Almirante - Incrível, Fantástico, Extraordinário! - 1951

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Almirante

Incrível,
fantástico,
extraordinário!
Casos verídicos de terror e assombração
Edições O Cruzeiro, outubro de 1951
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

prefácio
Eis aqui um livro nos moldes de tantos que têm surgido em todo o mundo.
Este apresenta, entretanto, um indiscutível mérito sobre os demais.
Os livros de assunto fantasmagórico relatam fatos ocorridos em épocas remotas ou
indicam vagamente, às vezes somente por simples iniciais, seus protagonistas, suas
testemunhas e os lugares onde os episódios se desenrolaram. Dessa maneira ficam
impossibilitadas todas as investigações dos estudiosos.
Neste volume figuram nomes, endereços, datas, profissões e todos os detalhes
indispensáveis aos que, porventura, desejem tirar a limpo a veracidade de qualquer
narrativa.
Os fatos aqui publicados foram transmitidos no programa Incrível, fantástico,
extraordinário! Da rádio Tupi do Rio de Janeiro e, a despeito da vasta publicidade de que
se viram cercados, jamais sofreram a mais leve contestação.
É interessante notar que esta iniciativa não está, e nunca esteve, sob qualquer influência
religiosa. Os fatos irradiados e agora trazidos à publicação foram escolhidos sem o menor
intuito de ressaltar ou favorecer a crença ou a descrença em qualquer doutrina.
Aqui podem ser encontrados episódios de fundo nitidamente católico ao lado de fatos
narrados à inconfundível maneira espírita, acontecimentos de cunho declaradamente
fetichista, formando parelha com narrativas envoltas em negro mistério, mas
surpreendente pela lógica do desfecho.
A fim de que ficasse evidente a absoluta imparcialidade no tocante às várias doutrinas
religiosas, as narrações foram expurgadas de todas as expressões peculiares nas obras que
abordam fenômenos da natureza destes, onde os relatos geralmente aparecem pontilhados
de terminologia nem sempre a alcance do grande público.
Pra que não se perdesse o sabor dos vários estilos as narrativas deste livro
correspondem quase literalmente à forma epistolar de nossos informantes. Tais casos nos
chegaram em cartas vindas de todos os recantos do Brasil, algumas escritas em estilo
invejável, denotando o elevado grau de cultura dos missivistas, e outras de maneira
simplória e ingênua do povo, onde, aliás, a sinceridade melhor transparece, justamente
através do próprio desconhecimento dos vocábulos ou das mais comezinhas regras
gramaticais.
A fim de que a exatidão em nada sofresse na transferência do estilo epistolar ao da
narrativa, tomamos a precaução de submeter a redação definitiva de todos os episódios à
apreciação de seus remetentes. Assim, foram retificados os possíveis enganos de nomes,
datas, etc., bem como evitados possíveis desvirtuamentos de interpretação. Com isso os
fatos tiveram também a valiosa confirmação de sua veracidade.
Os problemas anímicos, psíquicos, mentais, etc, estão cada vez mais despertando a
atenção dos estudiosos em todo o mundo. Técnicas modernas de investigação apoiadas
em rigorosas bases científicas submetem, hoje em dia, tais fenômenos à luz de
experimentos quase infalíveis, dissecando cada fato, cada manifestação, e oferecendo
laudos impressionantes que, por vezes, destruem as teorias mais consagradas.
Certamente que, a tais investigadores, têm sido facultados campos irrestritos pra seus
estudos. As cobaias, contudo, nunca são demais nos laboratórios. É o que, com este livro,
podemos oferecer aos estudiosos.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A volumosa correspondência que o programa de rádio provocou até hoje nos deu
ensejo a certas observações curiosas que não podemos deixar de revelar.
Inúmeras são as cartas que descrevem, oferecendo provas concretas, situações
absolutamente idênticas em que se viram envolvidas pessoas diversas, em épocas
diferentes e lugares variados.
Se diria até que os fenômenos anímicos podem ser submetidos a uma classificação
folclórica e enquadrados em ciclos perfeitamente definidos.
Pra melhor expor nossa observação, nesse particular, daremos, a seguir, rápida
descrição dos episódios que mais se repetem na contribuição de nossos informantes, cuja
veracidade é, na maioria das vezes, posta acima de qualquer dúvida pela abundância de
prova que oferece.
1 • A procissão da meia-noite, da qual se destaca um vulto que entrega uma vela ao
temerário que a assiste da janela, lhe pedindo que a guarde até o dia seguinte. No outro
dia, no lugar da vela é encontrado um osso humano.
2 • Um recém-nascido aparece como que abandonado numa estrada, é recolhido por
alguém que ali transita em hora tardia. Levado no colo o recém-nascido começa a pesar
desmesuradamente se transformando em monstro horroroso, cabeludo e dentuço. Quem o
transporta o atira ao chão saindo em disparada até encontrar alguém que caminha em
sentido contrário. Satisfeito por deparar companhia na estrada deserta lhe conta o
medonho encontro e ao se referir aos dentes ouve do outro a pergunta: Eram dentes
maiores que os meus? Só então o desconhecido foi observado e mostrou presas de
20cm saindo da boca.
3 • O encontro com uma criatura de beleza deslumbrante, noite alta, que assediada
pelos galanteios procura fugir ora enveredando em ruas escuras onde acaba parando e
mostrando ser uma horrenda caveira, ora conduzindo o perseguidor sem que este o
pressinta, à proximidade dum cemitério onde lhe faz cena idêntica à anterior, lhe indica
como morada o número de determinada sepultura ou lhe faz qualquer surpreendente
revelação, geralmente ligada a falta de cumprimento de promessa.
4 • Um indivíduo se vê atraído por linda jovem e com ela passa uma noite de delícia
em certa casa abandonada ou escuso recanto de rua. No dia imediato, verificando ter se
esquecido dalgum objeto (geralmente um relógio) que ficara pendurado ou depositado
num móvel qualquer. Volta àquele lugar e constata que é um cemitério e que seu relógio
ali está sobre uma das campas ou que a casa em questão se acha fechada, desabitada há
anos. Forçada a porta, tudo lá dentro, a não ser o estado de abandono e a poeira,
corresponde ao que fora visto na noite anterior e o relógio é encontrado exatamente no
ponto indicado por quem o deixou. Em tais casos, geralmente, a vítima enlouquece.
5 • Uma criatura sem trabalho, em risco de passar fome, tem providencial encontro
com um amável desconhecido que lhe fornece indicação de casa onde poderá obter
emprego. Ali termina verificando que seu informante era parente morto. Na maioria das
vezes filho de quem a emprega. Essa variante oferece curiosos pontos de contato com o
conhecido episódio do médico procurado em condição singular por um desconhecido a
fim de que vá atender certa doente. Depois de a salvar reconhece, por acaso, num retrato,
a pessoa que o chamara. Se trata invariavelmente de parente da enferma, falecido há
tempo.
6 • As incontáveis partidas em que indivíduos audaciosos promovem a invasão dum
cemitério na meia-noite em ponto com algum propósito pilhérico e que, por qualquer
razão inesperada, terminam a debandar assustados, tendo um deles (quase sempre o mais
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valente) encontrado morte horrenda, vítima do pavor por ter ficado aprisionado
casualmente, pela roupa, a uma pedra tumular ou à própria faca ou espada que ele mesmo
cravara no chão, em cumprimento do pacto firmado com os amigos.
7 • Um camião transporta um féretro vazio em estrada deserta. Em ponto distante
recolhe um caminhante que pede condução. A viagem prossegue e, devido à chuva que
começa a cair, o passageiro procura abrigo dentro do caixão. Adiante novo caminhante é
recolhido e se senta ao lado do ataúde. Instantes depois vê, apavorado, sua tampa se abrir
e aquela voz cavernosa indagar: A chuva já parou?
8 • Se crescente a tudo isso o infindável número de histórias das mais variadas e
estapafúrdias aventuras de espectros que perseguem pessoas e só as deixam em paz depois
que elas rezam determinada oração ou se ocultam em pontos estratégicos provocando a
quase invariável frase dos fantasmas logrados: Foi o que te valeu!
Com este livro não pretendemos, senão, oferecer um subsídio que tanto pode servir aos
crentes como aos descrentes.
A existência da alma é problema milenar que tem preocupado a humanidade,
confundindo, com seus insondáveis mistérios, sábios e ignorantes que vêem inutilizadas
hoje suas indestrutíveis teorias de ontem.
Com justa razão, pois, sem afirmar nem negar, preferimos sempre classificar cada um
dos depoimentos contidos neste livro, prudentemente abrangendo tudo, como incrível!,
como fantástico! ou como extraordinário!
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A locomotiva fantasma
Foi em Castelo, Espírito Santo.
No dia 14 de março de 1946, meu pai, Manoel Carias, saiu muito cedo de casa. Ia levar
à estação da estrada de ferro uma encomenda de pessoa da família residente em Cachoeiro
de Itapemirim. Não era a primeira vez que meu pai fazia tal coisa. Freqüentemente até, se
servia dos préstimos dum velho maquinista seu conhecido que se encarregava de fazer
chegar as encomendas ao destino.
O trem, que era misto, partia às 5 horas e 30 minutos tendo meu pai chegado à estação
um quarto de hora antes, pouco mais ou menos. Se dirigiu à máquina mas vendo que havia
ninguém dentro resolveu esperar que o amigo chegasse. Decerto tinha ido tomar um café.
Mas o tempo foi passando: 5, 8, 10 minutos. Já estava na hora da locomotiva ir
apanhar a composição, e nada do maquinista chegar. Nisto se ouviu o apito do manobreiro
ordenando que a máquina se pusesse em movimento, indo se encostar nos vagões pro
engate.
Meu pai, que conhecia o serviço, ainda pensou com seus botões:
— Terá de esperar que o maquinista chegue.
No mesmo instante, porém, e com certo espanto, notou que a locomotiva começava a
se movimentar caminhando à composição. Depois ouviu aquele ruído surdo tão
característico do entrechoque dos engates e viu a locomotiva voltar vagarosamente sem
esperar sinal. O manobreiro gritou:
— Êêêê! Como é isto? Ficaste maluco?, seu maquinista. Tens de esperar o sinal! Voltes,
que não engatou!
Mas a locomotiva foi seguindo adiante, sempre em marcha lenta. Passou por meu pai e
foi estacionar exatamente no local donde havia saído. O manobreiro veio correndo tomar
satisfação.
— Então, como é? Isto é a casa da sogra ou...
Mas, ao subir os degraus da máquina, parou meio desconcertado, murmurando:
— Diabo! Essa gente saltou sem eu ver... ou este negócio estava andando sozinho!
E saiu ruminando palavras enquanto voltava a seu lugar.
Já passava das 5 horas e 30 minutos quando o maquinista, que, por um motivo qualquer,
perdera o horário, chegava esbaforido. Meu pai se dirigiu a ele a fim de lhe entregar a
encomenda. Viu, porém, que não era seu velho conhecido e sim um outro que subiu à
máquina apressadamente e tratou de cumprir sua obrigação. Nisto se aproximava o
manobreiro, a quem meu pai perguntou:
— Maquinista novo?
— Sim, esta peste que chegou com quase 10 minutos de atraso!
— E o outro? O que eu conhecia?
— O outro? Pois não sabe? Morreu, coitado, há oito dias, num desastre na linha
Coutinho–Alegre.
E ajuntou suspirando:
— Aquele sim. Era eu dar o sinal e a locomotiva fazia logo o que tinha de fazer!
Moacyr Carias
Rua Xavier dos Pássaros 175
Piedade, Distrito Federal
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A perseguição da sombra
Quero contar um autêntico caso extraordinário que se passou comigo no ano de 1942
quando eu morava em Tomás Coelho à avenida João Ribeiro 672.
Sendo sócio de Vicente de Carvalho A. C., era e sou bastante conhecido no local,
freqüentando sempre reunião e festa.
Assim é que em todos os sábados ia aos bailes sendo dos que ficavam até o fim.
Certa vez, na meia-noite, saindo duma dessas reuniões dançantes em companhia
dalguns amigos, nos dirigimos ao varejo da estação a fim de tomar café.
Após ligeira palestra cada qual seguiu seu caminho tendo eu tomado o rumo da avenida
Automóvel Clube.
Embora a noite estivesse escura e não houvesse iluminação naquele local, eu caminhava
despreocupadamente estrada afora.
Justamente quando passava no local denominado Juramento notei que uma sombra
escura seguia a meu lado direito. Mesmo vendo que não havia luar naquela noite parei a
fim de me certificar se se tratava de minha própria sombra: Movimentei os braços e a
sombra no chão não se mexeu, ficou imóvel!
Ali parado, sentindo um terrível calafrio, monologuei desta forma:
— Aí, em meu lado direito, não adianta!
Imediatamente vi com a maior surpresa que a sombra deu uma volta por trás de mim e
passou a meu lado esquerdo.
Continuei a andar, já apavorado, sempre com o vulto a meu lado. Parei e disse:
— Aí, em meu lado esquerdo, também não adianta!
E comecei a me benzer e a rezar.
Só então vi perfeitamente que a sombra se afastava de meu lado tomando a direção
duma moita de capim que se achava na beira da estrada, sumindo ali dentro, provocando
enorme barulho.
Aliviado, tirei um cigarro e comecei a fumar.
Dentro em pouco chegava a casa, batendo na porta e sendo atendido por meu pai que
ao me ver ainda pálido e trêmulo perguntou o que acontecera.
Contei o ocorrido e meu velho então me disse:
— Tomes cuidado, rapaz, do contrário ainda verás assombração nessas horas tardias da
noite.
E, desde então, jamais desprezei aquele aviso sensato.
Darcy Ferreira (arrendatário do bar da LBA)
Rua Carolina Amado 324
Vaz Lobo, Distrito Federal
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Assobios na mata
Em 1888 foi nomeada professora numa freguesia de Socorro (Santo Amaro) dona
Joaquina Moreira que àli se mudou levando em sua companhia a irmã e o filho desta, seu
sobrinho Artur Moreira Rodrigues, e meu pai, que contava então 8 anos e era tratado na
intimidade pelo tradicional apelido baiano de Ioiô.
Meu pai é muito conhecido na Bahia, em cuja capital reside à rua Marquês de Maricá,
avenida Xangai 27. Tem dois filhos residentes aqui no Rio e foi ele o principal
protagonista do fato verídico que aqui relato.
Se aproximavam os festejos de nossa senhora do Socorro e a professora encomendara
um vestido a certa modista que morava num arraial distante de nome São Paulo.
Era véspera da festa e nada do vestido chegar. Notando a preocupação de sua tia que
se lamentava de não ter um portador pra ir buscar a encomenda, Ioiô se ofereceu. Não era
tanto pelo serviço que iria prestar mas pelo prazer de ir cavalgando a Mineira, mula que
sempre desejara montar.
Entretanto só a muito custo, depois de pedir com enorme insistência, Ioiô conseguiu de
sua tia a almejada licença. E às seis horas da tarde tomava a estrada em direção ao arraial.
O prazer que lhe causava o passeio fez com que nem receasse atravessar o enorme
bambuzal que lhe surgiu a meio-caminho.
Na casa da modista foi informado de que o vestido não estava pronto e Ioiô se
empenhou pra que a costureira o terminasse o quanto antes a fim de que pudesse regressar
com alguma luz.
Só às 20 horas, porém, o vestido ficou pronto e o menino imediatamente se pôs a
caminho de volta.
Seguiu estrada afora num trote picado mas já agora tomado de preocupação devido ao
adiantado da hora...
Tudo correu bem até o lugar chamado Catiúba, quando sua atenção foi despertada por
um assobio muito forte vindo da mata.
O menino sentiu um arrepio percorrer o corpo e apertou ainda mais o trote da mula.
Viajou assim mais alguns instantes quando um novo assobio, mais forte e mais próximo
se fez ouvir. Logo a seguir sentiu que alguém trepara na garupa do animal que, ao sentir o
peso estranho, estremeceu violentamente desandando em galope mais veloz ainda.
Adiante um terceiro silvo... Dessa vez a mula manifestou tamanho susto que
desembestou tentando se desviar da estrada se embrenhando na mataria.
Para manter o animal na estrada, assim como pra lhe imprimir mais velocidade, Ioiô
dava lambadas violentas atirando o chicote por cima da cabeça no intuito de atingir a
personagem que sentia colada em suas costas...
Felizmente, pouco além, o animal foi dar na cancela da fazendola dum senhor chamado
Macário que, se achando providencialmente perto, acudiu o menino puxando a mula pela
rédea. Lá chegando o menino nem pôde apear, quase desfalecido estava, pedindo com voz
apavorada que o deixassem no escuro, pois tinha medo de luz!
Com a lufa-lufa causada por sua chegada naquele estado, ninguém se lembrou da mula
que ficou defronte a porta. Somente Macário, num hábito muito comum no interior, em
dado momento lhe tirou os arreios os deixou de lado certo de que Mineira, por instinto, se
encaminharia à cocheira ou ao pasto a fim de passar a noite.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

No dia seguinte, logo cedo, ao sair à missa passando pela residência da professora,
Macário foi encontrar a mula parada, em pé, na mesma posição em que a deixara na
véspera. Admirado gritou pro interior da casa:
— Professora, esta mula ainda não saiu daqui?
Enquanto ninguém acudia o fazendeiro, intrigado com a absoluta imobilidade do
animal, se pôs a o observar de perto. Parecia uma estátua, olhos parados.
Então, a fim de a tirar daquela estranha paralisação, Macário lhe encostou um dedo.
Foi a conta: a mula se estatelou ao chão.
Estava morta.
Este relato, enviado pelo filho,
foi confirmado pelo próprio
Artur Moreira Rodrigues
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O casarão mal-assombrado
Antônio José de Souza é nome dum amigo de nossa família, morador à rua Ambiré
Cavalcanti (Rio Comprido) e que ainda reside ali.
Me contou que há oito anos atrás, quando ele e sua esposa Maria das Dores, a filha
Maria José e uma comadre Maria Célia passaram a residir no número 193 daquela rua
foram vítimas duma série de caso extraordinário.
Essa casa, que ficava no alto, perto da caixa dágua e na beira do morro de São Carlos,
em cujo despenhadeiro se encontrava uma chácara com enorme área arborizada. Essa área
separava justamente a rua Ambiré Cavalcanti do morro de São Carlos.
O prédio era construção antiga, com altos e baixos, sendo que a família ocupava o
sobrado donde se podia apreciar a vastidão da chácara que se estendia embaixo, tendo
dum lado um abismo e do outro o morro de São Carlos.
A residência era ótima e seria a habitação ideal se não houvesse ocorrido o que passo a
narrar.
Em todas as noites a família era atormentada de maneira inexplicada, pois assim que se
recolhia começava a cair pedra no telhado como se o próprio Belzebu se empenhasse em
arrasar aquela vivenda. Enquanto isso se ouvia o ruído característico de forte ventania que
parecia varrer o arvoredo lá embaixo na chácara.
Era horrível aquela situação: as pedras caindo sobre o telhado e a ventania zunindo nas
árvores.
Assim se passavam as noites sem que a família não mais conhecesse a tranqüilidade do
sono.
Certa vez alguém se lembrou dum crucifixo que havia em casa. Talvez com ele
poderiam se ver livres de tamanha perseguição!
Na noite, quando as pedras começavam a cair no telhado e a bater nas janelas num
fragor ensurdecedor, saíram todos ao quintal, um deles empunhando o crucifixo e uma
vela acesa e se concentrando em orações fervorosas. Tudo então silenciou completamente.
Entretanto o processo serviu somente pra acalmar provisoriamente os fenômenos, pois
mal a família reingressava na casa e recomeçavam os rumores com todo o cortejo de fato
anormal.
Se as pessoas tornavam ao quintal repetindo as exortações, novamente tudo silenciava.
Muito embora os cães pertencentes a uma família que morava no lado oposto (ou seja, no
morro de São Carlos) não parassem de latir soltando uivos lancinantes como se alguém os
estivesse chicoteando.
Vários meses decorreram assim sem que qualquer solução fosse dada ao problema.
Antônio José de Souza, certo dia, no auge do desespero se lembrou de fazer uma
promessa a nossa senhora das Dores, venerada na capela do Largo do Rio Comprido: faria
uma caminhada de joelhos até o Senhor Morto na Sexta-feira da Paixão.
Cumprida a promessa, a partir daquele dia a casa ficou definitivamente livre daquela
perseguição diabólica.
Neuza Gomes
Rua Guaicurus 104
Rio Comprido, Distrito Federal
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Passageiros fantasmas
Há oito anos passados residia eu em Campina Grande, Paraíba, onde fui testemunha de
tudo o que passo a relatar.
Existe uma estrada de rodagem que liga aquela cidade à de Patos, dela distante 140km.
A viagem nessa estrada é longa e bastante arriscada, principalmente entre Juazeirinho e
Patos, ligadas pela serra da Viração, onde se encontra a passagem mais perigosa do
percurso, um despenhadeiro de mais de 200 metros. Nesse local ocorreram até hoje nada
menos de 183 desastres fatais.
Certa vez, pelas 9 e meia da noite, me achava em companhia de amigos tomando
cerveja no bar Petrópolis, situados na praça Campina Grande e bem diante do ponto onde
estacionavam os carros de aluguel, quando nossa atenção foi despertada por um
automóvel que chegava em grande velocidade freando bruscamente diante do
estabelecimento.
Imediatamente o carro ficou cercado de curiosos, motoristas de praça, freqüentadores
do bar e outras pessoas. Vimos então que seu chofer estava transfigurado e que alguma
coisa de anormal lhe acontecera, pois além de sua palidez o homem não conseguia
articular palavra.
Foi carregado ao bar onde lhe deram um pouco dágua mas só depois de longo tempo
se reanimou.
Com dificuldade, a princípio dando mostra de grande pavor, o chofer passou a contar o
que lhe sucedera, tal como reproduzo abaixo:
Foi uma coisa terrível! Peguei uma família que queria ir até Patos e
àli segui muito bem. Deixei os fregueses e providenciei pra regressar o
mais cedo possível, já pensando na travessia da serra na noite. Jantei
no hotel, depois mandei encher o tanque de gasolina e, às 18 horas,
como não aparecia passageiro algum prà volta, vim sozinho. Ao
chegar à descida do morro da Viração o motor parou de repente. Desci
e fui ver o que havia. Era uma das velas que estava frouxa. Reparado
o defeito entrei novamente no carro. Mal bati a porta senti duas
pancadinhas no ombro direito. Me virando vi dois homens altos
vestidos de branco. Tomei um susto tremendo, pois não tinha visto
pessoa alguma na estrada, onde tudo estava deserto. Mal, entretanto,
olhei atrás, um daqueles passageiros me disse com voz fanhosa, cujo
som ainda tenho gravado nos ouvidos:
— Sigas a toda velocidade sem olhares atrás, pois temos de chegar
a Campina Grande antes das dez horas!
É fácil imaginar como arranquei a toda velocidade, chegando feito
um doido. Nem sei como não rolei num barranco. Suava frio e nem
coragem tinha pra olhar o espelho e me certificar de que os dois
cavalheiros permaneciam sentados. Só aqui, na estrada de Campina
Grande, foi que arrisquei uma olhadela pra constatar, com espanto,
que não havia vivalma no banco traseiro! Vim tocando na estrada a
mais de 100km/h. Não me lembrando de mais algo, nem como parei
aqui.
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Almirante

Aquele motorista, ao que se soube, jurou nunca mais atravessar sozinho, no dia ou na
noite, o assombrado trecho da serra da Viração e decerto cumpriu a promessa!
Geraldo Quirino
Avenida dos Democráticos 320
Distrito Federal
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Instruções salvadoras
A intervenção sobrenatural em assuntos materiais e prosaicos é o tema que se extrai da
ocorrência que aqui venho relatar.
Se passou com uma figura muito conhecida em sua cidade, o tabelião Sidney Simões,
no tempo em que viajava com seu pai, Alvim Simões, fabricante da conhecida tinta de
escrever Simões.
É necessário esclarecer que todos na família em questão professavam o espiritismo,
sendo comuns sessões realizadas em sua residência, onde se verificavam os mais variados
fenômenos.
Certa vez se achava o senhor Alvim em Belo Horizonte em companhia do filho,
hospedados num hotel, quando, sem esperar, recebeu um chamado urgente de Timbuí, sua
cidade.
Embora não houvesse concluído seu negócio na capital mineira, tanto assim que as
tintas que esperava colocar ali estavam ainda em duas grandes latas prontas prà
transladação aos vidros em que seriam entregues, o velho Simões resolveu partir. Antes,
porém, recomendou ao filho:
— Sidney, não mexas na tinta que está nas latas. Ao voltar resolverei tudo.
O filho, que conhecia perfeitamente o negócio, ficou entregando à freguesia somente a
tinta engarrafada, aguardando a volta do pai pra que ele decidisse sobre as latas.
Já se haviam passado uns 15 dias quando, de volta duma sessão de cinema, chegando
ao quarto, lá pelas 11 horas da noite, se preparava pra dormir quando ouviu uma voz
pronunciar seu nome:
— Sidney.
Disse então consigo mesmo:
— Ué! Parece que ouvi alguém me chamar.
novamente o fato se repetiu:
— Sidney.
O moço compreendeu que se tratava de alguma entidade do além e nada viu de
extraordinário no fato, pois estava acostumado a tais fenômenos. E travou o seguinte
diálogo com a personagem invisível:
— Que queres comigo?, irmão.
— Amanhã, bem cedo, trates de engarrafar toda a tinta. Ouviste?
— Por quê?
— Porque a tinta se perderá, visto que as latas vazarão.
— Mas, como é que será? Não tenho garrafa.
— Vás amanhã bem cedo até o fim da rua da Bahia e lá encontrarás um bar ainda
aberto onde poderás encontrar os litros de que necessitas.
— Mas, a que horas isso?
— Às 4 da manhã!
— É muito cedo e não conheço pessoa alguma ali. Depois, será difícil que eu acorde
nessa hora.
— Não te incomodes. Te chamarei.
Sidney não se impressionou com o acontecido e tratou de dormir. Lá pelas tantas foi
despertado pela voz:
— Sidney, Sidney!
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Olhou o relógio e viu que eram precisamente 4 horas da manhã. Se levantou, se vestiu
e seguiu ao lugar indicado. Lá estava, realmente, ainda aberto, um bar que nunca vira
antes.
Se dirigiu ao proprietário, que se achava atrás do balcão e lhe perguntou:
— Tens litros pra vender?
Obteve resposta favorável mas percebeu imediatamente a estranheza do proprietário do
bar, vendo aparecer naquela hora matinal um freguês excêntrico procurando litros vazios.
Como se mostrasse curioso, Sidney concordou em contar o que lhe acontecera. Sem
ocultar seu espanto o botequineiro acedeu em mandar imediatamente os 40 litros ao
freguês.
Ao receber, Sidney entrou imediatamente em atividade e ao esvaziar o conteúdo da
primeira lata observou que a mesma já principiava a vazar um pouco de tinta pelo fundo.
Verificou a segunda e constatou o mesmo fato. Pra se certificar melhor, estando ambas
vazias, as levou a uma torneira e as encheu de água. Foi o bastante pra que o fundo das
latas se desprendesse completamente.
Depois disso seu primeiro cuidado foi escrever ao pai narrando o que sucedera.
Todavia, antes da missiva ter chegado ao destino, recebia ele de Alvim Simões uma carta
comunicando já saber de tudo o que ocorrera com o filho em Belo Horizonte!
Albércio Machado
Timbuí, Espírito Santo
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O Saci Pererê
O presente caso ocorreu no município de Santa Maria Madalena, estado do Rio, e é
absolutamente verídico. Quem o contou ao informante foi o doutor Manuel Verbicário,
prefeito municipal e clínico em Santa Maria Madalena.
Existe em Madalena, a 16 quilômetros de distância da cidade, extensa região
montanhosa e devoluta, com flora e fauna deslumbrantes, denominada Moribeca.
Nessa terra, patrimônio do estado, inteiramente desabitada, proliferam onça, queixada,
ofídios perigosíssimos, bem como plantas e orquídeas que constituem autênticas raridades.
Nas matas de Moribeca, tentadas por caçadores e botânicos, ninguém se atreve a
penetrar sozinho, não só pelo risco de se perder, senão pelo de ser morto de surpresa pelas
feras que as habitam. Daí se organizarem verdadeiras expedições, qualquer que seja o
objetivo dos que àli vão.
Faz poucos anos vivia em Madalena notável botânico, o doutor Santos Lima, recém-
falecido, que se fez perseverante investigador das matas da Moribeca em busca de
exemplares de sua flora opulenta com que enriquecia o horto do qual era diretor. Nessa
busca, que durava muitos dias, levava em sua companhia alguns trabalhadores de sua
repartição.
Pra facilidade e comodidade das pesquisas havia até sido construído no mais cerrado da
mata um pequeno rancho onde os excursionistas pernoitavam a seguro de ataque de fera e
inseto.
Numa daquelas excursões, na noite, reunida a turma no rancho (que ainda lá existe),
estabelecida a palestra em volta do fogo, o assunto se encaminhou ao tema preferido, ou
seja, fenômenos sobrenaturais, coisas em que a gente humilde do interior acredita
piamente.
O doutor Santos Lima, em sua simplicidade de sábio, ouvia delicadamente os
companheiros e com isso se distraía, deixando assim correr a noite que na Moribeca é
interminável, principalmente pelo frio ali permanente. Entre as mais estranhas e
inconcebíveis narrativas, disse um dos trabalhadores cujo nome não importa:
— Pois olhai, de minha parte garanto: Quem quiser duvidar da existência do Saci
Pererê que duvide, não eu que já o vi. E mais: Sei que, se alguém gritar seu nome na noite
em lugar deserto ele aparecerá!
Os circunstantes se entreolharam assombrados ante a categórica afirmativa do
companheiro. Nesse instante doutor Santos Lima interveio:
— Meu rapaz, o que estás dizendo é fruto de tua imaginação. O Saci Pererê, o
Lobisomem, o Mão-pelada e outras entidades não existem, nunca existiram. Os homens é
que as inventaram pra desassossego das pessoas simples e crédulas.
— Existem, doutor! — Disse um.
— Já vi, doutor Santos Lima! — Garantiu outro.
— Pois bem, — interrompeu o botânico — segundo dizes, se alguém chamar o Saci
Pererê na noite, em lugar ermo, ele aparece. Não é? Pois vou te provar o contrário.
E, ato contínuo, abrindo a janelinha do rancho, pôs as mãos à boca em concha e, no
silêncio impressionante da noite, gritou ao seio da mata misteriosa:
— Sa-ci... Pe-re-rê!... Ó Sa-ci... Pe-re-rê!...
Decorridos alguns segundos, com surpresa tremenda de todos os circunstantes, se
ouviu distintamente, partida do seio da floresta, uma voz estranha respondendo a
distância:
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

