A Cidade Secreta Do Vril - M. C. Pereda PDF
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Sobre a obra:
Sobre nós:
“APRESENTAÇÃO”
“1.”
“2.”
“3.”
“4.”
“5.”
“6.”
“7.”
“8.”
“9.”
“10.”
“11.”
“12.”
“13.”
“14.”
“15.”
“16.”
“17.”
“18.”
“19.”
“20.”
“21.”
“22.”
“23.”
“24.”
“25.”
“26.”
“27.”
“28.”
“29.”
“30.”
“31.”
“32.”
“33.”
“34.”
“35.”
“36.”
“37.”
“38.”
“39.”
“40.”
“41.”
“42.”
“43.”
“44.”
“45.”
“46.”
“47.”
“48.”
“49.”
“50.”
“51.”
“52.”
APRESENTAÇÃO
Boa leitura!
M.C. Pereda
Março/2014
1.
30 DE DE Z E MBRO DE 1946.
LAT IT UDE /L ONGIT UDE APROXIMADA 68°51’S/30°14’E
QUE E N MAUD LAND – ANT ÁRT ICA
FORÇA TARE FA OE ST E
TE MPE RAT URA: -22°C
MADRUGADA, 3H.
“Eu não consigo achar! Eu preciso achar! Nada vai dar certo sem ele...
Amentis... o portal de Amentis...”
“David, acorde! É um sonho! Está tudo bem!”, May a toca no ombro do
marido enquanto acende a luz do abajur ao seu lado e, em seguida, abraça-o
com força, percebendo-o extremamente agitado e com batimento cardíaco
acelerado. A tensão facial e corporal eram tremendas. Ela o solta, passando a
massagear seus ombros fortes e largos, enquanto percebe que ele ainda estava
presente na cena da qual fora despertado, subitamente.
“Nossa... quanta tensão... solte o corpo... O que foi que você viu? Você está
todo suado!”, diz ela ao sentar-se junto a ele, recostando-o no respaldo da cama,
ajeitando os travesseiros. Cruzando as pernas em posição de ioga, ele respira
profundamente, tendo os olhos semifechados, cobertos pelas mãos que
amparavam a testa, parecendo tentar lembrar das imagens causadoras das frases
que gritou durante o sonho.
“Eu... eu me recordo de algumas coisas...mas outras estão confusas. A
primeira é... eu passei por um portal muito parecido com os que vivenciei quando
os sacerdotes me treinaram na planície de Gizé, no Egito... Eu posso ter me
influenciado pelo que Gabriela disse e criado estas imagens... Os bastões
egípcios... eu os vi como sendo os bastões usados por várias divindades, uma
delas o deus egípcio Toth... Não sei se criei estas imagens no sonho, ou se são
reais...”
“Não pare... siga em frente, descreva o que viu, antes que as imagens
desvaneçam em sua mente. Você mencionou a palavra Amentis... diga o que
é...”, pediu.
Pegando o seu inseparável iPad, ela inicia a busca por essa possível
palavra-chave, ao mesmo tempo em que David, esforçando-se para lembrar o
que havia vivenciado no sonho, narrou uma parte do que recordava.
“... Eu andei por este salão depois de passar pelo portal e encontrei um ser
que parecia muito com o que se representa como Toth, o deus egípcio com
cabeça de ave e um cajado que imita, na extremidade superior, um bico de
pássaro.”
May a pensa em voz alta:
“... lá vem Toth novamente... ele está sempre por perto.” 1
Assim, ele seguia adicionando dados. Parte da mente de David parecia
estar dentro do sonho, e outra, consciente do que se havia passado.
“Toth me mostrou uma placa de luz cristalizada... acho que azul escuro...
sim, era de um azul forte... como uma safira... e disse que quando a encontrar no
mundo físico, ela deveria ser usada por você!”
“Ops!”, exclama May a, surpresa.
David levanta o olhar, cruzando-o com o da esposa, deixando claro estar
perdido, ao erguer e abaixar os ombros, sem palavras para descrever o que
sentia. Seguindo a expressão corporal do marido, mas sem a alteração emocional
que o tomava, ela ergue a sobrancelha esquerda, proferindo sua frase célebre:
“Típico! Típico! E, para acompanhar o famoso “três vezes grande”, devo
repetir três vezes. Falta uma: típico!”
Sabendo de algo de que ele não tinha conhecimento, ela gira o iPad,
colocando-o de frente para o marido, exibindo uma ilustração do chamado Portal
de Amenti, o Salão de Amenti, com Toth, o Hermes Trismegistus dos gregos,
traduzido como o “três vezes grande”.
Ao ver a imagem contida no tablet, ele reconhece a figura de Toth, mas
continua sem entender, expressando não haver captado o que ela queria dizer.
“Ah, tá... vou ler para você entender.” May a retorna o iPad para si
mesma, lendo o texto abaixo da figura:
“Ok, então ouça isto. Quando você estava gritando no meio do sonho...
veja bem, disse a palavra-chave: Amenti. Foi fácil. Eu não lembrei na hora o que
era, mas sabia que tinha ouvido esse nome em algum lugar. Daí que achei algo
similar em algumas páginas da internet, mas com as mesmas informações. Vou
ler para você, resumindo e pulando entre estes textos: No fundo do coração da
Terra, encontram-se os Salões de Amenti, muito abaixo das ilhas da Atlântida
afundadas, salões dos mortos e salões da vida, banhada no fogo do todo infinito e
blá, blá, blá... um monte de coisa que acho que não serve para nós agora... Em
outro lugar, diz que Amenti era o nome do local onde o deus Osíris julgava os
mortos e fazia o julgamento com a balança que pesava o quanto de bem e mal
tinha feito na vida. Se a balança se equilibrasse, a pessoa passaria pelo portal”.
May a tinha várias teorias em mente; por isso mesmo, olhava para David
de forma curiosa.
“... Eu acho que o local é o de menos importância aqui, pelo menos por
enquanto... mas devo dizer que... ele também está relacionado com a cidades de
Tihuanaco, na Bolívia, e Puma Punku, no Peru, onde um famoso portal, que
ainda está de pé, é ligado ao tal de Amenti... aos descendentes dos atlantes e a
uma rede de túneis que ligava essa região ao Brasil... Viva! Está começando a
esquentar...”
“Isso começa a ficar interessante!, exclama David, mais animado.”
“Sim, sim... o que é importante mesmo é a mensagem... veja: Toth, temos
algo a ver com julgamento... algo relacionado com a balança dos atos
realizados... uma ligação de karma, podendo ser de uma pessoa, um grupo ou de
uma civilização...”
“Um encontro de dois mundos, talvez...”, complementa ele.
“Isso! Pode ser isso sim... por isso, o portal! O que você acha?!”
Ele mal balbucia uma palavra quando é interrompido pelo toque do
telefone. Era Armando avisando que algo horrível tinha acontecido a Gabriela.
Desesperados, eles se trocam em cinco minutos.
Ana, visivelmente a mais emocional do grupo, subiu até o apartamento
dos Bacon, ainda de camisola e robe, assustada e com os olhos cheios de
lágrimas. Ela se oferece para ficar cuidando de Suri para que os três amigos
possam ir diretamente até o Hospital Albert Einstein, no Morumbi, onde Gabriela
estava internada entre a vida e a morte.
O nervosismo e o desespero que deles tomaram conta eram visíveis, mas
felizmente a capacidade de autocontrole era ainda maior, fazendo com que
tivessem plenas condições de assumir e agir corretamente em uma situação
como essa.
“Vamos!”, diz David, segurando a porta do elevador.
Quando Armando vai em direção ao elevador, seguindo os dois amigos,
ele se despede da esposa, na porta do apartamento, com um abraço apertado:
“Não abra a porta para ninguém e muito menos autorize a portaria a
deixar subir quem quer se apresente, mesmo que seja da Thule, ok?! Não
sabemos com o que estamos tratando... pode ter sido um acidente... ou não...
Acione o sistema de segurança assim que fechar a porta e fique com o seu
celular em mãos! Observe o hall do elevador e a área superior da piscina pelas
câmeras de segurança, ok?!”
Ana balança a cabeça positivamente, entendendo plenamente a situação,
e, assim que o marido sai, ela aciona o sistema de proteção e blindagem do
apartamento, localizado ao lado da porta da sala, digitando um código conhecido:
“... 4171... viva Pitágoras!” 2, diz ela, como se isso fosse uma prece.
Imediatamente as portas blindadas de saída da sala e cozinha são trancadas por
dentro, ao mesmo tempo que grossas persianas de aço escovado descem dos
tetos, do andar de baixo e do superior da cobertura, bloqueando as janelas de
todos os cômodos e pavimentos com esse sistema de fechamento blindado.
David era o responsável pelo que, para os vizinhos do seguro condomínio
onde moravam, parecia ser uma bizarrice. O sistema havia sido instalado
recentemente.
1. May a se referia à aventura vivida na Ilha de Oak Island, no Canadá, e
apresentada em “O Sol Negro – O Retorno das Sociedades Secretas do Vril”, em
que um raio azul, vindo do céu, colidiu com outro, vindo do poço chamado
Money Pit, gerando figuras que lembravam serpentes de luz líquida ao redor do
faixo principal, como as representadas historicamente ao longo do cajado de
Toth, quando ativo energeticamente. Esse deus egípcio é mais conhecido pelo
nome designado pelos gregos, Hermes.
2. Ana se refere à escala numerológica criada por Pitágoras, utilizada para
compor a senha numérica do nome May a.
5.
Ao longo dos dois dias que se seguiram, a tristeza tomou conta do grupo da
Thule, especialmente de May a e Ana, por se considerarem responsáveis por
Gabriela. Acompanhados o tempo todo por seguranças armados e altamente
especializados, esperaram o irmão gêmeo de Gabriel chegar, junto com sua
esposa, para realizar o funeral. O casal assassinado foi cremado e suas cinzas
jogadas nos jardins da sede da Thule, no Jardim Europa, onde costumavam
conversar e passear. O exato local do depósito do conteúdo das duas urnas de
cinzas representa uma parte da profunda ideologia do grupo filosófico. Nele,
encontra-se uma escultura feita em madeira de carvalho polida, sendo este o
símbolo mais representativo da antiga Sociedade Teosófica de H. P. Blavatsky,
demonstrando o sincretismo dos credos, povos e religiões, em uma fusão
inevitável que um dia ocorrerá. Circulados por uma cobra que morde a própria
calda, encontra-se logo abaixo a frase: “Não há religião que esteja acima da
verdade”. Os membros dessa sociedade filosófica, seja ela a Teosófica ou a
própria Thule, compartilham esse ideal e sabem que a verdade sempre será
revelada àqueles que, quando prontos, busquem-na.
Emblema da Sociedade Teosófica.
NO DIA SE GUINT E , 9H
APARTAME NTO DE G ABRIE L .
27°57’07’’S
54°45’07’’O
COMUNIDADE LINHA SÃO P E DRO, MUNICÍPIO DE
CÂNDIDO GODÓI, MICRORRE GIÃO DE SANTA ROSA,
RIO GRANDE DO SUL , BRASIL .
9 DE MAIO DE 1962, 9H.
SE DE DA THUL E BRASIL ,
JARDIM EUROPA, SÃO P AUL O.
MARÇO DE 2013, ÀS 16H.
“Quer dizer que o tal Werner Angst era amigo de infância do Gabriel
Goldschmidt, e ambos tinham irmãos gêmeos idênticos?! Nossa... isso é meio
macabro, não é?!”, exclama surpreso Armando.
Sentados à mesa, os quatro inseparáveis amigos avaliavam o que tinham
conseguido ao lado de Mestre Germano. Espalhadas sobre a mesa escura de
carvalho, encontravam-se todas as pastas e documentos trazidos da casa de
Gabriel, já organizadas por assunto e por etapa de avaliação, incluindo uma área
para as não relevantes. As duas pessoas mais indicadas para um aprofundamento
no estudo eram May a e Ana, já que se tratava de documentação científica. Fora
isso, haviam encontrado o rascunho de um manuscrito do que revelou ser, ao ser
lido, um parecer sobre a origem do altíssimo número de gêmeos univitelinos da
cidade de Cândido Godói e, em especial, da região de Linha São Pedro.
Enquanto May a e Ana estudavam esses documentos, discutindo entre elas,
Mestre Germano acredita ser importante esclarecer a relação existente entre
Gabriel e Werner Angst, de acordo com as informações que tinha.
“Meus amigos, eu não tenho detalhes tão profundos quanto possam
esperar, embora Gabriel fosse como um filho para mim... Talvez eu saiba
alguma coisa que possa ajudar a entender a relação entre os dois...”
Ao ouvir isso, Ana e May a abaixam os papéis que liam, dando prioridade
ao que se seguiria. David se volta para o Mestre, com certo ar de surpresa,
devido à espontânea declaração, largando momentaneamente uma pasta que
continha documentos pessoais de Gabriel:
“Na verdade, Germano, nós aguardávamos por isso... realmente
esperávamos que não precisássemos perguntar...”, completa David.
Mestre Germano se levanta, iniciando um relato lento e cuidadoso nos
detalhes, ao mesmo tempo em que circulava por trás dos que estavam sentados.
“Pois bem... Dado o acontecimento com Werner, noto que temos algo
grave e que, de certa forma, eu previa que iria acontecer.”
Proferida esta primeira frase, os dois casais observavam o Mestre,
impacientes pelo excesso de pausas entre as palavras usadas por ele. Levado pela
impulsividade, Armando gesticula, expressando nitidamente com as mãos que
ele se apresse e vá direto ao ponto.
“Vamos, Germano... solta logo!”
“Pois muito bem... as famílias Goldschmidt e Angst são amigas há mais
de cem anos, significando que três ou quatro gerações de descendentes
acabaram se envolvendo em trocas de DNA, casando-se e gerando novas
famílias. De certa forma, Gabriel e Werner eram parentes distantes, pois, no
passado, uma família firmou laços com outra. Quando Gabriel veio para São
Paulo estudar Medicina, especializando-se em Genética, seu grande amigo de
infância o incentivava a tentar aprovação em um curso que gostava e que tinha
largado, vários anos antes, em Porto Alegre. Lembrem-se que Werner tinha
alguns anos a mais que Gabriel. Assim, ele resolveu vir também e ambos
acabaram estudando juntos, primeiramente em um cursinho preparatório por um
ano, e, depois, ambos entraram na USP, onde Gabriel cursou Medicina e Biologia
ao mesmo tempo, e Werner, Física. Aquela foto que me mostraram, tirada do
porta-retrato que viram no apartamento de número 32, onde Werner vivia, era da
época da faculdade. Foi nesse tempo que o pai de Werner faleceu... e, no meio
da herança, ele recebeu uma caixinha que continha as duas barrinhas que vocês
encontraram no fundo do arquivo...”
“Ai, meu Deus... os bastões de Toth eram dele mesmo!? Caramba! Fui eu
a ladra da história... Mas então, por que ele os pegou daquela forma, sem cuidado
algum? Ele deveria saber que eram perigosos!”, exclamou May a, sentindo-se
culpada pela morte de Werner.
Mestre Germano para de caminhar pensativo de um lado ao outro da sala,
encarando May a profundamente nos olhos.
“Não, ele não sabia... eu também não sabia... acredito que apenas Gabriel
soubesse.”
A frase não poderia ter gerado mais mistério e confusão.
David se levanta da cadeira, indo de encontro ao local da sala onde Mestre
Germano estava, próximo à janela:
“Como assim? Por que acredita que apenas Gabriel soubesse?”
