Um Diário de Hermenêutica Aplicada
Um Diário de Hermenêutica Aplicada
Um Diário de Hermenêutica Aplicada
O QUE É HERMENÊUTICA?
O CAMINHO DO GUERREIRO VISTO COMO UM PARADIGMA DE FILOSOFIA
PRÁTICA.
QUESTÕES SOBRE O CAMINHO DO GUERREIRO: QUEM SÃO OS CHACMOOLS?
OS REGISTROS DE TESENGRIDADE: O QUE É TESENGRIDADE?
O CAMINHO DO GUERREIRO
Um diário de hermenêutica aplicada
Número 2, Volume 1
Los Angeles, Fevereiro de 1996.
Notas do autor
O QUE INTENCIONALIDADE?
PERGUNTAS SOBRE O CAMINHO DO GUERREIRO
O caminho do guerreiro visto como um paradigma de filosofia prática.
REGISTROS DE TESENGRIDADE: O QUE SÃO OS GUERREIROS GUARDIÃES?
Carlos Castaneda
LEITORES DO INFINITO
Um diário de hermenêutica aplicada
Los Angeles, Março de 1996
Número 3, Volume 1
Notas do Autor
O que é fenomenologia?
O caminho do guerreiro visto como um paradigma de filosogia prática
Perguntas sobre o caminho do guerreiro: Porque praticar Tesengridade...?
Registro de Tesengridade: A Força que Nos Une como Campos de Energia
Carlos Castaneda
LEITORES DO INFINITO
Um diário de hermenêutica aplicada
Número 4, Volume 1
Los Angeles, Abril de 1996
Notas do Autor
UMA NOVA ÁREA PARA QUESTÕES FILOSÓFICAS
O CAMINHO DO GUERREIRO VISTO COM UM PARADIGMA DE FILOSOFIA
PRÁTICA
PERGUNTAS SOBRE O CAMINHO DO GUERREIRO
REGISTREO DE TESENGRIDADE: COMO PRATICAR TESENGRIDADE
Notas do Autor
Número 2 - Fevereiro de 1996
Nota do Autor:
Para fins de elucidação é necessário que, neste diário, a linguagem seja utilizada na mais plena
extensão admissível. Deste modo, o discurso filosófico será apresentado tão formalmente
quanto demanda. O discurso dos feiticeiros, por outro lado, será apresentado tal como foi
afirmado. A mais plena extensão admissível da linguagem entra em jogo neste caso.
A meta exclusiva desse diário é a disseminação de ideias. Devido ao fato de que as ideias
propostas aqui são, em um grau considerável, estranhas ao homem ocidental, o formato deste
diário deve ser adaptado á natureza daquelas ideias. As ideias a que me refiro foram propostas a
mim por Don Juan Matus, um índio Mexicano, ou xamã, que me guiou por trinta anos de
aprendizagem dentro do mundo cognitivo dos feiticeiros que viveram no México nos tempos
antigos. Pretendo apresentar estes conceitos da mesma maneira como ele fez: diretamente,
concisamente e utilizando a linguagem em sua máxima extensão possível. Esta é a maneira pela
qual Don Juan conduziu cada faceta de seus ensinamentos; isso atraiu minha atenção desde o
início de minha associação com ele até o ponto no qual fiz da clareza e precisão do uso da
linguagem uma das metas desejadas de minha vida.
Minhas tentativas de publicar este diário remontam aos anos de 1971 quando eu apresentei este
formato à alguns editores de livro os quais, prontamente, recusaram-no, visto que tal formato
não se ajustava às noções pré-concebidas de um diário acadêmico, tampouco ao formato de uma
revista, ou mesmo um jornal. Meus argumentos de que as ideias contidas neste diário eram
estranhas o bastante para determinar um formato que misturava aqueles três gêneros
estabelecidos, não teve força suficiente para convencê-los a publica-lo. O título que eu tinha
para o diário, naquele tempo, era “Diário de etno-hermenêutica”. Anos depois, descobri que
uma publicação sustentando aquele nome já estava em circulação.
Agora, encontrei-me na posição de publicar este diário. Não se trata de uma tentavia de
comercializar qualquer coisa, sequer um veículo para apologias de qualquer tipo. Visualizo-o
como uma tentiva de ingressar o mundo do homem ocidental da especulação filosófica na visão
intuitiva dos índios feiticeiros que viveram no México em tempos antigos cujos descendentes
culturais se encontravam em figuras como Don Juan e seu grupo.
Jurei, desde que ingressei no mundo cognitivo de Don Juan, permanecer fiél ao que ele me
ensinou. Posso dizer, desprovido de vaidade, que por trinta e cinco anos manti esta promessa
viva. Agora ela influência a concepção e desenvolvimento deste diário. Ela se adapta a uma das
observações de Don Juan: ele o chamava de “leitura do infinito”. Ele disse que quando se está
vazio de pensamentos e se adquire algo que ele chamava de “silêncio interior”, o horizonte
aparece aos olhos do vidente como uma folha de lavanda. Sobre aquela folha de lavanda, um
ponto de cor se torna visível: a romã. Aquele ponto romã se expande subitamente e explode
dentro de um infinito que pode ser lido. Pode-se dizer que neste momento de nossa história, nós
humanos somos leitores, independentemente se lemos sobre assuntos filosóficos ou manuais de
instrução. Um desafio digno concebido por Don Juan para tais leitores seria se tornar “leitores
do infinito”. Este diário é congruente, asseguro, em espírito e prática, com aquele desafio. Ele se
origina do silêncio interior; um convite para todos se tornarem leitores do infinito.
No panorama destes argumentos decidi, apoiado por um acordo unânime de meu grupo, mudar
o nome deste diário de “O Caminho do Guerreiro”, um termo usado há muito tempo, para algo
mais atual que ainda não foi utilizado: LEITORES DO INFINITO.
Nota do Autor:
A edição de abril dos Leitores do Infinito: Um Diário de Hermenêutica Aplicada esta sendo
publicada mais tarde, nesta data, porque, junto como as três primeiras edições pertence a um
conjunto original de quatro, especialmente concebidos em harmonia com a ideia dos feiticeiros
de que o número quatro implica em ordem e permanência.
Foi o desejo derradeiro deste escritor oferecer a este diário um caráter mais distante possível da
temporariedade, independente do que este caráter venha a se transformar. Parece que neste caso,
este desejo resultou na publicação deste diário em forma de livro. Então, que assim seja. Desde
que a quarta edição já estava finalizada próximo a março, e pronta pra ser impressa, tornou-se
impossível deixar passar a oportunidade de publica-lo como uma edição mensal.
Deste modo, enfatizaremos a ideia dos feiticeiros sobre a prática e a experiência como
oposição a pura reflexão abstrata de um método filosófico; por esta razão, chamaremos
este trabalho de diário de hermenêutica aplicada.
O que é intencionalidade?
O QUE É INTENCIONALIDADE?
Na primeira edição deste jornal, intencionalidade foi definida como “o ato tácito de
preencher os espaços vazios deixados pela percepção sensorial direta, ou o ato de
enriquecer o fenômeno observável através da intenção”. Esta definição é uma tentativa
de permanecer longe das explanações filosóficas padrões da intencionalidade. O
conceito de intencionalidade possui uma importância chave para elucidar os tópicos de
feitiçaria como tópicos legítimos para discursos filosóficos. A proposta deste diário -
hermenêutica aplicada - é expressar por meio da revisão e reinterpretação dos tópicos
pertinentes a disciplina da filosofia; tópicos que são congruentes com outros assuntos
pertinentes a disciplina da feitiçaria.
Na disciplina da feitiçaria existe uma entrada chamada intento. Esta entrada se refere à
definição de intencionalidade que foi atribuída a este diário: “o ato tácito de preencher
os espaços vazios deixados pela percepção sensorial direta, ou o ato de enriquecer o
fenômeno observável através da intenção”. Os feiticeiros sustentam, tal com Brentano
intuiu, que o ato de intencionar não esta no reino físico; em outras palavras, a intenção
não é parte da fisicalidade do cérebro ou qualquer outro organismo. Intenção, para os
bruxos, transcende o mundo que conhecemos. É algo como uma onda energética, um
feixe de energia que se liga a nós.
O que é fenomenologia?
O que é fenomenologia?
Foi Husserl, porém, que conferiu o formato atual à fenomenologia. Ele postulou a
fenomenologia como um método filosófico para o estudo das essências ou o ato de
colocar aquelas essências dentro do fluxo das experiências de vida. Ele pensou neste
processo como uma filosofia transcendental lidando somente com os resíduos deixados
após a redução realizada. Ele chamou esta redução de “epoche”, uma categoria de
significado ou suspensão do julgamento. O lema de Husserl foi “retorno a origem”
quando o problema se referia a qualquer investigação cientifica-filosófica. Retornar a
origem subtendia tal redução por meio da qual Husserl esperava penetrar em qualquer
investigação filosófica dada, como uma parte integral, de um mundo que existe antes do
inicio da reflexão. Ele pretendia que a fenomenologia fosse um método de aproximação
de experiências de vida tal qual ela ocorre no tempo e espaço; é uma tentativa de
descrever diretamente nossas experiências como ela acontece, sem o intervalo para
considerar suas origens ou suas explicações causais.
