Apostila Historia Militar Brasileira Cap 1 2 e 3 PDF

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DURLAND PUPPIN DE FARIA

(ORGANIZADOR)

INTRODUÇÃO À

HISTÓRIA MILITAR BRASILEIRA

RESENDE
2015

1
I61 Introdução à história militar brasileira/ Durland Puppin de Faria
(Org.). - Resende: Academia Militar das Agulhas Negras, 2015
392 p.
1. Brasil - História Militar. 2.Brasil - Exército 3. Guerra. 4. Bata-
lhas. I. Faria, Durland Puppin de. II. Título.

CDD 355.00981

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SUMÁRIO

Apresentação....................................................................................................... 05

Capítulo 1 - As Instituições Militares do Século XVI..................................... 07

Capítulo 2 - As Invasões Holandesas.............................................................. 31

Capítulo 3 - A expansão colonial e a consolidação das fronteiras - séculos


XVII e XVIII...................................................................................................... 69

Capítulo 4 - Ação Militar da Independência até a Eclosão da Guerra da Tríplice


Aliança................................................................................................................. 109

Capítulo 5 - A Guerra da Tríplice Aliança..................................................... 161

Capítulo 6 - AAção do Exército Brasileiro na Manutenção da Ordem Interna


da Proclamação da República até a II Guerra Mundial............................... 203

Capítulo 7 - A Participação do Brasil na II Guerra Mundial........................ 229

Capítulo 8 - A Ação do Exército Brasileiro na Manutenção da Ordem Inter-


na, no Desenvolvimento Nacional e no Contexto Internacional, após a II
Guerra Mundial...................................................................................................283

Capítulo 9 - A Evolução da Formação Militar: Escolas e Reformas no Ensino


do Exército Brasileiro.........................................................................................315

Capítulo 10 - A Evolução Doutrinária do Exército: da Independência ao Iní-


cio do Século XXI.................................................................................................355

Referências...................................................................................................... 385

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APRESENTAÇÃO

Afinalidade desta obra é disponibilizar aos leitores uma base sólida de conheci-
mentos relativos à história militar terrestre brasileira. Em razão disso, em sua elaboração
foram priorizados fatos relativos à História do Exército Brasileiro. Não obstante, aconte-
cimentos concernentes às forças militares navais e aéreas também são abordados, quan-
do relevantes aos temas tratados. Ademais, o estudo vai além da esfera castrense quando
a história militar estiver entrelaçada aos campos político, econômico, social e cultural.
O presente estudo foi elaborado pelos professores da Cadeira de História Mi-
litar que ministraram aulas no ano de 2010. Foi dividido em dez capítulos, de acordo com
as unidades didáticas, assuntos e objetivos constantes no Plano de Disciplina de História
Militar do Brasil.
No primeiro capítulo, Durland Puppin de Faria discorre sobre as Instituições
Militares do Brasil - Colônia, do século XVI.Aponta influências lusitanas e nativas sobre
a formação das primeiras organizações militares que atuaram no Brasil e relata as lutas
contra invasores que não reconheciam o direito de Portugal às terras recém-descobertas.
No segundo capítulo, Elonir José Savian aborda as Guerras Holandesas. Expli-
ca porque os holandeses invadiram o Brasil, relata os esforços luso-brasileiros para expulsá-
los, e destaca as Batalhas dos Guararapes, marcos simbólicos da gênese do Exército
Brasileiro.
No terceiro capítulo, Valter Rabelo Teixeira apresenta a evolução das Institui-
ções Militares do século XVII até a Independência do Brasil. Enfatiza a atuação militar na
defesa, expansão e consolidação das fronteiras nacionais e ressalta a importância das
fortificações coloniais.
No quarto capítulo, Érico de Almeida Silva trata das ações militares da inde-
pendência até a eclosão da Guerra da Tríplice Aliança. Expõe a atuação do Exército em
prol da independência e da integridade territorial do Brasil. Também salienta a ação
pacificadora do Duque de Caxias na resolução de conflitos internos e externos.
No quinto capítulo, Paulo Henrique Barbosa Lacerda versa sobre a Guerra da
TrípliceAliança.Analisa as causas do conflito e discorre sobre o seu desenrolar, abordan-
do as Campanhas do Mato Grosso, do Rio Grande do Sul e do Paraguai.
No sexto capítulo, João Barbosa da Silva descreve a ação do Exército Brasilei-
ro na manutenção da ordem interna da Proclamação da República até a II Guerra Mundi-
al. Explana sobre relevantes conflitos internos, entre os quais as Guerras de Canudos e do
Contestado, as Revoluções de 1930 e de 1932, o Movimento Tenentista, e a Intentona
Comunista.

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No sétimo capítulo, Luiz Emílio Da Cás relata a participação do Brasil na II
Guerra Mundial. Enfatiza a mobilização, a instrução e a campanha da Força Expedicioná-
ria Brasileira no Teatro de Operações da Itália, destacando as operações desencadeadas
no Vales dos Rios Serchio, Reno e Pó. Termina analisando a influência da participação do
Brasil na II Guerra Mundial sobre a doutrina militar do Exército Brasileiro.
No oitavo capítulo, Alexsander Soares Elias expressa as ações do Exército
Brasileiro na manutenção da ordem interna, no desenvolvimento nacional e no contexto
internacional, após a II Guerra Mundial. Ressalta a atuação do Exército Brasileiro em prol
das instituições democráticas, do progresso da pátria e da paz mundial.
No nono capítulo, Elton Licério Rodrigues Machado analisa a evolução do en-
sino militar da fundação da Real Academia Militar, Fortificação e Desenho até os dias
atuais. Entre outras questões, explica os diferentes processos de ensino-aprendizagem
adotados na formação militar e as implicações disso decorrentes.
No décimo capitulo, Elton Licério Rodrigues Machado explica a evolução dou-
trinária do Exército Brasileiro da Independência até os dias atuais. Entre outros aspectos,
expõe sobre o esforço do Exército Brasileiro em atualizar-se doutrinariamente, por meio
da adoção ou do aprimorando de inovações surgidas no seio da Ciência e da Arte da
Guerra.
Para a elaboração deste trabalho, foram consultadas várias obras, das clássicas
às mais recentes, de renomados historiadores e pensadores, com a finalidade de reunir os
elementos que revelassem a veracidade dos fatos. Em alguns casos, a ausência de fontes
confiáveis levou ao registro de dados consideramos os mais fiéis. Os autores estão cientes
que a História está em constante transformação, e que um conhecimento histórico jamais
pode ser dado como pronto e definitivo.
Cabe-se ressaltar que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar os
temas analisados, algo por demais amplo e complexo. Espera-se, todavia, que proporci-
one aos adeptos do estudo das lides bélicas instrumentos que contribuam para embasar
trabalhos de maior alcance.
Os autores agradecem aos professores e instrutores das Cadeiras de Geografia,
Relações Internacionais e Português, que apoiaram a confecção da presente obra, em
especial ao Sr. Francisco José Vita, pelas pertinentes orientações.

Durland Puppin de Faria - Organizador

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CAPÍTULO 1

AS INSTITUIÇÕES MILITARES DO SÉCULO XVI

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CAPÍTULO 1

AS INSTITUIÇÕES MILITARES DO SÉCULO XVI

Durland Puppin de Faria

“Embora a nação portuguesa tenha relegado a segundo plano as instituições


militares terrestres, os seus princípios desenvolvidos do século XI ao século XV,
permaneceram inalterados e apresentaram grande reflexo na colônia portuguesa
na América. A ideia do envolvimento de grande parte de população na guerra; a
previsão e o preparo para que todos os homens válidos estejam em condições de
realizar o serviço militar em tempo de paz e a existência de tropas operacionais
permanentes e territoriais serviram de base1 para a mística da nação armada".

Carlos Selvagem, historiador português

Formação de Portugal
A Península Ibérica, ao longo de sua história, foi ocupada por diversos povos,
que por meio de um processo de absorção mútua, deixaram um pouco de suas culturas.
Desses povos os que mais se destacaram na formação social, política e militar de Portugal
foram os romanos, visigodos e árabes.
Os romanos conquistaram a Península Ibérica do Séc III a.C. ao Séc IV d.C. e
estabeleceram colônias, leis, língua, costumes e organização política e militar até as inva-
sões bárbaras na Península. Os visigodos que chegaram por volta do Séc V expulsaram
da região os romanos, assimilando parte de sua cultura, leis, língua, religião (cristianismo)
e a estrutura política e militar.
Em 710 os visigodos formam dois reinos antagônicos que logo entraram em
conflito armado, o que acarretou a solicitação de apoio militar a uma força sarracena do
norte da África, por parte de uma das facções rivais. Porém essa força mulçumana ao
chegar à Península Ibérica, destruiu ambas as facções e conquistou quase toda Península.
O reino das Astúrias era a única região cristã autônomo na Península ocupada e
dominada por mulçumanos. Este reino, no Séc VIII inicia a uma série de batalhas que se
prologaram no tempo e que ficaram conhecidas como Guerra da Reconquista.
Na região a oeste da Península surgem, por meio da Reconquista, os condados
de Portucale e de Coimbra, que em 1193, pelo Tratado de Zamora, torna-se reino de
Portugal.

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Evolução Histórica de Portugal
No ano de 1249, a Reconquista havia terminado para o Reino de Portugal, com
a conquista da região de Algarve do Sul. Porém sua independência seria posta à prova
diversas vezes pela Coroa de Castela (o maior reino cristão da Península Ibérica).
Uma poderosa força empregada durante a Reconquista, no alargamento das
fronteiras e na consolidação da independência de Portugal frente à Castela, foi a cavalaria
das ordens militares religiosas. Vista como uma força militar profissional e permanente,
teve um grande papel nos empreendimentos militares dos séculos seguintes. Essas institui-
ções medievais seguiam um rigoroso estatuto religioso e foram criadas, inicialmente, para
auxiliar os peregrinos que iam combater os muçulmanos na Terra Santa. Como reconhe-
cimento pelos serviços prestados, essas ordens receberam diversas doações de terras,
enriquecendo-as. Por essa razão, a partir de determinado momento, a Coroa passou a
controlá-las de perto, nomeando como Mestres dessas ordens os familiares do rei, quan-
do não ele próprio. Em 1319, D. Dinis criou a Ordem de Cristo, uma das mais importan-
tes ordens militares religiosas de Portugal, que teve como origem a extinta Ordem dos
Templários (1119 - 1311).
Em 1308, D. Dinis criou a Marinha Real e, nesse mesmo ano, assinou o primeiro
tratado comercial com a Inglaterra. Esses fatos permitiram o desenvolvimento de uma
poderosa burguesia portuguesa, que anos mais tarde tenderia a entrar em choque com a
nobreza.
No reinado de D. Fernando I (1367 - 1383), ocorreu grande incentivo às
atividades navais, acarretando o aumento da construção de navios, do comércio maríti-
mo, da exportação de produtos agrícolas e da importação de manufaturas. O porto de
Lisboa passou a ser considerado "porto livre", incrementando consideravelmente a pre-
sença de investidores estrangeiros na região.
Ao longo desse século, ocorreu uma grande crise no sistema feudal português,
levando a uma série de revoltas e a um crescente êxodo rural. Como consequência, uma
parte da nobreza passou a apoiar a ideia de união com Castela contrariando os interesses
do rei, de alguns nobres e, principalmente, da burguesia.
Em 1383, morreu D. Fernando I, deixando como herdeira sua filha, D. Beatriz,
que era casada com o Rei de Castela, D. João I, o que levaria à união das duas coroas.
Este acontecimento deu início a uma revolta, que culminou com a aclamação de D. João,
Mestre de Avis, irmão bastardo de D. Fernando I, como rei de Portugal. Essa aclamação
provocou, em 1384, uma guerra entre Portugal e Castela. Em agosto de 1385, as tropas
lusas obtiveram uma vitória decisiva sobre os castelhanos na Batalha deAljubarrota, con-
solidando definitivamente a dinastia deAvis no poder.

A Expansão Marítima
A posição geográfica colocava Portugal no extremo oeste das rotas comerciais
que vinham do Oriente.As ameaças dos reinos vizinhos, a carência de terras agricultáveis

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e o consequente desenvolvimento da atividade pesqueira balizaram a vocação marítima
lusa. O aprimoramento das técnicas e dos instrumentos de navegação propiciou a busca
de alternativas às rotas de comércio para o Oriente, de que foi pioneiro Portugal, seguido
pela Espanha (Castela e Aragão).
Com a centralização do poder e o triunfo da dinastia de Avis, o Estado portu-
guês iniciou a sua expansão ultramarina, dando ênfase aos interesses mercantis.Assim, em
1415, Portugal iniciou suas ações comerciais mais agressivas. Tomou dos muçulmanos a
cidade de Ceuta, no norte da África, o que marcou o início da expansão portuguesa para
outros continentes e explorou, paulatinamente, o litoral atlântico africano, com o objetivo
que conseguir alcançar, por meio marítimo, a região asiática, chamada pelos europeus de
Índias.Afinalidade era participar do comércio de especiarias, monopolizada por algumas
cidades italianas.
No ano de 1487, Bartolomeu Bueno conseguiu encontrar a passagem marítima
para o leste do continente africano. Em junho de 1497, uma expedição comandada por
Vasco da Gama deixou Portugal em direção às Índias, retornando, dois anos depois, com
mercadorias que proporcionaram um lucro de 6.000% do valor investido.
Em 9 de março de 1500, partiu de Portugal uma esquadra comandada por
Pedro Álvares Cabral, que tinha como missão consolidar e ampliar as posições comerci-
ais na Ásia, garantindo o fluxo constante de especiarias para Portugal, além de tomar
posse, em nome do rei, das terras da América que coubessem a Portugal pelo Tratado de
Tordesilhas.
A sociedade portuguesa apresentava grande interesse nos benefícios propicia-
dos pelas grandes navegações. Os motivos eram bem variados e compreendiam aspectos
políticos, econômicos, sociais e religiosos. A Coroa portuguesa desejava fortalecer seu
poder, auferir lucros e expandir seu império; para isso necessitava conquistar novas terras
e controlar uma vasta rede comercial.Anobreza via na expansão territorial uma oportuni-
dade para conquistar terras, riqueza e prestígio. A burguesia visualizava a probabilidade
de maiores lucros com o surgimento de novos mercados e o aumento das atividades
comerciais.AIgreja vislumbrava expandir a fé cristã e aumentar o número de fiéis. Para o
povo, de um modo geral, surgia a possibilidade de trabalho, de ascensão social, de aven-
turas e de enriquecimento rápido.
Instituições Militares Portuguesas
Na época da descoberta do Brasil as instituições militares portuguesas já se
encontravam bem constituídas. Era o resultado da necessidade de sobrevivência de sua
população, que se consolidou como nação, ao longo de séculos de lutas contra diversos
povos invasores. Esses povos, por vezes, foram absorvidos pela convivência com os
lusos, assim como suas culturas e seus processos de combate.
A base das instituições militares lusas tem origem nas instituições romanas, que
foram modificadas pelos visigodos e, depois, remodeladas pela nova estrutura adminis-
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trativo-militar dos árabes, que dominaram parte da Península Ibérica até o fim do
século XV.
O sistema militar português era modelado pela constituição política e social da
Idade Média na Europa, com bases feudais. Anormatização dessas embrionárias institui-
ções militares encontrava-se estabelecida no Libro de las Siete Partidas, de D. Afonso
X de Castela, uma espécie de código que continha diversas leis que regiam o seu reino, no
século XIII. Este código constituía-se de diversas adaptações do direito romano aos
costumes da população cristã da Península Ibérica.
Em 1499, o Rei D. Manoel (1495 - 1521) resolveu redirecionar a maior parte
do potencial militar luso para sua força naval, transformando-a em uma das mais podero-
sas do mundo, emsua época.Aainda rudimentar artilharia havia sido instalada nas belonaves,
criando um incontestável poder bélico.
Os primitivos trons foram substituídos por canhões feitos de ferro fundido, de
ferro forjado e, finalmente, de bronze. O calibre era variado e os projéteis, que em deter-
minado período chegaram a ser simples pedras, foram substituídos por esferas de ferro.
Apesar de imponente, a artilharia apresentava alguns fatores negativos como a
imperfeição das peças, o difícil manejo, o limitado alcance, o lento sistema de carrega-
mento, o excessivo peso, a limitada mobilidade e a baixa cadência de tiro. Essas deficiên-
cias tornavam a artilharia, por diversas vezes, inútil em batalhas campais, porém extrema-
mente útil para a defesa de fortificações e para o emprego em navios de guerra.
No Período Manuelino, as organizações militares europeias sofreram profundas
modificações, como o surgimento dos exércitos permanentes, subordinados direta e ex-
clusivamente ao rei (havia a necessidade do rei depender cada vez menos das tropas
subordinadas aos nobres); a retomada da preponderância da infantaria sobre a cavalaria
nos campos de batalhas; e a crescente importância da arma de fogo nos combates.
Em Portugal, as armas de fogo portáteis passaram a substituir os arqueiros e
besteiros, embora estes não tenham sido banidos completamente. A lança, o pique, a
espada e o escudo ainda eram os equipamentos dos soldados portugueses.
Surgiu então, a necessidade de criar uma nova legislação para Portugal, que
substituísse a anterior. Essa nova compilação de normas foi promulgada em 1521 e ficou
conhecida como Ordenações Manuelinas.
Desde 1508, os portugueses observavam as novas formações táticas emprega-
das por outros países nas guerras europeias. Influenciados, principalmente pelas vitórias
espanholas nas guerras na Itália, organizaram sua nova estrutura militar, utilizando a for-
mação de grandes quadrados compactos, armados com piques, alabardas, armas de
fogo e espadas, chamado terço, e empregando, como unidades táticas, as companhias de
ordenanças ou simplesmente ordenanças.
Nesse período, as ordenanças tornaram-se permanentes, com um efetivo de
250 homens cada, comandada por um capitão, além de ter em seus quadros um alferes,

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um meirinho e dez cabos, todos remunerados. As Ordenações Manuelinas estabeleciam
que os súditos entre 18 e 60 anos poderiam ser convocados e os exercícios seriam reali-
zados nos dias não destinados ao trabalho.
No ano de 1569, D. Sebastião (1568 - 1578) estabeleceu, por lei, a
reestruturação militar de Portugal. Para isso, reorganizou a nação e instituiu o que seria
hoje, a lei de mobilização nacional e a lei do serviço militar. Dessa forma ele definia as
obrigações militares da população, conforme a categoria social, a província e a profissão.
Também, determinava que todo nobre deveria estar sempre munido de armas e cavalo
para participar de eventuais a guerras; que os proprietários de terras e os homens mais
ricos deveriam possuir um número preestabelecido de cavalos, lanças e arcabuzes para
servir ao rei; que os não proprietários de terras e os mais pobres deveriam possuir lanças
ou dardos; estabeleceu privilégios aos que possuíssem a quantidade de montaria e arma-
mento correspondente a sua categoria e especificou penas aos que não cumprissem a lei.
Porém havia a necessidade de organizar a nação militarmente de forma territorial,
com os seus quadros, comandos e deveres e, ainda, realizar exercícios, ou seja, transfor-
mar as antigas organizações medievais em um exército nacional. Para isso D. Sebastião
criou, em 10 de dezembro de 1570, o Regimento dos Capitães-Mores ou Ordenações
Sebásticas.
Regimento dos Capitães-Mores ou Ordenações Sebásticas

. O reino seria dividido em distritos de recrutamento (capitanias-mores) e cada distrito deveria


constituir uma companhia de ordenança;
. O alcaide-mor (autoridade política de um município ou distrito) recebia o posto de capitão-mor
de ordenança. Nos locais onde não houvesse um alcaide-mor, o senhor do local ou um nobre
poderia ser eleito pela comarca. Já na Colônia, os donatários das capitanias ou seu representan-
te, e os representantes do rei recebiam esse posto;
. O capitão-mor, auxiliado por um sargento-mor de ordenanças, também eleito, realizava o alista-
mento dos homens;
. Todos os homens válidos entre 20 e 60 anos, exceto religiosos, fidalgos e os proprietários de
cavalos, poderiam ser convocados para incorporar as companhias de ordenanças;
. A companhia de ordenanças era composta por 250 homens, dividida em 10 esquadras, em caso
de insuficiência de pessoal a companhia poderia ser criada com no mínimo 7 esquadras;
. As companhias apresentavam a seguinte estrutura hierárquica: um capitão de ordenança, um
alferes, um sargento e seus subordinados, um meirinho, um escrivão e 10 cabos de esquadra,
todos escolhidos pelo capitão-mor com aprovação do rei;
. Os homens possuidores de montaria pertenceriam a uma organização similar, chamada Compa-
nhia de Cavalos;
. As instruções, os exercícios de tiro e as manobras de campanha eram dirigidos pelos oficiais de
cada companhia;
. A disciplina era mantida por meio de prêmios e penalidades pecuniários ou corporais;
. A inspeção da instrução e a revista do armamento deveriam ser realizadas duas vezes ao ano,
pelos capitães-mores, inclusive nas colônias; e
. As despesas com a manutenção do armamento e do gasto com a munição das armas de fogo
deveriam ser custeadas pelos distritos, por meio das receitas, das multas ou dos impostos.

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O artigo 12 do Regimento introduz o termo "bandeira" como sinônimo para
unidade tática companhia. Esse termo foi amplamente utilizado no Brasil e se consagrou
como organização militar de objetivos variados.
Anos depois, o próprio rei daria nova organização às ordenanças de Lisboa,
criando 4 coronelias ou terços de ordenanças, com efetivo de 3.000 homens cada, dividi-
da em várias companhias. Cada terço era comandado por um coronel e possuía regimen-
to próprio.
Durante esse período as companhias de ordenanças tiveram seu efetivo reduzi-
do para 100 homens e passaram a ser grupadas, formando um terço, similar ao terço
espanhol.
A organização do terço variou bastante, durante a sua existência, porém, em sua
fase inicial, era composto por 8 a 10 companhias, comandado por um mestre de campo
(futuramente chamado de coronel) e auxiliado por um sargento-mor (futuro major). Com-
punha-se de piqueiros e de besteiros misturados com arcabuzeiros. Pouco depois, os
besteiros seriam, totalmente, substituídos pelos arcabuzeiros.
No campo de batalha, os piqueiros se posicionavam agrupando-se no centro do
dispositivo em formação quadrangular, escoltados pelos arcabuzeiros.Alguns arcabuzeiros
eram colocados fora da formação principal, para fustigar o inimigo.
Essa organização lusa evoluiu rapidamente, tomando formas mais apropriadas
às áreas de atuação do império ultramarino português. Essa estrutura militar deu uma nova
dinâmica operacional, transformando-o em um exército mais bem organizado, para ser
empregado de acordo com os objetivos da nação.
Essa formação militar, composta por homens pagos que formavam o exército
regular, passou a ser chamada de tropa de primeira linha. As demais tropas, recrutadas
para guarnecer praças fortes, apoiar povoações vizinhas e estabelecer defesas nas fron-
teiras, mas que não recebiam um pagamento contínuo, eram chamadas de terços-auxilia-
res, também conhecidas como tropas de segunda linha ou milícias.
O capitão-general era o responsável pelo recrutamento das tropas de primeira
linha e, também, indicava os oficiais das milícias.
Em uma fase futura, surgiram os corpos de ordenanças, conhecidos, também
como tropa de terceira linha, compostos por homens de menor capacidade combativa.
Esses homens não recebiam qualquer pagamento, normalmente utilizavam o próprio ar-
mamento e eram empregados em caso de emergência.
Na realidade a nova organização militar de Portugal apresentava um mero valor
quantitativo e territorial, pois a composição dos grupamentos militares continuava nas
mãos do rei, que organizava e nomeava os comandantes militares a seu bel-prazer.
Com a União Ibérica, em 1580, as instituições militares portuguesas entraram
em crise. ACoroa espanhola não via com simpatia o crescimento do poder militar portu-
guês, pois essa força, no futuro, poderia ser empregada contra a própria Espanha em uma
tentativa de separação.

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Não obstante o valor e a organização das forças militares portuguesas, a projeção
do poder militar de Portugal em relação ao de outros países europeus não se mostrou
expressiva. Isso pôde ser verificado quando as tropas lusas eram empregadas, pois a
execução das operações era imperfeita e tumultuosa e a disciplina era inadequada.

Constituição das Instituições Militares Coloniais do Século XVI

A partir de 1501, a Colônia portuguesa na América recebeu diversas expedi-


ções militares exploradoras. Em 1503, a expedição comandada por Gonçalo Coelho, ao
partir do Brasil, deixou, na baia de Todos os Santos, uma guarnição com 24 homens e 12
bombardas. Porém, foi com a expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza, de
1531, que vieram os primeiros destacamentos militares, que tinham como missão, entre
outras, guarnecer o litoral contra a pirataria e o contrabando e, ao mesmo tempo, efetivar
o domínio português sobre a região estabelecendo núcleos de povoamento, como ocor-
reu com a vila de São Vicente.
O sistema de defesa empregado, na fase inicial da colonização, foi o de expedi-
ções navais de vigilância e punitivas, denominadas "guarda-costas", que patrulhavam o
litoral, antes da fase das capitanias hereditárias. Esse sistema não surtiu o efeito desejado,
pois os corsários, aproveitando-se do extenso litoral, realizavam ações rápidas em ata-
ques fortuitos e em diversos pontos da costa, o que dificultava aos navios portugueses a
realização de uma ação repressiva mais eficiente.
Ainda neste período, D. Manuel determinou a construção de diversas feitorias
em pontos estratégicos da costa brasileira, com a finalidade de confirmar a posse da terra,
de coibir o contrabando realizado por europeus, de servir de entreposto na exploração
dos produtos da terra e, por fim, de funcionar como base de apoio para as embarcações
que seguiam para as Índias. Essas feitorias que apresentavam um cunho econômico-mili-
tar tornaram-se, na realidade, os primeiros núcleos populacionais da Colônia.
Com o sistema de capitanias hereditárias, implantado em 1532 por D. João III,
os donatários passaram a exercer a função de lugar-tenente do rei na Colônia e todos os
naturais da terra, os escravos e os degredados, em caso de guerra, ficavam obrigados a
servir sob seu comando. A metrópole fornecia armas, munições e, até mesmo, alguns
oficiais, que eram incumbidos de armar, adestrar e comandar as forças organizadas na
Colônia. Cabia ao donatário utilizá-las tanto na manutenção da ordem interna, como na
defesa contra as agressões externas.
Em 1542, a Câmara de São Vicente estabeleceu a organização de uma milícia
formada por brancos, mestiços e índios, todos previamente recenseados, que deveriam
realizar, obrigatoriamente, o serviço das armas, conforme estabelecia as Ordenações
Manuelinas. Essa rudimentar milícia chegou a ter dois mil índios flecheiros. Isso marca o
início do serviço militar obrigatório na Colônia e a primeira sistematização de defesa da
terra.

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Com a criação do Governo-Geral, chegou à baía de Todos os Santos, em 1549,
o fidalgo Tomé de Souza, nomeado Governador-Geral, acompanhado de aproximada-
mente 1.000 homens, sendo 600 soldados da tropa regular do reino. Calcula-se que a
população de colonos brancos, nessa época, fosse algo em torno de 2.000 homens em
toda Colônia.
Aexpedição de Tomé de Souza tinha um caráter essencialmente militar. Segun-
do as ordens constantes do Regimento do Governador-Geral do Brasil, de 1548, o go-
vernador deveria construir um forte guarnecido com peças de artilharia na baía de Todos
os Santos; punir, exemplarmente, as tribos indígenas que tivessem causado algum dano à
população de origem lusa e combater qualquer tribo ou estrangeiro que resistisse a sua
dominação. Neste mesmo ano, Tomé de Souza fundou a cidade de São Salvador, que
seria a capital da América portuguesa durante mais de 200 anos.
Esse Regimento estabeleceu que o governador-geral passaria a deter autorida-
de militar sobre todo o Brasil, colocando-se entre o rei e os capitães-mores. Criava nor-
mas para o recrutamento e para o serviço militar da população que vivia na Colônia e,
também, definia a quantidade de armamento, equipamento e munição que os capitães-
mores, os senhores de engenho e os moradores deveriam possuir. Desse modo regula-
mentava-se a vida militar local e distribuíam-se as missões e os encargos para a defesa da
terra.
O Regimento de 1588 estabeleceu novas diretrizes ao governador-geral. As
principais normas de procedimento atribuíam a esta autoridade os deveres de: realizar
inspeções periódicas nas tropas permanentes e em seus armamentos; verificar as condi-
ções dos depósitos de munições e armamentos; receber e distribuir toda a munição e
armamento, inclusive canhões, vindos de Portugal, para os oficiais responsáveis pela de-
fesa de áreas específicas; empregar o engenheiro do governador-geral na melhoria das
fortificações; armar e aprestar navios para realizar operações de defesa da costa; distri-
buir ou enviar temporariamente suas tropas de primeira linha para qualquer capitania;
fiscalizar as condições de defesa das capitanias; e, principalmente, tomar medidas pre-
ventivas contra as incursões de corsários.
Em função da importância dada à artilharia na defesa da costa, foram criadas
normas específicas para a instrução dos artilheiros que guarneciam as baterias de defesa
litorânea. As instruções ocorriam aos domingos e em dias santos e, sempre que possível,
com a presença do próprio governador-geral. Era comum que fossem realizados, durante
as instruções de tiro, mais de 100 disparos.
O efetivo militar enviado para a colônia era insuficiente para realizar as missões
atribuídas. Deste modo, o governador-geral viu-se obrigado a inserir no sistema de defe-
sa a participação de colonos, mestiços e índios. Também, teve de criar adaptações táticas
para as tropas, pois o ambiente colonial era bem diferente do europeu.
No início da colonização, os portugueses implementaram um sistema com ca-
racterísticas próprias, em que a produção baseava-se na exploração da mão de obra

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indígena e na utilização de grande extensão de terras. Essa imposição do trabalho indígena
acarretou um permanente estado de beligerância entre os dois povos. Para agravar ainda
mais essa complexa relação, os piratas e corsários que atuavam na zona costeira fomen-
tavam o conflito, cooptando os silvícolas para lutarem contra os lusos.
No final do século XVI e início do século XVII, o Brasil era um território asso-
lado por diversas investidas estrangeiras, que, com o apoio oficial ou não de seus monar-
cas, impunham grande prejuízo aos colonos e criavam um ambiente de constante tensão e
insegurança.
No mesmo ritmo com que os colonos portugueses deram um caráter permanen-
te á ocupação do território, com a construção de estabelecimentos de apoio à exploração
da Colônia, as ações de estrangeiros no Brasil se ampliaram, ultrapassando a tradicional
rapinagem e iniciando a construção de estabelecimentos permanentes, concorrentes aos
portugueses. Contra os ataques fortuitos dos invasores, os colonos apresentavam grande
dificuldade para realizar uma defesa eficiente. Já contra os estabelecimentos permanentes,
a situação era mais grave, havendo a necessidade de apoio de tropas da metrópole.
O aparato militar da Colônia era normalmente privado e se encontrava junto às
pequenas vilas, que se formaram em torno das feitorias. Esse grupamento era a principal
tropa utilizada nas operações de combate aos corsários e aos índios locais. Deste modo,
as ações navais utilizadas na proteção do litoral brasileiro perderam sua importância, pas-
sando o esforço militar da defesa da Colônia para os próprios colonos, embora estes
fossem poucos e dispersos.
A Coroa portuguesa não apoiou a defesa da colônia somente com as tropas
regulares que acompanhavam os governadores-gerais, mas com a construção de inúme-
ras fortificações litorâneas, iniciadas na primeira fase de colonização. Esse sistema de
fortificações permaneceu se desenvolvendo e se expandindo, formando povoações e ci-
dades nos locais onde se instalava.
Na Colônia, desde a implementação do Regimento dos Capitães-Mores (1570),
surgiram tropas de segunda linha e mais tarde de terceira linha, que seriam o corpo da
organização militar de defesa da Colônia. Durante dois séculos e meio, essa organização
marcou profundamente a formação da nacionalidade brasileira pela aplicação do princí-
pio da obrigação, quase universal, da prestação do serviço das armas.
Essa força de defesa colonial terrestre passou a compor-se em três níveis: for-
ças regulares, forças semirregulares e forças irregulares.
As forças regulares, tropas de primeira linha, vinham da metrópole acompa-
nhando o governador-geral ou eram enviadas, especificamente, para combater e expulsar
os invasores estrangeiros. Constituíam-se de portugueses, mas, em função do reduzido
efetivo, constantemente eram completadas por homens da terra. A ordem era incorporar
apenas brancos, mas havia grande tolerância em relação à cor da pele. A manutenção
dessas tropas no Brasil era extremamente dispendiosa para o Reino, motivo pelo qual seu
efetivo era sempre insuficiente.