“A conclusão é simples. Eu vi essas barrinhas em duas ocasiões: quando as
tive em minhas mãos, há muitos anos atrás, sem o menor problema... elas não
estavam “ativadas”, logo simplesmente não produziam qualquer campo
magnético... até ventilei a hipótese de elas não serem verdadeiras, e sim alguma
cópia feita há muitas centenas de anos... pois então, até agora há pouco, era o que
eu acreditava”, declarou Mestre Germano com muita calma e segurança.
“Então, algo ou alguém ativou estes Bastões de Toth, e agora são capazes
de manipular a energia Vril”, completa David, de forma incisiva.
“Sim, creio que sim, e essa conclusão é evidente, devido ao que aconteceu
ao Werner. Aquelas barras, ou bastões manuais, foram guardadas a sete chaves
pelo pai dele. Quando ele as encontrou no espólio, pediu que o Gabriel avaliasse o
que eram... Gabriel as trouxe a mim, e eu achei – erroneamente, como pudemos
verificar – que eram falsas. Muito bem feitas, mas falsas. Como e por que estão
funcionando é outro detalhe que vamos precisar descobrir, e talvez a resposta
esteja nesses papéis que trouxeram.”
May a e Ana retornam ao estudo das pastas e a leitura de seus
documentos, sem dizer uma única palavra. Após alguns minutos, May a separa
várias páginas importantes, contidas em um dossiê composto por umas quinze
páginas amareladas, grampeadas, escritas à mão.
“Olha só, pessoal... que letrinha ruim de entender, típica de médico”, ela
se referia à péssima escrita de Gabriel... “Vamos lá, aqui tem algo a respeito da
cidade de Cândido Godói... ele relata que os seus fundadores tiveram contato
com a energia Vril, de forma impactante... pelo que eu entendo da letra... logo no
começo da Primeira Guerra Mundial, quando várias pessoas do chamado
Império Alemão, melhor localizado em um dos seus reinos, o Reino da Baviera,
ficaram expostas a outro tipo de bomba... a explosão Vril. Neste relato, ele
descreve várias bombas sendo usadas na época, o gás mostarda, gases venenosos
variados, entre eles o gás clorídrico, extremamente mortal com possíveis efeitos
de mutação genética... mas sua atenção se manteve em uma outra explosão...
uma que pouco se fala, ou nada, é mencionada, ocorrida na Baviera.
Aparentemente mais de cem de pessoas morreram, e outras quinhentas foram
afetadas, sendo a população em geral que lá estava, digo adultos homens,
mulheres e crianças. Essa explosão ocorreu por tentativa de manipulação da
energia Vril feita... ops... pela Sociedade Thule que lá se formava...”
May a ergue os olhos por cima de seus óculos de acetato preto, à espera de
alguma reação por parte de Mestre Germano, antes de continuar a ler:
“É... eu sei e é lamentável...”, declara Germano, “... no começo, eles
ficaram mais entusiasmados com os poderes paranormais e psíquicos de
sacerdotisas associadas a Geradores Vril de diversos modelos, como o Dorje, e
estes Bastões de Toth, entre outros dispositivos, acabando por se matarem. O
grupo envolvido nessa cerimônia de liberação do Vril... bem, morreu. A energia
foi liberada por vários quilômetros, mas o que Gabriel escreveu no documento,
após esse acontecimento?”
Mestre Germano tentava disfarçar o embaraço, ao mesmo tempo que
estava ficando curioso com as possíveis investigações de Gabriel. May a
posiciona os seus óculos no lugar, retornando aos papéis, respirando
profundamente, antes de iniciar a leitura.
“Bom, ele diz... interessante... vários dos fundadores de Cândido Godói
estavam na região que foi afetada por essa radiação e, de uma forma ou outra,
todos acabaram demonstrando problemas de saúde ou efeitos fora do normal...
um deles é o início do nascimento de gêmeos idênticos, que se fez notar em
poucos meses, ainda na Alemanha... parece que juntaram essas famílias de
maneira a estudar ou acompanhar o que estava acontecendo com elas e, quando
descobriram as que geravam gêmeos, enviaram-nas para o Brasil... Sendo esse
um dado interessante, acompanhado por alguns seguidores da Thule, de lojas de
outros locais da Alemanha, conhecedores de parte dessas informações... aqui diz
que muitos deles migraram para a recém criada Sociedade Vril, antes da
Segunda Guerra Mundial, com o nítido interesse de fortalecer o nazismo através
de ideologias e poderes místicos especiais, além do científico...”, informa May a.
David aproveita a pausa e continua com as observações sobre o assunto: “Essas
pessoas tornaram-se interessantes para a geração da nova raça ariana, um dos
objetivos do nazismo, e seria feito também no Brasil...”
Sem dar trégua, Ana aproveita o momento, continuando a leitura dos
documentos que estavam com ela. Segurando uma das pastas da pesquisa, lê
algumas partes, já pré-selecionadas.
“Gente, agora faz todo sentido... veja a pesquisa de Gabriel voltada para
esse rastreamento: ele descreve que vários levantamentos foram feitos para
entender o porquê de tantos gêmeos homozigotos, ou seja, idênticos, encontrados
principalmente na região pertencente a Cândido Godói, chamada de Linha São
Pedro. Pelo que consta como levantamento oficial, o número de gêmeos
idênticos é muito maior lá que em Cândido Godói como um todo... Mas veja, o
número de gêmeos da cidade de Cândido Godói está aumentando, comparando-
se a última avaliação de 2004 a 2008 x 1999 a 2003, temos 2,6% atual x 1,5% na
taxa anterior. Em Linha São Pedro, continua aumentando de forma mais intensa.
Vejam este número: entre 2004 e 2008, o número de gêmeos foi parar em 44,4%
frente aos nascimentos de 1999 a 2003, com 33%... e lá vai o número sagrado
novamente, o 33 para todo lado. Aliás, acabo de lembrar que esse é o número do
apartamento do Gabriel... certamente bizarro pela coincidência... E outra pista:
Aqui consta que oitenta famílias são consideradas as fundadoras da região, tendo
vindo de diversos locais em variadas datas, incluindo outras cidades do Rio
Grande do Sul, mas que especialmente... lá vai novamente... 33, foi o número de
famílias destinadas para a região de Linha São Pedro... nossa... o famoso 33...
será que tem algo a ver?”
Agora era Ana que fazia uma pausa, sem que ninguém perguntasse
qualquer coisa.
May a já estava pronta para continuar com suas observações sobre as
anotações manuscritas, contidas nos papéis em suas mãos:
“Eu diria que toda vez que a gente colide com esse número, algo
importante deve ser observado e, portanto, para nós é como achar um X grande
no mapa do tesouro... Veja o que o Gabriel anotou aqui sobre isso: ele diz que as
33 famílias tinham, no mínimo, um integrante que havia estado na região atingida
pela radiação Vril, e que estes selecionados, deveriam vir para a América do Sul,
por ordens do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores, o qual já apontava
para a criação do Terceiro Reich. Tudo estava sendo manipulado, e faz sentido o
fato de, anos mais tarde, Hitler proferir um discurso oficial, disponível em vídeo,
dizendo que eles colonizariam o Brasil e o tornariam uma nova Swabia. Sabemos
que foi desde o início dos anos 30 até 39, aproximadamente, que um número
enorme de soldados e oficiais alemães, puramente arianos, foram mandados
para toda América do Sul, em especial para a Amazônia e Sul do Brasil, com o
objetivo de criar colônias de descendentes, todos seguidores. Quanto mais
fechadas essas colônias, maior a concentração genética...”
“Sim, May a... estou lembrando que vimos fotos de índios louros, com
olhos claros na Amazônia, em regiões distantes e sem quase nenhum acesso...”,
disse David. “De fato, conforme registros, Schulz Kampfhenkel, um oficial da SS,
foi o líder do projeto Guiana, encabeçado, como sempre, por Heinrich
Himmler”, completa David, tendo a total concordância de May a e do grupo
sobre o tema.
“Aqui tem muito mais, pessoal”, informa May a, apontando e virando o
documento para o grupo. “Vejam: segundo uma dissertação de mestrado, muito
bem escrita e trabalhada, diga-se de passagem, realizada pela aluna Alice T.
Ribeiro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ela e uma equipe
chefiada pelas orientadoras Profª. Drª. Lavínia S. Faccini e coorientada pela
Profª. Drª. Ursula Matte, procurou esclarecer os possíveis motivos desse número
de gêmeos idênticos, fora do normal, existente na região de Cândido Godói. Elas
questionam as lendas ditas a respeito de haver sido Josef Mengele o gerador deste
fator. Segundo as lendas, Josef Mengele, o chamado Anjo da Morte, ex-oficial,
médico SS e comandante de estudos horripilantes com gêmeos judeus nos
campos de Auschwitz, teria tido várias passagens por aquela cidade, gerando o tal
efeito. O trabalho da dissertação é procurar por motivos genéticos que possam
ser os causadores desse número tão aumentado frente à taxa mundial de 1% a
2%, nos locais de maior ocorrência. A pesquisadora levanta a questão quanto a
Josef Mengele poder ter gerado alguma alteração, e, se gerou, qual poderia ser.”
A esta altura, Ana estava muito interessada pelo resultado da dissertação e,
por isso mesmo, questionou sobre a sua continuidade:
“Mas qual foi a conclusão que chegaram?!”
“Conclusão mesmo não é o caso. Chegaram a hipóteses, e a principal é a
do efeito fundador... o que bateria com o manuscrito de Gabriel. Segundo a tese,
acredita-se que os fundadores do começo do século já havia nascimentos de
gêmeos em altas taxas. Elas rastrearam essas famílias e analisaram muitos
parâmetros... um deles, e que eu acho mais interessante, é o gene TP 53 o qual
expressa uma proteína chamada de p53, a proteína supressora de tumor. Ela é
responsável por um mecanismo de reparo das células. Segundo consta na
dissertação, trabalhos de outros pesquisadores citados demonstram que a p53 está
ligada à gestação gemelar.” May a parecia estar procurando por mais detalhes
nos resultados, tendo parado de falar por alguns instantes. Ana aproveita o
intervalo fazendo uma pergunta:
“Mas e qual foi o resultado? Foi significativo?”
“Sim, Ana, foi e mostra que temos algo a observar. Você se lembra que
fizemos estudos em células da derme, os fibroblastos, que foram expostos a
radiação solar UVA/B com o extrato de Bidens pilosa? Pois então, encontramos a
p53 aumentada e o mecanismo de reparo da célula, proteção do DNA
potencializado. Isso significa que, sob efeito de radiação... e o Vril é um tipo de
radiação, vamos assim dizer... se for menos danoso, menos impactante e permitir
as células se regenerarem, a p53 estará aumentada. Se esse efeito causar uma
mutação permanente no gene TP53... bem, isso explicaria sim os gêmeos e
palmas para o pessoal da UFRGS..., mas espere... eles precisam da gente para as
palmas finais!!!”, exclama May a.
“Você não se contém e tem que fazer suas piadinhas!”, exclama a amiga
Ana, rindo com a melhor amiga.
Armando se levanta, indo em direção à esposa, coçando a cabeça:
“Eu acho que entendi... mas daria para vocês resumirem isso de forma
que um cara das ciências exatas possa entender?!”
Ele recebe um beijo da esposa, mostrando-se capaz de fazer a tradução
simplificada em forma de síntese:
“Eu te dou umas aulas de Biologia Molecular e Genética em casa
depois...”
“Ah tá, tô dentro!”, exclama Armando.
Depois de uma curta discussão entre os dois, David pede a May a que
feche o assunto para o grupo:
“Pessoal, a conclusão é superficial mas promissora. Portanto,
aparentemente, com o conhecimento da energia Vril vindo da Thule e sendo
Gabriel um integrante deste grupo, por vias de puro destino ou por objetivos pré-
determinados... isso eu não sei..., ele obteve os dados suficientes para ligar a sua
vivência no campo da Ciência Genética com os gêmeos da região de Cândido
Godói, trabalhando incessantemente, pelo que vimos, de forma a descobrir o que
havia gerado essa aberração numérica, e aparentemente... quando descobriu... o
mataram...”
Novamente Armando está confuso, entretanto acompanhado nas dúvidas
pelo resto:
“Mas... achei que o alvo era a Gabriela... então... o alvo era ele?!”
“Esse é o ponto Armando. Ainda não sabemos se foram os Muller que
mandaram matar Gabriel e Gabriela, e estou começando a achar que pode ser
uma história bem diferente”, completa David.
“Será que o Werner estava envolvido com os Muller? Será que ele
realmente queria os Bastões de Toth por pertencerem ao pai dele? Mas se for
isso, porque estava mental e emocionalmente alterado... muito alterado, diga-se
de passagem?”, pergunta May a para si mesma.
David se dirige ao Mestre esperando que ele complemente com mais
informações:
“Mestre? Você tem algo a acrescentar?”
“Eu muito que gostaria, David, já que temos os mesmos objetivos em
comum, mas nada que eu possa ter me recordado, neste momento, parece fazer
qualquer sentido ou apresentar ligação com o ocorrido... nada mesmo... creio que
temos que nos isolar e pesquisar melhor”, declara Germano, serenamente.
10.
SAL ÃO PRINCIPAL DA
THUL E DE SÃO P AUL O.
17/03/2013, 10H.
“E então... alguma coisa? Eu acho que ainda não deu certo, pois nada
aconteceu!”, pergunta Ana ao lado de May a, estando esta de volta à cena
anterior, no momento exato em que tocou o corpo da Tábua Safira, antes de ser
remetida a Chartres.
May a estava mais confusa do que da primeira vez, cambaleando ao ver a
sala girar, perdendo o senso da gravidade. Se David não a tivesse amparado, teria
caído no chão.
“Respire fundo... pode ter sido alguma interferência de energia. Você está
bem?!”, pergunta ele preocupado.
“Sim... sim... tudo certo... é que...”
Sem ter tempo para explicar a vivência, eles são brutalmente
interrompidos.
“Parados! Se alguém se mover, morre! Quero todos para o lado esquerdo,
encostados na parede e com as mãos para cima... menos a mocinha com esse
tablet!”, diz um homem vestido de preto, encapuzado, acompanhado por seis
homens que carregavam os três seguranças que guardavam o prédio.
“Parecem ninjas”, diz Armando, com as mãos para o alto.
“Acho que estamos em uma situação de alto risco... como pode brincar
em uma hora dessas?!”, cochicha Ana, andando vagarosamente para trás, com
as mãos para cima, como os seus outros colegas, exceto May a. David envia um
olhar de desespero para esposa, típico de alguém que não sabia o que deveria
fazer, demonstrando grande apreensão.
Por outro lado, estranhamente, mesmo sabendo da gravidade da situação,
May a sentia uma extrema calma e confiança.
O líder do grupo ordena que arrastarem para o outro lado da sala os três
seguranças da Thule que haviam sido dopados com o auxílio de uma pistola de
disparo de entorpecentes. Deixando-os amarrados no chão, ele caminha até
May a, que ainda estava sentada no chão, apontando a arma com determinação,
fazendo-se clara a grande facilidade em apertar o gatilho.
“Vamos levar você e seu aparelho. Eu te aconselho a não fazer nada para
evitar isso, caso contrário, eles morrem, junto com você”, ameaçou o líder,
mantendo o revólver direcionado para a cabeça dela, gesticulando com a outra
mão, que ela se dirigisse até a porta. Intuindo a possibilidade de fazer algo,
usando a Tábua Safira, ela prefere esperar pelo lugar e momento certo, longe
dos amigos, evitando riscos, pois ainda não tinha ideia alguma de como operá-la.
Simplesmente era evidente o fato de haver uma inteligência que coordenava um
processo similar ao do trabalho de treinamento de um discípulo por um mestre...
este ainda desconhecido, em partes.