Para cumprir esta tarefa, Husserl propôs “epoch”: uma mudança total de atitude aonde o
filósofo se move das coisas em si para seus significados; Isso quer dizer, do reino dos
significados objetivados – o amâgo da ciência – para o reino dos significados tal qual
ele é experenciado no mundo imediato.
A partir da minha associação com Don Juan e outros praticantes desta linhagem,
cheguei à conclusão de que, ao experimentar diretamente suas práticas xamânicas, a
categoria de significado ou a suspensão de julgamento que Husserl postulou como a
redução essencial de toda investigação filosófica é impossível de se realizar quando ela
se constitui como um mero exercício do intelecto do filósofo.
Alguém que estudou com Martin Heidegger, aluno de Husserl, me disse que quando
Husserl foi questionado acerca de uma indicação pragmática de como realizar redução
fenomenológica ele disse: “como diabos eu deveria saber? Eu sou um filósofo”.
Filósofos contemporâneos que têm reelaborado e ampliado os parâmetros da
fenomenologia nunca tornaram, na verdade, o assunto em um objeto prático. Para eles, a
fenomenologia tem permanecido com um assunto puro de filosofia. No seu campo,
portanto, esta categoria de significado é, no melhor dos casos, meramente um exercício
filosófico. No mundo da feitiçaria, a suspensão da julgamento não é somente o começo
desejado de qualquer pratica de investigação filosófica, mas a necessidade de qualquer
prática xamânica. Feiticeiros expandem os parâmetros do que eles podem perceber até o
ponto em que eles percebem sistematicamente o desconhecido. Para conceber esta
façanha, eles têm de suspender os efeitos do seu sistema normal de interpretação. Este
ato é realizado mais como uma questão de sobrevivência do que uma questão de
escolha. Neste sentido, os praticantes do conhecimento de Don Juan colocam-se a um
passo além dos exercícios intelectuais dos filósofos.
Os feiticeiros fazem uma distinção entre o corpo como parte da cognição da nossa vida
diária e o organismo inteiro como uma unidade energética, a qual não faz parte de nosso
sistema cognitivo. Esta unidade energética inclui partes ocultas do corpo tal como os
órgãos internos e a energia que flui através deles. Eles asseguram que é com essa parte
que a energia pode ser diretamente percebida.
Outro conceito dos feiticeiros que merece um exame mais minucioso em termos de
elucidação é algo que eles chamam de “intento”. Eles descrevem o intento como uma
força perene que permeia todo o universo; uma força que esta ciente de si mesma ao
ponto de responder o gesto ou o comando do feiticeiro. O ato de usar o intento eles
chamam de intentar. Através do intento, os feiticeiros são capazes, dizem, de dar vazão
não apenas a toda possiblidade humana de percepção, mas a toda possibilidade humana
de ação. Eles asseguram que através do intento, as mais improváveis formulações
podem ser constatadas. O limite da capacidade de percepção dos feiticeiros é chamado
de a “faixa do homem”, o que significa que existe uma fronteira que delimita as
capacidades humanas impostas pelo organismo humano. Estas fronteiras não são
meramente as fronteiras tradicionais do pensamento ordinário, mas as fronteiras da
totalidade dos recursos presentes dentro do organismo humano. Os feiticeiros acreditam
que estes recursos nunca são usados, mas são mantidos in situ (em seu próprio lugar)
por nossas ideais preconceituosas sobre nossas limitações, limitações que não tem nada
a ver com nosso atual potêncial.
A questão exposta pelos feiticeiros é que, visto que a percepção da energia como ela flui
no universo não é arbitraria ou idiossincrática, os videntes testemunharam formulações
de energia que ocorrem por si mesmas e não são produtos da nossa interpretação. Os
feiticeiros declaram que a percepção de tal formulação é, em si mesma e por si mesma,
a chave que liberta o potêncial humano que nunca entra em jogo. Tais formulações de
energia, desde que ocorram, por definição, independente da vontade ou intervenção do
homem, são capazes de criar uma nova subjetividade. Sendo coesa e homogênea para
todos os seres humanos que veêm, estas formulações de energia são, para os feiticeiros,
a fonte de uma nova intersubjetividade.
Parte 1
Uma premissa do caminho do guerreiro será discutida em cada um de nossas questões.
Don Juan Matus disse a seus discípulos que os seres humanos, como organismos,
realizam uma estupenda manobra que, infelizmente, confere a percepção uma falsa
fachada. Eles pegam o influxo de energia pura e a transformam em um dado sensorial,
interpretada como um sistema estrito de interpretação, que os feiticeiros chamam de
“forma humana”. Este ato mágico de interpretação da energia pura conduz a um falso
caminho: a convicção peculiar, por nossa parte, de que nosso sistema de interpretação é
tudo que existe. Don Juan explicou que uma árvore, tal como conhecemos uma árvore, é
mais interpretação do que percepção. Ele nos disse que para nós lidarmos com uma
árvore tudo que precisamos é uma apressada olhadela que nos diz severamente qualquer
coisa. O resto é um fenômeno que ele descreveu como o chamado do intento: o intento
da árvore, quer dizer, a interpretação dos dados sensoriais pertencentes a este fenômeno
específico que chamamos de árvore.
E tal como este exemplo, o mundo inteiro para nós é composto por um repertório
infinito de interpretações aonde nossa percepção desempenha uma papel mínimo. Em
outras palavras, apenas nossa percepção visual toca o influxo de energia que é o
universo, e isso apenas minimamente. Os feiticeiros sustentam que a maioria de nossa
atividade perceptual é interpretação; eles asseguram que o ser humano é o tipo de
organismo que precisa de uma mínima quantidade de percepção pura a fim de criar seu
mundo ou perceber o mínimo possível para servir a seu sistema de interpretação.
Afirmar que somos percebedores é uma tentativa, por parte dos feiticeiros, de nos trazer
de volta a nossa origem; trazermo-nos de volta para aquilo que deveria ser nosso ponto
de partida original: perceber.
Parte 2
O caminho do guerreiro visto como um paradigma filosófico-prático
Nas questões anteriores deste diário, a primeira premissa do caminho do guerreiro foi
afirmada como: nós somos percebedores. Percebedores foi utilizado como substituto á
perceptor. Não foi um erro, mas um desejo de estender o uso do termo preceptor da
linguagem espanhola que é muito ativo a fim de conotar, em inglês, a urgência de ser
um percepetor. Neste diário de hermenêutica aplicada, o problema de acentuar o
significado de um termo apoiado por um cognato estrangeiro surgirá com muita
frequência; às vezes mesmo na questão em que se força a criação de um novo termo;
não como um espetáculo de esnobismo, mas devido a inerente necessidade de descrever
algumas sensações, experiências ou percepção que nunca tenham sido descritos antes,
ou caso se tenha, sua descrição fugiu ao nosso conhecimento. A implicação é que nosso
conhecimento, independe do quanto adequado se pareça, é limitado.
A primeira vez que Don Juan começou a explicar esta premissa pensei que ela estava
brincando ou que estava apenas tentando me chocar. Naquele tempo ele estava me
provocando sobre minha preocupação em achar amor na vida. Ele perguntou uma vez
quais eram meus objetivos na vida. Desde então eu não pude encontrar nenhuma
resposta inteligível. Respondi para ele, em tom de brincadeira, que eu queria achar o
amor.
“A busca do amor, para as pessoas que criaram você significava sexo”, Don Juan me
disse naquela ocasião. “Porque você não trata a coisa como ela realmente é? Você esta
buscando satisfação sexual, não é verdade”?
Eu neguei, é claro. Mas a questão permaneceu com Don Juan como uma fonte de
provocação. Toda vez que eu o via, ele encontrava ou construía um contexto particular a
fim de me questionar sobre minha busca do amor, quer dizer, satisfação sexual.
A primeira vez que ele discutiu a segunda premissa do caminho do guerreiro ele
começou provocando-me, porém, rapidamente, ele tornou-se muito sério.
“Mas porque Don Juan, porque eu devo desistir do sexo?” Perguntei em tom queixoso.
“O que é isso, Don Juan? O que você quer dizer com sexo aborrecido”?
“Uma das coisas mais sérias que os guerreiros fazem”, Don Juan explicou, “é pesquisar,
confirmar e perceber a natureza de sua origem. Os guerreiros devem saber tão
precisamente quanto possam se seus pais estavam sexualmente excitados quando eles o
conceberam ou se eles estavam meramente cumprindo uma função conjugal. A
atividade sexual civilizada é muito monótona para os participantes. Os feiticeiros
acreditam, sem resquício de dúvidas, que crianças concebidas nos costumes modernos
são produtos de uma muito aborrecida... relação sexual. Não faço ideia de outra forma
de como poderia chamar isso. Se eu usasse outra palavra seria um eufemismo e o termo
perderia seu impacto”.
