Sobre Sapatos Machado de Assis
Sobre Sapatos Machado de Assis
Sobre Sapatos Machado de Assis
DOI: 10.11606/issn.2318-8855.v2i2p109-135
até a década de 1980. Para tanto, considerou-se as atuais linhas teóricas de pesquisa,
baseadas em autores como Alain Choppin e Circe Bittencourt, que pensam os manuais
parciais. Além disso, são objetos cuja função ultrapassa o caráter ideológico, pois
históricos. A pesquisa busca aliar tanto o campo das representações quanto o campo
momentos da produção didática brasileira, como Antônio José Borges Hermida e Joel
Abolição e qual o lugar concedido aos negros escravos nessas fontes - considerando a
Introdução
Desde a década de 1980, no Brasil, a temática dos livros didáticos tem chamado
obras. Nesse sentido, eram vistas como meros instrumentos da classe dominante para
*
Graduando em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo.
didáticos eram comparados com o saber produzido nas universidades, sendo pensados
Tais perspectivas não podem dar conta do todo complexo que é o livro didático e
A partir de então outras funções dos livros didáticos passaram a ser consideradas.
O historiador francês Alain Choppin distingue mais três funções essenciais dessas
crítico dos alunos (“função documental”)1. Além disso, o livro didático não é o único
elemento constitutivo de uma aula; coexiste com diversas outras mídias e seu uso varia
vinculadas à lógica da indústria cultural, inseridas num contexto editorial que muda ao
longo dos anos; aspecto que geralmente torna-os obras não dependentes somente de
um autor, mas de uma ampla equipe editorial. Estão vinculados aos interesses do
mercado e restritos às técnicas gráficas e editoriais de cada época. Desde sua escrita
1
Essa última função é ainda muito recente na literatura escolar brasileira e, conforme aponta Choppin, não
éuniversal, dependendo do tipo de escola e da vertente de ensino para a qual a obra évoltada.
avaliação e adequação aos currículos, por exemplo) (CHOPPIN, 2004, p.553-554), fator a
ser ponderado por qualquer pesquisador que utilize-os como fonte primária.
uma vez que moldam ou perpetuam práticas no mundo concreto e, dessa forma, o
inevitável que estejam em tensão permanente com outras representações. Esse embate
seria, nas palavras de Chartier, um mecanismo “pelo qual um grupo impõe, ou tenta
impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio”
(CHARTIER, 2002, p.17). Portanto, a análise de qualquer temática no livro didático deve
motivações para isso. Como bem colocou Choppin, a sociedade apresentada no livro
didático assemelha-se mais a uma sociedade ideal para o autor do que ela realmente foi
país cuja população leitora é notoriamente baixa, o contato com a leitura no decorrer da
vida de muitos se dá quase exclusivamente por meio dos manuais escolares. Ademais, a
juventude são, em grande parte, os que permanecem por longo tempo no imaginário
das pessoas (SIMAN, 2001, p.164). É inegável que a escola pode acabar por tornar-se
escolhidos autores do início do século XX até a década de 1980, cujos livros tiveram
impressões e edições.
Vale notar que os discursos presentes nos livros didáticos não são construídos
apenas pelo texto; outros elementos devem ser levados em conta. Um dos mais
da história escolar. Por isso, a relação texto-imagem também será considerada nesse
artigo para análise da temática histórica em questão. Faz-se necessária uma pequena
e adolescentes - que poderia dinamizar o ensino por ser, em tese, menos cansativo do
que a leitura. Nas palavras de Viriato Correia, escritor que se aventurou na criação de
um livro didático, “às crianças só interessa o que é vistoso. Os livros que mais lhes
deslumbram os olhos; os objetos – os que lhes enchem a vista” (CORREIA, 1967, p.10).
concessão de veracidade às cenas históricas. Não importa se são retratos, obras de arte
ou fotografia, até hoje no senso comum a imagem é tida como prova dos
2
Para a lista completa das obras analisadas de cada período, consultar a bibliografia de livros didáticos ao
final do artigo.
positivista Ernest Lavisse já afirmava que “as crianças têm necessidade de ver cenas
técnicas gráficas e pela diminuição dos custos de edição e impressão de livros em geral,
p.202).
sobre a Abolição, na maioria das vezes em consonância com o discurso textual do livro.
discurso e por que motivos ocorrem. Tal problemática foi pensada a partir da
Abolição e a sua representação nos livros didáticos durante todo o período estudado.