17
As forças semirregulares (milícias ou tropas de segunda linha) eram constituídas
por colonos, que, quando necessário, apresentavam-se para realizar atividades militares.
Eram institucionalizadas pela Carta de Doação e pelo Foral, concedidos ao donatário, e
posteriormente pelos Regimentos do Governador-Geral. Amilícia tinha como fração bá-
sica a companhia, comandada por um capitão. Nas milícias existia um caráter mais civil
que militar, pois o rigor dos regulamentos só se manifestava em períodos específicos,
como revoltas ou invasões externas. Havia grande diferenciação entre as milícias, varian-
do bastante de uma capitania para outra.
No terceiro nível encontravam-se as forças irregulares (terceira linha), que eram
organizadas pelos próprios colonos, para a defesa local.
Além dessas forças, havia a bandeira, que, no
Brasil, era uma força militar não prevista nos regulamen-
tos. Era constituída por iniciativa e interesse dos própri- BANDEIRA
os colonos, sem a interferência das autoridades locais
ou metropolitanas. Asua organização era simples e fle- O termo bandeira consta
xível. Quanto à origem de seus integrantes, era compos- como uma organização mili-
ta de uma minoria de brancos; de mamelucos, que re- tar no antigo Regimentos dos
presentava um escalão intermediário; e de uma grande Capitães-Mores.
massa de guerreiros indígenas. O comandante, revesti- A bandeira era formada
do de poderes absolutos, exercia a autoridade sobre quando o número de habitan-
todos os expedicionários, segundo os rígidos padrões tes, em determinado local do
de disciplina. Aos brancos cabia o enquadramento dos reino, fosse insuficiente para
demais, sendo constituída uma cadeia de comando com compor uma companhia.
capitães, tenentes e, em alguns casos, elementos com
funções administrativas. Todos combatiam, porém a for-
ça de choque era formada pelos índios.
Igualmente diversificada era a composição do armamento. Utilizavam-se as ar-
mas brancas de vários modelos, as armas de fogo e armas típicas indígenas. A escopeta,
espécie de espingarda curta, era a arma de fogo mais utilizada, mas havia ainda carabinas
e mosquetões. Entre os índios enquadrados prevalecia, naturalmente, o seu armamento
característico, mas, com o passar do tempo, aprenderam a manejar e a valorizar as armas
de fogo.
As principais influências da antiga doutrina militar ibérica foram a organização da
estrutura hierárquica e o código de disciplina. Ao componente nativo é atribuída a incor-
poração de táticas como o aproveitamento do terreno, a dispersão, a emboscada, a simu-
lação, a dissimulação e a resistência em combate. As expedições tinham o caráter ofensi-
vo por excelência, empregando a surpresa, o fogo e a ação de choque para conquistar
seus objetivos. O princípio da segurança era empregado amplamente nos deslocamentos,
com a constituição prévia de destacamentos para a proteção à frente, nos flancos e à
retaguarda. No ataque, a divisão em duas colunas tinha como objetivo obter o apoio
18
mútuo. No campo estratégico, os chefes bandeirantes souberam tirar proveito das técni-
cas de guerra psicológica, ao alardear seus feitos, para intimidar seus adversários ou
granjear o respeito das autoridades.
Nesse período, não havia no Brasil um exército colonial organizado e de co-
mando centralizado, o que dificultava bastante a realização de defesa da Colônia. Cabiam
às cidades ou vilas realizarem a defesa de sua região com as milícias locais, reforçadas por
tropas de primeira linha que, sempre em quantidade insuficiente, estavam alocadas em
quartéis, fortes ou postos de fronteiras.
Em função das dificuldades, os colonos passaram a utilizar táticas de combate
similares às empregadas pelos índios, nas ações defensivas terrestres foram realizadas
construções de fortificaçções em torno das vilas, chamadas de caiçara de pau ou juçara
de espinhos, que dificultavam a ação do agressor. Nas ações ofensivas anfíbias passaram
a empregar grupos de canoas, que à noite, realizavam incursões aos navios inimigos,
incendiando-os, ou, no desembarque em praias, executavam surtidas na retaguarda do
inimigo.
Como estratégia de defesa passiva, as lavouras e os engenhos deveriam ser
instalados o mais próximo possível do litoral ou perto de barrancas de rios, pois havia
maior possibilidade de defesa e vigilância, estabelecendo um sistema de mobilização per-
manente das ordenanças. Os engenhos eram quase sempre, assemelhados a uma fortale-
za, com uma casa forte cercada por muralhas com grossas paredes protetoras. Já as
povoações eram protegidas por muros, valas, cercados e fortificações.
Os colonos, de um modo geral, viam a ocupação territorial, o povoamento e a
produção como uma ação revestida de um caráter guerreiro, que o próprio ambiente
impunha. Desse modo o trabalho na colônia era uma ação militar, que envolvia toda a
população.

Reação à Invasão Francesa no Rio de Janeiro


Ao longo do século XVI, embarcações francesas realizaram diversas incursões
na costa brasileira, com o objetivo principal de comercializar com os nativos os produtos
da terra, como madeiras, animais selvagens, resinas entre outros. Porém, em 1555, che-
gou à baía da Guanabara uma esquadra com aproximadamente 600 homens, comandada
pelo Vice-Almirante Nicolas Durand de Villegagnon, com o objetivo de instalar um núcleo
colonial, que se chamou França Antártica. Para esse intento, o comandante francês fun-
dou, como base para o início da colonização, o Forte Coligny, na atual ilha de Villegagnon,
e aliou-se aos índios tamoios. Porém, o líder francês, ainda sentia falta de um efetivo maior
para iniciar uma colonização.
Em março de 1557, Villegagnon recebeu reforço de uma esquadra comandada
por seu sobrinho, Bois-le-Comte, composta por três navios, artilhado com 18 peças e
com uma tropa formada por 290 homens.

19
Ainda em 1557, Mem de Sá, recém-nomeado Governador-Geral, chega ao
Brasil. Como forma de reação as ações francesas na Baía da Guanabara, fundou, de
imediato, uma base para ações militares, na Capitania do Espírito Santo, cuja principal
finalidade era apoiar, de forma cerrada, as operações futuras e impedir a expansão dos
franceses para o norte, barrando, deste modo, o avanço para a capital da Colônia. Com
o objetivo de apoiar as ações de Mem de Sá, em 1559, chegou à Bahia uma esquadra
oriunda de Portugal, comandada por Bartolomeu Vasconcelos da Cunha, composta por 4
naus.
Em fevereiro do ano seguinte, chegou a Baía da Guanabara a expedição militar
comandada por Mem de Sá, composta por forças regulares da metrópole e por forças
irregulares coloniais, com aproximadamente 120 homens, reforçada por cerca de 140
índios em canoas. Essas forças constituíam o grosso do efetivo empregado na operação
terrestre.
Ao aportar na Baía da Guanabara, Mem de Sá recebeu a informação de que
Villegagnon encontrava-se ausente. Mesmo estando em inferioridade numérica e tendo
que realizar um ataque a uma posição fortificada, Mem de Sá decidiu por uma ação
ofensiva. Por sorte, os reforços vindos de São Vicente chegaram antes do início do
ataque.

Ataque de Mem de Sá ao Forte Coligny


(ações de 15 a 16 de março de 1560)

Ponta do Calabouço

1 km Ilha de Villegagnon
Forte Coligny

Praia do Flamengo

20
O forte onde os franceses se instalaram era naturalmente protegido, pois estava
posicionado em uma pequena ilha, localizada a um quilômetro do continente, rodeada de
pedras, que impediam a aproximação de navios. Existia apenas um porto, por onde,
somente pequenas embarcações, poderiam atracar. No momento do ataque, o Forte era
guarnecido por 114 europeus, apoiados por cerca de 800 índios tamoios. Os franceses
possuíam 5 canhões de grande calibre e outros menores, além de arcabuzes e lanças e,
como proteção, usavam corpos d'armas (proteção do corpo formada por uma túnica de
couro, forrada ou não com algodão).
A composição da tropa francesa era de valor combativo duvidoso e heterogênea,
pois era composta por soldados, agricultores, artesãos, presidiários, entre outros. As
regras disciplinares rígidas, impostas por Villegagnon, acarretaram grande insatisfação
entre os homens, o que provocou diversas deserções e abandonos. O armamento dos
índios aliados dos franceses era o tradicional arco, flechas (normalmente envenenadas) e
lanças.
O armamento dos portugueses e de seus aliados era similar ao dos oponentes.
Mem de Sá, em 15 de março de 1560, atacou o Forte Coligny, que, após alguns
combates, foi ocupado e destruído. Depois dessa vitória, Mem de Sá partiu para a Bahia,
sem fundar um núcleo de colonização ou deixar uma guarnição no local, pois havia pouco
recurso para isso. Também não realizou a pacificação dos índios tamoios, que permane-
ceram inimigos dos portugueses e aliados dos franceses. Esses erros iriam invalidar todo
o esforço de guerra realizado até aquele momento.
Com a retirada das tropas portuguesas, os franceses, que conseguiram se es-
conder no continente, aos poucos foram retornando à Baía, onde guarneceram e fortifica-
ram uma aldeia (Forte de Paranapuã), na atual Ilha do Governador, além de implantarem
o reduto militar de Uruçu-Mirim, na região do atual bairro da Glória.Após se restabelece-
rem, voltaram a atacar navios e a saquear os colonos portugueses.
No ano de 1563, Estácio de
Sá, sobrinho de Mem de Sá, retornou NA EUROPA
de Portugal, com uma pequena esqua- Em 1557 morria D. João III, Rei de
dra e com ordens da Corte de expul- Portugal e seu sucessor seria D. Sebastião,
sar definitivamente os franceses da que tinha apenas 3 anos de idade. Deste modo
Guanabara. No início do ano seguinte, a regência passou a ser exercida pela rainha
com os meios disponíveis em Salvador, viúva D. Catarina. Em 1562, D. Catarina pas-
Mem de Sá enviou o seu sobrinho para sou a regência para o seu cunhado o cardeal
a Baía da Guanabara, com aproxima- D. Henrique. Em 20 de janeiro de 1568, D.
damente 200 homens, com a finalida- Sebastião assumiu o trono português com ape-
de de derrotar os franceses e de fun- nas 14 anos.
dar um povoado na região.

21
Durante seu deslocamento, na região do atual Estado do Espírito Santo, as tro-
pas de Estácio de Sá obtiveram o apoio da tribo dos temiminós, liderada por Araribóia,
que eram inimigos dos índios tamoios.
Ataque às posições Franco-Tamoias
(janeiro de 1567)

Ilha de Villegagnon

Ilha de Governador
(Forte Paranapuã)

Reduto de Uruçu-Mirim
Lage

Enseada de Botafogo
Pão de açúcar

Estácio de Sá chegou à região da Baía da Guanabara em 1565, onde fundou a


cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, porém não atacou os franceses. Aguardou
reforços, que chegaram em janeiro de 1567, sob o comando do próprio Governador-
Geral e de um contingente vindo de São Vicente. Ainda em janeiro, iniciaram-se as ofen-
sivas, primeiro contra o reduto militar de Uruçu-Mirim e depois contra o Forte de
Paranapuã. Depois de diversos embates, Mem de Sá destruiu as fortificações francesas,
matando ou aprisionando boa parte dos inimigos. Logo após, os beligerantes entraram em
acordo e quatro naus levaram a maioria dos remanescentes de volta para a França.
Entretanto, alguns franceses recusaram-se a retornar para seu país e fugiram
para a região de Cabo Frio, onde continuaram o comércio com os tamoios e a pilhagem
da costa. Em 1568, com o apoio dos seus aliados indígenas, os franceses realizaram uma
incursão na região da Guanabara, como intuito de punir os temiminós, mas foramrechaçados
por Araribóia. Em represália, Salvador Correia e Sá, Capitão-Mor do Rio de Janeiro,
marchou contra Cabo Frio, derrotando novamente os franceses.
A investida de corsários no Brasil cresceu extraordinariamente com a União
Ibérica (1580 - 1640). Diversas surtidas ocorreram em Santos, no recôncavo baiano, no
litoral de Cabo Frio a São Vicente e em Recife. Todas foram combatidas pela população
local, o que impediu a sua permanência e o seu aprofundamento para o interior do conti-

22
nente. Esses ataques consistiam mais em saque a determinados pontos do litoral brasilei-
ro, onde existia alguma riqueza, do que em conquistas para futura colonização. Os france-
ses, após a expulsão da Baía da Guanabara realizaram outra tentativa de colonização,
desta vez no litoral nordeste da Colônia.

A Ocupação do Nordeste
As dificuldades encontradas por Portugal para ocupar o extenso litoral brasilei-
ro estimulou a ambição de outros povos europeus ao longo do século XVI. A consolida-
ção da posse do Nordeste ocorreu em meio a lutas sucessivas, principalmente contra
franceses e posteriormente holandeses.
Uma das conquistas mais importantes foi a de Sergipe. Sua localização era es-
tratégica, pois permitia a ligação terrestre entre a Bahia e Pernambuco. A tomada militar
foi feita em 1590, em lutas contra os franceses e seus aliados índios caetés.
Nesse período, todas as capitanias ao norte de Pernambuco permaneciam
semiabandonadas; nem a Coroa, nem seus donatários empenhavam-se em desenvolvê-
las. Somente quando os franceses ameaçaram a Paraíba é que foram tomadas providên-
cias para assegurar o domínio ibérico na região.
Inicialmente a ocupação da Paraíba ocorreu após várias tentativas: em 1578,
com Frutuoso Barbosa; em 1579, com João Tavares; e em 1584, por iniciativa oficial,
com Felipe de Moura, comandando uma coluna por terra, e com uma esquadra espanho-
la, sob o comando de Diego Valdez. Nessa oportunidade, foi fundado o forte de São
Tiago e São Filipe, destruído em 1585 pelos próprios espanhóis que o guarneciam, por
ocasião da deserção do seu comandante, o também espanhol Francisco de Castrejón.
Ainda em 1585, Martim Leitão reconstruiu o forte, fundou a localidade de Filipeia de
Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa) e, em 1586, comandou a expedição que
derrotou os franceses e seus aliados, os índios potiguaras, consolidando assim a conquista
da Paraíba, que se tornou capitania real no mesmo ano.
Em 1597, outra esquadra francesa, com o apoio dos potiguaras, atacou Cabedelo,
na Paraíba, destruindo o forte e arrasando o povoado. Coube a Manuel Mascarenhas
Homem, Capitão-Mor de Pernambuco, por ordem do rei da Espanha e Portugal, o so-
corro à Paraíba e a conquista do Rio Grande (atual Rio Grande do Norte). No mesmo
ano, foi organizada uma expedição terrestre, composta de quatro companhias de infanta-
ria e uma de cavalaria, sob o comando de Feliciano Coelho, Capitão-Mor da Paraíba.
Manuel Mascarenhas comandou uma força naval que, partindo da Paraíba, rumou para o
Rio Grande. O deslocamento terrestre foi caracterizado por combates contínuos contra
os franceses e seus aliados potiguaras. As ações foram prejudicadas pela incidência de
varíola sobre a tropa, que obrigou seu retorno a Pernambuco, exceto a companhia do
Capitão Jerônimo de Albuquerque que, embarcada em um caravelão, incorporou-se à
força naval.

23
A Ocupação do Nordeste

OCEANO ATLÂNTICO

F. São Luís
F. N. Senhora do Rosário
MARANHÃO GUAXANDUBA
F. N. Senhora do Amparo
rim

CEARÁ
aíba
ecuru
R. Mea

R. P a rn
Serra do
R. Itap

Ibiapaba F. dos Três


Reis Magos
RIO GRANDE
CABEDELO
PARAÍBA F. S. Tiago
e S. Filipe
FELIPEIA DE
N.S. DAS NEVES

PERNAMBUCO

co
cis
F ran
Sã o SERGIPE
R.

BAHIA

No Natal de 1597, a expedição naval desembarcou próximo à foz do rio Potengi


e, em 6 de janeiro de 1598, deu-se o início da construção do Forte dos Três Reis Magos,
origem da cidade de Natal, atual capital do Estado do Rio Grande do Norte. Os meses
seguintes foram marcados por lutas contra os potiguaras e os franceses remanescentes,
cujos focos de resistência foram eliminados paulatinamente. Por fim, com a expulsão dos
franceses, os índios potiguaras, da região, foram integrados à colonização, a partir da
conquista da amizade e da confiança de seu chefe, o índio Poti. No final do mesmo ano,
foi consolidada a conquista do Rio Grande, tendo assumido o comando do Forte o Capi-
tão Jerônimo de Albuquerque.
A primeira tentativa de conquista do Ceará, região igualmente ocupada pelos
franceses, ocorreu em 1603, por iniciativa de Pero Coelho de Souza, rico proprietário da
Paraíba, que, após entendimentos como governador-geral, recebeu dele o comissionamento
de capitão-mor para a conquista. Sob seu comando, foi organizada uma expedição divi-
dida em dois escalões: o primeiro seguiu por terra, com o próprio Pero Coelho à frente, e
era constituído por 65 soldados e 200 índios aliados; o segundo, por mar, sob o comando
do Sargento-Mor Diogo de Campos Moreno, que conduziu o suprimento em dois bar-
cos. Reunidos os dois escalões na foz do rio Jaguaribe, a expedição subiu o rio, indo
encontrar os franceses e potiguaras na serra do Ibiapaba. Após sangrenta luta, os france-
ses foram expulsos, sendo firmada a paz com os potiguaras.

24
A vitória militar inicial, porém, não permitiu a ocupação efetiva. Sem recursos,
Pero Coelho viu-se obrigado a abandonar seu empreendimento. Coube a Martim Soares
Moreno, por iniciativa oficial, a concretização da ocupação do Ceará. Em 1611, ele cons-
truiu o Forte de Nossa Senhora doAmparo, onde hoje fica a cidade de Fortaleza. Em sua
missão, contou com o apoio do cacique Jacaúna, irmão de Poti. Martim Soares Moreno
lutou ainda contra os franceses no Maranhão, assim como contra os holandeses em
Pernambuco.
A ocupação francesa no Maranhão teve um caráter diferente das demais ações
estrangeiras no litoral nordestino, pois visava a instalção de uma colônia na área. Embora
já houvesse franceses estabelecidos na região desde 1582, somente em 1612 chegou ao
Maranhão uma expedição colonizadora, organizada e comandada por Daniel de La Touche,
Senhor de La Ravardiére. Essa expedição era composta por três navios e cerca de 500
homens, entre soldados, colonos e religiosos. No final de julho, chegaram ao Maranhão,
onde foram recepcionados pelos franceses que lá se encontravam e por nativos aliados.
De imediato os novos colonos iniciaram a construção do Forte São Luís, em homenagem
ao Rei Luís XIII.
A informação de que havia uma colônia francesa instalada no Brasil fez com que
o Rei Filipe III da Espanha (Filipe II de Portugal) determinasse a expulsão dos invasores.
Em 1613 iniciaram-se as operações militares com essa finalidade.
A primeira expedição organizada para expulsar os franceses da região foi chefi-
ada por Jerônimo de Albuquerque. Ela apresentou diversas deficiências, como número
insuficiente de embarcações, efetivo reduzido e despreparo da tropa (não era de 1ª linha
e era composta, inclusive, por prisioneiros, libertos unicamente para participar da opera-
ção), além do limitado conhecimento da área. Ao chegar próximo da região, Jerônimo de
Albuquerque determinou que uma embarcação realizasse o reconhecimento da área e que
colhesse maiores informações sobre o inimigo. Paralelamente fundou o povoado de
Camocim, para servir de base de apoio às operações, além de reforçar a presença portu-
guesa na região. Porém devido a uma violenta tempestade, a embarcação de reconheci-
mento foi deslocada para as Antilhas e, desse modo, as informações colhidas não foram
transmitidas a Jerônimo de Albuquerque. Sem essas informações e com o nível de supri-
mento e munição baixos, resolveu retornar para Pernambuco. Em seu retorno, fundou a
Fortaleza de Nossa Senhora do Rosário, no Ceará, deixando nela uma guarnição de 40
homens.
No final de 1613, a região de São Luís prosperava, já contava com aproxima-
damente 12.000 habitantes, e o Forte, que tinha a sua capacidade defensiva favorecida
pela elevação onde se encontrava, teve suas instalações reforçadas e foi artilhado com
peças de grosso calibre.
Em junho de 1614, Jerônimo de Albuquerque, com o apoio do Sargento-Mor
Diogo de Campos Moreno, recém-chegado de Portugal, organizou uma nova expedição

25
militar, composta de tropas portuguesas e de índios, que embarcaram em 3 navios e 5
embarcações menores, com destino ao Maranhão. No Ceará, outro grupamento, forma-
do por índios, junta-se à expedição, que passa a ser composta por 220 soldados portu-
gueses, 100 marinheiros e 200 índios flecheiros. Jerônimo de Albuquerque navegou até
Pereá, onde instalou seu posto de comando, porém, por motivo de segurança, mudou-o
para a região de Guaxanduba, onde levantou o Forte de Santa Maria, nas margens do rio
Tajuaba.
Devido à inferioridade de meios e de pessoal, Albuquerque resolveu aguardar
por reforços e não tomou a iniciativa das ações. Isso permitiu que, em meados de novem-
bro, ocorresse um ataque surpresa por parte dos franceses, que durante a noite, utilizando
canoas, conduzidas por índios, atacaram a esquadra portuguesa que se encontrava anco-
rada na praia de Guaxanduba. Nessa operação, os franceses capturaram três navios. No
dia 19 de novembro, a frota de La Ravardière, composta de 7 navios e 47 canoas, surgiu
diante do Forte português, bloqueando a entrada da enseada. Participaram dessa opera-
ção cerca de 300 franceses e 1.200 índios. Após o desembarque de parte dos franceses,
ocorreram diversos embates entre as forças beligerantes, conseguindo, os ibéricos, evitar
que o Forte passasse para as mãos dos franceses e impedindo que mais tropas francesas
desembarcassem para apoiar os combatentes em terra.
Em função dessa batalha, Ravardière assinou um acordo para a suspensão das
hostilidades, que duraria até dezembro de 1615, tempo suficiente para as cortes de Paris
e Madri discutirem a legitimidade da posse do Maranhão.
Neste mesmo ano, Jerônimo de Albuquerque recebeu reforços e instrução de
Madri para ocupar militarmente o Maranhão. Emoutubro de 1615 iniciou-se o fustigamento
dos franceses, que, sem o apoio de Paris, capitularam definitivamente e abandonaram o
Maranhão.

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“A JORNADA MILAGROSA”
GUAXANDUBA
OCEANO
Ataque luso-brasileiro
Navios

brasileiras
Tropas luso-
Canoas

Ataque luso-brasileiro
Desembarque francês

Na madrugada de 19 de novembro de 1614, os franceses atacaram a praia de


Guaxanduba, com uma força anfíbia composta por 7 navios e 47 canoas tupinambás, conduzindo
aproximadamente 200 franceses e 1.200 índios, dividida em 6 companhias, estando duas em reserva.
O inimigo desembarcou e iniciou a construção de trincheiras, deixando a reserva nos barcos. Ao
observar a ação dos inimigos, Jerônimo de Albuquerque decide atacar as tropas invasoras. Dividiu
sua tropa em três grupamentos, o primeiro, composto por aproximadamente 400 homens, quase
todos indígenas, deveria defender o Forte Santa Maria, os dois outros grupamentos composta por
aproximadamente 70 homens cada, comandados respectivamente pelo próprio Jerônimo de
Albuquerque e por Gregório Fragoso, realizariam um cerco aos franceses e seus aliados que se
encontravam em terra. Porém, antes do início das ações, os franceses enviam um emissário condu-
zindo uma mensagem de La Ravardiére, dando aos ibéricos quatro horas para a capitulação.
Durante esse período, os comandantes franceses permitiram que suas tropas descan-
sassem. Jerônimo de Albuquerque, percebendo a oportunidade do momento, determinou que Diogo
de Campos, acompanhado de um destacamento, atacasse as tropas inimigas que estavam descan-
sando, enquanto os dois outros grupamentos ibéricos realizavam ataques nos flancos dos invaso-
res. Essa ação acarretou a destruição de parte da tropa invasora e a dispersão dos remanescentes.
Os lideres franceses, ainda, tentaram reunir seus soldados e realizar um contra-ataque, porém em
função da desorganização causada pelo ataque ibérico, o contra-ataque foi frustrado e seus princi-
pais comandantes foram mortos. Nesse momento da batalha, a maré estava alta, o que impediu que
a pequena cavalaria francesa pudesse ser empregada. Após seis horas de duro combate, a vitória
tendia para o lado ibérico, principalmente porque a maré, agora baixa, não permitia ao inimigo
receber reforços da esquadra fundeada na enseada, e os que se encontravam em terra não podiam
retornar, pois as embarcações menores que se encontravam na praia haviam sido queimadas por
ordem de Jerônimo de Albuquerque. Apesar da inferioridade numérica dos ibéricos, os franceses
foram derrotados, tendo como saldo a perda de pelo menos 30 nobres, dos 100 franceses mortos
durante o combate, e da metade das tropas indígenas que desapareceram. Já os ibéricos tiveram
apenas 10 mortos e 30 feridos. Esse dia passaria à história com o título de "a Jornada Milagrosa"

27
Combates Indígenas

Ao chegarem ao Brasil, os portugueses encontraram um território povoado por


grupos que se encontravam em estágios de desenvolvimento humano que variava do paleolítico
ao neolítico. Reuniam-se em grupos familiares, formando aldeias, que se ligavam através de
laços de parentesco com unidades maiores constituindo tribos.
Esses grupos indígenas sobreviviam por meio das atividades de caça, pesca,
coleta e, em algumas tribos mais avançadas, de uma agricultura rudimentar. Porém, mesmo
esta atividade não os fixavam definitivamente em um território. Essas tribos permaneciam
em um local por aproximadamente quatro anos.
A guerra entre as tribos acontecia por razões materiais, como a conquista tempo-
rária de terras mais apropriadas para caça e pesca; sociais, para obter suas mulheres; mo-
rais e sentimentais, por vingança pela morte de parentes ou amigos; estratégicas, para pre-
venir possíveis agressões futuras; ou religiosas, vinculadas a ritos antropofágicos.
A preparação para a guerra era de responsabilidade coletiva, porém havia ações
individuais, de acordo com os costumes de cada tribo. De um modo geral a tribo era
responsável pela manutenção dos armamentos e por recompletá-los, além de preparar a
alimentação utilizada durante a campanha (farinha de guerra). Quando a guerra era de maior
vulto, ou seja, quando o teatros de operação localizava-se a mais de 100 km de distância,
solicitava-se apoio a tribos aliadas.
As tribos possuíam um chefe militar, morubixaba, porém, na maioria das vezes,
um conselho de guerra ou de anciãos é que possuía o poder decisório de declarar a guerra.
As armas e o processo de guerra não variavam muito entre as tribos brasileiras,
qualquer que fosse o seu estágio de desenvolvimento. Destacavam-se os seguintes tipos de
armamento:
a) Armas de arremesso - o arco simples e a flecha, o dardo e a zarabatana.
O arco era constituído de madeira forte e elástica, como o ipê ou pau-d'arco. A
madeira era trabalhada com ferramentas de osso, pedra e dentes; lixada com folhas áspera
até ficar completamente lisa; e por fim era aquecida no fogo e envergada até tomar o
formato ideal. As cordas eram confeccionadas com fibras resistentes, como das bromélias.
Os arcos apresentavam tamanho variado podendo ser até superior a estatura de um homem.
As flechas eram confeccionadas com madeiras leves e rígidas, como o ubá. Para aumentar
o seu poder de penetração eram afixadas pontas de ossos ou pedras pontiagudas e para
aumentar o potencial de letalidade era, frequentemente, impregnada na ponta das setas
alguma substancia tóxica. Essas flechas possuíam um dispositivo de pena, acoplado em sua
parte final, que permitia a rotação e a estabilização do projétil durante seu deslocamento no
ar, possibilitando que a seta alcançasse a distâncias superiores a 200 metros. Algumas tribos
utilizavam flechas com algodão embebido em resina que eram empregadas como projéteis
incendiários. A grande deficiência desse armamento era o remuniciamento, pois a quantida-
de de flechas conduzida era limitada, o que não permitia uma ação em combate muito
prolongada.
O dardo era uma pequena lança de arremesso, confeccionado com madeira dura
e pesada, como o pau-ferro, de tamanho variado e com ambas as pontas aguçadas e endu-
recidas pelo fogo. A zarabatana consistia em um tubo oco, no qual se introduzia setas enve-

28
nenadas, impelidas pelo sopro contra o alvo. Era normalmente empregada em atividades de
caça a pássaros e pequenos animais, porém era também utilizado em pequenas ações de
combate.
b) Armas contundentes de choque - o tacape ou borduna.
Era uma peça alongada de madeira pesada e dura, com uma parte destinada a
empunhadura, mais delgada, e um corpo achatado, com dois gumes, que por vezes eram
fixadas pedras para aumentar a ação contundente. Era sempre manuseada com as duas mãos.
c) Armas defensivas - escudo redondo ou oval.
O escudo era geralmente pequeno, circular ou oval, feito com madeira leve e/ou
couro e, às vezes, com cascos de tartarugas. Sua principal diferença dos escudos utilizados
na Europa não estava em sua forma nem constituição, mas no seu emprego, pois os indígenas
usavam seus escudos apenas para a defesa contra flechas e dardos lançados pelo inimigo,
porém, quando os contendores se aproximavam, os escudos eram abandonados e os comba-
tes ocorriam apenas com tacapes, utilizando para isso as duas mãos.
O principal meio empregado pelos indígenas em operações anfíbias era a canoa,
confeccionada com um ou mais troncos de árvores, e com capacidade variada, chegando
algumas a transportar até 60 homens.
As aldeias indígenas utilizavam a paliçada como sistema de defesa passivo, consti-
tuída por um conjunto de estacas de madeira fincadas verticalmente no terreno, ligadas entre
si, de modo a formarem uma estrutura firme, que circundava a aldeia, com um pequeno
número de entradas e saídas. Essas cercas tinham aproximadamente 2 metros de altura,
podiam ser simples ou duplas e possuíam pequenas aberturas para que os defensores lanças-
sem flechas. Próximo às cercas ou entre elas, eram instaladas armadilhas antipessoais que
consistiam em simples estaca afiada feita de bambu ou de madeira, espetada verticalmente no
solo.
Diversos fatores propiciaram o bom desempenho combativo do indígena brasileiro:
o condicionamento físico, com destaque para a força muscular e a resistência física à fadiga;
o desenvolvimento dos sentidos; a capacidade de orientação; a percepção de pequenas altera-
ções do meio ambiente; e a facilidade em seguir rastros.
Os chefes guerreiros faziam, antes do início das ações, intensa preparação moral,
com ênfase nas exaltações sistemáticas, no interesse e persistência da campanha, na recorda-
ção das glórias e dos feitos históricos, e no estímulo à vingança e à ousadia.
As ações ofensivas e sigilosas eram os tipos usuais de combate empregados pelos
indígenas, que se iniciavam com um deslocamento realizado por grupos de guerreiros em
uma ou duas colunas, com o chefe à frente dos guerreiros, seguido, logo à retaguarda, pelas
mulheres que carregavam um pequeno suporte logístico, como os suprimentos básicos e
redes. Grupos de esclarecedores eram enviados à frente, com uma ou duas jornadas de
diferença, para evitar a quebra do sigilo das operações. Caso avistassem elementos da
tribo inimiga, toda a coluna de marcha era detida e entrava em situação de alerta. A partir
desse momento, um grupo de reconhecimento era constituído para identificar a situação e
estabelecer a forma de ação mais apropriada. O efetivo empregado nas campanhas pode-
ria passar da casa das centenas, havendo relatos de operações com o efetivo superior a
8.000 índios.

29
A tática de combate empregada baseava-se na exploração dos princípios da
surpresa e da massa, além da superioridade moral. Para alcançar esses objetivos, procu-
ravam atingir o inimigo em um tempo, local ou maneira para o qual ele não estivesse
preparado, com o objetivo de infligir, a esse inimigo, o máximo de danos, com um mínimo
de perdas. Para isso, aplicavam ainda, as manobras de desbordamento e envolvimento,
procurando corta-lhe as suas linhas de comunicação e fuga. Porém não se descuidavam
de uma via de retirada, caso ocorresse um insucesso. Faziam ainda, um largo emprego das
táticas de emboscadas, aproveitando-se do amplo conhecimento do terreno.
No entanto, os ataques às aldeias inimigas ocorriam, às vezes, por vários dias,
em função das dificuldades impostas pela paliçada que impedia a surpresa. Assim sendo,
a técnica empregada consistia em procurar abrir uma brecha na paliçada, por meio de
fogo ou pela destruição das estacas que a compunham. A aproximação para essa destrui-
ção era feita por meio da construção de outras fortificações (paliçadas), que os protegia
das flechas inimigas, e que iam sendo construídas cada vez mais próximas da fortificação
adversária. Esse trabalhoso processo permitia a entrada de um grupo de guerreiros na
aldeia inimiga, fazendo prisioneiros ou matando todos os que encontrassem.
Caso a tribo conseguisse a informação de que tropas adversárias se deslocavam
em direção a sua aldeia, era preparada uma formação defensiva para aguardá-los fora da
aldeia ou executava uma marcha ao seu encontro para que o combate ocorresse fora das
proximidades de sua aldeia. Nesse caso, o primeiro contato ocorria por meio de um com-
bate de flechas e dardos, seguido de uma brutal luta corpo a corpo, onde eram amplamente
empregados os tacapes. A peleja era normalmente encerrada com o abandono do campo
de batalha por uma das tribos, ocasionado pelo temor de alguma surpresa ou satisfeito por
conseguir a captura de alguns prisioneiros.
Sendo os indígenas exímios nadadores e remadores, não era incomum a ocor-
rência de operações aquáticas ao longo da costa e em rios. Há relatos de batalhas envol-
vendo esquadras rivais com mais de 50 canoas guarnecidas por até 60 homens cada. As
mesmas técnicas de emboscada empregadas em terra eram utilizadas no combate naval,
escondendo-se nas costas e em ilhas e atacando o inimigo em seu ponto mais fraco, nos
flancos e pela retaguarda, com total surpresa. A utilização de canoas para, durante a noite,
tomar de assalto embarcações europeias foi comum, assim como a sua utilização para
transporte e desembarque de guerreiros em operações anfíbias.
Nos conflitos ocorridos entre os europeus e os indígenas verifica-se, de forma
bem nítida, a importância da utilização de armamentos tecnologicamente mais desenvolvi-
dos como a arma de fogo. Mas a superioridade dos europeus se deu, também pela capa-
cidade de assimilação de técnicas indígenas. Dentre elas pode-se destacar a forma de
combate, o emprego de emboscadas, a utilização de objetos nativos, o conhecimento da
natureza, a alimentação e os medicamentos, entre outros.