Após ouvir isso incessantemente eu comecei a ponderar seriamente sobre o que ele
estava querendo dizer. Eu pensei que tinha o compreendido. A dúvida me incomodava
toda vez que eu encontrava a mim mesmo fazendo a mesma pergunta: “o que é um sexo
aborrecido, Don Juan”? Imaginava que inconscientemente eu queria que ele repetisse o
que já tinha dito dezenas de vezes.
“Não veja com má vontade minha insistência”, Don Juan costumava me dizer toda vez.
Levará anos de luta antes que você admita que seja fruto de sexo aborrecido. Então, vou
repetir novamente: se não há excitação no momento da concepção, a criança que nasce
de tal união será intrinsicamente, dizem os feiticeiros, da maneira tal como ela foi
concebida. Desde que não haja excitação entre os amantes, mas talvez meramente
desejo mental, a criança deve arcar com as consequências deste ato. Os feiticeiros
asseveram que tais crianças são carentes, fracas, instáveis e dependentes. Essas crianças,
dizem os feiticeiros, são as crianças que jamais saem de casa; elas permanecem imóveis
na vida. A vantagem de tais seres é que eles são extremamente consistentes em meio a
sua fraqueza. Essas crianças poderiam fazer o mesmo trabalho por toda sua vida sem
jamais sentir a necessidade de mudança. Caso venha acontecer com que elas tenham um
bom exemplo enquanto crianças, elas crescem para ser muito eficientes, mas se elas
falham em ter uma boa referência, não haverá fim para sua agonia, agitação e
instabilidade.
“Os feiticeiros dizem com grande tristeza que uma enorme massa da humanidade foi
concebida desta maneira. Este é o motivo pelo qual ouvimos incessantemente sobre a
urgência de encontrar alguma coisa que nós não temos. Nós buscamos, durante toda
duração de nossas vidas, de acordo com os feiticeiros, por aquela excitação original da
qual fomos privados. É por isso que digo que você é fruto de sexo aborrecido. Eu vejo
angústia e descontentamento escrito em seu corpo inteiro. Mas não se sinta mal. Eu
também sou fruto de sexo aborrecido. Há muitas poucas pessoas, até onde conheço, que
não são assim”.
“O que isso significa pra mim, Don Juan”? Perguntei para ele uma vez, verdadeiramente
preocupado. De alguma forma Don Juan mexeu com minha essência interior com cada
palavra que disse. Eu era exatamente o que ele tinha descrito como sexo aborrecido
criado em um padrão ruim. Finalmente um dia tudo se reduziu a uma afirmação e
questão crucial.
“Admito que sou fruto de sexo aborrecido. O que posso fazer”? Disse.
Don Juan sorriu efervescentemente, lágrimas surgiram em seus olhos. “Eu sei, eu sei”,
ele disse, batendo em minhas costas, tentando me confortar, suponho. “Para começar,
não chame a si mesmo de sexo aborrecido”. Ele me olhou com tanta seriedade e
expressão preocupada que eu comecei a tomar notas.
“Escreva tudo”, ele disse encorajadoramente. “O primeiro passo positivo é usar apenas
as iniciais: C.A”.
Escrevi isso antes de perceber a piada. Parei e olhei para ele. Ele estava prestes a
mostrar seu sorriso de canto. Em espanhol, sexo aborrecido é “cojida aburrida”. C.A.,
da mesma maneira que as iniciais do meu nome, Carlos Aranha.
Quando seu sorriso tinha desaparecido, Don Juan descreveu seriamente um plano de
ação para recompensar as condições negativas de minha origem. Ele riu
alvoroçadamente quando me descreveu não apenas como na média do C.A., mas como
aquele que tinha uma carga extra de nervosismo.
“No caminho do guerreiro”, disse, “nada é final”. “Nada é para sempre. Se seus pais
não fizeram você como deveriam, refaça a si mesmo”.
Ele explicou que a primeira manobra dos feiticeiros é tornar-se ávaro por energia. Haja
vista que alguém resultado de sexo aborrecido quase não possui energia, é inútil
desperdiçar o pouco que se possui em padrões que não são adequados para a quantia de
energia disponível. Don Juan recomendou que eu me abstivesse de me engajar em
padrões de comportamento que demandassem a energia que eu não tinha. Abstinência
foi a resposta, não porque era moralmente correta ou desejável, mas porque era
energeticamente o único caminho, para mim, no qual poderia armazenar energia
suficientemente para estar em pé de igualdade com aqueles que eram concebidos sob
condições de enorme excitação sexual.
Os padrões de comportamento do qual ele falava incluíam tudo o que eu fazia, da forma
como eu amarrava meus sapatos, comia, até os modos pelos quais eu me preocupava
com minha apresentação pessoal, ou a maneira com que eu realizava minhas atividades
diárias, especialmente quando se referia ao namoro. Don Juan insistiu para que eu me
abstivesse do intercurso sexual porque eu não tinha energia pra isso.
“Toda sua realização em sua atividade sexual”, ele afirmou, “é conduzi-lo dentro de um
estado de profunda desidratação. Você tem círculos sob seus olhos, seu cabelo esta
caindo; você possui marcas estranhas em suas unhas, seus dentes são amarelos; e seus
olhos estão chorando o tempo todo. As relações com mulheres te causam tanto
nervosismo que você devora sua comida sem mastiga-la, então você está sempre
bloqueado.
Don Juan divertiu-se imensamente ao dizer-me tudo isso que se somou imensamente a
minha humilhação. Sua ultima observação foi, entretanto, como um ato de lançar um
salva-vidas pra mim.
Não desisti de entender esta última parte. Porém, compreendi o suficiente para começar
minha própria batalha a fim de me livrar da base dos conceitos civilizados. Um tempo
depois, o “explorador azul” escreveu um poema que explicou tudo isso para mim.
Part 3
O caminho do guerreiro visto como um paradigma filosófico-prático
Minha inclinação natural era insistir que o bem e o mal tinham que ser condições
inerentes ao universo; tinham que ser essências, não atributos. Quando quer que fosse
que apresentasse meus argumentos para Don Juan, que eram afirmações involuntárias,
ele apontava que meus argumentos perdiam o escopo, que eles eram ditados meramente
pelos caprichos do meu intelecto tal como por minha aflição para definir minha
organização sintática.
“Você é apenas palavra”, ele costumava dizer, “palavras organizadas em uma ordem
agradável; uma ordem que se coaduna com as visões do seu tempo. O que eu lhe dei não
são apenas palavras, mas referências precisas do meu livro de navegação”.
A primeira vez que ele mencionou sobre seu livro de navegação eu estava muito
convicto com o que pensei ser uma metáfora, e eu queria saber mais sobre isso. Tudo o
que Don Juan disse para mim, naqueles dias, eu tomei como uma metáfora. Achei suas
metáforas extremamente poéticas e nunca perdi uma oportunidade de comentar a este
respeito.
“Um livro de navegação! Que bela metáfora, Don Juan”, disse para ele naquela ocasião.
“Metáfora, nada!”, falou. “Um livro de navegação de um feiticeiro não é nada parecido
com o seu mundo de combinação de palavras”.
Don Juan parecia esta consciente do meu raciocínio. Ele riu antes de me responder.
“Não se trata de uma enciclopédia!”, ele disse. É um registro curto e preciso. Eu vou
familiariza-lo com todos os tópicos e você verá que há pouco que você ou qualquer
outra pessoa poderiam adicionar, de uma maneira geral.
“Não posso conceber como poderia ser curto, Don Juan, se esta é a acumulação de todo
conhecimento de sua linhagem”, eu insisti.
“Feiticeiros não se concentram nas permutações. Quando eles estão prontos para viajar
pelo infinito, da mesma maneira, eles estão prontos para perceber a energia como ela
flui no universo, e o mais importante do que qualquer outra coisa, eles são capazes de
reinterpretar o fluxo de energia sem a intervenção da mente”.
Quando Don Juan manifestou, pela primeira vez, a possibilidade de interpretar os dados
sensórios sem a ajuda mente, achei muito difícil de conceber. Don Juan esta
definitivamente consciente de minha sucessão de pensamentos.
“Você esta tentando compreender tudo em termos da sua razão”, ele disse, “e essa é
uma tarefa impossível. Aceite a simples premissa que percepção é percepção, um vácuo
de complexidades e contradições. O livro de navegação que estou lhe dizendo consiste
naquilo que os feiticeiros percebem quando eles estão em um estado de completo
silêncio interior”.
“O que os feiticeiros percebem em um completo estado de silêncio é ver, não é”?
Perguntei.
“Não”, ele disse firmemente, olhando diretamente nos meus olhos. “Ver é perceber a
energia como ela flui no universo, e isso certamente é o começo da feitiçaria, mas a
grande preocupação dos feiticeiros é perceber. Como já lhe disse: perceber, para os
feiticeiros, é interpretar o fluxo direto de energia sem a influência da mente. Esta é a
razão pela qual o livro de navegação é tão esparsa”.
