O Papel Do Psicólogo Escolar Concepçoes de Professores e Gestores PDF
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Resumo
Historicamente, a atuação do psicólogo no contexto escolar tem sido mais caracterizada pelo modelo clínico do que por modelos mais sistêmicos
e institucionais. O presente estudo objetivou descrever as concepções de professores e gestores sobre o papel do psicólogo escolar. Participaram
desta investigação 38 membros da equipe administrativo-pedagógica e professores de uma escola particular, os quais foram entrevistados na
própria escola, tendo sido construídas categorias de análise. Os resultados mostram que gestores e professores concebem o psicólogo escolar
como um ‘especialista’, mas também como um profissional ‘auxiliar’. Além disso, houve relatos de desconhecimento das funções do psicólogo.
Segundo os participantes, o psicólogo deve atuar primordialmente junto aos alunos. Concepções similares foram encontradas em outros estudos,
apesar de se reconhecer a existência de críticas a essa modelo. Destaca-se a importância de intervenções com o foco na prevenção e promoção
do desenvolvimento.
Palavras-chave: psicólogo escolar; educação; psicologia escolar.
Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 21, Número 3, Setembro/Dezembro de 2017: 407-415. 407
Introdução com a realidade brasileira, em uma perspectiva mais pre-
ventiva e interdisciplinar. Na investigação de Souza, Ribeiro
A relação entre as áreas da Psicologia e da Educa- e Silva (2011) acerca da atuação dos psicólogos escolares
ção, no Brasil, é antiga e merece destaque, uma vez que na rede privada de ensino foram identificadas práticas tra-
foi no campo da Educação que a Psicologia realizou suas dicionais e emergentes. Segundo as autoras, “o psicólogo
primeiras aplicações (Antunes, 2002, 2008, 2012; Goulart, pode ampliar o alcance de sua atuação, desde que esteja
2003). A prática psicológica no contexto escolar, especial- fundamentado em concepções que considerem a dimensão
mente no Brasil, esteve, inicialmente, baseada no paradig- histórico-cultural da constituição humana” (p. 57).
ma positivista (Antunes, 2012; Carvalho & Marinho-Araújo, No estudo realizado nos Estados Unidos por Wa-
2009), estando em consonância com as transformações po- tkins, Crosby e Pearson (2001), com 522 profissionais da
líticas norteadas por concepções liberais ocorridas no país equipe escolar, a função predominante do psicólogo escolar,
no início da República. Segundo Oliveira e Marinho-Araújo segundo a equipe, era a de avaliação dos alunos. Os pro-
(2009), a construção da relação Psicologia-Educação foi fissionais avaliaram como ‘muito importante’ as atividades
fortemente marcada por ações que tinham o objetivo de de avaliação, de acompanhamento na inserção do aluno na
adaptar o indivíduo ao contexto escolar, com a utilização de educação especial, de consulta e aconselhamento e, tam-
psicodiagnósticos e avaliação psicológica. bém, para as intervenções em momentos de crise e manejo
O modelo clínico de atuação predominava, apresen- comportamental. Os entrevistados relataram que o psicó-
tando-se descontextualizado em relação às necessidades logo escolar realizava um bom trabalho, considerando o
da escola e fundamentado em ideias norte-americanas tempo dedicado à escola, mas os participantes enfatizaram
e europeias (Antunes, 2012; Barbosa, 2010; Carvalho & que ainda havia necessidade dos serviços psicológicos, o
Marinho-Araújo, 2009). O resultado foi o desenvolvimento que indica uma valorização do trabalho do psicólogo escolar
de um exercício psicológico que enfatizava a avaliação das e uma crescente demanda, o que pode acarretar excesso
dificuldades de aprendizagem de crianças e adolescentes de trabalho. Watkins e cols. (2001) constataram que os
por meio de instrumentos padronizados (Andaló, 1984; Antu- psicólogos escolares desejavam realizar atividades mais
nes, 2008; Guzzo, Mezzalira, Moreira, Tizzei, & Neto, 2010; diversificadas, no entanto, havia solicitação frequente pela
Lima, 2005), atribuindo unicamente aos indivíduos e às suas avaliação dos alunos.
