanto ao ponto 4 – O que é o
Tempo? Há algum relógio universal a medir o Tempo? Rui: «Esta
pergunta, Diogo, tenho-a por retórica... Então o nosso céptico,
hiper-racionalista Diogo esqueceu-se da teoria do Big Bang e de
que ela postula que com o dito cujo se criou o Universo, o espaço e
o tempo (conferir

112
http://pt.shvoong.com/exact-sciences/496537-teoria-da-grande-explos%C3
Meu caro Diogo, essa sua pergunta deveria ter sido formulada ao
Einstein, não ao Irmão Charles Evaldo Boller... Não lhe faço a
injúria de considerar que estava a colocar esta objeção a sério...
Assentemos em que estava só a testar se eu estava distraído...»
Estou a falar muito a sério Rui. Tanto a teoria da relatividade como
a do Big Bang estão muito longe de estarem confirmadas. Eu estou
convencido que ambas estão erradas. Acredito num Universo
infinito e estacionário, sem princípio e sem fim. Quanto ao ponto 5 –
Mas haverá matéria sólida? Se continuar a diminuir de tamanho e
entrar dentro dos núcleos dos átomos e dos electrões não irá
perceber que afinal todo o Universo é apenas energia? «Meu
caríssimo Diogo, está a objetar a quê? Esta sua afirmação é
precisamente a afirmação do texto do Irmão Charles Evaldo
Boller...» - estou de acordo consigo. Quanto 6 - «Será que legitima
a expressão do penso, logo existo, de Descartes? » - também
estamos de acordo. Rui: «Para cada argumento que se possa
aduzir em abono de que Deus existe, existe um argumento com
igual força que o refuta; para cada argumento que se apresente
demonstrando que Deus não existe, existe um outro, de igual
fortaleza que defende essa existência.» Onde é que o Rui foi
buscar este postulado? Rui: «à pergunta quem criou o Mundo?,
respondem os crentes que foi Deus; mas de imediato surge então a
irrespondível pergunta de quem criou Deus?; similarmente, a tese
da Ciência contemporânea de que o Universo teve origem num Big
Bang é reduzida à sua dimensão de nada realmente explicar se se
pergunta o que (ou quem...) criou, originou esse Big Bang, como e
de onde surgiu essa tão fenomenal e extraordinária Força que do
Nada fez surgir o Tudo. E, sendo postulado da Ciência que tudo o

113
que existe pode ser reproduzido (e nisso se baseia a Ciência
Experimental), como se explica que, desde há biliões e biliões de
anos, só haja conhecimento de UM Big Bang, quando seria de
esperar uma repetição do fenómeno?» Como lhe disse acima, a
teoria do Big Bang está muito longe de estar provada. Eu não
acredito nela. De qualquer forma, um Deus, qualquer Deus, teria de
ser considerado um ser vivo por mais imaterial que o
consideremos. Ele não pensa? Não age? Rui: «Respondendo
directamente às suas perguntas, Diogo, o significado da Vida e da
criação (ou da primitiva aparição) da Vida é o Grande Enigma. Uns,
como eu, crêem só poder ter sucedido e existir pela intervenção de
um Poder Criador (que eu designo por Grande Arquiteto do
Universo); outros acreditam que a Vida surgiu de uma enorme e
incalculável sucessão de acasos cumulativos, que superam em
milhões de milhões de milhões (e ponha ainda mais milhões aí...)
de vezes as probabilidade de ganhar o Euromilhões. Por mim, tudo
bem: cada um acredita no que acredita. Mas, se eu sou crente,
quem acredita nessa incalculável megassucessão de mega-acasos,
o que é? Talvez... crédulo???» Curiosamente, eu também não sou
darwinista e portanto também não acredito que a vida e a evolução
sejam fruto do acaso. Mas o que é a vida? Entre as muitas dezenas
de descrições que podemos encontrar aqui –
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:http://pt.wikipedi
- uma diz que: «Vida é um sistema que reduz localmente a entropia
mediante um fluxo de energia» Donde, será aquilo a que
chamamos vida apenas um aglomerado relativamente vulgar no
Universo de matéria e energia? Moléculas com um determinado
comportamento? Algo, afinal, sem nada de mágico? Quanto ao
ponto 9 - «O caminho para a liberdade e perfeição do maçom é

114
dominar suas paixões com o objectivo de acabar com atitudes
extremadas e fanáticas. E a vereda do espírito passa pela
capacidade de sonhar, com grandes chances de converter a fera
humana, apenas controlada pelas leis, em ser humilde diante da
grandiosidade do que daqui divisamos. » Rui, aqui não vou discutir
consigo. Você já sabe a minha opinião.

E eu formulo a tréplica que se segue:

Uma vez que Diogo reconhece que as suas primitivas críticas ao


texto A viagem não tiveram em consideração o caráter alegórico do
mesmo, tenho-as por retiradas.

De factual ou científico, a única diferença de opinião que, se bem


ajuízo, resta entre Diogo e eu próprio é a questão da necessidade
de um terceiro ponto de referência para a verificação se, entre um
observador A e um ponto B, algum deles, ou ambos, se
movimentam(m). Questão menor, convenhamos. E que, para a
economia do debate das nossas ideias e do aprofundamento delas
me parece perfeitamente lateral. Desde já declaro não ser um
especialista da matéria (aliás, já o declarei neste blogue, considero
que não sou especialista de nada, a não ser, hipoteticamente, um
"especialista em ideias gerais"), pelo que a minha posição é
meramente empírica. E como melhor ilusto as minhas ideias com
imagens, procure o Diogo ver a razão da minha afirmação - de que
discorda: imagine-se num comboio que, a certa altura, parou numa
estação, e está a olhar pela janela. Do lado de lá dela, está um
outro comboio, igualmente parado e, olhando pela janela, em sua
direção, está uma bela mulher que chama a sua atenção, ao ponto

115
de só a fixar a ela e nada mais. (Temos outra situação de
observador A e ponto B e nada mais - que capte a atenção, pelo
menos). A certa altura, a sua perceção é que a mulher que fixa se
está movimentar para a sua direita. Dois pontos, um observador e o
observado. O observador, sem necessidade de mais qualquer
ponto de referência, regista a existência de movimento. Precisa
efetivamente de um terceiro ponto de referência é para determinar
se é o comboio "dela" que suavemente se movimenta, ou o "seu"
(ou ambos, eventualmente). Dito isto, não procuro convencer o
Diogo de nada, tal como certamente o Diogo não espera
convencer-me do contrário do que afirmei. Fique cada um com a
sua convicção - e felizmente que esta matéria é de irrisório
interesse para nosso debate.

Diogo introduz a sua réplica com uma afirmação interessante e que


eu não vejo motivos para rejeitar liminarmente: afigura-se-lhe que a
Maçonaria será um misto de teísmo e budismo. É uma forma
curiosa de pôr a questão. E é, no meu ponto de vista, irrespondível:
a Maçonaria defende precisamente o máximo de liberdade da
interpretação individual dos fenómenos. Certamente algumas
pessoas partilharão facilmente da curiosa interpretação do Diogo,
algumas outras dela discordarão, outras ainda tenderão a
concordar, mais ou menos difusa ou parcialmente com a mesma.
Em termos de ética maçónica a única reação a ter é registar a tese,
respeitá-la e integrá-la como mais um elemento para a nossa
própria análise. Ou seja: o Diogo tende a considerar a Maçonaria
um misto de teísmo e budismo. Tudo bem, é a sua análise, que não
é, de todo, inverosímil. E mais não há que comentar...

116
O outro aspeto da réplica de Diogo que considero merecer especial
realce é o conjunto de proposições que começa com a sua
afirmação de princípio (que é esclarecedora e que também só pode
merecer uma atitude de respeito pela mesma) de que se considera
ateu. Fica esclarecido. Nada a comentar ou objetar. Já na sua
réplica especificada, Diogo formula ainda uma reveladora e (para
mim) inesperada consideração: está pessoalmente convencido que,
quer a teoria da relatividade, quer a teoria do Big Bang estão
erradas. E prossegue declarando que acredita num Universo infinito
e estacionário, sem princípio nem fim. Estas afirmações de
princípio de Diogo abrem, creio, um campo de análise porventura
interessante e que talvez o próprio Diogo não tenha ainda detetado.

Não vou tecer qualquer crítica ao entendimento expresso pelo


Diogo - isso seria a violação daquilo que, como maçom, acredito
dever-lhe: respeito e tolerância pela sua opinião. Nem vou procurar
aproveitar-me para extrair conclusões porventura indevidas das
suas proposições. Pretendo apenas contribuir para uma reflexão -
de quem me ler e do próprio Diogo, em particular. Vou, portanto,
formular apenas algumas perguntas. As respostas cada um as
dará. O Diogo em particular, em especial no íntimo de si mesmo -
onde não tem de temer reações, nem necessita de ninguém
impressionar.

Já reparou o Diogo que as caraterísticas que atribui ao Universo


que concebe (infinito, estacionário, sem princípio nem fim -
portanto, eterno) são aquelas que os crentes atribuem à Divindade?
Já reparou que eu poderia descrever o Grande Arquiteto do
Universo nos mesmos termos? Será que o ateu que o Diogo se

117
declara afinal se limita a transferir a resposta ao Grande Enigma da
Divindade para o Universo? O que é então esse Universo infinito,
estacionário, eterno? Não será afinal o ateu Diogo afinal um crente
no panteísmo? Não andaremos afinal todos a falar da mesma coisa
- só que chamando-lhes nomes diferentes?

Se assim o entender, pense o Diogo, calma e maduramente, nestas


questões e nas que estas sugerem. Mas faça-o apenas perante si
mesmo. Não com o intuito de refutar outrem ou de concordar com
quem quer que seja. Apenas para aprofundar efetivamente as suas
ideias, as suas dúvidas, as suas certezas,os seus
desconhecimento. E tirar as suas conclusões. Que - se o Diogo for
como eu - serão sempre provisórias. E serão suas. Que ninguém
tem o direito de criticar ou pôr em causa. Que guardará para si ou
partilhará com quem entender, quando entender, se entender.

É esta a felicidade e glória de ser Humano! Seja-se maçom ou


profano, ateu ou crente, teísta, ateísta, budista, deísta, panteísta ou
outro "ista" qualquer!

Rui Bandeira

118
No Title

May 08, 2010

Ora meus Queridos Manos, Amigos, Curiosos e demais gente boa


que vai lendo o que se passa neste "hemisfério discursivo" e
"blogueiro".
Sei que têm dado muito pela minha falta, de tal maneira que tenho
a caixo do correio cheia de mensagens de agradecimento pelo meu
desaparecimento do circuito.
Mas desiludam-se... isto está a correr mal para o Vosso lado.
ESTOU DE VOLTA ! PIM !
E regresso porque a partir de hoje, 8 de Maio, arranca a Campanha
do Pirilampo Mágico 2010.

119
E esta eu não perdôo.
É mais uma tradição do Maio português a que todos, novos e
velhos, homens e mulheres, nacionais ou estrangeiros, costumam
corresponder com entusiasmo comprando o boneco, este ano de
côr “salmão”, lindo, amável e patusco como sempre, pelos 2 euros
de sempre.
O resultado da venda vai direitinho para as Cerci’s, que bem
necessitam de ajuda, com a certeza do agradecimento das
“crianças” ali recolhidas e tratadas.
Comprem o Pirilampo, e/ou o PIN que sempre o acompanha, e
contribuam para a alegria das “Crianças” das CERCI’s.
E não se demorem.
Não arrisquem a estragar a coleção dos Pirilampos anuais por falta
de um exemplar.
Em caso de dificuldade deixem aqui um comentário com a V.
indicação, porque tratarei de vos fazer chegar um Pirilampo,
destes, lindos por todos os lados.
E tão fofiiiinhos......
JPSetúbal

120
Loja Mestre Affonso Domingues: o sítio e o blogue

May 12, 2010

A presença na Internet da Loja Mestre Affonso Domingues


processa-se em dois planos: o sítio da Loja (http://www.rlmad.net/)
e este blogue. São dois espaços de comunicação diferentes,
embora ambos expressamente pensados e organizados para
serem lidos por maçons e por profanos.
O sítio da Loja assume um cariz mais institucional - embora não
demasiado. Publica textos maçónicos e material de divulgação, que
consideramos interessante. Em suma, procura espelhar a
identidade coletiva da Loja.

121
Este blogue procura ser mais coloquial, diversificado, subjetivo. O
seu objetivo é mostrar como pensam, o que são, os maçons da
Loja Mestre Affonso Domingues. Por isso, o subtítulo deste blogue
afirma que este é feito por maçons da Loja Mestre Affonso
Domingues - não pela Loja! Este blogue é a concretização de um
dos princípios essenciais da Maçonaria: o respeito da identidade
individual de cada um, a riqueza que constitui a integração da
diversidade - de pensamento ou da simples opinião, da religião, de
sentimentos, de estilos, de personalidades.
Com estes dois diferentes instrumentos (sítio e blogue), a Loja
mostra a quem quiser ver duas diferentes facetas da Maçonaria:
enquanto grupo, com um acervo de valores comuns (o sítio, cujo
responsável sabe que tudo o que ali é publicado é visto, lido e
entendido como manifestação da Loja) e (blogue) enquanto
indivíduos, pessoas, maçons individualmente considerados, que
espelham as suas opiniões, sentimentos, estilos, com a diversidade
que cada um que aqui escreve mostra. O todo composto por
indivíduos com um núcleo de valores comuns (sítio), os indivíduos
que, na sua diversidade, contribuem para as caraterísticas
específicas do grupo (blogue). Quem consulta o sítio, consulta a
informação, as ideias do grupo, do todo, da Loja; quem lê o blogue,
contacta com as ideias de quem escreve, assumindo-se como
maçom e como integrante da Loja, mas sempre e principalmente
posições individuais, independentes, pessoais. No sítio, tem-se o
pensamento coletivo da Loja; no blogue os pensamentos
individuais dos maçons que integram a Loja e que se dispõem a
aqui os expressar, e quando a tal se dispõem.
Por isso, ainda que este blogue tenha tido, até agora, a maior parte
dos textos nele publicados escrita por mim, sempre deixei bem

122
claro e bem frisado que este blogue não é o blogue do Rui
Bandeira e amigos, é o blogue dos Mestres Maçons da Loja Mestre
Affonso Domingues. A maioria dos textos, até agora ter sido minha,
haver períodos em que só se publicam textos meus, são apenas
elementos circunstanciais, alteráveis a todo o tempo e,
seguramente se, como espero, este blogue tiver longa existência e
prosseguir enquanto a Loja existir, a médio ou longo prazo
inevitavelmente alterados. Tempo virá - talvez mais próximo do que
longínquo - em que os textos que eu aqui publico serão minoria;
tempo se seguirá em que outrem assegurará o essencial deste
blogue; tempo chegará em que este blogue prosseguirá sem novos
textos meus, em que, na coluna da direita o meu nome não estará
mais no rol dos que escrevem aqui - quando muito será porventura
referenciado no número dos que aqui escreveram...
As caraterísticas que este blogue foi assumindo, individualidade de
textos, interatividade com os leitores que decidem comentar,
diálogo entre os maçons que escrevem e aqueles, profanos ou
maçons, que comentam, os caminhos, quiçá anárquicos mas de
uma riqueza e abertura gratificantes, que segue, à boleia da
interação dos pensamentos de quem escreve e de quem comenta,
podem, por vezes, fazer esquecer que este é um projeto executado
por maçons da Loja Mestre Affonso Domingues, um meio, um tipo,
uma forma específicos, de comunicação da Loja com o seu
exterior. Mas é! Que isso por vezes não se note é a confirmação do
êxito do projeto! O blogue A Partir Pedra espera merecer ser
considerado um Hino à Liberdade de Pensamento dos Maçons da
Loja, enquanto o sítio da Loja, desejavelmente, é a Sinfonia do
Pensamento da Loja.

123
Aqui no blogue, vamos falando, debatendo, expondo ideias sobre
de tudo um pouco, sejam matérias maçónicas, seja temas que
nada têm a ver com a Maçonaria. O tema aqui é, afinal, a forma
como os maçons pensam e vêem o Mundo, as coisas e os
interesses que têm e que cultivam. O tema do sítio é o pensamento
maçónico, que se divulga e mostra, para que quem quiser encontre,
veja e leia. O responsável do sítio entende que alguns dos textos
que se publicam aqui no blogue merecem estar incluídos também
no sítio - e assim o sítio é também uma espécie de arquivo de
textos selecionados do blogue. Isso mostra que o que os maçons
da Loja Mestre Affonso Domingues aqui escrevem, sendo o produto
do seu labor, do seu pensamento e da sua liberdade individuais,
também integra o acervo do conjunto multifacetado de fontes que
integram o pensamento institucional da Loja - e deixa-nos, aos que
aqui escrevem, felizes.
A diferente natureza dos meios sítio e blogue é conscientemente
utilizada em planos diversos. Que seja do meu conhecimento, a
Loja Mestre Affonso Domingues é pioneira nesta utilização
integrada e diferenciada das ferramentas proporcionadas pelas
atuais Tecnologias de Informação. Procura utilizar rentavelmente os
diferentes meios do século XXI para divulgar uma mensagem cujas
raízes ideológicas provêm do Iluminismo e de mais além. E, com
isso, procura desmontar dois mitos em relação Maçonaria: o seu
secretismo e o seu poder oculto. Ninguém de boa fé pode acusar
de secretismo uma Loja que põe à disposição de quem a ela quiser
aceder dois meios de comunicação diferentes, com diferentes
níveis e estilos de comunicação e com mais de dois milhares de
textos sobre si própria, o seu pensamento, a forma como se
organiza, o que faz, porque o faz, como o faz, etc., etc.. E quem ler

124
e souber ler, atentar e souber entender, facilmente concluirá que o
único poder que a Maçonaria busca é o de esclarecer, divulgar e,
sobretudo, praticar os seus princípios.
A Loja Mestre Affonso Domingues está à beira e comemorar o
vigésimo aniversário da sua criação. Esta comemoração envolve
iniciativas internas e iniciativas pensadas e trabalhadas e colocadas
à disposição de todas as pessoas, sejam ou não maçons. Nos
tempos mais próximos, as duas diferentes dimensões do sítio e do
blogue vão, temporariamente, aproximar-se. O blogue e o sítio,
ambos, vão dedicar parte dos seus espaços à divulgação do
vigésimo aniversário da Loja e às iniciativas por esta efeméride
suscitadas.
Para já, fiquem atentos: a primeira iniciativa a ser divulgada é
dedicada a todos, profanos e maçons. Mas só vou revelar o que é
daqui por uma semana...!
Rui Bandeira

125
A Grande Máquina

May 14, 2010

Eis a GRANDE MÁQUINA !

Aí está ela tão bem explicadinha que até eu percebo.

E não é fácil conseguir esse resultado... (sou eu que digo !)

Quando estudei, com o saudoso Prof. Sedas Nunes, a revolução


industrial e seus efeitos (há que anos...) nunca me passou pela
cabeça que ao fim de tantos anos fosse levado a estabelecer estas
analogias, chegando a conclusões bem conservadoras.

De facto continua mais ou menso claro como se mantem a máquina


em funcionamento.
Um pingo de óleo aqui, um pouco de massa lubrificante acolá...
Talvez uma vez ou outra a substituição de alguma peçazita, uma
reparaçãozita mais além...

Mas... quem deu à manivela a primeira vez ?


E o primeiro exemplar, mesmo pensando-o simplicado, quem o
montou ?

Estamos com o anúncio de um campeonato, ou algo semelhante,


de robôts e esses eu conheço, ou posso conhecer facilmente,
quem os monta agora e quem os montou no passado.
É mesmo muito fácil saber quem construiu/montou e pôs a

126
funcionar (o tal primeiro movimento da manivela) o primeiro dos
primeiros robôts.

São elas, também, máquinas complexas, com muitos sub-sistemas


que se organizam num conjunto harmónico com um único e comum
objetivo à vista.

Mas aquele do boneco ?


Quem foi o primeiro ?
Qual foi o primeiro ?
Quando foi o primeiro ?

BUUUUMMMMMMMMMM.... e lá salta um daqueles... Pois,


talvez...

Recorro à expressão de um outro professor, e desse dizia-se que


era maluco (e devia ser já que foi o único 20 da minha carreira de
estudante).

Diria ele neste momento da "conversa", "talvez sim, talvez não ou


talvez talvez ?"

Nunca soube a resposta a esta pergunta que ele fazia


continuamente já que a nossa insegurança nos faz muito pouco
assertivos. Refiro a época dos 15 aos 18 anos na qual se misturam
as certezas absolutas com as dúvidas sistemáticas.

É tudo... muito talvez !!!

127
Vocês já não se lembravam destas charadas para distração de fim
de semana.

Deixo-vos esta. Entretenham-se.

Embedded File ()

Bom fim de semana.

J.P.Setubal

128
Loja Mestre Affonso Domingues - 20 Anos de História

May 19, 2010

A imagem acima é a da (simples, como convém) capa do livro que


a Loja Mestre Affonso Domingues tem já no prelo e vai publicar
brevemente. A sessão de lançamento terá lugar precisamente no
dia em que, dia por dia, se completam exatamente vinte anos sobre
a emissão, pelo Grão-Mestre da Grande Loge Nationale Française,
da carta-patente que marca a criação da Loja, o próximo dia 30 de
junho, pelas 19 horas, no Grémio Literário, Rua Ivens, n.º 37, em
Lisboa (gente fina é outra coisa...).
No livro, com bem preenchidas 152 páginas, consta a memória dos
vinte anos vividos pela Loja. Os bons e os maus momentos, os
êxitos e os fracassos, a participação, ao longo deste tempo, de

129
quase duzentos obreiros. Regista-se e dá-se a conhecer os tempos
de implantação, o primeiro crescimento, a grande crise de
1996/1997, a recuperação, os tempos mais recentes. São também
evocados aqueles que, em qualquer momento, foram obreiros da
Loja e já passaram ao Oriente Eterno. Publicam-se dezoito
trabalhos (nós, maçons, chamamos-lhes "pranchas") de dezoito
obreiros atuais da Loja - e apenas dezoito porque só isso o espaço
disponível permitiu...
O livro é edição de autor - da Loja. É a Loja que paga os respetivos
custos de produção, armazenagem e comercialização. Mesmo
assumindo o risco destes custos, a Loja,confiante no bom
acolhimento desta sua iniciativa de comemoração do seu vigésimo
aniversário, abalançou-se a uma edição considerável, que
ultrapassa a média das edições de autor, de poucas centenas de
exemplares.
A comercialização desta primeira edição do livro vai ser
exclusivamente feita fora do circuito comercial. Vai ser totalmente
efetuada diretamente pela Loja. A sua divulgação vai assentar
essencialmente na Internet.
O preço fixado para o livro é de 14 Euros. Porém, uma vez que a
Loja assume o risco da publicação, decidiu privilegiar as compras e
encomendas efetuadas até ao dia do lançamento. Assim, os livros
vendidos no dia do lançamento e os livros encomendados e
pagos até esse dia custarão apenas 12 Euros.
As encomendas podem ser feitas mediante o envio de mensagem
de correio eletrónico para [email protected],
indicando nome, o número de exemplares pretendido e endereço
postal para envio. Será acusada a receção da mensagem e
fornecido o NIB da conta para onde deverá ser efetuada

130
transferência do custo de aquisição e um código que deve ser
mencionado na ordem de transferência (esta menção de código é
essencial para determinar quem procedeu ao pagamento, em
ordem a ser-lhe enviada a encomenda). A expedição da
encomenda para a morada indicada será confirmada por envio de
mensagem de correio eletrónico para a caixa de correio de onde
partiu a encomenda.
Em alternativa, pode também a encomenda ser feita mediante
envio de cheque do valor correspondente ao número de livros
encomendados e indicação de nome e endereço postal para envio
para Apartado 22777, EC Socorro, 1147-501 LISBOA.
Em qualquer dos casos, o envio será feito, a partir de 15 de junho,
no prazo máximo de cinco dias após a receção do pagamento e,
para as encomendas anteriores a esta data, entre 15 e 18 de junho.
De onde resulta que quem fizer rapidamente a encomenda
receberá o livro ainda antes do seu lançamento público!
Bom, e agora o aviso: a edição é grande, mas não é ilimitada. Este
blogue é lido nos cinco continentes, a Loja Mestre Affonso
Domingues é conhecida por muita gente, entre os maçons e os
profanos. COMO É QUE É? ESTÁ À ESPERA QUE ESGOTE E
NÃO CONSIGA O LIVRO? Toca mas é a despachar e proceder à
encomenda do livro!!!!

Rui Bandeira

131
7º Encontro Nacional da APNF

May 20, 2010


Ora desta vez apareço fora do período tradicional dos fins de
semana.
Por razão óbvia.
Aqui faço divulgação de um encontro importante, para os que
suportam a doença e para todos os que com ela contactam
diariamente.
Limitar-me-ei a transcrever o texto que recebi, para Vosso
conhecimento e participação.

É com grato prazer que convidamos para o 7º Encontro Nacional


da APNF que se realizará no próximo dia 22 de Maio de 2010, a
partir das 13,30 h., no INR - Inst. Nac. Reabilitação, sito na Avª
Conde Valbom, 63, Lisboa .
O programa/convite e cartaz seguem junto.
Compareçam e façam a melhor divulgação.
Divulgar é ajudar!... Este é um momento importante para os nossos
sócios, familiares e amigos que renovamos em cada ano.

132
No encontro, aberto a todos os interessados, para além da parte
científica com a participação de médicos e outros técnicos, haverá
ainda a possibilidade de serem divulgados testemunhos de sócios
e/ou familiares que queiram, na primeira pessoa, partilhar a sua
vivência com a NF. Para o efeito, poderão enviar até ao dia 20 do
corrente mês de Maio, para a sede da APNF ou para o E-mail: , um
depoimento sobre o modo como têm vivido ou convivido com a NF,
que será posteriormente preparado para ser exposto no local do
encontro.
Para mais informações : 960 173 375 ou consulte a página
Ajudem, colaborem... Há quem precise de Solidariedade, de
Fraternidade e de Igualdade.
JPSetúbal

133
As pranchas do livro

May 26, 2010

O texto da semana passada foi ilustrado com a imagem da capa do


livro 20 anos de História, que está no prelo para publicação pela
Loja Mestre Affonso Domingues. Hoje mostro a capa completa:
frente, lombada e contracapa.

No texto da semana passada, referi que no livro se incluíam dezoito


pranchas (trabalhos) de dezoito obreiros atuais da Loja Mestre
Affonso Domingues. Hoje, decidi deixar aqui a informação dos
títulos desses dezoito trabalhos. Não apenas para que os leitores
deste blogue fiquem - espero - com vontade de o encomendar.
Também como ilustração do trabalho que se faz numa Loja
maçónica. Como se poderá verificar só pela lista de títulos, a
variedade é significativa. Pertencer e trabalhar numa Loja maçónica

134
também é aprender e partilhar com os demais o que se aprendeu.

Todos os trabalhos que agora a Loja Mestre Affonso Domingues


agora partilha com quem ler o livro foram apresentados e debatidos
em Loja. Alguns destes trabalhos foram elaborados por então
inexperientes Aprendizes, que ainda estavam em processo de
descoberta e interiorização do trabalho de um maçom. Alguns
desses, hoje já Mestres Maçons que efetuaram outros trabalhos, de
maior fôlego, entenderam que o trabalho que gostariam de divulgar
fosse o seu primeiro, talvez o menos elaborado, mas seguramente
o mais puro. Uns são mais extensos, outros mais curtos. Uns mais
elaborados, outros mais simples. Todos ilustram igualmente uma
parte significativa do trabalho que se faz na Loja Mestre Affonso
Domingues. O que a Loja hoje é também decorre dos trabalhos que
cada um ali elaborou e apresentou e que todos, ao longo do tempo,
fomos ouvindo e discutindo. No fundo, a expressão da receita
simples da Maçonaria: a melhoria do indivíduo pelo coletivo; a
melhoria do coletivo pelos contributos dos indivíduos.

Eis, pois, os títulos das dezoito pranchas, pela ordem em que as


mesmas aparecem no livro:

Mestre Affonso Domingues


Contra a indiferença
O silêncio dos Aprendizes
Êtes-vous maçon?
A união dos maçons
L'égalité est la base de toute liberté
A arquitetura no grau de Companheiro

135
Pensamentos, sensações e emoções de um Aprendiz - parte II
Irmandade e música
Intocáveis
Quantos compõem uma Loja justa e perfeita
Breves reflexões acerca do Tudo
A dúvida
Primeiro passo.
A Luz
Maçonaria e intervenção na sociedade
A identidade social
Maçonaria e Ambiente

Se está interessado em tomar conhecimento do trabalho de uma


Loja maçónica, não precisa de grandes esforços: basta
encomendar e ler o livro 20 anos de História da Loja Mestre Affonso
Domingues. As encomendas podem ser feitas mediante o envio de
mensagem de correio eletrónico para
[email protected], indicando nome, o número
de exemplares pretendido e endereço postal para envio. Será
acusada a receção da mensagem e fornecido o NIB da conta para
onde deverá ser efetuada transferência do custo de aquisição e um
código que deve ser mencionado na ordem de transferência (esta
menção de código é importante para ajudar a determinar quem
procedeu ao pagamento, em ordem a ser-lhe enviada a
encomenda). A expedição da encomenda para a morada indicada
será confirmada por envio de mensagem de correio eletrónico para
a caixa de correio de onde partiu a encomenda. Em alternativa,
pode também a encomenda ser feita mediante envio de cheque do
valor correspondente ao número de livros encomendados e

136
indicação de nome e endereço postal para envio para Apartado
22777, EC Socorro, 1147-501 LISBOA.

Rui Bandeira

137
Eu serei, apenas, mais um! A partir pedra ao Vosso lado…
a bem da Ordem.

June 02, 2010

Um obreiro da Loja Mestre Affonso Domingues, o atual


Vice-Grão-Mestre, Muito Respeitável Irmão José Moreno,
apresentou a sua candidatura ao ofício de Grão-Mestre da Grande
Loja Legal de Portugal/GLRP. Se for eleito, não será o primeiro
maçom constante dos quadros da Loja Mestre Affonso Domingues
que exercerá esse ofício: os três primeiros Grão-Mestres da
GLLP/GLRP foram obreiros fundadores desta Loja!

José Moreno tem a experiência necessária e adequada para bem


vir exercer o ofício a que se candidata, como facilmente se pode

138
verificar pelo seu currículo:

Natural de Bragança, 23 de Setembro de 1953


Advogado e Gestor
Integrou diversos Gabinetes Governamentais
Membro de Órgãos Sociais de Empresas, Instituições e
Associações de
caráter social e cultural
Iniciado na Maçonaria em 1992, na R.·. L .·. Mestre Affonso
Domingues,
onde ainda hoje é membro efetivo
Desempenhou o cargo de Venerável Mestre nas R .·. L .·. Luz do
Norte,
Anderson, Bispo Alves Martins, Mestre Affonso Domingues e
Mercúrio
Peticionário de 15 R .·. L .·.
Membro honorário de diversas Lojas Nacionais e Estrangeiras
Cargos Desempenhados na Grande Loja:
• Assistente do Grande Superintendente do Templo
• Grande Superintendente do Templo
• Grande Inspetor
• Grande Porta Gládio (o primeiro eleito)
• Vice-Grão Mestre
Altos Graus Nacionais e Estrangeiros
• Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceite;
• Past Excelentíssimo Grande Sumo-Sacerdote do Arco Real;
• Past Grão-Mestre Críptico do Grande Conselho Mestres Reais e
Escolhidos de Portugal
• Past Eminentíssimo Grande Comendador da Grande Comenda de

139
Cavaleiros Templários de Portugal;
• Membro da Ordem dos Sumo-Sacerdotes Ungidos e
Consagrados;
• Membro da Ordem da Trolha;
• Membro da Cruz Vermelha de Constantino;
• Membro da Societas Rosicruciana In Lusitania;
• Membro do Shrine; e
• Grande Oficial Efectivo e Honorário em diversas Estruturas de
Altos
Graus Estrangeiros.
• Grande Oficial da Ordem General Gomes Freire de Andrade

O seu programa de candidatura, com o título 7 COMPROMISSOS


PARA CONSOLIDAR O NOSSO TRABALHO MAÇÓNICO ,
apresenta as ideias e projetos do candidato em sete linhas de
força:

1 - Regularidade e Harmonia Maçónica


2 - Consolidação, Crescimento e Recrutamento
3 - Melhorar a Articulação, Apoiar as Lojas
4 – Instalações
5 - Manter a Estratégia nas Relações Internacionais e Institucionais
6 - Criação de uma Academia de Formação
7- Comunicar mais, Conhecermo-nos melhor

O manifesto termina da seguinte forma:

Eu serei, apenas, mais um!


A partir pedra ao Vosso lado… a bem da Ordem.

140
A Partir Pedra ao nosso lado! Gosto!!!

Rui Bandeira

141
António Cunha Coutinho, maçom absoluto

June 09, 2010

Há poucos dias, o José Ruah telefonou-me e perguntou de chofre:


"Ouve lá.,ainda podes meter mais um texto no livro? É que acabei
de saber que o António Cunha Coutinho já faleceu...".

Já não podia. Tinha acabado de rever as provas e de ter dado à


gráfica a ordem de impressão. Para além de que as 152 páginas
estão já bem preenchidas e com letra pequenina. Mas isso era o
menos, retirava um qualquer texto meu e utilizava o espaço para
um texto evocativo do António Cunha Coutinho. Mas o que tem de
ser tem muita força. É premonitória a passagem da introdução aos
textos "In memoriam" em que adverti que a evocação dos Irmãos
que já partiram para o Oriente Eterno podia não estar completa,
pois podíamos de algum não ter sabido do seu falecimento. Foi

142
mais cedo que mais tarde que se comprovou isso... Pois bem, se
não pode já entrar no livro,opta-se pela segunda melhor solução
possível: aqui fica a evocação do António Cunha Coutinho.

Na época em que o conheci, andava eu por volta da idade de


Cristo, foi talvez o maçom que mais me exasperou! Era um homem
tronituantemente conservador, que não perdia uma ocasião, asada
ou nem tanto, para alardear o seu conservadorismo.
Conservadorismo é uma maneira de dizer... Na época, eu via o
António Cunha Coutinho como um ultraconservador, ultramontano
e tudo o mais que eu me pudesse lembrar com a palavra ultra...

Para mim, que atingira o que veio a ser a maioridade quando


ocorrera a Revolução dos Cravos e vivera aqueles tempos de
mudança e de esperança, as ideias do António Cunha Coutinho,
em relação às questões políticas, sociais, de costumes, etc., não
podiam ser mais contrárias às minhas. O que nunca impediu -
acentue-se bem! - prolongadas, amenas e agradáveis cavaqueiras
de Irmãos, que conviviam sem problema com as mútuas
diferenças.

Certo dia, na sequência de uma das costumadas diatribes que o


António se comprazia em debitar, atirei-lhe, provocador: "Ó
António, estou a ver que para ti até o Salazar foi um perigoso
esquerdista...". O António suspendeu o discurso, esboçou um
sorriso malandro, piscou o olho e, baixando a voz, sussurrou-me,
cúmplice: "Ora estás a ver como percebeste?". E eu fiquei
desarmado!

143
Com o passar do tempo e a convivência, percebi mais e melhor.
Classificar o António Cunha Coutinho de conservador,
ultramontano, ou qualquer outro epíteto do género era incorreto e
redutor. O António Cunha Coutinho era, tinha orgulho de ser, e
mostrava-o a quem quisesse e soubesse ver, bem mais do que
isso: era a representação do pensamento do português do
antigamente, do Antigo Regime, da velha tradição lusitana! E,
quando falo do Antigo Regime, não falo do tempo da Outra
Senhora, nem da monarquia. O pensamento do António recuava
bem mais atrás, ao tempo do senhor D. Miguel, rei absoluto de
Portugal e dos Algarves, d'aquém e d'além mar em África e resto
do Mundo! O António era conservador, mas não era só
conservador. Era também monárquico, mas não era só
monárquico. Era, com todas as letras, miguelista!

Esclareça-se: estamos a falar no plano dos arquétipos, que duvido


bem que quem vivia no século XX ainda conseguisse ser um vero
miguelista, absolutamente servidor de absoluto rei. Mas o António
mostrava orgulhosamente a sua costela miguelista, obviamente
monárquica, mas sobretudo tradicional, da tradição rural da
linhagem portuguesa, do Portugal de antanho que, para o bem ou
para o mal, faz parte das nossas raízes.

Com o tempo, aprendi que as diatribes políticas e sociais do


António eram sobretudo um meio de provocar, de expressar de
forma propositadamente chocante, que havia e há na nossa
lusitana alma caraterísticas que podem não estar na moda, mas
que bem andamos em não desprezar: a honra, a fidelidade à
palavra dada, a tenacidade, a capacidade de lutar, contra tudo e

144
contra todos, por aquilo em que se acredita, se necessário
quebrando, mas nunca torcendo.

Este era o verdadeiro António Cunha Coutinho, o que se escondia


por detrás das suas provocações e diatribes. O conservador e
ultramontano era o personagem que ciosamente escondia os
Valores que só aos mais atentos deixava entrever!

Longas horas de mútuas e bem-dispostas provocações com


bonomia passámos e vivemos! E por entre as nossas
discordâncias, mais tarde ou mais cedo, lá passava a mensagem
do apreço à honra, da verticalidade, dos Valores que o homem que
se quer de bem deve, sempre, incansavelmente, cultivar e
proclamar - nem que seja de forma provocatória!

Do António Cunha Coutinho todos, os mais novos, nos


exasperámos com o acessório e todos, dos mais novos aos mais
velhos, nos ilustrámos com o essencial - os Valores que não são de
direita, nem de esquerda, nem do passado, nem do futuro, que são
de sempre e dos homens de bem.

Naquela época, há cerca de vinte anos, eu já via o António Cunha


Coutinho como um velho rijo. Curiosamente, cerca de vinte anos
passados, nunca me passou pela cabeça que já não estivesse
entre nós. Talvez porque afinal os valores profundos que
provocatoriamente transmitia são intemporais.

António Cunha Coutinho era absoluto em tudo: nas ideias políticas,


nas diatribes, nos valores. Foi, em absoluto, um maçom digno e um

145
homem de bem. Assim o declaro, proclamo e recordo.
Absolutamente!

Rui Bandeira

146
Esclarecimento

June 16, 2010

Publicado o texto de homenagem e evocação António Cunha


Coutinho, maçom absoluto, recebi um telefonema de um familiar,
que me manifestou o seu apreço pelo mesmo. Posteriormente,
recebi um segundo contacto, agora de uma familiar, se bem percebi
a sua viúva, que me solicitou que retirasse o texto de publicação.

Meditei sobre o pedido e resolvi que não o faria, pelas razões que
abaixo exponho. Mas o respeito pela memória do António Cunha
Coutinho e pelos seus familiares determinam que acrescente e
publique aqui algumas informações que a senhora entende
relevantes. Tão relevantes que, no seu entender, justificariam a
retirada do texto de homenagem.

147
Não retiro o texto, desde logo pela inutilidade do ato, para os
objetivos pretendidos pela mencionada familiar. As pessoas
poderão não ter a noção da mudança de paradigma, mas, uma vez
publicado um texto na Internet, é impossível apagá-lo de todo. No
mesmo dia em que o texto foi publicado, foi automaticamente
enviado por e-mail para os atuais 238 subscritores desse serviço,
foi disponibilizado via Blogger, para os atuais 130 seguidores desse
serviço, foi enviado para os atuais 17 seguidores no Facebook. Só
no próprio dia 9 de junho, o texto foi acedido por 250 outros leitores
deste blogue. E, só nos três dias subsequentes, por mais 564.
Algumas destas pessoas têm ligados programas que publicam
automaticamente os textos deste blogue nas suas páginas de
Facebook. Qualquer destas 1199 pessoas pode ter guardado o
texto no seu computador. Seguramente, algumas fizeram-no.
Qualquer das pessoas que guardaram o texto pode publicá-lo,
difundi-lo. enviá-lo por correio eletrónico, hoje, amanhã, para a
semana, daqui por um ou dez anos. Apagar um texto que se
publicou na Internet é uma ilusão: o texto "apagado" está.
automática ou manualmente guardado num desconhecido número
de computadores e bases de dados, apto a ressurgir, ser publicado,
disponibilizado, a qualquer momento - independentemente da
vontade de quem originalmente o publicou e porventura
posteriormente o tivesse "apagado".

Mas também não retiro o texto, porque entendo não ter o dever de
o fazer e não ter a vontade de assim proceder. Reli-o
cuidadosamente. Em nada afeta a honra e a memória do António
Cunha Coutinho. Pelo contrário, é uma homenagem. Mais: uma

148
homenagem feita por quem assumidamente em muito divergia do
pensamento, das ideias, das opções do António. O que não
impediu de o admirar e de manifestar essa admiração pelo seu
caráter. Retirar o texto era retirar a homenagem, trair a admiração e
a amizade.

A familiar, se bem percebi viúva, do António baseou o seu pedido


em duas informações que me transmitiu: que o António Cunha
Coutinho veio a retirar-se da Maçonaria e que, no final da sua vida,
expressou claramente a sua profissão de fé católica, tendo-se
confessado pouco tempos antes de morrer.

Aqui ficam as informações adicionais e o esclarecimento.

Mas isso não invalida o que publiquei. Todo o maçom pode


afastar-se (nós chamamos a isso "adormecer") quando o entender,
pelas razões que entender. No caso do António, e estando ciente
das convulsões que, no final do século passado, assolaram a
Maçonaria Regular, percebo perfeitamente essa sua decisão. Por
vezes, o único compromisso possível entre a lealdade pessoal e a
manutenção de uma coluna vertebral direita e digna - como sempre
o António, concordasse-se ou discordasse-se dele, teve - é o
afastamento. E a Maçonaria Regular não só não é incompatível
com a fé religiosa, como incentiva os seus membros a praticarem e
aprofundarem a sua crença religiosa.

Creio que no espírito da minha interlocutora estará, porventura, o


entendimento diverso, isto é, que é incompatível para um católico a
integração na Maçonaria. Que considerará tal integração, mesmo,

149
desonrosa. Que revelá-la atenta contra a memória do António.

Obviamente que respeito - só posso respeitar! - o entendimento da


senhora. Mas o mesmo respeito obriga-me a consignar que, se for
esse o seu entendimento, dele discordo. Muito mais do que alguma
vez discordei do António...

Ser maçom não só não é desonroso, como muitos dos maiores


vultos da História Universal - e da nossa História - foram maçons. O
António bastas vezes me enumerou alguns.

O António esteve na Maçonaria como homem digno e honrado que


era. Com o propósito de se aperfeiçoar e de ajudar outros a serem
também melhores. O António deixou de estar na Maçonaria quando
o entendeu, pelas razões que entendeu, com a mesma dignidade e
honradez que sempre o caraterizaram.

Esconder que o António foi maçom é que seria trair a sua memória.
Honrá-la é recusar esconder essa sua opção. O António nunca o
teria feito: tinha a coluna vertebral bem direita para alguma vez o
fazer!

Para quem entender que integrar a Maçonaria é um pecado, fica


esclarecido que, se o António pecou, abandonou o pecado! E ser
justo não é não pecar, é não persistir no pecado.

Por mim, que persisto e insisto em afirmar a minha admiração pela


firmeza de caráter do António, aqui fica então o esclarecimento: o
António desvinculou-se da Maçonaria antes de morrer e morreu

150
como, na minha opinião, sempre viveu: como um bom católico!

À senhora que me contactou, não dando cumprimento à sua


solicitação, aqui fica a minha explicação e o esclarecimento que
julgo devido. Em nome daquilo que, cada um a seu modo, ambos
prezamos: a memória do homem bom que foi o António.

Rui Bandeira

151
30 de junho, 19 horas

June 23, 2010

Estão enviados todos os livros que, via correio eletrónico, nos


foram encomendados e pagos. Atingimos o objetivo de, antes do
lançamento do livro, ter vendidos pelo menos dez por cento dos
exemplares da edição.
De hoje a uma semana - 30 de junho, 19 horas - tem então lugar,
no Grémio Literário, Rua Ivens, n.º 37, em Lisboa, a sessão oficial
de lançamento do livro "Loja Mestre Affonso Domingues - 20 anos
de história". Em colaboração com a instituição anfitriã, serão
servidos um pequeno beberete e alguns aperitivos. A apresentação
do livro será feita por três dos seus coautores. Seguir-se-á uma
sessão de autógrafos, através da qual os interessados poderão ter
os seus exemplares autografados pelo Venerável Mestre em
exercício - o vigésimo Venerável Mestre - da Loja Mestre Affonso

152
Domingues.
30 de junho, 19 horas é a derradeira oportunidade de adquirir o
livro em preço de lançamento - 12 Euros. A partir daí, o livro é
vendido pelo seu preço de capa de 14 Euros.
O livro "Loja Mestre Affonso Domingues - 20 anos de história" não
interessa somente a maçons. Foi pensado, estruturado, organizado
e escrito tendo em vista não apenas os maçons mas também -
quiçá principalmente - os que não o são.
A Loja Mestre Affonso Domingues acredita que a melhor forma de
destruir o mito de a Maçonaria Regular ser uma "sociedade
secreta" é... agir de forma aberta. A melhor forma de quem não é
maçom não se enredar nas malhas deste mito é dispor de
informação fidedigna e clara sobre o que é a Maçonaria, uma Loja
maçónica, o que são e o que fazem os maçons.
É isso que procuramos possibilitar com este livro. Quem o ler ficará
com uma ideia razoavelmente clara do que foi e é a Loja Mestre
Affonso Domingues, dos seus sucessos e insucessos ao longo de
vinte anos, das alegrias e tristezas, dos bons e dos maus
momentos. Lerá as homenagens e evocaões que fazemos
daqueles que um dia foram dos nossos e já partiram na derradeira
viagem. Lerá trabalhos que foram expressamente feitos para serem
apresentados em Loja e que o foram. Enfim, ficará a saber - por si,
pelo que lerá, pelo juízo que pessoalmente fará - o que fazem os
maçons. E verá que, afinal, são homens comuns, que fazem coisas
comuns e têm a comum ambição de se tornarem cada dia
melhores. Tão só - e, sendo pouco, tanto é!
30 de junho, 19 horas, sabemos que muitos maçons estarão no
lançamento do livro "Loja Mestre Affonso Domingues - 20 anos de
história". Teremos muito prazer, todo o agrado, muita felicidade, se

153
também tivermos connosco muitos não-maçons. E em com eles
trocarmos dois dedos de conversa. Abertamente!
Rui Bandeira

154
Eleição do Grão Mestre

June 27, 2010

Decorreu hoje (26 de Junho) a contagem de votos para a eleição


do próximo Grão Mestre da GLLP, que será o 6º desde 1990 e
consequentemente desde o inicio da maçonaria regular actual.

Foi eleito para o cargo o Muito Respeitavel Irmão José Moreno, que
recolheu a maioria dos votos expressos.

O Irmão José Moreno é obreiro efectivo da Loja Mestre Affonso


Domingues. Isso deixa-nos muito orgulhosos pois, apesar de nao
ser o primeiro GM que militou pela nossa Loja é o primeiro que é
eleito sendo membro da Nossa Loja e nela tendo sido iniciado e
permanecido desde 1992.

Queremos desejar-lhe um mandato Justo e Perfeito.

Irmão José Moreno, ou melhor MRI Irmao, contas sempre com o


nosso apoio.

José Ruah

155
19 horas: Grémio Literário; até lá: Eça

June 30, 2010

156
Já na semana passada deixei o anúncio: hoje, pelas 19 horas, no
Grémio Literário, Rua Ivens, n.º 37, Lisboa, vai ter lugar o
lançamento do livro Loja Mestre Affonso Domingues - 20 anos de
História. Será feita a apresentação e leitura de alguns excertos do
livro, o mesmo será vendido a 12 euros o volume (a partir de
amanhã, 14 euros) e haverá sessão de autógrafos. Todos, maçons
ou profanos, estão convidados.