Don Juan então esboçou um esquema de feitiçaria completo ainda que não tenha
entendido uma palavra daquilo. Levou o período de uma vida inteira para eu mudar de
opinião a fim de lidar com o que ele disse para mim naquele tempo:
“Quando alguém esta livre da mente”, ele disse - uma das coisas mais do que
incompreensíveis para mim - “a interpretação dos dados sensoriais não são mais um
assunto tomado como certo. A totalidade do corpo contribui para que isso aconteça; o
corpo como um conglomerado de campos de energia. A mais importante parte desta
interpretação é a contribuição do corpo energético, o corpo duplo em termos de energia;
uma configuração de energia que é a imagem espelhada do corpo como uma esfera
luminosa. A interpretação entre os dois corpos resulta numa interpretação que não pode
ser boa ou má, certa ou errada, mas uma unidade invisível que tem o valor somente para
aqueles que caminham rumo ao infinito”.
“Porque isso não teria valor em nossa vida diária, Don Juan”? Perguntei.
“Porque quando os dois lados do homem, seu corpo físico e seu corpo de energia estão
unidos, o milagre da liberdade acontece. Os feiticeiros dizem que naquele momento
percebemos aquilo por razões estranhas a nós por termos nos detido em nossa jornada
da consciência. Esta jornada interrompida começa novamente no momento do
ingresso”.
“Uma premissa essencial do caminho do guerreiro é, portanto, que a percepção deve ser
intentada em sua plenitude; isso quer dizer que a reinterpretação da energia imediata tal
como ela flui no universo deve ser feita por um homem na posse de suas duas partes
essenciais: corpo e corpo energético. Essa reinterpretação, para os feiticeiros, é integral
e, como você entenderá algum dia, ela deve ser intentada”.
Parte 4
O caminho do guerreiro visto como um paradigma filosófico-prático.
O CORPO DE ENERGIA
Don Juan disse que, para os feiticeiros, o corpo físico e o corpo de energia constituem
uma unidade. Mais tarde ele explicou que os feiticeiros acreditam que o corpo físico
envolve tanto o corpo quanto a mente como os conhecemos e que o corpo físico e o
corpo de energia são apenas configurações de energia contrabalanceadas no nosso reino
humano. Visto que não há algo como um dualismo entre corpo e mente, o único
dualismo possível que existe é entre o corpo físico e o corpo de energia.
“O que você quer dizer por conglomerado de campo de energia”? Perguntei a Don Juan
quando ele me disse sobre isso pela primeira vez. “Os campos de energia são
comprimidos juntos por alguma estranha força de aglutinação”, ele respondeu. “Uma
das artes dos feiticeiros é chamar o corpo de energia, que ordinariamente esta muito
longe de sua contraparte, o corpo físico, e traze-lo mais próximo para que ele possa
começar a presidir energeticamente sobre todas as coisas que o corpo físico faz”.
“Se você quer ser mais exato”, Don Juan continuou, “você pode dizer que quando o
corpo de energia esta muito próxima do corpo físico, um feiticeiro vê duas esferas
luminosas, quase superpostas uma sobre a outra. Ter nossa energia gêmea por perto
seria nosso estado natural ou, ao menos seria, se não fosse pelo fato de que algo
empurrou para longe nosso corpo de energia, começando no exato momento do nosso
nascimento”.
Seguindo as mesmas práticas, os feiticeiros podem mudar sua solidez, corpos físicos
tridimensionais em uma perfeita réplica do corpo de energia; ou seja, um conglomerado
de puro campo de energia que são invisíveis aos olhos normais, como toda energia é;
como uma carga de energia etérea capaz de atravessar uma parede, por exemplo.
“É possível transformar o corpo em tamanho grau, Don Juan? Ou você esta apenas
descrevendo uma proposição mítica”? Eu perguntei, maravilhado e perplexo quando
ouvi tais afirmações.
“Não há nada mítico sobre os feiticeiros”, ele respondeu. “Os feiticeiros são seres
pragmáticos e o que eles descrevem é sempre algo sóbrio e com os pés no chão. Nossa
desvantagem é a relutância em permanecer longe de nossa linearidade. Isso nos torna
seres incrédulos que se matam para acreditar na pior coisa que se pode imaginar”.
“Quando você fala desse jeito, Don Juan, você sempre se refere a mim”, eu disse.
“Porque estou matando a mim mesmo para acreditar”?
“Você mata a si mesmo para acreditar, por exemplo, que antropologia é significativa ou
que ela existe. Tal como um homem religioso mata a si mesmo para acreditar que Deus
é um homem que reside sobre as nuvens e que o diabo é um malfeitor cósmico que
mora no inferno”.
Este era o estilo de Don Juan para fazer um recorte, mas observado de uma maneira
espantosamente precisa sobre minha pessoa no mundo. Quanto mais mordaz e direta
eram essas observações, maior era seu efeito sobre mim e maior minha decepção em
ouvi-las. Outro desses mecanismos didáticos era me oferecer informações
extremamente pertinentes sobre o conceito dos feiticeiros de modo que eram leves, mas
profundamente críticas diante da minha compulsão em comprometer-me com
explicações lineares. Perguntei a ele uma vez, enquanto discutíamos o tópico do corpo
de energia, uma de minhas questões:
“Através de qual processo”, disse, “podem os feiticeiros transformar seus corpos etéreos
de energia em um corpo sólido tridimensional, e seus corpos físicos em energia etérea,
capaz de atravessar parede”?
Don Juan, adotando uma seriedade de professor, levantou seu dedo e disse: “através da
volição – embora nem sempre consciente – ainda assim, dentro de nossas capacidades,
porém não totalmente no campo de nossa habilidade imediata, o uso da força de
aglutinação amarra o corpo físico ao corpo de energia, como dois conglomerados de
campo de energia”.
Com este veio de provocação, sua explicação foi, todavia, uma descrição
fenomenológica extremamente precisa de processos inconcebíveis para nossas mentes
lineares, embora continuamente realizadas por nossos recursos energéticos ocultos. Os
feiticeiros sustentam que a ligação entre o corpo físico e o corpo de energia é uma força
misteriosa de aglutinação que usamos incessantemente sem que estejamos cientes dela.
Ele também disse que quando o corpo físico e o corpo de energia não estão unidos, a
conexão entre eles é uma linha etérea, por veze tão tênue que sequer parece existir. Don
Juan estava certo de que a corpo de energia é empurrado cada vez mais longe quando o
corpo físico envelhece e que a morte surge como resultado do rompimento desta tênue
conexão.
Uma das perguntas que tem sido feitas com uma notável insistência esta relacionada
com as três pessoas que têm ministrados os seminários e workshops até agora: Kylie
Lundahl, Reni Murez e Nyei Murez. Elas têm sido chamadas de “as chacmools”. Este é
um termo tirado do nome dado a algumas formas humans maciças encontradas nas
pirâmides de Tula e Yukatan no México. Os arqueologistas classificaram estas formas
maçicas de homens reclinados colocados nas entradas da pirâmide como “queimadores
de incenso”, mas Don Juan acreditava que eles eram representações de guerreiros
guardiães que protegiam as pirâmides como locais de poder.
O fardo recaiu, entretanto, sobre Kylie Lundahl, Reni Murez and Nyei Murez por terem
sido as primeiras pessoas a aplicar na vida diária os movimentos chamados “passes
mágicos”, descobertos pelos xamãs que viveram no México em tempos remotos; sobre
essas três mulheres também recaiu a alegria e a honra por terem levado os passes
mágicos para o público em geral. E o ato de trazê-los deveria liberta-los; deveria, além
disso, cortar seus laços de autoimportância que comanda os atos da vida diária.
Idealmente, Tesengridade deveria trazer liberdade para seus praticantes, e as três
chacmools conhecidas pelos participantes nos nossos seminários e workshops deveriam
se beneficiar dessa situação. Porém, a novidade de levar ao consumo do público algo tão
sigiloso como os passes mágicos tem sido um problema que não tivemos como
antecipar. Após dizer adeus e muito obrigado para a audiência no seminário do dia 9 e
10 de dezembro de 1995, as três chacmools irão dirigir outra camada de assuntos de
diversos níveis sobre o caminho do guerreiro. Elas testarão sua disciplina contra
situações indeterminadas.
Aqui estão duas perguntas que nós gostaríamos de abordar nesta matéria. A primeira é:
Quando eu verei? Tenho praticado Tesengridade constantemente e tenho
recapitulado o máximo que posso. O que vem agora?’
Ver a energia tal como ela flui no universo tem se constituído como a primeira meta dos
feiticeiros desde o começo de sua busca. Por milhares de anos, de acordo com Don
Juan, guerreiros tem se esforçado para quebrar o efeito do nosso sistema de
interpretação para serem capazes de perceber a energia diretamente. A fim de realizar
esse feito eles desenvolveram, através dos milênios, passos muito exigentes. Não
queremos chamar essas etapas de “praxes” ou “procedimentos”, mas antes, “manobras”.
O caminho do guerreiro é, neste sentido, uma manobra constante, dirigida para apoiar os
guerreiros para que eles possam cumprir a meta de ver diretamente a energia.
Visto que as diversas premissas do caminho do guerreiro são discutidas em cada tópico
deste diário na seção chamada O caminho do guerreiro como um paradigma
filosófico-prático, se tornará óbvio que os esforços dos feiticeiros tem sido e são
dirigidos no sentido de bloquear a predominância da autoimportância como o único
meio de suspender os efeitos de nosso sistema de interpretação. Os feiticeiros possuem
uma explicação sobre a suspensão desses efeitos, eles o chamam de “parar o mundo”.