— Ê-e-e-i-i-i-m...
A resposta, como é bem de ver, surpreendeu tremendamente a todos. Nesse número o
próprio doutor Santos Lima, pois em tal lugar e em tal hora da noite não era possível
haver pessoa por ser comum se encontrarem na manhã as pegadas deixadas pelas onças
em toda parte, até mesmo em torno do rancho.
Reposto do susto, dono já de si mesmo, doutor Santos Lima não se deixou abater pelo
imprevisto e, de novo à janelinha do rancho e com maior força de seus pulmões, fez a
invocação à entidade sobrenatural:
— Sa-ci... Pe-re-rê!... Ó Sa-ci... Pe-re-rê!...
Dois segundos, não mais aterradoramente, a voz misteriosa, agora mais precisa e mais
nítida, acudiu ao chamado:
— Já... á... á vô... ô... ou...
Difícil, quase impossível, foi ao saudoso doutor Santos Lima conter sua turma, tal o
terror pânico de que esta ficou possuída, sendo certo que nenhum deles permitiria que o
chefe voltasse a se comunicar com a entidade ameaçadora.
Dramáticos instantes se passaram então. Todas as atenções se voltaram ao exterior na
espera da estranha aparição. E a expectativa era ainda maior porque logo após a última
resposta um galope começara a ser ouvido ao longe.
Pouco a pouco, cada vez mais claro, o tropel se ia aproximando, já não havendo dúvida
de que, fosse o que fosse, se dirigia ao rancho.
No interior, à luz do braseiro, ninguém falava.
E o som dos cascos era já perfeitamente distinto.
— Ploc ploc ploc ploc...
E foi chegando, chegando, até estacar súbito no terreiro fronteiriço ao rancho.
Incontinenti, uma voz desconhecida, que pareceu lúgubre no silêncio tétrico da noite,
entrando pelas frinchas do rancho berrou:
— Doutor...!
O grito soou indistinto, quase irreconhecível. O pavor crescia dentro da casinhola. E a
voz, agora mais humana, descansada, completou:
— Doutor Santos Lima. Telegrama!
Era um empregado do horto florestal, indiferente às crendices do sertão, que, tendo
recebido na tarde um despacho pro diretor com nota de urgente, afrontava a noite dentro
da Moribeca pra o levar ao destinatário. Ouvindo os brados do botânico, sem os entender
e supondo que se destinavam somente a o orientar, dera as respostas que tanto haviam
amedrontado o pessoal no interior do rancho...
Eurípedes Dutra Ribeiro
Rua Mariz e Barros 382
Niterói, Rio de Janeiro
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Protesto de cadáver
O fato que passo a relatar se deu na antiga cidade de Águas Virtuosas, hoje Lambari,
Minas Gerais. Juram por sua autenticidade, além de quem o escreve, o senhor Armando
Gomes de Marais e o senhor Antônio Coveiro, figura muito conhecida no lugar. Toda a
população da cidade poderá ainda atestar a veracidade do medonho episódio.
Damião de Carvalho, moço ainda, apesar de pacato e trabalhador, por circunstâncias ou
fatos ocorridos em tempos passados, ficara com a fama de valentão.
No dia 11 de agosto de 1921 (do ano não estou bem certo), mais ou menos às duas
horas da tarde, um indivíduo de nome Feliciano, pouco conhecido no lugar, assassinou
Damião de Carvalho bem defronte o armazém do comerciante João Bandurra.
Se realizaram as diligências policiais e o criminoso foi preso.
Na cidade não se falava noutra coisa. Todos se mostravam consternados com a morte
do infeliz rapaz, pois Damião, visto pertencer a uma antiga família local, era bastante
estimado a despeito da fama que lhe era atribuída. Além do mais se casara há pouco
tempo, o que era indício de sua regeneração.
Por todos esses motivos o enterro, no dia seguinte, teve enorme concorrência.
Chegando ao cemitério, na presença de quantos ali se achavam, o caixão, contornado
por duas cordas, como era costume, e seguradas estas em suas extremidades por quatro
homens, foi descendo lentamente a dentro da cova.
De repente os que se empenhavam naquela tarefa arregalaram os olhos e se puseram a
olhar espantados uns aos outros. Pareciam querer falar mas não articulavam palavra.
Estavam todos extremamente pálidos. O que estaria acontecendo?
Longo tempo estiveram assim, mudos, paralisados, até que um deles, criando ânimo,
rompeu aquele silêncio que já estava se tornando amedrontador e disse com voz sumida:
— O caixão ficou leve!
Um espanto cresceu ao redor. Num relance todos se aglomeraram mais na curiosidade
daquele incrível acontecimento.
Os coveiros, nervosos, com gestos rápidos, suspenderam o caixão. E, entre aclamações
de espanto, gritos histéricos e demonstrações de pavor, todos viram que o cadáver estava
no fundo da sepultura!
Houve um ligeiro tumulto na assistência, um princípio de pânico. Vozes balbuciavam
orações enquanto outras tentavam justificar o fato, descambando ao terreno da lenda e
superstição. Houve mesmo quem exclamasse pateticamente:
— Ele pede justiça! Quando um morto sai do caixão é porque pede justiça!
Mil indagações se cruzaram de repente. E, à medida que eram passadas em revista as
circunstâncias do tenebroso transporte, o terror ia crescendo em toda gente.
O fundo do caixão estava intato, o que foi verificado pelo próprio Armando de Morais,
que o havia construído!
O cadeado, entretanto, e as argolas que prendiam a tampa à parte inferior davam
mostras de terem sido arrancados violentamente por uma mão poderosa!
Mesmo, porém, que estivessem frouxas as argolas e se tivessem desprendido a um
solavanco maior, como poderia o cadáver ter se evadido se a tampa presa como estava
pelas duas cordas que circundavam o caixão nunca se poderia ter aberto o suficiente pra
dar passagem ao corpo?!
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

E mesmo que tal houvesse acontecido, argumento definitivo, como é que nenhum
daqueles que observavam a descida à cova não notou o mais ligeiro estremecimento nas
cordas ou no ataúde?
As conjeturas se unificaram numa só frase que corria de boca em boca:
— Ele não queria ser enterrado!
Décio dos Santos
Rua Ricardo Silva 30, Turiaçu
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O fantasma decapitado
O caso que vou relatar se passou comigo mesmo, por volta do ano de 1927, quando
residia com minha família no lugar denominado Porto do Velho, município de São
Gonçalo, Rio de Janeiro.
Meu pai, Manoel Fogaça, possuía ali uma indústria na qual juntos trabalhávamos.
Certa vez, numa quinta-feira, fui dar um passeio até a ponte das barcas, Niterói e, ali
chegando, resolvi ir a uma sessão no cinema Royal, hoje demolido.
Assisti calmamente, na segunda sessão, a passagem do filme cujo nome não me recordo
mas que tinha como artista principal Harry Carrey.
Ao sair, chegando à praça Martim Afonso, verifiquei que o bonde das 23:10h, da linha
Alcântara, já havia seguido seu destino.
Tendo perdido essa condução, aliás a última que passava no Porto do Velho naquela
hora, não tive remédio senão seguir no bonde de Neves.
Ao saltar no fim dessa linha, já passava da meia-noite e meia, vi um botequim aberto.
Entrei, tomei um café e fiquei pensando na longa caminhada que teria de empreender até
Porto do Velho.
Me recordava também de certas coisas anormais contadas por pessoas de minha zona
referentes à rua que eu teria de percorrer e, principalmente, a uma certa ponte de tábua,
muito velha, que se denominava ponte das Brandoas, onde, segundo diziam, qualquer
pessoa que ali passasse a alta hora da noite ouvia gemido, via assombração e coisas mais.
A rua a que me refiro se chama Alberto Torres. É muito longa e, de certo trecho a
diante, deserta e perigosa.
Quando o relógio do botequim assinalava uma hora da madrugada o dono se
aproximou e me disse com seu sotaque lusitano:
— Como é?, rapaz. Vou fechar o boteco.
Confesso que estava temeroso de enfrentar algum perigo e, ao sair, caminhei até o
portão da oficina Hime na esperança de que aparecesse alguém que me servisse de
companhia até Porto do Velho.
Finalmente, depois de aguardar meia hora, saiu da oficina um rapaz que deixara o
serviço naquela hora. Passou por mim e seguiu seu caminho.
Não tive dúvida em o seguir e tomar a mesma direção até o alcançar. O cumprimentei e
fomos conversando até a avenida Paiva (justamente a metade do caminho) quando esse
companheiro parou pra se despedir. Declarando morar ali no fim da avenida, me
perguntou:
— Onde moras?
Tendo eu lhe dito onde residia me declarou:
— Tens muita coragem em atravessar a ponte das Brandoas nesta hora! Eu, por coisa
alguma, passaria ali agora.
Depois de sua saída fiquei pensando se devia prosseguir viagem, quando, num rasgo de
coragem, considerei que um homem é um homem e me pus a caminho.
Ao passar na malsinada ponte um arrepio me percorreu todo o corpo e foi nessa
situação que a atravessei sem, entretanto, ter visto ou ouvido algo extraordinário.
Supunha, então, haver vencido o maior obstáculo. Entretanto, mais adiante, depois do
cruzamento da linha Leopoldina com a Cantareira, próximo a um pequeno pontilhão sobre
o qual passam os trilhos daquela companhia, divisei uma claridade.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Me aproximei. Verifiquei se tratar de quatro velas acesas nos cantos dum lençol branco
estendido no chão. Ao lado, de pé, olhando atentamente o lençol, estava um homem alto
vestindo um longo capote preto que ia até os pés e trazendo na cabeça um grande chapéu
da mesma cor.
Ao ver aquele quadro o que mais me impressionou foi observar que o homem mais
parecia uma múmia, imóvel como estátua.
Com dificuldade consegui passar no local. Porém, adiante, já em Porto do Velho,
próximo a minha residência, bem no meio do cruzamento das linhas de trem, se repetiu a
mesma cena: vi as velas, o lençol e o homem de capote e chapéu preto!
Ao enfrentar aquele quadro em tudo semelhante ao anterior, ainda mais horrorizado
fiquei, mas não havia outro caminho.
Fui seguindo na extremidade oposta e, ao passar pelo vulto, tentei ver a fisionomia do
homem. Não consegui divisar o rosto da estranha personagem porque o grande chapéu
encobria a metade da cabeça.
Logo que consegui me distanciar daquele macabro local ouvi uma voz me chamar e caí
na tolice de olhar atrás. Bem próximo a mim estava o tal homem. Com o chapéu numa
mão e uma vela na outra, mas... sem cabeça!
Ao ver tão horripilante figura corri desabaladamente em direção a minha casa ouvindo
em minha retaguarda repetidas gargalhadas e longos assobios.
Cheguei a casa metendo os pés na porta da sala de jantar que minha mãe sempre
deixava escorada com uma cadeira pra que eu, ao chegar, não perturbasse o sono dos
demais. Fazendo uma barulhada infernal caí desacordado sobre o assoalho.
Meus pais e irmãos, despertados pelo estrépito, acudiram a ver o que acontecera
comigo e me socorreram. Só após recuperar o sentido, ainda cheio de pavor, pude contar
o sucedido.
Na manhã seguinte, ainda de nervo abalado, fui por, curiosidade, verificar os lugares
onde havia passado na véspera, pra ver se existia algum indício anormal.
Nenhum vestígio de cera de vela. Nada que relembrasse o que vira com meus próprios
olhos!
Todavia, no pontilhão, já rodeado por muitas pessoas, jazia o cadáver dum homem que
o trem da Leopoldina apanhara naquela noite. O corpo estava coberto com um lençol
branco colocado por pessoas caridosas logo após o desastre.
Minha curiosidade fez com que me aproximasse e levantasse o lençol. Assombrado
verifiquei que ali estava um corpo com a cabeça esmigalhada. Se tratava dum homem alto,
trajando roupa e capote pretos, tendo ao lado um grande chapéu também preto.
Floriano Fogaça
Rua Costa Mendes 18, apto 101
Ramos, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A negra Mariana
Este caso ocorreu mais ou menos em 1945.
Eu estava de férias e fui passar uns dias numa granja no interior curitibano, residência
dum colega.
Numa noite minha coleguinha e seu irmão saíram pra visitar uma pessoa que
aniversariava e preferi ficar fazendo companhia a sua mãe, dona Rosinha, que se achava
só, pois seu marido estava viajando.
Me sentei na varanda em companhia da idosa senhora conversando ou lendo um
romance. Após algum tempo vi que dona Rosinha adormecera na cadeira de balanço.
Continuei minha leitura e, instantes depois, percebi que havia alguém parado no portão da
velha casa.
A fim de não gritar dali e acordar a senhora deixei de lado o romance. Desci a escada e
fui até o portão. Lá encontrei uma preta velha, sorriso nos lábios, que me cumprimentou
amavelmente e indagou:
— Mecê está morando aqui agora?
Expliquei a razão de minha presença ali e indaguei se procurava alguém.
— Não... Sou a nega Mariana... Já morei aí. Só quiria sabê si dona Rosinha tá passando
bem da perna.
Eu não sabia de qualquer doença de dona Rosinha, por isso me prontifiquei logo a ir a
chamar. E, apesar da preta me pedir que não o fizesse, eu já tinha subido à varanda e
acordado a senhora. Mas, ao indicar o portão onde deixara a visitante, vi mais ninguém.
Fiquei boquiaberta. Desci correndo, investiguei bem em toda direção mas não
enxerguei alguma pessoa.
Voltando a perto de dona Rosinha esta me acusou de estar imaginando coisa mas
quando mencionei o nome que a preta me dera e me referi a seu desejo de saber do estado
de sua perna, a senhora se mostrou assustada. E o que revelou, então, me deixou com um
frio na espinha:
— Tenho, de fato, aqui na perna uma ferida já quase cicatrizada proveniente de variz. A
negra Mariana sabia disso. Foi uma criada muito boa que viveu conosco muito tempo.
Morreu há um ano, mais ou menos.
Nancy Kendrick de Lima
Rua 29 de Agosto 223
Curitiba, Paraná
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Impenetrável mistério
O que venho a contar aqui se passou comigo mesmo em Barra Mansa, Rio de Janeiro,
numa casa que ficava à rua Jansen de Melo.
Foi assim: em 1935 eu era o operador do cinema Éden. Após a sessão que terminava
sempre às 21:30h costumava ir em companhia de amigos até o bar São Luís e dali rumava
até casa.
Numa noite fiquei até mais tarde na rua e só me recolhi por volta das 23h. Entrei no
quarto, despi o paletó e o dependurei, como de costume, na própria chave da porta, que
eu trancava sistematicamente. Depois tirei o cigarro e o fósforo, os coloquei sobre a
mesinha de cabeceira, verifiquei se a janela estava bem fechada, fiz minhas orações e me
deitei.
Ao lado de meu quarto havia outros dois cômodos. No primeiro dormia meu irmão
com sua esposa e dois filhos. No segundo três primos. Na parte de cima da casa moravam
meus tios.
Em certa altura, quando já estava ferrado no sono, fui despertado de maneira brusca.
Era como se tivesse levado um bruto empurrão e tive a impressão perfeita de que uma
força estranha me atirara por uma ribanceira. Estava tudo escuro. Procurei o interruptor
de luz mas não houve meio de o encontrar.
Eu estava como tolhido em meu movimento. Um aprisionamento nos músculos limitava
a ação de meus braços, de minhas pernas, de meu corpo todo. Tinha vaga noção de que
uma mudança radical se operara em meu leito a meu redor. Impotente pra sair dali, pra me
levantar e vencer o torpor, gritei com imensa dificuldade:
— Acordai, gente!
Não tardou que meu irmão se levantasse e viesse me atender. Tinha consciência de tudo
e não podia compreender como conseguira ele entrar em meu quarto se eu havia fechado a
porta por dentro a chave.
Se eu estava espantado, porém, a surpresa de meu irmão não era menor, pois me via
deitado sob a mesa na sala de visita!
Minha cabeça pousava num de meus próprios travesseiros mas eu estava coberto com
uma colcha que antes se achava no quarto onde dormiam meus três primos.
Da beira do travesseiro até a porta de meu quarto o cigarro e o fósforo espalhados no
chão faziam um verdadeiro rastro.
Tudo aquilo me dava impressão de acesso de sonambulismo. Estranheza era maior pelo
fato de que eu nunca fora sonâmbulo. Meu irmão estava pálido, trêmulo e não dizia
palavra. Juntei a roupa, apanhei o cigarro e o fósforo e me dispus a voltar ao quarto.
Quando bati a mão na maçaneta da porta senti um calafrio no corpo todo: A porta estava
fechada por dentro!
Meu pavor não teve limite. Sob o olhar estarrecido de meu irmão gritei alucinadamente
até acordar todos na casa. Até os vizinhos acudiram ante tamanho alarde e em pouco a
sala estava superlotada.
— Tem gente dentro de meu quarto! — Gritava eu aflito.
Na verdade era só o que se podia supor com a porta e a janela fechadas por dentro! Era
aquela a única hipótese lógica.
— Tem gente aí dentro! — Repetia eu cada vez mais agitado.
Os vizinhos logo se preveniram. Alguns foram buscar arma e ficaram distribuídos uns
fora fiscalizando a janela e outros dentro tomando conta da porta.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Um de meus primos foi buscar o machado e o meteu na porta. Em poucos instantes a


madeira cedeu aos golpes do ferro e a porta rodou violentamente nas dobradiças. Mas
voltou incontinenti como impulsionada por alguém que estivesse atrás.
— Tem gente, sim! É ladrão! Saias daí, bandido! — Todos gritavam ferozes.
A porta foi novamente empurrada a dentro e fez o mesmo movimento de retorno. A
cena se repetiu algumas vezes e, como não passasse daquilo, alguns se encorajaram e
entraram no quarto.
Uma gargalhada estourou em todas as bocas. Atrás da porta, a fazendo voltar
insistentemente, estava um velho e inofensivo colchão.
— Rá-rá-rá-rá! — Gargalharam todos.
Mas no meio da risota geral eu fazia minhas observações. Minha seriedade contagiou
toda gente. Em pouco tempo quietos, cabisbaixos, todos se curvaram ao peso daquele
estarrecedor mistério. E não era pra menos.
A porta, mesmo toda despedaçada, mostrava a lingüeta da fechadura a fora, sinal de
que estava fechada por dentro, com a chave ainda no lugar. A janela, conforme todos
constataram, estava hermeticamente fechada por dentro. E, da porta até a mesinha de
cabeceira, o fósforos e o cigarro espalhados no chão continuavam o misterioso rastro que
se estendera pela sala de visita até minha cabeceira.
Por muito tempo o comentário nas ruas de Barra Mansa foi exclusivamente em torno
daquele espantoso fato: O homem que fora atirado através da porta fechada!
Giovanni Carneiro
Rua Godofredo Viana 64
Jacarepaguá, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Um enterro fantástico
Em 1937 era eu ainda muito novo e residia na cidade de Magé, em cuja estação meu
pai possuía um bufê onde eu o ajudava.
Todos os dias esperávamos o último trem, que chegava a Magé às 18h. Nas sextas-
feiras permanecíamos a postos até as dez da noite, quando passava o noturno campista.
Me lembro bem que, numa dessas sextas-feiras, quando estávamos esperando o
noturno, papai verificou que não havia mais fósforo e me mandou comprar.
O único bar que podia atender naquela hora ficava na rua doutor Siqueira, no largo Jaú.
Da estação até o largo há um bom pedaço marginando o cemitério.
Confesso que não me agradou muito a ordem de papai mas não podia discutir
determinação superior.
E lá fui passando no lado do cemitério até chegar ao bar.
Ao me aproximar do bar encontrei no meio da rua um bando de criança brincando e
fazendo enorme algazarra.
Nada vi de mais naquilo, apesar da hora tardia da noite, e decerto por ver tanta criança
brincando ali foi que não estranhei o que aconteceu logo depois.
Vi um enterro com quatro homens carregando um caixão mas continuei meu caminho
até o bar onde comprei o fósforo e voltei. Lá estavam no mesmo lugar as crianças
brincando alegremente. O cortejo fúnebre, porém, já se distanciara um tanto e eu, não
resistindo à curiosidade, tratei de o alcançar.
Assim que me aproximei dos quatro homens percebi que, se eu atrasava os passos eles
faziam o mesmo, se os apressava eles se adiantavam no mesmo ritmo.
Repeti essa experiência duas ou três vezes antes de alcançarmos a entrada do cemitério.
Vi, nesse momento, que o portão se abria sozinho e que os homens entrando nele foram
ao meio do cemitério, depuseram o ataúde no chão, acenderam velas e vieram a fora
esfregando os braços.
O que me encheu de medo e me deixou com arrepio no corpo foi que tudo isso se
passou em poucos segundos!
Nada mais vi. Quando dei em mim estava sentado na estação, cercado de gente que
perguntava o que me acontecera.
Só depois dalgum tempo pude contar o que vira.
Papai, pra se certificar do fato, no dia imediato procurou o coveiro, que naquele tempo
era um velhote conhecido como Antonico, e lhe perguntou se havia efetuado algum
enterro na véspera, na noite.
— Não fiz enterro algum ontem na noite e nem emprestei a chave do cemitério a
alguém.
Edésio Cardoso
Travessa Alberto Torres 198, São Gonçalo
Niterói, Rio de Janeiro
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Chuva de pedra
Há dois anos morava eu com minha mulher e duas filhas menores, Elza e Ziza, na rua
Alzira Valdetaro 60, em Sampaio. A casa era de propriedade duma senhora chamada Maria
Italiana que ocupava a parte da frente.
Jamais notáramos coisa alguma de anormal até que, numa tarde, entre as 6h e 6:30h,
quando me sentava à mesa pra jantar, ouvi certos ruídos nítidos semelhantes aos de
pedrinhas batendo num prato.
Nossa mesa ficava encostava na parede e isso fez com que pensássemos haver algum
rato ou qualquer outro bicho localizado no forro fazendo caírem as pedras.
Entretanto, como nada houvéssemos visto, somente ouvido o pequeno rumor, fomos
dormir sem atribuir caráter extraordinário ao fato. A noite transcorreu em absoluta
normalidade.
No dia seguinte, na mesma hora, quando estávamos à mesa, novamente voltou a ser
ouvido o mesmo ruído de pedrinhas batendo num prato.
Fizemos uma busca mais atenta, sem resultado prático. E assim se encerrou o episódio
daquela noite.
No terceiro dia, na mesma hora, se repetindo o inexplicável ruído, já o espanto nos
dominava. Perguntei a minha mulher, Liberata, se tinha ouvido.
— Ouvi sim!, João.
Como lhe indagasse donde achava que provinham tais pedras, Liberata protestou:
— Mas que pedras?, João. Onde é que estão as pedras? A gente procura e nada acha.
Propus, então, a minha mulher, que tirasse a mesa daquele lugar e a colocasse no lado
oposto, com o que ela concordou.
Todavia, quando fomos jantar, no dia imediato, já com a mesa em nova posição, o
mesmo barulho se produziu.
Começou a ter lugar, daí por diante, naquela casa, uma febre de experiências quanto à
posição diária da mesa, tudo pra fugirmos daquele som enervante. A colocamos,
finalmente, no centro da sala.
Ao nos sentarmos pro jantar do dia seguinte estrondou um ruído muito mais forte,
como se uma pedra maior houvesse caído e partido um dos pratos.
Considerei que podia ser brincadeira de alguém que estivesse lá fora e combinei
fecharmos a janela pra maior certeza. Assim foi feito. Um fenômeno estranho e apavorante
logo nos deixou estarrecidos: Era como se alguém atirasse pedras e mais pedras nas
paredes!
Nada se via mas o ruído era tão nítido e insistente que Liberata, apavorada, correu a
chamar dona Maria Italiana assim como outros vizinhos.
O espantoso é que quando minha mulher voltou com toda essa gente já o ruído cessara
completamente.
Daí a diante não conhecemos mais sossego à hora do jantar. Já não nos sentávamos à
mesa: comíamos em pé com o prato na mão!
Nem assim o barulho cessou.
Nessa altura a notícia do fenômeno se espalhara e era sem-conta o número de pessoas
que ali afluíam na hora costumeira pra presenciar tais fatos.
Por fim a notícia chegou ao conhecimento do 190 distrito policial, que designou o
investigador de apelido Cai Nágua pra apurar o que ocorria.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Cai Nágua combinou comigo comparecer a casa na tardinha acompanhado de vários


subordinados seus que tomaram posições estratégicas na redondeza observando tudo e se
dispondo a deter qualquer indivíduo suspeito.
O investigador se fechou em casa conosco, verificando tudo internamente pra afinal se
sentar absolutamente certo da eficácia de suas medidas.
— Fiques descansado, seu João. — Disse ele — Como vês: até agora nada aconteceu.
Tudo está quieto e o que havia era brincadeira com o senhor. Naturalmente de pessoas
desocupadas. Mas agora, com a polícia, a coisa muda de figura!
Mal o zeloso Cai Nágua acabara de pronunciar tais palavras, se pôs a fazer gestos
como quem se defende de ataques inesperados vindos de várias direções. Entretanto nada
se via que justificasse tal atitude.
Na ânsia de verificar quem seria, fora de casa, o promotor daquele bombardeio, Cai
Nágua abriu a porta e se defrontou com um repórter do Diário Carioca, o qual ainda
pôde presenciar alguma coisa do fenômeno.
Tal repórter, pelo que chegou a perceber, concluiu imediatamente que aquilo não era
caso de polícia.
Diante disso o investigador se retirou com seus homens e o repórter se aprestou pra
concluir sua reportagem que foi estampada no Diário Carioca de dezembro de 1929.
A publicação da notícia fez com que afluísse à casa mal-assombrada em que residíamos.
De minha parte já me achava disposto a me mudar, quando, em certa tarde, uma velha
desconhecida passou ali e, vendo o ajuntamento, quis saber do que se tratava.
Informada de tudo, me falou:
— És a dona da casa?
Como lhe respondesse que era o inquilino me perguntou:
— Queres que dê um jeito nisso?
— Isso nem se pergunta! — Respondi — Podes conseguir isso?
— Farei o possível. Amanhã voltarei.
No outro dia, conforme prometera, a velha voltou. Me pediu um copo limpo com água
e uma vela.
Em seguida rezou algumas orações, introduziu a vela acesa equilibrada dentro do copo
cheio dágua e me mandou o colocar sobre o parapeito dum arco que separava as duas
salas.
Feito isso a desconhecida afirmou com impressionante convicção:
— Agora fiques descansado porque nada mais haverá!
Quando, no dia seguinte, fomos ver o copo, este se achava completamente vazio e
seco. Não havia nele vestígio de água nem de vela, como se tudo se tivesse evaporado
misteriosamente.
Em verdade, a partir de então, não mais se registraram os fenômenos auditivos e a paz
voltou a nossa casa.
Além do testemunho da imprensa, muita gente presenciou aqueles surpreendentes
fenômenos, dos quais eu e minha mulher Liberata Pereira do Nascimento, fomos as
principais testemunhas.
João Meneses do Nascimento,
mecânico das caixas registradoras National S. A.
Rua Veríssimo Machado 43
Rocha Miranda, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Destino implacável
Por volta do ano de 1928 eu trabalhava como marceneiro no instituto Dona Escolástica
Rosa, à avenida Bartolomeu de Gusmão 111, em Santos, onde fui também educado.
Entre meus colegas de profissão havia um de nome Antônio Ventura, que exercia seu
mister trabalhando numa serra de desdobro. Essas serras são assim chamadas porque se
destinam a dividir as toras de madeira em pranchas e tabuados, se empregando, conforme
o caso, cinco ou seis serras que são fixadas a um braço e agem em sentido vertical.
Em certa manhã Antônio Ventura se apresentou ao chefe da serraria, Graciano Morales,
já falecido, que exerceu longos anos essa função naquele colégio, e lhe comunicou que
não desejava trabalhar naquele dia por ter um pressentimento de que algo de mau iria se
dar. E justificou esse estado de espírito contando o sonho que tivera naquela noite: Uma
prancha se desprendia do guindaste e caía sobre ele o esmagando.
O chefe, sem querer insistir, ponderou ao Ventura que não tivesse preocupação devido
a um simples sonho e, como não houvesse muito serviço, o aconselhou a que ao menos
aproveitasse o dia pra a limpeza e lubrificação da máquina, sem lidar com as toras de
madeira.
Se encontrava o infeliz companheiro entregue à execução do serviço de limpeza da
máquina quando uma das peças anteriormente desmontadas (justamente a que prende as
serras e que pesa aproximadamente 200kg) tombou, sem se saber como, e o colheu em
cheio causando morte quase imediata.
Nem é necessário dizer que a consternação foi geral, não somente da parte de seus
colegas como da própria administração do instituto, que contava o Antônio Ventura como
um de seus bons servidores.
Este fato, de tão estranha coincidência, pode ser comprovado ainda pelo senhor Alcides
Pinto, atualmente funcionário da Brazilian Warrante, de Santos.
Laudelino Pinto de Oliveira
São José dos Campos, São Paulo
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A mulher de branco
Há dois ou três anos, aproximadamente, quando em nossa casa ainda não tínhamos luz
elétrica, mamãe, em certa noite, se levantou e procurou acender o lampião utilizando um
isqueiro.
Como esse acendedor falhasse ela desistiu de seu intento e, sem qualquer idéia de
temor, abriu a janela do quarto a fim de ver como estava a noite.
Foi muita sua surpresa ao ver o vulto duma mulher defronte a casa número 491, ao
lado da nossa.
Essa criatura estava toda vestida de branco, de calção e blusa da mesma cor e com o
cabelo comprido e solto. Mamãe, porém, não conseguiu ver o rosto.
Aguçando o olhar notou que a mulher desaparecera pela cerca da frente sem utilizar o
portão que se achava fechado. Logo depois surgiu na entrada do prédio vizinho, onde há
uma cerca de bambu. E repetiu esse trajeto duas ou três vezes!
Mamãe fechou a janela e olhou o mostrador fosforescente do relógio: Era justamente
meia-noite.
Quando, no dia seguinte, nos contou o que se passara, ninguém acreditou, e até meu
irmão mais velho, Zoco, lhe disse:
— Mas mamãe, a senhora, uma criatura idosa, contando uma coisa dessa!
Passaram os dias e, certa vez, Zoco foi fazer um passeio com um colega. Na volta
ficaram os dois conversando perto da casa até tarde da noite.
Meu irmão se despediu do colega e, quando se dispunha a entrar em casa, viu aquele
mesmo vulto de mulher toda de branco, tal como acontecera a mamãe.
Chamou papai, que ainda estava acordado por ter vindo duma briga de galo. O velho,
chegando à porta, declarou nada ver de anormal.
No outro dia, entretanto, me coube a vez: Vi a estranha mulher dando três de suas
voltas misteriosas e depois entrei em casa seriamente impressionado.
Finalmente, papai, indo na alta madrugada ao matadouro de Santa Cruz, onde trabalha,
mais tarde confessou ter visto a mulher de branco.
E não fomos somente nós, da família, pois nossa vizinha Mercedes, seu marido Cliantes
e sua irmã Sinhá, todos viram e tornaram a ver a estranha figura.
Minha mãe se chamava Jacinta, meu pai Mateus de Sá Freire, e todos podem atestar a
veracidade do que aqui estou relatando, sem que algum de nós possa explicar o estranho
fenômeno do aparecimento daquela mulher de branco com o cabelo comprido e solto,
dando voltas em torno da casa vizinha.
Anastásia da Silveira Freire
rua Felipe Cardoso 493
Santa Cruz, Rio de Janeiro
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Um judas do outro mundo