O grupo encapuzado sai do prédio da Thule, deixando todos amarrados,
incluindo dois empregados de serviços gerais, um mais assustado que o outro.
May a não foi fisicamente incomodada, sequer tocada; conclusivamente, quem
quer que estivesse no comando do assalto tinha pleno conhecimento do poder
desse equipamento e das consequências se tocassem nele ou em quem o
carregava. Com certa dificuldade, devido a tonturas, May a se levanta e
acompanha os invasores armados.
Ao passar pelo pórtico de entrada do prédio, a Pedra Safira começa a se
desintegrar, completando o processo ao entrar no carro. Sem aviso ou efeitos
especiais, a Tábua cristalina desapareceu, juntamente com cada uma das barras
de suporte, sendo que, posterior e separadamente, retornaram do campo do
invisível para o visível novamente as mãos de May a, em um piscar de olhos. O
efeito foi tão rápido que foi a única a percebê-lo, mas obviamente precisava
fazer algo para evitar que sua falta fosse notada pelos capangas que a
sequestraram. Rapidamente, ela posiciona as barras em paralelo, de forma que
as turmalinas verdes e o metal prateado chamassem mais atenção do que a falta
da placa fina e transparente entre elas. Considerando a escuridão dentro do
veículo, gerada pelos filmes escuros aplicados nos vidros, o plano poderia dar
certo... por pouco tempo.
No banco de trás de uma SUV, uma ix35 preta, ela é intimidada por um
homem armado sentado ao seu lado e outro no banco do carona. Atrás desse
carro, segue outro idêntico, levando o resto dos homens. Para sua surpresa, mas
nem tanto, o caminho que o carro percorria era o mesmo que deveria fazer para
chegar ao seu antigo emprego, o que ocupou até um ano atrás como Diretora
Científica da Divisão de Dermocosméticos, na National Pharmaceuticals, cuja
presidência e vice-presidência ainda pertencia aos francamente seguidores de
um nazismo ainda mais distorcido, os irmãos Muller, líderes da seita Vril no
Brasil.
Os dois carros desenvolviam uma velocidade normal para a região,
repleta de árvores e belas paisagens. Eles percorreram a rua Suíça até a
bifurcação com a rua Sofia, entrando na rua Bucareste, parando no cruzamento
com a rua Groenlândia e, em seguida, continuaram em direção à avenida Nove
de Julho. Assim que passaram pelo cruzamento da rua México, dois carros de
polícia aparecem em sua perseguição. A equipe que ocupava o carro que
escoltava onde May a estava avisa pelo rádio que daria cobertura, bloqueando a
passagem de um dos carros da polícia, pela sua lateral. Um tiroteio é iniciado
entre a ix35 de escolta e os policiais, sendo o motorista facilmente baleado,
juntamente com um dos sequestradores, o que atirava pela janela direita do
banco de trás. Os dois carros de polícia fecham a passagem da ix35, que
consequentemente acaba batendo em vários carros parados, próximo ao
cruzamento com a rua Atenas. Ao ver-se em grande perigo, o outro motorista
acelera, tendo mais um carro de polícia em sua perseguição. Devido à
velocidade e às manobras para o escape, May a é jogada de um lado para outro
no banco, começando a ser impossível segurar as barras e ela ao mesmo tempo.
Avistando um bloqueio feito pela polícia que fechava completamente a rua
Groenlândia, a SUV freia bruscamente, quase capotando. Os pneus do carro
deixam grandes marcas de frenagem no chão, levantando fumaça e as duas
rodas laterais direitas, voltando, em seguida, bruscamente ao piso em posição
atravessada. Cinco policiais cercam o carro, mostrando estarem fortemente
armados, ordenando que saiam do veículo, sem as armas e com as mãos para
cima.
Do outro lado da calçada, há exatamente sete metros do local da prisão
dos bandidos, May a encontra-se de pé, apertando os olhos como se não quisesse
ver o que se passava, confusa e segurando fortemente as barras em paralelo, em
suas mãos levantadas a altura do plexo solar. Ao abrir os olhos, sem saber ao
certo se estava viva ou morta, tinha ao seu lado o inspetor de polícia, Ricardo,
demonstrando um belo sorriso no rosto. Ele estende a mão direita oferecendo a
ela um objeto que estava em seu poder.
“Você se safou bem dessa! Nem iria precisar da minha ajuda, mas eu vou
aparecer mais constantemente do que talvez possa querer... tome, vai precisar
disso para guarda-las!”
May a arregala os lindos olhos cor de mel esverdeados, piscando sem
parar por três segundos, como se buscasse enxergar melhor a realidade. Na mão
do policial encontrava-se a caixa de madeira onde deveriam ser guardados os
Bastões de Toth.
“Você... você... conhece isto?!”, pergunta May a, enquanto guardava as
barras, tendo ao seu lado esquerdo o detetive Ricardo, com um sorriso deveras
enigmático. De repente, a matriz de espaço-tempo apresenta-se deformada
dentro de uma bolha. Novamente ela enxerga com uma visão alterada de luz,
cores e formatos. À sua frente, a rua parecia silenciosa, embora muitas pessoas
estivessem indo e vindo, juntamente com mais carros de polícia aparecendo com
suas sirenes e luzes ligadas. Era como se eles pertencessem a uma miragem
distante e vivessem dentro de uma outra bolha. Uma operação da polícia estava
em andamento, prendendo os homens não feridos, colocando-os no camburão,
ao mesmo tempo em que era ouvida a sirene do resgate médico chegando, para
atendimento de outros sequestradores feridos. A imagem corria ao seu redor era
como se estivesse vendo um filme em slow motion, quase sem som e em
realidade alterada, perdurando este efeito até que ela voltou os olhos para o
detetive.
“Curioso, não é mesmo?!”, pergunta ele, com ironia. “Bem que eu disse
ao seu marido que eu tinha certeza de nos encontrarmos em breve... algo me
dizia que seria impossível deixar de vê-los, pelo menos tão cedo. Posso levá-la de
volta ao prédio da Thule Brasil? Seus amigos já estão soltos. Todos bem. Vou
avisar aos policiais que ficaram com eles para informarem que você está
comigo.”
Há alguns segundos, May a sentiu-se contente ao ver o detetive Ricardo,
mas sua penúltima frase, mencionando claramente a Thule Brasil fez com que
um frio pungente atravessasse sua espinha. Mesmo sem saber ao certo o que
estava acontecendo, ela verifica o acomodamento das barras em suas posições,
fechando o fecho e, em seguida, erguendo os olhos para o policial, com ar
inquisitivo.
“Muito bem, sem mais joguinhos... quem é você e quem te mandou nos
seguir? Nitidamente você sabe de muita coisa, como o que eu tenho em minhas
mãos...”
Ele dá um passo para trás, sorrindo de forma irônica, induzindo que ela
reaja ao silêncio e sarcasmo demonstrado por dele.
“Que sorriso ácido... na verdade, creio que o melhor seria “a la ácido
lisérgico” 1. Devemos estar todos tendo visões deturpadas da realidade!”,
exclama de forma a demonstrar que também sabia usar de sarcasmo. “Fique
calma, Drª. May a...”
Depois dessa, se ela estava calma ao ser chamada da mesma forma que
os irmãos Muller costumavam fazer, o calafrio na espinha acabava de voltar a
percorrer o mesmo curso, dando sinais de lá querer permanecer.
“Interessante, você me recordou duas pessoas, nada agradáveis, que eu
conheci e que me chamavam assim...é amigo deles?!”
“Acalme-se, Drª. May a Angel Bacon, tudo está bem. Eu vou me
apresentar devidamente à senhora e ao seu grupo. Na verdade, não sou um total
desconhecido. Deixe-me levá-la até eles.”
O detetive Ricardo havia estacionado o carro na praça onde o bloqueio da
polícia fora feito. Ele conversa com dois policiais, antes de abrir a porta para
May a entrar. Interessantemente nenhum dos policiais presentes terem notado que
ela não estava dentro do carro no momento da captura; ao contrário, eles
dialogam sobre como fariam o relatório, dizendo que ela havia sido salva do
sequestro e retirada do banco de trás do carro dos raptores assim que o bloqueio
policial o interceptou. Aparentemente, para todos os policiais envolvidos tratava-
se de um sequestro, após tentativa de assalto à mansão onde ela e seus amigos
estavam.
“Foi você que os convenceu disso?!”, pergunta May a, ganhando apenas
uma gargalhada irônica como resposta.
1. Ácido lisérgico, também conhecido como ácido D-lisérgico ou ácido (+)-
lisérgico, é um percursor para um grande grupo de alcaloides da ergolina que
são produzidos pelo fungo esporão do centeio e algumas plantas. As amidas do
ácido lisérgico, lisergamidas, são largamente usadas como fármacos e
como drogas psicodélicas (LSD).
15.
“... Chartres!”
“Notre-Dame de Chartres!?”, pergunta David, muito surpreso.
“Notre-Dame de Chartres!”, repete May a, ironizando a expressão perdida
do marido.
Ao sentar-se no sofá, sem palavras, David pede que ela faça o mesmo,
usando apenas gestos. Ele queria saber, em detalhes, tudo do que o grupo da
Thule não tomou conhecimento. Utilizando sua excelente memória e poder de
concentração, May a traz à cena a visão que teve logo ao ser transportada àquela
realidade paralela, mantendo David eletrizado durante a narração. O
detalhamento dos fatos o fazia enxergar como se estivesse lá. Obviamente, o
motivo que a fez manter o segredo, durante a reunião no prédio da Thule, foi a
grande desconfiança que o inspetor Ricardo gerava.
“Durante o tempo que eu lá estive, pude ver a geometria cósmica
interagindo no número de objetos que se apresentavam, nas formas que se
consolidavam... mas o que mais me chamou a atenção, se é que eu consigo
escolher algo, era o constante espelhamento... as coisas existiam em pares
perfeitos, ou eram réplicas perfeitas e imutáveis. Aquele universo onde eu estava
pertencia a uma realidade onde o pareamento de elétrons e o emaranhamento
quântico existem como uma situação normal e constante... Tudo era energia e
eletricidade, inclusive as chamas das velas, que não eram chamas de fogo, pois
não queimavam a parafina... Ardiam, mas não queimavam, como citado no
Êxodo 3:3 da Bíblia católica e na Torá dos Judeus. Nossa! Agora que me dei
conta... temos, de uma forma ou outra, o número 33. Esse número vem nos
perseguindo ultimamente e é sempre uma pista!” May a discorre sobre as
lembranças visualizadas em sua mente.
“Mfkzt”, diz David
“É o que estava gravado nos braceletes...”
“Sim, mas eu me refiro ao conceito do mfkzt, o que o Armando disse... o
nome que os egípcios deram ao estado transformado do ouro. Esse era o ouro
monoatômico. Veja...”, David mostra anotações em folhas grampeadas,
“Armando me deu as anotações feitas enquanto ele estudava o assunto do vídeo
que apresentou na reunião... há uma mistura de dados puramente científicos,
aceitos pela Física e dados tirados de um livro do historiador Laurence Gardner...
eu já havia visto um livro dele, mas não o li. Chama-se “Os Segredos Perdidos da
Arca Sagrada”. Pelo que vejo, Armando andou lendo esse livro...”.
David se acomoda no sofá, intensificando a leitura de algumas partes de
folhas manuscritas por Armando:
“Mfkzt representa o ouro monoatômico em estado de supercondução, ou
seja, comporta-se como um supercondutor quando encontra um campo
magnético que o ativa. Tal campo magnético pode ser simples e fraco... até o
corpo humano poderá atuar como um campo fraco, ou, quem sabe, a própria
Tábua Safira, que estava na sua mão, o fez no exato momento em que a tocou...”
“Isso faz muito sentido... continue”, diz ela.
“Ok... deixe-me ver isto...”, David avaliava os dados contidos nas folhas...
“Esse sistema agora ativado, formado, responde por fluxo de luz, ou fótons,
construindo um amplo campo de Meissner, ou efeito Meissner, que ocorre
quando os elétrons são espelhados, formando pares e flutuando na onda quântica
do supercondutor... Assim, em determinado momento, a matéria perde massa,
levita parte dela e a outra desaparece, indo parar em outro lugar, outro local da
membrana de espaço-tempo... Outra realidade paralela, ou outra dimensão,
talvez!”
David fixa o olhar nos papéis, sem fala, por alguns segundos, deixando
espaço para May a expor seu raciocínio:
“Santo Armando! Acho que ele matou a charada, com perfeição. Quando
eu toquei na estrutura cristalina da Tábua Safira, fui transportada através de uma
estrutura toroidal... a coisa não durou mais do que dois segundos... e... boom! Lá
estava eu vestida com as roupas dos levitas, com a Tábua atada ao meu peito...as
luzes...”, May a permanece pensativa, lembrando da imagem que visualizava.
“O quê? Diga!”
“Nossa, você está mesmo ansioso, hein?! Tem alguma coisa que você
sabe a respeito e que, para variar, não está me contando e fica esperando eu
montar as peças para depois dizer?!”
Devido à expressão facial do marido, nada positiva, ela prefere mudar a
estratégia e voltar ao assunto inicial.
“Ok, ok... vamos lá... eu me referia à luz intensa que começou a
impregnar o ambiente. Era como se viesse do lado de fora e atravessasse as
janelas, mas, na verdade, após o que você acabou de ler, eu me dei conta de
que... ela vinha das janelas e não através delas. Melhor dizendo, brotava do vidro
que compõe os vitrais azuis safira... essa cor também está me perseguindo, além
do número 33!”, diz ela, conduzindo David à lembrança de um detalhe da
construção da Catedral de Chartres.
“Esses vitrais foram construídos pelos templários, segundo consta, usando
o ouro divino ou mfkzt, o que sabemos ser agora, por pura explicação científica
desmistificante, simplesmente o ouro monoatômico!”, informa David, com
grande relevância.
Em meio à análise de dados, ela descobre o porquê de ter sido levada até
lá e saltita em frente ao sofá, por pura emoção.
“Eureka!”, disse ela, sendo algo similar ao que Arquimedes deva ter feito.
“Você está muito engraçadinha hoje... poderia levar isso um pouco mais a
sério?!”
“Nossa, meu príncipe... acho que você é que está sério demais hoje...
relaxa, ok?! Vou continuar com o que eu tinha a dizer... Os fótons, a luz saiu da
janela, desses vitrais e por isso eles ficaram mais claros, iluminando a catedral
como se fosse dia. Isso é uma característica dos metais monoatômicos quando
em estado ativado de supercondução, conforme você já disse... portanto, devido
ao que acabamos de observar e concluir, a chave é o ouro monoatômico!”
Mudando do estado exaltado no qual se encontrava, ela cai em um novo
estado contemplativo, sentando-se novamente no sofá, cruzando as pernas ao
estilo ioga.
“E?”, questiona David, querendo que ela continuasse, pois, para ele,
faltava algum pedaço da conclusão.
“E... é evidente que esse ambiente foi todo formatado para que a Arca da
Aliança pudesse funcionar, em duas dimensões. Quando os templários a levaram
para lá, eles usaram uma tecnologia conhecida nos tempos, antes dos tempos
oficiais, pelos antecessores dos egípcios, e eu diria, por outros povos do mundo,
de forma a gerar o campo de Higgs, culminando no campo de Meissner, e
fazendo a Arca desaparecer... Mesmo estando lá o tempo todo, ninguém a vê,
pois ela está em um universo paralelo ao nosso, mas interligado.... Mesma
localização, entende? Diferentes frequências...”