Quando eles atingem esse estado, eles veêm a energia diretamente.
A razão pela qual Don Juan aconselhou refrear o foco na “praxes” e nas rotinas é
porque, aliado a pratica de Tesengridade, recapitulação ou na jornada pelo caminho do
guerreiro, os praticantes devem intentar sua transformação; eles devem intentar parar o
mundo. Portanto, não é meramente seguir os passos que contam. O mais importante é
intentar os efeitos de seguir estes passos.
Você esta fazendo algo por mim através da Tesengridade? Hoje eu senti algo se
movendo sobre minhas costas e estou com medo. Parei de fazer Tesengridade até
que você esclareça isso. Essa tem sido nossa experiência que a maioria das pessoas
racionais, tal como advogados, por exemplo, ou psicólogos, nos tem perguntado a
respeito. Alguns anos atrás Florinda Donner-Grau fez a seguinte afirmação em espanhol
para uma de suas amigas, uma mulher muito culta e séria: “Eres tan linda que te
queremos robar”. Você é tão querida que queremos te roubar”. Em espanhol, esta frase
é completamente correta como uma expressão de ternura.
Florinda não viu sua amiga até um ano mais tarde, quando ela comunicou a Florinda
que tinha que ve-la como conselho de seu psiquiatra. Ela queria confrontar Florinda e
seu grupo depois de um ano de análise motivada por obsessão, sonhos recorrentes no
qual uma força inumana estava tentando tira-la de sua família e de seus amigos
próximos. Na sua mente, aquela força inumana era, obviamente, Florinda Grau e seu
grupo.
Nada disso é novo para nós. Cada um de nós teve o mesmo sentimento e realizou a
mesma pergunta para Don Juan Matus em diversos graus de severidade. Nós todos
sentimos alguma coisa se movendo sobre nossas costas. Don Juan disse que era um
músculo agradecido por ter sido alimentado com oxigênio pela primeira vez, após
termos realizado os passes mágicos. Ele assegurou para cada um de nós,
autoimportantes reclamões, que ele precisava de nós da mesma forma que precisava de
um buraco na cabeça. Ele nos lembrou de que ele tinha compromissos diários com o
infinito; compromissos do qual tinha que se encarregar em estado mental de profundo
relaxamento e pureza, e que influenciar os outros não era de modo algum parte daquela
necessidade de relaxamento e pureza. Ele assinalou para nós que a ideia de que temos
sido manipulados por alguma força do mal que nos pegou pelo pescoço, como uma
cobaia, foi produto pelo nosso hábito de vida e gosto por sermos vítimas. Ele gostava de
nos repreender em um tom zombeteiro de desespero: “ele esta fazendo isso para mim, e
eu não posso me ajudar”.
A recomendação que Don Juan deu a nós, considerando nossos medos de ser
indevidamente influenciados, foi um tipo de paródia da agitação política dos anos
sessenta, quando a seguinte afirmação era um tipo de máxima da atividade política
daqueles tempos: “em caso de dúvida, queime”. Don Jun alterou a máxima para: “em
caso de dúvida, seja impecável”.
Nos dias de hoje, compreendemos a posição de Don Juan quando ele disse “é
impossível se realizar, cheio de temor, ideais equivocadas e mal procedimento, quando
a verdadeira meta da feitiçaria é: uma jornada para o infinito”. Quando nós ouvimos
nossas velhas queixas exclamadas por alguma outra pessoa, nosso ato de
impecabilidade é para assegurar para aquele que se queixa, que nós estamos em busca
da liberdade e que a liberdade é livre; livre no sentido de que é gratuita e livre no
sentido de não possuir a assombrosa fascinação obsessiva e infundada da
autoimportância.
De novo, tal como nos outros casos que relatei anteriormente, esta não é uma nova
questão. Tenho dado minha própria versão disso incontável número de vezes para Don
Juan. Havia dois níveis de abstração ao qual ele se feria toda vez que respondia questões
como esta, colocada por qualquer um de seus discípulos - sei que todos eles
perguntaram a mesma questão alguma vez ou outra, no mesmo ânimo de desesperança,
abatimento e inutilidade.
No primeiro nível, o nível das praticidades, Don Juan destacava que a execução dos
passes mágicos, por si mesmo, conduz o praticante a um incomparável estado de bem-
estar. “A façanha física e mental que resulta da execução sistemática dos passes
mágicos”, ele costumava dizer, “é tão evidente que qualquer discussão sobre seus
efeitos é irrelevante. O que se precisa fazer é praticar incessantemente para só então
considerar o proveito ou inutilidade de tudo isso”.
Eu estava na mesma situação dos outros discípulos de Don Juan ou a pessoa que
colocou essa questão para mim. Eu sentia e acreditava que não estava qualificado para o
caminho do guerreiro, pois meus defeitos eram exorbitantes. Quando Don Juan me
perguntava quais eram meus defeitos, me encontrava como um resmungão, incapaz de
descrever aquelas falhas que me aflingiam tão profundamente. Eu me justifiquei de tudo
isso ao dizer pra ele que eu tinha uma sensação de derrota que parecia ser a marca de
toda minha vida. Eu me via como um campeão em realizar coisas idiotas que nunca me
levaram a lugar algum. Este sentimento foi expresso por meio de dúvidas e tribulações
além de uma necessidade sem fim de justificar todas as coisas que eu fazia. Sabia que
eu era fraco e indisciplinado em áreas que não tinha interesse. Meu senso de derrota foi
a consequência natural desta contradição. Quando eu afirmei e reafirmei minhas dúvidas
para ele, Don Juan destacou que o pensamento obsessivo sobre si mesmo era a coisa
mais cansativa que ele conhecia.
“Pensar somente sobre si mesmo”, ele me disse uma vez, “produz uma fadiga estranha;
a mais esmagadora e sufocante fadiga”.
Tudo isso esta no nível das praticidades. O outro nível que Don Juan se referia chamava
de o reino mágico: a convicção dos feiticeiros de que nós somos, de fato, seres mágicos;
o fato de que vamos morrer torna-nos poderosos e decisivos. Os feiticeiros acreditam
que se realmente seguirmos estritamente o caminho do guerreiro poderimaos usar nossa
morte como uma força guia a fim de nos tornarmos seres que vão morrer. Na visão dos
feiticeiros, os seres que vão morrer são mágicos por definição e eles não morrem a
morte trazida pela fatiga, o desgaste e a fraqueza, mas continuam em uma jornada de
consciência. A consciência de que eles vão morrer de fatiga, desgaste e lágrimas caso
não reivindiquem sua natureza mágica, os torna únicos e engenhosos.
“Em um dado momento de nossas vidas, se nós assim desejarmos”, disse Don Juan para
mim certa feita, “aquela singularidade mágica e o poder surgem em nossas vidas tão
delicadamente como se fosse algo tímido”.
Certa vez, o explorador azul escreveu um poema que sempre parecia, para mim, a
representação mais apropriada sobre a reconquista de nossa expressão mágica:
Voô do anjo
Pelo explorador azul
Tem havido uma série de perguntas feitas por diferentes pessoas sobre os mesmos
tópicos. Esta preocupação deveria ser classficiada, em termos gerais, como “o que
acontecerá comigo”? Pessoas têm me perguntado sobre isso pessoalmente, por escrito,
ou tenho ouvido a mesma preocupação por meio de terceiros.
A seguinte questão foi perguntada neste tom: “entendo que você esta tentando reunir
uma massa de pessoas, já que seu plano de feitiçaria original falhou. Estou fisgado pelo
que você fez. Qual seu plano em relação a mim”?
Esta é uma pergunta que deveria ser destinada a um guru, um instrutor espiritual. Não
me vejo como guru nem como instrutor espiritual, mas como alguém que esta tentando
atribuir um significado ao trabalho dado por Don Juan. Ele estava se referindo ao meu
papel em relação aos demais discípulos, meu grupo, quando ele disse:
“Tudo o que você pode aspirar é ser um conselheiro. Você deve mostrar um erro se
você vê-lo; você deve aconselhar sobre o caminho adequado para se fazer algo, porque
você estará observando tudo a partir do ponto privilegiado do silêncio total. Os
feiticeiros chamam isso de „a visão da ponte‟. Os feiticeiros vêem a água - a vida - como
ela flui sob a ponte. Seus olhos estão, por assim dizer, direto ao ponto onde a água
escorre por debaixo da ponte. Eles não podem ver adiante. Eles não podem olhar para
atrás. Eles podem ver apenas o agora”.
Eu realizei o esforço derradeiro e continuarei a fazê-lo para cumprir este papel. Quando
uma pessoa esta interessada e diz “estou fisgada”, não ouso acreditar que a pessoa esta
fisgada em mim. Todos nós aprendemos e praticamos a ter uma ligação especial com o
professor. Isso esta enraízado, sem dúvida, por sermos pessoalmente ligados á nossa
mãe ou pai, ou ambos, ou qualquer outra pessoa que desempenha este papel na família
ou em nosso círculo de amizades.