O remetente deste episódio é bastante
relacionado nos meios artísticos e radiofônicos.
Trabalha em palco e circo e, não raro, colabora em
jornal e programa radiofônico, onde inúmera
produção sua figurou com sucesso. É autor dum
pequeno livro de poesia intitulado Goiambês.
Trabalhava eu como secretário do circo-teatro Norip, instalado em Paul, bairro de
Vitória.
Ali estava substituindo o José Brito Coelho, antigo secretário do circo, que falecera
dias antes, na Santa Casa de Vitória.
Havia grande consternação na casa de espetáculos, pois o José era, não só bom
companheiro, como excelente secretário, além da artista de mérito invulgar.
Naquela noite o circo apanhara uma de suas maiores enchentes. Era o último
espetáculo naquela praça e estava pra ser representada a peça sacra Vida, paixão e morte
de N. S. Jesus Cristo.
Me achava eu no controle da transmissão, pronto pra fazer rodar os vários discos de
música especializada, bem como produzir ao microfone os ruídos pra cenas como a do
enforcamento de Judas, toda sincronizada com trovão e rajada de vento.
Já havia soado o segundo sinal. O velho Norip, diretor do circo, dava suas últimas
ordens. Dona Guety, sua filha, verificava as roupas das várias personagens.
Foi quando vi entrar na barraca-camarim um vulto envergando traje marrom, se
encaminhando ao espelho onde os artistas davam os últimos retoques em sua maquiagem.
Traje de tal cor, naquela representação, só mesmo o de Judas.
– Já deu o segundo sinal! – gritei, advertindo a personagem, que supus fosse dona
Guety.
Quem era não respondeu. Deu alguns passos à frente e sumiu de maneira inexplicada.
Fiquei surpreso. Saí imediatamente do estúdio de transmissão e fui até o palco. Ali
estavam todos os artistas participantes da peça.
— Quem foi que esteve, agorinha mesmo, no camarim? — Indaguei.
Todas as respostas foram negativas. E meu espanto cresceu ao ver dona Guety com
uma vestimenta branca.
– Quem esteve no camarim, vestido de marrom, agora mesmo? – Repeti.
– Só se foi Walter Ciricola, que fará o Judas. — Me disseram.
Realmente. De marrom, naquela representação, só o traje de Judas. Procurei Walter no
mesmo instante. Lá estava ele, à volta com uma cortina. Sua indumentária era igual à do
vulto.
— Foi tu quem esteve agora no camarim?
— Eu não. Estou aqui há um tempo enorme consertando esta cortina que enguiçou.
Naquele instante soava o terceiro sinal. Cada um tomou sua posição. Voltei a meu
posto.
A representação ia correndo sem incidente. Se aproximava a cena culminante do
enforcamento de Judas. Uma apreensão tomava todos os protagonistas. Walter Ciricola
era excelente acrobata mas péssimo declamador. Fora apanhado pro papel a fim de salvar
a renda infalível daquela peça tradicional.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Em todo caso lá ia ele sem maior tropeço. Faltava, entretanto, o grande momento que
exige do intérprete excepcional qualidade histriônica que todos sabiam faltar ao
inexperiente ginasta.
Foi com crescente surpresa que todos perceberam a transfiguração por que passou o
Ciricola. As palavras saíam de sua boca com segurança e vigor de inflexão
impressionantes. Sua gesticulação assumia proporções incomuns, num desembaraço só
visto antes em José Brito Coelho.
Se diria que ali não estava Walter Ciricola e sim o próprio Zé Coelho, representando
seu papel preferido que lhe granjeara vibrantes aplausos em toda sua carreira.
Eu estava impressionado. Às vezes parecia perceber na voz de Walter inflexões e
timbre de Zé Coelho. Os gestos de ambos tinham semelhanças pasmosas. A própria
maneira de preferir certos pontos do tablado pra declamar sua fala era a de Zé Coelho.
No final, antes de fazer qualquer comentário sobre o que observara, ouvi dos demais
artistas expressão de entusiasmo e assombro:
— Vistes como o Walter no papel de Judas até parecia o Zé Coelho?
Um calafrio passou pela espinha de todos nós.
José Coelho voltara pra representar mais uma vez o papel que nunca abandonara em
toda a existência do circo-teatro Norip.
Esse fato poderá ser testemunhado por todos que trabalhavam naquele espetáculo,
entre eles a família Camargo, as irmãs Chulvis, Pedro Duara, Júlio Norip e sua família.
Roberto Silva
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Terra mal-adquirida
Em certa noite de setembro de 1935 Fernando Tolentino foi despertado por um barulho
vindo da cozinha como se alguém estivesse lavando panela. Depois ouviu o rumor
inconfundível de alguém soprando o fogo e logo a seguir um forte cheiro de queijo assado
encheu toda a casa.
Fernando Tolentino alugara recentemente aquela fazenda.
Pensou logo que fossem seus dois vaqueiros, Miguel e Ariel, que se levantavam sempre
muito cedo. Raciocinou, porém, que não podia ser algum dos dois, pois eles dormiam em
dependência separada da casa da fazenda e esta se achava inteiramente trancada por
dentro.
Por desencargo de consciência os chamou.
— Ariel! Miguel!
Não obtendo resposta, e como o barulho continuou, acordou sua mulher e ambos
foram até a cozinha verificar o que havia. Assim que chegaram o ruído cessou dando lugar
a uma ventania tão forte que ambos mal podiam respirar.
Percebendo se tratar dalgum fenômeno sobrenatural voltaram ao quarto e nada mais
aconteceu no resto daquela noite.
No dia seguinte e por muito tempo ainda a barulheira se repetiu sempre de maneira
igual mas nunca mais os dois foram até a cozinha, deixando de observar se a ventania
continuava.
Numa noite, entretanto, os ruídos mudaram completamente de feição: Ao lado do
quarto do casal havia outro muito grande onde o antigo morador, proprietário de fazenda,
deixara inúmeros objetos seus guardados. Dali partia um som inexplicável semelhante ao
que produziria um animal roendo vorazmente alguma coisa.
Durante a noite inteira o insuportável som se fez ouvir parecendo apenas variar de
local, ora mais próximo ora mais afastado. E só cessou no raiar do dia.
Fernando Tolentino se dirigiu ao quarto vizinho, interessado em descobrir a causa do
insólito rumor. O que viu o encheu de pavor.
As quatro paredes do quarto estavam totalmente destruídas, só restando delas o
engradado de madeira que sustentava o reboco. O único ponto em que a parede
conservava seu revestimento normal era no lugar em que estava dependurado um quadro
com a estampa de Nossa Senhora!
Apreensivo com o rumo daqueles fenômenos, Fernando Tolentino resolveu chamar um
padre pra benzer a casa. Ao anoitecer daquele mesmo dia ali chegavam o padre Davino
Morais, vigário da paróquia, e seu sacristão, Geraldo Romão, que me narrou os
acontecimentos aqui descritos.
Logo que o sacerdote principiou a benzer os cômodos, várias vozes se fizeram ouvir do
lado de fora, como que vindas de diversas direções em redor da casa. A princípio eram
sons imperceptíveis mas depois se faziam entender claramente, repetindo sempre a mesma
frase:
— Foi terra mal-adquirida... Foi terra mal adquirida...
O vozerio perdurou até que findassem as orações e, terminadas estas, uma forte
ventania zuniu lá fora se afastando sempre até desaparecer completamente.
Também, depois daquele dia, a paz voltou àquela casa e nunca mais seus moradores
foram perseguidos por fenômenos de qualquer espécie.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Geraldo de Sena Gonçalves


Rua Monsenhor Pinheiro 57
São João Evangelista, Minas Gerais
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O piano de Carlos Gomes


Ao fato extraordinário que vamos narrar está ligado o nome imortal de Carlos Gomes.
Nome imortal, sem sombra de dúvida, porque nele se perpetua a glória imperecível do
maior gênio musical das Américas, que abriu os olhos à luz da vida e os cerrou até sempre
na terra abençoada do Brasil que tanto exaltou e soube amar.
Devemos seu conhecimento a um jornalista paraense pertencente ao grupo dos
profissionais da velha-guarda com um exercício de mais de quarenta anos no ministério da
imprensa.
Iniciando seu raciocínio jornalístico em 1906, no Pará, como repórter da Folha do
Norte, jornal fundado por doutor Enéas Martins e hoje de propriedade de Paulo
Maranhão, tem ele exercido sua atividade profissional em vários estados da federação, no
Pará, no Amazonas, no Maranhão, no Ceará, em São Paulo e, nos últimos anos, no Rio de
Janeiro, como redator dA manhã e do venerando Jornal do commercio desta capital.

Em 1917, de regresso do Amazonas, João Alfredo de Mendonça reassumiu, em Belém,
o cargo de redator-secretário da Folha do Norte.
Em certo dia foi convidado a assistir a reinauguração do cassino Paraense, cuja sede
fora instalada na praça da República, onde, ao centro, avulta imponente o majestoso teatro
da Paz. Num dos ângulos do salão principal da sede do clube ficava localizada a pequena
orquestra que animava dança e da qual fazia parte um piano de meia-cauda em que tocava
um pianista português apelidado Manjerico, alcunha que lhe adviera de sua preferência
pela execução constante da música duma revista com aquele nome.
No grupo de jornalistas presentes à noitada alegre surgiu de repente uma notícia
sensacional: O piano que se encontrava nos salões boêmios do cassino era, nada mais,
nada menos, que o piano de Carlos Gomes!
Comentários, dúvidas, opiniões e controvérsias se cruzaram de pronto em torno da
revelação. Não faltou quem fornecesse um detalhe interessante: O piano fora adquirido
duma família pobre, residente no bairro da cidade velha, que o vendera por dez réis de mel
coado a Otávio de Morais Rego, um dos diretores do cassino.
Uma profanação, uma irreverência imperdoável à memória do grande criador de beleza,
a presença do precioso instrumento num salão de cabaré.
J. Eustáquio de Azevedo, autor da Antologia Amazônica, e Rocha Moreira, autor de
Pã, poetas de valor, ambos redatores da Folha do Norte, escreveram nesse jornal
inspiradas crônicas lamentando o destino do piano-relíquia.
João Alfredo, porém, por mero palpite de repórter, não prestava crédito à atoarda e
fundamentava sua opinião num argumento simples: O piano do cassino, embora denotasse
ser um instrumento velho, com alguns anos de uso, não oferecia na aparência, em sua
estrutura, na disposição de suas linhas, uma perfeita semelhança com o piano reproduzido
em parte no quadro magnífico que fixa os últimos momentos de Carlos Gomes, obra dos
pintores italianos Doménico de Angelis e Giovani Capoanezi, grande tela que figura na
pinacoteca da prefeitura municipal de Belém.
O assunto, por sua natureza, despertava justificado interesse, e o secretário da Folha
do Norte iniciou pessoalmente uma sindicância a respeito do paradeiro real do piano de
Carlos Gomes.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Na capital paraense residiam naquele tempo dois ilustres artistas, contemporâneos e


amigos do grande operista de Lo Schiavo e Condor. Eram eles o maestro italiano Ettore
Bosio, há muito radicado no Pará, autor de várias composições, entre as quais O duque
de Vizeu, ópera de assunto português louvada pelo próprio autor dO guarani, que em
carta de apresentação do maestro Bosio ao empresário F. Brito, do Rio, o considerava
egrégio autor e musicista de primeira ordem; o outro era que, como representante da
Associação Lírica do Pará, firmava com Carlos Gomes, em Milão, no ano de 1895,
contrato pruma temporada lírica no Pará.
A esses dois maestros, seus amigos pessoais, se dirigiu João Alfredo de Mendonça,
ouvindo de ambos interessantes informações sobre o destino do precioso instrumento, as
quais constituíram matéria duma ampla entrevista publicada na Folha do Norte e
transcrita em jornais da Paraíba, Bahia e Minas Gerais, e que pode ser assim resumida:
Após o falecimento de Carlos Gomes, ocorrido em Belém, em 16 de setembro de 1896,
foi seu piano removido de sua residência na travessa Quintino Bocaiúva, antiga travessa
do Príncipe, prédio de propriedade do major Antônio Pedro Borralho, herói da guerra do
Paraguai, fundador do clube republicano do Pará e tio materno de João Alfredo, à sede da
escola de Belas Artes, onde funcionava o conservatório musical do Paraná que tomou
depois o nome de Instituto Carlos Gomes. Ali permaneceu o piano até quando foi extinto
o conservatório pelo governador Augusto Montenegro em seu primeiro período de
governo, de 1901 a 1905.
Ao que se sabe o doutor Augusto Montenegro, que realizou no Pará em dois
quatriênios uma obra fecunda de administrador, não gostava de música, tanto assim que a
pretexto de economia extinguiu o Instituto Carlos Gomes, então dirigido pelo maestro
paraense Meneleu Campos, e todas as bandas de música da gloriosa polícia do Pará, a
brigada militar do estado de que era regente o maestro italiano Luís Maria Smido.
Fechado o conservatório foi o piano removido ao palácio do governo e colocado numa
das salas da secretaria geral. Algum tempo depois foram iniciadas grandes obras de
readaptação do palácio, sendo o instrumento novamente transferido a outro local, desta
vez o teatro da Paz, em cujo amplo foyer ficou instalado.
Sucedeu que concluída a reforma do palácio, foram atacadas as obras de remodelação
do teatro da Paz, e o piano mais uma vez mudou de lugar. Retirado do salão nobre foi
encafuado (é este o termo exato) num desvão escuro do próprio teatro, no prolongamento
das torrinhas, quase junto ao teto do chamado Paraíso, onde o esqueceram durante longos
anos, pois, terminada a remodelação do edifício e colocados no foyer os bustos em
mármore do genial Carlos Gomes e do maestro paraense Henrique Gurjão, autor da ópera
Idália, ninguém mais se lembrou da preciosa relíquia deixada pelo primeiro.
Em face dessas informações não foi fácil a pesquisa definitiva. Numa visita à escura
cafua, presentes Ettore Bosio, João Alfredo, Eustáquio de Azevedo, Jaime Nobre, exímio
flautista paraense, e outras pessoas, foi descoberto em seu esconderijo o verdadeiro piano
de Carlos Gomes, que não era, em absoluto, o meia-cauda que se encontrava no cassino.
É preciso recordar, nessa altura da narrativa, que era então governador do Pará, pela
segunda vez, o doutor Lauro Sodré, o mesmo insigne paraense e devotado republicano
que em 1880, então segundo tenente, saudara Carlos Gomes em nome da escola militar da
praia vermelha, no teatro Lírico do Rio, e que anos mais tarde, como primeiro governador
constitucional do Pará, acolhera o grande compositor, já no declínio de sua gloriosa e
atormentada existência, o nomeando em 1895 diretor do conservatório musical que mais
tarde tomaria seu nome.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Na data em que fora encontrado o piano de Carlos Gomes, o secretário da Folha do


Norte era, também na segunda vez, presidente da Associação de Imprensa do Pará, que se
desdobrara do antigo Círculo dos Repórteres do Pará.
Atravessava, então, a associação o período áureo de sua existência, promovendo
solenes comemorações das grandes datas da pátria, acolhendo festivamente viajantes
ilustres que passavam no Pará, escritores e artistas, literatos, pintores, concertistas que
iam a Belém fazer conferência, exposição e recital.
Assim sendo, não podia a associação de imprensa ficar indiferente à sorte dum objeto
que era uma autêntica relíquia e, nessa compreensão, seu presidente tratou de obter a
necessária autorização do governador do estado pra que o piano ficasse confiado à guarda
da referida associação, sendo prontamente atendido em sua patriótica pretensão.
Transferido do esconço em que se achava à sede da associação, foi o piano ali
submetido a cuidadosa limpeza reclamada pelo estado lastimável em que se encontrava,
com as cordas quase todas despedaçadas, as camurças totalmente destruídas pelas baratas,
as teclas descoladas, os metais estragados pela ferrugem. Era uma devastação quase
integral e, pra dar uma idéia exata dessa ruína, basta dizer que o lixo retirado do interior
do piano (caliça, argamassa, pedaço de feltro, corda de cobre, teia de aranha, traça, barata,
morcego e rato morto) deu pra encher um caixote de cerveja.
Restaurado por competente artífice, Abraão Matias, afinador e consertador de piano,
que tinha em Belém um estabelecimento especializado, foi o instrumento colocado
solenemente no salão de honra da associação, coberto com a bandeira brasileira e
ostentando sobre o tampo um cartão de prata com a seguinte inscrição:
Este piano pertenceu ao insigne maestro brasileiro Antônio Carlos Gomes,
genial autor dO guarani e doutras óperas, falecido nesta capital em 16 de
setembro de 1896. Sua guarda foi confiada à Associação de Imprensa do Pará
pelo excelentíssimo senhor doutor Lauro Sodré, governador do estado.
É desnecessário dizer que o piano de Carlos Gomes constituiu objeto de respeitosa
veneração da parte dos diretores, associados e visitantes da associação. Velado pelo
símbolo augusto da pátria, não era franqueado a execução musical, fechado a chave de
prata que cerrava o teclado, guardada no cofre da associação, sob responsabilidade do
tesoureiro, senhor J. J. Monteiro de Paiva, mais tarde oficial de gabinete do ministro Lira
Castro, quando titular da pasta de agricultura. Somente uma vez se abriu uma exceção, em
favor do maestro baiano Manuel Augusto, hoje diretor do conservatório musical de
Recife, que em visita à associação, lhe sendo mostrado o piano, pediu que lhe fosse
concedida honra de dedilhar aquelas teclas que haviam sido sagradas pelos dedos de
Carlos Gomes. Satisfeito o pedido, Manuel Augusto, de pé, em respeitoso silêncio,
executou os acordes vibrantes da protofonia dO Guarani, os encerrando com os
primeiros compassos do Hino Nacional Brasileiro.

Eis, afinal, a parte principal do fato narrado por João Alfredo de Mendonça.
Certo dia, ao entardecer, se achava o secretário da Folha do Norte atarefado com o
amanho do jornal pro dia seguinte quando foi procurado na redação pelo velho Cunha, o
porteiro da associação, que comunicava ao presidente uma surpreendente novidade.
— Doutor. Nesta madrugada alguém entrou na associação e tocou no piano de Carlos
Gomes!
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

— Que história é essa?, seu Cunha. — Indagou João Alfredo — Com certeza estás
sonhando.
— Não, senhor, doutor Mendonça. Hoje, quando fui abrir a sede pra fazer a limpeza,
um chofer que faz ponto na praça da República, diante do Grande Hotel, me garantiu que
por volta de três horas da manhã, estacionado à porta do City Club esperando os últimos
fregueses, ouviu sons de piano que partiam do prédio da associação.
— É impossível! — Interrompeu João Alfredo espantado.
— E tem mais. Chamou a atenção de seus colegas e também ouviram a música que
partia dali.
O porteiro Cunha era homem de absoluta probidade, digno da confiança e da estima de
todos os diretores por sua conduta exemplar e zelo inexcedível com que desempenhava
sua modesta mas trabalhosa função. Não era de crer que se houvesse descuidado no dever
deixando o prédio mal fechado ou consentindo que alguém pernoitasse ali sem
conhecimento da diretoria. A associação ficava aberta das 14h até pouco depois da meia-
noite, no máximo até uma hora da manhã. Sua sede estava instalada em prédio dum só
pavimento, com um porão habitável, situado à praça da República, no centro do
quarteirão, limitado pelas ruas Caetano Rufino e Macapá, ficando ao lado esquerdo o
palacete da família do extinto desembargador Napoleão de Oliveira e o cinema Olímpia.
No lado direito, contíguo, o amplo edifício da rotisseria Suíça e do teatro Éden. No alto o
moderno edifício da rotisseria estava instalado o City Club, ponto de reunião da boemia
elegante de Belém. Seus freqüentadores permaneciam ali até altas horas, ficando à porta
do clube vários carros de praça esperando noctívagos. Alguns desses autos ocupavam o
trecho fronteiro à associação e, daí, a informação prestada pelo chofer ao velho Cunha.
O fato, como era natural, foi comentado entre diretores e sócios do grêmio jornalístico
e todos verificaram se achar o piano sem alteração, fechado como costume. A chave no
cofre do tesoureiro, a bandeira nacional na mesma disposição e o prédio sem vestígio de
arrombamento ou presença de estranho.
Com certeza tudo não passava de ilusão auditiva do primeiro chofer ou dalgum gracejo
contra o bondoso Cunha.
Mas a verdade é que o presidente quis ver e ouvir pessoalmente o que de real haveria
no estranho fato.
Nada viu... mas ouviu algo...
Na madrugada seguinte, cerca de três e meia, postados em silêncio no trecho do jardim
fronteiro à sede da associação completamente fechada e com a luz apagada, João Alfredo
e alguns companheiros de diretoria: Herácito Ferreira, J. J. Monteiro de Paiva, Júlio
Lobato, entre outros, perceberam um vago ruído que parecia vir do prédio da sede social.
Se aproximaram e permaneceram sob as janelas da sala, que davam à rua. O ruído não
vinha do porão, vinha do alto, da sala onde estava o piano de Carlos Gomes.
A princípio som distante como abafado por uma surdina. Depois mais audível, mais
nítido, em tonalidade suave, melancólica, numa seqüência de acorde soturno, lento,
demorado, como um murmúrio distante mas perfeitamente melódico. Depois o silêncio.
Não havia nem podia haver dúvida: O som partia do piano que estava no salão.
Os ouvintes daquele estranho noturno, comovidos e perplexos diante do fato
inacreditável, abriram o prédio, acenderam a luz e penetraram na sede do grêmio.
O piano de Carlos Gomes estava fechado. A chave de prata continuava no cofre. A
bandeira brasileira, sem ruga, completamente estendida sobre o instrumento, continuava a
velar a relíquia preciosa que foi deixada pelo maior gênio musical das Américas.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante


João Alfred de Mendonça, em complemento à narrativa acima, posteriormente à
irradiação, nos enviou as seguintes notas elucidantes:
A sociedade que guarda hoje o piano de Carlos Gomes é o Centro de Ciência, Letra e
Arte de Campinas.
A senhora Ítala Gomes Vaz de Carvalho, em seu livro Vida de Carlos Gomes, diz na
página 255:
Centro de Ciência, Letra e Arte de Campinas reuniu e conserva numerosas cartas,
documentos e autógrafos musicais de Carlos Gomes, assim como o piano que o
acompanhava sempre ao longo de sua vida artística, no qual compusera todas suas óperas,
a partir da Fosca, graças ainda à generosa condescendência do doutor Lauro Sodré, que
prontamente acedeu ao pedido do centro quando este exteriorizara o desejo de possuir
como relíquia o piano de Carlos Gomes que figurava no museu do Pará desde a morte do
maestro. Era o grande piano de concerto, prêmio do Conservatório de Milão, em que
minha mãe, Adelina Peri, dava recital quando ainda solteira. Ao se casar o levou à nova
residência e Carlos Gomes o adotou, o preferindo sempre a todos os outros instrumentos
similares que teve em seguida.
Há dois pontos a retificar nas assertivas da autora da biografia de seu glorioso pai:
1º) Não foi o doutor Lauro Sodré quem satisfez o pedido do Centro Artístico
Campineiro quando da transferência do piano de Belém a Campinas. Sua Excelência,
como se verifica na narrativa acima, confiou o piano à guarda carinhosa da Associação de
Imprensa do Pará, que o mandou restaurar e o conservou como preciosa relíquia até
quando o senhor doutor Dionísio Bentes, governador do Pará de 1925 a 1929, retirou o
piano do poder da associação e o remeteu a Campinas.
2º) O piano de Carlos Gomes nunca esteve no Museu do Pará, como disse dona Ítala.
O Pará tem o grande Museu Paraense Emílio Goeldi, de etnografia e história natural, que,
por sua finalidade não se prestaria a guardar preciosidade histórica.
Nota final: Pelo que se depreende do interessante artigo Visita à cidade natal de
Carlos Gomes, publicado na Revista Brasileira de Música pelo senhor Alberto Pizarro
Jacobina em 1936,não figura mais no piano o cartão de prata que a Associação de
Imprensa do Pará mandara colocar na tampa do instrumento.
João Alfredo de Mendonça
Rua Santa Clara 27
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Os fósforos salvadores
Sacrovir de Lauro, funcionário da prefeitura de Madalena, Rio de Janeiro, e que
ali reside com sua família, certo dia contou a mim e a outros amigos um fato
ocorrido consigo há algum tempo e de cuja veracidade não há que duvidar.
Tinha ele um cunhado que era débil mental. Seu apelido era Leléo e se tornara
muito querido por todos em razão de ser muito dócil e inofensivo.
Em certa noite muito chuvosa, pelas 9 horas, bateram à porta e o próprio Lauro
foi abrir. Era um colono da fazenda da Vargem Grande, que dista uns 4 quilômetros
da cidade.
O homem trazia um recado do proprietário da fazenda, seu amigo Ascendino.
— Seu Ascendino mandou dizer que o Leléo chegou lá todo molhado mas
quando o convidaram a pernoitar na fazenda se recusou. Quis vir embora a toda
força mas não quer companhia, preferindo vir sozinho.
Sacrovir de Lauro se dispôs imediatamente a ir até Vargem Grande, embora isso
representasse um transtorno. Mas temia que o cunhado regressando sozinho se
perdesse em noite tão chuvosa e escura.
Acompanhado pelo colono seguiu a Vargem grande, decorrendo a viagem de ida
sem incidente. Pra voltar, como não havia levado lanterna, lhe arranjaram um
archote feito de trapo velho embebido em querosene e introduzido num gomo de
bambu.
Foi ainda Ascendino quem cedeu a caixa de fósforo ao amigo, tendo a mesma uns
10 palitos.
Dessa forma Sacrovir de Lauro partiu trazendo em sua companhia o Leléo. Mal
haviam caminhado uns 500 metros, foram fustigados por um ventinho frio que
espalhava a chuva e impedia que o archote permanecesse aceso por muito tempo.
Daí a pouco não restava mais fósforo e a caminhada se tornou um suplício, pois
era feita em plena escuridão, sem que pudessem saber onde pisavam.
Sacrovir não tardou a perceber que havia perdido o caminho. Abandonara a
estrada que marginava um ribeirão que com a chuva devia estar quase
transbordando, o que representava um certo perigo.
Sem saber a que lado enveredar, Sacrovir de Lauro parou e segurou o cunhado
pelo braço enquanto manifestava sua aflição em voz alta, como se fosse possível ao
pobre demente alcançar o motivo de seu nervosismo.
— Minha Nossa Senhora! A gente perdida aqui, sem saber onde está. O fósforo
acabou. Se alguém aparecesse... Alguém que cedesse uns palitos pra eu acender o
archote...
Mal acabara de pronunciar tais palavras, ouviu pertinho de si, na escuridão, uma
voz que dizia, enquanto fazia chocalhar uma caixa de fósforo:
— Aqui está o fósforo.
Instintivamente estendeu a mão e apanhou a caixa. Raciocinando, porém,
perguntou:
— Quem está me dando este fósforo?
Renovou a pergunta por mais duas vezes mas ninguém lhe respondeu. Só se
ouvia o ruído da chuva que não cessara de cair.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Sofregamente riscou um palito da caixa que misteriosamente lhe chegara às mãos


e acendeu o archote! Mas, quando levantou o archote, clareando ao redor, viu a sua
frente algo que o deixou estarrecido.
Mais um passo e ambos teriam caído no riacho que ali corria silenciosamente
apesar da velocidade da água naquela noite.
Foram baldados o esforço e investigação pra descobrir o providencial indivíduo
que, naquele ponto afastado da estrada, forneceu a Sacrovir de Lauro a caixa de
fósforo que salvou, e a Leléo, de morte certa!
J. Almeida Santos
Madalena, Rio de Janeiro
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A escuridão apavora os mortos


Devo o conhecimento deste caso a uma prima recém-chegada da Itália, que
reside à rua Doutor Pedro Mascarenhas 67, Catumbi, e que poderá confirmar a
qualquer tempo.
Minha prima, que se chama Cesira de Maria, morava numa localidade da
Calábria, denominada Scigliano (província de Cosenza).
Transcorria o mês de agosto de 1941 e as coisas lá não estavam boas devido a
guerra há pouco deflagrada.
A carestia da vida e a falta de habitação já se faziam sentir intensamente. Minha
prima e sua filhinha Fernanda, de 12 anos de idade, precisavam mudar de residência
porque falecera o esposo e pai as deixando em completo desamparo.
A viúva devia procurar acomodação menos dispendiosa enquanto trabalhava sem
descanso em sua profissão de parteira.
Depois de longa e extenuante procura foi informada de que a 15 quilômetros da
pequena localidade, denominada Paese, havia uma casa desocupada pra alugar.
Daqui a diante prefiro reproduzir as palavras de Cesira o mais fielmente possível.
Ao saber dessa oportunidade imediatamente rumei ao lugar a fim
de ver a casa e lá chegando não pude dominar a má impressão pelo
fato de ser o prédio de altos e baixos de construção antiga e situado
em local bastante isolado.
Seu aspecto exterior era, positivamente, melancólico, pois era
circundado por um muro alto em forma de ferradura que se elevava
até o segundo pavimento.
O interior era de meter medo, tendo corredores compridos e
numerosos quartos, sendo servido por escadas muito estreitas em
forma de caracol.
A mobília estava muito velha, apodrecida e gasta, não só pelo
abandono como pela ação do tempo.
Ora, a casa era grande demais pra mim e, naturalmente, seu
aluguel seria muito alto. Entretanto, a título de curiosidade fui
procurar o proprietário, a fim de conhecer as condições.
Com espanto ouvi me pedir apenas 300 liras mensais! Em vista
disso aceitei de pronto o negócio muito embora só necessitasse
ocupar um cômodo daquele casarão.
Duas semanas mais tarde estávamos perfeitamente acomodadas
num dos quartos situados no primeiro pavimento, o qual era
perfeitamente independente porque tinha uma saída ao quintal.
Somente depois dalguns dias na nova residência, alguns vizinhos
nos procuraram nos advertindo a una voce1 de que a casa era mal-
assombrada, nos aconselhando a não permanecer nela.
Fiquei curiosa e intrigada com o aviso, pois, efetivamente, duas
noites antes ouvira rumores estranhos e gemidos esquisitos aos quais
não dei importância.

1
Em sussurro, em surdina, a boca pequena
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Tratei de indagar a causa da assombração e me contaram que há


oito anos falecera ali uma velha louca, sendo que na época toda a
região estava no escuro devido a tempestade que havia abalado a
rede elétrica que a servia.
Naquelas noites de escuridão a demente era atacada de fortes
crises de loucura porque tinha pavor de treva. E a velha morreu antes
que a luz se restabelecesse.
Desde sua morte a casa não mais fora habitada, sendo eu a
primeira moradora.
É possível que meu espírito prevenido tenha exercido grande
influência sobre a imaginação mas o fato é que nas noites seguintes
passei a ouvir nitidamente passos no corredor, além de gemidos e
pigarros.
Amedrontada com os estranhos acontecimentos fui procurar o
proprietário pra desfazer o negócio, resolvida como estava a não
permanecer mais ali. Infelizmente havia partido dias antes a Nápoles.
Voltei constrangida àquela casa, resignada a aguardar a volta do
responsável.
Foi na noite seguinte, 5 de setembro de 1941, que se deu o fato
mais pavoroso.
Cerca de 22 horas. Eu e minha filha nos recolhemos ao leito sem
que algum rumor viesse perturbar nossa tranqüilidade.
Fernanda adormecera. Então percebi que alguém caminhava no
corredor com passos calmos e lerdos.
Me enchi de coragem e resolvi me levantar pra abrir a porta e
quando minha mão tocou na maçaneta senti que os passos cessaram
como por encanto.
Assim mesmo abri a porta mas, sentindo que alguém me agarrava
ao braço, me voltei rapidamente e deparei com um espectro
fantasmagórico que, com brilho maligno nos olhos e expressão de
horror na face, murmurava com os lábios semiabertos numa voz de
além-túmulo:
— Quero luz, muita luz...
Aterrorizada (creio até que desfaleci momentaneamente) mas logo
recobrando a noção das coisas, acendi a luz e isso me fez recobrar a
serenidade. Os ruídos cessaram...
Minutos depois, movida por uma corajosa decisão, fui até o corredor
e, pra minha surpresa e indignação, verifiquei que a lâmpada que eu
conservava sempre acesa durante a noite inteira estava
inexplicavelmente apagada, deixando tudo mergulhado em escuridão
sepulcral. Daí, certamente o motivo da aparição.
Naquela noite conservei também acesa a luz de meu quarto.
Na manhã seguinte abandonei aquele lugar macabro.
João Carino
Rua General Polidoro 161
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A mão do Diabo
Este fato se passou comigo, mais ou menos em 1947.
Voltava eu duma festa e caminhava despreocupadamente na rua Paulo de Frontim. Era
já tarde da noite e a rua estava deserta.
A certa altura ouvi passos arrastados. Olhei ao lado donde vinha o som mas nada vi
porque o trecho era escuro demais. Não tardou, porém, que a pessoa se mostrasse sob a
única lâmpada que havia na rua.
Se tratava dum homem alcoolizado e, o que logo chamou minha atenção, não tinha
uma das mãos.
Caminhando em sentido contrário, quando cruzamos, estávamos justamente no trecho
mais escuro da rua. O homem, quando passou a meu lado, parou e pediu.
— O senhor tem um cigarro?
Atendi. Ao chegar o fósforo ao cigarro pude ver em seu rosto os sinais evidentes dos
estragos causados pela bebida.
Então apoiou a mão válida sobre meu ombro e, sem maiores preâmbulos, se pôs a
contar sua vida. Eu não tinha a menor pressa. A noite estava quente, o sono não vinha. Por
isso fiquei parado, pacientemente ouvindo sua história.
— Nem sempre fui este trapo de gente que o senhor está vendo. Já tive minha época de
felicidade. Naquele tempo, contudo, eu não dava importância a minha sorte. Agora, que
estou na desgraça, é que compreendo o quanto era feliz antes. Um dia veio o desastre:
perdi minha mão. Era preferível ter morrido. Nela estavam todas minhas esperanças, todos
meu sonhos... O senhor já imaginou um violinista sem uma das mãos?
Foi quando compreendi toda a tragédia do pobre homem.num impulso instintivo,
penalizado pelo abatimento com que contava aquelas coisas tristes, me pus a o exortar a
que tivesse paciência. Lhe lembrei as vantagens da calma, da resignação. Jeitosamente
procurei o fazer sentir as inconveniências de se entregar assim à bebida que, no final de
conta, não constituía lenitivo. Lhe acenei com a suprema compensação da fé, aventando
que, no imprevisível futuro que lhe estaria reservado, podiam estar as regalias com que o
destino haveria de premiar seu sacrifício atual.
Minhas palavras produziram efeito inteiramente diverso. Em vez de se conformar, o
maneta se exasperou de maneira assustadora. Parecia um desatinado.
— Não posso crer num deus que me priva da mão, que eu só queria pro bem, pra
espalhar a beleza da música divina. Num deus que arranca minha mão e conserva a de
tantos outros que só a utilizam na prática dos maiores pecados.
E assim, cambaleando, reencetando sua caminhada, seguiu blasfemando:
— Talvez o Diabo fosse mais justo e não fizesse uma coisa dessas. Se ele devolvesse
minha mão juro que o seguiria pra todo o sempre. E nunca mais quereria saber desse deus
que ainda há quem considere justo.
Eu já havia também recomeçado a andar, seguindo minha direção. Aquelas palavras,
ditas com impressionante veemência, me fizeram voltar a cabeça pra observar mais uma
vez o infeliz. Presenciei, então, uma cena espantosa que me gelou o sangue nas veias.
Na rua vinha um cão trazendo algo entre os dentes. Ao passar sob um lampião,
próximo ao qual já estava o homem, o animal parou e largou no chão o que conduzia na
boca. Pude ver distintamente que era uma mão humana muito branca.
O maneta, decerto aterrorizado, parara à margem da luz. O cão o fitava de maneira
curiosa.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Poucos segundos durou aquela agonia. Repentinamente o bêbado estremeceu como em


convulsão e, agitando os braços como pra afastar uma visão sinistra, gritou com acentos
de pavor:
— Não! Não quero! Não darei minha alma ao Diabo.
E saiu em louca disparada na rua, a gritar como um possesso. O cão desandou em sua
perseguição latindo desesperadamente e ambos sumiram na distância e na escuridão.
Eu estava sem ação. Não sei como pude, ao fim dalgum tempo, sair do torpor que me
grudava ao chão.
A mão lá ficara, branquejando à luz da lâmpada.
Reunindo toda minha coragem me aproximei e apanhei o despojo humano.
Foi quando percebi, assombrado, que tudo não passara de espantosa coincidência: a
mão era uma peça de cera, pedaço de manequim que alguém lançara ao lixo. O fato do
cão ter saído em perseguição ao maneta tinha explicação lógica no espanto do animal
diante dos gritos e da atitude do pobre infeliz.
Nunca mais encontrei aquele homem, por mais que o procurasse. Assim não posso
saber se ficou acreditando realmente que seu desesperado apelo foi ouvido e atendido pelo
Diabo.
Abram Mekler
Rua Machado Coelho 93, sob.
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Desapareceu da cova
Se chamava Mauro o filho do advogado Hipólito Santana, residente à avenida Góis
Calmon 47, na cidade de Santa Inês, Bahia.
Mauro morreu aos 14 anos de idade, em 2 de novembro de 1934, em conseqüência de
meningite.
Passado o tempo regulamentar, Hipólito Santana tratou de providenciar a exumação
dos ossos do filho e então ocorreu o fato extraordinário que aqui venho relatar, tendo,
entre muitas outras testemunhas, os senhores Manuel Batista Soares Filho, Genésio
Santos, Leocádio Silva, Agenor Pereira e Antônio José de Souza.
Chegado o dia da exumação, logo que o coveiro iniciou a tarefa de remover a terra pra
descobrir o caixão, Hipólito se afastou a fim de providenciar, na proximidade, a água e o
sabão prà costumeira lavagem dos ossos.
Ao regressar, ainda a certa distância, pôde perceber que o coveiro parecia extático,
olhando com verdadeiro pavor a dentro da caixa fúnebre que já retirara da cova.
Intrigado, Hipólito Santana se aproximou rapidamente, indagando logo:
— O que há? Alguma coisa?
— É, sim senhor. O caixão está vazio!
Com um salto, já o advogado estava a seu lado. E, de fato, dentro do caixão que se
achava perfeito, apenas com uma parte da tampa arrancada, nada mais havia além dum
pequeno crucifixo de ouro que acompanhara o jovem Mauro a sua última morada.
Assombrado com o inexplicado desaparecimento, Hipólito Santana entregou a solução
do caso a seu grande amigo e brilhante advogado, Alfredo Amorim, que, por sua vez, o
passou a Sabino Silva, médico, lente catedrático da escola de medicina da Bahia. Um e
outro, porém, declararam sua impossibilidade em dar explicação ao estranho fato.
Jamais foi descoberto o menor vestígio do cadáver. Somente a cruzinha de ouro
permanecia como prova irrefutável de que o cadáver estivera naquele caixão e naquela
sepultura.
Berilo Peixoto
Avenida Átila Menezes 4
Santa Inês, Bahia
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Um morto que socorre os vivos