“May a, você quer dizer que as pessoas colocam os pés no labirinto, mas
não criam a energia suficiente para ativar esse sistema... precisam de um objeto
programado para tal, com uma assinatura frequencial suficiente para gerar
aquele campo... e nós...”
“Nós temos esse objeto que pode gerar esse campo de conexão entre dois
mundos, o da origem da matéria e o da manifestação dela”, conclui May a.
“Mas qual o motivo dessa visão? Eu não acredito que tenhamos que trazer
a Arca da Aliança de volta para que ela fique em exposição em um museu, já
que tudo o que aconteceria, a partir disso, é que organizações macabras se
apoderariam dela, em prol desse poder que ela pode fornecer”, conclui David,
mostrando-se incerto.
“É isso que os nazistas queriam! Deixe-me analisar... Estando no labirinto,
quando cheguei ao final dele, sem tocar na rosácea central, eu recebi uma
mensagem que dizia que eu deveria levantar a placa... para...”
“Para instalar o novo software!”, completou Armando sentado, ao lado da
porta, em uma cadeira que estava há alguns metros das costas do sofá, onde
May a e David conversavam. Ele havia entrado, silenciosamente.
“Nossa! Que susto!”, exclama May a.
“Desculpe, mas a porta estava destrancada... entrei e fiquei quieto,
ouvindo, para não atrapalhar a discussão... ela estava bem interessante. Mas,
preciso dizer uma coisa para o David: considerando o quanto anda preocupado
com a segurança e tendo gastado toda essa grana para montar uma jaula
antipânico neste apartamento, fechar a porta é bastante recomendável, meu
irmão”, diz Armando em seu famoso estilo.
David dá razão ao amigo e tranca a porta:
“Estávamos tão compenetrados que esquecemos disso”, ele retorna,
sentando-se ao lado de May a, e Armando se acomoda na poltrona mais próxima.
“Olha, eu ouvi uma parte da conversa e concordo com o que estavam
dizendo... eu diria que alguém quer que façamos algo com a Tábua Safira... Na
minha opinião, ela está pronta para funcionar, pois aquele negócio de você
levantar ela de frente para a Arca pode ter sido apenas uma forma de conexão
bluetooth para instalação final do software... Vai, pegue as barras nas mãos e
veja o que acontece...”, diz Armando, despreocupadamente.
David e May a trocam olhares.
“Bom, pode ser que agora as coisas sejam mais controláveis... vamos ver
no que vai dar...”, completa David.
May a procura a caixa das barras que estava sobre mesinha, ao lado do
sofá e sem receio algum, levanta-se tirando-as de dentro, mantendo os braços
estendidos e em paralelo entre eles.
“Alguma coisa?”, pergunta Armando
“Nada... parece que... não está mais funcionando. David, tente você”,
solicita May a, passando-as para as mãos do marido. Ele repete o mesmo gesto.
“Nada... absolutamente nada.”
Os três amigos ficam sem entender. Armando pensa rapidamente:
“Você mencionou que voltou quando a placa foi colocada de frente para a
Arca... é, então, tendo visto o que aconteceu, ou melhor, não aconteceu agora...
acho que a Arca de Chartres desinstalou o programa e vamos ter que achar uma
forma de instalar o novo...”
Tomada por uma lembrança, May a fica branca e apreensiva:
“Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!, exclama ela, uma arca antiga desinstalou
o programa...”
“Sim... e... o que... ai meu Deus!”, completa Armando, “a Arca nova...
mais moderna! precisaríamos da Arca nova... a Arca de Oak Island1 que
mandamos derreter! Pela ganância, a gente se ferrou! Isso é pecado!”, ele
continuava a lamentar: “Derretemos a Arca que claramente pertence a uma
época mais avançada, talvez a uma civilização mais avançada e que
provavelmente faria esse aparelho funcionar no programa atual.”
Enquanto Armando faz esta última manifestação de desconsolo, David sai
da sala, indo até o escritório, sem maiores explicações, retornando em quinze
minutos, carregando o notebook nos braços e pedindo que May a e Armando se
sentem lado a lado, posicionando o aparelho em uma mesinha de frente. A
surpresa se revela ao verem um rosto muito conhecido:
“Olá, Armando e May a! Estamos com saudades de vocês, eu os convido
a virem para Boston, imediatamente. Arrumem suas malas e embarquem
amanhã mesmo. Tenho algumas coisas para contar e uma em especial, a
revelar... algo que está muito bem guardado e que, pelo que David me contou,
poderá ajudar, como eu pensei que fosse, qualquer dia desses.”
Via Sky pe, May a e Armando se despedem de Solomon, o irmão mais
velho de David, sem que tocassem claramente no assunto, por aspectos de
segurança.
Armando ria sem parar.
“Esse cara é da pesada! Ele deu dinheiro para gente se virar até que o
David voltasse e, assim, garantiu a nossa vida e a segurança da Arca de Oak
Island! É isso, né David?!”
Enquanto Armando ria e achava a notícia extraordinária, May a
aparentava estar chateada. Constantemente provando ser o melhor amigo de
David, Armando percebe a situação e, mudando de estado de espírito, resolve
voltar para casa.
“Bom, tá tarde, né?! A Ana ficou lá embaixo me esperando... estou indo e
já vou falar pra gente arrumar as malas logo pela manhã. Boa noite e fiquem em
paz!”
Ele sai rapidamente, mas antes de fechar a porta, mostrando apenas a
cabeça e parte do tronco, lembra para trancarem a porta.
Assim que David tranca a porta e aciona o dispositivo de segurança, nota
que May a já não estava na sala. Ele aproveita para passar pelo quarto da filha e
dar uma olhada em Suri, que dormia calmamente. A seguir, indo em direção ao
seu dormitório, ele encontra May a no banheiro da suíte. Pensando ser uma boa
ideia, retira a roupa, entra no amplo box da ducha, junto com ela:
“Eu sei que está brava... eu deveria ter te contado que a Arca não foi
vendida, muito menos derretida...”
Enquanto May a mantinha-se debaixo do chuveiro, deixando a água cair
pelas costas, David a abraça por trás, beijando seu pescoço e continuando a falar,
sensualmente.
“Solomon queria ajudar. Ele sabia que você não aceitaria o dinheiro para
sobreviver até que eu voltasse, se é que isso aconteceria... se vocês não tivessem
ido me buscar, provavelmente, eu ainda estaria lá. Aqueles milhões eram meus e
de Solomon. Eles saíram de mim para você, Suri, Armando e Ana... nossa
família. Desculpe por não ter dito isso antes...”
David continuava a falar e a beijar o corpo dela, levando a mão esquerda
a massagear sensualmente os seios, enquanto a mão direita descia pela barriga,
atingindo áreas de maior sensibilidade, fazendo-a gemer e se contorcer. Ela se
entrega em um encaixe perfeito e inevitável, por completa paixão e por saber
que não adiantava brigar... O mistério que envolvia seu marido estaria presente
em sua vida, por tempo indeterminado... “Quem sabe um dia isso mudaria?”,
pensava ela, completamente entregue ao prazer daquele momento.
1. Na aventura vivida em “O Sol Negro – O Retorno das Sociedades Secretas do
Vril”, os protagonistas encontraram, na Ilha de Oak Island, na Nova Escócia,
Canadá, uma versão diferente da chamada Arca da Aliança.
17.
NO DIA SE GUINT E .
AE ROPORTO DE GUARUL HOS, SÃO P AUL O, 22H.
35°88’97’’N
75°66’15’’W
21H.
“O Senhor apareceu perante Enoch e foi gentil com ele, abriu-lhe os olhos
para que possa ver e julgar a Terra que era desconhecida de seus Pais, devido à
queda. O Senhor disse: Deixe-me mostrar a Enoch o uso da Terra, e subitamente
Enoch era sábio e cheio do espírito da sabedoria”, recitou uma voz feminina, não
identificada.
“Caramba, estou novamente fora do meu lugar... estou escutando falarem
do Enoch... isso tá virando moda... mas justo naquela hora boa! Onde estou?”,
pergunta-se May a, devido a encontrar-se andando por um corredor escuro, com
poucas luminárias nas paredes. Após alguns metros, depara com duas
imponentes colunas, percebendo somente agora, que estava andando descalça,
vestida apenas com uma capa preta, com mangas em formato de sino discreto,
capuz na cabeça e mais nada por baixo. A porta se abre, magicamente. Era a
sala da Arca. Embora estivesse pouco iluminada, não teve problemas para
identificar a cortina e a Arca ao fundo. Interessantemente, somente agora nota
que, à sua frente, próximo ao centro da sala, algumas pessoas estavam de pé,
usando a mesma capa preta, organizadas ao redor de uma cama triangular
erguida a 1,5m do solo, por três suportes circulares de metal dourado, permitindo
vê-la sobreposta ao pentagrama do selo do Tetragrammaton, iluminado por
pequenas velas dispostas ao seu redor, acompanhando a circunferência do
círculo. Esse era o Tetragrammaton, desenhado no centro de um círculo, que
estava contido dentro de um triângulo equilátero, cujos vértices distanciavam-se
do centro das paredes por volta de 3,5m. Em cada canto iluminado das paredes,
os nomes de arcanjos eram facilmente vistos: Rafael, Uriel, Gabriel e Zadkiel. O
arcanjo Miguel foi representado na forma de Mi-cha-el, sendo cada uma das três
sílabas escritas dentro dos vértices do triângulo do símbolo mágico debaixo da
cama, isoladas pelo encontro com o limite do círculo e novamente presente nos
bordados em fios de seda dourados, feitos em cada canto da manta preta e
aveludada, que forrava o leito. Externamente, próximo a cada um dos vértices da
cama, um alto castiçal sustentava uma vela acesa.
“Ensina-me ó Criador de todas as coisas, a ter o correto conhecimento e
entendimento de sua sabedoria. É tudo o que eu desejo. Fale suas palavras em
meus ouvidos, ó Criador de todas as coisas! E deixe o seu conhecimento em meu
coração!”, invocava uma voz feminina.
Mantendo-se discreta e tímida, a uns dois ou três passos da entrada, ela
ouve o grupo repetir várias frases coordenadas e, vez ou outra, algo não
plenamente inteligível. Mesclavam palavras conhecidas com as que ela não tinha
noção alguma quanto ao seu significado.
Seus rostos estavam cobertos por máscaras e pareciam não notar sua
presença, mesmo ao contornar o ambiente, procurando avaliar melhor o que
estava a sua frente. Ela se aproxima um pouco mais do grupo, ainda na dúvida
quanto a poderem vê-la, ou não.
“Eu comando pelo poder do Tetragrammaton... eu comando os seres
elementais do fogo que ascende, da terra que se move, dos oceanos que se
erguem e todas as coisas terrestres, celestes e as do inferno, às quais nós a
juntamos agora! Venham! Apareçam em um triângulo, na frente do círculo, em
uma forma bem humana! Venham agora para trazer a informação que
queremos e entregar-nos o objeto que protegeremos com nossas vidas, em amor
e dedicação completa. Illi own!”
Duas pessoas saem do círculo. Pelo porte físico, o primeiro era um
homem. Ele se deita na cama triangular, ainda com a capa fechada. Uma
mulher o segue, subindo na cama e deitando-se sobre ele, abrindo a capa de
ambos, mantendo a dela aberta, cobrindo-os, impedindo a plena visualização dos
corpos. Envolvidos em cantos, invocações e gemidos, o casal seguia o seu ritmo,
enquanto os outros continuavam no aumento da frequência das invocações, que
acompanhavam a intensidade dos gemidos.
“Nossa! E eu que falei mal de sexo mágico! Porque estou vendo isso?”,
pergunta-se ela.
May a atreve-se a dar mais alguns passos, percebendo, neste momento,
que sua capa estava aberta e que em seu peito tinha atada, com fios de seda
dourados, a Tábua Safira, bem sobre os seios. Um flash de luz dispara, ligando-a,
tornando-se transparente e criando as linhas de luz que a percorriam como em
um circuito elétrico. A quantidade dos circuitos e a intensidade da luz
demonstravam estar conectadas aos movimentos e vozes do casal e do grupo. Os
quatro acompanhantes mascarados passam a mover-se balançando, no mesmo
local, de um pé para o outro, criando uma onda frequencial no ambiente,
enquanto recitam palavras em uma língua que May a não conseguia entender,
mas intuía:
“Linguagem enoquiana, provavelmente.”
Em resposta, a conexão entre o casal aumenta e ela nota uma esfera de
luz azul que os envolvia, impedindo que seus corpos fossem vistos. May a se
aproxima, segurando a Tábua Safira com a mão direita e tentando fechar as
vestes com a esquerda, o que parecia ser impossível. Nesse momento, o fogo da
kundalini já percorria a coluna vertebral do casal, invadindo-a simultaneamente e
com tamanha intensidade que a faz curvar em uníssimo. Ela estava conectada.
Era como se estivesse lá, atuando com seu próprio corpo. A esfera azul aumenta
de intensidade, praticamente cegando a todos na sala. O casal atinge o estado
perfeito, quando o fogo da serpente de luz percorre a coluna vertebral até o
chacra da coroa, sob a contemplação do grupo, que saudava o momento mais
esperado. Assim que eles se acalmam, a luz azul desaparece. Mantendo-se
abraçados, retiram as máscaras e o capuz, revelando seus rostos. A mulher se
levanta e fechando a capa, aproxima-se da Arca, carregando a Tábua Safira à
altura do peito. Uma forte explosão de luz invade o ambiente, vindo diretamente
da Arca, empurrando-a de volta.
25.
“May a!”
Agarrada a David, May a o abraçava com força, tendo o coração a bater
extremamente acelerado, devido a ter vivido duas realidades paralelas em uma
bolha de conexão. Mantendo a mesma posição, amparada, ele tentava acalmá-
la.
“Nossa, o que aconteceu? Geralmente você é bem, digamos, ativa; mas
dessa vez, parecia enlouquecida, fora de si... me mordeu nos ombros, com força
e arranhou minhas costas!”
Ao soltar-se do abraço apertado, ela nota que tinha os Bastões de Toth em
suas mãos. Assustada, larga-os sobre a cama, enquanto retomam a respiração,
surpresos pelo que viam. Sem a menor lembrança de como aquilo tinha
acontecido, ela pergunta se ele a tinha visto pegar os Bastões.
“Não... digo... não tenho a menor ideia de quando você pegou isso... mas
na verdade, eu estou com problema para lembrar direito o que aconteceu aqui.
Apenas me recordo destes últimos segundos”, diz ele confuso.
“Nós estivemos na sala da Arca.”
“Quando?”
Ele pensa melhor e entende o que ela quis dizer.
“Você diz, agora, simultaneamente?”
“Sim, David, nós fizemos amor na frente de quatro pessoas, vestindo
túnicas pretas, com capuz e máscara. Você foi até lá comigo, e eu me recordo
por ter estado dentro e fora da cena, ao mesmo tempo, em um evento quântico.
Fizemos tudo na frente deles... Já que eram quatro, tá na cara que são os mesmos
que estão nessa casa. A sala da Arca foi preparada para uma cerimônia, com
direito a evocações, invocações, pentagrama do Tetragrammaton e uma bela
geometria mágica no chão. Demos um show de sexo mágico, na cara deles. A
sorte é que tínhamos uma capa grande que nos cobria, e uma luz azul, em forma
de esfera, atrapalhando a vista... pelo menos... As barras se transformaram na
Tábua Safira e, pelo que eu intuo, receberam a programação quântica
necessária, para completar o serviço. Temos apenas que ir até a sala e fazer a
conexão com a Arca agora”, diz ela.