Se eu desse em meus livros a impressão de que Don Juan estava pessoalmente ligado a
mim seria fruto de minha própria má interpretação inconsciente. Ele trabalhou
incessantemente, desde o momento em que o encontrei, para exterminar este impulso
em mim. Ele chamou isso de carência e explicou que ela é desenvolvida e apoiada pela
ordem social, e que a carência é a mais obscena maneira de criar e alimentar uma
mentalidade de escravo. Ele disse que se eu acreditasse que estava “fisgado”, não estava
fisgado a ele pessoalmente, porém à ideia de liberdade, uma ideia pela qual os
feiticeiros passaram formulando por gerações.
Com relação ao fracasso do plano original, tudo que posso dizer é que realmente afirmei
que a linhagem de Don Juan termina comigo junto aos outros três discípulos dele, mas
isso não é uma indicação de fracasso de qualquer plano. É simplesmente uma situação
que os feiticeiros explicam ao dizer: “é uma condição natural como qualquer outra
chegar a um fim”.
O fato de eu ter dito que gostaria de atingir tantas pessoas quanto possível e criar uma
massa de consenso é uma consequência de perceber que estamos no fim da mais
interessante linha de pensamentos e ações. Nós realmente sentimos que somos
recipientes indignos de uma tarefa gigante; a tarefa de explicar que o mundo dos
feiticeiros não é uma ilusão, nem um pensamento desejável.
Outra questão: “você teve um professor. Com eu posso avançar sem um. Estou
preocupado porque não tenho um Don Juan”.
A preocupação é uma maneira genuína de interação em nosso circulo social, nós nos
preocupamos com tudo. A “preocupação” é uma categoria sintática tal como dizer “eu
não entendo”. Preocupar-se não significa estar preocupado com algo; é simplesmente
uma maneira de sublinhar um tópico que possui importância para nós. Dizer que você se
preocupa porque não existe um Don Juan disponível já constitui uma possível
declaração de derrota. É com se essa afirmação abrisse uma saída que permanece pronta
para uso a qualquer momento.
Don Juan mesmo me falou que todas as forças envidadas em me guiar foi um
procedimento necessário estabelecido pela tradição dos feiticeiros. Ele teve que me
preparar para dar continuidade a sua linhagem. Ao longo de todo ano, tem havido um
número de pessoas que viajam para o México procurando por Don Juan. Eles pegam a
narração em meus livros como uma descrição de uma possibilidade aberta. Esta é,
novamente, minha culpa. Não foi porque eu não fui cuidadoso, mas antes, porque eu
tive que me abster de fazer alegações bombásticas de que eu não era de modo algum
especial.
Don Juan estava interessado em perpertuar sua linhagem, não em ensinar seu
conhecimento. Já toquei nesta questão, mas é importante que eu enfatize repetidamente:
Don Juan não foi propriamente um professor. Ele foi um feiticeiro transmitindo seu
conhecimento a seus discípulos, exclusivamente para a continuidade de sua linhagem.
Haja vista que sua linhagem chegou a um desfecho comigo e seus outros três discípulos,
ele mesmo propôs que eu escrevesse sobre este conhecimento. E precisamente devido a
sua linhagem ter chego ao fim, que seus discípulos abriram a porta fechada do mundo
dos feiticeiros e estão agora trabalhando para explicar o que é a feitiçaria tal como os
feiticeirso fazem.
Os feiticeiros dizem que o único guia ou professor possiviveis que temos é o espírito,
significando o abstrato, a força impessoal que existe no universo, consciente de si
mesma. Talvez, poderia ser chamado por outro nome, tal como consciência, cognição,
força de vida. Os feiticeiros acreditam que ela permeia todo o universo, pode guia-los, e
tudo que precisam para alcançar esta força é o silêncio interior; assim, eles alegam que
nosssa ligação é exclusiva com esta força, e não com uma pessoa.
Outra questão feita com bastante frequência é: “como você nunca falou sobre
Tesengridade em seus livros e porque você esta falando sobre isso agora”?
Nunca falei sobre Tesengridade antes porque Tesengridade é a versão dos movimentos
dos passes mágicos criado pelos discípulos de Don Juan, que foram desenvolvidos pelos
xamãs que viveram no México em tempos antigos, precursores da linhagem de Don
Juan. Tesengridade é baseada naqueles passes mágicos e parte de um acordo realizado
pelos quatro discípulos de Don Juan Matus para congregar as quatro linhas diferentes de
movimento ensinados para cada um deles individualmente, encaixando-se em suas
respctivas configurações físicas e mentais.
Seguindo o pedido de Don Juan, me abstive por todos esses anos de mencionar os
passes mágicos. As formas altamente secretas por meio das quais os passes mágicos
foram ensinados a mim implicaram num acordo de minha parte para cerca-los com o
mesmo sígilo. O mais próximo que já cheguei de mencionar os passes mágicos foi
quando escrevi sobre a forma que Don Juan “estralava suas juntas”. Era um jeito
engraçado que ele sugeriu para eu me referir aos passes mágicos que ele praticava
incessantemente como “a maneira pela qual ele estalava suas juntas”. Toda vez que ele
executava um desses passos, suas juntas faziam um som de estalo. Ele usou isso para
atrair meu interese e ocultar o verdadeiro significado do que ele estava fazendo.
Quando ele me tornou consciente dos passes mágicos ao me explicar o que eles
realmente eram eu já tinha tentado compulsivamente replicar o som que suas
articulações faziam. Ao suscitar minha competitividade ele “me fisgou”, por assim
dizer, para aprender uma série de movimentos. Eu nunca aintingi aquele som das juntas,
que era um bem disfarçado, porque os músculos e tendões do braço e das costas nunca
deveriam ser pressionados até aquele ponto. Don Juan nasceu com uma facilidade de
estalar as juntas de seus braços e costas tal como algumas pessoas tem a facilidade de
estralar seus dedos.
Registro de Tesengridade
O que é Tesengridade
REGISTRO DE TESENGRIDADE:
O QUE É TESENGRIDADE?
“Tempos anteriores a Conquista Espanhola” é um termo usado por Don Juan Matus, um
feiticeiro índio Mexicano que introduziu Carlos Castaneda, Carol Tiggs, Florinda
Donner-Grau e Taisha Abelar ao mundo cognitivo dos xamãs que viveram no México,
de acordo com Don Juan, entre 7000 e 10000 anos atrás.
Don Juan explicou para seus quatro discípulos que aqueles xamãs, ou feiticeiros, como
ele os chamava, descobriram através da experiência, inconcebíveis para ele, que é
possível para os seres humanos perceberem diretamente a energia tal como ela flui no
universo. Em outras palavras, aqueles feiticeiros afirmaram, de acordo com Don Juan,
que nenhum um de nós pode eliminar, por um momento, o nosso sistema de converter o
fluxo de energia em dados sensórios pertinentes ao tipo de organismo que somos (em
nosso caso, macacos). Transformar o fluxo de energia em dados sensoriais cria,
afirmam os feiticeiros, um sistema de interpretação que converte o fluxo de energia do
universo no mundo cotidiano que conhecemos.
Don Juan explicou mais tarde, que uma vez estabelecido a validade de perceber
diretamente a energia, o que eles chamaram de “ver”, aqueles feiticeiros dos tempos
antigos prosseguiram a fim de apurar a validade do que viam aplicando a si mesmos.
Isso significa que eles percebiam um ao outro, quando quer que desejassem, como um
conglomerado de campos de energia. Os seres humanos percebidos em tal forma
aparecem aos videntes como uma esfera iluminada gigante. O tamanho dessas esferas
luminosas é a amplitude dos braços estendidos.
Esta arte foi definida por aqueles feiticeiros como a utilização pragmática dos sonhos
orginários para criar uma entrada para outros mundos através do ato de deslocamento do
ponto de aglutinação tal como a sustentação da nova posição de maneira confortável. A
observação daqueles feiticeiros por meio da pratica da arte de sonhar foi uma mistura da
razão com a visão direta da energia tal qual ela flui no universo. Eles perceberam aquilo
na sua posição habitual, o ponto de aglutinação é o lugar onde se converge uma
minúscula porção dos filamentos de energia que constitui o universo, mas se o ponto de
aglutinação muda de localização, dentro do ovo luminoso, uma porção diferente de
minúsculos campos de energia converge sobre ele, resultando em um novo fluxo de
dados sensoriais: diferentes campos de energia daqueles habituais são convertidos em
dados sensoriais, e aqueles campos de energia diferentes são interpretados como um
mundo igualmente diferente.
A arte de sonhar tornou-se para aqueles feticieros sua mais absorvente prática. No
decurso daquela prática, eles experimentavam estados inegualáveis de proeza física e
bem-estar, e diante dos esforços para replicar aqueles estados nas suas horas de vigília,
descobriram que podiam ser capazes de reproduzi-la seguindo certos movimentos do
corpo. Seus esforços culminaram na descoberta e desenvolvimento de um grande
número de tais movimentos, que eles chamaram passes mágicos.
