Artigo Análise Do Livro Didático 7° Ano Ensino Fundamental.
Artigo Análise Do Livro Didático 7° Ano Ensino Fundamental.
Artigo Análise Do Livro Didático 7° Ano Ensino Fundamental.
O livro didático, muitas vezes, é o único material impresso de que os alunos dispõem e
a primeira experiência para a construção do saber sobre o “outro”. Por intermédio de textos e
imagens, são passadas ideias a respeito de como a sociedade chegou a ser o que é e como ela
se constitui até os dias atuais.
Os materiais didáticos são considerados por Circe Maria Fernandes Bittencourt como
“mediadores do processo de aquisição de conhecimento, bem como facilitadores da apreensão
de conceitos, do domínio de informações e de uma linguagem específica da área de cada
disciplina” (BITTENCOURT, 2011:296). Portanto, estudá-los faz-se necessário à medida que
são identificados como instrumentos de controle do ensino.
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História e Cultura Social da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/FRANCA).
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Para que os materiais utilizados nas escolas não se tornem veiculadores de conceitos
equivocados é importante a análise de seus conteúdos e o comprometimento de gestores e
professores na escolha dos livros que serão utilizados.
Frente à importância do livro didático no ambiente escolar é necessário verificar se as
determinações da Lei 11.645/08 e do tema transversal Pluralidade Cultural dos PCNs que
tratam sobre a questão indígena estão sendo abordado no livro de História do Ensino
Fundamental, aqui escolhido, superando os argumentos excessivamente etnocêntricos e
eurocêntricos, marcados pela sobreposição da ação dos brancos de origem européia e seu
aspecto “civilizador”, valorizando uma “brancura”, relegando a um caráter excludente as
contribuições indígenas ou se atingem as especificidades e realidades dessa população
transpondo as estruturas cognitivas enraizadas na maneira de pensar a história brasileira que
orientam a percepção e reprodução de um imaginário onde os indígenas permanecem como
povos ausentes, imutáveis, a-históricos e algumas vezes tidos como vítimas de uma terrível
“injustiça histórica” que lhes tiraram o direito da terra. Dessa forma não surgem enquanto
atores históricos concretos, dotados de trajeto próprio, participantes de guerras pelo controle
de espaços geográficos específicos, mas como aliados, beneficiários e instrumento dos
conquistadores sendo incapazes de se reelaborarem, tornando-se eternos portadores de alguns
mesmos “traços” que dariam homogeneidade ao conhecimento veiculado sobre os indígenas
no Brasil. (BITTENCOURT, 2011:296).
existentes antes da colonização, levando a supor que a existência deste território inicia-se com
a chegada dos portugueses.
Na primeira subdivisão do capítulo percebe-se que o material trabalha com o conceito
de exploradores e explorados atribuindo ao europeu o papel de protagonistas das relações com
os nativos. “Os exploradores portugueses não encontraram ouro ou pedras preciosas em suas
primeiras incursões à América. Por essa razão, a Coroa procurou garantir seus domínios no
Oriente, principalmente das lucrativas rotas de comércio nas Índias”.
(PROJETOARARAIBÁ, 2010:166). Como destacado, os índios só aparecem em função do
colonizador. Em uma nova perspectiva de trabalho, recomendada por Maria Regina Celestino
Almeida, a autora descarta a interpretação de aculturação e resistência como pólos opostos,
demonstrando que a colonização não significou para os índios apenas perdas e prejuízos,
sendo entendida como espaço possível de sobrevivência desses grupos(ALMEIDA,2003:28).
Ao afirmar que “se os europeus cedo compreenderam as hostilidades entre os grupos
indígenas e utilizaram-se delas em proveito próprio, a recíproca é verdadeira”
(ALMEIDA,2003:28), a autora, diferentemente do livro didático, está em sincronia com a
proposição do PCNs que argumenta transpor a dicotomia entre exploradores e explorados já
que “diante da busca de homogeneização cultural que se tentou impor, diferentes grupos no
Brasil tiverem de resistir, recolocar-se, recriar-se, de forma ativa em diferentes momentos da
história” (BRASIL, 1997, p.154).