famílias a responsabilidade pelo fracasso escolar (Antunes, Os resultados de Giongo e Oliveira-Menegotto
2008). Nesse tipo de atuação o aluno é ‘culpado’ por sua (2010), no cenário nacional, reforçam os resultados encon-
não aprendizagem, excluindo-se os fatores intra-escolares trados por Watkins e cols. (2001), mesmo em contextos
e as questões sociais na promoção das dificuldades e do culturais diferentes. Giongo e Oliveira-Menegotto mostraram
fracasso escolar. Atualmente, há críticas a esse modelo que os professores de escolas públicas de uma cidade do
como prática psicológica dentro da escola havendo, por interior do Rio Grande do Sul atribuem ao psicólogo escolar
parte dos psicólogos, a ampliação e o aperfeiçoamento de a função de diagnosticar, revelando expectativas de que o
intervenções nesse contexto, com o intuito de problematizar psicólogo exerça funções clínicas no contexto escolar. Alia-
e reverter dinâmicas institucionais produtoras de fracasso da a essas concepções, identificaram-se outras que deno-
escolar e de encaminhamentos de alunos para atendimen- tam a concepção de centralização dos ‘problemas’ no aluno.
to psicológico (Firbida & Facci, 2015; Lessa & Facci, 2011; Segundo Giongo e Oliveira-Menegotto, esses dados eviden-
Souza, 2007; Souza, 2009; Souza, Gomes, Cecchia, Lara, & ciam o desconhecimento do papel do psicólogo escolar por
Roman, 2016). Há, portanto, necessidade de redimensionar parte dos professores. As autoras ressaltam a importância
a atuação do psicólogo escolar e de empreender atividades de um trabalho interdisciplinar, o qual esteve ausente nos
promotoras de saúde e de desenvolvimento humano na edu- relatos dos professores entrevistados.
cação, conforme ressalta a literatura (Cruces, 2005; Rodri- Em um estudo mais recente sobre o papel do psi-
gues, Itaborahy, Pereira, & Gonçalves, 2008; Rossetti, Silva, cólogo escolar, realizado no Chile, os resultados de Costa,
Batista, Stein, & Hulle, 2004; Souza & cols., 2016). Sanhueza, Barra e Villalobos (2012) demonstraram que,
A partir dos anos de 1970, de acordo com Antunes inicialmente, a comunidade escolar não tinha clareza quan-
(2008), se identificam críticas ao modelo médico de atuação to ao papel desse profissional. Costa e cols. (2012, p. 176)
do psicólogo escolar, com foco nos problemas dos alunos. A afirmam que
partir de então e, principalmente, dos anos 2000 observam-
-se estudos que mostram a importância e a necessidade ocorre uma confusão com o papel a desempenhar, já que
de uma atuação mais preventiva, interdisciplinar e por uma muitas vezes se pensa que o psicólogo vem exercer um
Psicologia Escolar mais crítica (Antunes, 2008; Lessa & papel clínico. Isto influencia a maneira na qual o psicólogo
Facci, 2011; Souza & cols., 2016). Por exemplo, no trabalho está incluído dentro do estabelecimento, dado que deve
de Neves, Almeida, Chaperman e Batista (2002), as autoras esclarecer estas dúvidas, ir progressivamente colocando
afirmam que o psicólogo escolar ainda não consolidou seu limites e focalizando as expectativas da comunidade
espaço de atuação profissional, existindo a necessidade de educativa, que, de acordo com os psicólogos, é uma tarefa
redefinição do seu papel nas instituições escolares visando, desgastante.