Mas reparo que ultimamente tenho enchido o espaço deste blogue


com o livro. Temo que os habituais frequentadores deste espaço
estejam a ficar fartos. Decidi, pois, compensá-los. A minha
associação de ideias é simples: livro, Grémio Literário, literatura,
Eça. Para compensar os nossos amigos de tanta referência ao
nosso escrevinhamento, nada melhor do que um pouco da arte de
um sublime escritor, o meu preferido, o grande José Maria Eça de

157
Queiroz.

Apreciem então este excerto do conto Civilização (que, mais tarde


Eça desenvolveria em A Cidade e as Serras):

Assim jantámos deliciosamente sob os auspícios do Zé Brás. E


depois voltámos para as alegrias únicas da casa, para as janelas
desvidraçadas, a contemplar silenciosamente um sumptuoso céu
de verão, tão cheio de estrelas que todo ele parecia uma densa
poeirada de ouro vivo, suspensa, imóvel, por cima dos montes
negros. Como eu observei ao meu Jacinto, na cidade nunca se
olham os astros por causa dos candeeiros - que os ofuscam: e
nunca se entra por isso numa completa comunhão com o universo.
O homem nas capitais pertence à sua casa, ou, se o impelem fortes
tendências de sociabilidade, ao seu bairro. Tudo o isola e o separa
da restante Natureza - os prédios obstrutores de seis andares, a
fumaça das chaminés, o rolar moroso e grosso dos ónibus, a trama
encarceradora da vida urbana... Mas que diferença, num cimo de
monte, como Torges! Aí todas essas belas estrelas olham para nós
de perto, rebrilhando, à maneira de olhos conscientes, umas
fixamente, com sublime indiferença, outras ansiosamente, com uma
luz que palpita, uma luz que chama, como se tentassem revelar os
seus segredos ou compreender os nossos... E é impossível não
sentir uma solidariedade perfeita entre esses imensos mundos e os
nossos pobres corpos. Todos são obra da mesma vontade. Todos
vivem da ação dessa vontade imanente. Todos, portanto, desde os
Úranos até aos Jacintos, constituem modos diversos de um ser
único, e através das suas transformações somam na mesma
unidade. Não há ideia mais consoladora do que esta - que eu, e tu,

158
e aquele monte, e o Sol que, agora, se esconde são moléculas do
mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo
Fim. Desde logo se somem as responsabilidades torturantes do
individualismo. Que somos nós? Formas sem força, que uma Força
impele. E há um descanso delicioso nesta certeza, mesmo fugitiva,
de que se é o grão de pó irresponsável e passivo que vai levado no
grande vento, ou a gota perdida na torrente! Jacinto concordava,
sumido na sombra. Nem ele nem eu sabíamos os nomes desses
astros admiráveis. Eu, por causa da maciça e indesbastável
ignorância de bacharel, com que saí do ventre de Coimbra, minha
mãe espiritual. Jacinto, porque na sua ponderosa biblioteca tinha
trezentos e dezoito tratados sobre astronomia! Mas que nos
importava, de resto, que aquele astro além se chamasse Sírio e
aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós
fosse José e o outro Jacinto? Éramos formas transitórias do mesmo
ser eterno e em nós havia o mesmo Deus. E se eles também assim
o compreendiam, estávamos ali, nós à janela num casarão serrano,
eles no seu maravilhoso infinito, perfazendo um ato sacrossanto,
um perfeito ato de Graça - que era sentir conscientemente a nossa
unidade, e realizar, durante um instante, na consciência, a nossa
divinização.

Que maravilha! Há tempos, num diálogo com um nosso leitor e


comentador assíduo, perguntava-me ele como concebia eu Deus e
eu manifestei-lhe a minha impotência para o fazer. Pois bem, o
grande Eça fê-lo com esta beleza toda!

Rui Bandeira

159
Contents
Retomando o curso... 1

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da 4


conspiração (I)

Os Segredos da Maçonaria, o silêncio e o saber 7


calar-se

A liberdade absoluta 11

Uma história de sucesso ? 15

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da 18


conspiração (II)

A Guerra Civil Inglesa (ou porque não se discute 23


política ou religião em Loja)

Tudo se aprende, nada se ensina 27

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da 30


conspiração (III)

Por que são secretos os rituais maçónicos 36

A Maçonaria: tecnologia avançada (I) 40

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da 43


conspiração (IV - conclusão)
A Maçonaria: tecnologia avançada (II) 48

A Maçonaria: tecnologia avançada (III) 52

O teórico da conspiração 55

A Maçonaria: tecnologia avançada (IV) 62

A Maçonaria: tecnologia avançada (V) 67

Religião e espiritualidade 71

A Maçonaria: tecnologia avançada (VI - Epílogo) 76

O Grifo 80

Os sinais de reconhecimento 82

O terceiro Grão-Mestre 85

Brincadeira de "gente crescida" 93

Os símbolos e os rituais maçónicos: ferramentas de 97


trabalho

A Cadeia de União 101

Uma loja maçónica não é uma tertúlia (I) 104

Uma loja maçónica não é uma tertúlia (II) 107

33.º = 3.º 111


Simplicidade, lógica, razão e o comportamento 116
humano

Prioridades 119

Altos Graus 121

A Maçonaria incorpórea 126

Dos demónios e falsos deuses 130

O Visitante, o Viajante e o Turista 134

Correlação e causalidade (I) 142

O dia foi bom para a Mestre Affonso Domingues 146

O Sexto Grão Mestre 147

Correlação e causalidade (II) 149

Terminando um periodo 153

André Franco de Sousa, maçom nacionalista angolano 155

Correlação e causalidade (III) 157

Poema à Amizade 160

5 de Outubro, revolução e maçonaria 162

José Luís Ribeiro Moita de Macedo, maçom 165


improvável
Ainda os Altos Graus 169

Vida em sociedade: confiança vs. ordem? 171

Maçonaria e Modernidade 174

"Sim, mas o que é que fazem na cama?" 177

Como se pode - ou não - falar de religião em loja 181

A Maçonaria nos dias de hoje 185

A interpretação e significado dos símbolos maçónicos 191

Regra particular 194

O 1º dia como Venerável Mestre 199

O Vigésimo Primeiro Veneravel Mestre 202

A liberdade na interpretação da simbologia maçónica 204

Vencedor e... vencedor! 208

Os símbolos em Maçonaria: o ensinar e o aprender 212

O quarto Grão-Mestre 215

A clivagem racial e cultural e o insucesso escolar 220

Diversidade 224

As elites e a curva de Gauss 229


O Orador 233

A pedra bruta 239

O décimo nono Venerável Mestre 244

Quite 249

Meus irmãos em todos os vossos graus e qualidades... 253


... ... disse!

O tempo de Companheiro 257

A (im)perfeição e as Old Charges (I) 260

Elegia a um homem bom 263

Boas festas! 267

A distância não se mede em segundos 268

A (im)perfeição e as Old Charges (II) 271

Paulo Guilherme D'Eça Leal, maçom irreverente 275

A (im)perfeição e as Old Charges (III) 279


Retomando o curso...

July 07, 2010

O capítulo "comemoração dos 20 anos da Loja Mestre Affonso


Domingues" está quase encerrado. O livro Loja Mestre Affonso
Domingues - 20 anos de História foi lançado (muito obrigado aos
muitos amigos que estiveram presentes) e está agora em curso de
comercialização normal, ao preço de capa de 14 Euros. Quem
ainda não adquiriu o livro, pode fazê-lo através do sítio
http://esquadroecompasso.com (acedendo ao sítio, clicar em livros;
ou, em "procurar produto", colocar "Mestre Affonso Domingues" ou
"20 anos de história", ou ainda simplesmente "RLMAD01"),
encomendando-o, ou diretamente no "showroom" da "Esquadro e
Compasso", situado na Rua do Patrocínio, n.º 19 B, Lisboa (horário
de abertura: 14,30-18,30 horas, de 3.ª a sábado). Pode ainda
encomendar através do endereço de correio eletrónico
[email protected].

1
A sessão e o jantar comemorativo do 20.º aniversário da Loja
ocorrerão no próximo sábado, dia 10 de julho.

E pronto! Basta de recordar o passado! Retome-se o regular curso


de viver o presente e preparar o futuro!

Este blogue vai assim retomar o seu curso normal. Nas próximas
semanas, tenciono responder a algumas questões colocadas pelo
Diogo, na sequência de uma sua pergunta e uma resposta minha.
Para que quem nos segue possa localizar-se, transcrevo aqui as
pergunta e resposta iniciais:

Pergunta: Pode-me explicar uma coisa? Porque é que o olho que


tudo vê – símbolo maçónico – aparece nas notas de dólar?

Resposta: Como deverá saber, grande parte dos Pais Fundadores


dos Estados Unidos da América foram maçons, designadamente
George Washington, que foi Grão-Mestre da Grande Loja do seu
Estado e cuja efígie figura na nota de 1 dólar, aquela em que, no
verso, está o "olho que tudo vê". Por outro lado, o "olho que tudo
vê" é também uma conhecida representação do Criador. E, se
reparar, no mesmo lado da nota de dólar onde está essa imagem,
está a divisa "In God we trust", divisa adotada pelos USA. Quer
pelo significado simbólico religioso, quer pelo significado simbólico
maçónico, os criadores da nota de dólar decidiram colocar lá o
símbolo. O que demonstra ainda uma outra coisa: nos EUA, a
Maçonaria Americana é CRENTE e uma interventora social
conhecida e reconhecida, daí que por lá uma coisa como esta seja

2
encarada como natural - e é-o. Essa é uma das razões porque
entendo que a Maçonaria Europeia do século XXI, particularmente
a Maçonaria Regular Portuguesa deve rejeitar a fama e o (mau)
proveito de secretismo, divulgando o que faz, porque faz, como faz
e dizendo abertamente o pouco que reserva para si, e porquê -
como nós procuramos fazer aqui no A Partir Pedra.

A propósito desta resposta, uma pequena correção: não consegui


confirmar que George Washington tenha sido efetivamente eleito
Grão-Mestre da Grande Loja da Virgínia (a colónia e, depois, o
Estado americano onde residia). Conforme verifiquei na página da
História dessa Grande Loja, aquando das diligências para a sua
criação, foi sugerido para seu primeiro Grão-Mestre George
Washington, mas declinou o convite, em virtude das suas
obrigações como Comandante na Guerra da Independência dos
Estados Unidos (cfr. aqui) e o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja
da Virgínia veio a ser, em 1778, John Blair Jr..

George Washington veio, no entanto, a exercer funções de "acting


Grand Master" (Grão-Mestre em exercício), isto é, a exercer
ritualmente a função de Grão.Mestre em determinada cerimónia,
em substituição do Grão-Mestre de ofício, designadamente na
cerimónia da Colocação da Primeira Pedra do Capitólio, em 18 de
setembro de 1793, cerimónia de que existe o conhecido quadro que
se reproduz acima.

Rui Bandeira

3
A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da
conspiração (I)

July 14, 2010

A propósito do simbolismo presente na nota de um dólar


americano, e particularmente do "olho que tudo vê", o nosso amigo
Diogo comentou:
O facto de George Washington ter sido Grão-Mestre da Grande
Loja do seu Estado não lhe dá o direito de colocar um símbolo da
Loja na nota. O símbolo era uma imagem de uma sociedade a que
ele pertencia (ainda por cima secreta). Parece-me uma
impertinência
E, mais adiante:
A Maçonaria Americana pode ter sido ou ser CRENTE. Mas isso
não lhe dá o direito de impor os seus símbolos a uma esmagadora
maioria que não é maçónica.
Quanto à afirmação de George Washington ter sido Grão-Mestre da
Grande Loja do seu Estado (Virgínia), já tive oportunidade de a
corrigir no texto Retomando o curso... Quanto à afirmação do Diogo

4
que George Washington não tinha o direito de colocar um símbolo
maçónico na nota... a resposta é: não colocou! Pela simples razão
de que a nota de um dólar americano foi concebida e fabricada
muitíssimo depois do tempo de vida de George Washington - que
faleceu em 14 de dezembro de 1799!
A primeira nota de um dólar americano foi criada e fabricada no ano
de 1862 (mais de sessenta anos depois da morte de Washington) e
nem sequer tinha a configuração atual: apresentava a imagem de
Salmon P. Chase, que foi Secretário de Estado do Tesouro na
Administração de Abraham Lincoln.
A primeira efígie de George Washington só aparece na segunda
nota de dólar, criada em 1869. Também esta versão era diferente
da atualmente existente: a imagem de George Washington, ao
centro, estava acompanhada, à esquerda, de uma imagem de
Cristóvão Colombo avistando terra...
Em 1886, é criada a nota de um dólar "Silver Certificate", com a
imagem de... Martha Washington, a mulher do primeiro Presidente
norteamericano!
Em 1896, imprimiu-se a nota de dólar denominada de "série
educacional", em cuja frente figuravam os retratos de George e
Martha Washington, constando no verso uma imagem alegórica da
História instruindo a Juventude.
Em 1899, a nota de dólar passou a apresentar as imagens de
Abraham Lincoln e Ulysses S. Grant, sob uma imagem contendo o
Capitólio, a águia careca (animal símbolo dos Estados Unidos) e
uma bandeira americana.
Todas estas notas (e outras versões que foram emitidas, mas que
aqui não refiro, por menos interessantes ou curiosas)
apresentavam uma dimensão superior à nota de dólar atual.

5
A primeira nota de dólar com a dimensão da atual foi introduzida
em 1929, com a efígie de George Washington.
Só em 1957 foi introduzida na nota de dólar a divisa IN GOD WE
TRUST.
A introdução, no verso da nota de dólar da frente e verso do
Grande Selo dos Estados Unidos (que tem a tal imagem com a
pirâmide inacabada e o "olho que tudo vê" que alimenta as
disparatadas teorias da conspiração que por aí circulam) só ocorreu
em 1935, durante a Presidência de Franklin D. Roosevelt.
Portanto, nem George Washington, nem nenhum dos "Pais
Fundadores" dos Estados Unidos tiveram nada a ver com a
introdução dos símbolos que as teorias da conspiração acusam os
maçons de subrepticiamente terem feito introduzir na nota de
dólar...
As informações contidas neste texto, para além das obtidas nos
locais para onde apontam os atalhos supra colocados, foram
obtidas na entrada da Wikipedia em inglês United States - one
dollar bill. Tão simples como isso! Desmontar as disparatadas
teorias da conspiração requer apenas um pouco de informação,
que nem sequer dá um grande trabalho a obter...
No próximo texto, tratarei dos símbolos incluídos no Grande Selo
dos Estados Unidos (a tal pirâmide inacabada e o "olho que tudo
vê"), sempre apontados como "provas" pelos inefáveis teóricos da
conspiração.
Rui Bandeira

6
Os Segredos da Maçonaria, o silêncio e o saber calar-se

July 17, 2010

Por poucos que sejam, há, de facto, segredos na Maçonaria. Num


tempo e numa sociedade em que a vida de cada um se encontra
cada vez mais exposta, não é senão natural que a simples
existência de segredos cause curiosidade e mesmo perplexidade.
Contudo, a existência dos segredos tem mais do que uma
justificação.

Em primeiro lugar, há as razões culturais, morais e éticas. Diz-se


da Maçonaria ser "um sistema peculiar de moralidade, velado por
alegorias e ilustrado por símbolos". Ora, se os sistemas de
moralidade variam de sociedade para sociedade, as raízes
anglo-saxónicas da Maçonaria são bem visíveis através daquilo

7
que esta valoriza, como a delicadeza de trato associada aos
gentlemen, ou essa mistura de contenção e refreamento que
constitui a tão conhecida fleuma britânica. Pode, nesta perspetiva,
dizer-se que o segredo, o silêncio e o "saber calar "são
manifestação de três virtudes que a Maçonaria muito preza: a
circunspeção, a discrição e o auto-controlo. Terá sido esta atitude,
a par de um contexto histórico de guerras religiosas e de luta
política de que a Maçonaria queria (e quer) manter-se afastada,
que ditou o 6º Landmark, "A Maçonaria impõe a todos os seus
membros o respeito das opiniões e crenças de cada um. Ela
proíbe-lhes no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política
ou religiosa. Ela é ainda um centro permanente de união fraterna,
onde reinam a tolerante e frutuosa harmonia entre os homens, que
sem ela seriam estranhos uns aos outros." Quantas vezes uma
frágil harmonia se consegue, sabe-se lá com que custo, pela
exaltação dos pontos de concórdia, e pela minimização da
exposição dos pontos de dissenção... É por isso que, em
Maçonaria, se respeita em absoluto a liberdade de expressão de
cada um - ao mesmo tempo que se espera que cada um tenha
aprendido a, no seu exercício, não ameaçar a harmonia, o
equilíbrio e a fraternidade.

Em segundo lugar há razões simbólicas e metodológicas. Diz-se


que, nos tempos da Maçonaria Operativa, seria através de sinais
secretos, próprios de cada uma das classes de operários, que os
seus membros se identificariam perante os tesoureiros para assim
receberem os seus salários diferenciados. Do mesmo modo, cada
grau - Aprendiz, Companheiro e Mestre - tem os seus próprios
sinais de reconhecimento, os seus próprios segredos que não

8
podem ser revelados aos de grau inferior. A natureza do que se
cala é menos importante do que a aprendizagem do guardar
silêncio, do calar-se e do refrear-se. Sem calar não se pode ouvir; é
por isso que nas sessões é imposto absoluto silêncio aos
Aprendizes e aos Companheiros. Como exercício, fora destas,
são-lhes confiados os "segredos de grau", que não passam, neste
sentido, de um mero exercício de contenção. Por outro lado, a
separação entre os graus evidencia e promove o progresso de
cada maçon, e permite que, expostos aos mesmos conceitos na
mesma ordem cronológica, todos percorram caminhos
relativamente semelhantes. Os símbolos marcam o caminho, e a
sua interpretação ou o aprofundamento do seu estudo constituem
segredos na medida em que antecipação do conhecimento dos
mesmos poria em risco a sua frutuosa interiorização. O silêncio não
termina, porém, com a elevação a Mestre, antes se transfigura de
silêncio imposto em silêncio voluntário. De facto, um Mestre deverá
ter já interiorizado o que a sabedoria do povo nos repete: que, se a
palavra é de prata, o silêncio é de ouro.

Por fim, e em terceiro lugar, encontra-se a reserva da identidade


dos irmãos, o que não deixará de fazer sentido face à
incompreensão, rejeição e mesmo perseguição de que os maçons
foram - e, infelizmente, são ainda em muitos lugares - alvo, pelas
mais diversas razões, das políticas às religiosas. Não obstante ser
cada um livre de assumir publicamente a sua condição de maçon,
está-lhe absolutamente vedado revelar a de quem o não fez. Por
poder causar danos reais na vida daqueles cuja identidade fosse
indevidamente revelada considero ser este, de entre os vários que
os maçons juram guardar, o único segredo verdadeiramente digno

9
desse nome.
Paulo M.

10
A liberdade absoluta

July 19, 2010

O Diogo, leitor assíduo deste blogue - a julgar pela profusão e


extensão dos comentários que cá tem deixado - gosta de "cutucar a
onça". Quanto a mim, confesso-me uma "onça altamente
cutucável", e gosto de (pelo menos tentar) responder a quem me
questiona com sinceridade. Pois seja assim. Irei tentar responder -
uma ou duas de cada vez - às questões colocadas nos comentários
do último texto.

Paulo - «A Maçonaria proíbe no seu seio toda a discussão ou


controvérsia, política ou religiosa… É por isso que, em Maçonaria,
se respeita em absoluto a liberdade de expressão de cada um.»
Diogo – Esta frase contém ideias incompatíveis. Não pode existir

11
liberdade de expressão se todo o debate é proibido.

Um dos problemas das palavras é terem tantos significados - e tão


diferentes. No site da Infopedia, por exemplo, podemos encontrar
vários significados de "discussão", que vão de "análise e troca de
ideias sobre um assunto entre duas ou mais pessoas com o
objectivo de chegar a um consenso" a "troca de palavras ásperas e
por vezes injuriosas, geralmente em voz alta e de modo agressivo;
altercação; briga". Parece-me evidente - e de bom senso - que a
proibição seja atinente ao segundo significado, e não ao primeiro.
Vejamos agora "controvérsia": "discussão sobre um tema ou uma
opinião, em que são debatidos argumentos opostos e geralmente
acalorados; debate; polémica"; "contestação". Uma vez mais, a
questão aqui é o "calor" e os seus efeitos, e não a natureza do que
se diz.

É claro que nem todo o debate é proibido; desde que dentro das
regras de urbanidade, com respeito pela posição do outro, e com
toda a delicadeza, pode discutir-se quase tudo. A proibição - mais
do que tricentenária - de debate de assuntos políticos e/ou
religiosos decorre da experiência de onde tais debates costumam
levar quando os envolvidos residam em campos antagónicos: a
palavras acaloradas, menosprezo e desrespeito pela posição do
outro (o que pode ser feito de forma muito fria e educada mas não
menos ofensiva) e defesas e ataques de parte a parte. No final, o
confronto de pontos de vista, longe de permitir o enriquecimento de
cada um ou de possibilitar uma posição de consenso, apenas
redunda em desconforto, mágoa ou - no pior cenário - mesmo de
ideias ainda mais extremadas e repisadas pelo confronto.

12
Espero que esta rápida análise semântica tenha contribuído para
esclarecer o que se pretende, de facto, evitar com esta proibição.
Contudo, sei bem que o Diogo não se fica com uma resposta tão
superficial. De facto, relegarmos a questão para um mero
disagreement linguístico sería risível. O que está em causa é o meu
emprego da palavra "absoluto". Poderia eu, para simplificar a coisa,
limitar-me a escusar-me, e a retirá-la, dizendo então apenas que
"em Maçonaria, se respeita a liberdade de expressão de cada um"
em vez de se dizer que se respeita "em absoluto". Todavia, a
questão - filosófica - é importante demais para ser deixada cair tão
displicentemente - especialmente quando creio que, esta sim,
traduz as ideias tão argutamente apontadas como incompatíveis .

A "liberdade absoluta" é um conceito curioso. Para ser absoluta tem


que ser universal; não podemos defini-la de acordo com as nossas
circunstâncias particulares, mas antes devemos considerá-la
enquanto o que desejaríamos que outros (quaisquer outros)
fizessem nas nossas circunstâncias. Por outro lado, as nossas
decisões devem ser a síntese unificadora das diversas influências e
constrangimentos; as nossas ações, se bem que livres, devem
refletir os condicionamentos que decorrem da nossa vivência em
comunidade. Deste modo, a ética da liberdade absoluta não é
absolutamente livre. Para ser livres temos que assumir a
responsabilidade de escolher no lugar de Todos, de trabalhar para
a liberdade de Todos, e agir no contexto que temos com Todos os
demais.

Ou seja: mesmo a liberdade absoluta tem muito pouco do

13
"absoluto" que anteciparíamos. Mais do que um "absoluto", a vida é
um permanente compromisso - e aí, na busca de posições
relativamente concordantes mais do que absolutamente finais, a
Maçonaria tem muito para ensinar.

Paulo M.

14
Uma história de sucesso ?

July 21, 2010

Ora bem, cá regresso eu, e cada vez que regresso trago menor
dose de pachorra para as “cutuquices” ! É da idade, não liguem.
Por isso, mas muito mais por razões que alguns de vós bem
conheceis (pelo menos o Rui e o Paulo M sabem o que se passa)
tornei-me em faltista militante aqui neste “cantinho da escrita” que
também está “prantado” à beira mar.
E se hoje regresso ao convívio destes letrados é para contar uma
“história” de sucesso !!!
E esta história de sucesso é a do Bernardo.

15
Trata-se de um jovem porreiro, castiço na sua limitação, risonho
quase sempre.
Tem uma "casa" na “net” que lhe é dedicada e que dá pelo título de
“Anda Bernardo !”
(http://andabernardo.blogspot.com/) onde está todo o texto desta
história de sucesso, desde o argumento aos interpretes e acabando
nos SGS (Special Guest Star).
Como podem ver a lista de SGS’s está aberta, completamente
aberta e o Bernardo, que é o dono da casa, honrar-se-á muito com
a Vossa presença na história.
Ele gosta de Vocês, é Vosso admirador, Vocês é que não sabem…
e provavelmente Ele também não ! Mas esta história que já tem o
elenco dos intérpretes fechado, está muito necessitada de
Convidados, são precisos muitos SGS’s, e é por isso que venho
aqui contá-la.
E desta vez fico todo contente. Quem não gosta de poder contar
histórias de sucesso ? Todos gostam, portanto só posso estar
contente.
Agora, o que realmente é importante, é que não me façam ficar
triste e que se inscrevam também na lista dos Convidados.
Vá, tem de ser já a seguir ! Vão ao “Anda Bernardo !” e
inscrevam-se, não tenham vergonha de aparecer nos ecrans da
vida.
No da morte irão aparecer algum dia, quer queiram quer não… Isso
eu garanto.
Só espero que demorem muito ainda. Não tenham pressa disso
que eu também não.
Mas no ecran da vida é a Vossa vontade que manda, e neste caso
até estão convidados. Especialmente convidados !

16
E ficam a saber... esta é uma história de sucesso, digo eu que até
nem sou aldrabão (?), porque se não fôr… é porque Vocês não
quiseram que fosse !

Abrações.
JPSetúbal

17
A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da
conspiração (II)

July 22, 2010

No verso da nota de um dólar dos Estados Unidos figuram duas


imagens, uma com uma pirâmide inacabada e o "olho que tudo vê"
e a outra com a "águia americana". Particularmente a primeira das
duas imagens é apontada pelos teóricos da conspiração como a
demonstração da cabala maçónica, que logrou introduzir dois dos
seus símbolos na nota de dólar - sem que se perceba bem o que é
que se ganharia com isso (mas isso nunca fez hesitar um teórico da
conspiração que se preze...).

Pois bem: estas duas imagens foram introduzidas, em 1935, na


presidência de Franklin D. Roosevelt, pela simples, evidente e clara
razão de que... são o verso e o reverso do Grande Selo dos
Estados Unidos!

Ah! - gritam triunfantemente os teóricos da conspiração -, então a


conspiração maçónica vem de trás e é muito mais grave.
Conseguiram colocar símbolos maçónicos no símbolo por
excelência da República americana!

18
Não é minha preocupação vir agora com os factos perturbar as
teorias com que se entretêm aqueles senhores mas... os factos são
os que seguidamente apresento.

O Grande Selo dos Estados Unidos é usado para autenticar


documentos emitidos pelo Governo Federal dos EUA. Esta
designação aplica-se não só ao artefacto físico utilizado para essa
autenticação, como para designar as imagens que constam do seu
verso e reverso. Foi publicamente usado pela primeira vez em
1782.

No verso, está o brasão de armas americano (a águia segurando


13 flechas - figurando os 13 Estados originais da União - e um ramo
de oliveira com 13 folhas e 13 azeitonas - de novo em
representação dos 13 Estados originais -, a divisa E pluribus unum
(com 13 letras), que significa "De Muitos, Um" - também utilizada
por um popular clube desportivo português, ó teóricos da
conspiração! Aproveitai para elaborar mais uma teoriazinha... -, no
peito da águia um escudo com 13 - de novo - faixas verticais e
sobre a sua cabeça uma glória com 13 - sempre! - estrelas).

O reverso tem a pirâmide (de 13 degraus, de novo simbolizando os


13 Estados originais) inacabada, encimada pelo "olho que tudo vê".
tendo inscrita na sua base, em carateres romanos, a data 1776
(data da Independência dos EUA) e as inscrições Annuit Coeptis
(13 letras...), que significa "Ele Aprova O Nosso Empreendimento"
e Novus ordo seclorum, "Nova Ordem Dos Séculos".

19
O simbolismo do Grande Selo dos Estados Unidos é, assim,
dominado, pelo número 13 (que nenhum significado particular tem
em Maçonaria), em referência, repetida, às 13 colónias que
declararam a Independência. A própria pirâmide inacabada tem 13
degraus e é inacabada porque os 13 Estados originais estavam
abertos a que outros se lhes juntassem.

O "olho que tudo vê", também designado por "Olho da Providência"


é uma evidente representação de Deus, como sem dúvida alguma
resulta da legenda que o rodeia (Ele - Deus, obviamente - aprova o
nosso empreendimento - de declarar a independência).

Note-se que o "olho que tudo vê" está inserido no interior de um


triângulo, representação cristã do símbolo, em alusão à Santíssima
Trindade. Esta representação cristã simbolizando o Criador está
presente, por exemplo, na catedral de Aachen, na Alemanha, a
mais antiga catedral do norte da Europa, cuja construção se iniciou
por volta de 790, no reinado de Carlos Magno, que nela está
sepultado - muito antes de haver Maçonaria...

O simbolismo do verso do selo foi oficialmente apresentado por


Charles Thomson perante o Congresso dos Estados Unidos,
aquando da apresentação do projeto final do Grande Selo para
aprovação por aquele órgão do Poder Legislativo americano (no
século XVIII, note-se...), da seguinte forma (tradução livre minha):

A pirâmide significa Força e Perenidade. O Olho sobre ela e a


divisa aludem aos muitos sinais da Providência em favor da causa
americana. A data na parte de baixo é a da Declaração da

20
Independência e as palavras por baixo significam o princípio da
Nova Era Americana, que se iniciou naquela data.

Factos são factos. Calculo que, por muito perturbadores que sejam
para as teorias dos teóricos da conspiração, não será por isso que
as vão abandonar e vão deixar de insistir que os símbolos da nota
de um dólar e do Grande Selo dos Estados Unidos são maçónicos,
porque os maçons (melhor dizendo: os maçons de um determinado
rito, nem sequer presente nos Estados Unidos), dizem eles - e, se o
dizem, passa, segundo eles, a ser verdade... - também usam uma
pirâmide como símbolo (e a questão de a pirâmide do selo ter 13
degraus, como os Estados originais e ser inacabada, em alusão à
aceitação de mais Estados que se juntassem à União - e agora são
cinquenta... - é um mero detalhe que não impede a insistência na
tese da cabala maçónica...) e o "olho que tudo vê " é, só pode ser,
e "toda a gente" o reconhece como símbolo maçónico, apesar de
ser uma secular representação do Criador (desde o tempo dos
egípcios, então sob a forma do "olho de Hórus"), especificamente
cristã quando inserido num triângulo (simbolizando a Santíssima
Trindade) e mostrar-se presente, por exemplo, numa antiquíssima
Catedral, construída quando não havia Maçonaria.

Mas factos são factos. E, para que não restem dúvidas (senão as
"certezas" dos teóricos da conspiração), ainda dedicarei um terceiro
texto ao processo de criação do Grande Selo dos Estados Unidos.
Assim se verá se este processo foi público e transparente ou
encoberto e conspirativo, como juram os ditos teóricos...

As informações do texto de hoje foram recolhidas nos seguintes

21
artigos da Wikipedia:

Great Seal of the United States


Annuit coeptis
Olho da Providência
Catedral de Aachen

Tudo locais de muito difícil acesso e de evidente controlo maçónico,


como se vê...

Rui Bandeira

22
A Guerra Civil Inglesa (ou porque não se discute política
ou religião em Loja)

July 23, 2010

Entre 1500 e 1800 diferentes reis e rainhas de Inglaterra


perseguiram, prenderam, mataram ou simplesmente incomodaram
católicos, anglicanos, metodistas, puritanos, luteranos,
presbiterianos, calvinistas, quakers, e virtualmente qualquer outra
variação da Cristandade. A convicção pessoal e a fé de cada
monarca tinha graves consequências, muitas vezes fatais, nos seus
desafortunados súbditos que não oravam perante o mesmo altar.

A Guerra Civil Inglesa, iniciada em 1642 entre Monárquicos,


partidários do rei Carlos I de Inglaterra e Parlamentaristas,
liderados por Oliver Cromwell foi, na sua essência, uma luta entre a

23
Igreja estabelecida, apoiada pela nobreza (que pretendia ver o seu
poder perpetuado) e protestantes puritanos radicais, oriundos de
uma classe média emergente, desejosos de se governar a si
mesmos. A guerra só terminaria sete anos depois, com a
condenação de Carlos I à morte e a tomada do poder por Cromwell
e pelos puritanos. Não obstante Carlos I ter sido mal amado pelo
seu povo e não ter propriamente deixado saudades, bastou menos
de uma década de um estilo tirânico e sangrento de governação
com Cromwell à cabeça para que os ingleses quisessem a sua
monarquia de volta. Carlos II foi coroado em 1661 e, ao contrário
do seu pai, era um homem bem mais interessado na ciência e na
razão do que na perseguição religiosa. Abriu, assim, as portas para
uma nova era, uma era que iria acolher favoravelmente os novos
princípios da Maçonaria Especulativa.

Um dos piores aspetos desta guerra foi ser um conflito de irmão


contra irmão, vizinho contra vizinho, amigo contra amigo. Esta
terrível circunstância afetaria o futuro e a filosofia da Maçonaria até
aos nossos dias. Foi assim que, em 1717, quando a primeira
Grande Loja foi formada em Londres, foram estabelecidas regras
pouco usuais. Em primeiro lugar, proibiu-se a discussão de religião:
as reuniões não seriam interrompidas por argumentos entre
católicos, anglicanos, puritanos e protestantes. Enquanto os
membros acreditassem em Deus, a sua fé não seria questionada.
Em segundo lugar, as batalhas políticas entre monárquicos e
parlamentaristas - que tinham dado origem à guerra civil - não
seriam toleradas: os maçons estavam determinados a sobreviver
às questões que haviam devassado o seu país, e a impedir que
quem quer que fosse os pudesse acusar de heresia ou de traição.

24
Em seu lugar, as Lojas insistiam no estabelecimento de laços
fraternais entre os seus membros. Ficava, de igual modo,
estabelecido um valor muito querido à Maçonaria: a tolerância.

Eis as razões históricas da proibição da discussão de política ou


religião em Loja. A Maçonaria Regular tem - muito tradicional e
britanicamente, poderíamos dizer - tendência para ser avessa a
grandes "inovações", e para se ater àquilo que o tempo confirmou
como sendo adequado. Não houve, até agora, razão bastante para
se reverter essas proibições - pelo que estas ainda vigoram.

Em muitas Lojas - como na Loja Mestre Affonso Domingues - essa


regra não é interpretada no sentido de ser vedada a referência a
qualquer tema político ou religioso, mas antes no sentido de proibir
qualquer controvérsia ou discussão sectária ou confessional,
ideológica ou partidária, que divida a Loja em "lados", em "partidos"
e em "partes" que tenham por denominador comum a convicção, a
crença ou a ideologia de cada um. Pode, assim, discutir-se se
determinada medida política concreta será melhor ou pior, mas sem
que nunca se questione - ou se mencione, sequer - partidos ou
correntes ideológicas; assim como se pode apresentar um trabalho
sobre uma determinada religião, mas sem que seja admissível que
a mesma seja criticada. Outras Lojas entendem diversamente, e
aplicam uma interpretação mais estrita, abstendo-se de qualquer
referência a um e outro tema. Não posso fechar este assunto sem
referir a Maçonaria Liberal - de inspiração francesa - em que estas
restrições não existem de todo. Saliento, por fim, que estas
proibições se referem apenas aos trabalhos em Loja e que, fora
destes, qualquer maçon pode pronunciar-se como entenda sobre o

25
que tenha por conveniente.

Paulo M.

26
Tudo se aprende, nada se ensina

July 26, 2010

O mundo só se nos mostra pelos nossos sentido, e a complexidade


e a variabilidade da realidade ultrapassam a nossa capacidade de
absorver a individualidade de cada ocorrência. Para lidar com essa
complexidade generalizamos, sintetizamos e normalizamos,
considerando, de acordo com a nossa vivência, serem idênticas
coisas que, na verdade, são ligeiramente diferentes. Este
mecanismo faculta-nos mais informação, que por sua vez nos
permite entender, antecipar e reagir melhor àquilo que sucede em
nosso redor. No entanto, não há duas vidas iguais; não há duas
experiências do mundo iguais; não há duas realidades iguais. Por
isso é que o mundo, tal como o apercebemos, é, mesmo que
impercetivelmente, distinto do mundo tal como é apercebido por
qualquer outra pessoa. Assim, porque cada um é fruto da visão que
tem do mundo, é natural que seja única e irrepetível a matriz que
estabelece a própria conceção identitária de cada um de nós.

27
Assim, podemos dizer que a nossa identidade passa pelas
convicções que decorrem da nossa experiência ao longo da nossa
passagem pelo mundo. Ora, essas nossas convicções -
especialmente a política e a religiosa - são um pouco como a nudez
física. Assim, há quem, (à semelhança dos nudistas - e, até, dos
exibicionistas) esteja disposto a desnudar a sua intimidade do ser,
do crer e do pensar, expô-la e questioná-la; e, no outro extremo,
quem (à semelhança de quem nem ao médico revela a nudez) sinta
como agressão o mero questionamento das suas convicções,
sentindo que tal abalaria a delicada construção interna da sua
relação consigo mesmo, com o mundo e com os outros.

Uma Loja Maçónica pode ser vista como um ecossistema de


poucas dezenas de pessoas que se reencontram vezes e vezes a
fio e que sabem que podem "baixar as defesas" e, sem receio,
expor o seu ser, o seu saber e a sua experiência para benefício dos
demais. Cada um apresenta, na medida que entende fazê-lo, e
mediante o seu grau de conforto em revelar-se, a sua visão do
mundo e a súmula que dela fez - a sua pessoal e única experiência
- com o intuito de que cada um dos demais possa ver o mundo por
outros olhos e retire daí os ensinamentos que entenda.

Atacar essa matriz assim exposta seria atacar a pessoa no que tem
de mais íntimo, de mais pessoal, de mais sagrado. Por isto, uma
das primeiras coisas que se aprende na Maçonaria é a respeitar a
diferença e a diversidade, sejam estas de pontos de vista, de
crenças ou de convicções. Cada um dá um pouco de si; quem quer,
colhe daí o que lhe aprouver. Ninguém é obrigado a aderir a

28
conclusões conjuntas, a versões definitivas, a consensos
alargados; estes procuram-se apenas até onde é possível fazê-lo
sem atropelar a convicção e a vontade de cada um.

É esta uma das formas através das quais a Maçonaria toma


homens bons e os torna melhores. É assim que, em Maçonaria,
tudo se aprende e nada se ensina. E é assim, e por isso, que, em
Maçonaria, se aprende a calar tudo quanto possa perturbar este
equilíbrio.

Paulo M.

29
A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da
conspiração (III)

July 28, 2010

Nos textos anteriores, mostrei que as imagens do verso da nota de


um dólar americano são, afinal, o verso e reverso do Grande Selo
dos Estados Unidos e que os símbolos ali insertos nada têm a ver
com a Maçonaria e tudo têm a ver com a independência daquele
país. Nada que abale as "certezas" dos teóricos da conspiração,
sei-o bem. Mas o meu propósito é esclarecer as dúvidas de quem
as tem, não abalar "certezas" de iluminados por "verdades
ocultas"... Os teóricos da conspiração, em síntese, clamam que, na
nota de dólar, e no Grande Selo dos EUA, os maléficos maçons
introduziram símbolos seus (não esclarecem para quê, mas isso
são detalhes...). Não se comovem com as explicações
demonstrativas de que os símbolos em causa não são maçónicos,
sobretudo quando formuladas por um maçom - que, obviamente,
faz parte da Grande Conspiração Maçónica e está a querer ocultar,

30
disfarçar, esta ponta levantada do véu da Grande Conspiração
Maçónica...

Não basta, portanto, a demonstração que já fiz. É preciso ir mais


além. E ir mais além é divulgar o processo de criação do Grande
Selo dos EUA - e deixar que cada um ajuíze, em função dessa
informação e dos demais elementos fornecidos, a validade da
teoria da conspiração!

Logo em 4 de julho de 1776, dia da Declaração de Independência,


o então designado Congresso Continental nomeou a primeira
comissão para desenhar o Grande Selo ou emblema da nova
nação. Acabaram por ser necessários seis anos, três comissões e
os contributos de catorze homens para que o Congresso finalmente
viesse a aprovar tal símbolo dos Estados Unidos. O desenho
aprovado incluía elementos das propostas de cada uma das três
comissões sucessivamente designadas.

Compunham a primeira comissão Benjamin Franklin, Thomas


Jefferson e John Adams. Dos três, só o primeiro foi maçom. E a
sua proposta não foi aceite!

Franklin escolheu uma cena alegórica do Êxodo, que descreveu


como "Moisés de pé à beira-mar, estendendo a sua mão sobre este
e causando o afogamento do exército do Faraó". A divisa que
propôs foi: "A Rebelião Contra Os Tiranos É Obediência A Deus".
Jefferson sugeriu uma representação dos Filhos de Israel perdidos,
guiados de dia por uma nuvem e de noite por uma coluna de fogo,
para o verso do Selo; para o reverso, propôs a efígie de Hengest e

31
Horsa, os dois irmãos que foram os lendários líderes dos primeiros
colonos anglossaxões na Bretanha. Adams escolheu uma pintura
chamada " Julgamento de Hércules", na qual este tem de escolher
entre o florido caminho da Facilidade ou o rude carreiro do Dever e
da Honra. Não sendo versados em heráldica, pediram a ajuda de
um artista plástico de Filadélfia, Pierre Eugene du Simitiere (não foi
maçom), que veio a elaborar uma proposta com um brasão com
seis secções, simbolizando os seis países de onde eram originários
os habitantes das colónias independentistas (Inglaterra, Escócia,
Irlanda, França, Alemanha e Holanda), rodeado pelas iniciais dos
treze estados. Suportavam o brasão uma figura feminina, a
Liberdade, e um soldado americano. Sobre o brasão, o "Olho da
Providência" inscrito num Triângulo Radiante e a divisa E plurubus
unum.

A Comissão apresentou o seu relatório com as quatro propostas ao


Congresso. Este escolheu a proposta de Pierre du Simitiere, mas
pretendendo alterações. Insatisfeito, não deu a sua aprovação final,
vindo a ser nomeada uma segunda comissão. Do conjunto de
propostas desta primeira comissão, foram incluídos no desenho
final do Grande Selo a divisa, o "Olho da Providência" e a inclusão
da data 1776.

A segunda comissão nomeada foi constituída por James Lovell,


John Morin Scott e William Churchill Houston. Tal como os
anteriores nomeados, procuraram a ajuda de alguém mais versado
em heráldica, Francis Hopkinson, que foi quem fez a maior parte do
trabalho. Nenhum dos quatro foi maçom. Embora tal tenha sido
alegado quanto a Hopkinson, não existe qualquer prova ou registo

32
disso. Hopkinson, um dos signatários da Declaração de
Independência, ajudara a desenhar a bandeira americana e foi
autor dos Selos de vários Estados. Apresentou duas propostas,
com temas de guerra e paz. A primeira continha um escudo com
treze barras diagonais, alternadamente vermelhas e brancas,
suportado num dos lados pela Paz, uma figura feminina com um
ramo de oliveira, e no outro por um guerreiro índio, com arco e
flechas. Por cima, uma constelação radiante de treze estrelas. A
divisa era "Preparado Para A Guerra E Para A Paz". No verso, a
Liberdade, sentada numa cadeira, segurando um ramo de oliveira,
com a divisa "Perene pela virtude" e a data 1776. Na segunda
proposta, o guerreiro índio foi substituído por um soldado
segurando uma espada e a divisa foi encurtada para "Para A
Guerra Ou Para A Paz". A Comissão escolheu a segunda proposta
e apresentou-a ao Congresso. Mais uma vez, o Congresso não deu
a sua aprovação, vindo a nomear uma terceira comissão. Da
proposta desta segunda comissão, transitaram para o desenho final
as treze listas no escudo e respetivas cores, a constelação de
estrelas rodeada por nuvens, o ramo de oliveira e as flechas (da
primeira proposta de Hopkinson).

A terceira Comissão nomeada foi constituída por John Rutledge,


Arthur Middleton e Elias Boudinot. Rutledge veio a ser substituído
por Arthur Lee, mas a nomeação deste nunca foi oficialmente
formalizada. Tal como sucedera com as duas comissões anteriores,
o grosso do trabalho foi delegado num especialista em heráldica,
Willam Barton. Nenhum destes homens foi maçom. A proposta de
Barton, que a Comissão veio a submeter ao Congresso, continha
um escudo ladeado por uma jovem, representando o Génio Da

33
República Americana Confederada" e por um soldado americano.
Ao alto, uma águia. No escudo, um pilar com uma Fénix Em
Chamas. As divisas eram "Em Defesa Da Liberdade" e "Só Virtude
Invicta". No reverso, uma pirâmide de treze degraus encimada por
um "Olho da Providência" radiante (da primeira comissão) e as
divisas "Com O Favor De Deus" e "Perene". Ainda uma terceira
vez, a proposta não mereceu a aprovação do Congresso. Da
proposta da terceira comissão, transitou para o desenho final a
pirâmide de treze degraus.

Em 13 de junho de 1782, o Congresso entregou ao seu Secretário,


Charles Thomson (não foi maçom) os projetos das três comissões
e encarregou-o de elaborar um novo desenho. Thomson, utilizando
elementos das propostas das três comissões, elaborou o que veio a
ser o projeto finalmente aprovado. De seu, as divisas Annuit
Coeptis (Ele aprova o nosso empreendimento) e Novus ordo
seclorum (Nova Ordem Dos Séculos). Antes da submissão final ao
Congresso, solicitou a Barton que efetuasse uma revisão final,
tendo este alterado o sentido das listas para vertical e a posição
das asas da águia. O projeto final assim resultante foi submetido ao
Congresso em 20 de junho de 1782 e nesse dia finalmente
aprovado!

Como se vê, uma conceção detalhadamente analisada, feita, refeita


e feita de novo, com a participação de catorze homens, dos quais
apenas um maçom - e cuja proposta em nada contribuiu para o
resultado final!

E é perante estes factos - comprovados, registados! - que os

34
teóricos das conspirações brandem as suas "certezas"! Mais
palavras para quê?

Fontes das informações contidas neste texto:

http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#History
http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#Speculation

Rui Bandeira

35
Por que são secretos os rituais maçónicos

July 30, 2010

Como se disse já, a Maçonaria tem apenas três tipos de segredos:


os rituais, os meios de reconhecimento e a identidade dos seus
membros. Debrucemo-nos hoje sobre os rituais.

Recordo claramente o "ritual" de início de cada dia de escola:


entrávamos todos em fila, ordeiramente e em silêncio,
colocávamo-nos em locais pré-determinados, respondíamos à
chamada, preparávamos os instrumentos de trabalho (a caneta e o
caderno diário) e escrevíamos o local e a data do dia, seguidos do
sumário; depois disso, cada um tinha procedimentos a seguir - se,
por exemplo, pretendia falar, tinha que levantar o braço - bem como
tinha variadas limitações à sua ação - não podíamos levantar-nos
sem autorização, por exemplo.

36
Identicamente, os rituais maçónicos determinam e regulam uma
série de acontecimentos que sucedem durante uma reunião (a que
os maçons chamam "sessão"), no sentido de conferir alguma
ordem aos trabalhos - precisamente do mesmo modo que numa
sala de aula. Assim, fazem parte dos rituais procedimentos
meramente administrativos como o são a chamada ou a leitura da
ata da sessão anterior. Estes procedimentos nada têm de secreto,
e poderia dizer-se que só não se referem por não o merecerem, de
tão enfadonhos que são...

Por outro lado, os rituais também são uma espécie de "peças de


teatro", no sentido em que há vários "atores" com "falas" e ações
bem definidas e pré-determinadas. Estas ações são um pouco mais
elaboradas do que é costume noutras circunstâncias do nosso
dia-a-dia, e muito do que se diz e faz é simbólico. O simbolismo,
em si, não é oculto; já o significado que lhe é atribuído em
determinado contexto pode sê-lo. Há coisas que estão à vista
desde o primeiro dia em que se entra num templo maçónico e que
nunca são explicadas, antes sendo deixadas - como tantas outras -
à interpretação e interiorização de cada um. De outras é dada uma
explicação em determinado contexto, como na cerimónia de
Iniciação - em que se passa de Profano a Aprendiz - na passagem
de Aprendiz a Companheiro, ou na de Companheiro a Mestre.
Esses "rituais secretos" nada têm de interessante para quem esteja
fora do contexto. Imaginem um músico a assistir a uma
secretíssima reunião de alta finança num banco; ou uma pessoa
como eu, avessa a futebol, a assistir às secretíssimas reuniões do
Mourinho com a sua equipa em vésperas de um grande jogo... Para
essas pessoas, pouca ou nenhuma valia teria esse conhecimento.

37
Então porquê o secretismo? Por uma razão: porque, para aqueles a
quem interessa, há um momento certo para se saber. E porque é
que há esse "momento certo", e não se pode saber logo? Procurei
um bom paralelismo que o explicasse, e creio que o encontrei:
imaginem-se a ler um bom livro policial, daqueles bem elaborados;
ou a ver um bom filme de suspense. Agora imaginem que alguém
chega, e vos diz: "Ah, conheço, já vi, foi o mordomo na biblioteca
com o candelabro." Pior: imaginem que vo-lo dizem mesmo antes
de iniciarem o livro ou o filme. Acham que irão retirar o mesmo
prazer, ler com o mesmo empenho, analisar com o mesmo
estímulo? Claro que não. A experiência ficou arruinada pelo
conhecimento prévio. O mesmo se passa com os rituais maçónicos.
Por isso se recomenda a quem pretenda ingressar a Maçonaria que
não leia, não procure, não se informe. Mas, se o fizer, apenas a si
mesmo se prejudica - na mesma medida de alguém que,
sorrateiramente, ludibriando-se a si mesmo, ardendo de
curiosidade, fosse ler as últimas páginas do tal romance policial.