Os passes mágicos daqueles feiticeiros do México antigo tornou-se sua mais estimada
possessão. Eles cercaram os passes mágicos com rituais e mistérios e apenas os
ensinaram para seus iniciados sob as brumas de um grande sígilo. Esta foi a maneira
pela qual Don Juan ensinou os passes a seus discípulos. Seus discípulos, como o último
elo de sua linhagem, chegaram a unânime conclusão de que qualquer outro segredo
sobre os passes mágicos iria contra o interesse que eles tinham em fazer o mundo de
Don Juan disponível para seus contemporâneos. Eles decidiram, portanto, resgatar os
passes mágicos de sua condição obscura. Criaram dessa forma a Tesengridade, que é
um termo próprio da arquitetura e significa “a propriedade da estrutura do esqueleto que
emprega membros de tensão continúa e membros descontinuados de compressão de tal
forma que cada membro opera com a máxima eficiência e economia”.
Este é o nome mais apropriado por ser a mistura de dois termos: tensão e integridade;
termos que conotam as duas forças motrizes dos passes mágicos.
Afirmou-se anteriormente que Don Juan e os outros praticantes como ele, que um
feiticeiro era qualquer pessoa que através da disciplina e propósito era capaz de
interromper os efeitos do sistema de interpretação que usamos para construir o mundo
que conhecemos. Os feiticeiros sustentam que a energia como um todo é transformada
em dados sensoriais e estes dados sensoriais são interpretados como o mundo cotidiano.
Um feiticeiro é, portanto, um manobrista de interferência; um manobrista através do
qual um fluxo é interrompido. Para os feiticeiros, a feitiçaria não tem nada a ver com
encatamentos e rituais, que são meras concatenações dirigidas para obscurecer
propositadamente sua verdadeira natureza e objetivo: a ampliação dos parâmetros da
percepção normal.
Para Don Juan Matus, os praticantes de feitiçaria eram guerreiros que lutam para
retomar seus atributos de percepção para uma origem que esta mais engolfada do que a
percepção estabelecida na vida diária. Ele chamou este tipo de lutador de “guerreiros
guardiões”, e disse que todos os praticantes como ele eram guerreiros guardiões.
Guerreiros guardiões era, para ele, um sinônimo de feiticeiro.
A única coisa que diferencia um guerreiro guardião de outros guerreiros é o fato de que
uma meta especifica ou propósito foi designado para alguns deles, e não para os demais.
Um caso em questão é, por exemplo, as três Chacmools, conhecidas pelos participantes
dos seminários e Workshops de Tesengridade. Sua proposta especifica era guardar o
outro gardião e, como uma unidade, ensinar Tesengridade.
O esclarecimento sobre o rastreamento de energia dado por Don Juan era qualquer coisa
confusa no ínicio. Mas se tornou cada vez mais clara com o passar do tempo, até que
atingiu um grau de obviedade ao ponto da redundância.
“Rastrear energia é ser capaz de seguir a linha tenuê que a energia deixa assim que ela
flui”, Don Juan explicava. “Nem todos somos rastreadores de energia; porém, surge um
momento na vida de cada praticante quando ele pode seguir o fluxo da energia, mesmo
se ele o faz de maneira desajeitada. Então eu poderia dizer que alguns guerreiros são
mais rastreadores de energia e mais elegantes do que outros porque sua propensão é
rastrea-la”.
A sutileza de sua explicação tornou isso muito difícil para mim, mesmo para conceber
ao que ele se referia. Mais tarde eu me tornei um conhecedor mais aguçado sobre o que
Don Juan tinha em mente. Minha mudança de consciência foi, primeiramente, uma vaga
sensação, derivada principalmente da curiosidade intelectual, que afirmou ser razoável
aceitar aquela energia, embora não soubesse de que energia se tratava, devia deixar uma
pista. Na medida em que meu envolvimento com o mundo de Don Juan Matus se
tornava mais intensa, me convenci de que todos estes conceitos estavam baseados em
observacões diretas feitas em um nível imcompreesivel a minha consciência rotineira.
Don Juan explicou meus questionamentos e sensações como uma consequência natural
de um silêncio interior que gradualmente aprendi a conquistar.
“O que você esta sentindo é o fluxo de energia”, Don Juan me disse. “É como uma
suave carga elétrica, ou como um estranho formigamento no seu plexo solar, ou acima
de seus rins. Não é um efeito visual, ainda que todos os feiticeiros que conheço falem
disso como ver a energia. Contarei-lhe um segredo. Eu nunca vi a energia. Eu apenas a
sinto. Minha vantagem é que eu nunca tentei explicar o que sinto. Apenas sinto o que
quer que eu sinta, e isso é tudo”.
Suas afirmações eram uma revelação para mim. Ocorreu-me de sentir o que ele estava
descrevendo. A partir daquele ponto passei a aceitação daqueles novos sentimentos
como eventos em minha vida sem tentar explica-los por uma relação de causa e efeito.
No tópico sobre rastrear energia, Don Juan também disse que poderia se formar um elo
entre os guerreiros guardiões devido a grande aproximação entre eles; e que os
membros de tal elo poderiam mostrar muito bem uma memorável capacidade de rastrear
energia. Tal evento acontenceu entre nós depois do colapso das Chacmools. E um novo
formato surgiu; um grupo de guerreiros guardiães tornou-se, quase derrepente,
estranhamente capaz de rastrear energia. Essa capacidade foi manifestada pelo seu
estranho nervosismo e pela sua agilidade de agarrar novas situações com misteriosa
segurança. Se o moderno jargão era pra ser usado, poderia se dizer que os rastreadores
de energia são “canalizadores” por excelência. Mas a ideia de canalizar implica em
certo grau de vontade por parte do praticante o qual, como o termo descreve, canaliza
coisas dentro dele ou dela mesma. Rastreadores de energia, por outro lado, não impõe
sua vontade. Eles simplesmente permitem a energia revelar-se a eles.
Don Juan Matus, ao me familiarizar com as proposições daqueles feiticeiros dos tempos
antigos, ressaltou incessantemente o fato de que a realização dos passes mágicos era, até
onde ele sabia, o único meio de firmar as bases para se tornar plenamente consciente
daquela força vibratória de ligação; alguma coisa que acontece quando todas as
premissas do caminho do guerreiro estão internalizadas e postas em prática.
Foi sua habilidade como instrutor que fez daquelas premissas um objeto materializado;
em outras palavras, ele lidou como as premissas do caminho do guerreiro de tal maneira
que foi possível para mim e para outros discípulos transforma-los em unidades em
nossas vidas diárias.
Sua alegação era que essa força vibratória e aglutinadora que une os conglomerados de
campos de energia que somos é aparentemente similar ao que os astrônomos modernos
acreditam acontecer no núcleo de todas as galáxias que existem no cosmos. Eles
acreditam que lá, em seus núcleos, uma força de incalculável energia mantem as estrelas
da galáxia em seu lugar. Esta força, chamada buraco negro, é um constructo teórico que
parece ser a explicação mais razoável para a razão em virtude da qual as estrelas não
fogem de sua órbita, dirigidas por sua própria velocidade de rotação.
O homem moderno descobriu, através da pesquisa dos cientistas, que existe uma força
unificadora que mantem unidos os elementos componentes do átomo. Pelo mesmo
motivo, os elementos componentes das células são mantidos unidos por uma força
semelhante que parece obriga-las a combinar-se na forma de tecidos e órgãos concretos
e individuais. Don Juan disse que aqueles feiticeiros que viveram no México antigo
sabiam que os seres humanos, tomados como um conglomerado de campos de energia,
estão unidos não por um involucro ou ligamento energéticos, mas por algum tipo de
vibração que torna todas as coisas simultaneamente vivas e no devido lugar; alguma
energia, alguma força vibratória, algum poder que cimenta aqueles campos de energia
em uma unidade energética singular.
Don Juan explicou que aqueles feiticeiros, através de suas praticas e disciplina,
tornaram-se capazes de lidar com a força vibratória, visto que eram plenamente
conscientes dela. Sua perícia em lidar com esta força tornou-se tão extraordinária que
suas ações eram transformadas em lendas, eventos mitológicos que existem apenas nas
fábulas. Por exemplo, uma das histórias que Don Juan me disse sobre os antigos
feiticeiros foi de que eles eram capazes de dissolver sua massa física através do mero
direcionamento de sua plena consciência e intento naquela força.
Don Juan afirmou que, embora eles fossem realmente capazes de atravessar a câmera
escura caso avaliassem necessário, eles nunca estavam satisfeitos com os resultados de
sua manobra de dissolver suas massas. A razão de seu descontentamento era que, uma
vez que sua massa era dissolvida, o mesmo acontecia com sua capacidade de agir. Eles
eram deixados somente com a alternativa de testemunhar eventos nos quais eles eram
incapazes de participar. Suas seguidas frustrações, como resultado de serem
incapacitados de agir, converteu-se, de acordo com Don Juan, em sua falha crítica: sua
obsessão em desvelar a natureza da força vibratória, uma obsessão dirigida por sua
concretude, fazendo-os desejar o domínio e o controle daquela força. O desejo ardente
daqueles homens era atacar a condição espectral da natureza destituida de massa, algo
que Don Juan afirmou que nunca poderia ser realizado.