Se passou assim mesmo o caso que venho narrar.
Residindo no Rio de Janeiro e tendo conseguido férias, resolvi passar em companhia de
minha irmã Isaura Souza, que reside em Aracaju, à rua Rosário do Catete 556.
Em 15 de março de 1946 lá chegava eu.
Por coincidência, no dia seguinte recebemos a visita duma amiga que há muito não
víamos e que também ali se achava a passeio.
No meio da conversa nos contou que desejava visitar algumas cidades do interior
sergipano. Depois se despediu e se retirou à casa duns parentes onde se achava
hospedada.
Aconteceu, porém, que em 20 de março, portanto 4 dias depois, recebíamos daquela
família a notícia de que nossa amiga havia sofrido um desastre ferroviário, tendo,
felizmente, escapado ilesa, já se achando de volta, procurando se restabelecer do choque
que sofrera.
Imediatamente eu e minha irmã rumamos até lá a encontrando mais refeita do susto,
embora nervosa, principalmente pela ocorrência que nos passou a relatar.
— Satisfazendo o desejo que expressei a vós, viajei ao interior a fim de passear um
pouco. Assim sendo tomei um terem na estação da Leste no dia 18, aqui em Aracaju, e em
17:30h embarquei num suburbano com destino à cidade de Capela. Em 18:30h, depois
duma rápida parada na cidade de Laranjeiras, a composição corria na mais perfeita ordem,
se descortinando o magnífico panorama dos canaviais. Eu, debruçada na janela, apreciava
tudo aquilo. Após passarmos pela baixada do Cotinguiba, ao avistarmos a cidade de
Riachuelo, precisamente em 19h, se deu a catástrofe. A locomotiva saltou dos trilhos,
fazendo tombar alguns carros, enquanto outros rolavam pelo despenhadeiro. Gritos
lancinantes se ouviram e eu, saindo daquela imensa confusão, custava crer que estivesse
com vida no meio de escombros e pilhas de ferro torcido e madeira estraçalhada. A muito
custo consegui sair dali e me sentei na relva, extenuada. Dai a pouco me apareceu um
rapaz de 25 anos, aproximadamente, bem apessoado, de cor branca, denotando fino trato.
Me perguntou se eu era passageira do trem e, como a depressão nervosa não me deixasse
responder prontamente, ainda indagou se eu me achava muito abalada, achando natural
que assim acontecesse. Me ofereceu seus préstimos e, como vi que se tratava dum perfeito
cavalheiro, lhe disse que desejava ir ao hotel ou coisa parecida, onde pudesse pernoitar. O
jovem se ofereceu gentilmente pra me acompanhar, me dizendo que poderíamos fazer o
percurso a pé, pois não estávamos muito distanciados de Laranjeiras.
Gastamos quase duas horas no percurso e na cidade meu distinto companheiro se
despediu me indicando um hotel.
Não é preciso dizer que tomando um aposento caí no leito e dentro em pouco
adormecia exausta.
No dia seguinte, 4h da manhã, fui despertada com pancadas à minha porta. Era uma
pessoa da casa que me disse estar lá fora uma senhora que me desejava falar, pois soubera
que ali se achava uma passageira do trem sinistrado.
Fui atender a visitante, vendo logo se tratar de pessoa de certa posição, ainda mais
porque descera dum carro.
Demonstrando grande aflição, a senhora foi desde logo perguntando se eu tinha visto
entre os que se achavam na composição, um rapaz que logo identifiquei pela fotografia
que ela me apresentou.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Reconheci na fotografia o rapaz que tão gentilmente me socorrera na véspera e lhe


contei tudo o que ocorrera, lhe assegurando que ele nada sofrera e me prontificando à
acompanhar a fim de o procurar.
Em seu próprio automóvel nos dirigimos aos arredores, indagando a várias pessoas se
haviam visto o jovem e onde estaria hospedado.
Nenhuma informação obtendo, seguimos ao local do desastre onde, com espanto,
constatamos que turmas de socorro removiam destroços e descobriam cadáveres.
Doloroso espanto nos causou, então, ver que retiravam dos escombros, completamente
mutilado, o filho daquela senhora, o mesmo que tinha sido meu cicerone na noite anterior,
me acompanhando ao hotel.
José Vieira de Souza
Rua Teixeira Ribeiro 282
Bonsucesso, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O negrinho de Itaguaí
Foi em 1919.
Eu era músico e certo dia fui convidado pra tocar numa festinha da capela de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro num povoado distante uns três quilômetros do município de
Itaguaí.
Meus companheiros eram Manoel Hilário, o trombonista; Brandão, pistonista; Zeferino,
contra-baixista; e um outro, que tocava bombardino, conhecido pelo apelido de Caiumba.
Meu instrumento era o clarinete.
Às 23:30h, acabada a função na igreja, fomos pra a casa do festeiro, onde tocamos
algumas contradanças até 1:30h da madrugada.
Por fim saímos e, antes de alcançar a estrada, ficamos a discutir se seria mais vantajoso
esperar o trem ou seguir a pé numa caminhada de 12km até Santa Cruz. Eu e Zeferino
preferimos ir a pé enquanto Manuel Hilário e Caiumba seguiram pra a estação a fim de
pegar o trem que chegaria em Santa cruz mais ou menos ao mesmo tempo que nós outros.
A noite estava muito escura e não havia iluminação pública naquele lugar. Quando
passávamos debaixo duma amendoeira ouvimos bem próximo a nós um choro de criança.
Acendemos fósforos e vimos um garoto de cor preta, completamente nu, aparentando ter
8 anos de idade. Tinha os lábios grandes e grossos e olhos vermelhos como duas brasas.
Ficamos impressionados com a exótica figura mas não deixamos de acudir o menino lhe
perguntando por quê chorava e onde morava. Só depois de muita insistência, numa voz
estranhamente grossa pra sua idade, respondeu:
— Moro lá na terceira porta.
Era muito vaga tal informações. Em Itaguaí só havia uma rua que hoje, aliás, se chama
General Bocaiúva. Por ser a única não tinha esquinas.
Lhe perguntei pra que lado ficava sua moradia ele, sempre chorando, apontou pra a
parte que subia.
Combinamos então que o Zeferino, como era o mais velho, levasse o menino pra casa.
— Vai na frente, moleque, pra me ensinar o caminho — ordenou o Zeferino.
E os dois começara a subir a pequena ladeira.
Não se haviam passado 5 minutos quando ouvimos gritos aterrorizados vindos da
direção que os dois tinham tomado.
— Deus te perdoe! Creio em Deus Padre! Ave Maria!...
Era Zeferino que chegava correndo, assombrado, com a fisionomia transtornada.
Preocupados, indagamos o que lhe havia acontecido mas ele, em vez de nos responder,
repetia uma frase de censura:
— Por que vocês fizeram isso comigo?... Por que vocês fizeram isso comigo?...
Percebemos, incontinenti, se tratar dalgo fora do comum, pois o velho músico era
homem corajoso e muito acostumado a andar a desoras. Entretanto, por mais perguntas
que lhe fizéssemos durante todo o resto da caminhada, até a estação; pois resolvemos
esperar o trem das 6 horas em Itaguaí; Zeferino repisava seu estribilho enervante:
— Por que vocês fizeram isso comigo?... Por que vocês fizeram isso comigo?...
Daí em diante Zeferino mudou completamente. Vivia em grande melancolia e jamais
alguém conseguiu uma só palavra sua que explicasse o que vira naquela noite, talvez a
mais tenebrosa de sua vida.
Três meses depois estava morto.
Francisco José Bossi Filho
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Praça Marquês de Herval 5


Santa Cruz, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A comunicação impossível
Tragédia brutal ocorreu na manhã de 3 de maio de 1944, no pátio da estação de
Cascadura. Um jovem de 26 anos, no exercício de suas funções como marcador de
dormente, foi colhido pelo elétrico, tendo morte quase imediata.
Se tratava de meu irmão Otávio era conferente da Central do Brasil e também hábil
telegrafista, exercendo em comissão as funções de marcador de dormente, a isso levado
por necessidade de ordem econômica, de vez que a central atribui gratificação a esses
servidores.
Pra conseguir essa melhora de vencimento se serviu do interesse que lhe dispensou o
doutor Renato Henriot, meu cunhado, ex-engenheiro da central.
A fim de dar a triste noticia a nossos pais, Raul da Veiga e Teresa Veiga, residentes em
Paulo de Frontin (Rodeio), até lá embarcaram o doutor Renato e sua esposa Iracema
Veiga Henriot, minha irmã.
Eu, em estado de profundo abatimento, fiquei em casa, tanto mais que devia seguir na
madrugada seguinte a Rodeio, onde Otávio seria enterrado. Apenas eu e meu sogro
havíamos ficado aqui, em minha residência no Rio.
Nos recolhemos ao leito logo após 20 horas, indo cada qual a seu quarto.
Não é preciso dizer que não preguei olho durante a noite.
Decorrida, talvez, meia hora depois de me haver deitado, com o pensamento voltado a
meu prateado irmão, comecei a ouvir nitidamente certo ruído em tudo semelhante ao
produzido pelos aparelhos telegráficos, e que vinha da sala de jantar a qual se comunica
com meu quarto.
Era o tique-taque característico dos manipuladores que os telegrafistas utilizam pra
transmitir despacho.
Prestando maior atenção, observei que os sinais pareciam produzidos por um lápis
batendo na mesa. Era como se alguém procurasse transmitir telegraficamente alguma
mensagem.
Asseguro que nunca fui covarde nem dado a acreditar em almas doutro mundo, mas
diante daquele fato concreto tratei de me sentar na cama e apurar o ouvido. Notei, então,
que as pancadas aumentaram de intensidade.
Me deitei e o ruído quase silenciou pra voltar mais forte daí a instantes, quando,
novamente, me sentei no leito.
era telégrafo, puro telégrafo!
Fiz menção de me levantar mas o tique-taque cessou.
Dormi. Na madrugada, ao me erguer e me preparar pra tomar o trem, meu primeiro
cuidado foi examinar a mesa da sala, nada encontrado de anormal, se achando sobre ela
apenas um jornal que ali eu deixara na véspera.
Apanhei um lápis e batendo com ele sobre a mesa obtive sons exatamente iguais aos
que ouvira na véspera.
E foi assim que, na madrugada de 4 de maio, embarquei a Rodeio absolutamente
convencido de que Otávio, 12 horas depois de sua morte, tentara se comunicar comigo
utilizando sua habilidade de telegrafista.
Foi ele, não tenho dúvida, mas desgraçadamente não sabia penetrar no mundo
misteriosamente estranho daquelas batidas.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Me escapou, dessa forma, a primeira e, talvez, única oportunidade de me comunicar


com o Além, por não saber traduzir uma mensagem telegráfica transmitida com o lápis
sobre a superfície duma mesa.
Por incrível que pareça, essa é a verdade.
Francisco de Paula Montenegro Veiga
Rua Eduardo Ramos 8
Tijuca, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O recado do fantasma
O caso se passou com o avô de meu pai de criação, Avelino Barbosa, residente em
Outeiro, Sergipe. Se chamava Manuel Barbosa e era carpinteiro.
Homem destemido, Manuel Barbosa preferia sempre a noite pra sua viagem de ida e
volta toda vez que era chamado pra trabalhar nalgum lugarejo distando do local onde
morava. Numa dessas noites, ao regressar dum lugar chamado Colônia, ao passar junto
duma capelinha edificada no fundo do pequeno cemitério Cruz do Abano, perto de sua
casa, lhe pareceu escutar uma voz. Prestou atenção. Sim, era uma voz de além-túmulo,
que lhe dizia atrás do muro da capelinha:
— Manuel! Vás até casa e voltes. Quero falar contigo!
Corajoso como sempre, o carpinteiro não teve dúvida em cumprir a estranha ordem.
Apresou o passo na direção da casa e lá chegando foi dizendo à esposa:
— Mulher, boa-noite. Me desculpes, mas só vim largar a ferramenta...
— Onde é que vais a esta hora?, homem de Deus!
— Voltar à capelinha do cemitério, que lá tem uma voz me chamando.
A esposa o quis demover mas ele insistiu e foi.
Após alguns minutos estava de volta. A mulher, ansiosa e preocupada, correu a seu
encontro.
— Graças-a-deus que voltaste, porque eu estava com mau pressentimento.
Manuel Barbosa estava de pé no meio da sala. A esposa recuou apavorada perguntando
num grito:
— O que te aconteceu?, Manuel.
Porque Manuel Barbosa já não parecia o mesmo homem. Face contraída como num
ríctus de dor, pálido como um cadáver, olhos arregalados fitando um ponto longínquo.
Sua figura era profundamente impressionante. Debalde ela insistia:
— O que foi que te aconteceu?, Manuel.
Manuel Barbosa não respondeu àquelas perguntas nem às outras que depois lhe fizeram
as demais pessoas da família. Ninguém mais lhe ouviu a voz nem conseguiu que tocasse
num prato de comida. Após três dias, sem ter proferido uma só palavra, sem apresentar
qualquer sintoma de doença, com os olhos fitos num ponto longínquo, exalava o último
suspiro sem revelar o que lhe dissera a voz que o chamara junto à capelinha do cemitério.
José Eleutério dos Santos
Rua Caiubi 74
Santos, São Paulo
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O mistério da caçada
Quando vim a residir nesta serraria da Indústria Teófilo Cunha SA, onde trabalho na
seção eletromecânica, trazia uma vontade imensa de caçar. Já quando morava em Curitiba
tinha caçado várias vezes mas sempre caça miúda e essa não mais me despertava emoção.
Aqui fiz amizade com velhos caçadores, veteranos em aventuras cinegéticas e, em pouco
tempo, me tornava companheiro inseparável nas caçadas a tatu, caititu, capivara, veado,
etc. Fiz muita caçada com o velho Juca Mendes, atirador que não perdia tiro; com Simão
Santos; Alvino Heidam e Sebastião Gonçalves que já havia abatido várias onças.
Ao lado deles eu não fazia má figura. Possuía uma Winchester 38 e, pra me adestrar,
furava caixas de fósforo a 100 metros de distância.
Em certo dia combinamos uma batida aos veados que andavam causando sério estrago
numa roça distante. Saímos na madrugada e ao clarear o dia estávamos no local.
Simão Santos, que era o soltador, procurou os vestígios e ao encontrar soltou a
matilha.
Nosso melhor cão era o Tigre, que nunca perdera rastro. Nesse dia, porém,
inexplicavelmente, se revelou um fracasso. Formava a corrida mas logo perdia a direção.
Assim levou longo tempo nos deixando espantados com tal anomalia.
Momentos depois ouvimos o ganiço da matilha que vinha de corrida feita. Cada um em
sua espera estava atento pra ver em que direção iria a corrida e logo se verificou que o
rumo era do velho Juca Mendes. Não tardou e ouvimos o estrondo de sua 16 falando
pelos dois canos. Se seguiu o berro da 34 do Alvino Heidam e logo depois falava a 32 do
Bastião Gonçalves.
Eu já estava espantado com aquele tiroteio, nunca necessário antes pra se abater um
veado e, quando dei fé vi em minha direção um enorme pardo em desabalada carreira.
Rapidamente levei a 38 à cara e fiz fogo. Vi o veado estremecer com o ímpeto da bala e
continuar seu galope sem esmorecer. Acertei mais quatro tiros, sem o melhor resultado,
antes que desaparecesse na capoeira.
Quando nos reunimos pra voltar, comentando o estranho caso, foi que Simão se
lembrou de que estávamos no dia 25 de março, considerado aziago por muitos caçadores.
Justamente quando proferia aquelas palavras, todos ouvimos uma ruidosa gargalhada a
nossa retaguarda. Nos voltamos num relance e vimos o tal veado que fora atingido e nada
sofrera com os tiros. Tinha um aspecto pavoroso e nos fitava com olhos em brasa, rindo
diabolicamente. Com o cabelo arrepiado corremos ao camião que nos havia transportado e
regressamos a toda à serraria.
Aquela foi minha última caçada.
Eduardo João Menegotto
Serraria São Joaquim
Palmital, Paraná
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O sonho profético
Relato aqui o sonho que certo amigo me contou e que, por sua natureza teve todas as
características de profecia.
De 1933 a 1937 estive no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, vindo de minha terra
natal, São Luís, Maranhão, onde deixei vários amigos, inclusive Gregório Lobato, que, se
fosse ainda vivo, seria meu cunhado, pois vim a me casar com uma de suas irmãs em 1945.
Quando, em 1937, voltei a minha terra natal, Lobato foi dos que compareceram a meu
desembarque acompanhando pessoas de minha família.
Dias depois, em São Luís, quando contávamos as novidades um ao outro, esse amigo
que estava abatido e com o sistema nervoso abalado me contou que estava convalescente
de grave enfermidade e, além disso, seriamente preocupado com um sonho que tivera.
— Craveiro, acho que desta não escapo! Imagines que sonhei que tinha morrido...
Tratei de o animar, fazendo ver que sonhos não representam a verdade mas acrescentou
que só não se afastava de sua própria casa de negócio porque isso importava em
abandonar seus interesses nas mãos dos empregados.
Pra justificar a causa de suas preocupações me contou o seguinte:
— Sonhei que tinha morrido. Se fosse somente isso, não teria
importância, mas a questão é que me vi no caixão, dentro de casa! A
sala estava repleta e mamãe permanecia junto ao caixão alisando
meu cabelo e chorando copiosamente. E eu assistia tudo aquilo como
se também fosse espectador. O interessante é que em dado momento
me levantei da cadeira onde estava sentado, indo fazer quanto a mim
mesmo e, compungido, cheguei junto a minha mãe e lhe disse:
— Te acalmes. A senhora não está vendo que estou vivo?!
De nada valeu me dirigir a ela porque mamãe não me dava ouvido.
Inquieto com isso voltei a me sentar na cadeira que ocupava. A essa
altura entrou na sala uma senhora de nossa relação, trazendo uma
bandeja com café e bolacha. Disse, então, comigo mesmo:
— Vamos ver se me oferecem. Quero tirar a prova de se me estão
vendo!
Foi completa minha desilusão quando aquela senhora serviu às
pessoas que estavam a minha direita, a minha esquerda, me deixando
no meio, de braço estirado sem ser atendido.
Tudo aquilo cada vez mais me intrigava e, por fim, chegou o padre.
Depois os presentes espalharam flor sobre meu cadáver e se
levantaram pra sair. Também me levantei.
Mamãe e as meninas choravam e eu olhava aquela cena, admirado
não só com a atitude delas mas, principalmente, por me ver de terno
de linho branco bem passado, esticado dentro do ataúde.
Depois de muito choro conduziram o caixão à carreta e o enterro
seguiu ao cemitério de São Pantaleão.
Logo me incluí entre as pessoas que iam acompanhando o féretro,
ouvindo os comentários sobre o que eu tinha sido em vida. Por mais
que desse demonstração que estava ali no meio dos acompanhantes,
ninguém percebia minha presença.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Quando passávamos pelo hospital Português, na rua do Passeio,


esquina com a travessa do Monteiro, ouvi umas pequenas que
moravam ali dizer entre si:
— De quem é esse enterro?
— É daquele rapaz que saiu no bloco das Águias, o Lobato.
Disse comigo mesmo:
— Será possível que essa gente não me veja aqui seguindo o
enterro?
Chegamos ao cemitério e, depois da encomenda do corpo na
capela, paramos junto da sepultura, tendo sido novamente aberta a
tampa do caixão, podendo eu novamente ver meu corpo ali dentro!
Depois de novamente fechado trataram de fazer o caixão descer os
sete palmos já abertos pra o receber.
Nesse instante vi um velhinho a meu lado. Me dirigindo a palavra
me mostrou duas estradas: uma bonita e plana e outra áspera e
coberta de pedra.
— Agora escolhas, meu filho.
Acordei sobressaltado e tive forte crise de choro. Aquele sonho me
deixou a mais profunda impressão. Tenho certeza de que ao morrer
tudo se passará como vi.
Esse sonho parece ter sido um verdadeiro aviso, pois meu amigo Lobato, tendo recaído
da moléstia de que convalescia, oito meses depois faleceu, no dia de Nossa Senhora da
Conceição, 8 de dezembro de 1937.
Manuel Craveiro
Rua Clara de Barros 47
Rio de Janeiro, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O pianista fantasma
Eu e minha coleguinha Cleonice, desde o tempo de colégio primário em Curitiba,
fomos amigas inseparáveis, por isso gozava eu a estima de sua família.
Isso me levou a aceitar em fim de 1946 o convite pra passar as férias em sua companhia
no Rio, onde residiam há três anos.
Sendo grande meu desejo de conhecer a cidade maravilhosa, consegui que papai me
acompanhasse nessa viagem.
Cleonice e seus pais residiam naquela época num edifício de apartamento, à rua do
Riachuelo cujo número não me recordo e onde fomos recebidos com grande fidalguia.
Meu pai, no dia seguinte, após fazer compra de material destinado à empresa em que
trabalhava, regressou a Curitiba e fiou de vir me buscar dentro de duas semanas.
No terceiro dia de minha permanência em casa de minha amigo, verificando mais uma
vez que, alta noite, alguém no apartamento vizinho executava com grande maestria a valsa
Nancy, procurei saber se a pianista era uma senhora idosa que morava ao lado e com
quem eu já havia falado ligeiramente.
Cleonice me revelou, então, que a pessoa que executava ao piano era o fantasma ou
espírito do filho daquela senhora, desaparecido seis meses antes.
A princípio julguei ser brincadeira tal informação, porém minha amiga reafirmou o que
dissera, acrescentando que o rapaz em questão se apaixonara por uma jovem chamada
Nancy e daí sua preferência pela valsa do mesmo nome que costumava executar ao piano
na casa de seus pais.
Mesmo depois de morto vinha em todas as noites, precisamente 23:30h, tocar a aludida
valsa ao piano. Fiquei assombrada com a notícia e não descansei enquanto Cleonice não
obteve permissão da vizinha pra nos receber, justamente na hora em que o estranho
pianista viria executar sua música preferida.
Após o jantar ouvimos um pouco de rádio e nós duas fomos até o apartamento de
nossa vizinha, momentos antes da hora indicada.
Fomos recebidas com afabilidade e enquanto a senhora nos falava de seu pranteado
filho meus olhos se dirigiam ao relógio da sala em ansiosa expectativa.
Quando o mostrador se aproximou das onze e meia nossa vizinha pediu que
guardássemos silêncio enquanto seu esposo apagava a luz.
Passados alguns segundos ouvimos os primeiros acordes da valsa, feridos com nitidez,
e me senti como que petrificada na cadeira, olhando fixamente o instrumento que
permanecia fechado sem indicação de que ali estivesse alguém.
Terminada a execução a luz novamente foi acesa e o velho casal, assim como Cleonice,
verificaram que eu estava suando frio e, branca como cera, como se o sangue houvesse
fugido de minhas veias.
Reanimada aos poucos, pude ouvir a senhora continuar sua referência ao filho, nos
mostrando o retrato da moça por quem o rapaz se apaixonara, informando que a mesma
residia em Curitiba.
Daí passei a aguardar com ansiedade o dia de minha volta. Ao regressar a casa, logo
depois, fui a encontro de Nancy. Ela me contou que de fato havia namorado um rapaz no
Rio, de cujo falecimento tivera ciência e cujos traços, pela descrição que me fez,
coincidiam perfeitamente com os do filho da vizinha, tal como eu o havia avisto num
retrato existente sobre o piano da sala.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Júlia Damasceno
Rua Barão de São Félix 114, sob.
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Estranha coincidência
Seja pura coincidência ou caso fantástico, o episódio que venho narrar é verídico e se
passou na cidade de Alegre, Espírito Santo, no lugar denominado chácara do Salazar.
Ali existia um homem de nome José Godofredo, de cor morena, alto e forte.
Em certo dia teve uma desinteligência com seu camarada conhecido como Antônio das
Cobras. Não chegara, contudo, às vias de fato.
É de ressaltar que a alcunha desse último tinha origem justamente por viver tal
indivíduo apanhando cobra pro instituto Butantã, além de se apresentar na cidade como
camelô, trazendo sempre em volta do pescoço um desses répteis, atraindo dessa forma a
atenção pública.
Antônio das Cobras, após discussão, disse em tom ameaçador:
— Tu, Zé Godofredo, arranjaste cobra pra te morder.
A coisa ficou por isso mesmo e Godofredo foi até casa, onde tomou banho, jantou,
vestiu o pijama e se deitou.
Seu quarto estava hermeticamente fechado por dentro e o homem não tardou
adormecer.
Dormiu algum tempo e acordou lá pelas tantas, vítima duma estranha opressão, como
se tivesse um peso no peito, junto com uma estranha sensação de frio.
Apesar da fraca iluminação do quarto, pôde ver, aninhada sobre seu peito, por dentro
do pijama, uma cobra.
Horrorizado, deu um salto, arrebentando os botões do pijama, se livrando do
repugnante réptil.
Sem demora acendeu a luz, vendo se debater entre as cobertas uma enorme e venenosa
jararacuçu-correntino, que matou a paulada ajudado por vizinhos que chamou.
O estranho fato encheu de apreensão José Godofredo que, supondo ser cobra mandada,
voltou a procurar Antônio das Cobras pra fazer a paz, assim se livrando daquela ameaça
que, propositalmente ou por acaso, quase se concretizou de maneira funesta.
José Godofredo nunca mais se esqueceu dos maus lençóis em que se viu metido
naquela noite em que brigara com o tratador de cobra e dele ouvira a frase ameaçadora:
— Tu, Zé Godofredo, arranjaste cobra pra te morder.
Antônio Silva Pereira
Rua Sete de Setembro 809
Manhuaçu, Minas Gerais
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Visita de morto
O que venho relatar se passou em Belém do Pará, tendo sido protagonista meu
cunhado Olavo da Silva Freire, casado com minha irmã Júlia Vilaça Freire. Olavo é
suboficial-enfermeiro, servindo na estação da radio da Marinha na ilha do Governador.
Além deles diversas pessoas que testemunharam os fatos aqui narrados estão vivas e
poderão confirmar pessoalmente.
Corria o ano de 1935. Olavo e sua esposa residiam à rua Lauro Sodré, na capital
paraense, e, em certa tarde minha irmã, enquanto aguardava o regresso de seu marido,
estava à janela em companhia de dona Lola, senhora que morava em sua casa.
Em dado momento notaram, caminhando pela rua, um marinheiro que, pelos modos
parecia estar alcoolizado. As duas se encheram de medo.
— Lola, é melhor irmos a dentro. Esse marinheiro parece estar embriagado e não
convém ficarmos na janela.
A amiga concordou e ambas deixaram a janela. Minutos após alguém bateu à janela.
Júlia foi abrir e teve a surpresa de ver o marinheiro.
— Á! É o senhor! O que desejas?
— Faças favor. Olavo Freire está?
Obtendo resposta negativa e vendo o modo receoso da dona da casa o marítimo
exclamou:
— Ué! Parece que a senhora está com medo!
Júlia disfarçou como pôde.
— Não, não. O senhor quer esperar meu marido?
— Não posso esperar, sabes? Mas digas a ele que estive aqui. Digas que foi o José
Antônio dos Anjos.
E se retirou com a maior naturalidade.
Na noitinha, quando meu cunhado chegou, Júlia lhe transmitiu o recado.
— Olavo, esteve aqui um marinheiro te procurando.
— Um marinheiro? O que ele queria?
— Não sei. Apenas pediu pra te dizer que era o José Antônio dos Anjos.
Ao ouvir o nome Olavo se encheu de espanto.
— Como? José Antônio dos Anjos? Tens certeza?
— Tenho, sim. Foi esse o nome que me deu!
Olavo, com evidente surpresa, acrescentou:
— O marinheiro que conheci com esse nome morreu no Rio, no hospital central da
Marinha, quando eu lá servia também. Ora essa!
Todavia meu cunhado não queria acreditar no que ouvia. Só depois que a esposa e
dona Lola lhe deram detalhes sobre o marinheiro, acabou convencido de que se tratava
realmente de seu antigo conhecido.
Uma ponta de incredulidade, entretanto, não o abandonava de todo, tanto assim que
acrescentou:
— José Antônio dos Anjos era exatamente como descreverdes. Mas só vendo é que eu
acreditaria.
Nessa altura Lola, espírita praticante, propôs a realização imediata duma pequena
sessão em casa pra que com o auxílio dum copo obter alguma mensagem esclarecedora. E
assim se fez. Os três se concentraram murmurando preces.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Dentro de pouco o copo começou a dar sinais, movido por força misteriosa, sob os
dedos dos presentes, que se apoiavam levemente sobre o vidro.
Era como se alguém estivesse tentando transmitir alguma mensagem. No mesmo
instante se percebeu com espanto que o copo caminhava em direção ora a uma ora a outra
letra do alfabeto, desenhado em circulo na mesa. Primeiramente à letra J, depois ao O e a
seguir ao S, e assim até completar o nome José Antônio dos Anjos.
Nessa altura Olavo se mostrava plenamente convencido de que fora realmente o
marinheiro morto quem o procurara naquela tarde e perguntou, então, em voz alta, se seu
espírito se achava ali presente pra dizer o que desejava.
Velozmente o copo encetou uma caminhada pelas letras, acabando por formar uma
frase que era, ao mesmo tempo, uma resposta e um apelo emocionantes:
— Freire, tenho atrasado tua vida e por isso vim pedir perdão!
Vendo formada aquela frase de arrependimento, dona Júlia piedosamente respondeu
pelo marido:
— Em nome de Deus, estás perdoado.
Desde então nunca mais o marinheiro José Antônio dos Anjos apareceu àquelas
criaturas.
José Vilaça
Rua Joaquim Palhares 483
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O pilão de ipê
No lugar denominado Caracol, neste município, próximo à entrada que liga Caratinga à
vila de Santo Antônio de Manhuaçu, residia há muitos anos atrás o senhor Liberato
Caetano, que vivia com a família num sítio de sua propriedade.
Esse pequeno fazendeiro era parente da viúva Caetano, pessoa muito conhecida no
fórum de Caratinga por suas demandas e que ainda reside aqui, sendo sabedora dos fatos
que ocorreram com a família do citado Liberato.
Meu pai, Manuel Silvano da Rocha, residente nesta cidade, à rua Princesa Isabel 210,
também conheceu todas essas personagens e não só contava repetidamente esta história
como ainda apontava como testemunha o senhor José Pio de Oliveira, que atualmente
exerce o mandato de vereador na câmara municipal de Ipanema, estado de Minas Gerais.
No sítio de Liberato Caetano, onde a vida até então era calma e sem preocupação, a
partir de certo dia passaram a acontecer coisas extraordinárias.
Um ente invisível trouxe o desassossego àquela morada.
Em todas as noites a misteriosa entidade surrava os cães, que ladravam
incessantemente mal percebiam sua indesejável presença. Depois punha os cavalos a
galopar inesperadamente, vacas e bois eram atrelados aos carros, fazendo mover o
engenho de cana e o moinho.
Não satisfeito com os desmandos praticados durante a noite, o fantasma atormentava a
família em pleno dia, fazendo aparecer imundícies nas panelas de comida ou atirando
adentro da casa ninhos de marimbondo e madeiras apodrecidas pejadas de formiga
daninha.
Desaparecera a tranqüilidade daquele lar, até que seu chefe resolveu se mudar a um
local distante.
Assim foi feito. Em certo dia Liberato Caetano se pôs a caminho com sua gente,
levando seu pertence: gado, animal de sela, móvel, etc. Ficou na casa somente um enorme
pilão, peça, aliás, de grande utilidade, trabalhada em tronco de ipê e que só não foi
transportada devido a seu peso excessivo.
O novo sítio aonde se transferiu a família se chamava Paraíso e ficava no distrito de
Pocrane do Ipanema, a cerca de 80km de Caracol.
Três dias depois, quando Liberato se achava sentado no terreiro, respirando o ar fresco
e olhando o céu, cercado de pessoas da casa e dalguns vizinhos, exclamou a certa altura:
— Graças-a-deus estamos livres daquela peste!
Mal acabou de pronunciar tais palavras, todos ouviram uma voz sarcástica bradar:
— Arre! Logo a carga mais pesada foi que ficou pra mim!
E, boquiabertos, viram junto à porta de entrada o grande pilão que havia sido
abandonado no sítio do Caracol.
E ninguém vira o carregador que o trouxera de tão longe!
José Silvano Portes
(Relojoaria Portes)
Avenida Olegário Maciel 220
Caratinga, Minas Gerais
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O fantasma dum vivo