Por isso, e se não pretendem alguma vez ser admitidos na


Maçonaria - ou se pretendem mas querem garantir que a
experiência fique irremediavelmente arruinada - então basta
procurarem que, com o auxílio do nosso "amigo" Google, terão,
com alguma diligência e arte, acesso a dezenas de versões de
rituais maçónicos de diversas épocas, locais e obediências.

Encontrarão também, se as procurarem, partituras de obras


musicais famosas, e mesmo vídeos das mesmas. Mas - ah! - só
quem já cantou num coro ou tocou numa orquestra sabe o quão

38
diferente é estar de fora a ver, ou participar de dentro. Tentem que
vos expliquem a diferença, e serão unânimes: "não dá para
explicar, tens que viver a experiência para a compreenderes". Com
um ritual maçónico - já o adivinharam - passa-se o mesmo. Não se
explica, não se revela, não se estuda - vive-se, ou não se entende.

Paulo M.

39
A Maçonaria: tecnologia avançada (I)

August 02, 2010

Arthur C. Clarke, escritor, inventor e futurista, autor de "2001,


odisseia no espaço", afirmou um dia que "qualquer tecnologia
suficientemente avançada é indistinguível da magia ("any
sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic").
De facto, se considerarmos que a "magia" consiste no uso de
métodos sobrenaturais para manipular forças naturais, pode
dizer-se que a tecnologia, por ultrapassar de longe o que podemos
encontrar na natureza, pode, num certo sentido, ser considerada
"sobrenatural". A tecnologia não deixa, contudo, de se basear
solidamente - e unicamente, diria eu - no estudo das leis naturais.

Explicar o funcionamento de muitos dos artefactos que nos rodeiam


está bem para além do conhecimento do cidadão comum. Já não
falo de saber explicar como funciona, por exemplo, um telemóvel
ou um televisor; mas quantos saberiam explicar como funciona um
simples relógio mecânico - como um despertador de corda - ou uns
binóculos? Para os explicar são necessários alguns rudimentos de

40
ótica num caso, e de mecânica no outro. No entanto, uma vez
transmitidos e apreendidos os conceitos, poder-se-ia avançar para
o entendimento de engenhos mais avançados - como um motor a
vapor, por exemplo. Por outro lado, se tentarmos explicar como
funciona um despertador sem nos assegurarmos de que o nosso
interlocutor sabe o que é uma alavanca e quais os seus princípios
subjacentes, o que é por sua vez essencial ao entendimento de
como funciona uma roda dentada, então estamos condenados ao
fracasso. O conhecimento desta natureza deve ser tansmitido de
forma sequencial, começando-se pelo simples e criando-se
progressivamente alguma complexidade com base no
conhecimento adquirido, de modo a garantir-se a sua interiorização.

Há casos conhecidos de exposição de alguns povos a tecnologias


para as quais estes não dispunham de bases de entendimento, e
do subsequente aparecimento de cultos de caráter religioso em
torno das mesmas. Um dos exemplos famosos é o culto à carga,
um tipo de prática religiosa que apareceu em muitas sociedades
tribais tradicionais aquando do contacto e interação com culturas
tecnologicamente mais avançadas. Esses cultos focam-se na
obtenção de riqueza material (a "carga") da cultura avançada
através de práticas e rituais mágicos e religiosos, crendo que a
riqueza lhes fora facultada e destinada pelas suas divindades e
antepassados. É assim que, enquanto que é para nós evidente que
o lançamento de mantimentos por avião durante uma fome é um
ato de solidariedade, para alguns dos que recebem essa ajuda é de
magia que se trata.

O modo racional e científico de olhar o mundo está de tal modo

41
imbuído da nossa forma de pensar eurocêntrica e ocidental que nos
custa a ponderar as alternativas. Muitos dos povos do mundo ainda
estão arredados dos fundamentos da forma de pensar que levou ao
surgimento do pensamento e do método científicos: a
experimentação e repetição, o isolamento das causas dos
fenómenos, o raciocínio e a matemática enquanto ferramentas de
trabalho. Em seu lugar encontramos uma profusão de
conhecimentos passados de geração em geração em que se
mistura informação útil sobre plantas, animais e metodologias
validáveis com superstições, demonologias e pura feitiçaria. De
facto, a própria matriz cultural subjacente à interiorização enquanto
"fenómenos mágicos" de meros acontecimentos naturais dificulta
tremendamente a tentativa de explicação da sua verdadeira
natureza. Não é, assim, senão natural que manifestações de
tecnologias estranhas sejam interpretadas como poderosas magias
aos olhos de quem apenas encontra magia no mundo que o rodeia.
Paulo M.

42
A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da
conspiração (IV - conclusão)

August 04, 2010

Nos três textos anteriores, expliquei detalhadamente como a


pirâmide de 13 degraus e o Olho da Providência foram incluídos no
Grande Selo dos EUA e, ulteriormente, na nota de um dólar
americano, demonstrando que essa inclusão nada tem a ver com
Maçonaria e que a simbologia ali utilizada nada teve a ver com a
mesma.

Mas afinal os ditos símbolos são maçónicos ou não?

O Olho da Providência é uma ancestral representação da

43
Divindade. Na mitologia egípcia, encontramos o "Olho de Ra",

também chamado de "Olho de Hórus".

No Budismo, Buda é frequentemente referido como o "olho do


Mundo".

Na iconografia cristã medieval e da Renascença, o símbolo é


representado através de um olho inscrito no interior de um triângulo
e é utilizado como representação da Santíssima Trindade.

Na iconografia maçónica original, este símbolo não existia. A


mesma resumia-se ao compasso, ao esquadro, a outras
ferramentas da Arte da Construção e a pouco mais.

Mas não olvidemos que a Maçonaria nasce cristã. Só mais tarde,


em resultado de todo um percurso de prática da Tolerância evolui
para a presente configuração aberta que admite todos os crentes,
qualquer que seja a sua religião ou crença particular, num
sincretismo que balança entre o teísmo e o deísmo (no meu
entender, sendo originariamente teísta e assim se mantendo, mas
evoluindo para incluir também as conceções deístas).

Originariamente os maçons eram todos cristãos. Católicos, da


Igreja de Inglaterra, luteranos, ou calvinistas, mas todos cristãos.

44
Não admira, assim, que, seja por influência cultural, seja pela
crença religiosa, todos os maçons conhecessem e interiorizassem
os símbolos cristãos, incluindo o Olho da Providência, símbolo da
Santíssima Trindade.

A primeira aparição do Olho da Providência na iconografia


maçónica surge apenas em 1797 (já depois da criação do Grande
Selo dos Estados Unidos), com a publicação do Freemasons
Monitor por Thomas Smith Webb. Ali foi incluída a representação
do Olho Que Tudo Vê ou Olho da Providência, como forma de
recordar a todos os maçons que os seus pensamentos e atos são
observados por Deus, o Grande Arquiteto do Universo. E, a partir
daí, foi-se expandindo, também nos meios maçónicos, a utilização
do Olho da Providência, como representação e símbolo da
Divindade.

Resumindo: o Olho da Providência é ancestralmente um símbolo


da Divindade. Desde a Idade Média e Renascença que foi utilizado
como símbolo cristão da Santíssima Trindade e nessa aceção foi
incluído no Grande Selo dos Estados Unidos e, por essa via, mais
tarde, na nota de um dólar americano. Só posteriormente a essa
inclusão no Grande Selo é que, pela primeira vez, foi utilizado em
ambiente maçónico. Hoje, é correntemente utilizado como símbolo
maçónico. Mas essa utilização atual corresponde a uma
apropriação pela Maçonaria do símbolo cristão pré-existente.

Quanto à pirâmide de 13 degraus, não tem qualquer significado ou


simbologia maçónicos. A iconografia maçónica baseia-se nas
ferramentas do ofício da construção e no Antigo Testamento.

45
Particularmente importante nessa iconografia é o Templo de
Salomão e a Lenda associada à sua construção. Nada na
Maçonaria remete para a Tradição egípcia ou suméria, nem para as
pirâmides egípcias (bem vistas as coisas, meros jazigos de gente
rica e poderosa...) ou sumérias (tidos como artefatos destinados a
favorecer a observação astronómica).

Referências a pirâmides maçónicas? Só no romance de Dan


Brown, O Símbolo Perdido! Mas essa não é, de modo algum, uma
referência relevante! Por três razões: 1. Trata-se, assumidamente,
de uma obra de ficção; 2. Trata-se de uma obra, assumidamente,
escrita por alguém que não é maçom; 3. Trata-se de um romance
escrito já no século XXI, insuscetível de criar qualquer tradição, e,
obviamente, impossível de ter servido de fonte a um qualquer
eventual símbolo maçónico existente no século XVIII nos Estados
Unidos da América!

Resumindo e concluindo: os badalados símbolos maçónicos do


Grande Selo dos Estados Unidos da América e da nota de um dólar
americano nem sequer são... símbolos maçónicos! O mais perto
que lá se chega é da verificação que, depois da inclusão do Olho
da Providência no Grande Selo dos Estados Unidos da América, a
Maçonaria apropriou-se e passou a usar também o símbolo, até aí
essencialmente cristão do Olho da Providência.

Factos são factos!

Não que eu acredite que os teóricos da conspiração deixem os


factos abalar os seus (pobres) argumentos...

46
Fontes das informações contidas neste texto:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Olho_da_Provid%C3%AAncia
http://en.wikipedia.org/wiki/Eye_of_Providence
http://www.masonicinfo.com/eye.htm

Rui Bandeira

47
A Maçonaria: tecnologia avançada (II)

August 06, 2010

Durante a Idade Média eram os artesãos quem, empregando a


destreza manual, a criatividade e o saber acumulado ao longo de
gerações, produzia a maior parte dos bens. Por esta altura, os
métodos, técnicas e saberes próprios de cada ofício - resultado de
séculos de experimentação, erro e repetição (e, bastas vezes, de
alguma sorte) – estavam já muito mais próximos do saber científico
do que da magia, obtendo resultados consistentes quando sob
condições controladas. Por isso mesmo o seu valor era imenso,
pelo que constituíam segredos ciosamente guardados.

A classe dos artesãos dividia-se em dois grupos: os que tinham o


seu próprio negócio - os mestres - e os que o não tinham; estes
últimos subdividiam-se em assistentes pagos - ou companheiros - e
aprendizes. O grupo mais influente dentre os artesãos era o dos
mestres, os que detinham o seu próprio negócio e gozavam de
grande prestígio nas suas comunidades.

48
Quem quisesse aprender um ofício tinha, primeiro, que ser aceite
como aprendiz por um mestre artesão. Este iria, ao longo do tempo
- frequentemente, de anos - ensinar-lhes primeiro as bases e
depois, técnicas progressivamente mais elaboradas. Em troca, era
frequente ficar o aprendiz obrigado a trabalhar um certo número de
anos para o seu mestre. No âmbito da sua formação, os aprendizes
aprendiam, assim, os “segredos do ofício”, primeiro através da
observação do trabalho do mestre e depois através da prática. Esta
transmissão de conhecimento queria-se fortemente restrita e
regulada, pelo que não só os mestres artesãos apenas revelavam
os segredos à medida da progressão dos recipiendários, como os
aprendizes tinham, frequentemente, que jurar guardar os segredos
que lhes eram confiados, Assim, era-lhes absolutamente proibido
revelá-los quer a estranhos quer a aprendizes que ainda os não
conhecessem.

No momento em que conseguisse trabalhar sem supervisão, podia


o aprendiz passar a ser considerado assistente ou companheiro,
altura em que passava a receber salário - pois que, até aí, era
comum pouco mais receber que alimentação, guarida e a roupa de
trabalho. Ao longo do tempo os assistentes continuavam a
aprender com o seus mestres, sempre sob condição de segredo.
Por fim, se a certa altura, o assistente conseguia angariar para si
mesmo clientes que lhe permitissem autonomizar-se e
estabelecer-se por conta própria, passava então a ser mestre de
uma oficina. Era esta a progressão profissional nesta classe e
nesta época.

Não é senão natural que, no sentido de defender os seus direitos e

49
interesses comuns, os mestres artesãos tivessem procurado
associar-se; podemos assim, sem medo de errar, presumir serem
as associações de artesãos tão antigas quanto as respetivas artes.
Ao longo dos séculos, cada uma dessas associações foi sendo
reconhecida perante a sociedade enquanto interlocutor de toda a
classe profissional que lhe dera origem. Era frequente as
corporações assistirem os seus membros doentes, e tomarem a
cargo as viúvas e órfãos dos artesãos menos prósperos. Davam
dinheiro e comida aos pobres, e ofereciam aos hospitais a carne
que sobrava dos seus banquetes. Refletindo a religiosidade
omnipresente na Idade Média, as associações de artesãos
operavam sob o patronato de um santo, que era considerado o
especial protetor dessa arte, e em honra de quem era comum
existir pelo menos uma pequena capela na zona da povoação em
que os respetivos artesãos laboravam.

O auge do poderio das guildas - associações ou corporações


profissionais medievais - deu-se no século XIV; nessa altura,
nenhuma associação de artesãos podia existir legalmente sem a
licença do rei, do príncipe, do abade ou do senhor do município
onde pretendiam estabelecer-se. O reconhecimento real destas
corporações de artesãos passava pela elaboração de leis especiais
que lhes permitia governarem-se a si mesmos. Estas leis eram
elaboradas com base no testemunho oral dos membros mais
seniores de cada corporação; podia-se considerar, assim, serem
leis produzidas pelas corporações, verdadeiros estatutos aprovados
e aceites pelo Rei, e não uma lista de regras estabelecidas e
impostas pelas autoridades. Esses estatutos quase sempre
detalhavam com precisão as condições de trabalho, dias e horas de

50
laboração, tamanho dos artigos, a qualidade da matéria-prima, e
mesmo o preço de venda; tentavam, igualmente, prevenir fraudes e
falsificações, pelo que os mestres eram, por exemplo, obrigados a
marcar com o seu cunho pessoal os bens que produziam.

Havia, ainda, regulamentos internos, mas desses falarei no próximo


post.

Referências:
http://www.medieval-spell.com/Medieval-Guilds.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Artisan

Paulo M.

51
A Maçonaria: tecnologia avançada (III)

August 09, 2010

Uma das ordens profissionais mais poderosas na Idade Média era


a dos pedreiros. Os "mestres pedreiros" eram uma mistura dos
atuais arquitetos e engenheiros civis, dominando as vertentes
técnica e estética; por produzirem obras duradouras e imponentes,
boa parte das quais de caráter religioso, eram socialmente
reconhecidos como servidores de Deus.

A construção de grandes edifícios de pedra era multi-disciplinar, e


implicava conhecimentos avançados de física, mecânica e
matemática para a conceção da estrutura, para além do domínio da
metalurgia, escultura, pintura e química para a ornamentação, que
por sua vez tinham motivos baseados no conhecimento da história,
da teologia e da mitologia. Congregava, por isso, as mentes mais
brilhantes da época, e eram detentores de "segredos" como o
teorema de Pitágoras, ou o desenho de certos ângulos e figuras
geométricas a partir de instrumentos simples como um fio e dois ou

52
três pedaços de madeira.

Por essa razão, a par dos estatutos - que eram públicos e


regulavam a relação das corporações com a sociedade envolvente
– havia regulamentos que visavam a defesa dos segredos do ofício
e que, por não se pretenderem revelados, eram apenas oralmente
transmitidos de mestre para aprendiz ou de mestre para
companheiro. Porque a maioria da população dessa época era
analfabeta, essas técnicas, ao ser transmitidas, eram
"embelezadas" com histórias que constituíam mnemónicas que
pretendiam ajudar a que não esquecessem os passos da sua
execução. Por outro lado, estas "histórias" permitiam que as
técnicas fossem referidas simbolicamente entre quem as
conhecesse sem revelar o seu sentido oculto.

Não esqueçamos, ainda, o contexto físico em que tudo isto se


dava. Aquando da construção de um grande edifício, a primeira
edificação a efetuar-se era um barraco onde os pedreiros se
abrigavam, comiam, dormiam, guardavam as ferramentas e
passavam os tempos livres - as "lojas". Ainda hoje este termo é
usado em algumas regiões do nosso país para designar o espaço
térreo sob a zona habitacional, e onde se guardam os animais e as
alfaias agrícolas. Grupos de homens passavam aí juntos meses a
fio, e por vezes anos; por isso era importante minimizar-se os
conflitos, estabelecer uma hierarquia clara, e fomentar o espírito de
grupo. Ora, nada torna um grupo mais coeso do que o
estabelecimento de regras, costumes e valores partilhados. Não é
difícil imaginar a formação dos aprendizes orientada não só para o
aspeto prático do desempenho das funções como para o

53
estreitamento destes laços entre os que habitavam a mesma loja.

Por outro lado, numa época em que as comunicações entre


povoações mais longínquas podiam demorar semanas ou meses,
era comum o estabelecimento de meios de reconhecimento; assim,
quem chegasse a uma terra estranha e se dirigisse a alguém
dizendo-se enviado por fulano, podia simplesmente identificar-se
revelando um segredo apenas conhecido deste e do seu
interlocutor. Deste modo, fazia parte dos segredos de algumas
associações de artesãos os meios pelos quais se poderiam fazer
reconhecer noutra terra ou perante um estranho que aparecesse.

Havia, por fim, outra razão para que algumas das técnicas não
fossem reveladas. Numa época de grande superstição e
ignorância, a simples aplicação de uma técnica científica podia ser -
e era-o frequentemente - interpretada como bruxaria ou invocação
de demónios. Não será, de facto, muito mais cómodo atribuir o
sucesso alheio à ação de forças sobrenaturais do que admitir o seu
mérito e, eventualmente, a sua superioridade intelectual? Para
evitar "contratempos" dessa natureza é que muito do conhecimento
da época, especialmente o ligado à química e à matemática, era
cuidadosamente ocultado, não fosse confundido com artes de
bruxaria ou adivinhação... Manter e saber guardar um segredo era,
assim, mais do que o mero cumprimento de um dever ou a defesa
do ganha-pão: era uma verdadeira "técnica de sobrevivência".

Paulo M.

54
O teórico da conspiração

August 11, 2010

Tendo mostrado, no conjunto de textos anteriores, como uma


simples e fácil busca de alguma informação desmonta uma das
mais persistentes teorias da conspiração envolvendo a Maçonaria,
uma última ponta sobra para desenredar este afinal tão simples
novelo: como é possível que uns criem tão toscas atoardas e outros
tão candidamente nelas acreditem?
É possível porque a capacidade humana de fazer o inesperado é
verdadeiramente inesgotável, digo eu!

Criar tão toscas atoardas decorre, ou de simples e canhestra má fé


de quem procura atingir quem não gosta e inventa parlapatices
para enganar os incautos - e desses não curo, porque a

55
desonestos não dou importância -, ou de inesperada incapacidade
de ajuizar com lógica sobre factos desconexos - e a estes, bem
vistas as coisas, nem sequer censuro, porque quem a mais não
pode, a mais não está obrigado.

Os verdadeiros teóricos da conspiração - porque os outros, os


desonestos, são apenas cáfila inconsiderada e inconsiderável, de
má memória e nula honra - são pessoas com uma incapacidade
atroz de analisar factos dispersos com um mínimo de lógica,
relacionando o que não é relacionável, generalizando o que não é
suscetível de generalização (e pouco o é!), unindo o que não tem
ponta por onde se lhe pegue. Qualquer boato assume o cariz de
verdade absoluta, qualquer hipótese, por muito absurda que seja,
atinge foros de certeza inabalável, qualquer especulação se
transforma em verdade absoluta, num desvario em que a
imaginação se sobrepõe à razão, o sonho à realidade, a hipótese à
verificação.

O homem de ciência formula hipóteses e testa-as


experimentalmente. Se as hipóteses se confirmam, em
experiências repetidas e repetíveis, passam a ser consideradas
verdades científicas; se as experiências não confirmam as
hipóteses, disso busca o cientista ensinamento para, à luz dos
resultados obtidos, formular novas hipóteses, que submeterá de
novo à prova de fogo da experimentação.

O teórico da conspiração, pelo contrário, encanta-se por uma


hipótese que assola o seu espírito e toma-a por verdadeira e
apregoa-a como tal, não só sem se preocupar em testá-la através

56
da experiência, como rejeitando toda e qualquer demonstração da
inveracidade da sua adorada iluminação.

O cientista quer saber. Ao teórico da conspiração apenas interessa


a sua especulação, elevada por artes da sua vontade ao patamar
do que ele passa a considerar verdade absoluta e inderrogável.

O teórico da conspiração tem, mais que uma incapacidade, um


desinteresse inato pela verificação das suas mirabolantes
hipóteses, pela busca de informação que confirme, alicerçando, ou
infirme, derrubando, a sua querida efabulação.

Que ninguém venha com os seus factos perturbar os belos


argumentos de um teórico da conspiração - não só não são,
sequer, ouvidos esses factos, como o que ousa atalhar com a
simples e chã lógica é repelido como conspirador, cujo único
objetivo é impedir, subverter, dificultar, o conhecimento
generalizado da "verdade" proclamada pelo teórico da conspiração.
Simples factos - verificáveis - são inaptos para abalar qualquer dos
brilhantes argumentos do teórico da conspiração.

Ao teórico da conspiração não importa se e vero; basta-lhe que lhe


pareça bene trovato.

O teórico da conspiração efabula alegremente ao sabor da sua


inspiração, de forma a denegrir quem não gosta, ao arrepio da
lógica, da razoabilidade, da verdade. Relacionar factos dispersos
ao sabor da sua imaginação criadora, extraindo conclusões que se
não podem extrair, vendo tenebrosas ligações entre factos

57
independentes e coincidentes apenas pela força das coisas, é a
sua especialidade, amorosamente cultivada contra e acima de tudo
e de todos.

O teórico da conspiração facilmente extrai uma curiosa conclusão,


por exemplo, deste acervo de factos, cada um por si verdadeiro,
mas não relacionáveis necessariamente:

- A Loja Mestre Affonso Domingues trabalha no Rito Escocês


Antigo e Aceite;
- A cor do Rito Escocês Antigo e Aceite da Maçonaria é o vermelho;
- A cor da camisola do equipamento principal do Benfica também é
o vermelho;
-Os maçons Rui Bandeira, José Ruah e JPSetúbal são obreiros da
Loja Mestre Affonso Domingues
- O maçom Rui Bandeira é adepto do Benfica; o maçom José Ruah
também; o maçom JPSetúbal, idem;
- Os maçons não revelam a identidade, os nomes, dos outros
maçons (que, sendo ainda vivos, não se tenham assumido
publicamente como tal) - ou seja, a quem lhes pergunta,
respondem: No Names, Boy!;

CONCLUSÃO (obviamente brilhante e irrefutável): a claque adepta


do Benfica No Name Boys foi criada pela Loja Maçónica Mestre
Affonso Domingues!!!!

Pouco importa que isto não tenha qualquer lógica, que se extraiam
conclusões de factos não interrelacionáveis. Uma vez que à mente
do teórico da conspiração assole esta ideia, passa, de imediato, à

58
categoria de Verdade Irrefutável, a ser divulgada e repetida, à
exaustão, contra toda e qualquer demonstração da sua
irrazoabilidade!

E isto não é o pior!

O pior é que, mal um teórico da conspiração lance esta excelsa


"verdade", logo outro não menos diligente teórico da conspiração
fará mais uma "extraordinária descoberta":

- Vários elementos da claque No Name Boys foram condenados,


em 1.ª instância (no momento em que escrevo isto a sentença
ainda não transitou em julgado, mas isso não interessa nada, para
um teórico da conspiração que se preze...) por tráfico de drogas e
posse de armas proibidas.

SEGUNDA CONCLUSÃO (não menos brilhante e obviamente não


menos irrefutável):

Os maçons fazem tráfico de droga e possuem armas proibidas!!!

O exemplo é obviamente exagerado e disparatado (chama-se a


isto, em Lógica, a Demonstração do Erro pelo Absurdo). Mas não
ponho as mãos no fogo de que, um dia deste, não apareça um
iluminado qualquer a clamar que os No Name Boys são todos
maçons e que os maçons fazem tráfico de droga e possuem armas
proibidas... invocando em abono da sua tese este texto, ao abrigo
do princípio (obviamente irrefutável...) com a verdade me
enganas...

59
Que os teóricos da conspiração, pobres espíritos que a mais não
alcançam, se entretenham com alarvidades deste género, isso a
mim não me preocupa. Afinal, dos simples é o Reino dos Céus... O
que me admira, me faz abrir a boca de espanto, é que gente
manifestamente inteligente, e culta, e capaz, aceite sem sombra ou
rasto de espírito crítico, as baboseiras espremidas de tão simplórios
espíritos, no fundo e afinal numa mistura de crendice acéfala com a
mais pura preguiça de verificar a veracidade de factos e da sua
efetiva possibilidade de relacionação.

Que um simplório qualquer tenha parido a abstrusa tese de que os


maçons - vá-se lá saber porquê, para quê e com que vantagens -
conseguiram, à socapa e à falsa fé do Povo, inserir símbolos seus
na nota de um dólar americano, não me preocupa. O que me
perturba é que, anos passados, ainda haja gente inteligente, culta e
capaz que acredite nisto, sem sequer se dar ao trabalho de gastar
cinco minutos (não precisa de mais...) para verificar a perfeita
insanidade deste disparate!

Mas isto sou eu, que me sinto incomodado por estes maçadores
dos teóricos da conspiração andarem para aí a denunciar tudo e
todos e temo que ainda descubram o meu maçónico plano de
agente de forças extraterrestres para dominar a Terra e entregar,
de mão-beijada, a sua escravizada população ao domínio dos
senhores de Sirius, que há uma mão-cheia de anos deram uns
quantos segredos aos meus antepassados maçons, para com eles
executarmos tão execrando plano (Uupppsss! Entusiasmei-me...
Isto não era para escrever... Era segredo... Façam de conta que

60
não leram esta última frase e continuem felizes enquanto
preparamos o dia do Domínio Final...).

Rui Bandeira

61
A Maçonaria: tecnologia avançada (IV)

August 13, 2010

A admissão de um aprendiz numa Loja operativa não era feita em


privado; pelo contrário, envolvia todos os obreiros. Feita à noite -
depois de um dia de trabalho - envolvia um ritual durante o qual era
exposta ao aprendiz a história e importância da arte, salientado o
privilégio que era para ele ser admitido, e explicado o que dele se
esperava. A progressão de um artesão era, assim, uma cerimónia
em que, envergando os seus trajes e instrumentos de trabalho -
nomeadamente o avental e as luvas - para acolher no seu seio um
novo membro, participavam quantos já por ela haviam passado.

Para além da transmissão de conhecimento tecnológico, era


inculcado no recipiendário todo um conjunto de ensinamentos
históricos, religiosos, mitológicos e morais. A utilidade e o âmbito
desses ensinamentos, por sua vez, ultrapassava de longe o do
mero trabalho da pedra. Podemos compará-los - evidentemente,
com alguma latitude de conceito - aos ensinamentos de deontologia
e ética que são, ainda hoje, essenciais ao ingresso, por exemplo,

62
nas Ordens dos Médicos ou dos Advogados, mas com um espírito
que os tempos modernos já perderam. Na prática, estes rituais -
com uma grande componente mística - giravam em torno da leitura
das "old charges", episódios retirados da bíblia, da História, da
lenda ou do imaginário que descreviam a importância, ascendência
e grandes feitos dos construtores ao longo dos tempos, e
mostrando serem eles os Mestres da Geometria. Um dos mais
antigos manuscritos das "old charges" que persistiu até aos nossos
dias remonta a 1588; encontra-se no museu da Grande Loja Unida
de Inglaterra, e consiste num rolo de papel com a altura de um
homem e um palmo de largura.

Mesmo no final do século XVI dá-se na Escócia um evento


essencial ao surgimento da maçonaria moderna: William Schaw,
funcionário da Coroa, leva a cabo a tarefa de regular o
funcionamento das lojas que, até então, eram completamente
autónomas. Fá-lo através de dois textos fundamentais, conhecidos
pelos "Estatutos de Schaw", dois textos legais aprovados pela
Coroa da Escócia - um em 1598 e o outro em 1599 - que, pela
primeira vez, organizavam os pedreiros escoceses em entidades
chamadas "lojas" e os sujeitavam a obrigações administrativas.
Entre estas contava-se o pagamento de uma jóia para admissão
nas lojas, a formalização da estrutura das reuniões, e a
obrigatoriedade de existir um secretário que registasse o sucedido
em todas as reuniões - aquilo a que hoje chamamos "atas" - o que
permite que, por exemplo, a "Mary's Chapel Lodge" tenha registos
ininterruptos das reuniões dos últimos mais de 400 anos.

Ficava também formalizado e regulado um antigo costume dos

63
maçons operativos: o uso de senhas e sinais secretos. De acordo
com o nível de conhecimento que um maçon obtinha, à medida que
progredia na arte, era informado de certas palavras ou certos sinais
de reconhecimento. Agora, de acordo com os estatutos de Schaw,
tomava carácter obrigatório outro costume: a proibição de um
Mestre dar trabalho a um operário a não ser que este lhe desse a
sua "chave": a palavra e/ou o sinal que atestavam que estava
capacitado a fazer determinado tipo de trabalhos.

Curiosamente, os Estatutos contemplam também um sistema de


mnemónicas, de memorização. Recorde-se que, não obstante a
maior parte dos artesãos ser iletrada - não sabiam nem ler nem
escrever - era necessário que não esquecessem o que aprendiam.
Para esse efeito, era-lhes ensinado um sistema de memorização a
que os oradores do período Clássico recorriam para não
esquecerem os leus longos discursos. Baseado na visualização
mental de um edifício com várias divisões, cada uma com vários
objetos, cada um dos quais se associava à ideia que se pretendia
recordar, consistia na deambulação mental pelo edifício evocando
os símbolos em sucessão. É deste método que vêm as "tábuas de
traçar" ("tracing boards") ainda hoje usadas em Loja.

A partir de certa altura as lojas operativas terão aceite no seu seio


pessoas que não trabalhavam a pedra: nobres, burgueses, oficiais
do exército, em suma, pessoas de estratos sociais mais elevados,
conhecidos por "gentlemen masons". Os primeiros destes eram
aristocratas com funções dentro do governo, e responsáveis pela
edificação de palácios, castelos e afins, pelo que havia com os
mesmos uma ligação laboral. Por um lado, essas pessoas

64
buscavam o conhecimento que era transmitido nas lojas, e que, por
ser secreto, gerava curiosidade, para além do prestígio que a sua
nova qualidade de membros lhes conferia. Por outro lado, as lojas,
apesar de serem organizações conceituadas e prestigiosas, mais
prestígio ganhavam através do reconhecimento social destes seus
novos membros. Estes, durante a iniciação como aprendizes nas
Lojas, recebiam, além dos segredos, o avental e as luvas (uma vez
que não dispunham dos seus próprios objectos de trabalho), e era
a última vez que eram vistos: apenas vinham por causa do fascínio
com os segredos, e não estavam propriamente interessados no
convívio com os trabalhadores.

A aura das lojas operativas prolongou-se até ao tempo dos Tudor,


altura em que os pedreiros começaram a perder relevância em
virtude do início do uso do tijolo, muito mais barato do que a pedra,
que levou ao progressivo abandono desta última, usada a partir daí
apenas nas partes mais nobres dos edifícios. Foi assim que, pelo
início do século XVII já não havia em Londres lojas operativas em
funcionamento. Não fora a admissão dos "gentlemen masons" e as
Lojas ter-se-iam extinto de todo; contudo, à medida que o número
destes foi suplantando o de membros operativos, foi mudando o
funcionamento e o propósito das Lojas. Já não se dedicando à
construção de edifícios de pedra, construiam agora templos
simbólicos em que cada um aparava e polia as suas próprias
asperezas de caráter no sentido de se tornar uma pessoa melhor,
tomando com base as regras morais da maçonaria operativa, e
como símbolos os instrumentos de trabalho desta bem como as
mnemónicas que serviam para recordar as suas lições
tecnológicas. Enquanto se extinguia a Maçonaria Operativa, ia

65
surgindo em seu lugar a Maçonaria Especulativa.

Referências:
http://libcom.org/library/trade-guilds-initiation-through-work-andre-nataf
http://www.scottishkey.com/

Paulo M.

66
A Maçonaria: tecnologia avançada (V)

August 16, 2010

Na Inglaterra de meados do século XVII o poder do Rei e da Igreja


começavam a ser postos em causa por toda uma classe média
emergente, o que levou à guerra civil que devassou a Inglaterra
entre 1642 e 1649 e à execução de Carlos I, o que deixou a
Inglaterra sem rei. Sob um governo republicano liderado por Oliver
Cromwell, a Inglaterra foi governada a ferro e fogo no período de
pós-guerra (de 1649 a 1660), depois do que o Parlamento
restaurou a Monarquia, tendo Carlos II - filho de Carlos I - sido
coroado a 1661, com a idade de 30 anos. Um ano depois casaria
com Catarina de Bragança. Carlos II, favorável à causa da
liberdade religiosa e patrono das artes e da ciência, ficou conhecido
como o Merrie Monarch, o Rei Alegre, quer pela sua boa disposição
e pelo hedonismo da sua corte, como pelo alívio pelo retorno à
normalidade após o governo de Cromwell.

67
Enquanto as autoridades política e religiosa em Inglaterra se
encontravam diminuídas e fragilizadas - e eram agora mais fonte de
desavença do que de união - surgia no Mundo um novo paradigma
entre os meios intelectuais da época: o do primado da razão como
fonte de legitimidade e de autoridade, num movimento que veio a
ficar conhecido como Iluminismo. Este é, historicamente,
coincidente com o século XVIII, mas as suas raízes podem ser
encontradas algumas décadas antes.

Encontramos, logo após a guerra civil inglesa, a sociedade londrina


efervescente de associações e clubes onde os cavalheiros podiam
socializar uns com os outros; as temáticas decorriam dos novos
interesses da época. Assistia-se, ao mesmo tempo, ao declínio das
irmandades (associações de homens, normalmente profissionais do
mesmo ramo, com fins de assistência mútua na doença ou na
morte), que existiam desde o século XI; para congregar as pessoas
já não bastava a ideia de assistência mútua. Foi neste contexto
que, em 1660, com o propósito de juntar vários tipos de homens no
estudo da Ciência, foi fundada a Royal Society. Robert Moray - um
alto oficial do exército e também defensor da tolerância religiosa -
conseguiu o apoio da família real para a sua fundação. A Royal
Society, de que Moray viria a ser o primeiro presidente, tinha uma
característica curiosa: não se iniciava aí discussões sobre política
ou religião; falava-se de Ciência. Esta sociedade obteve
considerável sucesso, graças ao qual a revolução científica atingiu
a Europa através da obra de Isaac Newton, que propunha a visão
de um mundo que obedecia a regras passíveis de ser formuladas e
entendidas pela mente humana.

68
Ora, Robert Moray fora iniciado maçon na Mary's Chapel Lodge, e
não foi o único "gentleman mason" iniciado numa loja escocesa.
Havia muitos outros que, juntando-se em Lojas em Londres ou
constituindo clubes, trariam para esta cidade esta visão, esta forma
de estar na vida. Sabemos hoje que muitos dos membros da Royal
Society se interessavam pelos clubes maçónicos que acabavam de
surgir, pois encontravam neles uma mistura dos princípios
científicos e racionais que acarinhavam com os princípios morais a
que aspiravam, de mais a mais embelezados por uma rica teia de
ensinamentos místicos, o que a tornava muito atrativa.

A Maçonaria tornou-se, deste modo, na principal "corrente" - se


assim se lhe pode chamar - de clubes de cavalheiros. É verdade
que, à semelhança dos outros clubes que surgiam, as lojas
constituíam um ambiente onde homens de diferentes convicções
religiosas e políticas podiam encontrar-se e confraternizar
amigavelmente; contudo, o que a Maçonaria tinha que as outras
sociedades não tinham era um propósito mais sério, por assim
dizer: tornar os seus membros em pessoas melhores, ensiná-los a
ser cidadãos dos seus países, e incentivá-los a cultivar-se
intelectualmente.

Através dos primeiros gentlemen masons, oriundos da clique


intelectual da época, a Maçonaria abraçara os valores de um
Iluminismo que dava os primeiros passos, cunho que se manteria
até aos dias de hoje. Os gentlemen masons tinham conseguido
propagar um novo paradigma de autoridade, um novo conjunto de
princípios, um novo edifício ético. Tomaram os ideais do Iluminismo
e um conjunto de princípios morais transversais às várias

69
denominações religiosas da época, enformaram-nos num clube de
cavalheiros com tradições seculares, e tornaram-nos apelativos ao
cidadão vulgar. Finalmente, após as guerras religiosas e civis, após
os ódios fratricidas, a Inglaterra dispunha de um movimento
unificador que, em torno de uma espiritualidade não sectária, para
além dos partidos e das religiões, juntasse homens que de outro
modo se manteriam para sempre afastados.

De 24 de Junho de 1717 - data da fundação, em Londres, da


primeira Grande Loja do mundo por quatro Lojas Maçónicas - a
1723 formaram-se, só em Londres, já mais de 30 Lojas Maçónicas,
número que explodiu nos anos que se seguiram, com gente de
todas as classes a juntar-se à Maçonaria. Os segredos e os
conhecimentos tecnológicos dos antigos pedreiros estavam agora
ao alcance de todos. As lições morais e a postura perante a própria
existência retiradas dos antigos símbolos, associados aos
princípios do Iluminismo, viriam a mudar primeiro a sociedade
Inglesa, e depois o resto do mundo.
Referências:
http://libcom.org/library/trade-guilds-initiation-through-work-andre-nataf
http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_II_of_England
http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Moray
http://en.wikipedia.org/wiki/English_Civil_War

Paulo M.

70
Religião e espiritualidade

August 18, 2010

Raramente publico aqui no blogue textos que não são escritos por
mim. Mas toda a regra tem exceções, quando as exceções o
justificam. É o caso do texto que abaixo segue. Recebi-o através do
Grupo Maçônico Orvalho do Hermon. Não confirmei a factualidade.
mas a confiança em meus Irmãos do Grupo leva-me a não duvidar
da mesma. E o texto do pastor Ed René Kivitz é de primeira água -
e merece ser divulgao, lido e, sobretudo meditado.
Primeiro o enquadramento factual, tal como o recebi na mensagem
do Grupo Maçônico Orvalho do Hermon:

71
No dia 1°/Abr/2010, o elenco do Santos, atual campeão paulista de
futebol, foi a uma instituição que abriga trinta e quatro pessoas. O
objetivo era distribuir ovos de Páscoa para crianças e adolescentes,
a maioria com paralisia cerebral.
Ocorreu que boa parte dos atletas não saiu do ônibus que os levou.
Entre estes, Robinho (26a), Neymar (18a), Ganso (21a), Fábio
Costa (32a), Durval (29a), Léo (24a), Marquinhos (28a) e André
(19a), todos ídolos super-aguardados.
O motivo teria sido religioso, a instituição é espírita, o Lar Espírita
Mensageiros da Luz, de Santos-SP, cujo lema é Assistência à
Paralisia Cerebral
Visivelmente constrangido, o técnico Dorival Jr. tentou convencer o
grupo a participar da ação de caridade. Posteriormente, o Santos
informou que os jogadores não entraram no local simplesmente
porque não quiseram.
Dentro da instituição, os outros jogadores participaram da doação
dos 600 ovos, entre eles, Felipe (22a), Edu Dracena (29a), Arouca
(23a), Pará (24a) e Wesley (22a), que conversaram e brincaram
com as crianças.
Eis que o escritor, conferencista e Pastor (com P maiúsculo) ED
RENÉ KIVITZ, da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), fez
uma análise profunda sobre o ocorrido e escreveu o texto abaixo
que tenho o prazer de compartilhar.
No Brasil, futebol é religião, por Ed Rene Kivitz

Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua


defesa.Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O
mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por
isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a

72
superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas
categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da
religião.
A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e
códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está
fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma
das tradições de fé.
Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai
para o inferno; ou se Deus é a favor ou contra à prática do
homossexualismo; ou mesmo se você tem que subir uma
escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o
favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você
começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a
ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se
o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo
religião. Quando você fica perguntando se a instituição social
é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está
discutindo religião.
O problema é que toda vez que você discute religião você
afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a
intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de
Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os
adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva,
de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de
adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à
sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir
enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio
através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome
de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se

73
passar por Deus.
Mas, quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis,
em valores como reconciliação, perdão, misericórdia,
compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no
horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições
religiosas. E quando você está com o coração cheio de
espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a
paz.Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os
diferentes, faz com que os discordantes no mundo das
crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação
do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala,
independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.
Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica
no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que
a sua religião ensina ou pelo menos deveria ensinar, você
desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que
sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.
Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico, e santista desde
pequenininho.
Não sei se o Pastor Ed René Kivitz é ou não maçom. Nem sequer
sei se ele aprecia os maçons. Sei que concordo em todas as
frases, em todas as palavras, em todas as letras, com o que o
Pastor escreveu.
Isto é o que a Maçonaria ensina. Isto é o que os maçons devem e
procuram aprender. Que seja ensinado por quem, porventura, não
é maçom, não interessa nada. Porque as boas lições são para
serem aprendidas, venham de onde vierem. Hoje tenho muita
honra em bradar que aprendi com este texto e em aqui o publicar
para que outros possam também com ele aprender.

74
Rui Bandeira, maçom, advogado e benfiquista desde pequenininho.

75
A Maçonaria: tecnologia avançada (VI - Epílogo)

August 20, 2010

Muitos dos "segredos" da maçonaria operativa - especialmente os


ligados à engenharia, à arquitetura e à ciência - fazem hoje parte
do conteúdo curricular de cursos do ensino superior - e alguns
mesmo do ensino obrigatório. Outros ainda, mais ligados à técnica
do trabalho artesanal da pedra, ter-se-ão perdido
irrecuperavelmente por falta de aprendizes que perpetuassem a
arte. Outros, de cariz mais simbólico, apesar de subsistirem, terão
distorcido o seu significado a ponto de ser irreconhecível o seu
sentido original. A "tecnologia avançada" da época, que as Lojas
tão ciosamente guardavam, deixou de ser sigilosa, encontrando-se
hoje - com mais ou menos estudo - ao alcance de todos.

76
Por tudo isto, é inegável que a Maçonaria actual não tenha quase
nada em comum com a maçonaria operativa da Idade Média.
Então, o que é hoje a Maçonaria? A chave desta questão
encontra-se na forma como a própria Maçonaria se define: "A
Maçonaria é um sistema peculiar de moralidade, velado por
alegorias e ilustrado por símbolos". A Maçonaria é, portanto, um
sistema de moralidade, e um que, como vimos já, abraça os
princípios do Iluminismo - com o primado da razão enquanto fonte
de autoridade e legitimidade - bem como a tolerância religiosa. A
Maçonaria, não obstante partindo do princípio da imortalidade e da
crença num princípio criador regular e infinito, apresenta uma
conceção do mundo afastada da ignorância, do obscurantismo e da
superstição, promovendo a busca da virtude, entendida como a
força de fazer o bem no seu sentido mais lato do cumprimento dos
nossos deveres para com a sociedade e para com a nossa família
sem interesse pessoal. A ética da Maçonaria é, por outro lado, uma
ética de trabalho, não pondo nenhum obstáculo ao esforço na
busca da verdade, nem reconhecendo outro limite nessa busca
senão o da razão.

Esse "sistema de moralidade" não é apresentado de uma vez; os


princípios vão sendo apresentados de forma progressiva, e vão
sendo desvendados novos "segredos" através de histórias
alegóricas - que mais não são do que pontos de partida para a
reflexão sobre potenciais imperfeições da nossa existência com o
fim do auto-aperfeiçoamento. Por outro lado, as alegorias não são
apresentadas de forma inequívoca, tendo cada um a liberdade de
retirar delas os ensinamentos que lhe sejam mais proveitosos, o
que é rigorosamente respeitado e promovido. Os símbolos, do

77
mesmo modo, não têm significados universais, podendo ser
interpretados por cada um da forma que entenda. A par de todo o
aperfeiçoamento moral e espiritual, promove-se um saber
diversificado, muito para além da especialização profissional que é
a norma do nosso tempo. Cada um é, por exemplo, incentivado a
apresentar oralmente trabalhos que tenha escrito e que podem ser
sobre qualquer tema que possa interessar os obreiros da Loja, o
que, promove para além do conteúdo apresentado, a prática da
Retórica e da Gramática. Enquanto tudo isto sucede, vai cada um
aprendendo a respeitar a posição alheia, mesmo que com ela não
concorde; a calar um reparo se do mesmo não resulte senão a
quebra da harmonia; a exercer a sua Liberdade dentro dos limites
que a Igualdade e a Fraternidade impõem.
Mas então, porque continua a Maçonaria a manter "segredos" já
revelados? Porque é que se continua a imitar uma profissão extinta,
e a perpetuar lendas e símbolos de outros tempos? Por outras
palavras, porque é que a Maçonaria é o que é, e porque é que, na
Maçonaria, se faz o que se faz, e do modo que se faz? A resposta
não poderia ser mais simples: porque funciona. De facto, o passar
dos séculos tem demonstrado ter a Maçonaria uma metodologia
eficaz de propagação dos princípios que esta acarinha e
representa.

Por outro lado, pode dizer-se ser o seu "tradicionalismo" uma das
causas da sua longevidade e, contrariamente a tantas associações
que aparecem e desaparecem num curto espaço de tempo, a
Maçonaria não tenciona deixar de existir de um dia para o outro. De
facto, é inegável que nas sociedades atuais, como no século XVII,
grassa a ignorância e a mediocridade, prevalece o

78
fundamentalismo e o preconceito, e o oportunismo sobrepõe-se à
retidão de princípios. Os propósitos da Maçonaria estão ainda
longe de se ter concretizado, e longe de se ter esgotado os motivos
da sua existência. Por esta razão, enquanto houver Homens com o
firme propósito de se melhorar, de aprender a viver em proximidade
com perspetivas diferentes das suas e de praticar a virtude e o
bem, haverá lugar para que, por seu intermédio, a Maçonaria torne
o mundo num lugar mais justo e mais perfeito.
Paulo M.

79
O Grifo

August 21, 2010

O grifo é um animal mitológico com corpo de leão e cabeça e asas


de águia. O leão era considerado o rei dos animais, e a águia o rei
das aves, pelo que o grifo era considerado uma criatura majestosa
e poderosa. Os grifos eram conhecidos por guardar tesouros e
outros bens sem preço.

Ora, o que poucos saberão é que este "tesouro" que é o


A-Partir-Pedra tem um grifo a guardá-lo! Senão vejamos: a Águia é
o símbolo do Benfica; e quem nasceu a 21 de Agosto é do signo
Leão. Consequentemente, um Benfiquista que faça hoje anos é um
Grifo: meio Águia e meio Leão!!!

80
Parabéns, Rui Bandeira! Um grande abraço, e um dia feliz!

Paulo M.

81
Os sinais de reconhecimento

August 23, 2010

Um dos segredos que os maçons devem guardar consiste nos


sinais, palavras e toques próprios de cada um dos graus. A sua
origem - os sinais pelos quais um artesão da maçonaria operativa
identificava as suas aptidões perante mestres que o não
conhecessem - já foi aqui sobejamente explicada. Mas quais a sua
utilidade e significado atuais?

Desde o século XVIII que há exposés, ou revelações, de rituais


maçónicos. Como seria de esperar, uma vez que cada Grande Loja
tem autonomia para alterar os seus rituais - o que costumam fazer
com alguma regularidade - rapidamente os sinais de
reconhecimento estabelecidos nos rituais terão sido alterados em
reacção a essas "inconfidências". Também não surpreenderá que,
em função dessas alterações, os sinais de reconhecimento não
sejam, hoje em dia, os mesmos nem em todo o mundo, nem em
todos os ritos, nem em todas as obediências. Há variações, pelo

82
que os maçons são delas instruídos para que possam reconhecer
irmãos apesar das diferenças.