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CAPÍTULO 2

ASINVASÕES HOLANDESAS

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32
CAPÍTULO 2

ASINVASÕES HOLANDESAS
Elonir José Savian

“Vigiavam todas as noites sem cessar; passavam os dias sem descansar; tinham
por casa o céu e a terra por cama, expostos ao frio e à chuva. (...) sustentavam-se
só de farinha de guerra, sem mais do que uma pouca água. Menos sentiam, porém,
esta falta que a de armas e munições, a qual era tanta que o soldado que dispara-
va o segundo tiro não tinha com que atirar o terceiro (...). E, os nossos, matavam
uns holandeses para poder matar outros, servindo-se da pólvora que tomavam
aos primeiros para poder atirar aos segundo.
1 E, como ser tão grande essa falta,
nunca aos nossos faltou ânimo” 1

Padre Vieira, sobre os combatentes luso-brasileiros

No início do século XVII, nas áreas colonizadas do Brasil, estimava-se uma


população de cerca de cem mil pessoas (30 mil brancos e 70 mil mestiços, negros e
índios). Essas pessoas viviam, em sua maioria, de forma esparsa, na faixa litorânea, onde
constituíam alguns poucos núcleos urbanos, dos quais se destacavam São Salvador da
Bahia de Todos os Santos (Salvador), São Sebastião do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro),
Filipeia de Nossa Senhora das Neves (João Pessoa) e Olinda. O território era administra-
do por um governador-geral, que residia na capital, Salvador. Mais tarde, em 1621, a
colônia foi subdividida em dois estados: o do Brasil, com capital em Salvador, e o do
Maranhão, com sede em São Luís.
Aeconomia fundamentava-se na produção de açúcar, produto muito valorizado
na Europa, que conferia grandes lucros à metrópole. A produção açucareira, bastante
elevada, era possível devido às condições ambientais propícias (clima tropical e solos
férteis) e ao modo de produção (monocultura, realizada em grandes propriedades, por
meio de trabalho escravo).As principais áreas açucareiras encontravam-se nas capitanias
da Bahia e de Pernambuco. Em menor escala, como atividades complementares, explo-
rava-se o pau-brasil, criava-se gado e plantava-se mandioca, algodão e milho.
Embora existissem alguns contingentes profissionais, de modo geral a defesa do
território estava a cargo de forças recrutadas entre os moradores. Além das tropas, havia
diversas fortalezas para a defesa.
1 apud SOUZA JÚNIOR, 1998, p. 19-20.

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Nessa época, o Brasil fazia parte do império ultramarino espanhol, pois em
decorrência de uma crise sucessória, o trono português passara a ser ocupado pelo rei
espanhol Filipe II, da Casa dos Habsburgos. A crise sucessória iniciara-se quando o rei
português D. Sebastião I morreu, em 1578, na Batalha de Alcácer-Quibir, travada entre
portugueses e mouros. Ele foi sucedido por seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, que
faleceu, em 1580. Em face disso, o rei Filipe II, da Espanha, por ter parentesco com a
família real portuguesa (era neto de D. Manuel I), reivindicou e se apossou, à força, do
trono português, dando início a uma fusão de coroas, conhecida como União Ibérica,
que perdurou até 1640.
Devido à União Ibérica, os países inimigos da Espanha passaram a sê-lo tam-
bém de Portugal. Um dos mais ferrenhos adversários era a República das Sete Províncias
Unidas dos Países Baixos, comumente conhecida como Holanda. Estas províncias, anti-
gas possessões dos Habsburgos, rebelaram-se contra o domínio espanhol em 1567 e
proclamaram sua independência em 1581, o que precipitou uma longa e sangrenta guer-
ra, que, da Europa se propagaria para outros continentes.
A rebelião iniciara-se devido a desavenças de ordem religiosa, administrativa e
econômica. Os holandeses, em sua maioria adeptos do calvinismo, desejavam seguir esse
credo, o que não era aceito por Filipe II, um católico fervoroso. Queriam autonomia
governamental, mas o rei insistia em imiscuir-se na política deles. Pleiteavam livrar-se dos
pesados impostos cobrados pela Espanha sobre suas pujantes atividades comerciais, mas
o monarca instava em mantê-los.
Paralelamente ao conflito, os holandeses rapidamente transformavam sua nação
em uma potência comercial, marítima e militar, o que passou a ameaçar a hegemonia
espanhola no continente europeu, nos mares e nas zonas coloniais. Para conter ou pelo
menos diminuir a ascensão dos holandeses, Filipe II proibiu-lhes comerciar com a Espanha
e suas colônias. Isso os alijou do lucrativo comércio açucareiro brasileiro, do qual eram
partícipes importantes (refinação e comercialização na Europa). Não conformados, eles
passam a engendrar soluções para a questão, que se refletiriam no Brasil.
Nesse sentido, nas duas primeiras décadas do século XVII, os holandeses or-
ganizaram diversas expedições, com diferentes fins, ao litoral brasileiro. Entre elas, desta-
caram-se as de Paulus van Carden, para saquear açúcar na Bahia (1604); a de Joris van
Spilbergen, para espoliar São Vicente e Santos (1614); e a de Pieter Adriaansz, para
explorar o rio Paru, na região amazônica (1616).Adriaansz chegou a fundar uma colônia
no Pará, que foi destruída pouco tempo depois por tropas portuguesas.
Tais empreendimentos não trouxeram resultados compensadores, mas
demostraram a fragilidade das defesas brasileiras, o que levou os holandeses a decidirem
ocupar, de forma permanente, as regiões açucareiras, conquistando-as por meio de ações
militares. Isso só seria possível se realizado pela Companhia das Índias Ocidentais (West-
Indische Compagnie ou WIC).

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A WIC, fundada em 1621, era uma empresa de mercadores paraestatal, que
passou a deter o monopólio comercial na África Ocidental e nas Américas. Nessas áreas,
estava autorizada a conquistar territórios, criar colônias, firmar tratados, nomear adminis-
tradores e conduzir operações militares, se aprovadas pelo governo holandês. Era gerida
por um Conselho de Administração (Heren XIX) e possuía escritórios (kamers) emAms-
terdã, Midelburgo, Roterdã, Hoorn e Groningen.
Ainda em 1621, o Conselho de Administração da WIC decidiu conquistar as
mais ricas regiões canavieiras do Brasil. Esperava com isso lucrar com o comércio do
açúcar e com outras atividades coloniais, como o tráfico de escravos. Tal empreendi-
mento também enfraqueceria o império espanhol, deslocaria da Europa para ultramar os
embates bélicos hispano-holandeses e propiciaria a expansão da reforma religiosa.
Os dirigentes da WIC optaram por invadir e se apossar do recôncavo baiano,
onde se encontravam a sede do Governo-Geral do Brasil, Salvador, e grande quantidade
de engenhos destinados à produção de açúcar. Para isso, organizaram uma poderosa
frota, composta por 26 navios, armados com 500 canhões, e uma tropa de cerca de
3.000 homens, dos quais aproximadamente 1.700 teriam a missão de desembarcar e
conquistar os objetivos estipulados. Afrota era liderada pelo Almirante Jacob Willekens,
e nela estavam também Johan Van Dorth, nomeado governador dos territórios a serem
ocupados, e Pietersen Pieter Heyn, renomado comandante militar.
Os preparativos da frota, na Holanda, chamaram a atenção de agentes secretos
que preveniram o governo espanhol de um possível ataque de grande porte ao Brasil. A
Corte espanhola restringiu-se, no início de 1624, a comunicar o fato ao Governador-
Geral Diogo de Mendonça Furtado e a ordenar a ele que preparasse a defesa da Bahia,
dando prioridade para as fortificações.
Mendonça Furtado tomou providências para fortalecer o sistema defensivo de
Salvador. Para isso, organizou uma força miliciana composta por cerca de mil combaten-
tes e reforçou os fortes com armas e homens. Foi auxiliado pelo Bispo D. Marcos Teixeira,
que ficou com os encargos de dar apoio espiritual à tropa, de estimular a população à
resistência e de comandar e treinar tropas.
Devido ao relevo acidentado, a cidade de Salvador encontrava-se dividida em
duas áreas principais, denominadas “cidade alta” e “cidade baixa”, e projetava-se sobre a
baía de Todos os Santos. Os principais fortes eram o de Santo Antônio, na entrada da
baía; o de São Filipe, na ponta de Monte Serrat; o de Santo Alberto (Lagartixa), na praia
entre a cidade baixa e a ponta do Monte de Itapagipe; o de São Bartolomeu, na ponta da
Ribeira, perto da foz do rio Pirajá; e o de São Marcelo (do Mar), erguido sobre um
pequeno banco de arrecifes a cerca de 300 metros da costa, à frente do centro da cidade.
Havia também outras fortificações que circundavam a capital e os defensores dispunham
de alguns navios de apoio, ancorados na baía.

35
Os trabalhos defensivos, porém, foram prejudicados por desavenças entre D.
Marcos Teixeira e Mendonça Furtado. O Bispo queria que parte da força de trabalho
desse continuidade à construção da Sé (igreja episcopal), enquanto o Governador-Geral
priorizava a melhoria do sistema defensivo. Isso dividiu a opinião dos moradores, preju-
dicando, em consequência, os trabalhos de fortificação e a coesão dos defensores.
A invasão esperada, entretanto, demorava a acontecer, o que fez os defensores
relaxar na preparação para o combate. Também o comércio se via prejudicado e as
lavouras estavam abandonadas. Diante disso, quatro meses depois de ser alertado pela
Coroa sobre a possível invasão, Mendonça Furtado decidiu desmobilizar os habitantes
recrutados para a defesa, que retomaram seus afazeres habituais.
No dia 8 de maio de 1624, no entanto, para a surpresa da população de Salva-
dor, despontou na baía de Todos os Santos a frota da WIC. Muitos moradores conside-
raram inútil resistir, dada a disparidade de forças, e retiraram-se para as cercanias da
cidade em busca de refúgios, outros, tendo Mendonça Furtado à frente, prepararam-se
para a luta.
Em 9 de maio, os holandeses iniciaram o ataque. Parte da frota, sob o comando
de Willekens e Heyn, bombardeou os fortes, enquanto cerca de 1.500 homens, liderados
porAlbert Shouten, desembarcaram nas proximidades do forte SantoAntônio, que, aban-
donado por sua guarnição, foi ocupado pelos invasores.
As tropas de Shouten prosseguiram rumo à cidade, mas, lá chegando, foram
barradas pelos defensores em uma de suas entradas (Portas de São Bento). No porto,
após intensa troca de tiros, o forte de São Marcelo foi tomado pelos holandeses, e os
navios dos defensores foram capturados pelo inimigo ou afundados por suas próprias
tripulações. Durante a noite, a guarnição e os moradores de Salvador, que ainda lá esta-
vam, consideraram ser sua posição insustentável e abandonaram a cidade e as fortifica-
ções. Rumaram para a aldeia de Espírito Santo, distante cerca de 40 quilômetros.
No dia seguinte, os holandeses, por terra e mar, desfecharam ataques, pilharam
e ocuparam a cidade. Mendonça Furtado, que não abandonara o posto, foi aprisionado e
van Dorth, representando a WIC, assumiu o governo de Salvador.
Na aldeia do Espírito Santo, os baianos, refeitos da surpresa, começaram a se
organizar para retomar Salvador. Convencionaram obedecer ao desembargador Antão
Mesquita de Oliveira, mas este logo passou a chefia do governo local a D. Marcos Teixeira,
que foi também encarregado de comandar a luta contra os invasores.
D. Marcos Teixeira resolveu isolar os holandeses em Salvador, de forma a im-
pedi-los de se expandir para o interior e de conseguir os recursos necessários à manuten-
ção de sua conquista. Para isso, ele estabeleceu, a cerca de 6 quilômetros da capital, o
Arraial do Rio Vermelho, que seria a nova sede do governo-geral e quartel-general da
reação contra o invasor. O Bispo também levantou o moral dos colonos e os distribuiu em
companhias de emboscada, compostas por 25 a 40 homens cada.

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INVASÕES HOLANDESAS À BAHIA

P ir
ajá
14
9 13

4
2
7
1
2

12 8 3
6

10 11

1. SALVADOR 8. FORTE DE SÃO FILIPE


2. FORTIFICAÇÕES 9. FORTE DE SÃO BARTOLOMEU
3. PORTA DE SÃO BENTO 10. INVASÃO DE 1624 - WILLEKENS/HEYN
4. PORTA DO CARMO 11. INVASÃO DE 1624 - SHOUTEN
5. FORTE SANTO ANTÔNIO 12. INVASÃO DE 1638
6. FORTE DE SÃO MARCELO 13. ROTA PARA A ALDEIA DO ESPÍRITO SANTO
7. FORTE DE SANTO ALBERTO 14. ARRAIAL DO RIO VERMELHO

As companhias de emboscada improvisaram meios para enfrentar as bem trei-


nadas e equipadas tropas inimigas. Através do emprego de táticas de combate nativas,
que em conjunto ficariam conhecidas como “guerra brasílica”, passaram a desencadear
ataques sorrateiros contra as pesadas e compactas frações do exército inimigo. Em pou-
co tempo, cercaram, por completo, Salvador, sujeitando à morte qualquer invasor que se
dispusesse a sair da proteção das muralhas da cidade. Assim, foram mortos Van Dorth e
Shouten, começou a faltar provisões e esfacelou-se o moral dos holandeses.
Em setembro, Matias deAlbuquerque, governador da Capitania de Pernambuco,
nomeado governador-geral do Brasil em virtude da prisão de Mendonça Furtado, encar-
regou Francisco Nunes Marinho de assumir o comando das forças que lutavam contra os
holandeses. Ao chegar à Bahia, com reforços e provisões, Nunes Marinho substituiu o
Bispo D. Marcos Teixeira e tomou medidas para intensificar a luta. Mais tarde, em de-
zembro de 1624, D. Francisco de Moura Rolim assumiu o governo-geral. Ele fora envia-
do a Salvador pelo rei espanhol, Filipe IV, para coordenar a luta contra os holandeses até
a chegada de uma expedição de socorro, que se aprestava na Espanha e em Portugal.

37
A invasão das tropas da WIC havia repercutido intensamente na Europa, e Fili-
pe IV ordenara a preparação de uma forte esquadra para retomar Salvador. A esquadra,
comandada por D. Fadrique Álvarez de Toledo y Mendoza, Marquês de Valdueza, foi
composta por 33 navios espanhóis, 26 portugueses e 4 napolitanos (o reino de Nápoles,
da mesma forma que o de Portugal, era governado pelos Habsburgos). Conduzia 1.185
canhões e 12.563 homens, entre soldados e marinheiros. Da expedição tomaram parte
muitos nobres, razão pela qual ficou conhecida como a “Jornada dos Vassalos”.
Tal força fundeou nas proximidades de Salvador em 29 de março de 1625.
Paralelamente, outras tropas de Pernambuco e do Rio de Janeiro chegavam para reforçar
o contingente restaurador.
No dia 30 de março, a frota de D. Fadrique entrou na baía de Todos os Santos
e bloqueou as embarcações inimigas que se encontravam no porto (a maioria dos navios
da WIC que participaram da invasão haviam retornado para a Holanda no ano anterior).
Dessa forma, ficavam os holandeses totalmente cercados, por terra e mar. Paralelamente,
tropas luso-hispânicas desembarcaram e uniram-se às de D. Francisco de Moura, que
somavam cerca de 1.400 combatentes, e apertaram o cerco ao contingente holandês, que
contava com cerca de 2.300 soldados europeus e 500 negros.
Os combates prosseguiram de forma intensa até o dia 27 de abril, quando, sem
esperanças de receberem reforços e suprimentos prometidos pela WIC, os holandeses
renderam-se. Foi-lhes permitido retornarem a salvo à Holanda, conduzindo somente os
suprimentos e materiais imprescindíveis para o deslocamento. D. Fadrique entrou em
Salvador em 1º de maio de 1625, restaurando o controle luso-espanhol sobre a Bahia.
Os reforços da WIC, aguardados em vão pelos holandeses (34 navios e cerca
de 5.000 homens) chegaram à Bahia em 26 de maio. Todavia, não se encorajaram a fazer
frente aos contingentes inimigos estacionados em Salvador. Preferiram retirar-se da costa
baiana, sem combater.
Em agosto, D. Fadrique, com sua esquadra, retornou para a Europa, deixando
cerca de 1.000 homens para reforçar as tropas da capital e para realizar melhorias no
aparato defensivo.
Não obstante, os holandeses não deixaram de ser uma ameaça para os luso-
hispânicos. Ainda em 1625, uma frota comandada por Pieter Heyn, investiu contra
a Capitania do Espírito Santo e, em 1627, por duas vezes, contra Salvador, todas
sem sucesso. No ano seguinte, entretanto, Pieter Heyn conseguiu aprisionar uma “frota de
prata” espanhola na baía de Matanzas, em Cuba. Avaliou-se a presa em 9 milhões de
ducados ou 15 milhões de florins, mais do que o dobro do capital inicial da WIC. Tal fato
animou os holandeses a empreenderem outra expedição destinada a se apossar de parte
do território brasileiro.
Desta vez, a WIC escolheu atacar e dominar Pernambuco, pois essa capitania
era próspera devido à produção de açúcar, possuía núcleos populacionais importantes
(Olinda, Recife, Igaraçu, Porto Calvo, Serinhaém, Muribeca e Ipojuca), estava menos

38
defendida do que a da Bahia, possibilitava que do seu litoral fossem desencadeados ata-
ques de corso a embarcações luso-espanholas que levassem riquezas à Europa, e tinha o
porto de Recife que poderia abrigar uma esquadra capaz de manter o controle de vias de
acesso marítimas vitais para a manutenção e expansão da conquista.
Os agentes secretos de Lisboa e Madri novamente perceberam nos portos ho-
landeses o aprestamento de uma forte esquadra e obtiveram informações de que ela se
dirigiria provavelmente para Pernambuco.ACorte espanhola limitou-se a recomendar ao
Governador-Geral do Estado do Brasil, Diogo Luís de Oliveira, a construção de obras de
defesa e a ordenar ao governador de Pernambuco, Matias de Albuquerque, que se en-
contrava em Madri, a volta para sua capitania.
De volta a Pernambuco, Matias de Albuquerque procurou mobilizar a popula-
ção para a defesa. Aos poucos soldados de 1ª linha, juntaram-se milicianos, constituindo
uma força de aproximadamente 1.000 homens. Solicitou também o apoio do índio Antô-
nio Filipe Camarão, que o atendeu juntamente com muitos guerreiros. Além disso, para
melhorar o sistema defensivo de Recife e Olinda, levantou novas fortificações e melhorou
as já existentes (fortes de São Francisco da Barra e de São Jorge, entre outras menos
expressivas).
No dia 15 de fevereiro de 1630, chegou a Pernambuco a esquadra holandesa.
Era comandada por Hendrick Corneliszoon Lonck e dela faziam parte 56 navios e 7.280
homens. Imediatamente, os holandeses iniciaram o assédio a Recife e Olinda. Emprega-
ram a maior parte de sua esquadra para bombardear Recife, o que resultou em um duelo
de artilharia com as guarnições locais. Simultaneamente, 16 navios holandeses, sob o
comando de Diederik van Waerdernburch, deslocaram-se em sentido norte, para além da
vila de Olinda, onde, na praia do Pau Amarelo, desembarcaram 2.948 homens, sem en-
contrar resistência.
No dia seguinte, os holandeses iniciaram um deslocamento da praia do Pau
Amarelo em direção a Olinda. Nas margens dos rios Doce e Tapado, tropas luso-brasi-
leiras ofereceram resistência, sem êxito. Matias deAlbuquerque decidiu então resistir em
Olinda, mas o desembarque de mais 500 holandeses ao sul dessa localidade levou-o a
considerá-la indefensável, ao que se seguiu ordem sua de retirada geral para Recife.
Em Recife, Matias de Albuquerque esperava resistir com mais vigor às tropas
invasoras. Para isso buscou reforçar os fortes, as trincheiras e os redutos que a guarne-
ciam. Isso não foi levado a bom termo devido à falta de pessoal, já que boa parte da
população, assustada pelo avanço inimigo, houvera por bem abandonar a povoação.
Constatando a impossibilidade de resistir por muito tempo, Matias de Albuquerque man-
dou incendiar armazéns e navios que continham mercadorias e cargas.
Os holandeses, sem perder tempo, deslocaram-se de Olinda para Recife, onde
intensificaram a pressão sobre os defensores, que já era realizada pelas forças navais.
Não obstante, as investidas acabaram rechaçadas pela tenaz resistência das guarnições
locais, particularmente dos fortes de São Francisco da Barra e de São Jorge.

39
INVASÕES HOLANDESAS A PERNAMBUCO

2 5
1
3
4 6 10
7

8 9

1. OLINDA 6. RIO DOCE


2. RECIFE 7. RIO TAPADO
3. FORTE SÃO JORGE 8. TROPAS DE LONCK
4. FORTE DE SÃO FRANCISCO 9. TROPAS DE WAERDERNBURCH
5. FORTIFICAÇÕES 10. PRAIA DO PAU AMARELO

De forma mais cautelosa, os invasores prepararam um novo ataque, que, desen-


cadeado em 1º de março, sobrepujou as guarnições de Recife. Dois dias depois, esse
povoado encontrava-se totalmente ocupado. Às suas novas possessões, os holandeses
deram o nome de “Nova Holanda”, e passou a governá-las van Waerdernburch.
Apesar dos reveses em Recife e Olinda, o governador e os moradores da capi-
tania dispuseram-se a continuar a luta. Matias de Albuquerque estabeleceu uma base de
operações, o Arraial do Bom Jesus (Forte Real do Bom Jesus - “Arraial Velho”), às
margens do rio Capibaribe, cerca de seis quilômetros a oeste de Olinda e Recife. Para ali
convergiam os caminhos que, dessas localidades, se dirigiam para o interior. Tratava-se
de reduto protegido por um eficaz sistema de fortificações, constituído por fossos, trin-
cheiras e baluartes. Nesse local passaram a se concentrar os combatentes dispostos a
repelir o invasor.
Do arraial, enquanto aguardava reforços da metrópole, Matias deAlbuquerque,
passou a lançar patrulhas de emboscada para acossar e isolar o inimigo em Recife e
Olinda. Impedia-os, assim, de se expandirem territorialmente e de se abastecerem dos
recursos existentes nas regiões adjacentes. Tal expediente dera certo na Bahia, em 1624,
e foi retomado.
Destarte, os luso-brasileiros passaram a desfechar, de surpresa, mortíferos ata-
ques, restringindo a liberdade de ação do inimigo.As tropas invasoras passaram a usufruir
pouco de sua conquista, e sua subsistência ficou a depender dos suprimentos enviados da
Europa ou de expedições de corso sobre o litoral brasileiro. Para minorar seus proble-
mas, em 14 de março de 1630, os holandeses tentaram destruir o Arraial do Bom Jesus,
mas o ataque fracassou, e eles recuaram com pesadas baixas.

40
Paralelamente, os holandeses realizaram trabalhos de fortificação em Olinda e
Recife, entre os quais a reforma dos fortes já existentes e a construção de outros, como o
do Brum (Bruyn), o das Cinco Pontas (Frederick-Hendrick), o das Três Pontas
(Waerdernburch), e o do Buraco (Madame Bruyn).
Todavia, a situação dos luso-brasileiros não era cômoda, pois muitos deles se
viram obrigados a abandonar a família, as lavouras e os negócios. Ademais, recursos e
reforços passaram a chegar somente aos holandeses, que buscavam consolidar sua con-
quista (até o final de 1630, 3.500 homens reforçaram as tropas invasoras).
No início de 1631, uma esquadra, comandada por Adrian Jansen Pater, com-
posta de 16 navios e cerca de mil homens, ancorou em Recife. Tal força permitiu aos
holandeses ocupar, em 22 de maio de 1631, a ilha de Itamaracá, onde foi levantado o
Forte de Orange. Não obstante, uma tentativa holandesa de se expandir para o sul, por
meio da conquista do porto de Afogados, foi rechaçada em 10 de julho de 1631.
Enquanto prosseguiam os combates em Pernambuco, atracou em Salvador, em
13 de julho de 1631, uma esquadra luso-espanhola, sob o comando de D. Antonio de
Oquendo. Era constituída por 32 navios e 2 mil homens, e tinha a missão de reforçar e
apoiar as tropas luso-brasileiras.
Em setembro, após deixar 800 homens na Bahia, Oquendo rumou para o norte.
Pretendia desembarcar mil homens, para reforçar as tropas do Arraial, em Pernambuco,
e outros 200, para defender a Paraíba. Em 12 de setembro, entretanto, na altura de
Abrolhos, a esquadra luso-espanhola deparou-se com a frota holandesa, comandada por
Adrian Jansen Pater e composta por cerca de 16 navios bem armados, que saíra de
Recife para interceptá-la. Travou-se o combate e Oquendo saiu-se vencedor, o que lhe
possibilitou desembarcar os reforços para oArraial, comandados pelo napolitano Giovanni
Vincenzo di San Felice, Conde de Bagnoli, e os destinados à Paraíba.
A vitória naval e os reforços estimularam os luso-brasileiros a intensificar o cer-
co ao inimigo. Já os holandeses, temerosos de uma grande ofensiva por terra e por mar,
abandonaram Olinda, depois de praticamente a demolirem, e concentraram todas as suas
forças em Recife.
A ofensiva esperada não aconteceu, mas as provisões dos sitiados, cerca de 7
mil soldados, em dezembro de 1631, escasseou. O governador holandês, Waerdernburch,
para aliviar a pressão a que estavam submetidos seus comandados e conseguir suprimen-
tos, ordenou a conquista do Forte de Cabedelo, na Paraíba, e do Forte dos Três Reis
Magos, no Rio Grande do Norte, e também determinou incursões à localidade de Rio
Formoso e ao cabo de Santo Agostinho. Todas essas ofensivas fracassaram, pois Matias
de Albuquerque, avisado por espiões, enviava reforços às tropas que guarneciam os lo-
cais a serem atacados pelo inimigo, conseguindo, assim, frustrar seus planos.

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As ofensivas fracassadas, o cerco e a falta de suprimento e de perspectiva de
vitória, fizeram ruir o moral dos holandeses. Todavia, nesse momento crucial, eles recebe-
ram a adesão de Domingos Fernandes Calabar, um pernambucano nascido em Porto
Calvo (atualmente município do Estado deAlagoas), que desertara das tropas luso-brasi-
leiras por ter sido acusado de roubo e dilapidação. O desertor passou a guiar os holande-
ses e lhes ensinou a “guerra brasílica”. Com isso, dois trunfos dos luso-brasileiros, o
conhecimento detalhado da região e o modo peculiar de combater, perderam eficácia.
Conduzidos por Calabar, os holandeses atacaram com êxito Igaraçu, Rio Formoso, Afo-
gados e diversos pontos da várzea do rio Capibaribe. Confiantes, em 24 de março de
1633, 1.200 soldados holandeses atacaram de surpresa o Arraial do Bom Jesus, mas
foram repelidos.
Animados com os sucessos obtidos com o auxílio de Calabar e com a vinda de
reforços, os holandeses lançaram novas ofensivas e expandiram os seus domínios. Dessa
forma, expulsaram os defensores que ainda se encontravam da ilha de Itamaracá (nela
fundaram uma colônia agrícola para sustentar Recife, que não prosperou) e saquearam
Goiana, Barra Grande e Muribeca. Também incendiaram a vila de Nossa Senhora da
Conceição, emAlagoas, e conquistaram o Forte dos Três Reis Magos, apossando-se do
Rio Grande do Norte.
Em 10 de março de 1634, 500 luso-brasileiros, comandados por Martim Soa-
res Moreno, atacaram de surpresa Recife. O objetivo não era conquistá-la, o que era
impossível dada a disparidade de forças, mas forçar os holandeses a manterem suas tro-
pas na povoação, impedindo-os, assim, de expandir suas conquistas. Em contrapartida,
no dia 30 de março de 1634, os holandeses investiram contra o Arraial, sendo repelidos
novamente. No final de 1634, em 16 de dezembro, os invasores obtiveram importantes
êxitos ao conquistarem os fortes do Cabedelo e de Santo Antônio, na Paraíba, o que lhes
possibilitou ocupar Filipeia.
No início de 1635, os luso-brasileiros encontravam-se na defensiva e com gran-
des dificuldades para fazer frente ao inimigo, que recebia continuamente reforços, além da
providencial ajuda de Calabar e de índios que cooptara. Em face disso, decidiram manter,
até a chegada de reforços, seus principais pontos de resistência: o Forte de Nazaré (Cas-
telo do Mar), localizado no cabo de Santo Agostinho, por onde poderiam chegar reforços
vindos por mar da Europa e da Bahia (defendido por cerca de 600 homens); o Arraial,
única posição que realmente inquietava os holandeses (defendido por cerca de 550 ho-
mens); Porto Calvo, onde se esperava reunir combatentes recrutados no interior da
província (defendido pelo Conde de Bagnoli e algumas companhias napolitanas) e a
região de Serinhaém, na qual se encontrava Matias de Albuquerque e grande número de
famílias pernambucanas. No restante do território, os luso-brasileiros esperavam causar o
maior dano possível ao inimigo, o que aconteceu por diversas vezes nos primeiros meses
de 1635, graças a ações de grupos de guerrilheiros comandados por Martim Soares
Moreno e Luís Barbalho Bezerra.