Em resposta positiva, David se levanta, indo em direção ao banheiro:
“Princesa, então, vamos tomar um banho, vestir uma roupa e ir até lá, em
poucos minutos... se é assim, eles estão nos esperando... agora mesmo!”
“Sim, algo me diz que sim... ai que vergonha... e eu que falei para a
Florence que não era a favor desse sexo de demonstração... mas, afinal, quem
criou esse efeito, foi ela ou eu?”
“Certamente você. A pessoa que tem o domínio dos Bastões de Toth
precisa aprender a controlar os seus pensamentos e sentimentos, pois tudo o que
pensa e sente é projetado em uma nova realidade, e foi o que você fez... isso
significa que aquela conversa deixou a todos excitados, inclusive você... você
queria aquilo, pois as barras cumpriram com os seus desejos mais profundos...
ainda bem que você quis isso comigo.”
David dá uma piscadela, ainda próximo à cama, endireitando-se em
direção ao banheiro. Notando que May a estava constrangida, ele resolve dizer
mais uma coisa, antes de entrar na ducha:
“Tem mais uma coisa: para Florence, você disse que não gostava de sexo
sem amor, na frente dos outros... o que aconteceu, se é que aconteceu, foi...
sexo... na frente dos outros, mas com amor! Vamos!”
“Isso não melhorou nada! Ai que vergonha!”, exclama May a, com as
mãos no rosto.
“Mas, por outro lado, não sabemos se eles estavam presentes
conscientemente. Pode ser que essa consciência tenha sido apenas sua, pois eu
mesmo, infelizmente, não me recordo de nada. Vamos!”
Vinte minutos depois, eles descem as escadas vestidos com jeans e
camisetas. May a carregava as barras na caixinha dourada.
26.
21H30.
“Tesseract... achei que você já tivesse matado essa charada, afinal, você é
a Maria Sabidinha, ou melhor, May a sabidinha.” Ricardo continuava a instilar o
seu sarcasmo venenoso.
“Tesseract!”, exclama May a, novamente, parecendo extremamente
perplexa.
“A gente se meteu no meio dos vingadores da Marvel? Ele é o Loki...
chama o Thor, a gente vai precisar dele!”, exclama Armando, ao apontar para
Ricardo.
“Essa é a terceira vez que essa palavra é repetida... quantas ainda vão ser
necessárias para tua ficha cair, linda Drª. May a?!”
Ricardo mantinha-se de frente para May a e David, desafiando-os com
sua expressão facial e postura física. Ele se volta para Júlio:
“Por que você não explica o que temos que fazer aqui hoje? A gente vai
ficar com dor nas pernas se continuarmos assim tensos e de pé.”
Ricardo se referia ao fato de Júlio ter dados que deveriam ser expostos,
buscando alguma compreensão por parte dos três visitantes. Enquanto o
comparsa falava, Júlio parecia estar distraído e etéreo, como se estivesse com
outras coisas na cabeça, ou ouvindo vozes.
“Júlio, Júlio!”
Assim que finalmente ouve seu nome ser chamado, ele desperta do estado
absorto em outra realidade, demonstrando um sobressalto, virando-se para
Ricardo, com a intenção de dizer o que esteve pensando.
“Eu não quero mais mortes sob a minha responsabilidade... eu não queria
que ninguém tivesse morrido...”, diz Júlio, em seguida, voltando-se para os três
que o observavam:
“Eu não queria que ninguém tivesse morrido ao invadirmos a casa de
Theo Westcott. Fizemos aquela operação após acharmos o melhor plano. Deveria
ter sido uma operação relâmpago, de madrugada, exatamente para que ninguém
se ferisse... dopamos todos os guardas antes de entrar na sala da Arca com
explosivos.”
“Olha, eu até acredito que você não queria que ninguém tivesse morrido.
Oficialmente, deveríamos estar dormindo naquele momento e não reunidos na
sala da Arca... mas estávamos... e duas pessoas valorosas morreram. Portanto,
não há como melhorar a tua culpa quanto a isso...”, diz David, demonstrando
irritação.
Percebendo que David estava um pouco destemperado, algo fora do
normal para o seu constante perfeito autocontrole, May a aperta seu braço direito,
tentando trazê-lo à realidade quanto a desvantagem na qual estavam.
“Estou cansando”, diz Ricardo, com uma voz ameaçadora e satírica ao
mesmo tempo.
Sabendo que deveria fazer algo e intuindo o que e como, May a dá um
passo à frente, olhando firmemente para Ricardo e Júlio.
“Ok... então será a Tesseract... mas o que vão fazer quando ela se
transformar em uma potencial bomba pronta para explodir?”, diz ela
“Você ainda não engoliu essa, certo?!”, questiona Ricardo. “Você já deu
uma bola fora quando tocou nos Bastões de Toth... lembra? Você não entendeu
como eles funcionavam, até que eu te disse, no dia no sequestro... está precisando
estudar mais a respeito dessas coisas, lindinha... eu posso te ensinar, em troca de
alguns favores.”
Ricardo acaricia os ombros de May a, fazendo com que a raiva de David
aumentasse. Entretanto, sabiamente, ele entendia o quanto este ser, que
aparentava ser bastante perigoso, encenava provocações, gerando armadilhas
constantes. David consegue controlar o ego, mantendo-se sereno novamente.
“Poderoso o seu marido... ele tem autocontrole. Eu geralmente consigo
abalar as pessoas com essa técnica de provocação... ela fez parte do meu
treinamento.”
“Eu poderia deixá-lo aleijado em um único golpe baixo, neste exato
instante... mas em consequência disso, todos morreríamos, quase ao mesmo
tempo, não sobrando ninguém para poder resolver as coisas... portanto, acho
melhor você tirar as patinhas de mim.”
May a se referia a dar um golpe de Kung Fu na altura da pélvis do
provocador, já que ela estudou essa arte marcial por mais de sete anos, chegando
a ser faixa marrom. A frase parece ter surtido algum efeito. Ricardo resolve se
afastar, mantendo o sorriso, parecendo estar se divertindo muito. Júlio estava no
limite da inquietude, pois ele não tinha intenção de gerar animosidades com essas
pessoas. Apenas queria que ajudassem com o seu objetivo.
“Ricardo, você está passando dos limites!”
“Calma, Júlio. Tal e qual nos velhos tempos de escola, eu sempre resolvia
os problemas nos quais você e o Gabriel se metiam... ok?! Agora é a sua vez,
assuma, diga o que queremos fazer com esta Arca... Tes-se-ract...” Novamente
ele pronuncia o termo pelo qual chamava a Arca, olhando para May a, de
maneira provocativa.
“Já enjoei disso!”, reclama Armando.
“May a... não...”, diz David, não querendo que ela se dirigisse à Arca.
“Não se preocupe... você vê... eu escuto, lembra?!”, ela dá uma dica de
que recebera alguma instrução sobre o que deveria fazer e assim agiria.
Caminhando na direção da Arca, ela se volta para o local onde estavam
Júlio e Ricardo:
“Ok, estou aqui. Eu e o meu belo símbolo gravado na mão... o Anel da
Aliança!”, exclama com ironia em retorno a Ricardo.
“O que querem que eu faça e qual é a vantagem disso?”, pergunta ela, de
maneira segura e forte.
“Uma bela mulher... pena que é casada... mas pode ficar viúva...”, diz
Ricardo ao admirá-la.
“Fique quieto... isso é uma coisa séria, e eu já disse... não quero ninguém
morto... deixe-me explicar o que está acontecendo. Eles vão entender e ajudar”,
enfatiza Júlio.
“Quanta fé!”, exclama Ricardo.
“Abra o portão!”, ordena Júlio a um dos seguranças posicionado ao lado
de um painel eletrônico com três botões. O segurança pressiona e mantém por
alguns segundos o primeiro botão, de cor azul. O enorme portão inicia a sua
abertura do centro para as laterais, gerando um som alto, estridente e
desagradável, levando à conclusão de que não é aberto há muito tempo.
Correndo por trilhos presos no chão e por largas barras de aço, ligadas a uma
complexa estrutura que compunha o teto, assim que a abertura atinge quase a
metade, ouve-se o travar das correntes. O motor que as puxava é desligado.
May a, David e Armando são surpreendidos por algo que antes parecia ser
mais ficção do que realidade:
“É... É simplesmente maravilhoso!”, exclama May a, caminhando em
direção à impressionante visão.
David precisou de dois a três segundos até despertar para a realidade da
imagem que tinha à sua frente. Em seguida, ele acompanha May a, lado a lado,
aproximando-se do disco em tom cinza chumbo, com 26m de diâmetro e 11m de
altura. Sua estrutura metálica, em forma de prato invertido, é exatamente a
mesma que era exibida em filmes de ficção científica dos anos 50-60,
esclarecendo imediatamente o porquê do registro de tantas aparições de OVNIs
nos Estados Unidos, logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Suásticas
estavam gravadas em sua fuselagem, na área das abas do disco, superior e
inferior. Na região de baixo, havia três estruturas convexas, em formato de meia
bolha, as quais circulavam uma central, de maior proporção. Em relação a
armamentos de guerra visíveis, apenas um canhão havia sido montado nessa
área inferior.
“Haunebu-2”, diz David, encantado.
“Os avistamentos registrados nos anos 50 descrevem exatamente essa
mesma estrutura de fuselagem... os americanos devem ter levado boa parte
desses discos com eles ao saírem de Berlim, e os Russos, o resto...”, diz May a,
extasiada pela visão.
“Levaram dois ou três... a maioria conseguiu sair da Europa antes da
invasão. Além do que, a fábrica que os fazia não era na Alemanha”, informa
Júlio.
“Onde eles fabricavam isso? Na Argentina?”, pergunta Armando.
“Exato. A maioria das peças mais tecnológicas eram enviadas para lá,
outras eram fabricadas localmente. A metalurgia argentina evoluiu muito com
isso. Inclusive, precisaram desenvolver a capacidade de fabricar a cerâmica
especial com a qual o disco é revestido, o victalen, isolante de altas temperaturas
e da eletricidade que circulava pela carapaça. Tal e qual Nikola Tesla havia
discutido o assunto com Maria Orsic muitos anos antes”, informa Júlio.
“Pelo que vemos, aquela correspondência entre Maria Orsic e Tesla não
era tão ingênua quanto parecia. Ambos eram ligados ao mito da civilização de
Aldebaran”, diz David
“Mito?! Meu irmão, olha essa geringonça na nossa frente! Esta é a
comprovação de uma fantástica tecnologia, até para nossos dias... imagina o que
foi isso naqueles anos 40! Essa é a prova de que houve sim uma comunicação
entre os nazistas e uma civilização mais avançada! Olha, se eles não tivessem má
fama, eu diria que sou fã... é incrível o que eles desenvolveram e uma pena que
os aliados tenham sumido com tudo sem nos dar a chance de usufruir desse
avanço.” Armando estava plenamente encantado com o que via:
“Como é que aqueles caras conseguiam pilotar isso sem computadores e
GPS?!”, exclama ele.
Com uma visível sinceridade, Júlio apreciava a surpresa e o êxtase de seus
convidados, causados por aquela incrível descoberta. Ele sente a positividade
necessária para contar a história de como aquela nave estava parada dentro
daquele galpão.
“Vejam as placas que compõem a cobertura... são de cerâmica... a
mesma que a NASA aplicou em seus foguetes para a Lua e nos ônibus
espaciais”, observa Júlio.
“Isso aí embaixo é um canhão?”, pergunta Armando.
“É o raio da morte de Tesla”, responde David.
“Acertou, David. É o modelo do raio da morte. Mais um detalhe que Tesla
discutiu com Maria Orsic, embora ele mesmo tenha patenteado essa invenção,
anos antes. O que aconteceu é que, com o avanço dos motores eletromagnético-
gravíticos, a base de mercúrio, criar o raio da morte de Tesla, tornou-se
plenamente possível, principalmente para sua instalação na nave...”, responde
Júlio.
“Então... enquanto ela funcionava, gerava energia Vril suficiente para
descarregar alguns raios...”, complementa David.
“Exato. E de qualquer forma, não conseguiram instalar outro tipo de
arma, já que o campo magnético que envolve a nave em movimento
impossibilita isso. Precisavam usar o mesmo material disponível, uma descarga
eletromagnética”, complementa Júlio, parecendo bastante motivado com o
aparelho.
“Como é que ela veio parar aqui? É isso que precisa nos esclarecer para
que entendamos o que você pretende fazer com ela”, pergunta David.
“E conosco...”, diz Armando, engolindo em seco.
“Como eu já tinha dito, eu vou ter que lhes contar uma história!”, exclama
Júlio.
36.
28°36’0’’S
57°49’1,2W
I BE RÁ W E T L ANDS – P ANTANAL ARGE NT INO,
P ROVÍNCIA DE CORRIE NT E S.
6 DE JUNHO DE 1943, 9H.
Armando, May a e David estavam reunidos no quarto. Via Sky pe, Ana
falava com eles:
“... E foi o que eu te disse... foi uma nítida simulação... não era para
valer...”, diz Ana.
“Como ele entrou no apartamento?”, pergunta Armando.
“Bom, nós o conhecemos muito bem, era pessoa de confiança, e ele
apareceu na portaria quando eu estava lá, pegando correspondências... eu o
deixei entrar. Confiávamos nele... daí que eu disse para o segurança que estava
tudo bem, mas na hora que eu fechei a porta, ele mostrou o revólver.”
“Conta isso melhor... se tinha revólver, como foi que você percebeu que
não era pra valer?”, pergunta May a.
“Ele não estava me forçando a nada e até demonstrava preocupação
quanto à alimentação da Suri e tudo mais. Foi tudo muito rápido. Ele mal tinha
entrado, e, menos de uma hora depois, eu estava em vídeo com vocês... foi uma
montagem. Apenas uma encenação para assustar vocês e forçá-los a fazer o que
o Ricardo queria”, diz Ana.
“É, eu entendi de cara, quando você insistiu em dizer que estava tudo
bem... muito bem... entendi que não era para me preocupar... estranho...”,
completa May a.
“O que é estranho? Ou melhor, o que não é estranho, dentro desta
situação?”, questiona Ana.
“Estranho mesmo... o Ricardo não queria nos fazer mal. Mas o que o
Rafael está fazendo junto com ele? E o Mestre Germano...”, diz May a, pensando.
“Não sobrou ninguém em quem possamos confiar, além do Solomon, que
está todo quebrado e não pode nos ajudar pessoalmente... puxa... vou ter que
desligar. A babá está indo embora, e eu vou cuidar da Suri... por favor, me
contem as coisas para que eu não fique mais ansiosa do que eu já estou. Beijos!”
Ana desliga.
Sentados em cadeiras, de frente para a mesinha onde o computador foi
apoiado, os três tentavam chegar a um consenso quanto ao entendimento do que
tinha se passado pela manhã, no galpão.
“David, fala você primeiro, e vamos por partes. O que acha do Júlio? Por
que ele se meteu com os caras da pesada? Ele é perigoso?”, pergunta Armando.
“É perigoso por estar lidando com coisas que são tremendamente
poderosas, lidando com gente de alto risco, mas não acredito que seja uma
pessoa potencialmente má... precisamos saber o que há naquele papel que o
Ricardo entregou para ele.”
“E o Ricardo?”, questiona Armando, fazendo perguntas para facilitar o
raciocínio confuso que imperava.
“Essa eu acho melhor responder!”, exclama espontaneamente May a.
“Acho que deu para perceber que ele é um de nós...”
“Como: um de nós? Ele está contra nós!”, exclama Armando
enfaticamente.
“Não, não... eu me referia ao David e eu... lembram quando Mestre
Germano disse que havia mais como nós... muitos como nós... que foram, por
assim dizer, geneticamente modificados para que pudessem fazer coisas
especiais?”