sobretudo, o exercício de uma prática psicológica integrada
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Após a inserção do psicólogo na escola, a sua atu- diferentes situações, por exemplo, aquelas que envolvem
ação foi descrita pelos participantes como sendo junto aos diversidade racial e étnica (Graves Jr., Procton, & Aston,
alunos. O papel do psicólogo seria o de resolver os proble- 2014), o bullying (Kub & Feldman, 2015; Sherer & Nicker-
mas dos alunos, a partir da solicitação dos professores e son, 2010) e necessidades emocionais e comportamentais
gestores, seja no nível individual ou grupal, tendo autonomia severas (McGraw & Koonce, 2011).
na escolha e na implementação das estratégias. As análises De acordo com a literatura, o psicólogo deve atuar
mostraram que os problemas mais comumente relatados fo- de forma sistêmica e abrangente, focalizando os diferentes
ram: problemas comportamentais, bullying e dificuldades na atores sociais na escola (Farrell, 2009; McGraw & Koonce,
convivência escolar. Os autores apontam que esse tipo de 2011). Guzzo (2003) ressalta que o atendimento dirigido so-
atuação do psicólogo deriva do fato de que a comunidade mente ao estudante não assegura a sua “volta” aos ritmos
escolar não identifica outras funções para o psicólogo, uma de seu desenvolvimento integrado à sala de aula, família e
vez que ela não tem uma representação prévia do que o comunidade, sugerindo que qualquer intervenção considere
psicólogo escolar pode fazer. Mas também os psicólogos in- os diversos sistemas em que as crianças e/ou os adoles-
vestigados não tinham clareza sobre o que fazer no contexto centes estão inseridos. A autora propõe a utilização de uma
escolar. abordagem ecológica de atuação, destacando a prevenção
Similar às conclusões de Costa e cols. (2012) no e a promoção da saúde e do bem-estar subjetivo, permi-
contexto de uma escola do Chile, no estudo brasileiro de tindo aos estudantes obterem sucesso em suas atividades
Rossetti, Silva, Batista, Stein e Hulle (2004), na cidade de vida, diminuindo o curso da violência, do fracasso es-
de Vitória, os profissionais da educação (com exceção do colar, da gravidez precoce dentre outros comportamentos
psicólogo escolar) do sistema público e privado, afirmaram considerados de risco ao desenvolvimento saudável. Além
que conhecem o trabalho do psicólogo, apesar de esse co- desses aspectos, espera-se que o psicólogo compreenda a
nhecimento estar relacionado a uma noção estereotipada importância da integração de seu trabalho com outros siste-
e limitada da atuação de um profissional de psicologia em mas que influenciam o desenvolvimento da criança, espe-
uma escola. Os resultados categorizados como “ênfase nos cialmente, a família, a escola e a comunidade (Farrel, 2009).
relacionamentos” apontavam para atendimentos individuais Assim, nessa perspectiva, a Psicologia dentro da
e/ou clínicos, especialmente no tocante aos estudantes. Se- Escola deve estar engajada ao processo pedagógico, dando
gundo os autores, a imagem do campo da psicologia esco- suporte ao trabalho com os demais profissionais. Ressalta-
lar, bem como dos psicólogos que atuam na área, era como -se que esse tipo de trabalho só será possível na medida em
“corpos estranhos” à rotina da escola. No caso do estudo de que todos os atores sociais tiverem clareza do seu papel e
Bray (2015), com psicólogos da rede privada de ensino do função (Farrell, 2009). Portanto, investigar as concepções
estado de São Paulo, a atuação destes era junto a estudan- de professores e gestores educacionais sobre a atuação
tes, pais e professores e, apesar dos profissionais afirmarem do psicólogo na escola é um dos primeiros passos para se
não utilizar o modelo clínico, também não se pode afirmar refletir acerca da atuação desse profissional e, em especial,
que havia uma atuação institucional e crítica, uma vez que no setor privado. Tendo os pressupostos sistêmicos e bio-
predominava a perspectiva mais individualizada da prática ecológicos como norteadores, o presente estudo objetivou
do psicólogo. descrever as concepções sobre o papel do psicólogo esco-
Marinho-Araújo e Almeida (2005) reafirmam a im- lar de professores e gestores de uma escola particular do
portância da dimensão preventiva na atuação do psicólogo interior do estado de Minas Gerais.