Em 1939 eu trabalhava em Aimorés, Minas Gerais, como telegrafista da ferrovia
Vitória-Minas. Tinha 18 anos.
Existem ali, no pátio da estação, conhecido como Triângulo, diversas casas de
funcionário da companhia. Numa delas morava um guarda-chave de nome José Santana.
Embora pequena, a casa abrigava o guarda-chave e sua família em dois quartos, a mim e o
file da estação em outro, e mais dois conferentes ainda noutro.
O fiel, que ocupava o mesmo quarto que eu, se chamava Jorge Curto. Os dois
conferentes eram os colegas Altamiro Correia e Arlindo Alves.
Vivíamos ali não só como companheiros de trabalho mas como verdadeiros irmãos. Eu,
por ser o de menor idade, era considerado pelos demais como o caçula.
Altamiro esta hoje casado, é meu compadre e permanece em Aimorés. Arlindo também
casou e reside atualmente em Argolas, estação de Pedro Nolasco. O fiel Jorge Curto ainda
mantém estreita relação comigo, e hoje, casado, é o agente da estação do Resplendor.
Trabalho atualmente no escritório do centro telegráfico de Pedro Nolasco, em minha
profissão de telegrafista.
Acontece que em Aimorés, quando saiamos a serviço, depois do banho e do jantar, ou
ficávamos reunidos conversando, ou então saiamos, indo cada um a seu lado, marcando
encontro pra que voltássemos sempre juntos. O fiel Jorge Curto arranjou uma namorada
de nome Abigail, que é hoje sua esposa, tratada na intimidade pelo apelido de Biga, e por
isso raramente regressava conosco à casa.
Sempre que chegava eu apagava a vela ou a lamparina (não havia luz elétrica), fechava
a porta e ia dormir. Quando Jorge chegava batia e eu abria a porta. Numa daquelas noites,
depois de tudo fechado e luz apagada, estava eu já na cama mas desperto quando vi que a
janela me parecia aberta. Dali vinha um clarão e nele distingui claramente meu colega
Jorge, tal como estava vestido naquele dia. Julgando que a janela estivesse aberta e que
fosse realmente o fiel quem ali estava, falei:
— Entres logo, Jorge. Queres me meter medo mas sei que és tu quem aí está!
Imediatamente tudo voltou ao normal. Não divisei mais Jorge e a claridade desapareceu
num relance.
Dentro duns 10 minutos Jorge Curto bateu à porta vindo da rua. Lhe contei o caso, que
achou deveras estranho, jurando não ter sido ele quem aparecera à janela, pois só estava
chegando naquele momento.
Este fato se repetiu várias vezes. Alguns instantes antes de chegar de fora Jorge Curto
surgia no quarto, onde ficava alguns instantes, visível em plena escuridão e depois
desaparecia.
Numa noite, depois de entrar, estando a porta fechada, se assentou na beira de minha
cama e pousando a mão sobre meu corpo disse em tom de contentamento:
— Jarbinhas, consegui hoje falar com a Biga!
Respondi:
— Esperes um pouco, vou acender a luz.
Quando acendi a lamparina vi que ninguém havia no quarto. Sua voz havia soado ali
dentro. Não havia dúvida porque de seu leito, no quarto ao lado, Altamiro, ouvindo o
diálogo, perguntou:
— Jarbinhas, com quem estás conversando?
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Isso tudo, contado, parece pesadelo. Garanto, porém, que todas as vezes que Jorge
aparecia no quarto eu me achava acordado. E nunca, após as aparições, ele tardava a
chegar mais que uns 10 minutos, dando a entender que naquele instante se achava a
caminho.
Jarbas Bitencourt Vieira Machado
Avenida Vitória 12, Jucutuquara
Vitória, Espírito Santo
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O noivo de dona Maricota


Este caso aconteceu comigo mesmo, da maneira que passo a relatar.
Há anos atrás eu trabalhava em Porto Novo, Minas Gerais.
Como minha família residisse distante, a uns 30km, aluguei um quarto na cidade onde
passei a habitar.
Nos sábados, porém, rumava à vila a fim de passar o domingo em companhia de minha
mãe. Pra isso adquiri uma bicicleta por não haver outro meio de condução.
Acontece que, próximo à casa de minha família, na vila, residia uma moça solteirona,
de uns 40 anos, chamada Maricota, cuja mania era se referir a seu noivo.
Todas as vezes que eu passava por sua casa parava minha bicicleta gracejando:
— Como é? Quando é o casamento?, dona Maricota.
Ela sorria sempre, mostrando dentes muito brancos, e respondia:
— Ainda hás de ver meu noivo!, Manuelzinho.
Cumpre dizer que todos sabiam que dona Maricota havia sido noiva aos 18 anos e seu
futuro esposo falecera na véspera do casamento, vítima dum desastre.
Passaram os meses e, certa vez, eu soube em Porto Novo que dona Maricota havia
deixado este mundo. Desde então todas as vezes que passava por sua casa me lembrava
com saudade daquela boa alma.
Um dia, entretanto, numa quinta-feira, ao passar naquele local, há uns dez anos, se deu
o fato extraordinário que é objeto desta narrativa.
Naquela quinta-feira, fora de meus hábitos, pois se tratava dum dia da semana, me
dirigi na tardinha à vila a fim de abraçar mamãe no dia de seu aniversario.
Na noitinha me despedi do pessoal e empreendi a viagem de volta a Porto Novo. O
caminho era estreito e dava apenas pra passagem dum veículo, havendo nele três trilhos,
dois feitos pelas rodas dos carros e um terceiro no centro, que mal dava pra minha
bicicleta.
A noite estava clara, pois havia luar e eu viajava sem a mais leve preocupação. Depois
de pedalar quase uma hora divisei dois vultos, um vestido de escuro e outro de branco,
que na medida em que eu me aproximava reconheci se tratar dum homem e uma mulher.
Então se deu o fato culminante: quando eu me achava a uns quatro metros das duas
figuras parei a fim de facilitar a passagem. O casal também parou e a voz feminina disse:
— Passes, Manuelzinho.
Curioso pra saber de quem se tratava, pois no interior são todos conhecidos, encarei
bem o homem e não o reconheci.
A outra figura, porem, era dona Maricota, que me sorria tal como em vida, quando me
dizia enlevadamente:
— Ainda hás de ver meu noivo!, Manuelzinho.
Manuel Macharete
Rua Bela 562
São Cristóvão, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Cumpriu a promessa
Um amigo meu, doutor José Carlos, antigo funcionário do Banco do Brasil, certo dia,
na presença do senhor Armando Távora, o popular Andorinha, da Casa dos Artistas, e
vendedor de livro, muito conhecido no meio teatral e radiofônico, me narrou este fato
singular.
Em sua juventude passada em Porto Alegre, José Carlos fizera amizade com um rapaz
chamado Mauro, com quem morou longo tempo.
Mauro costumava repetir uma brincadeira que consistia em se fingir de morto,
permanecendo em completa imobilidade, prendendo a respiração.
José Carlos não gostava de tão fúnebre pilhéria e sempre protestava contra a mesma,
ao que Mauro, duma feita, respondeu dizendo que, mesmo depois de morto haveria de
pregar uma peça ao companheiro e amigo.
Se passaram os anos e José Carlos veio ao Rio, perdendo completamente o contato
com seu antigo companheiro de quarto.
Já decorriam 15 anos desde que viera do sul, quando, indo ao cemitério São João
Batista acompanhar o enterro dum amigo, José Carlos se distanciou dos demais, se
desviando da rua central daquela necrópole e enveredando num estreito caminho lateral.
Ao passar, entretanto, entre duas sepulturas, sentiu que algo havia prendido a perna de
sua calça, chegando a fazer romper a casemira.
Ao se agachar pra desprender a calça verificou se tratar dum arame duma das muitas
coroas postas ali recentemente numa campa.
Por mera e natural curiosidade José Carlos olhou uma das legendas e, com inenarrável
espanto, veio a constatar que naquela sepultura estava enterrado seu velho amigo que, por
certo, nunca esquecera sua fúnebre pilhéria.
Rui Muratori Barreiros
Rua Sampaio Ferraz 8, apt 606
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A careta da morta
Minha família residia na cidade de Água Branca, município de Delmiro, Alagoas, há
doze anos. Tinha eu três anos de idade. Minha bisavó tinha uma irmã chamada Antônia,
que também residia naquela cidade, à rua de São Bento, hoje conhecida como rua do
Caju. Todos nós, parentes mais próximos ou distantes, a chamávamos tia Antônia.
Essa senhora era muito trabalhadora, vivendo apegada a sua máquina de costura, com
isso ganhando um bom dinheiro. Seu marido era muito gastador e tudo o que apanhava
consumia em bebida e prodigalidade inútil. Tia Antônia era excessivamente econômica e
escondia todo o dinheiro que a costura lhe proporcionava. Jamais se descobriu onde
ocultava sua economia.
Um dia a boa senhora adoeceu e em pouco faleceu.
A família, toda muito unida, foi a sua casa fazer o velório.
Já era tarde da noite quando minha bisavó, irmã da morta, notou que tia Antônia
parecia estar de mau jeito na mesa. O travesseiro muito baixo fazia com que sua cabeça
ficasse muito inclinada a trás.
No piedoso intuito de proporcionar ao cadáver uma posição mais cômoda, pediu que
fossem buscar um travesseiro da cama da falecida.
Como ninguém se mostrou com coragem de ir ao quarto da defunta, ela mesma foi,
trazendo um dos travesseiros de uso da irmã.
Levantou a cabeça da morta e, qual foi seu espanto ao pousar a cabeça novamente no
travesseiro que trouxera. Viu que o cadáver fazia uma careta medonha, contraindo a face,
enquanto duas lágrimas corriam dum de seus olhos fechados.
Todos os presentes fugiram da sala em disparada, apavorados com o que sucedera. Só
minha bisavó ali permanecera. Certa intuição misteriosa lhe induzia a ver naquela
transformação facial um sinal de desagrado pelo que acabara de ser feito.
Retirou o travesseiro e o examinou. Dentro deles estavam todas as economias da
falecida. Era ali que ela guardava seu dinheiro, sem que alguém tivesse descoberto antes.
A careta da morta parecia significar seu desejo de não baixar à sepultura com aquele
dinheiro sob sua cabeça.
Minha avó, dona Júlia Torres, residente à avenida Celso Garcia 3138, casa 3, na capital
paulista, testemunhou o estranho episódio, pois era uma das pessoas presentes.
Irene de Alencar
Rua Júlio Fragoso 24
Madureira, Distrito Federal
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Almirante

Manuel Perna-de-pau
Quando criança eu morava com meus tios e minha avó à rua Assis Carneiro 404, Rio de
Janeiro.
Minha tia, casada com um irmão de minha mãe, chamado Juca, era muito católica e não
acreditava em manifestação sobrenatural, aparição ou alma doutro mundo.
Um compadre desses tios, padrinho de sua filha, chamado Manuel, era portador dum
defeito físico: não tinha uma perna, razão por que se tornou conhecido pela alcunha de
Manuel Perna-de-pau.
Em certo dia, conversando em casa, minha tia manifestou mais uma vez sua descrença
no fenômeno do além. Estando presente o compadre, este, de gênio brincalhão, lhe disse:
— Não acreditas nessas coisas. Não é? Pois quando eu morrer virei te dar uma carreira.
Depois, com os dias, aquela brincadeira ficou completamente esquecida. Passados
meses, seu Manuel veio a falecer. Morava ele, então, à rua Alfredo Reis, pouco depois da
encruzilhada da rua Cristóvão Penha.
Na noite de sua morte minha tia e sua filha, afilhada do morto, foram fazer quarto ao
defunto, devendo ali permanecer até que meu tio as fosse buscar.
Todavia, como o tempo foi passando e tio Juca demorasse, resolveram mãe e filha
regressar sozinhas até casa, duas horas da manhã.
O céu estava estrelado e o luar clareava tudo ao redor.
Vinham ambas descendo o morro quando, no cruzamento da rua Alfredo Reis com
Cristóvão Penha, começara a ouvir passos.
O fato não teria maior importância se os ruídos não tivessem aquela característica tão
significativa pràs duas mulheres: eram passos dum perneta, exatamente como os do morto,
cujo corpo acabaram de velar.
No primeiro instante nem mesmo a estranha semelhança foi de molde a assustar mãe e
filha. Mas as passadas se tornaram cada vez mais fortes e mais próximas, até que a moça,
curiosa, olhando atrás, viu algo que a fez gritar horrorizada.
— Mamãe, olhes o padrinho atrás de nós!
Sem querer ver, a senhora segurou a filha pelo braço e disparou a correr em direção à
casa, que ficava situada um pouco mais abaixo. E entrou a gritar ao marido:
Este, que havia adormecido, se levantou e foi abrir a porta se enchendo de apreensão
ao ver o estado da esposa e ao ouvir seu assombrado relato após o que saiu à rua
investigando por todos os lados em pura perda: Ninguém estava ali.
Pouco depois, já mais calma, relembrando episódios passados com o falecido
compadre, foi que minha tia se lembrou da pilhéria de Manuel Perna-de-pau, zombando de
sua incredulidade:
— Não acreditas nessas coisas. Não é? Pois ao morrer virei te dar uma carreira.
Luzia de Souza Hahn
Rua Quiçanã 1325
Petrópolis, Rio de Janeiro
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Sobrou um
Este fato se passou em plena capital bandeirante. Lá se vão muitos anos, talvez 1912
ou 1913, quando eu ainda usava ceroula dois dedos acima do joelho.
Eu morava na avenida Paulista, principal artéria residencial paulistana, onde se erguiam
os palacetes Matarazzo, Gamba, Crespi e outros. No fim da avenida (interessante o fato
de todos tratarem aquele lado de fim, quando na realidade ali é o principio) descia a rua da
Consolação em direção à cidade e, nessa rua, a umas poucas quadras da avenida, ficava o
cemitério da Consolação.
Tudo isso não mudou até hoje.
Diante do cemitério havia um cinema cujo nome não me vem à mente. Era um
contraste chocante ver dum lado da rua a alegre casa de espetáculo tipicamente de bairro,
com a campainha estridente anunciando a sessão, as lâmpadas de 25v em profusão na
fachada, os pipoqueiros a apregoar em alto brado os cartuchos de pipoca e paçoca a 100
réis, o vozerio dos que passavam, paravam, pilheriavam.
Do lado fronteiro somente o paredão alto e sombrio do cemitério, medindo talvez três
metros de altura, perfeitamente em nível na parte superior mas em forma de escada pra
compensar o declive da calçada, projetando uma penumbra até o meio da rua.
Em todas as noites esse contraste era o mesmo até por volta de 23:30h, quando, ao
findar a última sessão, se apagava a luz do cinema, cessava o vozerio e aquele trecho caía
no mais profundo silêncio.
Eu, devido a minha idade, não podia freqüentar assiduamente tal cinema, mesmo
porque ele era considerado muito longe de casa. Na noite, nem se fala, mas quando o filme
era mais tentador, com um Tom Mix ou um William Hart, eu cavava sempre pra que meu
irmão mais velho fizesse o papel de ama-seca.
Num dia um dos rapazes habitués do cinema teve uma idéia que classificou como
genial: combinou com outros onze (doze ao todo), todos moradores da vizinhança, pra em
determinada noite irem cobertos com lençol, dos pés à cabeça, com buracos somente na
altura dos olhos, passear no alto do paredão do cemitério. A exibição seria feita em passos
lentos, logo que terminasse a última sessão de cinema e quando o movimento ali seria
intenso e o local estivesse em escuridão, pois as luzes já estariam todas apagadas. O fito
da palhaçada era causar pânico que, pros rapazes, seria o auge da comicidade.
Plano de tal natureza, entre adolescentes, só poderia despertar aprovação unânime.
Tudo combinado, marcaram a noite da farsa e juraram o mais absoluto sigilo.
Chegou, afinal, a noite ansiosamente esperada. Tudo estava preparado. Seria uma bola
gozadíssima, pensavam eles.
Às 23:30h teve início o desfile sobre o muro. Tudo corria a mil maravilhas e, mal dos
doze espertos haviam chegado diante do cinema, um deles, o da frente, se lembrou de
parar e conferir os companheiros a fim de se certificar de que todos puderam alcançar
aquela altura.
— Um, dois, três, cinco, sete, nove, doze, treze! Treze!?
Teve um espanto. Contou de novo.
— Dois, quatro, seis, nove, doze, treze!
Não era possível. Deviam ser apenas 12. chamou a atenção do segundo e este fez
cuidadosamente a contagem.
— Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze e treze!
Foi dado o alarme. O terror tomou conta de todos. Foi um pernas-pra-quê-te-quero!
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Dois ou três caíram ao lado de dentro, enquanto os demais, numa nervosa debandada,
saltavam à rua se machucando na queda. Refeitos do susto, depois de se terem afastado
até pontos distantes, os pândegos foram, um a um, regressando ao local. Só se reuniram
nove. Os outros três estavam mortos dentro do cemitério.
Nunca se soube quem fora a 13a personagem.
Oscar P de Carvalho, professor
Rua Bento Lisboa 175
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O Diabo atende logo


Trago a este relato os nomes de entes cuja memória venero até hoje e dos quais seria
incapaz de me utilizar pra divulgar fatos que não traduzissem rigorosamente a verdade.
Há cerca de 80 anos trabalhavam na construção da ponte sobre o rio Aleluia, entre
senhores e escravos, as seguintes pessoas: José Mendes de Almeida (nhô Gé Mendes),
Joaquim Matias (nhô Quim Matias), Inácio Mendes de Almeida (nhô Inácio), Severino
Alves de Oliveira, Inácio Antunes, Felismino Mendes de Almeida, todos proprietários;
José Camarada (que trabalhava pra vários patrões) e os pretos Cipriano, Camilo, Benedito
e Salvador (escravos de nhô Gé Mendes).
Inicialmente construíram uma passagem provisória pra condução de pranchões, vigas-
mestras e madeiras pesadas destinadas à construção definitiva da ponte.
Esse serviço era feito a força de braço, nele intervindo senhores e escravos, que se
misturavam na faina brutal. As peças mais pesadas, as vigas-mestras, por exemplo, eram
colocadas sobre a ponte provisória, construída já em certo declive e dali, mediante um
arranco em que se conjugava a força de vários homens, postas a deslizar até o lado
oposto.
Pra sincronizar a manobra e dar unidade ao arranco inicial o mestre do serviço
costumava bradar em tom respeitoso, porém enérgico:
— Vá com Deus e a virgem Maria!
E os trabalhadores, juntando a palavra à ação, impulsionavam as valentes peças,
respondendo:
— Váááááááá!
As imensas toras rangiam, então, na violenta fricção contra os barrotes da ponte e
alcançavam facilmente a outra margem.
Em ocasião duma daquelas travessias, nhô Quim Matias, que tudo presenciava, achou
de fazer uma de suas costumeiras pilhérias. Mal o mestre iniciara seu brado habitual:
— Vá com Deus...
Nhô Quim intercalou, em tom de gracejo:
— ... e com o Diabo também!
No mesmo instante, com tremendo pasmo de quantos ali se encontravam, se ouviu
estrondo ensurdecedor e o pontilhão desmoronou projetando ao rio o pesado madeirame e
inutilizando completamente o árduo serviço de tantos dias.
José Mendes de Almeida, que era meu tio-avô, e que havia testemunhado o
impressionante episódio, não podia o evocar sem denotar a emoção que o mesmo lhe
deixou até o fim da vida.
Aristides Mendes
Rua do Comércio 421
Cesário Lange, São Paulo
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Almirante

Um fumante incontentável
Tudo se passou na cidade mineira de Conselheiro Lafaiete, há alguns anos, com meu
conhecido Moacir Lagden que, naquele tempo, era graxeiro da EFCB (Estrada de Ferro
Central do Brasil).
Certa noite em que estava de folga, ia Moacir subindo a rua Marechal Floriano, que dá
na praça Tiradentes, situada num alto, quando viu caminhando a seu encontro um senhor
que no escuro lhe pareceu bem vestido.
— Queres me dar um fogo? Por favor. — Pediu o desconhecido.
Moacir, com o seu acendeu o cigarro do outro que, depois dum simples aceno de
agradecimento, tomou seu destino descendo a rua Marechal Floriano.
Adiante, próximo ao cinema Glória, Moacir novamente, depois de ouvir passos, notou,
vindo a seu encontro, outro homem cujo aspeto, entretanto, se assemelhava
extraordinariamente ao primeiro. Chegando perto o homem pediu:
— Queres me dar um fogo? Por favor.
A voz era a mesma. Moacir sentiu um arrepio mas não deu o braço a torcer e, com seu
cigarro, acendeu o do desconhecido que com um simples gesto agradeceu e seguiu
caminho em sentido contrario.
Moacir não podia compreender como o mesmo indivíduo poderia ter dado a volta de
maneira tão rápida, contornando passagens que lhe tomariam um tempo enorme, até poder
sair a sua frente naquela mesma rua.
De espírito prevenido, resolvido a tirar o caso a limpo, prosseguiu sua marcha. Não
tardou a ver que vinha de novo em sua direção.
Mais que depressa Moacir atirou fora seu cigarro e, quando o desconhecido se
aproximou, parou como das vezes anteriores e pediu com a mesma voz:
— Queres me dar um fogo? Por favor.
Moacir tirou do bolso sua caixa de fósforo e riscou um. Ao aproximar do rosto do
desconhecido teve um desmaio, caindo desacordado ao chão.
Quando se reanimou estava cercado por varias pessoas que o haviam encontrado no
meio da rua.
Lhes contou, então, sua extraordinária aventura e, como todos demonstrassem
curiosidade em saber quem era o indivíduo que três vezes lhe pedira fogo, Moacir
informou simplesmente:
— Uma caveira.
Antônio José de Barros
Rua Capitão Félix 73, casa 4
São Cristóvão, Distrito Federal
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Almirante

Voltou pra pedir perdão


Há muitos anos passados papai morava em São Mateus, Espírito Santo com seus pais e
irmãos, onde também residiam diversos outros parentes.
Um dos irmãos mais velhos de meu pai, chamado Juliano, era muito folgazão e, por
seus modos, dava a muitos a impressão de ser um atrevido, razão por que se via
constantemente provocado pela meninada de seu tope.
Uma das primas de papai era casada com um senhor de idade regular chamado Isolino.
O casal tinha diversos filhos. Um deles, da mesma idade de Juliano, gostava de comprar
briga e, assim, certo dia principiou a o desafiar o insultando a ponto de o obrigar a lhe dar
uns sopapos.
Fugindo o provocador, Juliano continuou seu trajeto a fim de fazer compra numa venda
próxima, satisfazendo uma incumbência de vovó.
O causador da contenda chegou a sua casa chorando, contando a seu modo o incidente
na rua.
Isolino, sem mais indagação, saiu imediatamente no encalço de Juliano e, o
encontrando, disse furioso:
— Seu cachorro, se voltares a bater em meu filho fiques certo de que acabarei contigo
a pontapé!
Com medo de apanhar o menino nada disse ali e voltou a casa onde relatou o incidente
a seus pais. A família ficou profundamente chocada com o sucedido e o pai de Juliano só
não foi imediatamente tomar satisfação com Isolino porque vovô impediu o aconselhando
a que entregasse o caso a Deus.
Passados alguns dias a família de papai, após o jantar e o toque de ave-maria, se reuniu
na sala de visita pro serão costumeiro.
A sala era bastante espaçosa e dela se podia observar perfeitamente quem entrava ou
saia na porta da rua.
Em certa altura, quando todos se achavam atentos ao que contava meu avô, Juliano
saiu da sala a atravessando bruscamente e se dirigindo a um quarto que ficava diante.
Enquanto isso a palestra continuava.
Em dado momento todos silenciaram ao ver Juliano entrar, branco como cera e com ar
de grande pavor. Espantados, indagaram o que lhe tinha sucedido.
Quase sem poder falar o menino contou:
— Vi um homem entrar ali no quarto, vindo do corredor, trazendo um pau no ombro,
tendo pendurado nele uma trouxa com se estivesse em viagem. Pensei que a pessoa, após
colocar os objetos e o chapéu no cabide, viesse ate aqui mas como demorou fui ver de
quem se tratava. Chegando lá nada vi e a ninguém encontrei.
Na manhã seguinte se espalhou a noticia da morte súbita de Isolino ocorrida na noitinha
da véspera. Juliano, aterrorizado, tirou do fato a seguinte conclusão:
— Era dele, papai, o vulto que vi ontem na noite. Estou certo de que foi seu Isolino.
Acho que veio me pedir perdão pela ameaça injusta que me fez.
Célio Vieira de Miranda
Rua Humaitá 169
Vitória, Espírito Santo
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Almirante

Passageiros do além
Em 1932, estando minha esposa seriamente doente, já cansado de recorrer aos médicos
da terra sem resultado, resolvi a levar a uma sessão espírita na casa dum amigo na avenida
Suburbana, esquina com Licínio Cardoso, onde se realizava reunião dessa natureza.
Lá estivemos em dia que não me recordo bem e, determinados aos trabalhos, saímos
tomando o bonde da Alegria, 23:30h, embarcando justamente no ponto que fica além do
hospital Central do exército.
O bonde vinha completamente cheio, tanto no carro-motor, onde subimos, como no
reboque, sem trazer pingente (pessoa que se pendura no lado de fora).
Pouco depois, quando o bonde fez uma curva pra entrar na rua Bela, me lembrei de
olhar atrás, satisfazendo uma curiosidade natural, a ver se viajava no bonde algum
conhecido.
Notei, então, que o reboque já não estava mais ligado ao carro-motor e fiz ver isso a
minha mulher.
— Viste o reboque quando tomamos o bonde? Não está mais lá.
— Vi, sim.
E olhando atrás ela respondeu:
— É engraçado.
Todavia, como era a primeira vez que íamos naquela zona, pois havíamos chegado fazia
pouco tempo no Rio, acreditei ser aquilo uma medida comum no trafego carril e não dei
maior importância ao caso, seguindo viagem até casa, na rua Zizi 71, Cabuçu, onde
morávamos.
Na semana seguinte, tendo se agravado o estado de saúde de minha esposa, fui sozinho
à sessão ainda na esperança de conseguir melhora pra ela, o que não se realizou, vindo ela
a falecer pouco depois, sendo eu hoje casado em segunda núpcia.
Como na vez anterior, terminados os trabalhos, me despedi da família e fui esperar o
bonde no mesmo lugar. Depois duns 15 minutos apareceu.
Quando se aproximava do poste em que me encontrava, num lance de olho, me lembro
de ter visto sentado num dos primeiros bancos do reboque um homem moreno e forte
usando palheta no alto da cabeça, camisa listrada, tipo estivador.
Esse passageiro me chamou a atenção porque era o único que se encontrava naquele
banco e ali estava com ar de quem gozava um passeio noturno.
Me recordo de que nos outros bancos vi apenas, difusamente, passageiros de sexo e
idade diferentes e nada neles me atraiu particularmente a atenção.
Tudo isso se passou num relance e eu me dispunha a tomar o reboque quando
repentinamente mudei de opinião e subi no carro-motor ainda em movimento me sentando
num dos últimos bancos.
Mais adiante, olhando atrás, tive nova surpresa: o reboque já não estava ligado ao
elétrico.
Como viajasse sozinho, sem ter a quem falar, aproveitei a presença do condutor que me
cobrava a passagem pra perguntar onde ficara o reboque.
O cobrador, por sinal um português, desses que falam bem carregado, me olhou
espantado e respondeu:
— Este carro não trouxe reboque, sinhoire! O último reboque é de dez horas da noite.
Agradeci e não quis pedir mais explicação.
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Almirante

O fato, entretanto, não me saía da cabeça e decidi tomar aquele reboque de qualquer
maneira.
Dias depois voltei à sessão onde, a bem da verdade, nenhum proveito poderia tirar, pois
minha idéia testava distante. Só pensava na volta.
Terminada a reunião em casa naquele domingo, me despedi apressadamente na firme
resolução de enfrentar o reboque fantasma.
O carro quase não demorou a chegar mas a mim aquela espera pareceu mais longa que
nas outras vezes, tal a expectativa em que me encontrava.
Quando o bonde passou na curva do hospital verifiquei que não trazia reboque, o que
me deixou seriamente decepcionado.
Ainda hoje permanece uma dúvida em meu espírito: Por que naquela noite, com todas
as circunstâncias favoráveis à auto-sugestão, o fenômeno não se produziu? Nem me
faltaram, pra tanto, a excitação nervosa, a expectativa alerta e o fato de ser tarde da noite.