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Os holandeses, por sua vez, lançaram ataques para consolidar sua conquista,
que incidiram justamente sobre os pontos principais de resistência dos luso-brasileiros.
Seguindo sugestão de Calabar, em março de 1635, Jan Cornelisz Lichthert atacou e apo-
derou-se de Porto Calvo; e, em 8 de junho, Krzysztof Arciszewski, após duros comba-
tes, submeteu oArraial, cujos defensores só se renderam depois de esgotados os víveres
e as munições.
Com a queda doArraial, a resistência, a partir de Pernambuco, inviabilizou-se.
Por isso, muitas pessoas do interior da capitania rumaram a Serinhaém para se juntar a
Matias de Albuquerque e às famílias que lá se encontravam. Não ficaram nesse local por
muito tempo, pois a tomada do Forte de Nazaré, em 2 de julho de 1635, por tropas de
Sigmund von Schkoppe, deixou Serinhaém indefensável, forçando o governador, acom-
panhado de cerca de 8 mil pessoas, a empreender uma penosa retirada para Alagoas.
No caminho, a coluna de retirantes passou por Porto Calvo, guarnecida por
600 homens do invasor, dentre os quais Calabar. Matias de Albuquerque, informado
disso, cercou a vila. Após alguns dias, em 19 de julho de 1635, os sitiados renderam-se.
Albuquerque permitiu aos estrangeiros seguirem para a Bahia, onde embarcaram para a
Europa. Calabar foi preso, julgado, condenado por traição, e morto. Prosseguiram, en-
tão, os luso-brasileiros a sua marcha, para depois de quase um mês, se reunirem em
Alagoas aos remanescentes das tropas do Conde de Bagnoli, que haviam, anteriormente,
sido derrotadas em Porto Calvo (esta localidade foi reocupada pelos holandeses após a
saída de Albuquerque).
Em fins de novembro, chegou a Jaraguá (Alagoas), uma expedição mandada
pela metrópole para apoiar as tropas que lutavam contra os holandeses. Era comandada
pelo espanhol D. Luis de Rojas y Borja, que viera substituir Matias de Albuquerque nos
cargos de governador e comandante das operações militares. Compunha-se de 2.400
homens, tinha artilharia de diversos calibres e estava bem suprida.
Rojas y Borja estava decidido a buscar uma batalha decisiva contra os holande-
ses. Para isso, organizou e fortificou sua base de operações em Jaraguá e mandou realizar
reconhecimentos na direção do inimigo. Calculava que uma vitória de suas tropas confina-
ria o inimigo a suas fortificações, que seriam reduzidas, posteriormente, com a chegada
de outra expedição da metrópole; em caso de derrota, pensava em manter-se emAlagoas
até a chegada de reforços. Bagnoli opôs-se ao plano, mas seu ponto de vista foi
desconsiderado no conselho de chefes e ele recebeu a missão de guardar a base de
operações, com 700 homens.
No início de janeiro de 1636, Rojas y Borja marchou para o norte, com
cerca de 1.400 homens e os índios de Antônio Filipe Camarão. Diante desse avanço, os
holandeses abandonaram Porto Calvo, que voltou para as mãos de guerrilheiros luso-
brasileiros. Em 18 de janeiro, todavia, em Mata Redonda, os holandeses decidiram fazer
frente ao comandante espanhol. Comandados por Arciszewski, somavam cerca de 1.500
homens, enquanto o efetivo de Rojas y Borja diminuíra, pois parte do contingente ficara
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em Porto Calvo. Iniciado o combate, Rojas y Borja foi atingido por um tiro e morreu.
Sem ele, a confusão passou a reinar em suas tropas, que se retiraram. Os vencedores, por
seu turno, seguiram para Serinhaém.
Bagnoli assumiu o comando das forças remanescentes e concentrou a resistên-
cia em Porto Calvo. A localidade atraiu todos que desejavam lutar contra o invasor. Vol-
taram a ser lançados sobre o território ocupado os grupos de emboscadas, que passaram
a destruir canaviais, a atacar destacamentos inimigos, a punir colaboracionistas e a apro-
priar-se de quaisquer recursos que pudessem soerguer a economia da região. Destaca-
ram-se nessas ações Filipe Camarão, Henrique Dias, Francisco Rebello (Rebelinho),
Antonio Dias Cardoso, André Vidal de Negreiros, Sebastião Souto e outros líderes de
frações guerrilheiras.
Nesse contexto de insegurança, as tentativas da WIC de lucrar com suas pos-
sessões não davam certo e os seus acionistas passaram a exigir os dividendos prometi-
dos, que deveriam compensar os enormes investimentos. Tal panorama levou o conselho
de administração da WIC a nomear Johan Maurits van Nassau-Siegen, renomado admi-
nistrador e líder militar, governador da “Nova Holanda”. Deveria ele pôr fim ao conflito e
fazer prosperar a economia local.
Em 23 de janeiro de 1637, Nassau desembarcou em Recife e pôs-se a cumprir
as tarefas a ele delegadas. Imediatamente identificou a necessidade de conquistar Porto
Calvo, o último foco da resistência. Sem perder tempo, mandou reunir tropas para esse
fim. Bagnoli, que dispunha de 1.180 homens, decidiu interceptar as tropas holandesas que
se deslocavam para Porto Calvo, mas acabou derrotado na batalha de Comandaituba,
travada em 18 de fevereiro de 1637. Bagnoli retirou-se rumo ao sul e Porto Calvo, após
heroica resistência, caiu a 6 de março.
Após capturar Porto Calvo, as tropas holandesas perseguiram as tropas de
Bagnoli até o rio São Francisco, onde pararam seu avanço e levantaram fortificações,
entre as quais o forte Maurício. Com isso, a WIC passou a dominar um imenso, rico e
estratégico território, que do Rio Grande do Norte prolongava-se até o rio São Francis-
co. Nassau pensava em ampliá-lo, mas antes considerou necessário tomar medidas admi-
nistrativas, políticas, econômicas e sociais, para fazer progredir seus domínios e para
harmonizar as relações entre os conquistadores e os habitantes da colônia. Com isso,
esperava recuperar, se possível com altos lucros, os recursos gastos pela WIC com a
conquista.
Nas esferas administrativa e política, foram instalados os Conselhos de Escabinos
(espécie de câmara municipal), que eram presididos pelos escoltetos (sempre um holan-
dês, um tipo de promotor público), que tinha funções de polícia.Brasileiros foram convi-
dados para alguns cargos e convocaram-se reuniões, nas quais se permitia o arrolamento
de queixas e desagravos, para se evitar conflitos entre a população e as forças de
ocupação.

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Na área econômica, foram implementadas medidas que beneficiavam os mora-
dores que colaborassem com os holandeses: venda a crédito de engenhos abandonados,
financiamentos a uma taxa de juros máxima de 18% ao ano, garantia da propriedade e
manutenção de direitos. Foram também introduzidas novas técnicas de cultivo e a co-
brança de impostos foi reduzida pela metade em relação ao que era pago à Espanha.
Tudo isso fez com que a produtividade e a lucratividade das lavouras canavieiras aumen-
tassem. Além do açúcar, os holandeses passaram a exportar pau-brasil, fumo e madeiras
diversas.
Na área social, para aliviar tensões religiosas (os holandeses, em sua maioria,
eram calvinistas, e os luso-brasileiros, católicos), foi estabelecida a liberdade de consci-
ência e de culto.
Nassau também tinha preocupações estéticas. Ao longo de seu governo, ele
reformou Recife; construiu um jardim botânico, um jardim zoológico e um observatório
astronômico; criou uma espécie de museu, com quadros de Frans Janszoon Post e Albert
Eckhout, que registravam a terra e os tipos humanos locais; ordenou ao cientista Georg
Marggraf a exploração topográfica da costa brasileira entre o Rio Grande do Norte e
Sergipe; e, ainda, mandou Willem Piso estudar as doenças tropicais. Em 1639, entre a foz
do Capiberibe e do Beberibe, ao lado de Recife, Nassau determinou a construção de
uma cidade inteira a seu gosto, denominada Maurícia (Mauriceia).
As perspectivas de rápida recuperação econômica da capitania, combinadas
com certa tolerância religiosa e um clima de respeito aos moradores, fizeram arrefecer o
sentimento de revolta dos luso-brasileiros, já cansados por sete anos de guerra.
Aproveitando-se disso, Nassau resolveu expandir seus domínios. Em 1637,
tropas holandesas conquistaram o Ceará e, de Sergipe, expulsaram para a Bahia as for-
ças de Bagnoli. Ainda nesse ano, os holandeses se apossaram de São Jorge da Mina
(Elmina), na África, para garantir o suprimento de escravos necessários à lavoura canavieira.
No ano seguinte, Nassau tomou conhecimento de que na Bahia as tropas esta-
vam indisciplinadas, a população encontrava-se descontente e havia sérias divergências
entre Bagnoli e o Governador-Geral Pedro da Silva. Almejando aproveitar-se da situa-
ção, ele ordenou um ataque àquela capitania, para anexá-la aos seus domínios. Para
tanto, destacou uma frota composta por 40 navios e 5.000 combatentes.
No dia 16 de abril de 1638, os navios holandeses entraram na baía de Todos os
Santos e desembarcaram tropas além de Itapagipe (a salvo dos canhões das fortalezas de
Salvador), que dali se deslocaram para sitiar a capital. As tropas locais, lideradas pelo
Governador-Geral Pedro da Silva, ofereceram tenaz resistência e barraram o inimigo,
utilizando-se das fortificações da entrada norte da cidade (Porta do Carmo) e das costu-
meiras ações da “guerra brasílica”.
Em 18 de maio, os holandeses, pressentindo a possibilidade de ficar sem supri-
mentos e sem munição, resolveram lançar um ataque decisivo, com cerca de 3.000 ho-
mens, para sobrepujar os defensores. Estavam obtendo sucesso até o momento em que
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Luís Barbalho Bezerra, à frente de numerosa tropa, saiu de um reduto e os atacou pela
retaguarda. Surpreendidos, eles retiraram-se desordenadamente, com pesadas baixas
(cerca de 500 homens).
As elevadas perdas humanas, a obstinada resistência inimiga e a falta de supri-
mentos levaram Nassau a desistir da conquista de Salvador. Nos dias 25 e 26 de maio de
1638, suas forças iniciaram o retorno para Pernambuco.
Em janeiro de 1639, chegou a Salvador uma esquadra luso-espanhola, coman-
dada por D. Fernando de Mascarenhas, Conde da Torre, que vinha com a missão de
expulsar os holandeses. Para isso, ele enviou André Vidal de Negreiros e Antônio Dias
Cardoso para a Paraíba, e Filipe Camarão, João Lopes Barbalho e Francisco Rebelo
para Pernambuco. Todos tinham por missão atrair o inimigo para o interior, levantar as
populações contra o invasor e destruir a economia canavieira. Paralelamente, ele tinha em
mente desembarcar 1.300 homens, sob o comando de Luís Barbalho, Henrique Dias e
Francisco de Souza, em algum ponto desguarnecido do litoral nordestino. Todas as forças
infiltradas deveriam apoiar sua esquadra quando se iniciassem as ações para libertação
da Paraíba e de Pernambuco.
Em 12 de janeiro de 1640, o Conde da Torre, com 38 grandes navios e outros
menores, partiu para executar o planejado. Entretanto, Willen Corneliszoon Loos, co-
mandando uma força naval holandesa, interceptou a esquadra luso-espanhola e o Conde
da Torre viu-se obrigado a se afastar da costa. Foi seguido por Loos e diversos embates
entre as esquadras se sucederam ao longo da costa nordestina. No final, a vitória pendeu
para os holandeses e o plano do Conde da Torre fracassou.
Entrementes, desembarcaram na enseada de Touros, no Rio Grande do Norte,
as tropas de Luís Barbalho. Sem expectativa de bons resultados, caso permanecessem
isoladas naquela região, resolveram retornar para a Bahia. No caminho, reuniram-se a
elas as forças de Filipe Camarão, João Barbalho, Francisco Rebelo e outras. Depois de
quatro meses, após uma árdua marcha por território inimigo, marcada por combates e
padecimentos, os luso-brasileiros entraram em Salvador.
Em abril de 1640, Nassau novamente tentou se apossar da Bahia. Preparou
uma frota composta por 20 navios e 2.500 homens e encarregou Johannes Lichthart de
comandá-la. Este rumou à Bahia, porém, lá chegando, julgou não ter poder de combate
suficiente para tal empreendimento. Limitou-se, então, a saquear, por um mês, locais in-
defesos do Recôncavo e de Itaparica, retornando, em seguida, para Recife.
Enquanto isso, na Europa, ocorria o fim da União Ibérica e a restauração do
trono de Portugal sob D. João IV. A libertação de Portugal do jugo espanhol teve como
causa a política do rei espanhol Filipe IV de aplicar altos impostos e requisitar navios e
tropas em Portugal para as guerras que a Espanha travava na Europa. Isso gerou grande
descontentamento entre os portugueses, que passaram a aspirar pela recuperação da
independência.Aproveitando-se da situação difícil da Espanha, que se encontrava envol-
vida na Guerra dos TrintaAnos e lidava com revoltas populares na Catalunha, alguns no-

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bres portugueses revoltaram-se em Lisboa, em 1º de dezembro de 1640, e proclamaram
D. João, Duque de Bragança, rei de Portugal, com o título de D. João IV.
Espera-se que tal fato trouxesse a paz entre a Holanda e Portugal, já que ambos
agora estavam em guerra contra a Espanha. Com essa finalidade, em 12 de junho de
1641, Portugal celebrou com a Holanda um armistício de 10 anos e um tratado de aliança.
Pelos acordos, Portugal reconhecia a conquista de Pernambuco, da Paraíba e do Rio
Grande do Norte e comprometia-se a fazer cessar as hostilidades contra os holandeses. A
Holanda, por sua vez, assumia o compromisso de não expandir suas conquistas no Brasil
e assegurava aos luso-brasileiros livre trânsito pela “Nova Holanda”, sem desconfianças
ou constrangimentos.
Enquanto na Europa eram tratados os termos, a assinatura e a ratificação dos
acordos luso-holandeses, Nassau, por ordens da WIC, alargou os limites da “Nova
Holanda”. Assim, expedições holandesas conquistaram Sergipe, em abril de 1641, e o
Maranhão, em novembro do mesmo ano. Além das conquistas no Brasil, os holandeses
se apoderaram de Angola e das ilhas de São Tomé e Ano Bom, possessões portuguesas
na África.
Após aumentar suas possessões às custas de Portugal, em 22 de novembro de
1641, a Holanda ratificou o tratado de paz. Paralelamente, moradores pernambucanos
enviaram proposta a D. João IV no sentido de que ele buscasse restituir Pernambuco a
Portugal. O Rei português encarregou o Governador-Geral Antônio Teles da Silva de
incentivar, apoiar e coordenar secretamente uma insurreição com esse propósito. Temia,
D. João IV, que seu apoio ostensivo a um movimento restaurador pusesse em risco a
própria segurança de Portugal, já que estaria desrespeitando o recente tratado firmado
com a Holanda.
Enquanto isso, apesar de todo o esforço de Nassau, sua administração não
agradava à WIC. Mesmo com os altos lucros do comércio açucareiro, a conquista e a
estrutura administrativa e militar da colônia produziam um déficit crônico nos balanços
da empresa.
Ocorria também na “Nova Holanda” um nítido atrito entre os luso-brasileiros,
que administravam a zona rural, e os funcionários, financistas e comerciantes holandeses,
que controlavam a zona urbana. Isso decorria de os proprietários luso-brasileiros encon-
trarem dificuldades para pagar os empréstimos concedidos pelos holandeses (entre os
anos de 1640 e 1644, ocorreram inundações, incêndios e epidemias que arruinaram a
produção açucareira). As dívidas quase nunca eram saldadas no prazo marcado, resul-
tando no aumento dos juros, que concorriam para dobrar e, até mesmo triplicar, o mon-
tante inicial do débito, dificultando ainda mais seu pagamento. Destarte não existia integração
entre os dois segmentos, o que se refletia negativamente na economia local.
Nassau procurou minimizar os conflitos, o que contrariou a política da WIC,
orientada para apresentação de lucros aos acionistas.Algumas medidas foram -lhe exigidas,
como diminuição das despesas consideradas desnecessárias (festas, construções, gastos
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com artistas e cientistas). Todavia, a sua permanência como governador tornou-se
insustentável.
A partir de 1642, ocorreram desentendimentos crescentes entre ele e a WIC:
foi acusado de realizar negócios em proveito próprio e de fracassar na tentativa de recu-
perar a economia açucareira. Por sua vez, acusava a WIC de não enviar os recursos
necessários para a sua administração. Para desprestigiar ainda mais Nassau perante a
WIC, os holandeses foram expulsos do Maranhão, em 28 de fevereiro de 1644. A liber-
tação do Maranhão ocorreu após um ano e meio de luta e foi perpetrada por forças
locais, da Bahia e do Pará. Nassau acabou chamado de volta à Holanda e uma junta de
administradores foi enviada para substituí-lo.
A nova junta de administração não estava propensa a dialogar, pois fora encar-
regada de fazer a “Nova Holanda” dar lucro a qualquer custo. Sendo assim, exigiu dos
colonos o pagamento das dívidas, confiscou terras de senhores de engenho inadimplentes,
mostrou-se intolerante na esfera religiosa (padres foram proibidos de entrar na “Nova
Holanda”), restringiu a participação política dos pernambucanos nos governos locais, in-
centivou a inimizade entre índios e luso-brasileiros e diminuiu os efetivos militares, para
cortar despesas. Tal procedimento criou condições propícias para que a conspiração
articulada contra os holandeses desde 1641 se transformasse em um movimento
insurrecional.
Em Pernambuco, a articulação conspiratória tinha como principal mentor João
Fernandes Vieira, um rico proprietário de engenhos de Pernambuco. O governo portu-
guês e o governo-geral do Brasil o apoiavam secretamente, mas consideravam que a
iniciativa de uma insurreição deveria partir dos pernambucanos, já que se devia dar a
impressão de que o movimento ocorria à revelia de Portugal e da Bahia.
Em 23 de maio de 1645, 18 moradores pernambucanos influentes reuniram-se
e firmaram um célebre compromisso:
[...] “nós, abaixo assinados, nos conjuramos e prometemos, em serviço da liber-
dade, não faltar a todo o tempo que for necessário, com toda a ajuda de fazen-
das e de pessoas, contra qualquer inimigo, em restauração de nossa pátria;
para o que nos obrigamos a manter todo o segredo que nisto convém; sob pena
de quem o contrário fizer será tido como rebelde e traidor e ficará sujeito ao
que as leis em tal caso permitem”.

O lema escolhido pelos conjurados foi: “Restauração da Liberdade Divina e da


Pátria Independentes”. A primeira ideia-força tinha vinculação com a defesa da religião
católica; a segunda, com a libertação do Brasil do jugo holandês.
Combinou-se a insurreição para o dia 24 de junho de 1645. Meses antes, o
Governador-Geral do Brasil Antônio Teles da Silva enviara Antônio Dias Cardoso a
Pernambuco, para arregimentar e instruir tropas. Estas deveriam se concentrar e organi-
zar depósitos de suprimentos na região de Santo Antão. Mais tarde, ele enviou outras

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OCUPAÇÃO HOLANDESA

São Luís OCEANO


ATLÂNTICO
Fortaleza
MARANHÃO

CEARÁ
b a
n aí Natal
r
Pa RIO GRANDE Reis Magos

ITAMARACÁ Cabedelo
Felipeia
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P ar a
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PERNAMBUCO ib a r Olinda
C ap Recife
Tabocas Guararapes
Nazaré
Serinhaém
o Porto Calvo
c i sc Mata Redonda
an Comandaituba
Fr
S ão Jaraguá
N. S. da Conceição
Maurício

BAHIA São Cristovão

Salvador
Abrolhos

1624/25 1630/37 1638/44 FORTES BATALHAS

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tropas, comandadas por Filipe Camarão e Henrique Dias, para apoiar os pernambucanos
quando a Insurreição se iniciasse. Para não despertar suspeitas, Teles da Silva informou
aos holandeses que Filipe Camarão se amotinara e que Henrique Dias estava no encalço
dele para prendê-lo.
O plano insurrecional previa a prisão dos líderes holandeses, o que se daria
durante a festa de um casamento simulado entre familiares de João Fernandes Vieira e
Antônio Cavalcanti.Após a prisão das lideranças holandesas,Agostinho Fernandes sitia-
ria Ipojuca e o Cabo, a fim de atrair para lá importantes efetivos das forças da WIC.
Esperava-se, também, o apoio dos holandeses Dirck Hooggstraten, comandante do For-
te Nazaré, e Kasper von Neuhof von Der Ley, comandante de milícias holandesas esta-
cionadas no sul de Pernambuco (esses se encontravam endividados e, por isso, propen-
sos a aderir à causa luso-brasileira). Em meio a tudo, seriam lançados grupos de embos-
cadas para imobilizar e levar à rendição as guarnições inimigas espalhadas no Rio Gran-
de do Norte, Paraíba, Sergipe e Alagoas. Por fim, em Pernambuco, os insurretos, com os
reforços mandados por Teles da Silva, imobilizariam as guarnições adversárias e espera-
riam a chegada de uma força naval, a ser mandada da Bahia, para, em conjunto, liberta-
rem Recife.
Os conspiradores, porém, acabaram traídos por Fernão Corte Real e por Se-
bastião de Carvalho, que informaram os holandeses sobre o plano insurrecional. Diante
disso, João Fernandes Vieira, com 50 companheiros, partiu para o interior, a fim de orga-
nizar o exército de libertação para uma luta que seria muito mais longa do que a esperada.
Em 17 de junho de 1645, ocorreu a primeira grande demonstração de força
dos insurretos. Liderados por Amador de Araújo e por Domingos Fagundes, uma coluna
de 400 homens derrotou a guarnição de Ipojuca, composta por milicianos holandeses
(civis que prestavam serviços militares).
Essa ação atraiu o grosso das tropas holandesas, que durante 50 dias, foram
fustigadas pela intensa movimentação e por mortais emboscadas desencadeadas pelos
luso-brasileiros. Isso possibilitou aos insurretos mobilizar e concentrar forças, e, mais
tarde, fazer a junção delas às tropas de Filipe Camarão e de Henrique Dias, que se
haviam atrasado em razão de fortes chuvas.
Em 3 de agosto de 1645, forças insurretas, constituídas principalmente por civis
pernambucanos e comandadas por Antônio Dias Cardoso e Fernandes Vieira, encontra-
vam-se no Monte das Tabocas, 40 quilômetros a oeste de Recife. Para esse local, deslo-
cou-se um forte contingente holandês. Ocorreu, então, a primeira grande vitória dos luso-
brasileiros, tendo o inimigo se retirado do campo de batalha com pesadas perdas. Derro-
tados, os holandeses enviaram seus feridos para Recife e, com 450 homens, deslocaram-
se para o engenho Casa-Forte, onde sofreriam mais uma derrota, no dia 17 de agosto.
Entrementes, para apoiar as ações dos luso-brasileiros, em 11 de agosto de
1645, chegava a Recife, proveniente da Bahia, uma esquadra, comandada por Salvador

50
Correia de Sá e Benevides, e uma flotilha, liderada por Jerônimo Serrão de Paiva. Os
comandantes das forças navais desembarcaram tropas, comandadas por Vidal de Ne-
greiros e Soares Moreno, em reforço às tropas insurrecionais, mas hesitaram em atacar
Recife, que era sua missão principal. Salvador de Sá preferiu retirar-se para a Europa e a
flotilha de Serrão acabou atacada e destruída pelos holandeses. Em um navio de Serrão,
os holandeses encontraram documentos que comprovavam o apoio do rei de Portugal
aos insurretos. Isso deixou D. João IV em uma situação diplomática embaraçosa, e ele
imediatamente mandou sustar qualquer apoio aos insurretos, além de ordenar a seus súditos
do Brasil a cessação das hostilidades e a devolução dos territórios que haviam retomado
dos holandeses.
Os insurretos decidiram continuar a luta, em dupla rebeldia a Portugal e à
Holanda. Até então os brasileiros tinham lutado ao lado de tropas portuguesas, espanho-
las e napolitanas. Doravante, deveriam lutar dentro de uma concepção política predomi-
nantemente brasileira, contrariando a orientação política e estratégica de Portugal.
Em setembro de 1645, tropas da WIC foram expulsas da região de Sergipe e
das localidades de Serinhaém, do Cabo, do Pontal, de Nazaré, de Porto Calvo e de
Olinda. Ante o sucesso dos insurretos, os habitantes aderiram em massa ao movimento
restaurador. Restava aos holandeses somente a posse de Recife, da ilha de Itamaracá e
dos fortes dos Três Reis Magos e de Cabedelo, os quais os insurretos evitaram atacar por
falta de poder naval e de artilharia.
Recife acabou cercada pelos luso-brasileiros, que adotaram o mesmo expe-
diente de Matias deAlbuquerque em 1630. Para isso, eles construíram o Arraial Novo do
Bom Jesus (Novo Forte Real do Bom Jesus), uma base de operações distante cerca de 6
quilômetros de Recife.
Os holandeses, novamente cercados, começaram a passar por privações. Con-
tudo, quando a praça estava prestes a capitular, chegaram reforços e víveres da Europa.
Trazia o auxílio Sigismund von Schkoppe, que criticou severamente os sitiados pela pos-
tura defensiva.
Von Schkoppe, imediatamente, desencadeou diversas operações nas áreas pró-
ximas, que não lograram sucesso diante da resoluta reação adversária. Em virtude disso,
ele decidiu atacar o Recôncavo e a cidade de Salvador, o que, calculava, aliviaria a
pressão sobre Recife e resultaria na obtenção de recursos e riquezas imprescindíveis para
a manutenção das conquistas holandesas. Para isso, foi preparada uma frota para trans-
portar 3.000 homens, que, em fevereiro de 1647, sob rigoroso sigilo, desembarcaram na
ilha de Itaparica, sem encontrar resistência, e lá construíram uma base de operações bas-
tante fortificada. Todavia, não levaram avante nenhuma operação para conquistar Sal-
vador.
Os luso-brasileiros da Bahia passaram a lançar diversos ataques para expulsar o
inimigo da ilha de Itaparica, mas este, bem protegido por redutos e trincheiras, conseguiu

51
PERNAMBUCO DURANTEAINSURREIÇÃO

Goiana

Itamaracá
Igaraçu
Sítio do Covas
Olinda
C ap ib Arraial Velho
ar ip e
Casa-Forte
a curá
Santo Antão Ta p Arraial Novo
Recife
Afogados
Barreta
Tabocas Muribeca Guararapes

OCEANO
Pirapa ma ATLÂNTICO

Cabo
Forte Nazaré
Cabo S.
Agostinho
Ipojuca Rio Formoso

manter a posição. Em dezembro de 1647, entretanto, Schkoppe abandonou Itaparica,


deslocando suas tropas de volta para Recife, onde os holandeses necessitavam urgente-
mente de reforços. Nos dois anos seguintes, eles voltariam ao Recôncavo, mas somente
para pilhar locais desprotegidos.
Em 23 de janeiro de 1648, fugiu de Recife, onde se encontrava preso havia
nove meses, Francisco Barreto de Menezes, mandado a Pernambuco, por D. João IV,
para comandar os insurretos. Ele dirigiu-se para o Arraial e assumiu o comando das tro-
pas luso-brasileiras. O envio de Barreto Menezes deveu-se ao fato de a insurreição dos
brasileiros haver repercutido positivamente em Portugal, sensibilizando o monarca a vol-
tar a apoiá-los.
Em março de 1648, chegou a Recife uma poderosa esquadra da WIC, com-
posta por 41 barcos, transportando víveres e 6 mil soldados. Com este poderio, o invasor
sentiu-se encorajado para romper o cerco e marchar na direção sul, a fim de conquistar o
cabo de Santo Agostinho e adjacências. Com tal ação, os holandeses esperavam captu-
rar bases de suprimentos, cortar o apoio externo dado aos insurretos nesta região e abrir
caminho, por terra, para uma posterior operação destinada à conquista da Bahia.
Durante a execução desse plano, ocorreu a primeira batalha dos Guararapes.
Ao alvorecer do dia 18 de abril, o exército da WIC, sob comando de von Schkoppe,

52
marchou na direçãoAfogados-Barreta-Guararapes. Após luta feroz de quatro horas, nos
montes Guararapes, os insurretos forçaram-nos à retirada, com von Schkoppe ferido e
muitos oficiais mortos.
A vitória patriota reduziu sensivelmente a capacidade ofensiva terrestre. Con-
tando com o farto material bélico capturado no embate, os luso-brasileiros apertaram o
cerco e fizeram diminuir no litoral as incursões dos holandeses, que careciam de víveres e
aguadas.
A diminuição da capacidade de ação estratégica e naval holandesa criou condi-
ções para a libertação de Angola. Em 12 de maio de 1648, partiu do Rio de Janeiro, ao
comando de Salvador Correia de Sá e Benevides, uma expedição composta de 15 navios
e 900 combatentes luso-brasileiros, que reconquistou Angola nos dias 15 e 16 de agosto
de 1648.
Em 17 de fevereiro de 1649, os holandeses, sob comando de Van den Brinck,
novamente buscaram uma batalha decisiva contra os luso-brasileiros, mas foram derrota-
dos novamente, na Segunda Batalha dos Guararapes.
Ao rude golpe militar e econômico sofrido pelo invasor nas duas batalhas dos
Guararapes somavam-se outros mais: a organização, em Portugal, da Companhia Geral
de Comércio do Brasil e a guerra naval entre Inglaterra e Holanda pela hegemonia marí-
tima mundial, que arruinaram a WIC.
BATALHADOS GUARARAPES

53
A Companhia Geral do Comércio do Brasil foi fundada em 1649. Era uma
empresa de caráter monopolista e estava autorizada a operar da Capitania do Rio Gran-
de do Norte até a de São Vicente, inclusive nos territórios ocupados pela sua rival, a
WIC. Suas principais atividades estavam relacionadas ao tráfico de escravos e ao comér-
cio do açúcar. Tinha como incumbências apoiar a luta contra os holandeses e fomentar a
recuperação da agromanufatura açucareira.
A guerra naval entre a Holanda e a Inglaterra começou em 1652, depois que o
Parlamento inglês decretou os “Atos de Navegação”, pelo qual todas as mercadorias
importadas pela Inglaterra deveriam ser transportadas por navios Ingleses ou por embar-
cações dos países exportadores. Isso foi considerado inaceitável pelos holandeses, que
eram os grandes intermediários do comércio mundial.Aguerra foi de grande envergadura
e exauriu os recursos da Holanda e da WIC.
Tudo isso contribuiu para que a Holanda perdesse a supremacia naval no litoral
do Nordeste e animou os restauradores a prosseguir a luta contra um inimigo que se via
cada vez mais enfraquecido.
Em 14 de janeiro de 1654, em ação conjunta de forças luso-brasileiras e de uma
esquadra da Companhia de Comércio do Brasil, composta de 64 navios, teve início o
assédio final a Recife. Após 12 dias de luta, em 26 de janeiro de 1654, na Campina do
Taborda, os holandeses assinaram a rendição de todas as suas forças no Brasil. A guerra
chegara ao final e os restauradores ocuparam Recife nos dias 27 e 28.
O reconhecimento por parte dos holandeses da perda dos territórios que
haviam conquistado no nordeste brasileiro e emAngola deu-se somente em 1661, com a
Paz de Haia. Em contrapartida, os portugueses cederam colônias no oriente para os ho-
landeses e os indenizaram com 4 milhões de cruzados.
A resistência às invasões representou um grande esforço militar e financeiro, não
só por parte das metrópoles como também da colônia. Foi uma demostração de toda a
potencialidade do Brasil e indicava que sua gente poderia conduzir o seu destino.

54
ANEXOS

Aspectos Doutrinários, Batalhas,


Biografias e Documento Histórico

55
56
ORGANIZAÇÃO, INSTRUÇÃO, FORÇAS MORAIS E RECRUTAMENTO

As forças holandesas tinham como principal unidade tática o batalhão, que era com-
posto por cerca de 500 homens (250 arcabuzeiros/mosqueteiros e 250 piqueiros). Os batalhões
podiam combater apoiando-se; oito deles formavam uma brigada.
Dava-se ênfase ao treinamento e à organização das tropas, adotando-se, para isso,
manuais de instrução. Havia um rigoroso programa de instrução, de modo a fazer com que
todos os soldados treinassem repetida e regularmente as ações que executariam em combate (os
soldados, dentro de formações emassadas, treinavam ordem unida, através da qual aprendiam a
realizar mudanças de frente e a formar linhas de combate). Exigia-se dos atiradores e piqueiros
o manejo dos armamentos de forma padronizada e com a máxima eficiência.
As tropas brasileiras e as enviadas pela metrópole (espanholas, portuguesas e
napolitanas) eram enquadradas em unidades denominadas terços. Os efetivos dos terços varia-
ram ao longo do tempo, dependendo da disponibilidade de recursos, do fato de se estar em
guerra ou não e de outras circunstâncias. Quando de sua formação, na Espanha, o número de
soldados previsto para um terço era de três mil.
As tropas europeias, que lutaram ao lado dos brasileiros, recebiam instrução seme-
lhante a das holandesas, mas sem o mesmo rigor. O treinamento dos combatentes brasileiros,
por sua vez, compreendia, particularmente, o emprego de táticas de emboscada, na quais se
priorizava a coragem, a iniciativa, a surpresa, a rapidez, o uso adequado do terreno e o combate
corpo a corpo. Os europeus, quando no Brasil, buscaram, por vezes, treinar seus contingentes
à maneira brasileira.
As forças holandesas eram compostas predominantemente por mercenários prove-
nientes de locais da Europa onde o protestantismo se enraizou (Inglaterra, Escócia e regiões da
Alemanha e da França). Também cooptaram índios, negros, colonos e portugueses, com pro-
messas de liberdade, pagamento ou privilégios.
Combatiam, de modo geral, motivadas pelo credo, honra e pagamentos. Os coman-
dantes procuravam pagar pontualmente e dar boas condições de serviço a seu exército, para
mantê-lo com o moral elevado e disciplinado, o que, no Brasil, por vezes não foi possível.
As forças que combateram os holandeses foram formadas predominantemente por
brasileiros (colonos, negros e índios), apoiados esporadicamente por contingentes de portugue-
ses, espanhóis e napolitanos.
Os brasileiros apresentavam-se, normalmente, como voluntários para lutar contra o
invasor, motivados por defender a sua terra e a religião católica. Foi comum também a promes-
sa de alforria para os escravos que lutassem pela causa de seus senhores. Os portugueses,
espanhóis e napolitanos normalmente eram soldados profissionais, pagos para combater, mas,
não raro, muitos deles eram recrutados à força.
Durante o conflito, muitos holandeses e soldados da WIC, por razões diversas,
entre as quais as de cunho financeiro, passaram para o lado dos luso-brasileiros.
O efetivo dos beligerantes variou ao longo dos trinta anos de guerra, dependendo da
possibilidade das metrópoles enviarem reforços, da capacidade dos líderes em arregimentar a
população local e de diversos outros fatores condicionantes.