Entenda-se, por outro lado, que estes "meios de reconhecimento"


são meramente rituais. O que é que isto significa? Significa que, em
primeiro lugar, são usados no contexto das sessões rituais, e do
acesso às mesmas. Assim, se um maçon se dirigir a um templo
onde se vão reunir irmãos de outra Loja na qual não seja
conhecido, e pretender assistir à sessão, é quase certo que o farão
identifica-se através dos sinais rituais de reconhecimento. No
entanto, quase certo é também que não se fiquem por aí. Nos
nossos dias a maioria das Obediências emite cartões em nome e
para uso dos seus obreiros que atestam estarem os mesmos com a
sua situação regularizada. É também costume as Obediências
emitirem, a pedido, o chamado "Passaporte Maçónico", que permite
a identificação do seu portador perante Obediências estrangeiras.
Sem qualquer destes documentos, e sem que sejamos conhecidos,
é não só possível como quase inevitável vermos a nossa entrada
negada numa sessão de Loja. E fora de uma sessão de Loja?
Espero que ninguém imagine os maçons a fazer macaquices e
"sinais secretos" a estranhos, não vá dar-se o caso de eles serem
maçons também... Fora de Loja os maçons, ou já se conhecem
previamente, ou reconhecem-se pela sua postura, forma de estar
na vida e princípios que defendem.

Dados os modernos meios de identificação (cartões, passaporte


maçónico, etc.), a utilidade original dos sinais de reconhecimento é
reduzida. Por que se mantêm então, e qual a razão do seu
secretismo? Não nos esqueçamos de que a Maçonaria se socorre

83
de símbolos e alegorias para transmitir os seus ensinamentos.
Assim, os segredos de grau recordam a cada maçon que deve ser
um homem honrado, de bons costumes, capaz de guardar para si
um segredo que lhe tenha sido confiado. Por outras palavras, os
maçons guardam segredo desses sinais de reconhecimento, uma
vez mais, por uma razão muito simples: porque juraram fazê-lo.

Paulo M.

84
O terceiro Grão-Mestre

August 25, 2010

O terceiro Grão-Mestre da GLLP/GLRP foi José Manuel Morais


Anes. Exerceu essas funções entre 2001 e 2004. Coube-lhe
assumir a tarefa da retomada da normalidade, após o tumultuoso
mandato do seu antecessor. Garantida que fora por este a
continuação do reconhecimento internacional da GLLP/GLRP como
a única Potência Maçónica Regular em Portugal, José Manuel
Anes, na frente internacional consolidou a normalização das
relações. Com ele, virou-se a página e retomou-se o caminho.

Também na frente interna o mote do trabalho do Grão-Mestre José


Manuel Anes foi a retomada e consolidação da normalidade.
Paulatina mas firmemente, deixou bem claro que o passado era
passado e que, mais do que recordar eventos, o que interessava
era que cada um prosseguisse o seu trabalho de aperfeiçoamento
pessoal, que cada Loja exercesse a sua função de enquadramento
e catalisador do trabalho dos seus elementos.

85
Bem-disposto, bonacheirão, sempre com um sorriso na cara, José
Manuel Anes transmitiu a todos a sua confiança. E o seu mandato
foi um percurso em crescendo para a normalidade...

O Grão-Mestre José Manuel Anes recebeu uma Grande Loja ainda


marcada pelos eventos que ofuscaram o mandato do seu
antecessor e transmitiu ao seu sucessor uma Grande Loja
estabilizada, confiante e em velocidade de cruzeiro. Podemos e
devemos, sem dúvida alguma, considerar, com toda a justiça, que
foi o homem certo a segurar na altura certa o leme da Grande Loja
Legal de Portugal / GLRP.

Eis o seu currículo, reunindo informação registada no sítio da


GLLP/GLRP e na página a ele dedicada na Wikipédia:

Nascido em Lisboa a 21-6-1944.

Residente na Costa da Caparica.

Licenciado em Química, pela Faculdade de Ciências de Lisboa, em


1975 (Bacharel em 1973).

Nos anos 70 foi assistente de Biomatemática na Faculdade de


Medecina de Lisboa (HSM) - 1976-77 e 1977-78 - e, tendo sido
equiparado a bolseiro, frequentou um curso de pós-graduação em
Química-Física Inorgânica na Fac. de Ciências da Universidade
Complutense de Madrid e estagiou em Catálise e Catalisadores no
Instituto de Química-Física do Conselho Superior de Investigações
Científicas de Madrid. Foi durante vinte anos Perito Superior de
Criminalística do Laboratório de Polícia Científica da P.J.;

86
actualmente está na situação de aposentado.

Desde 1986,é docente convidado de Matemáticas para as Ciências


Humanas do Departamento de Antropologia da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
Faculdade onde tem lecionado também Métodos Quantitativos no
Departamento de História, Estatística e no de Ciência Política;
desde o ano de 2000-2001, leccionou também, na FCSH da UNL, a
cadeira de Antropologia da Religião no Departamento de
Antropologia, nos anos de 2000-2001 e 2001-2002. Tem dado,
desde 1998, Cursos livres sobre História das Correntes Esotéricas,
Novos Movimentos Religiosos e "New Age", no Instituto de
Sociologia e Etnologia das Religiões da mesma Faculdade, e
também no Centro Nacional de Cultura, os último dos quais se
intitularam "Violência e Novos Movimentos Religiosos" e
"Esoterismo e Política". Foi Assessor Cultural da Fundação
Cultursintra, em 1996 e 1997, sendo Medalha de Prata da C.M. de
Sintra em virtude da sua iniciativa pessoal que conduziu à
classificação da Quinta da Regaleira pelo IPPAR como imóvel de
interesse público e também pelos estudos realizados (um dos quais
foi apresentado em Londres na Cornerstone Society - ver o resumo
da conferência em www.workingtools.org) e pela divulgação da
mesma Quinta. Foi Presidente da Academia de Estudos
Ibero-árabes (1995/97) e Vice-Presidente da Associação Fernando
Pessoa (1999-2000).

É membro correspondente em Portugal da Associação "ARIES" (de


Estudos e Informações sobre Esoterismo) dirigida pelo Prof.
Antoine Faivre da EPHE (Sorbonne), do CIRET (Centro de Estudos
sobre Transdisciplinaridade) dirigido por Basarab Nicolescu (Paris)

87
e das seguintes Associações de estudos dos Novos Movimentos
Religiosos: a francesa AEIMR dirigida por Bernard Blandre e a
italiana CESNUR (Torino) dirigida pelo Doutor Massimo Introvigne
(Torino). Foi Director da "Biblioteca Hermética" da Hugin Editores,
onde publicou obras de diversos autores, entre os quais Lima de
Freitas, Gilbert Durand, Adalberto Alves, Carlos Calvet, etc.

É um especialista de Correntes Esotéricas Ocidentais, sendo


membro da ESSWE- European Society for the Study of Western
Esotericism, dirigida pelos Profs. Wouter Hanegraaff (Univ.
Amsterdão) e Antoine Faivre (Jubilado da EPHE-Sorbonne).

Organizou, em 2000, a pedido da Câmara Municipal de


Cascais/Pelouro de Cultura, o Colóquio internacional "Fernando
Pessoa, o Esoterismo e Aleister Crowley" que contou com as
participações, entre outros, dos grandes especialistas universitários
de esoterismo e de "novos movimentos religiosos", Antoine Faivre,
Massimo Introvigne e Gordon Melton e dos pessoanos Maria Aliette
Galhós, Manuela Parreira da Silva e Luis Filipe Teixeira.

Escreveu prefácios para vários livros, os últimos dos quais para “O


Pensamento Maçónico de Fernando Pessoa” de Jorge de Matos
(Sete Caminhos, Lisboa, 2006) e “La Franc-Maçonnerie comme
Voie d’Éveil” de Rémi Boyer (Rafael de Surtis/Éditinter, Monts,
França, 2006).

Para além da sua formação em Criminalística, desde 1999, tem-se


dedicado também, no quadro da Socio-Antropologia,
particularmente no domínio do estudo da Violência em “Seitas” e
grupos religiosos radicais, tem sido Docente de cursos sobre

88
Violência Religiosa e Terrorismo Religioso, quer no ISER, a partir
de 2001, quer em 2006, na Reitoria da Universidade (Clássica) de
Lisboa, na Universidade Autónoma de Lisboa e na Faculdade de
Direito da Universidade Nova de Lisboa, num curso de
Pós-graduação e Mestrado em Estudos Avançados de Segurança e
Direito, onde lecciona as cadeiras de Violência Religiosa e de
Criminalística. É co-autor no livro “As Teias do Terror” (Ésquilo,
2006).

Foi (desde 2004) Vice-Presidente do OSCOT- Observatório de


Segurança, Crime Organizado e Terrorismo e é, desde o início de
2010, o seu Presidente. É Director da revista para o grande público
intitulada “Segurança e Defesa”.

Bibliografia publicada:

"Re-creações Herméticas", Hugin, Lisboa, 1ª. ed. 1996, 2ª. ed.


1997; "O Esoterismo da Quinta da Regaleira", Hugin, Lisboa, 1ª.
ed.1998, 2ª ed. 2000, 3ª ed. 2003. "Maçonaria Regular - Maçonaria
Universal" - Hugin, Lisboa, 2003. "Re-creações Herméticas - II" -
Lisboa, Hugin; “Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos” –
Lisboa, Ésquilo, 1ª. E 2ª. Eds., 2004;“Os Jardins Iniciáticos da
Quinta da Regaleira” – Lisboa, Ésquilo, 2005.
Com outros autores: "As Tentações de Bosh e o Eterno Retorno",
Lisboa, Museu de Arte Antiga, 1994; "Poesia e Ciência", Lisboa,
Cosmos/GUELF, 1994; "Caos e Meta-Psicologia", Lisboa,
Fenda/ISPA, 1994; "Religião e ideal maçónico", Lisboa, ISER,
1990); "Seminário sobre Newton", Évora, Universidade de
Évora/CEHFC, 1995; "Masoneria y religión", Madrid, Ed.
Complutense, 1996; "A Vivência do Sagrado", Lisboa, Hugin, 1998,

89
"A Quinta da Regaleira: história, símbolo e mito", Fundação
Cultursintra, 1998; "Portugal Misterioso", Lisboa, SRD, 1998;
"L'Âme secrète du Portugal", Paris, L'Originel, nº 9, 2000;
"L'Homme à venir - Mémoire du XXe.siècle - nº.2", Paris, Rocher,
2000; "Discursos e práticas alquímicas - I", Lisboa,
Hugin/CICTSUL, 2001; "Esoterismo e Humanidades"
-Colibri/Faculdade de Letras de Lisboa, 2001; "Discursos e práticas
alquímicas - II" - Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2002; "O Homem do
futuro - um ser em construção" - São Paulo -Br., Triom/USP, 2002;
"A Creação - La Création" - Lisboa, Atalaia/Intermundos, 2003; "Le
Sacré aujourd'hui" - Paris, Rocher, 2003; “Templiers: les yeux du
Baphomet” – Monts (Fr.), Rafael de Surtis/Editinter, 2004.

Percurso Maçónico

Foi iniciado Maçon no Grande Oriente Lusitano, em 1988, tendo


saído em 1990, para constituir a Grande Loja Regular de
Portugal-GLRP, onde fundou a Loja "Quinto Império" e onde foi
sucessivamente, até finais de 1996, Grande Inspector, Assistente
de Grão-Mestre e Vice Grão-Mestre. A partir de 1997, continuou a
integrar a Grande Loja Legal de Portugal/GLRP - potência regular
internacionalmente reconhecida pela Maçonaria Universal - de que
foi, a partir dos começos de 2001, Grão Mestre, até Março de 2004.

Foi de 1995 a 2000, Grão Prior do Grande Priorado Independente


da Lusitânia da Ordem dos CBCS (Altos Graus do Rito Escocês
Retificado).

É CBCS-Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (armado na


Prefeitura de Genève do Grande Priorado Independente da

90
Helvécia, de que é Membro de Honra), Cavaleiro maçónico de
Malta - KM (armado no Grande Priorado da Gálias, em Paris), do
Grande Priorado de Inglaterra e Gales) e 33º., Grau honorário do
Rito Escocês Antigo e Aceite (Supremo Conselho para Portugal).

É membro do Supremo Grande Capítulo do Arco Real de Portugal


e do Conselho Críptico para Portugal (Mestres Reais e Escolhidos)
- altos graus do Rito de York. É ainda Cavaleiro do Conclave
"Henrique de Borgonha" do Grande Conclave Imperial para a
França da Ordem Maçónica e Militar da Cruz Vermelha de
Constantino e das Ordens do Santo Sepulcro e de S. João
Evangelista. É IXº. Grau e membro honorário do Colégio dos
"Supreme Magus" da Sociedade Rosacruciana dos EUA ("Societas
Rosacruciana in Civitatibus Foederatis" e ainda membro da
"Societas Rosacruciana in Lusitania (SRIL).

É membro de honra da Loja "Oldest Ally" da Grande Loja Unida de


Inglaterra, Companheiro do Arco Real inglês (Capítulo "Benaventa"
de Northamptomshire), Cavaleiro Templário - KT de Honra
(Capítulo "Holy Cross" de Northamptonshire, "Supreme Ruler" da
Ordem inglesa do "Secret Monitor" e do Conclave "Olissipus
Fidelis" (a Oriente de Lisboa) da OSM, Cavaleiro Rosa Cruz da
Ordem Real da Escócia (Grande Loja de Edimburgo), Maçon de
Marca e do "Royal Ark Mariner" da Loja "Rose and Lilly" de Londres
e membro (em Inglaterra, do Conselho do Grão-Mestre) dos 5
Ordens que constituem os Allied Masonic Degrees: St. Laurence
the Martyr, Knight of Constantinople, Grand Tiler of Salomon, Red
Cross of Babilon e Grand High Priest. É Knight Templar Priest do
Tabernáculo «London Freemen» e membro da Sociedade
«Operatives».

91
É detentor das mais altas distinções do Grande Oriente do Brasil -
GOB, entre as quais, a Condecoração da "Estrela da Distinção
Maçónica" (Conferida pelo Grão Mestre Geral do GOB), Diploma e
Medalha de Honra ao Mérito "Gonçalves Ledo" (Conferida pelo
Grão Mestre do Grande Oriente do Estado de São Paulo, federado
ao GOB), Medalha do Mérito "Presidente Ivo Ramos de Mattos"
(Conferida pela Assembleia Estadual Legislativa do Grande Oriente
do Estado do Rio de Janeiro, federado ao GOB) e Medalha "Jubileu
de Prata do GOERJ- 2003" (Conferida pelo Grão Mestre do Grande
Oriente do Estado do Rio de Janeiro, federado ao GOB). É ainda
detentor da Medalha do "Mérito Montezuma" do Supremo Conselho
para o Brasil do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA (atribuída
pelo Soberano Grande Comendador).

É Grande Representante da Grande Loja do Estado de Nova


Jersey (EUA) , junto da GLLP/GLRP, da Grande Loja da Suécia
junto do Grande Priorado Independente da Lusitânia e Grande
Oficial de Honra da GL Real de Marrocos.

É membro correspondente das seguintes sociedades de


investigação maçónica: «Ars Quotur Coronati» (Inglaterra), «Villart
de Honnecourt» (França) e «Scottish Rite Research Society»
(EUA).

Rui Bandeira

92
Brincadeira de "gente crescida"

August 27, 2010

Perguntou um dos leitores habituais do A-Partir-Pedra, no


comentário ao texto "Os sinais de reconhecimento": "Continuo a
considerar tudo isto um brincadeira de “gente crescida”. Para quê?
Ensinamentos que os maiores filósofos do mundo não tenham
explicado?" A pergunta é tão pertinente que, tendo tencionado
inicialmente responder-lhe nos comentários, acabei por decidir
dedicar-lhe o texto de hoje.

Comecemos então por uma analogia. Existem milhentas formas de


perder peso: dietas equilibradas, dietas malucas, jejum, exercício
moderado, exercício pesado, exercício combinado com dietas,
bulimia, enfim... Há para todos os gostos. No fim, todas têm o
mesmo objetivo: perder peso. De uma forma mais lata, podemos
ainda explorar o objetivo "ser saudável". Aí entram, além das dietas
e do exercício, as pulseiras magnéticas milagrosas, os chás de

93
tudo e mais alguma coisa, as noites de sono bem passadas, as
almofadas mágicas, o auto-controlo, a alternância equilibrada entre
períodos de descanso e períodos de trabalho, os amuletos, o
cumprimento de determinados rituais, enfim... Todas elas nos
prometem mais e melhor saúde. Umas serão globalmente mais
eficientes do que outras - e não esqueçamos que a eficiência é
diferente de pessoa para pessoa - e umas terão mais
contra-indicações do que outras. No fim, cada um deverá procurar
aquela que mais se lhe adequa, e pode, até, conseguir bons
resultados combinando vários métodos ou aplicando apenas parte
deles.

Do mesmo modo, tudo o que a Maçonaria ensina de substantivo


pode ser encontrado de muitas outras formas: através de várias
religiões, de diferentes correntes filosóficas, de palestras, de
"gurus" privados, ou, para quem se disponha a despender algum do
seu tempo, através até de uma boa biblioteca pública. O que a
Maçonaria tem de único é o método, o meio, a forma. Não há
ensinamentos exclusivos da Maçonaria que não sejam
instrumentais, ou seja, que não digam respeito ao método e não ao
fim, ao objetivo. Por isso, quem procura na Maçonaria
ensinamentos exclusivos, secretos, reservados, e que o resto do
mundo desconheça, então desengane-se: não há. Já aqui foi dito,
bem como explicado o que a Maçonaria não revela e porquê. Os
símbolos, as alegorias, os "segredos de grau"? Não passam de
instrumentos, simples andaimes, meros artefactos que suportam,
ilustram e consolidam os verdadeiros ensinamentos.

Mas que ensinamentos são esses, afinal?! Ah, esses são tão

94
únicos como único é cada indivíduo! Pretender sabê-los seria
como, através da descrição das técnicas de pintura de um dos
grandes Mestres, pretender saber o que viriam a representar as
telas pintadas por cada um dos seus discípulos... A Maçonaria
apenas indica os princípios, e esses são bem simples: a
fraternidade, a entre-ajuda, a tolerância perante a diversidade, a
crença num Princípio Criador, o trabalho como meio de obter
resultados, o desenvolvimento intelectual, a procura do Bem e da
Virtude, o combate ao Vício e às Paixões, e tudo isto focado em
cada um, do modo que este melhor entenda que mais lhe aproveita
para atingir os objetivos que definiu para si mesmo. É, por isso,
impossível dizer-se que ensinamentos é que a Maçonaria
transmite: era preciso, para isso, que cada um estivesse ciente dos
mesmos - que, tantas vezes, são absorvidos quase que "por
osmose", pelo contacto com ideias alheias, sem que sejam
propriamente sequer verbalizados, e por vezes nem mesmo
conscientemente apercebidos, o que traz a segunda dificuldade:
mesmo que apercebidos, podem não se conseguir transmitir senão
de forma imperfeita. Pensemos como explicaríamos como se pinta
a alguém que nunca pegou num pincel, mas sem o fazer passar
pela experiência de conspurcar dezenas de telas brancas, nem se
besuntar nas tintas, ou passar pelo experimentar, olhar e tentar de
novo...

Por fim, quem considere ser a Maçonaria uma "brincadeira de


gente crescida" deve recordar que:
• a Maçonaria Regular não faz proselitismo, ou seja, não faz
convites nem recruta novos membros, pelo que ninguém pode
acusar a Maçonaria de o ter arrastado para um erro; cada um

95
dos que adere à Maçonaria fá-lo pelo seu próprio pé, por sua
própria opção e no exercício da sua própria liberdade.

• apesar de nem todos serem livres de entrar, todos são livres de


sair quando entendam; não queremos entre nós gente
contrariada; há inúmeras formas de aumentarmos o nosso
potencial humano e espiritual, das quais a Maçonaria é apenas
mais uma.

• como os meios de emagrecimento, cada um deverá procurar o


que mais se lhe adequa; de facto, aos olhos de quem faça
exercício duro uma ou mais horas por dia, uma pessoa
dedicar-se ao vegetarianismo como único meio de emagrecer
pode parecer uma "brincadeira de gente crescida"; se de facto o
é ou não, já é questão completamente diferente...

Paulo M.

96
Os símbolos e os rituais maçónicos: ferramentas de
trabalho

August 30, 2010

Conta-se que um novo monge, chegado a um mosteiro, é


incumbido de auxiliar os outros monges na cópia de textos antigos
à mão. Nota, porém, que estão a copiar a partir de cópias, e não de
textos originais., o que o leva a perguntar a razão ao superior,
notando que, em caso de erro em qualquer cópia, esse seria
propagado por todas as cópias seguintes. O superior responde-lhe:
«É assim que temos feito há séculos, mas é uma boa questão, meu
filho.»
Assim, o velho monge desce com uma das cópias à cripta para a
comparar com o original, e por lá fica horas esquecidas. Não o
vendo regressar, os monges, preocupados, enviam um deles ao
seu encontro. Este, ao aproximar-se, ouve o ancião soluçar
debruçado sobre um dos livros antigos. Pergunta-lhe o que se

97
passa, ao que ele lhe responde, com os olhos rasos de lágrimas:
«Aqui diz "celebrado", não diz "celibato"...»
O tempo e as sucessivas passagens de testemunho encarregam-se
de que as palavras, os símbolos e os gestos percam o seu
significado original, adquirindo eventualmente outros
completamente distintos. "Quem conta um conto acrescenta um
ponto", diz com razão a sabedoria popular. Aquilo que, na sua
génese, poderia constituir mero artifício literário destinado a ilustrar
uma ideia pode, ao fim de algum tempo, ser distorcido pela própria
evolução linguística. Ainda hoje se discute a que se referiria,
precisamente, a frase bíblica que diz ser "mais fácil um camelo
passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no
Reino dos Céus". O camelo seria o bicho de duas bossas, ou uma
má tradução da palavra grega que significa "cordel", ou ainda um
tipo de cabo usado nos barcos para os amarrar ao cais? E o buraco
da agulha, é mesmo um buraco literal de uma agulha vulgar, ou é
uma porta, uma passagem, um estreito, como especulam alguns?
As palavras - simbólicas - ficaram connosco; o seu contexto original
perdeu-se. Ficou a ideia que se pretenderia passar: de que aos
ricos é difícil "entrar no Reino dos Céus".
Por outro lado, algumas mentes têm tendência para tomar os
símbolos por aquilo que representam. A partir deste instinto
formam-se verdadeiros cultos: veja-se o das personalidades
políticas nos países do bloco soviético ou , mais proximamente, o
do Doutor Sousa Martins. Cientes deste facto, várias religiões têm
duras regras de condenação da idolatria, que mais não é do que a
adoração de um símbolo, ao tomar-se o objeto por aquilo que ele
representa. O Islão proíbe, por exemplo, qualquer representação de
pessoas ou animais, não vá alguém tentar-se e lançar-se em sua

98
adoração; e os protestantes costumam acusar os católicos de
idolatria por terem nas suas igrejas imagens humanas.
Quer as restrições alimentares estipuladas por certas religiões
como o Islão ou o Judaísmo (segundo as quais não se pode
consumir carne de porco, e se impõe que os animais sejam
abatidos de forma ritualizada e sangrados) quer a proibição de
consumo de álcool pelo Islão, parecem refletir hábitos e costumes
anteriores ao surgimento dessas mesmas religiões.
Recordemo-nos de que o álcool desidrata, e que quem o consuma
no calor do deserto pode correr perigo de vida; que a carne de
porco, rica em gordura, se decompõe facilmente com o calor,
podendo provocar epidemias; que o mesmo se pode dizer do
sangue, que, se retirado da carne, permite que esta chegue a secar
ou, pelo menos, dure mais em temperaturas altas. Estas medidas
constituem, por si mesmas, sensatas medidas sanitárias de defesa
da saúde pública. Se a sua inclusão enquanto preceito das religiões
em causa decorreu de causa humana ou revelação divina já é
questão a ser respondida no foro íntimo de cada um.

A Maçonaria tem os seus símbolos e os seus rituais. Os símbolos -


que representam princípios, ideias e deveres - servem para evocar,
e não para que se lhes preste culto. Não há nada de idólatra nos
símbolos maçónicos. Há, de facto, símbolos e lendas cuja génese
se perdeu; mas persiste o seu significado, que não podemos
garantir que seja o original. Há entre os maçons, como em todo o
lado, quem tome os símbolos por mais do que eles representam,
atribuindo-lhes sentidos oblíquos, afectando-lhes significados
ocultos, e mesmo especulando encerrarem os mesmos verdades
inalcançadas. Esta "corrente" existe desde que a Maçonaria existe -

99
e existe ainda hoje - mas a maioria dos maçons tem os pés mais
assentes na terra, e considera serem os símbolos, rituais e lendas
simples ferramentas de trabalho. Cada um é, todavia, livre de crer
no que quiser, e mesmo de fabricar o próprio objeto da sua crença,
mas essa é uma postura que, em certa medida, é contrária ao
espírito da Maçonaria, segundo o qual o Homem deveria caminhar
para a Luz e para o Esclarecimento.
E aqui se suscita uma questão essencial: onde acaba a liberdade
religiosa e começa a superstição e o disparate? Como se concilia, a
este respeito, o facto de a Maçonaria defender a liberdade
individual (que passa pelo direito de cada um crer no que quiser)
com a defesa da Razão enquanto fonte de autoridade e de
legitimidade? Perante princípios antagónicos temos que
estabelecer hierarquias; e a Maçonaria dá primazia ao respeito pela
liberdade individual, o direito de cada um acreditar no que queira,
sobre o interesse em que todos sejam racionais e esclarecidos.
Assim, cada um é senhor de si mesmo e do caminho pessoal que
escolheu e, desde que respeite os ideais e princípios maçónicos e
a liberdade alheia, tem o direito de não ver questionado,
escrutinado ou dissecado aquilo em que acredita.
Paulo M.

100
A Cadeia de União

September 01, 2010

Em todas as reuniões das Lojas que trabalham no Rito Escocês


Antigo e Aceite (mas não só neste rito: por exemplo, também no
Rito de Schröder) se reserva um momento para que todos os
maçons presentes formem a Cadeia de União.

É um dos momentos marcantes da reunião: ao formarem e


integrarem a Cadeia de União, os maçons relembram que cada um
individualmente faz parte de um Conjunto. Conjunto que é mais
forte do que a mera soma das forças individuais, porque a todas
estas se agrega a força da união de todos.

A Cadeia de União simboliza e demonstra ainda o princípio


fundamental da plena Igualdade dos maçons. Todos os presentes,
desde aquele que dirige a Loja ao mais recente Aprendiz se unem,
na mesma exata e igual postura, cada um mero elo de uma cadeia.
Não há, naquele momento, distinção alguma, não se atende a
graus, a funções, a antiguidades. Todos iguais em comunhão!

101
É um momento de reflexão, de solidariedade, de união, em que
cada um sente que contribui para o grupo - mas também sente que
beneficia da força comum do grupo.

A Cadeia de União forma-se perto do final dos trabalhos, já depois


de finalizados os debates da ordem do dia. Por muito acesos que
tenham sido esses debates, por muito díspares que tenham sido as
opiniões formuladas, por muito distantes que porventura
estivessem as conceções confrontadas, o debate já terminou, a
decisão já foi tomada, ora uma bissetriz traçada com as
contribuições de todos, ora uma opção que não será a de todos.
Mas todos contribuíram, leal e esforçadamente, para a assunção da
decisão, contra a qual nenhum militará. Todos se reúnem na cadeia
de União, onde não há lugar a desacordos, pontos de vista ou
discordâncias: cada um assume a sua função de elo de uma
cadeia, igual a todos os outros elos, solidário com todos os outros
elos. De muitos, e diferentes, se faz um, o grupo, o conjunto.

A Cadeia de União é a expressão da rara capacidade que os


maçons adquirem e praticam: conformar e utilizar a diversidade
para o bem e o objetivo comum. Todos são diferentes, todos
colocam as suas diferenças em prol do grupo, todos são ali iguais.

A Cadeia de União é a prática sempre repetida, que, em iguais


proporções, reforça o elemento "cadeia" (cada um é um elo, uma
peça de um conjunto) e "união" (todos juntos, todos em comum,
solidários).

102
A Cadeia de União é uma prática pela qual se forma, reforça e
assinala a coesão do grupo. Nos momentos em que o grupo assim
se une, desvanecem-se os individuais egos, avulta o coletivo, na
busca de uma egrégora fortalecida e fortalecedora. Todos os
espíritos se unem no mesmo objetivo, na mesma intenção, na
mesma prece, na mesma celebração, seja o que for, mas o
mesmo...

A Cadeia de União é um gesto, mas é muito mais do que um gesto.


É parte integrante do nosso segredo de maçons, não porque
guardemos ciosamente a notícia da sua existência (este texto prova
o contrário...), mas porque é realmente impossível explicar a quem
nunca participou numa Cadeia de União o efeito, a paz, a
comunhão, a força, que produz nos membros de uma Loja assim
unidos. É um gesto, mas é muito mais do que um gesto. E o seu
significado só é plenamente apreendido por quem nele participa,
uma e outra e ainda outra vez e muitas vezes. É um significado que
não se ensina. Aprende-se vivendo-o!

Fora de Loja, só se forma Cadeia de União em homenagem


fúnebre a maçom que passou para o Oriente Eterno. E aí, então,
têm lugar como elos nessa cadeia todos aqueles que se reclamam
de ser maçons. Aí não importam reconhecimentos, nem
regularidades, nem nada dessas miudezas. Aí, pessoas de boa
vontade e com muito em comum homenageiam uma pessoa de boa
vontade que nos precedeu no caminho que todos trilharemos.

Rui Bandeira

103
Uma loja maçónica não é uma tertúlia (I)

September 03, 2010

«Tenho um grupo, que com as vicissitudes da vida se foi afastando,


mas que durante uns bons 15 anos formou uma tertúlia que se
encontrava quase todos os dias. Tivemos incontáveis debates e
polémicas. Aprendemos todos muito uns com os outros. Hoje,
ainda continuamos todos amigos. Não há necessidade de
proibições no que toca a troca de ideias.» (Diogo, num comentário
recente)
Este comentário explica, quase por si mesmo, porque é que uma
Loja Maçónica não é - nem pode ser - uma tertúlia. Ora
comecemos, como quem analisa, escrutina e disseca um texto
numa aula de Português.
Ter um grupo «... que com as vicissitudes da vida se foi
afastando...» é uma das coisas que se pretende evitar numa Loja.
Pertencer a uma Loja é como que um casamento. Não é
forçosamente para toda a vida, pode-se ter "outras" ao mesmo

104
tempo (se bem que seja difícil de gerir) mas, mesmo quando isso
acontece há sempre uma que é a "principal"; pode-se cortar os
laços com essa, e ou arranjar outra "principal" ou mesmo passar a
não ter nenhuma, mas ambas são situações dolorosas. Uma Loja é
como que uma família. Uns nascem, outros morrem, mas a família
é a mesma - se não se extinguir; numa Loja, são iniciados uns,
adormecem ou partem para o Oriente Eterno outros, mas a Loja
permanece - se não abater colunas. Há lojas várias vezes
centenárias, e esse vínculo a algo que existia antes de nós e
continuará a existir depois é uma das coisas boas que a Maçonaria
nos proporciona; ao mesmo tempo que nos reduz à nossa
pequenez de meros "passadores de testemunho" dá-nos a
satisfação de saber que pertencemos a essa cadeia de
continuidade.
Pertencer a um grupo «...que se encontrava quase todos os dias»
deve ser algo de muito exigente, e pouco consentâneo, suponho,
com os deveres conjugais, laborais e parentais. Claro que isso é
questão que só se põe a quem esteja sujeito a esses deveres... Por
outro lado, encontros diários não serão, como dizia Shakespeare,
"too much of a good thing"? Não terão esgotado em 15 anos
conversa que dava para uma vida inteira? Em contraste, a
maçonaria alerta os seus membros de que os seus principais
deveres são para com a família, para com o Criador (qualquer que
seja a conceção que dele se faça), e para com o país; a maçonaria
vem depois.
Dizer-se, ao fim de 15 anos, que «ainda continuamos todos
amigos» implica ter-se começado por aí: pela amizade enquanto
vínculo genitor. Ora, quando se ingressa uma loja é-se integrado
num grupo de desconhecidos; as amizades que surjam são

105
paralelas ao grupo, não são condição prévia do mesmo. Os nossos
amigos são pessoas que nós conhecemos e cujo contacto
decidimos manter e aprofundar, e com quem nos identificamos
mais; numa loja, pelo contrário, não se escolhe nada; um pouco
como a família do cônjuge, fica-se com o que nos calha na rifa. A
um amigo perdoa-se mais, aceita-se mais e tolera-se mais do que a
um desconhecido; por isso, as regras e os pressupostos de uma
loja e de um grupo de amigos não podem deixar de ser diferentes,
pois que numa loja a diversidade é maior do que num grupo de
amigos.
Tertúlias como aquela de que o Diogo fala são próprias da
adolescência e da juventude. Nos debates, frequentemente acesos,
cada um tenta marcar a sua posição, convencer os demais, ensinar
e impor o seu ponto de vista. Contudo, é normal que os seus
membros, uma vez "crescidos", tendo adquirido a sua própria
individualidade e identidade fora do grupo, se afastem
progressivamente.; é normal que haja menos disponibilidade para
um contacto tão íntimo e envolvente, para uma exposição tão
prolongada, para um desnudar-se tão profundo - até porque as
ideias se vão cimentando e há cada vez menos temas novos a
debater sem que o resultado do debate esteja determinado a priori.
Assim, a maturidade acaba por estabelecer o limite. Em loja, pelo
contrário, o objetivo não é "converter" ninguém a um determinado
ponto de vista, mas permitir que cada um encontre o seu.
Paulo M.

106
Uma loja maçónica não é uma tertúlia (II)

September 06, 2010

Dois grandes factores de distinção entre uma tertúlia e uma loja


maçónica são o objetivo e forma da intervenção de cada um. Numa
tertúlia as intervenções sucedem-se, e cada um vai tomando a
palavra repetidamente tantas vezes quantas queira (ou lho
permitam...), sucessivamente acrescentando ao que disse antes,
refutando os argumentos deste ou daquele, e fortalecendo - ou
alterando - a sua posição de cada vez que se dirige aos demais.
Cada um vai tentando fazer prevalecer a sua posição através de
argumentos e contra-argumentos ao que foi dito antes,
esperando-se que, a partir de um certo ponto, se tenha atingido um
equilíbrio em que já tudo foi dito e cada um (re)contruiu já a sua
posição face ao assunto em debate.
Numa loja maçónica, porém, as coisas não poderiam ser mais
diferentes. Começa por que, no que respeita cada assunto, cada
um pode fazer apenas uma única intervenção - e só muito
excecionalmente poderá fazer uma segunda, sempre muito curta, e
apenas se absolutamente impreterível, como por exemplo para

107
clarificar algo que não tenha sido dito da forma mais inteligível. Esta
imposição obriga a que se tenha um cuidado multiplicado com
aquilo que se diz, de forma a dizê-lo bem à primeira.
Há uma ordem estrita a ser seguida. Primeiro começa-se pelas
colunas (do Norte e do Sul), para que os mestres maçons que aí se
sentam possam, querendo, pedir a palavra. Depois de não haver
mais pedidos de intervenção, os dois Vigilantes podem pedir a
palavra para si mesmos, primeiro o 2º Vigilante e depois o 1º
Vigilante. É então dada a indicação de que não há mais
intervenções nas colunas, e esta passa ao Oriente, onde residem o
Venerável Mestre, o Secretário, o Orador, o Ex-Venerável e
eventuais visitas a quem tenha sido dada essa distinção. A palavra
é dada, no Oriente, a quem quiser dela fazer uso, e o Venerável
Mestre é o último a intervir. Caso esteja em causa uma decisão,
esta poderá ser tomada pelo Venerável Mestre de imediato, ou este
poderá consultar a Loja através de uma votação. De qualquer
modo, a intervenção do Venerável Mestre deve ser sempre no
sentido de procurar encontrar uma conclusão que seja harmoniosa
para a loja, e com que a maioria se identifique.
Para além da forma, já exposta, há o objetivo. Idealmente, cada
intervenção destinar-se-ia a que cada um, na medida em que
considerasse ser isso útil, apresentasse a sua posição ou opinião a
respeito do assunto em causa, e sem que o seu conteúdo fosse
condicionado por ser a primeira ou a última intervenção a ser
efetuada. O que se diz não deve ser dirigido a ninguém em
particular, mas a toda a Loja, e não deveria sequer referir-se
alguma intervenção anterior, mas apenas fazer-se referência ao
tema que esteja em discussão. Não deve haver interpelações,
refutações ou contraditório, uma vez que isso colocaria em

108
desvantagem aquele que já fez a sua intervenção e não pode agora
responder. Pretende-se, assim, que cada um possa dar a conhecer
a sua posição, sem que tente impô-la aos demais, e sem que
explicitamente contrarie alguma posição já exposta, e por outro
lado que cada um tenha a oportunidade de ser confrontado com
opiniões alheias - porventura distintas das suas - num tom e numa
postura que não ameacem a posição com que cada um se
identifica.
A Maçonaria cria, deste modo, um contexto que induz cada um a
confrontar-se com opiniões e posições distintas da sua, num
ambiente de boa fé, entre iguais, sem que ninguém possa impor a
ninguém nenhuma obrigação, mas em que cada um possa,
querendo, tomar para si as palavras do outro, seja como as
recebeu seja na forma que as queira incorporar naquilo que
constitui a sua identidade.
Por fim, é costume - se bem que não creia haver nenhuma regra
escrita a esse respeito - serem públicos os louvores e privados os
reparos. Quando um bom trabalho é apresentado, é frequente que,
nas palavras proferidas por cada um, sejam manifestadas palavras
públicas de louvor e de encorajamento. Quando, porém, foi dito
algo passível de ser interpretado como menos bom ou menos
correto, a correção fraterna - que raramente falha - surge quase
sempre em voz baixa directamente ao ouvido do "prevaricador". A
franqueza e honradez manifestadas, de mão dada com a genuína
preocupação que os maçons têm uns com os outros, levam a que
seja frequente surgirem amizades muito fortes entre irmãos da
mesma loja - e mesmo entre irmãos de lojas diferentes. A este
respeito não me sai da cabeça uma frase que li há tempos numa
entrevista em que alguém dizia: «A maçonaria é a única

109
organização em que se faz amigos de infância aos 40 anos». Não
sei se é a única, mas que se faz, faz.

Paulo M.
P.S.: Devo recordar que a Loja Mestre Affonso Domingues está
integrada numa Obediência Regular - a Grande Loja Legal de
Portugal / GLRP, e que o que descrevi se aplica a esta. Noutras
obediências far-se-á de forma distinta; um destes dias escreverei
um texto sobre isso.

110
33.º = 3.º

September 08, 2010

Uma das razões pelas quais quem está de fora da Maçonaria tem
dificuldade em compreender, na sua plenitude, o que esta é resulta
- bem vistas as coisas, naturalmente - de aquele que vê do exterior
julgar, apreciar, avaliar, a instituição segundo o paradigma da
sociedade em que se insere e não através do paradigma próprio
criado pela Maçonaria.
Quem vê de fora tem tendência a conceber a Maçonaria segundo o
cânone da hierarquia, que é comum à maior parte das instituições
humanas. O Governo é dirigido por um Primeiro-Ministro, que
manda nos, ou coordena os, Ministros, que, por sua vez, mandam
no seu Ministério, dando ordens aos seus Secretários de Estado, e
estes aos Diretores-Gerais, que ordenam aos Diretores de Serviço,
que mandam nos Chefes de Repartição, que exercem autoridade

111
sobre os Chefes de Secção, que dão instruções aos
Administrativos, que... E todo o titular de um cargo superior
hierarquicamente exerce autoridade não só sobre o seu inferior
hierárquico imediato, mas por todos os que hierarquicamente estão
abaixo deste e de si.
Se pensarmos nas Forças Armadas, idem, aspas, apenas com a
diferença de o superior ter o título de General, aquele que está na
base da pirâmide, o praça, ser o soldado e, entre um e outro, haver
toda uma cadeia hierárquica de Oficiais, Sargentos e Cabos.
Se nos lembrarmos de um clube desportivo, lá está: facilmente
visualizaremos a cadeia hierárquica que vai do Presidente da
Direção ao roupeiro, passando pelos Diretores, Treinadores,
Adjuntos, Capitão de Equipa e seus substitutos, jogadores e
demais pessoal.
Se nos detivermos na Igreja do credo religioso maioritário em
Portugal, lá temos a omnipresente hierarquia de Papa, Cardeais,
Arcebispos, Bispos, Cónegos, Padres e, na aparente base da
pirâmide, afinal a sua única razão de ser e de existir, a massa dos
crentes.
Em suma, e para não me alongar em exemplos, a maneira comum
de ver as instituições da sociedade é de forma hierárquica, em que
alguém manda, alguém é mandado e manda, em sucessivos
patamares até se chegar a quem só obedece.
A tendência de quem olha de fora para a Maçonaria é vê-la
segundo este paradigma e, portanto, considerar que, se no Rito
Escocês Antigo e Aceite há 33 graus, os detentores do grau 33.º
são os que estão no topo da hierarquia e "mandam" em todos os
que se integram nos graus inferiores e o mesmo sucede ao longo
da "cadeia hierárquica".

112
Esta forma de ver a instituição maçónica é profundamente errada e
conduz a graves vícios de análise. Persiste quer pelo contágio das
demais instituições sociais, quer porque os próprios maçons têm
negligenciado o esclarecimento do erro. É por isso que não me
escandalizo quando um dos nossos interlocutores afirma - como
por vezes sucede - que Fulano era do grau 33 e portanto pertencia
ao topo da hierarquia e o que disse ou escreveu há de ter um
especial significado, pois integrava o escol dos que mandam. Se
este erro persiste, a culpa não é só dos meus interlocutores - é
também minha! É, pois, tempo de alijar o fardo da minha culpa e
esclarecer!
A Maçonaria não se organiza segundo o princípio da hierarquia. A
Maçonaria funciona estritamente segundo o princípio da Igualdade!
A única - e temporária - derrogação destes princípio respeita aos
Aprendizes e Companheiros (graus 1.º e 2.º), os quais, por estarem
em processo de formação e integração, têm uma diminuição de
faculdades, não tendo (ainda) o direito de voto nem o direito de
palavra (em reunião formal). Mas esta derrogação da plena
Igualdade é temporária e estritamente decorrente da natureza do
processo de formação e de integração de Aprendizes e
Companheiros. O seu percurso far-se-á com naturalidade até que -
sem demasiada demora, mas também sem grandes pressas -
aquele que um dia se apresentou à Iniciação se submete ao Ritual
de Elevação ao 3.º grau e assume a condição de Mestre Maçom.
A partir desse exato momento, é um Mestre com exatamente os
mesmos direitos e deveres e a mesma e igual posição hierárquica
que todos os outros Mestres. Nem a antiguidade importa. Nem esta
é um posto. O maçom acabado de ser elevado a Mestre pode, no
minuto seguinte, ver ser-lhe confiado o exercício de um ofício em

113
loja. E, logo que tenha exercido o ofício de 2.º ou de 1.º Vigilante,
pode ser eleito Venerável Mestre, em estrito pé de igualdade com
todos aqueles que estão na mesma situação há 1, há 10 ou há 30
anos. E todo aquele que tenha exercido o ofício de Venerável
Mestre de uma Loja pode ser eleito Grão-Mestre.
É indiferente, em Loja, se A tem "apenas" o 3.º grau, B o 9.º, C o
15.º, D o 33.º. Todos são estritamente iguais e aquele que tem
"apenas" o 3.º grau pode ser eleito Venerável Mestre e dirigir os
outros, os que têm o 9.º, o 15.º ou o 33.º grau. Todos os Mestres
maçons são estritamente iguais, independentemente do grau dos
Altos Graus a que cada um tenha acedido. Um maçom do 3.º grau
não é menos, nem mais, do que um maçom do 33.º grau. São
ambos Mestres maçons - e com um estatuto rigorosamente igual
em Loja. Um dos Mestres maçons da Loja é eleito para, durante um
ano, exercer o ofíci0 de Venerável Mestre. Outro dos Mestres
maçons da Loja é eleito para, durante o mesmo período, exercer o
ofício de Tesoureiro da Loja. O Venerável Mestre eleito designa,
segundo os costumes e os critérios próprios da Loja, estabelecidos
ao longo do tempo, os Mestres maçons que exercem os demais
ofícios necessários para o bom funcionamento da Loja.
Independentemente do grau que tenha ou deixe de ter cada um dos
designados. Durante um ano, os Oficiais da Loja exercem os
poderes e cumprem os deveres inerentes aos respetivos ofícios e
os demais elementos da Loja respeitam esse exercício e, se assim
o quiserem, colaboram. Em qualquer assunto que se debata, todos
- mas rigorosamente todos! - os Mestres maçons,
independentemente do grau que porventura adicionalmente
detenham ou do ofício que no momento cada um exerça ou não,
têm exatamente o mesmo direito à palavra e o mesmo direito ao

114
voto, com exatamente o mesmo valor.
Igualdade absoluta, pois.
Também as Lojas são estritamente iguais. Nenhuma tem mais
direitos ou deveres do que as outras.
Sendo assim, perguntará, e bem, quem está de fora, porque há 33
graus, que relação existe entre eles, se não é hierárquica, em que
consiste esse paradigma de graus "iguais"?
Essa é matéria que procurarei esclarecer no próximo texto,
dedicado aos Altos Graus.
Rui Bandeira

115
Simplicidade, lógica, razão e o comportamento humano

September 10, 2010

O mundo que nos rodeia é cada vez mais complexo. Dos


telemóveis aos automóveis, dos despertadores aos computadores,
dos estacionamentos aos aquecimentos, tudo nos impõe mais
conceitos, mais técnicas, mais botões. O lamento pela perda da
simplicidade de outrora é constante. Então, num mundo dominado
por máquinas de lavar cheias de botões, luzinhas e manípulos, um
conhecido fabricante de máquinas de lavar roupa desenvolve um
projeto revolucionário: uma máquina que pesa a roupa, da qual
determina o grau de sujidade, através dos quais doseia
automaticamente a quantidade de detergente e escolhe o mais
eficiente programa de lavagem.

Cúmulo da simplificação, a máquina é apresentada pelo


Departamento de Engenharia com apenas dois controlos: um botão

116
de ligar/desligar, e a escolha entre "roupa de cor ou muito suja" e
"roupa de limpeza fácil"; o resto do programa é determinado pelo
próprio aparelho, que dispõe de um automatismo tal que, com toda
a simplicidade, parcimónia e racionalidade, reduz ao mínimo os
gastos de água, detergente, tempo e energia. Contudo, esta
máquina acaba por ser apresentada ao público com uma profusa
quantidade de controlos adicionais, impostos pelo resultado de
estudos feitos pelo Departamento de Marketing!
Pois é. Todo o racionalismo na conceção, toda a simplificação do
uso, toda a sofisticação do funcionamento, esbarraram em dois
factores de peso. Por um lado, a perceção por parte do
consumidor, quando compara as máquinas em exposição à procura
da que vai adquirir, de que quanto mais funcionalidades a máquina
tiver, melhor é - e que as funcionalidades têm, forçosamente, que
se traduzir em mais comandos e botões. Por outro lado, um
sentimento primário absolutamente contrário aos clamores por
mecanismos mais simples, e que pode ser traduzido por algo como
"mas queres uma máquina que mande em ti, ou vais tu mandar na
máquina?" e que deita por terra os automatismos mais argutamente
desenvolvidos.
A razão é um valor que a Maçonaria muito preza. Contudo, a mente
humana não paira no éter: reside no cérebro, que por sua vez está
agarrado ao resto desta coisa a que chamamos corpo. E mesmo a
mente humana não é, como podemos ver, um bastião de razão
pura. Por isso a Maçonaria insiste na tolerância, no equilíbrio e na
diversificação dos saberes enquanto medidas conducentes à
harmonia entre corpo e espírito, à aceitação das diferenças, e à
interiorização de que, no fundo, somos frágeis, falíveis e imperfeitos
- primeiro passo para pretendermos tornar-nos melhores.