poderia finalizar aqui esta narrativa, não fosse o desejo de relatar outro fenômeno
observado nessa mesma noite no bonde.
O elétrico vinha mais ou menos lotado e tomei lugar num dos últimos bancos.
Devido, porém, a um impedimento natural do trânsito, o bonde tomou linha contra-
mão e, assim, entrou na rua Bela.
Mais ou menos no meio daquela rua verifiquei que o impedimento era causado por um
camião que conduzia um bovino e que ficara atravessado na linha que dava mão, tentando
entrar num portão que devia ser estábulo ou garagem.
Em São Cristóvão o veículo entrou na linha onde trafega o bonde São Luís Durão, em
manobra pra entrar na mão e prosseguir viagem. Parou bem na esquina e tanto condutor
como motorneiro se dirigiram a um bar pra tomar algo.
Naquela ocasião eu estava sozinho no bonde. Todos os demais passageiros já haviam
saltado. Sem perder a lembrança do reboque, estava decidido a o tomar se, por ventura,
aparecesse. E, nesse propósito, me virei àtrás.
Caso estranho! Não vi o reboque mas na parte destinada ao motorneiro, como se
estivesse levantando do banco, divisei o vulto duma senhora baixa, morena, gorda, vestida
de preto e de cabelo cortado, como era uso na época. Vi a senhora se encaminhar ao
balaústre mas não a vi descer do estribo.
Julgando se tratar dalguma síncope que a tivesse acometido sem lhe dar tempo de pedir
socorro, me precipitei à socorrer.
Pra grande espanto meu ninguém havia ali!
Pouco depois motorneiro e condutor voltaram ao veículo e continuei como passageiro
único até a Central do Brasil, onde saltei.
Após tantos anos, relembrando os fatos, fico analisando um detalhe que então me
escapou e que hoje me faz chegar a uma conclusão expressiva: É quase impossível que um
bonde Alegria, naquela hora da noite, fique literalmente lotado de passageiro
exclusivamente à rua Bela!
Uma só explicação existe pro fato de ter eu ficado tão alheio a tudo: É que,
preocupado com o reboque, eu nem mesmo prestava atenção pra ver se o condutor
cobrava a passagem dos outros passageiros, ou ainda onde os mesmos iam saltando.
Naquela noite viajei com os mortos!
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Almirante

João Batista de Mello, subtenente


Estação-rádio do quartel-general da segunda região militar
São Paulo
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Almirante

A missa encomendada
Há muitos anos ouvi do virtuoso cônego Varela, residente em Mariana, um espantoso
caso por ele presenciado.
Ia Varela celebrar a missa cotidiana que tinha lugar no alvorecer e, no momento em que
se revestia do paramento litúrgico, viu entrar na sacristia uma senhora cuja fisionomia não
lhe era estranha. Se dirigindo ao padre a senhora, sem mencionar a intenção, encomendou
uma missa pro dia seguinte. Varela tomou o aponto necessário, tendo a senhora declinado
seu nome e residência.
— Maria Joaquina Gouvea. Rua Direita 15.
No dia seguinte, na hora marcada, rezava, o cônego, o santo sacrifício da missa,
oferecendo toda oração com a mente na senhora, procurando assim corresponder a suas
intenções não mencionadas. Desde o início constatara a presença de dona Maria Joaquina
Gouvea ajoelhada, rezando contrita perto do altar.
Terminada a cerimônia o sacerdote se retirou à sacristia. Enquanto guardava o
paramento estranhou que até o momento não tivesse sido procurado pela senhora a fim de
efetuar o pagamento da missa. Comentando o fato com o sacristão este quis saber o nome
da encomendante. Varela mostrou o caderno de aponto e viu o pobre sacristão ter quase
um desfalecimento ao ler o que estava escrito:
— Maria Joaquina Gouvea. Rua Direita 15.
— Não te lembras de que essa senhora morreu há uns cinco anos?
Só então o padre se recordou. Ainda atordoado correu à nave acompanhado do
sacristão. Lá ia a senhora se encaminhando à entrada da igreja, onde desapareceu
misteriosamente atrás duma pia de água benta.
Ana Marse G Bicalho
Rua Marechal Joffre 134, apt 303
Grajaú, Distrito Federal
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Almirante

O moleque endiabrado
Tenho aqui, em Niterói, um amigo, Júlio José Vidal, empregado da Companhia
Leopoldina que, ouvindo no rádio um dos casos fantásticos se recordou doutro, passado
em Santa Rita do Rio Negro, município de Cantagalo, cidade hoje chamada Euclidelândia.
Contou ele que em 1915 residida em Santa Rita, ali exercendo o cargo de gerente da
Congelamento e Fábrica de Manteiga Madonet, então de propriedade do senhor
Manuel Borges, já falecido.
Na referida localidade existia um ferreiro-fundidor chamado Antônio Mendonça,
português radicado no Brasil desde criança.
Mendonça, mesmo já velho, era dotado de espírito jovial e andava sempre rodeado da
rapaziada daquele tempo, proporcionando festa em sua casa e ainda acompanhando os
boêmios em serenata e farra noturna.
Apesar de ateu e descrente em tudo que fosse sobrenatural, era homem de bom
costume e muito trabalhador.
Tempos depois começou o ferreiro a se ver perseguido por um moleque preto, de baixa
estatura, musculoso, que não o deixava em hora alguma, fosse no trabalho ou passeio.
Como era dotado de grande coragem e despido de crendice, Mendonça enfrentava o
negrinho com a maior intrepidez, se tendo munido dum chicote trançado que brandia
contra o desaforado até o fazer desaparecer.
O interessante é que todos viam o velhote dar chicotada nalgo que ninguém conseguia
distinguir mas ele afirmava ser o moleque.
Quando Mendonça se recolhia ao quarto pra dormir, lá aparecia o endiabrado,
encarapitado no forro, donde se punha a gritar:
— Eu caio. Eu caio...
o ancião, irritado, respondia:
— Pois caias, moleque do Demônio!
E se seguiam os nomes mais cabeludos.
O estranho visitante caía, então, ao solo, produzindo enorme barulho mas o ferreiro
não se intimidava e deixava o leito pra brandir o chicote, o enxotando a fora do quarto.
Júlio Vidal, certa vez, indo à oficina do Mendonça encomendar um serviço qualquer prà
fábrica onde trabalhava, presenciou fatos interessantes.
Havia ali um fole destinado a alimentar o fogo, que, desde a intervenção do moleque,
todas as vezes que Mendonça ia o acionar enguiçava como se tivesse algo de anormal
dentro.
Naquele dia, estando presente Vidal, o ferreiro disse sem se perturbar:
— Essa peste já está aqui dentro mas darei um jeito.
Esquentando um ferro em forma de espeto até ficar em brasa, o meteu fole adentro
gritando:
— Saias daí, moleque dos diabos!
O fole voltava a funcionar pra em seguida enguiçar novamente, como se o moleque ali
entrasse e saísse a seu talante. A visagem perseguia Mendonça na garupa do cavalo ou em
plena rua, onde quer que estivesse. Duma feita, estando o velho português conversando
no largo de Santa Rita, interrompeu a palestra pra correr, vociferando impropérios atrás
dalguma coisa invisível aos demais.
Depois, voltando a conversar com os amigos, assim se expressou:
— Esse raio não me deixa mas hei de o cortar a relho ate que se vá embora duma vez.
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Almirante

Tudo isso ia num crescendo assustador e já Mendonça, apesar de toda sua serenidade,
começava a dar sinal de descontente quando uns amigos o aconselharam a procurar um
centro espírita existente no largo de Santa Rita.
Depois de relutar o ferreiro acedeu, afinal, sem ir a uma sessão, à qual estava presente
também seu amigo Vidal.
Iniciados os trabalhos e feitas as orações e cânticos do ritual, o presidente pediu aos
irmãos do espaço pra baixarem a fim de prestar ou receber caridade.
Após uns dez minutos eis que se manifestou, em transe, uma menina de dez anos que
recebeu certo espírito endiabrado que de nenhuma maneira quis revelar seu nome, se
limitando a dizer que na sala estava um irmão que havia cometido uma grande falta. E
terminou exortando esse irmão a restituir uma corrente que havia tirado duma sepultura e
rezar depois dez ladainhas, acender vela, etc, que tudo voltaria à normalidade.
Todos quando julgavam Mendonça incapaz de desliza ficaram surpresos quando o
viram se levantar e confessar que o caso havia se passado com ele. E contou que, certa
vez, passando num cemitério ainda existente em Santa Rita, parou diante duma sepultura
abandonada e tida como mal-assombrada.
A sepultura era cercada por uma corrente de ferro pintada de branco e ele,
impensadamente, resolveu retirar, a levando a sua oficina, onde a reparou, emendando os
elos partidos e a vendendo em seguida a um fazendeiro de Água Quente.
Desde então teve início a série de perseguição de que vinha sendo vítima.
Por duvida, após o que ouviu na sessão espírita, procurou o fazendeiro comprador,
explicando o que estava acontecendo e conseguindo a devolução da corrente. A trouxe à
oficina onde novamente a colocou na situação em que a encontrara.
No mesmo dia foi ao cemitério e repôs a corrente na sepultura abandonada e cumpriu
as demais recomendações.
O fato é que desse dia a diante nunca mais o moleque endiabrado apareceu!

José Vidal citou alguns moradores de Santa Rita daquela época que, com ele,
testemunharam esse fato: Arnaldo de Carvalho, Elestar Mendes, Laurentino Ribeiro, Alice
Mendes e o maestro Joaquim Negle, esse último muito conhecido em Friburgo, onde foi
regente da banda musical Campesina, estando atualmente residindo no Rio de Janeiro.
Dermeval Maia Netto
Rua Dona Júlia 38, Fonseca
Niterói, Rio de Janeiro
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Almirante

A proteção do morto
Este caso me foi relatado por uma cliente, há tempo, quando fui a sua residência, aqui
em Vitória, ver sua sobrinha que adoecera. Essa cliente, que se chama Maria Neves
Marques, é professora aposentada do estado e reside atualmente no Rio.
Seu pai, Francisco Neves, morava com a família aqui em Vitória, em casa própria,
vizinha à catedral. Certa vez, como o negocio não andasse bem, foi obrigado a hipotecar a
casa a um comerciante português com quem mantinha relação de amizade. Mensalmente
resgatava uma parcela da dívida colecionando religiosamente os recibos até que, ao se
aproximar o vencimento, havia pago toda a hipoteca.
Então, por esquecimento ou confiança no amigo, Francisco Neves não legalizou a
transação. Tempo depois falecia.
Mais tarde dona Terência Neves, a viúva, era visitada pelo tal comerciante português.
Dizia ele que o falecido não havia resgatado a dívida, tanto que não dera baixa na
hipoteca, e que era preciso solucionar o caso pelo pagamento ou mediante execução
judicial.
Dona Terência se escandalizou com a atitude do comerciante, afirmando estar certa de
que seu esposo pagara o que devia. O homem não se conformou e muitas vezes a
procurou insistindo em seu ponto de vista, pois a viúva não apresentava documento que
provasse sua alegação.
Numa noite dona Terência estava na sala conversando com um amigo da família a quem
relatava a pretensão do negociante que lhe queria tomar o único bem que possuía: a casa.
Os dois comentavam o assunto, quando ouviram um grito e o baque dum corpo no
quarto da viúva. Correram ate lá, encontrando caída no chão, desacordada, a empregada.
Reanimaram a rapariga que se levantou assombrada, dizendo:
— Foi seu Chico Neves. Vim ao quarto apanhar um objeto e, quando entrei, vi seu
Neves de pé, me olhando e apontando o último gavetão desta cômoda. Dei um grito e
nada mais vi.
O caso procurou ser explicado como fruto, talvez, de impressão, ou simples alucinação
visual. A rapariga, porém, teimava ter visto perfeitamente.
— Era ele, seu Chico Neves.
Então o visitante se lembrou:
— Por que não abrem o gavetão?
Foi o que fizeram. Logo encima se achava uma sobrecasaca do falecido. Num dos
bolsos encontraram um pequeno volume. Eram os recibos do pagamento parcelado da
hipoteca, passados pelo comerciante e somando o total da dívida.
Com essa documentação dona Terência pôde dar baixa na hipoteca, salvando, assim,
sua casa.
Areobaldo Lellis
Rua Henrique Coutinho 98
Vitória, Espírito Santo
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Almirante

O indispensável perdão
Este episódio fantástico aconteceu na cidade de Jaú, em 1920, no bairro João da Velha.
Meu pai, Francisco Ribeiro Maciel, casado com Graciana de Azevedo, era um dos
sitiantes do lugar.
Naquela época mantínhamos estreita relação de amizade com uma família pobre ali
residente, a do senhor Tibúrcio Corre e sua esposa dona Maria, conhecida como Maria do
Tibúrcio.
Nossas duas famílias viviam em grande amizade até o aparecimento duma preta, tia
Benta, mulher invejosa, que passou a promover discórdia entre dona Maria e mamãe, que
se tinham como verdadeiras irmãs.
Um dia, num baile em casa de Pedro Poli, todos se divertiam a valer, inclusive as duas
famílias amigas. Em dado instante a preta chamou dona Maria a parte e lhe disse ter
ciência de que a amizade que mamãe lhe demonstrava era falsa porque ela gostava do
Tibúrcio, com quem mantinha relação pecaminosa.
Ao ouvir essa revelação, dona Maria se encheu de ódio, dando crédito às palavras da
preta.
Aconteceu que no dia seguinte, quando mamãe foi a uma fonte próxima buscar água,
ao se aproximar da casa do Tibúrcio Correa observou que dona Maria estava no terreiro
em companhia de tia Benta.
Com surpresa, no entanto, viu que a amiga, justamente quando passava diante da casa,
lhe fechou a porta na cara, o que naquela época significava a maior ofensa.
Mamãe chegou a casa chorando e só mais tarde veio se inteirar do motivo de tudo.
De joelhos pronunciou uma praga terrível: se ela, Graciana, fosse culpada, quando
morresse iria ao Inferno, mas em caso contrário não perdoaria Maria do Tibúrcio, a qual
deveria mugir como uma vaca e comer palha como um animal.
Aconteceu que dali a dois meses dona Maria passou a sofrer da cabeça, procurando
palha pra comer e mugindo como um bovino, tal como mamãe praguejara.
Pouco tempo durou a infeliz senhora que, nos momentos lúcidos pedia a mamãe que a
perdoasse.
Mamãe, que nunca mais a visitou e, estando nossas famílias separadas, deixou de tomar
conhecimento desses pedidos.
No dia da morte de dona Maria muitos fizeram o velório ao corpo, menos qualquer de
nós.
No outro dia, entretanto, foram a nossa casa buscar dois bambus pra fazer um bangüê,
rede pra transportar cadáver.
Dona Maria foi enterrada no dia imediato mas durante aquela noite, intrigados,
ouvimos com clareza um rumor lá fora, tal como se alguém batesse com um bambu ao
chão enquanto gemia:
— Ai, ai.
Dentro da casa ficamos tentando adivinhar o que seria aquilo. Mamãe exclamou:
— Nada mais que Maria, que veio devolver o bambu.
Nesse instante ouvimos passos como de alguém que se dirigisse ao interior da casa, se
sucedendo um barulho como de pratos caindo ao chão.
Corremos pra ver mas nada de anormal encontramos.
Pouco depois, todavia, a casa ficou iluminada por uma luz verde, surgindo encostada à
porta a figura de dona Maria do Tibúrcio.
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Almirante

— Dona Graciana, me perdoes. Ai, ai, meu Deus!


Falou, dando um grito prolongado e desaparecendo.
Nos dias seguintes em quase todas as noites ouvimos os mesmos rumores fora e dentro
de casa, até que fomos surpreendidos pela visita da mãe da desventurada senhora, que nos
fez a seguinte revelação:
— Maria me apareceu nesta noite me causando grande perturbação a princípio. Depois
criei coragem prà ouvir. E ela assim me falou:
— Graciana não me perdoou, mas vás até lá pedir pra levar meus filhos a sua casa
porque hoje cairá um terrível temporal e as crianças têm muito medo.
Mamãe, que muito já fizera por aquelas crianças, respondeu à pobre senhora que iria as
buscar mas que jamais perdoaria a falecida.
Em quatro horas da tarde o céu começou a escurecer e mamãe anunciou:
— Aí vem a tempestade! Preciso buscar as crianças!
Dito e feito. Mal trouxe os órfãos até nossa casa e o temporal desabou terrível, caindo
o telhado de todas as casas da redondeza, menos o da nossa, que ficou intato.
Toda aquela gente sem teto veio, então, se abrigar em nossa casa, a enchendo.
E assim ficou penando Maria do Tibúrcio, até o dia em que meu pai mandou desfolhar
fumo na roça.
Até lá nos dirigimos e no meio do caminho nos deparamos com a falecida dona Maria,
de cabelo solto, vestindo camisola suja de terra.
Nós, as crianças, saímos em desabalada carreira mas minha irmã Laurentina, presa de
medo, não pôde dar um passo.
Nisto se aproximou a falecida e a menina pediu, aterrorizada:
— Não me batas, pelo amor de Deus! Minha mãe ainda não te perdoou mas não tenho
culpa. Sou uma criança e posso te perdoar em lugar dela! Em nome de Deus, dona Maria,
estás perdoada!
Nesse instante nós, que tudo presenciávamos a menor distância, ouvimos um grito e
uma exclamação:
— Graças a Deus!
Depois desse fato nunca mais a morta apareceu.
Marcílio Ribeiro Maciel
(falecido em primeiro de junho de 1949
no hospital Ademar de Barros,
Sapecado, São Paulo)
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Almirante

O galho de jaqueira
Aconteceu na cidade de Viçosa, Ceará, em 1929, o fato que venho narrar e que chegou
a meu conhecimento por intermédio do senhor Francisco Freire e de seu irmão João
Freire, este residente à rua Cândido Mendes 25, e aquele à rua Coronel Cota 92, nesta
capital.
Um tio dos mesmos, chamado Manuel Coelho, que então contava 52 anos de idade,
tinha hábito de acompanhar em seu regresso ao lar uma parente, residente na cidade de
Camocim, todas as vezes que a mesma o ia visitar.
Sucedia que, montado a cavalo, logo na saída do sitio, invariavelmente batia com a
cabeça no galho duma jaqueira existente no pátio, devido à rapidez com que o animal dava
a partida e, também, em razão da deficiência visual que atormentava o velho Manuel
Coelho.
Numa sexta-feira, quando se dirigia a Camocim com sua parente, mais uma vez bateu a
cabeça no galho da jaqueira e seu chapéu foi ao chão.
Apeou do cavalo, apanhou o chapéu, o colocou na cabeça e, se voltando à árvore,
exclamou enraivecido:
— Será a última vez que bato neste galho porque quando eu voltar, na próxima terça-
feira, o cortarei duma vez!
Seguiu viagem a Camocim.
Ali deixou a parente e, quando se preparava pra regressar, adoeceu subitamente, vindo
a falecer horas após.
Dias depois, em certa manhã, os parentes que se achavam na varanda da casa ouviram
de repente um barulho vindo de fora do pátio e correram a ver de que se tratava.
Fora justamente o galho da jaqueira que tombara sem que houvesse razão plausível pra
isso, pois não estava ventando na ocasião nem tal se dera durante a noite.
Todos se recordaram, então, da jura que Manuel Coelho havia feito, tanto mais que
estavam numa terça-feira.
E ficaram plenamente convencidos de que o velho, mesmo depois de morto, voltara pra
cumprir a promessa.
Guilherme Ramos Nogueira
Rua Ferreira Viana 18, ap 41
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Calafrio
Iola Kansas é uma cidade de Estados Unidos e o que ali se deu por volta do ano de
1908 me foi transmitido por minha mãe, Katherine Ritter, de nacionalidade ianque.
Minha mãe, que naquela época, há 40 anos, residia em sua terra natal, afirma ser
absolutamente verídico o fato comentado por todos seus contemporâneos e que narro a
seguir.
Naquele ano, em dia que ela não se recorda, a cidade de Iola Kansas fora abalada pela
morte dum homem que caíra do trem de ferro a grande velocidade. Esse passou a ser o
assunto do dia.
O corpo foi encontrado por um fiscal de linha duas horas após o trágico evento, tendo
o funcionário providenciado a remoção do cadáver ao necrotério, onde foi colocado sobre
o mármore da mesa a fim de sair, no dia seguinte, à sepultura.
O rapaz, que então exercia a função de vigia do necrotério era primo de minha mãe e se
chamava Clarence Petter, sendo reconhecidamente corajoso e descrente de superstição.
Na noite se achava ele sentado numa cadeira em seu posto de vigia quando, pelas 2
horas, ouviu um estalo fortíssimo produzido na própria sala em que se encontrava. Se
levantou rapidamente pra verificar donde viera o rumor. Olhou, escutou e nada viu ou
ouviu.
Voltando a seu posto, já então alerta pra não ser surpreendido, viu nitidamente o
cadáver se levantar do mármore e, em ritmo cadenciado, caminhar em sua direção. Foi só!
Com os olhos saltando da órbita o vigia saiu em louca disparada nas ruas escuras de
Iola Kansas, naquele tempo sem iluminação elétrica. Seus gritos apavorantes acordaram
quase toda a cidade.
As primeiras pessoas que chegaram se aproximaram do pobre vigia o encontraram
lívido e trêmulo. Só momentos depois conseguiu contar a horripilante história.
Em seguida um grupo acompanhou Clarence ao necrotério, onde se verificou estar o
cadáver no chão, contraído em arco.
Somente no dia imediato veio a ser desvendado o mistério que tanto pavor causou a
Clarence Petter e a tantos outros: a queda do trem que o desventurado homem sofrera foi
de tal modo violenta que seu corpo rolou celeremente, tendo permanecido longo tempo
enrodilhado, sobrevindo nessa posição a rigidez cadavérica. Ao ser levado ao necrotério, a
fim de que voltasse à posição normal e facilitasse depois sua colocação no ataúde, foi
amarado à mesa com corda no peito e nos pés, forçando o corpo a retomar a posição
horizontal.
Não resistindo à enorme pressão que o corpo fazia pra tomar a posição em que
enrijecera, a corda arrebentou e provocou o estalo que causara o enorme susto ao vigia e
o cadáver caíra ao chão, tendo antes dado a impressão de haver caminhado.
Acrescentou minha mãe que seu primo, por via da dúvida, não voltou àquele emprego.
Dario Ritter da Costa
Avenida Brasil
Belo Horizonte, Minas Gerais
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Visão do passado
Um fato passado em Lavras, Minas Gerais, há uns quinze anos, foi objeto de repetida
referência por parte de minha mãe, que o ouviu da própria protagonista, senhor Agripino
de Andrade.
Era uma sexta-feira da Paixão e aquele senhor, depois de assistir a procissão realizada
na noite se dirigiu a sua residência, que ficava um tanto retirada da cidade, à rua do Túnel.
Tudo estava deserto mas havia luar e Agripino, a certa altura, viu perto de si uma
mulher com uma criança no colo embrulhada num cobertor.
Naquela hora tardia era estranho que uma mulher sozinha se encontrasse ali e ele,
reparando melhor, viu que a poucos passos um porco a acompanhava grunhindo.
Por curiosidade, passando à frente, procurou ver de quem se tratava. Foi o bastante pra
que ela ocultasse o rosto com a mão, se voltando ainda ao lado.
Intrigado, Agripino andou mais depressa ainda, alcançando uma curva, onde se
escondeu atrás duma árvore donde podia observar toda a estrada.
Em seguida se aproximaram desconhecida e o animal, parando a poucos passos daquele
local.
O porco começou a cavar a terra fazendo um buraco, no que foi auxiliado pela mulher,
que havia colocado a criança no chão.
Quando a cova se mostrou suficientemente funda a mulher depositou nela a criança e
depois a cobriu de terra enquanto se ouvia o choro da vítima que não diminuiu de
intensidade nem mesmo depois de inteiramente soterrada.
Sem titubear, sem pensar sequer no sobrenatural, Agripino tratou de chamar gente, ao
mesmo tempo que corria no encalço da desalmada criatura. A malvada, porém, tomando a
direção dum curral que havia na proximidade, desapareceu inexplicadamente.
Aos gritos de socorro acudiram moradores da vizinhança, que também se empenharam
na busca que resultou totalmente inútil. Enquanto isso outros cavavam o chão no ponto
indicado por Agripino.
Foi geral a surpresa ao ser encontrada ali não a criança enterrada minutos antes mas o
esqueleto duma criança aparentemente da mesma idade.
Agripino de Andrade vive e mora atualmente na rua do Capim, em Lavras.
Eny Farah
Rua Tabapuã 196
Jacarepaguá, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Ninguém morre na véspera


Sucedeu com meu pai, Marcelino Rodrigues, há alguns anos, o fato que serve de tema
a esta narrativa.
Papai morava em São Sebastião da Pedra Branca, sul de Minas, e trabalhava num
engenho de açúcar de propriedade de Casemiro Osório. O sítio distava 2km daquela vila.
Em todos os domingos e também em certos dias da semana meu pai ia a São Sebastião
visitar alguns amigos, se demorando em palestra e passeio, voltando quase sempre à
fazenda em alta hora da noite.
Na saída da vila, do lado esquerdo, existia uma venda onde os caboclos tomavam seus
tragos. No lado direito ficava o cemitério.
Perguntou por que voltava e o homem respondeu:
— Vou à venda tomar um trago.
Seguindo seu caminho sem dar importância ao caso, papai, ao chegar à curva da
estrada de rodagem, avançou no atalho.
Uma estranha e desusada sensação de medo se apoderou dele repentinamente. Tentou a
vencer mas foi inútil. Mesmo reconhecendo a puerilidade de seu receio, resolveu não
seguir à fazenda naquela noite. Iria à casa dum amigo a quem pediria pousada.
Quando se dirigia, de volta, à casa desse amigo, encontrou outro colono, chamado
José, e este lhe perguntou por que vinha quando devia ir. Como papai lhe confessasse o
pressentimento que tivera, se ofereceu pra lhe servir de companhia até a fazenda.
Meu pai recusou o oferecimento declarando que já se decidira a não voltar e que só
regressaria a casa na manhã seguinte.
Ao raiar o outro dia foi encontrado um homem morto perto do capão. Era o caboclo
José.
O assassino, na fuga, deixou cair o boné, pelo qual a polícia o identificou e prendeu.
Ao ser inquirido, o facínora confessou o crime e declarou que o atentado era contra
João e não contra José. Acrescentou que, ao ver aquele caboclo sair da venda, ele, que
também ali se achava, se dirigiu ao capão do mato, onde se juntam as duas estradas.
Como a noite estava escura não pôde distinguir quem vinha no atalho e,
conseqüentemente, quem matara.
João, efetivamente, deixara a venda, chegando a caminhar alguns metros rumo ao
capão. Inexplicavelmente, porém, resolveu voltar a beber mais um trago. Nessa ocasião
cruzou com papai, que seguia à fazenda.
Meu pai, prosseguindo, foi logo adiante, vitima da estranha sensação de medo, que o
fez desistir da caminhada. Voltando encontrou José, que lhe ofereceu companhia.
Diante da recusa, José seguiu sozinho, pra tombar morto, por engano, poucos metros
depois.
Não sei como se poderá negar a misteriosa inspiração que livrou da morte dois homens
cujo dia final não fora ainda fixado pela justiça divina.
Maria Elba Rodrigues
Avenida Duarte Lemos 38
Vitória, Espírito Santo
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Almirante

O tesouro enterrado
Lá pelo ano de 1904 meu avô, capitão Liberato José de Souza, engenheiro da obra do
Porto, muito conhecido e estimado na Paraíba, em cuja capital residia, teve, certa vez, de
mudar de residência, indo ocupar uma casa na rua da Areia.
A família de vovô era composta de nove filhos: Anchyses Beuttermüller de Souza (meu
pai), Apolônio, Abelardo, Adelaide, Áurea, Aristotelina, Agripina, Alice e Alexina, Balbina
(sua esposa) e Belmira (sua sogra).
Poucos dias haviam decorrido depois dessa mudança, quando vovó passou a ter sonhos
estranhos: via uma mulher de branco perseguida por um macaco que lhe puxava a saia.
Assustada, acordava e, mesmo desperta, continuava a ver o fantasma, até que ele
desaparecia.
Contando o fato a seu marido, este, incrédulo, não se convencia e atribuía tudo à
imaginação de vovó.
Um dia, porem, meu avô verificou pessoalmente outros fatos estranhos dentro de casa.
Foi quando a família estava reunida na sala de visita e a empregada trouxe a bandeja de
café.
Minha avó ia entregando uma xícara a cada um mas quando vovô foi beber viu, com
espanto, que a sua estava vazia!
— Balbina, te esqueceste de mim? Será possível?
Vovó se desculpou declarando estar certa de haver dado a xícara cheia mas tratou de
providenciar nova dose, chamando a atenção do esposo.
Vovô levou a xícara à boca e, assombrado, viu que a mesma estava vazia e seca.
Diariamente, no meio-dia, eram ouvidos sons de sanfona partindo duma fechadura
antiga existente na porta do quarto do casal. Ate os vizinhos correram a ouvir a estranha
música que era invariavelmente a mesma.
Os próprios meninos, tão habituados ficaram àquela melodia que lhe adaptaram uns
versos, com que a cantavam a todo instante:
Ai! Meu benzinho quer dançar na vida
Ai, ai, ai! Quer dançar na viola
Nessa altura aconteceu que meu pai, Anchyses, então criança de sete anos e muito
traquina, em certa noite fosse castigado por mais uma travessura, devendo ir à cama mais
cedo que os demais.
Já estava acomodado quando notou curioso ruído embaixo da cama. Procurando ver de
que se tratava, começou a gritar horrorizado, afirmando ter visto ali um esqueleto de fogo,
com olhos verdes.
Vovó acudiu correndo e, quando o menino lhe falou da horrível aparição, tratou de o
dissuadir dizendo que tudo não passava duma inofensiva barata.
Papai não se convenceu e pediu a sua mãe que verificasse também e, quando dona
Balbina se abaixou e olhou embaixo da cama soltou um terrível grito, caindo desmaiada.
Todos correram ao quarto mas ninguém viu algo de extraordinário.
Meu avô vivia num incrível estado nervoso, pois sua esposa se conservava em
permanente preocupação, além de assustada e machucada, conseqüência dos desmaios.
Além disso as crianças viviam agarradas umas às outras, receosas de fenômenos tão
desagradáveis quanto imprevistos.
Certa vez minha avo mandou que sua filha Áurea fosse embalar na rede o caçula
Abelardo. De repente a menina notou que o recém-nascido chorava nervosamente sem
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Almirante

que, a princípio, soubesse o motivo. Entretanto, olhando atrás, Áurea viu a suas costas um
estranho macaco pendurado na rede, fazendo caretas amedrontadoras.
Vovó correu aos gritos da menina e só com sua chegada o quadrúmano se desprendeu,
caminhando pesadamente e tomando a direção da cama, onde desapareceu enquanto fazia
estranho rumor.
Doutra feita estava a família reunida na sala, quando todos ouviram estrondos na
cozinha, como se a mesma estivesse desmoronando, enquanto caiam panelas, pratos, etc.
Seguiram imediatamente até lá e, com espanto, verificaram que tudo estava intato:
nenhuma peça de louça quebrada!
Constantemente eram ouvidos ruídos estranhos, como se alguém rasgasse fazenda
nova, o que causava desagradável impressão aos moradores.
Vovó continuava a sonhar com a mulher de branco, sempre perseguida pelo macaco
que, nas três últimas vezes que se fez ver lhe apresentava um botija cheia de ouro que
seria dada em troca duma vela e uma missa no altar de nossa senhora da Conceição, pra
salvação de sua alma.
Vovó não deu importância ao caso ate que, em certo dia, quando se encontrava na
sesta, quase adormecendo, foi acordada pelo contato duma mão fria. Se tratava da mesma
criatura que lhe vinha aparecendo em sonho, acompanhada do macaco que lhe puxava a
saia.
Dessa vez a mulher se dirigiu a vovó e lhe disse:
— No quarto, embaixo da cama, na altura de tua cabeceira, há um ladrilho branco,
diferente dos demais. O levantes e caves até retirar o dinheiro que se acha enterrado ali,
sem o que minha alma não terá sossego.
Vovó pediu licença pra se fazer acompanhar por dona Belmira e, no dia seguinte, ambas
munidas de ferramenta, se trancaram no quarto e se puseram a cavar até que, retirando o
terceiro tijolo, encontraram grande quantidade de casca de ostra.
Nessa altura, dentro do quarto, surgiu o macaco, fazendo mímica e pulando ameaçador.
Minha bisavó rezava o terço e pedia a Deus coragem pra resistir e ter força pra continuar
o trabalho empreendido mas, como o animal continuasse a ameaçando, acabou perdendo o
sentido soltando um grito de pavor.
Vovô, que estava em expectativa atrás da porta, a arrombou e entrou no quarto com
enorme cacete mas já não encontrou o gorila fantasma.
Considerando não ser mais possível continuar morando naquela casa, vovô decidiu se
mudar o mais breve possível, desistindo de obter a fabulosa fortuna.
Dias depois a família se mudou. Se soube que após a saída de meus avós o senhorio
mandou reparar a casa e os dois operários que se ocupavam naquele mister, se achando
um no telhado e outro no quintal, viram surgir um enorme cão rosnando
ameaçadoramente e perseguindo o que se encontrava embaixo. Este gritou socorro e o
outro, que no momento trabalhava na cumeeira, percebendo se tratar de algo sobrenatural,
caiu e morreu instantaneamente.
O que estava no solo, chegando ao auge do pavor, enlouqueceu.
Consta que outra família, indo ocupar aquela casa mal-assombrada, conseguiu
desenterrar a botija repleta de ouro e prata.
Foi crença geral que a mulher de branco, antes de morrer, enterrara dinheiro mas sua
alma não teria sossego enquanto o mesmo não fosse retirado do abrigo subterrâneo em
que se achava. E, enfim, o macaco que a acompanhava, lhe puxando a saia, nada mais
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Almirante

seria que um espírito mau, empenhado a todo transe em impedir que ela encontrasse o
caminho do Céu.