57
AS ESTRATÉGIAS, ATÁTICA HOLANDESA E A “GUERRA BRASÍLICA”
Os holandeses, normalmente com superioridade de meios e forças, procuravam
travar batalhas decisivas, ao estilo europeu, para derrotar de vez o inimigo. Comandantes
a serviço da Espanha, como Rojas y Borja e Bagnoli, também eram adeptos desse modo
de guerrear, o que lhes custou as derrotas nas batalhas de Mata Redonda e Comandaituba.
Os luso-brasileiros, inferiorizados militarmente no início do conflito, optaram
por se esquivar de confrontos decisivos, preferindo desgastar o adversário por meio de
emboscadas e outras ações. Paralelamente buscavam reunir forças suficientes para obter
vitórias importantes contra as forças invasoras, como as que ocorreriam nos Guararapes.
Nos confrontos, os holandeses usavam as rígidas táticas formais da época. Dois
de seus batalhões eram grupados, formando o “Batalhão Duplo”. Quatro batalhões du-
plos formavam uma “brigada”, ficando dispostos em três linhas, em xadrez. Nas marchas
de aproximação, os soldados constituíam dez fileiras dentro dos batalhões; os piqueiros
se posicionavam no centro; os mosqueteiros/arcabuzeiros, na frente, nas alas e na reta-
guarda. Aartilharia era posicionada na frente do dispositivo e a cavalaria nos flancos. Os
batalhões duplos possibilitavam grande liberdade de manobra ao comandante-geral, po-
dendo este avançar seus batalhões da segunda para a primeira linha, conseguindo uma
forte frente de combate. Os batalhões duplos que estavam na terceira linha podiam com-
por uma reserva. A artilharia iniciava o combate disparando contra o inimigo, depois era
ultrapassada pelas demais tropas. Em seguida, a maioria dos mosqueteiros/arcabuzeiros
se posicionava na frente dos piqueiros, disparando salvas contra o adversário. Depois de
enfraquecido pelo fogo dos atiradores, o inimigo era atacado pelos piqueiros, agora
posicionados à frente dos atiradores.
Tal processo de combate não surtiu os efeitos esperados quando empregado
contra os luso-brasileiros, que se utilizavam de processos de combates flexíveis. Isso fez
com que os holandeses, por vezes, copiassem o modo de lutar dos luso-brasileiros, co-
nhecido como “guerra brasílica”.
A “guerra brasílica” surgiu da fusão de características das doutrinas militares
portuguesas e espanhola, com o modo de guerrear silvícola. Dessa simbiose surgiram
processos de combate afastados do formalismo e rigidez dos usados pelos exércitos eu-
ropeus, no século XVII. O processo “brasílico” de combate caracterizava-se por ações
de surpresa, pela mobilidade, pela iniciativa individual, pelo judicioso uso do terreno e
pela dispersão.Assim, homens reuniam-se em grupos para emboscar o inimigo, levando-
o à permanente inquietude. Nas emboscadas, preparadas em locais propícios, dispara-
vam-se fogos contra o inimigo e depois se partia resolutamente para o combate corpo a
corpo.
Ambos os beligerantes também realizaram sítios ou defenderam fortificações e
localidades, processo de combate usual na época. Foram comuns também as operações
anfíbias.

58
ARMAMENTO E LOGÍSTICA

Os dois exércitos dependiam do exterior para obter armas sofisticadas e muni-


ção. Ocasionalmente, eles as conseguiam após algum embate, como presas de guerra. Os
holandeses tinham a sua disposição os mais modernos armamentos da época: arcabuzes,
mosquetes, pistolas, lanças, piques, espadas, canhões, bestas e alabardas. Os luso-brasi-
leiros fizeram uso de armamentos semelhantes, mas em menor proporção, o que os obri-
gava a usarem armas mais rudimentares, como arco e flecha, bordões, paus tostados e
chuços.
Nas áreas em guerra, a prioridade era para a monocultura da cana-de-açúcar,
ficando outras culturas relegadas, o que invariavelmente conduzia, mesmo nas épocas de
paz, a frequentes períodos de fome. Por isso, o fornecimento de víveres para as tropas,
principalmente das europeias, dependia das metrópoles. Sendo assim, era de grande im-
portância para os beligerantes o controle dos portos locais.
Os holandeses, particularmente nos momentos em que estiveram sitiados em
Recife, ficaram à mercê dos comboios de suprimento mandados da Europa pela WIC,
que não primavam pela regularidade, ou de incursões sobre áreas do litoral brasileiro, às
vezes sem êxito. Quando possível, eles mantiveram seus hábitos alimentares, consumindo
carne de gado, toucinho, bacalhau, vinhos, aveia, farinha de trigo, cerveja e ervilhas. To-
davia, em momentos de escassez, consumiram farinha de mandioca, e na falta dessa,
qualquer substância comestível. Era comum entre eles, o escorbuto, devido à carência de
vitamina C.
Aalimentação dos luso-brasileiros não era melhor. Por vezes, recebiam da me-
trópole carne, peixe e vinho, mas normalmente consumiam farinha de mandioca e, oca-
sionalmente, carne bovina, milho, aguardente, frutas e outros víveres encontrados aleato-
riamente.
Os holandeses possuíam serviços médicos melhores que os dos luso-brasilei-
ros, mas isso pouco influía, por serem os procedimentos médicos, de modo geral, pouco
eficazes. Estes consistiam na cauterização de ferimentos com óleo fervente e na amputa-
ção de membros destroçados. Além disso, o descuido em relação a aspectos sanitários
levava à morte muitos soldados, acometidos por doenças, como tifo e disenteria.
O deslocamento de tropas e o transporte de suprimentos, quando possível, eram
feitos por via marítima. No interior nordestino, isso era feito por péssimos caminhos,
sendo as provisões transportadas por escravos, por muares ou em lentas carroças puxa-
das por bois. Quanto ao fardamento, que não era padronizado, os soldados holandeses
eram mais bem supridos, mas houve momentos de penúria em que eles andaram esfarra-
pados pelas ruas de Recife. Já os luso-brasileiros, combatiam com suas vestes habituais.

59
BATALHA DO MONTE DAS TABOCAS

Em 3 de agosto de 1645, travou-se, no monte das Tabocas, a primeira batalha


entre os combatentes da Insurreição pernambucana e as tropas holandesas da WIC.
Havia seis meses que Antônio Dias Cardoso, mestre da “guerra brasílica”, por
ordens do Governador-Geral do Brasil, arregimentava e treinava tropas na região de
Santo Antão, cerca de 40 quilômetros de Recife. Entrementes, ao iniciar-se a insurreição
para expulsar os holandeses do Brasil, muitos outros partícipes, inclusive alguns líderes,
como João Fernandes Vieira, uniram-se às forças de Dias Cardoso.
Em julho de 1645, cerca de 1.900 holandeses, comandados por Hendrick van
Hans, partiram de Recife para o interior de Pernambuco em busca dos luso-brasileiros.
No final do mês, estabeleceram contato com grupos de insurretos no sítio do Covas, os
quais, seguidos pelo inimigo, retraíram para o monte das Tabocas, onde se encontrava o
grosso das tropas de Dias Cardoso (aproximadamente 1.000 homens).
O monte das Tabocas (1) localiza-se na serra do Camocim. Permite ampla ob-
servação sobre suas adjacências e, ao seu lado oeste, passa o rio Tapacurá (2). Na
época, era rodeado, em seu sopé, por um bambual (3) de difícil penetração, que conferia
as condições ideais para o emprego da “guerra brasílica”.
Quando os holandeses atravessavam o rio Tapacurá (4), foi-lhes de encontro
uma pequena força luso-brasileira (5), que logrou atraí-los para uma campina (6), onde se
iniciava uma passagem estreita (7), dentro do bambual, que chegava até cume do monte.
Na campina, os luso-brasileiros desencadearam emboscadas na retaguarda, no centro e
na vanguarda do inimigo (8). Surpreendidos, os holandeses recuaram até as proximida-
des do rio Tapacurá (9), onde se reorganizaram.
Refeitos, os holandeses voltaram a atacar (10), passaram por uma primeira faixa
do bambual e chegaram até uma clareira (11), onde foram novamente emboscados (12).
Após sangrento combate, sobrepujaram os luso-brasileiros. Todavia, quando chegavam
ao topo da elevação (13), foram surpreendidos por uma reserva luso-brasileira, coman-
dada por João Fernandes Vieira, que os atacou por todos os lados (14). Novamente só
restou aos holandeses a opção pelo retraimento (15), que se fez de forma desorganizada,
abandonando-se mortos, feridos e farto material bélico.
Na batalha, morreram aproximadamente 100 holandeses e 30 luso-brasileiros.
A vitória dos luso-brasileiros possibilitou o fortalecimento da Insurreição e foi a primeira
de outras que culminariam com a expulsão dos holandeses do Brasil.

60
ESBOÇOS DA BATALHA DO MONTE DAS TABOCAS

I II

N N

1
3

4 6
5 9
8

III IV

N N

14

13

11 15

10 12

61
PRIMEIRABATALHADOS GUARARAPES

Em abril de 1648, os luso-brasileiros controlavam o interior da Capitania de Pernambuco e sitiavam os


holandeses em Recife. Estes, após receberem reforços, resolveram romper o cerco e reconquistar áreas do interior. Seu
plano inicial era marchar para o sul e se apossar do Cabo de Santo Agostinho, por onde passavam recursos que da Bahia
eram mandados aos luso-brasileiros que combatiam em Pernambuco. Para chegar ao Cabo de Santo Agostinho, os
holandeses teriam de passar pela região dos montes Guararapes.
Os montes Guararapes são três: o do Telégrafo (denominação posterior à guerra), o do Oiteiro (caracte-
rizado por ter duas cotas gêmeas) e o do Oitizeiro (o maior no sentido norte-sul). Na extremidade sul do Oitizeiro havia
o boqueirão, que era uma estreita passagem aberta em um terreno de restingas e alagadiços, situado entre os montes e
o mar. O boqueirão, via de acesso quase obrigatória para quem de Recife rumasse para o sul de Pernambuco, era um local
propício para emboscadas.
No dia 17 de abril, o comandante das tropas da WIC, Sigismund von Schkoppe, com cerca de 6.300
homens, deu início à ofensiva com o objetivo de conquistar o Cabo de Santo Agostinho. Antes de dirigir-se para lá, suas
tropas realizaram diversas fintas e demonstrações de que iriam atacar o Arraial Novo do Bom Jesus, um dos principais
redutos dos luso-brasileiros. Com isso, o líder holandês esperava atrair para o arraial o grosso das forças luso-brasileiras
e, assim, garantir a passagem em segurança de suas tropas pelo boqueirão.
No dia 18 de abril, os holandeses marcharam para o sul pelo litoral e passaram a noite nas proximidades
dos montes Guararapes. Antes, haviam chacinado 40 luso-brasileiros e recebido dos sobreviventes a informação de que
nos montes havia somente 200 combatentes. Os luso-brasileiros, por meio de patrulhas, acompanharam toda movi-
mentação e perceberam a real intenção dos holandeses. Decidiram, então, marchar à noite para os montes e lá oferecer
batalha, de surpresa, tirando o máximo proveito do terreno.
Na manhã seguinte, cerca de 2.200 luso-brasileiros, comandados por Francisco Barreto de Menezes,
encontravam-se dispostos nos montes e no boqueirão, prontos para o combate. Filipe Camarão ficou no flanco
direito, com um grupo de índios, oculto na vegetação da restinga (1); João Fernandes Vieira, com tropas de combaten-
tes brancos, posicionou-se em uma parte baixa de terreno, próxima do boqueirão, entre o Outeiro e Oitizeiro, que lhes
ocultava das vistas do inimigo (2); Henrique Dias, com tropas de negros, colocou-se no flanco esquerdo, na parte
central do Oitizeiro (4); Vidal de Negreiros, com tropas reservas, ficou à retaguarda de João Fernandes Vieira (3); e
parte das tropas de Vieira, comandadas por Antônio Dias Cardoso (cerca de 200 homens) posicionou-se na entrada
norte do boqueirão (5).
O plano previa que Antônio Dias Cardoso atraísse as forças holandesas para o boqueirão, onde seriam
fixadas por ataques frontais e destruídas por ações nos flancos. Henrique Dias daria cobertura ao ataque, impedindo um
possível desbordamento pelos montes.
No dia 19 de abril, os holandeses avistaram as tropas de Antônio Dias Cardoso na entrada do boqueirão e
decidiram destruí-las. Para isso, o grosso das tropas penetrou no boqueirão em perseguição a Antônio Dias Cardoso (6),
uma parte progrediu pelos alagados (7), outra progrediu pelas encostas dos montes para atacar pelos flancos ou pela
retaguarda (8), e o restante ficou em reserva.
Conforme o planejado, as tropas de Antônio Dias Cardoso recuaram (9) e foram perseguidas pelos
inimigos que penetraram no boqueirão e nos alagados (10). Ao fazerem isso, foram forçados a estreitar sua frente de
combate usual e desorganizaram-se, perdendo a coesão, que era um de seus principais trunfos.
Quando o grosso dessas tropas estava passando pelo boqueirão e pelos alagados, os luso-brasileiros saíram
de seus esconderijos e iniciaram um ataque geral (11). No boqueirão, as tropas de Fernandes Vieira, apoiadas pelas de
Vidal de Negreiros, após árdua luta, romperam o centro inimigo. Nos alagados, os ágeis índios de Filipe Camarão
infligiram pesadas perdas aos holandeses, pesadamente equipados. Nos montes, Henrique Dias investiu contra os
adversários que por lá avançavam.
Atônitos pelos ataques, os holandeses recuaram em todas as frentes (12), sendo perseguidos. Eles resolve-
ram, então, lançar mão de suas tropas reservas. Parte delas foi empregada no boqueirão e nos alagados (13), mas pouco
puderam fazer em face da desorganização e desmoralização das demais frações que lá combatiam. Outra parte apoiou
as que estavam nos montes (14), com as quais iniciou um desbordamento das tropas de Henrique Dias (15), que recuou
para o Oiteiro (16). Diante da possibilidade de os holandeses realizarem o desbordamento, tropas luso-brasileiras que
estavam no boqueirão foram deslocadas para o Oiteiro e lá se juntaram às de Henrique Dias (17). Reforçado, Henrique
Dias contra-atacou o inimigo com êxito (18).
Após quatro horas de lutas, os holandeses se retiraram para Recife, batidos em todas as frentes (19).
Tiveram aproximadamente 900 baixas, entre mortos e feridos, enquanto os luso-brasileiros, cerca de 500.
A vitória nos Guararapes, conquistada por brancos, negros e índios, com o emprego de táticas genuina-
mente brasileiras, é considerada, simbolicamente, como o marco inicial da existência do Exército Brasileiro.

62
MOVIMENTAÇÃO DAS TROPAS ANTES DABATALHA

LUSO-BRASILEIROS ARRAIAL

HOLANDESES

GUARARAPES

PA
TR
UL
HA
S
BOQUEIRÃO
CA
BO

RESTINGA
RECIFE

ATLÂNTICO

MOVIMENTAÇÃO DAS TROPAS DURANTE ABATALHA


OITIZEIRO OITIZEIRO

MATAS OITEIRO MATAS OITEIRO

4 HD TELÉGRAFO HD TELÉGRAFO

3 VN VN

2 FV FV
BOSQUE BOSQUE
1 FC FC
10
5 6 8
DC
DC H R
RESTINGA RESTINGA 9 H H

OITIZEIRO OITIZEIRO

MATAS OITEIRO MATAS OITEIRO

19
11 H
TELÉGRAFO TELÉGRAFO
HD
HD
16 18

H
12
11 15
11
VN
DC

17 FV

FV
DC
11 FC H VN
14 H 19
FC
H
RESTINGA H
R
RESTINGA 12 13

63
SEGUNDA BATALHA DOS GUARARAPES

Em 17 de fevereiro de 1649, aproximadamente 3.600 holandeses, sob o comando


do Coronel Van den Brinck, deixaram Recife e ocuparam os montes Guararapes (os luso-
brasileiros retiraram-se desse local após a batalha de 19 de abril de 1648, por não julgarem
conviniente manter tropas de forma permanente nas elevações). Para lá esperavam atrair
os luso-brasileiros e vencê-los em uma batalha decisiva, que lhes possibilitasse romper o
cerco a que estavam submetidos e conquistar bases de apoio inimigas no sul de Pernambuco.
Forças luso-brasileiras, cerca de 2.600 homens, comandadas por Francisco Barreto
de Menezes, que estavam no Arraial Novo, ao perceberem a movimentação inimiga, deslo-
caram-se para os Guararapes. Lá chegando, verificaram que os holandeses haviam ocupa-
do o boqueirão e o monte Oiteiro e que estavam com suas defesas voltadas para o norte. Na
noite de 18 para 19 de fevereiro, os luso-brasileiros infiltraram-se, através de passagens
existentes a oeste dos montes, e pela manhã já se encontravam dispostos à retaguarda do
exército da WIC.
Cobertos pelas matas existentes ao sul dos montes e do boqueirão, da direita para
a esquerda, frente ao inimigo, posicionaram-se as tropas de Fernandes Vieira (1), Henrique
Dias (2), Diogo Camarão (3), Figueiroa (4), Vidal de Negreiros (5), Antônio Silva (6) e Dias
Cardoso (7). Nas elevações e no boqueirão, do esquerda para a direita, estavam posicionadas
tropas holandesas comandadas por Carpenter (8), Giellissen (artilharia) (9), Brinck (10),
Claes (11), Hauthyn (13), Branden (12) e Helst (14).
Após esperarem em vão por um ataque luso-brasileiro e fustigados pela sede e
pelo sol inclemente, os holandeses decidiram retornar a Recife. Acreditavam que os luso-
brasileiros, muito enfraquecidos, segundo informações recebidas, não interfeririam na mano-
bra. Por precaução, as tropas de Branden e Helst foram designadas para cobrir o
retraimento.
Na tarde do dia 19, ao iniciarem o retorno para Recife, os holandeses foram ataca-
dos em toda a frente, de surpresa. No boqueirão, as tropas de Vieira atacaram as de Brinck,
Giellissen e Carpenter (15). Nos montes, Henrique Dias atacou Claes (16) e depois apoiou
Vieira (17); Diogo Camarão, apoiado no decorrer da luta por Dias Cardoso e Antônio Silva,
atacou Hauthyn (18); Figueiroa e Vidal de Negreiros fixaram Branden e Helst (19), que
foram desbordados por Dias Cardoso e Antonio Silva (20).
Acossados em todas as frentes, após três horas de combate, as forças holandesas
desintegraram-se. Os remanescentes reuniram-se na entrada norte do boqueirão (21). Dali,
voltaram a se dispersar e por diversos caminhos buscaram chegar a Recife (22), sempre
perseguidos pelos luso-brasileiros.
No embate, os holandeses tiveram cerca de 1.500 baixas (mortos, feridos ou apri-
sionados); os brasileiros, 300. A vitória permitiu manter o cerco a Recife, que levaria ao fim
do domínio holandês no Brasil.

64
MOVIMENTAÇÃO DAS TROPAS ANTES DABATALHA
ARRAIAL
LUSO-BRASILEIROS

HOLANDESES

GUARARAPES

BOQUEIRÃO
CA
BO

RESTINGA

RECIFE

ATLÂNTICO

MOVIMENTAÇÃO DAS TROPAS DURANTE ABATALHA


7 DC OITIZEIRO DC OITIZEIRO
6
AS AS
MATAS 5 OITEIRO MATAS OITEIRO
VN VN

4 FI FI
HE 14 HE

3 DC DC HA
HA 13
TELÉGRAFO TELÉGRAFO
BRA BRA
12
CL HD CL
2 HD 11

FV FV
1
BRI BRI
10

GI
9 GI
BOSQUE CA
BOSQUE
CA
8

RESTINGA RESTINGA

20 ADC OITIZEIRO OITIZEIRO

AS
MATAS 19 MATAS
VN
19 VN
FI
HE
HE
18
DC FI
BRA TELÉGRAFO BRA
TELÉGRAFO
HA DC
16 AS
HD CL
ADC
HA
15 17
FV
CL

BRI
BOSQUE HD
BOSQUE
GI FV
CA

BRI
RESTINGA GI CA
RESTINGA
21 22

73
65
LÍDERES LUSO-BRASILEIROS

Dentre os muitos heróis das lutas contra os holandeses destacaram-se, pela liderança e
pelo papel decisivo, João Fernandes Vieira,André Vidal de Negreiros,Antônio Filipe Camarão, Henrique
Dias, Francisco Barreto Meneses e Antônio Dias Cardoso.
André Vidal de Negreiros (Capitania da Paraíba, 1606 - Goiana, 1680) foi um dos melhores
soldados de seu tempo. Tomou parte com grande bravura em quase todos os combates, desde a
invasão dos holandeses à Bahia até a expulsão deles de Recife. Destacou-se por coordenar a mobilização
de tropas e de meios nos sertões nordestinos. Notabilizou-se nas duas Batalhas dos Guararapes e
comandou o sítio a Recife, que resultou na capitulação holandesa em 1654. Por seus feitos, foi nome-
ado governador da Capitania do Maranhão, da Capitania de Pernambuco (por duas vezes) e de
Angola.
João Fernandes Vieira (Ilha da Madeira, 1613? - Olinda, 1681) foi um dos principais chefes
militares nas lutas pela expulsão dos holandeses de Pernambuco. Teria chegado à Capitania de
Pernambuco em 1620. Ligado ao ramo do comércio, participou, em 1630, da resistência à segunda
invasão holandesa, quando fez parte da guarnição que heroicamente defendeu o Forte de São Jorge.
Nos primeiros tempos da ocupação, conviveu com o inimigo, acumulou propriedades rurais e tornou-
se um abastado senhor de engenho. Após a saída de Nassau, se opôs aos novos governantes e
assumiu a liderança da Insurreição Pernambucana. Participou das Batalhas do Monte das Tabocas, da
Casa-Forte, e das duas dos montes Guararapes. Depois da guerra foi nomeado governador da Capita-
nia da Paraíba e de Angola.
Henrique Dias (Capitania de Pernambuco, início do século XVII? - Recife, 1662) era filho de
escravos africanos libertos. Liderando um grande número de combatentes afro-brasileiros, lutou con-
tra os holandeses durante todo o período em que esses estiveram em Pernambuco. Participou de
inúmeros combates, distinguindo-se nos de Igaraçu, no qual foi ferido duas vezes, e no de Porto
Calvo, quando teve a mão esquerda estilhaçada por um tiro. Nas Batalhas dos Guararapes comandou
suas tropas em ações fundamentais para o êxito da Insurreição. Devido aos seus relevantes feitos,
recebeu diversas honrarias, entre as quais, o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo.
Francisco Barreto de Menezes (Peru, 1616 - Portugal,1668), militar, foi nomeado, pelo rei de
Portugal, em 1647, para exercer as funções de comandante-em-chefe do “Exército Restaurador”.
Comandou as tropas luso-brasileiras nas duas Batalhas de Guararapes. Depois da guerra foi governa-
dor da Capitania de Pernambuco e governador-geral do Brasil.
Antônio Filipe Camarão (Capitania do Rio Grande do Norte?, início do século XVII -
Pernambuco, 1648) era índio da tribo potiguar. Durante as invasões holandesas, à frente dos guerrei-
ros de sua tribo, organizou ações de guerrilha que se revelaram essenciais para a derrota final dos
invasores. Destacou-se na defesa de Salvador (1638) e nas Batalhas de Porto Calvo (1637), de Mata
Redonda (1638) e da 1ª dos Guararapes. Nesta última, sofreu um ferimento que lhe seria mortal. Foi
sucedido no comando dos combatentes indígenas por seu sobrinho Diogo Pinheiro Camarão, que
teve desempenho exemplar na 2ª Batalha dos Guararapes.
Antônio Dias Cardoso (Portugal?, início do século XVII? - Recife, 1670) foi um dos princi-
pais líderes do conflito. Profundo conhecedor das táticas da “guerra brasílica”, era chamado de
“mestre das emboscadas”. Lutou contra os holandeses em Salvador em 1624/25 e em 1638. Pouco
antes da Insurreição, partiu para a Capitania de Pernambuco, onde arregimentou, treinou e comandou
tropas. Teve um papel fundamental nas vitórias luso-brasileiras nos montes das Tabocas e dos
Guararapes. Após o conflito, foi governador da Capitania da Paraíba.

66
LÍDERES LUSO-BRASILEIROS

VIDALDENEGREIROS FERNANDESVIEIRA

HENRIQUE DIAS BARRETO DE MENEZES

FILIPE CAMARÃO DIAS CARDOSO

67
CARTADE NASSAU À WIC, DOANO DE 1637, SOBRE O BRASIL 3

Acho este país um dos mais belos do mundo. Sua tropicalidade não se prende
unicamente ao fator climático, mas à personalidade deste povo visualmemte empenhado
em assentar raízes dentro do aspecto regionalista pátrio de cada região, por um todo.
Mesclaram-se etnológica e culturalmente a ponto de sentirem-se brasileiros, mes-
mo sendo filhos de portugueses.
Aceitam-nos por contingência imposta e até conosco convivem socialmente.
Porém, jamais nos aceitarão definitivamente.
O mesmo não se permite falar dos portugueses, que não assimilaram esta
tropicalidade. Aceitaram a nossa presença e até reconheceram a nossa posse sobre a
terra que lhes conquistamos. Quanto a estes, nossa administração é mansa e pacífica e
eventualmente óbvia pelo esbulho compulsório, com preços que variam desde um alto
cargo no governo flamengo da colônia, até alguns florins para gastos em tabernas. É
portanto, uma ocupação em caráter “ad infinitum” no que concerne a eles.
Quanto aos primeiros, exige-se uma reflexão minuciosa recheada de precau-
ções, pois estes não têm preço. Se alguns, de certa forma, a nós se uniram, o fizeram com
o único intuito de abreviar o domínio português na terra para, posteriormente, também
abreviar a nossa permanência. Estes somente com muita diplomacia e, segundo constata-
mos, mediante uma miscigenação sociocultural, dividindo-nos com eles e dividindo-os
conosco, se aqui quisermos permanecer.
Os índios, colonos e negros estão unidos em um espírito de liberdade jamais
conhecido nas cortes europeias. Portanto, se aceitarmos este espírito de liberdade como
ponto básico, poderemos, através de uma contribuição cultural, científica e artística, nos
fazer necessários por largo espaço de tempo. Necessito pois da vinda de artistas, médi-
cos, pintores, músicos e outros doutores para que se possa firmar a conquista e para que
a Companhia das Índias Ocidentais obtenha lucros correspondentes ao investimento
feito.
Estabelecerei comércio com os redutos chamados Quilombos, povoados por
ex-escravos que fugiram das fazendas. Pois estes, mais do que todos, repudiam os
portugueses, podendo assim, ser nossos aliados contra guerrilheiros que diariamente in-
vestem contra a nossa permanência.

Recife, 3 de fevereiro de 1637

Johan Maurits van Nassau-Siegen

3 Extraída dos arquivos do Museu da Companhia das Índias Ocidentais em Amsterdan, Holanda.
Fonte: Fonseca Júnior, 2003.

68
CAPÍTULO 3

A EXPANSÃOTERRITORIAL E ACONSOLIDAÇÃO
DAS FRONTEIRAS - SÉCULOS XVII E XVIII

69
70
CAPÍTULO 3

A EXPANSÃOTERRITORIAL E ACONSOLIDAÇÃO
DAS FRONTEIRAS - SÉCULOS XVII E XVIII
Valter Rabelo Teixeira

"A soberania e o respeito de Portugal impõem que neste lugar se erga um forte, e
isso é obra e serviço dos homens de El-Rei, nosso Senhor e, como tal, por mais
duro, por mais difícil e por mais trabalho que isso dê, é serviço de Portugal. E tem
de se cumprir."
Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres,Capitão-General
e Governador de Mato Grosso - 1776 (NUNES, 1985, p.3)

O período compreendido entre as últimas décadas do século XVI e o início do


século XIX pode ser caracterizado por acontecimentos históricos relevantes, ocorridos
principalmente na Europa, e que apresentaram implicações marcantes para os destinos do
Brasil colonial.
A União Ibérica (1580-1640) trouxe consequências drásticas para os portu-
gueses. Em virtude da sua integração política à Espanha, Portugal passou a sofrer amea-
ças por parte dos principais inimigos dos espanhóis, à época: França, Inglaterra e Holanda.
Motivados por razões políticas (retaliação à Espanha) e econômicas (lucros com a explo-
ração do comércio colonial), esses países promoveram várias invasões no litoral brasilei-
ro. Tais agressões, se por um lado colocaram em risco a ainda precária defesa militar da
Colônia, por outro constituíram um dos fatores que estimularam o desenvolvimento das
instituições militares coloniais, nas lutas empreendidas, em decorrência das quais foram
consolidadas as ocupações do Nordeste e da Amazônia. No contexto das invasões es-
trangeiras, ressaltam-se as ocupações holandesas do Nordeste (1624-1654), ensejando
a Guerra Holandesa, em cujas lutas identificamos a gênese do Exército Brasileiro.
A separação das Coroas ibéricas ocorreu em 1640, embora só tenha sido reco-
nhecida pelos espanhóis em 1668. A recuperação da autonomia de Portugal coincidiu,
entretanto, com o início de um período de profunda crise econômica lusitana. A União
Ibérica havia sido bastante lesiva para os portugueses. O envolvimento de Portugal nas
sucessivas guerras da Espanha contra seus inimigos promoveu o desmoronamento do
Império Português, com a perda de várias colônias na África e no Oriente, tendo como
consequência o colapso da atividade mercantil portuguesa.
Diante desse quadro, o Brasil passou a ter vital importância para a sobrevivên-
cia da economia da Metrópole. No entanto, a maneira como Portugal administrou a ex-
ploração da Colônia desde então foi muito opressiva, visando sobremaneira ao lucro,

71
sufocando a economia local. Isso gerou tensões sociais, propiciando a ocorrência das
primeiras rebeliões da Colônia, como foi a de Beckman (1684), no Maranhão, assim
como o surgimento dos quilombos, como o de Palmares (1630-1694). Essas ocorrências
caracterizaram o antagonismo entre senhores e escravos e tendiam a desequilibrar o siste-
ma econômico, com todas as implicações relativas à segurança interna decorrentes.
Em meados do século XVIII, verificou-se ainda o surgimento de importante
corrente no plano do pensamento: o Iluminismo. Ele surgiu como reação ao poder abso-
luto do Estado, controlador da economia e monopolizador das decisões políticas; assim
como às características contraditórias do modelo socioeconômico vigente (Antigo Regi-
me), como os privilégios da nobreza em detrimento dos direitos pretendidos pela burgue-
sia emergente.
Nas colônias americanas, o Iluminismo teve um fator restritivo crucial, que foi a
escravidão.Asua existência era incompatível com os ideais iluministas de liberdade e dela
dependia a atividade econômica principal - a agricultura. No Brasil, esses pensamentos
inspiraram os movimentos libertários da Inconfidência Mineira (1789) e da Conjuração
Baiana (1798), que foram influenciadas ainda, respectivamente, pela Independência dos
Estados Unidos (1776) e pela Revolução Francesa (1789).
Por fim, as intervenções militares de Napoleão, na Espanha e em Portugal, trou-
xeram consequências marcantes para as colônias ibéricas na América: precipitou as inde-
pendências das colônias espanholas e a transferência da Corte portuguesa para o Brasil.
A identificação dos diversos fatores, constituintes dos acontecimentos históricos
desse período, assim como das suas causas e consequências, permite o entendimento das
razões de estado que levaram alguns países da Europa, nos séculos XVII e XVIII, às
disputas ultramarinas pela posse e exploração de colônias. Permite, por exemplo, com-
preender as circunstâncias que levaram à expansão do Brasil colonial para muito além do
meridiano de Tordesilhas, o que constitui o importante legado português - a configuração
geográfica do Brasil.

As Ações das Bandeiras


As primeiras expedições ao interior, ainda no século XVI, tiveram como objetivo
a busca de pedras e de metais preciosos, motivadas pelas descobertas das riquezas mine-
rais por parte dos espanhóis, em suas conquistas. Destacaram-se, nesse período, as se-
guintes expedições: a de Aleixo Garcia (1516) que, através dos rios Paraguai e Paraná,
atingiu o Peru; a de Francisco Bruza Espinoza (1554) dirigida à região da atual Diamantina
- MG; a de Vasco Rodrigues Caldas (1561) à chapada Diamantina (Bahia); e a de João
Ramalho (1562), que combateu os índios do Vale do Paraíba, os quais ameaçavam a vila
de São Paulo. No final do século XVI, no litoral, essas e outras expedições contribuíram
para o estabelecimento do domínio português, do Rio Grande do Norte (Forte dos Reis
Magos) até Cananéia, em São Paulo. No interior, a ocupação estendia-se da serra da
Mantiqueira ao rio Paranapanema, e pelos vales do rio Paraíba e do rio Tietê.