Conforme já foi dito, não se deve esperar a simples reprodução do saber acadêmico nos
livros didáticos, nem mesmo nos mais atuais, visto que seus objetivos são outros que
A historiografia mais recente prioriza a ideia dos negros como agentes históricos e
movimentos sociais ocorridos tanto nas fazendas quanto nas áreas urbanas e de atos
estudos como O Plano e o Pânico, de Maria Helena Machado, rebatem a tradicional ideia
da abolição produzida “pelas elites e para as elites, sem nenhuma participação dos
interessados, isto é, escravos, forros, homens livres pobres” (MACHADO, 1994, p.227).
plurais, sendo o projeto dos abolicionistas das cortes urbanas apenas um dentre muitos
Já nos livros didáticos, de modo geral, o assunto é abordado através das leis
desse modo de trabalho perante o trabalho livre, a pressão inglesa por mercados
Política
obstáculos para a sua edição. Toda a dispendiosa impressão dos manuais era feita por
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A Abolição da Escravidão nos Livros Didáticos:
Textos e Imagens na Construção da História na Escola
editoras francesas e as imagens utilizadas vinham dos acervos europeus que serviam
bem à demanda dos livros de História Geral, mas, evidentemente, não possuíam muitas
Entre sete livros analisados datados de 1900 a 1928, apenas dois contam com
ilustrações, sendo estas sempre retratos de “personagens ilustres”. Tal fato contempla a
perspectiva da História Política, predominante nas escolas até pelo menos a década de
1950, mas com persistências até a atualidade. Contada a partir dos feitos dos “grandes
Joaquim Nabuco, Princesa Isabel e Barão do Rio Branco no texto é coroada com
ilustrações.
obras, no qual pode-se perceber uma crescente no uso de ilustrações, explicado pelo
preto e branco e verifica-se a ausência delas em três dos dez livros pesquisados, um
número considerável.
período anterior, porém todos continuam a representar personagens políticos por meio
de retratos. Em média, cada livro contém três deles no capítulo sobre a abolição -
portanto, mais da metade das imagens de cada um - sendo a Princesa Isabel a mais
3
Vale notar que tal população não era ainda tão numerosa quanto atualmente, uma vez que a chamada
“democratização do ensino público” ocorre principalmente a partir dos anos 1960. Sobre esse tema consul-
tar, por exemplo, FERREIRA-SANTOS, Marcos & ALMEIDA, Rogério de., 2014, p.49-119.
abaixo, bom exemplo da maioria das ilustrações desse período. A pose imponente e o
vitória. O retrato está inteiramente afinado com o discurso do texto, no qual se exalta as
Johann Moritz Rugendas e Jean-Baptiste Debret. Vitor Meireles também aparece com a
nos livros didáticos – dois trazem os famosos desenhos de Angelo Agostini para a
em si, com todas as rebeliões e movimentos sociais plurais com participação escrava,
não é ilustrado - as imagens dessa seção dos livros didáticos somente mostram os
camada senhorial, as ilustrações reforçam a ideia dos escravos como objetos, a serem
centraliza a atenção de quem olha a imagem - é a figura para a qual a maioria dos
outros está olhando e tem a ação principal na cena que se passa ali. Além disso, a
relação de poder também se expressa no fato de ser o único “bem vestido” à moda
europeia e calçado. A representação dos escravos - todos muito magros - sugere uma
situação precária e de maus tratos que, no entanto, não é trabalhada nos textos.
negros aqui não é cruel, mas pacífica, enfatizando os costumes. O objetivo é chamar
atenção para o “pitoresco” (verbete escolhido pelo artista para a compilação de sua
obra, Viagem pitoresca através do Brasil, de 1835), o diferente em relação a sua própria
cultura europeia - sintetizados, nesse caso, no turbante e nas roupas da negra. Essa era
Nos livros desse período a perspectiva adotada pelos autores continua sendo a da
período republicano. A própria divisão do capítulo vai nesse sentido. Como exemplo,
escolhemos o livro de Ary da Matta, bacharel no Colégio Pedro II, destinado à quarta
série ginasial, datado de 1946. O capítulo se inicia com uma breve descrição do
cumpre), depois a lei Bill Aberdeen e a Euzébio de Queiroz, ambas com o mesmo intuito
da primeira, em seguida a Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários para enfim chegar
assinou, em que condições, se foi cumprida e quais suas consequências práticas. Tudo
Tal abordagem pode ser justificada pela ideia de exaltar a República e construir
uma memória e identidade que vinculasse o novo período da História do Brasil à ideia
qual é retratado Joaquim Nabuco ao lado de uma mulher armada com uma espada,
histórico e a busca por um olhar da Abolição a partir dos movimentos dos próprios
denunciada pelo autor quando afirma que “resta, por outro lado, o estudo
sistematizado de sua (do negro) vida como grupo dentro dos eventos da história pátria,
subsídio acadêmico para contar a história por outro lado que não o dos vencedores.