A interação entre indígenas e portugueses aparece no livro, primeiramente, como
pacíficas sendo modificadas pela escravização dos nativos reforçando o dualismo entre
conquistadores e conquistados e dominantes e dominados. Ao tratar da Guerra entre os dois
povos, o conceito de resistência deveria ser abordado, o que não ocorre, pois a guerra,
segundo o material didático, serviu para dizimar a população nativa que se isolou no interior
do território. Essa interpretação homogênea de dizimação e isolamento ausenta os indígenas
de participação histórica no período da colonização como é possível exemplificar nas
passagens abaixo;
A Unidade 6 do livro Projeto Araribá traz somente no Tema 3 essa breve descrição das
populações indígenas no período da colonização. A temática só é ampliada em uma sessão,
posterior ao capítulo denominada “Em Foco” que, nesta unidade, tem como título: Os povos
indígenas no Brasil. A impressão que se tem é de uma tentativa de atender às modificações da
Lei 11.645/08 sem alterar o conteúdo principal do livro, que como analisado, diverge das
modificações propostas pela Lei n° 11.645/08 que afirma em seu parágrafo 1 do Artigo 26-A;
§1° O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos
da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir
desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos,
a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas
contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do
Brasil.(BRASIL, 2009).
humanidade e razão. É notável perceber como o documento analisado, nos dias atuais,
difunde interpretações formuladas no século XVI e debates que se intensificam no final do
século XVIII e início do XIX com a retomada dos estudos das crônicas dos viajantes.
Perpetuar esse imaginário impossibilita o aluno de entender a presença indígena no presente e
no futuro e de compreender uma sociedade multiétnica.
Como síntese das duas visões é sugerida a atividade de “Compreender um texto” a
partir do artigo “A cordialidade dos tupinambá”;
Figura 1
Figura 2
Na sessão “Em Foco” são trabalhadas duas gravuras de Theodore de Bry colorizadas.
As imagens são ilustrativas, não há nenhuma explicação como, por exemplo; o momento
histórico em que foi produzida, quem é Theodore de Bry, em que obra foram produzidas e o
porquê se utilizou uma imagem colorida ao invés da reprodução das imagens originais.
O que encontramos no final da referência da segunda imagem é: “a antropofagia foi
um dos costumes indígenas que mais impressionaram e chocaram os europeus.” (PROJETO
ARARIBÁ, 2010:175). Seguida da questão: “que características culturais dos Tupi foram
representadas nas imagens?” (PROJETO ARARIBÁ, 2010:175). O trabalho com imagem
proposto pelo livro didático é totalmente descontextualizado tendo em vista que, as duas
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imagens foram produzidas no século XVI e que os homens representados não eram indígenas,
muito menos Tupi.
Como é possível observar na figura 1, os “indígenas” representados usam cocar,
característica dos nativos encontrados na atual região da Flórida (EUA), sendo essa uma
marca das imagens de De Bry; reprodução de um modelo de “índio” para todas as regiões do
Novo Mundo já que sua obra é uma copilação de imagens e crônicas de diferentes regiões do
Novo Mundo.
Na figura 2, assim como na figura 1, é nítida a identificação dos “indígenas” com
características físicas européias; barba, cabelos ondulados e alguns homens calvos, seus
corpos tem o padrão renascentista. Como é possível então, uma questão que vincule essa
imagem a “características culturais dos Tupis” supondo que aquilo que está ilustrado seja uma
representação do real quando é perceptível que estas imagens dizem muito mais sobre a
Europa do que sobre as populações aqui encontradas. Essa aproximação contrasta com todas
as propostas educacionais que pretendem desconstruir estereótipos dos indígenas vistos como
primitivos, selvagens e com características homogêneas “estando em descompasso com as
pesquisas e estudos que foram e são realizados a respeito das culturas indígenas em nosso
país” ( BARBOSA, 2011, p. 52).