72
O movimento bandeirante foi caracterizado pelas inúmeras expedições realiza-
das ao interior da Colônia, com objetivos definidos, nos três primeiros séculos da coloni-
zação. Em linhas gerais, elas foram direcionadas para as atividades de apresamento de
índios, para a busca de metais preciosos ou para atuarem como força de repressão contra
rebeliões de escravos e tribos hostis.
Durante a ocupação holandesa no Nordeste, prevaleceu a ocorrência da moda-
lidade de bandeira de apresamento de índios. Tal atividade teve seu crescimento por
conta da ocupação holandesa do Nordeste. A produção e o comércio do açúcar pelos
batavos haviam desorganizado o tráfico de escravos africanos na Colônia, aumentando o
preço e acarretando a escassez de mão de obra na lavoura. A saída foi a utilização do
índio como substituto do escravo vindo da África. Inicialmente foi empreendida a caça ao
índio livre. Com a fuga deles ao apresamento, os colonos paulistas dirigiram suas ações
para as missões jesuítas, localizadas no Sul e no Centro-Oeste. Ali foram encontradas
grandes populações de nativos aculturados, que haviam perdido a capacidade de autode-
fesa, baseada na mobilidade e dispersão, por viverem em aldeias administradas por bran-
cos. Com esse objetivo, foram atacadas e destruídas as missões da região de Guaíra
(Paraná), as do Tape (Rio Grande do Sul) e as do Itatim (Mato Grosso).

BANDEIRAS DO SÉCULO XVII E XVIII

Gurupá
Belém

Recife

Palmares

Goiás Salvador

Cuiabá
O
NTIC

Terras de Portugal
ATLÂ

Terras da Espanha Itatim Vila Rica

Mineração Rio de Janeiro


São Paulo
Sertanismo de contrato
Caça ao índio Guaíra

Tordesilhas
Tape
Limites atuais

73
Um novo direcionamento das atividades bandeirantes - a busca de riquezas
minerais - ocorreu após a expulsão dos holandeses do Nordeste e a consequente reorga-
nização do tráfico de escravos africanos. Além desse fato, a crise econômica de Portugal
no período pós-União Ibérica e a concorrência do açúcar produzido pelos holandeses
nas Antilhas estimularam a Metrópole a investir na busca de metais. Nessa atividade,
destacaram-se as expedições à região das Minas Gerais, de 1668 e 1674, lideradas por
Lourenço Castanho e Fernão Dias Paes Leme, respectivamente; e a expedição de 1682,
ao centro da Colônia, na direção de Goiás, comandada por Bartolomeu Bueno da Silva
(pai), oAnhanguera. Porém, só no final do século XVII foram localizadas jazidas impor-
tantes.
A outra forma de emprego das bandeiras foi como força de segurança interna -
o sertanismo de contrato - com principal incidência no Nordeste. Na segunda metade do
século XVII, em virtude da crise econômica portuguesa, as restrições do pacto colonial
foram agravadas, aumentando a opressão econômica sobre o Brasil. A necessidade de
atender à avidez da Metrópole pelo lucro, cada vez maior, impunha o aumento da produ-
ção agrícola e correspondente crescimento da população de escravos, o que tornava
propícias as manifestações de rebeldia, como a passividade no trabalho e a fuga. Por sua
vez, as populações indígenas se organizaram contra a colonização, em consequência da
usurpação de suas terras, pelo branco, para o uso na agricultura. Aumentaram-se as ten-
sões sociais e surgiram as revoltas. Diante desse quadro, as bandeiras foram contratadas
como forças de repressão, para garantir a ordem social, diante de fatores adversos da
colonização, como as rebeliões de escravos e os ataques de índios hostis. Exemplos do
emprego das bandeiras, com esses objetivos, foram a destruição do quilombo dos Palmares
(1694), emAlagoas, e a dominação dos índios cariris, em longa e sangrenta campanha,
denominada Guerra dos Bárbaros, desenvolvida em várias regiões do Nordeste, que se
arrastou por quase quatro décadas, a partir de 1683. Nos dois acontecimentos, desta-
cou-se o bandeirante Domingos Jorge Velho.
As expedições bandeirantes contribuíram, de modo indireto, para a coloniza-
ção dos territórios situados além das Tordesilhas. Independentemente dos seus três
objetivos principais, as suas incursões promoveram a miscigenação com o índio, difundi-
ram a cultura portuguesa, trouxeram informações geográficas e deram origem a localida-
des. Foram inúmeras ainda as oportunidades em que as bandeiras foram utilizadas contra
a presença estrangeira, quer combatendo invasores, quer lutando contra os espanhóis na
consolidação de territórios ocupados anteriormente.
Nesse contexto, destacou-se a obra de Antônio Raposo Tavares, um dos expo-
entes do bandeirismo. Entre 1628 e 1638, participou da destruição dos redutos jesuítas
espanhóis do Guaíra e do Tape. Integrou as forças mobilizadas para combater os holan-
deses na Bahia e em Pernambuco, entre 1639 e 1642. Seu maior feito, entretanto, foi a
grande expedição iniciada em 1648. Raposo Tavares, ao partir de São Paulo, pretendia

74
refazer a rota de Aleixo Garcia, a princípio com o mesmo objetivo - a busca de metais
preciosos do Peru. Inicialmente, rumou para o Mato Grosso, onde deu continuidade aos
ataques às reduções espanholas do Itatim, quando veio a perder a maior parte de seus
efetivos. Tendo reorganizado os remanescentes, subiu o rio Paraguai e, utilizando os rios
Guaporé, Mamoré e Madeira, atingiu o rio Amazonas, prosseguindo até Belém, de onde
retornou a São Paulo. Sua expedição, que durou três anos, é considerada a primeira
grande viagem de exploração ao interior brasileiro, tendo contribuído de forma significa-
tiva para o levantamento de informações sobre a área percorrida, as quais passaram a
constar dos documentos lusitanos da época e serviram para instruir a política de ocupa-
ção da região, desde então.

A Expansão Territorial
Após a descoberta de Colombo, a Espanha reivindicou, junto ao Papa Alexan-
dre VI, por intermédio da bula Inter Coetera, a posse das terras ocidentais descobertas
e ainda por descobrir, tendo como referência o meridiano localizado 100 léguas a oeste
das ilhas de Cabo Verde. Esse limite conferiria à Espanha todos os territórios das Améri-
cas. De imediato, o rei D. João II, de Portugal, questionou tal documento. No ano seguin-
te, as Coroas ibéricas firmaram entre si o Tratado de Tordesilhas, que estendia para 370
léguas a medida prevista na bula anterior.
As contestações da legitimidade do tratado ibérico pelas potências europeias
emergentes à época, não tardaram. A França, a Inglaterra e, posteriormente, a Holanda
efetivaram ações no sentido de estabelecer a posse de colônias no Novo Mundo, invo-
cando o princípio do uti possidetis, ou seja, a posse pela ocupação. Tal postura ensejou
várias tentativas das citadas potências européias de incursões ao território colonial portu-
guês, algumas com o objetivo de estabelecimento de colônias.
Portugal, embora signatário do tratado, não se conformara com a restrição do
meridiano de Tordesilhas. Já no início do século XVI, os portugueses iniciaram a explora-
ção marítima das terras situadas ao norte e ao sul da América portuguesa, ultrapassando
os limites impostos pelo meridiano acordado em 1494. Ao norte, há registros atestando
as explorações lusas como a do navegante Estêvão Fróes, que apresentou queixas às
autoridades de Lisboa, em carta de 1513, por ter sido aprisionado pelos espanhóis quan-
do explorava a costa venezuelana. No outro extremo, várias expedições foram enviadas
ao rio da Prata, como a viagem financiada por Nuno Manuel e Cristóvão de Haro, em
1514, que precedeu a descoberta oficial espanhola da região, realizada em 1516, pelo
português João Dias de Solis, a serviço da Espanha; a de Cristóvão Jacques, em 1521; e
a de Pero Lopes de Souza, em 1531, que chegou até a foz do rio Paraná.
O descobrimento do Novo Mundo despertou interesses múltiplos na Europa.
As riquezas da nova terra atraíram governos, corsários, empresas comerciais e aventurei-
ros em geral. Em Portugal, a centralização política era um entrave ao desenvolvimento

75
mercantil, o que favoreceu a concorrência estrangeira, em especial a dos mercadores
holandeses. Amanutenção das atividades comerciais com o Oriente ficou muito onerosa
para Portugal. Esse quadro econômico, somado à expectativa da descoberta de metais
preciosos, a exemplo do achado espanhol no Peru e no México, fez com que os portu-
gueses voltassem as vistas para o Brasil. Havia ainda o risco da perda das novas terras
diante da ambição de outros reinos da Europa.
A resposta de Portugal às investidas estrangeiras foi o início da colonização
efetiva, em 1531, com a expedição de MartimAfonso de Souza. Devido à grande exten-
são do litoral, a solução encontrada foi o estabelecimento de pontos fortificados ao longo
da costa. As primeiras povoações se desenvolveram ao redor dessas fortificações e são a
origem de várias grandes cidades brasileiras de hoje, em particular no Norte e Nordeste.
Nelas, todos deveriam prover a segurança: militares, colonos, escravos e índios agrega-
dos. Era a mística da nação armada, presente na doutrina militar original do reino de
Portugal, trazida para a Colônia, e adaptada às circunstâncias locais. As lutas ocorriam
contra tribos indígenas hostis e invasores estrangeiros.
A expansão da colonização portuguesa teve, no século XVII, dois elementos
balizadores: um deles foi o combate às incursões estrangeiras, revestido de caráter militar,
portanto; o outro, de ordem interna, tinha objetivos econômicos e foi caracterizado pelas
ações das bandeiras e pelo desenvolvimento da pecuária. Os vetores da colonização, de
natureza militar ou econômica, atendiam aos interesses da Metrópole objetivamente. En-
tretanto, cumpre salientar o papel fundamental desempenhado pelos religiosos. A voca-
ção das ordens religiosa em catequizar os nativos facilitou a integração dos mesmos à
cultura do homem europeu, facilitando a participação deles nas atividades que importa-
vam à colonização, inclusive a militar.

A Ocupação do Estuário do Rio Amazonas

A ocupação dos vastos territórios que hoje constituem a Amazônia brasileira,


ocorrida no Período Colonial, representou um feito extraordinário, que envolveu os inte-
resses de Portugal e as circunstâncias da época, e foi concretizado pelas ações militares
empreendidas, a partir da expulsão dos franceses do Maranhão. Os portugueses haviam
sido precedidos por diversas expedições espanholas à região, merecendo destaque as de
Alonso Ojeda (1499) e Vicente Yanez Pizon (1500), que fizeram incursões partindo do
litoral, e as de Gonçalo Pizarro (1539) e Pedro de Ursua (1559), vindas do Peru. Fran-
cisco Orellana, integrante da expedição de Pizarro, realizou a viagem pioneira completa,
de Quito até a foz do Amazonas.
A existência de intenso contrabando feito por estrangeiros, no estuário do rio
Amazonas, já era do conhecimento dos portugueses mesmo antes da conquista do Ma-

76
ranhão. Ainda em 1615, Portugal deu início às ações efetivas para a conquista da região,
com o estabelecimento da presença militar naquela foz. Para tanto, Francisco
Caldeira Castelo Branco foi nomeado Capitão-Mor da conquista do Grão-Pará. Em
1616, à frente de cerca de 200 soldados, ele ergueu um forte de madeira, denominado
Forte do Presépio, em torno do qual surgiu o povoado de Nossa Senhora de Belém, hoje
a capital do Estado do Pará. Por muito tempo, o Forte foi o ponto de apoio para a
conquista do interior amazônico
A consolidação da posse da região, no entanto, foi marcada por grandes dificul-
dades. Houve problemas de liderança, com atos de indisciplina da tropa e revoltas de
índios. Francisco Caldeira revelou inaptidão para o comando, sendo deposto. O seu
substituto, Baltazar Rodrigues de Melo, da mesma forma, não deu conta do controle da
situação. Para impor ordem à tropa e conter os índios, foi nomeado o Capitão-Mor
Jerônimo deAlbuquerque, que veio a falecer no exercício da função. O seu substituto foi
logo destituído, sendo aclamada, pela tropa, uma junta para assumir o controle, da qual
fazia parte com destaque o Capitão Pedro Teixeira. Entretanto, ela enfrentou graves obs-
táculos, referentes ainda à desordem dos colonos e à ação violenta dos índios, contra as
quais atuou com pulso e abnegação, concretizando a incorporação daquela região a Por-
tugal. Esse feito, materializado pela construção do Forte do Presépio, é considerado o
marco inicial da conquista e ocupação do Vale Amazônico, em disputas contra holande-
ses, ingleses e franceses.
Iniciou-se então um processo continuado de lutas contra invasores estrangeiros
e tribos hostis, que durou décadas. Nas sucessivas vitórias foram alicerçados o controle
efetivo da foz do Amazonas e o domínio de todo o Vale. Essa empresa foi obra de vários
homens, portugueses ou colonos natos que, dotados de elevadíssimo grau de desprendi-
mento e coragem, realizaram obras por vezes extraordinárias, a serviço da expansão
colonial em prol da Coroa lusa. É necessário ressaltar que as intervenções iniciais na
Amazônia, pelos portugueses, ocorreram em plena vigência da União Ibérica. Por oca-
sião da união das Coroas (1580-1640), Portugal havia assegurado, junto à Espanha, de
acordo com o Juramento de Tomar, a continuação da exclusividade no controle sobre
suas colônias. Por outro lado, os colonos estabelecidos na América espanhola demons-
traram desinteresse em ocupar a Região Amazônica, face às imensas dificuldades impos-
tas pelos obstáculos naturais e pela agressividade dos índios.
A presença espanhola na região ficou restrita à existência de escassas guarni-
ções militares e de missões religiosas no Alto Solimões. Diante das ameaças das ocupa-
ções estrangeiras a partir do litoral Norte, com a possibilidade de acesso às riquezas
minerais do Peru através dos afluentes do Amazonas, o Rei Felipe IV, da Espanha, houve
por bem delegar aos súditos portugueses do Brasil a missão de combatê-las e de ocupar

77
a região. Para tanto, o Rei ratificou as concessões feitas a portugueses por seus antecessores
e incentivou novas ocupações, ainda que com o risco de ter as terras em questão incorpo-
radas a Portugal, na ocorrência da restauração da Coroa portuguesa, o que veio a acon-
tecer de fato.
Após a fundação do Forte do Presépio, as primeiras dificuldades se deram por
conta das lutas contra exploradores estrangeiros que chegaram no início do século XVII
e já estavam estabelecidos na foz do Amazonas e proximidades.
Entre 1604 e 1606, o inglês Charles Leigh manteve uma colônia na margem
esquerda do Oiapoque, a qual foi abandonada. Nova tentativa foi realizada por outro
inglês, Robert Harcourt, em 1608, redundando igualmente em fracasso. Em 1616, Roger
North obteve do Rei Jaime I da Inglaterra autorização para colonizar a Guiana e o Vale
Amazônico. Sob os protestos do Rei Felipe III, da Espanha, o Rei da Inglaterra cassou a
autorização dada a North, o que foi desconsiderado por este. Em consequência, ele foi
preso e sua companhia desarticulada. Porém, as feitorias que havia estabelecido nas
adjacências do EstuárioAmazônico prosperaram, realizando ativo comércio com a Ingla-
terra.
Em 1621, Bento Maciel Parente foi nomeado Capitão-Mor do Grão-Pará. Na
oportunidade, restaurou o Forte do Presépio e levantou informações sobre as incursões
holandesas e inglesas na região e, na impossibilidade de combatê-las, comunicou os fatos
à Corte e ao governador do Estado do Maranhão. Esse Estado surgiu da divisão adminis-
trativa efetuada por Felipe IV, em 1621, quando a região foi separada do Governo-Geral
do Brasil (o Estado do Maranhão ligar-se-ia, a partir e então, diretamente à Metrópole),
e abrangia as Capitanias do Ceará, Piauí, Maranhão e Grão-Pará, todas pertencentes à
Coroa. Os objetivos de sua criação foram permitir o maior controle sobre a Colônia, no
sentido de evitar ou combater as incursões estrangeiras na Região Norte, e incrementar a
exploração econômica da área. Tais empreendimentos eram prejudicados enormemente
pelas dificuldades em se estabelecer as ligações com a sede do Governo-Geral (Salva-
dor), devido à contrariedade dos ventos e das correntes marítimas. Esse fator adverso
acabou por determinar a organização política.
Em 1623, o Capitão Luís de Aranha Vasconcelos chega ao Pará com as mis-
sões de organizar uma expedição para explorar o Amazonas na direção oeste, fazer o
reconhecimento da margem esquerda do estuário até o cabo do Norte, e expulsar os
estrangeiros encontrados. Dias após sua saída de Belém, a tropa defrontou-se com uma
guarnição composta por ingleses e holandeses, no Forte Mariocai, que havia sido construído
por holandeses no início do século, na ilha de Gurupá. Sem meios suficientes para atacar
a posição, Luís de Vasconcelos solicitou reforços a Maciel Parente, o qual se deslocou à
frente de um contingente de 70 soldados e algumas centenas de índios. Coordenando as

78
ações, o Capitão-Mor tomou o forte, realizando a perseguição dos inimigos. Voltando a
Gurupá, Maciel Parente mandou construir o Forte de Santo Antônio do Gurupá, que se
tornou um ponto de apoio importante para as ações direcionadas para o interior.
Entre 1624 e 1625, novas feitorias estrangeiras foram levantadas nas proximi-
dades de Gurupá. Amissão de destruí-las coube a Pedro Teixeira, auxiliado por Pedro da
Costa Favela. Na oportunidade foi destruído o Forte de Mandiutuba e outras instalações
na região do Xingu.
Em 1626, os ingleses Harcourt e North organizaram a "Companhia da Guiana"
e conseguiram, junto ao Rei Carlos I, da Inglaterra, amplos privilégios para explorar as
terras que se estendiam do rio Essequibo (na atual Guiana) até oAmazonas. No intuito de
assegurar tais domínios, foi construído o Forte de Tauregue (ou Torrego), em 1628, na
confluência do rio Maracapuru com oAmazonas, o qual foi destruído em 1629 por Pedro
Teixeira, auxiliado por Pedro Favela.
Em 1631, Jácome Raimundo de Noronha, Capitão-Mor interino do Grão-Pará,
comandou uma expedição que destruiu o Forte Felipe, construído pelos ingleses à mar-
gem do rio de igual nome. No mesmo ano, sob a liderança de Roger Pry, os ingleses
construíram o Forte de Cumaú, à margem esquerda do rio Amazonas, próximo a Macapá.
Em 1632, o Capitão Feliciano Coelho atacou e destruiu o Forte de Cumaú,
sendo essa a última tentativa de fixação, dos ingleses, na foz do Amazonas. No local foi
erguido um forte português, de mesmo nome, que serviu de base para a construção do
Forte de Santo Antônio de Macapá, em 1686.
Aneutralização das presenças inglesa e holandesa representou, todavia, a solu-
ção de parte dos problemas que comprometiam a soberania luso-espanhola na foz do
Amazonas. Restava ainda anular as pretensões da França, fato que só viria a ser consu-
mado em 1900, por arbitragem do presidente da Confederação Helvética, que deu ganho
de causa ao Brasil, definindo os limites atuais com a Guiana Francesa.
A presença francesa no Maranhão, liderada por Daniel de La Touche (Senhor
de La Ravardìere), fora precedida pela ocupação do litoral da Guiana. Em 1604, Ravardìere
havia recebido do rei francês Henrique IV supostos poderes para explorar as terras situ-
adas entre a ilha da Trindade e o rioAmazonas. Na Guiana, Ravardìere iniciou a coloniza-
ção, abandonando a região, entretanto, por ter optado pela ocupação do Maranhão.
Em 1633, o Cardeal Richelieu, Primeiro-Ministro do Rei Luís XIII, concedeu
poderes à Companhia do Cabo do Norte, empresa que reunia negociantes franceses,
para explorar a Guiana, limitando suas ações, ao sul, no rio Oiapoque. Na oportunidade,
estabeleceu-se um povoado que foi a origem de Caiena. Mesmo sem ter obtido o sucesso
esperado, o empreendimento francês colocou em alerta o governo luso-espanhol. Como
contramedida, o Rei Felipe IV, da Espanha, concedeu, em 1637, a Capitania do Cabo do
Norte a Bento Maciel Parente, em caráter vitalício e hereditário. Seus domínios esten-

79
diam-se desde o cabo do Norte, ao sul, até o rio Vicente Pizon (Oiapoque), ao norte.
Essa concessão foi um reconhecimento pelo empenho de Maciel Parente no combate aos
invasores estrangeiros na região.
Em 1640 e 1652, respectivamente, foram criadas outras duas companhias, na
França, com os mesmos objetivos da primeira. Ambas redundaram em insucessos.
O Tratado de Nimègue de 1678, acordado entre a França e a Espanha, colocou
em risco a posse portuguesa da região do Cabo do Norte. Pelo tratado, a Espanha cedia
pretensos direitos à França sobre a região, anulando a concessão feita, em 1637, a Maciel
Parente. Apoiado nos argumentos do tratado, o Marquês De Ferroles, nomeado Gover-
nador da Guiana pelo Rei Luís XIV em 1690, tomou o Forte de SantoAntônio de Macapá
e destruiu o Forte do Paru. Em reação, o Capitão Francisco de Souza, partindo do Forte
de Gurupá, retomou o Forte de Macapá no mesmo ano, restabelecendo os domínios
portugueses.
No período compreendido entre 1680 e 1687, Portugal intensificou medidas
para a ocupação do Amapá, enviando expedições guarda-costas e construindo fortes.
Na Europa, a constituição da Liga de Augsburgo (1686), denominada a Grande Aliança
após a incorporação da Inglaterra (1689), reuniu ainda Espanha, Holanda, Sacro Império
Romano Germânico, Portugal e outros reinos. O objetivo da aliança era conter o
expansionismo francês sob Luís XIV, e teve como desdobramento a Guerra dos Nove
Anos (1688-1697), que se estendeu às colônias americanas. Uma das conseqüências
advindas das decisões da Liga deAugsburgo foi a assinatura do Tratado Provisional (1700),
entre Portugal e França, que estipulou a neutralização da posse da Capitania do Cabo do
Norte, determinando que Portugal demolisse os fortes da área.
O Tratado de Utrecht (1713) anulou o Tratado Provisional de 1700 e estabele-
ceu, em seu Artigo 8º, a renúncia da França às pretensões de posse das terras entre a foz
do rio Amazonas e o rio Oiapoque.
Seguiu-se um período de relativa tranquilidade na região até as perturbações
políticas, na Europa, consequentes das Guerras Revolucionárias Francesas. Em 1802, o
Tratado de Amiens firmou a paz entre a Segunda Coligação e a França. Suas cláusulas
tratavam basicamente de questões coloniais, resolvidas entre a França e a Grã-Bretanha.
No que diz respeito à Guiana, o tratado estabeleceu o limite sul da possessão francesa no
rio Araguari, à revelia de Portugal, que naturalmente não aderiu à resolução em questão.

A Ocupação do Vale Amazônico


A constituição da Capitania do Cabo do Norte (1637) foi fundamental para a
conquista do Amapá e a decorrente posse do estuário amazônico, imprescindível para o
controle e ocupação do interior. No mesmo ano, haviam chegado ao Forte Gurupá, pro-
venientes de Quito, oito remanescentes de uma expedição espanhola, sendo dois religio-

80
sos e seis soldados, os quais foram conduzidos à presença de Jácome Raimundo de
Noronha, Governador do Estado do Maranhão. De posse das informações prestadas
pelos espanhóis, o Governador decidiu organizar uma expedição portuguesa com o objetivo
de fazer o trajeto no sentido inverso. Aexploração do interior amazônico atendia também
aos interesses espanhóis, conforme a própria orientação do Rei Filipe IV, já citada ante-
riormente. Sem demora, Jácome de Noronha incumbiu o Capitão Pedro Teixeira de tal
missão. Teve início, então, o evento épico que abriria as portas para a conquista da Ama-
zônia brasileira. A iniciativa foi muito oportuna, tendo em vista que estava em curso o
movimento restaurador da independência de Portugal em relação à Coroa espanhola.
As instruções dadas pelo Governador prescreviam o reconhecimento minucioso
do rio Amazonas, a seleção dos melhores locais a serem fortificados, o estabelecimento
de relações amistosas com as populações indígenas e a fundação de uma localidade aquém
da região ocupada pelos índios omaguás. Esta determinação estava contida em carta de
prego, a ser aberta apenas no retorno. O objetivo de tal fundação era estabelecer os
limites entre as soberanias portuguesa e espanhola na região.
Investido da patente de Capitão-Mor e General de Estado, Pedro Teixeira con-
tou com a seguinte estrutura de comando: subcomandante, o Coronel Bento de Oliveira;
mestre-de-campo, o CapitãoAntônioAzambuja; sargento-mor, Filipe Cotrim; almoxarife,
Manoel de Matos Oliveira; escrivão, João Gomes de Andrade; piloto-mor, Bento da
Costa; os Capitães Pedro da Costa Favela, Pedro Baião de Abreu e Domingos Pires da
Costa; os Alferes Fernão Mendes Gago, Bartolomeu Dias Matos e Antônio Gomes de
Oliveira. O frei franciscano Agostinho das Chagas foi o capelão da expedição. Foram
integrados ainda quatro soldados e um dos religiosos, Frei Domingos de Brieva, todos
sobreviventes da expedição espanhola citada anteriormente. Esses espanhóis deveriam
contribuir com a orientação durante a viagem.
A expedição partiu de Cametá (foz do Tocantins), em 5 de setembro de 1637,
inicialmente com 70 soldados e numerosos índios. Quando chegou a Gurupá, rumo ao
interior, o efetivo já somava 900 índios, número que subiu para cerca de 1.200. Os nati-
vos eram organizados na composição da força de choque da expedição (flecheiros) e dos
grupos de remadores das dezenas de grandes canoas, que transportavam os efetivos e
meios necessários à viagem.Aquantidade de pessoas em deslocamento ultrapassou 2.000,
contando mulheres e crianças, uma verdadeira comunidade em movimento.
Em 13 de dezembro, Pedro Teixeira atingiu a foz do rio Negro, gastando dois
dias no reconhecimento da região, quando foram levantados vários locais propícios ao
estabelecimento de posições fortificadas. A essa altura, embora os objetivos da expedi-
ção estivessem sendo atingidos, as dificuldades inerentes às circunstâncias da viagem co-
meçaram a despontar: as doenças, o abatimento da tropa, devido ao cansaço, a carência
de meios em geral, e a deserção dos índios remeiros e flecheiros. Após a ultrapassagem
da foz do rio Juruá, verificou-se o agravamento da tendência à fuga dos índios remeiros.

81
Diante dessa adversidade, Pedro Teixeira determinou ao Coronel Bento de Oliveira, em
fevereiro de 1638, que seguisse à frente da expedição no comando de uma fração com-
posta de 20 soldados e 150 índios, com o objetivo de conferir maior velocidade ao
deslocamento, e atuando como grupo de reconhecimento. Em 3 de julho, o grosso da
expedição atingiu umponto situado 60 quilômetros a jusante da confluência do rioAguarico
com o rio Napo, em território hoje peruano. Nesse local estacionaram 40 soldados e
cerca de 300 índios, sob o comando dos Capitães Pedro da Costa Favela e Pedro Baião
de Abreu.
Com a finalidade de ganhar mais rapidez, Pedro Teixeira continuou subindo o
rio Napo, acompanhado de 15 soldados, seguindo as indicações do destacamento pre-
cursor. Mais a montante, penetrou pelo rio Payamino, onde encontrou as canoas do Co-
ronel Bento de Oliveira, em agosto de 1638, quando foi concluída a parte fluvial da gran-
de viagem, rio acima. No prosseguimento, após mais de cinquenta dias de árdua marcha,
a comitiva foi recebida em Quito com festas e homenagens, e conduzida à presença das
autoridades espanholas.
Diante do exame das instruções dadas ao Capitão-Mor e constatada a existên-
cia da carta de prego, as autoridades de Quito submeteram a questão à apreciação do
Vice-Rei do Peru. A autoridade maior decidiu, então, que a expedição deveria retornar à
sua origem, devidamente acompanhada de dois representantes dos espanhóis, que pu-
dessem dar contas à Coroa espanhola das descobertas havidas na viagem de retorno, que
se iniciou em fevereiro de 1839. Foram escolhidos os padres jesuítas Christóbal deAcuña
e Andrés de Artieda.

EXPEDIÇÃO DE PEDRO TEIXEIRA


IC O
IC O

NT
F
PACÍ

ATLÂ

Rio N
egro
Quito

zonas
Rio Ama
Gurupá Belém
Franciscana
Cametá

82
No dia 16 de agosto de 1639, dando cumprimento às instruções do Governa-
dor Jácome de Noronha contidas na carta de prego, Pedro Teixeira fundou Franciscana,
na confluência do rio Aguarico com o rio Napo e assentou um marco-padrão de limite
entre as soberanias de Portugal e Espanha na região. Em ato solene, o Capitão-Mor
tomou posse das terras situadas a leste do referido marco, em prol da Coroa de Portugal,
e em nome do rei Felipe IV, da Espanha, fazendo registrar o acontecimento em ata, a qual
foi assinada pelas autoridades presentes na expedição. Em 12 de dezembro, a frota che-
gou a Belém, onde desembarcou parte dos expedicionários. O destino final dos remanes-
centes da frota foi São Luís do Maranhão, onde foram recebidos pelo Governador Bento
Maciel Parente.
O Padre Acuña, seguindo as orientações do Vice-Rei do Peru, elaborou um
minusioso relatório da viagem, na forma de um livro (Descubrimiento del Amazonas), o
qual constitui-se em um valioso documento histórico sobre o evento. Nele, o religioso
procurou alertar as autoridades espanholas quanto à necessidade de garantir a posse da
Amazônia. O Conselho das Índias, órgão de assessoria ao rei sobre a administração
colonial, em documento datado de 28 de janeiro de 1640, recomendou ao rei Felipe IV a
anexação à Espanha do Estado do Maranhão, em consequência da ameaça à soberania
espanhola que constituiu a expedição portuguesa.
Os conhecimentos levantados pela expedição, constantes nos relatórios de Pedro
Teixeira e de seu piloto-mor, Bento da Costa, e no livro do padre Acuña, fizeram aumen-
tar os interesses de outros reinos pela região. Podemos citar, por exemplo, as tentativas
da França para dominar o Estuário do Amazonas, e a consequente disputa com os portu-
gueses, conforme já relatado no presente capítulo.
O saldo da expedição foi bastante profícuo. Os conhecimentos geográficos e
etnográficos obtidos ao longo da viagem foram fundamentais para o planejamento e a
execução das ações que determinaram, à época, a posse da região. O ato da fundação de
Franciscana fora emblemático - o limite ocidental daAmazônia portuguesa acabou sendo
o rio Javari. Todavia, a realização de Pedro Teixeira foi precursora de outras empresas,
que culminaram por consolidar a posse da vastidão amazônica, que hoje faz parte do
Brasil.
A partir de então, verificou-se o prosseguimento de ações direcionadas para a
ocupação do Vale Amazônico, nas quais são inquestionáveis as manifestações dos inte-
resses do Estado português. O período da intensificação de tais ações corresponde justa-
mente ao intervalo entre 1640 (separação das Coroas ibéricas e expedição de Pedro
Teixeira) e 1755 (vigência do Tratado de Madri e fundação da Capitania de São José do
Rio Negro). O interesse econômico pelo potencial de riquezas naturais da região conti-
nuou sendo a grande motivação para as disputas entre as potências europeias à época,
incluindo Portugal, naturalmente.