117
Paulo M.

Para quem tenha curiosidade quanto à história rerferida:


http://www.jnd.org/dn.mss/simplicity_is_highly.html
http://www.joelonsoftware.com/items/2006/12/09.html

118
Prioridades

September 13, 2010

Nunca cansa repeti-lo: nas prioridades de um maçon, os deveres


para com a família, os deveres para com os filhos, os deveres
religiosos e os deveres civis sobrepõem-se aos deveres para com a
Maçonaria. Por isso, uma das perguntas que alguém que pense
pedir para ser admitido maçon deve fazer a si mesmo é,
precisamente, se a família próxima - especialmente o cônjuge ou,
como se diz agora, significant other - o apoiará, ou se, pelo
contrário, lhe irá "cobrar" as ausências, as quotas e a
disponibilidade mental. É essencial pelo menos a aceitação - e,
idealmente, o apoio - do cônjuge para que se possa tirar partido da
Maçonaria, sob pena de que os benefícios que esta deveria
proporcionar através do melhoramento do maçon - que se tornaria
numa pessoa melhor e mais passível de espalhar a felicidade em
seu redor - sejam ofuscados pelas querelas conugais.
Do mesmo modo que a Maçonaria Regular não reconhece Grandes
Lojas em países que proíbam a Maçonaria - decorrendo isto do
facto de a Maçonaria Regular se cingir estritamente ao

119
cumprimento das leis dos países onde está constituída, pelo que
não faria sentido reconhecer uma Grande Loja que, para existir,
violasse as leis do país que proíbem a sua própria existência -
também, por idêntica ordem de razão, não deveria, em princípio,
ser admitido à iniciação um profano que ocultasse do cônjuge esse
facto, ou cujo cônjuge desaprovasse a sua admissão, uma vez que,
devendo prevalecer o auxílio e a harmonia familiares sobre os
deveres para com a Maçonaria, estaria a ser esta causa de
desavenças e contendas, o que de modo algum é desejável.
Mesmo assim, se se conseguir fazer como defendia um dos
comentadores habituais deste blogue - que, entre dois cenários
alternativos, escolhia os dois - o ideal será, igualmente, conjugar
ambos os deveres sem faltar a nenhum, que foi o que tentei fazer
hoje, na medida das escassas possibilidades que tive, escrevendo
um texto, apesar de curtinho e publicado para além da hora do
costume. Desculpem-me os habituais leitores, mas deveres
familiares não permitiram mais; sexta-feira cá estarei com outro
texto - que se espera mais disponível e mais inspirado.
Paulo M.

120
Altos Graus

September 15, 2010

A formação de um maçom está formalmente concluída logo que


concluída a cerimónia pela qual ele é elevado ao 3.º grau e assume
a qualidade de Mestre Maçom. Todos os "segredos" lhe estão
transmitidos, todas as "lições" lhe estão dadas, o método maçónico
de evolução é-lhe conhecido. A partir desse momento, o Mestre
Maçom é um Aprendiz que aprende o que tem de aprender, como
pretende, segundo as suas prioridades e preferências. Acabou a
sua aprendizagem e tem a sua "carta de condução". Mas aprender
o quê? Tudo o que lhe foi exposto, apresentado, mostrado. Todos
os símbolos, rituais, ornamentos, textos, que lhe foram fornecidos
ao longo da sua formação. Não que tenha de saber esses textos de
cor. Mas porque todos esses elementos são pistas, sinais,
caminhos abertos à sua individual exploração.

121
Onde conduzem esses caminhos? Ao interior de si próprio! À
interiorização das virtudes e normas de comportamento e princípios
que devem reger a conduta de um homem bom e justo e que
procura aproximar-se o mais possível do conceito de homem
perfeito. Porquê? Porque crê que é esse trabalho, esse esforço,
esse objetivo, o verdadeiro significado da vida, a razão de ser da
nossa existência, porque o nosso caráter, o nosso espírito, a nossa
alma (chame-se-lhe o que se quiser) necessita desse esforço,
desse reforço, desse aperfeiçoamento, para evoluir e passar
adiante (chame-se-lhe Ressurreição, ou Glória, ou Paraíso, ou
Nirvana, ou o que se quiser). Complementarmente à sua crença
religiosa e em reforço e desenvolvimento desta, o maçom procura
assim descortinar o inescrutável, entrever o sentido da vida e o
Plano do Criador, cumprir a sua vocação.

Em bom rigor, para o fazer segundo o método maçónico não


necessita de mais ferramentas do que as que lhe foram dadas ao
longo da sua instrução como Aprendiz e Companheiro e na sua
exaltação a Mestre. Elas chegam, está lá tudo o que é necessário
para que o homem bom que um dia bateu à porta do Templo se
torne um homem melhor, um pouco melhor em cada dia que passa,
um tudo nada melhor do que no dia anterior e um não sei quê pior
do que no dia seguinte.

Para esse trabalho fazer, basta-lhe atentar e meditar e trabalhar


nos conceitos e lições que recebeu, explorar a miríade de símbolos
e chamadas de atenção com que se deparou. E tirar de cada
meditação, de cada exploração, de cada esclarecimento, a

122
respetiva lição e - mais e sobretudo - aplicá-la na sua conduta de
vida. O Mestre Maçom tem tudo o que necessita para o seu
trabalho e a obrigação de ensinar os que se lhe seguem - cedo
descobrindo que será também ensinando que ele próprio aprende...

Mas alguns Mestres Maçons sentiam-se insatisfeitos,


desconfortáveis. Até à sua exaltação, tinham tido um guião, uma
cartilha, mentores, que auxiliavam o seu percurso. E, de repente,
ainda inseguros, ainda tateando o seu caminho, os seus Irmãos
largavam-nos ao caminho e diziam-lhes: "aí tens tudo o que
precisas de ter para fazer o teu caminho! Procura, lê , estuda,
medita, tenta, acerta, erra, quando errares volta atrás e tenta de
novo até acertares." Não haveria maneira de guiar ainda o seu
trabalho? Não de os conduzir, mas de fornecer como que um
mapa, um guia, que facilitasse a sua tarefa? Tudo bem que tudo o
que havia a explorar e aprender já lá estava no que lhe fora
ensinado. Mas as alegorias têm de ser decifradas, os significados
encontrados... É certo que o trabalho tem de ser individual mas...
precisa absolutamente de ser tão solitário? Está certo que cada
Mestre Maçom deve procurar a sua Luz e, para o fazer, tem de se
abalançar ele próprio a atravessar a escuridão mas... não se pode
dar-lhe nem uns fosforozitos, nem uma velinhas, para ajudar a
alumiar o caminho?

Cedo se chegou à conclusão que sim, que se podia. Que, embora


cada um tivesse os meios de explorar o seu caminho, não havia
mal nenhum em proporcionar a quem o quisesse um mapa, um
guia, um roteiro, que desenvolvesse, paulatinamente, patamar a
patamar, as noções que já estavam disponíveis para serem

123
desenvolvidas, mas que não havia mal nenhum se o fossem
através de um roteiro bem organizado.

E assim se desenvolveu aquilo a que hoje se chama Altos Graus.


Nas derivas do Romantismo, muitos sistemas de altos Graus foram
desenvolvidos. De alguns deles ainda restam resquícios, tentativas
de manutenção. Outros entretanto desapareceram. No mundo
maçónico, nos dias de hoje, predominam dois sistemas de Altos
Graus, do Rito Escocês Antigo e Aceite e do Rito de York. Outros
são também praticados: do Rito Escocês Retificado, por exemplo.

Mas não se engane ninguém: ao percorrer qualquer desses


sistemas (ou mais do que um), não se sobe, não se fica mais alto,
mais poderoso, superior. Ao percorrer cada um dos sistemas de
Altos Graus está-se a utilizar um guia de auxílio no nosso caminho
individual. Cada grau não é um patamar. É uma viagem de
descoberta e estudo. E o grau seguinte não é um patamar superior.
É apenas outra viagem de descoberta e estudo. De que se volta
para de novo partir, seja para reestudar a mesma lição, para
reestudar lição anterior, ou para explorar nova lição. E, a todo o
momento, o Mestre Maçom pode decidir fazer nova viagem
segundo o seu roteiro (e tomar novo grau) ou explorar por sua
conta própria. Ou fazer ambas as coisas...

A Maçonaria é um caminho de conhecimento, iluminação e


aperfeiçoamento. Que cada um percorre como quer. Às vezes com
roteiro. Às vezes sem guia. Uns de uma maneira. Outros de outra.
Nem sequer, bem vistas as coisas, o mais importante é o destino.
Importante, importante mesmo, é afinal a viagem e o que se retém

124
dela!

Rui Bandeira

125
A Maçonaria incorpórea

September 17, 2010

"Ministro da Saúde acusa Medicina de incoerência". "Engenharia


desacredita cursos do ensino privado". "Dança moderna na
bancarrota". "Atletismo acusado de burla". "Geografia convoca
eleições". "Química sobe os preços dos combustíveis". Imaginem
qualquer destas frases na primeira página de um jornal. Nenhuma
delas faz sentido, pois não? Agora imaginem-nas alteradas desta
forma: "Ministro da Saúde acusa Ordem dos Médicos de
incoerência". "Associação dos Engenheiros Civis desacredita
cursos do ensino privado". "Escola Nacional de Dança Moderna na
bancarrota". "Tesoureiro do Conselho Superior de Atletismo
acusado de burla". "Sociedade Lisbonense de Geografia convoca
eleições". "GALP sobe o preço dos combustíveis". Já se percebe
melhor, não acham?

126
A Medicina, a Engenharia, a Dança, o Atletismo, a Geografia, a
Química, não são entidades; são, quando muito, nomes de áreas
do saber, de técnicas, de actividades. Dizer-se que "a Medicina" fez
isto ou aquilo é desprovido de sentido, assim como o é acusar-se
"a Política" de má fé. Já dizer-se que "o quadro médico do Hospital
X ganhou prémo de excelência" é um discurso pelo menos
coerente, como o será acusar-se "o Secretário de Estado de Z" de
má fé. Por outro lado, não parece correto dizer-se que "a ponte foi
construída com recurso aos mais modernos conhecimentos da
Ordem dos Engenheiros", mas se dissermos "aos mais modernos
conhecimentos da Engenharia" tudo muda de figura.
Entaladas entre dois conceitos ficam frases como "Igreja Católica
condena o uso do preservativo", ou "O Futebol está de luto". O que
não é claro, nestes casos, é a identidade do sujeito. "Igreja
Católica" refere-se a quê, precisamente? Ao conjunto dos fiéis,
significando que estes, na sua maioria, condenam o uso do
preservativo; ou, por outro lado, ao Papa, enquanto representante
da Igreja Católica, sendo este quem condena independentemente
da posição da massa de fiéis? Quanto ao futebol, pode a notícia
significar que, por exemplo, a Federação Portuguesa de Futebol
decretou luto oficial por uma qualquer razão; ou pode, por outro
lado, querer dizer que milhões de adeptos da modalidade sofrem
com a perda de uma figura de referência. Qualquer das
interpretações faz sentido; traduz é realidades distintas.
Precisamente o mesmo fenómeno ocorre de cada vez que se ouve
ou lê: "A Maçonaria fez...", "Maçonaria implicada em..." ou
"Ligações à Maçonaria no caso...", como se a Maçonaria, à
semelhança de uma Igreja, de uma Colmeia ou um Clube
Desportivo, fosse uma entidade, uma soma das partes, um

127
substantivo coletivo. E aqui, uma vez mais, há quem tenha um
entendimento, e quem tenha outro, quem concorde com esta
posição e quem a repudie.
Para a Maçonaria Regular - de origem Britânica, recorde-se - "a
Maçonaria" não é o conjunto dos Maçons, mas o nome daquilo que
eles fazem, do mesmo modo que "a Medicina" é o nome daquilo
que os médicos fazem, e não o nome que se dá ao conjunto dos
médicos. Da esfera da Maçonaria Regular faz parte o princípio de
que a Maçonaria não deve intervir na sociedade enquanto tal, mas
apenas através de cada maçon. Cada um destes pode - deve! -
promover a melhoria da sociedade através do seu próprio exemplo,
da sua atuação e da sua influência, seja isoladamente seja em
ações conjuntas dos elementos da mesma Loja ou, mesmo, da
mesma Obediência (ou seja: da mesma Grande Loja ou Grande
Oriente). Assim, não se pode dizer que a Maçonaria Regular tenha
um "corpo" atuante, pois cada mão, cada dedo, cada cabelo, age
por si mesmo, sem que haja concertação daquilo que se faz.

Entendimento diverso tem, normalmente, quem pratica a Maçonaria


Liberal - de origem Francesa - por entender ser a Maçonaria o
conjunto dos Maçons, ativamente empenhados, enquanto parceiro
social, na promoção dos ideais maçónicos de uma sociedade mais
livre, mais igualitária e mais fraterna. A Maçonaria é, aos seus
olhos, o conjunto daqueles que defendem uma mesma visão do
mundo, e que se congregam enquanto grupo organizado no sentido
de a tornar realidade. Deste modo, atua de forma mais ou menos
concertada, mas sempre com a consciência de que fazem parte de
um todo, de um corpo, com um propósito comum para o qual cada
um contribui na medida da sua possibilidade.

128
Em Portugal, a obediência internacionalmente reconhecida no seio
da Maçonaria Regular é a Grande Loja Legal de Portugal/GLRP, de
que a Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues faz parte. A
maior das obediências portuguesas internacionalmente
reconhecidas no seio da Maçonaria Liberal é o Grande Oriente
Lusitano (GOL). Uma e outra praticam Maçonaria - mas fazem-no
de forma substancialmente diferente, decorrendo esta diferença,
nomeadamente, do distinto entendimento que têm da ação da
Maçonaria na sociedade. Não será alheia a esta diferença de
postura perante a sociedade a profusão de referências nos media
ao GOL, enquanto que a GLLP/GLRP tem uma exposição
mediática muito mais reduzida. A avaliação do quanto de benéfico
ou de nefasto para cada uma das Obediências e para a Maçonaria
advém destas distintas posturas é algo que vos deixo como
exercício de especulação individual.

E a partir de agora, quando ouvirem dizer ou lerem que "a


Maçonaria" fez isto ou aquilo, averiguem a quem se refere a
notícia: a que maçons, a que loja, a que obediência - isto, se não
for "boato". Vão ver que, se o fizerem, muitas das perguntas que
aqui têm surgido ficarão rapidamente respondidas - ou saberão,
pelo menos, a quem dirigi-las.
Paulo M.

(Todas as frases referidas no primeiro parágrafo são um produto de


ficção e meramente exemplificativas; qualquer eventual
correspondência com a realidade não passa de mera coincidência)

129
Dos demónios e falsos deuses

September 20, 2010

É infelizmente frequente - e, na última década, tem-no sido mais do


que nas anteriores - ouvir-se os seguidores de uma religião
atacarem e denegrirem os seguidores de outras. De cada lado se
vê quem, aferrado às suas "razões", esgrime argumentos
teológicos, brande razões sociais e antropológicas, e por fim crava
os ferros do mais baixo e vil preconceito. Em cada fação se incita o
espírito de cerco, se exacerba a diferença entre o "nós" e o "eles",
e se exorta ao ataque e à conquista (pela força, claro) do outro, do
herege, do infiel, do adorador de demónios. Sim, que quase todas
as religiões, de um modo ou de outro, reclamam a posse da
Verdade, o monopólio do Caminho, a exclusividade da Luz - o que,
infelizmente, é interpretado por muitos como "quem não é dos
nossos está condenado".
Um dos pilares de base da maçonaria especulativa, desde que esta
existe, tem sido, precisamente, a oposição a este mindset, a esta
forma mesquinha de gerir a diversidade, a esta incapacidade de ver

130
o mundo por outros olhos, de outro ângulo, sob outra luz. Num
contexto histórico em que o confronto entre lados opostos tinha
dado origem a uma guerra civil, a maçonaria estimulava a
contenção, a tolerância e o amor fraterno entre homens que, de
outro modo, nunca demonstrariam sequer um mínimo de
urbanidade uns para com os outros. Estabelecendo conceitos
passíveis de ser considerados um mínimo denominador comum,
uma plataforma base de estabelecimento de pontes culturais e
religiosas entre crentes de diversas fés, a maçonaria proibia - de
modo a manter a harmonia custosamente conquistada - que cada
um ultrapassasse esses frágeis compromissos e, em loja,
manifestasse o que quer que fosse de próprio e exclusivo de uma
qualquer denominação religiosa.
Logo vozes clamaram que a maçonaria queria destruir esta ou
aquela religião, e que a maçonaria era um anátema, uma
abominação, uma obra dos seguidores de satanás. Ao pretender
conciliar várias crenças sob uma mesma égide, a maçonaria teria
tocado num ponto nevrálgico: a maioria das pessoas não estava (e
não está...) na disposição de admitir que o "outro" possa, seguindo
um caminho diverso do seu, chegar ao mesmo lugar. Muitas
religiões ensinam, mesmo, que os "deuses" das outras religiões
são, na verdade, demónios empenhados em confundir os incautos,
e que segui-los é caminho certo para a danação eterna. Esta
perspetiva é, de facto, absolutamente incompatível com a
maçonaria, por ser diametralmente oposta ao conceito de
tolerância que a maçonaria promove e defende. Como poderia um
maçon sentar-se em loja ao lado de alguém que ele considerasse
um adorador de demónios, e com ele dizer estarem ambos a
trabalhar "à Glória do Grande Arquiteto do Universo", expressão

131
que congrega os diversos conceitos de divindade de cada um dos
maçons sob uma denominação comum? Por outro lado, quem
tivesse a alma grande e quisesse "salvar" o seu irmão do erro em
que este estivesse metido, apresentando-lhe as virtudes da sua
própria fé, logo se veria remetido ao silêncio, senão voluntário, logo
imposto. Como conciliar esta limitação ao proselitismo com deveres
assumidos para com a sua igreja ou religião?
A resposta é simples: a maçonaria não é para esses. Quem assim
pensar e quiser juntar-se a nós, melhor será que o não faça, ou
rapidamente se verá confrontado com situações que lhe serão
desconfortáveis e que pode entender serem contrárias aos ditames
da sua fé. Nesse caso, o melhor que teria a fazer - pois nunca
deveria ter sido admitido, no seu próprio interesse - seria pedir o
atestado de quite e abandonar a maçonaria, pois os deveres de
cada um para com a sua fé sobrepõem-se aos deveres para com a
maçonaria. Quem achar que é sua obrigação converter o mundo a
uma determinada fé, pois que o faça (ou que o tente...) mas sem a
condição de maçon a atrapalhar. E quem, no mais fundo do seu
coração, achar que todos quantos abraçam outras fés são
adoradores de falsos deuses, ou mesmo de demónios, então nada
tem que aprender connosco.
Mas quem aceite as limitações do seu entendimento, que a fé e a
certeza são coisas distintas, e que várias pessoas podem olhar
para a mesma coisa e ver coisas diferentes; quem queira
ultrapassar o preconceito, praticar a virtude e tornar-se numa
pessoa melhor; quem queira fazê-lo acompanhado, ajudando e
sendo ajudado num espírito de fraternidade que ultrapassa as
diferenças e as diversidades de pontos de vista; então encontrará
entre nós verdadeiros irmãos na pessoas de uns quantos homens

132
bons que, sob um mesmo Deus - mas respeitando as diferenças de
entendimento que cada um tem d'Ele - se juntam para se tornarem
melhores.
Paulo M.

133
O Visitante, o Viajante e o Turista

September 22, 2010

Três homens decidiram deslocar-se a uma grande cidade, uma


daquelas cidades que todos desejamos conhecer, com história,
dimensão, vida, monumentos, museus, teatros, cinemas, enfim,
uma metrópole moderna. Todos eles dispunham de tempo e meios
para por lá ficarem um mês e todos eles iam decididos a fazer a
"viagem da sua vida" e a ficar a conhecer aquela cidade o mais
profundamente possível. Esses três homens eram, como é natural,
diferentes e cada um preparou e realizou a expedição à sua
maneira.

134
O primeiro homem, chamemos-lhe Visitante, contratou através da
sua agência de viagens os serviços do melhor operador turístico da
cidade, que lhe preparou meticulosamente a estada. Chegado a
essa cidade, o Visitante tinha preparado um completo programa de
trinta dias de visitas guiadas a tudo o que a cidade de melhor tinha
para oferecer aos seus visitantes. Foi uma visita inesquecível! O
Visitante foi guiado pelos melhores museus da cidade, onde lhe
foram mostradas as mais significativas obras de arte que aí havia e
as mesmas foram explicadas, enquadradas histórica e
artisticamente. Foi guiado nas visitas aos mais relevantes
monumentos, sendo-lhe chamada a sua atenção para o seu
significado histórico, os detalhes da sua construção, a sua
utilização nos dias de hoje. O operador reservou-lhe bilhete para
assistir ao melhor espetáculo da cidade, proporcionou-lhe um guia
para o conduzir pelas mais esconsas vielas da Cidade Antiga, pelos
mais pitorescos recantos, pelos mercados mais tradicionais,
apresentando-o a interessantes pessoas que ali viviam ou
trabalhavam. Também ao Visitante foram mostradas as mais
deslumbrantes paisagens da cidade e proporcionados demorados e
agradáveis passeios nos mais agradáveis parques e jardins ali
existentes. Claro que foi conduzido também às melhores, mais
concorridas, completas e diversificadas zonas comerciais da
cidade, onde o Visitante pôde admirar a maior variedade de objetos
e bens de consumo e adquirir o que lhe interessou adquirir. Visitou
a Universidade e as Bibliotecas, guiado por um culto guia que o
operador contratou para o efeito. Visitou o Parlamento e os mais
emblemáticos edifícios onde funcionavam os representantes
políticos da urbe e do país, ouvindo as explicações de um guia
especializado, que o esclareceu sobre as circunstâncias e a prática

135
política ali vigentes. Maravilhou-se com a grandiosidade dos
edifícios religiosos, enquanto ouvia as informações e explicações
proporcionadas pelo guia especialista em Arte Sacra que o
operador turístico contratou para o efeito. Enfim, foram trinta dias
de algum cansaço, muitas visitas, muitos conhecimentos novos
para digerir, mas foi realmente uma viagem extraordinária! No
regresso, o Visitante pensava na melhor forma de elucidar os seus
conterrâneos sobre as maravilhas, as riquezas, as belezas, que
existiam naquela deslumbrante metrópole.
O segundo homem, designemo-lhe por Viajante, preparou e
realizou a sua viagem de forma muito diferente. Não contratou os
serviços de qualquer operador turístico, dispensou excursões e
visitas guiadas. Preparou a sua viagem lendo tudo o que conseguiu
descobrir sobre a cidade, a sua história, os seus monumentos e
locais de interesse, as suas gentes. E mal desembarcou na cidade
e se instalou no hotel escolhido, lançou-se numa contínua
exploração da cidade. Também visitou, mas por si só, museus. Não
viu tudo. Não teve ninguém que lhe chamasse a atenção para as
melhores obras. Mas viu o que antecipadamente lera que era
importante ver, apreciou demoradamente aquilo de que gostou,
passou mais brevemente pelo que achou menos significativo.
Também visitou e fotografou os monumentos da cidade,
descobrindo ângulos curiosos, vestígios do passado interessantes.
Falou com os guardas dos monumentos e descobriu curiosas e
picarescas histórias, do passado e do presente, por eles contadas.
Perguntou aos habitantes locais que espetáculos interessantes
havia e acabou por ir ver um par de espetáculos que não
constavam dos circuitos turísticos, que o elucidaram sobre a
genuinidade das gentes daquela terra. Vagabundeou pela Cidade

136
Antiga e ali se perdeu horas esquecidas, recanto aqui, conversa
acolá, absorvendo a atmosfera da cidade e da sua história e da sua
vida. Provou o que se vendia nos mercados, comeu as comidas
típicas da cidade, confraternizou à roda de uns copos com
genuínos habitantes da cidade, apercebeu-se dos seus anseios e
desilusões, das suas alegrias e tristezas, do seu labor e do seu
ócio. Passeou por agradáveis jardins, observando as brincadeiras
das crianças e nelas se intrometendo. Conheceu muita gente,
conversou, ouviu histórias interessantes, soube onde adquirir as
mais genuínas coisas da cidade ao melhor preço, visitou fábricas e
locais de trabalho, escolas e locais de culto. Em descontraída
manhã de domingo, ousou mesmo jogar com um grupo de jovens o
desporto preferido na cidade e - claro! - perdeu... Falou com
taxistas e polícias, vendedores e ardinas e artesãos e
comerciantes, enfim embrenhou-se no coração da cidade,
misturou-se com as suas gentes, viu e visitou a cidade e tudo o que
de bom e bonito ela tinha pelos olhos dos seus habitantes. Quando
findou o tempo que tinha reservado para aquela visita, o Viajante
quase se sentia um novo habitante daquela urbe, dela partia com
alguma pena. Na sua máquina fotográfica, tinha mais fotografias de
pessoas do que de monumentos, mas cada imagem de cada
pessoa recordava-lhe um momento único, uma história curiosa, um
episódio pitoresco. Na viagem de regresso, pensava de si para si
que ficara mesmo a conhecder a cidade e as suas gentes e que
talvez fosse interessante elucidar os seus conterrãneos como se
vivia naquela importante urbe.
O terceiro homem, refiramo-lo por Turista, antes de viajar, comprou
um guia de viagem relativo à cidade, consultou-o e assinalou meia
dúzia de monumentos a visitar, viu quais os restaurantes

137
recomendados, anotou as mais agradáveis esplanadas. Escolheu
cuidadosamente o hotel onde ficaria. Chegado à cidade, instalou-se
no hotel e tratou de descobrir os serviços que proporcionava.
Reservou um dia para utilizar o SPA, comprou umas horas de
consumo de Internet, para que, diariamente, ou quase, reservasse
um pedaço do dia a ler as notícias do seu país. Contratou, para
determinado dia, uma visita guiada à cidade, daquelas de autocarro
aberto com guia de microfone, que vai debitando informações sobre
o que se vai vendo. Visitou descansamente a cidade. Viu os
monumentos que selecionara, calma e descontraídamente. Comeu
em todos os restaurantes que referenciara. Passou agradáveis fins
de tarde em sossegadas esplanadas. Passeou quando lhe
apeteceu, olhando para onde o seu olhar caía, falando com quem o
acaso colocava perto de si, ouvindo os ruídos ou músicas que a
sorte e o local proporcionavam, cheirando aqu o perfume de flores,
ali o odor de comida. Enfim, descansadamente viu o que quis ver,
visitou o que lhe agradou visitar. Descansou e andou, parou e
avançou. Voltou aos locais que mais lhe agradaram. Nem sequer
passou por onde não lhe interessava. No regresso, satisfeiro e
repousado, começou a germinar na sua mente algo que decidiu
partilhar com os seus conterrâneos.
Caro leitor, faça agora uma pausa, pense e decida de si para si:
qual dos três agiu melhor? E qual o pior?
A minha opinião é que nenhum foi melhor ou pior do que os
demais. Cada um viu a cidade da e pela forma que a ele mais lhe
convinha. Todos tiraram proveito da estada. Certamente proveitos
diferentes - mas isso não é melhor nem pior, apenas diferente!
O Visitante, de regresso a casa, escreveu um exaustivo guia de
viagem sobre a cidade, pelo qual os seus conterrâneos quase

138
podiam saber tudo o que havia a saber sobre ela, mesmo antes de
lá chegarem. O Viajante escreveu um livro de viagem, que retratou,
com grande fidelidade, como era, como vivia, o que sentia, a gente
daquela cidade. As suas impressões, os seus relatos permitiram a
quem leu esse livro saber como é realmente, por dentro, essa
cidade e como são os seus habitantes, mesmo antes de lá irem. O
Turista, esse, regressado da sua despreocupada, descansada e
nada exaustiva viagem... escreveu um romance passado naquela
cidade. Quem o leu, admirou, além da qualidade da escrita e da
trama da história, a forma como daquelas páginas se desprendia,
leve mas sensivelmente, a atmosfera da cidade.
Que tem isto que ver com Maçonaria? Releia, caro leitor, o meu
último texto sobre os Altos Graus. O Visitante simboliza o maçom
que decide percorrer os Altos Graus, fazer a sua viagem apoiado
no guia. Tudo aprende, certinho, direitinho. Compensa a falta de
espontaneidade com a qualidade e quantidade do saber que
recolhe. O Viajante simboliza o maçom que opta por seguir o seu
caminho por si, fazendo a sua busca desenvolvendo ele as noções
que aprendeu no seu percurso até à sua Exaltação como Mestre
Maçom. Não tem a sua viagem tão organizada, tão completa, mas
vive intensamente a sua busca. Não recolherá talvez a quantidade
de ensinamentos passível de ser recolhida numa viagem
organizada, mas recolheu o que lhe interessa e, no que lhe
interessa, aprende a fundo. Vive a sua viagem e apreende a
essência dela. E o Turista? Esse é o maçom que não se preocupa
grandemente com tempos e saberes. Faz a sua viagem, segundo o
seu tempo, o seu ritmo, os seus gostos. Não conhecerá tão
profundamente como os outros, mas tudo vê, talvez mais de
passagem, talvez mais intermitentemente, mas sempre de uma

139
forma para si agradável. Só vai à Loja quando lhe apetece ir à Loja,
uns anos exerce ofícios, noutros não está nisso interessado.
Quando vai, quando está, participa e contribui. Mas nem sempre
está disponível, necessita das suas pausas nas esplanadas. Faz a
sua viagem como gosta, ao seu ritmo. Não aprende tanto como o
Visitante, nem tão profundamente como o Viajante, mas o que
aprende, aprende com gosto e por gosto e disso retira proveito. E
partilha-o.
Todos fazem a sua viagem conforme preferem. Todos partilham o
que aprendem com ela. Cada um à sua maneira. É útil partilhar a
erudição. Mas também é útil partilhar a profundidade, a vivência, a
genuinidade. E não menos útil partilhar a Beleza, a satisfação, que
se tira da viagem, seja ela mais esforçada ou mais descansada.
Nenhuma forma de viajar é melhor do que a outra. São,
simplesmente, diferentes.
Afinal, o Visitante, que tudo aprendeu na sua primeira estada,
quando voltar, já só voltará a lugares escolhidos, para relembrar a
sua beleza e terá disponibilidade para sentir a vida do povo do
lugar. E o Viajante, que conheceu ao início como vive a cidade,
quando voltar certamente quererá saber mais sobre os seus
monumentos e sua história, dará mais atenção à erudição, mas
também apreciará fazê-lo mais descansadamente, com mais
pausas, para melhor apreciar a atmosfera da cidade. E o Turista,
esse, sempre visitando ao seu descansado ritmo, quando volta
aprende mais um pouco e mais profundamente.
Não importa como se começa, como se prefere fazer a viagem. O
que importa é fazê-la e ir aliando a Sabedoria (os conhecimentos
privilegiados pelo Visitante), à Força (a profundidade, a vivência, a
genuinidade, em primeiro lugar buscadas pelo Viajante) e à Beleza

140
(descansadamente privilegiada pelo Turista).
Maçonaria é vida, faz parte da vida, é uma forma de aprender e
apreciar e viver o mundo à nossa volta. De evoluir com a nossa
vivência. E sobretudo de partilhar a nossa vivência, os nossos
conhecimentos, a nossa evolução com os demais e beneficiar da
partilha do que os demais nos proporcionam. Em suma, de cada
um fazer a sua viagem, da forma que prefere e de que retira mais
proveito e partilhar esse proveito com os demais, pela forma como
melhor o conseguir fazer.

Rui Bandeira

141
Correlação e causalidade (I)

September 24, 2010

O governo de um país, preocupado com as assimetrias verificadas


no rendimento escolar dos seus cidadãos mais jovens,
encomendou um estudo que permitisse determinar uma forma
eficaz e eficiente de aumentar os níveis de literacia da porção mais
desfavorecida dessa faixa populacional. A metodologia adotada era
simples e, aparentemente, inatacável: pretendia-se estudar as
famílias cujos filhos tivessem melhor rendimento escolar, e isolar as
variáveis determinantes para as diferenças verificadas. Notou-se,
durante o estudo, que havia, nas casas dos miúdos com melhores
notas, determinados livros que pautavam pela ausência nas
famílias dos miúdos com resultados mais baixos: clássicos da
literatura, livros infantis e juvenis, dicionários e enciclopédias, entre
outros.
Face a isto, o que decide o governo fazer? Ora, muito
apropriadamente, estabelecer uma "biblioteca familiar básica" com
base nos livros detetados, adquirir milhões de livros e,
semanalmente, enviar um diferente para cada uma dessas famílias

142
cujas crianças tinham piores notas. Excelente ideia - no papel. E o
resultado? Zero. Os livros não tiveram qualquer impacto
mensurável.
"- Mas como é possível?!" - perguntarão. Muito simplesmente -
especulou-se depois - porque não era dos livros que decorriam as
boas notas, mas de toda uma cultura familiar de que os livros eram
um mero sintoma. Assim, nas famílias cujos pais detinham um nível
de escolarização superior, ou um nível cultural mais elevado, era
natural que existissem livros que lhes interessassem ou que
achassem que interessariam aos filhos. Os bons resultados
adviriam do tipo de contacto, de atividades, do estilo de educação
que os pais imprimiam nos filhos, e quem nem um milhão de livros
poderia substituir.
Mas não nos fiquemos por aqui. Já todos ouvimos certamente dizer
que "um ou dois copos de vinho tinho por dia tomados às refeições
fazem bem ao coração". De facto, há estudos que apontam para
uma fortíssima correlação entre o consumo moderado e regular de
vinho tinto e uma boa saúde cardíaca. O que poucos saberão é
que, estudo clínico após estudo clínico, as farmacêuticas têm - em
vão - tentado isolar as substâncias do vinho responsáveis por esse
efeito. Parece que o efeito se desvanece assim que o vinho é
separado nas substâncias que o constituem. Pior: se o vinho tinto,
por si mesmo, foi administrado como se de um medicamento se
tratasse, de forma controlada e medida, deixa de apresentar
qualquer efeito.
Uma vez mais, conjetura-se que quem pratica esse consumo
moderado - os tais dois copitos por dia de vinho tinto - é quem, por
um lado, tem algum poder económico que lho permita, e por outro
lado não caia em exageros ou em excessos de consumo. Em

143
suma: alguém com dinheiro para investir na sua própria saúde e
bem-estar, e com um estilo de vida descontraído que lhe permita
fazer refeições sem pressas, quiçá em boa companhia, mesmo que
não consuma vinho, terá certamente menos problemas cardíacos
do que a média... Uma vez mais, o consumo de vinho seria um
sintoma, um indicador, e não uma causa.
Estes exemplos são bem ilustrativos da diferença entre "correlação"
e "causalidade". Para haver correlação entre dois fenómenos basta
que se detete que quando um se verifica mais, ou outro também se
verifique mais (ao que se chama uma correlação positiva), ou se
verifique menos (caso em que passa a ser uma correlação
negativa). No primeiro caso havia uma correlação entre os livros e
o sucesso escolar; no segundo, entre o consumo de vinho e a
doença cardíaca. Contudo, para que haja causalidade, é
necessário que se prove que uma das ocorrências foi causada pela
outra - o que nem sempre é fácil, pois obriga a que se descubra,
com perfeita clareza, os mecanismos que leva de um estado ao
outro.
De facto, a indústria farmacêutica desconhece as razões por detrás
do funcionamento de muitos medicamentos à venda no mercado;
não fazem ideia de qual seja o nexo de causalidade, apenas
conhecem a existência de uma correlação. Para estabelecer a
correlação basta observar e reter; contudo, para determinar a
causalidade é necessário, através do raciocínio, procurar a regra, a
fórmula, a razão por detrás dos fenómenos ocorridos. Especulativa
que é, cada uma dessas regras pode sempre ser refutada caso se
encontre um caso concreto à qual ela se não aplique; tem, então,
que se encontrar uma nova regra de que decorram os mesmos
resultados para o que foi já estabelecido, mas que comporte ainda

144
os resultados dos casos novos.
É esta a base do conhecimento e do método científicos: a
observação - e mensuração - repetida dos fenónenos, a
especulação das regras a partir dos resultados, e a validação das
regras ao longo do tempo. E que tem isto que ver com maçonaria,
perguntareis? Tudo! Um maçon é um homem tendencialmente
esclarecido e completo, e distinguir estes dois conceitos -
correlação e causalidade - é essencial para a compreensão de
muitos argumentos, e para o desmontar de muitas falácias e
desonestidades intelectuais que tolhem e limitam a nossa
capacidade de escolha - pois que, só na medida directa em que
estamos de posse da verdade, é que podemos verdadeiramente
agir com liberdade.
Paulo M.

145
O dia foi bom para a Mestre Affonso Domingues

September 26, 2010

Ontem o dia foi bom para a Loja Mestre Affonso Domingues.

Ficou demonstrado que o trabalho arduo é o caminho a seguir.

José Ruah

146
O Sexto Grão Mestre

September 26, 2010

Foi ontem, perante uma assembleia de varias centenas de irmãos


portugueses e estrangeiros, instalado o Sexto Grão Mestre da
GLLP/GLRP, José Francisco Moreno de seu nome.

O MRGM J.Moreno, é obreiro da Grande Loja há muitos anos e o


seu CV maçónico foi já aqui publicado por ocasião do processo
eleitoral.

José, como o trato, perdão Muito Respeitavel José, é um


companheiro de caminho desde 1992, quando foi iniciado na Loja
Mestre Affonso Domingues, da qual sempre foi obreiro e Veneravel
Mestre.

A sua instalação enquanto Grao Mestre é um corolário do seu


caminho maçónico de então a até hoje.

Pessoa de poucas palavras e muitos actos, nele ficam agora


depositadas as esperanças de um mandato tranquilo e proficuo.

E como muito bem disse o actual VM da Mestre Affonso


Domingues, Irmao José Moreno vais daqui emprestado ao oficio de
Grão Mestre mas concluido que for o teu desempenho queremos-te
de volta na Loja.

Votos de bom trabalho

147
José( como ele me chama a mim)

148
Correlação e causalidade (II)

September 27, 2010

Quando, ainda pequenos, começamos a aperceber-nos do mundo


que nos rodeia, tudo é inesperado, e o controlo que temos sobre a
nossa realidade imediata é muito reduzido. Com a repetição dos
acontecimentos em circunstâncias semelhantes vamo-nos
apercebendo de padrões, coisa que o nosso cérebro está
especialmente "afinado" para detetar. Apercebemo-nos, deste
modo, que logo após uma coisa sucede, normalmente, uma
segunda e, ao fim de algumas repetições, quais cães de Pavlov,
começamos a salivar logo que ouvimos a sineta.
Pode ser impossível memorizar todas as ocorrências de um
fenómeno frequente, mas muito fácil recordar uma regra que as
traduza e resuma. A questão que se coloca é, por um lado, a da
fiabilidade da regra para explicar os acontecimentos passados, e
por outro a capacidade de prever os acontecimentos futuros. E,

149
mesmo quando a encontramos - a regra perfeita que explica a
correlação perfeita - nada fica explicado, apenas registado.
Suponhamos que eu pego num copo de água e o provo. Não sabe
a nada - ou não deve saber, pois a água pura é insípida e inodora.
Agora pego num pouco de açúcar, deito-o na água e provo. A água
passou a "saber a doce"! Posso repetir esta experiência as vezes
que quiser, até chegar a uma conclusão: de todas as vezes que
deitei açúcar na água a água ficou doce. A partir desta constatação
vou inferir uma regra que, espera-se, seja universal: sempre que
alguém deitar açúcar na água, esta fica doce. Estabelecemos uma
correlação.
Esta informação é útil? Claro que sim. Perguntem-no a qualquer
pessoa que trabalhe numa cozinha. Mas explica verdadeiramente
alguma coisa? Claro que não. Ficamos a saber que a água fica
doce, mas não sabemos porquê. Para isso, teremos que estudar as
papilas gustativas, os recetores que detetam os iões presentes no
açúcar, e os estímulos gerados nas mesmas para o cérebro. Aí,
sim, podemos dizer que entendemos o fenómeno, e que, da
correlação, passámos à causalidade: o açúcar é, de facto, a causa
do sabor a doce. Com base nesta informação, e cientes de como
funciona a nossa língua, podemos, agora, inventar coisas novas,
como adoçantes que não tenham as propriedades do açúcar. E que
nos adianta isso sobre o conhecimento inicial de que o açúcar
adoça a água? Por vezes, muito; as mais das vezes, nada para
além da satisfação de entendermos um pouco melhor o nosso
mundo.
A maioria do conhecimento que temos é meramente correlacional,
e não estabelece qualquer prova quanto à causalidade. Uma
correlação consegue-se pegando nos dados, na observação dos

150
fenómenos repetidos muitas vezes, e inferindo, através de métodos
matemáticos, uma ligação entre eles. A correlação, contudo, nada
demonstra por si mesma. Peguemos, por exemplo, no crescimento
semanal, em centímetros, das tulipas de uma certa estufa, ao longo
de alguns meses; e no preço, em euros, das botas de neve numa
loja de desporto. Poderia suceder, por mero acaso estatístico - ou
por qualquer outra razão - que houvesse um a correlação perfeita
entre ambas as medidas. Uma correlação é algo de objetivo e
indesmentível por definição: contra factos não há argumentos,
como se costuma dizer.
Já o mesmo não pode dizer-se das conclusões de causalidade
supostamente decorrentes de tal correlação. Seria, por exemplo,
pouco sensato dizer-se que "o crescimento das tulipas torna as
botas mais caras", ou que "as tulipas crescem tanto melhor quanto
mais caras estiverem as botas de neve". Pior, ainda, seria
aumentar-se o preço das botas esperando que isso aumentasse a
taxa de crescimento das tulipas... Já, por outro lado, dizer-se que
"quanto mais alta a temperatura, mais crescem as tulipas por um
lado, e mais raras são as botas de neve nas lojas - pois terão sido
vendidas na época fria - o que as torna mais caras" pode ter todo o
cabimento - mas carece de demonstração para se poder
estabelecer uma causalidade.
Contrariamente à correlação, estritamente objetiva, a causalidade
implica sempre uma dose de especulação e de juízo sobre os
dados objetivos que lhe darão suporte. Estabelecer uma correlação
é, muitas vezes, trivial; provar uma causalidade é, por outro lado,
frequentemente um desafio, para não dizer impossível. É, quase
sempre, um trabalho árduo. Contudo, provar-se uma causalidade
permite-nos chegar mais fundo, entender melhor, alargar o

151
conhecimento dos conceitos em causa, coisas que a mera
correlação não garante. Deveremos, por isso, abandonar as
correlações e focar-nos nas causalidades? Claro que não.
Devemos é saber distingui-las, dar a umas e a outras o devido valor
e, acima de tudo, não tomar por causalidades o que não passa de
meras correlações - falácia que muitos órgãos de comunicação
social, ávidos da nossa atenção, repetem vezes sem conta.
Paulo M.

152
Terminando um periodo

September 28, 2010

Chega ao fim um período. Foram três anos e meio de mandato (2 +


1 ½), mas na verdade foram 4 anos desde o anuncio formal da
candidatura do Mário ao cargo de Grão Mestre.

Foram muitas conversas, muitas opiniões trocadas, muitas idas à


Mexicana para “despacho” (ou só mesmo para um café).

Foram muitas gargalhadas, sorrisos, cumplicidades, e mesmo


algumas preocupações. O lema era, temos que nos divertir a fazer
isto.

Foi também muito trabalho feito, por todos os que receberam as


várias incumbências, que apareciam sempre numa chamada
telefónica simpática e preferencialmente com estes termos “ não
achas que seria importante….”. Impossível recusar.

Duas hipóteses se me põem para continuar este texto. Torná-lo


longo e extenso, ou curto e conciso.

Opto pela segunda porque enumerar o que aconteceu ao longo


destes últimos anos seria impossível.

Apesar de cada vez que falamos o Mário me dizer que eu tenho


mais 4000 anos de sabedoria que ele, na verdade foi ele que me
ensinou quase sempre, mesmo quando discordávamos, e se
discordámos.

153
Quero pensar que fizemos uma boa equipa, e que o resultado final
sendo positivo, se resume a uma Grande Loja melhor e mais
estruturada, mais muito mais por intervenção do Mário.

Mário, Muito Respeitável Irmão, Antigo Grão Mestre, mas para mim
e para mais uns quantos – Tio Mário ou melhor Muito Respeitável
Tio – obrigado pelo trabalho que fizeste e que proporcionaste fazer.

José Ruah

154
André Franco de Sousa, maçom nacionalista angolano

September 29, 2010

André Franco de Sousa passou ao Oriente Eterno em 17 de agosto


de 2010.
Foi um dirigente nacionalista angolano, nos anos 50 do século
passado, e um dos fundadores do MPLA.

Foi um dos envolvidos no "processo dos 50" e esteve preso no


Tarrafal. Depois do 25 de Abril, com Aurora Verdades, fundou um
partido político, que não vingou. Depois do Acordo do Alvor,
assinado entre Portugal e os três movimentos de libertação
reconhecidos, tomou posse o Governo de Transição e André
Franco de Sousa partiu para Portugal.
Aqui escreveu e publicou, em 1998, o livro “Angola, o Apertado
Caminho da Dignidade” onde explicou as razões pelas quais era
um opositor ao partido que fundou, o MPLA.
Foi um dos fundadores da Mestre Affonso Domingues. Ainda me
recordo de com ele ter estado em várias reuniões de Loja. Depois,
fundou outra Loja, para onde se transferiu, e raramente o passei a
ver, normalmente em assembleias de Grande Loja.

155
Conheci-o já idoso. Manteve sempre o seu apreço pela
Democracia, que o levara a cortar com a organização que fundara.
Dele guardo uma imagem de completa serenidade e enorme
simpatia.
Contou-se, embora brevemente, entre os obreiros da Mestre
Affonso Domingues. Foi um dos nossos e como um dos nossos é
aqui recordado. Foi um dos veteranos que criaram as condições
para a Loja ser o que ela é. Estamos-lhe gratos pelo seu contributo.
Há já alguns anos que a doença o afastara do nosso convívio e o
André se encaminhava para o nicho das recordações. Das boas
recordações. Agora ali encontrou, em definitivo, o seu lugar.

Rui Bandeira

156
Correlação e causalidade (III)

October 01, 2010

Por esta hora estarão já uns quantos a pensar: "Podia ter-lhe dado
para pior. Falar de coisas que nada têm que ver com a Maçonaria
num blogue sobre Maçonaria..." Quem assim pensar está
rotundamente equivocado, por três razões.
Em primeiro lugar, porque, como disse já, confundir estes dois
conceitos leva-nos a conclusões precipitadas e, frequentemente,
erradas e afastadas da verdade, porque ilógicas; e o estudo da
Lógica é parte integrante da formação de um maçon. De facto, o
estudo das Artes Liberais - base da formação para o gentlemanship
- é promovido e incentivado entre os maçons.
Em segundo lugar porque um meio a que os maçons recorrem para
se aperfeiçoarem consiste, precisamente, na exposição aos demais
das sua próprias conquistas, das suas próprias conclusões e do
seu próprio aperfeiçoamento, para que cada um possa dela retirar
os ensinamentos que tiver por convenientes. Neste caso, estes
textos, decorrentes da minha própria pesquisa e especulação,

157
refletem o meu percurso na busca de algumas razões que quero
agora partilhar convosco.
Como sabeis, uma das diferenças entre a Maçonaria Regular e a
Maçonaria Liberal consiste na obrigatoriedade - numa - e a sua
ausência - na outra - de crença num Ser Supremo, a que
chamamos, para não dar prevalência à terminologia de nenhum
credo religioso, "Grande Arquiteto do Universo". Começando por
ser estritamente cristã, a Maçonaria Regular alargou o âmbito das
fés "aceites", até aceitar qualquer crença em qualquer Ser
Supremo, desde que não fosse a crença em coisa nenhuma. A
Maçonaria Liberal aceita no seu seio quem tenha ou não qualquer
crença. A Maçonaria Regular proíbe a discussão ou controvérsia
religiosa ou política em loja; a Maçonaria Liberal promove ambas.
Mas porquê estas restrições? Não poderá surgir uma discussão
sadia sobre religião entre pessoas de entendimentos religiosos
distintos? Não poderá ser útil a discussão política entre irmãos de
facções opostas, quiçá promovendo um entendimento que em mais
contexto algum seria possível? E não poderia um ateu
aperfeiçoar-se e auxiliar outros no seu respetivo aperfeiçoamento,
com respeito pela crença dos demais? Claro que sim! Então porque
é que nem um Grão-Mestre, com a unanimidade de toda a sua
Obediência, pode mudar alguns princípios da Maçonaria Regular?
Estas questões colocavam-se-me há já algum tempo, quando me
surgiu uma resposta: os Landmarks da Maçonaria nada explicam,
apenas enunciam, e isso basta. Não é necessário saber-se de que
é feita uma aspirina - e muito menos entender-se como interage
com o nosso organismo - para que ela nos livre de uma dor de
cabeça. Não precisamos de provar a causalidade para nada -
basta-nos constatar a correlação. Toma-se a aspirina e - puf! - lá se

158
foi a dor de cabeça. Mesmo sem se perceber porquê.
Do mesmo modo, determinadas regras - algumas velhas de três
séculos - não precisam de se justificar. Passaram já a prova do
tempo, e este tem-lhes dado razão. São como são, e moldam a
Maçonaria de um modo com que os maçons se identificam. Como a
aspirina, funcionam sem que saibamos muito bem porquê. Se
compreendermos como funciona a aspirina, e com base nesse
conhecimento a alterarmos de modo que atue de outra forma,
tenha outros efeitos, trate doutras patologias, obteríamos talvez um
medicamento melhor - mas não era aspirina. Também podíamos
passar a aceitar que se jogasse futebol com a mão - mas o jogo,
ao sofrer tal alteração de dinâmica, deixava de ser futebol. E
também como é evidente, muita coisa se poderia mudar na
Maçonaria - mas deixava de ser, de certeza, a Maçonaria que
conhecemos e, quem sabe, deixaria, de todo, de ser Maçonaria. E
por isso, mudar por mudar, fica como está.
Paulo M.