Quando May a faz uma pausa, David assume a conversa:
“Sim, May a, é isso mesmo. Ele é um de nós. Ele lidou com aquela
energia toda muito melhor do que eu.”
“E eu... pois praticamente desmaiei...”, enfatiza May a.
“Eu não diria que ele é melhor do que você. Se assim fosse, Ricardo teria
lidado com essa energia por conta própria…”
“E... David... ele sabia o que era para ser feito. É nítido que ele tinha os
passos, senão todos, boa parte na cabeça...” May a divagava entre pensamentos,
falando com certa lentidão.
“Ok, mas ele é do mal, certo? É um cara ruim... se passou para o lado
negro da força!”, exclama Armando, fazendo uma comparação com o
personagem Anakin do filme “Guerra nas Estrelas”.
“Eu não sei... existe tamanha dubiedade no que ele mostra... que eu não
arriscaria um sim, tampouco um não”, completa David.
“Está aí... Anakin!”, exclama Armando.
“É uma comparação interessante... mostra o risco que temos ao lidar com
ele...não podemos saber qual personalidade ele irá assumir nem, no final, qual é
o seu propósito?” David fazia um grande esforço para juntar as peças, mesmo
que parecessem impossíveis para o fato. Inclinado para frente, apoiava as mãos
na parte posterior dos joelhos, mantendo os olhos baixos. May a nota sua postura,
ciente de que ele sabia mais do que revelava e se questionava o motivo de tantos
segredos para uma esposa como ela, totalmente envolvida nos mesmos assuntos.
“Que segredos são esses que ele não pode compartilhar comigo?”,
pensava ela, enquanto olhava pela janela, no momento em que vê a SUV de Júlio
voltar a casa da fazendo, duas horas após a chegada deles.
“Vamos falar com o Júlio. Ele chegou”, diz ela.
O capataz havia trazido os três de volta para a casa, onde tinham se
alimentado e preparado as malas para voltar a São Paulo. Assim que ele entra na
sala, é recebido pela esposa, transparecendo estar um pouco nervosa. Logo mais
à frente, May a, David e Armando aguardam por uma manifestação de Júlio
quanto a um maior esclarecimento em relação ao vivido pela manhã. Eles
sabiam que o irmão do falecido Gabriel, não era realmente perigoso, e sim
demonstrava estar carregando uma incumbência sufocante, representando ser
um peso além de sua capacidade e vontade pessoal.
Ao notá-los no fundo da sala, ele demonstra uma expressão de pesar e
arrependimento. Júlio tinha uma expressão de cansaço, carregando olheiras
amplas, bem visíveis. Já esperando por cobranças e questionamentos em busca
de explicações para os acontecimentos da manhã, ele se senta em uma poltrona,
ao lado do sofá principal, onde os outros se acomodaram. Mariana ajeita a
poltrona para que ele fique mais confortável, ao mesmo tempo em que conversa
com o marido.
“Eu vou trazer algo para você comer... está péssimo... largue essa
obsessão! Isso vai te matar!”, exclama Mariana, demonstrando estar muito
preocupada com ele. Suspirando e balançando a cabeça de forma reprobatória,
ela caminha em direção à cozinha:
“Então... somos todos ouvidos... por que fez o que fez? Por que entregou o
Haunebu? Você faz ideia de que, se tivesse chamado uma equipe de televisão,
com alguns cientistas e engenheiros para validar a descoberta, isso mudaria a
história oficialmente contada da Segunda Guerra Mundial, e as pessoas do mundo
exigiriam a verdade quanto ao que aconteceu?”, questiona May a.
“Por que entregou a nave para a Sociedade Vril?”, pergunta David.
May a e David faziam perguntas diretas e objetivas, como lhes era
peculiar. Júlio estava tímido e omisso, mesmo assim resolve contar seus segredos,
ou parte deles.
“Era a única coisa que eu tinha que interessaria a eles.”
“E o que eles têm que interessa a você?”, questiona David.
“Não é a mim que interessa...”
“Sempre cheio de respostas evasivas... Você é o homem por trás de tudo e
sempre diz que não é para você ou por causa de você... o que você está
ocultando? Diga logo!” David não apreciava a maneira com a qual Júlio sempre
se esquivava das responsabilidades, embora fosse o agente central que
manipulava a tudo e a todos.
“Foi o meu pai.”
Esperando que ele continuasse a falar e revelar os fatos que oculta, David
esperava que ele continuasse, mas, ao perceber que Júlio estava receoso em
falar, novamente questiona:
“E... o que aconteceu com o seu pai? O que houve depois que ele ocultou o
Haunebu?”
“Meu pai trabalhou na base de Gandau, na cidade polonesa atualmente
chamada de Wroclaw, onde um sigiloso projeto estava sendo desenvolvido.”
“Que projeto era esse?”, questiona David.
“Eram vários... um deles era o de purificar urânio-232 e 233. Eles
descobriram, por acidente, em meio a uma fase do processo de purificação, a
abertura de um portal, através do qual a humanidade poderia entrar em contato
com um passado mais glorioso, um passado que gerou a raça ariana e que nos
fez pertencer a uma civilização mais avançada...”
As últimas frases conseguiram capturar a atenção dos três amigos, por
completo.
“Continue... somos todos ouvidos...”, diz David, olhando para o celular de
Armando, que o cutucava, de forma a fazê-lo ver o que mostrava em sua tela.
Em seguida, ele o passa a May a.
Enquanto Júlio falava, Armando pesquisou as palavras chaves: Gandau e
Projeto Nazi, em inglês, encontrando a resposta.
“Die Glocke?”, pergunta David em perfeito alemão.
“Ele mesmo”, responde Júlio.
“Na história oficialmente contada, não há muito sobre esse projeto. Não
se sabe se ele foi real...”, diz David, disfarçando um grande interesse.
“Pelo que vejo... é real... conte o que sabe...”, incentiva May a.
Júlio solta um suspiro, procurando melhor apoio na poltrona onde estava e,
em seguida, olha de frente seus interlocutores.
“Existem coisas que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial, que
é difícil para as pessoas entenderem, aceitarem... e por aí vamos. Como tudo foi
apagado dos documentos oficiais, ou os documentos que contam essas coisas
sumiram... foram escondidos... destruídos... alguns podem ter sido guardados em
cofres, mas acredito que, nunca os veremos...”, diz Júlio, parecendo divagar em
pensamentos distantes.
“Bom, existe uma parte que já foi liberada e dizem que vão liberar uma
outra...”, interfere Armando, de imediato.
“Sim, mas esteja certo de que esse tipo de fato histórico nunca chegará
aos teus ouvidos, por essas vias... quem controla os documentos que serão
liberados, já separou estes, para nunca serem encontrados...”, informa Júlio,
demonstrando mais energia.
“O que era o Die Gloke?”, pergunta David.
Júlio se introverte por alguns segundos, procurando dados em sua mente.
“O Projeto O Sino, Die Gloke ou Nazi Bell, como é chamado em inglês, se
tornou o mais importante e ultrassecreto projeto nazista. Centenas de cientistas
foram recrutados para trabalhar em Gandau. Eles desenvolveram, através dos
projetos que as médiuns da Sociedade Vril criaram, uma variante de acelerador
atômico de partículas e, eu diria, o primeiro acelerador de partículas da história.
Ele podia purificar minério radioativo até se transformar em concentrado,
suficientemente puro para fabricar bombas atômicas...”, diz Júlio.
“Ok, mas isso não pode ser tão importante assim para a Alemanha nazista,
já que esse mesmo processo estava sendo feito por eles, em usinas de pequeno
porte, inclusive pelos americanos, ajudados por Albert Einstein, que saiu da
Alemanha levando o projeto de bomba atômica para eles... o que isso tem a ver
com os portais que mencionou?”, questiona Armando.
“O sino era usado para muitos projetos, todos independentes.” Júlio faz
uma pausa, como se estivesse medindo os três interlocutores.
“Por favor, evolua no raciocínio...”, solicita David.
“Através do conhecimento dessa tecnologia, vários projetos em paralelo
foram desenvolvidos, e, se a Alemanha tivesse tido mais tempo, teria vencido a
guerra em função deles.”
“Continue... estamos ouvindo...”, pede May a, olhando-o bem nos olhos.
“Eram vários sinos, idênticos em tecnologia, mas focados em
experimentos diferentes. O de Gandau era focado na abertura de portais para
realidades paralelas. Essa descoberta foi feita por acidente e, nesse caso, acabou
se transformando no alvo da pesquisa. Havia outro glocke, ou sino, na mina de
Wenceslas, próximo a Walbrzy ch, na região da Silésia. Este era usado como
acelerador de partículas e purificador de minérios radioativos. Entretanto, todos
os dispositivos eram idênticos... mudavam apenas o foco da pesquisa.”
“E qual era o terceiro?”, pergunta May a, extremamente envolvida com o
que ouvia.
“O terceiro e último dispositivo foi instalado em Buenos Aires, próximo ao
final da guerra, sendo usado para o estudo da teoria antigravitacional, a mesma
que era aplicada nos Haunebus. Dessa forma, essa pesquisa foi centralizada com
a mesma equipe que trabalhava com as naves. O motor dos Haunebus foi
alterado para o uso do mesmo sistema...”
“Então... Tanto o sino como as naves chamadas de Haunebu-Vril, usavam
o tal Xerum 525, a mistura de mercúrio di-iodo, tório-232 e berilo...”, adiciona
May a, continuando a desenvolver suas conclusões, “...e se era isso que cancelava
a gravidade e fazia o Haunebu voar... foi também o que alterou geneticamente o
povo de Linha São Pedro e Cândido Godói, quando do acidente... daí vieram os
gêmeos...”, diz May a, parecendo apenas falar em voz alta a inevitável conclusão.
“Exato. Era essa a tese de meu irmão Gabriel”, completa Júlio.
“Fascinante... quero dizer... que coisa!”, exclama Armando.
Observando a expressão facial que cada qual tinha em seu rosto,
aparentando surpresa pela incrível história, de certa forma Júlio se sentia no
controle da situação e assim, resolveu seguir adiante com as revelações:
“Pois bem, já disse que o meu pai, que era um oficial cientista, trabalhou
em Gandau. No início de 1945, ele foi transferido para a equipe de engenheiros,
matemáticos e físicos responsáveis pelo projeto que foi situado dentro da mina de
Wenceslas, chegando a separar, com perfeição, o urânio-232, 233 e 238, a partir
de tório-232. O mesmo foi feito com o plutônio-239, pelo que eu me recordo de
seus relatos. Ele trabalhou nessas bases por dois anos... até que...”, Júlio demora
para continuar, olhando para cima, para o lado esquerdo, buscando memórias.
“Até que...”, May a se expressa de maneira impaciente, motivando-o a
continuar.
“... que com a iminente possibilidade da tomada de Berlim pelas tropas
aliadas, Hans Kammler, o chefe dos projetos, dá a ordem de matar todos os
cientistas envolvidos nas pesquisas, exceto o meu pai e alguns poucos, que
deveriam embarcar com ele, para a América do Sul.”
“Por isso eles sumiram... Kammler e Maria Orsic vieram para América
do Sul...”, exclama May a.
“Junto com Adolf Eichmamm...”, completa Júlio.
“Caramba... isso é um thriller de suspense... continua, não pare!”,
exclama Armando, muito agitado e envolvido pela história.
“Kammler tinha um plano. Ele não permitiria que esse projeto caísse em
mãos aliadas, pois sabia que seria muito perigoso. Sendo assim, ele levou os dois
sinos que estavam na Alemanha para a América do Sul.”
“... não me diga que... eles ainda existem!”, exclama May a.
39.
P E E NE MUNDE ,
17 DE ABRIL DE 1945, 7H.
Sob o ataque das tropas russas, a Alemanha está sendo tomada. A queda
do sonhado Reich de Mil Anos, era iminente. Berlim resistia com suas últimas
forças. Dentro de algumas semanas, nada restaria.
Há mais de dois meses, a base de Peenemunde vem sendo bombardeada,
defendendo-se como pode, com seus recursos escassos. Procurando salvar as
vidas restantes, a evacuação era a única saída.
Desde o final do ano passado, a operação Regentröpfchen, liderada por
Martin Bormann, sob o codinome de Viking, tratava de organizar a perfeita
retirada dos principais cientistas do país, exilando-os em terras seguras,
maiormente na América do Sul. No subsolo de Peenemunde, foi montada uma
central para abrigar 400 homens e protegê-los, mantendo ainda viva, uma
operação de ataque e defesa aérea. Entre eles estava Hans Kammler, o principal
chefe engenheiro de projetos especiais, como o das bombas V-1 e 2 e o Die
Glocke ou Projeto Sino.
Sem mais o que fazer, após ter ordenado o massacre da maioria dos
cientistas que trabalhavam entre as instalações subterrâneas de Gandau e
Wenceslass, impedindo que estes fossem levados pelos russos ou americanos,
Kammler precisava fugir e manter vivo este último e mais brilhante projeto,
custasse o que custasse. Formatando um plano para pôr isto em prática, uma
pessoa chave deveria ser encontrada.
Em meio a uma trégua nos ataques, um oficial vem buscá-lo. O jovem
oficial entra em uma sala blindada, com porta de aço e paredes de concreto, sem
janelas e repleta de soldados recebendo e transmitindo mensagens, via códigos
especiais. Sobre uma mesa, o mapa da Alemanha e a clara demonstração do
avanço das tropas aliadas sobre o terreno.
“Vamos, senhor, temos pouco tempo. Fomos informados que um novo
ataque ocorrerá dentro de uma hora no máximo. Teremos o tempo exato para
partir em direção a Praga”, revela o oficial piloto que estava envolvido nesta
arriscada missão.
“E Maria? Ela já foi notificada?”
“Sim, senhor. Ela está segura com o nosso pessoal. Assim que chegarmos,
ela estará na base. Teremos apenas o tempo de pegá-la, recarregar o avião e
sair...”
“Então, siga em frente!”
Kammler agarra sua mala e mochila, preparadas cuidadosamente com
pertences pessoais e documentos essenciais. Eles caminham juntos, com
extrema rapidez, pelos corredores que levavam a saída. Os dois homens
aceleram, ouvindo vez ou outra, alguma recomendação ou desejo de boa sorte,
sem parar para responder ou agradecer. Ao atingirem o hangar, avistam aviões
aguardando suas ordens para decolar. Dois Junker JU-290 A-5 estavam
carregados, cada qual com um dos sinos e quatro cientistas escolhidos para
cuidar e reativar o projeto, onde e quando fosse necessário. Hans Kammler entra
no primeiro Junker posicionado na pista, saúda a equipe que o esperava, “Heil
Hitler!”, em seguida coloca o cinto de segurança, erguendo a cabeça, mantendo-
se com um ar pensativo e frio. O segundo avião, parte diretamente em direção à
Espanha, rumo ao ponto de encontro, onde as duas equipes deveriam se juntar,
em Barcelona.
Uma hora após a decolagem, quando passavam próximo a Berlim, uma
pesada carga antiaérea é disparada pela artilharia russa. As bombas passavam
por perto, entretanto, devido à altura, o Junker se manteve fora do alcance do
impacto direto, recebendo, vez ou outra, as perigosas ondas secundárias
provenientes das explosões ocorridas, várias dezenas de metros abaixo.
Por nove intermináveis minutos, o avião esteve sob a mira da artilharia,
sendo chacoalhado sem parar. O sino continuava seguro, já que a equipe
científica o havia encarcerado em caixotes, estando parcialmente desmontado.