Todos esses fatos foram revelados por meu pai, Anchyses Beuttermüller de Souza,
morador à rua Carolina Machado 454, sobrado, Madureira, que aponta como testemunhas
minhas duas tias, Aristotelina de Souza Albuquerque, moradora à avenida 7 de Setembro
87, Marechal Hermes, e Agripina de Souza, residente à rua Emberê 2, Vila Valqueire.
Ele, porém, poderia citar muitas outras testemunhas.
Haidé de Souza Carrazedo
Rua Carolina Machado 454
Madureira, Distrito Federal
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Almirante

A companheira macabra
Todos os anos, no primeiro domingo de abril, se realiza em Recife a tradicional festa de
Nossa Senhora dos Prazeres.
Lá pelo ano de 1929 resolvi comparecer à festa em companhia dalguns amigos cujos
nomes forneço: Francisco Costa, comerciante; José Boaventura, construtor; André
Italiano, comerciário; Walfrido, chofer do carro que nos levou; e meu irmão Flávio
Aragão.
Ao lado da igreja existe um velho cemitério que é visitado por quase todos os que vão
à festa.
Fomos nós também visitar o cemitério pra não destoar.
Percorríamos o campo-santo quando eu, ao passar por uma velha catacumba, descobri
uma caveira que ostentava quase todos os dentes.
Sem mais pensar a retirei dali e a apresentei aos companheiros, lhes lembrando que
todos nós, algum dia, seríamos justamente aquilo que eu tinha na mão. A seguir a coloquei
novamente no lugar donde a tirara.
Saímos depois, indo beber num dos bares que ali se improvisam durante a festa.
Na hora de dividir a despesa Francisco Costa propôs:
— Pagarei toda a despesa se um de vós buscardes aquela caveira. Se ninguém tiver
coragem irei mas, nesse caso, pagareis tudo!
Não tive dúvida. Levantei e fui marchando em direção à casa dos mortos, que distava
do bar uns cem metros.
Minutos depois estava de volta no meio dos amigos, sendo recebido com grande
entusiasmo e logo dispensado de entrar na vaca pro pagamento da despesa.
A cerveja voltou a encher os copos, que se ergueram num brinde à caveira. E eu, que a
conservava na mão esquerda, entornei várias vezes meu copo na cavidade bucal daquele
fúnebre achado, lhe dizendo:
— Bebas a vontade, que aqui nada pagas!
Nessa altura nossas mesas estavam cercadas de várias pessoas que conosco
compartilhavam da brincadeira.
Terminada a pagodeira tomamos o automóvel de Walfrido e rumamos à cidade
trazendo a caveira em meu colo ate certa altura, quando a joguei fora a pedido dos
amigos.
Seria mais ou menos meia-noite quando chegamos à cidade, tendo cada qual tomado o
rumo de casa pra descansar.
Só eu fiquei parado, justamente na esquina da rua 1 de Março com a avenida Martins
de Barros, esperando um bonde que me levasse até minha casa.
Bem próximo estava o bar Pereira Ferreira, ainda aberto.
Em seguida, quase em minha frente, parou um automóvel do qual desceu uma senhora
aparentando entre 35 e 40 anos, bem conservada e simpática, trajando elegante vestido
branco.
O carro partiu imediatamente e a dama se dirigiu a mim:
— Gostei muito da festa. A farra da caveira, então, foi formidável.
Perguntei se tinha assistido tudo e ela:
— Ora! Como não? Até bebi convosco!
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Almirante

De minha arte não estranhei essa declaração, pois embora não me recordando da
fisionomia de alguém que se encontrava na festa, tudo atribuí ao estado em que me
achava: de completa embriaguez.
A senhora, então, me convidou:
— Queres tomar algo comigo ali no bar?
Aceitei, adiantando que a despesa seria por minha conta.
— Será como desejas.
Entramos e fomos ao reservado, onde ficamos inteiramente sós.
Como amabilidade lhe disse em dado momento:
— Sabes que estou simpatizando muito com a senhora?
— Pois fiques sabendo que gostei tanto de ti que te acompanhei desde o cemitério.
Nessa altura o garção havia colocado na mesa uma garrafa de quinado Constantino e
dois copos com gelo.
A desconhecida apanhou a garrafa e encheu seu copo e o meu enquanto dizia:
— Como prova de amizade bebamos a nossa saúde!
Me levantei e, quando tentei tocar seu copo, eis que vi diante de mim um esqueleto,
ostentando a mesma caveira que me servira de troféu naquela noite!
Não dando tempo a me refazer do espanto, a fúnebre figura me lançou ao rosto todo o
conteúdo de seu copo, enquanto, com tremenda gargalhada, desaparecia como fumaça de
cigarro.
Meio sufocado com a bebida que me entrara pelas narinas, caí ao chão.
Ao recobrar o sentido, instantes depois, encontrei o garção a meu lado.
— O que tens?, senhor. Por que estás tão pálido e assombrado?
Eu, que ainda tinha nos ouvidos aquela estranha gargalhada, nada pude responder a
princípio.
Quando me refiz perguntei ao garção quanto devia e onde se encontrava a mulher que
entrara comigo no bar.
— Que mulher? Entraste aqui sozinho!
E arrematou:
— Como me pediste um litro de quinado e dois copos, pensei que esperavas alguém.
De repente ouvi um baque e, correndo até aqui, te encontrei sem sentido.
Augusto Aragão
Rua Vitalina 3
Duque de Caxias, Rio de Janeiro
(Falecido.
A exatidão os detalhes foi
confirmada por sua viúva,
Judite da Silva Aragão)
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Almirante

O canoeiro providencial
Foi lá pelo ano de 1927, quando se realizava a eleição governamental na Bahia, que se
deu um fato verdadeiramente extraordinário ocorrido com o senhor Juvenal Franklin
Torres, ali residente à rua do Céu 12.
Como testemunha aponto o senhor Mílton da silva Bittencourt, residente nesta capital à
rua Correia Dutra 158.
Se encontrava Juvenal em Largo da Calçada, Bahia, entre conhecidos e amigos que
esperavam sua vez de votar, entretendo uma palestra sobre assuntos políticos, no que
levou quase toda a noite. Eram cerca de 23h quando chegou sua oportunidade.
Mal acabou de depositar a cédula na urna e saiu apressado a fim de apanhar o último
bonde que o conduziria a Largo da Ribeira, donde tomaria uma canoa pra alcançar
Itacaranha.
E, de fato, assim fez. Saltou do bonde e seguiu direto à praia, procurando ver se havia
alguma canoa das que fazem a travessia.
Depois de quase uma hora de espera, quando já se dispunha a aguardar o dia seguinte,
ouviu o rumor característico de remo sobre a água e pôde verificar que se tratava dum
velho dirigindo sua canoa. Juvenal Torres exultou.
Estava disposto a pagar vinte vezes o preço da remada, pois o custo da condução era
apenas de mil réis naquela época.
— Escutes, velhinho, queres me levar a Itacaranha?
Sem responder, o barqueiro encostou a embarcação e o viajante se sentou numa das
tábuas que serviam de banco.
O velho fez a manobra e começou a remar, remar, passando rapidamente os 40 minutos
da travessia. Na praia de Itacaranha o viajante entregou os vinte mil réis ao prestimoso
remador.
O velho, depois de olhar a cédula, exclamou:
— Há muito não pego tanto dinheiro!
Juvenal riu enquanto dava um pulo pra não molhar os pés mas quando se voltou pra
dar um até-logo ao velho canoeiro nada mais viu além da imensidão do mar e o vaivém
incessante das ondas.
Tão apavorado ficou com o acontecido que, dias depois, se mudava de Itacaranha, com
dona Ricardina, sua esposa, e suas duas filhinhas.
Orlando Trindade
Rua Correia Castro 158
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Almirante

Os três caçadores
O caso me foi contado pelo próprio Nico.
Vinha ele de Portela a um lugar chamado Retiro, pertinho de Jaguarembê, município de
Itaocara, em companhia de Antônio e de Benedito André.
Noite linda e enluarada.
Naquele ponto a estrada passava no sopé dum morro. Noutro lado ficava uma várzea
extensa onde se destacava o vulto dum pé de crundiúba.
Foi Antônio quem viu primeiro.
— Repares lá, seu Nico! Que bicho grande está pousado na árvore!
— É verdade! Uai! Não conheço!
— Nem eu!
— Será urubu? Não! É grande demais.
— Vamos passar fogo nele. — Disse Benedito André.
— Boa idéia!, homem. Raio de ave esquisita!
Nico puxou um revólver da cintura o entregando ao outro.
— Não! Atires tu que tens melhor pontaria. — Disse Benedito.
De fato, Nico não atirava mal. Empunhou a arma, a levou à altura dos olhos, dormiu na
mira. Os outros dois, um na direita e outro na esquerda, emparelhados com ele, tinham a
atenção voltada ao estranho pássaro. Mais um instante e Nico, tendo enquadrado o bicho
na linha de visada, puxou o gatilho.
Lhe respondeu um grito humano a seu lado:
— Aiiiiiii!
— Antônio! O que foi?
— Estou baleado!
Sim. A bala que Nico destinara ao pássaro, sem que alguma vez se pudesse dizer como,
atingira na testa o companheiro que se achava ao lado,o pondo a terra ensangüentado.
Nico, excitadíssimo, não se cansara de repetir:
— Mas não pode!, gente. Atirei até lá! Antônio estava atrás. Como a bala iria voltar?
Felizmente o tiro pegara de raspão e, embora perdendo muito sangue, o estado de
Antônio não era grave. Mas Nico, até hoje, quando se lembra do caso, coça o queixo,
intrigado, resmungando:
— Mas se eu estava com a pontaria feita no bicho pousado no pé de crundiúba, como é
que a bala pegou Antônio quase atrás de mim!? Credo! Te esconjuro!
Damião Ferreira da Costa
Vila Ponte do Grama
Rio de Janeiro
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Almirante

Uma visão apavorante


Se passou comigo mesma o caso que narrarei. Em 1934 fui a um centro espírita em São
Mateus, Rio de Janeiro, a fim de pedir uma vaga pra pessoa de minha família.
Se tratava do jovem Waldomiro, que não queria trabalhar, vivendo entregue ao jogo de
azar, bebida, etc.
Waldomiro estava noivo em Tomazinho, situado na estrada de Nilópolis a São Mateus.
Quando voltávamos da sessão espírita, mais ou menos 23:40h, procuramos inutilmente
condução.
Então, a exemplo doutras pessoas, resolvi ir a pé ate minha casa, devendo gastar uns 50
minutos.
Quando chegamos à imediação de Tomazinho divisamos um vulto imóvel que a
princípio não nos causou receio por julgarmos se tratar de pessoa qualquer que ali
transitasse.
Nos aproximamos e vimos que era Waldomiro que, naturalmente, tinha vindo da casa
de sua noiva. O chamamos e nos respondeu normalmente, sendo grande nossa satisfação
em poder ter companhia naquela hora. Veio nos acompanhando na retaguarda.
Em certa altura, ao olharmos atrás, nos espantamos ao ver que ali estava um vulto
acéfalo vestindo calça branca e paletó escuro!
Quanto a mim, nada mais vi e, ao recobrar o sentido, estava dentro dum automóvel. O
motorista, conhecido nosso, informou que me havia encontrado caída no meio da estrada,
tendo se servido de algodão com gasolina pra me fazer recobrar o sentido.
Em casa tive conhecimento do que havia ocorrido: Waldomiro estava morto! Tinha sido
degolado pelos maus companheiros de jogo. O motorista, de nome Sebastião, tinha
justamente ido a meu encontro em São Mateus a fim de me informar o evento e me trazer
até casa.
Noêmia Emília Rineiro
Rua Teresinha 213, casa 2
Nilópolis, Rio de Janeiro
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Almirante

Despedida de amigos
Nossa pequena cidade foi, há cerca de 18 anos, palco dum caso estranho, sendo sua
principal personagem um engenheiro que hoje reside em Belo Horizonte, doutor Alfredo
Alves.
Um amigo seu, chamado Jonas dos Santos, se achava muito doente, vítima de
pneumonia dupla seguida de pleurisia.
Alfredo, constantemente, prometia visitar aquele amigo, nunca conseguindo devido ao
fato de estar sempre viajando a serviço profissional.
Aconteceu que, tendo Alfredo Alves demorado cinco dias numa viagem, nesse intervalo
de tempo Jonas faleceu não resistindo à terrível doença.
Ao regressar, o primeiro pensamento do engenheiro foi visitar o amigo cuja morte
ignorava.
Chegando ao jardim da praça da Matriz, a primeira pessoa que viu caminhando a seu
encontro foi seu amigo Jonas, elegantíssimo, vestindo terno escuro.
Alfredo Alves ficou deveras desconcertado com esse encontro, reconhecendo
intimamente haver tardado tanto a visita ao amigo que esse já tivera tempo de se
restabelecer completamente!
— Olá, Jonas! És de aço! Hem? Imaginava que estivesses fraco, convalescente, e te
encontro assim tão disposto!
— É verdade. Nunca pensei ficar bom tão depressa e confesso que estou admirado.
Mas nos sentemos aqui neste banco a fim de melhor conversar.
Se sentaram e longo tempo palestraram amistosamente sobre negócio enquanto o
engenheiro volta e meia se desculpava de só ter podido visitar o amigo naquele dia.
Enfim Jonas alegou não poder demorar mais. Já se haviam esgotado os poucos minutos
de que dispunha, fato que se esquecera de tão entretido na palestra. E se despediu em tom
patético:
— Adeus, Alfredo. Adeus!
Alfredo, sem dúvida, achou a despedida excessivamente tocante, mais do que seria de
se esperar de seu amigo, mas nem assim suspeito de algo.
Voltando a sua residência contou à esposa o que se passara. Ela retrucou:
— Não é possível! Não pode ter sido Jonas, pois foi enterrado anteontem e me
esquecera de te contar.
O marido nada mais ouviu e ali mesmo desmaiou, se seguindo ao desmaio uma febre
com delírio tremendo, durante os quais repetia seguidamente:
— Abracei um morto e me sentei com ele no mesmo banco! Não, não pode ser!
Iraídes Barbosa Machado
Avenida Pedro Segundo, sem número
Patrocínio, Minas Gerais
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Almirante

O Credo
O fato que passo a relatar se verificou lá pelo ano de 1926, quando eu tinha 9 anos de
idade.
A epidemia de varíola grassava no subúrbio. Nessa época a população praticava o
catolicismo com mais fervor, obedecendo à recomendação dos sacerdotes pra se fazer
procissão noturna, principalmente no fito de se obter a graça de ser aplacado o mal que,
como se sabia, era muito contagioso.
Meus pais, que eram portugueses, apoiavam aquelas peregrinações e procissões e
obrigavam a família a tomar parte no que se denominava a sagrada luta. Todos, munidos
de vela acesa, se punham em marcha cheios de fé, desfilando em silêncio da Fontinha até
Campinho, Jacarepaguá.
Numa quinta-feira de novembro daquele ano eu, minha mãe Laura, minha irmã Lídia,
meu irmão Salvador e um amigo Rafael partimos da Fontinha em direção a Campinho
segundo na estrada Rio—São Paulo.
Tudo correu normalmente e, já de volta, 23:30h, apressamos o passo pra não chegar
muito tarde a casa.
Na frente caminhavam mamãe e meus dois irmãos. Eu e Rafael éramos os últimos.
Nossa casa ficava na rua Coelho Lisboa 12, em Osvaldo Cruz, e, pra chegarmos até lá
tínhamos de passar novamente na Fontinha e atravessar a estrada do Barro Vermelho.
Em dado momento eu e Rafael ouvimos nitidamente passadas fortes em nossa
retaguarda. O som se acentuou quando atravessávamos o lugar denominado Caminho do
Cachorro.
Olhamos atrás e vimos perfeitamente que alguém nos seguia a salto. Procurando
satisfazer nossa curiosidade paramos um pouco tentando identificar quem vinha em nosso
encalço.
Vimos, então, uma forma que mais parecia um espantalho: pernas compridas e abertas,
quase sem corpo, e cabeça semelhante a uma bola de grande proporção. Não se via seu
rosto porque o monstro tinha os braços cruzados na altura da face, com os cotovelos
virados a fora.
Enquanto isso se passava os outros já se haviam afastado de nós sem perceber.
Todavia, como mamãe nos chamasse corremos até a alcançar, não sem olhar de vez em
quando atrás, já então verificando que o fantasma havia desaparecido.
Perguntamos aos demais se tinham visto algo de anormal e obtivemos respostas
negativas.
Em razão disso nos juntamos ao grupo e só em casa descrevemos a terrível visão.
Na manhã do dia seguinte, ao relatar o caso a alguns vizinhos, vim a saber que aquela
aparição era habitual ali.
Me contaram, então, que em alta hora da noite o fantasma costumava aparecer dizendo
se chamar Credo. Ao corajoso que desejasse saber o que pretendia, perguntava com voz
de além-túmulo:
— Sabes rezar o credo?
E continuava na mesma posição, imóvel, terrífico, pernas abertas, cabeça escondida
pelos braços.
Tal aparição, acrescentaram, era bastante conhecida de todos os moradores de Osvaldo
Cruz.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Sua última vítima foi um pobre rapaz que passou no local fatídico, certa vez, na meia-
noite.
Aparecendo o fantasma, perguntou quem era e o que desejava, obtendo como resposta
a costumeira pergunta:
— Sabes rezar o credo?
Apavorado, o jovem correu enquanto berrava:
— Credo em cruz, santo nome de Jesus!
Mal, entretanto, acabou de pronunciar o sagrado nome de Cristo, ouviu um estouro
surdo e percebeu que a visão se desfazia em pedaços que desapareceram antes de tocar o
chão.
Desde então o Credo nunca mais apareceu.
Altair Barbosa de Almeida
Chefia de linha e instalação do DCT
Largo do Machado 35, 3º
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O fantasma do hotel
Meu filho mais velho tinha, naquela época, 22 anos e, em certa noite, viajando a
negócio no sul, chegou a um hotel onde era hóspede antigo, quando percorria aquela zona
de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Disse o hoteleiro:
— Infelizmente, meu caro, não dispomos desta vez de quarto vago.
— Mas, não é possível! Sempre me arranjaste quarto.
— É verdade. Entretanto, desta vez não posso te satisfazer, por estar tudo ocupado.
Meu filho insistiu.
— Ora essa! Tenho que dormir aqui. Aonde irei? Me arranjes qualquer coisa: durmo
dentro duma banheira, em cima duma mesa. Qualquer coisa serve, contanto que eu possa
passar a noite abrigado e amanhã cedo seguir viagem.
— É pena mas nada tenho. A não ser...
— A não ser o quê? Tens algum jeito?
— É. Eu estava pensando que se o senhor quisesse ficar no apêndice...
— Ótimo! Está muito bom. Mandes aprontar um leito. Dormirei lá.
O apêndice era uma construção separada do corpo do hotel e constituído por pequenos
quartos de madeira, com portas e janelas envidraçadas, servidas de contra-ventos de
madeira.
Em instantes estava preparado um daqueles cômodos e até lá seguiu o rapaz com a
bagagem. Instantes depois se deitou e, sem demora, adormeceu.,
Não teve idéia justa do tempo que dormiu e só sabe que, a tanta da noite, foi
despertado por um ruído de espora, batendo na laje do pátio.
Eram passadas nítidas, fortes, que iam e vinham dum lado a outro. Se tratava,
naturalmente, de alguém calçado de bota e espora que ali estava passeando diante do
quarto em que meu filho se achava.
Como a cama estava colocada bem diante da janela, o rapaz viu através da vidraça o
vulto dum militar indo e vindo no pátio.
Aborrecido por ter sido despertado de modo tão importuno, esperou o momento em
que o passeante se achava de costas e subindo o pátio, se levantou, foi fechar a janelinha
de madeira e voltou ao leito resmungando:
— Esses camaradas não têm mais o que fazer. Ora! Se isso é hora de alguém estar
passeando, batendo com os tacões assim com essa força. Não têm respeito aos outros!
Realmente, com a janelinha de madeira fechada, os passos se tornaram menos audíveis
e, felizmente, pouco depois, já não eram mais ouvidos, podendo o hóspede novamente
reatar o sono interrompido.
No dia seguinte, cedo, o rapaz se dirigiu à sala de refeição pra tomar café. Quando o
hoteleiro se aproximou pra dar bom-dia, aproveitou o ensejo pra formular uma
reclamação.
— Bom. Dormiste bem?
— Quê! Dormi? Que nada! Francamente, precisais dar um jeito e convidar aquele
oficial a ir passear noutro ponto. Que diabo! O homem não me deixou dormir em paz.
Não parou de andar de lá a cá, de cá a lá. Parece que escolheu logo a frente de meu quarto
pra pisar mais forte. Quem era ele?
Como o hoteleiro mostrou um ar de assombro, meu filho acrescentou:
— Uê! Que tens?, senhor. Com uma cara tão espantada!
— Queres dizer que viste o homem?
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

— Vi, sim, mas o que tem isso demais? Que mistério é esse?
— Então, por favor, não contes a alguém.
O hoteleiro passou a relatar a meu filho que no quarto onde ele dormira fora
assassinado um capitão. Desse dia a diante, vez e outra, aparece e fica passeando no pátio.
Pára diante da janela, mas somente quanto ela fica de vidraças abertas. Depois continua o
passeio que se prolonga, às vezes, até a madrugada. Com as janelas fechadas nunca o
vulto apareceu. Várias pessoas o viram e nunca mais voltaram àqui. Por isso peço que não
contes a alguém, senão os hóspedes me abandonam.

Quando meu filho me fez esta impressionante narrativa, tive a curiosidade de saber se
teria coragem de voltar a dormir naquele quarto, após tudo o que vira e soubera.
— Sim. Mas teria o cuidado de fechar as janelinhas de madeira.
Madeira M. L. Lisboa
Largo do Machado 21
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O abraço milagroso
Este fato sucedeu com o senhor José Ribeiro, sargento-ajudante de ordem, de 40 anos
de idade, casado e com dois filhos.
Reside ele à rua Souza Franco, Maracanã.
Desde muito tempo vinha servindo no quartel da vila Militar mas ultimamente servia na
casa de ordem da mesma vila. Acontece que dalgum tempo a cá José Ribeiro contraiu a
moléstia mal de párquinson com tremor constante no lado esquerdo.
Certa vez, indo à cidade pra legalizar uns papéis com os quais pretendia conseguir a
reforma, se deu o episódio que é objeto desta narrativa.
Ao percorrer a avenida Passos, em certa altura se viu forçado a parar diante da
exclamação duma senhora que em alta voz, chamando a atenção de quanto que ali
transitavam, lhe disse:
— Coitado! Venhas a cá, meu herói. Me dês um abraço!
E assim dizendo o apertava entre os braços.
Naturalmente a dama o vendo fardado e caminhando com certa dificuldade, o chamava
de herói por o considerar vítima de guerra.
O surpreendente, entretanto, é que José Ribeiro, logo após o abraço da desconhecida,
sentiu cessar por completo o tremor, ficando perfeitamente curado. Um verdadeiro
milagre!
Nunca mais José Ribeiro viu ou soube da tal senhora de cujo traço fisionômico nem se
recorda.
Alice Saraiva
Rua Barão de Mesquita 141-A, 1º
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O Boitatá
Em 1941 eu morava em Castro, Paraná, onde nasci e onde ainda tenho pais e irmãos.
A uns 400km da cidade, no sítio denominado Aparição, trabalhava meu irmão Paulo
numa serraria pertencente à fazenda Marumbi.
Ali próximo, distante apenas 3km, meu cunhado João Carradi (mais conhecido pela
alcunha de Palito) possuía uma venda que era a única do lugar.
Em todos os sábados eu rumava até a casa de Paulo, onde jantava e, na noite, ia em sua
companhia caçar tatu, que ali havia em abundância.
A venda de Palito era freqüentada por um rapaz, Dinarte, morador na redondeza, e,
num sábado, esse rapaz se deixara ficar ali batendo papo até perto de 11h da noite, quando
resolveu ir até casa.
Deu boa-noite a Palito e aos demais e foi seguindo seu caminho. Ao passar num capão-
de-mato, local muito escuro, sentiu repentinamente um calafrio enquanto avistava a sua
frente uma grande tocha que ora mostrava cor esverdeada e sinistra, ora o tom duma brasa
centelhante.
A estranha luz, em sua caminhada extravagante, mudava incessantemente de lugar,
dando a nítida impressão de que uma entidade sobrenatural ali estava presente, disposta a
entravar os passos do caminhante noturno.
Foi quando Dinarte, sentindo o cabelo se eriçar de pavor, se lembrou da apavorante
lenda do Boitatá, a que todos os moradores da região davam pleno crédito. E,
aterrorizado, com as pernas tremendo, retrocedeu no mesmo caminho em louca correria,
procurando fugir àquela visão.
Nem o rapaz sabe explicar como de novo foi bater à venda de Palito, já recolhido ao
leito naquela hora e que, por essa razão, demorou um pouco a atender.
O dono do botequim, ao reparar o freguês, estranhou sua palidez e expressão de pavor.
O fez se sentar e só a muito custo pôde contar a estranha ocorrência. Palito lhe deu
pousada naquela noite que, pro hóspede, foi cheia de sobressalto.
No dia imediato a notícia se espalhou em toda a redondeza, e até os mais incrédulos
balançavam a cabeça apreensivos, na preocupação daquela ameaça positiva, agora
considerada insofismável diante do novo testemunho.
Não tardou que tais rumores também chegassem ao conhecimento de Paulo, que veio a
meu encontro e, com ar irônico, me chamou por um nome que a princípio não entendi
bem:
— Boitatá!
— Que negócio é esse?
— Onde foi que andamos ontem caçando tatu? — Retrucou Paulo.
E então o mano me fez lembrar o capão-de-mato próximo à venda de Palito.
— Boitatá! — Repetiu Paulo, enquanto eu, sem ter atinado com o ponto a que ele
queria chegar, lhe indagava o que queria dizer com isso.
Meu irmão percebeu, então, que eu ainda não soubera do que acontecera a Dinarte, e
me explicou tudo. Justamente naquela hora estávamos na altura do capão-de-mato e
levávamos conosco uma lanterna acesa, dessas usadas pelos vigias das linhas férreas, com
um vidro branco dum lado e um verde do outro.
Seguindo silenciosamente o cão-de-caça, ora entrávamos no mato, ora saiamos na
estrada.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Como eu carregava a lanterna passei, no dizer de meu irmão, a encarnar a figura da


lendária personagem que tanto pavor causara a Dinarte!

Quando, mais tarde, fomos procurar o aterrorizado rapaz para o tranqüilizar, contando
a versão naturalíssima do caso, Dinarte não quis, de modo algum, se convencer, e quase
brigou conosco, declarando textualmente:
— A mim é que não enganam! Pois até vi a horrível carantonha do monstro!
João Boamorte
Avenida João Pinheiro 1383
Nilópolis, Rio de Janeiro
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Sonho premonitório
Meu nome é João Duarte Barbosa e sou, há treze anos, vendedor do perfume Coty.
Meus pais se chamavam Benício José Barbosa e Valentina Barbosa. Morávamos em
Cabo Frio, Rio de Janeiro, onde meu pai era antigo hoteleiro.
Sendo de espírito alegre e coração boníssimo, papai era muito popular e estimado.
Tínhamos em casa como copeiro um rapaz moreno que se chamava Teófilo. Entre os
hóspedes havia Aníbal do Vale, farmacêutico local, que viajava constantemente ao Rio.
Estávamos no ano de 1916 ou 1917 e, hoje, Aníbal do Vale é grande salineiro em Cabo
Frio.
Um dia Teófilo fez um pedido ao farmacêutico:
— Seu Aníbal, o senhor que viaja tanto ao Rio, não poderia me arranjar lá um emprego
pra mim?
— Pois não!
E, de fato, pouco tempo depois Teófilo deixava o hotel de papai e vinha ao Rio ocupar
o emprego que seu Aníbal lhe conseguira. Soubemos que fora servir como copeiro dum
navio que viajava à Europa, ficando nós sem noticia sua por longo tempo.
Numa noite papai acordou muito excitado e, despertando mamãe, que tinha o apelido
de Nenê, lhe disse em voz ofegante:
— Nenê. Tive um sonho horrível. Sonhei que alguém bateu no portão e eu cá de cima,
com o lampião na mão, perguntei: Quem é? De longe, quem batia, respondeu: Eu! Não
reconheci a voz e, levantando mais o lampião, insisti: Eu quem? Respondeu: Sou eu!
Me chamo Pireneu. Avises minha mãe. Então o portão se abriu e vi um rapaz alto,
embrulhado numa capa inteiramente molhada, escorrendo água. E, sabes quem era? Era
Teófilo, nosso copeiro. Mas por que será que disse se chamar Pireneu?
Durante alguns dias aquele sonho ficou intrigando toda a família. Passado algum tempo
uma notícia enviada pelas autoridades marítimas dava uma informação arrepiante, que por
si mesma explicava o sonho.
Com grande palidez na face papai leu pra nós o despacho assim concebido:
— Comunicamos a morte de copeiro Teófilo, ocorrido na altura dos Pireneus, onde seu
corpo foi atirado ao mar, segunda a praxe de bordo.
A data era a do terrível sonho.
João Duarte Barbosa
Rua Afonso Pena 81, apt 601
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A valsa inacabada
Dou como testemunhas deste episódio minha tia Leonor rosa Viana, 77 anos de idade,
e minha prima Zizinha, ambas residentes à rua Doutor Porciúncula 27, Niterói.
Existia em 1910 no município de Miracema, Rio de Janeiro, a fazenda Boa Vista. Seu
proprietário tinha verdadeira loucura pela música e executava com mestria o bombardino.
Tendo muitos filhos e residindo distante da cidade, resolveu, um dia, contratar uma
professora de letra que foi justamente minha tia Leonor, que levou em sua companhia sua
filha Gabriela, 8 anos de idade, tratada na intimidade por Zizinha.
Zizinha, apesar de não ser muito afinada, possuía, porém, voz muito forte e seu
passatempo predileto era cantar, coisa que fazia o dia inteiro. As músicas de seu repertório
eram Rato, rato, Faz hoje um ano, Bem-te-vi e outras daquele tempo.
O fazendeiro achava muita graça na pequena e não raras vezes a acompanhava ao
violão.
Em certa manhã se achava ele na horta em companhia de seu filho Oscar, que contava
então 12 anos, quando interrompeu repentinamente seu trabalho, ficando em atitude de
enlevo.
O fato causou estranheza ao filho:
— O que é que tens?, papai.
— É essa música, meu filho.
— Essa música? Que música?
— Não estás ouvindo?
— Não. Mas, com certeza, é Zizinha que está cantando, como sempre.
— Não pode ser. Zizinha é desafinada e essa voz é de alguém que canta
maravilhosamente.
— Então dona Leonor. Ela também costuma cantar na varanda, fazendo crochê.
A suposição não convenceu o fazendeiro. Intrigado, correu à casa da fazenda, onde
encontrou a professora na varanda a palestrar animadamente com suas alunas. Zizinha, no
terreiro, despreocupadamente, saltava corda com outras meninas.
— A senhora não estava cantando?
— Agora não. Estava conversando.
— Mas ouvi nitidamente alguém cantando aqui.
— Não. Aqui não foi. Quem sabe foi alguém do Mirante? Às vezes o vento traz até
aqui as vozes do pessoal de lá.
Mirante era um sítio distante cerca de um quilômetro da Boa Vista. Tão interessado
estava o fazendeiro, tão ansioso de deslindar o mistério que, montando cavalo partiu
célere ao sítio vizinho. Na porteira encontrou o preto-velho.
— Vosmicê vai lá em cima?
— Vou, sim, Sebastião.
— Mas não tem alguém em casa. O patrão foi com a mulher e as filhas a Lage, assistir
um casamento.
— E garantes que não tem alguém em casa?
— Pois, então. Vim de lá agorinha mesmo.
Sem saber como explicar a origem da voz misteriosa, o fazendeiro voltou à fazenda. Ia
seguindo com o cavalo a passo, quando ouviu, na margem da estrada, dum ponto onde
não havia alguém, uma voz triste e suplicante:
— Escrevas minha música! Escrevas! Não tive tempo de a acabar em vida.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

E logo a mesma voz misteriosa se pôs a entoar a triste melodia de momentos antes.
Tão penetrante era sua beleza que o fazendeiro a reteve imediatamente e, mal a voz
cessou, correu até casa e ali, tomando seu bombardino, a executou na íntegra. Em seguida
a passou ao papel. Ao desenhar na pauta a última nota, sentiu sua mão impelida por uma
força estranha que a obrigou a traçar, letra após letra, um nome:
— Lucindo.