escolar. De acordo com as autoras, nessa perspectiva estão
implicadas ações e estratégias para que o psicólogo escolar
facilite e incentive a construção de procedimentos de ensino Método
diversificados, promovendo a reflexão e conscientização de
funções, papéis e responsabilidades dos sujeitos em intera-
ção no contexto escolar, além de buscar, junto com a equi- Participantes
pe escolar, a superação dos obstáculos à apropriação do
conhecimento. O foco na prevenção e promoção de saúde Participaram da pesquisa 38 membros da equipe
também é destacado por Rodrigues e cols. (2008), para os administrativo-pedagógica e professores de uma escola par-
quais “a promoção de saúde constitui uma estratégia fun- ticular do interior de Minas Gerais, dos quais 33 eram profes-
damental no contexto escolar, parte-se da necessidade de sores e cinco membros da equipe administrativo-pedagógica.
buscar o desenvolvimento global do indivíduo, estimulando Os participantes tinham idades entre 21 e 66 anos,
suas competências e favorecendo sua integração junto à sendo 29 do sexo feminino e nove do sexo masculino. Quan-
comunidade” (p. 69). A partir desse posicionamento, o papel to à formação acadêmica, a maioria possuía graduação (n
do psicólogo no contexto escolar, portanto, deve ser pauta- = 30; 80%), apenas dois o ensino médio, um o magistério
do por ações que objetivem e promovam o desenvolvimento e cinco estavam cursando a graduação. Desse total, 42%
dos alunos em processo de escolarização. Considerando a (n = 16) possuíam especialização e 10,5% (n = 4) haviam
diversidade existente na escola contemporânea, os psicólo- concluído o mestrado. Dentre os participantes que possuí-
gos escolares precisam desenvolver estratégias diante de am graduação, 43% (n = 13) haviam se formado entre um a
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cinco anos, 23% (n = 7) entre seis a dez anos, 17% (n = 5) na própria instituição, de acordo com a disponibilidade de
entre 11 a 20 e 17% (n = 5) entre 25 a 35 anos. horário de cada entrevistado. Os relatos foram gravados e,
No que tange ao tempo de trabalho na área da posteriormente, transcritos integralmente para subsequente
educação, 12 (n = 12, 31,6%) possuíam entre seis meses análise de conteúdo com base na proposta de Bardin (2011).
a cinco anos de experiência, 29% (n = 11) entre seis a 10 Especificamente, no processo de compreensão das
anos, 18,4% (n = 7) entre 11 a 20 anos, 10,5% (n = 4) entre narrativas, foi utilizada a análise de conteúdo seguindo qua-
21 a 30 anos e 10,5% (n = 4) entre 31 a 34 anos. Quanto ao tro momentos: 1. Esquema teórico e sua problemática; 2.
tempo de trabalho na instituição pesquisada, 74% (n = 28) Material de análise; 3. A análise; 4. Tratamento dos resulta-
dos profissionais possuíam entre um a cinco anos de vínculo dos. Dada a natureza desta análise, após a formação das
com a escola, 16% entre seis a 10 anos, 6% entre 11 a 20 categorias-síntese houve a definição destas. Em seguida,
anos e 4% entre 21 a 34. Mais da metade (n = 22; 58%) dos procedeu-se à revisão da definição das categorias, fase em
participantes trabalhava apenas nesta escola, os demais se que se contou com a participação de dois juízes com experi-
dedicavam também a outras instituições de ensino, havendo ência em análise do conteúdo e familiaridade com o tema do
profissionais com vínculo com até cinco instituições. Cabe presente estudo. Após essa etapa de concordância entre os
ressaltar que a escola contava, à época da pesquisa, com juízes, obteve-se a definição das categorias.
um psicólogo escolar, o qual não participou como informante
no presente estudo, uma vez que o objetivo era investigar
a percepção de professores e gestores acerca do papel do Resultados
psicólogo naquele contexto.