83
A ocupação militar, vista como ação garantidora da soberania do Estado, foi o
que bem representou a política de expansão territorial portuguesa. Deve-se levar em con-
ta, ainda, que, desde os primórdios da colonização, as instalações militares voltadas para
a defesa aglutinavam em torno de si crescente população de colonos, resultando, na mai-
oria dos casos, na fundação de localidades.
Outro fator, o religioso, em muito contribuiu para a consecução dos objetivos
do Estado português, em particular na Amazônia. Na catequese dos gentios, os padres
jesuítas, carmelitas, franciscanos e mercedários promoveram a organização das missões
onde e, a par da conversão religiosa dos nativos, procediam à aculturação deles. Nesse
processo, tinham a possibilidade de agir como mediadores entre índios e colonizadores,
facilitando as ações de interesse destes. As missões religiosas, cuja quantidade chegou a
cerca de uma centena, da mesma forma que as instalações militares, propiciaram o
surgimento de localidades e, indiretamente, a miscigenação. Entretanto, as missões não
sobreviveriam sem o suporte econômico representado pela exploração do extrativismo
vegetal (drogas do sertão). Nisso também se destacaram os religiosos, lançando mão do
trabalho dos índios reunidos nos aldeamentos missioneiros.
A ocupação advinda da exploração das riquezas naturais, pela iniciativa priva-
da, trouxe implicações graves referentes à utilização da mão de obra indígena. Diante da
necessidade de prover trabalhadores para as áreas de cultivo e para outras tarefas em
geral, lançou-se mão de prática antiga - a caça ao índio para a escravização. Para tanto,
utilizou-se das chamadas tropas de resgate, que combatiam tribos hostis à colonização,
que, por sua vez, promoviam ataques aos povoados e às tribos aliadas aos portugueses,
justificando assim o apresamento ("guerra justa"). Essas ações atendiam aos interesses da
administração colonizadora e por isso recebiam seu apoio. Tais práticas provocaram san-
grentos combates e foram responsáveis pela significativa diminuição da população indíge-
na, principalmente das tribos mais aguerridas.
Em 1663, uma tropa de resgate enviada por ordem do governador do Pará foi
dizimada pelos índios caboquenas, na foz do rio Urubu. Os poucos sobreviventes foram
acolhidos na missão religiosa de Saracá, próxima ao local, de onde oAlferes João Rodrigues
Palheta empreendeu uma represália aos caboquenas. Para submetê-los de vez, o gover-
nador enviou nova expedição, comandada pelo experiente Capitão Pedro da Costa Fa-
vela. Em novembro de 1663, a tropa, embarcada em 34 canoas, chegou à foz do rio
Urubu, quando foi buscado o contato e efetuada a dispersão dos índios.
Posteriormente, por ordem do Governador Antônio de Albuquerque Coelho de
Carvalho, Pedro da Costa Favela voltou à mesma região, fundando um núcleo que foi a
origem do município de NovoAirão. Após a fundação, Favela deslocou-se para a embo-
cadura do rio Negro, onde foi estabelecido o contato amistoso com os índios tarumãs. De
posse das informações obtidas por Pedro Favela, quando r etornou ao Pará, resolveu

84
o governador fortificar a barra do rio Negro, o que significou a materialização do domínio
português na região e a constituição de uma base de apoio para ações desbravadoras
futuras. A missão coube a Francisco da Mota Falcão que, em 1670, veio a construir o
fortim de São José do Rio Negro. Havia sido dado o primeiro passo para as conquistas
dos vales dos rios Negro e Branco. Em torno da nova instalação reuniram-se famílias dos
índios barés, baníuas e passés, constituindo um povoado que foi a origem da atual cidade
de Manaus.
A exploração dos vales do rio Negro e de seus afluentes, principalmente o rio
Branco, na busca das especiarias e na captura do índio, fez intensificar o choque entre os
colonizadores e os índios manaus, valorosos guerreiros que dominavam a região. Suas
aldeias haviam sido unidas pelo esforço de catequese desenvolvido pelos padres carmelitas,
a partir de 1695, o que os tornou poderosos. A altivez dos manaus levou suas tribos a
resistirem à colonização. Entre 1723 e 1727, aproximadamente, reunindo tribos aliadas e
subjugadas, os manaus, sob a liderança do Cacique Ajuricaba, promoveram uma revolta
contra a ação colonizadora portuguesa, atacando povoados de colonos, missões religi-
osas e tribos aliadas ao branco, e impondo derrotas às tropas de resgate. Tendo revelado
marcantes virtudes como guerreiro, Ajuricaba sintetizou o espírito de resistência nativa à
ação estrangeira.
A ocupação das margens do Solimões encontrou obstáculos na presença das
missões espanholas vindas de Quito. Apartir de 1689, sob a orientação do jesuíta Samuel
Fritz, de origem germânica e a serviço dos espanhóis, foram instaladas várias missões que
foram as origens das localidades de Fonte Boa, Coari, Tefé e São Paulo de Olivença.
Tendo sido expulso, o Padre Fritz retornou em 1704, quando foi novamente forçado a
retirar-se, sendo suas missões ocupadas por religiosos carmelitas portugueses. Em repre-
sália, os espanhóis enviaram de Quito uma expedição que destruiu as aldeias carmelitas,
aprisionando a pequena guarnição existente. O contra-ataque luso ocorreu no mesmo
ano, sendo recuperadas as posições. A partir de 1710, os portugueses fixaram como
limite oeste para as suas ações militares e religiosas o rio Javari, confinando com os domí-
nios espanhóis, em caráter definitivo, na região.
Paralelamente às lutas empenhadas na conquista da Amazônia, os portugueses
envidaram esforços no sentido de utilizar a imigração para aumentar a presença na área.
Para tanto, ainda em 1672, chegou a Belém o primeiro contingente significativo de imi-
grantes (234 pessoas), vindos dos Açores. Em 1752 vieram mais 430 açorianos, e em
1770 cerca de mil pessoas oriundas de Mazagão (colônia portuguesa do Norte da África,
à época, hoje território marroquino). Houve também o concurso de população negra
(estima-se que tenha chegado a 30.000 o número de indivíduos no final do século XVIII),
trazidos como escravos para substituir a mão de obra do índio, cujo apresamento havia
sido proibido em 1755.

85
DIVISÃO ADMINISTRATIVA - 1709

Grão-Pará
Maranhão

Pernambuco

Bahia

O
NTIC
São Paulo

ATLÂ
Rio de Janeiro

São Pedro

De 1750 a 1777, Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal,


exerceu o cargo de Secretário de Estado do Rei D. José I. No que pese as considerações
controversas que possam ser ligadas à sua gestão, ela foi bastante profícua no que tange
à formação territorial do Brasil colonial. Em 1750, as Coroas ibéricas assinaram o Trata-
do de Madri. Esse dispositivo jurídico instruiu-se pelos princípios do uti possidetis e das
fronteiras naturais. Por ele, no que se referiu às colônias da América, Portugal teve reco-
nhecida a posse do extenso território colonial que havia ocupado a oeste de Tordesilhas,
muito próximo da conformação geográfica atual do Brasil.
Embora fosse opositor ao Tratado, Pombal tomou várias medidas que foram
positivas para a organização territorial do Brasil colonial. Durante sua administração fo-
ram construídos os seguintes fortes, que delinearam as fronteiras: São Gabriel e São José
de Marabitanas (1763), Macapá (1764), Tabatinga (1766), Príncipe da Beira (1776) e
São Joaquim, na Amazônia; Iguatemi (1765) e Coimbra (1775), no Centro-Oeste; e
Jesus, Maria e José (Rio Pardo, 1752), no Sul. Com o objetivo de incrementar a presen-
ça do Estado nas áreas ocupadas, foram criadas as capitanias do Mato Grosso (1748) e
a de São José do Rio Negro (1755).

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TRATADO DE MADRI - 1750
OS FORTES BALIZARAM A NOVA FRONTEIRA

São José das São


Joaquim
Marabitanas Macapá
São Gabriel
Barra Belém
São Luís

Tordesilhas
Tabatinga Fortaleza

Recife
Príncipe
da Beira

Vila Bela
Salvador

Vila Boa

Coimbra
Vila Rica
Iguatemi

O
São Paulo Rio de Janeiro

NTIC
ATLÂ
Desterro
Rio Pardo Laguna

Porto dos Casais

Quanto à organização administrativa do território ainda, duas providências to-


madas pelo Marquês foram importantíssimas para a formação da unidade da Colônia: a
centralização do controle de todo o território colonial pelo Governo-Geral, com a extinção
do Estado do Grão-Pará e Estado do Maranhão (1774), que haviam sido separados em
1772, permanecendo autônomos em relação ao Governo-Geral do Estado do Brasil; e a
reversão à administração da Coroa das últimas capitanias que ainda estavam nas mãos de
particulares. Em 1767, Pombal transferiu a sede do Governo-Geral de Salvador para o
Rio de Janeiro. Tal mudança ocorreu pela necessidade de maior controle da produção
aurífera de Minas Gerais e para permitir uma maior atenção à Região do Prata, devido
aos conflitos com os espanhóis.
Outra ação relevante empreendida foi a execução de campanhas demarcatórias,
como as realizadas por Ricardo Franco e Lobo d'Almada. Torna-se necessário ainda
ressaltar que o Marquês de Pombal teve a preocupação de prover a Colônia de bons
administradores, fiéis à Coroa portuguesa, sem os quais não poderia ver atingidos seus
objetivos. Destacaram-se dessa forma Francisco Xavier de Mendonça Furtado (Amazô-
nia), Gomes Freire de Andrade (no governo do Rio de Janeiro desde 1733, confirmado
por Pombal), Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão (São Paulo), e Luís de
Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres (Mato Grosso).
87
Em 1770, junto às famílias que chegaram a Belém, procedentes de Mazagão,
encontrava-se o engenheiro militar Manuel da Gama Lobo d'Almada, experiente nos ser-
viços prestados a Portugal na defesa de suas colônias. Sua primeira comissão no Brasil foi
o comando do Forte Macapá e administração da região, contribuindo para a segurança e
o desenvolvimento da área até 1784. Nesse mesmo ano, assumiu o comando militar do
Alto Rio Negro, quando ainda estavam em curso as demarcações territoriais decorrentes
da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, de 1777.Asua principal tarefa foi justamen-
te fazer o reconhecimento geográfico da região. Como ações subsidiárias, ele deveria
realizar contatos com os povos nativos, fundar povoados, organizar a defesa territorial e
desenvolver a cultura do anil. O trabalho executado por Lobo d'Almada no Rio Negro,
concluído em 1786, resultou em detalhados levantamentos cartográficos da área.
Ainda em 1786, foi distinguido com o cargo de Governador da Capitania de
São José do Rio Negro. Entretanto, a assunção do novo cargo foi adiada, por interferên-
cia do chefe da Comissão de Limites, General João Pereira Caldas, que delegou a Lobo
d'Almada nova e importante tarefa, julgada mais urgente: o levantamento do vale do rio
Branco. Tendo concluído com o mesmo êxito a missão recebida, assumiu finalmente o
governo em 9 de fevereiro de 1787. Em 1788, assumiu a chefia da Comissão de Limites,
em substituição ao General Pereira Caldas, concluindo as demarcações em 1791. Em
1792, transferiu a sede da Capitania de Barcelos para o Lugar da Barra (atual Manaus).
Na sua administração, demonstrou zelo pela defesa do território, reforçando as praças
distantes face às infiltrações espanholas. Lobo d'Almada veio a falecer em1799, deixando
como herança o exemplo de competência e abnegação nos trabalhos desenvolvidos em
proveito da conquista daAmazônia brasileira.

A Ocupação do Centro-Oeste
A ocupação do Centro-Oeste ocorreu na primeira metade do século XVIII.
Nessa região, as ações do Estado português obedeceram a ditames um pouco diferentes
dos que ocorreram no Norte e no Sul. Em ambos os extremos, a ambição pela posse da
foz de uma grande bacia, a Amazônica e a do Prata, ensejou disputas duradouras contra
franceses, holandeses e ingleses, no Norte, e contra os espanhóis, no Sul. Em ambos os
casos, houve a participação mais intensa do Estado português, devido à importância es-
tratégica das regiões.
No Centro-Oeste, a ocupação teve início com as expedições bandeirantes, cuja
incidência foi intensificada após os conflitos que caracterizaram a Guerra dos Emboabas.
Inferiorizados nesse conflito, os paulistas passaram a dirigir as suas ações exploradoras,
em busca de ouro, para as regiões onde seriam formadas as Capitanias de Goiás e de
Mato Grosso. Um atrativo antigo motivava os paulistas para as suas incursões no Centro-
Oeste: as riquezas minerais peruanas. Em suas expedições à região, as bandeiras depara-
ram-se com as reduções religiosas espanholas do Itatim, passando a atacá-las a partir de

88
1622. Essas missões, em conjunto com as do Guaíra e do Tape, constituíam uma espécie
de cinturão para barrar a expansão lusa e, embora constituíssem um projeto religioso,
eram estimuladas pelo Estado espanhol. São comprovadas as relações entre os interesses
políticos e econômicos do estado e os objetivos de conversão dos nativos pelas ordens
religiosas, o que é válido para ambos os colonizadores ibéricos. Por outro lado, as incur-
sões das bandeiras em busca do ouro, ainda que por iniciativa privada, atendiam
indiretamente aos interesses expansionistas lusos. Nos confrontos, portanto, ocorreu o
choque das soberanias ibéricas na luta pelo espaço colonial.
Junto às missões do Itatim, estava a localidade de Santiago de Jerez, fundada
pelos espanhóis em 1580 (o local da fundação encontra-se emAquidauana - MS), a qual
constituía um centro administrativo da região, marcando a presença estatal. Localizada às
margens do rio Miranda, barrava o acesso ao rio Paraguai.
Em 1632, Santiago de Jerez foi destruída pelos bandeirantes, ocorrendo o mes-
mo com diversos aldeamentos missioneiros da região.Aconsolidação do domínio portu-
guês na área deu-se em 1636, após a derrota imposta pela bandeira de Francisco Pedroso
Xavier às tropas comandadas pelo Governador de Assunção, na Serra de Maracaju. Em
1647, outra bandeira atacou a redução de Nossa Senhora da Fé do Taré, obrigando seus
habitantes a refluírem para o sul do rio Apa. Nesse local, em 1648, os espanhóis sofreram
novos ataques, desta feita executados por uma coluna da bandeira de Raposo Tavares
que, tendo sofrido muitas baixas, seguiu após para a Foz Amazônica.
No final do século, os bandeirantes haviam firmado suas posições às margens
do rio Miranda, apossando-se da área estratégica outrora materializada por Santiago de
Jerez. Em 1718, finalmente, Pascoal Moreira Cabral descobriu ouro no rio Caxipó-Mi-
rim. Quatro anos depois, Miguel Sutil descobriu riquíssimas lavras de ouro de aluvião, de
fácil extração, na região onde foi fundada a Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá, a atual
capital do Estado do Mato Grosso. Essa descoberta constituiu-se em um marco para a
região: para lá rumaram multidões vindas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O
fluxo de migrantes foi realizado utilizando-se, principalmente, a rota fluvial constituída pe-
los rios Tietê (o ponto de partida era a localidade de Araritaguaba, hoje Porto Feliz - SP),
Paraná, e Pardo, da Bacia do Rio Paraná; e rios Taquari, Paraguai, e Cuiabá, da Bacia do
Rio Paraguai. Eram organizados comboios de canoas, em números que superavam várias
dezenas. Tais expedições ficaram conhecidas como monções, em alusão ao fenômeno
asiático (ventos periódicos, que influenciavam as navegações). No caso, o período de
ocorrência das monções cuiabanas correspondia às cheias dos rios, em função das chu-
vas. Elas deram grande contribuição para o povoamento das margens dos rios
percorridos.
Outro acontecimento relevante para a ocupação de terras, no Mato Gros-
so, foi a descoberta de ouro no rio Guaporé, a 600 quilômetros a oeste de Cuiabá, em
1734, por Fernão Pais de Barros. Em 1742, foi estabelecida a ligação fluvial com Belém,

89
através dos rios Guaporé, Madeira e Amazonas (rota já percorrida por Raposo Tavares,
em 1648), por Manuel Félix de Lima, e que por isso mesmo foi conduzido preso para
Lisboa. A Metrópole havia proibido tal percurso para evitar a evasão, por contrabando,
do ouro cuiabano.
Já a região de Goiás havia sido percorrida por diversas bandeiras: Fernão Dias
Paes Leme (1661); Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (o pai, 1670 e 1682); e
Luiz Castanho de Almeida (1671). Em 1726, Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera
(o filho), descobriu as primeiras jazidas na região. À semelhança do que ocorreu em Mato
Grosso, o achado atraiu grande número de aventureiros de São Paulo e Minas Gerais.
Esse intenso afluxo criou novas rotas e determinou o surgimento de localidades ao longo
delas, propiciando a ocupação do território. Mas também provocou a animosidade de
algumas tribos indígenas com relação aos aventureiros, como os caiapós e tapirapés, que
ameaçavam as caravanas, implicando na necessidade de organização de expedições para
debelar as hostilidades.
A carta régia de 9 de maio de 1748 criou as Capitanias de Mato Grosso e de
Goiás, desmembradas da Capitania de São Paulo.
Em 1751, foi empossado o primeiro governador de Mato Grosso, o Capitão de
Infantaria Antônio Rolim de Moura, que permaneceu no cargo até 1765. Diante da im-
portância econômica da Capitania, em virtude do ouro descoberto, e para corroborar
com o Tratado de Madri, foi fundada a localidade de Vila Bela da Santíssima Trindade,
em 1752, às margens do rio Guaporé, feita de imediato a sede da capitania recém-criada.
A partir de então, foi autorizada a ligação fluvial com Belém, rota fundamental para o
Mato Grosso, devido às grandes distâncias aos principais centros da Colônia.
O Tratado de Madri (1750) estabelecia o rio Guaporé como limite na região,
ficando de posse de Portugal as missões espanholas de Santa Rosa e Moxos. Com a
assinatura do Tratado de El Pardo (1761), que anulava o de 1750, os espanhóis atacaram
as áreas ocupadas pelos luso-brasileiros, visando reincorporar as áreas perdidas. As
atuações dos governadores Rolim de Moura, em 1763, e João da Câmara, em 1766,
propiciaram a recuperação das regiões.
Em 1767, o Governador de São Paulo LuizAntônio de Souza Botelho e Mourão
determinou a construção do Forte Iguatemi (presídio de Nossa Senhora dos Prazeres),
com os objetivos de marcar a presença portuguesa mais ao sul e preservar a posse dos
rios que serviam às monções. A missão foi atribuída ao governo de São Paulo tendo em
vista a proximidade do local à capitania paulista, assim como à imprecisão dos limites
entre as capitanias.
Em 1772, Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres assumiu os cargos
de Capitão-General e Governador do Mato Grosso. Sua missão era organizar a vida
administrativa da Capitania e ocupar territórios para confirmar a soberania portuguesa na
região. Tendo governado por 17 anos, ele realizou obra meritória, em cujas empreitadas

90
revelou virtudes como grande capacidade administrativa, abnegação, perseverança e res-
ponsabilidade no cumprimento do dever. Tal desempenho foi fundamental para a conse-
cução dos objetivos políticos de Portugal no Centro-Oeste, conforme lhe havia confiado
o Marquês de Pombal.
No primeiro ano de seu governo, Mello e Cáceres implementou importantes
providências administrativas: criou o Tribunal de Justiça; realizou o censo da população
de toda a Capitania; combateu a escravidão, em particular a do índio; efetuou estudos
para estabelecer uma ligação fluvial direta com São Paulo; e realizou melhorias no cami-
nho utilizado na sua primeira viagem para o Mato Grosso, tomando ainda medidas de
segurança para a sua utilização por comerciantes.
Nos quatro anos seguintes de seu governo, Mello e Cáceres tratou de organizar
a defesa da capitania. Para tanto, inicialmente, efetuou o reconhecimento da vasta exten-
são de terra sob sua responsabilidade. Isso possibilitou o levantamento dos locais a serem
fortificados, o que seria o próximo passo no sentido de prover a segurança. As constru-
ções do Forte Príncipe da Beira e do Forte Coimbra remontam a essa época. Para essas
tarefas, contou com os prestimosos serviços do engenheiro militar Ten Cel Ricardo
Franco.

TERRITÓRIOS INCORPORADOS AO BRASIL NO


GOVERNO DE MELLO E CÁCERES (EM VERDE)
a
em
M

rur
am

Forte da Conceição
Ju
or
é

Forte Príncipe da Beira


S.Antônio dos Guarujus
Gua Vizeu
poré

Vila Bela
Cuiabá
Almeida Poconé
Vila Maria
São Pedro d’El Rei
BOLÍVIA
Sapateiro

Albuquerque Ladário

Forte Coimbra
Mo
nde
Paraguai

ngo

PARAGUAI

91
Forte Coimbra

Forte Príncipe da Beira

92
O Tenente-Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra foi um militar português
que dedicou boa parte de sua vida profissional em proveito da formação territorial do
Brasil colonial, no século XVIII. Tendo sido formado em engenharia e infantaria, chegou
à Colônia em 1780, com a missão de chefiar a comissão de limites encarregada de fisca-
lizar o cumprimento das determinações do Tratado de Santo Ildefonso. Misto de enge-
nheiro e soldado, ele tornou-se um dos expoentes da exploração e da defesa de imensas
áreas do Norte e do Centro-Oeste da Colônia. Executou o levantamento cartográfico do
Grão-Pará, Piauí, de São José do Rio Negro e do Mato Grosso. Explorou diversos rios
da Bacia do Prata, na região do Mato Grosso; e da Bacia Amazônica, entre eles os rios
Tacutu e Maú, nas fronteiras com a Colômbia, Venezuela e Guiana, além dos rios Negro
e Branco. Tanto trabalho e dedicação deixaram como herança uma vasta documentação,
na forma de cartas, plantas e relatórios, fundamentais para a condução da política de
ocupação do Norte e do Centro-Oeste. Supervisionou a construção de diversas obras de
vulto, destacando-se a conclusão do Forte Príncipe da Beira , em 1783, a construção do
quartel dos Dragões de Vila Bela e a reconstrução do novo Forte Coimbra, do qual
assumiu o comando em 1797, permanecendo até janeiro de 1809, quando faleceu, aos
61 anos.
Nos anos de 1776 e 1777, agravou-se o estado de beligerância entre os luso-
brasileiros e espanhóis, na região do Prata. Diante da possibilidade de os conflitos do Sul
propagarem-se para o Mato Grosso, Mello e Cáceres resolveu antecipar-se e mobilizar
as defesas da Capitania. Para isso, reorganizou a força terrestre, criou corpos de voluntá-
rios, promoveu o reabastecimento de munição e o rearmamento da tropa, e guarneceu os
fortes.
Em outubro de 1777, o Presídio de Nossa Senhora dos Prazeres foi tomado
pelo Capitão-General do Paraguai, Agostín Piñedo, tendo sido posteriormente arrasado
pelo inimigo. O Presídio estava, desde a sua criação, sob o controle da capitania de São
Paulo.
As providências para a segurança da capitania efetuadas por Mello e Cáceres
atingiram plenamente os seus objetivos. Todavia, outra preocupação incomodava o Go-
vernador: a possibilidade da reversão da posse de terras ao domínio espanhol, conquista-
das com sacrifícios, por força das prescrições do Tratado de Santo Ildefonso (1777).
Para minimizar essa possibilidade, ele tratou de organizar minuciosos documentos
comprobatórios, a serem apresentados à Comissão Demarcadora, instruindo sobre os
direitos de Portugal. A Comissão chegou à região somente em 1787, ficando muito bem
impressionada com a excelência dos documentos produzidos pela administração da Ca-
pitania.
Em 1801, sob a influência das intervenções de Napoleão, Portugal e Espanha
entraram em conflito novamente, rompendo um período de paz que vinha desde 1777. Tal
situação serviu de pretexto para que as respectivas colônias, naAmérica, empreendessem

93
disputas pela posse de regiões consideradas injustamente perdidas anteriormente. Nesse
contexto, o Governador do Paraguai Lázaro de Ribera resolve invadir o sul do Mato
Grosso, tendo como primeiro objetivo o Forte Coimbra, comandado, então, por Ricardo
Franco. Em 16 de setembro de 1801, foi executado o ataque pelos paraguaios. Mesmo
estando em perigosa desvantagem, os luso-brasileiros mantiveram, obstinadamente, a
posição, frustrando por várias vezes a tentativa de desembarque do inimigo. O Coman-
dante Ricardo Franco havia repelido, com altivez, uma intimação de rendição, feita por
Ribera, no segundo dia de ataque. Os paraguaios acabaram por desistir do seu intento, no
dia 24, devido às perdas sofridas e à falta de munição.
Apesar de inacabado, o novo Forte Coimbra havia cumprido o seu papel. A
represália luso-brasileira foi realizada em 1º de janeiro de 1802, quando o Primeiro-
Tenente de Dragões Francisco Rodrigues do Prado atacou e arrasou um fortim paraguaio
ao sul do rio Apa. O grande feito da guarnição do Forte Coimbra preservou, para Portu-
gal, as terras do Sul do Mato Grosso, herança dos brasileiros. Em 1864, o Forte Coimbra
foi tomado pelos paraguaios de Solano Lopez, e só ao término da Guerra da Tríplice
Aliança as questões de limites foram definitivamente resolvidas.

A Definição das Fronteiras Sul


Afixação das fronteiras meridionais brasileiras, em particular as do Rio Grande
do Sul, ocorreu por meio de uma sucessão de lutas travadas no decorrer do século XVIII
e início do seguinte. Em jogo estava o controle da foz do rio da Prata e os ganhos, de
naturezas política e econômica, relativos ao interior da bacia, decorrentes de tal controle.
Em confronto, encontravam-se as soberanias ibéricas, exclusivamente.
A Região do Prata havia sido descoberta pelos portugueses, porém fora ocupa-
da pelos espanhóis, exatamente o oposto do ocorrido na Amazônia. Ambas as bacias
correspondentes, as principais da América do Sul, revestiam-se de suma importância
geopolítica, à época, por facilitarem o acesso às riquezas do interior, assim como a ocu-
pação territorial.
As primeiras expedições realizadas à Região do Prata, no início do século XVI,
a mando de Portugal ou da Espanha, denotavam o interesse desses reinos pela área e era
o prenúncio das disputas que se seguiram. Coube à Espanha, entretanto, a realização de
ações objetivas para o início da ocupação e posse do território. Os espanhóis reconhece-
ram como descoberta oficial da foz do Prata a incursão feita pela expedição de João Dias
de Solis (1516), que foi morto pelos índios guaranis, ao desembarcar em um ponto da
margem esquerda. Uma de suas naus, no retorno à Espanha, naufragou próximo à ilha de
Santa Catarina. Coube a Aleixo Garcia, marinheiro português a serviço da Espanha, so-
brevivente a esse naufrágio, a descoberta do rio Paraguai, durante sua expedição ao Peru,
em 1516. Essas expedições forneceram subsídios que orientaram a ocupação da área
pelos dos espanhóis.

94
Quanto a Portugal, apesar do pioneirismo, não foram efetivadas ações que pu-
dessem marcar a sua presença na região, com a fundação de feitorias ou fortes, pelo
menos no século XVI. O próprio fato de a divisão administrativa em capitanias hereditá-
rias ter sido limitada ao sul pelo paralelo 28º, à altura da ilha de Santa Catarina, é interpre-
tado como a aceitação da soberania espanhola sobre o Prata, em consonância com a
restrição de Tordesilhas. Tal postura, todavia, não foi permanente. Vários fatores concor-
reram para a determinação portuguesa em promover a expansão de sua Colônia para
o sul.
O primeiro fator foi a pretensão de estabelecer o limite meridional justamente no
rio da Prata, com base nos feitos das primeiras expedições portuguesas à região e no
princípio das fronteiras naturais. No início do século XVII, o litoral compreendido entre
Cananéia (SP) e a margem esquerda do Prata, inclusive, não estava efetivamente ocupa-
do por portugueses ou espanhóis. As fundações das localidades de São Francisco do Sul
- SC (1641), Paranaguá - PR (1648) e Laguna - SC (1676) trataram de marcar a presen-
ça lusa mais ao sul, dentro ainda dos limites de Tordesilhas.
Outro fator que abriu caminho para o sul foi o conjunto de ações dos bandeiran-
tes paulistas nos ataques e destruições das missões jesuítas do Guaíra (Paraná) e do Tape
(Rio Grande do Sul). Tais ataques já caracterizavam o confronto com a soberania espa-
nhola. No que pese o aspecto privado das bandeiras, há registros da reivindicação das
terras ocupadas pelos aldeamentos missioneiros por parte dos bandeirantes, em nome do
rei de Portugal. O fato é que as destruições das missões concorreram para o interesse
expansionista para o sul, criando condições para a ocupação do interior, ao passo que
eliminava a presença dos espanhóis. Os ataques às reduções foram desencadeados a
partir de 1607, no Guaíra, e concluídos em 1638, quando Fernão Dias Paes Leme des-
truiu os últimos aldeamentos do Tape.
A ausência de colonização nos territórios correspondentes aos atuais Rio Gran-
de do Sul e Uruguai estimulou a ambição de Portugal sobre a região. Em 1647, Salvador
Correia de Sá e Benevides obteve da Coroa portuguesa a concessão de terras que iam
até o estuário do Prata. A bula papal Romani Pontificis, de 22 de novembro de 1676,
criou a Diocese do Rio de Janeiro, estabelecendo como seu limite sul o Prata.
A mesma época, Portugal planejou estabelecer-se na região com objetivos bem
definidos: ocupar a área livre a partir da margem esquerda do Prata para o norte, e con-
correr com o contrabando lucrativo que era feito em Buenos Aires, com as riquezas que
vinham do interior. Aprimeira tentativa de fixação na área deu-se em 1678, sob o coman-
do do Tenente-General Jorge Soares Macedo, então Governador do Rio de Janeiro.
Sem reunir meios suficientes, Jorge Soares teve seus navios avariados pelo mau tempo, na
costa do Rio Grande do Sul, o que obrigou o retorno da expedição.
Diante do desafio que representava o estabelecimento de uma base na re-
gião do Prata, Portugal tomou medidas para a materialização de tal intento. Para isso,

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nomeou novo Governador do Rio de Janeiro, D. Manuel Lobo, que veio da Metrópole
trazendo minuciosas instruções para o cumprimento da missão. Em março de 1679, D.
Manuel Lobo tomou posse e prontamente iniciou a organização da expedição. O primeiro
e maior obstáculo foi a dificuldade do recrutamento da tropa, devido à baixa motivação
da população do Rio de Janeiro. Diante da ponderação da Câmara local, que considera-
va um ônus muito pesado a mobilização feita somente na Sede, D. Manuel houve por bem
solicitar apoio de outras capitanias, em particular a de São Vicente. A expedição, trans-
portada em cinco embarcações, era composta de cerca de 400 pessoas, sendo o efetivo
militar correspondente à metade desse número, aproximadamente.
Em janeiro de 1680, D. Manuel Lobo desembarcou na margem setentrional do
Prata, quase em frente a BuenosAires, e deu início à construção da Colônia do Santíssimo
Sacramento.AColônia, como ficou conhecida, tornou-se o ponto emblemático em torno
do qual ocorreram as disputas pela hegemonia regional entre os reinos ibéricos. Esses
embates acabaram por promover a ocupação militar e consequente colonização dos ter-
ritórios correspondentes ao atual Estado do Rio Grande do Sul.
No mesmo ano da sua fundação, mais precisamente em agosto, a Colônia foi
tomada, pela primeira vez, pelos espanhóis. O governador de Buenos Aires, D. José de
Garro, à frente de cerca de 3.500 homens, assaltou a posição, após 23 dias de rigoroso
cerco. Antes, D. José havia tentado a rendição, sob o argumento de estarem os portugue-
ses em terras espanholas. Diante da negativa de D. Manuel Lobo, que se mostrou convic-
to no cumprimento da sua missão, o governador portenho passou à ação armada. No ano
seguinte, a Colônia foi devolvida a Portugal, pelo Tratado Provisional de Lisboa de 1681,
e reocupada em 1683.
Seguiram-se alguns anos, e a prosperidade da Colônia, através de intenso e
lucrativo comércio, chegou a concorrer com Buenos Aires. Essa situação causava apre-
ensão aos espanhóis, temerosos ainda de que a projeção da Colônia atraísse para a
região os inimigos da Espanha - ingleses, franceses e holandeses. Os governadores de
Buenos Aires não escondiam suas intenções em desalojar os portugueses da área. Em
1700, Maldonado chegou a solicitar ao rei espanhol autorização para arrasar a Colônia.
Os ânimos dos espanhóis foram acirrados com a assinatura do Tratado de Methuen, em
1703, entre Portugal e a Inglaterra, tradicional inimiga da Espanha.
Em 30 de abril de 1704, a Espanha declarou guerra a Portugal, ordenando novo
ataque à possessão portuguesa do Prata. Comandava a Colônia Sebastião da Veiga Cabral
que, diante dos rumores do provável ataque, havia intensificado os trabalhos de fortifica-
ção e reforçado a defesa. Em outubro, os espanhóis, sob o comando de Baltasar Garcia
Roz, desferiram ataques às posições portuguesas, sendo heroicamente repelidos. Em fe-
vereiro de 1705, os portugueses resistiram a dois fortes ataques, desencadeados sob o
comando do próprio governador de Buenos Aires, Valdez Inclan. No início de março,
verificou-se a chegada de uma esquadra portuguesa, que, às vistas dos moradores da
Colônia, já próximo à sua enseada, travou combate com as naus de Inclan, derrotan-