159
Poema à Amizade

October 02, 2010

Pode ser que um dia deixemos de nos falar...

Mas, enquanto houver amizade,


Faremos as pazes de novo.
Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos...


Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade reaproximar-nos-á.
Pode ser que um dia não mais existamos...

160
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.
Pode ser que um dia tudo acabe...
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.
Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

Albert Einstein

161
5 de Outubro, revolução e maçonaria

October 05, 2010

Não pode deixar-se passar a data de 5 de Outubro - aniversário da


implantação da República em Portugal - sem se falar na Maçonaria.
É público e conhecido o papel que a maçonaria teve neste evento.
De facto, a revolução não só terá sido promovida, arquitetada e
executada - pelo menos em parte - por maçons, como a maçonaria
terá na mesma participado ativamente de forma institucional.
O que poucos saberão é que tal modo de atuação é daqueles que
distingue a Maçonaria Regular da Maçonaria Liberal. Não se
questiona o mérito da causa, mas a forma e os meios utilizados. De
facto, as razões invocadas para a revolução - o despotismo
político-religioso, a ausência de liberdade de culto e da liberdade de
consciência que se viviam no regime de então - são válidas e
meritórias, e pode mesmo dizer-se que pertencem ao ideário
maçónico. Todavia, algumas questões de fundo separam
inexoravelmente as duas correntes da Maçonaria - Regular e
Liberal - e podem ser apreciadas neste contexto.

162
Por um lado, tomemos a questão da discussão de política e religião
em loja. Pelo que se sabe, esta revolução - como outras - foi
preparada durante sessões de loja. Forçosamente se discutiu o
mérito desta política sobre aquela e - sabendo-se que havia
maçons quer na fação republicana quer na monárquica -
certamente houve vozes minoritárias que viram os seus Irmãos, a
sua Loja, e mesmo a sua Obediência, agirem como um corpo na
prossecução de objetivos e de ideias contrários aos seus. Por fazer
prevalecer, na escala dos valores, a harmonia fraterna, é que a
maçonaria regular proíbe essas discussões, para que não se
estabeleçam partidos opostos dentro das lojas, para que estas não
escolham lados, e para que as grandes lojas não manifestem
preferências que poriam, em qualquer dos casos, uns "de dentro" e
outros "de fora".
Por outro lado, atente-se a que a maçonaria regular exige dos seus
membros que sejam cidadãos cumpridores das leis do país. Ora,
esta questão tem duas consequências. Por um lado, de forma mais
imediata, implica que caso um maçon seja condenado pelo sistema
judicial civil por um crime que tenha cometido, sofrerá quase que
por certo uma sanção disciplinar no seio da sua Obediência,
sanção essa que poderá mesmo constituir a sua expulsão (mas,
evidentemente, ninguém é expulso por algo como uma multa de
estacionamento). Por outro lado, esta exigência reflete-se nas
Obediências, não sendo reconhecidas a nível internacional aquelas
que, para existirem, impliquem que os seus membros cometam
algume ilegalidade; por exemplo, se as leis do país passarem a
proibir a Maçonaria, e mesmo assim uma Grande Loja continue a
existir - cometendo uma ilegalidade - ser-lhe-á retirado o
reconhecimento internacional por parte das outras Grandes Lojas

163
regulares.
Tais condicionantes - a proibição de discussão política e religiosa, e
a obrigação de cumprimento da lei do Estado - não se verificam na
Maçonaria Liberal. Cada maçon que pertença a uma Obediência da
Maçonaria Regular é livre de agir como a sua consciência lhe dite e
continuar a ser maçon - desde que não cometa nenhum crime.
Participar de - e, especialmente, promover - uma revolução,
atentando contra os órgãos do Estado, é um crime contra o mesmo
Estado, e não é considerado pela Maçonaria Regular uma forma
aceitável de se agir. Entendimento diametralmente oposto tem a
Maçonaria Liberal, que argumenta que uma lei injusta não tem
legitimidade, que crime seria observá-la, e que promove o seu
derrube.
Dois pontos de vista.
Duas formas de agir.
Duas Maçonarias.

Paulo M.

164
José Luís Ribeiro Moita de Macedo, maçom improvável

October 06, 2010

Ao longo dos quase vinte anos que tenho da Loja Mestre Affonso
Domingues, conheci umas centenas de Irmãos. Com alguns forjei
laços de amizade. Com outros, construí uma agradável relação de
camaradagem. Com outros ainda, uma saudável relação fraterna
de integração num mesmo grupo. Com poucos, muito poucos, as
circunstâncias do nosso contacto não possibilitaram um
conhecimento mútuo. José Luís Moita de Macedo foi um desses
poucos casos, nem sei bem porquê. Quando preparava a edição do
livro relativo aos Vinte Anos da Loja, o José Ruah enviou-me a lista,
que trabalhosamente efetuou, dos obreiros que, ao longo deste
tempo, passaram pela Loja. Um dos nomes incluídos nessa lista
era o do José Luís Moita de Macedo - com a indicação de que já
tinha falecido.

Uma vez que o projeto do livro previa a inclusão de textos


evocativos dos Irmãos da Loja que, nos dois decénios de vida
desta, tinham já passado ao Oriente Eterno, a minha falta de
memória em relação ao José Luís tornava-me tarefa quase

165
impossível elaborar o texto evocativo que era de toda a justiça
dedicar-lhe. Pergunta daqui, inquire dacolá, cheguei à conclusão de
que a pessoa indicada para escrever essa evocação era o Antigo
Venerável da Loja, presentemente adormecido mas sempre
fraterno e disponível para colaborar, Vítor E. C.. A ele solicitei o
texto evocativo, que foi incluído no livro. O In memoriam do blogue
não ficaria completo sem a evocação aqui deste Irmão.

Portanto, aqui transcrevo o texto de Vítor E.C., evocativo de

José Luís Moita de Macedo, maçom improvável

Jornalista Profissional

Nasceu a 16 de Julho de 1953

Faleceu a 5 de Fevereiro de 2000

O nosso querido Zé Luís, foi sempre, para muitos de nós, que o


conhecíamos bem, um improvável maçon. Na forma, assumo e
digo eu… Não era homem de espaços fechados, não era pessoa
de rituais, detestava o fato escuro, a alva camisa, a gravata preta e
as luvas brancas – assim não poderia praticar os seus próprios
rituais de mordiscar, nervosamente, o dedo indicador! - nem,
sequer, era sensível ao cadenciado mito drama dos nossos
catecismos! Davam-lhe sono…

166
No conteúdo, contudo, o Zé Luís, foi sempre um Irmão! Um Irmão
e… um Amigo! Quando nem sempre o Amigo é um Irmão e, muitas
vezes, o Irmão não pode ser o Amigo! De facto, ele foi Irmão, por
um sentimental, emotivo e singular laço de amizade que o unia a
alguns de nós - ao Manuel A. G., ao José Manuel Severino, ao
João M. V., ao H. S. e a mim – e a Todos foi fiel bem como a Todos
os outros Irmãos que, pela sua simpatia e bonomia, o adoptaram,
também, pela sua fidalga e discreta maneira de estar e de ser.

Aceitou o desafio, não fez muitas perguntas e como bom coração e


alma solidária, embarcou, cúmplice e fraterno!

As lides em loja não eram, de todo, do seu agrado! Mas as nossas


obras de solidariedade, os convívios, os passeios, o trabalho de
sapa que sempre nos é pedido, como obra cívica e exemplo de
ética social… sempre mereceram dele toda a atenção,
disponibilidade e carinho. Era membro de uma outra fratria que nos
unia, também em Loja e, espiritualmente ao Fernando Teixeira –
era Epicurista, Monárquico e Aficionado Tauromáquico! Como
Homem de Cultura, filho de um grande vulto das nossas letras e
artes – o pintor e poeta Moita Macedo! - e, sobretudo, como
Jornalista, ao serviço do “Correio da Manhã”, foi sempre incansável
na divulgação, na promoção e no engrandecimento da nossa Loja e
da Grande Loja.

Cruzou o Oriente Eterno, na força da vida, quando dele ainda muito


se esperava e ele próprio tinha, ainda, muito para dar… deixou um
peculiar vazio, uma Saudade e a Memória que aqui se evoca, com
chorada Amizade!

167
Vítor E. C.

Aqui deixo esta evocação do José Luís. Não o conheci muito bem.
Mas não o esqueci!

Rui Bandeira

168
Ainda os Altos Graus

October 08, 2010

Mesmo depois de tudo quanto foi já explicado quanto à natureza


dos Altos Graus e à sua vacuidade de poder, poderão restar ainda
algumas dúvidas facilmente sanáveis. Desmontemos então, uma
por uma, as bases em que tal argumentação se sustenta.
Em primeiro lugar, os Altos Graus estão, muito democraticamente,
ao alcance de qualquer mestre maçon que seja suficientemente
empenhado para investir o seu tempo e o seu dinheiro (sim, que os
aventais, luvas e demais adereços não são de graça, e a
maçonaria não recebe subsídios...). Pensemos neles como graus
académicos, mas sem a "pequena questão" da avaliação: quem
frequenta obtém o grau. Ora, tal sistema não permite distinguir
quem sabe de quem não sabe, já para não falar de outras
qualidades. Um sistema que permita chegar-se ao topo apenas
com tempo e dinheiro só pode ser interessante para o próprio, o
que é justamente o caso.
Em segundo lugar, não sendo objeto de eleição ou escrutínio, os
Altos Graus não conferem qualquer legitimidade representativa. Um
mestre maçon que tenha atingido o grau 32 ou mesmo o 33 não

169
fala por ninguém senão por si mesmo. Por isto é que é frequente,
sempre que alguém nota que fulano de tal, "que até é grau 33",
disse isto ou aquilo, de imediato se recordar que cada um apenas
fala por si, e é livre de manifestar a sua opinião como quiser, sem
que os demais se sintam obrigados pela sua palavra.
Em terceiro e último lugar, foquemo-nos onde se encontra o
verdadeiro poder: nos Grandes Oficiais. Destes, apenas o
Grão-Mestre é eleito, indigitando depois o seu quadro de Grandes
Oficiais. Todavia, se recordarmos que a Maçonaria é como que um
"pequeno mundo em miniatura", em que pode desempenhar-se
papéis a que, doutro modo, dificilmente se acederia - sendo assim
uma espécie de "Kidzania para crescidos" onde se aprende com a
experiência - então vemos que, quais notas de Monopólio, qual
jogo a feijões, o "poder" da Maçonaria se confina aos limites da
própria Ordem, e mesmo dentro desta os "poderes" são,
essencialmente, administrativos e/ou rituais. Ser-se Grande Oficial,
longe de conferir qualquer poder real, é antes uma carga de
trabalhos, e visto, acima de tudo, como um serviço que se presta.
Para terminar, para quando virem um texto assinado por um "grau
33", deixo uma pista para se aferir a legitimidade do discurso e da
sua representatividade: um "grau 33" não fala, normalmente, senão
por si mesmo; no entanto, um Grão Mestre pode falar por toda uma
Obediência...
Paulo M.

170
Vida em sociedade: confiança vs. ordem?

October 11, 2010

A população mundial há apenas 200 anos era 8 vezes menor do


que é hoje. Recuemos alguns milénios e veremos a população
mundial reduzir-se a poucas dezenas de milhões, número que hoje
associamos a uma grande cidade. Primeiro nas tribos nómadas,
depois nas aldeias após o advento da agricultura, agremiavam-se
poucas dezenas de pessoas que se conheciam e conviviam do
berço ao túmulo. Não havia como se esconder numa pequena
povoação; mais valia não se ter nada a ocultar. Sabia-se
precisamente quem eram "os nossos" e quem eram "os outros", os
"da casa" e os "de fora". Se algo a isso obrigava, tinha que se fugir
para outra povoação mais longínqua; não havia como permanecer
e passar despercebido. Esse facto condicionava fortemente o
comportamento das pessoas, que agiam em função da reação da
comunidade, que por seu lado estava vigilante e atenta (sempre

171
houve coscuvilheiras...) e caía implacavelmente em cima do
prevaricador.
Como a Terra não estica, o progressivo aumento de população
traduziu-se, inevitavelmente, num aumento de densidade
populacional - mais pessoas por quilómetro quadrado - o que
acarretou um maior número de contactos com um maior número de
desconhecidos anónimos, de que decorre um maior número de
conflitos. Ao mesmo tempo, ia-se criando um nevoeiro difuso
decorrente do aumento de número, que impedia que se
conhecesse, já, a totalidade dos "nossos", e não se conseguisse
distingui-los dos "outros". A confiança que se tinha começa a
declinar - as portas passam a ter fechaduras, e estas passam a
ficar trancadas. Surgem crimes cuja autoria se desconhece.
Hoje em dia, a elevadíssima densidade populacional,
especialmente nas zonas urbanas, levou a que a convivência nas
sociedades modernas seja fortemente regulada, a um ponto que
seria impensável há pouco tempo atrás. Não precisamos de recuar
muito - basta fazê-lo uma década, para quando se podia viajar
tranquilamente de avião para todo o lado sem o verdadeiro
strip-tease abelhudo a que hoje nos sujeitam - para vermos em que
curto espaço de tempo foram criadas tantas defesas, tantas
barreiras, tantos controlos. A partir de certo ponto, os controlos
deixam de ser instrumentais, e passam a constituir um fim em si
mesmos, propulsionados por toda uma indústria que deles se
alimenta. Cada vez há menos confiança da polícia no cidadão -
que, afinal, pode ser um bandido - e deste na polícia - que, afinal,
tem a faca e queijo na mão para cometer os abusos que entenda.
O poder político, esse, desconfiado de ambos e numa posição
altaneira, produz leis a um ritmo acelerado - muitas das quais nem

172
os cidadãos cumprem, nem a polícia consegue fazer cumprir.
E neste momento interrompo este texto para vos convidar a ver
este video. Tomar-vos-á apenas 5 minutos. Para quem o não
queira ou não possa ver, descreve como, na baixa de uma cidade
de Inglaterra, foram eliminados por completo os semáforos e a
maioria dos sinais de trânsito, regulando-se este apenas pelas
regras mais básicas de prioridade. O resultado? O trânsito parece
mais caótico - com todos a andar ao mesmo tempo - mas
desapareceram as longas filas nos semáforos e grandes tempos de
espera. O tráfego automóvel adquiriu uma fluidez nunca vista, e isto
sem se diminuir o número de viaturas e até diminuindo o número de
acidentes! Uma das habitantes relata, estupefacta, que o percurso
que antes lhe levava mais de 20 minutos é agora feito em 5. E a
cidade parece outra, sem filas de carros em ponto morto e a deitar
fumo. As pessoas são mais cordiais ao volante, e muitas dão
passagem com um sorriso. Só os cegos se queixam de que as
mentalidades demoram a mudar, e têm medo de atravessar a rua
sem o conforto dos semáforos e sinais sonoros nas passadeiras
para garantir que os carros param mesmo. Este problema está
presentemente em estudo, e quer-se resolvido.
Eis como, deixando as coisas nas mãos do cidadão comum que
age num espaço público perante a vigilância atenta dos demais
peões e condutores, se consegue obter um modelo muito mais
justo e perfeito de circulação. Eis como se muda uma cidade sem
revoluções, sem derrubar leis, e sem atentar contra a vontade de
uma população - fazendo-o estritamente a partir do edifício legal
existente. Se a maçonaria regular fosse uma autoridade de trânsito,
arrisco dizer que seria assim que deliberaria.
Paulo M.

173
Maçonaria e Modernidade

October 13, 2010

Modernidade não é substituir o antigo pelo novo. É adicionar o novo


ao antigo.

A Maçonaria, herdeira das tradições dos construtores de catedrais


da Idade Média, soube, no século das Luzes, reinventar-se, evoluir
para a sua atual forma de Maçonaria Especulativa, assumindo a
modernidade do Iluminismo sem deixar cair o acervo das tradições,
da ética, dos costumes, dos maçons operativos.

174
Neste dealbar de novo século e milénio, no findar da sua primeira
década, importa refletir sobre o papel da Maçonaria num Mundo
que evolui e se transforma a um ritmo nunca dantes visto, com um
avanço tecnológico ímpar na História da Humanidade, mas também
com riscos e desequilíbrios de uma dimensão global, também
novos, em tão ampla escala.

Importa refletir sobre a melhor forma de bem utilizar as Novas


Tecnologias de Informação. Importa refletir sobre como integrar os
novos conhecimentos, os avanços científicos, as evoluções sociais,
no paradigma maçónico. Importa refletir sobre o papel, o interesse,
a contribuição, da Maçonaria nas sociedades de hoje e do amanhã.
Importa refletir, em suma, sobre como adicionar o novo ao antigo.

A Maçonaria é uma contínua sucessão de atos de construção de


cada um de nós, em que cada um de nós é simultaneamente a
obra, a ferramenta e o construtor. Nesta permanente tarefa, o uso,
a prática, a execução, da Tradição, a repetição de palavras, gestos
e atos que a nós chegam vindos de tempos para nós imemoriais,
é-nos confortável e reconfortante, dá-nos segurança, um ponto de
apoio e de equilíbrio. Fazemos o mesmo que muitos outros antes
de nós, em muitos tempos e diversos lugares, fizeram, que muitos
outros além de nós no mesmo dia em que nós o fazemos também o
fazem, esperamos fazer o mesmo que muitos muito depois de nós
continuarão a fazer. É-nos confortável, dá-nos segurança,
estabilidade, paz de espírito, sabermos que somos individualmente
elos de uma imensa cadeia que nos chega de um profundo
passado, continua num tranquilo presente e prossegue num risonho
futuro...

175
Nós, maçons, somos os cultores por excelência da Tradição!

No entanto, não recusamos, nunca recusámos, a Modernidade! A


nossa história mostra mesmo que, em algumas épocas, nós fomos
a Modernidade: muitas das Luzes que iluminaram o século das
ditas foram de maçons, espíritos científicos avançados para a sua
época, que cultivaram, divulgaram e fizeram avançar a Ciência e a
Técnica. Os princípios hoje quase universalmente aceites (e
ansiamos pelo dia em que o “quase” desapareça) dos Direitos
Humanos foram acarinhados, cinzelados (é o termo), divulgados e
defendidos, antes de mais e antes de todos, por maçons. Nós,
maçons, orgulhamo-nos de, ao longo da nossa já apreciável
história, sabermos aliar a Tradição à Modernidade.

Nós, maçons, procuramos nunca substituir o antigo pelo novo,


porque isso seria deitar fora, desprezar, desaproveitar, tudo o que
de bom o antigo continua a ter para nos ensinar, ilustrar,
proporcionar, antes integramos o novo no antigo, cultivando a
Tradição, mas utilizando tudo o que a Ciência, a Técnica e a
própria evolução do Homem nos proporciona.

Rui Bandeira

176
"Sim, mas o que é que fazem na cama?"

October 15, 2010

Imaginem um celibatário virgem a tentar entender o conceito de


"casamento" explicado por um homem casado.
"- Ouvi dizer que as pessoas casadas fazem coisas esquisitas na
cama. O que é que fazem na cama?"
"- Isso não é, de modo algum, o mais importante. De qualquer
modo, as pessoas casadas não costumam falar disso a pessoas
que não são casadas, e as outras pessoas casadas sabem
suficientemente do que se trata para que não seja necessário
discuti-lo."
"- Porquê? É segredo? Dê-me lá só um exemplo, para eu ter uma
ideia."
"- O que se passa no leito conjugal é do foro da intimidade do
casal, e não é para ser discutido por estranhos. De qualquer modo,
o essencial é a camaradagem, que de tão intensa nos leva a
pertencer um ao outro. É esse o nível de comprometimento."
"- Pois, eu tenho grandes amigos, mas não abdico da minha
liberdade..."

177
"- A liberdade não se perde; passa-se é a decidir em conjunto, e em
função um do outro. Ao ter que se conjugar as vontades
aprende-se, por outro lado, a ver a realidade sob outros ângulos, e
a estabelecer prioridades. Isso torna-nos pessoas melhores."
"- Não concordo nada. Não vejo a vantagem de abdicar de
concretizar os meus desejos, nem vislumbro que essa mortificação
me tornasse uma pessoa melhor. Quando muito, mais amarga."
"- De modo nenhum. Estar ao serviço do outro é um privilégio: é
sinal de que temos valias, e que estas podem ser postas em
prática. Isso dá-nos uma satisfação muito grande. Por outro lado,
esta dádiva de si mesmo, praticada por ambos, leva a que ambos
se tornem melhores, que cada um apreenda do outro o que este
tem de mais positivo."
"- Pois, mas não percebo. Afinal, o que fazem na cama? Dão
privilégios um ao outro? Praticam a camaradagem? Eu e os meus
amigos também praticamos camaradagem, mas praticamos
desporto juntos e passamos noitadas nos bares. Isso é que é
camaradagem. Agora numa cama? Num sítio onde se dorme,
pequeno e acanhado? Não percebo."
"- São coisas completamente diferentes. Os amigos podem ter
muitas afinidades, mas um casal constroi essas afinidades para
além das que originaram o relacionamento, e fá-lo durante toda
uma vida. As amizades são mais efémeras, apesar de poderem
durar mais do que muitos casamentos. Os casamentos desejam-se
eternos, e moldam toda a vida dos envolvidos."
"- Uma vez mais, não vejo nada que distinga um casamento de
uma boa amizade. Tenho amizades que mantenho desde miúdo, e
que espero fazer durar até ao túmulo."

178
"- Pois, seja. No entanto, há uma sensação de bem-estar, de
realização pessoal, de completude, que o casamento proporciona e
que uma amizade, por mais intensa, não atinge, por se tratar de um
registo completamente diferente."
"- Isso deve ser um registo mesmo muito esquisito, que eu e os
meus amigos não passamos dias enfiados numa cama a cheirar a
dormido, embrulhados nas almofadas, a sacrificar-nos uns pelos
outros. A camaradagem pratica-se ao ar livre, no meio da natureza.
Mas diga lá, que eu prometo não contar a ninguém. Afinal, o que
fazem na cama?"
"- Olhe, o que um casal faz numa cama não é nada que se possa
contar. Aliás: até podia, mas para isso deixaria de cumprir com os
meus deveres de decoro e discrição conjugal. Estaria a ser um mau
marido. Por outro lado, de nada lhe aproveitaria: é algo que precisa
de ser vivido para se entender. As palavras não são adequadas. Se
lho descrevesse, acharia eventualmente a descrição repulsiva,
quando na verdade se trate de algo de sublime. Poderia até afastar
qualquer desejo de vir, um dia, a casar-se. Se alguma vez decidir
casar-se, e o fizer de facto, verá depois a que me refiro."
"- Segredinhos e mais segredinhos! Isso são desculpas.
Explique-me lá, que eu tenho um estômago de ferro, e sou capaz
de aguentar o embate. Afinal, o que fazem na cama?"
"- Ó homem, já lho disse. Um casamento é algo que vai muito para
além do que se faz na cama. É possível, até, ser-se casado, ter-se
alguém com quem se partilha tudo, e nunca se partilhar dessa
intimidade. O estar-se casado é mais um modo de vida, um estado
de espírito, uma forma de estar no mundo, e a partilha na cama
mera manifestação disso mesmo; no entanto, não é absolutamente
essencial que essa manifestação exista. As mentes mais ortodoxas

179
lhe dirão que para se ser casado tem, mesmo, que se fazer essa
partilha. Contudo, há verdadeiros «casamentos sem aliança», em
que duas pessoas vivem em comunhão de tudo - exceto de cama.
Fiz-me explicar?"
"- Mais ou menos. Continuo a achar que a cama é apertada e
inadequada à camaradagem de que fala, e que partilhar de um
copo de cerveja se faz numa mesa de um bar com muito mais
propriedade do que numa cama, onde ainda se entorna o precioso
líquido no colchão. A não ser que o que fazem seja muito diferente.
É? É diferente? O que é que fazem na cama?"
"..."
Lembra-vos alguma coisa?
Paulo M.

180
Como se pode - ou não - falar de religião em loja

October 18, 2010

A proibição de discussão religiosa em loja é assunto


reiteradamente debatido. Não há, todavia, como o exemplo para
ilustrar o princípio. Quando procurava uma ocorrência - real ou
fictícia - que não soasse forçada, recebo um simpático
cumprimento feito por um leitor aqui num dos comentários: "Que o
Senhor lhe conceda discernimento para encontrar a verdade que
liberta e está em Cristo Jesus!". Nem de propósito. Este
cumprimento, feito sem qualquer dúvida com a melhor das
intenções, consubstancia, precisamente, o tipo de discurso que,
apesar de socialmente admissível fora de loja, não o é numa loja
maçónica.
Mas porque é que um simples cumprimento como este - que até é
auspicioso, traduzindo os desejos de que suceda ao seu
destinatário uma coisa que o emissor tem por positiva - não é

181
admissível em loja? Vejamos com mais atenção o que se diz. "Que
o Senhor"... Até este início insuspeito pode gerar controvérsia; se,
por exemplo, se pertencer a uma religião que denomine a
Divindade de uma outra forma, é quanto basta para que se sinta a
expressão como estranha. Nesse sentido, não é difícil imaginar
uma situação em que alguém interprete isto como sinónimo de "que
o meu Deus - que não é o teu - te conceda isto e aquilo". "... a
verdade que liberta ...", esta sim, é uma quase certa fonte de
discórdia, por causa da sua mais pequena palavra: "a". Referir-se
"a" verdade que liberta, especialmente junto de um nome
comummente associado a certa religião, implica ser esta verdade
algo de único, que não há outra, e que muito menos há várias.
Referirmos a existência de um único caminho certo implica que
quem não o percorra estará a ir... por caminhos errados - o que é
contrário à ideia de que cada um deva sentir ser respeitadas as
suas crenças de forma que não haja preponderância de quaisquer
outras sobre estas - ou destas sobre quaisquer outras. Isto faz-nos
chegar à última parte: "... e está em Cristo Jesus". Se a todas as
outras fórmulas se poderia, eventualmente, fazer "vista grossa"
quando utilizadas em loja, esta última não é, de todo, passível de
ser aceite, por ser indiscutivelmente própria de uma religião, e por
isso sentida como estranha por quem professe uma fé diversa.
Cada religião tem uma terminologia própria para referir a(s)
divindade(s) a quem presta culto. Forçar seguidores de várias
crenças a utilizar a terminologia de uma delas seria algo de muito
pouco paritário. Para ultrapassar esta dificuldade, a maçonaria
decidiu adotar uma nomenclatura própria, alheia a qualquer crença
ou religião - e por isso equidistante de todas estas - para designar a
Divindade. Assim, em vez de um dizer Elohim, outro Deus e outro

182
Jesus Cristo; em vez de invocar Allah ou Jeová, Krishna ou
Zoroastro, Thor, Zeus - ou a Divindade por qualquer outro nome -
os maçons dizem "Grande Arquiteto do Universo". Essa expressão
designa não um qualquer "deus maçónico" - pois tal não existe -
mas constitui apenas um mesmo nome através do qual todos os
maçons se referem cada um ao seu próprio Deus.
De fora fica também, evidentemente, tudo o que é próprio desta ou
daquela religião. Não faria sentido dizer-se "invoquemos Maria,
mãe do Grande Arquiteto do Universo", ou "O Grande Arquitecto do
Universo é grande, e Mohammed é o seu profeta". Assim, em loja,
apenas nos referimos ao "Grande Arquiteto do Universo". As
pranchas maçónicas - na maçonaria regular - começam sempre: "À
G.·.D.·.G.·.A.·.D.·.U.·. ", uma vez que todo o trabalho é feito "À
Glória Do Grande Arquiteto Do Universo". Cada um dedica o
trabalho que fez ao Deus da sua predileção, mas todos sob uma
"alcunha" comum. Um pouco como cada adepto se refere ao
respetivo clube como "o Glorioso"...
Um dos momentos altos de cada sessão é a Cadeia de União. Uma
vez formada, um dos irmãos profere uma curta oração, que não
deve ser própria de nenhuma religião, e é, as mais das vezes,
espontânea. Pode ser algo como: "Agradeçamos ao Grande
Arquiteto do Universo a graça de estarmos todos aqui, juntos uma
vez mais, e recordemos todos quantos já partiram para o Oriente
Eterno". Dificilmente alguém poderá sentir-se posto de parte
perante tal fórmula, e é precisamente o que se pretende: fomentar
a união, a identificação apesar da diversidade, e o foco naquilo que,
de facto, é comum a todos. Não faria sentido, apesar de a
esmagadora maioria dos maçons da nossa loja ser cristã, rezar-se
um "pai-nosso" na cadeia de união - até porque um dos nossos

183
irmãos é judeu, e sentir-se-ia certamente desconfortável. E mesmo
que todos fôssemos cristãos, o princípio é para manter - basta
recordar que recebemos frequentemente visitas de irmãos de
outras lojas, e nunca sabemos que fé professam...
Esta limitação de expressão pode tornar-se problemática para os
seguidores de certas religiões que tenham por princípio o
testemunho permanente perante os outros dos valores, princípios e
verdades da sua religião - e, no limite, tentar converter os demais
para a sua fé, expondo as fraquezas de uma crença e exaltando a
outra. Quem sinta essa obrigação não poderá sentir-se bem na
maçonaria, pois esta não lho permite.
Apesar de tudo o que disse ser regra apenas vigente em loja e em
sessão ritual, o que acaba frequentemente por suceder é - por força
do hábito por um lado, pela interiorização dos princípios pelo outro,
e por último pela generalização da sua aplicação - desenvolver-se
um certo comedimento nas palavras, e acabar por se evitar a
utilização de expressões manifestamente próprias de uma ou outra
religião, substituindo-as por outras menos passíveis de fazer o
nosso interlocutor sentir-se desconfortável. Assim, não posso
senão agradecer o cumprimento, e retribuir: "Que o Grande
Arquiteto do Universo lhe conceda o discernimento para encontrar -
e saber manter - a Luz!"
Paulo M.
P.S.: Tenho, desde que comecei a escrever aqui no blogue, vindo a
escrever dois textos por semana. Afazeres diversos impedem-me
de manter este ritmo, pelo que irei passar a escrever, no futuro
mais próximo, apenas um texto por semana, ao fim de semana.
Assim que possa passarei, de novo, a escrever mais.

184
A Maçonaria nos dias de hoje

October 20, 2010

A Maçonaria teve historicamente o seu auge, em termos


quantitativos, após o final da Segunda Guerra Mundial. Tinham-se
vivido anos de horror e de violência inauditos. Os sobreviventes dos
combatentes no conflito necessitavam de manter a camaradagem,
a união, o espírito de corpo, que sentiam ter possibilitado a sua
sobrevivência. Uma das formas que, sobretudo nos países
anglossaxónicos, acharam para o fazer foi buscar a admissão nas
Lojas maçónicas e aí praticarem essa particular forma de
camaradagem que inexoravelmente os marcou. Por outro lado, os
horrores vividos e assistidos mostraram a muitos e muitos a
necessidade de um espaço de convivência sã e de aprimoramento
ético. Quem conviveu com o mal aprecia mais plenamente o bem!

185
O pós Segunda Guerra Mundial foi assim um período de grande
florescimento da Maçonaria, em que os números dos maçons
cresceram até atingirem níveis nunca antes historicamente
atingidos.

Mas a vida é feita de ciclos! A essa fase de crescimento seguiu-se -


inexoravelmente - uma fase de declínio. As condições sociais
mudaram. A prosperidade material foi desfrutada por mais gente.
As gerações sucederam-se. O que foi vivido no tempo daquela
guerra passou a ser mera matéria de documentário histórico para
os filhos, netos e bisnetos da geração que vivera aquele tempo. O
que fora importante para a geração do pós-guerra não era já
entendido nem sentido como tal pelas gerações subsequentes - e,
bem vistas as coisas, ainda bem que as gerações subsequentes
tiveram a possibilidade de não viver, nem sentir, nem suportar,
aqueles duros tempos! Outras solicitações sociais e de utilização
de tempos livres se perfilavam. E a Maçonaria, em termos
quantitativos, declinou sensivelmente. Passou a ser vista como
uma coisa de cotas nostálgicos e ultrapassados e de cromos com a
mania de se armarem em diferentes. Tantas coisas para fazer na
vida, tanta vida para viver, tanto trabalho para fazer, tanto para
conquistar - para quê gastar (ou perder) tempo com essa coisa
esquisita, meio desconhecida, fechada? Com a escolaridade a
aumentar exponencialmente, quando os jovens passavam anos e
anos a preparar-se para a vida ativa e esta era cada vez mais
competitiva, que esquisitice era essa do autoaperfeiçoamento? Não
era evidente que cada geração era melhor, mais sabedora, mais
dinâmica, mais apta, do que a anterior? A Maçonaria não passava,

186
para muitos, de um resto do passado, em vias de fossilização, em
persistente declínio, precursor da inevitável decadência e do
inexorável arquivamento nas prateleiras das curiosidades da
história! A vida moderna, a tecnologia, o progresso imparável, o céu
que é o limite do pujante avanço da Humanidade, relegavam a
vetusta organização para a sala dos fundos onde as relíquias do
passado acumulavam respeitável poeira...

Mas os ciclos inexoravelmente avançam, as suas fases


sucedem-se e, nunca se repetindo exatamente da mesma forma,
as grandes tendências inevitavelmente que paulatinamente se
repetem. Este início do século XXI parece mostrar-nos uma
mudança de ciclo da Maçonaria, em que o declínio cessou e o
crescimento recomeça.

A vida moderna insensivelmente empurra-nos para a massificação,


a generalização. Cada vez mais, cada um de nós é menos um
indivíduo e mais um número, um fator, um pequeno elemento de
um conjunto cada vez mais numeroso. E cada vez mais descobrem
que a Maçonaria permite aos que a integram dispor de um espaço,
de tempo e de locais em que cada um consegue afastar essa
asfixiante sensação de ser apenas uma peça de um imenso
formigueiro humano e assumir-se como indivíduo inserido numa
comunidade e com ela e os seus outros componentes interagindo.
Volta a "estar em alta" no "mercado" dos valores pessoais e sociais
a necessidade de ética, a vontade de aperfeiçoamento, a interação
com pequenos grupos de pares, com interesses e objetivos
similares.

187
Cada um de nós sente que, por si só, não consegue deixar de ser
apenas um número, inseto numa colmeia, peça de uma imensa
máquina que é a sociedade de hoje. Mas verifica que, inserida num
grupo com dimensão humana, em que todos se conhecem e se
podem conhecer, a individualidade de cada um tem significado e é
reconhecida nesse grupo com dimensão humana. E que, inserido
nesse grupo, os progressos de cada um são reconhecidos pelos
demais, tal como cada um reconhece os progressos dos demais.
Ser um parafuso bem polido num depósito de milhões de parafusos
é irrelevante. Mas ser uma pessoa, um indivíduo, com virtudes a
cultivar, com defeitos a combater, com arestas a polir, no meio de
iguais, também com virtudes e defeitos e arestas, mas sobretudo
sendo cada um UM, diferente entre iguais - isso é gratificantemente
diferente!

Nos dias de hoje, a Maçonaria é uma ancestral instituição que -


como é caraterístico das instituições verdadeiramente relevantes e
duradouras - se reinventa para responder aos desafios e às
necessidades de agora. E hoje é necessário - cada vez mais
urgentemente necessário! - que a vetusta instituição da Maçonaria
disponibilize a quem disso cada vez mais necessita o tempo, o
espaço, o meio, as ferramentas, para que o homem-número que o
progresso que trilhámos criou se transforme no Homem Completo
que cada um de nós tem a potencialidade de ser. Único. No melhor
e no pior. Cada vez com mais melhor e menos pior. Mas sobretudo
Homem - imprescindivelmente diferente entre iguais.

Tempo virá em que novo declínio experimentará a Maçonaria, em


que os nossos filhos, ou netos, ou bisnetos, de forma geral a verão

188
de novo como coisa do passado. Não é esse o tempo que vivemos.
O tempo de agora é de crescimento, de consolidação, de
valorização. Porque os Valores que recebemos dos nossos
antecessores e que cultivamos para transmitir aos vindouros são
intemporais, essenciais e imprescindíveis para o Homem e para a
Humanidade.

Curiosamente, a imutável linha de rumo da Maçonaria parece atuar


como força de equilíbrio na Sociedade. No passado, quando
imperava a desigualdade, a Maçonaria foi um espaço de igualdade.
Hoje, quando a normalização impera ao ponto de asfixiantemente
nos sentirmos números num conjunto, formigas cumprindo
desconhecida missão do formigueiro, obreiras mecanicamente
contribuindo para a manutenção e crescimento da Grande Colmeia
social em que nos sentimos aprisionados, a Maçonaria possibilita a
cada um dos seus elementos que exercite, execute, desenvolva, a
sua individualidade. O combate de há trezentos anos era o de
convencer a sociedade inteira da igualdade essencial dos seus
membros. Hoje, o desafio é o de consciencializar todos de que
essa igualdade só se concretiza verdadeiramente se for permitido a
cada um desenvolver a sua individualidade. Porque cada um de
nós é verdadeiramente único e diferente entre iguais. E é essa
Diferença na Igualdade que, afinal, constitui a maior riqueza de
uma sociedade.

As épocas sucedem-se, as modas vêm e vão, os tempos mudam -


mas os Valores essenciais, esses, são perenes e cultivá-los com
são equilíbrio é Arte verdadeiramente Real!

189
Rui Bandeira

190
A interpretação e significado dos símbolos maçónicos

October 24, 2010

Hermann Rorschach foi um psiquiatra suiço que viveu entre 1884 e


1922, e que ficou conhecido pelo seu trabalho sobre o significado
psicológico de interpretações dadas a manchas de tinta, tendo
desenvolvido para isso uma técnica que tomou seu nome: o teste
de Rorschach. Este teste baseia-se na chamada "hipótese
projetiva", de acordo com a qual a pessoa a ser testada, ao
procurar organizar uma informação ambígua (ou seja, sem um
significado claro, como as pranchas do teste de Rorschach), projeta
aspectos da sua própria personalidade. O intérprete (ou seja, o
psicólogo que aplica o teste) teria assim a possibilidade de
reconstruir os aspectos da personalidade que teriam levado às
respostas dadas. Dito de outro modo: confrontado com um objeto
sem um significado previamente estabelecido, o sujeito atribui-lhe
uma conotação, uma semântica, um sentido que decorre,
essencialmente, de si mesmo, não tendo que ser - e
frequentemente não sendo - uniformes e invariáveis os significados
atribuídos de um sujeito para outro.

191
Algo de semelhante sucede na maçonaria com os símbolos. Há
símbolos a que se atribui significados convencionados - como o
esquadro que, servindo para traçar ângulos retos, evoca a retidão
de caráter - o que não impede que lhes sejam atribuídos outros
significados. Outros símbolos traduzem uma maior diversidade de
sentidos - como o G que a maçonaria regular coloca entre o
esquadro e o compasso. Símbolos mais obscuros, menos
frequentes e de menor universalidade são por vezes encontrados
num contexto maçónico, mas poderão ser apenas percetíveis e
utilizados num determinado contexto cultural, no âmbito de certo
rito, ou confinados a um perímetro geográfico específico.
Contrariamente ao teste de Rorschach, todavia, o recurso à
simbologia pela maçonaria não tem o fim de constituir qualquer
análise psicológica ou psiquiátrica por um terceiro, mas apenas de
cada um por si mesmo.
A simbologia maçónica - que tem como tema dominante a
maçonaria operativa medieval, a que hoje chamaríamos arquitetura
ou engenharia civil - tem o triplo propósito de estabelecer uma
estrutura e um contexto cultural para os arquétipos universais que
identificam a maçonaria, uma forma sintética de comunicação de
conceitos, e uma cultura de heterogeneidade e tolerância. Cada
símbolo maçónico - normalmente coisas tão banais como uma
pedra ou uma colher de pedreiro - evoca um ou mais significados
que, no seu conjunto, constituem uma matriz semântica que dota a
Ordem de um contexto cultural que, por sua vez, enquadra e dá
corpo aos conceitos e princípios que a maçonaria pretende
transmitir, propagar e perpetuar. Fica assim estabelecida, em torno
dos símbolos, uma linguagem que, de forma sintética, permite a
rápida e eficaz evocação, relacionamento e comunicação de

192
conceitos, bastando por vezes uma simples palavra para transmitir
um conceito complexo no seu contexto adequado. Por fim, ao não
fazer corresponder de forma imposta, rígida e imutável os símbolos
aos conceitos, a simbologia maçónica permite que cada maçon
atinja as sua próprias respostas às importantes questões filosóficas
que a vida coloca.
Contudo - e isto é a minha interpretação pessoal, que vale o que
vale - a maior virtude do recurso à simbologia e à alegoria consiste
no distanciamento que estabelece entre os princípios e a sua
aplicação. Este distanciamento possibilita que a interiorização dos
conceitos decorra da sua aplicação a um sujeito abstrato (e,
mesmo, claramente do foro do mítico e do imaginário), e que só
uma vez absorvida a sua essência e apercebidas as consequências
da sua incorporação no edifício ético e moral individual - o que
pode levar mais ou menos tempo, ou nunca suceder de todo - cada
um aplique então a si mesmo o significado pessoal e personalizado
que atribuiu ao símbolo, interiorizando-o e consolidando-o da forma
que entende ser a que mais se adequa à sua própria realidade e,
por fim - porque, em maçonaria, nada se ensina mas tudo se
aprende - tire partido da lição que deu a si mesmo.

Paulo M.

193
Regra particular

October 27, 2010

Cada agrupamento humano institui as regras que lhe convêm. Por


vezes, uma instituição adota uma regra que normalmente não é
adotada, que muitas outras não consideram boa - mas que se
revela adequada à instituição que a adota, em função das suas
particularidades.

Na GLLP/GLRP, desde a sua fundação, vigora uma regra que não


é comummente adotada - e que não creio que fosse saudável a sua
adoção generalizada. Essa regra postula que, no processo eleitoral

194
para a eleição do Grão-Mestre, efetuada a votação e contados os
votos, apenas seja divulgado quem foi eleito Grão Mestre, não se
divulgando o concreto resultado quantitativo da eleição - isto é, o
número de votos recebido por cada candidato. Mais, os elementos
que integram a assembleia de apuramento dos resultados -
composta pela Comissão Eleitoral e pelos candidatos ou seus
representantes - ficam obrigados a rigoroso dever de sigilo quanto
a esse resultado quantitativo.

Esta regra evidentemente não é adequada para a generalidade dos


casos. Na maior parte das eleições, a exigência de transparência
impõe que sejam pormenorizadamente divulgados os resultados
apurados. Porquê então esta regra, neste particular caso? Porquê a
falta de preocupação com a transparência?

A resposta está em que, por um lado, a necessidade de zelar pela


transparência é aqui reduzida e, por outro, um outro valor se
procura defender.

A necessidade de transparência é neste caso reduzida, atento o


universo de votantes e de interessados. Votam para Grão-Mestre
todos os Mestres da GLLP/GLRP. Ser Mestre Maçom pressupõe
uma elevação ética, a ser constantemente exercida, que impede
que haja fraude eleitoral. Mais: que torna impensável a
possibilidade de fraude eleitoral. A genuinidade e honestidade do
processo - e a fiscalização do seu decorrer - está garantida pelo
respeito que merece a Comissão Eleitoral e a confiança que todos
depositam na sua imparcialidade, além de, obviamente, o
apuramento dos resultados ocorrer na presença e sob fiscalização

195
dos candidatos ou seus representantes. Todos sabem que o
candidato que for anunciado como tendo sido eleito é aquele que,
sem margem para dúvidas ou suspeitas, recolheu mais votos. Isso
é ponto assente!

Assim sendo, a divulgação quantitativa dos resultados apenas


serviria para satisfazer a curiosidade. A não divulgação quantitativa
dos resultados protege um outro valor: a imagem, a valia, o
potencial futuro do ou dos candidatos derrotados! Pouco importa a
dimensão da vitória do candidato escolhido. Não esqueçamos que
a dimensão da vitória do escolhido é diretamente proporcional à
dimensão da derrota do ou dos preteridos...

O processo de votação para eleição de Grão-Mestre potencia


probabilidades de existência de resultados desnivelados. Todos os
Mestres dispõem de um voto, mas o voto é exercido pelos Mestres
nas suas Lojas, em sessões especificamente convocadas para a
eleição. O forte cimento que liga os obreiros de uma Loja entre si, o
hábito da busca e obtenção de consensos, potencia as
possibilidades de cada Loja ter votações muito fortes, quiçá
unânimes, ou quase, no candidato em relação ao qual na Loja se
gerou consenso no sentido do seu apoio. Isto gera a tendência de -
salvo quando haja porventura significativa divisão entre Lojas
quanto à escolha do candidato a eleger - para que o resultado
quantitativo seja uma votação muito significativa, quiçá
esmagadora, no candidato eleito.

E, no entanto, a significativamente menor expressão eleitoral do ou


dos candidatos derrotados não implica a sua menor valia.

196
Sobretudo, não implica que não seja ou sejam capazes ou
merecedores para exercer o ofício de Grão-Mestre. Significa
apenas que, naquele particular momento, a escolha recaiu noutro.
Tão só.

Ao não se divulgar resultados quantitativos, protege-se a igualdade


qualitativa dos candidatos. A votação não escolheu um em
detrimento de outro ou de outros porque aquele era bom e este ou
estes eram maus. Escolheu-se de entre vários Irmãos a quem foi
reconhecida capacidade para o exercício do cargo - e por isso
beneficiaram da proposta de vários Mestres - um para o exercer.
Aquele que, naquele momento, se entendeu ser o que teria
condições para melhor exercer a função. Tão só. O que não quer
dizer que, na eleição seguinte, o ou um dos derrotados desta
eleição não possa vir a recolher o apoio para ser, por sua vez e
então, eleito.

Ter sido candidato derrotado não inviabiliza ou dificulta eleição


posterior. Mas ter sido candidato copiosamente derrotado pode
dificultar muito essa possibilidade e, quiçá injustamente, quiçá com
prejuízo para a instituição, liquidar as possibilidades futuras de
eleição de um bom candidato que, em determinado momento,
defrontou e perdeu perante outro que foi então considerado mais
bem colocado para exercer o ofício, em detrimento de,
possivelmente, um menos bom candidato que beneficiaria de não
ter sofrido anteriormente copiosa derrota... apenas porque não se
apresentou à eleição.

Em eleições maçónicas, não há vencedores nem vencidos. Há

197
apenas os que são escolhidos e os que, naquele momento, o não
são. Aquele que foi preterido numa escolha eleitoral não deve ficar,
de forma alguma, diminuído para o futuro. Essa preterição não
significa que não tenha capacidade ou merecimento para o
exercício da função. Significa apenas que, naquele momento
concreto, se entendeu haver outro um pouco mais bem qualificado
ou um pouco mais merecedor de a exercer. E a diferença de valia,
naquele momento, entre ambos, pode ser muitíssimo menor, do
que a expressão eleitoral quantitativa resultante de uma votação.

Não é comum, sabemos, esta regra. Mas é uma regra que protege
e salvaguarda os preteridos numa votação, mantendo incólumes as
suas possibilidades no futuro. E isso já sucedeu! Já foi eleito um
candidato que, na eleição anterior, tinha sido preterido em favor de
outrem. Sem problemas: a generalidade dos votantes não sabia se,
nessa eleição, fora preterido por curta margem ou copiosamente
batido na escolha. A eleição subsequente não foi, assim,
perturbada por um elemento que - manifestamente - não fez falta
nenhum para a escolha então efetuada.