O critério utilizado para a composição da amostra foi a) A partir da análise de conteúdo dos relatos de pro-
fazer parte do corpo de professores, gestores ou da coordena- fessores e gestores, foram categorizados três principais
ção da escola, b) o consentimento para participar da pesquisa temas: 1) desconhecimento acerca do papel do psicólogo,
e c) permissão para a gravação em áudio da entrevista. 2) atuações do psicólogo escolar e 3) definição do papel do
psicólogo. As categorias e as frequências dos relatos podem
ser observadas na Figura 1. Ressalta-se que foram consi-
Instrumentos derados os relatos dos participantes e não a quantidade de
participantes.
Foi utilizada uma entrevista semiestruturada e um
questionário sociodemográfico. A entrevista teve como foco
a indagação “Qual é o papel do Psicólogo Escolar?”, tendo Desconhecimento do Papel do Psicólogo
se desdobrado, para fins de aprofundamento das respostas,
em mais duas perguntas: “O que faz um psicólogo esco- Foram incluídos nesta temática os relatos/falas e a
lar?”, “O que deve fazer um psicólogo escolar?” Esse tipo manifestação de silêncio que indicaram o desconhecimento
de estratégia de entrevista adota a forma de um diálogo co- acerca do papel do psicólogo escolar (n = 4). Um desses re-
loquial, segundo Martinez (2006). Para Valles (1999) este é latos identificou o profissional de psicologia como sendo um
um tipo de entrevista conversacional informal que inicia com profissional da área de serviço social. Os excertos abaixo
uma pergunta ampla de modo a não induzir respostas dos exemplificam esta categoria:
participantes. Cabe ressaltar que a entrevista se constitui
em um método que “favorece o acesso direto ou indireto às Eu não sei falar muita coisa...
opiniões, às crenças, aos valores e aos significados que as A G. é a assistente social daqui, então, não tenho nada a
pessoas atribuem a si, aos outros e ao mundo circundante” reclamar dela não, ela é ótima, mas assim, ela conversa com
(Fraser & Gondim, 2004, p. 140). Já o questionário sociode- os alunos..., mas eu acho assim, ela é muito boa.
mográfico objetivou caracterizar a amostra de participantes
no que se refere ao sexo, idade, tempo de formação, tempo
de profissão, tempo de trabalho na instituição investigada, Definição do Papel do Psicólogo Escolar
bem como quantidade de empregos.
Esta categoria refere-se aos relatos cujas concep-
ções definiram o papel do psicólogo escolar, tendo sido
Procedimentos construídas três subcategorias: especialista, auxiliar e indi-
ferenciado. No tocante ao papel de ‘especialista’ (n = 21), os
Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética relatos indicaram o psicólogo escolar como detentor de um
em Pesquisa com Seres Humanos1, deu-se início à seleção, saber especializado e relevante, superando os saberes das
por conveniência, da escola e dos profissionais. Foi solici- outras profissões dentro do contexto escolar. Por exemplo:
tado o consentimento dos participantes para a realização
da entrevista, tendo sido estas realizadas individualmente ...mas a gente não tem a formação que vocês [psicólogos]
têm pra ter um atendimento perfeito que o aluno precisa.
1 Universidade Federal de Juiz de Fora, sob o parecer nº 522.816.
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Figura 1. Concepções dos professores e gestores sobre o papel do psicólogo.
