Variação Linguística - Exercícios
Variação Linguística - Exercícios
Variação Linguística - Exercícios
Só há uma saída para a escola se ela quiser ser mais bem-sucedida: aceitar a
mudança da língua como um fato. Isso deve significar que a escola deve aceitar
qualquer forma da língua em suas atividades escritas? Não deve mais corrigir? Não!
Há outra dimensão a ser considerada: de fato, no mundo real da escrita, não
existe apenas um português correto, que valeria para todas as ocasiões: o estilo dos
contratos não é o mesmo do dos manuais de instrução; o dos juízes do Supremo não é o
mesmo do dos cordelistas; o dos editoriais dos jornais não é o mesmo do dos cadernos
de cultura dos mesmos jornais. Ou do de seus colunistas.
POSSENTI, S. Gramática na cabeça. Língua Portuguesa, ano 5, n. 67, maio 2011 (adaptado).
1. Sírio Possenti defende a tese de que não existe um único “português correto”.
Assim sendo, o domínio da língua portuguesa implica, entre outras coisas, saber
a. descartar as marcas de informalidade do texto.
b. reservar o emprego da norma padrão aos textos de circulação ampla.
c. moldar a norma padrão do português pela linguagem do discurso jornalístico.
d. adequar as formas da língua a diferentes tipos de texto e contexto.
e. desprezar as formas da língua previstas pelas gramáticas e manuais divulgados
pela escola.
“Falar ‘caraca!’ a cada surpresa ou acontecimento que vemos, bons ou ruins, é invenção
do carioca, como também o ‘vacilão’.”
“Cariocas inventam um vocabulário próprio”. “Dizer ‘merrmão’ e ‘é merrmo’ para um
amigo pode até doer um pouco no ouvido, mas é tipicamente carioca.”
“Pedir um ‘choro’ ao garçom é invenção carioca.”
“Chamar um quase desconhecido de ‘querido’ é um carinho inventado pelo carioca para
tratar bem quem ainda não se conhece direito.”
“O ‘ele é um querido’ é uma forma mais feminina de elogiar quem já é conhecido.”
TEXTO I
Antigamente
Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um se esquecia
de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não
devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na
cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho,
aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua,
nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e
cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo
d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é
que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela
e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete,
depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos,
ele abria o arco.
ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983 (fragmento).
TEXTO II
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FIORIN, J. L. As línguas mudam. In: Revista Língua Portuguesa, n. 24, out. 2007 (adaptado).
eu gostava muito de passeá... saí com as minhas colegas... brincá na porta di casa di
vôlei... andá de patins... bicicleta... quando eu levava um tombo ou outro... eu era a::... a
palhaça da turma... ((risos))... eu acho que foi uma das fases mais... assim... gostosas da
minha vida foi... essa fase de quinze... dos meus treze aos dezessete anos...
A.P.S., sexo feminino, 38 anos, nível de ensino fundamental. Projeto Fala Goiana, UFG, 2010
(inédito).
5. Um aspecto da composição estrutural que caracteriza o relato pessoal de A.P.S.
como modalidade falada da língua é
a. predomínio de linguagem informal entrecortada por pausas.
b. vocabulário regional desconhecido em outras variedades do português.
c. realização do plural conforme as regras da tradição gramatical.
d. ausência de elementos promotores de coesão entre os eventos narrados.
e. presença de frases incompreensíveis a um leitor iniciante.
[Em Portugal], você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de
roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para
ver os ternos — peça para ver os fatos. Paletó é casaco. Meias são peúgas. Suéter é
camisola — mas não se assuste, porque calcinhas femininas são cuecas. (Não é uma
delícia?).
(Ruy Castro. Viaje Bem. Ano VIII, no 3, 78.)
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Quando vou a São Paulo, ando na rua ou vou ao mercado, apuro o ouvido; não
espero só o sotaque geral dos nordestinos, onipresentes, mas para conferir a pronúncia
de cada um; os paulistas pensam que todo nordestino fala igual; contudo as variações
são mais numerosas que as notas de uma escala musical. Pemambuco, Paraíba, Rio
Grande do Norte, Ceará, Piauí têm no falar de seus nativos muito mais variantes do que
se imagina. E a gente se goza uns dos outros, imita o vizinho, e todo mundo ri, porque
parece impossível que um praiano de beira-mar não chegue sequer perto de um
sertanejo de Quixeramobim.
O pessoal do Cariri, então, até se orgulha do falar deles. Têm uns tês doces,
quase um the; já nós, ásperos sertanejos, fazemos um duro au ou eu de todos os
terminais em al ou el - carnavau, Raqueu... Já os paraibanos trocam o l pelo r. José
Américo só me chamava, afetuosamente, de Raquer.
a. na fonologia.
b. no uso do léxico.
c. no grau de formalidade.
d. na organização sintética.
e. na estruturação morfológica.
Aula de português
A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que quer dizer?
Professor Carlos Gois, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
Carlos Drummond de Andrade. Esquecer para lembrar. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.
Pelé estava se aposentando pra valer pela primeira vez, então com a camisa do
Santos (porque depois voltaria a atuar pelo New York Cosmos, dos Estados Unidos),
em 1972, quando foi questionado se, finalmente, sentia-se um homem livre. O Rei
respondeu sem titubear:
— Homem livre no futebol só conheço um: o Afonsinho. Este sim pode dizer,
usando as suas palavras, que deu o grito de independência ou morte. Ninguém mais. O
resto é conversa.
Apesar de suas declarações serem motivo de chacota por parte da mídia
futebolística e até dos torcedores brasileiros, o Atleta do Século acertou. E
provavelmente acertaria novamente hoje.