Essa lacuna de pesquisas começou a ser preenchida somente a partir da década de 80,
ainda havendo uma “defasagem natural” entre o momento em que são feitas e o
esse autor escreve, a bibliografia sobre o negro no Brasil ainda era fortemente marcada
Outro aspecto que chama a atenção na obra de Ary da Matta é que a relação
texto-imagem não segue uma coerência rígida. Os personagens ilustrados não são
contém descrições detalhadas. Quando as tem, trata-se de uma legenda sobre a autoria
sobre como citar a fonte visual, nem sequer era obrigação citá-la. O autor utiliza a
escolares mais recentes. Vale destacar que o livro não contém nenhuma especificação
sobre quem o ilustrou, o que leva a crer que provavelmente foi o próprio autor o
foi Antonio José Borges Hermida, um dos mais utilizados nas escolas brasileiras entre
1950 e 1970, com reedições tiradas até meados dos anos 90 que pouco mudaram a
linha explicativa estabelecida desde sua primeira versão (BRAUNA, 2013, p.28-33).
Hermida - que assim como Ary da Matta também lecionou no Colégio Pedro II - dedicou
Ainda com caráter nacionalista, a linha explicativa que segue esse autor é similar a
“era em geral mais humano que nos outros países” ou que a prática religiosa católica
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Muitos autores consideram o período de 1930 até1970 ou mesmo 80 como homogêneo, pois não há, de
fato, uma grande inovação nos discursos enunciados pelos manuais didáticos, considerados na maioria das
vezes em função do caráter nacionalista que promovem. Entretanto, optei por dividi-lo em função de
mudanças encontradas principalmente na diagramação e configuração dos livros, principalmente em
relação às ilustrações, cuja frequência e tamanho aumentam, passam a ser coloridas e a representar mais
as obras de artes visuais. Além isso, verifica-se uma maior presença da História Social e Econômica em
algumas obras. Adotei-as, portanto, como uma transição entre os outros dois períodos recortados.
descanso aos domingos e nos muitos dias santos” (HERMIDA 1964, p.266). Fica evidente
questionadas com as obras de Jacob Gorender, Florestan Fernandes, entre outros, nas
décadas de 60 e 705. Entretanto, não são incorporadas de imediato nos livros didáticos.
Hermida também justifica o regime escravista pelo fato de o Brasil ser um país
Paraguai os senhores começaram a libertar seus escravos porque “acharam que era
justo” (HERMIDA, 1964, p.266) e que a população clamava pela substituição do escravo
Hermida transmite a ideia de que a substituição da mão de obra foi tranquila e bem
abolição a partir das leis e do sucesso dos abolicionistas nas cidades. Portanto, tem-se
ausente qualquer abordagem sobre as revoltas e ações dos escravos - que mesmo na
Segundo Reinado (FONSECA, 2001, p.93). Esse modelo criou discursos como o da
unidade nacional e territorial concluídas desde 1822, ou até desde 1808, o qual ignora
5
Novas perspectivas sobre a escravidão e o negro no Brasil são impulsionadas por obras como O
Escravismo Colonial (1978) e Integração do Negro na Sociedade de Classes (1964), dos respectivos autores
jámencionadosou Da Senzala àColônia (1966), de Emília Viotti da Costa.