Em relação ao papel de ‘auxiliar’ (n = 15), isto é, o que a frequência se refere ao número de relatos, podendo
psicólogo como um profissional não essencial, sendo solici- ser maior que o número de participantes. Essa foi a temática
tado apenas quando necessário, foram identificados relatos com maior frequência de relatos (n = 82), indicando que o
como o que se segue: psicólogo na escola é mais bem identificado por sua atuação
individualizada junto aos alunos (n = 58). Os relatos identifi-
...Eu vou te dizer assim... Às vezes não há tanta necessidade cando a ação do psicólogo junto aos professores (n = 15) e
[do trabalho psicólogo escolar] porque eles são pequenos à família (n = 9) ocorreram com uma frequência um pouco
[os alunos]… e quando excede aquilo que é normal, do menor. A Figura 2 mostra essas categorias e subcategorias.
dia a dia, eu passo primeiro para a coordenação, pra Nos relatos abaixo, identificam-se, por subcategoria,
minha coordenadora e, se for necessário, nós vamos até exemplos dos relatos dos participantes em relação à atua-
a psicóloga. E aí a gente até faz uma reunião com todos ção junto aos alunos:
pra tentar resolver da melhor forma possível. Até agora não
[precisei do psicólogo escolar], acho ótimo né, isso significa ...o que eu percebo pode ser que seja um trabalho, assim,
que todos estão bem. às vezes com aquelas crianças que têm mais dificuldade,
tanto física quanto mesmo, assim, é, de aprendizagem né;
A subcategoria ‘indiferenciado’ (n = 4) refere-se àque- não sei, alguma criança que tenha alguma necessidade
les relatos que indicaram que as funções que os profissionais educacional especial, um trabalho mais focado com aquela
atribuem ao psicólogo também podem ser desempenhadas criança e também com outros alunos que tenham uma
por outros profissionais da escola. dificuldade, não sei. (Resolução de problemáticas)
Eu acho que os professores são um pouquinho psicólogos ... a turma estava com dificuldade de adaptação e eu
porque eles [alunos] chegam pra gente contando alguns pude contar com a parte da psicologia, que me ajudou pra
problemas em casa, nada muito grave não, mas eles sempre caramba... fez uma observação e me ajudou muito, foi feito
chegam contando alguma coisa e esperam da gente acesso. aquele sociograma, então foi muito bacana (Uso de técnicas)
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Figura 2. Atuações do psicólogo escolar junto aos alunos.
Assim, é que eu vejo como uma assistência, quando a de 1970 (Patto, 1984), ainda permanecem atuais conforme
gente tem alguma dificuldade, algum aluno que a gente apontado pela literatura (Antunes, 2008). As recentes dis-
vê que tá estranhando um pouco o ambiente ou tá com cussões acerca dos aspectos teóricos e práticos da atuação
algum problema e a gente não sabe o que é, geralmente a do psicólogo escolar têm ressaltado a importância do desen-
psicóloga ajuda a gente bastante nesse ponto, pelo menos volvimento de perspectivas mais relacionais, que compre-
foi o que até hoje eu percebi. (Orientação) endam o espaço escolar de forma sistêmica. Sendo assim,
práticas baseadas em um modelo clínico, de causalidade
…[o psicólogo] não é um balcão de tirar dúvidas, é uma linear, que consideram na maioria das vezes o aluno-pro-
parceria, cada um na sua área e no final das contas o ano blema como foco de intervenção vêm sendo questionadas
letivo é o mesmo... (Parceria) (Andrada, 2005; Lima, 2005; Giongo & Oliveira-Menegotto,
2010). Apesar disso, tanto no estudo de Giongo e Oliveira-
A atuação junto à família foi expressa nos relatos de -Menegotto (2010) quanto na presente investigação, os
que o psicólogo escolar pode conversar e dar apoio à família professores, naquele, e os professores e gestores, neste,
em assuntos que se referem a seus filhos, como pode ser ainda esperam que a prática do psicólogo escolar tenha o
verificado pelos relatos abaixo: foco principal no aluno, indicando, portanto, que este é o
problema e que apresenta aspectos disfuncionais, devendo
… agora nós temos a G. e assim, sempre que a gente ser ‘tratado’ de forma individual.