Figura 3
Figura 4
Utilizar imagens que falam a respeito do índio de forma isolada e como testemunha do
passado não fornece aos alunos instrumentos para que ele possa refletir e discutir sobre as
construções sociais que se perpetuam há vários séculos.
Assim sendo, o livro didático analisado representa os grupos indígenas com imagens
contraditórias, que simplificam a questão induzindo o aluno à incapacidade de compreender
um “outro” que é diferente. Em vista disso, podemos identificar que o livro didático do 7° ano
do Ensino Fundamental projeto Araribá continuam a trabalhar com formulações
esquemáticas, ignorando as pesquisas feitas pela história e pela antropologia no conhecimento
do “outro”, se mostram deficientes ao tratar a diversidade étnica e cultural existente no Brasil,
como propõe o tema transversal Pluralidade Cultural dos PCNs e a Lei n° 11.645/08,
impossibilitando o projeto de “eliminar conceitos errados, culturalmente disseminados, acerca
de povos e grupos humanos que constituem o Brasil” (BRASIL, 1997:157), da “possibilidade
de desenvolvimento de valores básicos para o exercício da cidadania, voltados para o respeito
do outro e a si mesmo[...]” (BRASIL, 1997:147) e por fim da “possibilidade de que os alunos
compreendam, respeitem e valorizem a diversidade sociocultural e a convivência solidária em
uma sociedade democrática” (BRASIL, 1997:147).
Considerações Finais
permanece distante do ensino acadêmico que, no Brasil, há mais de quatro décadas superou os
conceitos disseminados por esses materiais.
Como se pôde observar investir na aproximação das pesquisas acadêmicas com o
ensino escolar é fator primordial para que se alcance uma educação de qualidade capaz de
romper com discriminações que habitam o imaginário social. O tema transversal Pluralidade
Cultural assim como a Lei 10.639/03 foram escritos visando atender expectativas
internacionais de valorização da diversidade e eliminação do preconceito. Essas
manifestações internacionais articulam-se com os estudos acadêmicos que objetivam uma
mudança no conhecimento das populações e das sociedades a partir da década de 60 com o
grande interesse pela história social e a história das mentalidades tornando-se objetos de
estudos a psicologia coletiva e os aspectos cotidianos dos vários grupos sociais. Essa mudança
na historiografia transforma a maneira de se pensar o “outro”, sendo essa perspectiva que
sustenta os textos educacionais aqui estudados. Os estudos históricos acadêmicos dos últimos
tempos propõe uma aproximação do cultural com a história política, buscando aproximações
com outras disciplinas como a sociologia, a antropologia, a ciência política, a psicanálise para
se conseguir uma maior inteligibilidade do processo, outra tentativa é a superação dos
impasses da história das mentalidades inserindo-a em um estudo mais amplo de práticas e
representações relacionando o cultural, o social e as linguagens. Todas essas alternativas são
possibilidades que se apresentam ao estudo da história, todas elas apoiadas na história cultural
que estuda as relações incluindo não somente classes, mas também gêneros, etnias gerações e
as diversas formas de identidade buscando as diferenças entre todos, excluindo qualquer
possibilidade de homogeneidade. Dessa maneira percebemos como nossos documentos
direcionadores da educação trabalham como uma linha fundamentalmente da década de 60,
sem levar em conta todas as novas possibilidades interpretativas atuais que abarcam a
diversidade. Mais preocupante ainda é a metodologia encontrada no livro didático que não
conseguiu ainda alcançar as leis educacionais da década de 60, trabalhando ainda com uma
história de tradição iluminista privilegiando as ideias e manifestações eruditas em que
“civilização” assumiu lugar de destaque.
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Referências
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