Poucas horas depois, chegam aos arredores de Praga. Ao sobrevoar áreas cheias
de vegetação, sem sinais de civilização por perto, avistam a pista, recém-
preparada, pousando sobre a terra batida.
Quando os pilotos desligam os motores, visualizam estar, à sua espera, um
caminhão-tanque que faria o reabastecimento. Enquanto transferem o
combustível, uma mensagem de rádio é recebida na cabine:
“Senhor...”, diz com certo receio o piloto do Junker, onde estava Hans
Kammler.
“O que foi?”
“O outro avião foi abatido. Explodiu no ar... pouco deve haver sobrado da
explosão. Ela foi potencializada pelo material que carregavam... sinto muito,
senhor...”
Kammler demonstra desconsolo, balbuciando algo que não foi entendido
pelo piloto. De certa forma, ele já esperava por alguma perda; a missão era do
mais alto nível de risco, consciência esta que propicia a sua quase imediata
recuperação. Ele respira fundo, demonstrando estar pronto para seguir adiante.
“Onde está Maria?”
“Lá! Ela já está chegando...”, o piloto olha através de sua janela e vê um
pequeno carro preto saindo do meio de uma estradinha vicinal.
Maria Orsic desce, carregando apenas uma discreta mala. Seus cabelos
louros e longos estavam presos em um rabo-de-cavalo que caía até os quadris.
Aparentemente, ela havia cortado uma boa parte dele, já que, em seus tempos
de tenra juventude, eles chegavam até o chão. Com um ar abatido, ela sorri para
Kammler, revelando uma amizade antiga, embora em nenhum momento
tenham se tocado. Ele a admirava como a uma deusa, portanto intangível.
Em menos de 30 minutos, o Junker JU-290 A-5 estava novamente no ar,
rumo ao litoral de Barcelona. Neste local, fariam uma nova parada, até que,
cruzando a segura e aliada Espanha, chegassem ao Atlântico, onde um U-Boot
Série XXI, o novíssimo Elektroboote os levaria até a Argentina.
40.
“De lá foram diretamente para Buenos Aires, e, depois, Maria foi para a
Patagônia. Kammler estava no Junker de Praga, mas ele nunca mais foi visto ou
sequer souberam o que aconteceu com ele.”
“Espera um pouco, Júlio... Vamos por partes: então Kammler foi para
onde?!”, pergunta Armando.
“Ele pretendia instalar o sino em uma base alemã, onde 2 mil soldados,
dentre os quais alguns cientistas, o esperavam. Havia uma base subterrânea,
cavada em plena selva, próxima a cidade de Cruzeiro do Sul, no território do
Acre, Brasil.”
“Caramba... surreal!”, exclama Armando, com ar inocente.
“E a Maria Orsic? Eu não acho que eles tivessem combinado de viver o
resto de suas vidas juntos... você mencionou a Patagônia... a um pulo da
Antártica... ela poderia ter ido para lá?! Havia realmente uma cidade feita pelos
alemães dentro daqueles rochedos gelados?”, pergunta May a, pensativa, ao
mesmo tempo.
“Maria Orsic e Kammler se separaram em Buenos Aires. Posso garantir
isso, porque o meu pai estava neste avião. Ele tinha ordens de ir para a região de
Cândido Godói, onde já havia comprado estas terras, em seu próprio nome...
exatamente esta fazenda. Capatazes alemães cuidavam de tudo, antes de sua
chegada e também depois. Quando ele chegou, já o esperavam, pois eles tinham
uma missão...”
“Caramba de novo! Isso está ficando a cada vez mais intrigante! Ele não
tinha medo do Mossad? Me refiro quanto a ser caçado e levado para
julgamento?”, enfatiza e questiona Armando.
“O nome de meu pai não constava na lista de cientistas importantes.
Vários como ele chegaram até a ficar na própria Alemanha.”
“Ok, vamos ampliar a visão sobre o que você está nos revelando... volte
para Maria Orsic... o que aconteceu com ela?”, questiona David.
“Conforme já deduziram, ela foi para o destino desejado, New Swabia”,
responde Júlio.
“Antártica?!”, pergunta May a, com uma certa careta de surpresa.
“Sim, May a.”
“Mas Júlio, o que havia... ou há... digo, realmente... pois existem
informações de bases subterrâneas nazistas, cavadas em plenas rochas... ou
túneis pré-existentes, que eles apenas descobriram em 1933, ou quem sabe
1936...” May a perguntava e divagava ao mesmo tempo, devido às coisas que lhe
vinham a cabeça, fruto de leituras passadas.
“O que eu sei é o que havia até o final da guerra. Depois disso, nem mais
o meu pai recebeu informações.”
“Então...”, completa May a, provando a sua constante impaciência.
“Então... como bem usou a expressão... no norte, nas Terras da Rainha
Maud, os nazistas construíram ou adaptaram bases em túneis e bolsões internos,
que perfaziam uma verdadeira cidade subterrânea...”, informa Júlio.
“Então, é mesmo uma realidade!? A Antártica já foi povoada pelos
nazistas...”
“Sim, David. Entre 25.000 a aproximadamente 4.000 a.C, a Antártica já
apresentava temperatura fria, mas não tão dramática, chegando a ser amena no
verão. No núcleo do continente, a vegetação era verde e bela. Sim, existiu uma
civilização avançada que povoou aquelas terras, quando ainda eram verdes”,
revela Júlio.
“Então, quando o frio mais dramático chegou, e a neve tomou conta do
local, eles foram para o interior das montanhas... sendo as terras da região norte
uma dessas áreas adequadas à criação de um intrincado e enorme sistema de
túneis”, conclui May a.
“Isso lembra as lendas de Agartha, pelas quais Himmler, Hess e
Haushoffer eram obcecados, considerando-as verdadeiras”, completa David,
praticamente falando para si mesmo.
“Sim, é isso... e o interessante é que, nos tempos atuais, a Alemanha
mantém ativa a estação Neumay er, supostamente fazendo pesquisas no mesmo
local”, adiciona May a.
Júlio pega uma foto antiga de seu pai, exibida em um porta-retratos que
estava sobre um piano de parede, enquadrada em uma área de muita neve, sem
civilização. Segurando-a de frente, contra o peito, torna-a visível para o resto do
grupo.
“Vejam! Esta foto é de 1936.” Júlio não menciona onde a foto foi tirada,
mas, para o grupo presente, nem se fez necessário. Obviamente, dado o cenário,
Wagner Goldschmidt tinha conexões com o projeto executado, secretamente, no
norte da Antártica.
“O que o meu pai me contou também informou ao Gabriel... ele sabia
tanto quanto eu. Acho interessante ele nunca ter revelado nada a vocês na Thule
de São Paulo...” Júlio parecia estar divagando, impedindo o claro entendimento
do sentido que quisesse dar.
“Talvez ele tenha contado, não exatamente ao grupo da Thule, e sim ao
Mestre Germano... as coisas estão começando a fazer sentido...”, diz David.
Júlio volta a depositar o porta-retratos no mesmo local, sobre o piano,
demonstrando uma certa veneração mítica pela imagem na foto.
“Que povo era esse que morava por lá?”, questiona Armando.
“Eu sei que é difícil de aceitar, mas, sendo vocês quem são, verão que faz
sentido.” Como lhe era peculiar, Júlio faz uma pausa, procurando por algo em
sua mente, antes de continuar:
“Uma mistura de sub-raças predominantemente arianas, junto com
alguns de seus genitores... isso inclui sobreviventes de cataclismos mundiais,
como os da Atlântida. As últimas porções de terras atlantes afundaram entre
25.000 e 12.000 anos. Eles poderiam ter ido para aquela região e construído uma
cidade subterrânea, de forma a proteger-se de mais cataclismos vindouros, como
a mudança do clima na região, com a intensificação do frio... o que acabou
ocorrendo em aproximadamente 4000 a.C.”
“Mas os nazistas sonhavam com os hiperbóreos e não com os atlantes!”,
exclama Armando.
“Correto, mas os Atlantes são uma raça que derivou da raça hiperbórea...
com algumas misturinhas e ajudas do povo das estrelas, lá de cima, é claro”,
May a responde a Armando, dando uma parada para pensar, continuando em
seguida. “Naquela época, a Atlântida era um continente que tinha visitas de seres
das estrelas constantemente. Estou supondo que, os seres de Aldebaran, tão
alardeados por Maria Orsic e as médiuns do Vril, também tivessem esta
conexão... e quem sabe, lá fosse física, em encontros reais...”, diz May a, sendo
interrompida por David.
“Isso tudo faz sentido... as médiuns do Vril diziam que essa civilização de
Aldebaran é a mesma que fez os sumérios, da Mesopotâmia, serem
desenvolvidos. Se lembrarmos de suas gravuras em pedra e tábuas de terracota,
teremos imagens de naves voadoras, seres míticos... alguns gigantes, mas todos
com feições arianas.”
“Exceto aqueles que eram híbridos de animais com gente. Aquelas coisas
feias... socorro!” Armando estava profundamente envolvido na conversa, mas
sempre colocava algo engraçado para dar leveza a esses assuntos mais
complexos.
“Certamente. Tem toda lógica”, diz Júlio.
“Interessante, a existência dessa ou dessas civilizações na região,
provavelmente amigas dos nazistas, esclarece a questão da bomba atômica que
foi jogada em um suposto exercício em conjunto, entre americanos e russos, em
1947, após a derrota da frota americana na Antártica... eles queriam destruir o
que houvesse debaixo da terra... tinham pleno conhecimento das cidades ou
estruturas.” May a acabava de levantar um ponto importante da história, ainda
sem nenhuma explicação.
“Nossa... só pode ser isso... Júlio, o que você acha?”
“Veja bem, Armando, eu não tenho tanta profundidade de informações
quanto gostaria... não vou tão longe”, diz Júlio. May a continuava a expressar as
divagações de sua mente.
“Ok, mas pense comigo. Em 1946, o Almirante By rd levou para a
Antártica uma frota composta por 13 barcos e 1 submarino, além de aviões, com
4.700 homens... eles voltaram quebrados e derrotados, em poucos meses... está
na cara que os americanos enviaram uma frota para tentar acabar com o que
estivesse por lá.”
“Ou as baleias do polo sul merecem mesmo serem chamadas de
assassinas... baleias nazistas!”, diz Armando. Eles caem na risada, gerando um
pouco de descontração, frente a um assunto tão enigmático.
“Certamente não foram as baleias e os pinguins que derrotaram essa
enorme e poderosa frota americana... Portanto, se Maria Orsic queria ir para lá,
deveria haver um relativo conforto na cidade subterrânea e condições para que
ela e suas meninas continuassem com as pesquisas.” May a acabava de se
convencer quanto à realidade daquele complexo debaixo da terra.
“Isso eu não sei... o que eu sei é o que me contaram... sobrou apenas um
sino, o que foi pessoalmente entregue por Kammler...”
“Entregue? A quem?!”, questiona David, aguardando a resposta de Júlio,
este que, de repente, tinha ficado mudo.
“Júlio... tudo isso que você fez foi para achar um sino que está na
Amazônia, supostamente, ainda em boas condições de funcionamento?”
“Sim, David. Ele ainda pode funcionar. Foi muito bem guardado por
especialistas. E o local está nesta coordenada que o Ricardo me entregou.”
Ele retira do bolso um pequenos papel, onde se podia ler apenas números,
típicas coordenadas de latitude e longitude.
41.
“Eu sinto informar, mas esta não é uma região no território do Acre... as
coordenadas devem estar erradas!”, exclama Armando, após consultar em seu
notebook as anotações que constavam no papel entregue a Júlio, por Ricardo.
Ao ouvir essa conclusão, Júlio sai da mesa onde estava almoçando, ao
lado da esposa, deslocando-se até a poltrona ocupada por Armando.
“Ele me enganou? Ricardo me enganou?! Meu pai me orientou a dirigir-
me para uma região da Amazônia, dentro do território do Acre, embora ele não
soubesse o local exato...”
Em resposta à interrogação e inconformidade de Júlio, Armando se
levanta, apoiando o notebook sobre a mesa de jantar, para que todos pudessem
ver a tela.
“Vejam... as coordenadas são claras. Elas vão parar exatamente em cima
de uma área na Serra do Roncador, no estado do Mato Grosso...”
Júlio se desespera. Andava de um lado para o outro da sala, falando e
gesticulando:
“Eu fui enganado! Entreguei o Haunebu por nada! Aquela nave valia mais
de 50 milhões de dólares!”, exclamava Júlio em total estado de desolação
“Olha, não é por nada não, mas... considerando o valor histórico e da
tecnologia acoplada... eu colocaria um zero a mais e diria uns 500 milhões de
dólares...”
Abusando do seu famoso humor negro, May a sentiu um certo prazer
vingativo ao mencionar tamanha quantia, já que, ao que tudo indicava, Júlio fora
enganado pelo grupo que se apresentava com o nome de Sociedade Vril. Ela
tinha ciência quanto a este grupo, presente no Brasil, em nada ter a ver com o
que constituiu o grupo central dessa Ordem, durante a era nazista. Se um passado
ligado à magia negra, cerimônias macabras e distorções realmente ocorreu
durante a Segunda Grande Guerra, não pertenceu ao grupo central, liderado por
Maria Orsic e os maiores cientistas alemães, cujo único foco e obsessão era a
inovação tecnológica, energia de ponto zero e naves espaciais.
“Veja bem, sendo justa, o Haunebu pertence à Sociedade Vril e foram
eles que desvendaram a sua tecnologia, mas esses que aqui estão no Brasil,
plagiando o seu nome, em nada tem a ver com a origem”, declara May a.
“Júlio, antes que o seu desespero aumente, vamos avaliar o que temos em
mãos... talvez o sino tenha sido levado para um novo local, e estas coordenadas
estejam corretas. Precisamos analisar melhor os dados”, diz David, parecendo
acreditar no que dizia, ao estudar mapas via Google, junto a Armando.
Levando em consideração o comportamento dúbio que Ricardo
demonstrou, deixando a todos confusos quanto às suas reais intenções, havia uma
chance de ele ter sido honesto no que tange às coordenadas entregues e,
apostando nessa possibilidade, May a junta-se a Armando e David, analisando a
região que constava no Google Earth, traçando hipóteses.
“Esse local deve estar correto... eu até consideraria a hipótese de erro,
mas tratando-se deste...” May a olhava para David, esperando pela sua opinião.
“Você está pensando na expedição da qual Himmler enviou seus
arqueólogos da Ahnenerbe para o Mato Grosso, entre 1933 e 36?!”, pergunta ele.
“Na Ahnenerbe e no que originou o interesse pelo estudo no local, feito
anos antes, pelas expedições do Coronel Percy H. Fawcett... ele é a chave!”,
responde ela, recebendo como resposta o rosto de David imediatamente
iluminado, devido a ter entendido exatamente, o que a esposa deduziu.
“Sabia que eu te amo, e essa inteligência me deixa ainda mais
apaixonado?”, David segurava a mão de May a, atravessando o braço na frente
de Armando, que comicamente fazia caretas para impedir que o computador
caísse.
“Gente, gente, gente... parem com isso... vocês não vão dar showzinho
aqui na frente da gente, né?! ... Segura a onda!”, exclama Armando.
Júlio permanecia extremamente sério, devido à enorme preocupação
quanto à possibilidade de não ter acesso ao sino, fato este que inibia sua
capacidade de notar o que acontecia a sua volta.
“Então... o que vocês sabem que eu não sei?!”, exclama Júlio.