Pela admiração por um de seus colegas de clube daquele ano. Pelo
reconhecimento do caráter e personalidade de um dos jogadores mais contestadores do
futebol nacional. E principalmente em razão da história de luta — e vitória — de
Afonsinho sobre os cartolas.
11. O autor utiliza marcas linguísticas que dão ao texto um caráter informal. Uma
dessas marcas é identificada em:
a. “[...] o Atleta do Século acertou.”
b. “O Rei respondeu sem titubear [...]”.
c. “E provavelmente acertaria novamente hoje.”
d. “Pelé estava se aposentando pra valer pela primeira vez [...]”.
e. “Pela admiração por um de seus colegas de clube daquele ano.”
Graciliano Ramos. Vidas Secas. 91.a ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
Assum preto
Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio
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Naquela manhã de céu limpo e ar leve, devido à chuva torrencial da noite anterior, sai
a caminhar com o sol ainda escondido para tomar tenência dos primeiros movimentos
da vida na roça. Num demorou nem um tiquinho e o cheiro intenso do café passado por
Dona Linda me invadiu as narinas e fez a fome se acordar daquela rema letárgica
derivada da longa noite de sono. Levei as mãos até a água que corria pela bica feita de
bambu e o contato gelado foi de arrepiar. Mas fui em frente e levei as mãos em concha
até o rosto. Com o impacto, recuei e me faltou o fôlego por alguns instantes, mas o
despertar foi imediato. Já aceso, entrei na cozinha na buscação de derrubar a fome e
me acercar do aconchego do calor do fogão à lenha. Foi quando dei reparo da figura
esguia e discreta de uma senhora acompanhada de um garoto aparentando uns cinco
anos de idade já aboletada na ponta da mesa em proseio íntimo com a dona da casa.
Depois de um vigoroso “Bom dia!”, de um vaporoso aperto de mãos nas apresentações
de praxe, fiquei sabendo que Dona Flor de Maio levava o filho Adão para tratamento
das feridas que pipocavam por seu corpo, provocando pequenas pústulas de bordas
avermelhadas.
14. A variedade linguística da narrativa é adequada à descrição dos fatos. Por isso, a
escolha de determinadas palavras e expressões usadas no texto está a serviço da
(Mário de Andrade. Poesias completas. 6. ed. São Paulo: Martins Editora, 1980.)
15. O texto poético ora reproduzido trata das diferenças brasileiras no âmbito
a. étnico e religioso.
b. linguístico e econômico.
c. racial e folclórico.
d. histórico e geográfico.
e. literário e popular.
Noites do Bogart
O Xavier chegou com a namorada mas, prudentemente, não a levou para a mesa com o
grupo.
Abanou de longe. Na mesa, as opiniões se dividiam.
— Pouca vergonha.
— Deixa o Xavier.
— Podia ser filha dele.
— Aliás, é colega da filha dele.
Na sua mesa, o Xavier pegara na mão da moça.
— Está gostando?
— Pô. Só.
— Chocante, né? — disse o Xavier. E depois ficou na dúvida. Ainda se dizia
“chocante”?
Beberam em silêncio. E ele disse:
— Quer dançar?
E ela disse, sem pensar:
— Depois, tio.
E ficaram em silêncio. Ela pensando “será que ele ouviu?”. E ele pensando “faço algum
comentário a respeito, ou deixo passar?”. Decidiu deixar passar. Mas, pelo resto da noite
aquele “tio” ficou em cima da mesa, entre os dois, latejando como um sapo. Ele a levou
em casa. Depois voltou. Sentou com os amigos.
— Aí, Xavier. E a namorada?
Ele não respondeu.
VERISSIMO, L. F. O melhor das comédias da vida privada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
17. O personagem Chico Bento pode ser considerado um típico habitante da zona
rural, comumente chamado de "roceiro" ou "caipira". Considerando a sua fala,
essa tipicidade é confirmada primordialmente pela:
a. transcrição da fala característica de áreas rurais.
b. redução do nome "José" para "Zé", comum nas comunidades rurais.
c. emprego de elementos que caracterizam sua linguagem como coloquial.
d. escolha de palavras ligadas ao meio rural, incomuns nos meios urbanos.
e. utilização da palavra "coisa", pouco frequente nas zonas mais urbanizadas.
Essa pequena
Meu tempo é curto, o tempo dela sobra
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
Temo que não dure muito a nossa novela, mas
Eu sou tão feliz com ela
Meu dia voa e ela não acorda
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
Não canso de contemplá-la
Feito avarento, conto os meus minutos
Cada segundo que se esvai
Cuidando dela, que anda noutro mundo
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai
Às vezes ela pinta a boca e sai
Fique à vontade, eu digo, take your time
Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
O blues já valeu a pena
Até quando?
Não adianta olhar pro céu
Com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer
E muita greve, você pode, você deve, pode crer
Não adianta olhar pro chão
Virar a cara pra não ver
Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus
Sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer!
GABRIEL, O PENSADOR. Seja você mesmo (mas não seja sempre o mesmo). Rio de Janeiro: Sony
Music, 2001 (fragmento).
Cabeludinho
Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu
neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela
preposição deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele
menino está fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava
de sério. Mas todo-mundo riu.
Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um chiste. E
fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor. E pode
ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina
esse, Cabeludinho. Eu não disiliminei ninguém.
Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi
nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar
de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar.
Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas
informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me
escreve / que eu não sei a ler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a
solidão do vaqueiro.
BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
20. No texto, o autor desenvolve uma reflexão sobre diferentes possibilidades de uso
da língua e sobre os sentidos que esses usos podem produzir, a exemplo das
expressões “voltou de ateu”, “disilimina esse” e “eu não sei a ler”. Com essa
reflexão, o autor destaca
a. os desvios linguísticos cometidos pelos personagens do texto.
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