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do-as. Todavia, as ordens da esquadra recém-chegada não eram para reforçar a praça e
sim evacuar os seus habitantes. A operação deveria ter sido feita em sigilo, o que não
ocorreu em virtude da denúncia de um desertor. Em consequência, Inclan desfechou in-
tenso bombardeio sobre a cidadela, impondo o engajamento dos fogos dos defensores, e
retardando a retirada. O embarque foi concluído em 14 de março, chegando a frota ao
Rio de Janeiro em abril de 1705. Pela segunda vez a Colônia havia sido tomada pelos
espanhóis.
Em 1715, pelo Tratado de Utrecht, foram reconhecidos os direitos portugueses
sobre a Colônia. Coube a Manuel Gomes Barbosa a tarefa de organizar o seu
repovoamento, já em fins de 1716. O novo empreendimento foi muito bem sucedido, o
que fez ressurgir velhos ressentimentos entre os espanhóis de Buenos Aires.
Por outro lado, era preocupante aos portugueses o isolamento da Colônia, de-
pendente da ligação marítima, e cujo apoio terrestre mais próximo era Laguna, no Sul de
Santa Catarina. Para minimizar tal óbice, o Rei D. João V, de Portugal, determinou a
fundação do Presídio de Montevidéu, em 1723.Amissão foi atribuída a Manuel de Freitas
da Fonseca. A reação espanhola foi imediata. D. Bruno Zabala, então Governador de
BuenosAires, mobilizou tropas para expulsar os portugueses do local. Diante da ameaça,
Freitas da Fonseca retirou-se para o Rio de Janeiro, onde foi preso e submetido a Con-
selho. Com a retirada lusa, os espanhóis instalaram-se no mesmo lugar e fundaram a
localidade de Montevidéu, em 1726, hoje a capital uruguaia.
Quanto à Colônia, os anos seguintes continuaram marcados pelo progresso.
Lentamente, os portugueses foram alargando seus domínios. Os caminhos de Vacaria e
Passo Fundo foram estendidos até Sorocaba, aumentando a apreensão de gado selva-
gem e favorecendo o surgimento de estâncias.
Em 1734, recomeçaram as hostilidades espanholas aos habitantes da Colônia.
Havia assumido o governo de Buenos Aires D. Miguel de Salcedo, que trazia instruções
expressas para confinar os portugueses da Colônia dentro do limite acordado pelo Trata-
do de Utrecht de 1715. Segundo interpretação dos espanhóis, ele estabelecia o limite
pelo alcance de um tiro de canhão, disparado da fortaleza. Já do ponto de vista dos
portugueses, seus domínios incluíam todo o território da margem setentrional do Prata, até
o litoral. Tendo por base a sua interpretação, Salcedo intimou o Governador da Colônia,
Antônio Pedro de Vasconcelos, a cumprir a sua reivindicação, sob ameaça das armas.
Vasconcelos respondeu com altivez, demonstrando propósitos de defender a posição.
Em consequência, Salcedo iniciou as ações militares em outubro de 1735, deslocando
suas tropas para executar o cerco. No final de novembro, os sitiantes desencadearam
intenso bombardeio. Os portugueses resistiram ao cerco até 6 de janeiro de 1736, quan-
do uma esquadra, composta por 7 navios, trouxe os reforços esperados do Rio de Janei-
ro, sob o comando de José da Silva Pais, cuja intervenção determinou a retirada espa-
nhola. As hostilidades foram formalmente suspensas pelo Tratado de Paris, de 16 de
março de 1737, firmado entre os soberanos ibéricos.
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A necessidade de apoiar a Colônia era persistente. O fracasso na instalação do
Presídio de Montevidéu induziu Portugal ao planejamento da ocupação de outros pontos
entre Laguna e a Colônia, visando ao apoio a esta. O Conselho Ultramarino, em parecer
de 1728, salientava a importância da posse da foz do rio Grande de São Pedro, como era
conhecida a lagoa dos Patos, para o que deveria ser designado um militar de escol. A
missão recaiu sobre o Brigadeiro José da Silva Pais, insigne engenheiro e oficial do Exér-
cito Português.
Em 1735, o Brigadeiro Silva Pais assumiu interinamente o Governo do Rio de
Janeiro, ocasião em que tomou conhecimento do ataque de D. Miguel de Salcedo à
Colônia. Diante do dilema entre prover a segurança do Rio de Janeiro, face à possibilida-
de de uma investida espanhola sobre a Capital, e socorrer a Colônia, Silva Pais optou
pelo apoio urgente ao Sul. Os objetivos da expedição organizada eram, sobretudo, mais
abrangentes: incluíam ainda o ataque a Montevidéu e a fundação de uma colônia na barra
do rio Grande (saída para o mar da lagoa dos Patos).
Durante a execução, porém, verificou-se a ocorrência de alguns empecilhos,
que comprometeram o sucesso das ações. O mais grave foi a falta de unidade de coman-
do: a esquadra era comandada por Luís de Abreu Prego, cabendo a Silva Pais o coman-
do da tropa de desembarque. Havendo desavenças entre os chefes, a coordenação do
emprego dos meios foi prejudicada.As condições climáticas desfavoráveis e as dificulda-
des de navegação no estuário completaram o quadro negativo. Assim, a investida a Mon-
tevidéu nem chegou a ser tentada.
No prosseguimento, Silva Pais contribuiu para a suspensão do cerco à Colônia.
Diante desse êxito, ele chegou a aventar a possibilidade de arrasar Buenos Aires. Tendo
verificado a inviabilidade de tal projeto, procurou atuar contra os navios espanhóis, lan-
çando obstáculos nos canais de saída, de forma a dar liberdade de ação aos navios de
Abreu Prego. Tendo revelado perseverante espírito de luta, Silva Pais teve suas iniciativas
tolhidas, entretanto, pela falta de colaboração de seus auxiliares.
Consumada a inviabilidade da retomada de Montevidéu, Silva Pais reconheceu
o sítio de Maldonado, um ponto do litoral mais a leste de Montevidéu, objetivando a
instalação de uma guarnição militar. Todavia, o local mostrou-se carente de recursos na-
turais mínimos para o sustento da guarnição, e a possibilidade foi descartada.
Passou, então, José da Silva Pais à consecução do seu último objetivo: a funda-
ção de uma colônia no rio Grande de São Pedro. No dia 19 de fevereiro de 1737, a sua
expedição desembarcou na margem sul da foz do rio Grande. Deu-se aí o início da ação
colonizadora de Portugal, no território do futuro Rio Grande do Sul, da qual Silva Pais foi
o primeiro artífice. Sua primeira medida importante foi a construção da fortaleza no porto,
a pioneira do território: o Presídio de Jesus, Maria e José (anos depois seria construído
um forte homônimo, no Rio Pardo), onde hoje se encontra a cidade portuária de Rio
Grande - RS. Sem descuidar da segurança, Silva Pais tratou de executar medidas para

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prover o sustento da população, visando à permanência duradoura e à autossuficiência.
Para tanto, criou a Estância Real do Bojuru, em área adjacente à margem norte do canal,
destinada ao cultivo de alimentos e à criação do gado e da cavalhada. Iniciou também a
organização política e administrativa da região, ao estabelecer o vínculo do governo mili-
tar com os primeiros habitantes do Viamão (próximo à atual Porto Alegre) e estâncias
vizinhas.
As servidões relacionadas à instalação das guarnições, tais como a fadiga de-
corrente do árduo trabalho e a escassez de alimentos, levavam muitos soldados à deser-
ção, comprometendo o desempenho militar. Por isso, a consolidação dos domínios por-
tugueses, exigia uma complementação indispensável ao esforço militar - o povoamento.
Para a ocupação do Rio Grande, contou-se, primeiramente, com famílias vindas de São
Paulo, somadas às que haviam abandonado a Colônia do Sacramento. Já na década de
1740, a Metrópole programou a imigração que pretendia deslocar milhares de casais
açorianos para Santa Catarina e Rio Grande. A primeira ocupação deu-se ao Norte da
lagoa dos Patos, próximo à localidade já existente de Viamão.
O incremento das forças militares do Sul, somado à ocupação sistemática de
Rio Grande e de Viamão, deveria constituir uma contraposição aos contingentes
missioneiros dos Sete Povos das Missões, que apoiavam os castelhanos em seus ataques
às instalações portuguesas. Em jogo persistia o controle do estuário do Prata e, implicita-
mente, a posse do próprio território das Missões. O equilíbrio de forças criou uma situa-
ção de fato, chegando mesmo a neutralizar os efeitos diplomáticos dos tratados firmados
entre as metrópoles, pertinentes às disputas regionais, porém distantes delas. Os interes-
ses coloniais passavam a preponderar - prenúncio das emancipações que se esboçavam.
A urgente e necessária ocupação do Rio Grande e respectiva área de influência
exigiam que se fortificasse a ilha de Santa Catarina, com o objetivo de assegurar as liga-
ções com Santos e o Rio de Janeiro. Tendo dado bom andamento à implantação da
colônia do Rio Grande, o Brigadeiro Silva Pais foi convocado ao Rio de Janeiro, não sem
antes proceder ao reconhecimento da ilha de Santa Catarina, cuja importância estratégica
passava a ser considerada. A segurança do litoral catarinense era precária, apesar da
relevância de São Francisco do Sul e Laguna. Somente em 1737 chegou à região a pri-
meira tropa regular, oriunda de Santos, comandada por um capitão. No ano seguinte,
Santa Catarina tornou-se capitania subalterna, separada de São Paulo e ligada diretamente
ao Rio de Janeiro.
Em 1739, Silva Pais foi nomeado Governador de Santa Catarina, exercendo o
cargo em duas oportunidades: de 1739 a 1743, e de 1746 a 1749. As suas administra-
ções foram marcadas por realizações profícuas para o desenvolvimento da Capitania. No
campo militar, providenciou a construção de quatro importantes fortificações e criação de
um batalhão, que foi a origem do Regimento apelidado de Barriga-Verde (devido ao
peitilho verde do uniforme), adjetivo herdado pelo povo catarinense. Quanto à adminis-

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tração da Capitania, evidenciou a mesma capacidade da época da instalação do Rio
Grande, criando repartições civis e promovendo o desenvolvimento da produção dos
meios de subsistência. O fortalecimento dessa região representou uma maior segurança
estratégica, com vistas às operações necessárias à consolidação da ocupação do Sul.
O ano de 1750 foi um marco importantíssimo para os destinos do Brasil. O
principal evento, pelo seu significado, foi a assinatura do Tratado de Madri, em 13 de
janeiro, cujo conteúdo jurídico foi obra de genialidade de um brasileiro, Alexandre de
Gusmão. Ele havia exercido o cargo de secretário particular de D. João V, de 1730 até a
morte do Rei, em 31 de julho de 1750. Dotado de perspicácia e grande poder de articu-
lação, Gusmão esteve no foco da política que visou preparar entendimento das autorida-
des metropolitanas, para as negociações com a Espanha, com vistas à constituição das
bases físicas da Colônia. Tal política orientou-se, respectivamente, pela consolidação das
posses de áreas estratégicas, como o Rio Grande do Sul e Mato Grosso, e pelo desen-
volvimento de estudos cartográficos. É conveniente ressaltar que a assinatura do acordo
foi facilitada porque a rainha espanhola, Dona Maria Bárbara de Bragança, era filha de D.
João V.
As resoluções do Tratado mostraram-se bastante favoráveis a Portugal, pelo
menos naAmérica, haja vista o ganho de terras legitimado pelo uti possidetis. Entretanto,
cumpre salientar que o acordo foi global e, como tal, pretendeu solucionar, pelo mesmo
princípio, as ocupações de terras feitas pela Espanha na Ásia, que por direito eram de
Portugal.
A respeito disso, existe consenso entre estudiosos do assunto, revestidos de
neutralidade, de que o Tratado de Madri constituiu um bom acordo, pelas suas caracterís-
ticas de equilíbrio e comedimento, em que fica evidenciada a boa fé das partes contratan-
tes. Todavia, a sua breve existência formal foi desproporcional à sua relevante proposi-
ção, revogado que foi pelo Tratado de 1761. A essência dos seus princípios perdurou,
contudo, validando o acordo primário, ainda que tacitamente, apesar de outros tratados
de limites.
Os objetivos do Tratado de Madri impuseram a constituição de comissões mis-
tas, cujas atribuições eram efetuar o reconhecimento dos acidentes naturais e a fixação
das fronteiras, em conformidade com o disposto no documento. A tarefa das comissões
demarcadoras revelou-se de difícil execução, consumindo anos de trabalho, sem uma
conclusão satisfatória, em muitos dos casos.
Retornando às questões das disputas em torno do Prata, foram justamente os
trabalhos demarcatórios na região o fator de grande e crescente tensão política entre os
reinos litigantes, representados ali pelos seus colonos.Aresolução do Tratado estabelecia
a posse da Colônia do Sacramento pela Espanha, ficando com Portugal a região dos Sete
Povos das Missões. Essa troca, embora estabelecida pelo acordo, veio a constituir um
grave ponto de discordância entre as Coroas - em última análise, nem Espanha, nem Por-

100
tugal pareciam querer abrir mão do controle do estuário do Prata. Havia ainda a contra-
riedade dos interesses dos comerciantes e políticos portugueses, acostumados aos lucros
auferidos com o contrabando na região, assim como, do outro lado, a predisposição dos
jesuítas em manter os Sete Povos das Missões, frutos de árduos trabalhos de coloniza-
ção, por eles desenvolvidos, durante anos.
À época do Tratado, Gomes Freire de Andrade era o Governador e Capitão-
General do Rio de Janeiro, a quem cabia as responsabilidades pela administração do Sul.
Ele exerceu os cargos de 1733 a 1763, período em que acumulou os governos de Minas
Gerais (por três períodos, entre 1735 e 1763), de Mato Grosso (1748-1751) e de Goiás
(1748-1749). Tendo sido indicado pela Corte como seu representante na Comissão
Demarcadora do Sul, Gomes Freire subdividiu-a em três tropas ou partidas. A primeira
partida, a cargo do próprio governador, efetuaria a demarcação de Castilhos até a foz do
Ibicuí. As segunda e terceira partidas, sob as chefias do Tenente-Coronel Pinto Alpoim e
do Sargento-Mor José Custódio de Sá Faria, respectivamente, ficariam encarregadas de
efetuar as demarcações a partir da foz do Ibicuí até a confluência do rio Jauru com o rio
Paraguai.
Os trabalhos da primeira partida foram desenvolvidos com normalidade até as
proximidades das cabeceiras do Ibicuí, onde os demarcadores passaram a ser hostilizados
pelos índios missioneiros. Diante do fato, Gomes Freire recolheu sua tropa à Colônia do
Sacramento.
Havendo entendimento entre as autoridades comissárias, foi acertado o empre-
go da força para deslocar os habitantes dos Sete Povos e dar posse das terras à Coroa
portuguesa. O que se verificou, porém, foi a falta de empenho, por parte dos espanhóis,
em iniciar as ações que lhes cabiam. Somente em 1754, por ordens taxativas vindas de
Madri, foi acertado um plano em conjunto, para a conquista das Missões.
Diante da protelação das ações espanholas, até então, e do aumento da animo-
sidade dos índios, Gomes Freire determinou, em 1752, a construção do Forte de Jesus-
Maria-José do Rio Pardo, na confluência do mesmo rio com o Jacuí. A nova praça foi
guarnecida com tropas de dragões (cavalaria) vindas de Minas Gerais e da Colônia do
Sacramento. O Forte do Rio Pardo constituiu uma barreira importante para a defesa da
região, desde então.
As ações conjuntas das tropas portuguesas e espanholas, contra as milícias indí-
genas das Missões, produziram a Guerra Guaranítica (1754-1756), um conflito ímpar,
reunindo duas potências europeias contra os índios, por sinal vassalos espanhóis, que
foram interpostos pelas circunstâncias aos interesses das metrópoles ibéricas.
Os nativos das Missões, submetidos a um processo de aculturação há muitas
décadas, haviam aprimorado a sua forma de combater, nas lutas havidas contra os colo-
nizadores. Essas experiências permitiram-lhes a assimilação de aspectos da doutrina
europeia, como o uso de armas de fogo, inclusive peças de artilharia. Esse relativo poder

101
de combate levou Gomes Freire à necessidade de negociar com os índios um armistício,
em 1755, quando lhe faltou, temporariamente, o apoio espanhol, evitando assim a retira-
da. No prosseguimento, os aliados ibéricos concentraram seus meios e travaram a batalha
decisiva de Caiboaté, cujo aproveitamento do êxito submeteu a região à vontade dos
colonizadores.
A Guerra Guaranítica, contudo, não solucionou a questão de limites, no Sul. Em
virtude das dificuldades nas demarcações, tanto no Sul quanto no Norte, diante ainda de
outro cenário político na Europa, as Coroas ibéricas resolveram anular o Tratado de
Madri, firmando o acordo revogatório de El Pardo, em 1761. Voltava-se à situação ante-
rior, com todas suas pendências. Para os luso-brasileiros do Sul restaram, como dividen-
dos das lutas empreendidas, o fortalecimento do espírito militar e o aumento de tropas na
região.
No contexto da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), na Europa, formou-se o
"Pacto de Família", que reuniu os reinos da Espanha, França e Nápoles, cujos soberanos
pertenciam à família Bourbon, para contrapor-se ao crescente poderio naval inglês. Insta-
do a integrar-se ao Pacto, Portugal manteve-se fiel à Inglaterra. Emconsequência, a Espanha
invadiu o território português europeu, cabendo ao Brasil o recrudescimento das tensões
com os espanhóis, no Sul, ressurgindo as represálias e as agressões. Diante dos inevitá-
veis reflexos do conflito europeu no Brasil, Gomes Freire tomou medidas para reforçar as
defesas do Sul.
Governava Buenos Aires D. Pedro Cevallos, cuja personalidade era conhecida
por Gomes Freire, dado o tempo em que trabalharam em conjunto nas demarcações.
Esse fato criou a possibilidade do levantamento hipotético das prováveis linhas de ação
de Cevallos.
Inicialmente, Gomes Freire procurou mobilizar o maior poder de combate pos-
sível, com os meios disponíveis. Criou, então, uma Companhia de Aventureiros, para
complementar a defesa do Rio Pardo, convocada entre os moradores de Viamão e Lagu-
na. Considerando o já existente espírito de integração entre as regiões, que favorecia a
mobilização em pontos distantes da área em conflito, Gomes Freire mandou organizar
outras quatro Companhias de Aventureiros, em São Paulo. Determinou ao Coronel To-
más Luís Osório, comandante do Forte do Rio Pardo, a reunião do maior efetivo possí-
vel, sem prejuízo da defesa do Forte e, sob o seu próprio comando, que o deslocasse
para o extremo sul, constituindo uma vanguarda contra os espanhóis.
Em 1º de outubro de 1762, Cevallos ataca a Colônia do Sacramento, que é
tomada após um mês de cerco. Pela terceira vez a Colônia passou ao controle espanhol.
Em consequência do ataque à Colônia do Sacramento, Tomás Osório ocupou a
região de Castilhos, em território espanhol, dando início, em 15 de outubro, à construção
da Fortaleza de Santa Teresa.
Após conquistar a Colônia, Cevallos deslocou-se para Maldonado, consciente
da segurança da sua retaguarda, devido à indisponibilidade naval portuguesa na região.
Ali instalou a sua base de operações, de onde pretendia partir para a conquista de seu
102
objetivo estratégico - levar a fronteira colonial espanhola até Santa Catarina. Contava,
para tanto, com um efetivo de cerca de 3.000 homens.
Em 1º de janeiro de 1763, faleceu Gomes Freire de Andrade, no Rio de Janeiro,
em pleno exercício do cargo. Asua morte foi atribuída ao desgosto sofrido com a tomada
da Colônia por Cevallos. Os trinta anos de meritórios serviços prestados à Coroa portu-
guesa, no Brasil, quando evidenciou várias virtudes, colocam-no entre os mais ilustres
soldados e administradores coloniais.
Em 8 de abril de 1763, Cevallos iniciou a marcha para o combate, pelo litoral.
Diante da superioridade inimiga, a posição de Santa Teresa não foi obstáculo, tendo o
Coronel Tomás Luís Osório capitulado, à frente de 150 homens apenas, após a deserção
em massa da guarnição.
Continuando a execução de seus planos, Cevallos ocupa, em 12 de maio, a Vila
de Rio Grande, cuja população havia sido evacuada.Asede administrativa foi transferida
para Viamão. De imediato, os espanhóis ocuparam a margem norte do canal, indicando a
intenção do prosseguimento, ao longo do litoral.
Em 1763, a Guerra dos Sete Anos terminou com a assinatura do Tratado de
Paris, pelo qual Portugal e Espanha deveriam devolver tudo que haviam conquistado
pelas armas, durante o conflito. No Sul do Brasil, as autoridades confrontantes ajustaram
seus limites, sem a participação das metrópoles, ficando os espanhóis com a posse do
canal do Rio Grande. Entretanto, cumprindo em parte o Tratado, devolveram a Colônia
do Sacramento, cônscios das dificuldades que Portugal teria para manter a possessão.
Portugal, por sua vez, restituiu os territórios conquistados durante a guerra, reivindicando
a ação recíproca por parte dos espanhóis. Não sendo atendido, e diante da superioridade
inimiga, restou aos luso-brasileiros do Sul o preparo silente para a expulsão dos invaso-
res, oportunamente.
Ainda em 1763, foi nomeado o primeiro Vice-Rei do Brasil,Antônio Álvares da
Cunha, 1º Conde da Cunha, instalado no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. As
primeiras inspeções do Vice-Rei deram conta da precariedade da guarnição local, sob
todos os aspectos. De imediato, o Conde da Cunha passou a enviar instantes pedidos à
Corte. Suas reivindicações incluíam o envio de oficiais portugueses para a reorganização
e instrução da guarnição da sede, assim como de reforços de tropas para a Capital e para
o Sul. Em Portugal, estavam em curso as reformas militares promovidas pelo Marquês de
Pombal, em vista da fragilidade militar do Reino verificada durante a Guerra dos Sete
Anos. Para tal reforma, Pombal contratou oficiais estrangeiros, cabendo a direção ao
Conde de Lippe, oficial alemão de renome, discípulo de Frederico II. Atendendo aos
pedidos do Conde da Cunha, foram enviados, em 1764, 50 oficiais portugueses.
Em 1764, foi nomeado o novo Governador do Rio Grande (desde 1760, o Sul
possuía governo local, subordinado ao Rio de Janeiro), Coronel José Custódio de Sá e
Faria, que teve como auxiliar de confiança o Coronel José Marcelino de Figueiredo.
Diante do quadro encontrado, José Custódio empenhou-se, desde o início, em medidas

103
para combater os espanhóis. Tal postura não poderia ter apoio ostensivo por parte de
Portugal, dado o clima político amistoso existente com a Espanha. Todavia, o ímpeto de
José Custódio encontrou eco no ânimo da população rio-grandense. Ocorreu que os
luso-brasileiros do Sul já haviam desenvolvido um sentimento nativista, forjado nas lutas
anteriores e sedimentado no apego à terra, tornando-os soldados prontos e motivados
para repelir o invasor.
A primeira ação de José Custódio foi a construção da fortificação de São Cae-
tano, confrontando com a cabeça de ponte, estabelecida pelo inimigo, na margem norte
do canal do Rio Grande. O objetivo era constituir uma base para a retomada da Vila de
Rio Grande.
Após consolidar o planejamento, a missão de reconquistar Rio Grande foi atri-
buída ao Coronel José Marcelino. O plano inicial previa o emprego de cerca de 500
homens, que deveriam atacar divididos em sete embarcações, partindo de São Caetano.
Duas tentativas foram frustradas. A primeira, devido ao mau tempo, que dispersou as
embarcações; a segunda, pelo desembarque em solo pantanoso, que, associado ao fogo
inimigo, impediu a progressão. Retornando a São Caetano, os luso-brasileiros tomaram a
cabeça de ponte inimiga, assenhoreando-se da margem norte do canal, definitivamente.
Em virtude do clima de paz com a Espanha, Portugal viu-se na obrigação de
anunciar medidas punitivas contra o Governador José Custódio, assim como a devolução
do território ocupado, o que na prática nunca aconteceu. O que se verificou foi o reforço
das guarnições, e o aumento da ocupação da região entre os rios Jacuí e Camaquã pelos
estancieiros brasileiros, sob os protestos dos espanhóis.
Em 1773, o governador de Buenos Aires, D. Juan José de Vertiz y Salcedo,
após reivindicar a saída dos luso-brasileiros das terras presumidamente espanholas, re-
solveu atacar o centro da Capitania do Rio Grande, a guarnição do Rio Pardo. Para tanto,
Vertiz y Salcedo planejou executar uma manobra de flanco, a ser realizada por tropa
regular, vinda de Corrientes, reforçada por contingente de índios missioneiros, sob o co-
mando de Antônio Gomes; e uma manobra frontal, na direção sul-norte, sob o seu pró-
prio comando.
Governava o Rio Grande o Coronel José Marcelino de Figueiredo. Frente à
ameaça, ele assumiu, pessoalmente, o comando da Praça do Rio Pardo e determinou ao
Capitão Rafael Pinto Bandeira que investisse sobre a tropa de Antônio Gomes.Apesar da
inferioridade numérica, Pinto Bandeira desmantelou a força inimiga, valendo-se da sur-
presa. No Rio Pardo, Vertiz y Salcedo intimou a guarnição à rendição. Retornando ao Rio
Pardo, Pinto Bandeira foi incumbido de atacar as tropas espanholas. Mais uma vez utili-
zando táticas de guerrilha, o Capitão impôs numerosas baixas ao inimigo. Sem poder
contar com as tropas de Antônio Gomes e diante da resistência da guarnição do Rio
Pardo, Salcedo desistiu do ataque e retornou a Buenos Aires.
Em 1767, havia chegado ao Brasil, comissionado Tenente-General, o oficial
alemão João Henrique Böhm, acompanhado do Brigadeiro sueco Jacques Funk e do

104
Capitão italiano Francisco João Roscio. No primeiro semestre do mesmo ano, haviam
desembarcado no Rio de Janeiro os Regimentos de Infantaria de Moura, de Estremoz e
de Bragança (este comandado pelo Coronel Francisco de Lima, tio-avô do futuro Duque
de Caxias), além de um trem completo de artilharia.
Diante do perigo que representava a ameaça espanhola à integridade da Capita-
nia do Rio Grande, Böhm foi designado comandante em chefe do Exército do Sul, cons-
tituído pelos três regimentos vindos de Portugal, por contingentes de São Paulo e Minas
Gerais, além das tropas convocadas no Rio Grande. No início de 1775, já era notável o
reforço de tropas na margem norte do canal do Rio Grande (Lagoa dos Patos), em Porto
dos Casais (Porto Alegre) e no Rio Pardo.
As ações para expulsar os espanhóis do sul do Brasil tiveram início com o ata-
que ao entrincheiramento de São Martinho. Essa posição constituía uma ponta-de-lança
do território das Missões e ameaçava, pelo flanco oeste, o Rio Pardo. A missão coube a
Rafael Pinto Bandeira, profundo conhecedor da região. Utilizando táticas que lhe eram
peculiares, principalmente a surpresa, Pinto Bandeira neutralizou a posição, em 31 de
outubro, retornando ao Rio Pardo.
A próxima posição inimiga atacada foi o Forte de Santa Tecla, que guarnecia a
região de Coxilha Grande.Atarefa foi atribuída ao intrépido Pinto Bandeira, após receber
do General Böhm o reforço de 150 homens. Dessa feita, não sendo conseguida a surpre-
sa, Pinto Bandeira efetuou o cerco do Forte, recebendo a rendição da guarnição, em 24
de março de 1776.
Restava a retomada da Vila de Rio Grande, cuja posse representava o acesso à
lagoa dos Patos e, por extensão, à região de Viamão e Porto dos Casais. A ação foi
comandada pelo próprio General Böhm. Na madrugada de 1º de abril de 1776, foi feita
a travessia do canal e conquistada a Vila, graças à surpresa e às manobras executadas.
Em consequência das ações do General Böhm, a Espanha tratou de organizar a
contrapartida. Ainda em 1776, criou o Vice-Reinado do Prata, nomeando D. Pedro
Cevallos Capitão-General e Vice-Rei. Cevallos partiu da Europa, à frente de poderosa
esquadra, chegando à ilha de Santa Catarina, da qual se apossou em 1777. Da ilha pre-
tendia atuar sobre a Vila de Rio Grande. Tendo desistido de tal plano, seguiu para a
Colônia do Sacramento, que passou às mãos espanholas, definitivamente.
Durante a ocupação da ilha de Santa Catarina, ocorreu a morte do Rei D. José
I. Com a ascensão ao trono de Dona Maria I, o Marquês de Pombal foi exonerado. Em
1º de outubro de 1777, as Coroas ibéricas assinaram o Tratado de Santo Ildefonso, pelo
qual foi acertada a devolução da ilha de Santa Catarina, ficando para a Espanha a Colônia
do Sacramento e os Sete Povos das Missões.
O Tratado de 1777 desagradou, naturalmente, aos luso-brasileiros do Sul, que
tinham como entendimento o direito da posse dos Sete Povos, desde o Tratado de Madri,
e pelos quais haviam lutado na Guerra Guaranítica (1754-1756).

105
AS FLUTUAÇÕES DA FRONTEIRA SUL

v os
i Po
ua t e
r ug Se
oU
Ri
Forte do
Rio Ibicuí Rio Pardo Porto
R Alegre
io Rio Jacuí
Q
ua Forte de
ra Santa Tecla
í
Bagé

Rio Grande

O
NTIC
ATLÂ
Colônia de
Sacramento Forte de
Santa Tereza
Montevidéu S.Ildefolso (1777)
Atual
Buenos Aires
Madri (1750)

A expulsão dos jesuítas dos territórios da Espanha e de suas colônias, em 1767,


havia promovido a desorganização progressiva das Missões, cujas estruturas já tinham
sido abaladas pela Guerra Guaranítica.Além disso, a administração espanhola leiga, sem
afeição para com os índios, provocava o êxodo deles. O acúmulo desses fatores facilitou
a conquista das Missões pelos luso-brasileiros, cujas motivações vinham crescendo, fal-
tando um novo pretexto. Isso veio a ocorrer só em 1801, quando, em virtude das inter-
venções políticas de Napoleão, na Europa, Portugal e Espanha entraram novamente em
conflito. De pronto, o Governador do Rio Grande, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da
Câmara, constituiu dois grupamentos de tropa: o primeiro, sob o comando do Coronel
Manuel Marques de Souza, atuou na fronteira de Rio Grande (sul); o segundo, tendo à
frente o Coronel Patrício José Correia da Câmara, na fronteira de Rio Pardo (oeste).
Ao sul, o grupamento do Coronel Marques de Souza ultrapassou o rio Jaguarão,
conquistando a posição fortificada de Cerro Largo. Na fronteira do Rio Pardo, o Coronel
Patrício Câmara expulsou os espanhóis de Batovi (São Gabriel), de Santa Tecla e da
guarda de São Sebastião, e ocupou Santa Maria.
Além das tropas constituídas regularmente, o Governador contava com a cola-
boração de líderes locais, os caudilhos. Homens acostumados à vida rústica das planícies,
eles fustigavam incessantemente os espanhóis com seus grupos armados, com ações de
guerrilha, das quais tiravam proveito militar as autoridades lusas. Muitos deles eram mili-
tares profissionais, deslocados para a região para combater os espanhóis e que, motiva-

106
dos pelas circunstâncias locais, tornaram-se pecuaristas, cuja atividade econômica sus-
tentou a ocupação das terras. Exemplos desses líderes foram Manuel dos Santos Pedroso
e José Borges do Canto, os quais se apresentaram às autoridades, à frente de seus ho-
mens, prontos para lutar. As ações por eles executadas eram caracterizadas pela surpre-
sa, mobilidade e golpes de mão.
Coube à tropa de Borges Canto, reforçada por 300 índios, libertados após um
ataque a um campo de instrução espanhol, a execução do cerco a São Miguel. Passados
três dias de sítio, a guarnição da capital das Missões capitulou. Essa ação precipitou as
rendições de São Lourenço, São João, São Luís Gonzaga e Santo Ângelo. Em São Borja,
o governador espanhol local foi aprisionado pelos índios e entregue aos luso-brasileiros.
A posse dos territórios não estava, porém, consolidada. Os espanhóis passa-
ram a concentrar seus meios para recuperar os territórios ocupados. Na região das Mis-
sões, as tropas de Borges Canto e de Santos Pedroso lutavam contra os remanescentes
inimigos no território, e para conter as incursões vindas de Corrientes.
No setor do Coronel Manuel Marques, os espanhóis contra-atacavam quando,
ao atingirem a margem sul do Jaguarão, foi assinado o armistício na Europa, ao que inter-
romperam a sua progressão. Encerrada a Campanha de 1801, estava esboçada a confi-
guração territorial bem próxima da atual do Rio Grande do Sul, faltando a incorporação
da faixa compreendida entre os rios Ibicuí e Quaraí, que foi realizada em 1812, durante a
intervenção do Exército Pacificador.

DIVISÃO ADMINISTRATIVA - 1789

Grão-Pará
Maranhão
Pernambuco
O

Mato Goiás Bahia


NTIC

Grosso
ATLÂ

Minas
Gerais
E.Santo
São Paulo
Rio de Janeiro

Rio Grande
de São Pedro

107
A garantia da integridade territorial do Sul, todavia, estava longe de ser um fato
consumado. A instabilidade política advinda dos processos de emancipação dos países
vizinhos motivaria, ainda, por décadas, o surgimento de conflitos, ameaçando o território
e a população rio-grandenses.
Chegado o final do século XIX, verifica-se que os fatores determinantes da
expansão colonial portuguesa na América, para muito além de Tordesilhas, estiveram in-
trinsecamente ligados à ação militar. Inicialmente foram as expedições bandeirantes, com
modalidades e objetivos específicos. Aexploração do interior ensejou o estabelecimento
de guarnições fortificadas, em torno das quais cresceram núcleos populacionais. Notável
também foi a conquista dos litorais nordeste e norte, em lutas contra invasores estrangei-
ros. Ressaltam-se, igualmente, as ocupações militares da Amazônia e do Mato Grosso e
as lutas no Sul, que delinearam as extensas fronteiras atuais, definidoras da nossa sobera-
nia, exceto o território do Acre, adquirido à Bolívia, em 1903.
O crescente sentimento nativista, já manifestado nos Guararapes, impeliu a soci-
edade, desde os primórdios mobilizada para as armas, às lutas pelos interesses da nacio-
nalidade, com o amadurecimento de uma força terrestre representativa do povo, compro-
metida com a manutenção da integridade territorial.

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