A partir desse momento, a situação se inverte, já que, até alguns minutos
atrás, May a e David não haviam obtido peças suficientes que lhes permitissem
compreender a complexidade do problema, estando restritos à coleta de dados
para desvendar o que havia por detrás de tudo. De agora em diante, baseando-se
nessas coordenadas de localização, a principal chave para os mistérios, foi
revelada.
David se levanta da cadeira, encarando Júlio.
“Olha... acredite que, de agora em diante, se você quiser mesmo achar o
sino, vai precisar de nós três, mais do que nunca... portanto, é fundamental que
nos diga o que você quer fazer com esse equipamento e por que a Sociedade Vril
faria essa troca.”
“E onde está a nossa Arca?!”, completa Armando. Ao lado dele, May a
concorda com a frase, dando uma piscadela para o amigo.
“No que tange à Arca é simples... está aqui na fazenda, a salvo. Ela fazia
parte da negociação pelo Haunebu. Ela voltará para vocês, assim que
desejarem... mas...”
De repente, uma nova lembrança veio à mente de Júlio, fazendo com que
sofresse uma rápida e incrível alteração emocional. Suas mãos tremiam, gotas
de suor começavam a aparecer em sua face, seu rosto se transfigurava:
“Eu... eu... não posso falar... prometi que não diria nada... até que tudo
estivesse resolvido.”
David percebe que necessitava aplicar mais pressão sobre Júlio
Goldschmidt.
“Veja bem... pelo que eu notei, tem alguém importante envolvido nessa
promessa... quem é esse alguém? Você terá que dizer, caso contrário, não
ajudaremos”, ameaça David.
Em resposta à chantagem feita, Júlio se ergue, física e emocionalmente,
frente a David:
“Vocês não fazem ideia... se não ajudarem, não haverá mais nada a ser
salvo... dentro de dois dias o eixo da Terra poderá ser deslocado em direção à sua
posição original... e uma grande catástrofe mundial acontecerá, eliminando toda
a vida da face da Terra, da mesma forma como já ocorreu, em um passado da
história da humanidade.”
“Senti a profundidade do problema... é bem fundo mesmo!”, exclama
Armando, engolindo em seco.
May a e David trocam olhares tensos e, em um segundo momento, os três
amigos, consideram a possibilidade de ele não estar blefando, pois esse não era o
seu perfil. O que antes aparentava ser apenas um problema pessoal acabava de
transformar-se em algo de grandes proporções, colocando a vida na Terra em
alto risco:
“O eixo da Terra não desloca assim tão fácil. Seria necessário um impacto
contra a Terra proveniente de um grande corpo celeste ou megaterremotos
seriais, algo assim!”, exclama Armando, gesticulando e coçando a cabeça,
demonstrando dúvidas quanto ao que dizia.
May a e David pareciam acreditar na possibilidade de outras hipóteses
viáveis:
“Ok, isso muda tudo de figura. Estamos querendo ouvir”, diz David,
induzindo May a a sentar-se no sofá ao lado dele e de Armando, apontando para
que Júlio fizesse o mesmo, sentando-se na poltrona em frente ao sofá.
Os três olhavam firmemente para Júlio. Ele não tinha saída a não ser
contar tudo o que sabia:
“Foi em Gandau, durante o processo de aceleração de partículas para o
refinamento de tório radioativo... o processo se alterou, meu pai e a equipe que
trabalhava no refinamento tentaram controlar, mas logo perceberam que não
haveria forma de manter estável o pequeno buraco negro que se formou no
local.”
Tal e qual era particular a Júlio, ele soltava alguns dados, durante a
conversa e, em seguida, voltava a calar-se, esbanjando introversão.
“Vamos, Júlio... não enrole e siga adiante...”, diz David, ligeiramente
irritado, perdendo a paciência que lhe era tão habitual.
Júlio passa as duas mãos pelo suor na testa, espalhando-o pelos cabelos
louros e lisos, demonstrando grande nervosismo:
“Mas... eu não sei se eles irão permitir que eu conte...”
Ao ouvir essa frase, David nota dois vultos se formarem, provenientes de
uma dobra no espaço, o qual estava curvo, logo atrás de Júlio. As imagens levam
apenas três segundos para se condensar, apresentando uma quase total
fisicalidade; entretanto, com um olhar mais apurado, percebe-se um efeito
translúcido, através deles.
“É esse o motivo...Ricardo me alertou para nunca falar deles”, diz Júlio,
apresentando lentidão e uma paralisia crescente, estendendo-se a todos os
presentes.
Estando Armando e May a também de frente para Júlio, da mesma forma
que ele enxergava os humanoides que pareciam gêmeos idênticos, David
esperava que os outros dois o fizessem, mas... “nenhuma reação...”, pensava
David, “somente eu posso vê-los... eles estão ligados ao problema.”
Ao virar-se para May a e Armando, ele nota que eles estavam também
congelados... o fluir do tempo não mais ocorria... os ponteiros do relógio da sala
estavam parados, inclusive Júlio:
“Olá, amigo. Parece que nós temos alguma coisa em comum... algo que
nos conecta fortemente. Mas foi você que nos trouxe aqui agora. Você já sabe
que nós esperamos que resolvam o problema que interliga nossas realidades...
por isso, viemos novamente avisá-lo... nossos mundos irão colidir em 48 horas.
Nossas realidades se fundirão em uma só... entretanto, há como isso ser
evitado...”, diz o humanoide da direita, ultrapassando Júlio e acercando-se de
David.
“Eu me recordo haverem dito que nos protegeriam, até que achássemos
algo...”, retruca David.
“Já ajudamos”, diz o humanoide que estava do lado esquerdo.
“Nós salvamos a vida dela e de vocês, mesmo que sejam especiais... não
teriam conseguido aguentar a energia da Tesseract. Ela foi corajosa, mas não
teria sobrevivido sem o Gerador Vril”, diz o humanoide da direita.
“Foi o que quisemos dizer... precisam achar o sino. Devem ir
imediatamente para as coordenadas recebidas.”
“E se isso não for feito?”
“Como disse este caro amigo”, ele aponta para Júlio, “o eixo da Terra será
deslocado e voltará para algo próximo a zero grau...”
“Mas por quê?”
“Por que quando fomos trazidos para esta realidade, um portal foi aberto,
dos dois lados de cada universo e depois fechado, somente do lado do nosso
mundo... Ele necessita ser novamente aberto, simultaneamente, dos dois lados,
para que possamos retornar e fechar as duas conexões”, revela o humanoide da
direita.
“Quer queiram ou não, o portal será aberto no nosso mundo, dentro de
dois dias, precisamente 48 horas do seu tempo, expresso nesta fisicalidade. Se os
dois lados não estiverem abertos, a energia que se abaterá sobre a Terra imitará a
mesma que foi gerada quando da extinção dos dinossauros e das avançadas
civilizações que habitaram a Terra, muito tempo depois deles terem sucumbido”,
diz o humanoide da esquerda.
“E os dois mundos se fundirão em um só... tudo será sugado para um
mesmo ponto em comum”, revela o da direita.
“Já houve civilizações avançadas há 200 milhões de anos atrás? O homem
conviveu com os dinossauros?”, pergunta David.
“Eu não chamaria de homens, como vocês são hoje, mas sim, havia
civilizações que aqui estavam e se desenvolviam naquela época e muito depois.
Seu planeta é muito mais antigo do que seus cientistas acreditam... mas parece
que já começaram a entender isso, com fortes resistências”, diz o humanoide da
direita.
“Esclareça melhor o motivo do eixo da Terra se deslocar, caso não
abrirmos os portais em conjunto”, questiona David.
“Uma questão de massa... tal e qual a influência do Sol, da Lua e dos
planetas é o que causa o deslocamento dele mesmo, o aparecimento da massa do
meu mundo, sem uma passagem fluida, trará a desgraça para o seu mundo
material, muito maior que para o nosso, pois vivemos em uma realidade menos
densa que a sua. Além do deslocamento de massa, haverá um grande pacto
energético. A energia no meu mundo é muito maior”, diz o humanoide da
esquerda.
“O sino está sendo guardado... ele espera por vocês. Da mesma forma
que fizeram a nave funcionar, deverão fazer o sino entrar em estado de
supercondução... usem o material que criaram hoje.”
“Mas Ricardo levou esse material com ele...”, retruca David, começando
a sentir-se paralisado e tendo dificuldade para falar.
“É verdade, mas isso não será um problema... precisamos ir. Causamos
transtornos se permanecemos em seu mundo por mais do que alguns minutos,
quando a energia é totalmente densa, como a deste local”, diz o segundo
humanoide.
“Mas para onde vai, se não pode retornar para a sua dimensão até que
ativemos o portal?”
“Para uma realidade intermediária, um Vesica Piscis”, diz o segundo
humanoide, desaparecendo, seguido do primeiro.
O ambiente volta a se mover, o som do relógio da sala é resgatado em
conjunto com cães latindo do lado de fora. David respira em desespero,
esforçando-se para recuperar o oxigênio que gradualmente apresentou
dificuldade para entrar no pulmão, em relação ao tempo de exposição à
presença desses humanoides.
“Eles paralisam tudo, podem matar pessoas e animais, caso desejem
prolongar sua estada neste universo... precisam retornar para o seu mundo”,
pensava ele, enquanto permanecia flexionado, para frente, procurando
recuperar-se.
“Nossa! O que houve? David, você está bem?!”, questiona May a, com
enorme preocupação e ajudando-o a erguer-se, assim que se estabiliza.
42.
15°54’4.00”S
52°14’41.95”W
8H. AE ROPORTO DE ARAGARÇAS, E STADO DE GOIÁS.
14°44’67,15’’ S
53°00’21,26” W
CAMPINÁPOL IS – LAGOA ENCANTADA. 12H.
3H DA MADRUGADA. EM UM QUARTO
DO H OT E L DE A RAGARÇAS, G OIÁS.
“A pirâmide... o topo dela se separou... tem luz saindo... luz intensa... não
consigo abrir os meus olhos... o olho... o olho está se abrindo... Germano...
Ricardo... ele está com eles... David!...”, gritava May a, até que ele a desperta.
Acendendo a luz do criado-mudo, David a abraçava, esperando pelo total
despertar daquela visão que se apresentou, como em um pesadelo. Ele a
confortava, sem nada dizer, apenas sabendo que seu segredo não mais poderia
ser mantido. Rapidamente recomposta, ela ajeita a camisola, colocando
graciosamente as alças na posição certa, enquanto cruzava as pernas e ganhava
tempo, nitidamente transparecendo, que estava contando mentalmente de 1 a 20,
procurando controlar-se.
“Agora eu entendi... eu sei... eu vi... era por causa disso que você não me
contava as coisas... por isso todo aquele eterno segredo desde que nos
conhecemos... por isso continuou defendendo o Germano, mesmo quando tudo
apontava contra ele” diz ela, em voz baixa, olhando-o nos olhos. Sem poder
sustentar a força de seu olhar, ele se afasta, sentando-se na beirada da cama.
“Temos um juramento... eu não posso revelar muitos detalhes... existe um
propósito que vai além do entendimento de qualquer um, até mesmo do teu”,
confessa David, parecendo extremamente incomodado e constrangido.
“Júlio, Gabriel e Ricardo estudaram juntos, eram amigos de infância...
mas Júlio nunca soube o que Gabriel realmente estava fazendo. Gabriel e
Ricardo entraram nas mesmas ordens secretas onde conheceram Germano... ele
os treinou e os levou a fazer as coisas que precisavam ser feitas... eu também não
sabia que o Ricardo fazia parte disso... até que ele me enviou um sinal de mão, na
caverna... os seguidores não se conhecem, nem todos se conhecem... eu não
sabia que Gabriel era de lá, muito menos Ricardo, que eu nunca havia visto...
mas agora tudo ficou mais evidente.” David passa as mãos pelos cabelos,
jogando-os para trás, dando um grande suspiro. Mesmo vestindo um pijama leve,
de algodão, off-white, trajando short curto e camiseta regata, ele começava a
suar, sabendo da dificuldade e proibição quanto a maiores explicações.
“Dentro da organização, nós não sabemos o que outros membros estão
fazendo. Nós só sabemos o que teremos que fazer.”
May a chacoalhava a cabeça, querendo entender o que ele mal revelava.
“Espera, espera um pouquinho aqui... você está me dizendo que o
Germano faz parte deles e que, tanto você como o Gabriel, acabaram entrando
na Thule Brasil apenas para disfarçar?”
“Não, a Thule também era um dos nossos objetivos.”
“Era?”, repete May a, com ar de questionamento sobre o verbo estar em
tempo passado.
“Os membros se dispersaram... a Ordem está parcialmente desfeita...”,
explica David.
“Ok, então o Germano é uma alta patente em ambas as ordens, e ele usa
os mesmos membros que estão nas duas ordens ou em separado, de acordo com
o interesse?”, questiona May a, um tanto irritada.
“É algo assim...”
“E Gabriel? O Ricardo estava contra o Gabriel. Isso não era nada falso, ou
era?”
“Gabriel traiu a organização... ele queria fazer uso do conhecimento que
poderia adquirir com o mundo dos homens de preto em seu próprio proveito...
pelo que eu também concluí, Ricardo foi escalado para impedi-lo... estou
presumindo...”
“Você não sabe?! Você faz parte disso e não sabe?!”, reclama May a,
realmente indignada.
“Não... além de não conhecermos todos os membros, não sabemos as
missões de cada um.”
“Eu nem sei o que dizer... e quanto a Júlio?”, pergunta ela.
“Ele nunca entrou em nenhuma dessas ordens secretas... ele estava
apenas seguindo o que o pai havia lhe pedido... ele não sabe muito além disso”,
completa David.
May a se ajeita na cama, tentando controlar-se, sem sucesso, devido ao
estado de agitação e inconformidade pela história do marido.
“De vez em quando, eu tenho vontade de apertar o seu pescoço... mas, no
final, alguma coisa me diz, bem dentro de mim, que eu tenho que ter paciência...
Ok, por que você e o Germano estão me usando como um boneco
programável?!”
David se assusta com o que ela diz:
“Não! Não é isso! Os objetivos são sempre os mesmos.” Ele procurava as
palavras certas para se justificar.
“Eu achava que era inteligente, mas você me faz sentir uma burra”,
declara ela, por um momento, perdendo a paciência.
“Não... não pense dessa forma...”, diz David, começando a se desesperar,
por temer a reação dela.
May a se levanta, ajeitando a camisola curta de renda. Caminhando até a
janela, ela ergue levemente a cortina, notando a maravilhosa e enorme Lua
estampada em um limpo céu estrelado. Enquanto admirava a Lua, ela ergue a
sobrancelha esquerda, parecendo ter tido mais uma esclarecedora visão.
Mantendo-se na janela, ela se volta para David, que ainda permanecia sentado
na beirada da cama, aguardando pelo desenrolar do tema, resignado.
“Esses dois grupos... eles estavam juntos no passado? Ou isso só aconteceu
agora?”
“Desde o início... Eles sabiam que tamanho conhecimento gerado pela
Sociedade Vril levaria a uma guerra... foram se infiltrando e desviando as
informações de forma a salvá-las, principalmente quando os aliados estavam
começando a demonstrar vantagem sobre a Alemanha... precisavam proteger o
que pudessem das garras dos aliados.” David baixa a cabeça, em sinal de que
não diria mais nada.
Com um olhar compreensivo e compassivo, May a se senta ao lado de
David, na beirada da cama, abraçando-o e acariciando-o.
“Sabe... deve ser muito excitante fazer amor com um Illuminati...”
Sem vacilar, David sorri, satisfeito pela compreensão vinda de sua amada.
Eles tiram suas roupas, vagarosamente e de maneira apaixonada, comprovando
a enorme sintonia que tinham.