[professores] precisa dela ou se uma mãe precisa, ela tá Os resultados da presente investigação mostram
sempre pronta pra ajudar, pra conversar, pra entender e até que os professores e os gestores concebem o trabalho do
pra dar alguma sugestão se for necessário pra essa mãe. psicólogo escolar com foco nos alunos, tendo uma atuação
Então é um apoio muito grande não só pra família... voltada, principalmente, para as problemáticas dos dis-
centes. Esse tipo de atuação está muito próximo de uma
... às vezes pai que chega aqui todo nervoso, você vai intervir, prática clínica e baseado em uma causalidade linear, por
como psicólogo você vai ter muita voz ativa, entendeu?... desconsiderar os diversos e inter-relacionados fatores que
exercem influência no desenvolvimento do aluno e em seu
desempenho acadêmico (Rodrigues & cols., 2008). Além
Discussão disso, essas concepções privilegiam mais a remediação,
não havendo uma perspectiva de promoção e prevenção do
Os resultados evidenciados no presente estudo, desenvolvimento global do aluno, ênfase sustentada como
apesar de já terem sido alvo de discussões desde a década fundamental por Rodrigues e cols. (2008).
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Segundo Selvini-Palazzoli e cols. (2004) é comum que o psicólogo deixará de ser o ‘especialista’, que sozinho
que os atores da escola busquem, junto ao psicólogo, uma tudo resolverá e, ao mesmo tempo, ao contribuir com o seu
intervenção, sendo habitual que essa procura se dê sem- conhecimento, não será um profissional apenas ‘auxiliar’
pre para a resolução de um problema identificado no outro. ou que pode ter suas funções desempenhadas por outros
Esse tipo de concepção é a que foi encontrada, com maior profissionais, mas um membro importante e integrante da
frequência, no presente estudo. Ressalta-se, portanto, escola que deve trabalhar em conjunto, em equipe.
que as ações do psicólogo no contexto escolar devem ser Como destacam Selvini-Palazzoli e cols. (2004), é
fundamentadas na concepção de um indivíduo como parte importante que cada membro da equipe escolar reflita sobre
de sistemas relacionais, constituídos pela cultura e história. a sua responsabilidade e participação, tanto os professores
Além disso, é importante que os profissionais reconheçam e coordenadores, quanto o próprio psicólogo e que este
a complexidade constitutiva dos indivíduos e dos processos ocupe a sua posição e, nessa medida, tenha o seu trabalho
sociais humanos, bem como das práticas sociais das quais a reconhecido. Segundo Martinez (2010), discussões em torno
educação constitui uma expressão (Martinez, 2010). do papel do psicólogo escolar se mostram positivas e pro-
A atuação junto aos professores e à família teve fre- missoras para que haja uma manifestação de uma mudança
quência menor, indicando, provavelmente, falta de clareza gradual indo de um modelo de atuação tradicional para um
quanto ao papel do psicólogo escolar, conforme também modelo de atuação mais amplo e diverso.
encontrado em Costa e cols. (2012), mesmo considerando Tais questões trazem à tona a importância do traba-
que o profissional estava presente naquele contexto. Nes- lho colaborativo entre o psicólogo e a equipe de trabalho,
se sentido, Andrada (2005) e Giongo e Oliveira-Menegotto o que contribui para que a atuação do psicólogo escolar
(2010) sugerem que, a despeito dos avanços teóricos den- seja eficiente e não se torne uma ameaça para o trabalho
tro do campo da psicologia escolar, a escola ainda possui e espaço de outros profissionais (Martinez, 2010). Quando
a expectativa de uma atuação do psicólogo escolar voltada o psicólogo trabalha colaborativamente com toda a escola
para o aluno desviante, isto é, aquele que se afasta da nor- é retirado dele o peso de especialista, bem como as expec-
ma. Dessa forma, não é comum a professores e gestores tativas irrealistas quanto às suas possibilidades de atuação;
a noção de um psicólogo que atue de forma institucional, dessa forma, as responsabilidades são compartilhadas e
articulando vários segmentos (estudantes, família, profes- assumidas por todos e o psicólogo se torna um importante
sores, diretores, etc.) em práticas ampliadas, conforme os gerenciador de relações (Curonici & McCulloch, 1999). É de
resultados deste presente trabalho apontam. suma importância que o psicólogo se integre à equipe esco-
Os resultados indicam também que os gestores e os lar, assumindo planos/propostas de superação profissional,
professores identificam o psicólogo escolar como um ‘espe- isto é, propostas de atuação alinhadas às reais condições de
cialista’, ou seja, aquele que tem o conhecimento, saberes trabalho e integradas à comunidade escolar, proporcionando
e habilidades únicas para resolver certas problemáticas do uma contribuição, de fato, para a escola em que trabalha
aluno, mas também como um profissional ‘auxiliar’, dispen- (Martinez, 2010).