racial, no qual haveria uma sociedade miscigenada e hierarquizada onde cada “raça”
teria um lugar delimitado na construção da nação - para o negro o trabalho, para o índio
nativismo, que é o sentimento de amor à terra natal, houve muitas causas, sendo a
desde o índice do livro de Hermida, onde tem-se a seção “Formação do Povo Brasileiro”
respectivo item, mas claramente hierarquizado, sendo as contribuições dos dois últimos
definidas em termos culturais (ervas, raízes, farinha de mandioca, língua tupi) enquanto
religião e a atividade comercial (HERMIDA, 1964, p.25). Além das contribuições culturais,
o negro teria sido essencial por seu trabalho, dado como uma vocação quase que
natural desse grupo. De acordo com Hermida, “os negros já viviam na África em
condição de escravos e eram muito mais resistentes que os índios”, “(o negro) praticou
todos os ofícios e serviu até como criado doméstico”, “mas foi no engenho que os
explicações sobre o tema e poucos manuais mencionam as lutas dessa camada nas
décadas anteriores à aprovação da Lei Áurea. Após a análise de dez livros do período,
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A Abolição da Escravidão nos Livros Didáticos:
Textos e Imagens na Construção da História na Escola
conclui-se que o repertório visual é pouco renovado e, em consonância com o texto,
segue por não mostrar a participação escrava na História. A inovação fica por conta do
uso de desenhos feitos por ilustradores - aos quais muitas vezes não é dado crédito -
presentes em quatro dos dez livros analisados. Porém, Debret, Rugendas e Agostini são
concedido.
quantidade e com maior foco para os abolicionistas e Princesa Isabel. Dos livros
analisados, sete apresentam essas imagens sendo que: três se restringem a ilustrações
desse tipo, mantendo os moldes dos manuais mais antigos; outros três, sendo um deles
mais informais, como no caso dos desenhos de ilustradores. Uma novidade importante
é a introdução do colorido, aspecto que torna o livro mais chamativo. O livro de Borges
Hermida, por exemplo, conta com imagens de páginas inteiras (só o capítulo sobre a
restritas à função ilustrativa, com poucas legendas que apenas identificam o tema
ilustrador. Logo, nota-se que suas escolhas são muito semelhantes às de Ary da Matta.
substituídos por adaptações em desenho, método recorrente nas editoras para escapar
principalmente no que diz respeito às imagens, seu uso e sua diagramação. Segundo
João Batista Gonçalves Bueno, a partir das décadas de 1960 e 1970 “foram implantadas
qualidade até então não vista em livros didáticos” (BUENO, 2011, p.80). O aumento do
escritos (BUENO, 2011, p.81-84). Além disso, a responsabilidade pela parte gráfica do
início da obra. Por não existir necessariamente um vínculo entre essas partes, por vezes
las aos textos, de modo que auxiliem os alunos na apreensão do conteúdo e não sejam
meramente ilustrativas. O autor Joel Rufino dos Santos, em obra de 1979, afirma tal
Muitos dos autores desse período não conseguem empreender um trabalho nessa
linha, sendo as imagens presentes no livro do próprio Rufino dos Santos não tão
ilustrações seguidas de uma explicação, nos quais de fato algo novo é acrescentado em
como proposto pelo autor. Na explicação sobre a Lei do Ventre Livre, por exemplo, tem-
se uma imagem do rosto de um negro trabalhador rural, que não contribui para o todo
do livro - a imagem isolada nesse caso não informa nada. Ademais, é válido ressaltar
evidenciada pela analogia que faz Rufino dos Santos entre elas e a televisão, aparelho
transformações significativas. O foco, na maioria dos casos, passa a ser a História Social,
influenciada fortemente pelo marxismo e pela chamada História dos vencidos. Nessa
Joel Rufino dos Santos, negro, historiador, professor, exilado durante a ditadura
militar, foi um dos grandes expoentes dessa geração de autores de livros didáticos e
História Política:
Na multidão dos fatos, precisamos garimpar os mais interessantes. Ora, os mais
interessantes são os fatos sociais - aqueles que afetam um grupo de pessoas,
uma classe, a sociedade inteira. Quanto maior o número de convidados, mais
empolgante é a festa da História. Assim, este livro vai descrever, em primeiro
lugar, os fatos sociais. (SANTOS, 1979. p.10)
desses autores será explicar o processo de abolição como evento definitivo para a
para o livre como ponto fundamental no tema - “um lento processo social estava se
desdobrando: os pretos escravos estavam sendo trocados por brancos livres” (SANTOS,
1979, 117).
problema continua muito semelhante aos livros anteriormente analisados: inicia-se com
Para Rufino dos Santos, “a Princesa Isabel não fez a abolição”, apenas assinou a lei.
porém, não os coloca como principais causas do evento. Tais fenômenos só aparecem
transbordou para as redações dos jornais, para as salas de aula, para os vagões dos
trens, para os quartéis e para as ruas” (SANTOS, 1979, p.119). Numa ótica materialista, o
personagens vão cedendo espaço aestilos mais atraentes de imagens, como a charge e
a história em quadrinhos6. Pelo viés crítico das novas obras, os desenhos de Angelo
obra de Joel Rufino dos Santos, por exemplo, há uma página inteira só com suas
publicações.