Dias depois o fazendeiro veio a saber de que, em Miracema, um mês atrás, falecera,
vítima de colapso, no momento em que escrevia a última de suas lindas valsas, um
compositor de nome Lucindo.
Jairo Lobo Viana
Pátio da Leopoldina
Niterói, Rio de Janeiro
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Fixou a hora da morte


Foi no dia 25 de dezembro de 1919, Natal.
A menina Jandira Ribeiro da Silva, de onze anos de idade, residia com seus pais em
Olaria.
Seu progenitor se chamava Augusto Ribeiro da Silva e era bombeiro hidráulico. Sua
mãe, Iracema Ribeiro da Silva, se dedicava aos afazeres do lar.
Em certa hora daquele dia Jandira foi até a janela e assistiu a passagem do enterro
duma moça. Ficou alguns instantes olhando e, repentinamente, chamou sua mãe:
— Mamãe, mamãe...
Iracema abandonou sua ocupação caseira e foi pressurosa atender ao apelo insistente
da filha.
— O que queres?, minha filha.
— Mamãe, hoje é meu último dia de vida. Estás vendo aquele enterro? Amanhã farei
companhia àquela moça. Não chegarei às seis da tarde de amanhã.
Iracema não ligou muito ao que ouvia e censurou a filho dizendo que não brincasse
com coisa séria. Todavia a menina, como tomada de convicção indestrutível, repetiu:
— Tenho certeza de que amanhã será meu último dia, mamãe. Olhes: Nem chegarei a
ouvir os sinos às seis da tarde.
Apesar dessa insistência, Iracema não pensou mais no incidente. Jandira gozava de
ótima saúde e tudo não deveria ter caráter além duma brincadeira sem alcance.
No dia seguinte, logo cedo, a menina foi a seus pais e, sem preâmbulo, pediu:
— Como hoje é meu último dia, preciso me despedir de tudo. Quero que fazei uma
mezinha de doce pra mim com tudo o que for coisa natalina que houver aí...
Os pais, mais pra atender ao pedido da filha querida do que impressionados com aquela
insistência, lhe fizeram a vontade. Numa mesinha especial lhe serviram doce, castanha,
noz, passa e toda guloseima própria da época.
A hora foi passando, sem incidente, até que na tardinha Jandira, que estava brincando
com seu irmão Nélson, de 9 anos, com ele se desentendeu por algum motivo fútil.
O menino, que na ocasião se achava munido dum gancho de arame com o qual guiava
uma roda de velocípede, lhe deu uma vergastada com tanta infelicidade que o arame se
curvou sobre a cabecinha cacheada de sua inocente irmã e atingiu a nuca.
Com o golpe inesperado Jandira caiu a trás e o arame se enterrou profundamente na
carne.
Carregada desfalecida a dentro, foi imediatamente constatada a gravidade do ferimento.
Infelizmente nada pôde ser feito e a infeliz criança teve apenas 15 minutos de vida!
Quando Jandira exalou o último suspiro seus pais, no auge do desespero e do
assombro, verificaram que ela falara a verdade até mesmo quanto à hora: Naquele instante
faltavam 15 minutos pra que os sinos batessem as ave-marias.

Esse estranho evento me foi relatado por meu colega de trabalho Carlos Correa de
Souza, tio da menor Jandira e residente à rua Barros Barreto 55, Bonsucesso.
José de Abreu Gomes
Funcionário da Companhia
Nacional de Navegação Costeira
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O cavaleiro sem cabeça


Numa manhã de domingo de 1936 eu pedira o consentimento de meu pai José
Raimundo de Macedo, então coletor federal de Barbalha, pra passar o dia no sítio Estrela,
de propriedade de minha tia Santa Duarte, o qual dista de nossa cidade cerca de 10km.
Papai acedeu a meu pedido mas exigiu a promessa de que eu voltaria impreterivelmente
naquela mesma tarde, a fim de não perder aula no dia seguinte.
Não tardei partir ao sítio, montando um bonito cavalo e levando na garupa José, rapaz
de 16 anos, criado desde tenra idade por meus pais e um pouco mais velho que eu.
Antes de sairmos papai ainda relembrou a José que, em absoluto, não deveríamos
pernoitar no sítio.
E de lá saímos com o firme propósito de não transgredir as ordens superiores.
Todavia nos distraímos tanto com as alegres brincadeiras em companhia de meus
primos, que só na hora do jantar, 17:30h, nos lembramos da recomendação.
Pedi a titia que mandasse preparar o cavalo pro regresso imediato, ao que objetou, não
querendo permitir nossa volta porque havia ameaça de temporal. De fato, relâmpago e
trovão já haviam iniciado sua seqüência ameaçadora.
No momento em que me empenhava junto a titia, lhe fazendo ver que tinha ordem de
papai pra não pernoitar, em hipótese alguma, no sítio, José interveio apresentando a
solução mais viável pro problema: Eu ficaria e ele voltaria levando um bilhete de titia
explicando porquê eu não pudera ir também.
Assim ficou resolvido e às 19h o cavalo foi arreado e José deixou o sítio Estrela se
dirigindo a Barbalha.
Confesso que fiquei admirado da coragem de José, pois os relâmpagos cortavam o céu
com maior intensidade enquanto a noite continuava tremendamente escura, entrecortada
de ensurdecedores estampidos de trovão.
No dia seguinte, na primeira hora da manhã, papai veio pessoalmente me buscar e,
então, contou o que sucedera a José na noite de véspera.
Mais ou menos na metade do caminho que liga o sítio Estrela à cidade de Barbalha, se
ergue uma grande cruz que tem como base pequena pirâmide caiada de branco. Dez
metros adiante dessa cruz as árvores espessas e frondosas formam uma espécie de túnel
natural que mede mais de 200m.
Ao chegar a esse lugar José viu, com espanto, que o cavalo, resfolegando e empinando,
se recusava a passar diante do cruzeiro.
Enquanto isso, relâmpago e trovão davam ao cenário um aspecto terrificante.
Dominando os nervos, José recuou uns 50m e, esporeando e chicoteando o animal,
tentou o fazer ir adiante. Tudo em vão. O cavalo, ao ser instigado a passar diante da cruz
voltava a empinar e resfolegar, recuando vários metros.
Foi nessa altura, justamente quando um relâmpago mais forte iluminava o lugar, que
José viu, perfeitamente, um homem vestindo calça e camisa, ajoelhado diante da cruz.
Ao se certificar dessa visão, sua primeira idéia foi voltar ao sítio em desabalada carreira
mas ao executar tal plano sentiu que uma força estranha imobilizava seus músculos e sua
vontade. Por coincidência o homem se levantara e caminhava a passos firmes em sua
direção.
José, imóvel sobre a sela, não podia desprender os olhos do misterioso indivíduo que
mais e mais se aproximava. E até o cavalo parecia dominado pela mesma força misteriosa,
se mantendo imóvel e apenas resfolegando assustadoramente.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Quando se achava a apenas 2m a personagem cumprimentou com voz suave:


— Boa noite!
Contou José que nem sabe se chegou a responder à saudação. O homem acrescentou:
— Então: Sozinho numa hora desta e com tempo assim horrível? Não sabes o medo
que eles pretendiam te pregar e dês graças-a-deus porque cheguei a tempo de evitar e te
ajudar. Vamos, te livrarei do perigo!
Dizendo isso deu um pulo com rapidez sobre-humana, caindo sobre a garupa do
animal, que estremeceu como se fosse alcançado por uma corrente elétrica.
O menino sentiu, então, duas mãos vigorosas mas frias como gelo, que seguravam seus
braços na altura do ombro, enquanto uma voz sussurrava ao ouvido.
— Vamos! Não tenhas medo.
O cavalo arrancou como uma bala e passou pela cruz e no túnel de árvore com
velocidade dum raio.
Durante a travessia José teve a impressão de ouvir o trotar doutro cavalo que o seguia
de perto e, quando instintivamente, ia se voltar a fim de ver de quem se tratava, ouviu seu
estranho companheiro murmurar junto a sua face:
— Não olhes atrás! É uma coisa horrível. Ele tenta te assombrar porque estou te
protegendo.
A curiosidade ou o instinto fizeram com que o menino insistisse em olhar e viu, então,
um vulto gigantesco montado num cavalo sem cabeça! O homem e a montaria eram
verdadeiramente apavorantes!
José não encontrou palavra capaz de descrever os dois monstros disformes.
Seu coração batia com tal força que ele próprio o ouvia.
Pra concluir basta dizer que o herói da história chegou a casa em tal estado que só
muito tempo depois conseguiu recuperar a fala e contar o que lhe tinha acontecido.
Minha tia, depois de ouvir em silêncio tudo o que papai relatou, comentou:
— Várias pessoas aqui do sítio já me falaram desse mesmo fantasma que ontem
apareceu a José. Embora seja difícil acreditar é já tão grande o número dos que declaram o
ter visto que estou inclinada a admitir que seja tudo verdade.
Antônio Duarte Macedo
Jucás, Ceará
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A cruz da sepultura
Quando eu era criança residida com meus pais no estado do Rio de Janeiro, entre as
estações de Santa Bárbara e Santa Maria de Campos, servidas pela estrada de ferro
Leopoldina.
Perto de nossa casa morava um senhor de nome Felício, funcionário da estrada, que
servia como rondante entre as duas estações.
Justamente naquele trecho havia na beira da linha férrea a sepultura dum homem que
fora apanhado e morto pelo trem havia vários anos.
Felício era quem cuidava daquele túmulo pobre, o mantendo sempre capinado e limpo,
com sua cruz ereta e firme.
Certa vez, ao passar ali, em sua ronda habitual, notou que a sepultura estava muito
coberta de mato e, sem demora, fez uma limpeza em regra. A seguir, como a cruz estivesse
bastante carcomida, pensou em a substituir por outra em perfeita condição.
Próximo a sua residência havia um pequeno cemitério e dali retirou a cruz duma
sepultura e a levou ao túmulo da estrada.

freqüentemente Felício tinha necessidade de ir à cidade de Santa Bárbara fazer compra.
Nessas ocasiões voltava tarde da noite. Sua esposa, receosa de ficar sozinha com os filhos
pequenos, ia à casa da família Miano, gente amiga que morava num sitio próximo.
Numa daquelas noites, chegando tarde a casa e não encontrando ap mulher e os filhos,
se dirigiu ao sítio do amigo pra os trazer.
Ao passar diante do cemitério viu sair de lá um vulto de mulher vestida de preto.
Era uma figura estranha que imediatamente se dirigiu a Felício, gesticulando como se
quisesse o agarrar, o obrigando a correr a um lado e a outro, se desviando, se defendendo,
ora se abaixando, ora caminhando de costas.
Enfim, depois dalgum tempo de perseguição, o vulto pareceu desistir, se postando dum
lado da estrada e deixando Felício em paz.
Na residência de seu amigo Miano, onde chegou extenuado, descreveu sua
impressionante aventura, o que deixou a todos alarmados. Diante do que contava, sua
mulher, num extremo nervosismo, se recusou a voltar até casa naquela noite. A muito
custo, e só depois que Miano seu filho de 18 anos se prontificaram a acompanhar Felício e
sua esposa, esta concordou no regresso.
Todos juntos se puseram a caminho.
No ponto em que o vulto desistira da perseguição nada se via. Com a aproximação do
grupo, no meio da estrada, interceptando a passagem, surgiu mais uma vez a mesma
mulher de preto, demonstrando disposição de reencetar a perseguição.
Só então Felício compreendeu tudo!
Foi por causa da cruz que trocara de sepultura. Sua legítima dona ali estava a
reclamando. Se soube, depois, que o vulto era duma mulher falecida vários anos atrás,
chamada Sebastiana.
Então, se ajoelhando na estrada, Felício prometeu, solenemente, repor a cruz em seu
lugar primitivo.
Mal acabar de fazer tal promessa em vol alta e a aparição abandonou o meio da
estrada, se encaminhando à margem, onde desapareceu na escuridão, deixando a passagem
livre.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Há várias testemunhas desse espantoso fato.


Benedito Gomes Teixeira
Rua Viúva Mendonça 12
Ramos, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

A moça de azul
Em Patrocínio de Muriaé, Minas Gerais, reside dona Elza Godinho, esposa do senhor
João Godinho, funcionário da estrada de ferro Leopoldina.
Um de seus filhos, Zezé, de 11 anos de idade, faleceu de mal súbito em estranha
circunstância.
Em certo dia estava entregue a suas brincadeiras no quintal, enquanto sua mãe e uma
vizinha amiga, dona Geni, que ainda reside na mesma cidade, conversavam na sala.
Em dado momento o menino entrou com ar entre curioso e assustado, falou às duas
senhoras:
— Vinde ver uma moça de azul encima da laranjeira, que está me chamando.
As duas seguiram imediatamente ao quintal mas nada viram, apesar da insistência do
menino, que apontava a árvore, repetindo cada vez com maior convicção:
— Mas ela está lá encima. Não estais vendo?
Nessa altura outras pessoas haviam chegado, atraídas pelo alarde que o menino fazia:
— Está lá, ela... Estou vendo direitinho. Não é possível que não a vedes... Estarão
todos cegos?
Pra o acalmar, outra vizinha, dona Maricota, que também nada via, achou de bom
alvitre o iludir:
— Tens razão, Zezé. Também estou vendo. É uma moça de azul encima da laranjeira.
Só assim o menino se aquietou e se entregou novamente a suas brincadeiras, enquanto
as vizinhas debandavam a suas casas.
Dona Elza já nem pensava mais na ocorrência, quando viu Zezé entrar a casa, instantes
depois, com as mãos apoiadas nos rins.
— Mamãe, estou com uma dor horrível aqui. Queres me fazer um chá?
Solícita, dona Elza preparou imediatamente a beberagem e, quando a foi levar ao filho,
que se achava deitado em sua própria cama, ouviu dele, surpreendida, esta imprevista
revelação:
— Mamãe, o misto descarrilou. Houve um desastre com papai mas não te assustes. Vás
à estação e procures telegrafar a ele.
Era tão sério seu modo de falar que dona Elza, depois de o inquirir várias vezes,
obtendo sempre a mesma informação, resolveu procurar o telegrafista da estação a fim de
saber noticia do acidente.
Na estação nada se sabia sobre desastre na estrada mas a senhora, impressionada,
tratou de passar o telegrama aconselhado pelo filho, pedindo notícia do marido.
Voltou até casa, onde tentou tranqüilizar o menino. Mas este continuava irredutível em
seu vaticínio:
— Houve um desastre, sim, mamãe. Mas papai não morrerá. Vou em seu lugar. A única
coisa que me preocupa é Edite. Quero que a senhora e papai a eduquem muito bem. Se eu
crescesse haveria de trabalhar só pra a educar.
Edite era sua única irmãzinha, que atualmente estuda no ginásio Bittencourt, de
Itaperuna.
A mãe ouvia estarrecida aquela série de conselho e informação. E o menino prosseguia:
— Não quero que alguém chore. Papai há de vos olhar. Eu é que não poderia fazer
algo, se ficasse.
Dito isso, se virou à parede e ficou quieto como adormecido.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Algumas horas depois chegava a casa, com as duas pernas fraturadas, numa padiola,
acompanhado de dois médicos (doutor Garcia, residente em Niterói e doutor Pinheiro
Lacerda, em Eugenópolis) o pai de Zezé, João Godinho.
O menino, com o mesmo ar absorto que assumira desde as primeiras declarações, lhe
repetiu tudo o que já dissera às demais pessoas.
Depois, serenamente, fechou os olhos.
Estava morto.
Edelfride Melo
Patrocínio de Muriaé, Minas Gerais
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O aviso da morte
Há uns trinta anos não havia em Recife quem não conhecesse Sátiro Correa.
Figura querida e popular na cidade, Sátiro era um animador de festa por seu gênio
alegre e folgazão, pronto a dizer, com graça, uma pilhéria, a imitar a voz e os gestos de
qualquer pessoa. Se pode, mesmo, afirmar, sem intenção de perpetrar trocadilho (no que
ele, aliás, era fértil) que Sátiro pra fazer imitação era inimitável.
Sozinho constituía um espetáculo, apresentando vários números de prestidigitação,
canto, etc.
Fazia o auditório rir sem cessar quando, por exemplo, imitava dois papagaios
conversando:
— Currupaco, currupaco, tira a véia do buraco.
— Véia!, eu? Que esperança! Véia és tu!
— Eu não. Bem me alembro que, quando sai do ovo já eras um papagaio véio, insinado
e faladô, a quem as menina pedia, contando:
Papagaio louro
do bico dourado,
me leves esta carta, meu bem
a meu namorado.
Ele não é frade
nem home casado.
É rapaz sortero, meu louro,
lindo como um cravo.
Sátiro tocava piano e... bombo (este na banda musical da Charanga de Recife).
Quando faltava a bateria do tarol ou dos pratos ele passava o bombo adiante e
manejava as baquetas do tarol ou batia os pratos com entusiasmo.
Além desses instrumentos tocava também flageolê: essa gaitinha cilíndrica de folha de
flandres, com seis orifícios, onde conseguia executar música em voga, como a célebre
cançoneta Rato, rato ou a tristonha valsa A louca.
Muitas vezes, como se estivesse cansado de soprar a gaitinha, a tirava da boca, a
introduzia numa das narinas e continuava a tocar, provocando maior hilaridade.
No tempo em que se exigia nas ruas de Recife o clube Cara-duras, num teatrinho
ambulante chamado João Minhoca, montado sobre uma carroça alta, Sátiro tomava parte
na representação, vestido de pastora, dançando o pastoril ou imitando um conhecido tipo
popular, o Erotildes, cheio de meneios e requebros.
O caso, entretanto, que desejo contar e que me foi contado por meu irmão Augusto, é
o seguinte:
Entre seus muitos amigos tinha meu irmão que hoje é diretor do ginásio Moderno, no
largo da Paz 128, no bairro dos Afogados.
Muitas vezes Sátiro cantava em festas familiares, sendo acompanhado ao violão por
Augusto.
Adoeceu dos rins e estava passando mal.
Em certa tarde, na hora da ave-maria, Augusto ouviu tocar a campainha da porta da
escada. Estava ele perto, na saleta da entrada, e foi logo ver quem tocara.
Ao chegar à porta, que estava aberta, deparou no patamar da escada com a figura de
Sátiro, com o terno branco que habitualmente usava.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Estranhou que ele, vendo a porta aberta, não tivesse entrada, pois tinha bastante
intimidade pra isso, e foi dizendo:
— Entres, Sátiro. Estás melhor?
E como já estivesse um pouco escuro, deu volta ao comutador da lâmpada elétrica no
umbral da porta.
Foi grande sua surpresa ao ver que à luz da lâmpada o vulto do visitante se foi
dissipando, diluindo, como se entrando chão adentro.
Sentiu um arrepio de pavor e pensou que o amigo tivesse piorado ou morrido.
Mandou um portador a sua casa saber como ele ia passando. Não tardou a resposta
com a triste notícia do falecimento de Sátiro naquela mesma hora.
Eustórgio Wanderley
Rua Barão de Mesquita 605, apt 101
Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Ouvindo o pensamento
Naquela época eu residia em Niterói, no km 3 da estrada de Itaipu.
A estrada na noite não contava com meios normais de condução coletiva, razão por que
eu era obrigado a saltar de ônibus na estrada de Pendotiba e depois caminhar quase 1km
pra alcançar minha casa.
Costumava gastar no percurso uns 10 ou 12 minutos.
Pouco antes de atingir minha residência, divisava a moradia dum casal amigo, dona
Ramísia e seu esposo João Carlos Demori, funcionário do banco do Brasil.
Sua vivenda ficava numa viela perpendicular que parte duma das curvas da estrada de
Itaipu.
Sílvia, minha esposa, aguardava nosso primogênito e, devido a seu estado, fomos
residir com aqueles nossos amigos, já que, além do mais, a solidão e a falta de luz elétrica
nos davam muita preocupação.
Em todas as noites, quando regressava ao lar, por volta das 20h, ao chegar àquela
curva, já à vista da casa de João Carlos, tinha por hábito avisar minha aproximação
gritando o apelido familiar de minha esposa:
— Preta!
E então, num minuto, se tanto, tempo justo de percorrer a pequena distância, entrava
em casa, onde minha mulher, já prevenida pelo chamado, me esperava.
Isso acontecia invariavelmente todos os dias.
Numa noite, entretanto, ao saltar do ônibus, no princípio da caminhada, portanto, me
veio a idéia de surpreender minha mulher, por mera brincadeira. Tomei a resolução de não
dar o grito costumeiro.
Assim atingi a curva e, em absoluto silêncio, cheguei até casa.
Ali, em vez de surpreender, fui surpreendido.
— Por que é que demoraste tanto? Encontraste alguém na estrada? — Me perguntou
Sílvia assim que entrei.
— Por que perguntas isso? — Indaguei já intrigado.
— É que gritaste há uns 10 minutos e só agoras chegaste.
— Mas hoje me ouviste chamar teu nome, da estrada?
— Como sempre. Só que hoje demoraste mais a chegar, tanto que eu, Ramísia e seu
João estávamos comentando o atraso.
Fiquei assombrado. Duas pessoas mais, além de minha mulher, ouviram o grito que eu
não dera e no qual somente pensara ao saltar do ônibus.
A princípio julguei se tratar dalguma pilhéria.
Não era. Falavam sério. Atestavam ter ouvido e reconhecido minha voz no grito
habitual:
— Preta!
Lhes contei, então, o que fizera naquela noite e acabamos todos convencidos de que,
por um mistério qualquer fora do alcance de nossa compreensão, meu pensamento se
fizera ouvir a distância.
Waldemar Monteiro da Silva
Rua Torres de Oliveira 294
Piedade, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

O empregadinho zeloso
Há anos eu morava em Minas de São Jerônimo, município de São Jerônimo, Rio
Grande do Sul, e tomei a meu serviço um menino duns 14 anos de idade. Tipo índio,
muito simpático e obediente. Certa vez, em julho de 1935, tendo de me ausentar de casa
alguns dias, lhe entreguei a chave da porta da cozinha e recomendei que cuidasse bem das
galinhas.
Minha vizinha da casa geminada, dois ou três dias depois notou que não era mais o
menino que ia dar comida às galinhas e sim alguém desconhecido. Procurou saber o que
havia.
— O que foi feito do menino? Foi embora?
— Não. Adoeceu. Coitadinho.
— Á! Adoeceu? E está em casa?
— Está, sim, senhora. Se quiseres ir ver.
A mulher esteve na casa do menino onde o encontrou passando muito mal.
Na noite seguinte, mais ou menos 10h, os vizinhos, seu Álvaro e dona Edite, já
deitados, ouviram perfeitamente barulho na porta da cozinha de minha casa. Prestaram
atenção. Alguém estava abrindo a porta de minha cozinha. Bem conheciam o rangido
característico.
— Tem gente entrando na casa de dona Elvira!
— Vou até lá saber. — Disse o homem.
Se munindo de lanterna e revólver, o marido se levantou e percorreu todo o quintal de
minha casa e experimentou portas e janelas.
Encontrando tudo em ordem foi se deitar novamente, tranqüilizando a esposa.
— Foi nada. Decerto os gatos.
No dia imediato, muito cedo, o homem que estava tratando das galinhas em lugar do
menino bateu na casa do lado pra dar aos vizinhos uma triste notícia:
— O menino morreu ontem, 22h. Morreu pedindo que a gente tomasse conta da casa e
das galinhas e que entregasse a chave da cozinha logo que dona Elvira voltasse.
Elvira Martins Jorgensen
Rua Barão do Bananal 245
Cascadura, Distrito Federal
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Mistérios da reencarnação
Nesta época de contradição, em que a audácia humana alcança pelos caminhos da
ciência nuclear os limites do universo físico, ainda há muita gente sensível a sugestão do
maravilhoso e do sobrenatural. Devo, portanto, confessar sinceramente, ao abrir este
relato, que jamais rendi culto a concepção de fundo anímico ou esotérico. E no plano
filosófico não alimento filiação pitagórica.
Esta espontânea confissão me leva à igual franqueza de dizer que, embora liberto de
preconceito e fraquíssimo de crença, mesmo na calma de meu raciocínio, nunca encontrei
explicação real pro que venho relatar aqui.
Todas as teoria da auto-sugestão, da mnemologia, as diversas teses de metafísica, as
novas leis da psicologia analítica que comprovam o autônomo poder do inconsciente: tudo
resolvi, tentando evidenciar a naturalidade deste meu extraordinário caso.
E tudo resultou inútil.
Em janeiro de 1944, como funcionário duma companhia de seguro, viajava eu de
Conselheiro Pena a Aimorés. Enquanto o comboio de Vitória-Minas ia engolindo
quilômetro, marginando o rio Doce, minha vista, sempre ávida de paisagem nova, súbito
me deu a impressão de que tudo no vale já me era conhecido. Tive momentaneamente a
sensação de que estava recordando uma região anteriormente vista. E, no entanto, era a
primeira vez, sem dúvida, que a visitava.
O rio Doce me pareceu, em certo trecho, tão íntimo que cheguei algumas vezes a lhe
adivinhar o curso encrespado de corredeiras e as largas curvas que o trem adiante
contornaria. Toda a topografia do grande vale, naquele setor, se oferecia familiar a meus
olhos intrigados.
— Coisa curiosa! — Disse a alguém no assento a meu lado. — Parece que revejo uma
velha terra, muito minha. E esta é a primeira vez que passo aqui.
— Ora, isso acontece.
Durante os primeiros cinco dias de demora em Aimorés não me foi possível afastar da
mente aquela sensação que me aturdia no percurso. Outros pequenos episódios de minha
permanência na cidade, outras vistas, alguns aspectos do cotidiano iam concorrendo pra
aumentar gradativamente aquela impressão original, me conduzindo a um inquieto estado
de incerteza que sentia se agravar em preocupação obstinada. E já me perguntava a cada
instante, embora seguro da idéia absurda, se de fato, antes, já estivera mesmo naquela
zona.
Na noite de meu sexto dia em Aimorés, após uma jornada bem trabalhosa, me recolhi
cansado ao pequeno quarto do hotel.
Cinco minutos após, já encolhido sob o mosquiteiro dum leito estreito e incômodo, me
voltou, ainda uma vez, a obsessiva impressão. Creio que adormeci convicto de que vivera
mesmo lá durante muito tempo, tal a estreita intimidade com que todos os aspectos da
paisagem na redondeza da cidade se me ofereciam.
E eis que minha imaginação forjou um estranho sonho.
Me vi, de repente, em plena paisagem primitiva. Diante de mim se alteava gigantesca
montanha, sobre cujos picos dentados caíam em coroa, nuvens espessas. Na planície um
grande curso dágua se estendia em leito raso, eriçado de rocha negra. E em torno tudo era
vegetação. A montanha, o rio, a floresta, me davam, em sonho, a mesma sensação de
ambiente íntimo que experimentara, não só quando em viagem as também durante os dias
de minha demora na cidade.
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

Numa sombra espaçosa na margem do rio uma figura humana absorveu, de início,
minha atenção. Me aproximei pra a distinguir bem. Era um jovem tapuio de mediana
estatura, muscularmente forte, em plena exuberância de sua nudez. Se entretinha em
retesar seu grande arco. Sua alegre fisionomia parecia se recrear com a perspectiva duma
breve presa. Ao me sentir próximo o índio marchou em minha direção.
O fixei e vi, infinitamente surpreso, que aquele jovem era eu!
Eu mesmo, peregrino liberto das misérias da civilização, numa fase recuada de vida,
que meu inconsciente durante o sonho se esforçava em reconstituir.
Um grande arrepio me sacudiu o corpo e, durante um instante, me perdi de mim pra me
achar na imagem ali imóvel, diante de meus olhos abismados.
Outra figura irrompe na cena onírica. Um velho da mesma tribo, feições mongólicas,
refletindo leve sorriso, se acerca do jovem, isto é, de mim, com nobre humildade e estende
o braço.
Nesse momento um silvo agudo penetra em meus ouvidos. Me escapa o sonho e
acordo na madrugada quente alagado em suor.
A locomotiva dum trem de carga manobrava na estação ali perto.
Na manhã, à janela do hotel, alheio ao movimento da cidade em dia de feira, meditava
comigo mesmo sobre o que ocorria. A mente abalada insistia, apesar de meu esforço em
contrário, associar fatos e imagens enquanto minha vista divagava ao longe nas elevadas
cristas circundadas de nuvem da serra dos Aimorés.
Eis que ocorreu nessa ocasião o fenômeno mais perturbador desta cadeia de evento.
Um velo mendigo atravessou a larga rua do hotel em minha direção. Se aproximou da
janela e estendeu o braço com humildade. Seu gesto era o comum de todos os mendigos.
Entretanto, ao coincidirem nossos olhares, senti algo como um tremendo choque e,
perplexo, reconheci nele imediatamente a figura mongólica do velho índio que, horas
antes, me surgira em sonho. Estava ali, em carne e osso, na mesma atitude suplicante,
braço estendido em paciente espera.
Durante um momento, atônito, me acreditei ainda em pleno pesadelo. Mas o velho ali
presente, palpável, tangível, me dava a certeza da realidade inexorável.
Naquele instante o hoteleiro chegou à janela, se curvou a meu lado e disse apontando o
velho:
— Este é autêntico.
Procurei reprimir a intensa emoção e indaguei:
— Ainda há índio aqui?
— Toda uma tribo. São os crenaques, remanescentes dos aimorés. Vivem a alguns
quilômetros daqui, rio acima. O governo cuida deles. Não lhes dês esmola, meu amigo,
senão não sairá mais daqui.
E com ar de desprezo, tangendo o mendigo:
— Vás embora. Não amoles o branco.
E quando (ó inaudita seqüência de surpresa!) o velho tapuio, até então imóvel na
mesma atitude, sorridente, braço estendido, olhar penetrante de reconhecimento me
ferindo as pupilas, disse com voz macia como se apenas falasse pra mim:
— Totó não caraí2. Totó borum.
— E esta! — Arrematou o hoteleiro rindo, enquanto me deixava petrificado ante a
incrível revelação:
— O velho disse que não és branco, és índio.
2
caraí (em guarani): senhor
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

José Eustáquio Duarte


Avenida Copacabana 109, apt 901
Distrito Federal
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Almirante

índice
5 A locomotiva fantasma
6 A perseguição da sombra
7 Assobios na mata
9 O casarão mal-assombrado
10 Passageiros fantasmas
12 Instruções salvadoras
14 O Saci Pererê
16 Protesto de cadáver
18 O fantasma decapitado
20 A negra Mariana
21 Impenetrável mistério
23 Um enterro fantástico
24 Chuva de pedra
26 Destino implacável
27 A mulher de branco
28 Um judas do outro mundo
30 Terra mal-adquirida
32 O piano de Carlos Gomes
37 Os fósforos salvadores
39 A escuridão apavora os mortos
42 A mão do Diabo
44 Desapareceu da cova
45 Um morto que socorre os vivos
47 O negrinho de Itaguaí
49 A comunicação impossível
51 O recado do fantasma
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Almirante

52 O mistério da caçada
53 O sonho profético
55 O pianista fantasma
57 Uma estranha coincidência
58 Visita de morto
60 O pilão de ipê
61 O fantasma dum vivo
63 O noivo de dona Maricota
64 Cumpriu a promessa
65 A careta da morta
66 Manuel Perna-de-pau
67 Sobrou um
69 O Diabo atende logo
70 Um fumante incontentável
71 Voltou pra pedir perdão
72 Passageiros do além
75 A missa encomendada
76 O moleque endiabrado
78 A proteção do morto
79 O indispensável perdão
81 O galho de jaqueira
82 Calafrio
83 Visão do passado
84 Ninguém morre na véspera
85 O tesouro enterrado
88 A companheira macabra
90 O canoeiro providencial
91 Os três caçadores
92 Uma visão apavorante
93 Despedida de amigos
Incrível, fantástico, extraordinário!
Almirante

94 O Credo
96 O fantasma do hotel
98 O abraço milagroso
99 O Boitatá
101 Sonho premonitório
102 A valsa inacabada
104 Fixou a hora da morte!
106 O cavaleiro sem cabeça
108 A cruz da sepultura
110 A moça de azul
112 O aviso da morte
114 Ouvindo o pensamento
115 O empregadinho zeloso
116 Mistérios da reencarnação

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