.
Os praticantes dos dias de hoje, herdeiros culturais daqueles feiticeiros da antiguidade,
descobriram que não é possível conceber de uma maneira concreta e utilitária aquela
força vibratória, então optaram pela única alternativa racional: tornar-se consciente
daquela força com nenhum outro propósito a vista senão a elegância e bem-estar
trazidos pelo conhecimento.
A única instância permissiva a qual Don Juan conferiu para a utilização do poder da
força vibratória de aglutinação foi sua capacidade de fazer os feiticeiros queimarem
interiormente quando chega o momento deles deixarem este mundo. Don Juan disse que
é muito simples para os feiticeiros colocarem a totalidade de sua consciência na força de
ligação com o intento para queimar, que para longe vão, como um sopro de vento.
COMO PRATICAR TESENGRIDADE
REGISTRO DE TESENGRIDADE
Os passes mágicos foram tratados desde o inicio, pelos xamãs do México antigo, como
algo único, e nunca foram usados como uma série de exercícios para desenvolver a
musculatura ou a agilidade. Don Juan disse que eles eram vistos como passes mágicos
desde o promeiro momento que foram formulados. Ele descrveu a “magia” dos
movimentos como uma mudança sutil que os praticantes experienciam ao executa-los;
uma qualidade efêmera que o movimento trás para seus estados corporais e mentais, um
tipo de brilho, uma luz sobre os olhos. Ele falou dessa mudança sutil como um “toque
do espírito”; como se os praticantes, através dos movimentos, restabelesessem o elo
perdido com a força de vida que os sustentam. Mais tarde ele explicou que os
movimentos eram chamados de passes mágicos porque ao praticá-los, os feiticeiros
eram transportados, em termos de percepção, para outros estados de ser, nos quais eles
poderiam sentir o mundo de uma maneira indescritivel.
“Devido a sua qualidade, em virtude de sua mágica”, Don Juan me disse uma vez, “os
passes não devem ser praticados como exercícios, mas como um meio de acenar para o
poder”.
“Mas eles podem ser tomados como movimentso físicos, embora eles nunca tenham
sido vistos como tais”? Perguntei.
“Você pode praticá-los como quiser”, Don Juan respondeu. “Os passes mágicos
ampliam a consciência, sem levar em conta o modo como você os considera. Seria
inteligente toma-los como eles são; passes mágicos que ao serem praticados conduzem
os praticantes a derrubar as máscaras da socialização”.
“A aparência que todos nós defendemos ou pela qual morremos”, ele disse. “A
aparência que nós adquirimos no mundo; aquela que nos impede de atingir todo nosso
potêncial; aquela que nos faz acreditar que somos imortais”.
Tesengridade, sendo a versão moderna dos passes mágicos, tem sido ensinada até agora
como um sistema de movimentos visot que este tem sido a única maneira pela qual este
assunto vasto e misterioso dos passes mágicos poderia ser enfrentado no contexto
moderno. As pessoas que agora praticam Tesengridade não são xamãs praticantes;
portanto, a ênfase nos passes mágicos tem de ser no seu valor como movimento.
O ponto de vista que tem sido adotado neste caso é que o efeito físico dos passes
mágicos é o tema mais importante para o objetivo de estabelecer uma base sólida de
energia nos praticantes. Desde que os xamãs do México antigo ficaram interessados nos
outros efeitos dos passes mágicos, eles fragmentaram series extensas de movimentos em
uma única unidade, e praticaram cada fragmento como um segmento individual. Na
Tesengridade, os fragmentos têm sido recompostos em seu formato original. Desta
maneira, um sistema de movimentos foi obtido, um sistema no qual os próprios
movimentos são enfatizados acima de tudo.
Em outro aspecto, a maneira pela qual a Tesengridade tem sido ensinada é uma fiel
reprodução do modo pelo qual Don Juan ensinou os passes mágicos para seus
discípulos. Ele os bombardeou como uma profusão de detalhes e deixou suas mentes
desconcertadas pela quantia e variedade de movimentos tal como pela implicação que
cada um deles individualmente consituia um caminho para o infinito.
Seus discípulos gastaram anos sufocados, confusos e, sobretudo, desanimados, visto que
eles sentiam que ser bombardeado de tal maneira era um ataque injusto. Don Juan,
seguindo o esquema tradicional dos feiticeiros de obscurecer a visão linear dos
praticantes, saturou a memória cinestésica de seus discípulos. Sua alegação era de que
se eles prosseguissem praticando, a despeito de sua confusão, alguns deles, ou todos,
atingiriam o silêncio interior. Ele disse que no silêncio interior tudo se torna claro ao
ponto em que nós somos capazes não apenas de recordar, com absoluta precisão, os
passes mágicos já esquecidos, mas que nós sabemos exatamente o que fazer com eles,
ou o que esperar deles, sem que ninguém nos diga ou nos guie.
A preocupação das pessoas que praticam Tesengridade nos dias de hoje se encaixa
exatamente na preocupação dos discípulos de Don Juan. Pessoas que frequentaram os
seminários e workshops de Tesengridade sentiram-se perplexas pela quantidade de
movimentos. Eles estão clamando por um sistema que os permita integrar os
movimentos em categorias que poderiam ser praticadas ou ensinadas.
Devo enfatizar novamente o que sempre enfatizei desde o inicio: Tesengridade não é
um sistema padronizado de movimentos para desenvolver o corpo. De fato, desenvolve-
se o corpo, mas somente como um subproduto de um propósito mais transcendental. Os
feiticeiros do México antigo estavam convencidos que os passes mágicos conduzem os
praticantes a um nível de consciência no qual os parâmetros da percepção tradicional e
normal são neutralizados pelo fato de serem ampliados. E os praticantes são, deste
modo, possibilitados a ingressar em mundos inimagináveis; mundos que são tão
inclusivos e completos quanto o qual vivemos.
“Mas porque eu deveria querer ingressar naqueles mundos”? Perguntei a Don Juan em
uma ocasião.
“Porque você é um viajante como o resto de nós, seres humanos”, afirmou, de alguma
forma chateado com minha pergunta. “Seres humanos estão numa jornada de
consciência que foi momentaneamente interrompida por forças tenazes. Acredite, somos
viajantes, se nós não viajamos, não temos nada”.
Sua resposta, tampouco, me satisfez. Mais tarde ele explicou que os seres humanos
decaíram moralmente, fisicamente e intelectualmente desde o momento em que eles
pararam de viajar, e que eles estão presos e girando em um turbilhão, por assim dizer,
tendo a impressão de se mover com a correnteza, e assim permanecendo estacionários.
Levou trinta anos de dura disciplina para chegar a um platô cognitivo no qual as
afirmações de Don Jua eram reconhecíveis e sua validade era estabelecida além de
qualquer sombra de dúvida. Seres humanos são, de fato, viajantes. Se nós não viajamos,
não temos nada.
A Tesengridade deve ser praticada com a ideia de que os benefícios de seus movimentos
surgem por si mesmos. Esta ideia deve ser destacada a todo custo. No nível inicial, não
há nenhum modo de direcionar os efeitos dos passes mágicos, e não há qualquer
possibilidade de que alguns desses efeitos poderiam ser benéficos para um órgão ou
outro. Na medida em que adquirimos disciplina e nosso intento torna-se mais claro, o
efeito dos passes mágicos pode ser selecionado individualmente por cada um de nós
para propósitos específicos pertinentes a cada um somente.
Naturalmente, quando me foi dito mais ou menos nos mesmos termos sobre a manobra
dos feiticeiros para saturar a mente no silêncio interior, minha resposta foi a resposta de
qualquer pessoa interessada em Tesengridade nos dias de hoje: “não é que eu não
acredite em você, mas é algo difícil de se acreditar”.
A única resposta que Don Juan tinha para as minhas mais do que justificadas questões
tal como a de seus outros três discípulos era dizer, “peguem minhas palavras, porque
não são afirmações arbitrárias. Minhas palavras são o resultado da corroboração feita
por mim mesmo daquilo que os feiticeiros do antigo México descobriram: que os seres
humanos são seres mágicos”.
O legado de Don Juan inclui algo que tenho repetido e continuarei repetindo: os seres
humanos são seres desconhecidos para si mesmos, completos até a borda com recursos
inacreditáveis que jamais são utilizados.
Ao saturar seus discípulos com movimentos Don Juan realizou duas façanhas
formidáveis: ele trouxe aqueles recursos ocultos para a superfície e quebrou
delicadamente a obsessão de nossa maneira linear de interpretação. Ao forçar seus
discípulos a atingir o silêncio interior ele estabeleceu a continuidade de sua ininterrupta
jornada da consciência. Desta maneira, o estado ideal de qualquer praticante de
Tesengridade, no que tange a seus movimentos, é o mesmo do estado ideal do praticante
de feitiçaria, em relação à execução dos passes mágicos. Ambos são conduzidos pelos
próprios movimentos em uma culminação sem precedência: o silêncio interior.