Como se não conseguissem agir por conta própria, os negros estão sempre na
aspecto:
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Como exemplo de propostas de livros didáticos que inovam no aspecto da linguagem visual, tem-se Juli-
erme de Abreu e Castro, autor de uma série de livros de História do Brasil em quadrinhos, e a série Brasil
Vivo: uma nova história da nossa gente, cujo projeto gráfico éde responsabilidade do cartunista Claudius
Ceccon.
como que implorando aos brancos para o libertarem. A disputa física de cabo de guerra
debate da época é reforçada pela legenda “já não há mais partidos políticos. Nem
XIX que construiu a imagem da Princesa Isabel como “A Redentora” dos escravos. A
primeira, presente no livro didático de Arnaldo Fazoli Filho, de 1977, a retrata como
provável que essa analogia seja de fato a intenção por trás da obra.
Santos, tem-se outro exemplo. Novamente, Princesa Isabel tem a função de libertar o
(construída apenas alguns anos antes nos Estados Unidos). A tocha de onde emana a
representa o atraso do cativeiro. Entretanto, é curioso Rufino dos Santos não ter usado
próprio texto essa crítica está posta. Ao invés disso, a charge compõe uma página
chamada “a abolição segundo charges da época” (SANTOS, 1979, p.121), na qual não há
onde há desarticulação entre texto e imagem, sendo que esta, ao não ser
analisado anteriormente. Tais obras constituem, portanto, uma sólida tradição nos
livros didáticos, legitimadas como supostos retratos verídicos de tempos passados por
Por fim, vale dizer que apesar do aparente progresso na versão de História
contada por esses autores mais recentes, a crítica que fazem também é problemática
para o ensino. Certos autores buscam sensibilizar os alunos através de imagens de forte
de Joel Rufino dos Santos evidencia esse caráter em trechos como “só mesmo os
plantadores mais atrasados, cuja inteligência competia com a das toupeiras, não
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O livro didático História da Sociedade Brasileira, de Chico Alencar, éexemplar nesse aspecto. O capítulo
sobre a Abolição é ilustrado apenas por fotos atuais em preto e branco de um negro acorrentado e sem
camisa.
juízo de valor, além de não trabalhar a reflexão do aluno, pois continua fornecendo uma
opinião já pronta, ainda que politizada. Para Thais Fonseca, ao tratar de temáticas
clássicas sob a perspectiva dos vencidos, os autores condenaram a História épica dos
grandes homens e a exaltação das classes dominantes, mas usaram as mesmas noções
resposta ao longo período de crítica abafada na ditadura militar. Os livros didáticos dos
estatal e aos poucos era possível imputar na escola um ideário mais popular.
Conclusão
desses objetos é dinâmica e ligada a múltiplos processos históricos que afetam o ensino
integrarem-os. Assim, esses materiais tem oferecido um campo propício para a luta de
no mundo social (CHARTIER, 2002, p.17). Tal embate foi verificado, no recorte deste
cima e a História Social, conduzida pela ótica dos vencidos e da luta de classes.
capitalismo industrial, assim como pode contribuir para formar um pensamento que
busque a superação desse mundo. As possibilidades são várias, mas sempre dotadas de
enquanto sucessão de fatos cronológicos e palco de heróis e vilões que a fizeram, sejam
eles indivíduos ou classes sociais. Nesse sentido, foi possível identificar uma linha
pensar o negro como sujeito histórico, ou como agente de sua própria história e
destino.
páginas dos livros didáticos e acabam por reforçar a ideia de negros como
confirmada na continuação dos livros, visto que a temática das populações negras
qual não cede espaço para que se reflita acerca de sua própria pluralidade e
particularidades intrínsecas. É sintomático que a ação dos negros não seja mencionada
escrita dessa História, não é uma surpresa que a exclusão se reproduza nos livros
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