sável, mostrando que não há muita necessidade de seus
serviços, podendo ser solicitado apenas nos momentos
considerados difíceis ou insolúveis. Resultado similar foi Considerações finais
encontrado por Rossetti e cols. (2004). Destaca-se que o
presente estudo não pretendeu entrevistar o psicólogo sobre É importante destacar que os resultados apresen-
suas práticas, mas sim descrever as concepções dos profis- tados refletem a concepção de professores e gestores de
sionais da educação, as quais têm se mostrado alinhadas a uma única escola de uma cidade do interior de Minas Gerais,
um modelo mais reducionista de atuação. portanto as discussões aqui realizadas não pretendem gene-
Para que a posição ocupada pelo psicólogo escolar ralizar tais ideias, mas refletir acerca do papel do psicólogo
não seja a de especialista, aquele que, sozinho, resolverá escolar na atualidade. Inicialmente, destaca-se a importân-
“magicamente” os problemas na escola, é necessário que os cia da formação profissional do psicólogo para atuação no
problemas sinalizados sejam por ele compreendidos como di- campo da Educação. Formação que deve estar comprome-
ficuldades nas interações dentro dos diferentes subsistemas, tida com uma prática social e, principalmente, pautada pela
isto é, professor-alunos, alunos-alunos, professores-direção compreensão do processo ensino-aprendizagem e sua arti-
etc., tendo em vista que estas se processam de forma coe- culação com o desenvolvimento, conforme aponta Antunes
rente com os contextos no quais se encontram (Curonici & (2008).
McCulloch, 1999). Intervenções no âmbito da escola podem Parece ser um desafio para o psicólogo mergulhar na
contribuir para o aumento do conhecimento da comunidade esfera da Educação. Entretanto, ele (a) é o(a) profissional
escolar acerca do papel do psicólogo. que apresenta as ferramentas capazes de propiciar o diálogo
Já a concepção de um profissional ‘auxiliar’ pode interdisciplinar e favorecer os processos sócio institucionais
estar relacionada a certa rejeição à figura do psicólogo da escola. Ressalta-se ainda que a implementação de inves-
escolar, bem como ao próprio desconhecimento acerca da tigações é necessária, com maior número de participantes e
atuação desse profissional (Martinez, 2010). Destaca-se que em contextos escolares diversos, tais como escolas públicas
é a partir da definição de suas potencialidades e limitações e privadas. Investigações com alunos, por exemplo, são es-
O papel do Psicólogo Escolar * Nara Liana Pereira-Silva, Jaqueline Ferreira Condé de Melo Andrade, Sarah Rezende Crolman & Cristina Fuentes Mejía 413
cassas. Assim, considera-se que o primeiro passo para a no estado do Paraná para atuar na escola. Psicologia Escolar e
compreensão do papel do psicólogo em tempos atuais, seja Educacional,19(1), 173-184.
por meio de investigações empíricas que possam embasar
as reflexões mais ampliadas. Fraser, M. & Gondim, S. (2004). Da fala do outro ao texto negociado:
Discussões sobre a entrevista na pesquisa qualitativa. Paidéia,
14(28), 139 -152.
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Sobre as autoras
O papel do Psicólogo Escolar * Nara Liana Pereira-Silva, Jaqueline Ferreira Condé de Melo Andrade, Sarah Rezende Crolman & Cristina Fuentes Mejía 415