Esta regra que mantemos entre nós, na GLLP/GLRP, não é -


sabemo-lo bem - suscetível de ser comummente aplicada. Mas
atrevo-me a pensar que o mundo será um pouco melhor se e
quando puder sê-lo, sem problemas...

Rui Bandeira

198
O 1º dia como Venerável Mestre

October 28, 2010

Caros Leitores

Ser Venerável Mestre de uma loja é, em si, um motivo de orgulho,


já que significa que os restantes Irmãos da Loja nos aceitam e nos
confiam a orientação da Loja, durante um Veneralato; ser
Venerável da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues é, em
meu entender, mais do que isso. Vejamos:

• A RLMAD é uma das mais antigas Lojas que integram a


GLLP/GLRP.

• A RLMAD é uma das Lojas mais activas, tendo sido pioneira em


muitos aspectos, dos quais a presença activa na Internet

199
constitui um excelente exemplo

• A RLMAD é uma Loja de referência, dado o rigor e dedicação


com que se envolve em tudo. Como exemplo deste facto,
pode-se destacar um determinado período da sua vida em que
era a única Loja a fazer iniciações.

• Na RLMAD, discutem-se forte e veementemente todos os


assuntos, sendo que essas discussões são sempre balizadas
pelo forte sentimento de tolerância e amizade que une os
Irmãos

• ...

Face ao acima exposto, creio que fica claro que assumir o


Veneralato nesta Loja, trás consigo um forte "receio de não estar à
altura", mas também um desejo enorme de que, no final, os Irmãos
considerem ter valido a pena. Sinto-me simultâneamente um
bafejado pela sorte e alguém a quem foi confiada uma tarefa na
qual falhar não é uma opção.

Acresce que existe sempre uma tendência para fazer comparações


e o anterior Venerável foi extraordinário na forma como conduziu os
trabalhos da Loja; se não fosse o receio de com isso poder ser
injusto com outros Veneráveis, arriscaria a dizer que considero
este, um dos melhores Veneralatos da história da Loja. Fica aqui a
minha homenagem ao I:. Rui L:., pelo excelente trabalho que
desenvolveu, bem como um sentimento de tranquilidade, por poder
contar com ele como meu conselheiro.

200
Como é que se resolve o problema da comparação??? trabalhando
muito todos os dias, buscando levar a Loja ainda mais alto, usando
como alicerces, tudo o que os anteriores Veneráveis "plantaram".
Para todos eles, o meu Muito Obrigado e para mim, Mãos à obra...

201
O Vigésimo Primeiro Veneravel Mestre

October 28, 2010

Tem o cronista, para o efeito eu próprio, que começar por pedir


desculpa por em tempo devido nao ter anunciado a eleição do ora
empossado Veneravel Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues.

Na sessão de 27 de Outubro, foi instalado o Irmão A.Jorge, ele


também cronista deste blog e editor do sitio internet da loja. Nao foi
por isso que foi eleito e instalado, foi mais porque durante 12 anos,
tempo que intervalou a sua iniciação em Outubro de 1998 e a sua
Instalaçao como VM, progrediu desempenhou quase todos os
cargos de Loja, aprendeu, ensinou, trabalhou.

A sua instalação é um corolário da sua disponibilidade para com a


Loja. Dele esperamos trabalho, e progresso, serenidade e
seriedade.

Para mim, que ha 12 anos atrás assinei a sua ficha de candidatura,


assumindo-me como proponente, foi um privilégio enorme poder
ser o Mestre Instalador.

Da Loja, sabe ele já que receberá tudo o que houver para dar, A
Loja ao escolhe-lo sabe bem que o espremerá para que dê tudo o
que tem para dar.

É assim na Affonso Domingues, e nós gostamos.

202
José Ruah

203
A liberdade na interpretação da simbologia maçónica

November 01, 2010

Magritte pintou, entre 1928 e 1929, um célebre quadro em que


representa um cachimbo sob o qual escreveu "Ceci n'est pas une
pipe." ou, em português, "Isto não é um cachimbo". De facto, a
pintura não é um cachimbo, mas a imagem de um cachimbo - e
transmitir essa ideia era o intuito de Magritte. "O famoso cachimbo",
viria ele a confessar, "Quanto me censuraram por causa dele! E
porém, alguém poderia encher o meu cachimbo? Não, pois é só
uma representação, não é verdade? Por isso, tivesse eu escrito no
meu quadro «Isto é um cachimbo», estaria a mentir."
Um símbolo - do grego σ■µβολον (sýmbolon) - pode ser um objeto,
uma imagem, uma palavra, um som ou uma marca particular que
represente algo diferente por associação, semelhança ou
conceção. Deste modo, pode substituir-se um conceito complexo
por um símbolo simples. O significante é evidente - constitui o
símbolo em si mesmo; contudo, o seu significado pode ser obtuso,
ou mesmo variável com o tempo, pois reside naquele que o
descodifica, e cada um acaba por fazê-lo de forma pelo menos

204
ligeiramente diferente dos demais. Por isto, é quase certo que, uma
vez estabelecidos, os símbolos "adquiram vida própria",
alterando-se o seu significado com o passar do tempo. Por
exemplo, a Estrela de David é um símbolo que começando por
constituir - de acordo com a tradição judaica - uma marca aposta
nos escudos com que os guerreiros do rei David se protegiam,
adquiriu, a partir de certa altura, um caráter místico, passando a ser
gravado como amuleto ou proteção, e acabando por ser adotada
como símbolo do Estado de Israel.
Não pode falar-se de simbolismo maçónico sem citar a velha
definição de maçonaria: "É um sistema de moral velado por
alegorias e ilustrado por símbolos". De facto, a maioria dos
símbolos usados em maçonaria é evocativa dos princípios morais
com que a maçonaria se identifica. O importante são os princípios;
os símbolos são apenas os meios usados para que não os
esqueçamos. E, uma vez que cada um recorda de forma diferente,
e interioriza o princípio de forma única e pessoal - pois que único,
individual e irrepetível é cada indivíduo e a sua experiência de vida
- seria um exercício de futilidade tentar-se exigir que o significado
dos símbolos fosse sempre o mesmo para todos. De facto, nem tal
seria proveitoso.
Uma das frequentes utilizações dos símbolos é como oportunidade
e meio de auto-análise - e também por isso se diz da maçonaria ser
especulativa - que permita a cada um determinar as suas próprias
"asperezas" no sentido de as "polir". Sendo as "rugosidades do
espírito" diferentes de pessoa para pessoa - apesar da
universalidade dos princípios, que podem aplicar-se a todos - cada
um vê, sente e aplica o princípio a si mesmo de forma distinta da de
todos os demais. Cada um pode, então, especulando, dar ao

205
símbolo os significados que entenda, pois o símbolo é meramente
instrumental - não tem nada de sagrado ou de "conspurcável" com
este processo - para além de que atribuir novos significados a um
símbolo não implica a perda dos significados mais convencionais,
pelo que o diálogo sobre os mesmos continua a ser possível.
Dou-vos um exemplo que se passou comigo. Diz-se das lojas
maçónicas serem "Lojas de S. João". Mas de qual? A resposta
convencional é dizer-se que de dois: de João Batista - conhecido
pela sua retidão e verticalidade, implacável consigo mesmo e com
os outros, a ponto de fazer com que lhe cortassem a cabeça - e de
João Evangelista - apóstolo do amor, cultor da fraternidade, e
promotor da tolerância. Ambos se celebram por volta dos solstícios
- João Evangelista no de Verão, João Batista no de Inverno. Isto
são as premissas. Os princípios a transmitir são os que foram
expostos: o da retidão e verticalidade de espírito por um lado, e o
do amor fraterno pelo outro. Estes significados são mais ou menos
universais na maçonaria. Há quem refira, ainda, que os raios de sol
no solstício de Verão estão no seu ponto mais próximo da vertical,
e no solstício de Inverno no seu ponto mais próximo da horizontal.
Partindo desta pista, ávido de explorar estes símbolos e de fazer
boa figura ao apresentar a respetiva prancha, o aprendiz que eu
era então não se ficou por aqui; procurou especular mais ainda.
Notou que João Batista - o da Verticalidade - era celebrado por
entre uma Luz predominantemente horizontal, e que João
Evangelista - o do amor fraterno entre pares - o era quando a Luz
Solar era mais vertical. Conclusão? "Devemos ser equilibrados e
equilibrantes: retos e justos quando à nossa volta todos falem de
fraternidade e tolerância, e tolerantes e fraternos quando insistam
na aplicação dos princípios de forma implacável."

206
São um significado e uma conclusão com alguma lógica? São -
pelo menos, do meu ponto de vista. É um significado
universalmente reconhecido? Não. E está certo? Ou está errado?
Bom... para mim, parece-me certo, na medida em que foi
instrumental para que aplicasse a mim mesmo os princípios
referidos de forma mais eficaz. Para outros não resultará. Os
símbolos são isso mesmo: instrumentos, meios, meras ferramentas
coadjuvantes na prossecução de um objetivo maior. Aqui posso
dizer: se da "adulteração" do significado "puro" e "convencional" do
símbolo resultou a melhor aplicação do princípio à minha vida
tornando-me numa pessoa melhor, então - porque a ninguém
prejudica o meu entendimento peculiar deste símbolo - o exercício
foi profícuo. Se, para além disso, a alguém aproveitou para além de
mim, então dou-me por muito satisfeito...
Paulo M.

207
Vencedor e... vencedor!

November 03, 2010

Quando decorreu o processo eleitoral para a eleição do terceiro


Grão-Mestre, a GLLP/GLRP estava ainda em convalescença da
cisão que abalara o mandato do segundo Grão-Mestre. Esse
processo eleitoral teve uma diferença substancial em relação aos
anteriores: enquanto, quer Fernando Teixeira, quer Luís Nandin de
Carvalho tinham sido candidatos únicos, para a eleição do terceiro
Grão-Mestre apresentaram-se dois candidatos: José Manuel Anes
e Alberto Trovão do Rosário.

José Manuel Anes era bem conhecido. Fora um prestimoso

208
colaborador de Luís Nandin de Carvalho e em boa parte também a
ele se devera a manutenção do reconhecimento internacional, após
a cisão. Alberto Trovão do Rosário, professor universitário, obreiro
de uma Loja no distrito de Setúbal, era então menos conhecido,
mas era-lhe reconhecida grande capacidade, profunda estatura
cívica e intelectual e era ardentemente apoiado por alguns Irmãos
que suportavam a sua candidatura.

Recentemente cicatrizada de uma cisão, a GLLP/GLRP e os seus


obreiros não pretendiam propiciar condições para que uma outra
viesse a ocorrer. As duas candidaturas preocuparam-se assim em
atuar de forma a que nenhuma fagulha ativasse indesejável
braseiro. Pela primeira vez havia disputa eleitoral, importava
demonstrar que esse facto integrava a normalidade da vida
institucional da Obediência. Sabia-se que alguém havia de vencer e
alguém haveria de perder a eleição. Isso era normal e fazia parte
do processo eleitoral. Importava que a aceitação do resultado
eleitoral fosse consensual e não criasse risco de perturbações - já
tínhamos tido a nossa conta delas!

A divulgação das candidaturas e seus projetos - aquilo a que


vulgarmente se designa por campanha eleitoral... - decorreu de
forma exemplar: cada candidatura elaborou os seus documentos,
que foram divulgados e distribuídos pela estrutura da GLLP /GLRP,
com rigorosa imparcialidade. Ambos os candidatos se deslocaram
às Lojas para se apresentarem e com os obreiros das Lojas
debater os respetivos projetos. Mas essas deslocações tiveram a
particularidade de terem sido feitas em conjunto. Não houve
campanhas eleitorais, houve a apresentação de projetos, em sadio

209
confronto.

Dificilmente se poderia ter tomado melhor opção! O processo


eleitoral decorreu em harmonia, sem incidentes, cada um
apresentando as suas ideias e assistindo à apresentação das
ideias do seu opositor. Tudo decorreu com elevação, em verdadeira
fraternidade.

No decorrer desse processo, verificou-se que as bases, as Lojas e


seus obreiros, apreciaram a forma como ambos os candidatos
divulgaram os seus propósitos. Verificaram que tinham perante si
dois verdadeiros potenciais Grão-Mestres. Sabiam que só um seria
eleito. Mas demonstravam o seu apreço por ambos.
Consensualmente, a ideia surgiu, a sugestão foi verbalizada, o
apelo foi feito, a opinião, Loja a Loja, coletivamente foi formada: um
dos dois candidatos seria eleito, mas ambos eram merecedores de
o ser. Então, sendo inevitável que houvesse um eleito e um não
eleito, havia que proceder da forma que melhor se pudesse
reconhecer esse mérito de ambos os candidatos. Loja a Loja, a
mensagem que os candidatos ouviram afinava pelo mesmo
diapasão: o candidato eleito Grão-Mestre deveria designar o outro
candidato Vice-Grão-Mestre!

Talvez inicialmente não fosse essa a ideia dos candidatos. Mas o


pulsar da Obediência era inequívoco.

E assim foi feito! Apurados os resultados da eleição, verificou-se


que fora eleito para terceiro Grão-Mestre José Manuel Anes. Não
se soube - está definido que não se saiba! - se a sua eleição

210
ocorreu com grande ou pequena vantagem. Não houve elementos
quantitativos a deslustrar a valia qualitativa de ambos os
candidatos. E o Grão-Mestre eleito designou como
Vice-Grão-Mestre o seu opositor na eleição!

Alberto Trovão do Rosário foi assim designado Vice-Grão-Mestre,


com toda a legitimidade, com todo o peso institucional que a
exemplar atuação de ambos os candidatos na eleição permitiram
que lhe fosse conferido.

E foi assim que, de uma assentada, a GLLP/GLRP, recentemente


cicatrizada a ferida da cisão, elegeu, não um, mas dois
Grão-Mestres! Porque logo então se percebeu que, salvo qualquer
anormalidade, não se tinha eleito apenas o terceiro Grão-Mestre:
também se tinha escolhido o seu sucessor!

Rui Bandeira

211
Os símbolos em Maçonaria: o ensinar e o aprender

November 07, 2010

É conhecido que a maçonaria recorre extensivamente a símbolos


como forma de transmissão do conhecimento. É evidente que
esses símbolos terão algum significado. O que, todavia, é menos
evidente, é que não há significados universalmente aceites ou
impostos para os símbolos maçónicos. O que um interpreta de um
modo, outro pode interpretar de modo diverso. Assim sendo, de
que serve a simbologia na maçonaria? A que aproveita essa
"plasticidade" nos significados dos símbolos? E como é que se
pode usar os símbolos como meios de comunicação do seu
significado subjacente, se esse significado pode variar de pessoa
para pessoa?
Para o entendermos, temos que recuar no tempo. Bem antes da
maçonaria especulativa ter surgido - o que sucedeu, oficialmente,
em 1717 - já os maçons operativos se socorriam de símbolos para

212
se recordarem dos ensinamentos que os seus mestres lhes haviam
transmitido. De facto, muitos dos trabalhadores da pedra não
sabiam ler nem escrever, pelo que se socorriam de pictogramas e
representações de objetos para o efeito. Os símbolos não eram
propriamente secretos; o seu significado - as técnicas a que os
mesmos se referiam - é que era apenas revelado a alguns. A
maçonaria especulativa veio a adotar esse método de transmissão
de conhecimento. Assim, hoje como outrora, os símbolos são
auxiliares de memória, instrumentos de suporte ao conhecimento,
verdadeiras mnemónicas- diriamos hoje: são cábulas - que nos
permitem recordar, evocar e especular.
Mas se o seu significado pode ser individualizado, como é que o
conhecimento passa sem se perder, sem se desvanecer, sem se
espraiar numa mar de semânticas? De forma muito simples: para
tudo há um início, e o método consiste, precisamente, em dar a
cada um os pontos de partida, sem estabelecer qualquer ponto de
chegada... Assim, a um aprendiz é, desde logo, ensinado o
significado comum de vários símbolos: o esquadro, o prumo, o
nível, o mosaico bicolor do chão dos templos, a pedra bruta, a
pedra polida, entre outros. É das poucas ocasiões que, em
maçonaria, alguma coisa é verdadeiramente ensinada, e mesmo aí
os significados gerais são dados com parcimónia de explicações e
de forma sucinta e concisa. A cada um é dito, então, que deverá
procurar interpretar cada símbolo de forma pessoal, podendo quer
aplicar o significado original, quer levá-lo até onde o deseje. E é
esse o trabalho do aprendiz: estudar os símbolos, construir um
significado em torno dos mesmos, e aplicá-lo a si mesmo.
E como se mantém um denominador comum? Quando um maçon
se refere ao prumo, os demais sabem que se refere à retidão

213
moral, à integridade, à verticalidade de caráter - aquilo que ouviu
quando, ainda aprendiz, lhe "apresentaram" os símbolos. Contudo,
mais tarde cada um irá interiorizar a seu jeito o que estas palavras
significam. O que será sinal de caráter para um poderá ser
duvidoso para outro; a nenhum, porém, é imposto qualquer
significado universal. E porquê? Porque, se a maçonaria se destina
a tornar cada homem num homem melhor, deve fazê-lo dentro do
absoluto respeito pela sua liberdade. Por isso se diz que em
maçonaria tudo se aprende e nada se ensina, no sentido de que
cada um deve procurar os seus próprios ensinamentos sem
esperar que lhos facultem. Cada um deverá poder procurar, no
mais íntimo de si, o que quer fazer dos princípios que lhe são
transmitidos: se quer segui-los ou ignorá-los, quais aqueles a que
vai dar maior preponderância, e até onde vai levar esse ânimo de
se superar. E é por tudo isto que, sendo essa luta de cada homem
consigo mesmo algo de mais único do que uma impressão digital, a
liberdade individual de interpretação se impõe sobre qualquer
eventual tentativa de normalização do significado dos símbolos.
Paulo M.

214
O quarto Grão-Mestre

November 10, 2010

O quarto Grão-Mestre da GLLP/GLRP foi Alberto Trovão do


Rosário. Exerceu o ofício entre 2004 e 2007.

Antes disso, tinha sido, em 2001, com José Manuel Anes,


candidato ao exercício do ofício. Então, foi este quem foi eleito
terceiro Grão-Mestre. Mas a divulgação das candidaturas a que
então se procedeu mostrou a elevada qualidade de ambos os
candidatos e José Manuel Anes soube interpretar bem o desejo
que então se formou e designou Alberto Trovão do Rosário para o
exercício do ofício de Vice-Grão-Mestre.

Trovão do Rosário colaborou assim no trabalho de normalização da


vida da Grande Loja levado a cabo por José Manuel Anes e
recebeu uma Grande Loja pacificada, em velocidade de cruzeiro,

215
com a normalidade restabelecida.

Preocupado em preservar o rumo readquirido, Trovão do Rosário


dirigiu a Grande Loja com particular prudência. Cada passo, cada
iniciativa, era analisado e reanalisado, estudado e ponderado antes
de ser dado ou de ser levado a cabo, por forma a garantir-se que
não fosse um passo em falso, uma iniciativa falhada ou
erradamente controversa. Esta prudência não foi bem vista pelos
mais impacientes, que, com algum humor, não isento de carinho e
respeito, brincavam com o nome do Grão-Mestre, apelidando-o de
Travão do Rosário...

Mas provavelmente o quarto Grão-Mestre tinha e teve razão: há


que deixar o tempo fazer o seu trabalho, que consolidar o que
anteriormente foi abalado e reparado. A impaciência é generosa, o
desejo de fazer é positivo, mas há um tempo para avançar e um
para consolidar o progresso alcançado. O quarto Grão-Mestre
considerou que o seu tempo era de consolidação - e a evolução
futura deu-lhe razão! A melhor prova disso é o percurso bonançoso
que a Grande Loja tem trilhado desde então.

Alberto Trovão do Rosário, professor universitário, foi e é um


homem ponderado, de estudo, de organização e exposição do
saber adquirido. Foi talvez esta a linha de força que deixou
marcada na organização que dirigiu. O seu tempo foi de
aprofundamento do que é, para que serve, a Maçonaria, foi de
organização das nossas ideias. Para fazer este trabalho, é preciso
sossego. Que não deve ser confundido com inércia...

216
Este blogue, em devido tempo, registou o pensamento do quarto
Grão-Mestre, quando publicou, entre 30 de outubro e 20 de
novembro de 2006, na íntegra, mas dividido em nove excertos, o
seu artigo "A Actualidade da Maçonaria", originalmente publicado
no boletim da Grande Loja, "O Aprendiz". Ainda hoje vale a pena
reler este artigo. Ainda hoje tem as marcas da atualidade e da
qualidade.

Alberto Trovão do Rosário não foi travão. Foi pausa, foi estudo, foi
prudência. Foi o que era necessário na altura. E o seu trabalho
possibilitou que o seu sucessor estabelecesse o seu rumo, sem
receio de que o terreno da partida estivesse em falso. O vigor dos
passos que se dá também depende da consolidação do terreno em
que esses passos se dão... Hoje, quando o seu sucessor deu já por
terminada a sua tarefa e novo elemento tomou as rédeas da
Grande Loja, podemos com justiça afirmar que o tempo de
consolidação proporcionado pelo quarto Grão-Mestre foi precioso.

Eis um excerto, retirado do sítio da Grande Loja, do percurso


maçónico do quarto Grão-Mestre que, na vida profana, é
Licenciado pelo Instituto Nacional de Educação Física, Doutorado,
com Distinção, pela Universidade Técnica de Lisboa (Faculdade de
Motricidade Humana) e assegurou uma bem sucedida carreira
universitária.

Percurso Maçónico

• Ex-Obreiro da RL Bocage, Obreiro da RL Santiago, Obreiro da


RL Fraternidade, Obreiro da RL Pisani Burnay.

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• Nestas RRLL desempenhou todas as funções do quadro de
Loja tendo sido VM da RL Santiago por duas vezes e sido VM
da RL Pisani Burnay.

• Ex-Grande Inspector (Rito de York).

• Assistente do MR Grão-Mestre da GLLP/GLRP. Por inerência,


foi membro do Grão-Mestrado.

• Capelão do Capítulo «Mosteiro dos Jerónimos» (Arco Real).

• Ilustre Mestre do Conselho da «Ordem de Santiago» (Graus


Crípticos).

• Generalíssimo da Comenda «D. Henrique o Navegador»,


integrada na Grande Comenda dos Cavaleiros Templários de
Portugal, juntamente com as Ordens da Cruz Vermelha e de
Malta.

• Grande Prelado do Conclave «Henrique de Bourgogne» da


Ordem Maçónica e Militar da Cruz Vermelha de Constantino e
das Ordens anexas do Santo Sepulcro e de S. João
Evangelista.

• Supremo Magnus substituto da Societas Rosacruciana in


Lusitania.

• Membro do Shrine (Europa)

• Membro do Shrine (Internacional).

218
• Representante do GC dos MC do Arizona junto do GC de MR e
E de Portugal.

• Representante do GC dos GC do RAM do Arizona junto do


Supremo Grande Capítulo do Arco Real de Portugal.

• Foi Presidente da Comissão Científica do Iº Congresso da


Maçonaria Regular.

• Foi Vice-Presidente e Presidente da Direcção da associação


profana Grande Loja Legal de Portugal.

• Criador, com outros obreiros, da colecção «Cadernos


Maçónicos», na RL Santiago, em 1997. Posteriormente, a
publicação desta colecção prosseguiu na RL Astrolábio.

• Autor de dezenas de pranchas, artigos e comunicações sobre


temas maçónicos.

• Autor, com NN Fernandes, do livro «Mozart e a Flauta Mágica -


Espiritualidade, Música e Maçonaria.

Rui Bandeira

219
A clivagem racial e cultural e o insucesso escolar

November 14, 2010

Li esta semana um artigo sobre o insucesso escolar dos negros nos


EUA. E depois outro idêntico sobre o Reino Unido. Há anos que
estes estudos vêm sendo feitos e refeitos e, não obstante a adoção
de variadas estratégias com o propósito de mitigar as diferenças,
chega-se sempre a resultados semelhantes: certos grupos raciais
de estudantes obtêm piores notas e abandonam mais a escola do
que outros. Estes estudos comparam frequentemente os resultados
obtidos por crianças, adolescentes e jovens oriundos de famílias
do mesmo estrato sócio-económico - leia-se: habitando a mesma
zona e frequentando as mesmas escolas, com pais com salários
idênticos e idênticas habilitações.
É claro que, sempre que um estudo desta índole é feito, logo
clamam vozes acusando-o de racista e discriminatório. Recordo
que os factos não podem sê-lo, mas apenas, e eventualmente, a
interpretação dos mesmos. Contudo, será difícil fazê-lo a estudos

220
que constatem encontrar-se acima da média os estudantes de
ascendência asiática, seguidos dos descendentes de judeus e de
indianos, não obstante colocarem os de ascendência africana no
fim da cauda. Os factos foram estes e, tendo sido recolhidos e
tratados de acordo com as melhores práticas e normas da
estatística, não serão passíveis de grande discussão. Já as
tentativas da sua interpretação - e, especialmente, as medidas a
tomar - levantam interessantes questões.
Uma das conclusões hoje em dia mais bem fundamentadas é a de
que a questão não é de modo algum racial, mas cultural, e as suas
raízes podem encontrar-se bem fundo na educação que as famílias
dão às suas crianças desde o berço até que ingressam no sistema
escolar. As expetativas dos pais para com os seus filhos por um
lado, a forma como entendem o papel da escola por outro,
condicionam o apoio - ou a falta dele - que as crianças receberão
do seu núcleo familiar no sentido da obtenção de melhores
resultados escolares.
É assim que, em famílias de ascendência asiática - em que o
respeito quase reverencial para com os mais velhos é um valor
cultural muito forte, e em que o trabalho e o esforço são entendidos
como parte da normalidade da vida e como um caminho para o
sucesso, o que leva os pais a andar "em cima dos filhos" para os
fazer estudar e fazer os trabalhos de casa - as crianças têm, em
média, dos melhores resultados escolares. Por oposição, famílias
em que as crianças tratem os pais com displicência, passem o
tempo livre a ver televisão ou na rua com os amigos, não se
esforçando por obter bons resultados - e, mesmo, chamando a isso
"to act white" (diríamos nós: "armar-se em branco") - não terão as
mesmas alegrias na hora de assinar o boletim das notas.

221
Também importante é a diferente atitude dos pais para com a
escola e para com o seu próprio papel no sucesso escolar dos
filhos. Enquanto que uns delegam por completo na escola todas as
tarefas atinentes ao bom aproveitamento escolar, outros vêem a
escola um parceiro sobre o qual não podem colocar todo o peso da
educação da criança, e outros ainda, desconfiados da eficiência do
sistema escolar, complementam-no das mais diversas formas, de
explicações particulares a escolas de línguas, de música, de estudo
acompanhado, sei lá... Certo, certo, é que será, essencialmente, o
tipo de educação familiar o principal fator determinante para o
sucesso escolar das crianças.

Por fim, não se pode generalizar: cada caso é um caso, cada


criança é única, cada família é diferente. Pode, mesmo assim,
tentar encontrar-se padrões, e tentar encontrar as causas dos
problemas. Não basta, aqui, encontrar correlações: é mesmo
necessário encontrar a causalidade.
Face a estas conclusões, que medidas se pode tomar? Aqui a
questão torna-se, subitamente, muito mais delidada. Será que cabe
ao Estado ensinar os pais a educar os filhos? Será o estilo de
educação que cada um recebeu e transmite aos descendentes
parte integrante da sua cultura? E sendo-o, poderá ou deverá o
Estado dar orientações precisas no sentido de que as crianças -
para bem destas últimas, entenda-se - devam ser educadas desta
ou daquela maneira? Contra, eventualmente, a vontade dos pais?
O respeito pela cultura de cada um, pela sua auto-determinação e,
por fim, pela sua liberdade, não iriam colidir com tais hipotéticas
medidas?

222
Esta questão, apesar de melindrosa, poderia perfeitamente ser
discutida numa Loja como a Mestre Affonso Domingues. A questão
levantada é filosófica, antropológica e, apesar de também política,
não o é de forma partidária ou inevitavelmente conducente a
divisões entre posições tomadas. Traz informação que é,
certamente, útil a que cada um de nós entenda melhor o mundo
que o rodeia, e ajudará, certamente, a combater preconceitos
retrógrados. Estou certo de que qualquer opinião formulada seria
no sentido de se dar prevalência ao respeito pela liberdade
individual, que não haveria qualquer comentário racista - muito pelo
contrário, e que seria salientado que a tolerância só faz sentido se
houver diversidade. No fim, todos manifestariam agrado com o
tema tratado, e cada um sairia com uma posição forçosamente
diferente de todos os demais, mas enriquecida pela exposição a
ideias diferentes daquelas que possuía.
Como vêem - e ao contrário do que dizem algumas vozes - há,
numa Loja Maçónica, muito mais a discutir do que a cor dos
aventais ou a decoração do templo.
Paulo M.

223
Diversidade

November 17, 2010

A Maçonaria é, por vezes, vista do exterior como uma instituição


fechada, imutável, dotada de uma grande coesão, que atua em
bloco. Esta visão não é, nem de perto, nem de longe, correta. Pelo
contrário, a Maçonaria é dotada de uma invulgar diversidade,
agrupando sob a mesma genérica denominação, realidades
distintas, práticas diversas, entendimentos díspares. Em todos os
aspetos, a começar logo pelas suas origens...

A maior parte dos estudiosos da Maçonaria considera que ela tem


a sua origem nas corporações medievais de construtores em pedra,
de catedrais, palácios, fortificações, etc.. Mas essas agremiações
medievais, embora partilhando regras e costumes similares, tinham
caraterísricas muito próprias e específicas, em função da sua

224
localização geográfica. Só para falar das Ilhas Britânicas, a
organização específica das Lojas Operativas inglesas diferia das
escocesas, que por sua vez, tinham sensíveis diferenças das
irlandesas. Em França, não se pode falar dos antecedentes
históricos da Maçonaria sem referir a Compagnonage. As
agremiações de construtores da Flandres tinham usos diversos das
italianas e estas das teutónicas. Por isso, quando se afirma que a
Maçonaria Especulativa moderna evoluiu da Maçonaria Operativa -
afirmação que, pessoalmente, considero correta -, é bom que se
tenha presente que esta evolução resulta de diferentes Tradições,
não inteiramente díspares, mas também não totalmente
semelhantes.

Mas, ainda no campo da origem da maçonaria, há aqueles que a


situam nos Templários e respetiva Tradição. E aqueles que a fazem
remontar aos Antigos Mistérios egípcios e ou mitraicos.

Só no tema das origens podemos detetar assinaláveis diferenças


de entendimento, que conduzem a diversas posturas e práticas. É
inevitável que haja diferenças de conceção, mais visíveis ou mais
subtis, entre quem considera praticar algo que evoluiu das
corporações medievais e quem acredita que a sua prática
descende da tradição cavaleiresca religiosa e ainda quem
considera a maçonaria herdeira dos herméticos mistérios da
Antiguidade.

Mas a Maçonaria também assume estilos e práticas diversas em


função dos grandes espaços em que se insere. Não é a mesma
coisa falar-se da Maçonaria Americana e da Maçonaria Europeia

225
Continental. Não é de todo a mesma a realidade da Maçonaria
Inglesa e da Latinoamericana. Isto para não falar da diversidade
asiática e da progressiva afirmação maçónica em África.

Mesmo dentro de cada bloco geográfico - diga-se assim - as


Obediências Nacionais e as práticas maçónicas em cada país
mostram-nos assinaláveis diferenças e visíveis variantes,
designadamente em práticas rituais. Cada país tem uma discreta
evolução própria, que, ao longo do tempo, adquire uma
individualidade específica, também inerente às diversidades
culturais dos diversos povos. Se se assistir a uma sessão de Loja
em Itália, na Alemanha, em França, num país eslavo e em Portugal,
ainda que em Lojas do mesmo rito - designadamente do Rito
Escocês Antigo e Aceite - facilmente reconhecemos um ambiente
comum, uma base partilhada, mas também diferenças,
idiossincracias, práticas próprias.

Por outro lado, não olvidemos a transversal diferença existente


entre a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal, aquela
trabalhando à glória do Grande Arquiteto do Universo e com os
seus obreiros na busca de um aprofundamento espiritual, esta
efetuando os seus trabalhos à glória do Homem e do seu
aperfeiçoamento moral. Ambas têm a sua específica valia e ambas
são - creio-o - necessárias. Mas as respetivas buscas são
diferentes. Sem serem reciprocamente opostas, prosseguem
caminhos diferentes, esta tendente a melhorar o relacionamento do
Homem com a Sociedade e os diferentes grupos sociais, aquela
trilhando a rota de uma espiritualidade baseada na Fé no UM
universal, origem e reflexo de tudo e todos. Ambas as vias são -

226
repito - respeitáveis e valiosas. Ambas têm assinaláveis pontos de
contacto entre si, partilham aqui e ali caminhos e princípios e
valores comuns. Ambas têm - sobretudo - a inestimável
caraterística de integrarem homens que procuram ser melhores.
Mas são intrinsecamente diferentes. Para os cultores de cada uma
das vias, essa é a melhor. Intrinsecamente nenhuma é melhor do
que a outra. Apenas diferentes.

Por outro lado ainda, a Maçonaria pratica-se em diferentes ritos,


uns mais universais ou mais difundidos, outros mais seletos ou
localizados. Sem preocupações de exaustão, podemos referir uma
dezena de ritos hoje em dia praticados: Emulação, York, Escocês
Antigo e Aceite, Escocês Retificado, Sueco, Brasileiro,
Adonhiramita, Francês ou Moderno, Memphis-Misraim, Schröder.
Cada um com simbologia própria ou diferente interpretação
simbólica, ou diverso encadeamento do ensinamento. Todos
diferentes. No entanto, cada maçom de um destes ritos, de visita a
uma Loja de qualquer dos outros, reconhece ali Maçonaria...

Mesmo na mesma região, no mesmo país, na mesma Obediência,


praticando o mesmo rito, cada Loja tem uma prática subtilmente
diferente das demais. Tem a marca da sua individualidade, o
resultado da sua evolução própria, a levemente diferente evolução
de uma mesma matriz.

E, finalmente, dentro de cada Loja, que pratica o mesmo rito, que


pertence a uma mesma Obediência, no mesmo país e na mesma
região do globo... cada maçom é - inevitável e felizmente! -
diferente do Irmão ao seu lado. Cada maçom tem a sua pessoal

227
busca, a sua individual interpretação, o seu diferente caráter, a sua
diversa história, o seu incomparável plano. Buscam todos o mesmo
- o seu aperfeiçoamento -, utilizando o mesmo método, seguindo o
mesmo rito, integrando-se no mesmo grupo. Mas, porque intrínseca
e gloriosamente diferentes, não prosseguem todos o mesmo
caminho, à mesma velocidade e não chegarão aos mesmos
lugares. Embora naveguem à vista um dos outros. Embora se
auxiliem e influenciem mutuamente. Cada um é um diferente
maçom, ainda que na mesma maçonaria.

Quando se fala em Maçonaria, está-se na realidade falando de


todas estas diversas maçonarias. Todas - mais ou menos -
diferentes. Mas todas se incluindo no mesmo universal conceito
de... Maçonaria.

Rui Bandeira

228
As elites e a curva de Gauss

November 21, 2010

Ao estudar a diversidade das populações, os matemáticos


descobriram um facto curioso: muitas das populações, quando
ordenadas por uma das sua dimensões - como o peso, a altura, ou
mesmo a distância entre os olhos - distribuíam-se de acordo com
uma curva em forma de sino, como a que pode ver-se na imagem
que ilustra este texto. O ponto mais alto da curva corresponde ao
valor médio, e as "pontas" correspondem aos valores que mais se
afastam da média. No gráfico em causa, vemos a distribuição do QI
(Quociente de Inteligência) de uma população. Sendo 100 o QI
médio, vemos que podemos encontrar 68,2% (34,1 + 34,1) da
população - mais de dois terços - entre os 85 e os 115. Entre os 70
e os 130 encontramos já 95,4% (13,6 + 34,1 + 34,1 + 13,6), o que
significa que um pouco mais de 19 em cada 20 pessoas se
encontram neste intervalo. Entre os 130 e os 145 encontramos
2,2% da população - tantos quantos encontramos entre os 55 e os
70. Mas é acima dos 145 (e abaixo dos 55...) que encontramos os
grupos mais reduzidos: 0,1%. Um em cada mil. Os melhores - e os
piores... - são sempre raros. Fácil é ser-se mediano. A este tipo de

229
distribuição chama-se "distribuição normal", e a sua universalidade
tem uma explicação matemática. Uma vez que o saber não ocupa
lugar, e o conceito até é fácil de abarcar, vamos a ele.
Tomemos um dado de jogar: um cubo, com 6 faces, em cada uma
das quais está inscrito um certo número de pintas: 1, 2, 3, 4, 5 ou 6.
A probabilidade de cada face ficar por cima é igual para todas as
faces. Suponhamos agora que lançamos o dado uma centena de
vezes. é natural que "saia" cada um dos números o mesmo número
de vezes - entre 16 e 17, uma vez que 100/6 = 16,666666. Até
aqui, nada de novo.
As coisas começam, porém, a tornar-se interessantes se
decidirmos lançar de cada vez não um mas dois dados, e registar a
soma das pontuações. Podemos obter qualquer número de 2 a 12,
inclusive, num total de 11 resultados diferentes, correspondentes
respetivamente de um par de "uns" a um par de "seis". A
probabilidade de se obter qualquer desses números é que não é
igual. Senão, vejamos: para se obter "2" tem que se obter 1 no
primeiro dado e 1 no segundo dado; não há outra forma. Já para se
somar 3, podemos ter 1 no primeiro dado e 2 no segundo (1+2), ou
2 no primeiro dado e 1 no segundo (2+1). Pode, do mesmo modo,
somar-se 4 com 1+3, 2+2 ou 3+1. A soma "7" pode ser obtida com
1+6, 2+5, 3+4, 4+3, 5+2 ou 6+1, ou seja, de seis formas distintas!
Diz-se, por isso, que a probabilidade de obtermos "7" é 6 vezes
maior do que a de obtermos "2". Se somarmos o número de formas
que nos permitem obter um dado número, ficamos com:
Total de "2": 1 (1+1)
Total de "3": 2 (1+2, 2+1)
Total de "4": 3 (1+3, 2+2, 3+1)
Total de "5": 4 (1+4, 2+3, 3+2, 4+1)

230
Total de "6": 5 (1+5,2+4, 3+3, 4+2, 5+1)
Total de "7": 6 (1+6, 2+5, 3+4, 4+3, 5+2, 6+1)
Total de "8": 5 (2+6, 3+5, 4+4, 5+3, 6+2)
Total de "9": 4 (3+6, 4+5, 5+4, 6+3)
Total de "10": 3 (4+6, 5+5, 6+4)
Total de "11": 2 (5+6, 6+5)
Total de "12"": 1 (6+6)
Se lançarmos os dados cem vezes, é natural que obtenhamos a
soma "7" cerca de seis vezes mais do que a soma "2". Os valores
"2" e "12" são mais raros do que quaisquer dos restantes,
ocorrendo em média uma vez em cada 36, enquanto que o valor
"7" ocorrerá em média 6 vezes em cada 36, que é o mesmo que
dizer 1 vez em cada 6. Os valores de "5" a "9", que são menos de
metade dos números possíveis, acumulam entre si 24 em cada 36
lançamentos - ou seja, dois terços, ou quase 67%.
Se repetirmos o mesmo exercício com 3 dados, depois com 4, e
por aí fora, ir-nos-emos aproximando sucessivamente de uma
distribuição normal. É isto mesmo o que nos diz o "Teorema do
Limite Central", de acordo com o qual "a soma de muitas variáveis
aleatórias independentes e com mesma distribuição de
probabilidade tende à distribuição normal".
Em qualquer população heterogénea há, incontornavelmente, quem
se situe no topo, como sucede com a nata do leite que, rica em
gordura, flutua sobre este, e donde vem a expressão "a nata da
sociedade". Do francês - em que "crème" é, precisamente, a nata
do leite - nos vem, precisamente, a expressão "la crème de la
crème", que significa os melhores de entre os melhores. As elites,
termo usado no século XVIII para nomear produtos de qualidade

231
excepcional, viriam a constituir, por alargamento semântico do
termo, grupos sociais superiores, tais como unidades militares de
primeira linha ou os elementos mais altos da nobreza.
Quem tiver lido até aqui não estranhará, agora, ouvir-me dizer que
as elites não são, no fundo, senão uma inevitabilidade matemática
que tem na sua origem a própria diversidade humana. Se
tomarmos como premissa que cada dimensão que procurarmos
medir decorre de uma multiplicidade de fatores, podemos dizer que
enquanto os homens forem diferentes haverá, para cada dimensão,
uns grandes e outros pequenos, uns mais acima e outros mais
abaixo, uns melhores e outros piores. As elites são, tão só, aqueles
que se encontram junto ao limite superior da medida cujo critério
tivermos estabelecido.
Paulo M.

232
O Orador

November 24, 2010

O Orador é o guardião da Tradição Maçónica e zelador pelo


cumprimento das leis e regulamentos em Loja, pela Loja e pelos
obreiros da Loja. Integra, com o Venerável Mestre e o 1.º Vigilante,
a Comissão de Justiça da Loja. É o único obreiro que pode
interromper qualquer outro obreiro, incluindo o Venerável Mestre,
quando se lhe afigure necessário para assegurar o cumprimento
dos princípios, leis ou regulamentos maçónicos. Não admira, assim,
que a medalha do Orador seja constituída por uma imagem das
Tábuas da Lei.

O Orador é um ofício específico do Rito Escocês Antigo e Aceite,


que não deve ser confundido, por exemplo, com o ofício de

233
Capelão em outros ritos. Com efeito, o Orador é o oficial da Loja
que tem, além da anteriormente referida, a função ritual de proferir
Orações. Mas isso não quer dizer Preces... A Oração proferida por
este Oficial da Loja é de outra natureza: o Orador tira, de cada
debate, as suas conclusões e nisso deve consistir a Oração final
(no sentido de "intervenção oral") que lhe compete produzir. Assim,
compete ao Orador, no final de cada debate, resumir e organizar as
várias posições que tenham sido expostas e, em função das
mesmas dar o seu parecer ao Venerável Mestre sobre a decisão a
tomar e a forma como deve ser tomada.

Recorde-se que o debate em Loja processa-se segundo regras


rígidas, tendentes a possibilitar a livre expressão da opinião de
cada um, sem constrangimentos nem perturbações. Importa a
substância do que é transmitido, não a sua forma. Debate-se, no
sentido de se analisar uma questão e tomar uma decisão; não se
discute para procurar fazer valer a sua opinião, para levar de
vencida opositores (pois em Loja não há opositores, apenas Irmãos
que cooperam) ou rebater argumentos. Em Loja, o debate
estabelece-se sempre relativamente a uma questão concreta, em
relação à qual cada Mestre deve proceder à sua análise, dar a sua
opinião, apresentar o seu entendimento da melhor forma de
proceder. Cada Mestre intervém uma e só uma vez em cada
debate. Não se interrompe ninguém (o único que pode fazê-lo, e
unicamente para salvaguarda dos usos e costumes, leis e
regulamentos maçónicos é precisamente o Orador - e esta situação
só raramente ocorre). Cada Mestre só inicia a sua intervenção após
estar terminada a intervenção anterior e depois de devidamente
autorizado a fazê-lo pelo Venerável Mestre. Em caso algum se

234
estabelece diálogo: cada Mestre fala para toda a Loja, não para
uma pessoa em particular. Cada um dá a sua opinião sobre o tema,
não gasta o seu latim e a paciência dos demais a refutar ou criticar
outras opiniões anteriormente expressas: a assembleia é composta
de homens inteligentes, que facilmente podem discernir que se A
entende branco e B amarelo, B não concorda com A e tem uma
opinião diversa dele - não vale a pena afirmá-lo expressamente. A
mera expressão da fundamentação da sua opinião chega para
mostrar a todos as concordâncias e discordâncias com
intervenções anteriores. Em resumo, em Loja não se diz "não
concordo com...", declara-se "o meu entendimento sobre o assunto
em debate é este, por estas razões").

O Orador efetua o resumo do debate com o máximo de objetividade


possível e coloca em relevo o sentir da Loja, o que resultou do
debate. Ao fazer o resumo, o Orador evidencia se se verificou uma
posição unânime, e em que sentido, se se manifestaram
entendimentos diversos, mas um deles foi largamente maioritário, e
qual, se há diversos entendimentos, sem que se tivesse destacado
uma posição largamente maioritária, ou se o debate não foi
conclusivo, por falta de elementos ou de opiniões consolidadas
sobre a questão em análise.

Feito o resumo do debate, o Orador tira a sua conclusão, isto é, o


parecer, a recomendação, que transmite ao Venerável Mestre
sobre a decisão a tomar. A conclusão do debate tirada pelo Orador
nada tem a ver com a posição pessoal que porventura tenha.
Assinala se houve unanimidade ou, pelo menos, uma posição
largamente maioritária - e, nesse caso, recomenda que o Venerável

235
Mestre decida em conformidade com o sentido expresso pela Loja,
sem necessidade de votação - ou indica as posições expressas
que, não sendo evidente uma tendência largamente maioritária,
devem ser colocadas à votação pela Loja. O enunciar dessas
posições deve ser claro e inequívoco, para que a Loja, ao votar,
saiba exatamente o que está em causa na escolha que vai fazer.
Quando tal se justifique, seja por das intervenções ressaltar a falta
de elementos suficientes para uma decisão devidamente
fundamentada, seja por se notarem mais dúvidas do que certezas,
o Orador deve recomendar o adiamento da decisão, sugerindo as
diligências a efetuar para possibilitar, em devido tempo, uma
decisão mais esclarecida.

Note-se que o Venerável Mestre não está obrigado a decidir em


conformidade com as conclusões do Orador. Pode discordar e
decidir em sentido diferente, formal ou substancialmente. É o
Venerável Mestre aquele a quem a Loja delegou o exercício da
autoridade. O Orador é - sempre - um colaborador, um auxiliar, do
Venerável Mestre, nunca uma eminência parda que se lhe
imponha. E isto mesmo até quando o Orador, no uso da sua
competência de guardião da Tradição Maçónica e zelador pelo
cumprimento das leis e regulamentos, porventura chame a atenção
do Venerável Mestre para uma infração ou falha que se esteja em
vias de cometer. Ainda assim, o poder de decisão final é do
Venerável Mestre e só do Venerável Mestre. Se errar, é ele quem
erra e é ele que assume a responsabilidade do erro. Ao Orador
compete avisar, não pretender sobrepor uma sua inexistente
autoridade à única que vigora em Loja.

236
No final da sessão, após ter sido concedida a palavra a bem da
Ordem ou da Loja (o que, em reuniões profanas corresponde ao
"período depois da Ordem do Dia"...), o Orador tira as suas
conclusões sobre a reunião. Não se trata aqui de sumariar as
intervenções a bem da Ordem ou da Loja, porque estas, ou são
meramente informativas ou, se carecerem de deliberação, são
apenas introdutórias de um debate a efetuar em sessão futura.
Trata-se de sumariar o que foi feito e deliberado na sessão. Este
breve sumário, para além de evidenciar o trabalho realizado, facilita
a tarefa do Secretário de elaboração da ata da sessão, a ser
aprovada na reunião seguinte.

É também frequente que o Orador, nas suas conclusões finais,


apresente uma (breve, muito breve) Prancha Traçada sobre um
tema maçónico, preferentemente relacionado com o que se tratou
na sessão em causa. Porém, tal NUNCA sucede quando na sessão
tiver sido apresentada uma outra Prancha Traçada por um Mestre.
Em cada sessão de Loja deve haver formação dos obreiros, deve
ser apresentado, em contribuição para o trabalho de
aperfeiçoamento dos obreiros, um trabalho, uma exposição, um
estudo - em resumo, uma Prancha Traçada. É incumbência, dever,
dos Mestres da Loja garantirem-no. Se o não fizerem, estão a
prejudicar a aprendizagem e a integração dos Aprendizes e
Companheiros e a própria evolução pessoal dos Mestres. Mas
apenas deve ser apresentada e colocada à meditação da Loja uma
única Prancha Traçada de Mestre. Mais do que isso, seria
estabelecer a confusão. Um tema para meditação e estudo por
sessão é o necessário e o suficiente. Assim, se nessa sessão, tiver
sido apresentada por um Mestre uma Prancha Traçada, a

237
conclusão final do Irmão Orador resumir-se-á ao sumário dos
trabalhos (incluindo a referência a essa Prancha Traçada,
obviamente). Se tal não tiver sucedido, incumbe ao Orador, Mestre
que efetua a última intervenção formal antes do encerramento dos
trabalhos, garantir que a Loja não fique sem matéria para estudo e
meditação, através então de uma brevíssima Prancha Traçada, em
que, mais do que ensinamentos ou proposições, deve levantar
pistas para reflexão. Assim, ficam os trabalhos justos e perfeitos!

Rui Bandeira

238
A pedra bruta

November 28, 2010

O aprendiz tivera recentemente a sua primeira lição sobre a pedra


bruta e a pedra polida. Foi-lhe explicada a base, o essencial, o
ponto de partida do significado desses símbolos, que depois
interiorizaria e desenvolveria por si mesmo. Aprendeu, então, que a
pedra é cada um de nós; que o nosso trabalho consiste em "aparar"
as nossas asperezas de modo a atingirmos um estado de maior
perfeição - ou de polimento - para que, por fim, juntos, formemos
essa sublime construção, esse supremo templo que o Homem
edifica, a partir de si mesmo, à Glória do seu Criador.
Várias noites seguidas o aprendiz adormeceu sobre o assunto, e
sonhou com pedras de todos os feitios. Sonhou com enormes e
antigos rochedos cobertos de um musgo ancestral; sonhou com
areia fina, outrora parte de imponentes escarpas e agora reduzida a
pó; sonhou com mós de moinho, com as pedras dos muros das
aldeias da sua infância, com a calçada da cidade, com esquinas de
prédios, com gravilha, com os seixos rolados que lançava fora
quando abria um buraco no quintal e cuja forma traía um longo
percurso de leito de rio e de enxurradas de Outono.

239
Num dos seus sonhos, o seu olhar recaiu sobre um calhau quase
em bruto, semi-enterrado, com um dos lados mais plano - o mais
batido pela intempérie - e o resto, por ter passado a maior parte do
tempo oculto debaixo da terra, ainda cheio de rugosidades e
imperfeições. Algo de familiar lhe chamara a atenção para com
aquela pedra, pelo que a fixou com atenção. Logo acordou, mas
aquele calhau, mais áspero de uns lados, mais liso de outro, não
lhe saía da cabeça.
Só dias depois, ao fazer uma introspeção sobre as suas fraquezas
e as suas forças, se reconheceu, não sem algum embaraço, na
pedra com que sonhara. O seu lado mais polido - aquele, afinal, em
que mais tempo investira, e que era aquele que lhe punha o pão na
mesa - estava, não obstante, rachado e eivado de sulcos aqui, mas
ali ainda com sinais de pouco trabalho e pouca perseverança que
traíam a rugosidade original. Do resto nem valia a pena falar;
precisava de tudo.
Inspirou fundo e quase desistiu; a tarefa era árdua, e não sabia
sequer por onde começá-la. Apercebeu-se, então, que nem sequer
sabia onde queria chegar, pelo que não fazia sentido meter-se,
antes disso, ao caminho. O que deveria fazer dessa pedra que era
ele mesmo?

240
Inquieto, procurou junto de um dos seus Mestres orientações
quanto ao que deveria fazer. Este, à guisa de resposta, mostrou-lhe
dois muros, igualmente sólidos e compactos: um, formado por
pedras de forma paralelepipédica, cada um com as suas 6 faces
laboriosamente aparadas; outro, formado por pedras irregulares
mas firmemente encaixadas umas nas outras, em que apenas uma
ou duas faces - as exteriores - tinham sido polidas, mas essas, oh,
como brilhavam!
Mais baralhado ainda, perguntou ao Mestre que pedra deveria ser,
e o que deveria fazer para o atingir. Deveria ir aparando, nas várias
faces, as rugosidades maiores, esperando que, ao fim de muitas
passagens, a forma se fosse compondo? Ou deveria investir numa
ou duas das faces e ignorar as restantes? Ou, pelo contrário,
deveria trabalhar todas, mas dando forte preponderância a uma ou
duas, e limitando-se a atingir os mínimos nas remanescentes?

241
Respondeu-lhe o Mestre que não tinha resposta para lhe dar. Que
cada um deveria aparelhar a sua pedra da forma que entendesse
ser a mais perfeita, e que o Grande Arquiteto saberia usá-la, como
ficasse, na construção do Templo. Umas, mais toscas, seriam
usadas como enchimento, sem o qual as paredes não teriam
consistência para se suster; outras, mais ornamentadas, seriam
colocadas em lugar de destaque, mas seriam eventualmente mais
frágeis; outras ainda, robustas e fortes, aparadas de forma
milimétrica mas sem quaisquer adornos, tornar-se-iam nas pedras
que susteriam os vãos e as abóbadas. Algumas pedras, pela sua
própria natureza, nunca poderiam servir para certos fins; mas todas
conseguiriam tornar-se úteis para alguma coisa, e tanto mais úteis
quanto mais trabalho tivesse sido despendido nas mesmas.
O Aprendiz olhou então, longamente, a sua pedra, inspecionou
minuciosamente a face mais polida - mas imperfeita - bem como as
outras, rugosas e ásperas, e lançou-se ao trabalho.
.·.
Anos mais tarde, já o Aprendiz chegara, por sua vez, a Mestre,
tendo a oportunidade de ir apreciando os trabalhos dos Aprendizes

242
e Companheiros da sua Loja, e o quanto eram diferentes uns dos
outros. Enquanto uns se esforçavam mais por distribuir o seu
esforço por várias faces - obtendo belas peças geométricas que
formavam um todo harmonioso, em que nenhuma face sobressaía
das demais - outros persistiam em trabalhar a mesma face até que
esta brilhasse como um espelho, ofuscando as imperfeições que
haviam ficado por trabalhar nas restantes, e que podiam, mesmo,
ser vistas como uma promessa de aperfeiçoamento futuro. Em
todas elas o Mestre teve oportunidade de aprender algo de novo. E
apercebeu-se, então, de que o seu Mestre tivera razão, pois que
de nenhuma poderia dizer, com segurança, que fosse melhor do
que as outras.
Paulo M.

243
O décimo nono Venerável Mestre

December 01, 2010

O décimo nono Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso


Domingues, João F., foi instalado no ofício, no segundo sábado de
setembro de 2008, por um dos Vice-Grão-Mestres, na presença do
Muito Respeitável Grão-Mestre, que pessoalmente dirigiu algumas
partes da Cerimónia de Instalação. Augurava-se mais um bom e
bonançoso ano para a Loja Mestre Affonso Domingues, sob a sua
direção.

Com efeito, João F., um empresário calmo, metódico, simpático,


percorrera toda a "linha de sucessão" tal como estava

244
informalmente instituída na Loja Mestre Affonso Domingues. Depois
de, já Mestre Maçom, ter assegurado ocasionalmente alguns
ofícios em substituição do titular, foi eleito Tesoureiro da Loja e
exerceu tal ofício um ano. Seguidamente, cumpriu outro ano no
ofício de Secretário. e depois mais outro no de Orador. Cumpriu
então mais dois anos de exercício de maiores responsabilidades,
assegurando sucessivamente os ofícios de 2.º e 1.º Vigilante.
Inegavelmente, estava bem preparado. Tinha a experiência, a
competência e a vontade necessárias para ter um mandato
auspicioso.

Mas, mesmo quando se julga que tudo está reunido em nosso


favor, por vezes o destino trai-nos.

João F., mal foi instalado na Cadeira de Salomão, apresentou o


programa do que se propunha fazer e formou a sua equipa. Sob a
sua liderança, tudo estava pronto e começou a ser executado.

Depois, caiu-lhe a crise em cima da cabeça! Não qualquer crise


interna, como sucedera, mais de uma década antes ao José Ruah.
Caiu-lhe em cima a crise - a económica, aquela que ainda vai
dificultando as nossas vidas. Empresário de um setor
especialmente vulnerável, de um dia para o outro teve de se
preocupar, praticamente em exclusivo, com a sua atividade
profissional. As suas qualidades de liderança tiveram de ser
totalmente aproveitadas na sua empresa.

Entre acorrer à gestão do seu negócio, profundamente afetado, e


dedicar-se à gestão da Loja, a escolha era óbvia. Para ele e para

245
todos nós. As prioridades existem e têm de ser respeitadas. Havia
postos de trabalho a assegurar, o sustento e o conforto da sua
família a defender. João F. teve de deixar para segundo plano a
liderança da Loja. Não tinha nem tempo, nem cabeça, para se
dispersar da sua principal preocupação.

João F. tomou a decisão que devia tomar e toda a gente


compreendeu. Aliás, era a mais lógica: a Loja, essa, estabilizada
como estava, podia suportar esse contratempo.

João F. e a Loja tiveram, então, que, ao contrário do que ele e ela


pretendiam, entrar num regime de "serviços mínimos". Não havia
disponibilidade para mais!

Poderia a Loja ter colmatado a menor disponibilidade do seu


Venerável Mestre, organizando-se para prosseguir o seu normal
ritmo de trabalho sem ele? Poderia. Mas não devia! A Loja segue e
respeita a liderança do seu Venerável Mestre. Nas condições em
que essa liderança é possível. Substituir-se a essa liderança,
ultrapassá-la, seria liquidá-la. E uma Loja maçónica, não sendo
apenas isso, é também uma escola de liderança e de aceitação de
liderança - não da sua subversão.

O ano em que a Loja foi dirigida por João F. foi, assim, um ano de
relativa acalmia, de alguma pausa, de trabalho de rotina (também
necessário). E também de reflexão e de programação do que se
faria seguir.

Mas não se pense que nada se fez. Fez-se porventura menos do

246
que a nossa ambição pretendia. Mas fez-se: foi elaborado e
aprovado o regulamento de funcionamento do sítio da Loja na
Internet; organizou-se e realizou-se o já tradicional almoço de
solstício de inverno da Loja, com leilão de objetos doados, para
recolha de fundos para doação a instituição de solidariedade social;
efetuou-se uma ação de doação de sangue, em colaboração com
os escuteiros da Pontinha; auxiliou-se e preparou-se a criação da
Loja João Gonçalves Zarco, ao Oriente do Funchal; a Loja
geminou-se com a Loja Hippokrates, do Oriente de Viena, da
Grande Loja da Áustria; fizeram-se iniciações, passagens e
elevações; apresentaram-se pranchas.

Bem vistas as coisas, que agradável que é olhar para uma lista
destas e considerar-se que só se fez trabalho de rotina, "serviços
mínimos"...

Com João F., a Loja aprendeu que a liderança tranquila e


aparentemente rotineira não é, afinal, de menosprezar. E deu-se
conta da sua ambição. Ambição de fazer cada vez mais. Mas
tomou nota que há tempos para tudo. Que as pausas são
necessárias, que o refúgio na rotina é, por vezes, necessário, para
retemperar forças, acorrer a outras prioridades e preparar novos
voos.

E, todas as contas feitas, a Loja estava afinal melhor, mais bem


preparada, mais adulta, mais experiente, no fim do mandato do
João F..

João F. deu-nos a ocasião de experimentarmos que o ótimo é

247
inimigo do bom... e que o bom, afinal, não é mau...

Rui Bandeira

248
Quite

December 08, 2010

Um maçom deve estar sempre quite para com a sua Loja, isto é, ter
cumpridas as suas obrigações para com esta. As obrigações
mínimas do maçom perante a Loja respeitam ao dever de
assiduidade, isto é, à comparência em todas as sessões de loja
para que for convocado, e o pontual pagamento da quota mensal.

Estar quite é cumprir estes deveres SEMPRE. Sempre que um


obreiro injustificadamente falte a uma sessão, viola o dever de
assiduidade e, portanto, não está quite. Sempre que se inicia um
mês do calendário civil sem ter pago a sua quota do mês anterior,
não está quite.

249
Não está quite perante si próprio, perante a sua consciência.
Porque, incumprindo o seu dever de assiduidade, sem justificação
para tal, incumprindo, podendo fazê-lo, o seu dever de pagar a sua
quota mensal, o obreiro está, antes de mais, a faltar aos
compromissos que assumiu, respetivamente, de assiduidade e de
comparticipação para o Tesouro da Loja. E o cumprimento dos
compromissos livremente assumidos é uma questão de honra!
Logo, o maçom que injustificadamente falte a uma sessão de Loja
para que foi convocado, que se deixa, sem razão que o justifique,
entrar em mora no cumprimento do seu dever de contribuição para
as despesas da Loja, antes de tudo e cima de tudo sente-se ele
próprio desonrado.

O atraso no pagamento das quotas pode ser remediado: basta


pagar o que está em dívida e ficar-se-á quite. Já o incumprimento
do dever de assiduidade causa sempre prejuízo. À Loja porque fica
privada do contributo do maçom. E todos os contributos de todos os
maçons da Loja são inestimáveis e imprescindíveis. Do Mestre
mais antigo ao Aprendiz mais recente, todos e cada um são
essenciais para o aperfeiçoamento de cada um e global da Loja.
Mas o incumprimento do dever de assiduidade prejudica sobretudo
o próprio incumpridor. E, de alguma forma, é incompreensível: pois
não tomou o maçom a decisão de pedir a Iniciação para beneficiar
da ajuda da Loja no seu crescimento pessoal, na sua jornada
própria? E vai prejudicar a sua demanda, prescindir do contributo
do grupo não comparecendo? O tempo não para, não se pode
rebobinar o filme. A única forma de remediar a falta sem motivo é
diligenciar pelo estrito cumprimento do dever de assiduidade. Assim
se diluirá o atraso, assim se recuperará o trabalho que ficou um dia

250
por fazer. Assim se fica, de novo, quite. Quite para com a Loja. Mas
sobretudo – e principalmente! – quite perante si próprio!

O maçom tem, a todo o tempo, direito a que a sua Loja certifique


que se encontra quite. Se o fizer na constância e na permanência
da ligação à sua Loja, é-lhe emitida uma declaração de good
standing, com a qual poderá provar, perante qualquer outra Loja
que visite, ser um maçom quite, em boa posição, de pé e à ordem,
perante a Loja, a Maçonaria e ele próprio. Se o fizer no âmbito do
processo de desvinculação da sua Loja – que é um direito que todo
o maçom a todo o tempo pode exercer -, seja por entender dever
adormecer, isto é, suspender a sua atividade maçónica ou por
decidir mudar de Loja, é-lhe então emitido um atestado de quite.
Com esse documento, fica ultimada a sua desvinculação da Loja. O
maçom pode assim pedir a sua admissão a outra Loja,
comprovando perante a mesma estar quite de todas as suas
obrigações perante a Loja de que se desvinculou. Ou, se
simplesmente pretender suspender a sua atividade maçónica,
pode, se e quando o entender, retomá-la reintegrando-se na
mesma ou em outra Loja, comprovando que cumpriu os seus
deveres enquanto esteve em atividade maçónica, pelo que saberá
voltar a cumpri-los ao retomá-la.

Mas, no fundo, o atestado de quite é apenas uma declaração num


papel. O que verdadeiramente interessa é que o maçom se sinta,
ele próprio, pessoalmente, perante si mesmo, sempre quite. E é
para que assim seja que a Loja existe e se disponibiliza e auxilia e
coopera. Porque a razão de ser da Loja, da Obediência, da
Maçonaria é, afinal, simplesmente, o maçom. Cada um deles. Cada

251
um de nós. Livre, especial, insubstituível e... quite!

Rui Bandeira

252
Meus irmãos em todos os vossos graus e qualidades... ...
... disse!

December 12, 2010

Era a primeira vez que este irmão tomava a palavra em Loja.


Enquanto companheiro ou aprendiz fora-lhe vedado fazê-lo. Por
isso, agora, ao fim dessa longa caminhada, tendo acabado de ser
exaltado ao grau de Mestre, podia, finalmente, falar!!! Eu, aprendiz
recentemente iniciado, esbugalhava os olhos e tudo absorvia com
sofreguidão, e talvez por isso este episódio tenha ficado
indelevelmente marcado na minha memória. Assim, chegado o
momento em que, numa sessão maçónica, o Venerável Mestre põe
a palavra nas colunas - que é como quem diz: autoriza que os
mestres peçam a palavra - o novo Mestre pediu-a da forma
regulamentar, e esta foi-lhe dada. Colocando-se de pé e à ordem -
como é suposto - começa a sua intervenção como quase todas
começam:
"Venerável Mestre, meus Irmãos em todos os vossos graus e
qualidades..."

253
Fez-se silêncio absoluto na Loja - como, de resto, é suposto
acontecer. Todos aguardavam com curiosidade e expetativa as
primeiras palavras que este irmão proferiria em sessão. Contudo,
estas teimavam em não surgir. O silêncio, já denso, adensava-se a
cada segundo que passava sem que fosse quebrado. Visivelmente,
o Irmão debatia-se com as palavras que queria dizer. O esforço
mental transparecia-lhe na face, e começava, decorridos alguns
silenciosos segundos, a ficar visivelmente horrorizado com a
circunstância em que ele mesmo se havia colocado. É que as
palavras não saíam.
"... ... ..."
Nem um sopro se ouviu. Todos partilhavam do esforço, da
atrapalhação, do embaraço do Irmão. Mas ninguém podia
socorrê-lo. Uma vez dada a palavra a um Irmão, só o Venerável
Mestre ou o Orador podem tomá-la antes que esse irmão indique
ter terminado a sua alocução. Não fez, porém, nenhum destes
qualquer diligência nesse sentido, pois todos sentiam que só ele
podia - e só ele devia - quebrar o silêncio que iniciara. E assim foi.
Com grande esforço, recorreu à fórmula com que, em Loja - e por
vezes, fora dela - os maçons indicam ter terminado a sua
intervenção:
"... Disse!"
E sentou-se.
Toda a Loja sorriu de alívio e, prazenteiramente, vários, no fim da
sessão, entre abraços de cumprimentos, lhe disseram ter sido uma
intervenção memorável. E foi-o de verdade - o certo é que nunca
mais a esqueci. Recentemente outro episódio semelhante sucedeu
- de novo com um Mestre recém-exaltado - que me fez, de novo,
recordar o primeiro. Para além do evidente humor da situação, que

254
ensinamentos se pode retirar destes episódios?
Em primeiro lugar, constatou-se que qualquer dos Mestres em
questão aprendera de que forma a sua intervenção teria que
ocorrer: como e quando pedir a palavra, como se colocar para falar,
as fórmulas a utilizar para marcar o início e o fim da sua
intervenção, e o que fazer após ter terminado; nisso ambos foram
irrepreensíveis. Foi, por isso, uma lição de forma, mais do que de
conteúdo, como se alguém experimentasse uma peça de roupa e
se mirasse ao espelho, fazendo-a sua, imaginando-se a usá-la na
rua ou numa circunstância especial, para que, chegada esta, a
roupa nova o não atrapalhasse.
Em segundo lugar, a Loja comportou-se com enorme dignidade.
Apesar de ser uma situação confrangedora - todos partilharam do
evidente desconforto do Irmão que, engasgado, não sabia como
prosseguir - todos se mantiveram impávidos, sem um sinal de
impaciência, sem esboçar um sorriso. A disciplina da Loja revelou
que todos tinham interiorizado o valor do silêncio, que sabiam
praticá-lo, e que não era só coisa de aprendizes e companheiros;
não, o silêncio e a contenção eram para todos.
Em terceiro lugar, veio-se a constatar que esse Irmão - que, da
primeira vez, "entupiu" e quase nada conseguiu dizer - até tinha o
que partilhar, até possuía ideias válidas, até acabou por ter
algumas intervenções muito pertinentes, que se foram tornando
mais sólidas e seguras de cada vez que lhe era concedida a
palavra. E quem não podia, ainda, falar, teve a oportunidade de ver
um outro percorrer o seu caminho, e com isso aprender que apesar
de falar não ser, de início, tarefa fácil, é algo que a experiência vai
ensinando.

255
Falar é, mais do que um direito, um dever dos Mestres. Faz parte
da formação de um homem - e, consequentemente, de um maçon -
saber dirigir-se a uma assembleia e transmitir por palavras o que
lhe vai na alma. Poder ir aprendendo a fazê-lo face a uma
assistência disciplinada, paciente e cooperante é só mais um dos
pequenos privilégios que advêm do facto de se estar integrado
numa Loja Maçónica.
Paulo M.

256
O tempo de Companheiro

December 15, 2010

O tempo de Companheiro é um tempo difícil. O obreiro já não é um


Aprendiz rodeado, apoiado, apetece até dizer mimado, por todos os
Mestres da Loja. Alcançado o seu aumento de salário, afinal o
prémio que obtém é apenas uma mudança do seu lugar na Loja,
um pouco de cor no seu avental e... uma sensação de menor apoio.
Após uma Cerimónia de Passagem que é um verdadeiro
anti-clímax em relação à sua recordação do que experimentou
quando foi iniciado, depara-se com um par de símbolos novos,
metem-lhe uns regulamentos e um ritual e catecismo na mão e...
parece que se desinteressaram dele, ele que se oriente...

257
Não é assim, embora pareça que seja assim. E é assim que deve
ser.

A Iniciação foi o nascimento para a vida maçónica. O tempo de


Aprendiz é a sua infância, em que se é guiado, educado,
amparado, mimado. O tempo de Companheiro, esse, é o da
adolescência. Já não se admite ser tratado como criança – como
Aprendiz – pois já se cresceu – já se evoluiu – mas... sente-se a
falta do apoio que se recebia em criança. Já não se quer, mas
ainda afinal se tem a nostalgia do apoio do tempo de Aprendiz. O
Companheiro, tal como o adolescente, sofre a sua crise de
crescimento. É o preço que tem a pagar pelo seu trajeto em direção
à idade adulta maçónica, em que será reconhecido como Mestre.

No entanto, só aparentemente o Companheiro é deixado só. Os


Mestres permanecem atentos a ele e, de entre eles, em especial o
Primeiro Vigilante, responsável pelos Companheiros. Simplesmente
já não tomam a iniciativa de sugerir caminhos, orientar trabalhos,
avançar explicações, dar opiniões. Porque o Companheiro já não é
Aprendiz, tal como o adolescente já não é criança. O tempo é de
aprendizagem por si próprio, de exploração segundo os seus
interesses. E só se houver grande desorientação no caminho se
deve intervir. Tal como em relação ao adolescente é
contraproducente pretender-se guiá-lo, impor-lhe caminhos, pois
ele ou não aceitará o que considerará indesejável intromissão ou
tornar-se-á dependente de uma superproteção que muito dificultará
a sua vida adulta, também os Mestres não devem abafar o
Companheiro com recomendações, intromissões, solicitudes a
destempo. O tempo é de o deixar explorar, ele próprio, o que tiver a

258
explorar. Se errar, aprenderá com o erro. Mas, no final, crescerá
até à responsável maturidade da Mestria. É o que se pretende.

No início é – sabemo-lo bem! – confuso. Mas afinal as ferramentas


foram fornecidas ao Companheiro logo no primeiro dia, tal como o
guia de trabalho lhe foi apresentado. O Companheiro só tem de
perceber isso, pegar nas ferramentas e seguir o trilho que, desde o
início, lhe foi mostrado. Só não foi levado, empurrado, carregado,
até ao seu início. Afinal, já não é criança...

A prancha de proficiência culmina o percurso do Companheiro.


Mostra que ele entendeu o que escolheu entender, que trabalhou
no que optou por trabalhar. A idade adulta está ao virar da esquina.
O que implica virar essa esquina já é outra história...

Rui Bandeira

259
A (im)perfeição e as Old Charges (I)

December 20, 2010

No Livro das Constituições de Andersen, de 1723, aprovado por


maçons ilustres como Desaguliers, Cowper e Payne - reputados e
reconhecidos pela sua sabedoria maçónica - podem encontrar-se
estas palavras: "The men made masons must be free-born, no
bastard, and of mature age, and of good report, hale and sound, not
deformed, or dismembered at the time of their making" (Os homens
feitos maçons devem ter nascido livres, não bastardos, de idade
madura, boa fama, saudáveis e sãos, não deformados ou
amputados na altura da sua admissão). Isto levanta a questão:
manter-se-á esta exigência nos dias de hoje? Não há melhor forma
de entender uma lei do que descobrir e entender o propósito do
legislador quando se deu ao trabalho de a elaborar.
Em Junho de 1718 - fazia a Grande Loja de Inglaterra um ano - o
Grão-Mestre manifestou o desejo de que os Irmãos que tivessem
acesso a registos e escritos antigos sobre Maçons e Maçonaria os
trouxessem à Grande Loja, para que pudessem ser constatados os
antigos usos e costumes da Maçonaria Operativa. Era importante,

260
no contexto da altura, conferir à Ordem recém criada uma certa
patine, alguma daquela aura de autoridade que só a idade
proporciona. Foi assim que, nesse ano, apareceram diversas
cópias de documentos referente à Maçonaria Operativa - as "Gothic
Constitutions". Face a estas, e não as achando adequadas, o
Grão-Mestre e a Grande Loja ordenaram ao Irmão James Andersen
que as coligisse e elaborasse um novo e melhor Método.
James Anderson, em 1973, com a aprovação da sua Grande Loja,
publicou o resultado do seu laborioso trabalho, no que se tornou
uma das obras que mais influenciou a Maçonaria até aos nossos
dias: o primeiro livro de "The Constitutions of the Free-Masons".
Nele incluiu uma secção chamada "the Charges of a Free-Mason" -
os chamados "Antigos Deveres" - extraída de registos de lojas
"para além do mar", bem como de Inglaterra, Escócia e Irlanda,
para uso pelas Lojas de Londres. Foi assim que James Anderson
fez uso dos antigos manuscritos a que chamou "The Old Gothic
Constitutions", e que citou e parafraseou extensivamente na sua
obra. É por esta razão que, num livro destinado a Maçons
Especulativos, encontramos regras que só fazem sentido quando
aplicadas a Maçons Operativos.
Os "Antigos Deveres" são os documentos históricos que constituem
as tais "Gothic Constitutions". De um total de 119 documentos,
cerca de dois terços são anteriores à primeira Grande Loja de 1717
- talvez uns 75 - e uns 55 são anteriores a 1700. Quatro foram
escritos por volta de 1600, um é datado de 1583, outro de cerca de
1400 ou 1410, e outro será de cerca de 1390.
Quase todos começam com uma invocação: "Que a vontade do Pai
do Céu, com a sabedoria do seu Glorioso Filho, através da graça e
bondade do Espírito Santo, que são três Pessoas num só Deus,

261
estejam connosco no nosso início, e nos dêem a graça de que
governemos a nossa vida aqui de modo que possamos chegar à
Sua felicidade que não tem fim. Amen."
Pode ler-se então o anúncio do propósito e do conteúdo, seguido
de uma breve descrição das Sete Artes Liberais ou Ciências, uma
das quais é a Geometria. Seguia-se uma extensa História
Tradicional da Geometria, Maçonaria e Arquitetura, que tomava
mais de metade do texto, e que se iniciava nos tempos bíblicos de
Noé, terminando no ano de 930, em que o Príncipe Edwin reuniu
uma assembleia de maçons na cidade de York, e estabeleceu os
regulamentos usados "desde esse dia até aos dias de hoje".
A seguir vinha a forma de se fazer um juramento: "Um dos anciãos
segurava o Livro, de modo que ele ou eles pudessem colocar as
mãos sobre o Livro, e então as regras eram lidas." a que se seguia
o aviso: "Que cada maçon tome nota destes juramentos, pois se
alguma vez se vir culpado de ter violado um, que possa
reconciliar-se com Deus. E especialmente tu que vais prestar
juramento, toma atenção ao cumprimento destes juramentos, pois é
um grande perigo para um homem quebrar um juramento feito
sobre um Livro".
Seguia-se a lista das regras a cumprir, algumas de cariz comercial,
outras de índole comportamental. Sem dúvida que eram essenciais
a uma comunidade de artesãos que trabalhavam em grande
proximidade vinte e quatro horas por dia. Por fim, vinha o
juramento: "Estas ordens que ensaiámos, e outras que pertençam
à Maçonaria, iremos guardar, assim Deus nos ajude, e por este
Livro e para o seu poder. Amen."
Paulo M.

262
Elegia a um homem bom

December 22, 2010

Chegámos, a minha mulher e eu, ao hospital ao fim da tarde. Íamos


visitar o pai de uma amiga que sabíamos estar gravemente doente.
Encontrámo-lo rodeado pela família - a mulher e as duas filhas. Um
olhar atento e alguns momentos chegaram-me para perceber que o
seu estado não era apenas grave. A agonia começara. Não
obstante, o homem doente estava lúcido. Fraco, muito fraco, mas
lúcido. Não sei se consciente de que a travessia do umbral da
eternidade estava próxima, mas lúcido.

263
Escondi o meu pensamento, proferi as palavras de conforto e
encorajamento que devem ser levadas por quem visita quem está
doente - esperando que às mesmas conseguisse conferir um pouco
de credibilidade. Como é meu hábito (defesa?) nestas situações,
procurei orientar a conversa para temas ligeiros e lançar um par de
larachas que, por momentos embora, desanuviassem o ambiente.
Senti-me grato por ter conseguido vislumbrar um par de sorrisos no
homem doente. Pensei que, quando chegasse a altura de ser eu a
fazer a mesma viagem que adivinhava que aquele homem não
demoraria muito a fazer, também gostaria que alguém conseguisse
fazer-me sorrir - a tal viagem é certa para todos nós, já que todos
temos que a fazer, que se faça bem-disposto...

Da família que rodeava o homem, uma das filhas já se apercebera


da iminência da partida. A outra guardava ainda uma réstia de
esperança que a técnica médica ainda pudesse adiar o momento
que a irmã já sentia chegando. A mãe de ambas, companheira de
toda uma vida, incansavelmente acompanhava o seu marido,
refugiando-se em pequenas coisas, não querendo pensar nem
encarar o que temia sucedesse.

Uma hora depois, deixámos o homem doente. Outras solicitações


de uma vida sempre atarefada nos aguardavam.

Na manhã seguinte, a notícia! O homem bom que tínhamos


visitado, partira para o além desconhecido durante essa noite. A
minha mulher soltou a sua emoção. Eu pensei - mas reservei para
mim esse pensamento - que fora uma felicidade que a agonia
tivesse sido breve. Vim a saber depois que a viagem fora feita

264
durante o sono - e de novo dei graças por tal. A minha mulher,
imersa na sua emoção, perguntava, insatisfeita, porque eram os
bons que partiam quando tantos maus ficavam por aqui
atormentando os seus semelhantes. Perguntei-lhe se sabia ela que
se estava melhor aqui do que para onde se seguia...

Gostaríamos que os bons estivessem connosco sempre mais.


Lamentamos a sua partida. Principalmente a família experimenta a
orfandade da separação, o desgosto do desaparecimento. E tem de
fazer o luto pela sua perda.

Quem não é crente, não tem, nestas ocasiões, arrimo para o


sentimento de perda. Já quem crê em algo mais do que a
materialidade que nos rodeia, sem deixar de sofrer o choque, tem a
possibilidade de se consolar com a noção de que o fim deste
caminho não é o fim do caminho, que, para além do que vemos e
sentimos e sabemos, mais e diferente caminho existe para
caminhar, não sabemos de que forma, como - mas existe.

O maçom confronta-se com a ideia do seu desaparecimento físico


e aprende a não o temer, a entender que o momento inescapável é
apenas uma passagem - um fim, mas também um novo princípio.

Um homem bom terminou a sua caminhada entre nós. Como todos


os que gostam da companhia de quem é bom, lamento que essa
companhia tenha cessado. Mas creio que a razão porque a sua
presença física cessou foi apenas porque a sua missão aqui foi
cumprida. Nova missão, novo desafio, nova jornada, encetou -
como todos nós havemos de encetar. Foi cedo de mais? Poderia a

265
Providência ter-lhe dado, a ele e aos seus e a todos nós um pouco
mais de tempo para apreciarmos a nossa mútua companhia? É
humano que o desejemos. Mas a hora foi esta porque a sua missão
aqui fora ultimada, cumprida, realizada - e com êxito! Já o homem
bom era, porventura, mais necessário onde seu espírito agora
prossegue a sua caminhada.

Os bons vão primeiro? Pudera! É por serem bons que melhor e


mais depressa cumprem a sua missão aqui!

O solstício de inverno - que hoje decorre - lembra-nos que a


escuridão, o frio, a noite longa e o dia breve, o fim, afinal são um
recomeço e, a partir do ponto de transição, a escuridão pouco a
pouco de novo cede o lugar à luz, o frio desaparece, a noite se
encurta e o dia se alonga, o fim é afinal um novo princípio.

É disto que nos devemos lembrar sempre que vemos partir um


homem bom.

(Homenagem a um homem bom que partiu).

Rui Bandeira

266
Boas festas!

December 23, 2010

O "A-partir-pedra" deseja a todos Boas Festas,


e um ano de 2011 menos mau do que se antecipa!
Paulo M.

267
A distância não se mede em segundos

December 24, 2010


Porque se se medisse em segundos eu estaria a anos luz do
A-Partir-Pedra.
E por que, quer queiremos quer não, para nós esta época tem um
tratamento diferente, trago ao blog a imagem e as palavras que me
ocorrem neste momento.
A imagem foi apanhada por mim há uma semana, as palavras são
do nosso saudoso José Carlos Ary dos Santos que soube, nos
poucos anos que viveu, escrever sentimentos como muito poucos
alguma vez o fizeram.
Para todos o desejo de uma época de Paz, gozando a Paz mas,
principalmente, fazendo a Paz.
É ela a saúde da Humanidade.

És meu irmão amigo


Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençois feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento

268
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençois feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro

269
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da mulher.
Ary dos Santos
JPSetúbal

270
A (im)perfeição e as Old Charges (II)

December 25, 2010

Em pleno século XIX houve diversas tentativas de se tornar menos


estrita a regra que impedia a admissão de deficientes físicos na
Maçonaria, alegando-se ser esta um legado dos tempos da
maçonaria operativa. Algumas Grandes Lojas deixaram, mesmo,
cair este requisito, exigindo apenas que o candidato tivesse a
capacidade física estritamente necessária a que pudesse ser
iniciado e receber os ensinamentos da Ordem. Mas logo vozes se
elevaram, recordando que o que estava em causa era um dos
landmarks da Maçonaria, que são por definição imutáveis, e por
isso a questão não careceria sequer de mais discussão.
Independentemente da origem do preceito residir na maçonaria
operativa e ter, entretanto, deixado de fazer sentido, este deveria
ser cumprido, sob pena da retirada do reconhecimento às
Obediências que não o cumprissem e fizessem cumprir. Mas não

271
se pense que, sem mais debate, a questão se ficava por aqui, ou
que os argumentos alegados eram desprovidos de substância; pelo
contrário.

Alegava-se, por exemplo, que a Bíblia descreve, repetidamente,


como só um animal perfeito e sem mancha podia ser oferecido em
sacrifício. Se o bicho tivesse a mínima imperfeição deixava de ser
passível de ser oferecido em holocausto: ao Divino não se oferecia
senão o que se tinha de melhor. Ainda nesta perspetiva, uma vez
que, em Maçonaria Regular, se trabalha "À Glória do Grande
Arquiteto do Universo" - donde decorre que o trabalho que se faz é
feito em Sua intenção, sendo cada maçon a sua própria oferenda -
a aplicar-se à letra o antigo princípio da perfeição da vítima
sacrificial, poder-se-ia discorrer que um deficiente físico não seria
"suficientemente bom" para ser oferecido ao Grande Arquiteto do
Universo.

Outro dos argumentos teria que ver com a capacidade de trabalhar.


A Maçonaria - mesmo a Especulativa - socorre-se do trabalho como
forma e método de aprendizagem, pelo que a incapacidade para
desempenhar tarefas úteis poria em causa todo o método
maçónico. Por outro lado, é essencial que um maçon se baste a si
mesmo, pois de outro modo não teria a disponibilidade mental para
se aperfeiçoar enquanto pessoa. É uma questão de prioridades:
primeiro o sustento do corpo, depois o apuramento do espírito.

A própria simbologia maçónica era usada como argumento.


Discutia-se, com a maior seriedade, se, uma vez que a maçonaria
tinha por objetivo a "construção do Templo" a partir das pedras que

272
cada um ia tratando de polir, não seria contrário à mesma
maçonaria aceitar pedras "tortas"? Que Templo Perfeito poderia a
Maçonaria almejar construir à Glória do Grande Arquiteto se as
pedras não fossem todas perfeitas?

Espantosamente, este debate ainda persiste; ainda há Obediências


- Grandes Lojas - cujos regulamentos proíbem a admissão de
deficientes físicos. Contudo, mesmo a maioria dessas admite que,
se um Irmão ficar limitado (amputado, paralisado...) após a sua
admissão, terá todo o apoio da loja.

Na Grande Loja Legal de Portugal/GLRP a questão, tanto quanto


sei, não se coloca. As condicionantes à admissão são, de acordo
com a Constituição e Regulamento Geral da GLLP, apenas que os
candidatos sejam "homens livres e de bons costumes que se
comprometem a pôr em prática um ideal de paz" , que tenham "o
respeito pelas opiniões e crenças de cada um", e sejam "homens
de honra, maiores de idade, de boa reputação, leais e discretos,
dignos de serem bons irmãos e aptos a reconhecer os limites do
domínio do homem, e o infinito poder do Eterno".

Pode argumentar-se que um deficiente físico não é inteiramente


livre. Fosse esse um requisito - ser inteiramente livre - e não
haveria quem pudesse ser admitido na maçonaria. Todos nós só o
somos até certo ponto. Quanto à iniciação, será que se perde
alguma coisa se for feita de cadeira de rodas? Claro que sim. Mas
não se perde mais numa iniciação do que num passeio na cidade;
quem está limitado sabe que o está, e em que medida.

273
E um surdo? Ou um cego? Poderão ser iniciados maçons? Não
vejo porque não. Desde que aptos a comunicar, estou certo de que
se providenciaria o que fosse razoável para os acomodar. Um
surdo pode, por exemplo, ler nos lábios; e poderia "falar" por
escrito, à falta de melhor. Um cego pode ouvir e falar - apesar de
poder ser curioso ouvir da sua boca algumas fórmulas rituais que
se referem à Luz e às Trevas, por exemplo, mas basta que
interiorizemos que a Luz e as Trevas, em Maçonaria, são
simbólicas, não precisando nós dos olhos para as poder entender,
para que logo as suas palavras deixassem de soar estranhas.

Pode um amputado praticar natação? Ou um paraplégico jogar


basquete? Sabemos que podem. E podem competir de igual para
igual com uma pessoa não deficiente? Tenho as minhas dúvidas.
Mas poderá a prática desportiva tornar a sua vida mais completa,
incrementar a sua saúde, torná-los pessoas mais felizes? Disso já
tenho a certeza. Do mesmo modo, poderá um deficiente físico tirar
partido da maçonaria tanto quanto alguém que o não seja? Bom...
em muitos casos até pode, mas admitamos que não podia. Seria
essa lacuna, esse inultrapassável obstáculo, razão para que fosse
impedido de atingir todo o resto?

Paulo M.

274
Paulo Guilherme D'Eça Leal, maçom irreverente

December 29, 2010

Passou ao Oriente Eterno em 9 de outubro deste ano, após uma


profícua e criativa vida de setenta e oito anos. A notícia da sua
saída deste mundo físico foi publicada em vários órgãos de
comunicação social, seguida do habitual rol de realizações, breve
historial de vida em meia dúzia de linhas. Sim, foi ilustrador -
prolífico e genial. Sim, foi decorador de edifícios emblemáticos (a
sede do Banco Pinto e Sotto Mayor, no Porto, por encomenda de
António Champalimaud, o Aeroporto de Lisboa, o Museu do Centro
Cultural de Macau em Lisboa). Sim, foi pintor e escultor de
qualidade que permanecerá reconhecida. Sim, foi escritor, contista,
investigador do esotérico. Sim, foi autor de diversos selos, moedas
e medalhas. Sim, foi cenógrafo. Sim, foi, em resumo, um artista
multifacetado, que espalhou a sua criatividade, qualidade e
originalidade.

Mas, para mim, para nós, os mais antigos da Loja Mestre Affonso

275
Domingues, foi simplesmente o Paulo Guilherme, um dos nossos,
um pouco, um tudo nada, excêntrico, um espírito vivo e irreverente.
E uma língua afiada também...

O Paulo Guilherme fez parte da Loja Mestre Affonso Domingues


nos anos noventa. A sua permanência entre nós foi mais breve do
que ele e nós gostaríamos. Nunca chegou a ser exaltado Mestre
maçom. Foi iniciado Aprendiz e passado a Companheiro maçom.

Depois, a doença que, anos mais tarde, veio a vitimar o seu


invólucro físico revelou-se. Fumador inveterado, o cancro da laringe
apareceu. E foi o calvário dos tratamentos, a operação, a perda das
cordas vocais, a incapacidade de falar, a aprendizagem da fala pelo
esófago, com o auxílio do amplificador que gera aquela estranha
voz metálica. Outras prioridades assolaram o Paulo Guilherme. A
doença forçou-o a ficar mais caseiro. O trabalho em Loja não mais
foi uma prioridade séria. E o Paulo Guilherme fez aquilo que um
maçom que se preza deve fazer, quando as circunstâncias e a
vontade própria a isso obrigam: pediu o seu quite e adormeceu.

Mas sempre permaneceu interessado na busca esotérica a que


dedicou a parte final da sua vida. O seu estudo e tese sobre a
Pirâmide de Quéops aí estão para o demonstrar.

À distância, foi mantendo contacto com alguns de nós. Em


particular, com o Luís R. D., com quem, de longa data, manteve
laços de amizade. Na parte final da sua vida, alguns contactos
manteve comigo, também.

276
A idade, a doença e a debilidade foram-no tornando um pouco mais
rezingão do que o habitual. Mas o génio, o vivo espírito crítico, a
autoconfiança, esses, permaneceram sempre. O Paulo Guilherme
foi, de facto, um artista com um génio admirável. A sua ironia
enfeitiçava-me. A sua cultura maravilhava qualquer um.

Tenho pena que a doença e as circunstâncias tenham impedido


que o Paulo Guilherme tivesse continuado mais tempo o seu
percurso junto dos demais na Loja. Estou certo que, tivesse isso
sido possível, ele deixaria uma intensa marca na Loja, quiçá
inolvidável. Não posso deixar de tentar imaginar como seria se as
coisas tivesse sido diferentes e o Paulo Guilherme tivesse
permanecido até culminar o seu percurso com a sua Exaltação
como Mestre Maçom, como seria se tivesse feito o normal percurso
que todos na Loja fazemos até à Cadeira de Salomão, que
surpreendente e inolvidável seria o seu tempo de Venerável Mestre
da Loja. Não me atrevo a perspetivar se seria bom ou mau - sei,
sem sombra de dúvida, que seria intensamente diferente!

Com o Paulo Guilherme, a Loja aprendeu a conviver com o génio


algo excêntrico. Se ele a tivesse dirigido, teria sido, não duvido,
algo de épico e inolvidável. Não sei se a Loja seria hoje melhor ou
pior do que é. Mas de certeza, certezinha, que seria diferente!

A irreverência do Paulo Guilherme só não deixou marcas mais


profundas na Loja porque a sua doença e as circunstâncias não
deram tempo a que as sementes dela germinassem. Mas nós, os
mais antigos, testemunhámos um pouco dessa irreverência. E eu
tenho para mim que - é inevitável... - algum dia um outro artista de

277
génio, também irreverente, deixará a sua marca na Loja. E então
teremos um pouco da noção do que teria sido a marca do Paulo
Guilherme na Mestre Affonso Domingues.

Paulo Guilherme, o artista nunca passa despercebido. E tu não o


passaste na Mestre Affonso Domingues. Até um dia, em outra
dimensão, que a todos nós espera! Suspeito que a esta hora, a
marca da tua irreverência já se faz sentir e que, parafraseando o
Poeta, o assento etéreo onde subiste já está, no mínimo, muito
mais bem decorado! Olha, se puderes, faz um favor a este teu
admirador: usa as tuas capacidades e faz lá uma ilustração de
como agora o puseste. Sei que só em sonho a poderei ver - mas
estou certo que vou gostar!

Rui Bandeira

278
A (im)perfeição e as Old Charges (III)

December 31, 2010

Para além da questão da deficiência física coloca-se a da


deficiência mental. Poderá um deficiente mental ser iniciado
maçon? Neste caso, a porta já não se abre tanto quanto face à
deficiência física, mas também não se fecha de todo. É tudo uma
questão da natureza e das consequências da deficiência. Um
profano, para ser iniciado maçon, tem que ser "livre e de bons
costumes". A pedra de toque da questão da deficiência mental
coloca-se, precisamente, na liberdade. Há três vertentes em que se
exige que uma pessoa seja livre se quer ser admitido:
- Liberdade da luta pela auto-suficiência. Para ser admitida na
maçonaria, uma pessoa tem que dispor dos meios económicos
para se bastar a si mesma de modo que o sustento diário não seja
uma preocupação tal que se sobreponha a todo o resto. Não está
em causa a quantidade dos rendimentos, mas que este sejam
suficientes e adequados ao garante do sustento do próprio e
daqueles que tenha a cargo - descendentes ou ascendentes. Deve,
ainda, permitir que os custos decorrentes da pertença à maçonaria
(quotas, material, etc.) não causem transtorno. Uma pessoa que

279
viva constantemente assoberbada com o que vai amanhã colocar
na mesa para os filhos, ou falte mesmo aos seus deveres
familiares, não tem disponibilidade mental para ser maçon - decorra
essa carência económica ou não de deficiência mental.
- Liberdade de pensamento. Uma pessoa que não seja livre de
poder, voluntariamente, alterar a sua forma de pensar não tem
lugar na maçonaria, pois a maçonaria tem como objetivo o
aperfeiçoamento do Homem, e aperfeiçoar-se é, forçosamente,
mudar. Ora, procurar aperfeiçoar-se é sinal de que se admitiu já a
própria imperfeição, e isto só pode ter decorrido de uma
auto-análise - que, por sua vez, só pode ter tido lugar numa mente
suficientemente ordenada para a ter efetuado. Por esta razão,
quem não tenha a capacidade de ver e aceitar como válido um
ponto de vista distinto do seu - o que sucede, por exemplo, com
alguns fundamentalistas, cujas crenças podem ser rígidas a ponto
de que o impeçam de pensar por si mesmo - também não está
apto, independentemente da sua sanidade mental, a ser iniciado.
- Liberdade de agir em consciência. Uma pessoa incapaz de pôr
em prática os seus próprios desígnios e de agir de acordo com os
ditames da sua consciência dificilmente poderia tirar algum proveito
da maçonaria. Se a maçonaria não tiver repercussões na forma de
agir do maçon, então estamos perante um caso de insucesso. É
essencial que o maçon não só tenha uma consciência bem formada
- uma boa noção do bem e do mal - como paute o seu modo de agir
por esses mesmos princípios. Uma pessoa que, em virtude de uma
dependência (do jogo, de uma droga...) que condicione a sua
vontade, não possa agir em consciência - não porque esta não
exista, mas porque a sua concretização esteja fortemente
condicionada - não deverá ser iniciada.

280
Não esqueçamos, por fim, que o conceito de normalidade é
puramente arbitrário e estritamente decorrente das características
da população em que o indivíduo se insira: um indivíduo "normal"
numa população pode ser "anormal" se inserido noutra. A fronteira
tem que ser traçada algures, mas isso quer dizer o quê? Que, se a
pessoa estiver num dia bom, pode ser iniciada, e depois, num dia
mau, é excluída? Mas não temos todos momentos melhores e
piores, de maior ou menor lucidez, uns mais felizes do que outros?
Uma pessoa dependente do álcool a ponto de que isso perturbe a
sua vida quotidiana está tão privada de liberdade de ação como
uma pessoa que tenha o espírito igualmente embotado mas sem
que tal decorra da bebida. Ou um fanático religioso pode ser tão
inabalável e impermeável à mudança quanto um
obsessivo-compulsivo. Não é a deficiência mental, em si mesma, o
obstáculo, mas as limitações - que podem ter variadas origens para
além da deficiência mental - a que a liberdade do indivíduo esteja
sujeita.
Pretender que apenas seres perfeitos e perfeitamente livres se
tornem maçons seria um contrassenso. Por não existirem homens
perfeitos, seria esta uma excelente receita para se acabar com a
maçonaria. Mas, acima de tudo, a maçonaria é um método de
aperfeiçoamento - e só se aperfeiçoa quem não é perfeito. Pedras
polidas não precisam de desbaste - e liberdade absoluta não existe.
Como em tantas outras coisas, aqui só podemos socorrer-nos das
linhas gerais e, para cada caso particular, aplicar uma das mais
importantes regras: a do bom senso.
Paulo M.

P.S.: Este é o meu último texto deste ano. Para todos, um feliz ano

281
novo de 2011!

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